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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS A INSERÇÃO DO NEGRO NA CARREIRA DE DIPLOMATA: AÇÃO AFIRMATIVA PARA O INSTITUTO RIO BRANCO VERA LÚCIA ALVES RODRIGUES LIMA 2005

LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

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Page 1: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

A INSERÇÃO DO NEGRO NA CARREIRA DE DIPLOMATA:

AÇÃO AFIRMATIVA PARA O INSTITUTO RIO BRANCO

VERA LÚCIA ALVES RODRIGUES LIMA

2005

Page 2: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

A INSERÇÃO DO NEGRO NA CARREIRA DE DIPLOMATA:

AÇÃO AFIRMATIVA PARA O INSTITUTO RIO BRANCO

VERA LÚCIA ALVES RODRIGUES LIMA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia

do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

parte dos requisitos necessários à obtenção do

título Mestre em Sociologia.

Orientadora: Gláucia Villas Bôas

Rio de Janeiro

2005

Page 3: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

2

A INSERÇÃO DO NEGRO NA CARREIRA DE DIPLOMATA: AÇÃO

AFIRMATIVA PARA O INSTITUTO RIO BRANCO (IRBR)

VERA LÚCIA ALVES RODRIGUES LIMA

Dissertação de Mestrado em Sociologia e Antropologia apresentada ao Programa

de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências

Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para

obtenção do grau de Mestre em Sociologia e Antropologia.

Banca examinadora: Profª. Drª. _____________________________ Gláucia Kruse Villas Boas (Orientadora) – IFCS/UFRJ __________________________________ Profª. Dra Yvonne Maggie Universidade Federal do Rio de Janeiro – IFCS/UFRJ __________________________________ Prof. Dr. Carlos Antonio Costa Ribeiro Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ Prof. Dr. Marco Antonio Gonçalves (suplente) Universidade Federal do Rio de Janeiro IFCS/UFRJ Prof. Dr. Carlos Henrique Gileno (suplente) UNESP - Araraquara

Rio de Janeiro

2005

Page 4: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

3

FICHA CATALOGRÁFICA

LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata: ação afirmativa

para o Instituto Rio Branco. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGSA - IFCS, 2005

Xi, 157f.

Orientadora: Gláucia Villas Bôas

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS, Programa de

Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, 2005.

Referências Bibliográficas f. 112-116

1. Ação Afirmativa 2. Política Pública 3. Instituto Rio Branco

4. Carreira de Diplomata

Page 5: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

4

Aos meus pais:

Jorge Alcides R. Lima (In memorian) e Gracinda A R. Lima

Page 6: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

5

AGRADECIMENTOS

Especial gratidão à minha orientadora, Professora Gláucia Villas Boas, que teve

presente com suas leituras atentas, comentários e sugestões; pela sua valiosa

participação na minha formação acadêmica, desde a graduação ao programa de Pós-

graduação, pelo carinho e atenção dedicados que muito contribuíram para a realização

deste trabalho.

A todos os professores que participaram na minha formação acadêmica; aos

meus colegas e professores de Pós-graduação pelas discussões, dicas e comentários

valiosos, principalmente aos professores Bila Sorj e Perter Fry nas aulas de

Metodologia. Agradeço também aos professores que participaram nas Jornadas Internas

do Programa; um agradecimento muito especial à professora Yvonne Maggie e à

professora Mônica Grin pelas sugestões feitas na qualificação do projeto.

À professora Maria Helena por ter me recebido nas suas aulas de SPSS que me

foram muito úteis na análise dos dados quantitativos que tornou possível a elaboração

do II capítulo.

Aos professores João Feres e Carlos Hasenbalg do IUPERJ pelas sugestões.

À família Uema por me ter acolhido em sua residência, pelo carinho e apóio

durante a minha estadia em Brasília para fazer pesquisa de campo, especialmente à Ana

e a minha amiga Liza Uema.

À Cristina Reis e Edjane Mair do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Ciência e Tecnologia – CNPq - pela disponibilização dos dados quantitativos analisados

neste trabalho e pela atenção e apoio prestados durante a realização da pesquisa no

CNPq.

À Tânia Malinski do Instituto Rio Branco (IRBr) pela atenção dispensada e

pelas informações valiosas que me foram muito úteis.

Aos bolsistas que prontamente me atenderam, disponibilizando parte do seu

precioso tempo para responder o questionário e para conversar comigo sobre o

programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco. A todos muito obrigado.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo

apóio financeiro.

Page 7: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

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À Cláudia e à Denise, secretárias do Programa de Pós-graduação em Sociologia

e Antropologia, pela atenção que sempre tiveram comigo ao longo desses anos de

mestrado.

Aos meus amigos do Núcleo de Sociologia da Cultura (Nusc) pelo carinho. Um

agradecimento especial ao André Botelho e à Verônica.

A todos os meus amigos Valéria, Andréia, Ana Cristina, Ana Cristina Andrade,

Daniela, Graciela, Luiz Fernando Martins, Zé Carlos e Joana, Paulo Roberto, Beth

Vianna, Selma, Magali, Gianne. Ao pessoal do PPCor, especialmente à Cláudia.

À minha mãe e aos meus irmãos Bats e Manú que, mesmo estando longe, me

apoiaram e me incentivaram nessa etapa difícil, porém prazerosa, da minha vida.

Ao Tony, muito obrigado pelo amor, paciência e compreensão.

Finalmente, a todos que contribuíram, direta ou indiretamente, na realização

deste trabalho, muito obrigado.

Page 8: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

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RESUMO

A INSERÇÃO DO NEGRO NA CARREIRA DE DIPLOMATA: AÇÃO

AFIRMATIVA PARA O INSTITUTO RIO BRANCO

VERA LÚCIA ALVES RODRIGUES LIMA

Orientadora: Gláucia Villas Bôas

Resumo da dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação

em Sociologia e Antropologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,

como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Sociologia.

Esta dissertação tem como finalidade discutir o programa de ação afirmativa

“Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”, destinado a beneficiar os “afro-

descendentes”, implementado pelo Instituto Rio Branco, órgão do Ministério das

Relações Exteriores, responsável pela seleção e formação de diplomatas brasileiros, que

tem como meta uma representação mais “dive rsificada” do Brasil no exterior. Iniciado

em 2002, o programa concedeu bolsas a 20 candidatos, selecionados de um grupo de

quatrocentos e três que se autodeclararam “afro-descendentes”, para se prepararem para

o Concurso do Instituto Rio Branco.

Com base nesses números, acreditamos que há uma demanda “reprimida” de

uma “classe média negra” intelectualmente preparada pleiteando ingressar no “grupo de

status” do Itamaraty. Este trabalho faz uma análise sociológica do perfil

socioeconômico e educacional desses candidatos, da sua mobilidade social, da

representação social do “grupo” sobre si, da experiência vivida durante o processo de

preparação para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, da avaliação dos

motivos e das expectativas da carreira de diplomata e a opinião dos bolsistas sobre o

programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco.

Palavras-chave: Ação Afirmativa, Política Pública, Instituto Rio Branco, Carreira de

Diplomata

Rio de Janeiro

2005

Page 9: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

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ABSTRACT

BLACK MINORITY ACCES TO THE DIPLOMATIC CARRIER: AFFIRMATIVE

ACTION FOR THE RIO BRANCO INSTITUTE

VERA LÚCIA ALVES RODRIGUES LIMA

Advisor: Gláucia Villas Bôas

The main goal of this dissertation is to discuss the affirmative action program “Bolsa-

Prémio de Vocação para a Diplomacia” that has been carried out by the Rio Branco

Institute, organ of the Ministry of Foreign Relations of the Brazilian Government

responsible for the selection and training of Brazilian diplomats. This program aims to

provide a more accurate representation of the Brazilian people abroad. In 2002, year of

its implementation, the program offered scholarships to twenty “afro-descendents”

candidates selected out of four hundred and three who had declared them selves as

“afro-descendent” to help them preparing themselves for the entrance examination.

Based on these numbers, we believe that there exists a “repressed” demand from

a black middle class sufficiently prepared aiming to have access as members of the

prestigious Itamaraty. This work performs a sociological analysis on the economic and

educational conditions of the candidates and social mobility. It also take into

consideration the social representation that they have of themselves, their impression

about the experience they lived during the preparation phase, their motivation and

expectation from the diplomatic career, and their opinion concerning the affirmative

action program of the Rio Branco Institute.

Key words: Affirmative Action, Public Policy, Rio Branco Institute, Diplomatic

Carrier.

Rio de Janeiro

2005

Page 10: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

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LISTA DE ANEXOS Anexo I ...................................................................................................Questionário

Anexo II ..............................................................................................Edital de 2002 do

Instituto Rio Branco

Anexo III..............................................................................................Regulamento do

Instituto Rio Branco

Anexo IV..............................................................................................Cartaz oferecendo

cursos de preparação à Carreira de Diplomata.

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LISTA DE SIGLAS

CAE – Curso de Altos Estudos

CAD – Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas

CACD – Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata

IRBr – Instituto Rio Branco

MRE – Ministério das Ralações Exteriores

PROFA I - Programa de Formação e Aperfeiçoamento – Primeira Fase

TPS – Teste de Pré-Seleção

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................................................1

Capítulo I - PROGRAMA DE AÇÃO AFIRMATIVA “BOLSA-PRÉMIO DE

VOCAÇÃO PARA A DIPLOMACIA”............................................................................9

1.1 - Conjuntura político e social do surgimento do programa......................................12

1.1.1- Assinatura do Protocolo de Cooperação...............................................................18

1.2 - Carreira de Diplomata: estrutura e organização.....................................................21

1.3 - Concurso de Admissão à Carreira..........................................................................28

1.4 - “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”.....................................................32

1.4.1 -Processo de Seleção de 2002.................................................................................35

Capítulo II - PERFIL SOCIOECONÔMICO E EDUCACIONAL DOS CANDIDATOS

“AFRO-DESCENDENTES” INSCRITOS EM 2002....................................................42

2.1– Traços Gerais.......................................................................................................45

2.1.1 - Estado Civil e Sexo..............................................................................................46

2.1.2 - Faixa Etária..........................................................................................................49

2.2 - Renda familiar.....................................................................................................50

2.3 – Educação..............................................................................................................53

2.3.1 - Ensino fundamental, médio e superior - escola pública/particular......................54

2.4 – Ocupação..............................................................................................................60

2.5 - Região de Procedência.........................................................................................63

2.6 - Mobilidade Social................................................................................................66

2.6.1 -“Mobilidade Intergeracional”...............................................................................67

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12

Capítulo III - MOTIVOS E EXPECTATIVAS COM RELAÇÃO À CARREIRA DE

DIPLOMATA..................................................................................................................75

3.1 - “Classe média negra”: a representação social do “grupo” sobre si ........................80

3.2 - Motivos e expectativas com relação à Carreira de Diplomata...............................89

3.3 - Itamaraty e Ação afirmativa...................................................................................93

3.3.1 -Avaliação do programa pelos bolsistas...............................................................100

4 - CONCLUSÃO GERAL .........................................................................................104

5 - BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................112 6 - ANEXOS..................................................................................................................117

Page 14: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

13

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo discutir o programa de ação afirmativa “Bolsa-

Prémio de Vocação para a Diplomacia” implementado em 2002 pelo Instituto Rio

Branco, órgão do Ministério das Relações Exteriores, responsável pela seleção e

formação de dip lomatas brasileiros. O programa tem como meta conceder recursos

financeiros aos “afro-descendentes” que queiram se preparar para o Concurso de

Admissão à Carreira de Diplomata e provém da necessidade do Itamaraty de

“diversificar” o corpo diplomático brasileiro. Além disso, é feita também uma análise

sociológica do perfil sócio-econômico e educacional dos candidatos inscritos, da sua

mobilidade social, da vivência dos bolsistas durante o processo de preparação para o

Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, dos motivos e as expectativas sobre a

Carreira de Diplomata e da opinião deles sobre a ação afirmativa no Instituto Rio

Branco.

O programa do Instituto Rio Branco faz parte de um projeto nacional do governo

iniciado pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso para a

“Valorização da População Negra” e é também um dos resultados da implementação de

políticas de ação afirmativa de corte racial, em larga escala, em decorrência dos

compromissos assumidos pelo Governo Brasileiro na III Conferência Mundial de

Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata,

ocorrida em 2001 na África do Sul. Provém de uma iniciativa Interministerial com

marcas fortes do movimento social, particularmente do movimento negro, visando dar

um encaminhamento à questão racial institucional.

O programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” para “afro-

descendentes” do Instituto Rio Branco surge num cenário marcado pela polêmica e

discussões acirradas acerca da implementação de política de cotas de corte racial nas

universidades públicas. Sendo uma Instituição socialmente reconhecida pela sua

excelência, observa-se uma grande preocupação do programa ser confundido com a

polêmica sobre as cotas. A ênfase no mérito individual é constantemente evocada pelo

diretor do Instituto que faz questão de dizer, em todas as suas entrevistas, que o

programa apenas concede bolsas de estudos para negros e não reserva vagas para

ninguém, pois o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata se fundamenta no

Page 15: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

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mérito individual e é igual para todos os candidatos, independente das diferenças

sociais. O diretor do Instituto Rio Branco acredita que a bolsa é um excelente meio para

diminuir as desigualdades do país. Observa que “por esse sistema, ninguém pode

levantar nenhuma suspeita da capacidade dos bolsistas aprovados no concurso do Rio

Branco”; “todos os candidatos são aprovados por excelência no Rio Branco. As provas

de admissão para a carreira continuam iguais”, (João Almino, 2004).

Nos últimos tempos, muito se tem discutido sobre políticas de ação afirmativa

coisa que há pouco tempo era impensável na sociedade brasileira, pois, até então, a

sociedade se representava como um país da “democracia racial”, da harmonia e

“convivência pacífica” entre as raças, apesar das inúmeras denúncias da existência de

profundas desigualdades sociais e relacionadas à raça. As denúncias do quadro de

desigualdade racial começaram a ser sistemáticas e passaram a ser sustentadas também

com dados quantitativos apresentados através de pesquisas realizadas a partir da década

de 1970, particularmente nos trabalhos de Carlos Hasenbalg (1979) e Nelson do Valle

Silva (1980). O movimento negro e o “movimento pró-negro” (Monteiro, 2003) passam

a reivindicar políticas de ação afirmativa de corte racial que proporcionem iguais

oportunidades a todos os integrantes da sociedade na disputa por espaços, bens e

serviços sociais; e estas reivindicações passaram a receber maior atenção por parte do

poder público.

Mas, o que significa ação afirmativa? Bem, segundo Rosana Heringer (1999),

existem inúmeras propostas de definições para este termo. Podemos dizer que “ação

afirmativa são políticas públicas ou privadas de combate à desigualdade estrutural de

grupos mais vulneráveis à discriminação” (Lenz César, 2003). Para o atual Ministro do

Superior Tribunal Federal Joaquim Barbosa (2001), é:

“um conjunto de políticas públicas e particulares de caráter compulsório,

facultativo, concedido com vistas ao combate à discriminação racial, de

gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da

discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do

ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e

emprego'. (...) Em síntese, trata-se de políticas e mecanismos de inclusão

concebida por entidades públicas, privadas e por órgãos jurisdicional como

vista a concretização de um objetivo constitucional universalmente

reconhecido - o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres

Page 16: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

15

humanos têm direito” (Barbosa, 2001, 40-41)

Uma frase que exprime bem a finalidade das políticas de ação afirmativa é a do

Presidente Lyndon Jonhson, responsável pela implementação dessas políticas nos

Estados Unidos em 1965, dizendo o seguinte: “Você não pega uma pessoa que por anos

esteve presa por correntes e a liberta, trazendo-a ao ponto de partida de uma corrida e,

então diz, ‘você está livre para competir com todos os outros’, e continua acreditando

que foi completamente justo” (Lyndon Jonhson apud Bernardino, 2002:268). Nesse

caso, para competir em “igualdade de condições”, as pessoas precisam ter

oportunidades e acesso aos bens educacionais de qualidade, à cultura, à informação, à

saúde, à alimentação, para poder ter condições de disputar espaços na sociedade.

Combater a discriminação, e oferecer oportunidades de acesso são as principais metas

de programas de ação afirmativa.

As políticas de ação afirmativa, nos Estados Unidos, começaram com a

promulgação das Leis dos Direitos Civis em 1964, porém, elas não se limitaram aos

países ocidentais. A partir da constatação de que as leis anti-discriminatórias

implantadas na década de 1960 mostravam-se ineficientes no combate aos efeitos

persistentes da discriminação, percebeu-se que medidas adicionais deveriam ser

agendadas no sentido de coibi- la. É nesse contexto que teriam aparecido as políticas de

ação afirmativa cujas metas seriam não só coibir a discriminação do presente, mas,

sobretudo, eliminar os efeitos persistentes (psicológicos, culturais e comportamentais)

da discriminação do passado que tendia a se perpetuar (Barbosa, 2001). Nos EUA, o

Estado passa a formular políticas públicas levando em consideração fatores como sexo,

raça, cor, para beneficiar certos segmentos da população que até então se encontrava

“excluída” da sociedade. Uma das primeiras medidas foi a imposição de políticas de

cotas que promovessem a igualdade de oportunidades para o acesso de representantes de

minorias a determinados setores do mercado de trabalho e a instituições educacionais.

Entretanto, é relevante observar que cotas de corte racial são um dos modos de

implementação de políticas de ação afirmativa, que nos EUA, posteriormente, em 1978,

foram declaradas inconstitucionais.

No Brasil, os debates sobre ação afirmativa afluíram não somente no meio

acadêmico como também no cenário político e social e gerou muita polêmica,

particularmente no concernente à política de cotas para universidades públicas

brasileiras. Contudo, essa discussão sobre as cotas colocou nas arenas política e social

Page 17: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

16

questões relacionadas às profundas desigualdades sociais, principalmente as raciais, de

uma forma jamais vista nessa sociedade ideologicamente representada como uma

democracia racial. Além de outros importantes estudos fundamentados em estatísticas

com fortes evidências de problemas derivados do racismo e da discriminação racial

enfrentados pelo negro ao longo da sua vida, um estudo encomendado pelo governo em

2001 ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada foi fundamental para se repensar os

problemas raciais de forma mais ampla. Com base nos dados dos Censos do IBGE, o

estudo “Desigualdade Racial no Brasil” (Henriques, 2001) demonstrou, a partir de

diversos indicadores sociais como educação, trabalho, renda, entre outros, que a

diferença entre negros e brancos permanecia inalterada ao longo de mais de um século,

desde o fim da escravidão. Na mesma direção seguem muitos outros estudos

acadêmicos e políticos e do próprio movimento negro demonstrando a existência de

profundas desigualdades entre negros e brancos e, portanto, a necessidade de ação

afirmativa para os negros.

Através dessas pesquisas, o governo decide estudar, juntamente com integrantes

da sociedade civil, propostas cuja finalidade seria combater o racismo e a discriminação

racial e formas de possibilitar oportunidades de acesso à população negra discriminada e

excluída de certos espaços sociais. Optou-se pela implementação de políticas de ação

afirmativa e um dos caminhos adotados, em algumas universidades públicas, foi a

política de cotas de corte racial. No entanto, essa não é o único caminho para a

implementação das ações afirmativas, mas foi o que provocou intensas discussões por

reservar vagas para negros e pardos. Além disso, as cotas foram intensamente discutidas

no meio acadêmico e colocaram também em debate conceitos como “raça”, mérito,

igualdade, democracia racial, etc. Estes foram muito debatidos quando essas políticas

começaram a ser implementadas nas universidades públicas do Estado do Rio de

Janeiro, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade de

Estado Norte Fluminense (UENF), por meio das Leis Estaduais 3.524/2000 e

3.708/2001.

Os conceitos acima referidos provocaram reações contrárias e favoráveis às

políticas de cotas. De um lado, os pesquisadores que se posicionam contra

argumentaram que o conceito de “raça”, base da formulação dessa política, “fere o

ideário nacional de dimensões múltiplas” (Costa, 2002); que não existem linhas

demarcatórias nítidas entre a população em termos étnicos (...) já que a população usa

uma diversidade de termos para se identificar (Shwartzman, 1999); que o uso do

Page 18: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

17

conceito esvaziaria o debate centrado nos direitos e na noção de cidadania

(Maggie,1999), pois a raça rompe com a idéia do Brasil da mestiçagem, com o “ideário

modernista”, ao fazer com que as pessoas escolhem uma identidade (Maggie, mimeo).

Para alguns pesquisadores, existem problemas maiores como a pobreza que se sanados

resolveriam as preocupações com a sub-representação da população negra nas

universidades e, conseqüentemente, diminuiriam as desigualdades sociais no Brasil

(Maggie e Fry, 2002). Nessa perspectiva mais universalista, a implementação da ação

afirmativa, em um país que se classifica de “modo múltiplo” e não de “modo binário”

(Fry, 1996), tornar-se- ia difícil definir os que deveriam e os que não deveriam ser

beneficiados pela política. Outros argumentos contrários referem-se à questão do

mérito. As cotas derrubariam o “princípio universalista e individualista do mérito”,

princípio este que “representa uma vitória da democracia brasileira” “contra as pragas

do protecionismo, do clientelismo, do racismo da sociedade brasileira” (Durham, 2003).

Por outro lado, os pesquisadores favoráveis à adoção de ação afirmativa, da

política de cotas, argumentaram que, do ponto de vista sociológico, é imprescindível o

uso do conceito de “raça” dado que “o racismo brasileiro está umbilicalmente ligado a

uma estrutura estamental que o naturaliza e, portanto, para combate-lo, dever-se-ia

combater a institucionalização das desigualdades de direitos individuais” (Guimarães,

1999). Para este pesquisador, a ação afirmativa não contraria a ordem instituída pelo

mérito já que ela tem na individualidade, na igualdade e na liberdade pressupostos que a

garantem.

Para estes, é importante a ação afirmativa porque “a cor é uma imagem figurada

da raça visto serem as pessoas classificadas hierarquicamente de acordo com fenótipos”

(Bernardino, 2002); e que todos sabem quem é quem quando da discriminação negativa

e que, portanto, todos sabem quem deve ser beneficiado pela discriminação positiva

(Cidinha Silva, 2003). Para Carlos Hasenbalg, “os resultados das pesquisas recentes são

de estarrecer os que ainda acreditam na neutralidade do critério racial em matéria de

apropriação das oportunidades sociais. Elas demonstram que os negros e mestiços

(pretos e pardos na definição oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –

IBGE, ou não-brancos, como são chamados aqui alternativamente) estão expostos a

desvantagens cumulativas ao longo das fases do ciclo de vida individual, e que essas

desvantagens são transmitidas de uma geração para outra” (Hasenbalg, 1995: 239).

Pesquisadores estrangeiros como Edward Telles, Anthony Marx, etc, também se

manifestam favoráveis à adoção dessas políticas pela sociedade brasileira.

Page 19: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

18

Os aspectos acima referidos foram os que provocaram discussões acaloradas

quando da implementação das políticas de ação afirmativa, mais precisamente, das

políticas de cotas (reserva de vagas para negros e pardo) nas universidades do Estado do

Rio de Janeiro, em 2001. Porém, o debate referente à implementação ou não de políticas

de ação afirmativa na sociedade brasileira é anterior à implementação de cotas nas

universidades, em 2001. No entanto, em outras instituições públicas, outras medidas e

critérios foram utilizados como a concessão de bolsas de estudos, no caso da PUC do

Rio de Janeiro, no do Instituto Rio Branco, órgão do Ministério das Relações Exteriores,

para beneficiar a população negra.

A discussão sobre a ação afirmativa no Instituto Rio Branco será abordada no

primeiro capítulo deste trabalho. O interesse pelo assunto começou no quinto período do

curso de graduação em Ciências Sociais, em 1999, quando foi lido, pela primeira vez, o

livro de Costa Pinto “O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em

mudança” (1953). Foi da leitura deste texto que entrei em contato efetivamente com a

questão racial no Brasil, da existência do racismo, da discriminação e do preconceito

racial e da sub-representação da população negra em certos espaços da vida social.

Antes, não conseguia perceber a fraca representação dos negros no curso de ciências

sociais, portanto, era um assunto que não tinha o menor significado para mim. No

início, não entendia quase nada do que o autor falava e demonstrava como os dados

estatísticos ao apresentar uma sociedade extremamente desigual, o que me parecia

muito estranho. Só comecei a entender melhor a situação da sociedade brasileira com

mais e mais leituras do texto e de outros autores que abordaram o assunto na década de

50, no programa de Iniciação Cientifica. Comecei então a me interessar pelas palestras

que abordavam a importância da implementação da ação afirmativa no Brasil e a

procurar textos que debatiam sobre essa questão.

Acredito que os assuntos, abordados lá na década de 50, continuam bem atuais,

principalmente quando atentamos para as discussões acirradas sobre as cotas para

negros nas universidades públicas que apontam para um acirramento das “tensões

sociais”. Costa Pinto previu que essas tensões tendiam a se acirrar quando a “classe

média negra”, de posse de condições e qualificações exigidas para competir em

igualdade de condições, começasse a deparar com barreiras impostas as suas aspirações,

quando começasse a lutar por espaços que até então encontravam fechados a ela.

Inúmeras cartas contra a política de cotas e contra a ação afirmativa para negros são

enviadas constantemente aos meios de comunicação imprenso, e os vários processos na

Page 20: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

19

justiça referentes a essa questão, indicam o acirramento das “tensões raciais” entre os

que sempre foram privilegiados e os excluídos que lutam por espaços.

Foi então elaborada uma proposta para o curso de mestrado desejando

comparar os dados apresentados por Costa Pinto, na década de 50, com dados

estatísticos recentes para averiguar o que tinha permanecido e o que havia mudado ao

longo das décadas com relação à situação do negro na sociedade brasileira. Mas, da

proposta surgiu a possibilidade de trabalhar os dados dos candidatos inscritos no

primeiro programa implementado pelo Instituo Rio Branco em 2002, assunto que me

pareceu também muito interessante. Das duas possibilidades, acabei por optar trabalhar

com a última. Para isso, comecei a pesquisar trabalhos que abordassem temas

relacionados às desigualdades raciais e aos que debatiam as propostas de ação

afirmativa para combater as desigualdades raciais, as desvantagens e a sub-

representação da população negra no Brasil; e também a procurar por trabalhos e

informações sobre o Instituto Rio Branco e o Concurso de Admissão à Carreira de

Diplomata, principalmente sobre o programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a

Diplomacia” do Instituto Rio Branco.

Em 2004, foi feito um deslocamento à Brasília para pesquisar nos formulários de

inscrição dos quatrocentos e três candidatos “afro-descendentes” com a finalidade de

colher informações necessárias para traçar o perfil socioeconômico e educacional dessas

pessoas que recorreram ao programa com a expectativa de ter alguma chance de sucesso

para ingressar no Itamaraty. Como parti do pressuposto de que os candidatos pertenciam

à “classe média negra” intelectualizada e os dados quantitativos, através de variáveis

como renda familiar, escolaridade e ocupação, confirmaram a hipótese; e, apesar de ter

um material considerável para os meus propósitos, achei interessante a idéia de

entrevistar os bolsistas para averiguar a representação social que tinham de si, ou seja,

se sentiam partes dessa classe média, e como vivenciaram o processo de preparação

para o Concurso do Itamaraty.

Dada a inviabilidade de entrevistar todos os bolsistas por serem provenientes de

diferentes regiões do Brasil, decidi procurar os residentes no Rio de Janeiro e enviar um

questionário para os demais das outras regiões. Consegui entrar em contato com 75%

dos bolsistas por telefone e por e-mail, mas obtive respostas de somente 25% deles, e

algumas promessas de respostas que nunca se concretizaram. Também não houve

respostas às tentativas de estabelecer contato com a bolsista que logrou ingressar no

Itamaraty, a única que conseguiu fazer o “rito de passagem”.

Page 21: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

20

O trabalho está estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo tem como

finalidade, além de discutir, em linhas gerais, a conjuntura política e social através dos

quais está inserido o programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a

Diplomacia”, implementado em 2002 pelo Instituto Rio Branco que tem como objetivo

conceber bolsas de estudos para “afro-descendentes” interessados em se preparar para o

concurso do Instituto Rio Branco; entender, um pouco, o Itamaraty e o seu processo de

seleção, o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, mas centra-se

particularmente no processo seletivo do programa implementado em 2002.

No segundo capítulo buscou-se fazer uma análise sociológica do perfil

socioeconômico e educacional dos candidatos e a sua mobilidade social, atentando para

os bolsistas, com base nos dados quantitativos coletados nos formulários de inscrição do

programa. Essa abordagem está relacionada à hipótese de que os candidatos que

procuraram o concurso fazem parte de uma demanda “reprimida” da “classe média

negra” intelectualmente preparada para assumir posição de destaque na sociedade

brasileira, em função da sub-representação dos negros no Itamaraty. Para isso,

mobilizou-se diversos indicadores sociais como renda, escolaridade e ocupação.

O terceiro capítulo tem como objetivo analisar as entrevistas e os questionários

com a intenção de averiguar a representação social que os bolsistas têm de si; ou seja, se

se vêem como parte integrante da “classe média negra” brasileira. Os conceitos

utilizados para abordar os assuntos presentes nesse capítulo são: “privação relativa” e

“grupo de referência” definidos nos estudos de R. W. Runciman (1966) e Robert

Merton (1968). Nesse mesmo capítulo, examinamos os motivos e as expectativas de

querer ser diplomatas através das redações elaboradas no ato da inscrição no programa;

e também é feita uma análise da relação entre o Itamaraty, por meio do concurso de

Admissão à Carreira de Diplomata, e a ação afirmativa implementada pelo Instituto Rio

Branco. Por fim, examinamos a avaliação que os bolsistas fizeram do programa “Bolsa -

Prémio de Vocação para a Diplomacia” do Instituo Rio Branco.

Page 22: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

21

Capítulo I

PROGRAMA DE AÇÃO AFIRMATIVA “BOLSA-PRÉMIO DE VOCAÇÃO PARA

A DIPLOMACIA”

“Precisamos ter um conjunto de diplomatas – temos poucos - que

sejam o reflexo da nossa sociedade, que é muliticolorida e não tem

cabimento que ela seja representada pelo mundo afora como se fosse

uma sociedade branca, porque não é”.

Fernando Henrique Cardoso (Presidente do Brasil, 2002)1

Esse capítulo se pauta numa análise geral do funcionamento do programa de

Ação Afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação à Diplomacia” destinado a beneficiar

candidatos “afro-descendentes”2 interessados em ingressar na Carreira de Diplomata,

implementado em 2002 pelo Instituto Rio Branco (IRBr), órgão do Ministério das

Relações Exteriores (MRE), responsável pela seleção e formação dos diplomatas

brasileiros. Esse programa reflete o reconhecimento do governo brasileiro da

necessidade de “colorir” a representação do Brasil no exterior de acordo com a

formação real da sua população, como fica bem expresso no pronunciamento do então

Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, na citação acima.

Antes, porém, de começar a abordagem referente ao programa de ação

afirmativa para “afro-descendentes” no Instituto Rio Branco e a sua situação dentro do

contexto político e social, é importante dizer algumas palavrinhas a respeito da

categoria “afro-descendente” usado praticamente em todos os programas de Ação

Afirmativa no governo anterior e no atual, pois, como poderemos observar mais adiante,

a categoria tornou-se complicada, pelo menos no que diz respeito à sua aplicação no 1 Discurso proferido na Cerimônia de entrega do Prêmio Nacional de Direitos Humanos no Palácio do Planalto, Dezembro de 2001. 2 Para uma discussão sobre a categoria “afro-descendente” ver Ricardo Ferreira Afro-descendente: identidade em construção. Rio de Janeiro/S Paulo. Pallas, 2000.

Page 23: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

22

programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”, para atingir o público alvo.

Tudo indica que a categoria “afro-descendente” criada pelo movimento negro, na

década 1990 (Medeiros, 2002), passa a ser usada pelo movimento negro e também pelo

governo brasileiro nas discussões sobre políticas de ação afirmativa para a “Valorização

da População Negra”. No entanto, a identidade social brasileira está fundamentada na

miscigenação que se mostra através de inúmeras categorias (morena, mulata, parda, etc;

como demonstra uma pesquisa realizada pelo IBGE, com respostas abertas, e analisada

por Simon Schwartzman, 1999) para classificar as pessoas com variadas tonalidades da

pele; onde a “raça” está mais relacionada à cor da pele “ao preconceito de marca” e aos

traços faciais do que na ascendência racial, como já dizia Oracy Nogueira em

Preconceito de Marca: as relações Raciais em Itapetininga. In Relações entre Brancos

e Pretos em São Paulo (1964). Portando, nesse período, essa identidade social baseada

na miscigenação é substituída por uma nova identidade social a “afro-descendente” que

chama atenção para a ancestralidade da população negra, e, “pelo que parece, há um

consenso no seio da militância negra com relação à denominação ‘afro-brasileira’, ‘afro-

descendente’” (Monteiro, 2003).

A categoria “afro-descendente” passa a ser, no geral, utilizada para identificar

aquelas pessoas que deveriam ser beneficiadas pelas políticas de ação afirmativa.

Teoricamente essa categoria seria “melhor” para este fim, contudo, em um sistema

social baseada na miscigenação e na cor da pele, essa definição torna-se complexa.

Complexa porque, numa realidade desse tipo, “qualquer pessoa” pode sentir-se no

direito de se autoclassificar como “afro-descendente” para receber benefícios do

governo. Ao que parece, caso deste tipo se manifestou quando da aplicação do segundo

programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” no

Instituto Rio Branco - comenta-se por aí que “pessoas nitidamente brancas” se

autodeclararam “afro-descendente” para se candidatar às bolsas do programa. Em

decorrência disso, já no terceiro ano do programa, o Instituto Rio Branco passa a utilizar

duas categorias afro-descendente (negros) para atingir o público alvo. Conforme o

secretário Eduardo Teixeira, responsável pelo programa “Bolsa-Prémio de Vocação

para a Diplomacia”, a categoria afro-descendente (negros) descreve melhor o perfil de

candidatos desejados para receber o benefício. Tudo indica que os problemas

decorrentes dessa autodeclaração devem-se a uma “deficiência” na definição

étnica/racial da população brasileira. Esta curta referência à complexidade da categoria

“afro-descendente” empregada pelo Instituto Rio Branco para beneficiar

Page 24: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

23

especificamente a população negra teve objetivo único de apontar a “deficiência” que a

categoria apresenta em atingir o público alvo e, nesse caso, a meta do Itamaraty que é

“diversificar” o corpo diplomático.

Após essa curta paragem, passamos de imediato a situar o programa de ação

afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” do Instituto Rio Branco na

conjuntura político e social mais geral, sem, contudo, cansar o leitor com descrições

detalhadas a respeito do surgimento desse tipo de programa e a sua implementação na

sociedade brasileira. Portanto, gostaríamos de começar a exposição apresentando alguns

“movimentos” que podem ter culminado no processo de formulação de políticas

públicas direcionadas ao benefício de certos segmentos da população brasileira, a

população negra. Mas, é conveniente lembrar que essas políticas públicas culminaram

na conjugação de esforços de organismos nacionais e internacionais visando combater o

racismo e a discriminação racial e garantir os direitos humanos dos grupos denominados

“minorias”3; ou seja, representam partes de um projeto global em curso que se propõe a

garantir direitos iguais no acesso aos benefícios materiais e simbólicos. Destarte, o

programa de ação afirmativa no Instituto Rio Branco está inserido num outro mais

abrangente do Governo de Fernando Henrique Cardoso para a “Valorização da

População Negra” de acordo com o Plano Nacional de Direitos Humanos. Por isso, não

podemos perder de vista essa questão mais ampla quando analisamos a ação afirmativa

no Instituto Rio Branco, ou seja, esse programa fez parte de uma política nacional do

governo FHC e também do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

O governo atual manifestou a preocupação em “aumentar a auto-estima”4 das

populações discriminadas, inclusive, o programa do Instituto Rio Branco de 2003 sofreu

algumas modificações com relação ao aumento do número de bolsas disponíveis - de 20

para 30 -, assim como no que diz respeito ao auxílio que passou de 15.000 para 25.000

3 Para uma discussão sobre minorias ver Lucio Martins Maia “direitos das Minorias Étnicas”. In: Seminários Regionais Preparatórios para a Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata. Brasília, 2001 4 O Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim quando do lançamento do programa de 2003 referiu-se a opinião do presidente Lula, de que ações afirmativas contribuem para aumentar a auto-estima das populações discriminadas, afirmou-se que “O preconceito é uma questão diária, e que precisa ser resolvido aos poucos, por isso precisamos abrir espaços para os “afro-descendentes” e lembra que “o programa do Instituto Rio Branco tem como objetivo tornar a representação diplomática do Brasil mais mista e multicultural, como sua população”. Discurso proferido no ato do lançamento do programa de ação afirmativa no Instituto Rio Branco (IRBr) em 2003). O discurso encontra-se disponível no site do IRBr.

Page 25: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

24

mil reais para o mesmo período de tempo (10 meses) de preparação para o concurso do

Instituto Rio Branco.

O capítulo se desdobra em alguns pontos que consideramos pertinentes para um

melhor entendimento do programa de ação afirmativa implementado pelo IRBr em

2002. Primeiro, não podemos pensar o programa separado da conjuntura social e

política que o gerou no Ministério de Relações Exteriores, através o Instituto Rio

Branco. Em segundo lugar, acreditamos ser necessário entender um pouco do Itamaraty:

seu processo de seleção e formação de seus futuros membros e os critérios utilizados no

Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) do Instituto Rio Branco a fim

de compreender o significado e o lugar do programa de ação afirmativa no Ministério

das Relações Exteriores. Após descrever o CACD, a nossa atenção estará centrada no

programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco “Bolsa-Prémio de Vocação para a

Diplomacia”: as características do programa, o processo de seleção, (...) etc.

Começaremos o capítulo tentando traçar alguns pontos da conjuntura social e política no

qual está inserido o processo de implementação ação afirmativa na sociedade brasileira.

1 – Conjuntura Sócio-político

A implementação de ações afirmativas no Brasil é uma tentativa de dar respostas

a inúmeras denúncias e pressões de pesquisadores e intelectuais do movimento negro e

do “movimento pró-negro” (Monteiro, 2003), que por meio de pesquisas fundamentadas

em dados estatísticos (do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e do

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA) como as inúmeras pesquisas de

Carlos Hasenbalg e de Nelson do Valle Silva, de Ricardo Henriques “Desigualdade

racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90”, dentre outras que

demonstram que a existência do racismo e da discriminação racial presentes na

sociedade brasileira tem prejudicado a população negra.

Essas pressões culminam em denúncias da existência de discriminação racial no

mercado de trabalho e uma delas foi encaminhada por organizações sindicais de

trabalhadores à Organização Internacional do Trabalho (OIT) (Jaccoud e Beghin, 2002).

E, para enfrentar essa denúncia, o Ministério do Trabalho e Emprego tomou uma série

de medidas em parceria com a OIT para a implementação da Convenção 111 cuja

finalidade é promover a igualdade de oportunidades e de tratamentos, assim como para

combater à discriminação no emprego e na profissão. Nesse sentido, foi criado, em

Page 26: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

25

1996, o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na

Ocupação (GTDEO). Portanto, essas denúncias à OIT estão vinculadas ao fato do Brasil

ser signatário, desde da segunda metade da década de 60, de Convenções e Tratados

Internacionais antidiscriminatórias tais como: a Convenção 111 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT) que trata da discriminação em Matéria de Emprego e

Profissão (1968); da Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do

Ensino (1968); e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as formas de

Discriminação Racial (1969). Ademais, o Brasil apoiou a "Declaração sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial", proclamada pela Assembléia

das Nações Unidas em 1963, e assinou, em 1965, a "Convenção sobre a Eliminação de

Todas as Formas de Discriminação Racial", ratificada em 1968 (Grupo de Trabalho

Interministerial, p.1).

No período do regime militar (década de 60), “o governo brasileiro não

reconheceu a competência da Comissão para Eliminação da Discriminação Racial para

receber e examinar denúncias individuais ou de grupos vítimas de violação dos direitos

previstos na Convenção, conforme o previsto em seu artigo 14” (Brandão, 2001:172) -

essa citação refere-se a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as

Formas de Discriminação Racial promulgada pelo Decreto 65.810, de 8 de dezembro de

1969. A posição do Brasil com relação ao monitoramento do cumprimento dos tratados

internacionais sobre os diretos humanos foi revista e o reconhecimento da competência

dessa Comissão tornou-se um fato com Constituição Federal de 1988 (Idem).

Na década de 80, o movimento negro começa a obter algumas vitórias no âmbito

jurídico e cultural e, com a aprovação da nova Constituição Federal de 1988, medidas

específicas foram tomadas visando combater o racismo e a discriminação racial;

inclusive, o racismo passa a ser crime inafiançável, em termos jurídicos.

Em termos da legislação, o Estado Brasileiro tem um aparato jurídico

considerável para combater o racismo e a discriminação racial, apesar das Leis não

funcionarem, de acordo com as expectativas da sociedade, para punir efetivamente

atitudes e comportamentos discriminatórios. Da década de 50 a década de 80 existiu a

“Lei Afonso Arinos” (Lei No 1.390, sancionada pelo Presidente Getúlio Vargas em 3 de

julho de 1951) para punir casos de discriminação no Brasil. Na década de 80, a

Constituição Federal de 1988 trouxe inovações como o inciso XLII que considera o

racismo “crime inafiançável e imprescritível (...), cujos perpetradores estão sujeitos à

pena de reclusão” (Medeiros, 2003: 89); e em 5 de janeiro de 1989 entrou-se em

Page 27: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

26

vigência a Lei No 7.716, chamado de “Lei Caó”, que pune atos e comportamentos

discriminatórios.

Somente na nova conjuntura político e social (década de 90) de intensas

discussões sobre os direitos humanos, sobre o racismo, a discriminação racial, da

intolerância religiosa, etc., que se percebe efetivamente uma virada nas políticas

públicas brasileiras. Foram tomadas medidas efetivas – de repressão, de valorização e

compensatórias – para enfrentar o racismo e a discriminação racial presentes na

sociedade brasileira. Em termos jurídicos, cria-se, nesse período, a Lei No 9.459, de

maio de 1997, denominada de “Lei Paim”, que acrescentou ao artigo 147 (do Decreto-

Lei No 2.848, já existente de 1940 “criando a figura da “injúria qualificada por racismo”

(Idem, 93)) o parágrafo 3o segundo o qual “Se a injúria consiste na utilização de

elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem” a pena será de “reclusão de 1

(um) a três (3) anos de multa” (Ibidem).

O então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, reconhece

oficialmente a existência do preconceito, do racismo e da discriminação racial na

sociedade brasileira e declara-se favorável às políticas de promoção da população negra.

Com isso, Fernando Henrique passa a incentivar, com o Secretário Nacional dos

Direitos Humanos, discussões sobre os direitos humanos, tendo como tema central à

questão racial, assunto até então excluído dos debates públicos. O tema foi amplamente

discutido no seminário “Multiculturalismo e racismo: o papel da ação afirmativa nos

Estados democráticos contemporâneos”, organizado pelo Departamento dos Direitos

Humanos da Secretaria dos Direitos de Cidadania do Ministério da Justiça, realizado em

Brasília, em julho de 1996 (Sousa, 1996; Grin, 2001). Na abertura da conferência, o

Presidente reconheceu a necessidade de buscar soluções para combater a discriminação

e o preconceito raciais no Brasil, soluções essas que tivessem um caráter específico do

contexto brasileiro e “não fossem meras cópias de soluções dadas em outros contextos”.

Esse debate contou com a participação de intelectuais estrangeiros, brasileiros e

integrantes do movimento negro, como Anthony Marx, George Reid Andrews, Edward

Telles, Roberto Da Matta, Antonio Sergio Guimarães, Fábio Wanderley Reis, Marcel

Neves, Carlos Hasenbalg, Hélio Santos, entre outros.

Em novembro de 1995, o Presidente da República institui por decreto o Grupo

de Trabalho Interministerial com o objetivo de desenvolver políticas públicas para a

valorização da população negra. O grupo de trabalho era integrado por oito membros da

sociedade civil, ligados ao Movimento Negro, oito membros de Ministérios e dois de

Page 28: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

27

Secretarias5, todos nomeados pelo Presidente da República. Caberia ao grupo: “1-

propor ações afirmativas integradas de combate à discriminação racial, visando o

desenvolvimento e a participação da População Negra; 2- elaborar, propor e promover

políticas governamentais antidiscriminatórias e de consolidação da cidadania da

População Negra; 3- estimular e apoiar iniciativas públicas e privadas que valorizem a

presença do negro nos meios de comunicação; 4 – examinar a legislação e propor as

mudanças, buscando promover e consolidar a cidadania da População Negra”. (Jaccoud

e Beghin, 2001).

Foram realizados dois seminários para discutir as ações afirmativas, realizados

em Salvador (BA) e Vitória (ES), nos quais o grupo interministerial elaborou 46

propostas de ações afirmativas para áreas como a educação, trabalho, comunicação e

saúde, (Idem).

Além disso, uma série de medidas anunciadas pelo então Secretário de Estado

dos Direitos Humanos, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação racial

pretendia estudar a adoção de políticas de Ação Afirmativa em favor de “afro-

descendentes”. De acordo com os projetos em vista, seriam criados recursos públicos

destinados a bolsas de estudo para estudantes negros; projetos para a afirmação de elites

negras; projetos de apoio a empreendedores negros. Projetos que teriam como finalidade

envidar esforços que permitissem aos “afro-descendentes” “ocupar posições adequadas

da burocracia” (Fernando Henrique Cardoso, 2001). Além das propostas acima

mencionadas, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos apoiaria um programa de

Ação Afirmativa no Instituto Rio Branco, órgão responsável pela formação de

diplomatas brasileiros, cuja meta seria uma “representação do Brasil mais

diversificada”. Na visão de Fernando Henrique Cardoso “precisamos ter um conjunto

de diplomatas - temos poucos – que sejam o reflexo da nossa sociedade, que é

multicolorida e não tem cabimento que ela seja representada pelo mundo afora como se

fosse uma sociedade branca, porque não é”.

O então Ministro das Relações Exteriores Celso Lafer reforça a intenção do

governo afirmando que “o Programa Nacional de Ação Afirmativa e o Plano Nacional

de Direitos Humanos II ampliam o conceito de igualdade, previsto na Constituição

brasileira, tornando-o mais consentâneo com as mudanças sociais e políticas e, acima de

5 Um representante dos Ministérios da Justiça, da Cultura, da Educação e dos Esportes, do Planejamento e Orçamento, das Relações Exteriores, da Saúde e do Trabalho, e por um representante da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

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28

tudo, mais ajustado às novas dimensões de direitos e cidadania que caracterizam as

sociedades democráticas” (La fer, 2001).

Em setembro de 2000, o Presidente da República institui, por decreto, o comitê

Nacional para a Preparação da participação Brasileira na III Conferência Mundial contra

o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia, Intolerância Correlata que seria realizado

no segundo semestre de 2001, em Durban, na África do Sul. O Comitê Nacional tinha

como missão coordenar o processo de discussão de temas substantivos da Conferência

Mundial e sistematizar as contribuições dos órgãos governamentais e de movimentos da

sociedade civil interessados no tema.

Essa Conferência advém dos esforços das Nações Unidas em promover e

proteger os direitos humanos, portanto, estariam em discussão, “as fontes, causas e

modalidades das manifestações contemporâneas do racismo, promoção e proteção das

vítimas de atos discriminatórios, assim como incentivar medidas educativas e

preventivas para erradicar a xenofobia e a intolerância a ela associada” (Sabóia, 2001).

O tema ganhou maior relevância durante a III Conferência a partir do comprometimento

do Brasil em adotar medidas para eliminar o racismo, o preconceito, a discriminação

racial e promover a igualdade de oportunidades para todos. “A declaração e Plano de

Ação incentiva os Estado a desenvolver e elaborar planos de ação naciona is para

promover a diversidade, equidade, justiça social igualdade de oportunidades e

participação para todos” (Martins 2003:44). Os projetos acima mencionados estariam

relacionados a uma série de Pactos, Convenções e Tratados dos quais o Brasil é

signatário.

Visando o cumprimento dos compromissos assumidos na III Conferência

Mundial realizada em Durban”, na África do Sul em 2001, o Governo Federal brasileiro

passa a formular e a incentivar a implementação de políticas públicas direcionadas a

promover a igualdade de oportunidades entre os grupos que compõem a sociedade. O

governo reconhece a existência de profundas desigualdades raciais, sistematicamente

denunciadas pelo movimento negro, pelos estudiosos da questão racial, pelas

instituições de pesquisas etc., e passa a se preocupar em formular medidas efetivas para

fazer frente ao racismo e à discriminação raciais, através de medidas repressivas e

persuasivas; medidas valorativas, e políticas compensatórias também denominadas de

ação afirmativa (Heringer, 2003).

Ações afirmativas passam então a ser implementadas em diversas instituições

públicas (federais, estaduais e municipais) e em muitas delas através da adoção de

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29

políticas de reserva de vagas (cotas) como o objetivo de facilitar efetivamente o acesso a

grupos específicos até então excluídos de certos espaços da vida social. Medidas

semelhantes foram implementadas pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário

(MDA), pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Ministério da Justiça, através de reserva

de vagas para negros, mulheres e portadores de deficiências, segundo dados

apresentados no mapeamento dos programas de promoção da igualdade racial no Brasil,

realizado por Rosana Heringer (2003) entre 2001/20037. A grande maioria dos

programas de promoção da igualdade racial no Brasil refere-se à adoção de políticas de

reserva de vagas (cotas) que, para além de beneficiar “negros” ou “afro-descendentes”,

beneficiam também as mulheres; o que vem a ser, na realidade, respostas às sistemáticas

denúncias e já exaustivamente comprovadas desigualdades sociais existentes entre os

homens e as mulheres, e as profundas desigualdades raciais entre brancos e não-

brancos.

De certo, é dentro deste contexto mais amplo que está inserida o programa de

ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” para “afro-

descendentes” do Instituto Rio Branco implementado em 2002, após a III Conferência

Mundial realizada em 2001. Evidentemente, é desse comprometimento do Governo

brasileiro em adotar medidas para eliminar o racismo e a desigualdade racial e

promover a igualdade que está fundamentado o programa para o Instituto Rio Branco

cujo objetivo é, na visão dos seus idealizadores, propiciar maior igualdade de

oportunidade e diversidade étnica na preparação para o concurso do Instituto ao

apoiar candidatos “afro-descendentes” interessados em seguir Carreira de Diplomata.

Acreditamos ser importante essa pequena abordagem para enfatizar que esse programa

faz parte de uma política nacional do governo para a “Valorização da População Negra”

e propiciar maior igualdade entre todos dos grupos que constituem a sociedade

brasileira, e, nesse sentido, envolve todos os Ministérios, inclusive o Ministério das

Relações Exteriores (MRE) – Itamaraty8.

No entanto, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) tem participado dos

debates referentes à questão racial; nas discussões sobre o racismo e a discriminação

racial e nas propostas para proporcionar maior igualdade entre os grupos que formam a 7 Ver Heringer, Rosana. Promoção da Igualdade Racial no Brasil: 2001-2003. Revista Tempo e Presença de julho/Agosto de 2003. Nesse artigo, Heringer faz um levantamento das iniciativas de promoção da igualdade racial no âmbito do governo federal, municipal e estadual. 8 “O nome Itamaraty vem da associação da sede do Ministério na Rua Larga, no Rio de Janeiro, desde 1899, a seu antigo proprietário, o Barão Itamaraty. O costume tornou-se lei em 1967” (IRBr, 2003:7 ).

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30

sociedade. Em 2001, participou de seminários e conferências realizados pela Secretária

de Estado dos Direitos Humanos (SEDH), do Ministério da Justiça. Nesse período,

apoiou, através do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI)9, três Pré-

Conferências para a discussão sobre fontes, causas e modalidades da manifestação

contemporânea do racismo da discriminação racial, etc. realizadas em São Paulo,

Salvador e Belém, visando a Conferência Mundial (Brandão, 2001). Além de ter

integrado a Comissão Interministerial, instituída em 1995, pelo Presidente da República,

cuja função seria discutir políticas públicas para a valorização da população negra.

Desta feita, o Itamaraty vem acompanhando, há um bom tempo, a discussão

referente ao racismo e a discriminação racial, em nível internacional, participando em

Conferências Mundiais contra o Racismo (Idem). Contudo, internamente, o Itamaraty só

começa a contribuir efetivamente a partir dos compromissos assumidos pelo governo

brasileiro na III Conferência Mundial, ao assinar, em maio de 2002, um Protocolo de

Cooperação, envolvendo quatro Ministérios, para a implementação da ação afirmativa

no Instituto Rio Branco.

1.1 Assinatura do Protocolo de Cooperação

O Termo de Ajuste ao Protocolo de Cooperação sobre a Ação Afirmativa no

Instituto Rio Branco foi assinado numa cerimônia presidida pelo Ministro das Relações

Exteriores, Celso Lafer, contando com a participação dos Ministérios da Ciência e

Tecnologia (MCT) através do CNPq; da Justiça, por intermédio da Secretaria de Estado

dos Diretos Humanos; da Cultura, através da Fundação Cultural Palmares; e das

Relações Exteriores por intermédio do Instituto Rio Branco. O programa para o Instituto

Rio Branco “Bolsas-Prêmio de Vocação para a Diplomacia” destinado aos “afro-

descendentes” seria financiado com os recursos dos partícipes e as clausulas seriam

regidas pelas normas do Decreto nº 93.872; e as disposições da Lei nº 8.666/93,

conforme os seguintes termos:

9 Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), é um órgão da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) que é uma fundação pública vinculada ao Ministério das Relações Exteriores, cuja função é: a) desenvolver e divulgar estudos e pesquisas sobre temas atinentes às relações internacionais; b) promover a coleta e a sistematização de documentos relativos ao seu campo de atuação; c) fomentar o intercâmbio científico com instituições congêneres nacionais, estrangeiras e internacionais; d) realizar e promover cursos, conferências, seminários e congressos na área de relações internacionais. http://www.funag.gov.br e www.mre.gov.br/ipri

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31

“O presente Termo de Ajuste ao Protocolo retrodimencionado, que será em tudo

regido pelos preceitos e princípios de direito público e obedecerá, em especial, as

normas do Decreto nº 93.872, de 23.12.86, da Instrução Normativa da Secretaria do

Tesouro Nacional nº 1 de 15.01.97, e no que couber, as disposições da Lei nº

8.666/93 de junho de 1993, devendo ser executado com estrita observância das

condições constantes das clausulas (...)”.

Termo de Ajuste ao Protocolo de Cooperação (5/2002)

As palavras proferidas pelo Ministro das Relações Exteriores Celso Lafer,

quando da cerimônia do lançamento do programa de ação afirmativa no Instituto Rio

branco, nos induz a concluir que a iniciativa de implementar ação afirmativa neste

Instituto tenha sido do próprio Itamaraty e do Instituto Rio Branco, como forma de

“colaborar” com o programa nacional de ação afirmativa do governo “destinado a

promover os princípios da diversidade e do pluralismo no preenchimento de cargos da

administração pública federal e na contratação de serviços por órgãos do Governo”.

(Lafer, 2002). Segundo Lafer, com o programa:

O (...) “Itamaraty dá mais um passo em sua trajetória de democratização e de busca

de excelência”.

“(...) Esperemos que algum dia o grau alcançado pela democracia brasileira torne

desnecessária a ação afirmativa. Mas o fato é que hoje em dia ela responde a um

imperativo de urgência. O Itamaraty e o Instituto Rio Branco não ficarão, portanto,

de braços cruzados esperando que a situação mude por si só”. (Lafer, 2002)

No entanto, há que se constatar que, além de pressões internacionais e pressões

internas, principalmente do movimento negro, referente à “ausência” de negros em

carreiras burocráticas como a de Diplomata10, a implementação de ação afirmativa no

Instituto Rio Branco provocou reações e duras críticas do corpo diplomático brasileiro

(pouquíssimas são as opiniões contrárias ao programa), apesar da ênfase constante dos

idealizadores do programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” do Instituto

10 Das críticas de intelectuais e estudiosos do movimento negro: “De como o olho azul do Itamarati não vê, não enxerga o negro” (Abdias do Nascimento, 2002:173); “Itamaraty historicamente tem cotas de 100 por cento para diplomatas brancos. Que tal reduzir essa cota para 80 por cento só?” (Hélio Santos, 2000); das constatações sobre a ausência de negros em carreiras como a de Diplomata por estudiosos da questão racial, desde a década de 50 (Costa Pinto, 1953; Fernandes, 1965); e estudos recentemente realizados revelam essa sub-representação dos negros na carreira de diplomata por meio de dados estatísticos - dos cerca dos 1050 diplomatas brasileiros, os negros não contabilizando 1,0% - (Telles, 2002).

Page 33: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

32

Rio Branco de que este somente fornecer recursos financeiros e humanos para “afro-

descendentes” que queiram se preparar para o Concurso de Admissão à Carreira de

Diplomata, “salvaguardando desse jeito o mérito individual e a democracia”. Segundo o

Ministro, o objetivo é diversificar o corpo diplomático brasileiro. Com relação a esse

aspecto, o programa recebeu críticas contundentes do diplomata M. Pio Corrêa que

caracterizou a idéia de diversificar o corpo diplomático brasileiro de “imprudente”,

dizendo que o Instituto Rio Branco “não é campo adequado para fazer experiências

sociais”; que “o Itamaraty não é um instrumento de distribuição de justiça social”.

Portanto, o diplomata M. Pio Corrêa é veemente contra a idéia de ação afirmativa para

beneficiar “afro-descendentes” que se expressa nos seguintes termos:

(...) o sistema de concurso, para qualquer carreira, seja baseado no princípio enunciado

pelo saudoso filósofo Chacrinha: "Quem pode, pode, quem não pode se sacode”. É função do

Estado abrir concursos para o provimento de cargos públicos; não é função do Estado facilitar a

candidatos os meios de preparar-se para esses concursos. Essa facilitação, em si descabida,

torna-se aberrante e injustificável ao beneficiar exclusivamente candidatos de uma determinada

etnia, em detrimento de outros em idêntico nível de insuficiência educacional. Afinal, o

Itamaraty não é um instrumento de distribuição de justiça social. É uma instituição de Estado,

com tarefas altamente complexas e delicadas. Os diplomatas brasileiros cuidam, década após

década, de manter os mais rígidos padrões de eficiência profissional, dentro de normas de

hierarquia e de disciplina. O Instituto Rio Branco tornou-se, desde a sua criação, a cellula mater

do nosso Corpo Diplomático. Não é campo adequado para experiências sociais.

(...) A presente medida é, portanto, inútil, além de injusta, de vez que existem pelo menos

tantos euro-descendentes quanto afro-descendentes em níveis culturais deficientes. Aliás, a

qualificação ideal para o Instituto Rio Branco não é apenas questão de desempenho acadêmico.

Ela requer uma certa bagagem cultural que não se adquire em cursinhos improvisados. Ela vem

do seio de famílias, às vezes muito modestas, mas informadas e instruídas, de lares onde

existem estantes de livros e conhecimentos gerais sobre o mundo em que vivemos. O diplomata

é chamado a conviver com as camadas mais cultas dos países onde serve. É bom que esteja

preparado para isso. Não me parece interessante ir buscar deliberadamente candidatos

subprivilegiados culturalmente, independentemente de sua origem étnica.

M. Pio Corrêa, o Globo 06/05/2004

Para o diploma M. Pio Corrêa, é conveniente que a “Casa”, com a sua admirável

capacidade de sobrevivência, resguarde os seus valores e evite qualquer rebaixamento

dos critérios de acesso ao seu quadro. No entanto, segundo o Ministro das Relações

Page 34: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

33

Exteriores, com o programa, o Itamaraty esta dando mais um passo rumo a

democratização do acesso à Carreira de Diplomata.

Dessa polêmica, não conseguimos rastrear como surgiu a idéia de

implementação de ação afirmativa no Instituto Rio Branco. Só temos informações de

que o programa provém de um acordo Interministerial para proporcionar uma

representação do corpo diplomático mais de acordo com a população brasileira. Há, no

então, especulações por parte dos bolsistas do programa. Por um lado, alguns afirmam

que a idéia do programa provém da Fundação Cultural Palmares, Instituição que está

mais engajada com a questão racial no Brasil; por outro, existe a convicção de que a

idéia foi do Instituto Rio Branco e do Itamaraty para beneficiar a população negra com a

intenção de ter uma representação mais diversificada.

1.2 - Estrutura e Organização da Carreira de Diplomata após a década de 40.

Como podemos verificar a seguir, a Carreira de Diplomata, assim como o

processo de seleção e formação de novos integrantes do corpo diplomático, tem sofrido

muitas modificações ao longo dos anos. Nos últimos anos, 1996, a língua francesa teve

caráter eliminatório no concurso do Instituto Rio Branco e hoje é apenas uma segunda

língua optativa, tendo apenas caráter classificatório. O Inglês que passou a ter caráter

eliminatório neste ano (1996), atualmente perdeu o caráter eliminatório e tornou-se

apenas classificatório, o que, não visão do Ministro das Relações Exteriores Celso

Amorin, possibilita maior acesso aos candidatos que são excelentes em outras matérias

exigidas no concurso, mas acabam sendo eliminados logo na primeira fase (Teste de

Pré-Seleção) por não possuírem um bom domínio do inglês. Para o Ministro, a intenção

é eliminar o ‘fator elitista’ na seleção. "O inglês não vai deixar de ser uma condição

indispensável. Mas vocês vêem que hoje eu falei em espanhol [no Conselho]. É

importante falar não só inglês, mas outras línguas também. Agora, não há porque fazer

disso um requisito prévio em benefício daqueles que por uma chance da vida ou

moraram no exterior ou os pais têm posses suficientes para que, além dos cursos

normais, tenham tido cursos especiais em língua estrangeira". (Arrais, Amauri - Folha

de São Paulo 13/1/2005)12. Essa também é uma das medidas tomadas pelo Itamaraty

12 Pelas regras estabelecidas pela portaria 467, a prova de inglês passará a ter o mesmo status das provas realizadas na terceira fase do concurso, ou seja, a pontuação será classificatória e servirá para compor a média do candidato. (Arrais, Amauri 2005)

Page 35: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

34

que acabou gerando polêmicas no seio do corpo diplomático. Para o ex-embaixador do

Brasil nos Estados Unidos Rubens Barbosa, a língua inglesa é "um instrumento de

sobrevivência e de trabalho do diplomata". "Espero que a medida não rebaixe o nível

dos candidatos e não venha a prejudicar o serviço diplomático brasileiro, conhecido

como um dos melhores do mundo" (Idem). Essa questão envolvendo a prova de inglês

provocou reações internacionais. Um jornal suíço ironizou a retirada do caráter

eliminatório do inglês dizendo o seguinte: diplomatas brasileiros julgam o português

suficiente (Vizentini, 19/01/2004)

Se, por um lado, as atuais mudanças no processo de seleção de candidatos para a

Carreira de Diplomata têm provocado muita polêmica nos meios de comunicação de

massa e no seio do corpo diplomático; por outro, há que se constatar que, ao longo dos

anos, muitas outras mudanças têm ocorrido no Instituto Rio Branco desde a sua criação

sem, contudo, provocar esse “estouro” na mídia. Outras mudanças podem ser

verificadas, ao longo dos anos, no processo de seleção e formação de novos diplomatas.

Mas, comecemos pelo início.

O Instituto Rio Branco (IRBr) foi criado em 18 de abril de 1945, como parte da

comemoração do centenário do nascimento de José Maria da Silva Paranhos Junior, o

Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira; e, em março de 1946,

estabeleceu-se o Curso de Preparação à Carreira de Diplomata. É desta data a

obrigatoriedade de concurso público para o acesso à carreira; e é também dessa época,

segunda metade do século XX, a abertura do concurso às mulheres. Atualmente, a

inscrição para o concurso pode ser feita também via internet. Desde a sua criação, são

atribuições do Instituto Rio Branco, de acordo com o seu regulamento,

I - o recrutamento, a seleção, a formação e o treinamento do pessoal da Carreira

de Diplomata;

II - a execução de programas especiais de aperfeiçoamento dos funcionários de

carreiras de nível de formação superior do Ministério das Relações Exteriores e

de áreas afins;

III - o cumprimento das demais tarefas que lhe incumbir o Secretário -Geral das

Relações Exteriores.

Parágrafo único. O IRBr manterá, como órgão de assessoramento de seu Diretor,

um Conselho Consultivo, cujas funções e procedimentos serão estabelecidos em

regimento próprio.13

13 Ver Regulamento do Instituto Rio Branco em anexo.

Page 36: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

35

Criada na segunda metade da década de 40, o Curso de Preparação à Carreira de

Diplomata se pauta nos seguintes objetivos: “harmonizar os conhecimentos adquiridos

nos cursos universitários com a formação para a carreira diplomática; desenvolver a

compreensão dos elementos básicos da formulação e execução da política externa

brasileira; e iniciar os alunos nas práticas e técnicas da carreira” (IRBr, 2003). O nível

de exigência para o concurso foi aumentando ao longo dos anos. A partir da segunda

metade da década de 60 (1967) passou-se a exigir dos candidatos o primeiro ano do

curso superior; um ano depois o segundo ano do nível superior; em 1985 para o terceiro

ano; em 1994 tornou-se o curso superior de graduação plena como pré-requisito para o

concurso. Um ano depois, em 1995, institui-se o Programa de Formação e

Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA-I), que deverá ter nível de Mestrado. “O

PROFA-I consagra a visão de que, em meio à complexidade das relações

internacionais e às necessidades crescentes da função diplomática, o treinamento para

a carreira tem de ser contínuo. A primeira fase desse treinamento começa quando o

diplomata ingressa na carreira, logo após a habilitação no Concurso. Aprovado no

Concurso de Admissão para a Carreira Diplomática, o candidato é nomeado Terceiro-

Secretário, cargo inicial da carreira, e automaticamente inscrito no Programa de

Formação e Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA-I). O PROFA-I está estruturado

como Mestrado em Diplomacia” (IRBr, 2003).

Após o término da PROFA-I, o diplomata é indicado para o serviço no exterior.

No entanto, a formação não para por aí; segue o Curso de Aperfeiçoamento de

Diplomatas (CAD), que é o pré-requisito de promoção de Segundos Secretários a

Primeiro, e, por último, o Curso de Altos Estudos (CAE), de cuja aprovação depende a

promoção dos Conselheiros a Ministro de Segunda Classe” (Idem). Portanto, o grupo

profissional passa por um longo período de treinamento até atingir o último estágio da

carreira, Ministro de Primeira Classe, Embaixador.

A Carreira de Diplomata tem como fundamentos básicos uma estrutura

hierárquica extremamente rigorosa, a disciplina e uma formalidade que impressiona.

São caminhos seguidos rigorosamente pelo corpo diplomático. (Patriota, 1999). Pelo

Regulamento do Instituto, a formalidade e a disciplina ficam bem evidentes: “em sua

vida pública e privada, o diplomata deverá manter sempre conduta pessoal

irrepreensível”; “o diplomata deverá solicitar autorização do Secretário-Geral das

Page 37: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

36

Relações Exteriores, por intermédio do Diretor do IRBr, para manifestar-se

publicamente sobre matéria relacionada com a política externa brasileira ou temas aos

quais tenha tido acesso por força de sua função” (art. 26 e 27 do Regulamento do IRBr).

Essa formalidade já começa a ser exigida durante o processo de prestação do Concurso

de Admissão à Carreira quando se exige traje formal a partir da terceira fase do

concurso: “é obrigatório o uso de traje passeio completo (terno e gravata para homens e

indumentária correspondente para mulheres) da Terceira a Quinta Fases do Concurso.

Exige-se, de toda maneira, traje apropriado para a Primeira e Segunda Fases” (Edital

2002). A hierarquia é extremamente respeitada, como revela Cristina Patriota “dentro da

Casa é a hierarquia que dita as formas de socialização e classifica todos os diplomatas

de acordo coma a sua posição dentro da totalidade do ‘corpo diplomático’” (Patriota,

1999:18). De acordo com as normas da hierarquia, a Carreira de Diplomata está

estruturada da seguinte forma14:

• Terceiro Secretário;

• Segundo Secretário;

• Primeiro Secretário, Conselheiro;

• Ministro de Segunda Classe;

• Ministro de Primeira Classe (Embaixador)

O profissional diplomata precisa ter um conhecimento bastante amplo e o mais

geral possível para poder estar em condições de discutir e negociar as mais diversas

questões de interesse nacional no âmbito internacional. Tendo em vista o conhecimento

geral, a especialização dos diplomatas não é interessante como observa Mônica Hirst:

“no caso do Brasil, seu serviço diplomático tem evitado proceder, formalmente, a uma

especialização dos funcionários, por entender que o diplomata deve ser, antes de tudo,

um agente capaz de ter uma visão abrangente dos interesses nacionais. Há serviços

diplomáticos que procuram promover a especialização de seus funcionários, no

entendimento de que se trataria de um requisito indispensável para capacitá- los a melhor

14 “Os critérios para promoção na carreira são basicamente antiguidade e merecimento em decorrência dos quais varia o tempo de promoção. O tempo mínimo de permanência em cada classe é de 4 anos. Assim, a ascensão de 1a Classe (Embaixador) implica pelo menos 20 anos, após a conclusão do Profa-1 IRBr.” Site do Ministério das Relações Exteriores, http://www2.mre.gov.br na seção de Perguntas Freqüentes.

Page 38: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

37

enfrentar o desafio da crescente complexidade técnica de toda uma série de assuntos da

rotina diplomática” (Hirst s.d).

Essa estruturação e organização do Instituto Rio Branco funcionam não só para

adequar-se às complexidades das relações internacionais, mas, principalmente, com uma

forma de definir a especificidade de “campo” e de estabelecer maior controle na

“produção” de diplomatas. Ao contrário da reclamação dos médicos sobre o

crescimento desordenado de escolas médicas sem obedecer qualquer planejamento,

avaliação e controle mais sistemático da corporação médica (Machado, 1996), a

formação de diplomatas acontece unicamente no Instituto Rio Branco, o que

impossibilita a desvalorização profissional. É o Instituto que define quando um

diplomata está pronto para prestar serviço no exterior; é esse órgão do Ministério das

Relações Exteriores que modela o profissional, ou seja, somente depois de dois anos de

preparação o novo diplomata é nomeado para servir no exterior. E, fazendo mais uma

referência aos médicos, podemos dizer que os diplomatas de carreira têm completa

hegemonia na sua área de atuação, pois não sofrem concorrências de outros possíveis

praticantes por ser o serviço diplomático uma carreira de Estado.

O acesso à carreira se dá exclusivamente pelo concurso público. Segundo

Mônica Hirst, todos os diplomatas de carreira em atividades passaram pelo concurso

público, mas nem todos que estão em exercício são diplomatas de carreira porque o

Presidente da República pode indicar para o cargo de Embaixador pessoas da sua

confiança, pessoas que não sejam membros da Carreira de Diplomata. Segundo a

mesma fonte, a maior parte dos Embaixadores do Brasil tem sido escolhido entre os

funcionários de carreira, “o que corresponde a um dos elementos essenciais da tradição

de estabilidade e de profissionalismo do serviço diplomático brasileiro. Porém,” “a

profissionalização dos serviços diplomáticos não é uma realidade universal. Em muitos

países, a indicação para missões em Embaixadas no exterior ainda ocorre em bases

aleatórias” (Hirst, s.d.). Mas, se inexiste competição externa à categoria profissional,

internamente a competição para alcançar promoções é muito forte. De acordo com Vera

Pedrosa, Embaixadora do Brasil em Copenhague (Dinamarca), a carreira de diplomata é

competitiva em termos individuais. E, nesse sentido, as reivindicações são feitas de

forma individual, afastando a possibilidade de ação conjunta em si mesma, pois tal ato

não é bem vista pelo Ministério que receia o comportamento corporativo (Pedrosa,

2003).

Page 39: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

38

Com relação à autonomia do corpo diplomático, o professor da UNB, um dos

participantes freqüentes como examinador no Curso de Altos Estudos (CAE) no

Instituto Rio Branco, José Flávio S. Saraiva15 argumenta que há uma percepção de

ausência de autonomia e subordinação e ainda uma certa autonomia no campo da

vontade política interna da Chancelaria no sentido de dar maior visibilidade ao corpo

diplomático. Talvez, por ser o Ministério das Relações Exteriores um órgão encarregado

de auxiliar o Presidente da República na formulação da política externa, assegurar sua

execução e manter relações com os governos estrangeiros, o grau de autonomia não seja

muito grande comparado a profissões como a Medicina, o Direito etc. Talvez por se

limitar a dar execução às diretrizes de política externa estabelecidas pelo Presidente da

República. Apesar disso, os diplomatas desfrutam do prestígio outorgado ao Itamaraty

que tem a fama, e zela por ela, de constituir-se em uma instituição a contar com

excelentes funcionários (Pedrosa, 2003).

Os diplomatas de carreira, no Brasil, – existem os diplomatas políticos

nomeados pelo Presidente da República por serem homens de sua confiança, mas esses

são temporários - têm o monopólio da representação do Estado no exterior. Além disso,

é uma carreira do Estado e, assim sendo, é estável e autônoma, pois a troca de

governantes não implica efetivamente na troca dos diplomatas.

O Itamaraty é detentor de grande prestígio na sociedade, prestigio esse

construído ao longo dos tempos, pelo reconhecimento interno e externo de bem servir o

país (Idem); e é uma Instituição que se fundamenta na “meritocracia”16, cujos

funcionários são socialmente reconhecidos pela sua excelência. Mas, como em boa

parte das profissões, a Carreira de Diplomata reproduz o quadro das desigualdades

sociais e raciais da sociedade brasileira, como reconhece a Embaixadora Thereza Maria

Machado Quintella17 residente da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). As

mulheres são discriminadas no Itamaraty e enfrentam vários obstáculos para chegar a

posições de chefia e de poder. Referindo-se a um artigo que escreveu sobre a posição

das mulheres no corpo diplomático, Quintella argumenta que as diplomatas se

acumulam nas classes de Primeiro Secretário e Conselheiro; que elas vão galgando os

degraus, mais ou menos como os seus colegas, às vezes até num ritmo mais acelerado,

15 Comunicação apresentada na Mesa Redonda: Mulher e Diplomacia. Comemoração do dia Internacional das Mulheres (8 de Março) Organizado pela Fundação Alexandre Gusmão (FUNAG) em colaboração com o Instituto Rio Branco (IRBr), em março de 2003 16 Barbosa (1996) 17 Palestra referida na nota 15

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39

mas quando chegam ali elas param. Observa que há uma acumulação de mulheres na

classe de Primeiro Secretário e a partir dali as promoções tornam-se realmente muito

difíceis.

O Instituto Rio Branco se orgulha de já ter formado excelentes profissionais,

cerca de mil e duzentos (1200) diplomatas brasileiros e 122 estrangeiros (informações

disponíveis na página on- line do IRBr) porém, a cor desses diplomatas não é informada.

Segundo o secretário responsável pela a política de ação afirmativa no Instituto, a

informação sobre a cor dos candidatos não era relevante até então. Para o secretário, dos

vinte e nove candidatos aprovados no Concurso, realizado em 2004, seis autodeclararam

“afro-descendentes” e, somente, um se candidatou à bolsa. Esse aumento do número de

candidatos que se autodeclararam “afro-descendentes” no Concurso de Admissão à

Carreira de Diplomata é avaliado como um dos pontos positivos pelo diretor do Instituto

Rio Branco. Para João Almino, um dos benefícios que a política de ação afirmativa traz

é o incentivo a autodeclaração, haja visto o número de declarantes “afro-descendentes”

nas últimas seleções do Instituto.

A Carreira de Diplomata goza de grande prestígio social e esse reconhecimento

também está relacionado à dificuldade em ingressar na Carreira, pois, o concurso é

considerado um dos mais difíceis do país. Em média, são trinta vagas e se inscrevem

anualmente cerca de três mil candidatos - aproximadamente 100 candidatos por vaga.

Como funciona a seleção e a formação dos integrantes do corpo diplomático é o que

veremos a seguir.

1.3- Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD)

Considerado o ponto de partida para uma carreira de elite, o Concurso do

Instituto Rio Branco é nacionalmente reconhecido por ser um dos mais difíceis do país,

principalmente, devido o seu rigor no processo de seleção de candidatos a diplomatas de

carreira no Brasil; e, em geral, o concurso tem a duração de três meses. Como observam

os candidatos, o concurso exige muito esforço, tempo, dedicação aos estudos, assim

como disponibilidade de recursos financeiros para uma excelente preparação intelectual

e fluência em línguas, basicamente a inglesa, para enfrentar a forte concorrência.

Portanto, ter recursos financeiros é uma questão fundamental particularmente para os

candidatos residentes em regiões onde não existem condições educacionais, culturais e

sociais que favorecem uma “boa preparação” para o concurso, pois cursos e professores

Page 41: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

40

que preparam candidatos para o concurso são encontrados somente nas grandes cidades:

Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

Além disso, por melhor preparado que o candidato esteja, é dificilíssimo passar

no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata; e muitos candidatos à Carreira não

desistem facilmente; alguns prestam o concurso duas, três vezes ou mais, até conseguir

o cargo de diplomata. Nesse sentido, as experiências em concursos do Instituto Rio

Branco variam muito em função do número de vezes que o candidato prestou o

concurso bem como a fase em que ele conseguiu chegar em cada tentativa. Alguns

conseguem passar na primeira fase, no Teste de Pré-Seleção (que engloba os mais

variados assuntos, inclusive provas de português e inglês), na segunda fase e acabam

sendo derrubados na terceira fase. Muitas vezes, esses mesmos candidatos que

chegaram na terceira fase do concurso anterior, em outras tentativas não conseguem

passar no Teste de Pré-Seleção, processo que acaba por desanimar muitos candidatos.

Um candidato beneficiado no segundo programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a

Diplomacia” que conseguiu aprovação no Concurso de Admissão à Carreira de

Diplomata (CACD) revela, em uma entrevista, que já havia concorrido três vezes antes

do aparecimento do programa e que a bolsa deu- lhe ânimo para tentar novamente. “Na

primeira vez eu consegui ir até a quarta fase, na segunda, até a terceira fase, e na

terceira, até a segunda fase.”18

Não obstante as dificuldades enfrentadas na preparação para o concurso e

durante o processo de seleção, a relação candidato/vaga é uma das maiores do país;

como exemplo, a relação candidato-vaga em 2001 e em 2002 foi de 103,2119, e, em

geral, a média está em torno de 100 candidatos por vaga e o número de vagas varia de

acordo com as necessidades do corpo diplomático; porém, muitas vezes, as vagas

disponíveis não são preenchidas totalmente. Até 1999 a média de vagas era de 25,

atualmente é de 30 vagas.

Em função da carência de mão-de-obra enfrentada pelo Itamaraty, o Instituto

Rio Branco abriu, em caráter especial, dois concursos em 2003. No primeiro semestre

abriu um concurso geral (período em que os 20 bolsistas do programa de ação

afirmativa do IRBr prestaram o concurso); e, no segundo semestre, em caráter especial,

somente para pós-graduados (mestres e doutores) para resolver seu problema de 18 http://www.pnud.org.br/noticias/impressão 19 Informações disponíveis na página do Instituto Rio Branco http://www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm . Na página podemos também encontrar a relação candidato/vaga de anos anteriores.

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41

carência de mão-de-obra. Esses funcionários selecionados no concurso não precisaram

passar pelo Programa de Formação e Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA-I) do

Instituto Rio Branco.

Para que tenha a sua inscrição aceita no Concurso de Admissão à Carreira de

Diplomata, o candidato precisa preencher certos requisitos básicos. Deve: 1) ser

brasileiro nato; 2) estar em dia com o serviço militar; 3) estar em dia com suas

obrigações de eleitor; e 4) haver concluído, antes da inscrição, curso superior de

graduação plena reconhecido pelo MEC (Edital de 2002). Preenchidos esses requisitos

para a inscrição, o candidato, para ser aprovado no concurso, precisa passar por cinco

etapas para tornar-se diplomata, começando como Terceiro Secretário, estágio inicial da

Carreira de Diplomata. O concurso está estruturado em 5 fases, conforme o edital de

2002, e todas as provas têm caráter eliminatório:

- na Primeira Fase é realizado o Teste de Pré-seleção;

- na Segunda Fase, as provas de Português e Inglês;

-na Terceira Fase constará de 07 (sete) provas: Questões Internacionais

Contemp orâneas, Português Oral, Inglês Oral, História, Geografia, Noções de

Direito e Noções de Economia;

- na Quarta Fase será realizada a avaliação física e psicológica do candidato; e,

-na Quinta e última fase será a da matrícula no Programa de Formação e Aperfeiçoamento de Diplomatas – Primeira Fase (PROFA-I), condicionada à

satisfação das condições exigidas no item 2.2 deste Edital, e à apresentação do

material e da documentação definidos no item oito abaixo.

Edital de outubro de 2002

Na primeira fase é feito um Teste de Pré-Seleção (TPS). É o primeiro

peneiramento pelo qual passa os milhares de candidatos interessados na Carreira de

Diplomata e é aplicado em várias capitais dos estados do Brasil. É uma prova sobre

conhecimentos gerais com “questões de cultura geral e brasileira” e é de múltipla

escolha, composta de cem questões objetivas que versa sobre os mais variados assuntos,

sobretudo, temas que constam nas fases seguintes do concurso. “Nas questões de

Português e Inglês, avaliar-se-ão, além do conhecimento dos idiomas e do uso da norma

culta, a capacidade de intelecção e interpretação de textos” (Edital). Nessa fase, a prova

é de conhecimento geral onde se avalia o “capital cultural” do candidato. Como revela

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42

Cristina Patriota (1999) que estudou os candidatos aprovados no concurso em 1997/98,

o TPS é uma medida de 'capital cultural' e não de conhecimentos específicos, pode

conter questões sobre uma infinidade de temas, desde literatura, ópera e artes plásticas

até questões sobre a Constituição Brasileira e nomes de ganhadores do Prêmio Nobel

(Idem, 44-45). Até a terceira fase do concurso, as provas são anônimas.

Na segunda fase, constam as provas de português e de inglês e são também de

caráter eliminatório (atualmente, o inglês não é mais eliminatório, mas sim

classificatório). Assim como na primeira fase do concurso, elas são realizadas,

simultaneamente, em Brasília e nas capitais designadas no Edital; e a partir da Terceira

fase todas as provas são realizadas somente em Brasília.

Já na terceira fase, as provas são realizadas exclusivamente em Brasília com

todas as despesas pagas pelo Instituto Rio Branco, durante a vigência do concurso. As

provas são sobre Questões Internacionais Contemporâneas, Português, Inglês,

Geografia, História, Noções de Economia e Noções de Direito. Segundo o Edital

(6.4.6), apenas os candidatos aprovados nas provas de Geografia e História estarão

habilitados a realizar as provas de Noções de Direito e Noções de Economia. Questões

Internacionais Contemporâneas, Português e Inglês são realizadas de forma oral. “Na

Segunda e Terceira Fases, as provas escritas não serão identificadas, para efeito de

correção. Somente no momento do anúncio dos resultados ocorrerá a identificação em

público” (Ibidem).

Na quarta fase (no edital de 2005 constam apenas três fases para o concurso de

admissão; não são mencionadas a quarta fase e a quinta fases) verifica se o candidato

possui as condições físicas, psíquicas e comportamentais exigidas pela profissão de

diplomata. Dessa fase, não dispomos de informações mais gerais, além das que estão no

edital, sobre o tipo de avaliação comportamental que é feito atualmente. Observa o

diplomata José Penna (2002) que na época do Barão do Rio Branco examinavam-se as

boas maneiras de candidato à mesa, apreciavam-se suas habilidades como dançarino20,

etc.

20 O diplomata, José Osvaldo de Meira Penna (2002) observa que “Outrora, no Brasil da época do Barão, era o próprio Chanceler que gostava de investigar os candidatos sobre esses pontos: além do comportamento do rapaz à mesa, apreciava sua habilidade como dançarino... Sobre table manners adequadas fui duas vezes examinado por Ciro de Freitas Valle – na época do Itamaraty do Rio era cognominado o Dragão da Rua Larga. Quando ingressei na carreira (em priscas eras, 1938!), havia na seção de Protocolo, hoje denominada Cerimonial, uma simpática Senhora, Dona Laura de Barros Moreira, filha de diplomata, que ocasionalmente prestava valiosos serviços de “instrução social” sobre, por exemplo, como usar os talheres e os copos de vinho; qual o dever de todos se levantarem à chegada do Embaixador (inclusive as mulheres pois, como pontificava o Maurício Nabuco, “o embaixador não

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43

E a quinta fase é a fase da matrícula no Programa de Formação e

Aperfeiçoamento de Diplomatas – Primeira Fase (PROFA-I), que tem o nível de

mestrado e após essa fase de formação o diplomata é nomeado para serviços nos

exterior.

O concurso público de Admissão à Carreira de Diplomata de 2005 sofreu

algumas modificações. Passa a ser realizado em três fases: o TPS agora é constituído

por 50 questões, sendo 45 questões objetivas e 5 questões discursivas; na segunda fase

passa-se a exigir exclusivamente prova de Português de caráter eliminatório e

classificatório; e na terceira fase aumentara-se o nível de exigências em termos de

disciplinas exigidas no concurso (ver Edital de 2005).

Como nos revela Cristina Patriota, na sua dissertação de mestrado intitulado

“Jovens Colegas: um estudo de carreira e socialização no Instituto Rio Branco”(1999)21,

realizado com candidatos aprovados em 1997/1998, os interessados em seguir a

carreira, desde muito cedo, tendem a escolher cursos universitários que mais se

aproximam das matérias exigidas no concurso, como Política Internacional, Direito,

Economia, Geografia, etc, e tendem a fazer anos de aulas preparatórias para o concurso.

Em geral, “aqueles que pensam em ser diplomatas desde infância escolheram o curso

universitário por sua ‘proximidade’ com as matérias exigidas no concurso e fizeram

anos de aulas preparatórias com professores recomendados pelo MRE” (Patriota,

1999:33).

Com essa demanda por cursos que preparem candidatos à Carreira de

Diplomata, nota-se um aumento de anúncios, nas faculdades, oferecendo aulas

preparatórias para as pessoas interessadas em se preparar para as provas do concurso do

Instituto Rio Branco (ver anexo IV). Nesses anúncios são oferecidas aulas preparatórias

de economia, direito, geografia, política internacional e línguas tais como Inglês,

francês e espanhol, ou seja, em geral, as matérias exigidas na primeira, segunda e

terceira fases do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD).

tem sexo”); a regra de não saírem da festa antes da partida da mais alta autoridade presente ou da pessoa a quem é a mesma oferecida; outras normas, como a de sempre cederem a direita às senhoras, mesmo num taxi ou numa calçada; e de não interromperem a conversa quando os mais velhos estão falando. Experiências do Grand Monde... Estas boas maneiras foram sendo esquecidas. 21 Cristina Patriota fez um trabalho de campo com os candidatos ao concurso de admissão à carreira de diplomata, alunos do IRBr nos anos de 1997 a 98 no qual analisa o processo do que ela denomina de “ressocialização” das pessoas que ingressam nessa profissão de diplomata proporcionado pelo Instituto. Nesse estudo, ela traça o perfil dos candidatos à carreira de diplomata.

Page 45: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

44

O que acabamos de descrever é o Concurso de Admissão à Carreira de

Diplomata (CACD) do Instituto Rio Branco. Outra coisa completamente “diferente’ é o

programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” do

Instituto Rio Branco que não mexe com a estrutura e o processo de seleção do

Itamaraty. Apesar do atual modelo seleção do programa ser parecido com o CACD, são

assuntos “separados”.

1.4. “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”: características da primeira

experiência com ação afirmativa no Instituto Rio Branco.

O programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”

concede bolsas de estudos aos candidatos “afro-descendentes” interessados em se

preparar para a Carreira de Diplomata. Atualmente, o programa concede trinta (30)

bolsas de estudos no valor de dois mil e quinhentos reais (2.500 reais) mensais durante

um período de dez meses. Além de oferecer recursos financeiros, oferece também

recursos humanos, pois coloca a disposição dos bolsistas diplomatas (tutores, como são

chamados) para orientá- los nos estudos.

Os bolsistas selecionados pelo programa têm um período de 10 meses para

contratar professores e cursos que os ajudem a complementar e reforçar os estudos de

preparação para as inúmeras provas do concurso, em função de não existir cursos

específicos que preparem alunos para a Carreira de Diplomata. A bolsa tem a única e

exclusiva função de custear o material bibliográfico necessário e o pagamento de cursos

e professores que preparem candidatos nas disciplinas exigidas no Concurso de

Admissão à Carreira de Diplomata. Todas as outras despesas com transporte,

alimentação e outras despesas relacionadas ao processo de preparação para o concurso

como a leitura de jornais, revistas, custos com a internet, etc. são de responsabilidade do

bolsista, pois a bolsa não pode ser direcionada nesse sentido. No plano de estudo tem

que constar claramente às atividades pelas quais os recursos serão empregados, o que

não inclui despesas extras. O bolsista precisa apresentar regularmente relatórios técnicos

para serem analisados pela Comissão Técnica Interministerial e, no final da vigência da

bolsa, apresentar uma prestação de contas.

Após a data estipulada para cursos preparatórios o candidato é obrigado, de

acordo com as normas do programa, a se inscrever no primeiro concurso aberto pelo

Instituto. Caso não passe na primeira fase do concurso, o Teste de Pré-Seleção (TPS), o

Page 46: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

45

bolsista pode se inscrever nos próximos concursos sem pagar a taxa de inscrição por

dois anos, (informações do IRBr) e, caso passe na primeira fase, a bolsa é

automaticamente renovada por mais tempo. No entanto, como veremos na descrição do

programa de 2002, isso não ocorreu. Caso o bolsista viesse a ser reprovado no TPS

perderia o direito de usar a bolsa, sendo automaticamente desligado do programa.

O programa ganhou novo formato em 2003 quando o processo de seleção passou

a ser realizado pelo Instituto Rio Branco com a colaboração do Centro de Seleção e de

Promoção de Eventos (CESPE) da Universidade de Brasília para onde é encaminhada

toda a documentação de inscrição no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata

(CACD) do Instituto Rio Branco. Podemos dizer que o programa passou a ser realizado

em moldes parecido com o CACD. Passa-se então a exigir provas objetivas de língua

portuguesa e de língua inglesa, redação de caráter discursivo nessas duas línguas, sendo

todas de caráter classificatória e eliminatória. E, conforme o edital de 1/2004, a seleção

passou a ser realizada em duas etapas para avaliar as habilidades e conhecimentos dos

candidatos.

A primeira etapa é realizada em várias capitais dos estados brasileiros como

Belém/PA, Belo Horizonte/MG, Brasília/DF, Curitiba/PR, Florianópolis/SC,

Fortaleza/CE, Goiânia/GO, Porto Alegre/RS, Recife/PE, Rio de Janeiro/RJ,

Salvador/BA e São Paulo/SP, sob a responsabilidade do CESPE. São provas objetivas,

de caráter classificatório e eliminatório, da língua portuguesa e da língua inglesa.

A segunda etapa, também de caráter classificatório e eliminatório, é realizada

exclusivamente em Brasília e é constituída de “análise da documentação submetida pelo

candidato no momento da inscrição e de entrevista técnica a serem realizadas por uma

Comissão Interministerial, formada com representantes dos partícipes do Termo de

Ajusto do Protocolo de Cooperação, instituída especificamente para este fim; e ainda de

prova de redação a ser realizada pelo CESPE”. Os critérios levados em consideração

nesta etapa foram os seguintes:

1. classificação nas provas objetivas;

2. histórico escolar;

3. redação sobre a experiência pessoal do candidato como afro-descendente

e sobre os motivos por que pretende ser diplomata;

4. plano de estudos e de utilização dos recursos da Bolsa-Prémio de

Vocação para a Diplomacia durante os dez meses de vigência;

5. equidade de gênero;

6. renda familiar. Edital de 1/2004

Page 47: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

46

Antes disso, o candidato terá que satisfazer certos requisitos básicos para que a

sua inscrição seja aceita pelo programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”,

tais como: ser brasileiro nato; ser afro-descendente (negro) expresso por meio de uma

declaração; estar em dia com as obrigações eleitorais; estar em dia com o serviço

militar; haver concluído o curso de graduação plena, ou estar freqüentando o último ano

de curso superior reconhecido pelo MEC. Como podermos observar neste edital, a

categoria “afro-descendente” ganhou o “reforço” da categoria negro. Na verdade,

atualmente, utilizam-se duas categorias, afro-descendente (negro), para selecionar os

candidatos. Indagado sobre o porquê disso, o Secretário Eduardo Teixeira, responsável

pelo programa no IRBr, explica que essa “nova categoria” descreve melhor o perfil do

candidato requerido pelo programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco. Para

evitar problemas relacionados à autodeclaração, exige-se do candidato, a “Bolsa-Prémio

de Vocação para a Diplomacia”, que disserte sobre a sua cond ição de negro, o que para

o Ministério das Relações Exteriores é a melhor maneira de selecionar os candidatos.

Como podemos ver, o programa de ação afirmativa para o Instituto Rio Branco

não mexe na estrutura e funcionamento do concurso, é um programa que simplesmente

concede recursos aos “afro-descendentes” interessados em se candidatar ao Concurso de

Admissão à Carreira de diplomata. Não reserva vagas, como faz questão de ressaltar o

diretor do Instituto Rio Branco, como tem ocorrido em outros Ministérios, apenas

fornece recursos financeiros e humanos que possam apoiar o candidato no processo de

preparação para o concurso do IRBr. Argumenta o diretor que “Todos os candidatos são

aprovados por excelência no Rio Branco. As provas de admissão para a carreira

continuam iguais” (Almino, 2004).

Page 48: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

47

1.4.1 O Processo Seletivo de 2002

O primeiro programa selecionou vinte bolsistas de um contingente de

quatrocentos e três “afro-descendentes” inscritos para uma bolsa de 1500 reais mensais

(inicialmente de 1000 reais); e no segundo programa o número de bolsas aumentou para

trinta e o valor da bolsa também aumentou para 2500 reais mensais com o objetivo de

proporcionar “igualdade de condições” aos “afro-descendentes” que concorrem à

Carreira de Diplomata.

A primeira experiência foi caracteristicamente diferente das seleções posteriores.

O programa começou a ser implementado em 2002 e quatrocentos e três candidatos, que

se autodeclararam “afro-descendente” se inscreveram. Quanto ao processo seletivo

propriamente dito, desses 403 candidatos inscritos, quarenta foram selecionados para

fazer entrevistas e vinte foram premiados com uma bolsa para se preparar, durante 10

meses, para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Branco

(IRBr). Após um período de preparação (nesse caso particular foram quase sete meses)

os candidatos foram obrigados a prestar o primeiro Concurso de Admissão aberto pelo

Instituto em março de 2003. Dos vinte selecionados, dois candidatos (correspondendo a

10%) foram aprovados na primeira fase, no Teste de Pré-Seleção (TPS) do CACD; um

foi eliminado na segunda fase (provas de Inglês e Português); e uma bolsista (5%) foi

aprovada no CACD do IRBr, sendo atualmente Terceiro Secretário. De uma forma

geral, o concurso realizado no primeiro semestre de 2003 é avaliado como positivo, pelo

IRBr, comparando o universo de candidatos inscritos 5.791, sendo aprovados apenas 39

candidatos (contabilizando 0,7% do total), e pelos bolsistas em particular.

Nesse primeiro ano, o processo de seleção foi feito de maneira diferente dos

processos posteriores. Estamos nos referindo a uma experiência pioneira que começou a

ser colocada em prática em 2002, logo após a III Conferência de Durban, em 2001.

Como toda a primeira experiência, algumas dificuldades foram observadas em termos

de estrutura e adaptação ao processo de implementação de ação afirmativa; pois, entre

assinatura do Termo de Ajusto do Protocolo de Cooperação para a implementação de

ação afirmativa no Instituto Rio Branco e o anúncio do programa, o tempo foi

relativamente curto para que todas as providências fossem tomadas em termos

estruturais e burocráticos. Foi um processo considerado muito tumultuado pelos

bolsistas em termos burocráticos e estruturais em função das inúmeras dificuldades

enfrentadas por eles com relação ao atraso no pagamento da primeira parcela da bolsa;

Page 49: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

48

assim como outros atrasos ocorridos ao longo do processo. Com relação ao tempo de

preparação para o CACD, tiveram aproximadamente sete meses, e não 10 meses

período estipulado de vigência da bolsa pelo programa; e ainda foram obrigados a

prestar o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata aberto pelo Instituto Rio

Branco em março de 2003. Quem não conseguiu passar no Teste de Pré-Seleção não

teve mais o direito de usar a bolsa. Nesse sentido, os bolsistas sentiram-se prejudicados

pelo tempo perdido na preparação. Uma vantagem observada foi o fato de a bolsa ter

sido aumentado de 1000 para 1500 reais mensais, em dezembro de 2002.

Ao contrário do que aconteceu posteriormente, o primeiro processo de seleção

de candidatos “afro-descendentes” para o programa de ação afirmativa do IRBr foi

realizado no Centro Nacional de Desenvolvimento Ciência e Tecnologia – CNPq para

onde toda a documentação de inscrição foi encaminhada. A Comissão Interministerial,

constituída especificamente para este fim, ficou encarregada de realizar todas as etapas

da seleção: análise da documentação e a entrevista. Ficou também a cargo do CNPq a

responsabilidade de administrar os recursos financeiros22 e o acompanhamento, por

meio de relatórios freqüentes, das atividades de estudos desenvolvidas pelos bolsistas.

Foi um processo relativamente simples. A estratégia adotada, nesse período, para

avaliar e selecionar candidatos foi à análise da documentação submetida no ato da

inscrição e uma entrevista. Não foram exigidas provas e o processo decorreu em duas

etapas. Na primeira, exigiu-se um plano de trabalho/estudo para os dez meses de

vigência da bolsa (análise da documentação: histórico escolar; uma redação com os

motivos e as expectativas do candidato sobre a Carreira de Diplomata; e um plano de

estudo de como os recursos financeiros seriam empregados no processo de preparação

para o concurso). Na segunda, foi uma entrevista. Os critérios de seleção deveriam

privilegiar determinados aspectos do candidato: “bom desempenho acadêmico; clareza e

viabilidade do plano de trabalho/estudo; objetividade e coerência no plano de

desembolso da bolsa para os dez (10) meses de vigência; capacidade analítica e de

22 As bolsas de estudos do programa são provenientes de recursos financeiros do Instituto Rio Branco, da Secretaria dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, do Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, e da Fundação Palmares, de acordo com o Protocolo de Cooperação. Posteriormente, aos bolsa passaram e ser oferecidas em convênio com o CNPQ, a Fundação Palmares, o Ministério da Educação, o Ministério do trabalho, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e a Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade racial, e com o apoio da Cultura Inglesa, das Alianças Francesa e do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (CESPE) da Universidade de Brasília.

Page 50: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

49

articulação de idéias, verificadas através da redação sobre os motivos e expectativas

do(a) candidato(a) vir a ser Diplomata”(IRBr).

Como referido anteriormente, os recursos financeiros têm a função específica e

exclusiva de custear o material bibliográfico, cur sos e professores que preparem

candidatos ao CACD e nada mais, além disso. Uma das dificuldades colocadas pelos

bolsistas é que os recursos deveriam ser ampliados de forma a poder possibilitar o

desligamento do trabalho, pelo menos durante o período da vigência da bolsa, para se

dedicar exclusivamente aos estudos. Segundo eles, a bolsa é de grande importância

porque ajuda muito, mas não o suficiente para que o bolsista possa mergulhar nos

estudos como acontece com outros candidatos, sem precisar se preocupar com as contas

a serem pagas no final do mês. Por exemplo, alguns tiveram que deslocar das suas

regiões para as cidades como São Paulo, Rio de Janeiro ou Brasília para poder assistir

cursos preparatórios que só são oferecidos nesses lugares e, com isso, os recursos da

bolsa não podem ser empregados. Uma candidata teve que se deslocar de Juiz de Fora,

outra de Salvador, etc. para poderem assistir aulas preparatórias presenciais em matérias

consideradas importantes e que não eram oferecidas nas suas cidades.

Com relação a essa questão, a pergunta formulada foi o seguinte: como você se

preparou para o concurso à bolsa do Instituto Rio Branco e para o CACD? Com os

poucos questionários respondidos e as entrevistas igualmente poucas, porém,

significativos, pudemos observar que boa parte dos candidatos tivera a necessidade de

se deslocar para outras regiões atrás de professores e cursos preparatórios. Os que, por

ventura, não puderam descolar-se receberam materiais bibliográficos e orientação de

tutores (diplomatas que foram designados para orientar os bolsistas) e dos colegas, à

distância. Os bolsistas criaram um “grupo” denominado diplomacia afro-descendente

(grupo de discussão on-line) para tocar informações, debater textos e se comunicar em

geral. Referindo-se ao processo de preparação para o Concurso,

Fiz aulas preparatórias no Rio de Janeiro, pois em Juiz de Fora não há cursos

preparatórios para o Itamaraty. Minha preparação foi através de aulas

presenciais e de fitas como também de uma leitura disciplinada da

bibliografia e também de jornais e revistas.

*

Para me preparar para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata fui

morar em Brasília onde fiz um curso preparatório que englobava todas as

Page 51: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

50

matérias; e depois fui morar em São Paulo para fazer cursos preparatórios.

Voltei para salvador e continuei estudando, por conta própria, as matérias

que tinha mais dificuldade como a Economia e o Direito. Depois continuei

estudando a língua Inglesa. Eu tinha um orientador, mas para a minha

infelicidade não consegui entrar em contato com ele.

Essas duas respostas mostram claramente a necessidade de deslocamento à

procura de cursos e professores que preparem candidatos à Carreira de Diplomata.

Como poderemos averiguar, no segundo capítulo, a maior parte dos candidatos

selecionados, no programa de 2002, é do Rio de Janeiro, cidade de onde historicamente

é proveniente a maior parte dos candidatos interessados na Carreira de Diplomata. Ou

seja, são basicamente três regiões - Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília - que oferecem

cursos preparatórios estruturados com todas as matérias exigidas no CACD. Portanto,

proveniente dessas regiões, boa parte dos bolsistas não tivera a necessidade de se

deslocar, mas muitos não conseguiram desligar-se do trabalho para se dedicar

exclusivamente aos estudos. Para driblar a falta de tempo e conciliar o trabalho e o

estudo, algumas estratégias foram adotadas:

Eu me matriculei num curso preparatório. Estudava em média 8 horas por

sábado e lia em média 2 horas aos domingos. Não estudava durante a semana

porque tinha que trabalhar. O auxilio pago aos bolsistas não podia ser utilizado

para o pagamento de despesas como transporte, alimentação e contas como

água, luz, etc.

*

Infelizmente, tive pouco tempo para me preparar da forma que eu queria. (...)

só pude fazê-lo por quatro meses – pedi uma licença sem vencimentos no

trabalho, em 2002, juntei férias vencidas e mergulhei no meu plano de estudos.

A maioria se matriculou em cursos preparatórios de alto nível que geralmente

são caros para poder ter alguma chance real de ser bem sucedido no CACD. Em geral,

como nos revela Cristina Patriota (1999), muitos candidatos precisaram fazer alguns

anos e anos de cursos preparatórios para enfrentar o dificílimo concurso do Instituto Rio

Branco. Mas, no primeiro programa, os bolsistas tiveram pouco tempo, entre receber a

bolsa e o a abertura do Concurso pelo Instituto, basicamente sete meses para se

preparar. No entanto, para se candidatar à bolsa do programa não houve necessidade de

Page 52: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

51

preparação rigorosa porque, nesse período, não foram exigidas provas, porém um

candidato procurou orientação para se preparar para a entrevista “para a bolsa, fui

orientada por um professor universitário. Ele me orientou como deveria proceder, o

que eu deveria saber que provavelmente eles iam perguntar”.

Devido à dificuldade em passar no concurso, uma vez que se exige uma sólida e

excelente formação em boas escolas, na maioria das vezes, os candidatos à Carreira

fazem várias vezes o Concurso, como ficou visto anteriormente. Pelas respostas ao

questionário, observamos que alguns bolsistas já haviam se candidatado outras vezes

antes de terem sido beneficiados pela ação afirmativa do Instituto Rio Branco. Em

média, são duas vezes antes da bolsa e depois da bolsa, incluindo o concurso que é

obrigatório após a vigência da bolsa. Alguns não manifestam a intenção de prestar o

concurso novamente, pelo menos por enquanto, outros continuam nesta empreitada -

ficamos sabendo que três dos bolsistas de 2002 estão estudando para o concurso deste

ano -, e outros ainda não descartaram a possibilidade de fazer parte do seleto grupo do

Itamaraty.

Não estou pensando em me candidatar de novo. Para mim, esse é um projeto de

médio a longo prazos, agora preciso fazer outras coisas: trabalhar, ganhar

dinheiro porque não faço parte dessa elite, porque a maioria dos meus colegas

só estudam. Mas é um planejamento a médio e longo prazos.

*

Prestei o concurso duas vezes, em 2001 e em 2002. E não desisti ainda. Como

dizia Júlio César, de Skakespeare, “(...) ainda não esgotei todas os recursos que

podem me conduzir à vitória. Por isso, quero a Lua!”.

Muitos reconhecem a necessidade de se preparar por mais tempo e se dedicar

com mais afinco aos estudos, para que um dia possam se candidatar como “os outros”

que passam a vida toda se preparando para o concurso, já que não fazem parte dessa

“elite” que não precisa se preocupar em como pagar as contas no final do mês.

Conclusões

O programa faz parte de um acordo interministerial no qual os recursos

disponibilizados pelo Ministério das Relações Exteriores são relativamente poucos,

comparados aos ganhos político e simbólico em jogo; e é conveniente lembrar também

Page 53: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

52

que o programa recebe apoio financeiro de outros três Ministérios, e que, portanto, o

Itamaraty só entra com ¼ dos recursos do programa. Mesmo assim, os recursos

disponíveis, 1500 reais mensais (atualmente 2500 reais mensais) para cada bolsista são

relativamente poucos para suprir todas as necessidades decorrentes da preparação

devido ao elevado nível intelectual e cultural exigidos dos candidatos. Ademais, 10

meses não é tempo suficiente para adquirir conhecimentos que demandam algum tempo

para serem assimilados como Direto, Economia, etc., por mais bem preparado que o

candidato esteja em termos culturais.

Não é por acaso que apenas três candidatos ingressaram no Itamaraty, em três

anos do programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”. O processo de

seleção é tão rigoroso que somente os que têm como meta e projeto de vida a Carreira

de Diplomata conseguem ingressar no Itamaraty. Porém, como veremos no terceiro

capítulo, isso é relativo, pois há outras questões a serem colocadas e abordadas quanto

ao processo seletivo do Itamaraty. Pois, como vimos, o Itamaraty rejeita a política de

cotas, política impensada por essa instituição que se orgulha de ter um corpo

diplomático intelectualmente bem preparado, fundamentado na questão do mérito

individual e nacionalmente reconhecido pela sua excelência; um corpo de representação

reconhecido pela sua “distinção” no vestir, nos modos de se comportar, pela expressão

culta e fluente em línguas, etc (Bourdieu apud Villas Bôas, 2001).

Apesar das limitações do programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a

Diplomacia” do Instituto Rio Branco, ter o Itamaraty reconhecido que, praticamente,

não existem “afro-descendentes” nos seus quadros funcionais é positivo porque

representa um princípio de abertura e democratização do acesso ao Itamaraty, espaço

historicamente conhecido como o “reduto” de uma “elite branca burocrática” que ali se

reproduz. E essa abertura é importante por ser o Itamaraty “um importante espaço social

no âmbito da estrutura burocrática do Estado que pode favorecer a transformação de

idéias em atitudes socialmente compartilhadas, isto é, em cultura Política” (Botelho:

2003: 1).

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53

Capítulo II

PERFIL SOCIOECONÔMICO E EDUCACIONAL DOS CANDIDATOS “AFRO-

DESCENDENTES” INSCRITOS EM 2002

Observamos que alguns bolsistas já haviam prestado o concurso do Instituto Rio

Branco antes de terem sido beneficiados pelo programa; e alguns precisaram deslocar

das suas cidades para as poucas - Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília - que oferecem

cursos preparatórios para Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD).

Como os recursos da bolsa não permitem gastos além dos relacionados ao pagamento de

cursos e professores; e, em geral, os cursos são muito caros, o que indica que não é

qualquer pessoa que disponibiliza recursos financeiros e capital cultural para o

Concurso do Instituto Rio Branco, acreditamos tratar-se de integrantes da “classe média

negra” pleiteando espaços no Itamaraty. Perante essa demanda pela ação afirmativa no

Instituto Rio Branco (IRBr) algumas questões necessariamente se colocam, tais como:

quem são esses candidatos? De onde vieram? De que condições sociais são

provenientes? Quem são os pais? Essas questões são abordadas neste capítulo.

Assim, o objetivo definido para este capítulo consiste na construção do perfil

socioeconômico e educacional dos candidatos “afro-descendentes” inscritos no

programa “Bolsa-prémio de Vocação para Diplomacia”, implementado, em 2002, a

partir da análise de dados quantitativos disponíveis. Atentaremos para os vinte

candidatos selecionados às bolsas de preparação para o Concurso do Instituto Rio

Branco. Como referido no capítulo anterior, 403 candidatos é um número bastante

expressivo o que nos permite pressupor que há uma “demanda reprimida” de segmentos

negros da classe média brasileira procurando se inserir em espaços mais privilegiados

da sociedade e onde eles se encontram criticamente sub-representados. Certas carreiras,

como a de Diplomata, são consideradas de alto prestígio e socialmente valorizadas,

inclusive pelo seu caráter elitista e pelo rigor no processo de seleção e formação de seus

futuros membros visando a excelência.

Com relação a essa demanda, os dados objetivos de que dispomos permite

sugerir a hipótese de que estamos perante segmentos da “classe média negra” se

candidatando a uma vaga na Carreira de Diplomata. Mas, o presente capítulo não traz

informações se esses indivíduos têm consciência de pertencimento a uma classe,

Page 55: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

54

entendendo classe aqui no sentido dado por Bourdieu27. Certamente, um conjunto de

dados quantitativos dos candidatos inscritos para o programa de 2002, apresentados

nessa seção, nos permitirá tirar ilações sobre a questão, mas, tudo indica que são mesmo

indivíduos pertencentes a essa “classe média negra”. No entanto, a literatura sobre a

mobilidade e estratificação social, fundamentada em dados estatísticos de diferentes

instituições de pesquisas credenciadas, atentando para as oscilações econômicas e

políticas que atingem principalmente a classe média brasileira no que concerne ao seu

poder aquisitivo, indicam um encolhimento da classe média a partir da combinação de

educação, renda e ocupação (Sugimoto, 2004: 8)28. Não obstante, algumas pesquisas

específicas sobre a “classe média negra” apontam um crescimento relativo em termos de

educação e outros indicativos sociais (Pinheiro, 1999).

Esses dados, além de serem importantíssimos para traçar o perfil

socioeconômico e educacional dos inscritos no programa, poderão nos revelar,

aproximadamente, a partir da análise dos dados dos bolsistas selecionados, o perfil dos

candidatos requerido pelo Instituto Rio Branco. Nesse caso, um estudo comparativo

com dados do perfil socioeconômico e educacional dos candidatos brancos inscritos na

mesma época seria muito interessante, pois, nos forneceria melhores resultados nesse

processo de análise do perfil “ideal” esperado pelo Instituto. Mas, como não dispomos

de informações sobre o grupo branco e apenas uma candidata negra logrou entrar no

seletíssimo grupo dos diplomatas brasileiros, teremos um perfil aproximado. Além

disso, esses dados nos permitirão atentar para a mobilidade social desse grupo de “a fro-

descendentes” em relação aos pais a partir da ocupação e educação destes no processo

de formação e escolha da ocupação dos filhos.

Portanto, na primeira parte deste capítulo, apresentaremos dados referentes aos

391 do total de 403 candidatos inscritos no programa com o objetivo de traçar o seu

perfil socioeconômico e educacional atentando particularmente para o perfil dos

candidatos selecionados pelos examinadores do programa, isto é, os candidatos

considerados mais qualificados, capacitados e preparados para receber o reforço das

bolsas no processo de complementaridade dos estudos para o Concurso altamente

seletivo do Instituto Rio Branco.

27 Para Bourdieu (2000), “classe é um conjunto de agentes que ocupam posições semelhantes e que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm, com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomadas de posições semelhantes”. 28 Para maiores informações consultar Jornal da Unicamp no site: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/maio2004/capa251.html

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55

Na segunda parte, debruçaremos sobre os indicativos sociais especificamente

para tratar da mobilidade social a partir da educação e ocupação dos pais. Assim sendo,

para traçar o perfil combinaremos um conjunto de variáveis consideradas de

fundamental importância nesse processo como os indicadores educação, renda familiar,

e ocupação.

A renda familiar é analisada a partir do modelo desenhado pelo economista

Waldir Quadros que “define cinco níveis de renda para esta população, a preços de

janeiro de 2004 (deflacionados pelo INPC), e tendo como fontes o PNAD e o IBGE: a

alta classe média, com renda familiar acima de R$ 5.000 por mês; a média classe média,

de R$ 2.500 a R$ 5.000; e a baixa classe média, de R$ 1.000 a R$ 2.500.

‘Rigorosamente, esses níveis significam uma “proxi” dos padrões de vida de classe

média’, explica. No que chama de camadas inferiores, o economista enumera outras

duas: a massa trabalhadora, com renda de R$ 500 a R$ 1.000; e trabalhadores precários

ou miseráveis, com menos de R$ 500 (Sugimoto, 2004: 8). Quadros não avalia a classe

média simplesmente pela variável renda; para ele, “pertencem à classe média indivíduos

que ocupam cargos intermediários entre as categorias clássicas de divisão de trabalho -

proprietários e operariado. Recorte que inclui desde o office boy de uma empresa aos

executivos assalariados" (Idem).

Alguns pesquisadores apontam as enormes dificuldades por que têm passado,

nas últimas décadas, a classe média brasileira inclusive a perda gradual do seu poder

aquisitivo derivada das inúmeras oscilações econômicas e políticas no mercado que

afetam-na diretamente. Para o pesquisador Waldir Quadros, integrando o nível de renda

e a ocupação poderá medir a perda do padrão de vida da classe média. Comparando os

dados de 1991 aos de 2002, utilizando informações o PNAD e o IBGE, Quadros indica

um encolhimento da população nas camadas de média e baixa classe média e o

crescimento desses profissionais nas camadas inferiores da pirâmide. Ressalta que “as

famílias das camadas superiores que ali permanecem, vão perdendo renda e sendo

ameaçadas pelo desemprego crescente, sujeitas ao mesmo impacto sofrido pelas pessoas

rebaixadas socialmente" (ibidem). Apesar desse retraimento da classe média brasileira,

como aponta Quadros nas suas pesquisas, um trabalho divulgado, há poucos anos, pelo

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão do Ministério do

Page 57: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

56

Planejamento, mostra que a “classe média negra” das capitais brasileiras teve um

crescimento relativo de 10% com relação à “classe média negra” em 199229.

Para estudar o padrão de vida, ou seja, o perfil socioeconômico da classe média,

os pesquisadores têm adotado diferentes abordagens metodológicas. Em termos de

ocupação, alguns pesquisadores optam por enfatizar a ocupação não-manual como

critério fundamental na demarcação da classe média, além de utilizar outros indicadores

importantes para fundamentar. Tendem a dividi- la em três subclasses: “classe média

alta” (dirigentes, profissionais universitários e empregadores), “classe média média” (as

ocupações técnicos/artísticos) e “classe média baixa” (inclui empresários por conta

própria e as ocupações das atividades não-manuais de rotina) com a argumentação de

que a subdivisão é necessária em função das diferenças significativas entre renda e

escolaridade (Figueiredo, 2003: 50). Nesse estudo, o indicador ocupação30 é também

dividido em ocupação não-manual e ocupação manual a partir da tabulação Especial da

PNAD de 1999 (Figueiredo, 2003).

Depois desses esclarecimentos sobre a metodologia a ser utilizado neste capítulo,

procedemos então a analisar dos indicativos sociais referentes renda familiar, ocupação

e escolaridade de todos dos candidatos inscritos no programa.

1.1 – TRAÇOS GERAIS

Dados gerais dos concorrentes inscritos a uma bolsa de estudos para se preparar

para o concurso do Instituto Rio Branco (IRBr) nos revelam que são provenientes de

diferentes cidades e estados do Brasil; e como teremos oportunidade de verificar ao

longo da análise, a grande maioria desses candidatos estão situados na região Sudeste,

basicamente nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, dois dos estados considerados

social e economicamente os mais desenvolvidos do Brasil. Poderemos verificar na

análise dos dados que o grupo é bastante heterogêneo em termos gerais como estado 29 Revista Veja, 1999. 30 Ocupação está definida em: ocupação não-manual e ocupação manual. A ocupação não-manual subdivide-se em: não-manual alto (Profissionais Liberais, Dirigentes, Empresários/Empregadores e Outros profissionais universitários); não-manual médio (Técnicos e artísticos/ Supervisão do trabalho manual); e não-manual baixo (Empresários por conta própria e Funções não-manuais de rotina). A ocupação manual esta dividida em dois tipos: manual urbano alto (Trabalhadores de Indústria Moderna, Trabalhadores nos Serviços Gerais), manual urbano baixo (Trabalhadores no Comércio Ambulante, Trabalhadores nos Serviços Pessoais, Trabalhadores na Industria Tradicional e Serviços domésticos). Mas, existe também a ocupação rural que é de fundamental importância para averiguar a mobilidade social dos filhos em relação aos pais. Em função disso, dividiremos a ocupação rural em: rural alto (os proprietários) e rural baixo (trabalhadores rurais).

Page 58: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

57

civil, faixa etária, sexo e principalmente com relação à renda familiar; contudo, no

concernente ao indicador educação, as diferenças não são tão expressivas já que todos

os candidatos estão dentro do padrão mínimo exigido para o Concurso do Instituto Rio

Branco. O mesmo poderá ser dito quanto ao indicador ocupação; não existe muita

disparidade em termos de ocupação como poderemos observar mais adiante.

1.1.1- Estado Civil e Sexo

Atentando para os dados referentes ao estado civil, no total da coluna horizontal da

Tabela I, percebemos que a grande maioria dos candidatos é solteiro, 66,3%; 25,4% se

declararam casados; outros estados civis representam 8,2% e alguns poucos (1,1%) não

se pronunciaram a esse respeito. Cruzando as variáveis Estado Civil e Sexo, podemos

verificar que 40,3% dos solteiros são mulheres e apenas 26,0% dos homens estão nessa

condição social. Quando atentamos para o número de casados, ressalta aos olhos o sexo

masculino 16,7%, quase o dobro do número das mulheres nessa mesma condição social

8,8%. Outro dado interessante é que a maioria dos candidatos é do sexo feminino

53,1%; mas a diferença em relação aos homens é expressiva, 6,2%.

Tabela I31 – Candidatos segundo Sexo e Estado civil.

Estado Civil * Masc. ou Fem? Crosstabulation

Count

98 152 250

63 33 9616 15 31

177 200 377

Solteiro

CasadoOutros

EstadoCivil

Total

Masc FemMasc. ou Fem?

Total

Essas informações sobre o número de mulheres negras almejando assumir posições de

maior expressividade social na sociedade brasileira contemporânea são bastante

interessantes por demonstrarem mulheres de “classe média negra” mais escolarizadas

almejando ascender socialmente, principalmente em carreiras de maior prestígio social

31 A maioria dos quadros não apresenta o total dos candidatos inscritos, aqueles dos quais dispomos de dados quantitativos, pois, muitos deles omitiram informações. Portanto, os totais dos quadros variam muito de acordo não-identificados (esses são aqueles que omitida alguma informação), ou seja, os estudantes e as ocupações deixadas em branco não se encontram presentes nos vários quadros analisados.

Page 59: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

58

tradicionalmente ocupadas pelos homens, apesar das inúmeras discriminações

estruturais. A literatura brasileira especializada na questão dos movimentos sociais,

atualmente fundamentada em dados estatísticos, tem revelado o quadro das

desigualdades e discriminações sociais e raciais historicamente sofrido pelas mulheres,

nas ocupações de maior prestígio social, especificamente as mulheres negras

brasileiras, recebendo salários mais baixos que os dos homens, apesar de muitas vezes

terem um nível de instrução maior (Telles, 2000; Figueiredo, 2003, Lima, 1999).

Segundo as pesquisas, são as mulheres negras as maiores prejudicadas no quadro das

desigualdades sociais e raciais, independente da sua classe.

No tocante à educação, a literatura tem revelado que o retorno dos investimentos em

educação tem se mostrado altamente discriminatório, particularmente para as mulheres

negras; discriminatório no sentido de que, apesar de altos investimentos em educação,

numa tentativa de mobilidade social ascendente, não conseguem alcançar ocupações de

prestígio social condizentes com a sua formação e, muito menos, receber salários de

acordo com a ocupação (Lima, 1999). Na visão da pesquisadora Márcia Lima:

Mesmo com altos níveis de escolaridade, as mulheres negras não conseguem

ultrapassar etapas de mobilidade social que normalmente são

proporcionadas pelo investimento em educação (Lima, 1999: 156)

Os dados da PNAD de 1999 revelam que os negros chegam a receber apenas

56,6% da renda dos brancos; que os negros ganham salários inferiores aos brancos em

todas as ocupações, até mesmo naquelas em que a diferença entre as médias de anos de

estudos é quase inexistente, como a dos profissionais universitários. Revelam ainda que

são as mulheres negras as mais prejudicadas recebendo os menores salários do mercado,

ganhando em média cerca de 44,8% da renda dos salários dos homens brancos

(Figueiredo, 2003).

Ainda com relação à renda, a literatura tem demonstrado, com base em dados

quantitativos de instituições de pesquisas, que as mulheres recebem salários inferiores

aos dos homens praticamente no mundo todo. Segundo Manuel Castells (2001), as

diferenças salariais percebidos pelas mulheres em relação aos homens permanecem no

mundo inteiro, apesar das diferenças no perfil ocupacional serem pequenas. De acordo

com os dados apresentados por Castells, podemos dizer que as mulheres ganham em

média 60% do que ganham os homens em diversos países, um pouco mais nos paises

Page 60: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

59

mais desenvolvidos e um pouco menos nos países menos desenvolvidos. (Castells,

2001).

Na visão dos estudiosos do assunto, para dar conta da questão envo lvendo

gênero e raça, há que se ter em conta as duas variáveis agregadas, em virtude da

implicância de uma na outra, particularmente para a formulação de políticas públicas

voltadas para as mulheres. Para estes estudiosos, as políticas universalistas direcionadas

ao universo gênero pecam por enxergar o grupo das mulheres como um grupo

homogêneo, por não levarem em conta as especificidades, particularmente com relação

às mulheres negras, as que mais estão sujeitas a “múltiplas discriminações”. Kimberlé

Cresnhaw, pesquisadora da questão de gênero e de raça nos EUA, baseando-se no

crescente reconhecimento de que as discriminações de raça e de gênero não são

fenômenos mutuamente excludentes, propõem o modelo de “interseccionalidade” para

verificar as várias formas de subordinação que refletem os efeitos interativos das

discriminações de raça e gênero (Cresnhaw, 2002).

Na Carreira de Diplomata já existem muitas mulheres exercendo cargos

importantes no país e fora dele. Apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas, algumas

já conseguiram galgar o último degrau da carreira que é o de Embaixador. Mas como

em boa parte das profissões, a Carreira de Diplomata reproduz o quadro das

desigualdades sociais e raciais da sociedade brasileira. Como reconhece a Embaixadora

Thereza Maria Machado Quintella32, Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão

(FUNAG), as mulheres são discriminadas no Itamaraty e enfrentam vários obstáculos

para chegar a posições de chefia e de poder. Demonstrou em um artigo que as

diplomatas se acumulam nas classes de Primeiro Secretário e Conselheiro; que elas vão

galgando os degraus, mais ou menos como os seus colegas, às vezes até num ritmo mais

acelerado, mas quando chegam ali elas param. Revela ainda que há uma acumulação de

mulheres na classe de Primeiro Secretário, a partir do qual as promoções tornam-se

realmente muito difíceis para as mulheres.

Conforme Vera Pedrosa, Embaixadora do Brasil em Copenhague (2003), a

competição para alcançar promoções é muito forte. Segundo ela, a Carreira de

Diplomata é competitiva em termos individuais, e o fato de as reivindicações serem

isoladas, afasta a possibilidade de ação conjunta em si mesma, pois tal ato não é bem

32 Comunicação apresentada na Mesa Redonda: Mulher e Diplomacia. Comemoração do dia Internacional das Mulheres (8 de Março) Organizado pela Fundação Alexandre Gusmão (FUNAG) em colaboração com o Instituto Rio Branco (IRBr)

Page 61: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

60

visto pelo Ministério que receia o comportamento corporativo (Pedrosa, 2003)33. Ao

mencionar tais fatos, não estamos querendo adentrar nas discussões centrais dos

movimentos das mulheres negras e feministas na luta por igualdade de direitos e de

reconhecimento das desigualdades entre os homens e as mulheres, mas apenas registrar

a expressiva representação das mulheres negras no contingente dos candidatos inscritos

no programa do Instituto Rio Branco.

1.1.2 - Faixa Etária

Com relação à faixa etária, verificamos que os concorrentes às bolsas estão

compreendidos numa extensa faixa etária de 21 aos 62 anos. Apesar da imponência da

extensão da faixa etária, podemos observar que a distribuição se assemelha a uma

distribuição que não é considerada normal e que a densidade começa a diminuir

fortemente a partir dos 40 anos; dos 40 aos 62 anos estão apenas 21,0% dos candidatos,

distribuídos por todo essa faixa. No entanto, há uma expressiva concentração, 76,9% (de

um total de 390, ou seja, 99,7%) nas faixas de 24 a 39 anos como consta na Figura I; a

média de idade geral é de 34,0 anos. Essas informações sugerem que jovens negros estão

aproveitando as oportunidades oferecidas para fazer a diferença em carreiras consideradas

de maior prestigio social, como a de diplomata, onde a representação desse contingente

populacional se mostra flagrantemente desproporcional e onde praticamente as mulheres

negras encontram-se ausentes.

Alguns estudos demonstram através de números que muitos dos jovens “não-

brancos” que ingressam na universidade apresentam um índice bastante expressivo de

abandono e demora na conclusão dos cursos, o que leva a conclusão sobre possíveis

problemas socioeconômicos (Teixeira, 2003). Os dados disponíveis não nos permitem

concluir sobre informações desse tipo porque no formulário de inscrição não foi requerido

o ano do término da faculdade. Mas, em se tratando de jovens de segmentos da “classe

média negra”, talvez isso não seja o caso, haja visto existirem candidatos com 21 anos

terminando a faculdade e muito outros provavelmente recém-formados e egressos de

cursos de grande prestígio como Medicina, Direito, Engenharia, entre outros cursos. No

entanto, as desigualdades sócioeconômicas são uma realidade para a grande maioria da

população brasileira, inclusive para a classe média em geral, e, particularmente, para a

classe média negra, como demonstram as pesquisas.

33 Idem

Page 62: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

61

Figura I – Distribuição por Faixa etária

IDADE

625653504846444240383634323028262422Missing

Per

cent

8

6

4

2

0

2. – RENDA FAMILIAR

Levando em consideração o critério renda para avaliar os candidatos, os dados

nos revelam que a grande maioria deles está situada nessa classe média, mas com uma

diferença bastante expressiva. Do total, 60,0% estão alocados no nível de “classe média

baixa”; sendo o restante distribuído pelos outros estratos da classe média. Cerca de

26,1% recebem uma renda familiar mensal de “R$ 3000 ou mais” e, portanto, de acordo

com o modelo de renda desenhado por Waldir Quadros, estão na categoria de “média

classe média” (de acordo com o formulário de inscrição). Entretanto, há um aspecto

importante a ser apontado que é esse adentro “ou mais”, expressão que não nos permite

inferir a respeito do estrato social de alocação; podem estar no nível de ‘alta classe

média” ou acima. Quando da coleta das informações nas fichas, percebemos algumas

tentativas de precisão da renda familiar dos candidatos com 3000 ou mais, muitas vezes

juntando mais 2000 reais. Percebe-se que 11,0% dos candidatos que declararam uma

renda mensal de 500 reais “ou menos” não se enquadra no perfil de classe média de

acordo com o modelo padrão desenhado por Waldir Quadros para avaliar a classe média

em geral. Esses 11,0% estão nas camadas inferiores que são divididos por ele, em:

massa trabalhadora, com renda de R$ 500 a R$ 1.000; e trabalhadores precários ou

Page 63: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

62

miseráveis, com menos de R$ 500. Do total, 5,0% omitiu a sua renda familiar. Como

revela-nos os dados da Tabela II, referente ao total dos candidatos inscritos no

programa, os candidatos alocados no segmente da “classe média média” que está

“indefinida” são apenas 26,1%, um número bastante expressivo no indicativo de “classe

média negra” em termos de renda familiar.

Tabela II – Dados referentes à Renda Familiar

Renda Familiar

43 11,0 11,3 11,3109 27,9 28,8 40,1125 32,0 33,0 73,1

102 26,1 26,9 100,0379 96,9 100,0

12 3,1391 100,0

500,001000,002000,00

3000,00Total

Valid

SystemMissingTotal

Frequency Percent Valid PercentCumulative

Percent

Agora, se atentarmos para a percentagem dos vinte candidatos selecionados para

receber as bolsas, observa-se que 45% recebem uma renda familiar mensal de 3000

reais “ou mais” e estão no estrato indefinido da classe média ou acima. No que se refere

a esses candidatos específicos, os dados confirmam a nossa hipótese segundo o qual, o

programa do Instituto Rio Branco abrange a “classe média negra”.

Obviamente, uma única variável, levando em consideração apenas o ponto de

vista dos rendimentos, não é um indicador suficiente para fazer análise do perfil de uma

classe, pois, pode acontecer, e algumas vezes acontece, de indivíduos com baixo nível

de instrução receber uma renda superior à renda de um indivíduo trabalhando em uma

ocupação de maior prestígio, que exige um nível de instrução mais elevando. Isso fica

evidente quando se compara a média da renda dos empresários/empregadores com a dos

dirigentes e professores universitários (Figueiredo, 2003). Ângela Figueiredo constatou

que a renda do primeiro grupo é superior a do segundo apesar da escolaridade deste ser

mais elevada que a do primeiro (Idem). Por isso, e tendo em vista estas ressalvas, é

possível verificar que a renda, por si só, não é um indicativo convincente de

pertencimento de um grupo, a uma determinada classe.

Consta em estudos realizados nas últimas décadas no Brasil que o

desenvolvimento econômico e a mobilidade social verificados no período do chamado

“milagre econômico” não melhoraram a situação socioeconômica do negro no Brasil

Page 64: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

63

que continuou ocupando posições inferiores na hierarquia social, exercendo cargos de

menor prestígio social e recebendo salários inferiores a dos brancos exercendo a mesma

ocupação (Hasenbalg e Silva, 1988; Lima 1999; Figueiredo, 2003; entre outros). Estes

estudos revelam ainda que o desenvolvimento econômico não diminui as desigualdades

raciais apesar de ter possibilitado o surgimento de maior número de negros com

escolaridade mais elevada, exercendo funções de alto prestígio e recebendo salários

mais altos. Freqüentemente são denunciadas essas situações, de pessoas, principalmente

negras, com escolaridade elevada recebendo salários a baixo da média do mercado. O

Gráfico que se segue apresenta dados sobre o rendimento familiar dos bolsistas

selecionadas pelo Grupo Interministerial encarregado de fazer a seleção.

Figura II – Renda Familiar declarada pelos candidatos selecionados.

Renda Familiar

3000,002000,001000,00Missing

Per

cent

50

40

30

20

10

0

45

30

20

5

Ainda com relação aos candidatos, há que ressaltar que a Carreira de Diplomata

brasileira, além de exigir dos selecionados um vasto conhecimento geral de temas muito

variados como economia, política internacional, entre outros assuntos, exige

principalmente fluência em idiomas, basicamente a língua Inglesa. Atualmente, as

regras têm mudado um pouco como, por exemplo, o inglês que passou a ser

classificatória, mas, nem por isso, o nível de domínio do idioma tornou mais fácil passar

no concurso. Saber se expressar e escrever bem em inglês são um dos critérios

fundamentais para a seleção; além do que, atualmente, saber escrever bem e se

expressar em pelo menos uma língua estrangeira não é mais privilégios para poucos,

Page 65: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

64

muito menos corresponde ao símbolo de status e prestígio social, tornou-se uma

necessidade e uma ferramenta operacional para muitos no dia a dia no mercado de

trabalho. Mas, em função das profundas desigualdades sociais geradas, principalmente,

pela má distribuições de renda, dos benefícios sociais e, também, ao “racismo

institucional”, poucas pessoas dispõem de recursos financeiros para proporcionar aos

filhos certos recursos fundamentais atualmente exigidos no mercado de trabalho, como

bons cursos de línguas estrangeiras dentre outros benefícios que podem representar

vantagens diferenciais na competição por posições na estrutura social.

Os dados nos informam que a maioria (75,0%,) dos selecionados às bolsas do

programa possui um nível de inglês avançado e somente 25,0% têm nível de inglês

intermediário. Esses teriam a oportunidade que a bolsa proporciona para a contratação

de professores ou se matricular em cursos para o aperfeiçoamento da língua. Cruzando

as variáveis Renda familiar e o Nível de Inglês, poderemos observar, em geral, que os

candidatos com uma renda familiar de 3000 “ou mais” possuem maiores recursos

financeiros para adquirir capital cultural, recursos que podem fazer a diferença na

concorrência por posições sociais de maior prestigio. Nesse caso, os recursos

financeiros disponíveis se apresentam com o objetivo de ajudar no reforço e na

complementarização dos estudos por um período de 10 meses.

3 – EDUCAÇÃO

Quanto à educação, os dados assinalam que a maioria expressiva dos candidatos

cursou o ensino fundamental e o ensino médio em escolas públicas das diversas regiões

do país. Esses resultados parecem confirmar o que muitos estudos sobre o ensino médio

e superior têm revelado nos últimos anos, principalmente os estudos que tentem a

argumentar sobre a necessidade de elaboração de políticas voltadas para a qualificação

da escola pública assim como políticas públicas focalizadas que atendam a estudantes

negros, em função das enormes desvantagens em relação aos alunos brancos, na sua

maioria proveniente de escolas privadas. Para muitos pesquisadores, o “sucateamento” e

o abandono a que as escolas públicas estão submetidas, particularmente o ensino

fundamental e médio, prejudica a maioria da população brasileira que é constituída de

pobres, e na sua grande maioria de negros. Ao que tudo indica, esse consenso sobre o

“sucateamento” das escolas públicas, principalmente no que diz respeito ao ensino

médio e fundamental, leva uma boa parte dos pais com maior renda familiar e com um

Page 66: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

65

nível de escolaridade mais elevado a recorreram ao ensino particular para colocar os

filhos.

3.1 - Ensino fundamental, médio e superior - escola púb lica/particular.

Os dados revelam que, no que concerne ao Ensino fundamental, uma

significativa maioria dos candidatos (71,2%) é proveniente de escolas públicas e apenas

28,7% provem de escolas privadas, escolas consideradas de maior qualidade em termos

de estrutura e ensino. As informações referentes ao Ensino Médio são parecidas com as

do Ensino Fundamental: 57,9% dos candidatos são provenientes de escolas públicas e

42,0% de escolas particulares. Já no Ensino Médio aumenta a percentagem em relação

ao Ensino Fundamental de candidatos provenientes de escolas particulares. Como

podemos verificar nas duas Tabelas que se seguem, à medida que aumenta o nível de

escolaridade dos pais aumenta também a opção por colocar seus filhos em escolas

particulares. Nas duas Tabelas optamos por trazer o cruzamento da variável Instrução

do Pai com as variáveis 1o e 2o Grau/Pub-Part34 que informam sobre a participação dos

pais no processo de formação dos filhos.

Tabelas III e IV – Instrução do Pai – 1o e 2o Grau - Escola Pública e Particular

Instrução do Pai * 1 Grau /Púb - Part Crosstabulation

Count

20 1 2162 4 66

56 6 6245 14 59

8 3 1144 22 66

2 3 530 45 75

1 10 11268 108 376

Analfabetoprimario

1 Grau Incompleto1 Grau Completo2 Grau Incompleto2 Grau Completo

Superior IncompletoSuperior CompletoPós-graduação

Instruçãodo Pai

Total

Pública Particular1 Grau /Púb - Part

Total

34 A segunda variável diz respeito ao local onde o candidato fez o Primeiro e o Segundo grau; ou seja, na escola pública ou na escola particular.

Page 67: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

66

Instrução do Pai * 2 Grau /Púb - Part Crosstabulation

Count

16 5 2148 19 67

42 20 6237 23 60

9 2 1132 34 66

4 1 527 48 75

4 7 11219 159 378

Analfabetoprimario

1 Grau Incompleto1 Grau Completo2 Grau Incompleto2 Grau Completo

Superior IncompletoSuperior CompletoPós-graduação

Instruçãodo Pai

Total

Pública Particular2 Grau /Púb - Part

Total

Se os dados referentes ao 1o e ao 2o graus indicam uma maior percentagem dos

candidatos provenientes de escolas públicas, 71,2% e 57,9%, respectivamente, as

informações referentes à graduação são destoantes. Se a escola pública, do Ensino

Fundamental e do Ensino Médio, é considerada de baixa qualidade, são as universidades

e faculdades particulares que em geral parecem receber esse descrédito no ensino

superior. Os dados da Tabela V revelam que a maioria dos candidatos 50,9% fez a

graduação em instituições particulares e 43,2% em instituições públicas do país.

Como comprovado por dados do Censo Demográfico de 2000, (Petruccelli,

2004), dos estudantes universitários no país, nesse período, 70,0% freqüentavam uma

instituição particula r e 31,0% uma pública, com uma ressalva para o grupo de pardos

com maior representação nas instituições públicas. Porém, revelam ainda que a

população negra tem maior representação nas instituições públicas do país (2,9%) e

2,1% freqüentam as instituições particulares. Se, em geral, os dados dos candidatos

inscritos em 2002 revelam que a maioria (50,9%) freqüentara instituições particulares,

mais uma vez indicam que estamos mesmo perante membros da classe média que não

logrando acesso às instituições públicas, ingressam em instituições particulares pagando

elevadas mensalidades para ter acesso à formação superior. Mas, atentando

particularmente para os vinte candidatos selecionados para o programa “Bolsa-Prémio

de Vocação para a Diplomacia”, as informações são de que 45,0% freqüentaram as

instituições públicas e a mesma percentagem as particulares. Desses candidatos, 10,0%

não chegaram a mencionar a instituição em que cursou o terceiro grau.

Page 68: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

67

Tabela V – Dados referentes ao local onde foi realizado a Graduação35:

escola pública ou privada?

Graduação /Pub - Part

169 43,2 45,9 45,9199 50,9 54,1 100,0

368 94,1 100,023 5,9

391 100,0

PúblicaParticular

Total

Valid

SystemMissingTotal

Frequency Percent Valid PercentCumulative

Percent

Em termos gerais, os estudos comparando brancos e negros no quesito educação

vêm demonstrando, com base em evidências empíricas, as enormes iniqüidades

existentes, ou melhor, uma participação desproporcional principalmente no Ensino

Superior em relação a esses grupos. No seu estudo sobre o ensino superior no Brasil,

tendo em vista à distribuição da população de estudantes segundo sua condição de cor

ou raça, Petruccelli (2004), pesquisador do IBGE, revela que:

As informações do Censo Demográfico de 2000, aqui analisadas, mostram que da

população de 18 anos ou mais de idade (aproximadamente 109 milhões de pessoas),

81,4% não tinham concluído o nível médio de estudos e que entre os que o tinham

concluído, menos de 15% (3 milhões de pessoas), freqüentavam o ensino superior. Entre

estas, destaca-se o fato de que quase 79% se identificam como brancas, percentual

significativamente mais alto que o da população desta cor na mesma faixa etária, 55,4%,

enquanto que indígenas, pardos e pretos apenas alcançam a 19,4% do total destes

estudantes, menos da metade do que eles representam no total do mesmo grupo de idade

(43,4%) (Idem: 7).

De acordo com as informações do Censo, apenas 2,2% de pretos e pardos de 25

e mais anos de idade conseguiram concluir o nível superior de ensino, comparado aos

9,9% dos brancos nesse mesmo nível. Esses dados revelam ainda, segundo o

pesquisador acima referido, que:

35 As informações referentes à identificação das Siglas das Universidades/Faculdades e o tipo de instituição (pública ou privada) foram coletados na internet em dezembro de 2004.

Page 69: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

68

As taxas de participação no interior de cada grupo de cor mostram que 1 entre cada 10 dos

brancos de 25 e mais anos de idade (9,9%), aparecem com o terceiro grau concluído,

enquanto que entre os pretos, pardos ou indígenas, apenas 1 de cada 50 (em torno de

2,2%), alcança o mesmo nível, revelando uma profunda assimetria entre um grupo racial

privilegiado e os outros discriminados de forma negativa (Ibdem: 8).

Dada a escassez de informações sobre cor ou raça do alunado nas universidades,

alguns pesquisadores têm levantado dados, a esse respeito, em algumas universidades

públicas – USP, UFF, UFBA- (Petruccelli, 2004). Os resultados dessas pesquisas

apontam para as disparidades de acesso ao ensino superior entre os brancos e os negros;

o privilégio dos brancos nesse ambiente e, portanto, a sua sobre-representação; e a sub-

representação dos negros (pretos e pardos). Apontam ainda para a desigual distribuição

nos cursos universitários de maior prestígio social, como a medicina, com um nível

elevado de participação da população branca e revelam que, além dos estudantes pretos

e pardos estarem sub-representados nas universidades públicas, estão sobre-

representados nos cursos de menor prestígio, como serviço social, letras, entre outros.

Por meio de dados estatísticos, demonstram que a maioria dos estudantes negros é

oriunda de escolas públicas, fundamentalmente do Ensino Fundamental e Médio; e

alguns pesquisadores estão convictos que este fato explica a maior participação de

estudantes negros nos cursos menos concorridos do ensino superior; e concluem que “o

tipo de escola médio freqüentado interfere na escolha do estudante no momento de

decisão sobre a carreira” (Queiroz, 2004:144).

Analisando a freqüência de brancos e negros em quatro universidades públicas,

Delcele Queiroz conclui que os negros que freqüentam a universidade estão situados

nos cursos de menor prestígio social. Observa também Dora Lúcia Bertulio36 em um

debate sobre cotas nas universidades públicas, e se referindo mais especificamente sobre

a presença de negros na Universidade Federal da Bahia, que 43% de pretos e pardos

freqüentam essa universidade, mas estão mal distribuídos sendo sua predominância e

concentração nos cursos de baixo prestígio social. Um outro estudo coordenado pelo

programa “A Cor da Bahia”, realizado em 2000, posteriormente estendido para outras

36 Comunicação feita na palestra “Dois anos de política de cotas: balanço e perspectivas”. Realizada pelo Laboratório de Políticas Públicas no Campus da UERJ em 26 de outubro de 2004

Page 70: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

69

universidades federais – Rio de Janeiro (UFRJ), em Brasília (UnB), no Paraná (UFPR) e

no Maranhão (UFMA), revela que pretos e pardos estão sub-representados no ensino

público superior em termos gerais e praticamente ausentes nos cursos de maior prestígio

e status (Teixeira, 2003).

Essas informações são relevantes porque além de demonstrar o nível de desigualdades

entre brancos e negros com relação ao ensino superior, chama atenção para o fato de

que os candidatos à Carreira de Diplomata já ultrapassaram os problemas enfrentados

nesse nível de ensino e estão, agora, pleiteando por cargos de maior prestígio social.

Ter o terceiro grau completo, reconhecido pelo Mec, é a formação mínima exigida para

o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, apesar de aceitarem candidatos

cursando o último ano da faculdade. No que tange à educação superior, e já se referindo

aos candidatos inscritos no programa de ação afirmativa, vale a pena ressaltar que o

contingente é bastante heterogêneo e com um nível educacional que vai de superior

incompleto à pós-doutorando, como fica evidente na Tabela que se segue. A Tabela VI

traz informações sobre o nível superior de ensino dos candidatos e mostra que a

maioria deles completou este nível de escolaridade, e alguns deles estão na pós-

graduação.

Tabela VI – Nível de Educação de todos os candidatos inscritos no programa.

Nível de educação

25 6,4 6,5 6,5293 74,9 75,9 82,4

6 1,5 1,6 83,9

36 9,2 9,3 93,316 4,1 4,1 97,4

8 2,0 2,1 99,51 ,3 ,3 99,7

1 ,3 ,3 100,0386 98,7 100,0

5 1,3391 100,0

Sup IncompSup CompEspecial

MestrandoMestreDoutorandoDoutor

Pós-DoutorTotal

Valid

SystemMissingTotal

Frequency Percent Valid PercentCumulative

Percent

Além da exigência mínima do Instituto Rio Branco para se candidatar à carreira

de diplomata está 17,4 % dos candidatos que cursavam pós-graduação na época da

inscrição, em 2002. Esse percentual é bastante expressivo perante os diversos processos

Page 71: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

70

de preconceito e discriminação racial a que está sujeita a população negra no Brasil,

independentemente da classe social, das dificuldades no acesso ao ensino superior e a

outros problemas de caráter socioeconômicos. No período da inscrição, 9,7% desses

candidatos faziam o curso de mestrado, 2,0% o curso de doutorado, e 4,1% já tinham o

título de Mestre.

De acordo com os dados levantados, é possível constatar que existe uma grande

diversidade na formação dos candidatos. Observando a distribuição dos candidatos

pelos cursos universitários, podemos verificar percentuais variados desde cursos com

um expressivo número desses candidatos (20,4%) até aqueles que não entraram na lista

por não ter chegado a um 1,0%, como Desenho Industrial, Odontologia, etc. Os cursos

com maior participação dos candidatos são: Direito, (20,4%); seguido de Letras

(12,5%); Economia (6,9%); Comunicação Social (6,4%); Administração (5,1%);

História (4,9%); Engenharia (4,3%); Pedagogia (3,3%); Ciências Sociais (2,9%);

Psicologia (2,0%) Ciências Contábeis (1,8%); Matemática, Biologia, Relações

Internacionais e Turismo (1,5%); e Medicina, Educação Física e Serviço Social com

apenas (1,3%).

Os cursos com maior número de candidatos são curiosamente Direito e, em

terceiro lugar, Economia, cursos donde provêm tradicionalmente candidatos ao

Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata. Como revela Cristina Patriota (1999),

os candidatos ao concurso, em geral, escolhem cursos que mais se aproximam das

matérias exigidas nas provas do Instituto Rio Branco e como pensam em ser diplomatas

desde da época em que cursavam primeiro ou segundo graus, têm toda uma preparação

– vários anos de aulas preparatórias com diplomatas aposentados e professores

particulares que se especializaram em preparar “candidatos ao Itamaraty”. Portanto,

“considerando que só poderiam prestar o concurso depois de terem concluído o curso

universitário, isso significam que essas pessoas estavam na situação de possíveis

candidatos há, no mínimo, quatro anos. Alguns passaram mais de dez anos querendo ser

diplomatas antes de terem condições de se inscrever no concurso.” (Patriota, 1999:29).

Mas, nota também que, em geral, há uma certa heterogeneidade no perfil dos candidatos

ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata do Instituto Rio Branco em 1997/98.

Como pudemos observar, os candidatos as bolsas do programa de ação afirmativa do

IRBr têm formação em diferentes áreas e a maioria nunca tinha pensado na

possibilidade de vir a ser diplomata um dia.

Page 72: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

71

Mas, como revelam os estudos sobre as desigualdades sociais, a educação

dificilmente é revertida em ocupações de mais prestígio social, principalmente para as

pessoas “não-brancas”, tendo que se situar naqueles que não se conformem com o nível

de formação adquirido. A seguir será analisada a ocupação dos candidatos,

diferenciando ocupações não-manuais de ocupações manuais.

4 - OCUPAÇÃO37

Estudos recentes tem demonstrado, tendo como fontes dados do PNAD e do IBGE

comparando as ocupações não-manuais envolvendo a população branca e a “não-

branca”, que o percentual da população negra mais escolarizada concentrada nas

ocupações não-manuais representa 29,4%, quase metade do contingente branco, e se

concentram basicamente nas ocupações não-manuais médio e nas ocupações não-

manuais baixo (técnicos, artísticos, supervisão manual e não manual de rotina),

principalmente na ocupação não-manual de rotina (Figueiredo, 2004). Os dados dos

candidatos interessados na carreira de diplomata revelam uma realidade relativamente

diferente do conjunto da população negra como um todo. Neste trabalho, o recorte (não

feito por nós é claro) é da “classe média negra” escolarizada e qualificada e centra-se,

como demonstram os dados, basicamente em ocupação de prestígio social, que tem

expectativas de alcançar os mais altos degraus de ocupações de maior prestígio. Essas

expectativas relacionadas à Carreira de Diplomata ficam expressas nas redações feitas

quando do preenchimento do formulário de inscrição. Mas esse assunto será discutido

no próximo capítulo juntamente com a análise das entrevistas.

Do ponto de vista da ocupação, a Tabela VII traz informações sobre o nível de

instrução e a ocupação dos candidatos que nos permitirá verificar em que nível de

ocupação (não-manual – alto, médio e abaixo-, e manual) se situa esses candidatos com

mais de 12 anos de escolaridade haja visto que a literatura sobre a mobilidade social no

Brasil constata uma maior concentração de “não-brancos” com níveis de escolaridade

alto em ocupações não-manual de nível médio e baixo.

37 Nas Tabelas VI e VII estamos referindo a ocupação do candidato (OCUPCAND).

Page 73: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

72

Tabela VII – Informação sobre o nível de instrução e a ocupação38 do

candidato

Nível de educação * OCUPCAND Crosstabulation

Count

11 2 1 14202 47 7 256

2 1 1 432 1 1 3415 15

6 6

1 11 1

270 51 10 331

Sup IncompSup Comp

EspecialMestrandoMestreDoutorando

DoutorPós-Doutor

Nível deeducação

Total

Ocup.n-Manual alto

Ocup.n-Manual

médio

Ocup.n-Manual

baixo

OCUPCAND

Total

Cruzando as informações, observa-se que a maioria dos candidatos trabalha em

ocupações não-manuais de nível alto, perfazendo um total de (81,5%); 15,4% em

ocupações não-manuais de nível médio e apenas 3,0% no nível mais baixo das

ocupações não-manuais. Os dados no geral mostram que a maioria dos candidatos

exerce funções não-manuais, muito delas de grande prestígio social, e, observando

particularmente os candidatos selecionados, verificamos que 55,0% deles estão no nível

alto da ocupação não-manual; 30,0% em ocupações não - manual de nível médio; e os

restantes 10,0% são estudantes e aqueles que não-identificaram a sua ocupação.

Se as afirmações sobre a “classe média negra” em geral constam que a maioria

escolarizada centra-se na sua maioria em ocupações não-manuais de níveis médio e

baixo, esse recorte específico traz revelações interessantes, o que nos permite sugerir

que são da elite da “classe média negra”, em termos de ocupação.

Mas, infelizmente, em termos de renda familiar, não existe uma correspondência

com o nível de ocupação e o nível de escolaridade. Muitos pesquisadores, a partir de

dados estatísticos, (Hasenbalg, 1979; Hasenbalg e Silva, 1999; Telles, 2003; Figueiredo,

2003; entre outros) demonstram que as desigualdades entre brancos e negros se devem a

38 O sistema não computou os candidatos que deixaram em branco algumas informações, é por isso que o total muitas vezes não soma os 391. Isso não acontece apenas com relação à ocupação

Page 74: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

73

discriminação racial presente no mercado de trabalho e na sociedade Brasil como um

todo.

Tabela VIII– Informações a respeito da ocupação do candidato e a renda familiar

Renda Familiar * OCUPCAND Crosstabulation

Count

29 7 3678 13 4 95

85 17 4 10671 15 2 88

263 52 10 325

5001000

20003000

RendaFamiliar

Total

Ocup.n-Manual alto

Ocup.n-Manual

médio

Ocup.n-Manual

baixo

OCUPCAND

Total

Em virtude de o indicador renda ser o rendimento familiar e não o rendimento

individual do candidato, e por não dispormos de informações sobre o número de

membros de cada família, não podemos precisar quanto recebe o candidato pela

ocupação que desempenha. Não obstante a isso, os dados da Tabela VIII mpressionam.

Atentando para a ocupação não-manual alto que exige um nível de instrução mais

elevado, podemos verificar que 8,9% possuem uma renda familiar declarada de R$500

reais “ou menos”, correspondendo aos que não estão no nível de classe média no

tocante ao componente renda, segundo Waldir Quadros. Apenas 21,8% declararam uma

renda familiar de R$ 3000 reais “ou mais”. Comparando o número de candidatos com

terceiro grau completo e com pós-graduação, são muito poucos aqueles que têm um

rendimento relativo condizente com o número de anos e de capitais investidos na

educação.

O nível da renda não acompanha o aumento do nível educacional da população

negra e segundo as pesquisas, isso se deve à discriminação ocupacional que constitui

um dos fatores para as diferenças de rendas entre os brancos e os “não-brancos”

(Hasenbalg, 1979). Nelson do Valle Silva (1985), baseado no censo nacional e na

pesquisa por domicílio demonstra que cerca de um terço das disparidades de renda entre

brancos e negros não podem ser explicadas por diferenças raciais com base em variáveis

tais como educação, experiência profissional, origens sociais e região, mas sim na

discriminação no mercado de trabalho.

Page 75: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

74

5 - REGIÃO DE PROCEDÊNCIA

Examinando a procedência dos candidatos, verificamos que são de diferentes

cidades e estados do Brasil. O aspecto mais expressivo a apontar é que a grande maioria

dos candidatos está situada na região Sudeste com 57,8%, provenientes basicamente dos

estados de São Paulo (24,5%), e Rio de Janeiro (23,5%), estados considerados social e

economicamente mais desenvolvidos do Brasil. A região sudeste oferece melhores

oportunidades escolares, e, conseqüentemente, maior mobilidade social pelo nível de

instrução, onde as possibilidades de ascensão social também são maiores, como

poderemos verificar na Tabela IX. É dessa região os níveis mais altos de instrução de

todos dos candidatos. De acordo com as informações do Censo Demográfico de 2000

(Petruccelli, 2003), a região sudeste concentra-se mais da metade do total de 3 milhões

de estudantes que freqüentam o ensino superior, sendo que é a região que concentra

60,0% do total das pessoas de 25 ou mais anos de idade que concluíram o ensino

superior. Além disso, é onde se situa as duas das três cidades, São Paulo e Rio de

Janeiro, com maior número da população “afro-descendentes”, segundo as informações

da Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicílios (PNAD/IBGE) de 1999 (Paixão,

2004). Portanto, isso pode refletir nos segmentos da “classe média negra” nessa região,

o que fica bem evidente na Tabela mostrando a procedência desses candidatos.

Tabela IX – Grandes Regiões – procedência dos candidatos inscritos no programa

Grande Região

9 2,3 2,3 2,338 9,7 9,8 12,2

226 57,8 58,5 70,746 11,8 11,9 82,667 17,1 17,4 100,0

386 98,7 100,05 1,3

391 100,0

Norte

NordesteSudesteSulCentro-Oeste

Total

Valid

SystemMissingTotal

Frequency Percent Valid PercentCumulative

Percent

Da região sudeste, o maior estado fornecedor de candidatos é o Estado de São

Paulo (24,6%), e da cidade de São Paulo são provenientes 12,3%; seguem os Estados do

Rio de Janeiro 23,5%; Minas Gerais (8,2%) e Espírito Santo (1,5%). Focalizando

Page 76: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

75

exclusivamente o Estado do Rio de Janeiro, segundo maior fornecedor de candidatos,

poderemos verificar que a maioria dos vinte candidatos que foram contemplados com

bolsas de estudos provém da Cidade do Rio de Janeiro (35,0%), dos bairros da zona sul

(25,0%). Esses resultados não são estranhos visto estarem coadunando com os dados

objetivos das pesquisas quantitativas que apontam para a concentração da classe média

brasileira, de maior poder aquisitivo, nos bairros, nas regiões e nas áreas considerados

de maior prestigio social. A terceira maior região fornecedora de concorrentes é a região

Sul (11,3 %), distribuída quase que eqüitativamente entre os três estados que a compõe.

De acordo com as informações da PNAD de 1999, as grandes regiões Norte,

Nordeste, e Centro-Oeste, respondem por (61,8%) da população “afro-descendente”,

sendo que a região nordeste sozinha concentra 44,8%, (Paixão, 2004). Apesar dessa

grande concentração de negros nessas três grandes regiões, elas fornecem somente (29,1

%) do total dos candidatos inscritos. O percentual expressivo da região Centro-Oeste

(17,4%) se deve ao fato da grande parte dos concorrentes serem proveniente do Distrito

Federal (14,3%). Da região Norte, com 70,9%, de “afro-descendentes”, o número de

concorrentes é muito baixo, 2,3%.

Respondendo por 44,8% de “afro-descendentes”, a região do Nordeste tem no Estado

da Bahia seu maior representante em número de negros (74,9%). Mas, o Estado tem

uma participação relativamente baixa (5,6%) em relação ao Estados de São Paulo e Rio

de Janeiro; e desses participantes, a maioria dos candidatos desejosos de ser diplomata

provém da cidade de Salvador (4,6%), a terceira cidade brasileira em termos do

tamanho da população negra. É também o Estado onde se concentra, em termos

numéricos, um contingente expressivo da “classe média negra” (Figueiredo, 2003). No

entanto, a cidade de Salvador tem uma fraca representatividade (4,6%), um número

inexpressivo de candidatos dentro do universo dos candidatos inscritos. Talvez essa

baixa procura da “classe média negra” bahiana possa estar relacionada à fraca

divulgação de informações sobre a política de ação afirmativa para “afro-descendente”

no Instituto Rio Branco, implementada em 2002; ou talvez, ao contrário, os membros

da “classe média negra” da região do nordeste têm pouco interesse e expectativa na

Carreira de Diplomata.

Page 77: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

76

Tabela X – Dados referentes ao nível de educação dos candidatos e a região de

procedência.

Nível educ. * Grande Região Crosstabulation

Count

4 15 2 4 258 26 163 37 57 291

4 2 63 24 4 3 34

1 2 8 1 3 151 7 8

1 11 1

9 36 223 46 67 381

Sup IncompSup Comp

EspecialMestrandoMestreDoutorando

DoutorPós-Doutor

Níveleduc.

Total

Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-OesteGrande Região

Total

Portanto, como podemos verificar na Tabela X, as regiões menos desenvolvidas

do país, Norte, Nordeste e Centro-Oeste, têm uma inexpressiva participação no seio dos

candidatos concorrentes as bolsas do programa de ação afirmativa, sendo a grande

maioria proveniente das regiões do Sudeste, regiões econômicas e socialmente mais

desenvolvidas, mais ricas e industrializadas do Brasil. Examinando a coluna com

informações sobre o nível educacional dos candidatos e cruzando-as com as das grandes

regiões geográficas do país, podemos perceber, pela distribuição nos diferentes níveis,

que as maiores porcentagens de candidatos com níveis educacionais mais elevados estão

situados nas regiões do sudeste, basicamente nas regiões metropolitanas.

No estudo feito por Cristina Patriota (1999), há a constatação de que a maioria

dos candidatos ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata é tradicionalmente

procedente do Rio de Janeiro, capital do país e sede, por muitas décadas, do Itamaraty –

“Casa do Rio Branco”; mas que nas últimas seleções nota-se um aumento de candidatos

provenientes de outras regiões com da cidade de São Paulo e Brasília. Enfim, em geral,

os candidatos à Carreira de diplomatas são provenientes das regiões que oferecem

maiores oportunidades educacionais, sociais e culturais e maiores recursos econômicos.

Page 78: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

77

6 - MOBILIDADE SOCIAL

Estudos sobre mobilidade social destacam a importância da educação no

processo de ascensão social, uma via de capital importância para a obtenção de

ocupações de maior prestígio e conseqüentemente maiores salários, ou seja, a educação

como um veículo de extrema importância. No entanto, constam que há uma certa

distribuição desigual de oportunidades entre os grupos brancos e “não-brancos” quanto

ao processo de mobilidade social ascendente; e reafirmam a existência de uma certa

tendência que persiste ao longo dos anos de uma menor mobilidade social ascendente

dos grupos “não-brancos” em relação ao grupo branco. Constam que as pessoas

provenientes dos estratos mais elevados encontram-se maiores dificuldades de ascensão

social (Hasenbalg e Silva, 1999: 225).

Nas suas análises sobre mobilidade social, Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle

Silva (1999), assinalam que “a discriminação racial funcionava como instrumento de

desqualificação de grupos sociais no processo de competição por benefícios simbólicos

e materiais, resultando em vantagens para o grupo branco em relação aos grupos não

brancos (pretos e pardos) na disputa por benefícios; (...) que a discriminação e o

preconceito raciais estão intimamente associados à competição por posições na estrutura

social, refletindo-se em diferenças entre os grupos de cor no processo de mobilidade

social” (Idem, 217-218). Observam que os “não-brancos” experimentam dificuldades

em converter a educação adquirida em posições da hierarquia ao perceberam que

qualquer que seja o nível educacional considerado, a concentração dos não-brancos é

proporcionalmente maior nos estratos ocupacionais inferiores.

As diferenças nos retornos ocupacionais dos investimentos em educação são

relativamente modestas quando comparadas com as diferenças na realização

educacional, quaisquer que seja o estrato de origem. Diferenças que, como vimos,

tendem a crescer conforme aumenta a situação socioeconômica de origem. Assim, a

questão parece estar se constituindo no nó górdio das desigualdades raciais no nosso

país (idem: 229).

O estudo realizado por Pastore e Silva (2000) confirma as conclusões de

Hasenbalg, segundo as quais os negros (pretos e pardos) “‘sofrem uma desvantagem

competitiva em todos as etapas do processo de mobilidade social individual’ e que suas

Page 79: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

78

chances de escapar às limitações de uma posição social baixa são menores que a dos

brancos na mesma origem social” (Silva, 2000:96).

6.1 - “Mobilidade Intergeracional”

Podemos verificar mais adiante que os dados indicam mobilidade social

ascendente dos bolsistas beneficiados pelo programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a

Diplomacia” em relação aos pais, principalmente no que diz respeito à educação e à

ocupação. As informações referentes à educação dos pais são importantes porque

permitem analisar a influência deles no processo de formação e escolha de uma

profissão para ser exercida pelos filhos, pois como os dados estatísticos indicam, muitos

filhos acabam por conservar a ocupação do pai, se mantendo na situação original dos

pais, e, conseqüentemente, o nível de imobilidade não pode ser desconsiderado devido a

sua expressividade. Os dados do IBGE mostram que o processo de imobilidade social

tende a ser maior nos grupos “não-brancos” principalmente não ocupações manuais

baixo, rural e urbano (Hasenbalg e Silva, 1999).

Retomando a Tabela III em que dispomos dos dados referentes à instrução do

pai, constatamos que existe um índice elevado de pais com o nível primário (17,7%), e

chama atenção o quadro de pais analfabetos (5,5%), apesar da porcentagem não ser

expressiva. Alguns estudiosos têm demonstrado, a partir da análise de dados estatísticos

de instituições de pesquisa como o IBGE e IPEA, que o índice mais baixo de

escolaridade se concentra nas regiões menos desenvolvidas do país, como a região norte

e a região nordeste do Brasil.

Deixando de fora o nível primário (17,5%), podemos perceber que uma

percentagem bastante expressiva dos pais dos candidatos (16,4%) possui Primeiro Grau

Incompleto e Completo (15,6%). Quanto ao Segundo Grau, poderemos verificar que

2,9% dos pais tem Segundo Grau Incompleto e 17,5% tem Segundo Grau Completo.

Os maiores percentuais, no nível educacional dos pais, encontram-se no nível

superior de ensino (22,8%). Com ensino superior completo encontramos 19,9% e pós-

graduação 2,9%; apenas (1,3%) dos pais não completaram o terceiro grau. Se os homens

apresentam maior percentagem, cerca de 19,2%, com relação ao nível superior

completo, as mulheres estão na frente no que diz respeito à pós-graduação, com uma

percentagem de 3,7% contra 2,9%. Do total, 4,6% dos candidatos não souberam ou não

responderam quanto à instrução do pai ou da mãe.

Page 80: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

79

Tabela XI – Instrução do pai e da Mãe

Instr. Pai * Instr. Mãe Crosstabulation

Count

11 4 1 2 1 2 215 51 4 1 1 1 4 1 68

3 4 33 6 5 7 1 2 613 1 7 31 10 1 6 591 4 2 1 2 1 111 2 7 12 3 23 12 4 64

1 2 1 1 54 3 6 2 14 4 38 2 73

1 3 2 5 1124 66 59 61 13 64 8 64 14 373

Analfab

Primário1 Gr Incomp1 Gr Comp2 Gr Incomp

2 Gr CompSup IncompSup CompPós-grad

Instr.Pai

Total

Analfab Primário 1 Gr Incomp 1 Gr Comp 2 Gr Incomp 2 Gr Comp Sup Incomp Sup Comp Pós-grad

Instr. Mãe

Total

Outro dado que chama atenção diz respeito aos candidatos com ambos os pais

(pai e mãe) com curso superior completo, 10,1%. Os candidatos cujos pais possuem

curso superior, ou com apenas um deles superior, representam 19,5% para o primeiro e

17,1% para o segundo; e aqueles cujos pais possuem pós-graduação são cerca de 1,3 %.

Com as seguintes informações, sobre a instrução do pai: 5,6% de analfabetos;

18,2% com o antigo primário; 15,8% com 1o grau completo; 17,1% com 2o grau

completo; 19,5% terceiro grau completo e 2,9% com pós-graduação, pode-se observar,

no total da coluna vertical, que, apesar das diferenças de níveis de escolaridade serem

muito grandes, a maioria de pais tem terceiro grau completo; e as menores percentagens

centram-se nos extremos: analfabetos a Pós-graduados. Um dado bastante curioso a

constatar é que as maiores percentagens que se destacam centram-se nos cruzamentos

das informações sobre a escolaridade dos pais (pai e mãe com o mesmo nível de

educação); e a primeira a ser observada e que chama maior atenção são os pais com o

nível primário (13,6%) e, segundo, os pais com o terceiro grau completo (10,1%).

Desta feita, as constatações são bastante relevantes para o próximo item porque

nos permitirá avaliar a mobilidade social dos candidatos, e com isso verificar que, na

verdade, a maioria dos candidatos representa a primeira geração da família a chegar ao

nível superior de ensino e a ascender socialmente.

Na análise de dados da PNUD e do IBGE, comparando a “classe média branca”

e a “classe média negra” em termos de ocupação, renda e educação, Ângela Figueiredo

(2003) revela que “a grande maioria dos negros inserida na classe média faz parte da

primeira geração de ascendentes e não tem consolidado o capital econômico, social e

simbólico desfrutados pela maioria dos brancos inseridos na mesma posição”.

Page 81: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

80

(Figueiredo, 2003:83) Ela supõe que “os membros da “classe média negra” não herdam

de seus familiares os bens materiais que contribuíram para o aumento de suas rendas,

como, por exemplo, casas e apartamentos, vivendo praticamente em função dos seus

salários” (idem, 2003:104). E observa ainda que muito dos elementos da “classe média

negra” são recrutados nas classes mais baixas, onde os pais exercem ocupações

socialmente menos valorizadas e salários mais baixos do mercado, ou seja, os pais estão

alocados em ocupações manuais (ibidem).

A Tabela a seguir traz informações que permitem avaliar a mobilidade social dos

candidatos em relação à ocupação dos pais, ou seja, permite verificar a “mobilidade

intergeracional’ dos filhos em relação aos pais.

Tabela XII – Informações referente à Ocupação do Pai39 e a Ocupação do

Candidato

OCUPPAI * OCUPCAND Crosstabulation

Count

44 12 5621 10 2 3346 8 54

91 12 6 109

38 6 44

13 2 1 16253 50 9 312

Ocup. n-Manual altoOcup. n-Manual médioOcup. n-Manual baixo

Ocup Manual alto -UrbanoOcup Manual baixo -UrbanoOcup Rural

OCUPPAI

Total

Ocup.n-Manual alto

Ocup.n-Manual

médio

Ocup.n-Manual

baixo

OCUPCAND

Total

Na primeira coluna figura a ocupação dos pais distribuída por vários níveis de

ocupação não-manual (alto, médio e baixo) e ocupação manual (urbano/alto e baixo) e

rural (alto e baixo). A primeira coluna indica a origem social dos filhos, a partir do qual

é possível analisar a “mobilidade intergeracional”, segundo os estudos sobre a

mobilidade social. Atentando para a ocupação não-manual (alto, médio e baixo),

podemos verificar que 45,8% dos pais são provenientes desse nível de ocupação e 39 A coluna Ocupação do Pai, as ocupações estão divididas em: não-manual (alto, médio e baixo); ocupação manual urbano (alto e baixo) e ocupação rural

Page 82: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

81

49,0% das ocupações manuais urbana (alto e baixo). Mas, é no nível manual urbano alto

que se concentra o maior percentual do grupo em ocupação manual, 34,9%. Assim

sendo, os resultados da análise dos dados do Tabela XI nos revela que a maioria dos

pais dos candidatos, 54,1%, não exerce cargos caracterizados como de classe média,

agregando a estes aqueles que trabalham em atividades rurais. Portanto, entre os

candidatos cujos pais exercem funções não-manuais 45,8% e os outros em ocupações

manuais há uma diferença de 8,3 pontos percentuais.

Com relação à ocupação não-manual, 14,1% dos candidatos cujos pais exercem

ocupações não-manuais de nível alto permanecem na mesma ocupação, não havendo

mobilidade social, mas 3,8% tiveram mobilidade social descendente. Na ocupação não-

manual de nível médio, apenas 6,7% dos candidatos tiveram mobilidade social

ascendente; 3,2% não tiveram mobilidade social; e 0,6% tiveram mobilidade

descendente. No nível baixo da ocupação não-manual percebemos uma significativa

ascensão social 17,2%: 14,7% para o nível mais alto e 2,5% para o nível médio;

portanto, neste nível de ocupação não-manual de nível baixo, todos os filhos tiveram

ascensão social. Tente em vistas os resultados da análise da ocupação não-manual (alto,

médio e baixo), observamos que 23,9% dos candidatos ascenderam socialmente em

relação aos pais.

É no nível de ocupação manual urbano que verificamos uma expressiva

mobilidade social ascendente, 34,9%; 29,1% para ocupação não-manual de nível mais

alto; 3,8% para não-manual de nível médio; e 1,9% para o nível mais baixo da ocupação

não-manual.

Os candidatos cujos pais exercem ocupação rural de baixo status social tiveram

ascensão social para o nível de ocupação não-manual, ocupação considerada de classe

média; sendo que 5,1% ascenderam para as ocupações não-manuais: para o nível alto

4,1%; para o nível médio 0,6%; e para o baixo, 0,3%, ou seja, os todos os candidatos

cujos pais tem ocupação rural tiveram ascensão ocupacional.

Portanto, se todos os candidatos exercem funções não-manuais consideradas de

classe média, independente do nível de ocupação, 63,9% deles tiveram mobilidade

social ascendente, 17,3% permaneceram na mesma origem social, no mesmo nível

ocupacional dos pais, ou seja, não se moveram na hierarquia social das ocupações; e

4,4% tiveram mobilidade descendente. Desta feita, as constatações são de que mais da

metade dos candidatos inscrito no programa de ação afirmativa para o Instituto Rio

Branco teve ascensão social em relação aos seus pais.

Page 83: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

82

Outro dado importante nos informando a respeito da mobilidade social é o cruzamento

da ocupação do pai com os anos de escolaridade adquiridos pelos filhos, mas como a

grande maioria dos candidatos (93,6%) tem 12 anos ou mais anos de escolaridade, a

variável a ser utilizada é o nível de educação dos candidatos. As informações da Tabela

XIII nos mostram que 24,0% dos candidatos com terceiro grau completo têm os pais

desempenhando funções manuais urbano, assim como candidatos mestrando, mestre e

doutorando e um pós-doutorando com a mesma origem social de nível baixo. Como

podemos verificar, os candidatos com nível de escolaridade mais elevada são

provenientes de status social baixo, o que reafirma as conclusões sobre a “classe média

negra” ser recrutada nas camadas de ocupações manuais.

Tabela XIII – Nível de escolaridade com o grupo ocupacional do Pai40

OCUPPAI * Nível educ. Crosstabulation

Count

6 58 2 7 1 743 26 2 6 1 2 1 415 51 4 3 2 657 87 1 13 6 4 1 1192 38 3 3 46

13 1 1 1 1623 273 6 34 15 8 1 1 361

Ocup. n-M altoOcup. n-M médioOcup. n-M baixoOcup M.alto urb.Ocup M.baixo urb.Ocup Rural

OCUPPAI

Total

Sup Inco Sup Comp Especial Mestran Mestre Doutoran Doutor Pós-Dr.Nível educ.

Total

Conclusões

Neste capítulo buscou-se fazer uma análise do perfil socioeconômico dos

candidatos inscritos no programa de ação afirmativa para o Instituto Rio Branco. Para

tal, partindo do pressuposto de que as políticas de ação afirmativa para “afro-

descendentes” são destinadas a “classe média negra” brasileira, classe com indivíduos

qualificados e capacitados para desempenhar funções de maior prestígio na sociedade.

Para a análise do perfil socioeconômico, mobilizou-se diversos indicadores sociais

como renda, escolaridade, ocupação, etc. A primeira parte deste capitulo foi dedicada à 40 Do total, cerca de 7,7% dos candidatos não informaram a ocupação do Pai e outros colocaram como status social estudante. Portanto, os estudantes não e as ocupações não-identificadas não se encontram presentes nos vários Quadros analisados.

Page 84: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

83

análise do perfil desses candidatos; e na segunda focou-se na mobilidade social dos

candidatos com relação aos seus pais e a influência destes no processo de formação e na

escolha da ocupação.

Ao longo do estudo, pudemos verificar que trata-se de um grupo bastante

heterogêneo no concernente aos indicadores sociais escolaridade, nível de renda

familiar e a ocupação. Em termos gerais, são na sua maioria indivíduos solteiros, na

faixa etária dos 21 aos 62 anos de idade, em média 34 anos, apresentando uma maior

concentração nas faixas de 24 aos 39 anos. São provenientes de diversas regiões do

Brasil, na sua grande parte da região sudeste, expressivamente dos Estados de São Paulo

e Rio de Janeiro. Focando particularmente os candidatos que foram selecionados às

bolsas, são na sua grande maioria solteiros 50,0%, apenas 35,0% são casados; a maioria

é do sexo feminino 70,0%; 75,0% possuem um nível de inglês avançado e a maioria é

da Cidade do Rio de Janeiro, das zonas consideradas de maior prestígio social.

Com relação ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio, podemos verificar que

55,0% estudaram em escolas públicas e 45,0% em escolas particulares. Ou seja, os

dados nos levam a constatar que os candidatos em geral e os selecionados, em

particular, são provenientes das escolas públicas do país. Para além destas constatações,

observamos que quanto mais elevado é o nível educacional dos pais, maior é a adoção

de escolas particulares (ensino médio e fundamental) para colocar os filhos. Quanto ao

Ensino Superior, verifica-se que quase todos os candidatos estão no padrão educacional

exigido pelo o Instituto Rio Branco, tendo praticamente todos o terceiro grau completo -

o nível educacional dos candidatos vai desde o superior incompleto ao pós-doutorando -

realizado na sua maioria em instituições particulares do país. E pelas informações da

Tabela XIII, 24,0% dos candidatos com o terceiro grau completo têm os pais

desempenhando funções manuais urbano, assim como candidatos mestrandos, mestres,

doutorandos e pós-doutorandos como a mesma origem social de nível baixo. Como

podemos verificar, os candidatos com nível de escolaridade mais elevado são

provenientes de status social baixo, o que reafirma as conclusões sobre a “classe média

negra” ser recrutada nas camadas de ocupações manuais.

No tocante à variável renda, adotando o modelo desenhado pelo economista Waldir

Quadros, os dados nos revelam que a grande maioria deles está situada na “classe

média negra”, mas com uma diferença bastante expressiva, sendo que a maioria

(60,0%) está alocada no nível de “classe média baixa”; e apenas 26,1% recebem uma

Page 85: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

84

renda familiar mensal de “R$ 3000 ou mais”. Se, em termos da renda, a maioria dos

candidatos inscritos no programa está alocada na “classe média baixa”, a situação, em

termos da educação e da ocupação, se mostra bem diferente.

Com relação à ocupação, dividimo-la em: não-manual (alto, médio e baixo),

manual urbano (alto e baixo) e rural; e através desta divisão pudemos verificar que a

maioria dos candidatos (81,5%) trabalha em ocupações não-manuais de nível alto,

ocupações de maior prestígio social, e, observando particularmente os candidatos

selecionados, verificamos que 55,0% estão na mesma situação.

A segunda parte deste capítulo consistiu em analisar a “mobilidade social

intergeracional” dos candidatos em relação a sua origem social, por meio da análise da

educação e ocupação dos pais. Com relação a isso, pudemos averiguar que 45,8% dos

pais são provenientes da ocupação não-manual; e 49,0% das ocupações manual urbana

(alto e baixo), sendo que é no nível da ocupação manual urbano alto que se concentra o

maior percentual (34,9%) dos pais. Assim sendo, os resultados da análise dos dados do

Tabela XIII nos revelam que a maioria dos pais dos candidatos (54,1%) não exerce

cargos caracterizados como de classe média, agregando a estes aqueles que trabalham

em atividades rurais; mas a diferença não é tão expressiva entre os pais que exercem

funções não-manuais (45,8%) e os outros em ocupações manuais (54,1%).

Como todos os candidatos exercem funções não-manuais consideradas de classe

média, independente do nível de ocupação, a grande maioria 63,9% tivera mobilidade

social ascendente, 17,3% permaneceu na mesma origem social, no mesmo nível

ocupacional dos pais, ou seja, não se moveu na hierarquia social das ocupações; e

apenas 4,4% tiveram mobilidade descendente. Desta feita, as constatações são de que

mais de metade dos candidatos inscritos no programa de ação afirmativa para o Instituto

Rio Branco teve ascensão social em relação aos seus pais. Mas, é no nível de ocupação

manual urbano que verificamos uma expressiva mobilidade social ascendente, 34,9%;

29,1% para ocupação não-manual de nível mais alto, 3,8% para não-manual de nível

médio e 1,9% para o nível mais baixo da ocupação não-manual.

De acordo com os dados disponíveis, podemos concluir que a maioria dos candidatos

inscritos no programa de ação afirmativa do IRBr é da “classe média negra” brasileira,

o que confirma a nossa hipótese, mas com diferenças bastante expressivas em termos

da renda, pois os resultados são de que a maioria está na “classe média baixa”; de

educação, – superior incompleto a pós-doutorando; e ainda que em termos de

Page 86: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

85

ocupação, todos os candidatos desempenham funções não-manuais e a grande maioria

em ocupações de nível mais alto.

Portanto, concluímos que os candidatos “afro-descendentes” selecionados pelo

programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” do

Instituto Rio Branco, realizado em 2002, são integrantes da “classe média negra” no

concernente às variáveis educação, ocupação e renda familiar declarada. No entanto,

com relação a esta, verificamos que o grupo é muito desigual (de 500 reais ou menos a

3000 reais ou mais), mas esse é um variável difícil de analisar em se tratando de renda

familiar e não renda per capita. Apesar de tudo, os resultados indicam que são mesmo

da “classe média negra”, mas será que se vêm como integrantes efetivos dessa “classe

média negra”?

Sabemos que a Carreira de Diplomata é uma das de maior prestígio social e o processo

seletivo de acesso à carreira – o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata do

Instituto Rio Branco - é um dos mais difícil do país dada à relação candidato-vaga; em

média 100 candidatos por vaga, como pudemos verificar no capítulo anterior.

Verificamos também que o concurso é extremamente difícil e que para conseguir

sucessos, os candidatos precisam disponibilizar tempo, dedicação aos estudos e

recursos financeiros para ter uma boa preparação intelectual. Sabendo dessas

dificuldades e de que são poucos os negros que conseguem ingressar na Carreira de

Diplomata (ou seja, que há uma sub-representação de negros no Itamaraty, cerca de 1%

de um universo de mais ou menos 45,0% da população brasileira) e perante a demanda

pela ação afirmativa para o Instituto Rio Branco, quais são os motivos e as expectativas

do candidato com relação à Carreira de Diplomata?

Page 87: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

86

Capítulo III

MOTIVOS E EXPECTATIVAS COM RELAÇÃO À CARREIRA DE DIPLOMATA

Então, essa questão da auto-estima é muito importante porque você já nasce

com alguém dizendo para você ‘você terá um futuro brilhante, você vai

vencer’; enquanto que no nosso meio você tem outro discurso, outro

estímulo. Desde criança ‘você tem mais é que trabalhar porque você tem que

sobreviver: é diferente. Então você já nasce achando que não tem opção pelo

seu desejo, que sua opção é pela sobrevivência, e você se submete, muitas

vezes, a vários tipos de trabalhos que não tem nada a ver com a sua vocação

e o seu desejo, mas que você tem que garantir o que comer, onde morar. (...)

Nenhum de nós foi à universidade e passava a tarde estudando.

Depoimento de uma participante do Programa .

No capítulo anterior, por meio das variáveis educação, ocupação e renda familiar

declarada, concluímos que os bolsistas “afro-descendentes” selecionados no primeiro

programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia”

implementado pelo Instituto Rio Branco são integrantes da “classe média negra”; e,

como analisamos praticamente quase todos os candidatos inscritos nesse período (391,

ou seja, 97,0% do total dos candidatos inscritos), podemos dizer que todos estão nessa

mesma posição, apesar da variável renda familiar declarada apontar para uma certa

desigualdade entre eles. Enfim, os resultados da análise quantitativa apresentada no

capítulo anterior assinalam que são mesmo integrantes da “classe média negra” e, que,

portanto, fazem parte de um grupo social privilegiado na estrutura social. Pois bem, se

os dados quantitativos apontam para uma “classe média”, como será que esses

candidatos a Carreira de Diplomata de 2003 se vêem, ou seja, que representação social

têm de si mesmo? Consideram-se integrantes efetivos de uma classe social, dessa

“classe média negra”?

Pudemos ver também que no Itamaraty há uma sub-representação (cerca de 1%)

de negros no corpo diplomático brasileiro. A título de comparação, da quase metade da

população brasileira constituída de negros (preto e pardos nas classificações do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística –IBGE) apenas 1% representa esse contingente

Page 88: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

87

populacional no Ministério das Relações Exteriores; um número, diga-se de passagem,

extremamente insignificante. No entanto, há uma demanda por parte da “classe média

negra”, detentora de “capital cultural” e intelectualmente qualificada pleiteando cargos

de direção e de poder, esperando ocupar espaços que até então estiveram ausentes. Essa

ausência dos negros em postos de comando na estrutura social, onde centralizam os

meios efetivos de poder e prestígio, nos leva a recorrer ao conceito de “privação

relativa” e ao conceito “grupo de referência” para abordar o assunto.

Podemos dizer que o conceito de “privação relativa” foi apontado por Costa

Pinto já na década de 1950 no livro “O Negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa

sociedade em mudança” (1953), apesar de não usar explicitamente o conceito, ao

perceber que os negros de classe média ressentiam-se das barreiras raciais impostas à

sua ascensão social. Ou melhor, a “classe média negra”, mais próxima do topo da

hierarquia social, sentia-se relativamente privada, com ressentimentos ou insatisfação

no que se refere a sua posição social o que já não ocorriam com os negros “massa” que

viviam em absoluta privação. (Grin, 1999). O conceito é também utilizado pelo cientista

social inglês, W. G. Runciman em Relative Deprivation and social justice (1966); por

Robert Merton (1968) em Sociologia: teoria e estrutura. Robert Merton comenta a

utilização desse conceito em “The American Soldier” afirmando que naquele estudo é

focalizado o fator “privação” em detrimento do fator “relativo”, apesar deste ser um

componente comum em todos os outros conceitos sociológicos tais como “estrutura

social de referência”, “tipos de expectativas”, entre outros. O conceito é utilizado em

sua análise sobre o funcionamento do “intragrupo” – grupo a que o indivíduo pertence –

e do funcionamento do “extragrupo” – grupos que o indivíduo não pertence - como

“grupos de referências” pelos quais o indivíduo espelha para traçar seu comportamento,

suas avaliações, etc. Merton relaciona o conceito de “privação relativa” com a teoria

mais geral de “comportamento de grupo de referência”. Contudo, o autor, assim como

os autores da pesquisa The american Soldier, estudo que Merton toma como base de

análise, não dá uma definição do que seja “privação relativa”, e, nesse sentido,

disponibiliza algumas frases da pesquisa, acima referida, onde o conceito se evidencia.

Entre as várias frases citadas por Merton para expressar a idéia de “privação relativa”

está a seguinte: o conceito de privação relativa é particularmente útil na avaliação do

valor da educação para se conseguir um status ou emprego, assim como para a

aprovação ou a crítica do Exército ...Tendo níveis mais altos de aspiração que o menor

instruído, o homem mais culto tinha mais a perder, em seu próprio conceito e na

Page 89: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

88

opinião dos seus amigos, se não conseguisse alcançar alguma espécie de status no

Exército. Daí a frustração era maior para ele do que para os outros, se um objetivo que

ele procurasse não fosse atingido ...(I. 153 apud Merton, 1964:306). O conceito é

utilizado por Merton com os “conceitos de grupos de referências” tendo o mesmo

propósito teórico, e é usado como uma “variável interpretativa interveniente”. Segundo

Merton, os autores de The American Soldier, ao estudar os sentimentos e atitudes em

relação à convocação para servir o Exército dos EUA, na Segunda Guerra Mundial,

enfatizaram mais a privação relativa do que a privação relativa, ou seja, mais privação

do que ver pelo lado relativo haja visto que estavam averiguando os tipos de reação a

uma situação basicamente de privação que com mais freqüência exigia estudo e que foi

principalmente no serviço de interpretação desse tipo de reação que se desenvolveu o

conceito de “privação relativa”.

W. G. Runciman também utiliza o conceito de “privação relativa”

correlacionado ao conceito de “grupo de referência” para fazer uma discussão sobre a

desigualdade social e justiça social na sociedade inglesa de 1918 a 1964. Runciman

reconhece a dificuldade de dar uma definição rigorosa para o conceito. Porém, afirma

que é possível, mesmo que grosseiramente, dizer que:

A is relatively deprived of X when (i) he does not have X, (ii) he sees some

other person or persons, which may include him-self at some previous or

expected time, as having X (whether or not this is or will be in fact the

case), (iii) he wants X, and (iv) he sees it as feasible that he should have X.

Possession of X may, of course, mean avoidance of or exemption from. (…)

Relative deprivation retains the merit of being value-neutral as between a

feeling of envy and a perception of justice. To establish what resentment of

inequality can be vindicated by an appeal to social justice will require that

this distinction should somehow be made. (Runciman, 1966:10)

Contudo, deixa claro que a “privação relativa” pode variar na sua magnitude,

freqüência ou grau, e ainda que o conceito deve sempre ser entendido significando um

senso de privação; uma pessoa que é ‘relatively deprived’ não precisa ser objetivamente

privada de alguma coisa, no sentido mais usual do termo, como lhe faltando alguma

coisa. Segundo Runciman, “privação relativa” significa que o senso de privação é tal

Page 90: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

89

como envolver uma comparação com a situação imaginada de alguma outra pessoa ou

grupo; que esta pessoa ou grupo é o “grupo de referência” ou, mais exatamente, “the

comparative reference group”.

Conforme a definição do verbete do dicionário de Ciências Sociais da Fundação

Getúlio Vargas, a expressão “privação relativa’ é mencionada quanto se refere à

distribuição de bens, mas que é extensiva a outros aspectos como serviços, posições e

poder. 'Implica uma desigualdade desde o momento em que uma série de membros de

uma comunidade se veja privada daquilo que os outros possuem'; podendo falar nesse

sentido que a “privação relativa” é 'uma expressão antagônica a igualdade absoluta'.

Destarte, com o propósito de trabalhar a questão das expectativas dos bolsistas

em relação à Carreira de Diplomata também recorremos ao conceito de “privação

relativa” e “grupo de referência” desenvolvidos pelos autores anteriormente referidos,

pois acreditamos que esses conceitos enquadram muito bem nos assuntos discutidos e

são interessantes para nos ajudar a entender essa “classe média” que almeja fazer parte

de um certo “grupo de status” que compõe o corpo diplomático brasileiro, mas sem ter,

contudo, uma representação social de si como classe. Para abordar essa questão foi

formulada uma pergunta direcionada aos motivos de querer ser diplomata – motivos e

as expectativas com relação à Carreira de Diplomata – pois, estamos convictos da sua

importância para um melhor entendimento e compreensão desse contingente

populacional. Haja visto, como pudemos ver no capítulo I, a redação sobre os motivos e

as expectativas é um dos critérios fundamentais para a avaliação daqueles que serão

beneficiados pelo programa Bolsa-Prémio. No processo seletivo do programa “Bolsa-

Prémio de Vocação para a Diplomacia” pede-se que o candidato se autoclassifica e

disserta-se sobre a sua condição de ser negro, o que pode evitar possíveis “fraudes” no

processo de seleção. Portanto, acreditamos que a abordagem dessa questão é importante

por tudo o que ela representa no processo de seleção como um todo bem como a postura

do candidato frente à carreira almejada.

Ligada à questão de “privação relativa” está a política de ação afirmativa de

corte racial que tem como objetivos, na melhor das hipóteses, a reparação de danos

causados à população negra ao longo dos anos. Particularmente, a política

implementada pelo Instituto Rio Branco, perseguindo essa meta, tem como finalidade

proporcionar oportunidades aos denominados “afro-descendentes” que queiram se

preparar para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata. Além de essa ação

afirmativa significar a abertura de novos caminhos para a realização pessoal e

Page 91: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

90

profissionalmente de um grupo de candidatos que sem tais políticas tornar-se-ia difícil e

teriam dificuldades em atingir certos objetivos como o ingresso na Carreira de

Diplomata, em função dos altos custos financeiros exigidos no processo de preparação;

ela tem um significado político e simbólico muito grande por tudo o que representa

dentro de uma instituição altamente burocrática e que tem a tradição de abrigar uma

“elite burocrática branca” em posições superiores da burocracia pública. Perante esse

aspecto, pedimos aos bolsistas que avaliassem o programa em termos de sua eficiência

tal como na pergunta formulada: que avaliação você faz dessa política de ação

afirmativa para “afro-descendentes” no Instituto Rio Branco (IRBr). Na sua opinião

esta política de ação afirmativa do IRBr traz efetivamente benefícios para os negros?

Este capítulo se desdobra em três partes: na primeira será abordada a questão

relacionada à “classe média negra”, ou seja, a representação social que esse grupo

específico tem de si mesmo. Estamos usando o termo “grupo” para falar dos bolsistas,

mas, em parte, eles não se vêem como grupo, principalmente em se tratando de uma

classe social qual seja: a “classe média negra”; por outro lado, é um “grupo” porque têm

consciência política e social de que são integrantes de um grupo social discriminado na

sociedade brasileira que sofre “privação relativa” para assumir cargos de direção e de

poder, mesmo capacitado e qualificado para tal. Na visão de Ângela Figueiredo (1999),

é complicado refe rir-se a uma “classe média negra” se tivermos como parâmetro à

“classe média negra” americana que se pauta no reconhecimento da identidade racial e

na existência e consciência de si como um grupo que traça estratégias e ações coletivas

baseadas na solidariedade étnico-racial. Tendo esse aspecto em consideração, não teria

razão de ser a afirmação de que há uma “classe média negra”, mas apenas negros de

classe média no Brasil (Idem); no entanto, neste estudo estamos usando os conceitos de

“grupo” e “classe média negra” com o objetivo de facilitar a abordagem do assunto.

Na segunda parte analisamos os motivos e as expectativas que o “grupo” tem da

Carreira de Diplomata. E, na última parte desse capítulo, examinamos a relação entre o

Itamaraty, através do CACD, e a ação afirmativa implementado pelo Instituto Rio

Branco; bem como a avaliação do programa feita pelos bolsistas.

Para tanto, serão utilizadas redações por meio das quais os bolsistas dissertaram

sobre os motivos e as expectativas com relação à Carreira de Diplomata, além de

questionários e entrevistas realizadas com 25% do total desses bolsistas, mais adiante

examinadas. Deve-se observar, contudo, que embora esses 25% possam parecer

relativamente poucos, acreditamos que sejam representativos dos bolsistas selecionados

Page 92: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

91

no primeiro programa por serem provenientes de diversas regiões do Brasil e terem

experiências profissionais e perfis sócio-econômicos diferentes (são representantes do

Rio de Janeiro, de São Paulo - regiões com maior número de representantes no grupo

selecionado -, Bahia e Minas Gerais).

3.1 “CLASSE MÉDIA NEGRA”: A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO GRUPO

SOBRE SI.

Para abordar a questão da representação social desse contingente da população

negra, detentor de “capital cultural”, estamos usando o conceito classe social; conceito

definido por Bourdieu como “um conjunto de agentes que ocupam posições

semelhantes e que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos

semelhantes, têm, com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo,

práticas e tomadas de posições semelhantes” (Bourdieu, 2000: 136). Ao longo do texto

temos usado o termo “classe média negra” para classificar esse “grupo”. O termo

“classe média negra” foi utilizado por Costa Pinto (1953) no seu estudo sobre o negro

na região metropolitana do Rio de Janeiro, onde aponta para tensões raciais que

começavam a se desenhar nas novas relações sociais que se estruturavam com o

processo de modernização do Brasil. Para Costa Pinto, os conflitos tendiam a se acirrar

como o aparecimento de uma “classe média negra” reivindicando por melhores posições

na sociedade; e chega mesmo a sugerir que assim como a burguesia já existia como

classe antes de tomar consciência disso, o mesmo poder-se-ia dizer com referência à

“classe média negra” ou aos “negros de classe média”, uma classe que tomava

consciência de si ao constatar as barreiras impostas à sua ascensão social (idem). Uma

outra constatação do autor é que a formação e a presença dessa “classe média negra”

começou a gerar e a colocar, dentro da situação racial brasileira, problemas inteiramente

novos de orientação, de perspectiva ideológica, de organização e de liderança dos

movimentos sociais do negro, problemas que até então não existiam no “quadro

tradicional das relações de raças” (ibidem).

Observa-se que esse “grupo” começava um processo de avaliação da situação

social e a reivindicar espaços sociais, políticos e culturais até então “fechados” a ele, ou

seja, começava a “acordar” para a “privação relativa”, para as barreiras sociais importas

para alcançar posições de destaque na sociedade.

Page 93: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

92

Como veremos, a representação social dos bolsistas com relação a serem ou não

integrantes da classe média varia muito, particularmente no que diz respeito à renda

familiar, o que fica evidenciado na análise das entrevistas e questionários realizados

com os bolsistas. As opiniões são representativas de como as pessoas se sentem perante

a estrutura social de desigualdade em que vivem. A impressão deixada é que, quando

nos referimos à classe média, há uma tendência a mencionar os “bens de origem”, “bens

herdados” (Villas Boas, 2001), como: bens materiais móveis e imóveis, etc; dos quais se

vêem “privados”. Quando isso acontece, a primeira reação é a de negação de estar

situado nessa classe média, tendo como ponto de referência ou “grupo de referência” as

pessoas consideradas efetivamente por eles como pertencentes a essa classe social.

Pouca importância é dada aos “bens adquiridos” (Idem). Ao que parece, este aspecto

atinge a grande maioria da “classe média negra” no Brasil.

No estudo realizado com empresários negros bahianos, classificados como

membros da “classe média negra” a partir de indicativos sociais como renda, ocupação,

apesar desses indicativos apontarem a classe social, não havia sentimento de

pertencimento à classe média, como observa Ângela Figueiredo (2003). Nas palavras da

autora “com relação ao último ponto, a classe social, observamos que, a despeito das

rendas dos entrevistados serem consideradas elevadas em relação aos padrões

nordestinos e/ou bahianos, não há um sentimento de pertencimento à classe média, e

quando isso ocorria, quase sempre vinha acompanhado de uma distinção entre eles e

aqueles indivíduos que eles consideravam de classe média” (Figueiredo 2003:198). Na

visão de Figueiredo, a recusa da idéia de ser integrante da classe média provavelmente

se deve ao ingresso recente nessa classe social o que faz com que a representação sobre

a própria posição social seja ainda considerada instável. (idem). Comparando a “classe

média branca” à “classe média negra”, através de dados estatísticos da PNAD de 1988 e

1999, Ângela Figueiredo verifica que há diferenças de renda entre os dois grupos e que

“os negros chegam a receber apenas 56,6% da renda dos brancos, o que põem em xeque

tanto o potencial de consumo da “classe média negra” quanto sua capacidade de

acumular bens e transmiti- los às futuras gerações” (Ibidem, 77).

As justificativas dos bolsistas com relação ao pertencimento ou não à classe

média são inúmeras, entre elas, a de não ser provenientes de “famílias tradicionais”,

“donas de imensas fortunas” e, conseqüentemente, de não ter prestígio econômico,

político, social e cultural que é transmitido de geração para geração. Em todas as

Page 94: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

93

respostas prevalece a ênfase na inexistência de “bens herdados” e todas as comparações

com as pessoas brancas consideradas de classe média e “classe alta” se pauta na posse e

ostentação de bens móveis e imóveis situados em lugares classificados como de classe

média, imóveis de lazer e diversão como casas de campo, de praia e férias marcadas

com viagens domésticas e internacionais, etc.

Por um lado, constatamos que a maioria dos pais dos bolsistas não tem curso

superior e a renda familiar é baixa, portanto, é a primeira geração a conseguir formação

superior; - e, em geral, ter feito curso superior numa sociedade marcada pelo

preconceito e pela discriminação racial é motivo de orgulho, apesar dos enormes

sacrifícios como ter de, muitas vezes, conciliar estudo e trabalho para realizar sonhos,

como o de ser diplomata e representar o Brasil no exterior e representar,

particularmente, a população negra. Por outro lado, percebemos que boa parte dos

bolsistas provém de famílias de classe média estruturadas social e culturalmente cujos

pais possuem curso superior e são detentores de “capital cultural”. E que, portanto,

podemos dividir as respostas dos bolsistas referente à classe média em dois blocos. No

primeiro, estão os bolsistas que se reconhecem privilegiados pelo fato de poderem

desfrutar e ter acesso a bens sociais e culturais nessa estrutura social profundamente

desigual; que freqüentaram e conseguiram formação fundamental, médio e superior em

instituições escolares de prestígio social; têm domínio de línguas estrangeiras;

oportunidades de viajar de férias, em intercâmbios culturais, a estudos e/ou a trabalho;

ocupam cargos não-manuais de prestígio social; têm acesso a bens culturais – literatura,

arte, cinema, teatro, assinatura de revistas, jornais, acesso à internet, bens que não são

acessíveis a todos; e têm comportamentos e práticas sociais distintos que indicam o

habitus da classe média. No segundo, os bolsistas que se reconhecem privilegiados, mas

são veementes ao afirmar que não pertencem à classe média ao comparar a sua situação

econômica, social e cultura com pessoas por eles considerados de classe média, ou seja,

tendo como “grupo de referência”, “extra- grupos”, grupos pelos quais eles não se vêem

pertencer, grupos que considerem estar excluídos. A pergunta foi a seguinte: você se

considera parte da classe média?

- Eu me vejo, num sentido sim, porque quando comparo o meu salário, o meu acesso à

informação e ao conhecimento em relação às pessoas do lugar onde eu moro, eu sou

uma estranha no ninho, totalmente privilegiada. Onde eu mo ro, as pessoas não têm

acesso à net, eu sou assinante de jornal. O mundo é outro completamente, por isso me

Page 95: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

94

sinto parte da classe média e sei que o meu salário é maior do que deles.

Sim, sou classe média nesse sentido. Mas eu não moro em casa própria, não tenho

carro, os meus pais não tem casa própria (um imóvel próprio) nunca viajo para o

exterior a passeio, não tenho dinheiro, só a trabalho ou estudo. A única vez que viajei

de férias foi quando me formei na universidade. Trabalhei, juntei dinheiro durante um

ano, passei um mês viajando pela Europa como presente da minha graduação. Mas,

não tenho casa, não tenho carro, não tenho casa de praia, etc.

*

Sim, me considero parte da classe média de um modo geral pela qualificação do tipo

de vida que levo. Se analisar minha vida por um prisma social, sou parte da elite

porque me considero extremamente privilegiada no seio da família – pude estudar o

que quis, quando quis, no tempo em que quis, nunca fui privada de um desejo

intelectual sequer (nunca faltou teatro, cinema, livro, viagem etc) ou material. Mas

historicamente faço parte das camadas mais baixas da sociedade, descendentes dos

escravos e quilombolas e desprivilegiadas culturalmente. Se hoje posso cursar a quarta

faculdade, devo isso a meus pais, pessoas de extrema visão de horizonte. Meu pai teve

uma infância miserável e salvou-se através da Arte e minha mãe, muito embora de

família branca, fez sua opção por nos educar de forma que pudéssemos nos orgulhar

ao extremo de nossas raízes negras sem perdermos o "bonde da história" conduzido

pelo monopólio social criado pelos grupos étnicos católico-apostólico-romanos de

origem européia.

Me considero privilegiada também porque tenho a oportunidade de conviver com

a questão do racismo exatamente no meio do caminho, entre uma família branca e uma

família negra.

Se parte desses bolsistas reconhece como integrantes da classe média pelos

privilégios, oportunidades e acesso a bens culturais pelos quais outros integrantes da

sociedade não dispõem, a maioria reconhece os privilégios, mas não se considera parte

da classe média, exatamente por não reconhecer os “bens adquiridos” indicativos de

pertencimento a essa classe social, tendo em vista os parâmetros de medição de classe

utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo esses

depoimentos:

Não me considero parte da classe média negra (segundo os dados do IBGE que

mede os aparelhos domésticos que as pessoas têm em casa) e não sou pobre,

mas me considero pobre com relação a bens materiais. Mas, sou parte da

comunidade negra privilegiada. Eu sempre tive acesso ao estudo –estava em

Page 96: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

95

primeiro plano em minha casa o estudo. Minha mãe sempre se esforçou para

que a gente estudasse: fazer curso de inglês, estudar nas melhores escolas, mas

não sou parte da classe média negra.

90% da população têm um negro ou outro que consegue ocupar um cargo mais

privilegiado, mas o deslocamento do negro é mais horizontal, mas

verticalmente continua sendo difícil. Tem gente de classe média, mas eu vim

conhecer negro rico, conheci dois em São Paulo, são ricos mesmos.

*

Só se for pelo acesso à universidade e aos benefícios de ser uma pesquisadora.

No que se refere a bens, embora eu more em casa própria (dos meus pais) e

tenha um carro, não me considero classe média. Há que se lembrar que no

Brasil há muita desigualdade e quem realmente pertence á classe média tem

muito mais bens do que eu tenho.

*

Média baixa, se podemos fazer este tipo de classificação. Mas para ficar mais

claro sou filha de um policial militar (hoje reformado) e de uma professora

(hoje aposentada), mas continua trabalhando como secretária em uma clínica. A

oportunidade de fazer um curso universitário não foi tão-somente pela renda da

minha família, mas principalmente pelo esforço de meus pais, já que fiz

faculdade particular e só consegui trabalhar no segundo ano de faculdade. Sou a

filha mais velha e meus pais sonhavam em ter um filho formado. Meu pai não

tem curso superior e minha mãe concluiu o curso de pedagogia em faculdade

particular quando eu e meus dois irmãos éramos crianças.

A ênfase na ausência de “bens herdados” parece ser um fato na realidade da

comunidade negra, como demonstra o estudo acima referido que analisa as estratégias

de sobrevivência da população negra na sociedade brasileira. Pois bem, embora detêm

um status social específico no que se refere ao local de residência, ao poder aquisitivo,

como pudemos verificar no capítulo anterior, ao acesso a bens educacionais sociais e

culturais, poucos se identifiquem como integrantes da classe média exatamente por

sentiram-se privados de “bens herdados” tendo como “grupo de referência”, os “extra-

grupos”, às pessoas consideradas por eles como pertencentes efetivamente à classe

média brasileira, e/ou a “famílias tradicionais”, “donas de enormes fortunas”, como os

Matarazzo, os Guinle, famílias com sobrenomes, sentem-se privadas de “bens

herdados”. Acreditam que poderão efetivamente concorrer em igualdade de condições

por espaços sociais e políticos, somente quando alcançarem status econômico e social

dessas “famílias ricas e poderosas”. Porém, mesmo não sendo provenientes de famílias

Page 97: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

96

tradicionais, de não terem “bens de origem”, são pessoas que conseguiram adquirir

outros bens (econômicos e sociais) o que os possibilita lutar por espaços de maior

destaque na sociedade. Mas, tudo indica, que os “bens adquiridos” não são tão

valorizados quantos os “bens herdados”, ou seja, estes são mais valorizados do que

aqueles. Nesse sentido, ressentem-se e estão insatisfeitos com relação à privação de

“bens herdados”.

Conforme sugere Robert Merton (1966), quanto mais próxima às pessoas

estiveram do topo da hierarquia social, mais se ressentem e se frustrem quando não

conseguem alcançar alguma posição ou situação desejada. A mesma situação é

analisada por Costa Pinto ao se referir a “classe média negra”. Costa Pinto observa que

a “elite negra intelectualizada” encontra obstáculos para alcançar posições sociais mais

elevadas, mesmo de posse de requisitos necessários para competir no mercado de

trabalho com outros membros da sociedade, em função da cor e/ou da raça. No

depoimento que se segue, o ressentimento em relação à não existência de negros ricos

como “grupo de referência” fica bastante evidente. O “grupo” sente-se privado tendo

como “grupos de referências” a “classe média branca” e a elite (ou elites), de famílias

ricas e com sobrenomes.

O negro sofre privação financeira e assédio moral. Privação financeira porque, a

rigor, não temos histórico de grandes fortunas e heranças, não temos histórico de

bens amealhados ao longo de gerações para deixarmos aos nossos filhos. Esse

acúmulo de capital começou recentemente, mais precisamente na minha geração,

que pôde competir de igual para igual (às vezes, melhor) com a Geração Coca-Cola

de origem caucasiana, formando essa nova burguesia negra jovem ascendente no

Brasil. Mas ainda há muito a percorrer até nos igualarmos em condições

financeiras com a elite do país. Ainda não temos os Matarazzo negros, os Marinho

negros ou os Guinle negros, e isso faz muita diferença - até para aquele jovem de

12 anos que não ouve falar de histórias de negros abastados41. E sofremos assédio

moral porque, muito embora às vezes tenhamos tido estudo, condicionamento,

coragem e condições financeiras para competir em igualdade de condições com os

demais, normalmente a leitura do código de nossa pele indica um preconceito

atávico brasileiro que se reflete socialmente quando se diz que no Brasil não existe

preconceito racial,ou na forma como a senhora na rua aperta a sua bols a quando

passamos ao seu lado de noite, numa rua deserta.

41 Os grifos são nossos.

Page 98: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

97

Para além da constatação deste fato – da maioria não ter o reconhecimento de

pertencimento à classe média -, os dados estatísticos de pesquisas de mercado têm

mostrado um crescimento efetivo da “classe média negra” no Brasil. Estima-se que

formam um contingente de quase sete milhões de negros situados na classe média, mas

que ainda não têm reconhecimento de sua posição econômica e social (Figueiredo,

1999). Por outro lado, alguns analistas apontam para o encolhimento dessa classe média

porque muitos não conseguem manter o padrão de vida conquistado pela geração

anterior. Os últimos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)

divulgados pelos meios de comunicação de massa estimam-se que cerca de um terço da

população brasileira é de classe média (Jornal Nacional, TV Globo, 30/05/2005).

Outros importantes aspectos podem ser levantados nesse material proveniente

dos questionários e das entrevistas como a consciência social e política referente a

“invisibilidade do negro” - assunto atualmente muito debatido em seminários e palestras

– em instituições públicas, principalmente em cargos de direção e poder, nos altos

escalões do Exército (quantos negros são generais?) da Aeronáutica (quantos negros

atingiram o topo da carreira na Aeronáutica?) no Itamaraty (quantos negros são Ministro

de Segunda e de Primeira Classes?) na Magistratura (quantos são procuradores e

juizes?), etc. Outro aspecto levantado é a questão do “assédio moral”42 (práticas

desprazíveis, perseguição sistemática, intiminadação, humilhações, constrangimentos,

etc.) sofrido pelos negros na sociedade brasileira, assunto ainda pouco conhecido e

debatido pela sociedade como um todo.

Essa “privação relativa” enfrentada pelos negros para ocupar posições superiores

na burocracia pública é um assunto atualmente muito discutido em seminários,

congresso e palestras, no sentido de exigir políticas compensatórias e ação afirmativa de

corte racial que possam permitir que os negros consigam mais espaços na sociedade

brasileira. Pois, é fato constatado essa “invisibilidade” de negros em posições e cargos

de direção e poder. Como vimos, os negros no Itamaraty representam apenas cerca de

um por cento; assim como o primeiro negro na Magistratura foi nomeado em 2003, no

governo de Luis Inácio Lula da Silva. Portanto, essa “invisibilidade” de negros em

certos cargos abala a tão “exibida” “democracia racial brasileira”.

42 Com relação a esse assunto ver de Marie –France Herigoyern “O Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano”. Editora Bertrand Brasil.

Page 99: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

98

O reconhecimento dessa “invisibilidade” do negro no corpo diplomático leva o

Itamaraty a apoiar o programa de governo elaborado no sentido de proporcionar maior

democratização de acesso de “afro-descendentes” à Carreira de Diplomata, através do

programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” que concede de bolsas de

estudos, por um período de dez meses, para os que queiram se preparar para a Carreira

de Diplomata, como pudemos averiguar no primeiro capítulo. Seguindo esse propósito

de democratização do acesso, lembra o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorin,

numa entrevista concedida a Folha de São Paulo (22/1/2005), comentando as críticas

relacionadas à retirada do caráter eliminatório da prova de inglês, que o objetivo “é

alargar o leque de pessoas que possam vir a ser diplomatas. Há muitas pessoas que eu

conheci ao longo da vida que teriam todas as condições para ser diplomatas, mas que

talvez tivessem dificuldade de passar em um exame de inglês eliminatório”. Na visão do

Ministro, a retirada do caráter eliminatório do inglês pode ser visto como uma ação

afirmativa, não necessariamente de corte racial, que tem como finalidade proporcionar

oportunidades àqueles que são competentes e por não dominarem o inglês acabam

sendo excluídos. Dado ao caráter extremamente importante do comentário do Ministro

Celso Amorim voltaremos a esse ponto mais adiante.

É relevante lembrar ainda que estamos nos referindo a uma classe com poder

aquisitivo, bens sociais e culturais adquiridos, que estão cada vez mais se preparando,

especializando-se, para competir em condições iguais nessa sociedade globalizada cada

vez mais competitiva, apesar das inúmeras desvantagens enfrentadas no dia a dia

relacionadas ao racismo e a discriminação racial. São pessoas intelectualmente

preparadas para lutar por posições de destaque na sociedade. Como observa Gláucia

Villas Boas (2001), no artigo Seleção e partilha: excelência e desigualdades sociais na

universidade, na sociedade capitalista a “pulsão aquisitiva torna-se valor e desejo de ter

sempre mais” constituindo, desse modo, o “cerne da conduta social” (Villas Bôas, 1999,

2001).

Desta feita, pudemos observar, através dos dados quantitativos analisados no

capítulo anterior, que os candidatos inscritos no programa de “Bolsa-Prémio de

Vocação para Diplomacia” do Instituto Rio Branco em 2002, seguem essa “pulsão

aquisitiva” com relação à preparação e ao desejo de “adquirir cada vez mais” (Idem) e

almejar posições de maior prestígio social, o que pode ser visto pelo nível educacional.

Vimos também, no capítulo anterior, que os candidatos fazem parte de um grupo

Page 100: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

99

bastante heterogêneo com relação à educação que vai de ensino superior incompleto,

especialização, mestrado à pós-doutorando.

Ademais, existe uma importante produção acadêmica que estuda e tem

denunciado as desigualdades raciais no Brasil (Hasenbalg, 1979; Hasenbalg & Silva,

1991; Soares, 2000; Henriques, 2001; Queiroz, 2002; Paixão, 2003). Estudos sobre

mobilidade social e pobreza (Hasenbalg & Silva, 2003) analisando a falta de

oportunidades desse contingente populacional que mesmo de posse de requisitos

necessários para competir no mercado de trabalho com outros membros da sociedade

encontra obstáculos em função da cor e/ou da raça.

Como demonstram alguns estudos, os negros vêm acumulando desvantagens ao

longo das gerações e precisam de oportunidades para reve lar suas qualidades,

potencialidades e mostrar seus talentos. Portanto, essas desvantagens dos negros têm

sido argumentos para as pessoas que se manifestam favoráveis às políticas de ação

afirmativa, contando como o reforço de dados quantitativos e pesquisas qualitativas

fundamentadas em diferentes indicadores sociais que evidenciam essas “desvantagens

cumulativas” da população negra “ao longo do ciclo de vida individual” (Hasenbalg,

1995). Para Carlos Hasenbalg e Nelson do Valle Silva (1999) “a discriminação racial

funciona como instrumento de desqualificação de grupos sociais no processo de

competição por benefícios simbólicos e materiais, resultando em vantagens para o grupo

branco em relação ao grupo “não-brancos” (pretos e pardos) na disputa por benefícios;

(...) que a discriminação e o preconceito raciais estão intimamente associados à

competição por posições na estrutura social, refletindo-se em diferenças entre os grupos

de cor no processo de mobilidade social”. Para esses autores, “as evidências empíricas

permitiram caracterizar os grupos “não-brancos” como estando sujeitos a 'um processo

de cumulação de desvantagens' ao longo de suas trajetórias sociais”. (1999: 217-218); e

têm experimentado um déficit considerável de mobilidade social ascendente, o que

permite rejeitar a hipótese de igualdade de oportunidades para os diferentes grupos de

cor.

O que estamos tentando argumentar é que, apesar do “grupo” não ter

representação social como integrante da “classe média negra” brasileira - por mais

importante que isso possa representar, pois indica consciência social de “grupo” e,

conseqüentemente, o reconhecimento da “classe para si” que luta conjuntamente por

Page 101: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

100

iguais oportunidades -, existe uma demanda crescente por parte da “classe média negra”

intelectualmente preparada para assumir postos de comando em instituições da estrutura

social, mas que por razões da cor e ou/da raça, ou seja, da discriminação racial e do

racismo “institucional”, da sociedade brasileira, é preterida e, com isso, não tem chances

e oportunidades de mostrar seus talentos e qualidades.

É um grupo que não tem consciência dos “bens adquiridos”, como bens

educacionais, e reclama da inexistência de “bens herdados” para que possa concorrer

em igualdade de condições com os outros segmentos da sociedade. Um grupo

intelectualmente preparado, mas que reconhece a “privação relativa” sofrida para

alcançar posições e cargos de destaque na sociedade e, por isso, encontra-se no

programa de Ação afirmativa do Instituto Rio Branco chances e tem expectativa de

integrar o corpo diplomático para “fazer a diferença”. São inúmeros os motivos e as

expectativas dos candidatos ao programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco ao

almejarem ingressar no Itamaraty, como veremos a seguir.

3.2- MOTIVOS E EXPECTATIVAS COM RELAÇÃO À CARREIRA DE

DIPLOMATA.

As desvantagens apontadas por vários pesquisadores da questão racial não

impedem os candidatos interessados na carreira de tentar ultrapassar barreiras impostas

pela sociedade para conquistar espaços. Alguns têm se esforçado para ingressar no

Itamaraty participando do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata anualmente,

contudo, sem lograr aprovação. No entanto, não desistem de perseguir seus sonhos. A

oportunidade oferecida pelo Instituto Rio Branco, como vimos no primeiro capítulo, é

encarada positivamente no sentido de reforçar os estudos através da aquisição de livros

e materiais bibliográficos caros por meio dos recursos financeiros oferecidos pelo

programa. Pelas entrevistas e redações pudemos observar que boa parte dos bolsistas

não tinha a Carreira de Diplomata como meta, mas alguns pensaram em ser diplomata

em função do interesse pelas relações internacionais e pela política externa

desenvolvida pelo Brasil, e, para isso, realizaram várias vezes o Concurso de Admissão

à Carreira de Diplomata.

Atualmente a presença constante dos diplomatas na mídia escrita e falada e a

divulgação de resultados positivos em negociações realizados pelo Itamaraty têm

chamado muita atenção e incentivado os interessados nesses assuntos a procurar mais

Page 102: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

101

informações sobre a carreira. Para uma das bolsistas, as negociações bilaterais e

multilaterais e o impulso dado pelo governo a certas questões, sem deixar de buscar

soluções pacíficas para as controvérsias, despertaram nela o interesse pela carreira.

Nesse sentido, a bolsa significa um grande incentivo e expectativas positivas nos

resultados. Com relação a esse aspecto, os bolsistas têm expectativas de fazer parte do

grupo seleto e socialmente reconhecido, não somente para representar e defender os

interesses do Brasil no exterior, mas, principalmente, em poder contribuir para

representar a diversidade cultural do país no exterior e representar, particularmente, a

população negra “privada relativamente” de ingressar na Carreira de Diplomata e

exercer cargos importantes de representação.

A ênfase em representar a população negra se faz sentir com muita força na

grande maioria as redações; há uma consciência social e política muito grande nesse

grupo em particular, um sentimento de pertencimento a um grupo discriminado e a

necessidade de mostrar capacidade e qualificação para ingressar na Carreira através da

oportunidade oferecida e fazer a diferença. Havia essa necessidade, compromisso de

fazer a diferença, de mostrar que oportunidades permitem a real disputa por espaços na

estrutura social, como veremos em um dos depoimentos sobre a importância da política

de ação afirmativa para o Instituto Rio Branco. Esse “sentimento de grupo” aparece com

muita força e parece ter criado um grupo no sentido sociológico da expressão, um grupo

que por meio de contatos online - diplomacia “afro-descendente” - trocavam

informações, dicas de textos e de leituras, etc. Tudo indica que conseguiram unir

esforços para se ajudarem na empreitada que é o processo de preparação para a seleção

realizada anualmente pelo Instituto Rio Branco para a Carreira de Diplomata.

Nós, a primeira leva de bolsistas, levávamos uma carga enorme conosco. Nós nos

sentíamos no compromisso de fazer essa diferença, então, nós não só estávamos nos

cobrando de passar na prova do Rio Branco e nos tornarmos terceiros Secretários,

como durante o percurso de estudo, de preparação e tal, nós tínhamos esse discurso

mesmo, a postura de ter acima de tudo s questão racial como nossa bandeira, a nossa

luta. Nós éramos isso, a consciência pura do papel que nós tínhamos a cumprir;

agora isso parece estar diluído. Então exatamente por ter essa noção é que digo que

vai ser um longo processo de desmontar, desmontar não, mas transformar. E isso

não é tarefa para um, e que não é tarefa só dos que tiveram lá dentro, mas sim de

todos. E tem que ser uma política de estado, não pode ser uma política de um

governo, ou de só uma direção do Instituto Rio Branco.

Page 103: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

102

Os motivos e as expectativas são variados, como poderemos verificar nas

próximas linhas, a saber: experiências internacionais tanto acadêmicas como

profissionais; missões de trabalhos no exterior na área de negociação internacional e na

área de representação de instituições do governo e não governamentais (ONGs) em

intercâmbios culturais; interesses pelas as relações, negociações e acordos

internacionais até a representação feminina da população negra, ainda excluída das

esferas do poder. Outras motivações para ser diplomata, além dos acima mencionados,

estão relacionadas à interação cultural, ou seja, a descoberta e o convívio com a

diversidade cultural doméstica e intercâmbio com culturas de outras nações.

Podemos ver pelas redações que boa parte dos bolsistas são pessoas viajadas,

conhecem culturas diferentes e conseguem se comunicar em mais de um idioma. Nesse

sentido, “a carreira se mostra plena de desafios” e possibilita uma formação contínua e

progressiva, “crescimento da conscientização de estar no mundo, permitindo uma

“ampliação de visão de mundo”. A carreira é vista como uma possibilidade de colocar

os conhecimentos e experiências adquiridas ao serviço do Estado Brasileiro e contribuir

efetivamente para a “busca da superação das desigualdades” que também se manifestam

na representação do Brasil no exterior; além do Brasil poder “apresentar-se

internacionalmente como uma verdadeira democracia multi- racial”. Para um dos

bolsistas a consolidação da luta por igualdade de oportunidade para a população

“afro-descendente” passa pela a adoção de ações institucionais direcionadas, voltadas

a concretizar a formação de uma sociedade com perfil democrático em que diferenças

contribuem para o fortalecimento da população brasileira. Outros desejam ser

diplomatas devido a não representatividade do negro nos altos escalões do Estado

Brasileiro e para lutar pela igualdade e “justiça social’; “considera de importância

fundamental que todo o corpo diplomático de uma nação represente a composição

étnica e cultural diversificada que caracteriza o país e os “afro-descendentes”. Outros

ainda querem ser diplomatas porque acreditam possuir os pré-requisitos exigidos pelo

Instituto Rio Branco tais como: formação superior, conhecimento cultural e político de

caráter geral e experiências adquiridas ao longo da formação acadêmica, etc.

A minha atuação no corpo diplomático com colegas negros e não negros

poderá ajudar a trazer transformações positivas (a própria presença de

negros no Itamaraty serve de exemplo de aberturas necessárias e

Page 104: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

103

coerentes) que altere a realidade incômoda em que vivem a raça negra e

outros segmentes da sociedade brasileira, colaborando na efetiva

construção de uma vocação vencedora do país.

Acredito que todo o afro-descendente que tem acesso à educação de

qualidade e dignas condições de existência deve ter como missão atuar

no sentido de buscar melhorias para a qualidade de vida dos demais

negros brasileiros. Dessa forma a carreira pode ser fundamental para que

os negros abram portas para reflexões acerca do seu papel na sociedade

e pode possibilitar colaborações dos diplomatas negros na construção de

ações que determinem uma mudança de postura da sociedade brasileira

em relação a sua raça e melhorias para toda a sociedade brasileira.

Está claro que todos aqueles que ingressam na Carreira de Diplomata tem como

fim último representar bem e defender os interesses do povo brasileiro no exterior, além

das oportunidades fornecidas pela carreira de poder transitar em “altas rodas”, de estar

mais próximo do poder e de desfrutar do prestígio social e da “celebridade” (Mills,

1968); ou ainda, de ver e ser visto como um ser humano que se distingue pelos modos

aristocráticos adquirido ao longo dos anos de formação e treinamento. Alguns chegam a

se referir ao “glamour” da carreira, às viagens, às festas, etc.

Ter consciência de que estar no Itamaraty significa estar em um espaço

privilegiado e estratégico para lutar contra as desigualdades, fazer a diferença e

representar a população negra sub-representada, parece ser um aspecto comum aos

bolsistas que servem de incentivos e alimentam as suas expectativas. A ênfase na

representação da população negra prevalece em todas as redações sobre os motivos e

expectativas em querer ser diplomata. Portanto, a ação afirmativa para o Instituto Rio

Branco chega como uma esperança de conseguir corrigir as desigualdades sociais e

raciais presentes na sociedade brasileira a partir de oportunidades de acesso a espaços e

cargos importantes da estrutura social. Perante a isso, podemos perguntar: o que

significa a ação afirmativa para o Itamaraty?

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104

3.3 - ITAMARATY E AÇÃO AFIRMATIVA

Lendo uma dissertação de mestrado sobre a socialização dos novos integrantes

do Itamaraty na qual a autora faz uma linda descrição do rito de passagem, “o maior

ritual da ‘Casa de Rio Branco”, a formatura dos alunos41 do Instituto Rio Branco e da

Cerimônia de Imposição de Medalhas da Ordem de Rio Branco (Cristina Patriota, 1999)

realizado no Palácio do Itamaraty, chamou-nos atenção o fato da autora ser “filha, neta,

sobrinha, prima de pessoas que se definem como diplomatas brasileiros”, do estudo se

“confundir” com a própria trajetória pessoal da autora (idem:2). Ela estava presente na

noite da cerimônia de homenagens e entrega de medalhas como antropóloga e como

filha e neta de diplomatas que seriam agraciados naquela noite. A partir dessa

constatação, começamos a pensar se havia alguma pressão por parte da família no

sentido de ela seguir a tradição familiar, afinal, nasceu em um ambiente que conspirava

nessa direção. Instantes depois pensamos na facilidade que ela teria em conseguir

aprovação para ingressar no Itamaraty, por prover de uma família com uma rede de

relações que lhe poderia ser favorável e de um ambiente estruturado de “elite”.

Refletindo um pouquinho mais sobre essa questão, ocorreu-nos que

provavelmente, e tudo indica que sim, existem famílias com tradição em carreiras de

elite, carreiras de grande prestígio social como a Carreira de Diplomata, a Magistratura,

o Exército, etc., que se reproduzem dentre delas, nas quais os filhos começam a ser

preparados desde muito cedo para substituir os pais, os avós, e dar prosseguimento à

seletividade da instituição. No estudo acima referido, esse aspecto se evidencia, embora

a autora não acredite nessa possibilidade, “a idéia que os diplomatas formam uma elite,

portanto, não passa necessariamente pela noção de sangue e hereditariedade, mas das

capacidades intelectuais dos indivíduos que compõem o corpo diplomático. Temos,

portanto, um grupo de status cujos membros são recrutados pelo mérito individual e não

por pertencerem a famílias de bem” (idem, 32). Esse ponto é extremamente importante

41 Ao ser admitido no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, o candidato “torna-se automaticamente um funcionário de carreira de diplomata do serviço exterior”. No entanto, ele não é identificado como um “diplomata” mas como um “alunos do Rio Branco”, ou na melhor das hipóteses, um Terceiro-Secretário” o que tem um significado muito específico entre os diplomatas (Cristina Patriota 1999:59). Para demonstrar a rigorosa hierarquia no Itamaraty para o novo membro, a autora reproduz um diálogo entre um embaixador e um candidato. Através do diálogo o candidato percebe sua posição no corpo diplomático e a maneira como é visto pelos diplomatas. Embaixador: Depois que você passar no concurso o que acontece? Candidato: eu viro diplomata. Embaixador: Não, você vira Terceiro-Secretário. Para ser diplomata ainda vai demorar muito (Idem).

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105

porque aponta aspectos relevantes na tentativa de um melhor entendimento da seleção

realizada anualmente pelo Instituto Rio Branco para escolher novos integrantes do

corpo diplomático.

No artigo Seleção e partilha: excelência e desigualdades sociais na

universidade, Gláucia Villas Bôas (2001) aponta duas visões existentes sobre a “tese do

nivelamento” das desigualdades sociais nas universidades. Na primeira, acredita-se que

os exames de vestibular exigidos para o ingresso nas instituições de ensino e

posteriormente a aquisição do diploma universitário nivelam as desigualdades sociais

entre os alunos, e que, portanto, não é relevante falar em desigualdades sociais nas

universidades. A outra visão que contraria a “tese do nivelamento” é a da Pierre

Bourdieu segundo o qual, “o sistema de ensino superior, através de rituais de iniciação e

seleção, reproduz a grande partilha feita fora da universidade e antes do ingresso do

estudante na instituição” (Villas Boas, 2001:97). Poderíamos analisar o processo de

seleção feita pelo Instituto Rio Branco a partir dessas duas visões: primeiro, o concurso

é público, portanto, aberto a todos os interessados na Carreira de Diplomata, e até à

Terceira Fase, as provas são anônimas contendo simplesmente o número do candidato -

a identificação do candidato torna-se pública no momento do anúncio dos resultados

(Patriota, 1999). Portanto, tecnicamente, não haveria como privilegiar e selecionar

filhos e netos dos componentes do corpo diplomático pelo anonimato das provas, já que

tal permite a avaliação do mérito e da capacidade intelectual dos candidatos

indistintamente.

No entanto, na prática, os critérios de seleção dos novos integrantes do corpo

diplomático brasileiro podem ser pensados da perspectiva de Pierre Bourdieu - com

relação à seleção realizada pela universidade, segundo a qual os estudantes

universitários franceses eram os “herdeiros”, ou seja, a “sociedade mantinha seus

estratos sociais privilegiados ricos e bem educados nos mesmos lugares sociais; e que

ela reproduzia sua elite pensante, distinguida pelo refinamento do modo de agir,

maneiras de pensar, gosto pela arte, elegância, temor do excessivo/excesso das melhores

técnicas de auto-controle” (Villas Bôas 2001:107).

Se os estudantes franceses podem ser considerados como “herdeiros” de um

círculo de relações prestigiosas, domínio de uma tradição cultural, o gosto refinado pela

música erudita, pintura e teatro, linguagem culta, etc. (Bourdieu apud Villas Boas,

2001), e o mesmo não pode ser dito sobre a grande maioria dos estudantes nas

universidades brasileiras, é possível identificar estilos e comportamentos próprios em

Page 107: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

106

outras profissões de prestígio social como no Exército, na Marinha, nos profissionais do

Direito, no Itamaraty, etc.

Os modos aristocráticos do Itamaraty são referidos no texto de Cristina Patriota

(1999); mas, é interessante ressaltar a observação de um diplomata referindo-se a outro

“um inteligente colega britânico que foi meu amigo no Rio e por toda a vida, Sir

Kenneth Gordon James, observou certa vez, com espírito, que o Itamaraty era o que de

mais próximo a um clube inglês ele conhecera no Brasil” (Penna, 2001:3). Segundo

Patriota,

“Os diplomatas, no entanto, se apresentam muitas vezes de forma

àquela identificada por Elias (1986) em ‘A Sociedade de Corte’ em relação à

nobreza. O ‘Itamaraty’ é, além disso, fruto de um processo histórico onde

houve, de fato, uma fase quando os diplomatas eram todos membros da corte

do Imperador. Mas que isso, no entanto, os membros do corpo diplomático

brasileiro conseguiram se estabelecer como um ‘estamento’ que se caracteriza

por uma visão de mundo e estilo de vida particulares que compõem um ethos

que guarda certas semelhanças com o ethos cortês” (Patriota, 1999:32).

Da perspectiva de Bourdieu, é possível dizer que os critérios de seleção do

Instituto Rio Branco - criado em 1946 - reproduzem uma estrutura rigorosamente

elaborada que “facilite”, consciente ou inconscientemente, os candidatos social e

culturalmente privilegiados, aqueles de origem social mais elevado. Apesar das

mudanças realizadas atualmente visando a democratização do acesso à Carreira de

Diplomata, como a retirada do caráter eliminatório da prova de francês, na década de

noventa, e o de inglês em 2005, (a prova de inglês tornou-se eliminatória na mesma

década em que francês passou a ser classificatória), sob os mesmos argumentos de

tornar o concurso menos elitista, o processo seletivo para o Itamaraty continua

extremamente elitista. É possível sugerir que somente os candidatos em potencial

logram aprovação no concurso porque são basicamente os “herdeiros da profissão”,

aqueles que passaram a vida toda se preparando para assumir os postos de comando

(substituir os pais, “herdar a propriedade dos pais”). Por mais que possamos evidenciar

candidatos de uma “classe média negra” intelectualmente preparados precisando de

oportunidades para demonstrar suas qualidades e talentos, e isso é o que está sendo

oferecido atualmente pelo programa de ação afirmativa para o Instituto Rio Branco,

historicamente não existem famílias negras que tem como tradição familiar à Carreira

Page 108: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

107

de Diplomata, como no exemplo acima referido. Haja visto que, até hoje, não existem

negros embaixadores (embaixador de carreira) - estágio mais elevado da carreira. Até

hoje, o corpo diplomático brasileiro conta com cerca de 1% de negros representando um

contingente populacional negro de cerca de 45% da população brasileira. Pelas

entrevistas, é possível perceber que muitos não tinham como meta à Carreira de

Diplomata:

Eu nunca tive objetivamente direcionada para a Carreira de Diplomata. Fui fazer

letras porque realmente queria ser tradutora que é a minha vocação. Nunca tive

como foco a esta carreira. A questão da carreira diplomática surgiu por conta da

minha trajetória dentro das ONGs, na área da cooperação internacional.

Outros, porém, acalentam o sonho e o interesse pela carreira sem, contudo, se

enveredar por esse caminho, como demonstra uma outra participante do programa de

ação afirmativa.

Obtive as primeiras informações sobre a carreira um pouco mais nova – ocorre que

uma de minhas tias mora em Brasília, e em várias viagens que fiz durante a

adolescência, tive a oportunidade de apreciar, estudante que era (e ainda me considero,

sempre digo que vim ao mundo a estudo) e prestes a escolher uma carreira a seguir, o

funcionamento das complexas ligações do Governo Federal com seus diversos setores

- minha tia trabalha no Conselho de Administração e quase toda a minha família é

ligada ao exercício do Direito e do Serviço Social, salvo algumas exceções. Naquele

momento, entretanto, devido à minha excessiva juventude, considerei a questão muito

além do meu alcance, e adormeci alguns "sonhos". Mas semp re nutri esse anseio de

servir ao país (da forma que fosse) e buscar a justiça social através da interface entre

Brasil e outras culturas, no sentido de ampliar horizontes históricos e sociais. (...) Ao

amadurecer um pouco mais, apesar dos revezes da vida que acabam nos levando por

outros caminhos, foi inevitável a reaproximação com as minhas mais profundas

vocações e me reaproximei do serviço público através do desejo de prestar concurso

para o Rio Branco.

No entanto, o fato de não existir “boa” referência do negro no Itamaraty (em

termos quantitativos), não significa a falta de competência e qualificação para

desempenhar cargos que demandem grande responsabilidade, ao contrário do que a sua

fraca representatividade possa deixar transparecer. Essa sub-representatividade também

não se deve à falta de interesse e empenho dos negros em ingressar no Itamaraty, pois,

Page 109: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

108

como vimos, há negros tentando ingressar na carreira, mas são pouquíssimos logram

sucessos. Desde 1998 presto concurso de admissão do Instituto Rio Branco, mas devido

à ausência de cursos e professores especializados em preparar candidatos ao concurso,

e devido aos altos custos dos livros e manuais, venho-me preparando por conta

própria.

Se existe um grupo da “camada média negra” intelectualmente preparada

demandando ingressar no Itamaraty, como avaliar essa fraca representatividade dos

negros nessa carreira do estado? Como conceber uma sociedade considerada a que

possui o segundo maior percentual de negros no mundo, depois da Nigéria, ter apenas

1% deles representado no seu corpo diplomático? É nesse sentido que falamos de

“privação relativa” para conseguir posições e cargos de direção, e, principalmente, em

ingressar em carreiras de grande projeção, carreiras consideradas de grande prestígio

social como a de diplomata. Para examinar essa questão, perguntamos aos bolsistas:

acha que o negro sofre de privação para alcançar determinados postos ou carreiras na

sociedade brasileira, porquê?

Dez meses de bolsa não são suficientes visto que a pessoa que concorre a essa bolsa

de uma, por mais que seja advogado, engenheiro, médico, o seu ambiente da

família, a tradição da família não tem nada disso. Nós, eu sou a primeira geração da

minha família a entrar na universidade. Eu não tive informações de meu pai, da

minha mãe a respeito de uma série de coisas, e meu filho que já nasceu por conta da

minha formação e a do pai dele em outro universo, já encontra tudo pronto (uma

estrutura pronta). Então, a desvantagem nossa é muito grande, então não há como

recuperar isso em 10 meses de bolsa. São muitas as vantagens para os outros (os

brancos) e essa questão que as condições dos brancos já é preparado de berço o que

significa que ele pode optar, tem vários casos de pessoas que vem de famílias de

diplomatas, mas não querem ser diplomata, quem quer e o pai e a mãe. Então ele faz

o concurso não passa, faz não passa (...).

Então essa questão da auto-estima é muito importante, porque você já nasce

como alguém dizendo para você ‘você terá um futuro brilhante, você vai vencer’,

enquanto que no nosso meio você tem outro discurso, outro estímulo desde criança

‘você tem mais é que trabalhar porque você tem que sobreviver é diferente. Então

você já nasce achando que não tem opção pelo seu desejo, que sua opção é pela

sobrevivência, então você se submete, muitas vezes, a vários tipos de trabalhos que

não tem nada haver com a sua vocação e o seu desejo, mas que você tem que

garantir o que comer, onde morar. Não há mente suplementar. Nenhum de nós foi a

universidade e passava a tarde estudando.

Page 110: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

109

Esse depoimento expressa consciência social e política das dificuldades que os

negros enfrentam para transpor barreiras, para transformar a educação em posições na

estratificação social, conforme inúmeros estudos sobre as desigualdades raciais e

mobilidade social dos negros. Como apontam Carlos Hasenbalg (1995) e Hasenbalg e

Silva (1999) em várias pesquisas, “os resultados das pesquisas recentes são de estarrecer

os que ainda acreditam na neutralidade do critério racial em matéria de apropriação

das oportunidades sociais. Elas demonstram que os negros e mestiços (pretos e pardos

na definição oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, ou não-

brancos, como são chamados aqui alternativamente) estão expostos a desvantagens

cumulativas ao longo das fases do ciclo de vida individual, e que essas desvantagens

são transmitidas de uma geração para outra (Hasenbalg, 1995: 239).

Portanto, no caso do Itamaraty, é evidente a “privação relativa” dos negros em

conseguir ingressar na carreira já que não é tradição familiar direcionar os objetivos,

desde muito cedo, para se preparar para a carreira, visto não existirem referências de

diplomatas na família. Tudo leva a querer que a grande maioria das famílias negras não

freqüenta “altas rodas” de poder, prestígio e celebridade (Mills, 1968); não esta

familiarizada com a “distinção”, tendo como “grupo de referência” a elite branca; e,

conseqüentemente, não dispor de redes de influência e prestígio. Provavelmente, a

inexistênc ia dessas redes sociais é efetivamente uma grande desvantagem para os

negros que queriam fazer parte desse “grupo de status” que compõe o corpo diplomático

brasileiro. Esse aspecto é reconhecido pelos bolsistas que também reconhecem que para

conseguir algum sucesso em ingressar na carreira, são necessários planejamentos de

médio e longo prazo para uma formação mais sólida. Eles observem que existem certas

aspectos e informações que devem fazer parte da contínua formação da criança e do

adolescente para que estejam solidificados na fase adulta; coisas que, segundo alguns

bolsistas, não se adquirem em dez meses de preparação.

Não tenho a ilusão que os mais jovens provavelmente têm de que bastam dois

anos de intenso estudo para passar - a prova do Rio Branco é a demonstração do

conhecimento adquirido de uma vida inteira, e talvez justamente por isso ela seja

extremamente elitista. Os filhos das famílias negras e/ou mais pobres estão

procurando emprego quando deviam estar estudando ou estudando em escolas de

menor qualidade na formação geral, enquanto os filhos de famílias mais abastadas

Page 111: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

110

(e isso gera uma tradição de famílias inteiras ligadas à Diplomacia) têm mais

tempo e dinheiro para estudar e viajar.

*

Não estou pensando em me candidatar de novo. Para mim, esse é um projeto de

médio a longo prazos, agora preciso fazer outras coisas: trabalhar, ganhar

dinheiro porque não faço parte dessa elite, porque a maioria dos meus colegas só

estudam. Mas é um planejamento a médio e longo prazo.

*

A desvantagem nossa é muito grande, então não há como recuperar isso com 10

meses de bolsas. São muitas as vantagens para os outros (os brancos), é a questão de

que os brancos já são preparados do berço o que significa que ele já vem com a

auto-estima preparada, estruturada para tal. Ele pode optar (...).

Os bolsistas sentem-se privados relativamente tendo como “grupo de referência”

os brancos que se candidatam para a Carreira de Diplomata. Conforme observado por

Hasenbalg & Silva (1999), os “não-brancos” têm experimentado um déficit

considerável de mobilidade social ascendente, o que permite rejeitar a hipótese de

igualdade de oportunidades para os diferentes grupos de cor (os grifos são nossos).

Portanto, dificilmente os candidatos ao “Programa Bolsa-Prémio de Vocação para a

Diplomacia” implementado pelo Instituto Rio branco a partir de 2002 vão competir em

“igualdade de condições” com os “herdeiros da profissão”. Ademais, apenas dez meses

de bolsa não garante e nunca vai garantir uma competição igualitária entre “herdeiros da

profissão” e os negros da “classe média negra” ou outros candidatos menos

privilegiados econômicas, educacionais, sociais, etc. – os segmentes os brancos e os

“não-brancos” pobres - da população brasileira.

O processo de mobilidade para posições e cargos de maior destaque na

sociedade brasileira é difícil, porém, não é impossível, depende somente de

oportunidades, mesmo referindo-se a “classe média negra”. É em função dessa

“privação relativa” enfrentada pelos negros que as ações afirmativas justifiquem-se;

funcionam para fazer “justiça social” à população discriminada e sem oportunidades,

como podemos verificar pelas a avaliação do programa feita pelos bolsistas.

Page 112: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

111

3.3.1 Avaliação do programa pelos bolsistas

Pedimos aos bolsistas que avaliassem o programa de ação afirmativa do Instituto

Rio Branco em termos da sua eficiência tal como pode ser visto nas perguntas

formuladas: que avaliação você faz dessa política de ação afirmativa para “afro-

descendentes” no Instituto Rio Branco (IRBr)?; na sua opinião esta política de ação

afirmativa do IRBr traz efetivamente benefícios para os negros?; se você considera

insatisfatória a ação afirmativa implementada pelo IRBr, quais as suas sugestões para

uma política de integração da população negra no corpo diplomático brasileiro?

Há um consenso geral de que o programa é positivo pelo fato de proporcionar a

auto-classificação e a conscientização do problema racial no Brasil. Algumas críticas

dizem respeito à restrição da bolsa direcionada tão somente para a compra de livros e

materiais bibliográficos e a pouca duração dela. Avaliam-na como satisfatória, mas não

como eficiente por não proporcionar efetivamente a “igualdade de condições” em

somente 10 meses de preparação. Todos são favoráveis às políticas de ação afirmativa

que possibilitem oportunidades. Porém, um é favorável à ação afirmativa por ser “uma

política mais aberta”, mas é contra a política de cotas. Outro bolsista sugere cotas para o

concurso de Instituto Rio Branco como a argumentação de que o programa muito mais

do que um direito dado é um direito conquistado.

Acho satisfatório, mas tecnicamente eu sugiro uma alteração - ele tem que cobrir

os custos integrais do estudante durante sua vigência. Há pessoas que têm contas

a pagar, e não podem se dar ao luxo de parar de trabalhar para apenas estudar - o

grande problema das classes menos abastadas que vários já explicaram com muito

mais consistência do que eu -, a menos que a bolsa cubra integralmente

(consideradas as devidas necessidades, e estabelecendo um teto de gastos) o

aluno. E por um período maior. Aí, sim, vamos ter resultados maiores em

quantidade e qualidade.

Aquele que teve dez meses e plantou em si uma semente, quem sabe, daqui a uns

quatro anos, passe em boa colocação. Isso, pra mim, é educar - é preciso

disciplina, longevidade e disposição. Tanto do Rio Branco, quanto das

autoridades competentes e, principalmente, do postulante. A bolsa é um paliativo,

uma atadura numa ferida que precisa de antibiótico. Pode aplacar o ferimento sem

curar, mas pelo menos protege do aumento da infecção.A cura vem da

administração de drogas e da reação do próprio organismo.

*

Page 113: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

112

Avalio positivamente pelo fato do IRBr ser historicamente uma instituição da elite

brasileira. Todavia, a maneira como o programa foi implantado, para a primeira

turma na qual eu participei, demonstrava a falta de conhecimento sobre a realidade

de vida dos negros. Poucos puderam parar de trabalhar – ao contrário do que vemos

nos cursos preparatórios, os candidatos brancos dedicam-se apenas aos estudos e

poucos, da minha sala continuavam trabalhando.

A bolsa deveria cobrir a subsistência dos candidatos e a compra de livros. Não sei

como está agora, mas isso foi falado por mim nos meus relatórios e por outros

bolsistas também.

O Programa traz benefícios aos negros porque, mesmo aqueles (como eu) que não

passaram, tiveram a oportunidade de aumentar seu conhecimento e se preparar para

o mercado de trabalho global.

A ação afirmativa é aceita como um meio estratégico que fornece oportunidades

aos negros que sofrem “privação relativa”, que tem “capital educacional”, mas não têm

oportunidades para mostrar seus talentos e qualidades por causa do racismo e da

discriminação racial. No geral, o programa de ação afirmativa para o Instituto Rio

Branco é avaliado positivamente pelos bolsistas e pelo movimento negro, apesar deste

lutar por cotas no Itamaraty. Para os bolsistas, o conhecimento adquirido ao longo do

processo de preparação é muito importante não somente por permitir a ampliação do

conhecimento, em várias áreas como Direito, Relações Internacionais, etc, o que

permite possíveis tentativas com maiores sucessos nos próximos Concursos do Instituto

Rio Branco; por possibilitar a abertura de novos horizontes, novos caminhos, novos

projetos de vida; mas principalmente por trazer a tona à discussão sobre os problemas

raciais no Brasil.

Conclusões

Como demonstra Cristina Patriota (1999) através de entrevistas feitas com

alunos do Instituto Rio Branco, o Programa de Formação e Aperfeiçoamento – Primeira

Fase (PROFA-1), ministrado pelo Instituto Rio Branco, praticamente não tem

funcionalidade, ou seja, não exige tanto esforço dos alunos que justifique tamanha

exigência dos candidatos para que possam acompanhar as matérias do curso ao ser

aprovado no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata. Esse aspecto fica bem

evidente num dos depoimentos colhidos pela autora: “É lógico que eu sofro, que tenho

Page 114: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

113

horas que eu não tenho a menor vontade de fazer as coisas. Principalmente porque o

Rio Branco é um curso muito pobre do ponto de vista acadêmico, é muito pobre. No

fundo a função desse curso é te classificar. È um curso muito pobre que me acrescentou

(...) algumas coisas, mas acrescenta muito pouco. Eu tenho a impressão que se eu

ficasse na minha casa lendo o que eu queria ler eu teria aprendido muito mais e me

desenvolvido muito mais que se eu tivesse no Rio Branco”. Esse depoimento mostra que

o curso do Instituto Rio Branco é realmente fraco do ponto de vista acadêmico o que,

sem sombra de dúvida, poderia ser dispensado, ou, na melhor das hipóteses, ser

reestruturado para fazer jus ao elevado nível cultural e intelectual exigidos aos

postulantes.

Tudo indica que o curso é um “adestramento” dos alunos ao “ethos” e “visão de

mundo” da “Casa” (Patriota, 1999), aspecto que, segundo a autora, é mais importante

do que estudar as matérias das aulas. Comentando o depoimento do entrevistado a

autora argumenta “ele está certo, mas não somente no que se refere a classificar os

alunos de acordo com as suas notas no Programa de Formação e Aperfeiçoamento –

Primeira Fase (PROFA-1). A classificação implica muito mais que isso. O PROFA-1

ajuda as pessoas a se encaixarem nas ‘classes’ atribuídas a elas pela Casa, assim como

aprender esse sistema de classificação e situar os outros dentro dele”. Se a questão é o

“adestramento” dos alunos no “estilo de vida”, no “ethos” e na “visão de mundo” da

“Casa de Rio Branco”, do Itamaraty, não parece pertinente colocar os alunos, por dois

anos de sua vida, confinados em salas de aulas fazendo matérias que já exaustivamente

estudadas para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata se essas, praticamente,

não acrescenta muita coisa ao conhecimento adquirido até então, segundo o depoimento

do entrevistado da autora.

Assim, acreditamos que o concurso não precisaria exigir um nível tão elevado de

formação cultural e intelectual, afinal aqueles que são admitidos no concurso do

Instituto Rio Branco têm dois anos do Programa de Formação e Aperfeiçoamento –

Primeira Fase (PORFA-1) até serem designados para funções no exterior. Ademais, tais

exigências não são argumentos de que, sem elas, os candidatos não acompanharão o

nível elevado do curso ministrado pelo Instituto Rio Branco, a não ser que queiram

privilegiar os “herdeiros da profissão” e, portanto, reproduzir a elite burocrática do

Itamaraty e dificultar a entrada de “estranhos”.

Pois, assim, como a universidade seleciona e partilha os bens educacionais,

reproduzindo a partilha de bens anteriormente realizada pala sociedade (Villas Bôas,

Page 115: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

114

2001), o Itamaraty também reproduz a sua elite aristocrática, e, com isso, o racismo e a

discriminação racial são reproduzidos quase que “naturalmente” através do seu sistema

de seleção. O concurso realizado anualmente pelo Instituto Rio Branco escolhe os

“herdeiros”, já que estes são preparados desde a tenra idade para seguir a tradição

familiar. Os negros, por não possuírem ainda uma tradição familiar de seguir a Carreira

de Diplomata, são “naturalmente excluídos”. Destarte, mesmo não sendo declarado

publicamente que os negros não podem fazer parte do corpo diplomático brasileiro por

causa da sua cor ou raça, os critérios de seleção do Instituto Rio Branco “naturalmente”

os exclui. Portanto, o Itamaraty fecha a suas portas não pelo racismo explícito, mas sim

do reproduzido implicitamente pela sociedade brasileira, por meio de “barreiras

naturais”, como também pelo seu caráter aristocrático e elitista expresso no seu

processo de escolhas de seus novos membros.

Embora já citada, no primeiro capítulo, nunca é demais repetir as palavras do

diplomata M. Pio Corrêa dado a sua relevância e postura frente ao programa de ação

afirmativa para o Instituto Rio Branco, o que não expressa a posição do corpo

diplomático em si, mas, ao nosso ver, revela claramente o caráter elitista do Itamaraty.

A presente medida é, portanto, inútil, além de injusta, de vez que

existem pelo menos tantos euro-descendentes quanto afro-descendentes em

níveis culturais deficientes. Aliás, a qualificação ideal para o Instituto Rio

Branco não é apenas questão de desempenho acadêmico. Ela requer uma

certa bagagem cultural que não se adquire em cursinhos improvisados. Ela

vem do seio de famílias, às vezes muito modestas, mas informadas e

instruídas, de lares onde existem estantes de livros e conhecimentos gerais

sobre o mundo em que vivemos.

O diplomata é chamado a conviver com as camadas mais cultas dos

países onde serve. É bom que esteja preparado para isso. Não me parece

interessante ir buscar deliberadamente candidatos subprivilegiados

culturalmente, independentemente de sua origem étnica.

Page 116: LIMA, Vera Lúcia A. R. A Inserção do negro na Carreira de Diplomata

115

CONCLUSÃO GERAL

Neste trabalho discutiu-se o programa de ação afirmativa “Bolsa-Prémio de

Vocação para a Diplomacia”, implementado em 2002 pelo Instituto Rio Branco, que

tem como meta beneficiar “afro-descendentes” que queiram se preparar para o

Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata. Observamos que este programa do

Instituto Rio Branco faz parte de uma série de projetos elaborados no governo de

Fernando Henrique Cardoso cuja me ta seria a “Valorização da População Negra”. A

quando do lançamento do programa, Fernando Henrique Cardoso observou-se a

necessidade de uma representação mais diversificada do Brasil “Precisamos ter um

conjunto de diplomatas – temos poucos - que sejam o reflexo da nossa sociedade, que é

multicolorida e não tem cabimento que ela seja representada pelo mundo afora como se

fosse uma sociedade branca, porque não é” (Cardoso, 2002), reconhecendo

publicamente a sub-representação da população negra no Itamaraty.

Uma questão importante observada na primeira parte deste trabalho deve-se a

reação negativa de um diplomata (depoimento que tivemos acesso) quanto da

implementação da ação afirmativa para “afro-descendentes” no Instituto Rio Branco.

Se, por um lado, o Ministro das Relações Exteriores reconhece a necessidade de

democratizar o acesso à Carreira de Diplomata e diversificar o corpo diplomático, por

outro lado o programa recebeu críticas contundentes do diplomata M. Pio Corrêa que

caracterizou a idéia de diversificar o corpo diplomático brasileiro de “imprudente”,

dizendo que o Instituto Rio Branco “não é campo adequado para fazer experiências

sociais” e que “o Itamaraty não é um instrumento de distribuição de justiça social”.

Com isso, observamos que o programa não foi imposta pelo governo sob pressões

internacionais e do movimento negro sem provocar reações por parte do corpo

diplomático brasileiro, mas não criou uma polêmica tão acirrada quanto à provocada

pela implementação de políticas de cotas (reservas de vagas) para negros e pardos em

algumas universidades públicas como na Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(Uerj), na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) com as Leis Estaduais

3.524/2000 e 3.708/2001; e na Universidade de Brasília (UnB) com a aprovação de

critérios como a fotografia para confirmar a auto-declaração dos estudantes que

deveriam ser beneficiados pelas cotas. Será que as discussões sobre a implementação do

programa de ação afirmativa para “afro-descendentes” no Instituto Rio Branco não

foram tão calorosas em virtude do programa não afetar em nada, direto ou

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116

indiretamente, a estrutura de seleção do IRBr, ou seja, o Concurso de Admissão à

Carreira de Diplomata (CACD)?

Outra questão levantada na análise da primeira parte está relacionada ao

emprego da categoria “afro-descendente” no processo de seleção dos bolsistas. Criada

pelo movimento negro na década de 1990, a categoria “afro-descendente” é usada na

maior parte dos programas de ação afirmativa de corte racial no governo anterior e no

atual para beneficiar a população negra. Nos dois primeiros programas implementados

pelo Instituto Rio Branco, a categoria foi utilizada para selecionar os candidatos às

bolsas, mas já no terceiro observa-se uma mudança na categoria e, como o programa

adota o critério de autodeclaração, algumas dificuldades foram observadas na seleção.

Tudo indica que os problemas decorrentes dessa autodeclaração devem-se à

“ineficiência” da categoria em definir precisamente o público alvo da ação afirmativa.

Dado a isso, o Instituto Rio Branco, atualmente, usa duas categorias “afro-descendente

(negros)” para selecionar os candidatos elegíveis.

Com relação ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata do Instituto Rio

Branco, verificamos que é um dos concursos mais difíceis do país e, para efeito de

comparação, dos 5.791 inscritos em 2003, apenas 39 lograram aprovação, 0,7% do total

(IRBr, 2004). O processo de seleção é rigoroso e exige um alto nível cultural e

intelectual dos candidatos. Tem uma duração de três meses e, no período estudado, foi

realizado em 5 fases versando sobre os mais diversos assuntos, conforme pudemos

verificar no capítulo I. Outro assim, a relação candidato/vaga é muito alta, em média

100 candidatos por vaga; e, em média, 30 vagas são disponibilizadas anualmente, porém

nem sempre são preenchidas. Vimos que o processo de preparação para a Carreira de

Diplomata precisa ser “um projeto de vida” traçado a médio e longo prazos; que os

“candidatos em potencial” começam a ser preparados desde a tenr a idade. Outro

aspecto verificado ao longo da pesquisa é que, devido ao nível elevado de exigências

cultural e intelectual, muitos interessados (brancos e “não-brancos”) na Carreira se

candidatam ao concurso diversas vezes até conseguirem ingressar no Itamaraty.

No que diz respeito especificamente ao programa “Bolsa-Prémio de Vocação

para a Diplomacia” para “afro-descendentes”, observamos que programa concedeu aos

vinte bolsistas selecionados em 2002 uma bolsa no valor de 1500 mil reais mensais para

custear despesas com a contratação de professores, cursos e para a compra de materiais

bibliográficos, por um período de 10 meses. Muitos bolsistas precisaram se deslocar

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117

para cidades como S. Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, a procura de cursos e professores

que preparem candidatos à Carreira de Diplomata, mas, não conseguiram usar os

recursos da bolsa para se deslocar e muito menos para se desligar do trabalho, nesse

período, para se dedicar exclusivamente aos estudos sem preocupações com as despesas

e as contas do final do mês. Ademais, consideram dez meses de bolsa muito pouco para

preencher as condições necessárias para enfrentar o Concurso do Instituto Rio Branco,

como deixa bem claro o diplomata M. Pio Corrêa.

Inscreveram, nesse período, quatrocentos e três candidatos que se

autodeclararam “afro-descendentes”; do total, vinte bolsistas foram selecionados e

apenas uma candidata logrou aprovação para o Itamaraty. Dada a expressividade desse

número de candidatos inscritos, e sabendo que a população negra representa 45,0% da

população brasileira e que apenas 1% de negros integra o corpo diplomático brasileiro,

partimos da hipótese de que havia e há uma demanda “reprimida” de uma “classe média

negra” intelectualmente preparada pleiteando cargos de direção e de poder que até então

estivera ausente.

A análise dos dados gerais dos candidatos revelara que é um grupo bastante

heterogêneo no concernente aos indicadores sociais como escolaridade, ocupação e

renda familiar; que a maioria tem estado civil solteiro; estão entre as faixas etárias de 20

a 62 anos de idade – média de 34 anos, mas com maior concentração em torno do 29

anos; são provenientes de diversas regiões do Brasil - principalmente das regiões

sudeste - das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo; e estão situados nos bairros de

classe média urbana. A maioria é da primeira geração a conseguir fazer um curso

superior na família, cursos em diversas áreas, e alguns tem cursos de pós-graduação.

Com relação à ocupação, dividimo-la em não-manual (alto, médio e baixo) e manual

(alto e baixo); e através dessa divisão pudemos verificar que a maioria dos candidatos

trabalha em ocupação não-manual de nível alto, ocupações de maior prestígio social,

como medicina, economia, etc. E no tocante à renda familiar declarada, seguindo o

modelo de Waldir Quadros, verificamos que a maioria dos candidatos está alocada na

“classe média baixa”. No entanto, os bolsistas são “classe média média”

economicamente e tem status social privilegiada. Desta feita, as constatações são de que

os candidatos são integrantes da “classe média negra” no tocante à renda familiar, à

ocupação e à escolaridade, apesar da renda familiar mostrar-se bastante heterogênea.

A partir dos resultados obtidos na análise dos dados quantitativos gerais e dos

qualitativos dos bolsistas, verificamos que a maioria (dos entrevistados e dos que

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118

responderam ao questionário) não se considera integrante da “classe média negra” tendo

como “grupo de referência” àquelas pessoas consideradas por eles como integrantes

efetivos da classe média. Ao comparar os bens amealhados ou “bens adquiridos”,

indicativos de classe média, com os bens de outras pessoas consideradas por eles de

classe média e da “classe alta”, consideram-se relativamente privados e reclamam de

não possuírem “bens herdados” que os permitiriam competir em igualdade de condições

com “os brancos”, com os “herdeiros da profissão” no Concurso de Admissão à Carreira

de Diplomata.

Em se tratando da “classe média negra”, uma classe socialmente mais

privilegiada e intelectualmente preparada, a “privação relativa” é observada no processo

de mobilidade para posições e cargos de alto prestígio social. Alguns pesquisadores

observam que os negros sofrem “desvantagens cumulativas”, desvantagens que os

impedem de atingir cargos de direção e poder, não pela falta de qualificação, mas pelas

barreiras impostas pela sociedade em função da cor ou raça. Com relação a isso, a

maioria dos bolsistas, apesar de não ter a representação de si como integrante da “classe

média negra”, mesmo reconhecendo certos privilégios, tem consciência política e social

de que faz parte de um “grupo” social que sofre “privação relativa” para conseguir

ocupar altos cargos na sociedade por causa do racismo e da discriminação, daí as

expectativas em relação à ação afirmativa no Instituto Rio Branco. Os bolsistas almejam

ingressar no Itamaraty para “fazer a diferença”, para representar a população negra e

“colorir” o corpo diplomático, e também para fazer parte de um grupo de status.

Outro assim, o Programa de Formação e Aperfeiçoamento – Primeira Fase

(PORFA-1) do Instituto Rio Branco não exige esforços extremos dos alunos para

acompanhar as matérias ministradas no Instituto Rio Branco, matérias já

exaustivamente estudadas para o concurso. E que, portanto, o curso consiste

basicamente de um “adestramento” dos alunos do Rio Branco ao “ethos” e “visão de

mundo” da “Casa”, por dois anos. Como as matérias ministrados no IRBr não

acrescentam muita coisa ao conhecimento até então adquirido, segundo um aluno do

Rio Branco, concluímos que esses dois anos poderiam servir para avaliar afetivamente

os talentos e as qualidades dos alunos, o que daria maior funcionalidade ao curso.

Como já vimos, o programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco não

mexe na estrutura e no processo seletivo do Itamaraty cuja função é “reproduzir a sua

elite burocrática”. Portanto, se o programa continuar selecionando apenas um candidato

anualmente – dos 80 bolsistas selecionados nos três programas implementados até

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119

então, três candidatos (3,8%) lograram aprovação para o Itamaraty – somente daqui a

uns 50 anos existirão 50 negros nessa Instituição se nenhum se aposentar ou deixar a

instituição por outro motivo qualquer. Portanto, somente daqui a muitos anos o corpo

diplomático será efetivamente diversificado. Se existe uma “classe média negra”

intelectualmente qualificada, como explicar tão poucos negros (1,0%) no Itamaraty?

Realmente, é prematuro avaliar um programa com somente três anos de duração.

Mas, o programa recebe uma avaliação posit iva por parte dos beneficiados

argumentando que obtiveram disciplina nos estudos, conhecimentos diversificados e

consistentes, apesar das restrições observadas por eles. Também representa mais uma

vitória para o movimento negro, apesar deste lutar por cotas no Itamaraty. Apesar das

limitações observadas ao longo do texto, concluímos que o programa é positivo, possui

aspectos positivos. Mas algumas modificações no processo de escolha de novos

integrantes do corpo diplomático brasileiro precisam ser feitas para que ocorra

realmente a diversificação étnica nesse espaço.

Estamos cientes de que algumas questões mereciam uma atenção mais acurada e

que o trabalho aqui apresentado significa simplesmente uma tentativa de entender o

programa “Bolsa-Prémio de Vocação para a Diplomacia” e o processo de vivência

daqueles que procuraram o programa para uma tentativa de ingressar no Itamaraty.

Portanto, ainda há muito a ser feito e explorado neste programa.

Qual é o significado do negro na Carreira de Diplomata? Bem, essa é uma

questão que demanda muita reflexão e pesquisa, e também não é uma questão abordada

neste trabalho. Porém, podemos dizer que o negro na Carreira de Diplomata tem um

significado político e simbólico muito grande. Dentre outros significados: representa a

“transposição” de barreiras impostas para se inserir no “reduto” da “elite branca

burocrática” do Itamaraty; significa a criação de referências, em posições de destaque e

de prestígio social, para a população negra; e, além de simbolizar a efetiva

democratização da sociedade brasileira, significa estar em “um importante espaço social

no âmbito da estrutura burocrática do Estado que pode favorecer a transformação de

idéias em atitudes socialmente compartilhadas, isto é, em cultura Política” (Botelho:

2003: 1)

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120

Algumas sugestões:

Como diz o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorin, o objetivo da

retirada do caráter eliminatório da prova de inglês é não privilegiar aqueles que tiveram

oportunidades na vida de viajar e viver no exterior, e proporciona r maior

democratização no concurso, “É alargar o leque de pessoas que possam vir a ser

diplomatas. Há muitas pessoas que eu conheci ao longo da vida que teriam todas as

condições para ser diplomatas, mas que talvez tivessem dificuldade de passar em um

exame de inglês eliminatório. (...) O importante é que o Estado brasileiro, por meio do

Itamaraty, está tomando para si a responsabilidade de dar uma formação a pessoas

que tenham competência para ser diplomata, mas que ainda não puderam, por

dificuldades financeiras ou por circunstâncias de vida, ter completado os

conhecimentos nessa aptidão”. Se o objetivo é realmente a efetivação da

democratização do acesso à Carreira de Diplomata, e as decisões tomadas até então

nessa direção - tais como a implementação de um programa de ação afirmativa, a

retirada do caráter eliminatório da prova de inglês - algumas outras modificações

poderiam ser feitas para atingir efetivamente a diversificação do corpo diplomático, tais

como:

a) Diminuir o nível de exigência intelectual e cultural na Primeira Fase (Teste

de Pré-seleção -TPS) - o que não significa um “nivelamento para baixo” - do Concurso

de Admissão à Carreira de Diplomata para permitir que maior número de candidatos

tenham a possibilidade de mostrar seus talentos e qualificações;

b) Repensar a estrutura inicial de selecionar candidatos, haja visto que o TPS - a

primeira fase do processo de seleção que se pauta em questões de múltipla escolha -

não mede a capacidade intelectual, interpretativa e crítica do candidato. Talvez a

inversão do processo: provas dissertivas e interpretativas que avaliem o talento, a

capacidade intelectual e crítica dos candidatos; e uma entrevista a serem realizados nas

primeiras fases do processo seletivo. Sendo assim, seriam adotados critérios objetivos e

subjetivos de avaliação da excelência acadêmica, do mérito e dos talentos dos

candidatos. Como se pode avaliar as qualidades pessoais, o talento e as experiências dos

candidatos em ultrapassar barreiras e resolver problemas por meio de provas de

múltiplas escolhas?

c) Repensar o Programa de Formação e Aperfeiçoamento – Primeira Fase

(PORFA-1) para que possa ter maior funcionalidade e não se restringir ao

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121

“adestramento” dos novos integrantes do corpo diplomático. Esse elevado nível

intelectual e cultural poderia ser exigido durante o funcionamento do PROFA-1 e este

poderia ter a função efetiva de avaliação para aprovação/reprovação dos possíveis

diplomatas ao longo do processo de preparação.

Portanto, realizadas mudanças em devidas proporções no processo de seleção do

Instituto Rio Branco de modo a possibilitar o acesso de maior número de pessoas

qualificadas e intelectualmente preparadas para exercer a função de representação do

Brasil no exterior provavelmente não haveria a necessidade de implementar ação

afirmativa, mas enquanto isso não acontecer, elas são extremamente necessárias em

função da “privação relativa” sofrida pelos negros e outros segmentes sociais.

Evidentemente, essas políticas devem ser medidas do Estado e da sociedade brasileiros

e não somente políticas de um governo, pois como observa Elisa Reis (2000), as elites

(políticas, burocráticas, empresariais e sindicais) não nutrem nenhuma simpatia pelas

políticas de discriminação positiva, particularmente a implementação do sistema de

cotas. É evidente também a necessidade de estabelecer metas e avaliações para verificar

a eficiência dos programas de ação afirmativa e verificar se estão trazendo resultados

positivos para os beneficiados e a para a sociedade como um todo.

Sugestões para estudos futuros:

Como boa parte das profissões, a Carreira de Diplomata reproduz o quadro das

desigualdades sociais e raciais da sociedade brasileira. Na “Mesa Redonda: Mulher e

Diplomacia” organizada pela Fundação Alexandre Gusmão (FUNAG) em colaboração

com o Instituto Rio Branco (IRBr) para a comemoração do dia 8 de março, dia

Internacional das Mulheres, 2003, a Embaixadora Thereza Maria Machado Quintella7,

Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) reconhece que as mulheres

são discriminadas no Itamaraty e enfrentam vários obstáculos para chegar a posições de

chefia e de poder. Demonstrou em um artigo que as diplomatas se acumulam nas classes

de Primeiro Secretário e Conselheiro; que elas vão galgando os degraus mais ou menos

como os seus colegas, às vezes até num ritmo mais acelerado, mas quando chegam ali

elas param. Diz que há uma acumulação de mulheres na classe de Primeiro Secretário e

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122

a partir dali as promoções tornam-se realmente muito difíceis. As mulheres se reúnem

para debater as dificuldades enfrentadas por elas para atingir os últimos degraus da

Carreira. Elas constituem cerca de 25% do corpo diplomático brasileiro (não temos a

confirmação desse dado), e algumas já são embaixadoras (último degrau da carreira).

Se as mulheres são discriminadas, como estará a situação dos 1% de negros no

Itamaraty? Como é a relação e a interação social entre eles e os outros integrantes do

corpo diplomático? Que funções exercem e em qual degrau na hierarquia da Carreira se

encontram? Quantos anos são funcionários públicos do Ministério das Relações

Exteriores? Sentem-se discriminados no Itamaraty?

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123

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ANEXO I

Questionário

O objetivo da pesquisa é fazer uma descrição do Programa de “Bolsa-Prêmio de

Vocação para a Diplomacia” do Instituto Rio Branco e uma análise sociológica do perfil

sócio-econômico dos candidatos ao programa, enfatizando os bolsistas selecionados, em

de 2002. A idéia inicial era fazer entrevistas com todos, mas como são candidatos

provenientes de deferentes regiões do Brasil e na impossibilidade de deslocamento a

essas regiões, e como as opiniões de todos são de extrema utilidade para a pesquisa,

elaborei um questionário com as mesmas perguntas feitas nas entrevistas com os

bolsistas residentes no Rio de Janeiro. A partir deste, interessa-me saber como os

candidatos vivenciaram o processo. Ninguém terá acesso aos questionários além da mim

e as informações serão utilizadas com nomes fictícios.

Gostaria muito de obter respostas de todas as perguntas, mas, caso não for

possível responder algumas delas, sintam-se à vontade e ainda caso queiram acrescentar

alguma informação importante terei muito gosto em considerar.

Como estou muito apertada com relação ao tempo, gostaria muito de receber as

respostas o quanto antes. Contando com a vossa compreensão, colocando-me à

disposição para quaisquer informações e agradecendo desde já a atenção. Meu telefone

é (021) 2587-9149; meus e-mails são [email protected] (o principal) e

[email protected]

1)- Onde obteve as primeiras informações sobre o concurso e a carreira? Tem parentes,

amigos ou conhecidos com algum vínculo com o Itamaraty?

2) - Como se preparou para fazer o concurso? Quanto tempo? Fez aulas preparatórias?

Pessoas que de uma maneira ou de outra influenciara na sua decisão de fazer o

concurso.

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3) - Você prestou o concurso mais de uma vez? Quantas vezes?

4) – A escolha do curso universitário tem alguma relação com a idéia de prestar o

concurso?

4) - Você se considera parte da classe média brasileira, porquê?

5) - Acha que o negro sofre de privação para alcançar determinados postos ou carreiras

na sociedade brasileira, porquê?

6) - Que avaliação você faz dessa política de ação afirmativa para “afro-descendentes”

no Instituto Rio Branco (IRBr). Na sua opinião esta política de ação afirmativa do IRBr

traz efetivamente benefícios para os negros?

7) - Nos três programas implementados pelo IRBr entraram três pessoas para a Carreira

Diplomática, sendo uma em 2002, outro em 2003 e mais um outro em 2004.

- Como você avalia esse modelo de ação afirmativa implementada pelo Instituto?

Satisfatório ou Insatisfatório e porquê?

8) – O objetivo do Instituto Rio Branco é proporcionar a “igualdade de condições” ao

conceder bolsas por um período de 10 meses.

- Você acredita que uma bolsa de 10 meses possa proporcionar tal igualdade entre os

concorrentes a uma vaga na carreira Diplomática?

9) – Se você considera insatisfatória a ação afirmativa implementada pelo IRBr, quais as

suas sugestões para uma política de integração da população negra no corpo diplomático

brasileiro?

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ANEXO II

REGULAMENTO DO INSTITUTO RIO BRANCO

CAPÍTULO I

Das finalidades

Art. 1º. O Instituto Rio Branco (IRBr), órgão do Ministério das Relações Exteriores, tem por finalidade:

I - o recrutamento, a seleção, a formação e o treinamento do pessoal da Carreira de Diplomata;

II - a execução de programas especiais de aperfeiçoamento dos funcionários de carreiras de nível de formação superior do Ministério das Relações Exteriores e de áreas afins;

III - o cumprimento das demais tarefas que lhe incumbir o Secretário-Geral das Relações Exteriores.

Parágrafo único. O IRBr manterá, como órgão de assessoramento de seu Diretor, um Conselho Consultivo, cujas funções e procedimentos serão estabelecidos em regimento próprio.

Art. 2º. Para atender a suas finalidades, o IRBr:

I - manterá os seguintes cursos:

a) Programa de Formação e Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA - I) da Carreira de Diplomata, criado pelo Decreto de 14 de setembro de 1995 e regulamentado pelas portarias de 1o de novembro de 1995 e de 10 de novembro de 1995.

b) Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas (CAD),

c) Curso de Altos Estudos (CAE); e

d) outros cursos de interesse do Ministério das Relações Exteriores.

II - promoverá programas de estudo e projetos de pesquisa em áreas relacionadas com a atuação da política externa brasileira, mediante convênios com universidades e centros de ensino assemelhados e concessão de bolsas de estudo, no Brasil e no exterior; e

III - participará de edições e co-edições de obras de interesse para a formação do diplomata brasileiro.

Art. 3º. O IRBr poderá, também, organizar concursos de provas para ingresso na Carreira de Diplomata, o qual dependerá de posterior habilitação no Curso Preparatório à Carreira Diplomática (CPCD), cujas normas serão objeto de legislação específica.

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CAPÍTULO II

Do Programa de Formação e Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA-I)

Seção I

Dos objetivos

Art. 4º. O PROFA - I seguirá metodologia de curso em nível de Mestrado em Diplomacia e terá por finalidade dar início à formação dos funcionários nomeados para o cargo inicial da Carreira de Diplomata do Serviço Exterior, bem como avaliar suas aptidões e capacidade durante o estágio probatório de que trata o art. 8º da Lei nº 7.501, de 27 de junho de 1986.

Parágrafo único. Terão matrícula automática no PROFA-I os candidatos, aprovados no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, que tiverem sido nomeados para o cargo inicial da Carreira e nele tomado posse.

Seção II

Do concurso de admissão

Art. 5º. O Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata será regido por edital do Diretor do IRBr, a ser publicado no Diário Oficial da União.

Art. 6°. A ordem de classificação final no Concurso determinará a ordem de ingresso no cargo da classe inicial da Carreira de Diplomata.

§ 1°. A classificação final dos aprovados será definida pela média aritmética das notas obtidas nas provas que se definirem no Edital.

§ 2°. Será concedido o Prêmio Lafayette de Carvalho e Silva ao primeiro e segundo lugares no Concurso, sob a forma de medalhas de prata e bronze, respectivamente.

Art. 7º. O Diretor do IRBr informará os aprovados da data da nomeação e da posse no Serviço Exterior, bem como do início do PROFA - I.

Art. 8°. Uma vez nomeados, os aprovados no Concurso tomarão posse, ainda que mediante procuração específica, em data indicada pelo Diretor do IRBr, iniciando as atividades introdutórias do PROFA - I, observada a legislação sobre a matéria.

Art. 9°. O início das atividades obrigatórias do PROFA - I ocorrerá até 15 (quinze) dias após a posse.

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Seção III

Da organização, estrutura, regime didático e atividades do PROFA - I

Art. 10. A organização, a estrutura, o regime didático e as atividades do PROFA - I darão ênfase, em função das necessidades da Carreira de Diplomata, à formação e ao aprimoramento do servidor nomeado, doravante designado como diplomata.

Art. 11. O PROFA - I terá duração de dois anos e será organizado em 4 (quatro) períodos assim distribuídos:

I - o Primeiro Ano terá dois períodos consecutivos de curso - composto de matérias conceituais ou profissionalizantes -, com duração de não mais de 20 semanas cada semestre; e

II - o Segundo Ano, também de dois períodos, será composto eminentemente de estágios profissionalizantes na Secretaria de Estado das Relações Exteriores (SERE) e em postos no exterior.

Art. 12. A estrutura do PROFA - I, incluindo a seleção de postos no exterior para a missão transitória e das unidades da SERE para efeitos de estágio, e o período de férias serão definidos pelo Secretário-Geral das Relações Exteriores, por proposta do Diretor do IRBr, pelo menos 30 (trinta) dias antes do início de cada semestre letivo.

Seção IV

Da avaliação e aprovação no PROFA - I e da confirmação no Serviço Exterior

Art. 13. A aprovação no PROFA - I constitui condição essencial para confirmação no Serviço Exterior, nos termos do Decreto de 14 de setembro de 1995.

Art. 14. A avaliação de cada diplomata no PROFA - I caberá aos professores das matérias, às Chefias imediatas e ao Diretor do IRBr.

Art. 15. Haverá avaliações semestrais e anuais.

Art. 16. A avaliação reunirá:

I - As notas, graduadas de 0 (zero) a 100 (cem), dadas pelos professores das matérias a exames escritos, exames orais e/ou simulações de trabalho e monografias finais;

II - Os conceitos emitidos pelo Diretor do IRBr e/ou Chefias imediatas na SERE e no exterior segundo critérios de produtividade, assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa e responsabilidade, merecendo atenção, ainda, o desempenho nas atividades

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profissionais, a conduta pessoal e a integração com a carreira. Os conceitos emitidos constarão dos assentamentos pessoais dos diplomatas.

§ 1°. Os conceitos a que se refere o inciso II acima serão emitidos em formulário próprio, correspondendo a uma escala de A (excelente) a D (insuficiente).

§ 2°. Serão considerados "satisfatórias" as notas iguais ou superiores a 60 (sessenta) e os conceitos A (excelente), B (bom) e C (regular).

§ 3º. As notas em Francês e Espanhol não serão computadas para efeito de cálculo da avaliação no PROFA - I , de que trata o artigo 17, mas se inferiores a 60 (sessenta), implicarão a obrigatoriedade de aulas até a obtenção da nota mínima, como pré-condição para a primeira remoção para o exterior.

Art. 17. Será considerado aprovado no PROFA - I e terá, portanto, recomendada sua confirmação no Serviço Exterior o diplomata que obtiver:

I - avaliação por matéria igual ou superior a 60 (sessenta); e

II - conceitos satisfatórios em todos os estágios.

Art. 18. Em caso de insuficiência de notas ou de avaliação insatisfatória, o Diretor do IRBr notificará formalmente o diplomata e o Diretor Geral do Departamento de Serviço Exterior para inclusão nos respectivos assentamentos pessoais.

§ 1º. Só será admitida uma notificação.

§ 2º. Na eventualidade de uma Segunda notificação, o Secretário-Geral das Relações Exteriores designará Comissão composta de três diplomatas, incluindo o Diretor do IRBr e dois outros membros, estes dentre os Ministros de Segunda Classe e Conselheiros da Carreira, para examiná- la e fazer suas recomendações.

Art. 19. O Diretor do IRBr submeterá relatórios periódicos ao Secretário-Geral das Relações Exteriores, dando conta das avaliações dos diplomatas e, se for o caso, das notificações.

Art. 20. O diplomata poderá recorrer das notas ou da avaliação ao Secretário-Geral das Relações Exteriores. O Secretário-Geral das Relações Exteriores examinará o recurso e emitirá parecer, podendo, para isso, designar Comissão composta de três diplomatas, incluindo o Diretor do IRBr e dois outros membros, escolhidos entre os Ministros de Segunda Classe e Conselheiros da Carreira.

Parágrafo único. Desse parecer, se contrário ao recurso, será dada vista ao diplomata pelo prazo de 5 (cinco) dias.

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Art. 21. No correr do último semestre do PROFA - I, o Secretário-Geral das Relações Exteriores encaminhará relatório do Diretor do IRBr ao Ministro de Estado das Relações Exteriores com seu parecer.

Parágrafo único. Desse parecer, se contrário à confirmação, será dada vista ao diplomata pelo prazo de 5 (cinco) dias.

Art. 22. Apreciando os pareceres e as defesas, o Ministro de Estado das Relações Exteriores aprovará o resultado do PROFA - I e submetê- lo-á ao Presidente da República para homologação por Decreto.

Art. 23. Será concedido o Prêmio Rio Branco ao primeiro e segundo lugares do PROFA - I, sob a forma de medalha de vermeil e de prata, respectivamente.

Art. 24. Respeitado o interesse do serviço, a seleção dos postos no exterior de que trata o art. 11, II, e a primeira lotação na SERE obedecerão a ordem de classificação dos diplomatas segundo média ponderada das notas finais obtidas no Concurso de Admissão, com peso um, e das notas de conclusão do PROFA-I, com peso três.

Art. 25. Aos detentores das três maiores médias ponderadas das notas finais obtidas no Concurso de Admissão, com peso um, e no PROFA-I, com peso três, o IRBr poderá oferecer matrícula em curso no exterior de curta duração, em área de interesse para a formação do diplomata.

Seção V

Dos alunos

Art. 26. Em sua vida pública e privada, o diplomata deverá manter sempre conduta pessoal irrepreensível.

Art. 27. O diplomata deverá solicitar autorização do Secretário-Geral das Relações Exteriores, por intermédio do Diretor do IRBr, para manifestar-se publicamente sobre matéria relacionada com a política externa brasileira ou temas aos quais tenha tido acesso por força de sua função.

Art. 28. As atividades de formação e aperfeiçoamento, programadas no âmbito do PROFA - I, são obrigatórias.

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Art. 29. Como servidor público, o diplomata não pode faltar ao serviço sem justificativa sob pena de perda correspondente da remuneração.

Art. 30. Considerando os objetivos e a estrutura do PROFA - I, não serão admitidos repetência de matérias, segundas chamadas de exames escritos ou orais, nem adiamentos de entrega de monografias, a não ser nos casos previstos em Lei.

CAPÍTULO III

Do Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas (CAD)

Art. 32. O Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas (CAD), regulado por portaria ministerial de 12 de setembro de 1995, será mantido pelo IRBr como parte integrante do sistema de treinamento e qualificação contínuos na Carreira de Diplomata, com o objetivo de aprofundar e atualizar conhecimentos necessários ao desempenho das funções exercidas por Segundos e Primeiros Secretários.

§ 1°. A conclusão do CAD, nos termos do inciso IV, do art. 6º do Regulamento do Pessoal do Serviço Exterior, aprovado pelo Decreto nº 93.326, de 1º de outubro de 1986, é requisito para a promoção por merecimento a Primeiro Secretário.

§ 2°. A conclusão do CAD assegura aos funcionários lotados no exterior a vantagem de comissionamento como Conselheiros em postos do grupo "C", nos termos do art. 67, Seção IV, do Decreto nº 93.325, de 1º de outubro de 1986.

§ 3°. A conclusão do CAD assegura, ainda, aos funcionários lotados na Secretaria de Estado das Relações Exteriores (SERE), a vantagem da Gratificação de Habilitação Profissional e Acesso, estipulada pelos artigos 3º, V, e 5º, parágrafo único, I, do Decreto-Lei nº 2.405, de 29 de dezembro de 1987, e do art. 2º, § 5º, IV, da Lei n° 7.923, de 12 de dezembro de 1989.

Art. 32. As normas gerais que regem o CAD são as estabelecidas em instrumento próprio. O Diretor do IRBr divulgará, por Edital, normas complementares relativas a cada Curso.

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CAPÍTULO IV

Do Curso de Altos Estudos (CAE)

Art. 33. O Curso de Altos Estudos (CAE), regulado por portaria ministerial de 23 de julho de 1996, será mantido pelo IRBr como parte integrante do sistema de treinamento e qualificação na Carreira de Diplomata, com o objetivo de aprofundar e atualizar os conhecimentos necessários ao desempenho das funções exercidas pelos Ministros de Segunda Classe.

Parágrafo único. A conclusão do CAE, nos termos do art. 52, II, da Lei nº 7.501, de 27 de junho de 1986, e do art. 55, § 5º, do mesmo diploma legal, é requisito para a promoção a Ministro de Segunda Classe.

Art. 34. As normas gerais que regem o CAE são as estabelecidas em instrumento próprio. O Diretor do IRBr divulgará, por Edital, normas complementares relativas a cada Curso.

CAPÍTULO V

Do corpo docente

Art. 35. Integrarão o corpo docente do IRBr professores, professores-assistentes, conferencistas, examinadores de provas de concurso, orientadores de monografias, orientadores profissionais e orientadores de idiomas, todos designados por portaria do Diretor do IRBr.

§1º. Na eventualidade de o Diretor do IRBr integrar também o corpo docente do PROFA - I, a designação será feita por portaria do Secretário-Geral das Relações Exteriores.

§2º. Os professores das matérias conceituais e profissionalizantes e os orientadores de monografias do PROFA - I, bem como os examinadores de provas de concurso e demais bancas examinadoras serão escolhidos dentre professores universitários, com, pelo menos, título de Mestre e, preferentemente, de Doutor, e funcionários da carreira diplomática com notório saber e reconhecida experiência.

Art. 36. O Diretor do IRBr fixará os valores a serem pagos por preparação e desempenho de hora/aula e de hora/conferência, elaboração e correção de provas e recursos, correção de exames e de monografias e pelas tarefas envolvidas na orientação profissional, de monografias e de idiomas.

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Parágrafo único. Todos os valores serão fixados e seus beneficiários identificados em portaria do Diretor do IRBr, a ser publicada no Boletim de Serviço do Ministério.

CAPÍTULO VI

Das disposições gerais e transitórias

Art. 37. Todo curso ministrado no IRBr seguirá as normas gerais de organização, conduta e freqüência aplicáveis ao PROFA - I.

Parágrafo único. O Diretor do IRBr conferirá diploma aos participantes que concluírem satisfatoriamente os referidos cursos.

Art. 38. O Diretor do IRBr poderá conceder matrícula a alunos estrangeiros para freqüentarem, integral ou parcialmente, o Primeiro Ano do PROFA - I.

Art. 39. Para atender às finalidades da Instituição, e mediante autorização expressa do Secretário-Geral das Relações Exteriores, o Diretor do IRBr poderá firmar convênios ou memorandos de entendimento com universidades e centros de ensino assemelhados, no Brasil e no exterior.

Art. 40. Os casos omissos serão decididos pelo Diretor do IRBr, consultado, quando couber, o Secretário-Geral das Relações Exteriores.

DISPOSIÇÃO FINAL

Art. 41. Este Regulamento entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Luiz Felipe Lampreia

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ANEXO III

EDITAL DO DIRETOR DO INSTITUTO RIO BRANCO

EM 25 DE OUTUBRO DE 2002

(publicado no Diário Oficial da União em 18/11/2002)

O DIRETOR DO INSTITUTO RIO BRANCO torna público que estarão abertas, de 06 de janeiro a 21 de fevereiro de 2003, as inscrições para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, previsto nos Arts. 38 e 39, parágrafos únicos, da Lei n.º 7.501, de 27 de junho de 1986, regulamentados pelo Decreto de 14 de setembro de 1995, publicado no Diário Oficial da União em 15 de setembro de 1995. De acordo com a Portaria do Secretário-Geral das Relações Exteriores de 10 de novembro de 1995, publicada no Diário Oficial da União em 14 de novembro de 1995, o Concurso obedecerá às instruções constantes do presente Edital.

2. O Concurso será realizado pelo Instituto Rio Branco (IRBr), com a colaboração do Centro de Seleção e Promoção de Eventos, da Fundação Universidade de Brasília (CESPE-FUB), com o qual o IRBr mantém contrato de prestação de serviços técnicos especializados. O texto deste Edital e informações adicionais sobre o Concurso estarão disponíveis nos endereços eletrônicos do IRBr (http://www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm) e do CESPE (http://www.cespe.unb.br/diplomacia).

3. A aprovação no Concurso habilitará o candidato a ingressar em cargo da classe inicial da Carreira de Diplomata (Terceiro Secretário), de acordo com a ordem de classificação obtida, e a ter matrícula no Programa de Formação e Aperfeiçoamento - Primeira Fase (PROFA-I), e no Mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco (IRBr), de que é parte integrante aquele programa, regulamentado pela Portaria Ministerial de 1º de novembro de 1995, publicada no Diário Oficial da União em 8 de novembro de 1995.

4. A remuneração inicial do cargo de Terceiro Secretário é de R$ 4.130,22.

5. O presente Edital reger-se-á, no que couber, pela Portaria nº 01, de 07 de fevereiro de 2001, do Diretor do IRBr, publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de fevereiro do mesmo ano, que estabelece as condições de inabilitação aplicáveis aos candidatos inscritos no Concurso, respeitados os artigos 7º, XXI e 37, VIII da Constituição Federal, as Leis 7.853/89 e 8.112/90, e o Decreto nº 3.298/99.

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1. DAS VAGAS

1.1. É fixado em 30 (trinta) o número de vagas a serem providas, de acordo com a ordem de classificação dos candidatos aprovados no Concurso.

1.2. Do total de vagas, 3 (três) serão reservadas a portadores de deficiência e providas na forma do § 2º, do artigo 5º, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, publicada no Diário Oficial da União de 12 de dezembro de 1990, e do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, publicado no Diário Oficial da União de 21 de dezembro de 1999.

1.3. Para concorrer às vagas mencionadas no item anterior, o candidato deverá, no ato da inscrição, declarar-se portador de deficiência. Os candidatos que se declararem portadores de deficiência participarão do Concurso em igualdade de condições com os demais candidatos.

1.4. Os candidatos que se declararem portadores de deficiência deverão submeter-se, na Quarta Fase do Concurso, à perícia médica pela Junta de Avaliação, que terá decisão terminativa sobre sua qualificação como portador de deficiência, sobre o grau da deficiência e sobre a capacidade física para o exercício do cargo.

1.5. Esses candidatos deverão comparecer à perícia médica, munidos de laudo médico que ateste a espécie e o grau ou nível de deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doenças (CID), bem como à provável causa da deficiência.

1.6 As vagas definidas no subitem 1.2 que não forem providas por falta de candidatos portadores de deficiência, por reprovação no Concurso ou na perícia médica, serão preenchidas pelos demais candidatos, observada a ordem da classificação final.

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2. DAS INSCRIÇÕES

2.1. As inscrições poderão ser feitas pela Internet (www.cespe.unb.br/diplomacia) ou pessoalmente, na sede do Instituto Rio Branco ou nos Centros Regionais. Para tanto, o candidato deverá preencher requerimento de inscrição e recolher a taxa de inscrição no valor de R$ 80,00 (oitenta reais), que em nenhuma hipótese será restituída ao candidato.

2.1.1. Inscrições pela Internet: Será admitida inscrição pela Internet, no endereço eletrônico http://www.cespe.unb.br/diplomacia, a partir das 10:00 horas do dia 6 de janeiro de 2003 e até as 20:00 horas do dia 21 de fevereiro de 2003 (horário de Brasília).

2.1.1.1 O Instituto Rio Branco e o CESPE não se responsabilizam por solicitações de inscrição via Internet não-recebidas por motivos de ordem técnica dos computadores, falhas de comunicação, congestionamento das linhas de comunicação, bem como outros fatores de ordem técnica que impossibilitem a transferência de dados.

2.1.1.2 O candidato que desejar realizar sua inscrição via Internet poderá efetuar o pagamento da taxa de inscrição das seguintes formas:

a) por meio de débito em conta-corrente, apenas para correntistas do Banco do Brasil;

b) por meio de documento de arrecadação, pagável em qualquer lotérica; ou

c) por meio de boleto bancário, pagável em toda a rede bancária.

2.1.1.3 O documento de arrecadação e o boleto bancário estão disponíveis no endereço eletrônico http://www.cespe.unb.br/diplomacia e devem ser impressos para o pagamento da taxa de inscrição após o preenchimento da ficha de solicitação de inscrição on-line.

2.1.1.4 O pagamento da taxa de inscrição por meio de boleto bancário ou de documento de arrecadação deverá ser efetuado até o dia 24 de fevereiro, primeiro dia útil após a data do encerramento das inscrições.

2.1.1.5 As solicitações de inscrição via Internet cujos pagamentos forem efetuados após a data estabelecida no subitem anterior não serão acatadas.

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2.1.1.6 As inscrições efetuadas via Internet somente serão acatadas após a comprovação de pagamento da taxa de inscrição, que será feita das seguintes formas:

a) para pagamentos efetuados por meio de débito em conta-corrente, comprovação de pagamento pelo Banco do Brasil;

b) para pagamentos efetuados por meio de documento de arrecadação, comprovação de pagamento pela Caixa Econômica Federal; e

c) para pagamentos efetuados na rede bancária, por meio de boleto bancário, comprovação de pagamento pelos bancos.

2.1.1.7 O comprovante de inscrição do candidato inscrito via Internet estará disponível no endereço eletrônico http://www.cespe.unb.br/diplomacia, após o acatamento das inscrições, sendo de responsabilidade exclusiva do candidato a obtenção desse documento.

2.1.1.8 O candidato inscrito via Internet não deverá enviar cópia de documento de identidade, sendo de sua responsabilidade exclusiva os dados cadastrais informados no ato de inscrição.

2.1.2. Inscrições na sede do Instituto Rio Branco ou nos Centros Regionais: os candidatos poderão também inscrever-se nos seguintes endereços:

a. Em Brasília:

- Instituto Rio Branco, Setor de Administração Federal Sul, Quadra 5, Lotes 2 e 3, CEP 70170-900, tels: (61)325-7000/5/6; fax:(61)322-8355; e-mail: [email protected]; Home-page: www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm.

b) nos Centros Regionais, nas seguintes capitais:

- Belém (PA): Primeira Comissão Brasileira Demarcadora de Limites, Av. Governador José Malcher, 349, Nazaré, CEP 66035-100, tels: (91) 242-5932/1043; fax: (91) 223-5506;

- Belo Horizonte (MG): Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, Av. João Pinheiro, 100, 2º andar, CEP 30130-180, tel: (31) 3217-4604/4606, fax: (31) 3217-4610;

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- Curitiba (PR): Fundação Universidade Federal do Paraná (FUNPAR), Rua XV de Novembro, 1457, Centro, CEP 80060-000, tel: (41) 360-7400/360-7445; fax: (41) 362-2117;

- Florianópolis (SC): Comissão Permanente do Vestibular – COPERVE, Universidade Federal de Santa Catarina, Trindade, CEP 88040-900, tel: (48) 331-9953/331-9200; fax: (48) 234-2324;

- Fortaleza (CE): Departamento de Letras Estrangeiras – Universidade Federal do Ceará, Av. da Universidade, 2683, Benfica, CEP 60020-180, tel/fax: (85) 288-7612/288-7613, fax (85) 281-7036/223-1642;

- Porto Alegre (RS): COPERSE – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, R. Ramiro Barcelos, 2574, Bairro Santa Cecília, CEP 90035-003, tel: (51) 3316-5906/5907, fax: (51) 3316-5908;

- Recife (PE): Pós Graduação em Direito – Faculdade de Direito – Universidade Federal de Pernambuco. Rua do Hospício, 371, Bloco C, 2º andar, CEP 50060-080, tel/fax: (81) 3423-6056 / 3231-7551;

- Rio de Janeiro (RJ): Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores no Rio de Jane iro, Palácio Itamaraty, Av. Marechal Floriano, 196, Centro, CEP 20080-002, tel: (21) 2263-5562, fax (21) 2263-1462;

- Salvador (BA): Pró-Reitoria de Extensão – Universidade Federal da Bahia, Rua Leovigildo Filgueiras, 392, Garcia, CEP 40100-170, tels: (71) 328-7044/0124, fax: (71) 328-0127;

- São Paulo (SP): Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores em São Paulo – ERESP – Memorial da América Latina (Portão n° 12 – Metrô Barra Funda), Av. Auro Soares de Moura Andrade, nº 664, CEP 01156-001, tels: (11) 3823-4698, fax: (11) 3823-4699; e-mail: [email protected]

2.1.2.1 No caso das inscrições feitas no Instituto Rio Branco ou nos Centros Regionais, a taxa de inscrição deverá ser depositada na conta nº 33.448.112-0, Agência n° 3603-X, do Banco do Brasil S.A. (Banco 001), em favor de CESPE-UnB.

2.1.2.2 Ao solicitar a inscrição no Instituto Rio Branco ou nos Centros Regionais, o candidato deverá apresentar:

a) requerimento de inscrição, em formulário próprio do IRBr, no qual declare satisfazer as condições exigidas neste Edital;

b) original e fotocópia da carteira de identidade;

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c) comprovante de pagamento da taxa de inscrição (depósito bancário), que ficará retido.

2.1.2.3 Será permitida a inscrição por procuração, junto ao Instituto Rio Branco ou aos Centros Regionais, mediante entrega do respectivo mandato, acompanhado de cópia do documento de identidade do candidato e apresentação de identidade do procurador, o qual deverá estar em condições de prestar as informações solicitadas no formulário de inscrição. Deverá ser apresentada uma procuração para cada candidato, a qual ficará retida.

2.2. Requisitos : os candidatos deverão satisfazer às condições abaixo indicadas:

a) ser brasileiro nato, conforme Art. 12, § 3.º, V, da Constituição Federal;

b) estar em dia com o serviço militar;

c) estar em dia com suas obrigações de eleitor;

d) haver concluído curso superior de graduação plena, reconhecido.

2.3. Candidatos casados com estrangeiros : O candidato que tiver cônjuge de nacionalidade estrangeira será inscrito condicionalmente no concurso e, se aprovado, só será nomeado para o cargo na classe inicial da Carreira Diplomática se obtiver a autorização a que se referem os Arts. 48 e 50 do Regulamento de Pessoal de Serviço Exterior, aprovado pelo Decreto n.º 93.325, de 1º de outubro de 1986, a ser requerida na forma da legislação em vigor. Essa exigência aplica-se também ao candidato cuja separação judicial não tenha transitado em julgado.

2.4. Local das provas : no ato da inscrição, o candidato deverá declarar a cidade onde deseja realizar a prova da Primeira Fase, entre as opções relacionadas nas alíneas "a" e "b" do item 2.1.2 acima. Cabe notar que, embora na mesma cidade, o local de realização de provas poderá não ser o mesmo das inscrições. Cada Centro Regional orientará especificamente os candidatos a respeito. As provas da Segunda Fase serão realizadas na mesma cidade onde o candidato tiver prestado o Teste de Pré-Seleção (TPS).

2.4.1. Os endereços dos locais de realização da prova da Primeira Fase serão publicados no Diário Oficial da União, por meio de edital, até o dia 7 de março de 2003, divulgados

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nos endereços eletrônicos http://www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm e http://www.cespe.unb.br/diplomacia e afixados na sede do Instituto Rio Branco e nos Centros Regionais.

2.5. Os candidatos que tencionem concorrer às vagas reservadas aos portadores de deficiência e as candidatas que necessitem dispor de local reservado à amamentação durante as provas deverão indicar tais circunstâncias nos campos específicos do formulário de inscrição.

2.6. O Guia de Estudos, que contém a legislação, o programa e as informações relativas ao Concurso, bem como exemplos de provas do concurso anterior e as respectivas melhores respostas às questões formuladas, estará disponível nos endereços eletrônicos http://www2.mre.gov.br/irbr/irbr.htm e http://www.cespe.unb.br/diplomacia. Os candidatos que assim desejarem poderão recolher 1(um) exemplar do Guia de Estudos na sede do IRBr ou nos Centros Regionais.

2.7. Normas gerais :

a) sempre que solicitado, o candidato deverá exibir sua carteira de identidade;

b) não haverá segunda chamada de prova alguma;

c) as provas escritas serão feitas com caneta de tinta preta ou azul;

d) no TPS apenas será permitido o uso de caneta esferográfica de tinta preta;

e) só quando expressamente autorizado, poderá o candidato ausentar-se do recinto da prova, assegurados os direitos das mães lactantes, como previsto no item 11.3;

f) será eliminado o candidato que: (i) não comparecer na hora aprazada a qualquer prova, exame ou atividade prevista; (ii) agir com incorreção ou descortesia; (iii) tentar comunicar-se por qualquer meio, durante as provas, com pessoa não autorizada; ou (iv) consultar, durante as provas, livro, notas ou qualquer outro material que não tenha sido expressamente admitido;

g) será eliminado, ainda, o candidato cuja prova apresentar qualquer sinal que possibilite sua identificação;

h) a nenhum candidato será dado alegar desconhecimento das presentes instruções ou das convocações e avisos feitos no decorrer do Concurso;

i) os casos omissos serão decididos pelo Diretor do IRBr.

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3. DAS FASES DO CONCURSO

3.1. O Concurso realizar-se-á em 5 (cinco) fases, em que todos os testes, provas e requisitos terão caráter eliminatório, segundo os critérios e os métodos de avaliação especificados neste Edital.

A Primeira Fase constará de um Teste de Pré-Seleção (ver item 4 abaixo).

A Segunda Fase terá duas provas: Português e Inglês (ver item 5 abaixo).

A Terceira Fase incluirá 7 (sete) provas: Questões Internacionais Contemporâneas, Português Oral, Inglês Oral, Geografia, História, Noções de Direito e Noções de Economia (ver item 6 abaixo).

A Quarta Fase verificará as condições físicas, psíquicas e comportamentais dos candidatos (ver item 7 abaixo).

A Quinta Fase será a da matrícula no Programa de Formação e Aperfeiçoamento de Diplomatas – Primeira Fase (PROFA-I), condicionada à satisfação das condições exigidas no item 2.2 deste Edital, e à apresentação do material e da documentação definidos no item 8 abaixo.

3.2. Só será admitido à prova ou à fase seguinte quem tiver sido aprovado na prova ou fase anterior.

4. DA PRIMEIRA FASE: TESTE DE PRÉ-SELEÇÃO (TPS)

4.1. Data, horário e local: dia 22 de março de 2003, às 14 horas (horário de Brasília), realizado simultaneamente em Brasília e nas cidades mencionadas na alínea "b" do item 2.1.2. acima. Terá a duração de 5 (cinco) horas.

Os candidatos deverão apresentar-se pelo menos 30 minutos antes do horário previsto para o início da prova, munidos do comprovante de inscrição e de cédula de identidade.

No TPS apenas será permitido o uso de caneta esferográfica de tinta preta.

4.2. Características - O TPS é prova de caráter eliminatório, composta de cem questões de múltipla escolha. Cada questão conterá cinco itens, dos quais apenas um constituirá a resposta correta. O candidato deverá marcar, para cada questão, um e apenas um item na folha de respostas, que será o único documento válido para a correção da prova.

As questões versarão, em sua maior parte, sobre as disciplinas cobradas nas fases subseqüentes do Concurso, sem necessariamente se limitarem aos programas estabelecidos para as provas da Segunda e da Terceira Fases. Nas questões de Português

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e Inglês, avaliar-se-á, além do conhecimento dos idiomas e do uso da norma culta, a capacidade de intelecção e interpretação de textos. Também poderão constar do TPS questões de cultura geral e brasileira.

3. Gabarito:

o gabarito do TPS estará disponível no dia 24 de março de 2003.

4.4. Avaliação: as folhas de respostas preenchidas pelos candidatos serão corrigidas por meio de processamento eletrônico. O candidato obterá um ponto para cada questão respondida acertadamente. Não pontuará nos casos de marcar a resposta incorreta, de marcar mais de um item em uma questão (ainda que um deles seja a resposta correta) ou de não marcar nenhum item.

Serão considerados aprovados na Primeira Fase do Concurso e, portanto, habilitados à Segunda Fase os candidatos que obtiverem notas iguais ou superiores à do 180º colocado. Serão, portanto, convocados seis candidatos para cada vaga aberta pelo Concurso, respeitados os empates na última colocação.

4.5. Resultados: a nota de corte – equivalente à obtida pelo 180° classificado – será anunciada até as 18 h do dia 25 de março de 2003, juntamente com a relação dos candidatos aprovados na Primeira Fase.

Dados a divulgação do gabarito e o método eletrônico de correção, não caberá recurso aos resultados do TPS.

A relação dos aprovados da Primeira Fase será enviada para publicação no Diário Oficial da União, em Edital que convocará os candidatos aprovados para a Fase seguinte do Concurso.

4.6. O resultado final do TPS não fará parte do cálculo da média global dos candidatos para efeito de ordem de classificação final no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata.

5. DA SEGUNDA FASE: PORTUGUÊS E INGLÊS

5.1. Português

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5.1.1. Data, horário e local: dia 5 de abril de 2003, às 9 h (horário de Brasília), na mesma cidade em que foi feito o TPS, tal como determinado no item 2.4. acima. Terá a duração de 5 horas.

5.1.2. Características - A prova de Português constará de leitura, compreensão e análise de um ou mais textos literários, jornalísticos, informativos ou científicos, para elaboração de resumo com a extensão de 200 a 250 palavras (valor: 30 pontos), e de redação sobre tema de ordem geral, com a extensão de 450 a 600 palavras (valor: 70 pontos). Serão avaliadas a adequação, a relevância e a estruturação das idéias desenvolvidas nos textos, bem como a correção gramatical e a propriedade da linguagem escrita, de modo a aferir a capacidade de intelecção e de produção de textos escritos de acordo com os padrões da norma culta da língua portuguesa.

5.2. Inglês

5.2.1. Data, horário e local: dia 6 de abril de 2003, às 9 h (horário de Brasília), na mesma cidade em que foi feita a prova de Português. Terá a duração de 5 horas.

5.2.2. Características - A prova escrita de Inglês constará de três partes: redação sobre tema de ordem geral, com extensão de 350 a 450 palavras (valor: 50 pontos); versão de um ou mais textos (valor: 30 pontos); e exercícios textuais (valor: 20 pontos). Exigir-se-á conhecimento avançado do idioma.

5.3. Aprovação: serão considerados aprovados na Segunda Fase do Concurso os candidatos que obtiverem as notas mínimas de 60 (sessenta), numa escala de 0 (zero) a 100 (cem), na prova de Português, e de 50 (cinqüenta), na de Inglês. O candidato que não comparecer a uma das duas provas, ou entregar uma prova em branco, ou com qualquer forma de identificação, estará automaticamente eliminado e não terá a outra prova corrigida.

5.4. Resultados: os resultados da Segunda Fase serão anunciados, na sede do IRBr, em Brasília, às 13 h do dia 5 de maio de 2003, e divulgados, nos demais locais onde se tenha realizado o Concurso, até as 18h deste mesmo dia. A vista de provas em Brasília e nos Centros Regionais será permitida a partir das 9 horas de 7 de maio de 2003.

5.5. Recursos: os candidatos terão direito à vista de provas, observadas as seguintes condições:

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a) a vista de provas e os pedidos de revisão de notas, doravante chamados de recursos, só serão aceitos quando requeridos pelo próprio candidato — não se admitindo, portanto, procurador para esse fim — e, sempre, nas cidades de realização da respectiva prova;

b) os recursos serão solicitados em formulário próprio, fornecido pelo IRBr;

c) só serão aceitos requerimentos de recursos fundamentados, que indiquem precisamente as questões e os pontos em que o candidato se tiver sentido prejudicado;

d) os requerimentos deverão ser apresentados até as 18 h do dia 9 de maio, em Brasília e nos Centros Regionais;

e) respeitada a fundamentação dos recursos, caberá ao Diretor do IRBr deferi- los para a consideração da Banca Examinadora;

f) o julgamento dos recursos terá caráter irrecorrível, passando a nota a ser definitiva;

g) o resultado dos recursos e, portanto, o resultado final da Segunda Fase, será anunciado até as 18 h do dia 14 de maio de 2003, na sede do IRBr, em Brasília, e mandado para publicação no Diário Oficial da União, em Edital que convocará os candidatos aprovados para as fases seguintes do Concurso.

6. DA TERCEIRA FASE

6.1. Os candidatos que tiverem sido aprovados nas provas da Segunda Fase nos Centros Regionais receberão do IRBr passagem aérea de ida e volta a Brasília e auxílio em dinheiro a partir do dia 4 de junho de 2003, data em que se deverão apresentar à sede do Instituto Rio Branco, e até quando se justificar sua presença na Capital Federal em razão do Concurso.

6.2. Local e calendário: as provas da Terceira Fase do Concurso realizar-se-ão na sede do Instituto Rio Branco, em Brasília, entre os dias 5 e 22 de junho de 2003, em horário e calendário a serem comunicados pela Secretaria do IRBr, e distribuir-se-ão da seguinte maneira:

a) Questões Internacionais Contemporâneas, Português e Inglês, no período de 5 a 9 de junho, em grupos alternados;

b) Geografia, em 14 de junho;

c) História, em 15 de junho;

d) Noções de Direito, em 21 de junho;

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e) Noções de Economia, em 22 de junho.

6.3. Das provas orais: nesta fase, as provas de Questões Internacionais Contemporâneas, Português e Inglês serão orais.

6.3.1. Questões Internacionais Contemporâneas:

a) a prova terá por objetivo verificar o conhecimento e a capacidade de reflexão do candidato sobre temas internacionais correntes, incluindo antecedentes, situação atual e posição do Brasil;

b) na argüição, serão igualmente avaliadas a capacidade do candidato de analisar o tema e de organizar sua exposição, e a forma de fazê- lo, do ponto de vista tanto da articulação de idéias como da capacidade de expressão verbal;

c) a Banca Examinadora valorizará particularmente o tratamento que ressalte os interesses brasileiros nos temas;

d) o candidato sorteará três temas e terá 20 (vinte) minutos para preparar exposição sobre um deles;

e) a exposição deverá ser de 10 (dez) minutos, seguida de perguntas da Banca Examinadora, que poderá, se julgar procedente para a avaliação do candidato, ampliar o tema inicialmente tratado, referindo-se, em particular, ao conteúdo da Bibliografia.

6.3.2 Português:

A prova oral de Português constará de avaliação da expressão e do correto uso verbal da língua pelo candidato, quando da prova de Questões Internacionais Contemporâneas. Será feita por Banca específica de Português, que acompanhará toda a exposição e argüição do candidato pela Banca Examinadora de Questões Internacionais Contemporâneas.

6.3.3. Inglês:

a) o objetivo da prova é verificar a fluência, a correção e a capacidade do candidato de se expressar e de discutir adequadamente, em língua inglesa, assuntos relacionados ao texto preparado;

b) o candidato sorteará um texto e terá 20 (vinte) minutos para prepará-lo, podendo recorrer a dicionário, posto à disposição pelo IRBr;

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c) a argüição constará de leitura em voz alta de parte do texto selecionado, seguida de resumo oral, análise de parágrafos ou frases, perguntas sobre significação de palavras ou frases e discussão de assuntos suscitados pelo texto.

6.3.4. Aprovação: será cons iderado aprovado nas provas orais o candidato que obtiver a nota mínima de 50 (cinqüenta) em cada uma das provas;

6.3.5. Resultados : os resultados das provas orais serão divulgados até as 10 h do dia 10 de junho;

6.3.6. Recursos:

a) o candidato que se sentir prejudicado pela avaliação poderá ouvir e transcrever a gravação de sua argüição, mas não poderá reproduzi- la em fita, e, se o fundamentar, dirigir pessoalmente requerimento de recurso ao Diretor do IRBr;

b) os requerimentos deverão ser apresentados até as 13 h do dia 11 de junho, para o devido deferimento pelo Diretor do IRBr;

c) o resultado dos recursos será anunciado até as 18 h do dia 12 de junho e terá caráter irrecorrível, passando a nota a ser definitiva.

6.3.7. O candidato reprovado em qualquer uma das provas orais será eliminado do Concurso.

6.4. Das provas escritas : nesta fase, as provas de Geografia, História, Noções de Direito e Noções de Economia serão escritas e:

a) terão a duração de cinco horas cada uma, com início às 9 h e término às 14 h;

b) serão compostas de cinco dissertações, no valor de 20 (vinte) pontos cada uma.

6.4.1. Nas provas de Geografia e História, três das questões obrigatoriamente tratarão do Brasil.

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6.4.2. Na prova de Noções de Direito, somente será admitida consulta a textos legais (a serem eventualmente fornecidos pela Direção do IRBr) quando expressamente autorizada.

6.4.3. A nota mínima exigida em História e Geografia é de 50 (cinqüenta) pontos e, em Noções de Direito e Noções de Economia, 40 (quarenta).

6.4.4. A reprovação em uma prova escrita eliminará o candidato do Concurso.

6.4.5. Os resultados das provas de Geografia e História serão anunciados conjuntamente, às 13 horas do dia 16 de junho. Respeitadas as regras de fundamentação e deferimento, os recursos poderão ser apresentados até as 18 horas do dia 18 de junho. O resultado final dessas provas será divulgado até as 18 horas do dia 20 de junho.

6.4.6. Apenas os candidatos aprovados nas provas de Geografia e História estarão habilitados a realizar as provas de Noções de Direito e Noções de Economia.

6.4.7. Os resultados das provas de Noções de Direito e Noções de Economia serão anunciados conjuntamente, às 13 horas do dia 23 de junho. Respeitadas as regras de fundamentação e deferimento, os recursos poderão ser apresentados até as 18 horas do dia 25 de junho. O resultado final dessas provas será divulgado até as 18 horas do dia 26 de junho.

7. DA QUARTA FASE: EXAMES MÉDICOS E PSÍQUICOS

7.1. Data, local e horário: os exames serão realizados a partir do dia 23 de junho de 2003, em local e horário a serem oportunamente informados pela Secretaria do IRBr.

7.2. Características - A Quarta Fase do Concurso visa a verificar se o candidato possui as condições físicas, psíquicas e comportamentais exigidas pela profissão de diplomata, nos termos do art. 7.º da Lei n.º 7.501, de 27 de junho de 1986. São condições de inabilitação as prescritas pela Portaria nº. 01, de 07 de fevereiro de 2001, do Diretor do IRBr, publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de fevereiro do mesmo ano.

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7.3. Junta de Avaliação: conduzirá a avaliação da higidez e da habilitação física e psíquica dos candidatos uma Junta de Avaliação presidida pelo chefe do Serviço Médico do Ministério das Relações Exteriores e integrada por dois outros médicos, não vinculados ao Ministério, com ampla experiência em clínica geral e psiquiatria. A Junta de Avaliação emitirá laudo sobre cada candidato, considerando-o "habilitado" ou "inabilitado".

7.4. Resultados: os resultados da Quarta Fase do Concurso serão afixados na sede do IRBr, em Brasília, no dia 27 de junho de 2003.

7.5. Recursos: o candidato inabilitado terá direito a recurso, mediante requerimento dirigido ao Diretor do IRBr, até as 13 horas do dia 30 de junho, a contar da divulgação de que trata a cláusula precedente. Para esse fim, o Diretor do IRBr designará Junta de Recurso, composta por quatro membros: (i) um Ministro de Primeira ou de Segunda Classe, que a presidirá, sem direito a voto; (ii) um dos médicos que tenha integrado a Junta de Avaliação; e (iii) dois outros médicos. Se o desejar, o candidato inabilitado poderá designar, por sua conta, um médico para apresentar à Junta de Recurso as razões que fundamentam sua inconformidade com a avaliação inicial. Com base na reavaliação efetuada, a Junta emitirá laudo final, a ser submetido ao Diretor do IRBr, que o elevará, com seu parecer, ao Secretário-Geral das Relações Exteriores. A decisão deste será final e irrecorrível.

7.6. Resultados finais : O resultado dos recursos e, portanto, o resultado final da Quarta Fase será anunciado até as 13 h do dia 1º de julho de 2003.

8. DA QUINTA FASE: MATRÍCULA

8.1. Data, horário e local: dia 1º de julho de 2003, às 15 h, na sede do IRBr, em Brasília.

8.2. Matrícula: a concessão da matrícula no Programa de Formação e Aperfeiçoamento de Diplomatas – Primeira Fase (PROFA-I) dos aprovados no Concurso estará condicionada à apresentação à Secretaria do IRBr de:

a) três fotos 3x4;

b) original e fotocópia dos seguintes documentos: (i) certidão de nascimento, (ii) prova de quitação com o

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Serviço Militar, (iii) título de eleitor (iv), comprovante de votação atualizado ou documento equivalente, (v) diploma ou certificado de conclusão, até 20 de junho de 2003, de curso superior de graduação, devidamente reconhecido e registrado pela instituição brasileira competente conforme previsto pela Lei de Diretrizes de Base de 1996 (Lei nº 9.394).

8.3. Os candidatos casados deverão apresentar, adicionalmente, certidão de casamento, formulário de dados pessoais e uma foto 3x4 do cônjuge. Se o cônjuge for estrangeiro, deverá ser cumprida a exigência de que trata o item 2.3 deste Edital.

8.4 O não cumprimento de qualquer dos requisitos acima acarretará a eliminação do candidato no Concurso.

9. RESULTADO FINAL DO CONCURSO

9.1. Será considerado aprovado o candidato que, tendo sido considerado habilitado em todas as cinco fases do Concurso, tiver, adicionalmente, obtido média global igual ou superior a 60 (sessenta) nas provas da Segunda e Terceira Fases.

9.2. A ordem de classificação no Concurso, calculada com base nas respectivas médias globais, determinará a ordem de ingresso na classe inicial da Carreira de Diplomata.

9.3. O resultado final do Concurso será anunciado, por ordem de classificação dos aprovados, isto é, pela ordem decrescente das respectivas médias globais, até as 14 h do dia 04 de julho de 2003, na sede do IRBr.

10. DA NOMEAÇÃO, DA POSSE E DO EXERCÍCIO

10.1. Da nomeação: Os candidatos aprovados no resultado final do Concurso serão nomeados por ato do Ministro de Estado das Relações Exteriores, no uso da competência que lhe foi delegada pelo Decreto n.º 83.940, de 14 de agosto de 1979, publicado no Diário Oficial da União.

10.2. Da posse: Uma vez nomeados, os candidatos aprovados no resultado final do Concurso tomarão posse, ainda que mediante procuração específica, no prazo de até 30 (trinta) dias, contados da publicação do ato de nomeação.

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10.3. Do exercício: O Diretor do Instituto Rio Branco determinará a data de início do efetivo exercício, em até 15 (quinze) dias após a data da posse.

11. DISPOSIÇÕES GERAIS

11.1. Os programas das matérias do Concurso serão detalhados no Guia de Estudos de que trata o item 2.5 acima.

11.2 É obrigatório o uso de traje passeio completo (terno e gravata para homens e indumentária correspondente para mulheres) da Terceira à Quinta Fases do Concurso. Exige-se, de toda maneira, traje apropriado para a Primeira e Segunda Fases.

11.3 É assegurado à mãe lactante, durante a realização das provas, local reservado para amamentação, caso manifeste tal necessidade no campo específico do formulário de inscrição. A candidata deverá levar acompanhante, que ficará em sala reservada para essa finalidade e será responsável pela criança durante o horário de realização de cada prova.

11.4. Identificação e Divulgação dos Resultados :

Na Primeira Fase, as respostas ao Teste de Pré-Seleção serão dadas em formulário ótico.

Na Segunda e Terceira Fases, as provas escritas não serão identificadas, para efeito de correção. Somente no momento do anúncio dos resultados ocorrerá a identificação em público.

11.5. Aceitação das Normas do Edital: o requerimento de inscrição implica o conhecimento e a aceitação, pelo candidato, de todos os prazos e normas estabelecidos pelo presente Edital. O candidato que fizer declaração falsa ou inexata, ou que não satisfizer às condições exigidas, poderá ter cancelada sua inscrição a qualquer momento, por decisão do Diretor do IRBr, publicada no Diário Oficial da União. Cancelada a inscrição, serão anulados todos os atos dela decorrentes.

JOÃO ALMINO DE SOUZA FILHO

Diretor

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ANEXO IV