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Desenvolvimento Infantil e Relação Familiar Curso de Especialização em Intervenção Precoce Docente: Inês Godinho Costa Discentes: Cláudia Marques n.º 6100 Dulce Ferreira n.º 5573 1

Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

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Page 1: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

Desenvolvimento Infantil

e

Relação Familiar

Curso de Especialização em Intervenção Precoce

Docente: Inês Godinho Costa

Discentes: Cláudia Marques n.º 6100

Dulce Ferreira n.º 5573

março de 2014

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Page 2: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

Índice

Capítulo 1 - Desenvolvimento da linguagem na criança……………………………… 4

1.1– Comunicação, Linguagem e fala …………………………………………………….4

1.2– A aquisição da Linguagem: Principais Teorias Explicativas…………………… 10

1.2.1 – Teoria de aquisição da Linguagem segundo a proposta Empirista ..

……... 11

1.2.2 - Teoria de aquisição da Linguagem segundo a proposta Racionalista …....12

1.3 - Aquisição e desenvolvimento da linguagem na criança………………..……… 14

13.1 - Aquisição e desenvolvimento da linguagem até aos 3 anos de idade …….. 16

1.4- Problemas e avaliação e de desenvolvimento na criança ……………………… 19

1.5- Fatores de risco do desenvolvimento da linguagem na criança ……...……….. 21

Capítulo 2 – Perturbações da Aquisição e do Desenvolvimento da Linguagem ..… 23

2.1 - Fatores Determinantes das Perturbações da Aquisição e Desenvolvimento da

Linguagem na Criança: fatores biológicos e interação verbal ……………………… 24

2.2 – Avaliação da linguagem na criança ……………………………………………… 27

2.3 – Classificação das Perturbações da Linguagem na criança: atraso no

desenvolvimento da linguagem, perturbação fonológica e perturbação específica da

linguagem …………………………………………………………………………………. 28

Considerações finais ………………………………………………………………..…… 31

Referências Bibliográficas ………………………………………………………………. 33

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Page 3: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

Introdução

O trabalho que agora apresentamos, focalizado no desenvolvimento da

linguagem, insere-se no âmbito da Especialização em Intervenção Precoce, do

Instituto Superior de Ciências da Informação e Administração. Trata-se de um

trabalho que procura compreender as etapas inerentes ao desenvolvimento da

linguagem na criança.

A evolução da linguagem, tal como acontece com o desenvolvimento da

criança noutras áreas é um processo gradual. Cada criança possui o seu próprio

ritmo de desenvolvimento que depende de fatores biológicos, fisiológicos,

emocionais, neurológicos, interações com meio entre outros. Por isso, é necessário

identificar em cada criança o que está adequado ou o que requer um olhar mais

específico. Neste sentido, consideramos também importante refletir sobre as

perturbações da aquisição e do desenvolvimento da linguagem.

O trabalho encontra-se organizado em dois capítulos interligados,

Desenvolvimento da Linguagem na Criança e Perturbações da Aquisição e do

Desenvolvimento da Linguagem. No primeiro capítulo, procedemos a uma

abordagem concetual do desenvolvimento da linguagem na criança, focando as

principais teorias de desenvolvimento.

No segundo capítulo, focamos as perturbações da aquisição e do

desenvolvimento da linguagem, enunciamos alguns fatores determinantes,

apresentamos alguns instrumentos de avaliação para posteriormente apresentarmos

classificações das perturbações da linguagem

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Capítulo 1 – Desenvolvimento da Linguagem na Criança

A aquisição e desenvolvimento da linguagem e comunicação é importante

para a interação com o meio social. Assim, é fundamental que os professores

reflitam sobre as questões da linguagem e da comunicação, bem como do seu

desenvolvimento. Deste modo poderão funcionar como agentes no processo de

deteção precoce de dificuldades linguísticas.

A linguagem consiste num dos mais fortes instrumentos ao serviço da

comunicação humana. Diferenciadas teorias situam a sua origem em patamares que

variam entre compromissos genéticos e adquiridos. A aquisição dos seus processos

e dimensões básicas acontece entre os cinco e os seis anos de idade. Este facto,

justifica o início do novo ciclo de aprendizagens simbólicas, sob forma de símbolos

escritos que refletem uma realidade explícita e veiculam a representação interna da

linguagem falada.

O desenvolvimento linguístico segue um percurso paralelo a outras áreas tais

como a motricidade, a cognição, a autonomia e a socialização.

Até aos três anos de idade, o domínio formal da língua revela inumeráveis

métodos de simplificação fonética e fonológica, uma vez que o uso da morfosintaxe

revela algumas limitações, quer quanto à qualidade quer quanto à quantidade dos

seus enunciados.

1.1– Comunicação, Linguagem e Fala

Comunicar é fundamental para todos os seres humanos, pois uma das

necessidades principais do Homem é o seu relacionamento com os outros. A

comunicação é uma forma indispensável para expressar as necessidades básicas,

para a troca de ideias, para um aumento do conhecimento mútuo, para fazer amigos

e para a realização profissional do ser humano.

A literatura remete-nos para vários autores que definiram os conceitos

comunicação, linguagem e fala. Um dos pioneiros desta área, Charles Cooley,

definiu, em 1909, que a comunicação é “o mecanismo através do qual existem e se

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Page 5: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

desenvolvem as relações humanas”. (in

http://www.prof2000.pt/users/arcencio/Cl.htm).

Segundo Owens (1990) citado por Bernstein & Tiegerman (2002) a

comunicação é um procedimento ativo através do qual o emissor envia uma

mensagem a um recetor que a assimila e compreende, ou seja, é um processo em

que há intercâmbio de informação entre sujeitos que atribuem significado às

palavras.

Segundo Chiavenato (2002, p. 142), comunicação “é a troca de informações

entre indivíduos. Significa tornar comum uma mensagem ou informação. Constitui

um dos processos fundamentais da experiência humana e da organização social”.

Redfild (citado por REGO 1996, p. 59), afirma que “a comunicação é o processo de

transferir uma pequena informação selecionada (mensagem) de uma fonte de

informação a um destinatário”. A troca de comunicação entre indivíduos também

pode ser feita através de diferentes canais, nomeadamente através do tato, do olhar,

de gestos ou de movimentos corporais.

A linguagem é um sistema simbólico complexo baseado na compreensão

interiorizada da experiência. A ordenação da linguagem tem início na linguagem

interior, sendo ela não-verbal, logo não é simbólica, passando posteriormente à

linguagem auditiva ou falada, que envolve no seu nível recetivo a compreensão e no

expressivo a fala. Assim, existem dois sistemas simbólicos: o auditivo e o visual, os

quais muitas vezes apresentam problemas e dificuldades no seu desenvolvimento

(Cruz, 2007).

Existem diferentes tipos de comunicação. A comunicação verbal é feita por

escrito e devidamente documentada por meio de protocolo sendo constituída pela

palavra. A comunicação oral é composta por ordens, pedidos, conversas, debates,

discussões entre outros. A comunicação escrita baseia-se nas cartas, telegramas,

bilhetes, cartazes, livros, jornais, revistas entre outros.

Não nos podemos esquecer de outro tipo de comunicação, a comunicação

não-verbal. Através desta comunicação acontece uma troca de sinais: olhar (as

pessoas costumam entender-se pelo olhar), gesto (pode ser voluntária, como um

beijo ou um cumprimento; mas também pode ser involuntária, como por exemplo,

mãos que não param de rabiscar ou de mexer em algo sendo um sinal de tensão

e/ou nervosismo), postura, a mímica (gestos das mãos, do corpo, da face).

(in http://www.artigos.com/artigos/sociais/administraçao/comunicaao1511/artigo/)5

Page 6: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

Tal como podemos verificar na figura 1, o emissor envia a mensagem ao

recetor através de um canal. O recetor deve fazer a descodificação da mensagem

recebida de modo a compreendê-la e, caso seja necessário, deve responder ao

emissor da mesma forma, escolhendo o tipo de comunicação que mais se adequa

ao contexto e de acordo com as suas capacidades.

Figura 1 - Esquema da Comunicação

Concluindo, a comunicação é um processo de transmissão de informação do

emissor para o recetor utilizando comunicação verbal e/ou não-verbal. A

comunicação implica que haja compreensão. Se não houver compreensão, não

acontece comunicação, ou seja, Se uma pessoa transmitir uma mensagem e esta

não for compreendida pela outra pessoa, a comunicação falha.

Ao comunicar, a criança desenvolve as suas aptidões e competências, em

virtude das trocas que mantém e assume com o meio envolvente. Quanto maior for

a sua capacidade para comunicar, maior controlo ela poderá ter sobre o meio

envolvente e terá uma melhor integração na sociedade. (Nunes, 2001).

Entende-se por linguagem um sistema usado por um grupo de indivíduos para

atribuir significado a um conjunto de sons, palavras, gestos e símbolos de modo a

comunicar entre si. A linguagem remete-se ao conteúdo daquilo que é falado,

escrito, produzido, lido ou compreendido.

Segundo Santos (2008), para que a criança compreenda e produza

linguagem de uma forma significativa é necessário que:

a audição esteja nos parâmetros normais de funcionamento;

o cérebro tenha capacidades intelectuais suficientes para processar o

significado da informação (palavras e frases). Deverá ainda, ter capacidades

de armazenamento para que a informação possa voltar a ser chamada ou

recordada mais tarde (memória);6

Page 7: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

tenha as aptidões motoras (aparelho fonador) adaptadas para falar, para que

a sua produção (palavras e frases) possa ser ouvida e compreendida pelos

outros;

as crianças devem ter necessidades e interesses sociais para comunicar com

os outros;

deverá existir reforço por parte do recetor da informação no ato da

comunicação.

Mas a linguagem não é necessariamente oral. Existem linguagens constituídas

por gestos, como a língua gestual das pessoas surdas, ou linguagens formadas por

símbolos pictográficos, como aqueles que utilizam as pessoas com graves

alterações motoras e cognitivas. No entanto, parece evidente que a linguagem

humana é por excelência a linguagem oral, ou seja, aquela que é formada por uma

sucessão de símbolos que emitimos verbalmente (linguagem falada), e que têm uma

representação física (linguagem escrita).

A utilização da linguagem pressupõe receber mensagens, compreendê-las,

formulá-las e emiti-las. Quando uma pessoa recebe uma mensagem oral e tenta

compreendê-la, está a descodificar a linguagem (linguagem recetiva). Quando um

individuo formula e envia mensagens, está a codificar a mensagem (linguagem

expressiva).

Assim, cabe diferenciar aqui dois tipos de linguagem:

linguagem compreensiva ou recetiva, que é a capacidade para

compreender palavras e gestos;

linguagem expressiva, que é a capacidade para usar gestos,

palavras e símbolos escritos aplicando-os à comunicação.

Bloom and Lahey (1978, citados por BERNSTEIN et al., 2002) propuseram

um modelo que divide a linguagem em três grandes componentes: forma, conteúdo

e uso. A forma diz respeito às regras de combinação de sons para formar palavras

(fonologia), às regras que regulam a organização interna das palavras (morfologia) e

às regras que permitem a combinação de palavras para construir os vários tipos de

frases (sintaxe). O conteúdo está relacionado com o significado. Fazem parte do

conteúdo as regras que governam a semântica. O conteúdo ou significado pode ser

literal e não-literal e a sua interpretação depende do contexto e do conhecimento

que cada indivíduo tem dos conceitos (do léxico). Este conhecimento provém das

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Page 8: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

experiências anteriores e está dependente do desenvolvimento cognitivo de cada

indivíduo. O uso diz respeito às regras que regulam a utilização da linguagem nos

diversos contextos sociais. Estas regras são denominadas de pragmática. São

exemplo destas regras, as que regulam os motivos por que se comunica (intenções

ou funções comunicativas). Cumprimentar, perguntar, responder, pedir informações,

informar e pedir esclarecimentos são exemplos de intenções comunicativas. Além

destes aspectos, a pragmática engloba ainda as regras para iniciar, manter e

terminar uma interacção.

Em termos sumários, as componentes da Linguagem compreendem

diferentes níveis linguísticos que intervém, por sua vez, nos processos de linguagem

expressiva e receptiva, conforme pretende esclarecer o quadro que se segue,

adaptado de Kuder (1997).

Figura 2 – Componentes do sistema linguístico – implicações na linguagem

expressiva e recetiva (in, Kuder, 1997)

A expressão verbal da linguagem é o que se nomeia de fala, constituindo esta

um sistema muito complexo, através do qual se transforma uma ideia num conjunto

de sons que têm significado para a pessoa que os ouve. Assim, a linguagem é um

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código, sendo a fala uma produção sensoriomotora desse mesmo código. Deste

modo, a linguagem e a fala estão ligadas no entanto, não têm a mesma definição.

A fala é um dos modos mais usados na comunicação. É um modo verbal-

oral de transmitir mensagens e envolve uma coordenação precisa e rigorosa de

movimentos neuromusculares orais, com o objetivo de produzir sons e unidades

linguísticas (fonemas, palavras, frases), efetuada através do processo de articulação

de sons (Bernstein & Tiegerman, 1993). Pelo exposto, é a materialização e

manifestação concreta da linguagem.

Para que ocorra a fala é imprescindível que o cérebro conceba uma ideia para

transmitir a alguém. O cérebro deverá enviar essa informação ao aparelho fonador

que, por sua vez, executa mecanicamente essa ordem, produzindo essa informação

com a linguagem que já foi adquirida (Santos, 2008).

Ainda segundo Beukelman & Mirenda (1998), a fala é a materialização da

língua na variante fónica, sendo realizada através de um processo de articulação de

sons. É o meio de comunicação mais comum e eficaz por constituir a forma que

exige menos esforço e ser a mais facilmente compreendida pelas pessoas.

O processo de aquisição da linguagem e o progressivo domínio linguístico

oral, materializado pela fala da criança passa, necessariamente, pelo conhecimento

intuitivo dos sons da sua língua materna e do modo como estes se organizam. Os

processos subjacentes a um ato de fala são complexos. O seu controlo situa-se,

fundamentalmente, a nível do sistema nervoso central. No cérebro do falante,

organiza-se a estrutura subjacente ao enunciado linguístico (representação

linguística, fonológica) e desencadeiam-se processos de delineação e coordenação

de atividades motoras, enviados ao sistema periférico, no sentido da ativação de

mecanismos de produção.

O córtex cerebral possui áreas pré-motoras e motoras que controlam a fala e

a escrita. A área de Broca é responsável pela formação das palavras. É aqui que

ocorre o planeamento para a formação de palavras individuais e de frases. A área

de Wernicke processa e reconhece as palavras faladas. O córtex pré-frontal controla

a personalidade e o comportamento social adequado.

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Figuras 3 e 4 - Áreas do cérebro relacionadas com a linguagem

Fonte - www.oocities.org/empiricu/home7.html

1.2– A Aquisição da Linguagem: Principais Teorias Explicativas

“Language may be the most distinctive attribute of human

beings; its acquisition is an integral part of human

development. It is not surprising that how language is

learned and taught are major issues in education and

other human service fields”

(McCormick & Schiefelbusch, 1984:2)

As aquisições linguísticas realizadas pela criança nos primeiros tempos de

vida são fundamentais e decisivas para o seu futuro linguístico.

Durante muito tempo, linguistas e psicólogos debateram-se sobre o modo

como a criança adquire a linguagem. Ao longo deste ponto iremos fazer referência a

alguns autores cujos contributos marcaram claramente uma viragem teórica na

questão de fundamentação do processo de aquisição e desenvolvimento da

linguagem centrando esta recolha nas perspetivas behaviorista, conexionista,

inatista, construtivista-cognitivista e construtivista-interaccionista, tal como se pode

verificar no quadro abaixo.

EMPIRISMO RACIONALISMO

Behaviorismo Inatista

Construtivismo – cognitivista

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Conexionismo Construtivismo – interracionista

Tabela 1 - Teorias explicativas sobre a aquisição e desenvolvimento da

linguagem

1.2.1– Teoria de Aquisição da Linguagem segundo a proposta Empirísta

O pensamento empirista serviu de base para as duas primeiras teorias de

aquisição da linguagem. A mente não era considerada essencial para justificar o

processo de aquisição. Era apenas importante o conhecimento humano que era

produzido a partir das suas experiências com o mundo através de estímulos e

respostas. Nesta perspetiva, nasceu a teoria  Behaviorista que pressupõe que a

criança desenvolve o seu mundo ou o seu conhecimento linguístico através de

estímulo-resposta (E – R) imitação e reforço (Del Ré, 2006). O Behaviorismo postula

que a aprendizagem da língua é semelhante a qualquer outra aprendizagem, sendo

adquirida através de reforços e privações.

Segundo esta perspetiva, a capacidade infantil que serve de motor no acesso

à linguagem é a imitação a par da satisfação de determinadas necessidades. É a

partir da interação destas duas variáveis que as crianças começam, primeiro a imitar

os sons que ouvem e, depois as palavras. A criança ouve a palavra e imita o som,

mesmo sem conhecer o seu significado, sendo igualmente, em função do reforço

proporcionado pelos pais, assim como da imersão no modelo linguístico do meio que

a envolve, que a criança adequa e amplia as suas produções às características

impostas pela língua que aprende.

Skinner alicerça a sua teoria com base nos reforços que a criança sofre. De

acordo com estes reforços a criança conserva ou elimina algum tipo de

comportamento referente à linguagem. Este processo ajuda-a a construir,

desenvolver e aprender uma determinada língua (Del Ré, 2006).

Outra teoria com base na proposta empirista é o conexionismo. Esta teoria

admite que o cérebro é responsável pela aprendizagem imediata no momento em

que ocorre a experiência. Esta teoria baseia-se na interacção entre o organismo e o 11

Page 12: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

ambiente, porém, não explica com coerência a rapidez com que a criança aprende

uma língua (Del Ré, 2006).

1.2.2- Teorias de aquisição da Linguagem segundo a proposta Racionalista

Numa perspetiva diferente dos empiristas, os racionalistas atribuem à mente a

responsabilidade pela aquisição da linguagem. Pressupõem que todo ser humano

nasce com uma capacidade inata que subjaz o processo de aquisição.

Segundo os inatistas, que ao observarem uma criança de aproximadamente

três a quatro anos a viver num meio em que todos falam uma determinada língua,

verificaram que as mesmas eram capazes de produzir sons dessa mesma língua

com rapidez e precisão. Assim, podemos concluir que a partir dessa idade, a criança

já está com sua “gramática” quase completa. Noam Chomsky citado por Del Ré

(2006) argumenta que a linguagem é uma herança genética e não um conjunto de

comportamentos verbais. Segundo esta perspetiva, o sujeito nasce com

capacidades inatas que o meio e o jogo se limitam a catalisar e desencadear. Para

que a linguagem se desenvolva são apenas necessários tempo e condições

normais, ficando de parte as caraterísticas diferenciadoras dos sujeitos. Esta teoria

explica o porquê da capacidade das crianças para inventarem uma linguagem que

nunca ouviram.

Ao contrário dos behavioristas, esta aquisição não se dá por repetição mas

sim pela pré-disposição em adquirir uma língua. A criança nasce com uma certa

competência em adquirir a linguagem. No entanto, esse conhecimento, considerado

inato, só é ativado através do contacto com outras pessoas que falem a mesma

língua. Através deste contacto intenso, a criança cria a gramática da sua língua, tudo

isto por meio de um  Dispositivo de Aquisição da Linguagem: o DAL (Del Ré, 2006).

A teoria inatista entretanto, deixa de lado o papel do conhecimento na

aprendizagem da linguagem da criança cabendo a outras teorias esse estudo, como

as teorias cognitivistas e interacionistas. Estas teorias convergem e divergem entre

si. Ambas construtivistas, as duas partem do pressuposto de que as crianças

constroem a linguagem, porém, diferem da forma como elas contraem essa

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linguagem. Enquanto o cognitivismo, representado por Piaget propõe que a criança

constrói o seu conhecimento através da experiência com o mundo físico e que esse

conhecimento desenvolve-se por estágios, admitindo o egocentrismo da criança, o

interaccionismo de Vygostsky baseia-se nas trocas comunicativas entre a criança e

o adulto. O desenvolvimento da linguagem e o pensamento têm origem social

através dessa interacção (Del Ré, 2006).

Segundo Acosta & Santana (1999), a teoria construtivista-cognitivista,

constitui um complemento da visão inatista, dado que partilha com ela os

pressupostos relacionados com a construção individual do sujeito, a adoção de uma

perspetiva formal no que diz respeito à explicação do domínio progressivo das

estruturas linguísticas por parte da criança e a conceção geral que faz sobre a

linguagem. De acordo com os mesmos autores, a diferença entre estas duas

perspetivas assenta, quase exclusivamente, na forma como os seguidores de Piaget

sustentam que a origem da linguagem se encontra profundamente vinculada com o

desenvolvimento cognitivo, de tal forma que a criança só aprende a falar quando

acede cognitivamente a um determinado nível de desenvolvimento, afirmando que a

mesma se constrói durante o período sensório-motor, enquanto as tentativas dos

seguidores da teoria inatista se centralizam em demonstrar a independência da

capacidade linguística da criança.

Relativamente à teoria construtivista-interaccionista, Vygotsky admite a

existência de uma zona de desenvolvimento próximo na mente do sujeito, que

representa a diferença entre o que o mesmo pode fazer individualmente e aquilo que

é capaz de atingir com a ajuda de pessoas mais experientes ou em colaboração

com outros sujeitos mais habilitados na matéria. Na conceção vygotskiana, o

mecanismo que conduz à aprendizagem é a interação com o par mais competente

na zona de desenvolvimento próximo. O papel do adulto no desenvolvimento da

criança, bem como o fornecimento de informação dentro da zona de

desenvolvimento próximo pode ser bastante benéfico. Deste modo, para que o

ensino seja eficaz, o professor tem de determinar a zona de desenvolvimento

próximo e atuar nela, assumindo a responsabilidade pelo acompanhamento dos

seus alunos, em vez de esperar que estes aprendam por si mesmos (Gaspar, 2004).

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De acordo esta perspetiva, Renner (2003), aponta que a linguagem se

adquire e atualiza através de uma construção conjunta e cooperativa

(criança/utilizador mais competente), nas interações quotidianas e que é

prioritariamente suportada e orientada para a comunicação interpessoal.

Em resumo, a aquisição da linguagem implica a apreensão de regras

específicas de um determinado sistema linguístico, no que diz respeito à forma,

conteúdo e uso da língua. Relativamente à forma, as regras adquiridas reportam-se

aos sons e respetivas combinações (fonologia); à formação e estrutura interna das

palavras (morfologia) e à organização das palavras em frases (sintaxe). As regras

referentes ao conteúdo (semântica) estabelecem o significado e a interpretação das

palavras e respetivas combinações frásicas. Finalmente, as regras de uso

(pragmática) empregam a adequação ao contexto da comunicação (Sim-Sim, 1995).

As teorias de aquisição da linguagem apontam vários fatores primários

relacionados com o desenvolvimento da linguagem. A perspetiva sócio construtivista

defende que é na inter-relação entre os diferentes fatores biológicos da criança, nas

suas atividades, nas reações dos adultos e o contexto físico e social, que se

estabelecem as habilidades de comunicação e as competências linguísticas.

1.3 – Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem na Criança

O processo de desenvolvimento e aquisição da linguagem tem sido, ao longo

dos tempos, alvo de atenção, empenho e trabalho por parte de vários autores na

prossecução de um conhecimento cada vez mais “intrínseco” daquele que se afigura

um fenómeno complexo e pluridimensional. Este é um processo tão amplo quanto

imprescindível de abordar, sobretudo se pensarmos que a linguagem tem um caráter

distinto, assumindo-se como o mais forte e conhecido instrumento de comunicação.

Assim, é importante conhecer prematuramente este processo de desenvolvimento e

aquisição linguístico, que aprendemos a dominar de forma natural e espontânea

que, dificilmente, pensamos na complexidade que o envolve.

É possível identificar no desenvolvimento da linguagem uma ordem

sequencial de aquisições e marcos de desenvolvimento que ocorrem

aproximadamente na mesma idade em todas as crianças (SIM-SIM, 1998).

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Page 15: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

A linguagem verbal oral adquire-se natural e espontaneamente e traduz-se

pela aquisição de uma língua, que identifica o sujeito com uma comunidade

linguística. Para que tal aconteça, o indivíduo tem de estar exposto a essa língua. O

desenvolvimento da linguagem inicia-se assim primeiramente num contexto restrito –

a família. Com a entrada no sistema de ensino, há o alargamento do grupo social e a

exposição a contextos mais alargados e consequentemente o enriquecimento

linguístico (SIM-SIM, 1998). Pode concluir-se que a aquisição da linguagem é o

resultado de um programa que nos é transmitido geneticamente, mas a

concretização desse programa não é possível se a criança não crescer num

ambiente em que se fale.

Neste subcapítulo, abordamos o desenvolvimento linguístico na infância, em

idades precoces, onde a linguagem tem o seu início, a sua emergência. Falamos em

linguagem emergente, referindo-nos a um processo de desenvolvimento

padronizado de aquisição de linguagem na infância, englobando o desenvolvimento

da compreensão (linguagem receptiva) e o desenvolvimento da fala (linguagem

expressiva), (Viana, 2000).

É importante salientar que o período compreendido entre os 0 aos 3 anos é

essencial para o desenvolvimento linguístico, pois é aqui que se verificam todas as

etapas do desenvolvimento da linguagem que irão permitir que a criança se apodere

das competências necessárias para, a partir dos três anos e meio seja capaz de

dominar a estrutura da língua alvo, capaz de falar inteligivelmente sem grandes

falhas sintáticas (Lima, 2000).

O acumular de significados e conceitos que retratam o mundo que a rodeia e

que a criança tem vindo a investigar e adquirir desde o seu nascimento, irá conduzir

naturalmente ao aumento do seu conhecimento e pensamento. Também a nível

linguístico, a criança vai caminhando, no sentido de ostentar uma gradual fluência

linguística que se mantém em constante reestruturação, devido à necessidade que

ela apresenta em criar regras linguísticas que retira, progressivamente, do que ouve

em seu redor.

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Page 16: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

1.3.1 - Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem até aos três anos de idade

A infância é o período do desvendamento do mundo, da descoberta do

funcionamento das coisas, da partilha de desafios, brincadeiras e até de medos com

os outros e com o que rodeia as crianças desta idade. É uma fase repleta de

curiosidade e vontade de explorar na qual as crianças manifestam intenção de

interagir. As crianças, à medida que crescem, não lhes basta observar, sentir,

explorar – necessitam de dizer, comunicar a alguém tais saberes.

É importante salientar que cada criança possui o seu próprio ritmo de

desenvolimentoque depende de factores biológicos, fisiológicos, emocionais,

neurológicos, interacções com o meio entre outros. Assim, é necessário discriminar

em cada criança o que está adequado ou o que requer um olhar mais específico.

Penélope Leach, citada por Acredolo & Goodwyn (1998) refere, a este

propósito, que a principal motivação que impulsiona os bebés para a linguagem é o

facto desta permitir a socialização com os outros.

Desde cedo compreendemos que as primeiras palavras são usadas num

contexto de chamada de atenção do adulto para algo, como se de um convite se

tratasse para partilharem experiências, fortalecendo a conceção da linguagem

humana como um instrumento que permite transformar a experiência social

individual em experiência coletiva, a partir do uso de um sistema de símbolos para

ambos os agentes da comunicação partilhada.

Desde os primórdios, a comunicação é fundamental para o ser humano. O

homem procurou comunicar de diferentes formas para interagir com o ambiente e

suprir suas necessidades. Para que a comunicação aconteça é necessário exitir um

emissor, uma mensagem e um recetor. Este sistema de comunicação permite a

troca de informação pelo grupo e a concretização da linguagem. O sistema de

signos que traduz o pensamento verbal e da linguagem foi considerável no

desenvolvimento da espécie humana.

Compreender a comunicação humana é ter conhecimento que a aquisição da

linguagem tem vários níveis. Nos primeiros anos de vida a criança apresenta a fase

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Page 17: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

pré-verbal no desenvolvimento do pensamento e uma fase pré-intelectual no

desenvolvimento da linguagem.

Segundo Oliveira (1999, p. 42), “é a necessidade de comunicação que

impulsiona, inicialmente, o desenvolvimento da linguagem”.

De seguida vamos abordar as etapas durante as quais o processo linguístico

da criança se desenvolve. Boutton (1977) defendeu que a aquisição da linguagem

na criança se divide em três fases fundamentais, cujos limites intermediários são

relativamente arbitrários, mas cuja sequência se impõe do ponto de vista

cronológico. O autor distribuiu-as em três fases: pré-linguagem (0 aos 12/18 meses

de idade) primeira linguagem (12/18 aos 30/36 meses) linguagem (a partir dos 36

meses).

Já autores como Del Rio & Vilaseca (1988), Crystal (1981) e Rondal (1984),

diferenciam quatro etapas do desenvolvimento e aquisição da linguagem: a) pré-

linguagem (0-12 meses), b) primeiro desenvolvimento sintáctico (12-18 meses), c)

expansão gramatical (30-36/36-42 meses) e d) últimas aquisições (> 54 meses).

Por outro lado, Ingram (1989) sugere uma divisão mais específica,

considerando cinco etapas de desenvolvimento da linguagem, a saber: a) pré-

linguistico (0-12 meses, b) enunciados de uma palavra (12-18 meses), d) primeiras

combinações (18-24 meses), e) frases simples (> 24 meses) e finalmente f) frases

complexas. Deste modo, verificamos que não há consenso relativamente aos

períodos de aquisição/desenvolvimento linguístico infantil.

Inês Sim-Sim (1998) também estabelece etapas de desenvolvimento e

aquisição da linguagem na criança.

Na tabela 2 apresentamos marcos de desenvolvimento na fase pré-linguística,

não só ao nível da produção vocal, mas também da compreensão e da

discriminação da fala. A compreensão do significado de sequências fonológicas

constitui uma mudança significativa, que marca o fim da etapa pré-linguística (SIM-

SIM, 1998).

Idade Desenvolvimento da Linguagem

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Page 18: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

Nascimento Reflexo de orientação e localização da fonte sonora; preferência pela voz materna. Choro e som vegetativo.

1-2 semanas Distinção entre a voz e outros sons.

1-2 meses Discriminação na base do fonema. Sorriso social. Choro com intenção de comunicar.

2 meses Discriminação entre vozes que expressam carinho ou zanga. Palreio e risos. Inicio do domínio da regra básica da conversação: o turn taking.

3-9 meses Palreio e lalação. Identificação de padrões de entoação e ritmo.

9-13 meses Compreensão das sequências fonológicas em contexto – se perguntarmos onde está alguém, vira-se para essa pessoa e dá os braços.

Tabela 2- Marcos do desenvolvimento na fase pré-linguística (adaptado de SIM-SIM, 1998)

O período linguístico começa quando é atribuído um significado à produção

sonora, com a produção das primeiras palavras. Na tabela 3 são apresentados os

principais marcos de desenvolvimento da linguagem até aos 6 anos.

Idades Desenvolvimento da Linguagem

12 meses Diz as primeiras palavras. Compreende muitas palavras familiares e ordens simples combinadas com gestos.

18 meses Conhece algumas partes constituintes do corpo. Encontra objectos pedidos. Faz brincadeiras simbólicas com miniaturas. Produz cerca de 30 a 40 palavras. Começa a combinar 2 palavras.

24 meses Segue instruções que envolvam dois conceitos verbais. Tem um vocabulário de cerca de 150 palavras. Combina 2 ou 3 palavras.

30 meses Entende os primeiros verbos e instruções envolvendo até 3 conceitos.

36 meses Conhece diversas cores. Reconhece plurais, pronomes que diferenciam o sexo e adjectivos. Início do uso de artigos, plurais, proposições e verbos auxiliares. A nível fonológico, faz a discriminação de nível adulto para os sons da língua materna.

18

Page 19: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

48 meses Inicia a aprendizagem de conceitos abstractos (duro, mole…). Compreende a utilização de “se”, “porque” e “quanto”. Entende cerca de 1500 a 2000 palaras. Forma frases corretas, faz perguntas, usa a negativa, fala de acontecimentos passados e antecipa futuros.

4-6 anos Indicadores de consciência fonológica. Extinção de todos os processos fonológicos por volta dos 5 anos

Tabela 3 – Marcos do desenvolvimento da fase linguística (SCHIRMER et al., 2004, SIM-SIM, 1998)

Fromkim & Rodman (1993) consideram que a língua é adquirida por fases e

que cada fase sucessiva se aproxima mais da gramática do adulto.

Embora possamos encontrar, segundo diferentes autores, diversas formas de

apresentar as etapas do desenvolvimento linguístico da criança dos 0-3 anos,

parece-nos claro a unanimidade existente entre os vários autores ao diferenciarem

dois períodos cruciais deste desenvolvimento: o pré-linguístico e o linguístico. A pré-

linguagem é um momento de aprendizagem linguística durante a qual todas as

estruturas neurofisiológicas e psicológicas se preparam para outra etapa que requer,

a estes dois níveis, destrezas satisfatórias para continuar o percurso de apropriação

de todas as “nuances”, em todos os níveis da linguagem (Lima, 2000).

1.4 - Problemas e Avaliação do Desenvolvimento da Linguagem na Criança

É importante distinguir os problemas de linguagem, daqueles que dizem

respeito à  fala, ou seja, aos aspetos mecânicos da produção das palavras, como o

ritmo do discurso ou a articulação das palavras. As alterações da fala e da

linguagem são as perturbações do desenvolvimento mais usuais nas crianças em

idade pré-escolar. O atraso ou perturbação da linguagem afeta cerca de 5-10% das

crianças nesta faixa etária. A maioria destas crianças não apresenta outras

alterações consideráveis no desenvolvimento, no entanto o impacto da sua

permanência ao longo da idade escolar pode interferir negativamente na literacia e

socialização ao longo de todo o percurso académico e até na idade adulta. Assim, a

deteção precoce das alterações da fala e da linguagem é fundamental, de forma a

19

Page 20: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

permitir a orientação para equipas especializadas de intervenção, preferencialmente

na idade pré-escolar. O objetivo principal é que as dificuldades estejam

ultrapassadas na altura de iniciação da escolaridade básica.

O desenvolvimento da linguagem e da fala processa-se de um modo

previsível ao longo das diversas etapas do desenvolvimento psicomotor, e a sua

avaliação deve fazer parte integrante do seguimento de todas as crianças.

A evolução da linguagem e da fala é considerada como um indicador útil para

o desenvolvimento global e cognitivo da criança que pode ser relacionado com o

desempenho escolar futuro, daí a importância da identificação precoce das crianças

em risco. 

A fala e a linguagem podem ser avaliadas através de uma avaliação informal

(observação da criança, por exemplo) ou formal (recorrendo a testes de avaliação

padronizados).

A avaliação formal prevê a utilização de instrumentos de avaliação

padronizados, que podem ser de dois tipos: testes referenciados ao critério e testes

referenciados à norma. Os primeiros têm como objetivo avaliar o desempenho da

criança relativamente a um critério pré-estabelecido. São delineados de modo a

admitir interpretações do desempenho da criança em relação a um conjunto de

competências definido e assim determinar se a criança adquiriu ou domina a

competência em causa. Os testes referenciados à norma têm como objetivo avaliar

a criança, comparando os resultados obtidos com um grupo padrão que representa

a norma. Estes testes usam grandes amostras representativas da população.

Enquanto os primeiros testes têm como objetivo avaliar o desempenho da criança

relativamente a um conjunto de competências, os segundos comparam resultados

entre os membros de um grupo. Nos testes referenciados à norma não é possível

fazer generalizações acerca da competência da criança na área de conhecimentos

testados, enquanto essa generalização é possível nos testes referenciados a critério

(POPHAM, 1978, VIANA,2004).

No caso da linguagem, estes testes são direcionados para uma determinada

faixa etária e são constituídos por uma série de provas que avaliam as várias

componentes da linguagem. A fala, mais especificamente a articulação, é

20

Page 21: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

normalmente avaliada através da nomeação de diversas imagens de palavras com

os vários fonemas nas várias posições. O diagnóstico diferencial nem sempre é fácil,

fundamentando-se apenas nos resultados destes testes. Os testes de avaliação da

linguagem verbal oral possibilitam avaliar as várias componentes da linguagem e ter

uma noção se a perturbação engloba todas ou apenas algumas áreas. No entanto,

para se realizar um diagnóstico sólido, é indispensável fazer uma boa anamnese e

ter acesso a avaliações das funções auditiva, visual e intelectual.

Emprega-se o conceito Atraso de Linguagem sempre que a aquisição se faz

de forma típica, embora mais tarde do que o esperado para cada etapa. A expressão

Perturbação Específica do Desenvolvimento da Linguagem (PEDL) fica reservada

para uma situação em que o desenvolvimento da linguagem se processa de modo

atípico e não de acordo com as situações acima referidas. Existem ainda situações

mais raras, em que há uma regressão da linguagem e a criança perde capacidades

que já tinha previamente adquirido.

O desenvolvimento atípico da linguagem pode ser um sintoma comum a

diversas patologias, desde doenças do Sistema Nervoso Central, de origem genética

ou psiquiátrica, podendo mesmo ser o primeiro sinal de alerta em algumas

situações. Pode, ou não, estar associado a atraso mental, ou a comorbilidades

várias, como paralisia cerebral, alterações cromossómicas, fenda do palato, surdez,

ou surgir isoladamente.

1.5 - Fatores de risco do Desenvolvimento da Linguagem na Criança

Existem um conjunto de factores de risco que podem condicionar as

competências comunicativas das crianças. Segundo a ASHA (1993), estes factores

de risco podem ser agrupados em i) factores de risco estacionário – o

desenvolvimento da criança está condicionado devido a patologia de etiologia

conhecida; ii) factores de risco ambiental - as crianças estão sujeitas a experiências

limitadas sem intervenção correctiva e iii) factores de risco biológico - as crianças

apresentam uma história sugestiva de perturbação biológica do sistema nervoso

central.

Andrade (2008) refere-se ao primeiro grupo de factores como os factores

genéticos, fisiológicos e neurológicos e inclui neste conjunto de factores o sexo da

criança (dados apontam para uma maior prevalência de perturbações da linguagem 21

Page 22: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

em crianças do sexo masculino). Distingue destes os problemas de saúde e hábitos

orais. Os problemas de saúde podem ocorrer desde o momento do nascimento. O

nascimento prematuro e o baixo peso são factores de risco para o desenvolvimento

da linguagem na criança. Da mesma forma, a duração do parto e a eventual falta de

oxigenação cerebral é um factor de risco. São-no também todas as doenças que

poderão causar lesões nos sistemas sensoriais, nomeadamente otites, rubéola e

demais viroses, que podem provocar surdez neuro-sensorial e de transmissão; que

afectem a componente motora e estruturas anatómicas, como por exemplo, lábio

leporino, fenda palatina ou adenoidite; ou que provoquem interferências no

desenvolvimento neurológico, como a epilepsia, doenças degenerativas do sistema

nervoso central e doenças neurodesenvolvimentais. São também factores de risco

alguns hábitos respiratórios, como é o caso da respiração bucal, questões

relacionadas com a alimentação, como a manutenção de alimentos passados até

muito tarde ou o facto de a mãe não amamentar o bebé, e alguns hábitos orais,

como o uso de chupeta até tarde ou a onicofagia. Os factores ambientais são

referidos pela autora como factores de contexto familiar, que dizem respeito às

experiências propiciadas pela família, e factores sócio-culturais e institucionais, que

estão relacionados com o contexto demográfico e, por exemplo, com o facto de a

criança frequentar o jardim-de-infância (ANDRADE, 2008).

Além de ser possível identificar factores de risco, há características da

comunicação da criança que indiciam um possível perturbação. Na Tabela 4, damos

conta de um conjunto de sinais de alerta que pais e educadores devem ter em conta,

de modo a sinalizar um possível problema o mais rápido possível.

Idade Sinais de alerta

0-6 meses Não reagir à estimulação sonora. Não sorrir. Não

estabelecer contacto ocular.

6-12 meses Deixar de produzir sons. Não reagir ao seu nome.

Não reagir a sons familiares.

1-18 meses Não usar palavras isoladas. Não reagir olhando ou

sorrindo, quando brincam com ela.

18-24 meses Não compreender ordens simples. Ter vocabulário

reduzido (4 a 6 palavras). Ter um discurso pouco

22

Page 23: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

perceptível.

24-36 meses Não combinar duas palavras para formar frases

simples. O discurso continuar pouco inteligível. Usar

poucos verbos e não usar artigos e adjetivos. Não

usar o plural. Não formar frases simples.

36-48 meses Ter dificuldade em iniciar frases ou repetir silabas ou

palavras. Utilizar frases curtas e mal construídas. Não

conseguir narrar acontecimentos simples e recentes.

Tabela 4 - Sinais de Alerta referentes à aquisição e desenvolvimento da linguagem (fontes: CASTRO et al., 2000, CPLOL, REBELO et al., 2006).

Capítulo 2 – Perturbações da Aquisição e do Desenvolvimento da Linguagem

A utilização de classificações é um procedimento comum nas ciências da

saúde, uma vez que para se proceder a avaliação e diagnóstico recorre-se a

classificações de modo a tipificar e enquadrar cada situação no conjunto de

informações que o conhecimento científico e os saberes práticos disponibilizam.

No caso das perturbações da aquisição e do desenvolvimento da linguagem a

complexidade da problemática da linguagem não auxilia a elaboração de tipologias

sobre as perturbações. Esta situação é ainda mais problemática, uma vez que se de

acordo com Law se verifica “um excesso de termos utilizados para descrever

diferentes tipos e manifestações de deficiências de linguagem” (2001, p.27). Assim,

e de acordo com o autor supra citado podemos encontrar dois enquadramentos a

que diferentes autores recorrem para a classificação das perturbações da

linguagem, a saber, i) uma abordagem com um pendor linguístico, baseado nas

diversas componentes da linguagem (fonológica, morfológica, sintática, semântica e

pragmática) e na análise dos respetivos processos de aquisição e desenvolvimento

que identifica os diferentes níveis de desenvolvimento e as suas perturbações; ii)

outra abordagem com uma abordagem clínica e neurológica, que procura caraterizar

a população com base na sua sintomatologia clínica, classificando as dificuldades da

fala e da linguagem das crianças em função das suas condições clínicas,

nomeadamente deficiência mental, fissura palatina.

23

Page 24: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

Neste contexto, a classificação de Bernstein (2002, p. 16-20) abrange as suas

perspetivas de enquadramento:

- perspetiva descritivo-desenvolvimental que assenta na descrição, englobando

cinco tipos de perturbação da linguagem: 1. dificuldades na forma (componentes

fonológica, sintática e morfológica); 2. dificuldades no conteúdo (semântica); 3.

dificuldades no uso (pragmática); 4. dificuldades na integração da forma, do

conteúdo e do uso; 5. atraso geral do desenvolvimento da linguagem;

- perspetiva etiológico- categorial, que foca a identificação das causas e classifica

as perturbações da comunicação e da linguagem em cinco categorias etiológicas: 1.

associadas a perturbações motoras; 2. associadas a défices sensoriais; 3.

associadas a lesões do sistema nervoso central; 4. associadas a disfunções socio-

emocionais; 5. associadas a perturbações cognitivas.

De acordo com a American Speech-Language –Hearing Association (1993) as

perturbações da comunicação podem ser divididas no seguinte modo:

a) perturbações da fala: perturbação da articulação; perturbação da fluência;

perturbação da voz;

b) perturbação da linguagem: forma (fonologia/morfologia/sintaxe); conteúdo

(semântica); função (pragmática);

c) perturbação da audição: surdez; surdez profunda;

d) perturbações do processamento central auditivo.

Por seu turno, a DSM-IV-TR (Diagnostic and Statistical Manual, American

Psychiatric Association, 2006) apresenta uma classificação das perturbações da

linguagem com cinco tipos: perturbações da linguagem expressiva; perturbação

mista da linguagem recetiva-expressiva; perturbação fonológica; gaguez;

perturbação da comunicação sem outra especificação.

24

Page 25: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

2.1 - Fatores Determinantes das Perturbações da Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem na Criança: fatores biológicos e interação verbal

Para Launay & Borel-Maisonny (1989) os fatores etiológicos das perturbações

da linguagem na criança podem ser fatores afetivos e emocionais (superproteção da

mãe, comportamento de rejeição e abandono), fatores do meio (contexto em que a

criança se desenvolve: institucional/familiar, multiculturalidade linguística e

linguagem nos gémeos), fatores cerebrais orgânicos (malformações ou lesões

cerebrais com compromisso neurológico) e fatores constitucionais (hereditariedade e

dominância cerebral).

Billeaud (1998) classificam em quatro grandes grupos as perturbações da

comunicação nas crianças: 1) causas genéticas; 2) anomalias congénitas,

síndromes e perturbações espectrais; 3) outras doenças e condições relacionadas

com as perturbações da comunicação (lesões adquiridas do sistema nervoso central

(SNC), nomeadamente encefalites; AVC, TCE); 4) fatores emocionais e problemas

de saúde mental (privação ambiental, fraca estimulação, stress, entre outras).

Less & Urwin (1998, citados por Rebelo & Vital, 2006) enunciam um conjunto

de fatores que podem afetar a aquisição e o desenvolvimento da linguagem,

classificando-os em fatores que afetam o input, o processamento e o output da

linguagem. Assim, e de entre os fatores que interferem no input linguístico

evidenciam-se os fatores ambientais (contexto e o bilinguismo) e a privação

sensorial (auditiva e visual). Os fatores que interferem com o processamento da

linguagem estão relacionados com défice cognitivo ou deficiência mental,

perturbações emocionais específicas como o autismo e perturbações específicas ao

nível da linguagem. Por seu turno, os fatores que afetam o output da linguagem

estão relacionados com alterações ao nível da estrutura e controlo orofacial (por

exemplo, fenda palatina).

Law (2001) divide os fatores associados às perturbações da linguagem em:

fatores clínicos (prematuridade, baixo peso à nascença, condições genéticas, entre

outros), crianças com assimilação sensorial deficiente (perda auditiva e/ou visual),

fatores ambientais e sociais (nível socioeconómico, nutrição, poluição pelo chumbo,

síndrome fetal alcoólico, …), fatores familiares (história anterior de problemas de

25

Page 26: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

linguagem, posição dentro da família), a interação pais/filhos (privação extrema,

padrão linguístico dos pais), fatores comportamentais e psiquiátricos (défice de

atenção, hiperatividade, psicoses), fatores culturais e linguísticos (ambiente

multicultural, bilinguismo) e género. É referido também pelo autor que as

perturbações da linguagem podem ter uma abordagem multifatorial.

Segundo Jakubovicz (2004) o desenvolvimento adequado da linguagem é o

resultado da combinação de diversos fatores, a saber: a integridade do SNC,

habilidades cognitivas adequadas, funcionamento adequado do sistema sensorial,

especialmente da audição, estabilidade emocional, estimulação do ambiente

adequado em quantidade, qualidade e maturidade. A autora propõe uma

classificação para os fatores etiológicos das perturbações da aquisição e

desenvolvimento da linguagem, mencionando que podem ser devidas a fatores

originários de um envolvimento orgânico, a fatores originários de fatores funcionais

ou à combinação dos dois. Assim, como fatores orgânicos a autora menciona as

perturbações genéticas, perturbações congénitas ou outras relacionadas com o

desenvolvimento pré natal, baixo peso à nascença, complicações peri-natais (asfixia,

hemorragia intracraneana, doença súbita neo-natal) e perturbações iatrogénicas.

Para fatores funcionais refere a pobreza e má condição de vida, fatores

psicossociais (perturbação na relação pais/criança, falta de sistemas de suporte, …),

incompetência por parte dos prestadores de cuidados (responsabilidade parental,

pais/familiares com deficiência) e atitudes/comportamentos desadequados dos

prestadores de cuidados (abuso ou negligência, estimulação desadequada, modelos

de linguagem e comunicação).

Já Puyuelo (2007) a linguagem encontra-se intimamente relacionada com

outros aspetos do desenvolvimento e por tal, uma alteração cognitiva,

socioemocional, sensorial ou motora poder interferir com o desenvolvimento da

linguagem. Assim, o autor considera que os fatores etiológicos de perturbação da

linguagem na criança podem ser de origem biológica ou ambiental, ou mista. Para o

autor, os fatores biológicos podem ter origem central ou periférica. Os fatores

biológicos centrais referem-se a problemas de processamento central que incluem

alterações corticais e que, vão influenciar o desenvolvimento o desenvolvimento

cognitivo e da linguagem (défice cognitivo, deficiência mental, autismo,

hiperatividade, défice de atenção, traumatismo crânio encefálico, …). Os fatores 26

Page 27: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

biológicos periféricos incluem aspetos sensoriais ou motores que influenciam o input

e o output linguístico (surdez, cegueira, paralisia cerebral, …). Os fatores ambientais

estão relacionados com os contextos de desenvolvimento ou aspetos inerentes à

própria criança como, por exemplo, a falta de oportunidades linguísticas.

2.2 – Avaliação da linguagem na criança

A avaliação diagnóstica da linguagem tem como objetivos aferir a existência

ou não de perturbação da aquisição e desenvolvimento da linguagem, descrever as

forças, fraquezas e desafios da competência linguística e comunicativa que a

criança revela (Owens, Metz & Haas, 2003; Freiberg, Wicklund & Squier, 2003),

avaliar a gravidade do problema, determinar a etiologia, servir de base do plano de

intervenção e ao estabelecimento do prognóstico (ibidem).

Neste sentido, a avaliação deve ser multifacetada e obriga a obtenção de uma

amostra das competências linguísticas e comunicativas da criança a partir de um

conjunto de procedimentos que devem englobar entrevistas aos pais, preenchimento

de checklists por outros profissionais, observação dos contextos naturais da criança,

rastreio auditivo e avaliação da linguagem (Owens, Metz & Haas, 2003). A avaliação

da linguagem recorre a testes formais com referência à norma e de uma avaliação

informal através da recolha de informação do contexto da criança, de modo a

suportar o significado dos resultados dos testes formais e a tomada de decisão

sobre a intervenção. A avaliação deve recair na compreensão e expressão dos

subsistemas semântico, fonológico, morfossintático e pragmático.

Alguns instrumentos formais standartizados mais utilizados e com dados

normativos para o português europeu, na avaliação da linguagem da criança em

idade pré-escolar são: da Linguagem Oral (Sim-Sim, 2001), Teste de Identificação

de Competências Linguísticas (TICL) (Viana, 2004), Teste de Avaliação da

Linguagem na Criança (TALC) (Sua-Kay & Tavares , 2011) e Teste fonético –

Fonológico – avaliação da Linguagem Pré Escolar (TFF- ALPE) (Mendes et al.

2009).

A avaliação da Linguagem Oral (Sim-Sim, 2001) é um instrumento cuja

amostra foi dirigida para crianças que frequentavam o pré-escolar, o 1º ano e o 4º 27

Page 28: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

ano de escolaridade, tendo sido constituído três grupos: o dos quatro anos, que

abrangia crianças dos 3 anos e 10 meses aos 4 anos e 11 meses, o dos seis anos,

com crianças entre os 5 anos e 10 meses e os 6 anos e 11 meses, e o dos nove

anos, com crianças entre os 8 anos e 10 meses e os 9 anos e 11 meses. A amostra,

no total, contabilizou 446 sujeitos. Este instrumento foi construído tendo como

objetivo contribuir para a disponibilização de recursos de avaliação do

desenvolvimento da linguagem oral nos domínios considerados mais importantes

para o sucesso da aprendizagem na leitura.

O TICL (Viana, 2004) é um instrumento dirigido a crianças entre os 4 e os 6

anos de idade, cuja amostra foi constituída por 1058 crianças. Este instrumento

pretende avaliar a expressão semântica, morfossintática, memória auditiva e

consciência fonológica e tem como finalidade a identificação de dificuldades de

aprendizagem da linguagem escrita através da avaliação dos principais domínios

que com ela estão relacionados, designados de pré requisitos para a leitura e

escrita.

O TALC (Sua-Kay & Tavares, 2011) é um instrumento dirigido a crianças com

idades compreendidas entre os 2 anos e 6 meses e os 5 anos e 11 meses. Este

instrumento avalia a compreensão e expressão semântica e morfossintática e, para

além destes, expressão pragmática.

O TFF- ALPE (Mendes et al., 2009) é um instrumento dirigido a crianças entre

os 3 anos e os 6 anos e 11 meses, contou com uma amostra de 723 crianças. Este

instrumento encontra-se dividido em três subtestes, o subteste fonológico avalia a

expressão fonológica, nomeadamente, o tipo e percentagem de ocorrência de

processos fonológicos e a inconsistência na produção repetida da mesma palavra. É

um teste em que é possível a identificação de atrasos fonológicos, embora avalie

apenas alguns dos processos fonológicos típicos que ocorrem durante o

desenvolvimento da linguagem.

2.3 – Classificação das Perturbações da Linguagem na criança: atraso no desenvolvimento da linguagem, perturbação fonológica e perturbação específica da linguagem

28

Page 29: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

A complexidade em torno da linguagem e das suas perturbações leva a que

não exista, ainda, uma terminologia e uma definição consensual referente às

perturbações da linguagem na criança. Devemos ter presente que as crianças com

perturbação da linguagem constituem um grupo heterogéneo, o que leva a que

existam diferentes classificações como meio de se compreender esta

heterogeneidade (Law et al., 1998). O Royal College of Speech & Language

Therapists (RCSLT) (2009) refere que a existência de diferentes definições de

perturbações da linguagem na criança diferem na sua base concetual, podem ser

baseadas em modelos linguísticos, biomédicos ou estatísticos.

A APA (2013)1 no DSM -5 apresenta uma classificação para as perturbações

da linguagem que “include language disorder (Which combines DSM-IV expressive

and mixed receptive-expressive language disorder), and childhood-onset fluency

disorder (a new name for stuttering)”.

Na décima edição da Classificação Internacional das Doenças e Problemas

Relacionados com a Saúde (CID-10) da Organização Mundial de Saúde (OMS)

(2010) referente às perturbações mentais e do comportamento, define as

“perturbações específicas do desenvolvimento da linguagem e da fala” como sendo

perturbações nas quais os padrões normais da aquisição da linguagem se

encontram alterados desde os estádios iniciais do desenvolvimento. De acordo com

esta classificação, as perturbações não são devidas a alterações neurológicas,

alterações no aparelho fonador, alterações sensoriais, deficiência mental ou fatores

ambientais e encontram-se associadas a dificuldades na leitura, na escrita, nas

relações interpessoais e a perturbações emocionais e do comportamento. As

perturbações específicas do desenvolvimento da linguagem e da fala propostas por

esta classificação encontram-se subdivididas em: 1) Perturbações da articulação

específicas da fala; 2) Perturbações da aquisição da linguagem do tipo expressivo;

3) Perturbações da aquisição da linguagem do tipo recetivo; 4) Afasia adquirida com

epilepsia (Síndrome Landau-Kleffner); 5) outras perturbações do desenvolvimento

da linguagem e da fala; 6) Perturbações do desenvolvimento da linguagem e da fala

sem especificação.

1 http://www.dsm5.org/Documents/changes%20from%20dsm-iv-tr%20to%20dsm-5.pdf 29

Page 30: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

De acordo com a A.S.H.A. (1993) uma perturbação da linguagem refere-se a

um distúrbio na compreensão e/ou na expressão da linguagem oral, escrita e/ou de

outro sistema de símbolos (ex. língua gestual) que afeta a forma (fonologia,

morfologia e sintaxe), o conteúdo (semântica) e/ou o uso (pragmática) da linguagem

na sua função da comunicação. Neste sentido, define as perturbações da linguagem

como uma aquisição “anormal” da compreensão e expressão da linguagem oral ou

escrita que envolve todas, ou várias componentes do sistema linguístico.

Tendo em consideração, como já foi referido anteriormente, que a população

infantil portadora de perturbação da linguagem não é um grupo homogéneo devido a

diversos fatores, são vários os autores que as classificam tendo como consideração

uma base etiológica, temporal/etiológica e linguística, realizando, assim, a distinção

entre perturbação primária e perturbação secundária, perturbação do

desenvolvimento e perturbação adquirida, atraso e desvio no desenvolvimento da

linguagem e graus de severidade (Quadro 1).

Tabela 5 – Classificação das perturbações da linguagem na criança de acordo com

Rothe & Worthington (2001).

30

Page 31: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

Considerações Finais

A linguagem constitui um dos mais importantes instrumentos ao serviço da

comunicação humana. Torna-se por isso importante conhecer este processo de

desenvolvimento e aquisição linguístico, que aprendemos a dominar tão natural e

espontaneamente, e que dificilmente refletimos na complexidade que o envolve.

Adquirir e desenvolver a linguagem implica muito mais do que aprender

palavras novas, ser capaz de produzir todos os sons da língua ou de compreender e

de fazer uso das regras gramaticais. É um processo complexo e fascinante em que

a crianças, através da interação com os outros, (re)constrói, natural e intuitivamente,

o sistema linguístico da comunidade em que está inserida. Ao mesmo tempo que

adquire a língua materna, a criança serve-se dessa língua para comunicar e para,

simultaneamente, aprender acerca do mundo.

Na vida da criança, comunicação, linguagem e conhecimento são três pilares

de desenvolvimento simultâneo, com um pendor eminentemente social e interactivo.

Interessou-nos, com este trabalho, conhecer o desenvolvimento linguístico na

infância, em idades precoces, onde a linguagem tem o seu início, a sua emergência.

Falámos do processo de desenvolvimento padronizado de aquisição de linguagem

na infância, englobando o desenvolvimento da compreensão e o desenvolvimento

da fala.

Todas as perspetivas focadas ao longo do trabalho dirigem os seus

pressupostos para a concetualização da linguagem enquanto um sistema

convencional, constituído por símbolos arbitrários e com regras específicas de

combinação dos mesmos. Neste sentido, a linguagem define-se como um sistema

convencional de símbolos arbitrários e de regras de combinação dos mesmos,

representando ideia que se pretendem transmitir através do seu uso e de um código

socialmente partilhado, a língua. Se a criança apresentar dificuldades ao nível da

linguagem, esta vai-se refletir na aprendizagem da leitura, da escrita e mesmo da

socialização. Assim, é de fulcral importância a deteção precoce das dificuldades

para que haja uma intervenção, o mais cedo possível, no sentido de minimizar ou

31

Page 32: Linguagem e Perturbações Cláudia e Dulce

mesmo eliminar essas lacunas. O desenvolvimento da linguagem da criança está

relacionado com o meio social e familiar em que esta se encontra inserida.

Neste contexto, importa salientar que o período dos 0 aos 3 anos é importante

para o desenvolvimento linguístico, pois aqui se verificam todas as etapas do

desenvolvimento da linguagem que vão permitir à criança munir-se de competências

necessárias para, a partir dos três anos e meio ser capaz de dominar a estrutura da

língua nativa, capaz de falar inteligivelmente sem grandes falhas sintáticas (Lima,

2000). Assim, a reflexão sobre o desenvolvimento linguístico no contexto da

Especialização em Intervenção Precoce adquire maior relevância.

Quando falamos em desenvolvimento da linguagem, estamos a reportar-nos

às alterações quantificativas e qualitativas que acontecem no processo do

conhecimento linguístico por parte do falante. Desde o nascimento até à entrada no

jardim-de-infância, um longo percurso linguístico já foi percorrido pela criança, ma

muito caminho ainda há por andar durante os três anos que se seguem até à

chegada ao 1º ciclo.

o desenvolvimento da linguagem processa-se holisticamente, o que significa

que as diferentes componentds da linguagem são apreendidas simultaneamente. À

medida que pretende expressar significados mais complexos, a criança adquire

formas mais elaboradas e usa funções da língua mais adequadas ao contexto e aos

propósitos pretendidos.

Importa também ter presente que, os alunos com perturbações da linguagem

constituem um dos grandes desafios com que se confronta a escola e os

professores. Em muitos casos, estas perturbações têm consequências na

aprendizagem da leitura e da escrita, sendo, muitas vezes, responsáveis pelo

insucesso escolar destes alunos. Os professores nem sempre conseguem encontrar

uma solução eficiente para estas perturbações. No entanto, o tempo que os alunos

passam em contexto escolar, assim como as tarefas que lhe são propostas

constituem-se como uma forma de desenvolvimento de capacidades de

comunicação e linguagem que tem repercussões não só na sua capacidade de uso

da linguagem oral mas também, e sobretudo, na aprendizagem da leitura e da

escrita. Deste modo, cabe à escola um papel fulcral tanto na identificação e

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caracterização destas problemáticas como na definição de processos educativos

adaptados às necessidades daí decorrentes.

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