LIXO: CAMINHOS POSSÍVEIS E PRÁTICAS DIÁRIAS NA PERCEPÇÃO DO CIDADÃO

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Dissertação de Mestrado em Saúde Pública, pela ENSP, de Caroline Porto de Oliveira, defendida e aprovada em junho de 2011.

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Lixo: problemas, caminhos possveis e prticas dirias na percepo do cidado

por

Caroline Porto de Oliveira

Dissertao apresentada com vistas obteno do ttulo de Mestre em Cincias na rea de Sade Pblica.

Orientadora: Prof. Dr. Marta Pimenta Velloso

Rio de Janeiro, junho de 2011.

Esta dissertao, intitulada

Lixo: problemas, caminhos possveis e prticas dirias na percepo do cidado

apresentada por

Caroline Porto de Oliveira

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Maria Beatriz Lisboa Guimares Prof. Dr. Brani Rozemberg Prof. Dr. Marta Pimenta Velloso Orientadora

Dissertao defendida e aprovada em 01 de junho de 2011.

Catalogao na fonte Instituto de Comunicao e Informao Cientfica e Tecnolgica Biblioteca de Sade Pblica

O48

Oliveira, Caroline Porto Lixo: problemas, caminhos possveis e prticas dirias na percepo do cidado. / Caroline Porto Oliveira. Rio de Janeiro: s.n., 2011. 110 f. : il. ; tab. ; graf. Orientador: Velloso, Marta Pimenta Dissertao (Mestrado) Escola Nacional de Sade Pblica Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2011 1. Resduos Slidos. 2. Resduos Orgnicos. 3. Percepo. 4. Movimentos Sociais. 5. Sade Ambiental. 6. Uso de Resduos Slidos. I. Ttulo. CDD - 22.ed. 363.7285

Dedicatria

Ao meu marido Edu, pelo amor, companheirismo e apoio incondicional. Aos meus pais Vanda e Mauro, pelo empenho e confiana dedicados. Aos meus irmos Eduardo e Fernando, pela convivncia afetuosa. Aos meus sobrinhos Joo Pedro, Ana Clara e Mariana, pelo brilho dos olhos e por reforarem a minha crena no amanh.

AGRADECIMENTOSA todos que esto presentes em minha vida, fazendo das relaes e dos laos afetivos minha maior conquista e a energia vital na construo de um mundo melhor. Ao Edu (Eduardo Bernhardt), por acreditar em mim e me dar foras a todo instante. Pelas conversas sobre o tema, pela reviso do texto, pela traduo do resumo, pelo suporte nas tarefas de casa e por aliviar cada dia exaustivo com um simples sorriso. Marta Pimenta Velloso, por conduzir o bom desenvolvimento deste trabalho durante a sua orientao. A todos da Ecomarapendi, pelos ensinamentos, troca de experincias e realizaes profissionais. Especialmente equipe da Recicloteca, Eduardo Bernhardt, rica Seplveda, Tas Queiroz, Viviane Perdomo e Bruna Beck, pelas valiosas contribuies, pelas revises de contedo, pelo auxlio na verificao interna do roteiro de entrevista e pela amizade revigorante. Bruna pelo empenho na caracterizao do perfil do atendimento da Recicloteca, cujos dados foram fundamentais para este trabalho. Vera Chevalier, Diretora da Ecomarapendi, pelo apoio e confiana depositados, alm da autorizao de realizao de uso do espao da Recicloteca, como local de observao e realizao das entrevistas. Tambm deu preciosas contribuies na reviso de contedo. Juliana Correa, amiga de todas as horas, pela troca de idias e reviso final do texto. Aos professores do programa de mestrado em sade pblica da ENSP, especialmente Roslia Oliveira, Paulo Barrocas e Marcelo Rasga, pelo apoio e inspirao. Aos grandes amigos que fiz na turma da sub-rea de saneamento ambiental, Adriana Sathler, Marcos Tavares e Mnica Oliveira. amiga Patrcia Finamore, tambm da turma de saneamento ambiental, com quem compartilhei o tema de interesse, as aflies e conquistas no percurso. Os longos papos aliviaram as tenses e deram grandes contribuies para o desenvolvimento da dissertao. FIOCRUZ pela estrutura proporcionada e pela bolsa de estudos concedida. A todos os entrevistados, sem os quais este trabalho no seria realizado. A minha grande gratido pelo tempo dedicado e pela confiana depositada neste trabalho. Ele representa meu esforo para expressar em uma linguagem cientfica o que percebido e vivido por vocs no cotidiano. minha famlia e amigos, que no s compreenderam minhas incontveis ausncias, como tambm depositaram confiana em mim e me estimularam nessa caminhada.

Nunca duvide da capacidade de um pequeno grupo de dedicados cidados para mudar os rumos do planeta. Na verdade, eles so a nica esperana de que isso possa ocorrer. Margareth Mead

RESUMOO presente estudo se destina a investigar as percepes e prticas sobre lixo no cotidiano. Teve-se como ponto de partida e local de observao a Recicloteca, um Centro de Informaes sobre Resduos Slidos e Meio Ambiente desenvolvido pela ONG Ecomarapendi e com sede no municpio do Rio de Janeiro. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 25 adultos que entraram em contato com a Recicloteca. A amostra bastante diversa no que se refere formao, profisso e locais de origem dos entrevistados (tendo como recorte a regio metropolitana do Rio de Janeiro). Contudo, bastante coesa no que se refere afinidade com o tema meio ambiente e as questes relacionadas ao lixo, sendo composta por pessoas sensveis causa ambiental. O confronto entre as concepes pr-trabalho de campo e o contedo do estudo emprico proporcionou o desenvolvimento de quatro categorias para a apresentao dos resultados. So elas: 1-lixo e conseqncias; 2-lixo orgnico; 3entendendo as causas e propondo novos caminhos e 4-lixo e prticas dirias. Concluise que o lixo, na quantidade produzida e da forma como tratado atualmente, visto como fonte de grande impacto ambiental, como contaminao atmosfrica, do solo e dos corpos hdricos, aumento na probabilidade de enchentes, impacto na fauna atravs da ingesto do lixo, dentre outros. Tambm notria a percepo acerca dos agravamentos no campo social, especialmente aqueles referentes sade pblica. As questes sociais so abordadas com igual intensidade e, muitas vezes, de forma intrinsecamente associadas s ambientais. Com relao composio do lixo, o plstico foi considerado o componente mais prejudicial, seguido pelo vidro, metais e papis. Apesar de o resduo orgnico ser considerado menos prejudicial, h de fato uma viso dbia com relao a este material: ora visto com uma conotao negativa por conter patgenos e pelo odor, ora tido como inofensivo por ser de rpida decomposio. No que se refere s responsabilidades, observa-se que estas so atribudas a diversos setores e atores sociais com diferentes graus e esferas de atuao, caracterizando uma necessidade de responsabilidade compartilhada. Como medidas cabveis para o enfrentamento do problema a coleta seletiva e reciclagem ganham destaque, mas medidas de reduo e reutilizao tambm so citadas como relevantes e praticadas no dia-a-dia dos entrevistados. A necessidade de investimentos na rea educacional unnime e apresentada como imprescindvel para a melhoria no sistema de gerenciamento de resduos slidos. Ao analisar o contedo das entrevistas observouse que o tema notadamente provoca neste segmento da populao sentimentos de inquietao e expectativas, alm de impulsionar a adoo de medidas e a busca por melhores condies no trato com o lixo. Como fruto do estudo desenvolvido recomenda-se: 1- o fortalecimento de sistemas integrados de gerenciamento de resduos, de modo a contemplar os aspectos ambientais e sociais; 2 - um olhar criterioso para o trato com o resduo orgnico, devendo este se tornar fruto de aes especficas; 3 uma interveno do Estado para o fortalecimento das aes de participao social, atreladas aos mecanismos de regulao, de modo que a populao se reconhea nas aes empreendidas. Palavras-chave: 1. Resduos slidos; 2. Resduos orgnicos; 3. Percepo; 4. Movimentossociais; 5. Sade ambiental; 6. Uso de resduos slidos

ABSTRACTThe present study was designed to investigate the everyday perceptions and practices concerning waste. The starting point and observation site was Recicloteca, a Solid Waste and Environmental Information Centre developed by the NGO Ecomarapendi with its office in Rio de Janeiro. Semi-structured interviews were held with twenty five adults that had made previous contact with Recicloteca. The sample answers were quite diverse on schooling, occupation and origin of the interviewee (within the metropolitan region of Rio de Janeiro). However, the sample was very cohesive regarding to affinity with environmental matters and waste related issues, including people sensible to environmental cause. The confrontation between the conceptions before fieldwork and the content of the empirical study has provided the development of four result categories: 1 waste and its consequences; 2 organic waste; 3 Understanding the causes and proposing new directions; 4 Waste and everyday practices. It was concluded that the amount of garbage and its actual management system is regarded by the interviewees as a great source of environmental impact, such as atmospheric, soil and water pollution, increasing risk of floods, fauna impact caused by the ingestion of waste, and others. It was clearly reported that conflicts in the social arena are worsening, specially concerning public health. Social issues were addressed with a similar intensity and were often associated to environmental issues. Regarding waste composition, plastic waste was considered the most harmful, followed by glass, metal and paper. Although organic waste was considered the less harmful part, there was indeed an ambiguous view about it. On the one hand, it is perceived negatively because of its pathogenic composition and its stink, on the other hand it seems to be harmless as it decomposes quickly. Accountability was attributed to different social sectors and actors within different action levels and fields, revealing the need for a shared accountability. Selective gathering and recycling were highlighted in order to face waste problem, but reducing and reusing were also quoted as relevant and daily carried out by the interviewees. The urge for educational investments to improve urban solid waste management was considered indispensable and was an unanimous opinion. Analyzing the interviews content it was clear that this theme disturbs and evocate expectation in this population segment, and impels actions and search for better conditions to deal with their garbage. This study recommends: 1 The empowerment of urban solid waste management system, including environmental and social issues on it; 2 A discerning approach on organic waste management, that must have specific actions; 3 A federal government intervention to the strengthening of social participation actions, linked to regulations settings so people recognizes themselves in this actions. Key-words: 1. Solid waste; 2. Garbage; 3. Perception; 4. Social movements; 5. Environmentalhealth; 6.Waste management.

LISTAS

GrficosGrfico 1 Faixa etria dos entrevistados Grfico 2 Gnero dos entrevistados

QuadrosQuadro 1 Local de origem dos entrevistados Quadro 2 Escolaridade dos entrevistados Quadro 3 Formao dos entrevistados Quadro 4 Profisso dos entrevistados Quadro 5 Tipo de informao solicitada Recicloteca

TabelasTabela 1 Atendimentos da Recicloteca por regio de origem do atendido Tabela 2 Nmero de atendimentos por ocupao/profisso Tabela 3 Nmero de atendimentos por informao solicitada

SUMRIO

1. INTRODUO..............................................................................................

01 04 04 07 13 17 21 21 21 22 22 27 29 30 32 32 38 79 93 98 98 99

2. RESDUOS SLIDOS.....................................................................................2.1. Dados e fatos........................................................................................ 2.2. Resduos slidos orgnicos...................................................................

3. MOVIMENTOS SOCIAIS................................................................................3.1. O Movimento ambientalista.................................................................

4. OBJETIVOS...................................................................................................4.1. Geral..................................................................................................... 4.2. Especficos............................................................................................

5. METODOLOGIA............................................................................................5.1. 5.2. 5.3. 5.4. A ONG Ecomarapendi e a Recicloteca (local de observao e estudo)......................................................... Populao sob estudo....................................................................... Roteiro de entrevista........................................................................ Anlise dos resultados......................................................................

6. RESULTADOS................................................................................................6.1. 6.2. Perfil dos entrevistados.................................................................... Anlise dos resultados (categorias)..................................................

7. CONSIDERAES FINAIS..............................................................................REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................................... ANEXOS.............................................................................................................. Anexo I - Roteiro de Entrevista................................................................... Anexo II Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)..................

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1. INTRODUO

Este trabalho destina-se a realizar uma anlise do lixo a partir das percepes e prticas sociais. O que fazemos com nossas sobras? O que pensamos sobre elas? Nos grandes centros urbanos brasileiros, como a regio metropolitana do Rio de Janeiro, a produo do lixo crescente e a adoo de medidas mitigadoras urgente. Por definio, lixo tudo aquilo que no tem valor, coisa imprestvel que se joga fora, imundice, o que se varre de casa, o que no serve nas cozinhas e se lana fora para ter depois a conveniente remoo (apud EIGENHEER, 20031). Retrato de uma construo histrica e cultural, fortemente balizado pelo modelo econmico adotado e pelas polticas pblicas empregadas, o conceito de lixo traz consigo uma conotao negativa. Apesar de estar presente em nosso cotidiano, gera reaes de repugnncia, afastamento, e por fim, j longe de nossas casas, de descaso e alienao. Apesar de indesejado, o lixo tido como algo inerente existncia humana e uma consequncia do desenvolvimento. Assim, muitas vezes abordado sob aspectos tcnicos e operacionais, a despeito do seu carter histrico e cultural. Considerando que um problema de cunho social no se resolve exclusivamente com tcnica, logstica e operao, faz-se necessrio enxergar alm dos nmeros crescentes de produo de resduos e buscar na prtica do cotidiano algumas explicaes. Identificar a percepo das pessoas acerca do tema pode, por exemplo, indicar a aceitao ou rejeio de um projeto e sugerir maior ateno a determinadas etapas muitas vezes suprimidas, tais como comunicao de risco e gesto participativa. Rodrigues (1999) destaca que o que os homens pensam no necessariamente coincide com o que sentem. Assim, mesmo que uma pessoa pense sobre os problemas do lixo e se importe com tais questes, isso nem sempre impedir que ela queira distncia do que para ela no serve mais, ou mesmo sinta nojo de prticas seguras de

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Segundo o autor, o conceito de lixo no sentido atual de resduos slidos (separado dos demais resduos) s aparece propriamente a partir do sculo XX. Nesta bibliografia, Eigenheer apresenta o significado de lixo descrito por diversos autores ao longo do sculo.

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aproveitamento integral de alimentos, por exemplo. Ignorar esta relao certamente levaria ao fracasso projetos muito bem estruturados no papel. Por outro lado, dedicar especial ateno percepo do indivduo pode tornar factvel at mesmo projetos extremamente complexos e de grande magnitude envolvendo o gerenciamento integrado de resduos slidos. O desprezo e o descaso dedicados s nossas sobras trouxeram como consequncia danos ambientais e sociais que hoje saltam aos olhos da sociedade contempornea e instigam a busca por transformao da realidade que se apresenta. Contudo, reconstruir processos e prticas to arraigados sobre o lixo exige, de cada segmento social, reflexes nem sempre fceis sobre hbitos e valores. Neste contexto, a Recicloteca, um Centro de Informaes Ambientais idealizado e desenvolvido pela ONG Ecomarapendi, com sede na cidade do Rio de Janeiro, se dedica a pesquisar, organizar e disseminar informaes ambientais (em especial aquelas ligadas aos resduos slidos). A mesma tambm se empenha em proporcionar aos cidados reflexes enriquecedoras sobre as questes ambientais, a fim de contribuir para a construo de uma sociedade mais participativa e atuante na promoo da qualidade de vida. A experincia profissional vivenciada por oito anos como consultora e educadora ambiental na referida instituio motivou o desenvolvimento da pesquisa em questo. Durante estes anos tive a oportunidade de atender pessoas de diversas formaes, origens, condies financeiras, faixa etria e interesses. No entanto, todas elas tm em comum o fato de que produzem lixo. Todas tambm tm suas prprias concepes sobre o lixo, o impacto causado por ele no ambiente, bem como as medidas possveis para contribuir com sua gesto e diminuio do impacto. Contudo, a diversidade encontrada nas caractersticas dos usurios da Recicloteca, de um modo geral, no se refletia no discurso por elas apresentadas sobre os problemas do lixo e as possveis solues propostas. A fala predominante era de que o lixo polui e transmite doenas. Por outro lado, a alternativa mais mencionada era a coleta seletiva, associada reciclagem de materiais como metal, plstico, vidro, papel etc. A ausncia de citao da matria orgnica (sobras de alimentos) neste contexto intrigante, posto que ela representa a maior frao do resduo domiciliar.

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A despeito das hipteses desenvolvidas ao longo de anos de atuao no Projeto Recicloteca, h de fato um pensamento comum acerca dos problemas do lixo? Que questes movem as pessoas a buscarem solues no cotidiano para os problemas do lixo? O resduo orgnico realmente negligenciado neste contexto? Que prticas so adotadas no dia a dia, e que prticas so rejeitadas? Mais do que uma investigao emprica que possa confrontar em bases cientficas o que a vivncia profissional tem apresentado, este trabalho busca contribuir com algumas explicaes para o quadro atual de produo, descarte, tratamento e destinao de resduos, na medida em que as percepes e prticas individuais influenciam e so influenciadas pelo coletivo. Sob esta perspectiva, aprofundar o conhecimento das percepes sobre lixo (com especial enfoque nos resduos orgnicos e nas prticas dirias) estimula reflexes sobre as possibilidades de atuao do Projeto Recicloteca e propicia contribuies relevantes para o aprimoramento das atividades desenvolvidas. O presente estudo tem como objeto a investigao do trato com os resduos slidos2 no cotidiano. Para tanto, buscou-se embasamento no referencial terico sobre os resduos slidos e sua frao orgnica; sobre participao social; movimentos sociais e o movimento ambientalista. O ponto de partida e o local de observao para a investigao emprica a Recicloteca/ONG Ecomarapendi. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas a fim de encontrar na fala dos entrevistados, algumas explicaes para o quadro atual de produo, descarte, tratamento e destinao de resduos. Em especial, foi analisada a relao entre a percepo sobre as consequncias da produo e do descarte de lixo, as causas apontadas e as solues propostas, com enfoque na importncia destacada ao resduo orgnico neste contexto. Tambm foram identificadas as prticas j adotadas no cotidiano pelos entrevistados para minimizar o impacto causado pelos resduos slidos.

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Lixo e resduos slidos so expressos neste trabalho como sinnimos. De um modo geral, o termo resduos slidos empregada como denominao tcnica, j a palavra lixo mais usada no cotidiano.

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2. RESDUOS SLIDOS

2.1. DADOS E FATOS:

Segundo a Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico (PNSB), no ano de 2008 foram dispostos em depsitos3 259.547 toneladas dirias de lixo domiciliar e pblico nos municpios brasileiros, o que resulta em uma mdia de 1,360 Kg de lixo por dia por habitante. (IBGE, 2010, p. 164) Verifica-se um aumento desproporcional em relao ao crescimento populacional e gerao de resduos. Enquanto a populao aumentou cerca de 16,4% entre os anos de 1992 e 2000, a gerao de resduos slidos domiciliares teve um aumento de 49%, ou seja, trs vezes maior. Alm disso, a concentrao da populao em reas urbanas crescente: 8 em cada 10 habitantes vive em cidades. Estudos mostram que existe uma relao direta entre o porte da cidade e a produo de resduos slidos domiciliares, ou seja, verifica-se o aumento dos valores per capita gerados medida que cresce a populao do municpio (CETESB, 2005; IBGE, 2002 apud JACOB & BEZEN, 2006). Os problemas causados pela gerao, acmulo e destinao inadequada de lixo em nossa sociedade so, por conseguinte, mais evidentes e urgentes medida que a quantidade e variedade dos resduos aumentam, em proporo inversa disponibilidade de espao nas cidades para seu descarte. Vale ressaltar que, em geral, quanto mais desenvolvida econmica e tecnologicamente uma sociedade, mais resduos slidos por habitante ela produz. Desta forma, medida que a populao de uma regio cresce e se desenvolve maiores sero os desafios (DIB-FERREIRA, 2005). Objetivando atingir o cerne da questo dos resduos slidos, que compreende o consumo excessivo e o crescente descarte, a Agenda 214 (1992, p. 420) destaca a3

O IBGE registrou recebimento de resduos em diversos tipos de unidades de destinao final, contudo, os mais significativos foram os lixes, os aterros controlados e os aterros sanitrios. Os demais, tais como incinerao e unidades de compostagem no chegam a representar nem 1% do total.

Documento signatrio de centenas de pases durante a Conferncia das Naes Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio 92

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necessidade de mudana nos padres insustentveis de consumo. O captulo 21, referente ao manejo ambientalmente saudvel de resduos slidos e questes relacionadas com os esgotos, aponta que:A estrutura de ao necessria deve apoiar-se em uma hierarquia de objetivos e centrar-se nas quatro principais reas de programas relacionadas com os resduos, a saber: a) Reduo ao mnimo dos resduos; b) Aumento ao mximo da reutilizao e reciclagem ambientalmente saudveis dos resduos; c) Promoo dos depsitos e tratamento ambientalmente saudveis dos resduos; d) Ampliao do alcance dos servios que se ocupam dos resduos.

Em relao ao atendimento da populao pelos servios bsicos de coleta de lixo domiciliar, no ano 2000, 79% da populao brasileira era atendida e 35 milhes de pessoas excludas de atendimento. Para a destinao final do material coletado 82% dos municpios brasileiros utilizavam lixes e aterros controlados, apenas 13,8% utilizavam aterro sanitrio5 e os demais no informaram (IBGE, 2002). Contudo, nota-se uma tendncia de melhora na situao da disposio final do lixo no Brasil, especialmente nas grandes cidades. No ano de 2008, a destinao em lixes e aterros controlados foi utilizada por 73,3% dos municpios e 27,7% tinham os aterros sanitrios como destino final. Tomando como referencia a disposio final do material em peso, 64,6% dos resduos coletados so dispostos em aterros sanitrios, 15,7% em aterros controlados e apenas 17,6% em lixes (IBGE, 2010). A despeito da fragilidade dos dados coletados pela PNSB, visto que so fornecidos pela prefeitura local e no coletados in loco pelo IBGE, em 1989 a pesquisa mostrava que o percentual de municpios que vazavam seus resduos de forma adequada era de apenas 10,7%, dos quais 9,6% eram referentes aterros controlados e apenas 1,1% referente aterros sanitrios.O lixo considerado uma forma inadequada de disposio final de resduos, que se caracteriza pelo simples descarte sobre o solo, sem medidas de proteo ao meio ambiente e sade humana. O aterro controlado tido como uma tcnica que minimiza os impactos da disposio de resduos, limitando a rea de disposio e utilizando algumas tcnicas, tais como cobertura do lixo com material inerte ao final de cada jornada de trabalho. J o aterro sanitrio construdo e operado segundo normas especficas, de modo a evitar danos ou riscos sade pblica e ao meio ambiente. Dentre os procedimentos adotados destacam-se a impermeabilizao do terreno, a canalizao e tratamento do chorume e do biogs produzidos na decomposio dos resduos (IPT/CEMPRE, 2000).5

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No que se refere ao beneficiamento dos materiais e retorno dos mesmos ao ciclo produtivo, as informaes ainda so muito difusas. Os dados mais utilizados so fornecidos pelas associaes de fabricantes, pois as mesmas monitoram a entrada de produtos no mercado e o retorno dos reciclveis para beneficiamento. Materiais como vidro, PET e embalagens de ao apresentam cerca de 50% de reciclagem dos materiais dispostos no mercado (ABIVIDRO; ABEACO; ABIPET). J com relao aos resduos orgnicos, com grande potencial de reciclagem, este nmero cai para 1,5% (COMLURB, 2010). Iniciativas quanto reduo ainda so to incipientes que nem se configuram em nmeros e/ou metas adotadas pelo poder pblico e pela iniciativa privada, nem tampouco podem ser observadas nos dados de coleta de lixo. Assim, a gesto dos resduos slidos se estabelece em uma relao constante de interesses no contexto social. Algumas aes so adotadas em detrimento de outras, mantendo os diferentes segmentos da sociedade em uma zona de conforto na qual se tangencia o problema sem de fato se aprofundar em questes essenciais. O resultado uma ateno maior coleta e destinao final (ainda que aqum das necessidades) e uma supervalorizao da reciclagem, sem esta, necessariamente, implicar em benefcios socioambientais. Segundo Eigenheer (2005), o conhecimento e a compreenso dos aspectos histricos e econmicos da reciclagem e de sua insero na sociedade industrial so importantes para que ela atinja os objetivos de carter ambiental estabelecidos nas ltimas dcadas. A recuperao de materiais do lixo uma prtica antiga. Na Inglaterra do sculo XV, os restos orgnicos eram vendidos aos fazendeiros para alimentar a criao. No Brasil h registros de 1896 do Jornal do Commercio que mencionam as atividades de catao para suprir indstrias de reaproveitamento e empresas reutilizadoras. No entanto, o que vem movendo esses esforos , via de regra, o custo de produo dos materiais. A bibliografia americana da dcada de 1970 destaca a importncia econmica da coleta seletiva, porm, a maior parte dos programas de coleta seletiva de papel implantados nesta dcada foram desativados quando os preos

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pagos pelas indstrias tiveram forte retrao e a atividade tornou-se economicamente deficitria. Por seu carter essencialmente econmico, a reciclagem no atende e dificilmente atender a maioria da populao. Ela abrange principalmente os materiais com valor de mercado, e no necessariamente aqueles que oferecem maior risco sade humana e ao ambiente. Segundo Eigenheer (et al, 2005), um indicador de que a reciclagem industrial, e no a gesto dos resduos slidos, prioridade no Brasil, o fato de estar voltada principalmente para materiais inorgnicos reciclveis. So poucas as experincias de recolhimento e tratamento sistemtico da frao orgnica do lixo.

2.2. RESDUOS SLIDOS ORGNICOS:

Os resduos slidos orgnicos se diferem dos demais por serem compostos de carbono associados ao oxignio e ao hidrognio, capazes de serem decompostos pela ao de microrganismos. Na composio dos resduos slidos domiciliares eles representam especialmente os restos de alimentos, preparados ou no, que foram descartados por terem sido considerados imprprios para o consumo humano (KREITH, 1994). Tomando o peso como unidade de medida, mais da metade do material descartado nas cidades brasileiras so compostos por resduo orgnico. Em metrpoles como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, o lixo orgnico compreende cerca de 60% dos resduos slidos urbanos (IBGE, 2000; COMLURB, 2009; BESEN, 2005). Seu descarte comea desde a colheita e processamento dos alimentos, passando pelos entrepostos de comercializao e culminando nos comrcios e residncias. No entanto, boa parte desse resduo a mxima expresso do desperdcio, podendo ser evitado com adoo de tcnicas simples de coleta, acondicionamento, transporte e preparo. O Brasil apresenta altssimos nveis de perda e desperdcio de alimentos, tanto ao longo das cadeias produtivas e de distribuio, incluindo o varejo (27% a 30% do total produzido), quanto no preparo e armazenamento de alimentos nos domiclios e

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em outros locais, como restaurantes, cozinhas industriais e instituies, entre outros (VALENTE, 2002). Pesquisas mostram que, em relao quantidade de alimentos, o brasileiro come menos do que aquilo que joga fora. Um estudo realizado pelo Centro de Agroindstria de Alimentos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa), baseado nas Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro (Ceasa-RJ) e realizado entre 1997 e 2000, concluiu que se perdem anualmente 37 quilos de hortalias e 35 quilos de frutas por habitante. J a Pesquisa de Oramentos Familiares (POF), do IBGE, mostra que, nas dez maiores capitais do Brasil, o consumo anual de hortalias de 35 quilos per capita dois a menos do que o total jogado no lixo e o de frutas, 40 quilos. No h estudos conclusivos que determinem o desperdcio nas casas e nos restaurantes, mas estima-se que a perda no setor de refeies coletivas chegue a 15% e, nas nossas cozinhas, a 20% (GONALVES, 2005). Por se tratar de um material passvel de decomposio e de consequente retorno da matria aos ciclos naturais, esse resduo , muitas vezes, tratado como um material que poucos danos pode acarretar ao ambiente. No entanto, o resduo orgnico na quantidade gerada, compreende uma parcela dos resduos slidos urbanos com grande potencial de contaminao ambiental e de agravamento dos problemas de sade pblica. o principal responsvel pela produo do chorume6 e do biogs7, ambos considerados relevantes fontes de poluio ambiental. Estudos da Environmental Protection Agency (EPA) em amostras de chorume de lixo urbano relacionaram mais de 100 espcies qumicas perigosas ao ambiente e sade humana (CHILTON & CHILTON, 1992 apud SISINNO, 2002). Esses elementos variam de acordo com a composio dos resduos slidos, sendo o teor de matria orgnica e a umidade fatores preponderantes para a sua formao.Lquido formado a partir da decomposio da matria orgnica e de restos de vrios materiais encontrados nos resduos urbanos (SISINNO, 2002) Gs liberado no processo de decomposio da matria, composto por metano, dixido de carbono, hidrognio, nitrognio e gs sulfdrico (SCHALCH, 1984 apud SISINNO, 2002)7 6

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Sisinno (2002) aponta que a separao prvia dos resduos domiciliares perigosos como pilhas, lmpadas e solventes, indicada como forma de diminuir a ocorrncia de substncias txicas na formao do chorume. Com relao aos metais, estudos comprovam que compostos de lixo produzidos a partir de resduos no segregados possuem concentraes de metais maiores do que os que utilizaram a matria orgnica previamente separada dos outros componentes do lixo. O biogs formado em condies anaerbias de decomposio, quando a matria orgnica encontrada no lixo fermentada por microorganismos dentro de determinados limites de temperatura, teor de umidade e acidez. O metano, seu principal componente, possui um grande potencial estufa, sendo um relevante contribuinte das mudanas climticas. Alm disso, um gs altamente inflamvel, que comumente ocasiona exploses em depsitos de lixo sem estrutura de canalizao e tratamento do biogs produzido. A queima proposital ou acidental que ocorre em algumas reas de despejo tambm constitui uma importante fonte de poluio do ar originada nessas reas (SISINNO, 2002). Segundo Giusti (2009), as mudanas climticas, com grande contribuio dos gases provenientes do lixo, podem acarretar na reduo da camada de oznio. Tambm devem afetar pessoas idosas com problemas cardiovasculares, bem como jovens e idosos com problemas respiratrios como a asma. Doenas transmitidas por vetores como mosquitos podem se tornar mais comuns e estima-se um aumento nos casos de malria. Vale destacar que tais efeitos independem da proximidade das pessoas com o lixo orgnico e so acarretados pela sua produo excessiva, descarte inadequado e falta de tratamento. A principal contribuio do efeito estufa dos EUA vem do metano dos aterros, onde os resduos orgnicos sofrem decomposio anaerbica. Devido grande quantidade de lixo em aterros na Europa, uma norma tcnica fixou metas de reduo na disposio de resduo orgnico nos aterros dos estados membros, alm de exigir a coleta do gs metano. Em outros pases uma grande variedade de aes voluntrias e regulatrias vem sendo propostas. (GIUSTI, 2009). O lixo urbano contm um amplo espectro de organismos patognicos. Estudos em reas de disposio de lixo urbano relatam a presena de vrios patgenos, como

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Clostridium sp., Salmonella sp., Shigella sp., etc. (SCARPINO et al., s.d. apud SISINNO, 2002). Por sua vez, a matria orgnica presente no lixo o agente que propicia a proliferao dos microrganismos e atrai animais vetores, potenciais transmissores de doenas que encontram no lixo condies favorveis de desenvolvimento. Vrios so os trabalhos que discutem a relao entre a sade da populao e saneamento. Assim, a cincia sanitria vem estudando o aparecimento de algumas doenas com determinados vetores, tais como aves e insetos que, de alguma forma, entraram em contato com o lixo. Moscas e baratas podem transmitir febre tifide, salmoneloses e disenterias; mosquitos so potenciais transmissores de filariose, malria, dengue e febre amarela; roedores podem transmitir raiva, peste bubnica, leptospirose e certas verminoses; dentre outros (FONSECA, 1997; SISINNO & OLIVEIRA, 2000). Contudo, o conhecimento mais aprofundado dos tipos de doenas bem como dos seus modos de transmisso pelo lixo no se refletiram, nem sequer foram trabalhados, para sanar ou amenizar a repulsa inconsciente (e muitas vezes incoerente) provocada nas pessoas por aquilo que elas consideram lixo. Fruto de uma construo histrica, os restos orgnicos passaram a causar nojo e repulso s pessoas. Os restos tornam-se sinnimo de medo no homem a partir da sua associao ao sofrimento fsico e psquico provocado por epidemias e pandemias na Idade Mdia. Ao processo de higienizao e desodorizao iniciados no final do sculo XIX tambm possvel associar a emergncia de novos modos de pensar, agir e sentir que residam no cerne da histria das novas mentalidades e sensibilidades que vo atribuir a algo a qualidade de ser lixo (RODRIGUES, 1995; VELLOSO, 2008). Velloso (2008, p. 1954) aponta que:Neste sentido, vamos observando, no decorrer da histria, que o homem no seu processo de elaborao do conhecimento vai associando segundo sua sensibilidade e sensaes, os fatos vivenciados. E que, atravs da percepo, ele vai ordenando e dando forma a esses fatos, os quais, por sua vez, vo sendo exteriorizados em diversas e diferentes formas de expresses. (...) A relao entre corpo, doena e resto vai originar as representaes sociais sobre enfermidade e resduo.

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Aos poucos os resduos, que antes eram dispostos nos prprios quintais e nas ruas, foram sendo associados sujeira, s doenas e misria, e portanto, deveriam ser devidamente embalados e afastados de quem os produzia. Miziara (2001), em seu minucioso trabalho investigativo sobre a histria do lixo na cidade de So Paulo apresenta a averso ao lixo como uma tendncia secular, muito mais ampla do que a realidade paulistana e brasileira, influenciada pelo imaginrio das sociedades anteriores e por prticas h muito abandonadas. No sculo XVIII, o contedo do que era considerado sujeira ou imundice, em geral, era relacionado a elementos naturais, definidos por restolhos de natureza, cardos e espinhos, alm de elementos vegetais, excrementos dos animais e at humanos. Naquele perodo bastava tirar a sujeira do campo de viso, desobstruindo a passagem. Nos dias de festas, que fugiam ao cotidiano da cidade, o excesso de restos orgnicos incomodava o olhar, e era recomendado pela cmara da cidade de So Paulo que os moradores limpassem as suas fachadas. Certamente j se apresentava uma certa confuso entre os modos de viver em um mundo natural e em um mundo que comeava a se urbanizar. Essa proximidade das pessoas com o lixo era, at meados do sculo XIX, percebida e vivida como algo, se no natural, pelo menos pouco problemtico (MIZIARA, 2001, p. 40). Contudo, com o advento de epidemias, dentre elas a de febre amarela, o lixo passa a ser objeto de preocupao do espao privado e um problema de sade pblica, configurando-se uma ameaa vida da populao. A partir da o trato com o lixo passa a ser conduzido por uma srie de atos normativos regidos pela classe mdico sanitarista. Assim, foi se configurando um complexo sistema, em que se associou o lixo (e as atividades que o envolvem) ao perigo. A prtica da catao, da utilizao pura e simples do lixo como adubo ou utilizao dos restos para qualquer fim foram associadas ao atraso, depondo contra a civilidade e tornando-se alvo do olhar vigilante ditado pela boa conduta mdica (MIZIARA, 2001). O que se pretende aqui no condenar em absoluto a classe mdica e as medidas adotadas, muito menos contrapor ao extremo tais medidas de modo a retomar um contato insalubre com o lixo. Contudo, preciso travar uma reflexo crtica

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sobre a maneira como foi tirado dos indivduos o saber e as formas de aproveitamento de suas sobras, para assim encontrar formas de resgat-las e apoi-las em preceitos de sade e proteo ambiental.

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3. MOVIMENTOS SOCIAIS

No contexto contemporneo, Guattari (2009, p. 7) descreve um planeta que vive intensas transformaes tcnico-cientficas, associado a fenmenos de desequilbrios ecolgicos que, se no forem remediados, ameaam a vida na Terra. Paralelamente, os modos de vida individuais e coletivos vem sofrendo profundas supresses e padronizaes. As redes de parentesco tendem a se reduzir, a vida domstica vem sendo gangrenada pelo consumo da mdia, as relaes de vizinhana esto geralmente reduzidas a sua mais pobre expresso... a relao da subjetividade com sua exterioridade que se encontra assim comprimida e apagada. Contudo, a razo tecnolgica, que ancora o desenvolvimento do capitalismo, incapaz de satisfazer todas as necessidades do indivduo e de desenvolver plenamente suas capacidades emocionais. Assim, o estmulo ao consumo compulsrio de mercadorias usado como fonte de felicidade, resultando em docilidade e passividade dos indivduos (SANTOS, 1997). No campo da poltica, os Estados, veem seu papel de mediao reduzir-se cada vez mais, e geralmente se colocam a servio conjugado das instncias do mercado mundial. Os interesses econmicos materiais, predominam, em muitos casos, sobre os direitos e deveres cvicos do cidado. Vieira (1999) destaca que os regimes democrtico-liberais tm trazido efeitos paradoxais em determinadas regies. Ao mesmo tempo em que proporciona a participao eleitoral e a emergncia de novas e mltiplas associaes voluntrias, fortalecendo a cidadania democrtica, capaz de gerar graves conflitos tnicos e culturais extremamente contraditrios democracia. Neste contexto, o Estado atua em funo de variveis econmicas, como a expanso do comrcio e a mobilidade de capital. grande maioria da populao, restam polticas de proteo social enfraquecidas e sufocadas pelo predomnio do capital liberal. O Estado atua de maneira precria na garantia dos direitos aos cidados, incluindo acesso educao, promoo da sade e proteo ambiental. Esta postura enfraquece ainda mais as relaes sociais, na medida em que cada um tem que buscar meios de conquistar seus direitos. De um lado, as pessoas com poder aquisitivo

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pagando pela educao, pelo seguro sade e se fechando em suas propriedades; de outro, a maioria da populao, marginalizada social e economicamente, perde interesse e energia para lutar por seus direitos e se ancora em polticas assistencialistas ou em batalhas individuais pela aquisio de capital. Trava-se aqui uma discusso que ancora a questo ambiental em um cenrio tambm poltico, social e econmico. Para o enfrentamento de tais questes diversos autores apontam os movimentos de base como potenciais perturbadores do sistema vigente. Segundo Milton Santos8, no se espera uma evoluo sincronizada como foi a globalizao econmica, e sim o surgimento e crescimento de pequenas exploses isoladas provocadas pelos grupos sociais e impossveis de se conter. Boaventura de Sousa Santos (1997, p. 332) descreve a importncia da construo de uma nova subjetividade, destacando os sentimentos e as paixes como foras mobilizadoras da transformao social. Inspirado pelos escritos de Schiller9, o autor apresenta a razo como fator preponderante para o desenvolvimento da lei, contudo a sua execuo pressupe uma vontade resoluta e o ardor do sentimento. Para ele, o desenvolvimento da capacidade do homem para sentir torna-se essencial e cada vez mais urgente:O racionalismo estreito, mecanicista, utilitarista e instrumental da cincia moderna, combinado com a expanso da sociedade de consumo, obnublou muito a capacidade de revolta e de surpresa, a vontade de transformao pessoal e coletiva, sendo urgente a tarefa de reconstruo dessa capacidade e dessa vontade.

A importncia do sentir descrita por Santos soma-se preocupao expressa por Guattari (2009, p. 12) sobre a questo da apropriao pelos indivduos dos mecanismos tecnolgicos desenvolvidos para minimizar os impactos ambientais:Para onde quer que nos voltemos, reencontramos esse paradoxo lancinante: de um lado, o desenvolvimento contnuo de novos meios tcnico-cientficos potencialmente capazes de resolver as problemticas ecolgicas dominantes e determinar o reequilbrio das atividades socialmente teis sobre a superfcie do planeta e, de outro8

Vdeo: Encontro com Milton Santos ou: O Mundo Global visto do lado de c. Brasil. 2006. Direo: Slvio Tendler. Friedrich Schiller foi um poeta, filsofo e historiador alemo do sculo XVIII.

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lado, a incapacidade das foras sociais organizadas e das formaes subjetivas constitudas de se apropriar desses meios para torn-los operativos.

Nesse enfoque constata-se que de nada vale inventar alternativas de realizao pessoal e coletiva, se elas no so apropriveis por aqueles a quem se destinam. As novas alternativas a se propor para o enfrentamento dos problemas emergentes na sociedade contempornea no podem abrir mo da sensibilidade. Para que sejam propostas factveis na prtica preciso que os envolvidos se reconheam nelas. Essa perspectiva conduz a um movimento de emancipao e participao social, contudo sem deixar de lado as medidas de regulao, garantindo maior solidez e equidade ao processo democrtico. Mas esta ampliao das energias emancipatrias s faz sentido se estiverem empregadas nos atos concretos de emancipao, protagonizados por indivduos e grupos sociais, proporcionando um equilbrio dinmico entre subjetividade (inspiradora, motivadora e singular) e objetividade (construtora e transformadora da realidade). Muitos dos grupos e movimentos sociais existentes, nos quais o movimento ambientalista se insere, lutam por interesses coletivos como proteo dos recursos naturais, valorizao cultural e qualidade de vida. Embora tais conquistas sejam almejadas para a humanidade como um todo, seu exerccio de tornar o mundo e a vida melhores travado na prtica do cotidiano. Assim, a transformao do cotidiano passa a ser uma oportunidade privilegiada de protagonismo pessoal e coletivo (Santos, 1997). Em resposta crise civilizatria que se mostra crescente e que traz em seu interior uma sensao de impotncia e de desmobilizao, Loureiro (2006) considera os movimentos sociais, no Brasil e no mundo, dotados de uma inegvel funo democratizadora. As lutas por eles travadas pautam-se por formas organizativas em busca da democracia participativa, tendo como protagonistas os grupos sociais, ora em reduzido nmero, ora maximizado, em vista de interesses coletivos por vezes muito localizados, mas potencialmente universalizveis. As formas de opresso e de excluso contra as quais lutam no podem, em geral, ser abolidas com a mera concesso de direitos,

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exigem uma reconverso global dos processos de socializao e de incluso cultural. Os movimentos sociais10 so formados no marco da sociedade civil e no do Estado (SANTOS, 1997, p. 261). Entende-se por sociedade civil a forma de organizao da prpria sociedade, na qual cada indivduo encontra sua pertena como cidado. Sendo assim, no so uniformes em sua constituio, pois so formados por grupos, instituies e pessoas com graus diferentes de organizao, de comprometimento pblico e de capacidade de interveno. Com tais caractersticas duas questes emergem: qual o espao da sociedade civil na relao com o Estado? E qual a sua fora no sentido de se posicionar, diminuir a excluso11 ou defender interesses de excludos? (PINTO, 2006). Loureiro descreve que:Pela recusa s relaes de poder e opresso promovidas no mbito do mercado e de um Estado comprometido com o interesse privado e elites, os movimentos sociais constituem-se em aes coletivas reativas e propositivas que ocorrem sob a forma de trs modalidades no excludentes: (1) denncia, protesto e conflitos; (2) cooperao, parceria e solidariedade; e (3) construo de utopia societria ou civilizacional. (SCHERER-WARREN, 1999; HELLMAN, 1995 apud Loureiro, 2006, p. 101)

Para a sociedade civil conquistar seu espao e fortalecer suas aes, a posio das Organizaes No Governamentais (ONGs) tornou-se proeminente e, no Brasil, temas como direitos humanos, meio ambiente e fome tm tido como porta-voz, em grande parte, um conjunto de ONGs (PINTO, 2006). As ONGs so entidades do terceiro setor, portanto iniciativas privadas de utilidade pblica. Assim, sendo, se diferenciam por possurem carter pblico na medida em que se dedicam a causas e problemas sociais e em que, apesar de serem sociedade civil privada, no tem como objeto o lucro, e sim o atendimento das necessidades da sociedade (TENRIO, 2001).

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Fao meno ao que Boaventura de Sousa Santos define como Novos Movimentos Sociais (NMS), os quais o autor diferencia dos movimentos sociais de outrora, que travavam lutas de classes, pautados na democracia representativa. Acrescento aqui posio da autora alm da excluso de pessoas ou grupos, tambm a excluso de objetos, tais como resduos descartados que no possuem valor monetrio.

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No entanto, vale ressaltar que tais funes no significam a defesa terica da supresso do aparato estatal como instncia normatizadora da vida nacional e promotora dos direitos universais (Loureiro, 2006). O que se objetiva a democratizao do Estado e a construo de alternativas socioeconmicas, polticas e culturais.

3.1. MOVIMENTO AMBIENTALISTA

Inmeros autores apresentam a dcada de 70 como o perodo inicial do movimento ambientalista no Brasil12. Nesta poca, o Brasil j havia atingido altas taxas de industrializao e urbanizao, que resultaram em altos nveis de poluio do ar e contaminao da gua. Alem disso, a combinao de industrializao e urbanizao nutriu o crescimento de uma classe mdia intelectual que se tornou mais sensvel s questes referentes aos direitos humanos, liberdade de expresso, direitos polticos, entre outras preocupaes. Contudo, ainda que a sociedade brasileira estivesse preocupada, havia apenas algumas poucas experincias de naturalistas organizados em ONGs, dando prioridade luta pela proteo da natureza. Organizaes ambientalistas comearam a surgir nas principais cidades do sul e sudeste do Brasil na dcada de 70, com o fim da ditadura militar. Essas ONGs concentraram sua energia poltica principalmente em campanhas denunciando a degradao ambiental em reas especficas, aumentando o nvel de conscincia da populao local. Embora este cenrio poltico-social tenha incentivado o

desenvolvimento e o surgimento de organizaes ambientais de classe mdia em busca da proteo da natureza, um estudo realizado por Jacobi (1989) na cidade de So Paulo demonstrou que esse tipo de organizao civil comeou a se proliferar tambm em bairros humildes, demandando investimentos pblicos em abastecimento de gua e servio de sade. Na dcada de 80, o movimento ambientalista j se consolidava tambm nos centros urbanos, e a preocupao ambiental comeou a achar espao num campo mais amplo da sociedade civil, dedicadas a mais causas (sindicatos, grupos religiosos,12

Sobre esse assunto ver Viola & Leis, 1995 e Pdua, 1991.

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associaes de moradores, grupos cientficos, associaes econmicas, jornalistas, artistas entre outros). Nesse sentido pode-se assegurar que o movimento ambientalista brasileiro, no fim da dcada de 80, atingiu um grande nmero de setores da sociedade civil. Uma pesquisa realizada pelo ISER, e intitulada O que o brasileiro pensa da ecologia13, constatou que o movimento ambientalista deslocou sua prioridade, ora dada aos recursos naturais, para os problemas urbanos, com enfoque nas questes referentes ao saneamento. O estudo realizou entrevistas com ambientalistas, tcnicos de governo, cientistas, representantes de movimentos sociais, sindicatos, empresrios e polticos. Os entrevistados falaram principalmente sobre quatro problemas urbanos nessa ordem de frequncia: falta de saneamento, industrializao acentuada, poluio industrial, poluio das guas:Grande nfase foi dada ao problema urbano independentemente do setor estudado. Como um todo, os entrevistados expressaram uma clara conscincia de que apesar dos problemas ambientais mais gerais (perda de biodiversidade, fertilidade do solo, contaminao das guas) os problemas ambientais especficos do Brasil esto nas cidades. (CRESPO & LEITO, 1993 apud TESH & MACHADO, 2004, p. 54)

Duas tendncias puderam ser notadas: a de que as campanhas por qualidade ambiental mais proeminentes no Brasil nunca seriam totalmente desconectadas da luta contra a pobreza e a falta de qualidade de vida e a de que todas essas campanhas teriam dificuldade de serem ouvidas pelo aparato governamental, tanto pela falta de canais polticos democrticos para faz-lo ou como consequncia da falta de instrumentos legais para demandar compromisso das gestes no poder. (FERREIRA & TAVOLARO, 2008) Ferreira & Tavolaro (2008) apontam ainda que preocupaes ambientais sempre encontraram dificuldades para se tornar uma prioridade na poltica brasileira. Segundo os autores, a obsesso brasileira pelo crescimento econmico frequentemente

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Pesquisas semelhantes foram realizadas anos depois pelo ISER tambm coordenadas por Samyra Crespo, intituladas O que o brasileiro pensa do meio ambiente, realizadas nos anos de 1997 e 2000 (Crespo & Novaes, 2002).

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levou a opinio pblica e o estado a ver polticas ambientais como uma despesa cara ao invs de um benefcio pblico. Contudo, os anos 80 testemunharam uma forte institucionalizao interna de vrias associaes ecolgicas. Um nmero significativo de entidades civis se provou capaz de reunir quantidade e qualidade profissional para o desenvolvimento de suas instituies. Tal avano lhes deu mais capacidade de agir, assim como de estabelecer trocas regulares de informao entre elas. A partir da Rio 92 e nos anos seguintes, at os dias atuais, as instituies se consolidaram. Segundo Jacobi (2003), embora ocorra certa queda na capacidade mobilizatria dos movimentos ambientalistas, observa-se tambm um grau de amadurecimento das prticas e a consolidao de um perfil de atuao de instituies numa perspectiva proativa e propositiva dentro de moldes de sustentabilidade. Ftima Portilho (2005) fala de uma primeira abordagem em que se foca a questo da densidade demogrfica e dos modos de produo, depois apresenta os modos de consumo ganhando espao no debate ambiental, especialmente a partir da Rio 92, com a publicao da agenda 21:Uma abordagem mais centrada no consumo vem ganhando centralidade e deixando novas questes em aberto. Aes individuais conscientes, bem informadas e preocupadas com questes ambientais aparecem como uma nova estratgia de mudanas em direo a sociedade sustentvel. Especialistas, autoridades, polticos e organizaes ambientalistas comeam a considerar a coresponsabilidade de diversos atores, tanto coletivos quanto individuais. (PORTILHO, 2005, p. 54)

Neste caso a desigualdade social ganha destaque e as questes ambientais se fundem ainda mais com as sociais, empregando maior peso e responsabilidades queles que possuem maior poder de compra, se voltando especialmente aos pases ricos e elite dos pases pobres. A diversidade caracterstica do movimento ambientalista brasileiro lhe confere um amplo espectro de prticas e atores, com carter multissetorial, que congrega inmeras tendncias e propostas que orientam suas aes, considerando valores como equidade, justia, cidadania, democracia e conservao ambiental. Neste amplo universo de ONGs, algumas fazem trabalho de base, outras so mais voltadas para a militncia, outras tm um carter mais poltico e outras implementam projetos

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demonstrativos. Os seus pontos fortes esto na sua credibilidade e capital tico, na sua eficincia em intervir na micro realidade social (grupos e comunidades) permitindolhes inventariar aspiraes e propor estratgias para atend-las, maior eficincia na aplicao de recursos e agilidade na implementao de projetos que tem a marca da inovao e da articulao da sustentabilidade com a equidade social. (JACOBI, 2003)

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4. OBJETIVOS4.1. OBJETIVO GERAL: Analisar a problemtica dos resduos slidos na perspectiva do indivduo.

4.2. OBJETIVOS ESPECFICOS: Identificar a percepo de indivduos (atendidos pelo Projeto Recicloteca) quanto aos problemas decorrentes da produo e descarte de resduos slidos; Identificar a percepo de indivduos (atendidos pelo Projeto Recicloteca) quanto s possveis solues para os problemas decorrentes da produo e descarte de resduos slidos; Discutir a relao entre a percepo do problema e a percepo da soluo, destacando a importncia dos resduos slidos orgnicos neste contexto;Identificar as prticas j adotadas pelos entrevistados para minimizar o

impacto dos resduos slidos.

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5. METODOLOGIA

Para o desenvolvimento desta pesquisa foram realizados levantamentos bibliogrficos pertinentes ao tema e aos trabalhos de investigao sociolgica. Para a investigao emprica foi realizada a tcnica qualitativa de entrevista semi-estruturada com o pblico usurio da Recicloteca.

5.1. A ONG Ecomarapendi e a Recicloteca (local de observao e estudo)

Imersa no contexto brasileiro do movimento ambientalista, a ONG Ecomarapendi14 surge no final da dcada de 80 como uma associao de moradores, interessados em prover proteo ambiental e melhores condies de vida na regio da Barra da Tijuca, abrangendo especialmente o corpo hdrico e o entorno da lagoa de Marapendi. A Ecomarapendi nasceu da preocupao com a degradao da Baixada de Jacarepagu, uma das mais ricas regies do Rio de Janeiro, em termos de biodiversidade e beleza cnica. Sua misso era, e ainda , despertar na comunidade o interesse e a responsabilidade pelas questes ambientais, assim como pela busca de solues para os problemas identificados. Constituda juridicamente em 1990, a Ecomarapendi, assim como inmeras outras ONGs, ganhou fora durante a Rio 92, perodo em que disponibilizou e gerenciou diversos postos de coleta seletiva espalhados pela cidade do Rio de Janeiro. Em 1997, a instituio foi considerada de utilidade pblica pelo Estado do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 1997). Ao longo dos anos foi aprimorando e expandindo sua atuao, que atualmente se consolida em 3 principais reas: Informao, Estudos e Educao Socioambiental. Com uma viso sistmica acerca das questes ambientais, a Ecomarapendi aborda diversos temas de maneira interligada, e para tanto, conta com e preza por uma equipe multidisciplinar. Contudo, sua trajetria a torna uma referncia na temtica dos resduos slidos: tanto atravs da informao e da educao ambiental, como na execuo de programas de insero nas comunidades e com14

A razo social da referida instituio Associao Projeto Lagoa de Marapendi.

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atuao poltica na busca por melhores condies de manejo e descarte de resduos, na perspectiva do gerenciamento integrado. Idealizada e desenvolvida pela ONG Ecomarapendi, a Recicloteca foi criada em 1991 como um projeto e se consolidou como um Centro de Informaes Ambientais, de atuao permanente e ininterrupta h cerca de vinte anos. Segundo Tavares (2003, p.35) a Recicloteca fruto do engajamento com o gerenciamento de resduos, cujo objetivo difundir informaes sobre as questes ambientais dentro da prtica da Educao Ambiental, com nfase no lixo e no desperdcio, de forma a sensibilizar o pblico em geral. O pressuposto do Projeto Recicloteca que o papel de cada cidado fundamental na mudana do quadro representado pela gerao de resduos slidos, quer pela reduo de consumo (com a opo por mercadorias mais durveis e embalagens no-descartveis), quer pela reutilizao de materiais como vidro e outros, quer pela separao prvia dos materiais reciclveis para serem encaminhados reciclagem (BUENO et al, 1998). Na busca pela melhoria da qualidade de vida e baseada nos princpios de uma educao ambiental transformadora, a Recicloteca vai alm da simples transmisso de informao e estabelece um dilogo crtico com seus usurios a fim de despertar o cidado para uma atuao participativa junto comunidade cientfica, bem como em relao s polticas pblicas e econmicas. Ao longo dos anos, a Recicloteca consolidou sua atuao em informao e educao ambiental, se tornando referncia na rea de resduos slidos. Para a manuteno de suas atividades conta com o apoio da iniciativa privada e com parcerias pblicas e privadas. A equipe tcnica, composta por cinco consultores ambientais, realiza constantes pesquisas a fim de manter o acervo atualizado e organiza o material bibliogrfico com base no Thesaurus15. Atualmente seu acervo conta com cerca de 5.000 ttulos indexados entre livros, trabalhos cientficos, vdeos, cartilhas etc.15

Thesaurus uma palavra latina que significa "tesouro" e foi empregada, a partir de 1500, para indicar um acervo ordenado de informaes e conhecimentos. Um thesaurus fornece uma linguagem padro ou um conjunto de termos de uma determinada rea. Os termos thesaurus so usados por indexadores para descrever o contedo de publicaes de uma maneira consistente, compreensiva e concisa (CAVALCANTI, 1978; CSA, 2010).

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Alm do acervo, a Recicloteca mantm em sua sede o Espao 3Rs, uma exposio didtica que convida o visitante a refletir sobre a Reduo, o Reaproveitamento e a Reciclagem do lixo produzido. O atendimento ao pblico, sua principal atividade, realizado na sede da instituio ou em eventos externos, tais como fruns e seminrios. As consultas individuais ocorrem principalmente por e-mail, telefone e visita sede. H um atendimento diferenciado para grupos atravs de visita guiada. A atividade, denominada de Vivncia, consiste de palestra interativa, exposio dos 3Rs (peas expositivas sobre o tema), exibio de vdeo e realizao de oficina, definida de acordo com o pblico e o espao disponvel. As principais oficinas so de reciclagem artesanal de papel e produo de caderno criativo com reaproveitamento de papel. Para ampliar o acesso informao a Recicloteca promove palestras gratuitas sobre os mais variados temas na rea ambiental. Os assuntos so abordados por especialistas convidados que contam tambm com a interao dos participantes para enriquecer o debate: uma combinao que favorece o entendimento at mesmo de questes aparentemente complexas. O site da instituio foi desenvolvido em 1996 e vem se mostrando uma ferramenta essencial para a difuso da informao. Conta com dezenas de pginas e amplo contedo em uma linguagem de fcil acesso, proporcionando interesse tanto de leigos como de pessoas que atuam na rea, tanto do pblico infanto-juvenil como de adultos e idosos. No ano de 2009 foram realizados 6890 atendimentos pela Recicloteca. Um estudo realizado durantes os meses de outubro e dezembro permitiu a anlise mais aprofundada do perfil das pessoas atendidas. Elas so oriundas principalmente da regio metropolitana do Rio de Janeiro, porm, h registros de usurios de todo o pas e at de estrangeiros (tabela 1).

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Tabela 1 - Atendimentos por regio de origem do atendido (out-dez/09) Regio Rio cidade e regio metropolitana Rio - demais cidades Estado de So Paulo Outros estados (exceto SP) Outros pases No informado TOTAL Atendimento individual 266 23 83 97 3 156 628 Vivncia 599 0 0 0 0 22 621 Ev. externos e palestra na Recicloteca 22 40 0 0 0 30 92 Total 887 63 83 97 3 208 1341

Quanto

atividade

profissional,

foram

registradas

cerca

de

90

profisses/ocupaes diferentes apenas no ltimo trimestre do ano. Elas variam entre comerciantes, empresrios, telefonistas, donas de casa, pesquisadores, paisagistas, mdicos, motoristas, dentre outras. Os nmeros mais expressivos so de estudantes, educadores e jornalistas. O grande nmero de estudantes do ensino bsico e mdio se d em funo da grande procura desse seguimento para a realizao da vivncia oferecida pela instituio. Contudo, o atendimento individual o que mais expressa a grande diversidade de profisses/ocupaes registradas (tabela 2).

Tabela 2 Nmero de atendimentos por ocupao/profisso (out-dez/09) Ocupao/profisso Estudantes do ensino bsico e mdio Educadores Estudantes nvel superior Jornalistas Empresrios Comerciantes Produtores Gestores Ambientais No informado Outros TOTAL N de atendimentos 602 118 79 30 19 16 15 14 185 201 *1279

* Dados no computados em eventos externos, o que torna o nmero total (1279 atendidos) diferente do total apresentado na tabela 1 (1341 atendidos).

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No que se refere informao solicitada, so inmeros os motivos que levam as pessoas a procurarem o atendimento da Recicloteca. Como nos dados de atuao profissional, os nmeros mais expressivos aqui so referentes vivncia, contudo, novamente o atendimento individual responsvel pela grande diversidade de informaes solicitadas.

Tabela 3 Nmero de atendimentos por informao solicitada (out-dez/09)

Tipo de informao Realizar vivncia, com informaes gerais sobre meio ambiente e resduos slidos Pedido de contatos de produtos, servios e afins Implantao e aperfeioamento de programas de coleta seletiva, bem como pedido de contatos para destinao dos materiais (quem recebe reciclveis) Pesquisa tcnica sobre meio ambiente e resduos slidos Pedido de apoio institucional para realizao de projetos, eventos e afins Conhecer a Recicloteca Informao sobre cursos Participar de Palestra Produo de matria com a Recicloteca para veiculao na mdia Informaes sobre a vivncia No informado Outros TOTAL

N de atendimentos 621 94 88 73 54 37 35 30 29 22 9 187 *1279

* Dados no computados em eventos externos, o que torna o nmero total (1279 atendidos) diferente do total apresentado na tabela 1 (1341 atendidos).

Diante do exposto acima, a Recicloteca se apresenta como um local com caractersticas favorveis a realizao do estudo emprico proposto. Soma-se a este a familiaridade da pesquisadora com a instituio no atendimento ao pblico e na realizao de atividades de informao, sensibilizao e educao ambiental. A diversidade apresentada pelas pessoas que consultam a Recicloteca pode, inicialmente, se apresentar como um limitante do estudo por no ser possvel categorizar o pblico entrevistado. No entanto, o objeto de estudo aqui travado no se limita a uma frao da sociedade e o pblico atendido pela Recicloteca pode proporcionar uma diversidade favorvel ao enriquecimento do estudo.

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Contudo, se por um lado o pblico estudado bastante diverso, por outro, ele apresenta uma caracterstica que os une: o interesse pelo tema. A atuao da Recicloteca por demanda espontnea da sociedade atrai um pblico diferenciado. So pessoas que, na grande maioria das vezes, esto sensveis s questes ambientais e querem se aprofundar no assunto.

5.2. POPULAO SOB ESTUDO

Segundo Michelat (1982, p.99) numa pesquisa qualitativa s um pequeno nmero de pessoas interrogado. So escolhidas em funo de critrios que nada tem de probabilistas e no constituem de modo algum uma amostra representativa no sentido estatstico. O autor ainda descreve que na pesquisa qualitativa importante escolher indivduos os mais diversos possveis, pois o indivduo considerado representativo por deter uma imagem, ainda que particular, da cultura a qual pertence. Tenta-se apreender o sistema, presente de um modo ou de outro em todos os indivduos da amostra, utilizando as particularidades das experincias sociais dos indivduos enquanto reveladores da cultura tal qual como vivida. Numa situao ideal, as entrevistas de anlise qualitativa no pressupem um nmero x de entrevistados, sendo indicado seguir com as entrevistas enquanto forem registrados contedos inovadores e fatos verdadeiramente relevantes ao objeto de estudo. Entretanto, as pesquisas que no dispem de tempo ilimitado precisam se adequar ao tempo disponvel para a realizao das entrevistas e posterior sistematizao e anlise. Para o estudo proposto, os possveis entrevistados foram selecionados com base no critrio de diversidade descrito por Michelat, sem a definio prvia de um determinado nmero de entrevistados e de acordo com os seguintes critrios: 1) Ter solicitado atendimento do Projeto Recicloteca entre os meses de junho a agosto de 2010 (ver cronograma). Sob este aspecto, h claramente dois grupos distintos de atendimentos: aqueles cuja demanda parte do indivduo/cidado a fim de se informar sobre um determinado tema/questo, o qual chamamos de atendimento individual; e aqueles que a prpria

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instituio oferece como atividades, envolvendo um grupo de pessoas (Vivncias, palestras e participao em eventos). Aqui, o estudo se restringe ao atendimento individual. 2) Ter entre 20 e 59 anos, idade adulta estabelecida pela Organizao Mundial de Sade16(OMS, 2010). Embora ainda no haja estudos publicados sobre a faixa etria do pblico visitante da Recicloteca, expressiva a maior procura pelos adultos no atendimento individual. Alm disso, o grupo sob maior responsabilidade nas prticas dirias de consumo e descarte de materiais. 3) Residir na regio metropolitana do Rio de Janeiro. Como as entrevistas foram presenciais, a regio de origem da pessoa foi usada como critrio de seleo, sendo aptos a participar da entrevista apenas aqueles que residem na regio metropolitana do Rio de Janeiro. Para aumentar a diversidade da amostra e consequentemente enriquecer o trabalho, foram priorizadas as pessoas das mais diversas localidades dentro do permetro estabelecido. 4) Estar disposto a participar da pesquisa. As pessoas que atenderam aos critrios de seleo de 1 a 3 foram convidadas a participar da pesquisa e esclarecidas da finalidade do trabalho, ressaltando ainda os princpios ticos da relevncia da pesquisa, de sua beneficncia e da no-maleficncia expostos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo II) 5) Compreender e assinar o TCLE. Os selecionados que se dispuseram a participar da pesquisa assinaram o TCLE antes da realizao da entrevista e receberam uma cpia do mesmo.

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No h um consenso entre os diferentes rgos de proteo social sobre a classificao etria, os intervalos de idade normalmente so definidos de acordo com o foco de atuao. A OMS, centrada nas questes ligadas sade, se baseia mais nos aspectos fsicos e biolgicos do indivduo. Enquanto o Cdigo Civil Brasileiro (BRASIL, 2002) se concentra mais na capacidade social dos exerccios de direitos e deveres, definindo a maioridade a partir dos 18 anos de idade. O presente estudo tem como referncia a classificao da OMS e estabelece o intervalo de 20 a 59 anos de idade para o exerccio emprico proposto.

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5.3. ROTEIRO DE ENTREVISTA

Para a elaborao do roteiro alguns critrios e cuidados balizaram a incluso de perguntas. Dentre eles, os quatro pontos destacados por Bowley (1946 apud MANN, 1970): a) pedir o mnimo de informaes necessrio, tendo em vista que uma pergunta para ser includa no basta ser interessante, ela deve ser relevante para o estudo em questo; b) assegurar-se de que as perguntas podem ser respondidas; c) assegurar-se de que as perguntas sero respondidas honestamente e d) assegurar-se de que os entrevistados no se recusaro a responder as perguntas. Assegurados os tpicos acima, concluiu-se a primeira verso do roteiro. No entanto, ainda seguindo procedimentos sugeridos por Mann (1970, p.124), o questionrio foi respondido pela prpria pesquisadora. Segundo ele, um trao bastante comum nas primeiras perguntas elaboradas por estudantes de formulao de roteiros fazer perguntas que evidentemente no foram encaradas sob o ponto de vista do entrevistado. O exerccio de colocar-se no lugar do entrevistado , portanto, essencial para a qualidade do trabalho e pode gerar modificaes significativas no roteiro. Tropeos comuns, como a incluso de perguntas duplas e perguntas que induzem o entrevistado a determinada resposta, podem ser evitados com uma anlise crtica do roteiro. Uma vez realizada, a entrevista no poderia ser refeita, portanto todo cuidado na elaborao do roteiro foi indispensvel. Com o rascunho concludo e aps o exerccio de responder o roteiro como se fosse o entrevistado, foi realizada a verificao interna do roteiro, submetendo-o a avaliao da orientadora e dos consultores da Recicloteca. Por fim, antes de iniciar o estudo propriamente dito, fez-se uma entrevista piloto com um dos selecionados. A mesma foi includa na amostra, pois o roteiro no sofreu alteraes significativas aps a entrevista. O roteiro de entrevista no foi entregue ao entrevistado, ele foi usado apenas como guia para a entrevistadora, que teve como premissa proporcionar um ambiente confortvel e deixar o entrevistado vontade para expressar suas opinies sobre o tema proposto. Foi usado um gravador para registrar todas as informaes, sem a

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preocupao com perda de dados e sem tomar o tempo e a inconvenincia da escrita durante a entrevista. Tambm foi utilizado um caderno de campo onde se registrou as peculiaridade durante a realizao da entrevista. Gestos, trejeitos, entonaes, olhares e at mesmo o silncio e a ausncia de expresses podem ser dados essenciais durante a anlise dos resultados. Michelat (1982) compartilha da hiptese de que o que da ordem afetiva mais profundo, mais significativo e mais determinante do comportamento do que o que apenas intelectualizado, enquanto o que apenas intelectualizado tem uma significao fraca e uma relao reduzida com os comportamentos do indivduo. Assim, o roteiro de entrevista semi-estruturada, a conduo da entrevista e o uso do gravador visam proporcionar a melhor relao de liberdade e confiana do entrevistado com a coleta sistemtica dos dados, ambos essenciais qualidade do estudo.

5.4. ANLISE DOS RESULTADOS

O material emprico produzido foi examinado com base na anlise de contedo, descrita por Bardin (2010), a fim de possibilitar um cuidadoso exerccio entre a hiptese travada, a tcnica de entrevista e a interpretao dos resultados. Os indivduos, vivendo uma determinada realidade, porm pertencentes a grupos distintos e condicionados por um dado momento histrico, podem ter simultaneamente interesses coletivos que os unem e interesses especficos que os distinguem e os contrapem. Assim, a anlise dos resultados tambm se baseou na Hermenutica Dialtica17, permitindo simultaneamente compreender o contedo das entrevistas e estabelecer uma anlise crtica do material sob estudo, tendo como balizadores: a) as condies histrico-culturais envolvidas; b) a constatao de que no h imparcialidade por parte do pesquisador, pois o mesmo parte da realidade que investiga; c) superar a tentativa de interpretao espontnea e literal dos dados,17

A hermenutica a arte da compreenso e tem Gadamer como um dos maiores estudiosos no assunto, com destaque para a obra Verdade e Mtodo (1999). J a dialtica se ocupa da contraposio e contradio de ideias. A obra A Fenomenologia do Esprito de Hegel (1980) aprofunda o conceito de dialtica, que se apresenta como uma progresso em que cada movimento sucessivo surge como soluo das contradies inerentes ao movimento anterior.

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visando penetrar nos significados que os atores sociais compartilham na vivncia de sua realidade; d) a superao da pesquisa com fim nos instrumentos, tendo como foco o aprofundamento e a investigao da hiptese proposta inicialmente (MINAYO, 2007). A primeira etapa da anlise dos resultados foi a transcrio das entrevistas, seguida de leitura e releitura do material emprico e das anotaes de campo, bem como da documentao utilizada no referencial terico, iniciando-se a busca de coerncia interna das informaes. Minayo (2007, pp. 357 e 358) destaca que:Esse exerccio inicial, denominado por alguns autores como 'leitura flutuante' permite apreender as estruturas de relevncia dos atores sociais, as ideias centrais que tentam transmitir e sua postura sobre o tema em foco.. A leitura flutuante proporcionou a construo das categorias empricas de anlise, que aps confrontadas com as categorias tericas, expressas no roteiro de entrevistas, permitiu a construo definitiva das categorias definidas para a apresentao e interpretao dos resultados. No momento seguinte foi feito um recorte e um reordenamento das entrevistas de acordo com as categorias estabelecidas. Uma nova leitura do material foi feita, contudo priorizando neste momento o contedo de cada categoria, e no mais a entrevista completa de cada ator social. O retorno ao referencial terico tambm se fez necessrio nesta etapa, conferindo anlise um movimento circular que vai do emprico ao terico e vice-versa para a melhor compreenso da realidade estudada.

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6. RESULTADOS

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram realizadas 25 entrevistas qualitativas semi-estruturadas com pessoas que entraram em contato com a Recicloteca/Ecomarapendi, observados os critrios estabelecidos e descritos na Metodologia. As entrevistas foram realizadas na sede da Ecomarapendi, exceto por duas realizadas no local de trabalho dos entrevistados, no perodo de 16 de agosto a 28 de outubro de 2010 e tiveram durao mdia de 44 minutos, sendo a mnima com 20 minutos e a mxima com 1 hora e 28 minutos. Para preservar a identidade dos entrevistados, os mesmos so identificados por nmeros que variam de 1 a 25, de acordo com a ordem de realizao das entrevistas.

6.1. PERFIL DOS ENTREVISTADOS 6.1.1. Faixa etria A idade dos entrevistados foi bastante variada e a amostra apresentou pessoas de diferentes faixas etrias adultas. Os indivduos de 20 a 29 anos tiveram maior representatividade, sendo oito entrevistados (representados pelos nmeros 9, 10, 11, 12, 15, 19, 24 e 22). Seis pessoas pertencem a faixa etria entre 30 e 39 (sendo os entrevistados de nmero 3, 6, 13, 16, 21 e 25). Sete entrevistados tem entre 40 e 49 anos (entrevistados 1, 2, 4, 5, 8, 14 e 17) e o grupo de 50 a 59 anos foi o menos representativo, com 4 entrevistados (representados pelos nmeros 7, 18, 20 e 23).Grfico 1 Faixa etria dos entrevistados

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6.1.2. Gnero O grupo de entrevistados se mostrou equilibrado no que se refere ao gnero, sendo 52% do sexo feminino e 48% do sexo masculino. As mulheres so as entrevistadas representadas pelos nmeros 3, 4, 7, 9, 10, 11, 13, 16, 17, 18, 19, 21 e 23.Grfico 2 Gnero dos entrevistados

6.1.3. Localidade Com relao localidade em que residem os entrevistados, foram constatados diversos bairros da cidade do Rio de Janeiro, bem como demais cidades da regio metropolitana, caracterizando uma amostra diversificada quanto a este critrio.Quadro 1 Local de origem dos entrevistados LOCALIDADE Duque de Caxias Itabora Niteri Nova Iguau Rio de Janeiro Barra da Tijuca Rio de Janeiro Botafogo Rio de Janeiro Catete Rio de Janeiro Centro (Bairro de Ftima) Rio de Janeiro Copacabana Rio de Janeiro Flamengo Rio de Janeiro Glria Rio de Janeiro Jacarepagu Rio de Janeiro Laranjeiras Rio de Janeiro Leblon Rio de Janeiro Madureira Rio de Janeiro Maracan Rio de Janeiro Recreio dos Bandeirantes Rio de Janeiro Santo Cristo Rio de Janeiro Vila da Penha Entrevistados 1 20 25 12 7; 9; 21 14; 23 5; 6 16 19 4; 11 10 2 3; 13 18 17 24 22 15 8

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6.1.4. Escolaridade Os entrevistados apresentam alto ndice de escolaridade sendo 19 com nvel superior, dos quais 15 possuem ao menos um tipo de ps graduao, 5 com nvel superior incompleto e apenas 1 com nvel fundamental. Este resultado sugere uma possvel correlao entre a escolaridade e o envolvimento das pessoas em aprofundar seus conhecimentos para a transformao da realidade, no que se refere questo socioambiental, em especial no trato com os resduos slidos.

Quadro 2 Escolaridade dos entrevistados ESCOLARIDADE Ensino fundamental completo Ensino superior incompleto Ensino superior Ensino superior; ps graduao latu sensu Ensino superior; mestrado incompleto Ensino superior; mestrado Ensino superior; ps graduao latu sensu; mestrado incompleto Ensino superior; ps graduao latu sensu; mestrado Ensino superior; ps graduao latu sensu; mestrado; doutorado Entrevistados 1 4, 5, 9, 19, 15 2, 12, 17, 21 3, 8, 13, 16, 22, 24, 25 10 11 20 6, 7, 14, 18 23

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6.1.5. Formao Aqui tambm nota-se a diversidade da amostra, com dezenas de reas do conhecimento representadas pelos entrevistados. Alguns entrevistados possuem mais de uma formao.Quadro 3 Formao dos entrevistados FORMAO Ensino fundamental completo Administrao Administrao estudante Biologia Biologia estudante Comunicao social Design grfico estudante Direito Educao fsica incompleto (trancado) Engenharia ambiental Histria Geografia Letras Marketing estudante Matemtica Militar Odontologia Pedagogia Pscicologia Sociologia Turismo Entrevistados 1 11, 20, 21, 24 15 22, 25 9 3; 16 19 7 5 10 24 2 6, 7 4 17 14 8 23 18 12, 18 13

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6.1.6. Profisso A atuao profissional dos entrevistados tambm bastante variada, ressalta-se ainda que alguns desempenham mais de uma profisso.

Quadro 4 Profisso dos entrevistados PROFISSO Comerciante da praia, vice-presidente de associao das barracas da praia Administrador e professor de histria Analista tcnico Assessor de qualidade, professor de administrao e mestrando em tecnologia Cirurgio dentista da marinha Compradora Consultor ambiental Empresria de mdia digital Especialista em meio ambiente do SENAC Estudante de biologia Estudante de design grfico Estudante de mestrado Funcionria da FUNAI Gestor ambiental Jornalista - diretora de TV Militar Produtora cultural, tutora de curso de educao distncia, voluntria, ativista Professora Professora de Matemtica Professora da UERJ, advogada Representante comercial Sociloga, coordenadora de instituto socioambiental Socilogo Tcnico de turismo, sndico de condomnio Entrevistados 1 24 6 20 8 21 25 4 13 9 19 10 11 22 3 14 16 23 17 7 15, 2 18 12 5

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6.1.7. Informao solicitada Os entrevistados expressam inmeros motivos para entrar em contato com a Recicloteca. A tabela abaixo apresenta a variao desses motivos, associada ao entrevistado que solicitou atendimento. Vale ressaltar que estas foram as informaes solicitadas inicialmente, contudo, no decorrer da consulta, muitos atendimentos desencadearam a solicitao de inmeras outras informaes.Quadro 5 Tipo de informao solicitada Recicloteca Tipo de Informao Apoio institucional - evento em comemorao ao dia do meio ambiente Apoio institucional - evento em prol da limpeza das praias Apoio institucional - evento sobre sustentabilidade Coleta seletiva - auxlio na implantao Coleta seletiva - quem recebe lixo eletrnico Coleta seletiva- quem recebe papel Coleta seletiva quem recebe pneu Conhecer a Recicloteca; informaes sobre cursos; trabalho voluntrio Inscrio em palestra Pedido de contato - especialistas em educao ambiental infantil e fornecedores de sacola retornvel Pedido de contato - papel reciclado artesanal Pedido de estgio Pedido de participao em evento Pesquisa sobre 3R's (pai de aluno auxiliando no trabalho escolar do filho) Pesquisa sobre compostagem Pesquisa sobre educao ambiental Trabalho acadmico - pesquisa sobre coleta seletiva Trabalho acadmico - pesquisa sobre educao ambiental Trabalho acadmico - pesquisa sobre logstica reversa Visitar nova sede Vivncia ambiental - informaes para agendamento Vivncia ambiental - marcar grupos Entrevistados 6 1 18 5; 8 20 24 22 4 2 13 21 9 16 14 12 3, 25 19 15 10 11 17 7, 23

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6.2. ANLISE DOS RESULTADOS

6.2.1. CATEGORIAS

Os depoimentos foram apresentados de acordo com as categorias estabelecidas. Em cada categoria, os temas abordados so precedidos por um texto explicativo. Os entrevistados so identificados ao final de cada fala pela letra E (entrevistado) seguida do nmero, conforme apresentado no perfil descrito acima.

1. Lixo e consequncias 2. Lixo orgnico 3. Lixo entendendo as causas e propondo novos caminhos 4. Lixo e prticas dirias

6.2.1.1.

CATEGORIA 1 - Lixo e consequncias

Nesta categoria foram agrupadas as falas referentes s consequncias decorrentes da produo de resduos slidos. Foram levantados, na percepo dos entrevistados, os problemas ocasionados na produo, descarte e gesto do lixo. As questes referentes aos danos ambientais foram abordadas sob inmeros aspectos tais como coleta deficitria, destinao inadequada, tratamento inexistente, dentre outros:A coleta quando no seletiva ela jogada tudo junto, o acmulo de resduos slidos, a questo do chorume que contamina os recursos hdricos e o prprio terreno fica completamente contaminado, completamente morto (...) A questo do lixo sempre foi uma questo histrica isso, sempre foi vetor de doena, mil problemas, mas a questo ambiental eu acho que agora a que t em primeiro lugar. E2 A questo de voc ter um solo preparado pra receber esse lixo pra que esse chorume no v percolando e penetre no lenol fretico e polua todo o solo, a gua, enfim... principalmente quando t colocado a cu aberto. E7 O depsito descontrolado, at mesmo porque muitas vezes o destino no o correto, por espao, ou conduta, ou manejo do lixo. Eu tambm visualizo que j comea a prejudicar a prpria natureza, em funo do lixo despejado em mananciais ou mesmo pela infiltrao dos resduos, tudo isso j comea a contaminar as fontes hdricas... Os

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animais tambm acabam ingerindo como alimentao. Eu vi isso no Mato Grosso. O gado parece que tem atrao pelo plstico, ento ele come e morre mesmo, no fermenta, no digere. E14 O lixo tambm gera uma das maiores fontes de poluio do estado do Rio, que o gs metano... o leo se vai pelo cano polui, 1 litro de leo causa um estrago tremendo. (...) a fauna marinha engole esses sacos, e causam os problemas que muita gente conhece, confundem com alimento, s vezes morrem por causa disso. E18 Fazendo uma anlise mais ampla vem a questo da sustentabilidade, o que voc joga no lixo vem de um recurso natural, quanto mais lixo voc gera, mais recurso voc ta usando. E25

Os danos sade tambm so abordados na mesma proporo que os referentes ao meio ambiente. Ora as entrevistas ressaltam os danos sade como o principal problema, ora os danos ambientais, mas de um modo geral apresentam estas duas como as principais questes envolvidas, e de certa forma indissociveis nesse contexto.Vetor de doena, e outros aspectos sociais que to ligados nisso, n. E2 Problemas de higiene e sade. A gente sabe que o lixo carrega muitas fontes de doenas. E4 Doena pras pessoas que vivem do lixo. E6 A questo do descarte tem que ser adequado porque voc tem que se preocupar com a sade pblica, as doenas... doenas que so geradas pelo prprio manuseio com o lixo. E7 No campo da sade ele um foco de doenas, e por conta do acmulo desregulado do lixo aumenta a proliferao de bactrias e todos os agentes nocivos que em funo disso podem trazer algum malefcio no campo da sade para o homem. E 14 Um lixo abandonado pode ser lugar para proliferao de insetos, alguns nocivos sade... ele gera mosquito, rato. E18 O principal problema a proliferao de doenas, o aumento de vetores. E20

Os fatores sociais envolvidos so bastante associados aos danos sade, como observado nas falas acima. Contudo, algumas falas enfatizam o agravamento do problema queles com maior grau de vulnerabilidade social, caracterizando a condio de injustia ambiental vivida por uma parcela da populao.

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A favelizao do entorno, as pessoas que to ligadas diretamente com essa questo de sobrevivncia junto do lixo. E2 As bactrias que ficam, o acesso s pessoas que s vezes trabalham coletando lixo por falta de oportunidade que tambm podem adoecer, crianas brincando em lixes. E4 Eu acho que o impacto negativo que ele traz pra todas as pessoas, mas no meu ver afeta mais as pessoas com uma renda inferior. E15 uma coisa muito pernstica, porque geralmente os lugares eleitos pra isso [depsitos de lixo] so lugares da periferia n, e que os governantes, os formadores de opinio no circulam tanto, ento acaba q o lixo no lhes afeta diretamente, mas uma hora vai chegar. E18 Eu tava lendo uma reportagem sobre as pessoas que vivem nos aterros, em Gramacho, e os catadores que vivem de recolher material para vender reciclvel falando que s vezes eles tiram comida de l, e mvel, e montam l no meio do lixo uma tendinha e vo vivendo ali, e so muitas pessoas, e muito impressionante ver esse tipo de depoimento, eles criam famlia l. E se perguntar mas e seus filhos? Voc vai deixar seus filhos tambm trabalharem com o lixo? ela vai falar Claro. uma opo deles. Porque aqui faz isso ou a gente entra pro trfico por exemplo, ento eu prefiro o lixo. E so pessoas que eram ajudantes, acompanhavam velhinhos que morreram, no tiveram mais oportunidade e foram trabalhar l, em partes j aterradas desses lugares so onde eles constroem moradias e eles comentam que no existe firmeza alguma, e eles vo vivendo o dia-a-dia naquelas condies que a gente que t aqui produzindo, produzindo, produzindo no tem nem noo. E19

A quantidade de lixo produzida, o espao ocupado por ele, bem como a constatao de que boa parte fruto do desperdcio so questes abordadas com freqncia. Neste momento so apontadas questes referentes ao consumo excessivo e ao uso de descartveis. Os entrevistados demonstram incomodo com a forma como os produtos so comercializados, que inviabiliza a reduo do consumo de embalagens, especialmente em funo da substituio das embalagens retornveis por descartveis. Os depoimentos giram em torno de projees para um futuro prximo diante do quadro crescente de produo e descarte de resduos (E19), e fatos j vivenciados (E23) que expem a gravidade do problema:Tem uma coisa que me incomoda no lixo que o desperdcio... E1 Ns somos quase 200 milhes de pessoas aqui no Brasil ento o volume de lixo que se gera absurdo, toneladas e toneladas e toneladas. E2

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Eu penso muito numa frase que a [consultora da Recicloteca] falou pra mim, no lembro qual o pensador, que [disse que] o melhor lixo aquele que no existe. Por que voc vai ter um problema com uma coisa que voc nem precisaria ter? Ento, hoje em dia eu me incomodo bastante quando cada xampu que acaba eu falo: Gente, por que a gente no vai l e enche de novo esse treco?, Por que a gente tem que jogar fora? Assim, cada vez mais me angustia, porque no existe mais o casco, porque, ento alm do mau cheiro e dos bichos tem a questo do espao... E3 A gente produz muito lixo, porque tudo que a gente compra plstico, isso (...) Mesmo eu, uma pessoa que tem pelo menos o mnimo de conscientizao, sei o quanto prejudicial, tento fazer a minha parte, tenho ecobags, se voc for avaliar eu ainda produzo muito lixo pra uma pessoa s. E16 Se a gente pensar que daqui a algumas dcadas a populao urbana vai quase triplicar se no me engano, quase de se pensar que a gente no vai ter onde colocar mais lixo, porque a vida que a gente tem hoje em dia gera uma quantidade absurda de resduos e que cada vez mais(...) cria-se coisas para gerar mais resduos. embalagem dentro da embalagem, e o saco de farinha que antigamente era de papel que agora virou de plstico que demora muito mais, e a embalagem grande que virou vrias embalagens mini e saches (...) s que o espao finito e as pessoas que levam esse tipo de vida que produzem tantos resduos s vai aumentar, e por questo matemtica claro que a gente tem um super problema. E19 A minha cunhada viajou h pouco tempo, ela fez um cruzeiro com passagem pelo oceano atlntico na parte superior do globo, prximo ao plo norte(...) ela disse que no eram icebergs, no eram pedras de gelo, eram PETs... o navio teve um problema por conta das PETs que invadiram, eles tiveram que dar uma parada pra poder afastar com o remo pra poder passar com o navio. A ela disse assim deve ter tudo dentro daquele oceano naquela parte da correnteza, por conta dessas correntes martimas que levam pros plos, a gente sabe disso n, a ela disse assim no quero mais viajar de navio, e eu no quero mais beber refrigerante, s que eu tenho que beber alguma coisa, a eu bebo caixas. As caixas so compactadas e so reutilizadas? No! Ento eu no sei mais... E23

A questo das enchentes tambm foi abordada pelos entrevistados. Neste caso, o problema relatado como sendo ocasionado pela populao de modo geral, incluindo o jogar lixo no cho e a disposio do lixo em horrio inadequado como fatores com relevante contribuio para o agravamento do problema:Pode trazer problemas de sade, em funo do saneamento e um monte de outros problemas relacionados s pessoas e ao meio. A se tem a questo de enchente... E13

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Vou te dar um exem