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“LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”:
O ANTICOMUNISMO CATÓLICO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E
DA ESPACIALIDADE NORTE-RIO-GRANDENSE
(1934-1937)
DANIELA ARAÚJO LEIRIAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS
LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS
DANIELA ARAÚJO LEIRIAS
“LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”:
O ANTICOMUNISMO CATÓLICO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E
DA ESPACIALIDADE NORTE-RIO-GRANDENSE
(1934-1937)
NATAL/RN
2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS
LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS
DANIELA ARAÚJO LEIRIAS
“LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”:
O ANTICOMUNISMO CATÓLICO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E
DA ESPACIALIDADE NORTE-RIO-GRANDENSE
(1934-1937)
Dissertação apresentada ao curso de Pós-
Graduação em História como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre, Área de
Concentração em História e Espaço, Linha de
Pesquisa II, Cultura, Poder e Representações
Espaciais da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, sob a orientação do Prof. Dr. Renato
Amado Peixoto.
NATAL/RN
2016
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA
Leirias, Daniela Araújo.
"Louvado seja o Santíssimo Sacramento" : o anticomunismo
católico e a formação da identidade e da espacialidade norte-rio-
grandense (1934-1937) / Daniela Araújo Leirias. - 2016.
159 f.: il.
Orientador: Prof. Dr. Renato Amado Peixoto.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de
Pós-Graduação em História, 2016.
1. Igreja Católica. 2. Anticomunismo. 3. Religião e política.
4. Civilização moderna. I. Peixoto, Renato Amado. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 261.7
DANIELA ARAÚJO LEIRIAS
“LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”:
O ANTICOMUNISMO CATÓLICO E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE E
DA ESPACIALIDADE NORTE-RIO-GRANDENSE
(1934-1937)
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão
formada pelos professores:
_________________________________________
Dr. Renato Amado Peixoto (UFRN)
__________________________________________
Drª. Gizele Zanotto (UPF)
________________________________________
Dr. Helder do Nascimento Viana (UFRN)
____________________________________________
Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha (UFRN)
AGRADECIMENTOS
A efetivação desse trabalho é o resultado dos gestos de gentileza e compreensão de
vários companheiros de jornada. A começar pela participação no Programa de Pós-Graduação
de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ao auxilio e ajuda fornecida por
Luann Araújo secretário sempre disponível aos esclarecimentos administrativos. Ao meu
orientador Renato Amado Peixoto, desde 2011 vem contribuindo na minha formação
acadêmica, que me possibilitou adentrar no mundo da pesquisa para o meu aprimoramento
intelectual em história.
Ao professor Cândido Moreira Rodrigues da UFMT (Universidade Federal do Mato
Grosso) que contribuiu com a disponibilização de suas palestras e livros dos quais me
ajudaram a desenvolver esta pesquisa.
Aos professores do curso de Graduação e da Pós-graduação em História da UFRN em
especial à Francisca Aurinete Girão Barreto, Helder do Nascimento Viana, Henrique Alonso
de Albuquerque Rodrigues Pereira, Margarida Maria Dias de Oliveira, Raimundo Nonato
Araújo da Rocha, Sebastião Leal Ferreira Neto, Carmen Margarida Oliveira Alveal, Francisco
das Chagas Fernandes Santiago Junior, Flavia de Sá Pedreira, Haroldo Loguercio Carvalho,
Juliana Teixeira Souza, Wicliffe de Andrade Costa, Roberto Airon Silva e Ligio José de
Oliveira Maia.
Ao Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte pela imensa disposição em
me favorecer anos de trabalho e pesquisa, em especial à Antonieta Freire e Maria de Fátima
Pacheco. Ao Arquivo da Diocese de Natal que me permitiram pesquisar em seu acervo, ao
seminarista Sergio Alexandre e José Rodrigues.
Aos meus amigos da Base de Pesquisa: Carolina Xavier, Manuel da Silva, João Maria
Fernandes, Antônio Ferreira, Pedro Filipe, e Douglas Cavalheiro. Por meio da união do grupo
foi possível crescermos juntos.
Agradeço aos meus amigos Isolda de Souza, Lucicleia Neres, Deyse Moura, Ivan de
Araújo, Rosangele Bezerra, Diná Bezerra, José Daniel Cavalcanti, Mary Campelo, Magna
Rafaela e Anderson Silva.
Por fim, esse trabalho é dedicado aos meus pais Inêz Maria Leirias e Cecílio Leirias,
aos meus irmãos Luciana Leirias, Mirian Leirias, e Fausto Leirias, ao meu sobrinho Heitor
Leirias, aos meus primos Valmir Leirias, Tatiana Andrade, e ao meu companheiro Jônata
Marcelino. Sem vocês eu não teria chegado até aqui.
RESUMO
O propósito dessa dissertação é analisar a formulação do anticomunismo católico no Brasil
entre 1934 – 1937, comparando o plano local com o nacional, tendo como material de estudo
o anticomunismo difundido no Rio Grande do Norte pelo jornal católico A Ordem e pelo
jornal laico A República e, no plano nacional, pela revista A Ordem, editada pelo Centro Dom
Vital, do Rio de Janeiro. Entendo que a produção católica do anticomunismo se insere nos
pressupostos e estratégias políticas que a Igreja buscava fomentar. Sendo assim, achamos
necessário ligar a compreensão desse discurso ao pensamento católico contra a modernidade e
as suas formulações, trabalhadas no século XIX e início do século XX pela Igreja para
entender a especificidade de sua tradução no Brasil. Dessa maneira, compreendemos que o
anticomunismo católico é parte do discurso antimoderno traduzido no Brasil e no Rio Grande
do Norte em razão dos pressupostos e estratégias que a Igreja e a Diocese de Natal
procuravam alavancar na década de 1930. Para esta análise, houve a necessidade de
considerarmos a produção específica do campo religioso, pela articulação teórico-
metodológica de Pierre Bourdieu das categorias ‘campo’ e ‘espaço’ e dos mecanismos de
representação nas diferentes escalas. Discernindo as ações e estratégias do espaço social
católico, buscamos entender os espaços políticos com os quais o nacional e o local
dialogaram. Assim, percebemos que a relação entre a religião e a política se constituiu a partir
da formulação de um tipo de capital simbólico específico, adaptado às experiências do
nacional e do local, e, no caso local, desempenhou um papel central na produção do espaço e
da identidade norte-rio-grandense na década de 1930.
Palavras-chave: Igreja Católica, Anticomunismo, Identidade norte-rio-grandense,
Modernidade.
ABSTRACT
This paper aims to analyze the development of the catholic anticommunism in Brazil between
the years of 1934 to 1937, comparing the local to the national level, having as study material
the anticommunism widespread in Rio Grande do Norte by the catholic newspaper The Order
and the secular newspaper The Republic and, on what concerns the country, by the magazine
The Order issued by the Dom Vital Center, in Rio de Janeiro. It’s understood that these
productions refers to an anti-communist discourse anchored in political strategies and
assumptions that the church sought to leverage. Therefore, it is important to link the
understanding of this speech to the Catholic ideas against modernity and its formulations,
worked in the nineteenth and in the early twentieth century by the church to understand the
specificity of its translation in Brazil. Thus, it is understood that the Catholic anticommunism
is only part of the anti-modern discourse translated because of assumptions and strategies that
the Church sought to leverage in the 1930s. For this analysis, it was necessary to consider the
specific production of the religious field by the theoretical and methodological articulation of
Pierre Bourdieu categories 'field' and 'space' and the representation mechanisms at different
scales. In that way we see that the relationship between religion and politics were formed
from the formulation of a specific type of symbolic capital, adapted to the national experience
and local – which, has played a major and central role in the production of space and identity
of Rio Grande do Norte in the 1930s.
Keywords: Catholic Church, Anticommunism, Rio Grande do Norte, Identity, Modernity.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – ESPAÇO SOCIAL CATÓLICO .................................................................... 52
FIGURA 2 – ESPAÇO SOCIAL NORTE-RIO-GRANDENSE ...................................... 104
FIGURA 3 – ‘A POMBA DA PAZ’ – IMAGEM REPRESENTATIVA DA
DIVULGAÇÃO DA PAZ PELA RÚSSIA ......................................................................... 124
FIGURA 4 – BRASÃO DO 2° CONGRESSO EUCARÍSTICO PAROQUIAL DE
CURRAIS NOVOS QUE EXEMPLIFICA A FRASE PROFERIDA POR MATIAS
MOREIRA “LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO” ............................ 147
FIGURA 5 – MISSA INAUGURAL DO 2° CONGRESSO EUCARÍSTICO
PAROQUIAL DE CURRAIS NOVOS. ESTÁTUA DE CRISTO REI .......................... 148
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 21
1. A FORMULAÇÃO DO ANTICOMUNISMO CATÓLICO NO BRASIL E A FUNDAÇÃO DO
CENTRO DOM VITAL .................................................................................................................... 21 1.1. A definição e a abordagem do anticomunismo na historiografia brasileira ..................................... 21
1.1.1. O anticomunismo católico ...................................................................................................... 29 1.2. Centro Dom Vital – Locus de Produção do Pensamento Católico no Brasil ................................... 34
CAPITULO II ......................................................................................................................... 49
2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA
DÉCADA DE 1930 ........................................................................................................................... 49 2.1. A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro ............................................................. 49 2.2. As posições da Igreja Católica no campo político do século XIX e a formação dos capitais político
e religioso ..................................................................................................................................................... 54 2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do
anticomunismo católico ................................................................................................................................ 59 2.3.1. A Constituinte de 1934 ........................................................................................................... 64 2.3.2. Comunismo, Integralismo e Catolicismo ................................................................................ 69 2.3.3. Liberalismo e Comunismo ...................................................................................................... 74 2.3.4. A URSS, o Comunismo e o Socialismo .................................................................................. 81 2.3.5. O Rotary e a Maçonaria .......................................................................................................... 85 2.3.6. O Levante Comunista e a rearticulação do discurso católico .................................................. 88 2.3.7. A Guerra Civil Espanhola, o Anarquismo e o Comunismo .................................................... 95
CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 99
3. A PRODUÇÃO DO ANTICOMUNISMO NO RIO GRANDE DO NORTE ........................... 99 3.1. O espaço social norte-rio-grandense na década de 1930 ................................................................. 99 3.2. ‘A Crise de 1935’ - As disputas para a Assembleia Constituinte Nacional e para a Assembleia
Constituinte Estadual .................................................................................................................................. 106 3.3. A Congregação Mariana dos Moços – Subcampo de representação do Centro Dom Vital no Rio
Grande do Norte ......................................................................................................................................... 113 3.4. O anticomunismo norte-rio-grandense tradicional antes do Levante Comunista de 1935 no jornal A
República .................................................................................................................................................... 117 3.5. O anticomunismo católico norte-rio-grandense ............................................................................. 121 3.6. O anticomunismo norte-rio-grandense após o Levante Comunista de 1935.................................. 129 3.7. A formação da identidade católica no Rio Grande do Norte ......................................................... 137
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 151
FONTES PESQUISADAS ................................................................................................... 154
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 155
11
INTRODUÇÃO
Nem pelo temor, nem pelo interesse, nem pelo desdém, portanto, é que
devemos combater o comunismo. E sim, como dissemos, por convicção, por
certeza e verificação que elle é apenas a ultima consequencia logica dos
erros mais monstruosos do mundo moderno, na inversão de todos os
valores, na deshumanização do mundo e na deschristianização da
sociedade.
Alceu Amoroso Lima, 1936..1
Falar do anticomunismo nos remete a questionarmos a produção do pensamento
católico da década de 1930, compreender para quê servia o anticomunismo e quais categorias
eram necessárias para definir o ser comunista, perceber as suas práticas e as ações que
perpetram na sua disseminação por todo o país. Estas questões nos fazem refletir também
como esse pensamento serviu para justificar e implantar os regimes no Brasil e, porque,
mesmo quase um século depois, é ainda atuante na política dos dias atuais.
A epígrafe que nos serve de exemplo faz parte da produção literária da revista católica
A Ordem, fundada em 1921 por Jackson de Figueiredo, o principal líder leigo católico do país
a qual é considerada uma das primeiras organizações brasileiras prontas para o enfrentamento
às convicções liberais e socialistas que se acirraram após a Primeira Guerra Mundial. É neste
direcionamento que o periódico apronta as principais diretrizes do pensamento católico contra
o comunismo, clamando a sociedade brasileira à luta contra o mal que as ideias comunistas,
última resultante do mundo moderno, poderiam acarretar a humanidade devido à subsequente
supressão dos valores cristãos.2
A epígrafe nos ajuda, ainda, a perceber certa conjuntura política da formulação do
discurso anticomunista. Tornando-se líder do laicato católico após a morte de Jackson de
Figueiredo, Tristão de Athaíde, pseudônimo de Alceu Amoroso Lima, era um dos maiores
militantes intelectuais católicos e atuante em várias frentes: na ‘Ação Católica’, na ‘Liga
1 LIMA, Alceu A. Em face do comunismo. A Ordem. Rio de Janeiro, p. 346-347, abr./mai. 1936.
2 RODRIGUES, Cândido Moreira. Uma revista de intelectuais católicos: (1934-1945). Belo Horizonte:
FAPESP, 2005.p.15.
12
Eleitoral Católica’, na presidência do ‘Centro Dom Vital’, na direção da revista A Ordem, na
Academia Brasileira de Letras e, lecionando em vários institutos e faculdades.
Intelectual convertido ao catolicismo, Tristão de Athaíde era também um dos mais
influentes pensadores do conservadorismo e, seu desempenho deve ser pensado também em
face do cenário sociopolítico da época, um período em que se exigia posicionamento e ação
política coerente ao paradigma colocado ao catolicismo pelo cenário que incluía a Guerra
Civil Espanhola de um lado e pela consolidação do Nazismo no poder. É a compreensão dessa
conjuntura que impele a reformulação do pensamento católico e a atuação da Igreja que nos
revela tanto a elaboração do anticomunismo pelos católicos quanto as suas atuações no recorte
temporal que estudamos.
Por outro lado, a instituição eclesiástica, por meio da elaboração desse discurso,
atuaria também enquanto um dos principais apoios do governo de Getúlio Vargas e, foi por
conta disso que a Igreja pôde fortalecer na década de 1930 a sua relação com o Estado na
República, formulando por meio do anticomunismo um discurso que serviu para a sustentação
das principais decisões políticas do Governo, além de lhe propiciar, ainda, a posição de porta-
voz na domesticação das consciências. Desta forma, o comunismo tornou-se o inimigo
comum do Estado e da Igreja, e o anticomunismo funcionaria como um elo permanente entre
as duas instituições.
Desde então, a Igreja caminharia junto ao poder, inicialmente a partir da atuação da
Liga Eleitoral Católica e, posteriormente, com as novas configurações da Ação Católica, onde
se intensificaria a cooperação no trabalho do apostolado entre os leigos. Assim,
principalmente depois de 1935, o Estado, através do apoio religioso, pôde fortalecer as
medidas repressivas, sobretudo após o lançamento de Carta Pastoral dirigida aos católicos,
embasada na encíclica Divini Redemptoris, de Pio XI, que clamava pela luta contra o
comunismo. Por conseguinte, entendemos que a Igreja, com o anticomunismo, elaborou todo
um arsenal de imagens e símbolos que ajudaram a justificar suas diretrizes na participação do
poder.3
Portanto, é no exame desse arsenal de propósitos, que se coloca o objetivo desse
trabalho de, por meio da História Política4, analisar o discurso anticomunista católico no
período que vai de 1934 a 1937, para tentar compreender como este contribuiu para a
formulação da identidade e da espacialidade norte-rio-grandense.
3 LENHARO, Alcir. Sacralização da Politica. São Paulo: Papirus, 1986, p.189-190.
4 RÉMOND, Réne (Org.). Por uma História Política. UFRJ: Rio de Janeiro, 1996.
13
Para isto, procuraremos estudar a atuação das elites eclesiástica e leiga em nível
nacional, perpassar suas dinâmicas institucionais, exemplificadas no exame do surgimento do
‘Centro Dom Vital’ e da disseminação dos seus ideais por meio da revista A Ordem, no Rio
de Janeiro, interligando-os à problemática da História Local e Regional e da produção
intelectual católica local, por meio da investigação da sua relação com as elites locais, por
meio do exame do jornal da Diocese de Natal, A Ordem, compreendendo essas duas escalas, a
do nacional e a do local e, as duas esferas de produção, a política-social e a religiosa,
enquanto processos dinâmicos e, em relação mútua.5
Este trabalho se insere na linha de pesquisa II: Cultura, Poder e Representações
Espaciais, do Programa de Pós-graduação em História da UFRN, buscando trabalhar a
compreensão das categorias espacialidade e espacialização6 e da ideia de construção da
identidade por meio da análise da instituição eclesiástica nos acontecimentos no período pós
Revolução de 1930, mediante o exame da produção de seu discurso e das propostas de
estratégias políticas e sociais que interviram na inferência da elaboração da espacialidade e da
identidade católica local.
Este trabalho teve seu início pela minha participação como bolsista de iniciação
científica – PIBIC, sob a orientação do professor Dr. Renato Amado Peixoto (UFRN) no
projeto de pesquisa ‘O pensamento católico, a atuação política e a intervenção social da
Igreja em relação à formulação da identidade e da espacialidade norte-rio-grandense entre
1930 e 1964,’ com atuação no plano de trabalho ‘Pesquisa e digitalização das fontes acerca
da produção do pensamento católico no Rio Grande do Norte das décadas de 1930 e 1940’
no ano de 2012 a 2013, quando foi possível começar e me envolver no desenvolvimento da
pesquisa sobre o integralismo e anticomunismo no jornal A República.
Posteriormente, fui integrada a um novo plano de trabalho: ‘Pesquisa e digitalização
das fontes acerca da produção do pensamento católico e do discurso anticomunista no Rio
Grande do Norte nas décadas de 1930 e 1940‘ iniciando nessa nova etapa a pesquisa e
digitalização da produção anticomunista encontrada nos jornais A República, A Ordem, na
5 PEIXOTO, Renato Amado. A Crise de 1935 no Rio Grande do Norte: a tensão entre as identidades estadual e
nacional por meio do caso norte-rio-grandense. In: Anais do VI Simpósio Internacional Estados
Contemporâneos. Natal: UFRN, 2012, v. 1, pp. 294-301. 6 Em relação à categoria espacialização e espacialidade, ver; PEIXOTO, Renato Amado. Duas Palavras: Os
Holandeses no Rio Grande e a invenção da identidade católica norte-rio-grandense na década de 1930. Revista
de História Regional, v. 19, p. 35-57, 2014, p. 56, Nota 45; PEIXOTO, Renato Amado. Espacialidades e
estratégias de produção identitária no Rio Grande do Norte no início do século XX. In: Renato Amado Peixoto.
(Org.). Nas trilhas da representação: trabalhos sobre a relação história, poder e espaços. Natal: EDUFRN, 2012,
v. 1, p. 11-36; PEIXOTO, Renato Amado. Espaços imaginários: o historiador dos espaços como cartógrafo. In:
PEIXOTO, Renato Amado. Cartografias Imaginárias: estudos sobre a construção do espaço nacional brasileiro
e a relação História & Espaço. Natal: EDUFRN, 2011.
14
revista A Ordem e, nas obras dos intelectuais católicos da década de 1930, tendo como
resultado a apresentação de trabalhos e a publicação de escritos em Congressos científicos.
Esta pesquisa está integrada no escopo das análises do Grupo de Pesquisa nacional
‘História, Catolicismo e Política no Mundo Contemporâneo’7
, abrigado na Universidade
Federal de Mato Grosso, onde atuo na linha de pesquisa ‘Catolicismo e Política no mundo
contemporâneo’ que é liderada pelos professores Drs. Cândido Moreira Rodrigues (UFMT) e
Renato Amado Peixoto (UFRN).
Portanto, foi a partir do contato com as fontes e nas leituras sobre o pensamento
católico e as obras que remetem ao estudo do anticomunismo no Grupo de Pesquisa, que
despertamos nosso interesse para a análise da atuação da Igreja na política do Rio Grande do
Norte e, incidimos a questionar a presença nos editoriais e artigos desses periódicos sobre a
necessidade incessante de se definir e redefinir o comunismo neste período e, dessa forma,
passamos a indagar quais seriam as finalidades e objetivos que estavam por trás da construção
desse discurso.
Para efeito desta análise começamos a trabalhar as fontes oferecidas pela imprensa
local: o jornal A Ordem da Diocese de Natal, em que percebemos a atuação da
intelectualidade leiga católica e os ideais da Ação Católica, e o jornal A República, onde o
pensamento das elites e da Interventoria Federal estão evidenciados no período recortado.
Note-se que o jornal A República, fundado em 1889 era então o órgão oficial do Estado, em
que também analisamos a construção do discurso anticomunista, para que possamos subsidiar
nossas análises dos documentos e artigos referentes à relação entre o Governo Federal, a
Igreja Católica e também em relação ao Integralismo.
Também passaram a fazer parte do rol de nossas fontes a revista A Ordem a qual
tivemos acesso pelo site da Biblioteca Nacional Digital Brasil e a documentação no IHGRN.
Para a articulação teórico-metodológica desta dissertação trabalharemos a partir de
Pierre Bourdieu,8 visando investigar e compreender a formulação de um discurso
anticomunista norte-rio-grandense, e, identificar e esclarecer o espaço social católico. Pela
análise do discurso de Bourdieu entendemos ser possível verificar as diferentes formulações
desse discurso e de seus mecanismos de representação em suas escalas e esferas.
7 Grupo de pesquisa ‘Catolicismo e Política no mundo contemporâneo’ Endereço para acessar este espelho:
dgp.cnpq.br/dgp/espelholinha/840794613721190022473 8 BORDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papiros, 2011.
15
Tendo em vista discernir a diferença entre o anticomunismo clássico e o
anticomunismo católico, nosso estudo requer uma análise da produção historiográfica
produzidas sobre este assunto, a partir de uma visada que permita direcionar nossa
compreensão para as diversas abordagens teóricas e metodológicas que ocasionaram a
elaboração desses trabalhos, propiciando, desse modo, compreender o que proporcionou as
definições, ações e propósitos a partir dos quais eles foram elaborados.
Um dos primeiros trabalhos que deu início à análise do anticomunismo no Brasil foi o
livro ‘O diabo é vermelho – Imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande do Sul
(1945-1964), de autoria de Carla Simone Rodeghero, fruto de sua dissertação de mestrado. A
autora desenvolveu sua análise por meio da História Cultural, averiguando a construção de
imagens sobre o anticomunismo católico no Rio Grande do Sul e trabalhando na sua pesquisa
os periódicos católicos, encíclicas papais e, também, produções de outras instituições como o
Exército, a Cruzada Brasileira Anticomunista, a imprensa laica, Etc. Além disto, Rodeghero
lançou mão de entrevistas com pessoas vinculadas a religião católica e ativistas comunistas.
Dessa maneira a autora, pretendeu demonstrar a formação de um imaginário anticomunista e
as diferentes formas de representação que contribuíram na formulação de uma imagem
comunista.
Portanto, este trabalho que principiou a análise do anticomunismo demonstrando a
construção de representações por parte da Igreja Católica, nos levou a repensar as questões
teóricas e metodológicas que foram utilizadas.
Foi por meio da abordagem de Roger Chartier para o conceito de ‘representação’ que
Rodeghero investiu na análise de suas fontes impressas e orais, procurando compreender a
produção do imaginário anticomunista e perceber formas de ações e práticas da Igreja
Católica as quais, segundo a autora teria culminado em construções e representações que
reforçavam o imaginário anticomunista, contudo, sem pensar suas origens no pensamento
católico.
Já a obra ‘Em guarda contra o perigo vermelho’, do historiador Rodrigo Pato Sá
Motta, tese defendida em 2002 e, transformada em livro, contribui para uma melhor
compreensão do tema, uma vez que define as principais matrizes do anticomunismo, e
consequentemente, as possíveis definições das diferentes representações e ações do
anticomunismo no Brasil.
Motta, mediante uma abordagem focada na história política, analisou dois períodos de
maior ênfase anticomunista, os anos 1935 a 1937, pós-Levante Comunista e 1961 a 1964,
16
quando se teria reforçado o ideário anticomunista produzido após o Levante de 1935. Motta
analisou o anticomunismo através de comparações com diferentes temporalidades e da
observação em relação às suas permanências e regularidades.
Desta forma, ele pode explanar sobre o que referiu como diversas representações
anticomunistas, associadas às ações de diferentes instituições. Isto lhe permitiu empreender
uma análise dos objetivos e finalidades do que seria a construção desse imaginário nos
principais períodos de maior contestação ao comunismo, formulando, assim, segundo o autor,
o que seriam as suas principais matrizes: o Catolicismo, o Nacionalismo e o Liberalismo.
Pensamos que outro ponto relevante do trabalho de Motta é o argumento a respeito do
surgimento do anticomunismo no Brasil: para o autor, apesar da presença do discurso
anticomunista no século XIX, seria somente após a Revolução de 1917 que o anticomunismo
no Brasil se apresentou de maneira mais contundente, pois, seria então que se iniciaria a
influência dos ideais comunistas de paradigma soviético no país, por intermédio do Partido
Comunista do Brasil, o que teria desencadeado o medo de uma possível mudança política e a
possibilidade da tomada de poder pelos revolucionários.
Em vista disso, Motta argumenta que “(...) o anticomunismo tornou-se uma força
decisiva nas lutas políticas do mundo contemporâneo, alimentado e estimulado pela dinâmica
do inimigo que era a sua razão de ser, o comunismo.” 9
Entretanto, foi o trabalho de Cândido Moreira Rodrigues10
‘A Ordem: uma revista de
intelectuais católicos – 1934 a 1945’, dissertação defendida no ano de 2005, que nos
possibilita reanalisar as abordagens a respeito do surgimento do anticomunismo católico no
Brasil.
Como o autor bem demonstra, o aparecimento do anticomunismo católico se deu bem
antes da Revolução de 1917, como parte da contestação por parte da Igreja contra os
princípios da Revolução Francesa e, em contrapartida a um Estado laico e secularizado.
Rodrigues também identificou os fundamentos teóricos que mais influenciaram os
anticomunistas católicos em seu exame da revista A Ordem, sendo possível perceber nesta o
peso das matrizes do pensamento católico do século XIX. Este foi constituído e disseminado a
partir das obras de pensadores conservadores e contrarrevolucionários, como, Edmund Burke,
9 MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).
São Paulo: Perspectiva/Fapesp, 2002, p. 20. 10
RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem - Uma revista de intelectuais católicos: (1934-1945). Belo
Horizonte: FAPESP, 2005.
17
Louis Ambroise De Bonald, Joseph De Maistre e Juan Donoso Cortés, os quais teriam
fornecido a base teórica para a aceitação de boa parte dos movimentos e regimes autoritários e
totalitários que obtiveram repercussão no século XX.
Segundo o autor, os filósofos Henri-Louis Bergson e Jacques Maritain, contrários aos
preceitos da modernidade, teriam fornecido o apoio que contribuiu para que o pensamento
católico justificasse a aproximação entre o Estado e a Igreja no Brasil durante o período
Vargas.
O enfoque de Rodrigues nos possibilitou uma melhor definição das categorias
‘anticomunismo’ e ‘anticomunismo católico’ contribuindo para o nosso trabalho, ao nos
permitir repensar as ações, estratégias e estruturas da Igreja na sociedade, à luz das matrizes
que contribuíram na formação do pensamento católico brasileiro, especialmente tendo em
vista pensar a produção do discurso anticomunista católico na imprensa ligada à Igreja, ao
mesmo tempo, responsável pela sua difusão e instigado pela instituição eclesiástica.
Dessa maneira, foi possível perceber e trabalhar os modos de intervenção política da
Igreja e os mecanismos de sua espacialidade – produção de espaços e de identidades ligadas a
este –, e de sua espacialização tanto no Brasil quanto no Rio Grande do Norte da década de
1930. No caso, compreendemos que a noção de ‘espacialização’, denota uma operação em
que vários espaços e tempos tais como local, regional, nacional e transnacional são
conjuntamente tomados e recebidos, e, fabricados ativa e reflexivamente. O esforço de
cruzamento dessas várias espacializações nos será útil, na medida em que se trata de trabalhar
uma instituição como a Igreja, dotada de uma organização espacial particular e que extrapola
categorias espaciais como nação, região e estadual, que, por sua vez, são posteriores à sua
organização.11
É também numa perspectiva semelhante que a dissertação ‘Guardai-vos dos falsos
profetas: matrizes do anticomunismo católico – 1935 a 1937’12
veio nos esclarecer acerca
dessa nova abordagem sobre o anticomunismo, que se separa dos caminhos trilhados por
Rodeghero e Motta.
O historiador Marco Antônio Machado Lima Pereira evidencia a presença do
anticomunismo após a revolução comunista de 1935, pelo exame do jornal católico O
Santuário e da revista A Ordem, mas realizando a análise do discurso anticomunista de viés
11
PEIXOTO, Renato Amado .‘Duas Palavras’: ‘Os Holandeses no Rio Grande’ e a invenção da identidade
católica norte-rio-grandense na década de 1930. Revista de História Regional, 2014, p. 56, nota 45. 12
PEREIRA, Marco Antônio Machado Lima. “Guardai-vos dos falsos profetas”: matrizes do discurso
anticomunista católico (1935-1937). Franca: UNESP, 2010.
18
católico, em que pensa perceber uma tensão acerca das ideias políticas da Igreja, mais
significativas contra as práticas e ações dos comunistas.
Por conta desta percepção, a pesquisa de Pereira nos fornece os insumos para pensar a
existência de relações intrínsecas entre o religioso e o político que possibilitam perceber todo
um esforço de reunião dessas instâncias por parte da elite eclesiástica e de leigos católicos e,
que teriam resultado na fundação do ‘Centro Dom Vital’ e da revista A Ordem.
Estes seriam, na realidade, os responsáveis pela disseminação destes ideais da Igreja
Católica brasileira, e pelo seu posicionamento frente ao comunismo e, à vista disso, coloca
Pereira: “(...) o anticomunismo serviu como uma das principais bandeiras utilizadas para
aglutinar a intelectualidade católica, permitindo sua atuação no processo político do
período”13
.
Seria, portanto, na busca de contribuir para esclarecer a distinção entre o
anticomunismo clássico e o anticomunismo católico e, para pensar as tensões e contribuições
da relação entre o religioso e o político que estimularam sua produção que elaboramos nosso
Plano de Redação.
Em relação ao primeiro capítulo, buscaremos perceber o que foi o anticomunismo no
período da Era Vargas de 1934 a 1937 e distinguir as suas diferentes produções, nos vieses
clássico e católico. Para isto, procuraremos trabalhar em torno do Centro Dom Vital,
apontando suas origens, os objetivos dessa instituição e a sua relação com a Igreja Católica.
Além disso, procuraremos pensar o propósito de sua disseminação espacial, pela
fundação de filiais do centro nos principais estados do país.
Já no segundo capítulo, buscaremos também analisar os artigos publicados na Revista
A Ordem, o principal órgão de divulgação dos ideais conservadores naquele período e
compreender quais eram os temas e assuntos abordados e, se o anticomunismo fazia parte dos
insumos aí produzidos.
O terceiro capítulo examinará os jornais A República e A Ordem em nosso recorte da
década de 1930, para analisar a situação política do Rio Grande do Norte e buscar
compreender não apenas os diferentes polos de poder representados pela presença dessas
novas lideranças, a Interventoria e a Diocese de Natal, mas também para analisar a
emergência da Igreja como ator político significativo no estado do Rio Grande do Norte.
13
Ibidem, p. 17.
19
Percebemos que isto é consequência da ‘Crise de 1935`14
, um dos principais fatores que
possibilitaram que a Diocese de Natal se tornasse um dos atores principais no jogo político
norte-rio-grandense, principalmente após o Levante Comunista, quando a hierarquia católica
passou a intervir coadjuvada pelo Integralismo, inclusive, firmando acordo com as antigas
organizações familiares do estado. No intuito de melhor exemplificarmos a ligação entre o
religioso e político por meio do anticomunismo católico e o problema da espacialização,
trabalharemos a formação da identidade que foram desencadeadas pelos acontecimentos
relativos ao Levante de 1935.
Afinal, no regime republicano a Igreja passou por inúmeras dificuldades; sem o apoio
do Estado e não podendo mais contar com o subsídio governamental, teve que se organizar de
uma nova maneira que lhe garantisse “autonomia financeira, institucional e doutrinária”.
As diretrizes descentralizadoras do regime republicano, através da “política dos
governadores”, representados pelos partidos estaduais, e da autonomia dos clãs oligárquicos,
tornaram possível a implementação do processo de “estadualização” do poder eclesiástico,
com as sedes das dioceses passando a serem localizadas em cada estado. Nesse contexto, os
eclesiásticos buscaram o apoio de leigos católicos e das autoridades públicas do novo regime
que garantissem as suas prerrogativas. Essa estratégia política verdadeiramente expansionista
da Igreja suscitou alianças com o poder local, servindo de apoio para a legitimação e
afirmação do poder oligárquico. 15
Sendo um dos objetivos da Neocristandade,16
percebemos que o processo de expansão
diocesana se desencadeou em meio às formulações da identidade da Igreja norte-rio-
grandense. Pensamos nessa articulação com nosso objeto por causa do Município de Mossoró,
ser um dos polos de maior organização do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no estado e,
em face da região ter sido o palco principal da guerrilha rural (1935-1936) preparada e
apoiada pelos trabalhadores rurais das Salinas e mobilizada pelo Sindicato do Garrancho,
ligado ao PCB.
A Diocese de Natal, inserida nessa nova organização territorial do território
eclesiástico, não se excluiu das decisões ligadas às mudanças do novo sistema político. Pelo
14
PEIXOTO, Renato Amado. A Crise de 1935 no Rio Grande do Norte: a tensão entre as identidades estadual e
nacional por meio do caso norte-rio-grandense. In: Anais do VI Simpósio Internacional Estados
Contemporâneos. Natal: UFRN, 2012, v. 1, p. 294-301. 15
MICELI, Sergio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). Tese de Doutorado em Sociologia, Campinas/SP:
UNICAMP, 1985, p. 45-48. 16
MAINWARING, Scott. A Igreja Católica e Política no Brasil (Trad. Heloisa Braz de Oliveira Prieto). São
Paulo: Brasiliense, 1989.
20
contrário, através da “estadualização diocesana”17
, atuou politicamente inserindo seus
princípios, utilizando-se de novas estratégicas políticas para se mantiver nas articulações de
poder, continuando a relação entre Igreja e Estado através da cordialidade e da troca de
favores. Assim, neste período, a elite eclesiástica pôde atuar de maneira mais independente,
adquirindo uma autonomia política que possibilitou a reestruturação do espaço.
A Igreja buscou construir Dioceses como núcleos que correspondessem às demandas
necessárias de cada região e, ao mesmo tempo, estabelecer a hegemonia da sua doutrina por
meio de uma maior articulação nas principais regiões do estado. Nessas novas regiões com a
atuação eclesiástica o quadro político passou a ter um novo membro que esteve incumbido de
se afirmar por meio do campo religioso.
Entendemos que o propósito por parte da Diocese de Natal era o de se afirmar nas
demais regiões do estado, atuando na inserção doutrinária e nas decisões políticas, e, dessa
maneira confirmando a emancipação e a influência social e política da Igreja no Rio Grande
do Norte.
17
GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: a estadualização diocesana na Primeira
República (1889-1930). Tese de Doutorado, São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2012.
21
CAPÍTULO I
1. A FORMULAÇÃO DO ANTICOMUNISMO CATÓLICO NO BRASIL E A
FUNDAÇÃO DO CENTRO DOM VITAL
1.1. A definição e a abordagem do anticomunismo na historiografia brasileira
Para pensarmos a importância do anticomunismo católico para a construção da
identidade e da espacialidade norte-rio-grandense, precisamos primeiro, discutir a categoria
anticomunismo, sendo relevante perceber as diferentes definições do que classicamente foi
chamado de anticomunismo até os dias atuais. O que era o anticomunismo na década de
1930? Quando o termo é primeiramente utilizado no Brasil, quais os seus sentidos? Qual a
diferença entre o que a historiografia hoje chama de anticomunismo e o que era o
anticomunismo católico na época?
Entendemos que a análise das produções acadêmicas sobre as diferentes abordagens
do anticomunismo nos possibilitará acessar as diferentes compreensões da categoria no
pensamento conservador e no pensamento católico brasileiro. Para isto, a nossa pesquisa
buscará compreender o surgimento de instituições leigas sob a orientação da Igreja, e a
movimentação de intelectuais que contribuíram para a elaboração e a legitimação das
diretrizes tomadas pela Igreja na década de 1930, bem como para as articulações da
instituição eclesiástica no Brasil visando às intervenções sociais e política.
Procurando, trabalhar a história do pensamento católico no Brasil pela aproximação
teórica e metodológica de Pierre Bourdieu, entendemos que nosso trabalho se insere na
análise do campo religioso e, que neste não se deve perceber uma homogeneidade, mas, um
composto de subcampos que possuem uma dinâmica própria, em que os princípios de
dominante e dominado devem ser percebidos conforme as estratégias e ações desses
subcampos.18
Devemos, pois, analisar a estrutura do campo a partir dele mesmo, pois suas
reestruturações sucedem ao largo dos acontecidos fora deste e, entender a partir do próprio
campo religioso a constituição de uma relação intrínseca entre o catolicismo e a política no
Brasil durante a década de 1930.
18
BORDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papiros, 2011.
22
Um dos trabalhos pioneiros na investigação do anticomunismo produzido pela Igreja
católica é o de Carla Simone Rodeghero,19
do ano de 1998 e, de acordo com esta
pesquisadora, a Igreja foi uma das principais instituições responsáveis pela formulação do
ideário anticomunista. Rodeghero teve como uma de suas principais preocupações a
delimitação das categorias comunismo e anticomunismo articulado à ideia da representação,
enquanto forma de melhor perceber a diversidade dos insumos que contribuíram para a
construção do imaginário católico.
É nesse estudo que o termo anticomunismo vai ser definido como sendo uma reação
contra os ideais e manifestações ao comunismo, ao Partido Comunista do Brasil e às
organizações de viés de esquerda no Brasil, juntamente com todas as ações que se referiam as
contribuições nos sindicatos e nos movimentos de melhoria a setores menos privilegiados da
sociedade:
O imaginário anticomunista pode, então, ser definido, de acordo com o
objetivo específico da obra, como um conjunto de representações
construídas e utilizadas por diversos setores da Igreja Católica para
interpretar a realidade e os problemas vividos pela sociedade como um todo,
ou pelas instituições, no período de 1945 a 1964.20
Já o trabalho concluído no ano de 2001 por Rodrigo Patto Sá Motta21
, nos traz uma
análise que reporta a categoria anticomunismo como constituída por vários aspectos que
diferenciam as representações do comunismo, mas que, em geral, têm um fim em comum: a
recusa às noções elementares que abordam o sistema político comunista de viés bolchevista.
O que o autor nos traz de novidade em sua pesquisa é a tentativa de demonstrar que
três matrizes compõem o ideário do anticomunismo – o catolicismo, o nacionalismo e o
liberalismo - fundamentando um discurso anticomunista no Brasil, compreendendo, por
conseguinte, esta categoria como um leque de explanações de várias vertentes ideológicas,
porém, articuladas com o mesmo objetivo, o de recusa aos preceitos da Revolução de 1917.
Para o autor, o anticomunismo serviu como uma das motivações que impulsionaram
os conflitos políticos contemporâneos no Brasil, instituindo seu inimigo principal o
comunismo característico, de viés marxista-leninista. 19
RODEGHERO, Carla Simone. O diabo é vermelho: imaginário anticomunista e Igreja Católica no Rio Grande
do Sul (1945-1964). 2°. Ed. Passo Fundo: UPF, 2003. 20
Ibidem, p. 28. 21
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: o anticomunismo no Brasil (1917-1964).
São Paulo: Perspectiva/Fapesp, 2002.
23
Segundo Motta, mesmo tendo sido formulado no século XIX, o comunismo teve maior
repercussão no século XX com a ascensão dos bolcheviques com a tomada do poder na
Rússia. Seria a partir desse enfoque que o comunismo deixaria de ser apenas um ideal político
para se tornar a sua concretização real. Portanto, o anticomunismo surgiria mais como a
expressão do medo diante da possibilidade de expansão dos princípios comunistas pelo
mundo e, ocasionando as ações dos líderes e das organizações políticas conservadoras que,
teriam passado a articular medidas para barrar o movimento revolucionário que se
confrontava os sistemas políticos vigentes na época, especialmente o capitalismo-liberal:
A representação do comunismo como inimigo absoluto não derivava apenas
do medo que conquistasse as classes trabalhadoras. A questão central, na
ótica dos responsáveis católicos, no que não estavam desprovidos de razão, é
que a nova doutrina questionava os fundamentos básicos das instituições
religiosas. O comunismo não se restringia a um programa de revolução
social e econômica. Ele se constituía numa filosofia, num sistema de crenças
que concorria com a religião em termos de fornecer uma explicação para o
mundo e uma escala de valores, ou seja, uma moral. 22
Outro problema relevante apontado por Rodrigo Motta é o do aparecimento do
anticomunismo no Brasil. Apesar de o Partido Comunista se apresentar de forma concreta na
política apenas a partir da década de 1930, com o surgimento ativo do Partido Comunista do
Brasil (PCB), da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e da presença militante de Luiz Carlos
Prestes, a presença de um discurso anticomunista já se fazia presente na imprensa brasileira
desde as primeiras décadas do século XX, quando se percebia uma maior participação do seu
ideário no cenário político brasileiro, mais pela atuação dos grupos anarquistas que dos
comunistas.
Já a análise proposta pelo historiador Marco Antônio Machado Lima Pereira23
trabalha
nessa mesma definição de anticomunismo. Como objeto de estudo, de acordo com o autor, o
anticomunismo é ressaltado no período de maior contestação à movimentação partidária do
comunismo no Brasil, principalmente após os levantes de novembro de 1935.
Pereira defende que este é um dos períodos de maior relevância das produções e ações
políticas conservadoras, em face aos perigos que o Levante poderia propiciar, ou seja, como
22
Ibidem, p. 20. 23
PEREIRA, Marco Antônio Machado Lima. “Guardai-vos dos falsos profetas”: matrizes do discurso
anticomunista católico (1935-1937). Franca: UNESP, 2010.
24
uma nova forma de prevenção à possibilidade de tomada de poder pelos comunistas. É neste
contexto de conflito, pela articulação do Partido Comunista e, da tentativa da tomada de
poder, no Levante, que o autor vai definir a produção anticomunista enquanto uma reação, em
contrapartida ao movimento comunista e, relativa a uma conjuntura elaborada desde a
Revolução Russa.
Carla Simone Rodeghero24
retorna em 2002 com um novo trabalho que se baseia na
compreensão do que autora denomina de ‘anticomunismo brasileiro’, a saber, como um
discurso produzido por certas instituições no país, realizando, para isto, um trabalho baseada
na comparação entre os discursos da Igreja Católica e da corporação diplomática norte-
americana no Brasil, as quais teriam derivado as suas elaborações da produção anticomunista
advinda dos Estados Unidos e também dos postulados estabelecidos pelo Vaticano. Ambas as
entidades, portanto, teriam disseminado produções que culminaram em diferentes
representações no campo do imaginário social, resultado da recepção do combate ao
comunismo.
Realizando um paralelo através de instituições distintas, Rodeghero diria ter podido
perceber as diferenças e semelhanças das formulações anticomunistas na distinção de uma
identidade comunista em relação aos não comunistas. Assim, a autora compreende a formação
da negação aos postulados comunistas da seguinte maneira: “o anticomunismo é entendido
como uma postura de oposição sistemática ao comunismo que se adapta a diferentes
realidades e se manifesta por meio de representações e práticas diversas” 25
.
Já o trabalho de Célia Maria Groppo26
, em sua pesquisa sobre o anticomunismo
católico brasileiro, ao definir o termo anticomunismo, observa que a revista A Ordem, órgão
do laicado católico brasileiro, teria sido o veículo que mais divulgou o anticomunismo no país
e, aponta que este se remetia aos postulados do comunismo da terceira década do século XX
no Brasil.
A pesquisa de Groppo demonstraria que o discurso anticomunista não se apresentava
de forma concreta contra os postulados marxista-leninistas, porém, antes da tomada do poder
pelos bolcheviques na Rússia, o discurso se remetia indistintamente ao anarquismo, ao
socialismo, à socialdemocracia e às outras variantes do comunismo.
24
RODEGHERO, Carla Simone. Memórias e avaliações: norte-americanos, católicos e a recepção do
anticomunismo brasileiro entre 1945 e 1964. Porto Alegre, 2002. (Tese de doutorado). 25
Ibidem. p. 20-21. 26
GROPPO, Célia Maria. Ordem no céu, ordem na terra: A Revista “A Ordem” e o ideário anticomunista das
elites católicas (1930-1937). São Paulo, 2007 (Dissertação).
25
Porém, a autora ressalta que a década de 1930 é o período em que as fontes
demonstraram haver uma maior ênfase no discurso anticomunista, permeado e refletido pelo
pensamento conservador das elites eclesiásticas.
A autora também credita a consolidação das matrizes ideológicas católicas que
fomentaram na elucidação do comunismo no Brasil ao surgimento do PCB e da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), na medida em que se concretizaram nas suas representações a
imagem revolucionária que depois seria ligada aos adeptos dessa ideologia política no Brasil.
Entretanto, para compreender a trajetória das formulações atribuídas ao combate dos
ideais comunistas no país Célia Maria Groppo define o anticomunismo católico como sendo
apenas uma das várias vertentes que formularam então as representações sobre o comunismo.
Já a pesquisa de Rosângela Pereira de Abreu Assunção27
, exaurida no Departamento
de Ordem Política e Social do estado de Minas Gerais (DOPS-MG), de resto, uma das filiais
da instituição responsável pela repressão e investigação aos comunistas e, fundada para a
prevenção e combate ao comunismo.
Assunção colocou a importância de se compreender como o imaginário anticomunista
produzido pela sociedade brasileira motivou as representações anticomunistas produzidas pela
própria polícia política mineira. Segundo a autora, principalmente na década de 1930, o
anticomunismo teria sido elaborado em discordância às influências das diretrizes da
Revolução de Outubro, mas, pode-se constatar pela pesquisa no DOPS-MG que as ações
desempenhadas por essa instituição, por meio de todo um aparato ideológico, culminou na
utilização de um imaginário anticomunista que serviu para distinguir os opositores da ordem e
do Estado, o ‘subversivo’, ou seja, qualquer suposição “subversiva” possibilitava a
intervenção policial e justificava ações de controle social e político.
Partindo para outro rol de pesquisas, as que fazem referência a mesma categoria de
análise, desta vez mais centrados no recorte da história regional e local, o anticomunismo é
compreendido no trabalho do historiador Ariel Tavares Pereira28
como as diferentes
representações que se remetiam ao comunismo, correlacionando as conjecturas da Revolução
Russa e da Guerra Civil Espanhola.
Examinando as abordagens do anticomunismo produzidas pela imprensa de São Luiz,
Maranhão, na década de 1930, Ariel Pereira percebe diferentes abordagens que se remetiam
ao comunismo e ao comunista. Os diferentes grupos oligárquicos que se faziam representar na
27
ASSUNÇÃO. Rosângela Pereira de Abreu. DOPS/MG. Imaginário anticomunista e policiamento político
(1935-1964). Minas Gerais, 2006. (Dissertação de Mestrado). 28
PEREIRA. Ariel Tavares. Um espectro ronda a ilha: O comunismo na imprensa de São Luiz (1935-1937).
São Luiz, 2010. (Dissertação de Mestrado).
26
imprensa seriam responsáveis por essa construção anticomunista e pela concretização de uma
identidade que encarnava o mal responsável pela desordem na sociedade.
Por sua vez, o historiador Faustino Teatino Cavalcante Neto29
evidencia em sua tese,
que tem como objeto de estudo o anticomunismo na Paraíba, que o período 1917 a 1937 é o
momento de formulação do anticomunismo no Brasil,
Mediante uma análise que se norteia por perscrutar o imaginário e a construção das
representações sobre o anticomunismo, o autor define que essa categoria foi constituída a
partir das questões atuantes na disseminação pelo mundo dos princípios do comunismo de
viés marxista-leninista.
Entretanto, apesar de o autor apontar em sua pesquisa todo um arsenal de produções
anticomunistas por parte da Igreja Católica após os postulados da revolução de outubro, sua
pesquisa remete à produção da elite política a responsabilidade pela elaboração do
anticomunismo anterior à década da “primeira grande onda anticomunista 1935-1937” 30
e a
percepção, por esta, da influência das ideias bolchevistas no Brasil.
Outros problemas relevantes ficam apontados noutro rol de pesquisas, aquele que não
tem por centro de análise o político e o social.
No trabalho de Lindolfo Anderson Martelli, que analisa o movimento pentecostal no
Brasil31
e, investigando outra instituição que não a católica, foi apontada a presença de um
anticomunismo produzido diretamente pela Assembleia de Deus já nas primeiras décadas do
século XX, onde o autor pode constatar a elaboração de um discurso de identidade religiosa
por meio da construção de representações que tinham o objetivo de doutrinação.
Para Martinelli, esse discurso, observado nos jornais publicados pela Assembleia de
Deus, fornece a definição do comunismo como uma das explicações sobre os males do mundo
e teria se iniciado logo após a legalização do Partido Comunista no Brasil.
Como uma das questões seculares, os males advindos do comunismo se remetiam a
uma explicação baseada em um “discurso teológico escatológico” 32
.
29
CAVALCANTE NETO. Faustino Teatino. A ameaça Vermelha: o imaginário anticomunista na Paraíba (1917-
1937). 2013. 274 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Pernambuco, Recife, 2013. 30
MOTTA, Rodrigo. Op., cit., p. 179. 31
MARTELLI. Anderson Lindolfo. Escatologia e Anticomunismo nas Assembléias de Deus do Brasil na
primeira metade do século XX. 2010. 192 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação
da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. 32
Ibidem, p. 10.
27
Os comunistas foram representados sob a égide do mal, frequentemente
relacionados ao demônio, Anticristo e ao pecado. Estereotipado às imagens
de figuras assustadoras, “bestas”, animais perigosos, agentes patológicos,
associado às barbaridades e ao retrocesso civilizatório, o comunismo ganhou
forma e atributos desqualificantes. Toda a linguagem usada nos jornais para
interpretar os sinais dos tempos estava carregada de sentidos, símbolos e
imagens dotados de poder capazes de estruturar a própria vida e a percepção
da realidade. Os assembleianos identificavam nas doutrinas, crenças,
profecias e revelações à resposta para os acontecimentos históricos. 33
Por sua vez, a pesquisa de Eduardo de Souza Soares34
analisou o viés político do
cinema e sua repercussão na imprensa de Porto Alegre, interligado à construção de um
discurso anticomunista.
Analisando as impressões da exibição das obras cinematográficas de Charles Chaplin
na capital gaúcha durante a década de 1930 e 1940, Soares observa que estas coincidiram com
os momentos de maior repressão política ao comunismo no Brasil, o pós-Levante Comunista
de 1935 e a implantação do Estado Novo.
Para a proposta de sua pesquisa, Soares utilizou a mesma designação da categoria
anticomunismo defendida por Rodeghero:
Entendemos o anticomunismo como um conjunto de ideias, de
representações e de práticas de oposição sistemática ao comunismo.
Considerando as condições pouco propícias ao desenvolvimento de um
projeto revolucionário, o anticomunismo deu origem à constituição de um
imaginário próprio, uma composição de imagens dedicadas a depreciar as
doutrinas e práticas comunizantes, deixando marcas profundas na sociedade
brasileira desde as primeiras lutas operárias. 35
A presença do comunismo como inimigo a ser derrotado, também foi identificada
como uma forma de verificar as diferenças e homogeneidades nos discursos anticomunistas e
antiliberais produzidos pelo Governo Vargas, num período em que sua atuação política
coincidia com a ascensão e com a colocada da Ação integralista Brasileira na ilegalidade.
33
Ibidem, p. 19-20. 34
SOARES. Eduardo de Souza. A Máscara e o rosto de Chaplin: o anticomunismo na repercussão da
filmografia política de Carlitos em Porto Alegre (1936-1949). 2008. 139 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Sociedades Ibéricas e Americanas, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2008. 35
SOUZA apud cit RODEGHERO.
28
No mesmo viés de observar a relação entre o integralismo e o Governo Vargas, outro
pesquisador, Edgar Serrato,36
sustenta que o anticomunismo baseou o discurso proferido por
ambas as atuações políticas e, observou que estes discursos, além de compartilharem a mesma
temporalidade, apresentavam semelhanças ideológicas e políticas.
Para Serrato, o anticomunismo integralista partilhava dos mesmos argumentos dos
discursos de Vargas, em que o comunismo se fazia presente pela remissão ao seu caráter
materialista. Para o autor, ambos os discursos repudiavam os ideais do liberalismo, defendiam
um Estado autoritário com a intervenção estatal na economia e a não pluralidade partidária,
sendo que o enfoque anticomunista se tornaria ainda mais expressivo na atuação discursiva de
Vargas após o Levante Comunista de 1935. Serrato coloca que:
Por mais que o apelo comunista vá ao encontro da substituição do critério
individualista pelo coletivista – assim como propõem os integralistas e
Vargas -, ambos discursos apontam para o fato de que o regime comunista
não passa de uma difusa forma de ditadura, onde uma minoria acima do
povo – que se diz governar em nome dele -, o explora e/ou escravizava,
sendo este um recorrente apelo presente na lógica discursiva do
anticomunismo internacional, seja na vertente liberal ou fascista.37
Portanto, verificamos que em praticamente todas as análises anteriormente citadas
definem a categoria anticomunismo enquanto uma recusa ao sistema político comunista e,
mesmo sendo estabelecido por diferentes instituições (Polícia Política, Igreja Católica,
Exercito, imprensa, Cinema, etc.), o discurso anticomunista é apresentado enquanto um
discurso centrado contra os postulados comunistas de viés marxista-leninista.
Percebemos também que a maioria destas análises, ainda que comparativas, se
apresentam sem que haja o esforço de se confrontarem diferentes escalas do espaço, ou seja,
analisam um discurso anticomunista estadual ou nacional, sem fazerem remeterem suas
analíticas a exame que contemple outras escalas discursivas, deixando de fornecer um sentido
amplo da análise, um sistema, capaz de enfrentar as diferenças ou similitudes entre as
diferentes espacialidades de produção do anticomunismo.
36
SERRATO, Edgar Bruno Franke. A Ação Integralista Brasileira e Getúlio Vargas: antiliberalismo e
anticomunismo no Brasil de 1930 a 1940. 2008. 219 f. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-
graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2008. 37
Ibidem, p.196.
29
Outro ponto que verificamos foi que a maioria dos trabalhos se refere ao
anticomunismo como um discurso multifacetado e possuindo diversas origens de produção,
relacionadas a estratégias e problemas diferenciados, mas que se articulam com o mesmo fim.
Também devemos frisar uma quase homogeneidade teórica dos exames, todos se
remetendo à categoria representação fundamentada na obra História Cultural de Roger
Chartier, sem pensar suas qualidades, dificuldades ou defeitos e, sem remeter a outras
possibilidades analíticas da mesma.
Finalmente, observamos que, ainda que se reconheça o anticomunismo católico como
uma variedade integrante de uma frente discursiva anticomunista mais ampla, muito ainda
falta para se avançar no sentido de se bem definir as características, matrizes e problemas do
anticomunismo católico, problema então que procuraremos enfrentar.
1.1.1. O anticomunismo católico
Um dos trabalhos que veio a contribuir para a nossa abordagem é o trabalho de
Cândido Moreira Rodrigues38
sobre a revista A Ordem, o periódico oficial do Centro Dom
Vital, do Rio de Janeiro.
Rodrigues nos fornece uma nova abordagem histórica e metodológica que possibilita
repensarmos esse tema de pesquisa, diferindo bastante das produções analisadas
anteriormente. Em sua pesquisa, esse autor investigou e analisou a produção da
intelectualidade leiga católica39
ligada ao Centro Dom Vital. Este, sob a direção de Jackson de
Figueiredo, depois de Alceu Amoroso Lima, surgiu em 1921 e transformou-se no principal
órgão de difusão do pensamento católico no Brasil.
Várias são as contribuições de Rodrigues: a análise das matrizes políticas, ideológicas
e filosóficas que forneceram a base para compreendermos as ações e os posicionamentos da
Igreja Católica; o exame dos princípios que fundamentaram a moral católica; a investigação
dos liames da doutrina que possibilitaram a maior participação do laicado na vida da Igreja e;
a ideia de que a disseminação de periódicos diocesanos foi uma das estratégias frente aos
acontecimentos da década de 1930 no Brasil, um indício importante para ligarmos a análise da
produção norte-rio-grandense, que possuía o jornal A Ordem como seu veículo divulgador, à
análise da revista A Ordem.
38
RODRIGUES, Cândido Moreira. A Ordem: uma revista de intelectuais católicos (1934-1945). Belo Horizonte:
FAPESP, 2005. 39
Sobre a participação de intelectuais na década de 1930 junto à elite eclesiástica será discutida no decorrer da
dissertação.
30
Ao analisar as matrizes do pensamento católico na revista A Ordem, as quais seriam
depois disseminadas nos demais veículos da imprensa católica, Rodrigues observa que o
posicionamento dos ideais da Igreja no Brasil pelos intelectuais católicos, recebeu a influência
de certos pensadores europeus dos séculos XVIII e XIX e, dentre os autores que teriam dado
respaldo e fundamentação teórica àqueles se encontrariam vários dos principais autores
contrarrevolucionários, tais como Edmund Burke, Louis Ambroise De Bonald, Joseph De
Maistre e Juan Donoso Cortés.
Para Rodrigues, estes autores contrarrevolucionários teriam desempenhado um papel
central na função de construir refutações em face aos questionamentos produzidos pelos
socialistas e liberais e às mudanças dos valores vigentes da monarquia e do poder da Igreja
católica. Como o autor bem define,
Numa perspectiva mais ampla, a providência, o anti-individualismo e o
catolicismo seriam os pontos principais para a formação e a consolidação de
uma vida política saudável, segundo a visão dos contrarrevolucionários
franceses.40
Esse apontamento forneceu parte do argumento de nosso trabalho, pois, de acordo com
Cândido Rodrigues, é possível verificar a constituição e fomentação teórica, política e
filosófica do pensamento católico e, que este teria resultado na formulação de um discurso
questionador das consequências e mudanças que remetem à desordem, advinda dos males
postulados da Revolução de 1789 e da derrocada da monarquia absolutista e, contrário à
modernidade. Este discurso se posicionaria na oposição aos princípios republicanos, de
igualdade de classes, da soberania popular, da democracia, da destruição dos laços familiares
e da eliminação do poder da Igreja frente ao Estado.
Em geral, os contrarrevolucionários defenderiam o retorno à filosofia da natureza
(ordem natural), o direito de propriedade, o absolutismo, a hierarquia social e a tradição
histórica e,41
segundo Rodrigues, também demandavam a condenação do mundo moderno,
nas seguintes condições:
(...) como aquele que rejeitava a “autoridade da Igreja” e afastava Deus
como princípio de ordenamento da sociedade. É assim que “as propostas
restauradoras de uma ordem social”, baseada nos valores cristãos,
40
RODRIGUES, Cândido. Op. cit., p. 41. 41
Ibidem, p. 31.
31
“alimentavam o mito do retorno à cristandade medieval”, a partir do
restabelecimento do poderio papal sobre a sociedade e da reconstituição de
sua Constituição.42
Devido às mudanças relacionadas aos adventos da Reforma e da Revolução Francesa,
os contrarrevolucionários defendiam um pensamento voltado para uma ordem pautada nos
valores tradicionais de cunho católico. Para estes a sociedade só permaneceria equilibrada se
estivesse de acordo com os preceitos da religião cristã e de um governo político-religioso, no
caso, exemplificado pela monarquia.
Seria essa refutação contrarrevolucionária da modernidade em favor da ordem que
forneceria a base para a elaboração das estratégias da Igreja Católica na primeira metade do
século XX. De acordo com Rodrigues, seria possível sintetizá-lo no pensamento de Joseph
De Maistre:
Sua principal reivindicação é o restabelecimento das relações entre ordem
religiosa e ordem política (altar e trono). Para ele, a fidelidade à Igreja
Católica Romana era o único meio de estabilidade social, e os protestantes
do passado representavam os jacobinos do presente.43
Quanto a isso, o pensamento conservador do contrarrevolucionário espanhol Juan
Donoso Cortés aborda outro ponto relevante para compreendermos o anticomunismo católico:
a justificativa estabelecida em preceitos históricos e teológicos da possibilidade de
implantação da ditadura como a melhor solução para se mantiver a ordem:
Se Deus, algumas vezes, manifestava sua vontade soberana “violando essas
leis que ele mesmo se impôs”, e considerando-se que as mesmas eram
análogas às da sociedade, não poderia o homem classifica-lo como portador
de atitudes ditatoriais? Nessa questão residia a prova, segundo Cortés, de que
nenhum partido poderia querer governar sem que mantivesse uma estreita
relação com Deus, com seus meios e formas de governo, nem se furtar a
adotar o meio, “algumas vezes necessário, da ditadura”.44
O argumento utilizado por Cortés contra a modalidade de regime político surgido com
o advento da Revolução Francesa, o liberalismo, é o mesmo que defende a soberania
42
DIAS. 1996, p. 30-31 apud RODRIGUES, 2005, p. 39. 43
Ibidem, p. 51. 44
CORTÉS, 1970, p. 309 apud RODRIGUES, 2005, p. 69.
32
eclesiástica acima dos valores econômicos e políticos.45
Em relação ao socialismo, salienta
que este não estaria de acordo com o sistema político vinculado aos preceitos da doutrina
católica, pois teria como fim o aniquilamento do Estado, das classes sociais e das instituições
políticas-religiosas. Para Cortés, o único sistema adequado seria a Monarquia, a qual define
como sendo uma política religiosa.46
Para caracterizar a República como um meio que leva ao comunismo
“panteísta”, Cortés recorre aos mesmos princípios que Burke, De Bonald e
De Maistre recorreram, por exemplo, ao considerá-la como produto da
Revolução Francesa, e esta, por sua vez, como fruto de uma catástrofe
inesperada e, portanto, obra da Providência. Realidade, Cortés considera a
Revolução como o dia da “grande liquidação de todas as classes da
sociedade” pela Providência, de modo que a república, ao ser instaurada,
havia declarado sua própria derrocada. Os princípios de liberdade, igualdade
e fraternidade eram, para ele, provenientes não da República, mas sim “do
Calvário”.47
A análise empreendida pelo historiador Renato Amado Peixoto,48
da fabricação da
identidade e espacialidade católica norte-rio-grandense na década de 1930, por meio do livro
‘Os Holandeses no Rio Grande’ de Padre Heroncio, observa que esta importante obra,
produzida no contexto da Guerra Civil Espanhola, foi uma das estratégias usadas para
fomentar a identidade norte-rio-grandense que, influenciando toda a produção historiográfica
no estado, resultaria na beatificação dos Protomártires do Brasil (no caso específico, os
massacrados nos engenhos de Cunhaú e Uruaçu em 1645).
Nesse artigo o autor levanta os seguintes questionamentos: Como entender essa
descontinuidade do evento na Colônia, o massacre de Cunhaú e Uruaçu, em relação a sua
ênfase na formulação do discurso anticomunista? Por que a Igreja retoma esse assunto em
1937? Como é retomado contemporaneamente?
Através desse questionamento chegou à conclusão que o anticomunismo presente
nessa obra não se remetia apenas contra os postulados do comunismo, na medida em que, em
relação ao pensamento católico não se aplica estritamente essa concepção. Percebe-se que o
45
RODRIGUES, Cândido. Op. cit., p., 71. 46
Id. 47
Ibidem, p. 69. 48
PEIXOTO, Renato Amado. Duas Palavras: Os Holandeses no Rio Grande do Norte e a invenção da
identidade católica norte-rio-grandense na década de 1930, Revista de História Regional, v. 19, p. 35-57, 2014.
33
discurso da Igreja preexistia ao comunismo e, portanto, urge pensá-lo enquanto um discurso
mais amplo contra aos preceitos da modernidade que focou no combate ao protestantismo, à
Maçonaria, à Revolução Francesa, e aos postulados políticos de viés liberal e socialista.
Na verdade, em relação ao comunismo no século XX, a Igreja vai se utilizar do
mesmo discurso usado contra os seus inimigos de séculos anteriores. O comunismo será
apenas um dos inimigos da Igreja e representará os problemas restantes. Como bem se
percebe é uma continuidade do discurso católico que vem desde o século XIX e preexiste aos
problemas trazidos pela Revolução Bolchevique e se insere nas estratégias do Centro Dom
Vital: é uma forma da Igreja Católica se colocar frente às mudanças e desafios
contemporâneos.
Padre J. Cabral, norte-rio-grandense, diretor do jornal da Diocese do Rio de Janeiro A
Cruz é outra figura importante para quem Peixoto nos chama atenção em relação à análise do
anticomunismo, uma vez que este faz a articulação e contribuição do pensamento católico do
estado com o Centro Dom Vital a partir da ligação com Dom Marcolino Dantas. Segundo o
autor, “torna razoável apontar que desde antes do Levante Comunista as ideias do Padre J.
Cabral influenciavam diretamente o clero e o pensamento católico norte-rio-grandense.” Essa
produção será a grande base para a formulação do anticomunismo, pois em 1933 era
publicado o Livro ‘A Miragem Soviética’, portanto, bem antes do Levante Comunista de
1935.
De acordo com Peixoto49
, para entender a Igreja no Rio Grande do Norte, se faz
necessário compreender a relação entre as diferentes escalas de produção do pensamento
católico e suas dinâmicas. A Igreja era vinculada ao pensamento produzido no Centro Dom
Vital, sediado no Rio de Janeiro, e o pensamento católico norte-rio-grandense estava
vinculado ao que era produzido no Rio de Janeiro de modo contínuo.
Por sua vez, já em 1933, com o lançamento do livro de Padre Cabral, se podia
observar a preocupação da Diocese para fundar em Natal o jornal A Ordem, uma vez que o
apostolado da imprensa ficou sob a responsabilidade da Congregação Mariana. No estado, os
marianos estariam envolvidos nessa articulação e, conforme apontou Peixoto, não seria por
acaso que a Ação Integralista no Rio Grande do Norte, a Congregação Mariana e o jornal A
49
PEIXOTO, Renato Amado. Católicos a postos! A relação entre a Ação Católica e a Ação Integralista no Rio
Grande do Norte até o Levante Comunista de 1935. In: IV Encontro Estadual de História da ANPUH RN, 2010,
Natal. Anais do IV Encontro Estadual de História. Natal: ANPUH-RN, 2010, v. I.
34
Ordem seriam todos fundados na mesma data, 14 de julho, mas em anos diferentes, pois isto
era “como uma alusão a Revolução Francesa, não necessariamente para comemorá-la”.50
Portanto, observamos no trabalho de Rodrigues (2005) e Peixoto (2013) a
possibilidade de empreender o exame da formulação do anticomunismo católico no plano
nacional em referência ao posicionamento dos pensadores contrarrevolucionários do século
XIX e ao descontentamento e as consequências das mudanças ocorridas na modernidade
advinda da Revolução Francesa, em vez de remetê-lo diretamente aos postulados ou aos
defensores da Revolução Russa.
É essa abordagem do anticomunismo que, por meio da nossa análise das fontes
consultadas, seja na revista A Ordem (Rio de Janeiro), seja no jornal A República de Natal,
onde o discurso anticomunista foi fomentado pelas organizações familiares estaduais, seja no
jornal A Ordem da Diocese de Natal, onde foi formulado pelos membros leigos e pelo clero
norte-rio-grandense, percebemos que a construção do ideário anticomunista católico se fez em
uma abordagem ampla que não faz apenas alusão à Revolução de 1917 e aos postulados do
PCB, mas, sobretudo, à Revolução Francesa, se verificando sua formulação na oposição à
modernidade, ao liberalismo, ao judaísmo, à maçonaria, ao Rotary e ao protestantismo.
1.2. Centro Dom Vital – Locus de Produção do Pensamento Católico no Brasil
O Centro Dom Vital é a maior afirmação de inteligência
cristã em terras do Brasil. A obra grandiosa que, do saudoso
Jackson de Figueiredo ao nosso Tristão de Athayde, vem ella
desenvolvendo, só podem ficar insensíveis os espíritos sem fé,
sem coração e sem patriotismo. É, pois, com entusiasmo do
apostolado e do brasileiro, que, elogiando e encarnando a
atuação do Centro Dom Vital, aqui deixamos fervoroso apello
em beneficio da revista. A Ordem – Sebastião, Cardeal
Arcebispo. 51
Segundo Eric Hobsbawm, é no contexto do Entreguerras que percebemos o combate
geral aos ideais do liberalismo, acompanhado da queda e do colapso dos princípios e das
instituições da civilização liberal. Devido às consequências sociais e econômicas da Primeira
50
PEIXOTO, Renato Amado. Duas Palavras: Os Holandeses no Rio Grande do Norte e a invenção da
identidade católica norte-rio-grandense na década de 1930 Revista de História Regional, v. 19, p. 35-57, 2014. 51
Carta de Dom Sebastião Leme ao Centro Dom Vital em 11 de janeiro de 1931 – Revista A Ordem. Rio de
Janeiro, n. 11, jan. 1931.
35
Guerra Mundial, a maioria dos países europeus passou a recusar a democracia liberal,
aproveitando o nacionalismo para a implantação de regimes autoritários ou totalitários, como
forma de eliminar o avanço da esquerda. Foi com a ascensão do fascismo ao poder, iniciando-
se no mês de outubro de 1922 com a “Marcha sobre Roma” de Mussolini, que a queda do
liberalismo começou e, que este foi aos poucos sendo eliminado durante toda a “Era da
Catástrofe”, ainda mais após a ascensão de Adolf Hitler ao posto de chanceler da Alemanha,
em 1933.52
Antes de 1914, os valores do conhecimento racional, da educação laica, da ciência
ateia e da autonomia do Estado já haviam sido criticados pela Igreja Católica que, sob a
influência do Concílio Vaticano I (1870) tentava afirmar os seus princípios tradicionais contra
a modernidade. Agora, com a ascensão de governos de força, como o fascismo de Mussolini
na Itália e o nazismo de Hitler na Alemanha, que se contrapunham às pretensões
universalistas dos revolucionários russos de 1917, a Igreja teve que adaptar a um novo
contexto.
No Brasil, na década de 1930, os líderes da Aliança Liberal, inconformados com os
resultados das eleições e estando convencidos de fraudes na vitória de Júlio Prestes, iniciaram
em 3 de outubro uma luta armada, que derrubou do governo o presidente Washington Luís,
sendo entregue a chefia do governo provisório a Getúlio Vargas, um dos líderes do
movimento.
Esse evento marcou o surgimento de um novo quadro social e ideológico no Brasil,
finalizando a chamada República Velha. Com a ascensão do novo regime, emergiram também
novas forças sociais, constituídas por grupos com interesses diversos, que apenas convergiam
na questão da oposição ao governo anterior. Nessa situação política, em que muitas
dissidências ainda teriam que ser consolidadas, era necessário amenizar os conflitos entre os
Estados e a União com os anseios dos grupos que emergiram da Velha República e os
interesses de grupos estaduais e municipais.53
Segundo Levine, o governo Vargas, com a promulgação da Constituição de 1934,
favoreceu a democracia liberal na forma tradicional brasileira. Entretanto, apenas uma
pequena parcela da sociedade tinha direito à participação política, aproximadamente 10% da
população adulta masculina. Além disso, havia uma sutil presença de classificação de valores
raciais permeados por meio de condições econômicas, que resultava em discriminação nas
52
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991. 2a. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, p. 113-114. 53
LEVINE, Robert M. O regime de Vargas: os anos críticos, 1934-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980,
p. 15.
36
relações sociais. Era o momento para um questionamento sobre a herança racial heterogênea
do país, que se fez presente na discussão em torno do futuro do Brasil.
Para o mesmo autor, outros elementos, como a xenofobia e o antissemitismo,
propagados por parcelas da elite intelectual brasileira, devido ao suposto perigo do
internacionalismo de representação marxista, resultaram na constituição de 1934, em
restrições à imigração de inúmeros judeus vindos da Alemanha nazista. Assim, o governo
Vargas teria promovido a disseminação dos ideais antissemitas, dando respaldo às campanhas
por parte dos integralistas, que utilizavam material de campanha nazista.54
Conforme Miceli55
, foi a partir do século XIX que a Igreja desencadeou mudanças
significativas de maior intervenção em consonância com a Santa Sé para ampliar seus
domínios por outros territórios, tanto em áreas coloniais, como também na América Latina,
frente a todas as modificações no quadro político europeu.
Diante dessa nova conjuntura, a Igreja brasileira teve que se adaptar às novas
mudanças na sociedade brasileira e, ao mesmo tempo, se adequar às novas diretrizes
comandadas pela Santa Sé. A “construção institucional” a partir da qual os setores
eclesiásticos tiveram que se adequar eram as novas conjunturas políticas e sociais da Primeira
República, e ocasionou numa maior intervenção expansionista com a implementação das
normas de organização disseminadas pela Igreja Romana.
O movimento de reação eclesiástica desembocou numa série de iniciativas
que, a longo prazo, significaram o fortalecimento organizacional e condições
mínimas de sobrevivência política no acirrado campo de concorrência
ideológica, cultural e religiosa, do mundo contemporâneo. 56
De acordo com Gomes,57
já no século XIX a Igreja Católica Romana demonstrava
interesse pela centralização da sua administração, portanto lutava a favor dessa efetivação na
Igreja brasileira. Em vista disso, a uma maior aproximação da Igreja com a Santa Sé, o grande
desafio para as tomadas do Ultramontanismo no Brasil era o regime de padroado, pois a
54
Ibidem. p. 43. 55 MICELI, Sergio. A elite eclesiástica brasileira (1890-1930). Tese de Doutorado em Sociologia, Campinas/SP:
UNICAMP, 1985. 56
Ibidem. p. 33. 57
Para uma melhor compreensão da separação entre Estado e Igreja pelo decreto 119-A de 7 de janeiro de 1890
consultar: GOMES, Edgar da Silva. A Separação Estado – Igreja no Brasil (1890): uma análise da pastoral
coletiva do episcopado brasileiro ao Marechal Deodoro da Fonseca. Dissertação de Mestrado, São Paulo:
Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, 2006.
37
Igreja se limitava suas mudanças devido às intromissões do Estado nos assuntos da
administração eclesiástica brasileira.
Já na República, essa ultrapassagem se daria porque, mesmo após o decreto 119-A de
7 de janeiro de 1890, que oficializou a separação entre o Estado e a Igreja, o poder temporal
no Brasil permanecia em consonância com as questões sociais e políticas do período. Por isso,
a Igreja brasileira seria favorecida com uma maior autonomia para continuar a participar nas
questões do poder temporal em tempos anticlericais. O período republicano apenas
oficializaria a separação, porém manteria todo o arcabouço administrativo do catolicismo.
(...) portanto, não podemos aqui ver neste processo a consciência de que
Estado e Igreja precisavam fazer a passagem de um estado de
interdependência para um estado de liberdade de ação das instituições
envolvidas neste processo sem a ingerência de uma instituição nos assuntos
pertinentes única e exclusivamente ao âmbito de ação da outra instituição para
que como ideologia do estado-republicano melhor servisse a sociedade como
instituições soberanas.58
Segundo Miceli a “estadualização do poder eclesiástico”59
ocasionou mudança nos
setores da Igreja com maior penetração no quadro político e social no Brasil e, principalmente
entre as décadas de 1890 a 1930. O sucesso da nova intervenção do Vaticano, teria se dado
pela soma do contexto religioso brasileiro, majoritariamente católico, à emancipação
concedida pela Constituição de 1891, que firmou a separação da Igreja aos ditames das
lideranças políticas no país. Os adventos republicanos trouxeram a novidade da não-
intervenção das lideranças políticas nas diretrizes e decisões administrativas da Igreja,
cabendo, tão somente à direção eclesiástica, doravante, a determinação de novas medidas
organizacionais. Foi neste contexto religioso e político que a Igreja pode restabelecer a partir
de novas diretrizes sociais e políticas, sua expansão pelo país, por conta do aumento
significativo de novas dioceses em cada estado da Federação.
A Igreja brasileira pós-separação teve de lidar com dois interlocutores sociais
cujas demandas por vezes se revelavam contraditórias. De um lado, o
Vaticano empenhado na imposição às Igrejas da periferia de um modelo
estremado de ‘romanização’ e, de outro, os benfeitores abastados, os clãs
58
Ibidem. p. 206. 59
MICELI, Sérgio. Op. cit., p. 47.
38
oligárquicos e os governos e lideranças estaduais desejosos de cercear a
influência eclesiástica sobre negócios temporais e, ao mesmo tempo, abrindo
espaços à presença da Igreja em domínios de atividade como o sistema de
ensino. Embora seja inegável a força das diretrizes ‘romanas’ sobre o
treinamento do clero, as formas exteriores dos cultos, o calendário dos eventos
religiosos, o estilo de mando e autoridade episcopal, cumpre salientar os
ganhos organizacionais logrados em função das coalizões firmadas com os
detentores do poder local e estadual.60
É nessa conjunção que a Igreja se restabelece, pelo crescimento significativo das
dioceses, aumentando seu quadro episcopal por todos os estados, principalmente em São
Paulo, Minas Gerais e os estados do Nordeste. A igreja deixou de ser um mero setor
administrativo público do governo para se tornar uma instituição independente, cabendo-lhe a
decisão de melhor intervir, servir apoio e firmar alianças com grupos que mantinham o poder
oligárquico, assim como, também, manter uma união com as autoridades do governo
brasileiro.
Como bem define Miceli, “logrou restaurar a influência político-doutrinária da Igreja
através de campanhas institucionais e de novas associações”, por conseguinte, “a organização
eclesiástica foi inteiramente estadualizada”:61
A política de “estadualização” foi implementada através de estratégias
diferenciadas conforme o peso político e a contribuição econômica de cada
unidade federativa para a manutenção do pacto oligárquico e,
consequentemente, em função da margem de influência e prestígio já
conquistada pela Igreja, do grau de receptividade à sua contribuição por parte
dos círculos dirigentes locais e do potencial de mobilização dos católicos
como grupos articulados de pressão a ponto de influir sobre as decisões
governamentais suscetíveis de afetar as áreas vitais de interesse para a própria
organização eclesiástica. 62
É nessa conjectura que a Igreja Católica no Brasil procurava reverter a situação que
perdera com o advento a República, quando se deteriorou parte da capacidade de intervir
política e socialmente.
60
Ibidem, p. 52. 61
Ibidem, p. 57-69. 62
Ibidem, p. 67-68.
39
Segundo Scott Mainwaring, 63
o novo tempo requeria uma instituição mais atuante,
assim, “A Igreja precisava cristianizar as principais instituições sociais, desenvolver um
quadro de intelectuais católicos e alinhar as práticas religiosas populares aos procedimentos
ortodoxos.”64
É a partir de 1916 na junção de interesses entre o papado de Pio XI e a liderança de
Dom Sebastião Leme no Brasil, arcebispo de Recife e de Olinda, depois arcebispo e cardeal
do Rio de Janeiro e líder da Igreja no país em 1921, que se dará início às novas estratégias e
ações do campo eclesiástico que se denominará de Neocristandade.65
Segundo o mesmo autor, a Igreja passaria a discernir novas estratégias, justamente a
partir das perdas ocasionadas pela Constituição de 1891. Com sua separação em relação ao
Estado, a Igreja passou a gozar de maior autonomia nas diretrizes da própria instituição, por
não ter mais de responder à República secular. Assim, o modelo da Neocristandade se
associou ao processo de “restauração católica” advindo de novo movimento da Santa Sé para
reverter o quadro social do mundo moderno, dada a influência do secularismo, que visava à
criação de entidades leigas sob a direção da Igreja católica, com o intuito de emergir sua
influência nos principais setores da sociedade através da criação de associações leigas.66
Portanto, a Igreja Católica brasileira firmaria seus objetivos no período Vargas,
firmando sua posição em oposição aos preceitos seculares e, mantendo sua doutrina política
conservadora:
Assim conseguia o que percebia como sendo os interesses indispensáveis da
Igreja: a influência católica sobre o sistema educacional, a moralidade
católica, o anticomunismo e o antiprotestantismo. Através do modelo da
neocristandade, a Igreja revitalizou sua presença dentro da sociedade. Em
poucas palavras, o modelo da neocristandade era uma forma de se lidar com
a fragilidade da instituição sem modificar de maneira significativa a natureza
conservadora da mesma. Por volta dos anos 30, a instituição havia revertido
sua decadência.67
63
MAINWARING, Scott. Op. cit., p. 43. 64
Ibidem, p. 41. 65
Ibidem, p. 43. 66
Id. 67
Id.
40
De acordo com Miceli (2001) e Rodrigues (2005) é a partir do ano de 1932,
antecedendo ás eleições de 1933, que uma relação intrínseca entre a Igreja Católica e a
política se desenvolveria.
Nesse cenário de intervenção social surgiria a Liga Eleitoral Católica no Brasil (LEC),
criada por Dom Sebastião Leme e, tendo como presidente Alceu Amoroso Lima, buscando
influenciar os leigos católicos com o intuito de provocar uma participação mais ativa nas
decisões políticas. A igreja optou por não patrocinar a criação de partidos políticos católicos,
alegando imparcialidade, mas passou a atuar de forma a manter uma relação necessária a uma
“democracia cristã”,68
preferindo fornecer apoio a certos grupos políticos, em períodos
necessários, que garantisse apoio mútuo e, assim possibilitando expandir a sua influência
temporal.
Com esta estratégia, segundo Mainwaring, a Igreja conseguiu incorporar os
fundamentos da LEC à Constituição de 1934, incluindo o apoio financeiro do Estado à Igreja,
a proibição do divórcio, o reconhecimento do casamento religioso, a educação religiosa
durante o período escolar e, subsídios do Estado para as escolas católicas.69
Divulgar as diretrizes e as tomadas de posição da Igreja entre os fiéis e
canalizar os votos dos eleitores católicos em favor dos candidatos dos
diferentes partidos que estivessem prontos a sustentar as posições católicas
em questões delicadas e controversas, como indissolubilidade do casamento,
o ensino religioso nas escolas públicas, a assistência eclesiástica às forças
armadas, etc. (...) sabe-se que grande parte das reivindicações constantes do
programa católico foi incorporada à Constituição de 1934. 70
Além de toda a mudança provinda do modelo da nova Igreja da Neocristandade, se
destaca a formação por parte da classe média de associações leigas, tais como, “União
Popular (Minas, 1909), a Liga Brasileira das Senhoras Católica (1910), a Aliança Feminina
(1919), a Congregação Mariana (1924), os Círculos Operários (1930), a Juventude
Universitária Católica (1930).”71
Um dos trabalhos que culminaram nos objetivos da Neocristandade foi o movimento
denominado de Ação Católica Brasileira, fundado em 1935 por Dom Sebastião Leme e, que
tinha como finalidade dar continuidade na participação eclesiástica à formação de leigos que
68
RODRIGUES, Cândido. Op. cit., p. 142. 69
MAINWARING, Scott. Op. cit., p. 48. 70
MICELI, Sergio. Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 130. 71
MAINWARING, Scott. Op. cit., p. 47.
41
atuassem em diversos ramos sociais e políticos. Caberia ao laicado promover por meio de
subsídios da doutrina católica a “recristianização da sociedade”. Sendo uma associação civil
católica uma maneira de responder as intervenções e exigências do Vaticano no Brasil. Como
afirma Mainwaring:
O Vaticano encorajou os esforços da Igreja brasileira para fortalecer a
presença da Igreja na sociedade, especialmente durante o papado de Pio XI
(1922-1939), cuja visão da Igreja e da política aproximava-se à de Dom
Sebastião Leme. Sob Pio XI, os movimentos da Ação Católica tornaram-se
peças-chave dentro da Igreja, Pio XI julgava os partidos políticos como
sendo demasiadamente divisionistas, mas, mesmo assim, buscava alianças
com o Estado para defender os interesses católicos. Ele apoiou diretamente e
encorajou Dom Sebastião Leme em seus esforços para promover uma
restauração católica.72
Segundo Mainwaring, se poderia afirmar que todo esse esforço de incluir a
participação de leigos nos ditames da Igreja no Brasil foi logrado na formação de um instituto
que aglutinasse todas essas prerrogativas e propiciasse a disseminação dessas ideias noutros
espaços sociais.
Um dos principais objetivos da Igreja era então o de dinamizar a participação da
intelectualidade leiga de modo que contribuísse para consolidar a expansão do
posicionamento do catolicismo pelo país, conforme podemos observar a partir das palavras de
Tristão de Athaíde:
Um dos efeitos da organização moderna da Acção Católica é acabar com
essa dissociação errada e colocar o laicado na sua verdadeira posição no
corpo da Igreja. A “participação” dos leigos é principio fundamental dessa
organização. E na investidura desses, como dizia o Cardeal Leme, na
admirável preparação oral que pessoalmente fez ás fundadoras da Acção
Catholica Feminina, entre nós, ha um “quasi sacerdócio”.
Apresenta-se, portanto, a posição do laicato em face do clero, não sob o
aspecto de qualquer confusão de funções, nem sob o da distanciação, mas
como uma participação dos leigos na própria hierarchia da Igreja.73
72
Ibidem, p. 43. 73
ATHAÍDE, Tristão de. Clero e o laicado. A Ordem, Rio de Janeiro, n. 56, p. 154, mar. 1935.
42
Um dos principais giros estratégicos da Ação Católica foi permitir o surgimento de
Intelectuais leigos sob o comando da hierarquia eclesiástica. Sendo um dos principais
responsáveis na disseminação dos ideais da direita católica, a revista de publicação mensal A
Ordem, fundada em 1921, objetivava difundir os propósitos da Igreja naquele momento. Em
seguida, os responsáveis pela Revista propuseram a criação do Centro Dom Vital para servir
como um locus74
de reprodução e disseminação do pensamento católico sob a liderança do
Dom Sebastião Leme.
A Acção Catholica é, portanto, a estratégia e a technica mais moderna da
Igreja para partir á conquista da Idade Nova. É a organização das suas
milícias, compenetradas todas da responsabilidade de sua missão. E é o
emprego de methodos delicadíssimos de actuação social, por infiltração
directa em toda a linha, em vez do ataque em massa e em ligação com o
Estado e a Política.75
Nesse contexto, podemos inferir que o anticomunismo católico é a continuação das
ações, atuações, dinâmicas e diretrizes da Igreja católica desde o século XIX, que se
reformulou no período Vargas como o prisma do discurso católico.
Analisando isto através da perspectiva espacial, percebemos a parte que se remete ao
campo religioso católico olhando para o Centro Dom Vital no Rio de Janeiro como um locus
de produção desses saberes. Logo, entendemos o Centro Dom Vital como o lugar de produção
do pensamento católico e, que este funcionava mediante as dinâmicas de produção de saberes,
por conta da atuação de intelectuais leigos católicos e, que estes objetivavam refletir os ideais
da Neocristandade utilizando-se da Revista A Ordem como meio para a sua disseminação.
E, observe-se que a iniciativa dessa espacialização pode, inclusive, ser inferido na
leitura de seu Estatuto, na medida em que este previa a replicação do Centro nos estados,
conforme já o fora feito em relação às Dioceses:
Como também, ‘difundir a sua acção por todo o Brasil, promovendo a
fundação de nucleos do mesmo gênero, sob a mesma denominação em todos
os Estados, com plena autonomia de acção, mas dentro das normas do artigo
seguinte: 30° - Cada uma dessas sedes organizará o Centro com plena
74
BOURDIEU, op. cit., p. 108. 75
ATHAÍDE, Tristão de. Idade Nova e a Acção Catholica. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 61, p. 112-113,
ago.1935.
43
autonomia, personalidade jurídica, acrescentando ao título a designação da
cidade em que fôr instalado e subordinando-se ás seguintes condições: a)
Que seus estatutos e actos sejam approvados pela Autoridade Diocesana
local; b) Que seja, por esta, designado um assistente ecclesiastico para
acompanhar os trabalhos da associação; c) Que taes Estatutos não
contravenham ás disposições fundamentaes destes, especialmente quanto á
finalidade do Centro; d) Que cada sede aceite as disposições dos Estatutos da
“Confederação Vitalista” a ser organizada entre as várias sédes do Centro D.
Vital. Art. 31° - Será promovida, em tempo oportuno, a “Confederação
Vitalista” que será a reunião de todos os Centros em um feixe comum, de
acordo com um Regimento que será opportunamente approvado por
entendimento das varias directorias locaes.” 76
.
Afinal, o Centro Dom Vital surgiu na capital federal tendo como um dos seus
principais objetivos a sua disseminação pelo país, noutros grandes centros de influência, mas
também em cidades de pouco relevância, se não pensarmos o problema da estadualidade,
como Aracajú, Belo Horizonte, Fortaleza, Itajubá, Juiz de Fora, Ouro Preto, Porto Alegre,
Recife, São Paulo, São João Del Rey, Salvador e Uberaba.77
De acordo com o Estatuto do ano de 1931 do Centro Dom Vital, a disseminação da
“cultura catholica superior” previa, ainda, cursos de formação em História da Igreja, Filosofia
e Ciências, além da formação de uma biblioteca com referencial de livros de cunho católico
para fundamentar as diretrizes da futura Universidade Católica. Além de reuniões frequentes
entre o Centro e as demais unidades replicadas noutros estados, se visava “estimular a acção
social catholica interestadual”, assim como buscar “Entendimento constante entre o Centro e
associações congêneres nos vários paizes da America, com o fito de promover uma crescente
approximação catholica interamericana”.78
A fundação do Centro Dom Vital, portanto, foi um dos resultados advindos desse novo
posicionamento da elite eclesiástica, que buscava a participação de líderes leigos inseridos na
participação social da Igreja, com o fito de legitimar suas ações institucionalizadas.79
76
Estatutos do Centro D. Vital do Rio de Janeiro. A Ordem, Rio de Janeiro, n. 11, p. 53-58, jan. 1931. 77
LIMA, 1935 apud ARDUINI, 2012. 78
Ibidem, p. 53. 79
A sua primeira formação administrativa: Jackson de Figueiredo (presidente), Hamilton Nogueira (vice-
presidente), Perilo Gomes (secretário), José Vicente de Souza (tesoureiro) e Vilhena de Morais (bibliotecário) e
o assistente eclesiástico padre Leonel França. Disponível: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/prime
ira-republica/CENTRO%20DOM%20VITAL.pdf Acesso em 13 de jul 2015.
44
Fundado por Jackson de Figueiredo em 1922 no Rio de Janeiro e, sendo uma das
atuações de maior expressão do laicado na América Latina, o Centro Dom Vital foi também a
primeira instituição de leigos católicos na participação eclesiástica, sendo composta por
intelectuais e tinha como principal finalidade pensar o catolicismo e divulgar essas ideias por
meio da revista A Ordem.
Essa missão consistia em promover um corpo de intelectuais centrado nas produções
voltadas para a conjectura social e política, de acordo com os preceitos da doutrina católica,
para ser depois disseminada pela imprensa católica.
Conforme Arduini80
“De outro lado, Figueiredo desejava fazer da revista a trincheira
de defesa de um nacionalismo que reafirmasse nossa tradição católica e pacífica e justificasse
a condenação irrestrita de todas as revoltas sociais e do modernismo literário.”
Portanto, é neste contexto de mudança na conjectura do Entreguerras, com mudanças
de perspectiva ideológicas e políticas, que surge o Centro Dom Vital e, que muitas dessas
especificidades e acontecimentos da década de 30 iriam redefinir sua configuração de ação na
sociedade. Na data mesmo de sua fundação, em 1922, outros acontecimentos estavam em
voga, como a Semana da Arte Moderna em São Paulo, o Movimento Tenentista, o surgimento
do Partido Comunista do Brasil (PCB) e, também, as comemorações do Centenário da
Independência do Brasil.
Segundo Dias, poder-se-ia afirmar que o Centro Dom Vital ficou na incumbência de
firmar a supremacia católica por meio de um posicionamento atuante na esfera do religioso na
sociedade e que uma forma da Igreja se firmar perante esses acontecimentos visando a
“recatolicização da intelectualidade” pressuporia promover a divulgação de seu vasto acervo e
as publicações de cunho católico.81
Ainda segundo outros autores, como Groppo, a sua formulação inicial se daria também
por conta da necessidade de se proporcionar a disseminação da doutrina católica pelo país,
uma vez que: “tinha como propósito promover estudos e discussões sobre a doutrina,
congregando intelectuais numa apostólica que promovesse a disseminação de uma cultura
católica superior.”82
80
ARDUINI, Guilherme Ramalho. O Centro D. Vital: estudo de caso de um grupo de intelectuais católicos no
Rio de Janeiro entre os anos 1920 e 1940. In: Rodrigues, Cândido Rodrigues; PAULA, Christiane Jalles de.
Intelectuais e Militância católica no Brasil. Cuiabá: Editora UFMT, 2012, p. 45. 81
DIAS, Romualdo. Imagens de Ordem: a doutrina católica sobre autoridade no Brasil, 1922-1933. UNESP,
1996, p. 89. 82
GROPPO, Célia. Op. cit., p. 29.
45
Jackson de Figueiredo, que liderou o Centro de 1922 a 1928, defendia o propósito de
manter uma atitude militante com base na moral católica para que pudesse ocorrer uma
mudança que visasse os males da sociedade de seu tempo, principalmente mobilizando a elite,
para aglutinar seus adeptos contra os sucedidos das novas mudanças sociais e políticas
advindas do Liberalismo.
Figueiredo acreditava que a mudança não seria resolvida pelo viés econômico ou
político, mas, através da doutrinação, utilizando os argumentos do ideário do cristianismo
católico e, para isso defendia a necessidade de mudança de valores morais por parte da elite,
no caso, “a sacralização da ordem, da autoridade, e, consequentemente, da nação.” 83
A consolidação de um grupo de intelectuais à frente da revista e do Centro Dom Vital
se deu a partir da participação de alguns dos principais pensadores e profissionais liberais das
primeiras décadas do século XX. A figura de maior destaque nesse tempo é a de Alceu
Amoroso Lima, incumbido da importância de editor-chefe da revista e de presidente do
Centro Dom Vital após o falecimento de Figueiredo. A importância da revista A Ordem em
relação ao Centro mesmo se acentuou com a continuada participação de intelectuais
renomados como, Jônatas Serrano, Perillo Gomes, Allindo Vieira, Sobral Pinto, Hamilton
Nogueira, Plínio Correa de Oliveira, Gustavo Corção, Durval de Morais, Augusto Frederico
Schmidt, Hélio Viana, Lúcia Miguel Pereira, San Tiago Dantas, Tasso de Oliveira, Prudente
de Morais Neto, dentro outros. Para esses intelectuais a ascensão proporcionada pela
participação em um grupo de renome foi um dos chamarizes de sua adesão à Revista, pois era
um meio seguro de se obter prestígio e relevância no ramo intelectual.84
Segundo Guilherme Arduini “Caberia à revista convencê-la, entretanto, da existência
de outra forma de enxergar a religião na qual fé e inteligência fossem sinônimo”.85
Nesse
sentido, estes intelectuais colaboravam com uma produção literária que remetia à importância
de rever as questões da fé relacionada à razão, e a aglutinação desses intelectuais serviu como
porta-voz para a concretização da importância de sobrepor os princípios defendidos pelo
conservadorismo católico, em razão dos postulados seculares, aos vários ramos da sociedade.
Assim, a junção de pensadores renomados em prol da direita católica teria sido uma
das estratégias utilizadas pela Igreja para se reafirmar frente ao novo contexto brasileiro e do
Entreguerras, em busca de uma ‘Identidade católica brasileira’.
83
Id. 84
ARDUINI, Guilherme. Op. cit., p. 45. 85
Ibidem, p. 46.
46
Foi Dom Sebastião Leme que formalizou a decisão de instituir uma organização
católica com a incumbência de reunir renomados intelectuais. Era a principal estratégia
utilizada pelo líder da Igreja Católica no Brasil para a formação de uma elite de intelectuais
católicos tendo como finalidade última a preparação de leigos para atuar nos diversos
segmentos da sociedade. Visava com isso disseminar os princípios morais católicos e ao
mesmo tempo, unir essa corporação católica com a hierarquia eclesiástica na participação e
atuação no campo político.
Para isso era necessário formular com a ajuda daqueles pensadores, estratégias e um
corpo doutrinário, que ajudasse na fomentação e defesa das ideias e posicionamento
antiliberais e, na oposição à secularização política e social, com a finalidade de coadjuvar o
clero numa atuação contrária às ideias filosóficas e políticas desencadeadas pelo mundo
moderno.
O próprio nome Centro Dom Vital faz referência a um dos grandes líderes católicos
brasileiros, Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, bispo de Olinda, principal defensor dos
princípios católicos ultramontanos, que enfrentando os preceitos liberais defendidos pelo
governo imperial no Brasil, se tornou símbolo da causa da Igreja, por conta de sua atuação
contra o Estado brasileiro, quando foi preso e condenado a trabalhos forçados.
Portanto, consideramos que esse capital simbólico reunido através da Revista A Ordem
foi à base do pensamento católico que fomentou os ideais de combate à modernidade, às
ideias de cunho racionalista que desencadeou a atuação contrária ao socialismo e ao
liberalismo. A revista A Ordem, como bem o nome sugere, defende a volta à disciplina, à
organização e à autoridade que se poderia remeter aos princípios incutidos na Idade Média.
Uma ordem pautada em um regime que estabeleceria o poder temporal sobre todas as esferas
sociais, sem, contudo, a possibilidade de haver contestação ao poder eclesiástico, a única
instituição de fomento do conhecimento científico, filosófico e jurídico. Dessa maneira, uma
nova ordem pautada nos liames do catolicismo, seria a possibilidade para restabelecer a antiga
autoridade legitimada, que com a Constituição de 1891 passou a ser contestada.
O interessante é percebemos a atuação do Centro Dom Vital foi sentida em todo o
país, na medida em que seus líderes se preocuparam com a criação de bibliotecas e editoras
para a difusão e uniformização do pensamento católico no Brasil. Tendo sido iniciado nas
principais capitais, este movimento logo se disseminou pelos núcleos representativos onde se
pudesse daí atingir outras agremiações católicas e intelectuais de capitais e regiões mais
distantes.
47
Neste caso se inclui o recrutamento em cada estado de representantes da revista A
Ordem. Observe-se que a imprensa católica contribuiu para formação de uma rede de
informação dos leigos e clero e de divulgação das ideias da Igreja tanto no nível nacional
quanto, no regional e local, utilizando, para isto, de material recortado não só de periódicos
brasileiros, mas, também, da América Latina e Europa. A finalidade desse esforço era, por
conseguinte, a divulgação do capital religioso, visando a unidade dos princípios da Igreja na
década de 1930. Portanto, uma produção da doutrina em diferentes escalas espaciais ficou
agrupada tanto na Revista A Ordem quanto nos principais jornais católicos brasileiros,
servindo também para a propagação do pensamento católico produzido no Centro Dom Vital.
É importante apontar essas relações da revista com a imprensa porque demonstra a
ação da Igreja como instituição neste período e, enquanto uma organização que não está
fechada em si, porém conectada com as demais partes do mundo, contando com uma rede de
comunicação dos ideais católicos que demonstra a disseminação, pode-se assim dizer,
“homogênea”, da defesa dos princípios do catolicismo, desde que compreendemos as
particularidades das ações e projetos em cada campo de atuação e em cada espacialização.
Neste Centro, uma elite – ameaçada pela filosofia positivista; a ser liberada
da descrença, dos sacrilégios, do agnosticismo; a ser disciplinada nos
princípios imutáveis da Verdade, do Bem e do Belo – preparava-se para
evangelizar o próprio grupo e para enfrentar a apostasia da sociedade
brasileira. Era um espaço de sistematização de idéias orientadoras do
empenho católico na busca de sua soberania social. Os intelectuais deveriam
ser protegidos dos males da sociedade moderna, como a descrença, o
agnosticismo, o materialismo e a vaidade, conforme expressa D. Leme numa
oração por ele redigida.86
São a partir desses posicionamentos da Igreja que verificamos as práticas e saberes
na constituição da Ação Católica no país e, que estes não coincidem, na prática, com sua
instituição formal, afinal a Ação Católica Brasileira só foi oficializada no país após a
Constituição de 1934.
De acordo com Riolando Azzi, sua fundação teria obedecido a duas finalidades
principais: garantir, por um lado, as conquistas católicas obtidas na Constituição de 1934, por outro,
contrapor-se ao surgimento da Aliança Nacional Libertadora, que, concentrando os
representantes da esquerda do país, trouxe o medo da disseminação do comunismo: a Ação
86
Santo Rosário, 1962 apud Dias, 1996.
48
Católica teria, por conseguinte, surgido em resposta ao novo quadro e, tinha por finalidade criar
uma força de resistência ao avanço do comunismo.87
Contudo, pensamos que, se esta surge oficialmente com a publicação do seu estatuto
em nove de junho de 1935, seus princípios e objetivos, porém, já se encontravam articulados e
colocados em prática desde o início do século XX com a recatolicização do país.
87
AZZI, Riolando. Os Pioneiros do Centro Dom Vital. Rio de Janeiro: EDUCAM, 2003, p. 27.
49
CAPITULO II
2. REVISTA A ORDEM: A ELABORAÇÃO DO ANTICOMUNISMO NA DÉCADA
DE 1930
2.1. A produção do capital simbólico no catolicismo brasileiro
A ideia de espaço social, trabalhada conforme Pierre Bourdieu,88
nos servirá, para
analisar nosso objeto de pesquisa, na medida em que procuraremos empreender a busca da
gênese de um discurso que inclui o anticomunismo, junto com a análise das dinâmicas que
resultaram na reprodução de suas representações. Por meio da compreensão das estruturas
desse espaço social e dos seus mecanismos de reprodução, julgamos poder compreender as
particularidades da atuação e das diretrizes sociais da Igreja Católica na década de 1930.
Buscaremos, por conseguinte, definir um espaço simbólico católico que foi instituído
por uma dinâmica própria, que incluía o anticomunismo e, na qual seus agentes se
reconheceriam reciprocamente numa constante produção e reafirmação representativa.
Analisando a formação do pensamento católico brasileiro no século XX através de
suas matrizes políticas percebemos, por meio da análise de nossas fontes, a formulação de
uma linguagem que remete a um discurso mais amplo.
Para isso, é necessário pensar que esse discurso se originou das formulações do laicato
católico no Centro Dom Vital, as quais buscavam firmar os posicionamentos da elite
eclesiástica, de modo a se poderem elaborar definições acerca da situação política em que se
encontrava o país junto às demandas de cunho internacional, originadas da concorrência de
sistemas políticos liberais, comunistas e fascistas.
Pensamos que o catolicismo, como um subcampo do espaço religioso, não dispensava,
também, a disseminação do seu pensamento no campo político, visando, nessa dinâmica
elaborar um posicionamento doutrinário e, colaborar em numa formação do político. Para
compreender o espaço social do catolicismo em meio ao campo religioso e político é preciso
perceber como se procedeu à construção deste espaço autônomo do catolicismo nos campos e,
procurar abranger a dinâmica própria de suas ações num determinado recorte de tempo e
espaço. Como define Bourdieu:
88
BOURDIEU, Pierre. Op. cit., p. 18.
50
Essa idéia de diferença, de separação, está no fundamento da própria noção
de espaço, conjunto de posições distintas e coexistentes, exteriores umas às
outras, definidas umas em relação às outras por sua exterioridade mútua e
por relações de proximidade, de vizinhança ou de distanciamento e, também,
por relações de ordem, como acima, abaixo e entre; 89
Definimos a categoria campo como uma produção histórica que possui uma estrutura
única com mecanismo e regras inerentes as particularidades desse campo. Como um campo
de relações sociais, com autonomia em referência a outros campos. Não sendo um espaço
homogêneo, porém, encontramos uma relação de dominados e dominantes na produção de um
capital específico que se reafirmam relações de poder.
Por conseguinte, na Igreja Católica brasileira da década de 1930 se alternava uma
produção discursiva, por sua consonância com as produções das diferentes escalas espaciais
da Igreja, no caso norte-rio-grandense, esta produção discursiva estaria correlacionada a outra
produção no nível nacional – do Centro Dom Vital –, e estas com a produção na Santa Sé,
todas em conformidade às demandas surgidas na contrapartida discursiva nos campos
religioso e político aos ditames da Igreja nesse período. Existiria, também, uma constante
elaboração do espaço social católico se partimos, por um lado, na busca de redefinir seu
diálogo com o campo político, inserido que estava nas dinâmicas da política Varguista da
década de 1930 e, por outro lado, no campo religioso, inserido no embate com o
protestantismo e a maçonaria.
Julgamos que a produção autônoma do pensamento católico surgiu no Centro Dom
Vital em consonância a esse diálogo com os campos, assim como a partir daí se empreendeu
uma produção discursiva correlacionada às demandas anteriormente citadas, configurando,
assim, o que Bourdieu chamou de ‘luta de classificações’.
Por exemplo, tanto a situação política quanto a oposição no Rio Grande do Norte do
início da década de 1930, apontaram o mal que poderia acarretar dos postulados do
comunismo no Brasil, como também trabalharam os problemas acarretados pela implantação
desse regime na Rússia Soviética. Por sua vez, a Igreja Católica, apontava o comunismo em
todos os seus aspectos negativos relativamente aos preceitos cristãos, como sendo seu antigo
inimigo desde o século XIX mas, relativamente às posições no estado, trabalhava este como o
mais novo mal a ser combatido.
89
Ibidem, p. 18-19.
51
O que se pretende construir é uma proposta, de acordo com as categorias trabalhadas
por Bourdieu, da formulação do discurso anticomunista católico nesse período. Quais as
tomadas de posição sociopolíticas com quem a Igreja dialogava? A elaboração discursiva
anticomunista serviria para quem e para quê? Em resposta a quais contrapartidas nos campos
religioso e político?
De fato, todo o meu empreendimento científico se inspira na convicção de que
não podemos capturar a lógica mais profunda do mundo social a não ser
submergindo na particularidade de uma realidade empírica, historicamente
situada e datada, para construí-la, porém, como “caso particular do possível”,
conforme a expressão de Gaston Bachelard, isto é, como uma figura em um
universo de configurações possíveis. 90
Dessa maneira, o objeto de pesquisa que propomos analisar não requer uma análise
que identifique apenas um determinado lugar e seu tempo cronológico, porém, mais do que
isso, sua pesquisa implica na análise do espaço simbólico da Igreja católica na década de
1930: a compreensão na correlação com outros agentes em cena como: o integralismo, o
comunismo, o liberalismo; com os problemas apresentados ao campo como movimentos
sociais, latifúndio, etc., sendo possível, com isso, avançar em uma análise mais peculiar do
objeto, e, consequentemente, trazer à tona a produção do espaço simbólico católico.
Pierre Bourdieu, por meio da compreensão destas categorias, nos possibilita perceber
as particularidades das práticas e ações da Igreja no período por meio de um empreendimento
empírico: através da categoria habitus91
poder-se-ia identificar as reelaboração nos campos e
os condicionamentos para a legitimação das ações e reafirmação de práticas e saberes no
espaço social católico. Pensar a sociedade correlacionada à produção nacional e local da
Igreja na década de 1930 nos permitiria compreender o habitus católico, permitindo perceber
nosso objeto de pesquisa, o anticomunismo católico, nas diferentes ações nos campos em
jogo, ou seja, pelas correlações que podem ser pensadas através da observação das práticas,
dos saberes e das disposições na relação social frente aos seus campos de lutas e às suas lutas
de classificação.
90
Ibidem, p. 15. 91
Ibidem, p. 21.
52
FIGURA 1 – ESPAÇO SOCIAL CATÓLICO
Fonte: elaborado pela autora.
Dessa maneira, evitamos uma análise substancialista, que apenas analisa o objeto de
pesquisa por ele mesmo, fechado em si, sem perceber as correlações em que ele está inserido
na sociedade, a relação que emerge nas suas diferentes posições sociais. Por intermédio da
análise da linguagem do anticomunismo católico podemos perceber toda a produção
discursiva da Igreja, a qual se insere em uma relação entre os campos e o espaço, inserido,
portanto na compreensão de Pierre Bourdieu: “o real é relacional” 92
. Poderíamos, assim,
relacionar este objeto a cada uma das disposições, percebendo o seu habitus, a formulação de
um discurso relacionado à disposição política em que se situaria a doutrina eclesiástica.
Como também, poderíamos pensar que a historicização desse objeto identifica a
posição social da Igreja e também as suas diferenças atuações nos diferentes espaços
geográficos, ou seja, perceberíamos as particularidades espaciais do objeto de pesquisa,
examinando as relações históricas e geográficas por meio de uma historicidade dos seus
campos.
A instituição eclesiástica não é unânime em suas ações e nem homogênea no seu
pensamento, possuindo variedades de atuações em determinados tempos e espaços, sendo essa
92
Ibidem, p. 16.
Espaço Social Católico
Práticas
Ação Católica
Centro Dom Vital
Ação Universitária Católica
Juventude Universitária
Católica
Liga eleitoral Católica
Sindicato Católico
Saberes
Antissemitismo
Antimaçonaria Integralismo
Anticomunismo Antiliberalismo
Anticapitalismo Doutrina Cristã
Moral
Dogma
Disposições
Na direita do campo político
Habitus
53
particularidade que nos preocupamos em demonstrar: as tramas históricas e geográficas, o
conjunto de práticas e saberes, as tomadas de posições dos agentes sociais para elaborar a
construção dessa estrutura que a Igreja formula na década de 1930.
As dinâmicas educacionais, morais e políticas a partir das quais a Igreja Católica atuou
no seu espaço social, nos permitem inferir estas enquanto posições e práticas que diferem
dentro do mesmo espaço na década de 1930, mesmo que relacionadas ao mesmo objetivo, se
pensarmos separadamente o campo religioso e político católico, pois cada um destes possuía
certa independência dentro da instituição eclesiástica.
Estas posições e práticas foram então definidas e delineadas em relação a outros
espaços predeterminados, uma vez “que toda a ‘realidade’ que designa reside na exterioridade
mútua dos elementos que a compõem.”93
Por exemplo, o campo religioso católico foi
constantemente reelaborado para se firmar frente a outras designações religiosas, mas
afirmando sua posição por referência a outras designações com que já divergia, reafirmando,
assim o ser católico frente a outros campos religiosos cada vez que estes se apresentavam por
referências já existentes. Este problema também aconteceu em relação ao campo político e
nos interessa especialmente por conta das referências implicadas na produção do
anticomunismo católico.
Nesta aproximação metodológica se permite constatar o tipo de capital aplicado no
espaço social católico, se pode compreender a categoria capital não apenas relacionado ao
econômico, mas, como ideia imaterial, de uma propriedade relacional que existe em relação a
outras propriedades, com uma diversidade, que depende dos valores necessários ao um
determinado espaço, ou seja, cada campo tem um capital específico.
Portanto é importante compreender a categoria capital para desnaturalizá-la do
preceito econômico e, percebê-la como um acúmulo de diversos valores sociais e culturais
imateriais que foram aplicados e estabelecidos no espaço social, como um capital religioso e
político católico, que desde o século XIX foi armazenado e, depois, habilidosamente
articulado no Centro Dom Vital, sendo empregado numa economia que resultava então na
dominação do espaço social católico sobre as variadas posições dos campos político e
religioso no Brasil.
93
Ibidem, p. 48.
54
2.2. As posições da Igreja Católica no campo político do século XIX e a formação dos
capitais político e religioso
A historia, porém, do mesmo modo que se encarregou de dissipar as ilusões
do capitalismo, vae se encarregando de dissipar os erros e as falsas
promessas do seu filho legitimo – o socialismo
Alceu Amoroso Lima, 1936. 94
É a partir de uma visada sobre o Renascimento, a Reforma e a Revolução Francesa
que, no século XIX, a Igreja Católica inicia a sua grande clivagem da ordem e poder sobre o
mundo. Os pensadores renascentistas aprimoraram o conhecimento das ciências, trazendo
novos questionamentos sobre a atuação do conhecimento teológico às ciências e a política,
ocasionando a mudança que forneceu a base para o posicionamento anticlerical e o
surgimento dos princípios agnósticos. A Igreja perde a sua posição de matriz nas diretrizes
sociais e políticas e se torna mais uma instituição religiosa ao posicionar frente aos novos
postulados da Reforma. De grande fornecedora do conhecimento filosófico e legitimadora das
diretrizes do poder no fim da Idade Média, a Igreja inicia no século XIX a sua grande jornada
rumo aos novos desafios.
Foi com o advento da Revolução Francesa que se permitiu a possibilidade de perceber
e modificar a sociedade fora dos preceitos religiosos. A liberdade de pensamento surge não
mais pautada e submissa à teocracia. Mudam-se as ideias, modificam-se suas ações, inicia um
novo tempo, o homem passa a adquirir uma liberdade de pensamento sem a autoridade e com
aversão à tradição.
Esse é o grande embate da Igreja Católica, a recusa aos preceitos da modernidade. Por
isso, o século XIX foi marcado pela ruptura da Igreja Católica em relação ao Estado, em
busca de se pensar uma volta ao passado que correspondesse a uma sociedade estabelecida
através do poder eclesiástico. Foi a partir do século XIX que se deu início à disputa entre
94
Lima, Alceu A. O socialismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 66, p. 78, jan. 1936. (Conf. Pronunciada na Escola
do Estado Maior do Exercito, em 12 de Outubro de 1935).
55
diferentes ordens de atuação na sociedade, mas, agora, os diversos setores de influência não
correspondiam apenas à ordem sacerdotal.
Para os pensadores vinculados à Igreja no XIX, foi o movimento iniciado pela
Reforma que desencadeou a desordem e, forneceu a primeira abertura para a contestação da
doutrina católica, fazendo surtir efeito nas revoluções procedentes. Por conseguinte,
entendiam ser necessária a disseminação de um pensamento voltado não apenas contra os
efeitos ocasionados da Revolução Francesa, mas contra todas aquelas ideias e, a sintonização
com o pensamento contrarrevolucionário foi um dos princípios que fomentou a atividade
intelectual desses católicos contra todas as prerrogativas do mundo moderno.
A luta entre o Catolicismo e a Revolução Francesa firmou a nova atuação da Igreja
que visava redefinir os males da sociedade, na medida em que entendia caber a ela, devido à
tradição de sua autoridade no saber filosófico e teológico ser a fornecedora dos princípios
para a salvação da sociedade. Consequentemente, se legitimaria a ideia de que, advindo desse
mal, se consolidaria no homem o afastamento de Deus e, como forma de reverter esse mal,
proclama necessidade de volta a um ordenamento político através do religioso.
Como aprecia Romualdo Dias, os filósofos contrarrevolucionários desempenharam um
papel importante na construção de uma mentalidade que fornecia a base da nova doutrina
católica que se colocava em oposição às categorias de revolução, liberdade, natural, razão e,
os direitos humanos:
O conservadorismo, como doutrina, se constituiu em permanente combate ao
ideário divulgado no movimento revolucionário francês de 1789, isto é,
sempre se contrapondo ao liberalismo. Ele apropriou-se de elementos do
tradicionalismo e mobilizou-se motivado pela conjuntura politica, instituindo
uma teoria da autoridade conscientemente irracionalista. O processo
emancipatório do homem e da sociedade foi obstaculizado por essa doutrina.
Ela atribuiu a autoridade à hierarquia eclesiástica, que teria a missão de
salvar a sociedade da divisão provocada por qualquer ruptura ocorrida na
história. Essa autoridade, concebida como um poder carismático, salvaria a
humanidade da destruição e submeteria todos os indivíduos à tradição.95
Portanto, identificados seus algozes e, de prontidão para atuar ao combate, mas
convalescida da importância de restabelecer e fomentar uma sólida base intelectual, a Igreja
95
DIAS, Romualdo. Imagens de Ordem: a doutrina católica sobre autoridade no Brasil, 1922-1933. São Paulo:
UNESP, 1996, p. 38.
56
formalizaria, pouco a pouco, o seu posicionamento em relação a uma nova doutrina, com a
publicação de novas encíclicas, a começar com Qui Pluribus, de Pio IX, em 1846 e a Sillabus,
de 1864, que descriminavam os males dos novos tempos. Inclusive, é a partir dessa última
encíclica que a Igreja deixa evidente seu posicionamento contra o comunismo: “dessa
abominável e acima de todas antirracional doutrina chamada comunismo, que, a admiti-la,
acabará por destruir pela base os direitos, as coisas e as propriedades de todos e até a própria
sociedade humana”.96
Em seguida, surge a encíclica Quod apostolici muneris de 1878, o
posicionamento de Leão XIII, que explicita os males acarretados pelo socialismo (categoria
em que se faz alusão não apenas ao comunismo, mas também ao niilismo) em relação “à
família, ao direito e a propriedade”.97
Como aponta José Langlois, pelas próprias encíclicas se verifica que, com o decorrer
do tempo, as categorias comunismo e socialismo seriam definidas de diferentes maneiras, por
exemplo: a encíclica Quadragesimo anno, publicada em 1931 por Pio XI, traz duas definições
de socialismo, a primeira sendo o “comunismo”, compreendido como o marxismo-leninismo
soviético, e; o “socialismo moderado ou não marxista”, possuidor de caracteres atenuantes em
relação ao marxismo, contando com algumas perspectivas da “fé cristã”. Por sua vez, a
encíclica “Divini Redemptoris”, publicada por Pio XI em 1937, renova o posicionamento
católico abrigando a categoria “comunismo ateu” e pretende definir e exemplificar, com mais
clareza, os males do comunismo para os católicos: “Nesta doutrina, como é evidente, não há
nenhum lugar para a ideia de Deus, nega a diferença entre o espírito e a matéria entre o corpo
e a alma”.98
No Brasil, de acordo com Antonio Carlos Villaça, no período do “colonialismo
clerical”, podemos afirmar que o afastamento da atuação dos jesuítas no país permitiu a
abertura para a atuação e posicionamento de novas oportunidades e mudança de pensamento.
Com a expulsão dos padres da Companhia e, subsequentemente, com o fim da escolástica,
dar-se-á um novo direcionamento filosófico à atuação da Igreja e, a diversidade de
pensamento passou a influenciar na sociedade colonial, influenciando as diretrizes sociais e
políticas do período. A influência do laicismo surge no Brasil com as novas diretrizes
tomadas pela reforma pombalina e, as novas medidas de modernização no país forneceram
também a base para que chegassem aqui as novas ideias em curso na Europa, tendo a
96
LANGLOIS, José Miguel Ibañez. Doutrina Social da Igreja. Tradução de Maria da Graça de Mariz Rozeira.
Lisboa: Reis dos Livros, 1990, p. 264. 97
Ibidem, p. 264. 98
Ibidem, p. 268.
57
Universidade de Coimbra desempenhado um papel preponderante na disseminação dos
preceitos enciclopedistas na Colônia.99
Já no Brasil do século XIX, a atuação da Igreja Católica daria precedência ao poder,
com sua adesão limitada, porém às concórdias do Estado. Sendo uma instituição que só
poderia organizar-se mediante o aval do Governo, suas ações e diretrizes foram administradas
segundo as necessidades do Império. Sua pouca autonomia cabia aos assuntos de ordem
espiritual e, apenas quando se via a necessidade da sua atuação. Essa obediência ao Estado
brasileiro e, em concordância às autoridades políticas, acarretou em legar vários privilégios
para a Igreja que manteve, inclusive, grandes vantagens na participação dos recursos
financeiros.
Um das características que mais chamava atenção quanto ao corpo clerical do Brasil
era o seu Regalismo, a relação de submissão à Coroa e, a todas as prerrogativas que fossem à
favor da Monarquia, que cada dia tornava-se mais racionalista e anticlerical.100
Sob essa
situação o catolicismo continuou a ser a religião oficial do Brasil, com a Igreja atuando na
área social e, em setores administrativos de controle de registro, de saúde e ensino, contudo,
perdendo pouco a pouco sua importância, na medida em que o Estado foi se modernizando e,
depois, abrindo oportunidades para outras crenças religiosas, inclusive, permitindo o ensino
leigo e, nessa situação, a relação com a Monarquia já não trazia benéficos a Igreja Católica
brasileira.101
Porém, nunca houve na história da relação entre a Igreja Católica e a Monarquia um
embate semelhante ao que ocorreu durante a Questão Religiosa. É a partir desse evento que o
Estado legitima a possibilidade de uma nova ordem com o afastamento da Igreja do campo
social e político. A partir de então a ordem monárquica seria pautada nos pressupostos de uma
nação liberta, longe das prerrogativas religiosas e fora dos preceitos católicos e, a
modernidade, com seus preceitos racionais na defesa do materialismo, se tornou o grande
embate dos eclesiásticos também no Brasil. Esse evento seria, inclusive, representado
simbolicamente no espaço social católico: o principal lócus de produção do pensamento
católico, o Centro Dom Vital, seria nomeado conforme o principal envolvido no episódio, o
bispo que foi preso e condenado a trabalhos forçados pelo Estado e que, doravante, lutaria
contra os males modernos, e, sua Revista, em homenagem a essa luta, chamar-se-ia A Ordem.
E, com a proclamação da República, o empenho e a luta da Igreja se defrontou não apenas
99
VILLAÇA, Antonio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p.
10. 100
ROMANO, Roberto. Op. cit., p. 83. 101
ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado. São Paulo: Kairós, 1979, p. 82-83.
58
contra todos os postulados surgidos com o mundo moderno, mas também com a influência do
Positivismo e com a perda abrupta dos privilégios com a promulgação da Constituição de
1891.
Com isto, a Igreja se posiciona contrária ao novo regime, pois além de perder a
posição de religião oficial do país, também acusou o problema causado pela descentralização
política. Para a Igreja, essa mudança tanto desarticulou o poder central como também afetou
as tomada de decisões e diretrizes da elite eclesiástica. Também acredita que se firmava o
ganho da política liberal sob a influência da maçonaria, reforçando as ideias positivistas e
materialistas.
Segundo Romualdo Dias, frente a essa nova situação, e compreendendo o poder
tradicional de atuação há séculos na sociedade brasileira, o poder eclesiástico iniciou a
retomada da “recatolicização da sociedade e do Estado”.102
Por intermédio da implantação de
uma nova convicção religiosa, a Igreja se colocaria daí em diante na prontidão para a sua
saída dos problemas sociais através da concepção de uma doutrina que buscava a solução dos
males atuais pelo caminho do idealismo, “A Igreja orientava suas relações com a sociedade
por doutrinas fundamentadas numa concepção religiosa da vida, de modo a considerar mais os
valores dos protagonistas europeus do que os processos sociais do país”.103
Aproveitando os requisitos de um país católico, na crença adotada de uma
organização social política pautada sobre o poder temporal em combate à secularização, a
Igreja continuou a utilizar essa diretriz como uma alternativa para a retomada da ordem no
Brasil. Foi neste propósito que a Igreja articulou a aproximação com o novo regime,
desempenhando o papel de responsável pela articulação do poder simbólico para o
restabelecimento do ordenamento no campo político e social.
Segundo Dias, tanto Estado como Igreja perceberam que separados perderiam
legitimidade nas suas atuações, pois a política do país sempre teve sua base respaldada pelo
poder religioso e, ambos teriam sentido o peso da mudança para um regime laico. O sistema
político brasileiro sempre esteve articulado à doutrina católica, que esteve presente desde o
período colonial e, mesmo com todas as influências do Estado laico, a adoção do
corporativismo pela Igreja permitiu firmar o apoio recíproco com o Estado.
Na década de 1930 o pensamento católico se voltaria para a busca de um modelo de
sociedade em que prevaleceria a volta de valores que apontava como perdidos, tais como a
autoridade, a hierarquia, o naturalismo, a monarquia. A fórmula utilizada na busca da ordem
102
DIAS, Romualdo. Op. cit., p. 22. 103
Ibidem, p. 21.
59
pautada nos preceitos medievais foi a liberdade em relação ao Estado, adquirida após a
Constituição de 1891, somada ao ultramontanismo e aos argumentos dos filósofos
contrarrevolucionários. Esta fórmula seria então utilizada na defesa de princípios antiliberais,
reacionários e num modelo de governo ditatorial.
Diante de uma sociedade moderna, coube a Igreja Católica o posicionamento para o
restabelecimento da ordem, criando novas ações e diretrizes frente aos novos problemas e
dilemas sociais.
O discurso teológico-político assegurou, portanto, ao mesmo tempo, a
propaganda anti-revolucionária para além dos estreitos limites nacionais e se
apresentou como crítica do individualismo abstrato. Tentou criar uma via de
diferente de pacificação da sociedade moderna e insistiu na urgência de
soluções para a “questão social”, com teor autoritário, mas paternalista e
suave. Tratou, portanto, de evitar a hipertrofia do aparato repressivo do
Estado, cujos efeitos seriam por demais evidentes e desastrados. 104
2.3. Revista A Ordem: a formulação e disseminação do discurso da Igreja por meio do
anticomunismo católico
O posicionamento da Igreja Católica brasileira na República refletiria, por
conseguinte, os capitais políticos e religiosos angariados numa economia que incluía o
internacional e nacional.
Conforme vimos no primeiro capítulo, seria através da revista A Ordem que todo o
arsenal discursivo que identificava e denunciava a desordem ocasionada pela modernidade
seria utilizado.
Nesse intuito, podemos trabalhar investigando a utilização desse arsenal nos artigos da
Revista, de modo a esclarecer a formulação e disseminação de um discurso amplo da Igreja
por meio do anticomunismo católico no recorte da década de 1930.
No artigo ‘A reforma christã da sociedade’ de Antonio Gabriel de Paula Fonseca105
verificamos a importância que se faz em reavaliar os valores morais atribuídos a categoria
família no século XX. Para o autor, este foi um dos valores que foi se perdendo com o tempo
104
ROMANO, Roberto. Op. cit., p. 144. 105
FONSECA, Antonio Gabriel de Paula. A reforma christã da sociedade. A Ordem, Rio de Janeiro, n.54, p. 28,
jan. 1935.
60
desde “Luthero a Descartes, de Descartes a Comte e de Comte a Marx”, e, reforça a
desagregação dos valores sobrenaturais na sociedade.
Fonseca remete também aos postulados do anti-individualismo e reforça a importância
do termo para os princípios conservadores, fazendo referência aos males ocasionados pela
modernidade e, abrindo seus pressupostos tanto para o comunismo quanto para o fascismo.
Como bem ressalta o descontentamento pela perda desses valores caminha desde a Reforma e,
almeja uma renovação fundamentada nos preceitos cristãos: no caso, a ‘resacralização da
família’, contra as “reacções anti-liberaes” e “anti-individualistas expressos nos exemplos do
sistema político dos “Estados-fortes” da Alemanha e da Itália.
As duas tendências social-juridicas modernas são integralmente oppostas: ou
o collectivismo scientifico que é o communismo ou as reacções racionaes,
anti-individuaes, na Italia e na Allemanha. A reforma christã da Sociedade
paira acima delas, porque tenta revitalizar o nucleo fundamental do
aggregado humano, amparando o individuo menos individualista que existe,
que é o ser em família, que respeitada pelo Direito e dignificada pela Moral,
será, realmente a única esperança de paz no coração dos homens.106
Seguindo essa mesma lógica, no artigo de José Zamarim da Testa, intitulado Retorno à
Religião se faz referência ao ‘Congresso Mundial dos Philosophos’, realizado na cidade de
Praga em setembro de 1934. Testa nos traz as novas discussões filosóficas em torno das
principais questionamentos metafísicos, como doutrinas principais: o materialismo marxista,
o liberalismo e o cristianismo. O autor nos chama à atenção para perceber os males últimos
acarretados com a supremacia de ideias racionais sem fundamentações nos desígnios divinos,
conforme se poderia constatar, segundo o autor, por suas consequências, a Grande Guerra de
1914. Com isso Testa nos aponta os males das ideias do marxismo “desse estado de dupla
miséria, espiritual e material imposta ao povo pela doutrina negativa imposta pelo Judeu
Marx”107
que se juntaram aos novos males na sociedade, sendo a única saída contra tudo isto,
o retorno à filosofia cristã.
Mas o marxismo que se propunha livrar os homens não só de seu estado
economico miserável como tambem do seu “atraso” espiritual, desencadeava
em ambos os campos, no economico e no espiritual, a maior catastrophe que
o mundo conheceu. Emquanto, em economia, a consequencia da doutrina
106
Ibidem, p. 36. 107
Ibidem, p. 53.
61
marxista foi um egoísmo terrível e uma pobreza horrorosa, no campo
espiritual, foi o maior peccado contra a humanidade, matando o espirito nas
massas populares. Resultado: a ruina total do individuo. 108
A Igreja Católica se colocava como possuidora da verdade, e assim, se considerava a
como a única que tinha o direito de emanar a verdade à sociedade. Paulo Sá, no artigo
“Posições Cathólicas”,109
apontou a Igreja, como a possuidora da verdade, afirmando que a
sociedade “se encontra em estado de peccado mortal” e, chamava a atenção à atitude de
omissão frente à desordem social. Segundo Sá, não bastava apenas ao indivíduo católico
cumprir suas ações rotineiras, mais que isso, exigia uma atitude de combate ao mal: “não se
verifiquem um dia criminosos, collectivamente, se não já por acções, ao menos do pecado
covarde e proteiforme da omissão...”.
Paulo Sá cobrava a atitude do católico na sociedade, para ele não bastava ser
“catholico individualmente”, porém, um “socialmente catholico”, pois, sem essa ação coletiva
não haveria salvação. Dessa forma, pontuava a necessidade de participação ativa nos vários
campos sociais e clamava por uma militância católica. Uma das principais militâncias que
cobrava ao católico era no campo político, pois, a sociedade estaria padecendo um “ranço de
protestantismo evoluído” e, portanto, haveria o engano do indivíduo católico que, ao atuar no
campo político, abdicasse de seus princípios religiosos: “Hoje, como hontem e como sempre,
ao catholico não é permittido adoptar “como cidadão” um programma, um partido, uma
opinião que lhe seja vedado aceitar “como catholico”.
A Igreja consciente do seu poder deveria utilizar da autoridade do campo religioso em
que predominava, para orientar aos seus fiéis qual o caminho correto a seguir, e, “repetindo os
mandamentos recebidos de seu divino Fundador” poderia interferir nos ditames do campo
político. Poderia dizer aos cidadãos católicos quais seriam as melhores diretrizes nas decisões
políticas a aderir, se referindo a partidos e planos políticos, que tivessem clareza dos
programas que estavam de acordo com os preceitos cristãos. Clama pelo perigo nas “atitudes
extremas” não pelo extremismo em si, mas por serem demasiadas em seu princípio errôneo e
violento, como para evitar o “opposicionismo revolucionário e inconsequente”.
Paulo Sá dá continuidade a este arrazoado noutro artigo, denominado “Posições
Catholicas. II - Os Catholicos e o Problema Social”, onde traria à tona a problemática da
108
Idem. 109
SÁ, Paulo. Posições Catholicas. I - Os Catholicos e o Problema Politico. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 48,
p. 92, fev. 1934.
62
questão social.110 Para este autor a mais importante atitude dos católicos frente aos males que
assombravam a organização da sociedade seria a ação dos católicos na política, assim, ele
chamava à atenção para o caráter “conservador” do cristão e, conservadora seria a posição
social e política da Igreja em combate ao “revolucionarismo ímpio, anarchisador e
violento”.111
Nós estamos assistindo a um fim de civilização. E é indispensável que
tomemos posições. A habilidadesinha covarde dos que deixam correr os
acontecimentos seria hoje a mais anti-christã das atitudes. A hora não é das
abstenções e dos votos em branco: quem não estiver declaradamente,
desassombradamente, combativamente com a Verdade, estará
pusilanimemente contra ella. Na encruzilhada em que nos achamos, cruzam-
se todas as estradas opostas: o christianismo constructor e o individualismo,
anarchico, “Roma e Moscou”, “Deus e Manon” [...] Ai, dos que não
tomarem partido: ficarão à margem do mundo e o céo os vomitará ... 112
O grande problema da Igreja Católica era a má diligência do assunto social, pois
deixara evidente aos que padeciam de injustiça social que os males ocasionados pela
modernidade tinham o aval da própria instituição, o que ocasionou as massas “a se afastarem
do Christo”.
Outro equívoco a que o autor chama a atenção é terem apenas sido percebidos os
males pelo lado dos “inimigos à esquerda”. Dever-se-ia perceber não apenas os males
acarretados pelo socialismo à sociedade, mas também os males motivados pelo capitalismo:
“inimigos á esquerda, sem dúvida; mas também, não menos real, inimigo à direita”.
O autor ainda ressaltava que os males do socialismo revelavam os males do
capitalismo, porquanto, era necessário perceber a desordem ocasionada pelo socialismo, mas
que não deveria ser deixado de perceber os erros que seus erros originavam-se do capitalismo
existente.
Aliás, capitalismo e socialismo se reúnem e trabalham juntos, já o affirmava
outro escriptor catholico, citando o néo-socialista francez, Marcél Déot. E
levando a questão para um terreno mais alto, como é do seu costume,
110
SÁ, Paulo. Posições Catholicas. II - Os Catholicos e o Problema Social. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 51, p.
372, mai. 1934. 111
Ibidem, p. 373. 112
Idem.
63
Maritain confirmava que “o ateísmo communista nada mais é do que a outra
face do deísmo burguez”. 113
Todas as desigualdades sociais presentes neste período, de acordo com o autor, são os
resultados da apropriação do sistema capitalista: as jornadas de trabalhos, a emancipação da
mulher nas fábricas e escritórios deixando suas atividades inerentes do lar. Os salários
desonestos, as misérias no campo e na cidade, os desempregados, e os baixos salários dos
operários. Por isso, reafirma a necessidade de participação na política, considerando
“consolador e nobre”, para os cristãos, a defesa e participação na promulgação de reformas
sociais na nossa legislação. Defende, ao fim, a necessidade da Igreja em atuar para a busca de
uma solução, de acordo “na unanimidade dos ensinamentos sociaes da Egreja desde os
Evangelhos até a “Quadragesimo anno” e a carta a monsenhor Liénart”.114
Outro artigo “Ainda Fóra das Fronteiras”, aponta que uma das grandes preocupações da
Igreja seria a fornecer uma configuração à sociedade brasileira da década de 1930.
Ressaltava-se que o mundo moderno fornecera os meios mundanos de adentrar nessa
apostasia e observa que a difusão de autonomia de pensamento em voga, principalmente entre
os intelectuais, levara à mudança de pensamento e às atitudes pecadoras que ocasionaram a
prevalência do “mundanismo extra-catholico”. Os que haviam aderido a isto justificavam seu
posicionamento junto às novas ideias modernas, efetivadas pelos seus teóricos e apenas
aproveitavam o que há de melhor na vida, vivendo sem a preocupação pautada nos desígnios
da Igreja, com a perda dos costumes e da fé.
Assim o “acatholicismo mundano” também era identificado em outras teorias
filosóficas e em outras crenças, como no protestantismo, mas o sistema que observava na
integra esse pensamento profano seria o “commnunismo doutrinário”, propalado pelos
burgueses:
Da mesma maneira que os nobres é que levaram os burgueses de 1789 á
Revolução – são hoje, em sua maioria, os burguezes que levam os proletarios
á nova Revolução. O typo do jovem burguez communista é hoje, senão
frequente entre nós, pelo menos ponderavel. E esses alimentam o mundanismo
acatholico com um fermento doutrinario anti-christão, que muito concorre
para animar a ignorancia pragmatica e immediatista da maioria.115
113
Ibidem, p. 375. 114
Ibidem, p. 378. 115
Ainda Fóra das Fronteiras. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 49, p. 173, mar. 1934.
64
Essa preocupação grassaria nas duas classes, nos setores populares e na elite, porém os
meios populares é que teriam sofrido a influência de “idéas simples ou religiões empíricas”.
Essa perda dos princípios católicos nos setores populares se deveria ao descaso da burguesia
ocasionou somado ao desamparo social. Para o autor embora existisse o “acatholicismo
popular”, carregado de ideias não próprias do país, este seria raro, porém, “militante e
aggressivo” e tinha se originado da influência do protestantismo, do comunismo e do
espiritismo. Esses males nos meios populares eram “em regra filhos do relaxamento ou da
ignorancia, e não da hostilidade”.116
Dessa forma, se observa na revista A Ordem que a Igreja se propunha a definir suas
táticas para a intervenção nos vários campos sociais, buscando “intellectuais e politicos,
mundanos e populares”. Por isto utilizou os mecanismos que a Ação Católica proporcionou
neste período, enquanto lócus importante para a formação de vários subcampos católicos: a
Universidade Católica visando à formação intelectual; a Liga Eleitoral Católica junto com a
‘Boa Imprensa’ (a imprensa católica), visando a atuação no campo político; a defesa da
educação nos liames católicos visando à educação da juventude. E em relação aos meios
populares garantiu o contínuo trabalho da catequese, que serviu para a orientação e instrução
aos sindicatos e às associações de classe.
Assim, sendo, conclue-se que a Acção Catholica, para se desenvolver
normalmente entre nós, precisa agir, não apenas intra-muros, mas extra-
muros. E para isso, é preciso conhecer o campo de acção, estudar os vários
sectores, irredentos e operar sobre elles com os methodos de accôrdo com a
natureza do terreno e da tarefa. Não podemos nos contentar com a catechese
dos catholicos, se bem que seja de momento talvez a mais importante.
Precisamos irradiar a nossa acção cada vez mais, de modo a impedir que a
acção dessas zonas além de nossas fronteiras venha a conquistar terreno
sobre o nosso ainda tão amplo, mas já tão ameaçado território.117
2.3.1. A Constituinte de 1934
A Revolução de 1930 trouxe ainda uma nova clivagem da ordem social com a
introdução de novos atores no cenário político brasileiro que possibilitaram à Igreja Católica
vários ganhos no sentido apontado anteriormente. Tendo se iniciado com o decreto de abril de
1934 que favoreceu a volta do ensino religioso nas escolas, o estabelecimento da Assembleia
116
Idem. 117
Ibidem, p. 175.
65
Constituinte que permitiu restabelecer a relação de princípios da Igreja Católica com o
Estado, definiu na terceira constituição brasileira a volta dos interesses eclesiásticos
protegidos judicialmente.
Esse é justamente um dos temas relevantes na revista A Ordem. No artigo “Primeiras
Victorias” de Tristão de Athaíde, o líder católico comemora os ganhos iniciais da Igreja na
Constituinte e aponta seus adversários.
Começa por dizer de seu preâmbulo “A confiança em Deus”, para depois observar que
no artigo 16 passava a ser lei sobre a necessidade de “colaboração recíproca em vista do
interesse collectivo”, entre o Estado e a Igreja”.118
O autor atribui a essas conquistas, uma de “caracter philosophico” e outra de “sentido
sociológico”, por conta de serem medidas que prezavam pelo bem estar da sociedade e, essa
nova relação havia sido aprovada por se ter em vista a melhoria social e não por que era
devida aos interesses para a Igreja.
A primeira delas teria tido a imensa maioria dos votos da Assembleia, pois a maioria
dos “deputados que votam por Deus” haviam sido adeptos a integrar o caráter religioso da
nação à Constituição, pois que este, mesmo desprezado, era algo inerente ao povo brasileiro.
O êxito para dispor o nome de Deus no seu Preâmbulo fora, para o autor, a afirmação de onde
devia preceder o conhecimento para as tomadas de decisões na política brasileira:
Collocar o nome de Deus no Preambulo era, pois, collocar o problema da
autoridade politica em seus verdadeiros termos. Em vez de invocar, apenas
aquellas forças que, por assim dizer, vem de baixo, como a democracia ou o
Bem Estar economico, - quizeram os constituintes adherir espontaneamente
a unica doutrina racional sobre a origem da Autoridade, o que a faz derivar
ao proprio Bem em Si. 119
Tristão apontava que a oposição a estes ganhos se dera na figura do “comunista”
Zoroastro Gouvéa, do “anachronico anti-clerical campista” Cesar Tinoco e, do pastor
protestante Guarani Silveira.
Em relação ao segundo ganho, Tristão argumenta em relação ao número de votos, 111
votos a favor, e 66 contra, que esta diferença em relação à votação do Preâmbulo se devera ao
fato de não haver “a menor pressão política ou eleitoral”, ainda que esclarecesse a mudança
na configuração constitucional do Brasil provocada por essa votação. A associação entre
118
ATHAYDE, Tristão de. Primeiras Victorias. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 51, p. 333, mai. 1934. 119
Ibidem, p. 333-334.
66
Igreja e Estado era, segundo o autor, uma “verdadeira revolução jurídica” e acusava os
marxistas de divulgarem que esta era, por parte da Igreja, uma maneira de obter auxílio
financeiro do Governo. Tristão refutava este argumento dizendo que a aproximação da Igreja
com o Estado era apenas uma forma de cooperação e não da busca de privilégios. Essa nova
associação era vista como a conquista de valores pertencentes à sociedade brasileira, “factos
sociaes” que seriam a partir de então respaldados constitucionalmente, o que o fazia diferir
dos “phenômenos sociais”, acontecimentos considerados passageiros, algo não inerente à
sociedade.
A primeira das observações, portanto, que despertam essas nossas victorias
iniciaes, é que não pleiteamos privilegios e sim a incorporação dos factos
sociaes ao direito constitucional brasileiro da 2ª Republica.120
Adverte que se estabelece uma diferença com a Constituição de 1891, que fora
influenciada pelo positivismo, mas teve como ganho impedir de a política do país se
transformasse em algo semelhante à política do México ou da Espanha. Já a Constituição de
1934 tinha o mérito de enaltecer mais os católicos, por estes terem conseguido se unirem sem
nenhum interesse, apenas para o bem da nação:
A “collaboração reciproca” é a expressão jurídica das mais modernas
concepções do direito social. A assistencia ás classes armadas foi espontânea
e geral nos movimentos de tropa que há doze anos temos tido. O ensino
religioso facultativo nas escolas publicas é o que ha em todos os paízes
modernos mais civilizados, catholicos, protestantes ou orthodoxos. (...) Não
provocamos a quem quer que seja. Não abrimos luta; aceitamol-a apenas.
Não pedimos senão o que nos devem conceder por estreita justiça
distribuitiva. E em troca damos ao Estado, em forma de justiça social, toda a
reciprocidade exigida da collaboração no bem commum. 121
Tristão de Athaíde daria continuidade a esse raciocínio noutro artigo sob outro
contexto, quando os ganhos dos católicos na Constituinte já pareciam estar definidos. Em “Os
Perigos da Victoria”,122
ele coloca a seguinte pergunta, dirigida aos católicos: Qual seriam os
perigos que acarretariam suas vitórias na Constituinte?
120
Ibidem, p. 336. 121
Ibidem, p. 338. 122
Athayde, Tristão de. Os Perigos da Victoria. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 53, p. 3, jul. 1934.
67
Com esse questionamento ele deixa evidente que os primeiros perigos seriam os
“perigos interiores” que designa de “illusão da facilidade”. A conquista das prerrogativas na
Constituinte fora fácil, não por causa da defesa unânime da maioria de políticos católicos
praticantes que por uma simples concordância com os preceitos católicos promulgaram o
nome de Deus no preâmbulo da constituição e votaram contra o divórcio. Tristão deixa claro
que essa conquista se deveu a todo um trabalho organizado de “cultura cathólica”, que já
durava em torno de 15 anos, e do surgimento de uma participação política “extra-partidária”
permanente em todo o país. Ele se referia diretamente à atuação da Ação Católica e ao esforço
de organização da Liga Eleitoral Católica (LEC). Os dois terços que votaram a favor das
prerrogativas católicas, nessa maioria, seriam indiferentes à religião, mas teriam votado a
favor delas “por motivos políticos ou sociaes”.
Entretanto, não fora uma conquista fácil, mas se deveu ao resultado da participação
cada vez mais ativa dos católicos na sociedade e, principalmente nas questões que remetiam
ao político e ao social, comprovando que as atitudes da maioria dos políticos não
representavam e tampouco correspondiam à vontade da população.
Outros perigos, segundo Tristão, eram a “illusão da força” e o “providencialismo
commodista”. Pelos últimos ganhos obtidos na Constituição e por acreditarem que “Deus é
brasileiro” os católicos seriam levados a acreditar que não seria necessária a continuidade das
ações para a defesa dos preceitos católicos na sociedade, como diziam então: “por isso, não
vale a pena fazer força, já que temos por nós a força do numero e a bôa vontade da
Providencia...”.123
É a este ponto que o autor chamava à atenção: pelos católicos acharem que
haviam conseguido esse novo apoio que garantiu as novas diretrizes e ações respaldadas no
Estado, não seria mais importante a continuação na luta por meio das organizações que foram
pautadas pela Ação Católica. Tristão argumenta quer era indispensável a continuidade da
união das organizações do meio católico para o combate ao “perigo iminente”, sendo o maior
perigo no momento é a “deturpação da LEC”, devido a demonstração real do seu poder na
concretização dessas vitórias na Constituinte. Seu medo era, inclusive, de alguma intervenção
dos partidos que pudessem influenciar os princípios da LEC, acarretando prejuízos a essa
organização extrapartidária.
E quanto ao perigo externo que ameaça â Igreja e, que se colocava como “inimigo
commum” de forças que tentaram e ainda prevaleciam no sentido da derrubada do
catolicismo, se referia à maçonaria, ao judaísmo, ao espiritismo, ao protestantismo e pôr fim
123
Ibidem, p. 5.
68
ao comunismo. Esses já seriam os inimigos revelados, que, mesmo com o êxito na
Constituinte, fazia indispensável a continuidade na união dos grupos católicos para a luta e
combate à esses inimigos de ontem e de sempre.
Offerecemos agora um alvo mais facil a esses adversarios. Temos uma
Constituição em que os postulados catholicos mais immediatos foram
incorporados e que se presta, portanto, a ataques diretos. Torna-se mais facil
reunir soldados quando se póde mostrar um objectivo bem nítido a alcançar.
Intensifica-se, pois, a luta contra a Egreja. Esta, que para muitos vivia
“agonisantesinha”, ou, pelo menos, se contentava de uma existencia apagada e
puramente exterior – mostrou-se de repente apparelhada para emprehender
uma longa campanha de idéas e conseguiu obter, em 1934, o que jamais
alcançara anteriormente. Isso representa, para muitos de nossos de adversarios
latentes, uma bomba. Ficam desorientados um momento, deblateram e
insultam, mas quando realmente hostis, não se limitam a isso. Voltam então á
lucta. A Egreja já não está moribunda como pensaram, mas ao contrario se
mostra viva e bem viva, E é preciso voltar á lucta. Atacal-a como um
adversario sério e não apenas tolera-la como um velho inimigo sem forças. E
assim se intensificará, certamente, a campanha contra nós. A Maçonaria, o
Judaismo, o Espiritismo, o Protestantismo e o Communismo, são de momento,
e de sempre, os adversarios declarados e systematicos com que temos de
contar. E embora se encontrem em contradição de idéas e pessoas, entre si,
unem-se para atacar o inimigo commum que é a Egreja da Verdade, promptos
a engalfinharem-se furiosamente, uns aos outros, uma vez alcançado esse
objectivo... 124
A nova etapa de ação seria a defesa contra estes inimigos que queriam tomar o posto
de privilegio ganho pela Igreja. Um desses inimigos, a maçonaria iria, segundo o autor,
utilizar de todas as manobras para a intervenção política e social, principalmente, por meio
das lideranças na área educacional. Tristão afirma que a maçonaria “(...) trabalha na sombra e
com mil mascaras, valendo-se da analogia de seu estado de espirito com o do liberalismo
corrente”,125
de modo a poder evitar o ensino religioso nas escolas.
Também faz referência aos marxistas, a “quadrilha communista” que pouco a pouco
tenta a derrubada dos líderes católicos na educação para a disseminação de suas ideias, como
124
Ibidem, p. 6-7. 125
Ibidem, p. 7.
69
também toda em influência que remete ao ensino jurídico. Existe todo um “complot anti-
catholico” que age às escondidas para a derrubada das conquistas cristãs:
Liberaes e communistas, maçons e espiritas, protestantes e judeus, agitam
secretamente os meios politicos para galgar as posições e dahi poderem
annullar a victoria catholica na Constituinte” 126
2.3.2. Comunismo, Integralismo e Catolicismo
Com toda essa produção intrínseca à relação da Igreja Católica com o campo político é
importante perceber suas dinâmicas e ações neste espaço específico da relação entre
instituição religiosa e suas atuações como parte daquilo que Pierre Bourdieu chamou de ‘luta
de classificações’. Também para essa análise do posicionamento da Igreja se faz necessário
trabalhar o seu posicionamento frente ao integralismo, por meio do conceito de colusão,127
que permite compreender essa relação de aproximação do catolicismo com o integralismo na
década de 1930 enquanto “um entrelaçamento das posições e não uma síntese ou fusão”. 128
Um dos posicionamentos mais complexos de Tristão de Athaíde se verificou na
relação da Igreja católica com o integralismo. Para um dos principais intelectuais da revista,
na posição também de seu diretor, uma posição para esta situação seria requerida.
Com bastante cautela Tristão inicia seu artigo “Catholicismo e Integralismo”129
argumentando que se fazia necessário uma explicação, e ao mesmo tempo, a definição de qual
a relação que se deve ter em relação ao integralismo, tanto por parte dos prelados como do
laicado e qual deveria ser o posicionamento do Centro Dom Vital.
Principia exaltando a opinião de um dos chefes do movimento católico, encadeando o
início do integralismo com as atitudes de Jackson de Figueiredo, frente à direção da revista ‘A
Ordem’ e do Centro Dom Vital, “foi o primeiro que, sem ser socialista ou communista
denunciou os erros e os males do liberalismo”.130
Aponta que Figueiredo fora também o
primeiro intelectual que se pronunciou a favor da necessidade de um “regime de autoridade”
que colocasse ações visando barrar as atividades antidemocráticas. Jackson de Figueiredo
teria se autodenominado “reaccionario”, por não favorecer as recentes revoluções e, esse
126
Ibidem, p. 9. 127
PEIXOTO, Renato Amado. Creio no espírito Cristão e Nacionalista do Sigma: Integralismo e Catolicismo
nos Escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo’ In. Rede de Intelectuais Católicos. (Org.
Gizele Zanotto et all). Passo Fundo: UPF, 2015, p. 10. 128
Idem. 129
Athayde, Tristão. Catholicismo e Integralismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 58, p. 173, dez. 1934. 130
Ibidem, p. 405.
70
posicionamento se daria, também, ao seu apoio e concordância ao integralismo lusitano, que
resultou no governo de Salazar e na implantação do Estado Novo em Portugal.
Por esses e outros motivos, é incontestável que Jackson de Figueiredo foi o
precursor de todos os movimentos de reacção anti-liberal e anti-socialista
que em nosso meio constituem para a maioria uma novidade absoluta. 131
Para Tristão, a Igreja deveria se manter neutra e não possuir posicionamentos
próximos do liberalismo e tampouco do socialismo. Ela estaria acima das prerrogativas
políticas e deveria se colocar no campo da religião como defensora “da fé christã”, do campo
sobrenatural. Suas atitudes e ações deveriam ser prerrogativas do campo político, pois
defendiam “a liberdade, a justiça social, o amor da paz”, conceitos que confundem sua
audiência, por fazer parte dos princípios liberais.
Tristão considerava a atitude de “exaltação” ao integralismo condenável, pois para o
autor não se deve associar a Igreja a qualquer forma de sistema político e muito menos a sua
exaltação, pois a Igreja deveria permanecer neutra frente aos diferentes posicionamentos
políticos. O passado demonstrava os erros dos católicos que apresentaram na imagem de
“padre-liberaes” nos movimentos da “Revolução de 1817 e a da Constituinte de 1823”. Por
isso seria necessário evitar a “expectativa” desse movimento político e, esperar para saber
quais seriam seus resultados.
Frente a esses posicionamentos, o autor levanta o questionamento de como os
católicos deveriam se comportar “psycologicamente” frente ao integralismo e, aponta as
atitudes de “comprehensão” ou “participação”, pois estas atitudes correspondem à prevalência
do integralismo em combater os mesmo inimigos da Igreja Católica e as adversidades que ela
vinha combatendo há tempos: “O integralismo possue no campo social, em grande parte os
mesmo adversarios que a Igreja. E a luta contra inimigos communs é um laço que crêa
approximações indestructiveis”. 132
Ora, nenhum inimigo mais claro possue a Igreja, do que o communismo.
Não será o mais perigoso, agora, porque justamente não se embuça, como
outros e tem a triste coragen de tirar as conclusões logicas do que os
burguezes-liberaes, agnósticos ou anti-clericaes – fabricam surdamente nos
seus laboratorios secretos da Maçonaria ou capciosamente nos seus
131
Ibidem, p. 406. 132
Ibidem, p. 410.
71
manifestos reticentes de partidos sem Deus, nos seus banquetes fraternaes de
laicismo rotariano ou nas suas cruzadas anti-analphabeticas, de espirito
protestante mas de tolerancia universal de credos.133
Como há adversários comuns, há juntamente “amigos communs” e, o integralismo
emanaria no emblema pontos defendido pelo catolicismo, “Deus, Pátria e Família”, assim
como emanaria os princípios defendidos pela Igreja, “em favor da autoridade, da ordem, da
hierarchia, do dever”.
Por conseguinte, segundo o autor, a conduta inerente a todo católico era que naquele
momento se fizesse necessária a atitude das direitas. Neste posicionamento de defesa ao
integralismo, seria essencial uma atitude não apenas de compreensão ao integralismo, porém,
mais que isso, um posicionamento “real e ideal” de atuação: “Considero ambas as
participações perfeitamente compatíveis, não só com a doutrina social catholica mas ainda
com a pratica effectiva do catholicismo”.134
O comunismo se apresentava então como o principal mal da contemporaneidade a ser
combatido. Ao falar sobre o integralismo, Tristão coloca que o comunismo apresentava toda
uma aversão aos preceitos defendidos pelos camisas-verdes. O autor também chama o leitor à
atenção para perceber a diferença necessária entre um militante integralista, que compreende a
sua adesão ao partido acima dos preceitos da Igreja Católica e o perigo do naturalismo no
integralismo.
Na continuação desse raciocínio, Tristão publica “Catholicismo e Integralismo II”,
onde defende que, apesar da consonância do integralismo com os preceitos católicos, clama
pela importância de evitar a contaminação de um ‘naturalismo’ pelos católicos em relação aos
integralistas e, reforça que a consciência da religião deve se sobrepor no campo político, para
que haja a preservação da soberania do poder sobrenatural. Caso contrário, o integralismo
seria mais um partido totalitário, sem a importância dada a uma ação política que se remeta no
campo religioso na legitimação do poder sobrenatural e à “consciencia cathólica sobre a
consciencia politica”.135
Uma das mais bellas conquistas do Integralismo é, sem duvida, a atmosphera
de heroicidade que alimenta. É innegavel que os partidos correntes, meras
formações tradicionais ou opportunistas, “liberaes” ou “sociaes” de rotulo,
133
Idem. 134
Ibidem, p. 413. 135
ATHAYDE, Tristão. Catholicismo e Integralismo II. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 54, p. 15, jan. 1935.
72
“regionaes” e “individuaes” de facto, não offerecem, de modo algum essa
renovação de ambiente. Só vamos encontrar esse espirito no extremo oposto,
nas hostes communistas. Sejam de burgueses, sejam de proletários, e
sobretudo estas, pois os burgueses-communistas são geralmente
sentimentaes ( espectaculo das miserias da sociedade capitalista), cerebraes
(influencia de Marx, Lenin, Shaw, etc.), ou opportunistas vão ao
communismo porque acreditam ser elle inevitavel e querem estar de bem
com os dominadores), ao passo que os communistas-proletarios possuem um
mesionismo que alimenta a fé, desviada do seu objeto próprio e applicada á
Revolução-Social.136
Outro ponto indispensável na nossa análise é a defesa da Ação Integralista Brasileira
pela revista ‘A Ordem’ e caberia aqui explicar um pouco o contexto que opunha o
Integralismo à Aliança Nacional Libertadora às vésperas da publicação dessa defesa e do
artigo “Catholicismo e Integralismo” e “Catholicismo e Integralismo II”.
A Ação Integralista Brasileira (AIB) era então um movimento influenciado pelo
fascismo em voga na Europa que surgiria no Brasil em contrapartida aos ideais do
liberalismo, às prerrogativas do socialismo e do capitalismo internacional. A AIB tinha como
princípio a defesa de um Estado forte nacionalista com o comando nas diretrizes econômicas
e política centrada ao Estado, no modelo do corporativismo. Em oposição à pluralidade
partidária, a liberdade individual era a favor da substituição da democracia liberal em uma
organização hierárquica na sociedade e recusava qualquer idealização da luta de classes e
outros princípios revolucionários.
Já a Aliança Nacional Libertadora (ANL) surgiria em oposição ao integralismo. Sendo
um movimento que trazia o ideal nacionalista pregava a reforma agrária e a maior
participação popular no campo social e político. Porém, situada no outro extremo da política,
e formada enquanto uma frente popular tinha como base os princípios do Partido Comunista
Brasileiro, enquadrava-se na Internacional Comunista, e se pautava em acordo com as novas
medidas do Comintern entre 1934 e 1935, visando a união dos grupos de esquerda para a
formação de uma frente única de combate às medidas antifascistas em difusão na Europa.
A AIB visava à pluralidade religiosa, porém respaldada pelo princípio cristão e tinha
em sua base, a defesa de elementos do conservadorismo, parte de seus líderes se
posicionavam contra os judeus, comunistas e maçons.
136
Ibidem, p. 6.
73
Seria por causa desses posicionamentos que a AIB e a Igreja Católica fornecem apoio
mútuo. Tanto os prelados como o Padre Helder Câmara, Cônego Emílio José Salim e vários
Bispos, assim como intelectuais católicos do porte de Luís da Câmara Cascudo e outros,
desempenharam importante papel na propagação da AIB. Já na região Nordeste a adesão dos
Maristas é muito importante:137
(...) o integralismo nasceu em meio católico, intelectual, e atraiu forças
sociais, começando a ser mobilizado pelo catolicismo, como na Legião
Cearence do Trabalho. Certamente nunca tomou os temas neopagãos que
encontraríamos na Alemanha e nos fascismos do norte da Europa. Sem
dúvida, a ausência de um partido católico, e talvez o fato de que na
República os católicos ocuparam relativamente uma posição marginal,
explica o fato do fascínio de cunho religioso do movimento.138
Tristão de Athaíde reforça noutra continuação desse raciocínio, no artigo
“Catholicismo e Integralismo III”, a importância da participação dos católicos no movimento,
porém, defendia, ao mesmo tempo, a não participação de católicos que fizessem parte na
direção da Ação Católica, que a define como uma “acção social” e não política. É nesta
afirmação que Tristão deixa claro que os princípios da Ação Católica não deveriam ser
confundidos com o integralismo e tampouco percebidos como um movimento de ação no
campo político, porém, de atuação em questões que remetiam ao campo social.
Nesse exemplo a LEC também era apresentada enquanto antipartidária, pois, visava o
apoio aos partidos que aderissem às prerrogativas da Igreja e mantivessem posicionamento
conservador e anticomunista. A LEC havia surgido em 1932 a partir da sua idealização pelo
Cardeal Leme e por Alceu Amoroso Lima. Foi considerada então por estes enquanto uma
maneira de arregimentar partidários em prol dos interesses eclesiásticos, o que ocasionaria no
ganho de direitos e favores em troca do apoio da Igreja. Entretanto, essa relação de apoio
entre religião e política desencadeou mudanças significativas na Constituição de 1934, uma
vez que em relação às demandas sociais almejadas, a Igreja recuperou significativos
privilégios que foram eliminados na Constituição de 1891, ajudando a misturar os campos
político e religioso.
Nesse contexto, o integralismo se tornava a única representação política que
respeitaria os pressupostos do catolicismo em face dos princípios liberais. Para o autor, em
137
AZZI, Riolando. Os Pioneiros do Centro Dom Vital. Rio de Janeiro: EDUCAM, 2003, p. 23-24. 138
AZZI, 2003 apud LUÍS, 1976, p. 23-24.
74
nada entrariam em contradição com os pressupostos eclesiásticos, desde que os católicos não
esquecessem da sua participação nas ações que remetam à vida espiritual e, da importância da
sua participação no campo social por meio da Ação Católica. O autor adverte a primazia dessa
esfera antes de se adentrar a movimentos políticos que se fazem como que entusiasmados das
finalidades políticas e, se abstém da sua responsabilidade como cristãos na sociedade. “Penso
que a nossa atitude, em face do movimento integralista, se não deve ser, nem de hostilidade
nem de confusão, só pode ser a da cooperação”. 139
Neste artigo, o Comunismo passa a ser explanado como o “comunismo imperialista”,
ou seja, o problema seria muito mais iminente, na medida em que esse mal que já viria de
épocas anteriores, agora se apresentaria com prerrogativas expansionistas. Por isso, a
importância dada por Tristão ao nacionalismo da AIB que pregava a formação de um Estado
forte que se assemelha as prerrogativas dos sistemas totalitários em voga na Europa.
Eis ahi o que, de momento, julgo necessario dizer para esclarecimento de
nossos leitores e resposta a muitas consultas. Penso, em resumo, que o
integralismo póde ser encarado: a) como uma reacção histórica, b) como
uma doutrina politica, c) como uma mystica social. Como reacção histórica é
o movimento mais sadio e mais útil do nosso actual momento politico.
Repercussão brasileira dos movimentos de vitalidade nacional, que salvaram
a Italia, talvez a Allemanha e a Peninsula Iberica, e, porventura, a America
do Norte, da anarchia economica e do imperialismo communista, representa
para a Patria Brasileira a mais solida garantia de uma fidelidade ás mais
puras tradições nacionaes. 140
2.3.3. Liberalismo e Comunismo
Em um artigo de outro autor João da Rocha Moreira, chamado “O mundo
contemporâneo”, percebemos que a importância dada ao regime ditatorial fascista implantado
na Itália por Mussolini se devia ao medo avassalador do comunismo, o qual poderia
disseminar a sua doutrina política na sociedade brasileira: “o comunismo que, com uma idéa
toda materialista da vida, quer derrubar por completo os regimens antigos, quer aniquillar os
princípios basicos na nossa civilização”.141
Moreira define o comunismo como um mal que vinha desde os pressupostos do
liberalismo que desencadearam as péssimas condições econômicas do proletário. O que se
139
ATHAYDE, Tristão. Catholicismo e Integralismo III. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 55, p. 86, fev. 1935. 140
Ibidem, p. 84-85. 141
MOREIRA. João da Rocha. O Mundo Contemporâneo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 55, p. 116, fev. 1935.
75
podia observar era a presença de um discurso antiliberal que remetia ao sistema comunista,
mas, que o liberalismo, que, segundo o autor, havia grande repercussão no século XIX, na
década de 1930 se refletia mais nas principais catástrofes econômicas e sociais, as quais
culminaram nos pressupostos do comunismo.
A democracia liberal, forma de governo que conquistou, em tempos idos, tão
grande numero de adeptos, hoje se acha inteiramente falida no Brasil. As
suas consequências todos nós conhecemos, porque são dos nossos dias: o
equilíbrio financeiro, dando logar aos “sem trabalho”: a mulher se
imiscuindo nos negócios públicos, esquecendo-se da sua principal e
dignificante missão – a educação do homem futuro; a dissolubilidade do lar;
o regimen soviético russo que se procura transplantar para o Brasil. Tudo em
completo antagonismo com os princípios sociais e ethicos da nossa
civilização. E assim poderemos concluir: os “sem trabalhos”, o feminismo, o
divorcio e o communismo são irmãos. Partiram de uma mesma origem – a
democracia liberal. 142
O autor procurou apontar a diferença entre os três tipos Estados de seu tempo, que
nomeia de burguês, proletário e nacional, apontando seus sistemas políticos para demonstrar a
diferença entre eles.
O Estado burguês, dito como “corrente conservadora” teria surgido com o fim do
sistema monárquico e, com isto, a burguesia que se valeu do acúmulo de riquezas em seu
proveito, resultando no Estado burgues defender, “demogracia liberal, predomínio do direito
privado, liberalismo economico, Estado leigo.” O Estado Proletário reforça o argumento da
teoria Marxista da evolução da sociedade em três fases da revolução proletária. Primeiro a
feudal, em seguida, a burguesa e por fim a proletária, deste modo o autor define o Estado
Proletário instaurado na Rússia na antiga origem que vinha desde as primeiras desigualdades
humanas, onde o operário percebeu as diferenças sociais entre opressores e oprimidos, e, que
fez resurgir a “utopia comunista” com a:
1º) dictura de classe, esmagamento da burguesia, início da morte do Estado;
2º) controle do trabalho pela sociedade, accentuando-se a morte do Estado;
142
Idem.
76
3º) a sociedade passará a viver sem direito, sem poder, sem administração.
Havendo a completa morte do Estado.143
Dessa maneira se constituiria um Estado Proletário com a ditadura de classe; o
predomínio do Direito Público; o ensino anti-religiso; e oposição às religiões com a
imposição de um materialismo de Estado:
O communismo nasceu da fome e da concepção materialista da vida; teve o
seu berço no desconforto, na tristeza e no descontentamento dos opprimidos;
cresceu na oppressão dos ricos contra os pobres; fortaleceu-se na revolta
desta oppressão. Hoje está a atemorizar o mundo contemporaneo. 144
Em face às teorias políticas vigentes, o sistema ideal seria o que Moreira designava de
Estado Nacional, pois, a única solução para os conflitos sociais seria por meio do
nacionalismo, para poder se acabar com as “neutralidades cômodas, com o utilitarismo
ambiente”. A solução não viria nem da esquerda, representada pela concepção materialista do
comunismo, nem do conservadorismo do liberalismo burguês, mas através de um Estado
Nacional que operasse na organização de uma sociedade pautada nos valores do
nacionalismo:
Acabar de vez com os partidos políticos e com os estados dentro de um
mesmo Estado que enfraquecem a união nacional; solucionar o conflito entre
o capital e o trabalho, reservando a si o direito de intervir em todas as
iniciativas privadas e publicas que possam influir na economia coletiva;
orientar a educação dentro dos dictames da religião nacional; fazer uma
accordo entre o Estado e a religião dominante no paiz (havendo, bem
entendido, distincção entre Estado e Religião); estimular as iniciativas de
arte.145
Seguindo essa mesma lógica, o artigo “A Base Ethica da Pedagogia Socialista”146
de
Ottoni Junior explanava sobre o mal da pedagogia socialista disseminada na modernidade.
Segundo o autor, esse perigo teria suas raízes na Reforma, a partir dos pressupostos
difundidos por Lutero e, teria vindo a se desenvolver na modernidade através de ideias que
culminaram na Revolução Francesa para desencadear a filosofia de Marx.
143
Ibidem, p. 119. 144
Ibidem, p. 118. 145
Ibidem, p. 120. 146
JUNIOR. Ottoni. A Base Ethica da Pedagogia Socialista. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 57, p. 291, abr. 1935.
77
Porém, a Igreja seria a principal articuladora dos saberes cristãos que lembrariam a
importância de se pensar do homem em sociedade e, dariam respaldo contra as ideias do
determinismo social que deixavam de levar em conta os pressupostos do indivíduo. Assim,
Ottoni considera falsos os pressupostos deste mais recente determinismo, que considerava a
problemática atual devido à questão social, política e econômica da sociedade. “Em synthese:
A Sociedade é a grande Vontade, a única virtuosa, a unica pecadora”. 147
E a novíssima e fatal Revolução. A Revolta Religiosa incendiada pela
Reforma acelerou a Revolta Moral iniciada por Hobbes (Elementa
Philosophiae – 1642-1658), Spinoza (Ethica more geométrico demonstrata –
obra posthuma) e Hume (Treatise on human nature – 1739), e culminada
pela infinidade de materialistas do fim do século XVIII (1). Da Renascença
herdámos a Revolução na Arte, que se matiza até nós de Romantismo e
Realismo; Gongorismo e Impressionismo; Modernismo e Futurismo.
Descartes e Leibnitz, Bacon e Locke, Kant levantam a Revolução
Philosophica. A Revolução Franceza accende-a em toda a Cultura. Dentro
em pouco chefia Marx a Revolta Economica. E ninguem mais entendeu o
mundo: um periodo azoico, de nebulosa. 148
Para isso aponta a importância da Pedagogia Católica: “A alma da educação será a
educação da alma. Visar-se-á primeiro o bem do indivíduo, depois o bem da sociedade”, e não
como defendem as novas teorias de pensadores, como o Evolucionismo que nega a tese do
Criacionismo, pois contribuiu para reforçar os pressupostos do liberalismo ateu. Reforça o
materialismo contra o princípio espiritual de que tudo emana da criação divina: “A doutrina
Creacional é a base da sciencia do ser e o fundamento da concepção do individuo e dos fins
ethicos do Individuo”.
E esta phrase leva-nos ao ultimo degrao da theoria ethica que a Igreja levanta
para contrapor á base ethica da Pedagogia Socialista. Apenas faltaria um
confronto das duas Methodologias: a Socialista, e a Social Moderada
Catholica. Mas não falamos de Technica. Destruidos os fundamentos da
Philosophia Moral Socialista e por conseguinte desmoronada na base, toda a
applicação Pedagogica, a Igreja apresenta sua doutrina firmada numa
concepção inabalavel de individuo mediante as relações entre Absoluto e
Relativo promanadas do facto da Creação. Examina-se o Instincto de
147
Ibidem, p. 295. 148
Ibidem, p. 291.
78
Sociabilidade, compara-se o fim deste instincto com a finalidade primaria do
Relativo Racional, revelam-se os direitos individuaes, acenam-se os deveres
sociaes, e tira-se a aplicação lidima em Pedagogia: A primeira educação é a
individual, que deve porém ser coroada com a social.149
Já no artigo “A Igreja e o Momento Político”,150
Tristão de Athaíde discute os
movimentos políticos vigentes em 1935 e, relacionando as atitudes da oposição em relação à
Igreja Católica, se coloca, por sua vez, em defesa junto ao governo. Para o autor é este aspecto
que mais importa para o momento, “todo o reconhecimento á força moral e social da Igreja”.
O Integralismo, a Ação Imperial Patrianovista e a Aliança Nacional Libertadora, são
os outros movimentos políticos que ele entende ser parte de um diálogo da Igreja Católica
com o campo político neste período, no sentido de averiguar e explanar o posicionamento
dessa instituição em defesa do Governo. Aponta a necessidade de volta à ordem por meio da
formalização da Constituição de 16 de julho “contra as tendencias revolucionárias que o
outubrismo e o tenentismo innocularam no paiz, a partir de 1922”, porém, essa defesa
prevalece contra as diretrizes da esquerda, principalmente ao que designa do “extremismo
vermelho”.
Athaíde coloca que a atual gestão política de Vargas havia respeitado os direitos da
Igreja Católica e, a tradição do catolicismo no Brasil, permitindo os direitos embasados na
Constituição e, consentira na presente nova relação entre o Estado e a Igreja que substituía a
submissão, pela colaboração e, que se concretizou pela possibilidade desencadeada no
surgimento da Liga Eleitoral Católica.
O Integralismo é apontado como um dos movimentos que na situação política atual
mais se aproximava dos princípios católicos, uma vez que se posicionava contra todos os
possíveis embates que vinha contestar ou eliminar os preceitos da doutrina católica nos vários
setores da sociedade. Tendo como foco a contestação aos movimentos de viés comunista
marxista e aos grupos que também fizeram parte do movimento de 1930, porém, debandaram
para a extrema esquerda, unidos na Aliança Nacional Libertadora e, já naquele momento, na
ilegalidade.
O programma integralista é inspirado no mesmo espirito que levou o
Fascismo a formar-se na Italia, o Hitlerismo a Allemanha. O Estado Novo
em Portugal, a Acção Popular de Gil Robles na Espanha. Todos são
149
Ibidem, p. 311-312. 150
ATHAYDE, Tristão de. A Igreja e o Momento Politico. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 60, p. 5, jul. 1935.
79
movimentos de reacção contra a passagem logica e historica do liberalismo
ao socialismo e deste ao communismo. 151
É neste quadro político que autor evidencia as novas diretrizes de como atuar no
cenário político na oposição aos movimentos que defendiam à volta a monarquia através da
‘Ação Imperial Patrianovista’. Já o Integralismo na defesa de um nacionalismo de regime
totalitário, da defesa de “Deus, Pátria e Família”, seria o mais adequado contra todos os
postulados comunistas, considerados por Athaíde enquanto posicionamentos políticos que
negam a participação social e política da Igreja. Logo, a única medida contra os postulados
socialistas e comunistas seria por intermédio das diretrizes da Ação Católica, intermediária da
atuação e intervenção da Igreja no campo social e, pela defesa de um governo que se paute
pela ingerência do catolicismo no campo político. Neste caso, a atuação da Liga Eleitoral
Católica serviria para a implementação dos valores vigentes da Igreja no Estado.
Por mais que os nossos adversarios nos apresentem como alliados deste ou
daquelle partido, como defensores do capitalismo ou da burguezia, como
inimigos do proletariado ou como desvirtuadores da Revolução de 30, -
somos e seremos sempre o que a Igreja sempre tem sido: o Christo Mystico
entre os homens, trazendo a todos os regimens e instituições, trazendo a
todas as almas, as palavras de justiça social e de salvação individual;
pugnando pelos opprimidos; corrigindo os oppressores; condemnando os
abusos e os erros; peseguindo o peccado; moralizando os costumes;
aperfeiçoando as instituições e ... preparando as novas eras. 152
Já no artigo “A Idade Nova e a Acção Catholica”153
Tristão de Athayde faz uma
análise do momento político em que procura demonstrar as particularidades dos regimes
políticos vigentes na Rússia, Alemanha e Itália, e, deixa explicito os problemas e dificuldades
acarretadas por esses sistemas políticos que refletiriam ao homem moderno um “sentimento
de instabilidade”. Inicia o artigo com as perguntas que faz refletir os males atuais e quais
seriam a saída para a melhoria social política, “onde estamos?”. “para onde vamos?”, “para
onde devemos ir?” e mostra os caminhos atuais: o caminho liberal, o socialista, e o nacional-
totalitário. São questionamentos que remetem a reflexão sobre o mal acarretado desde o
Renascimento e que teria aniquilado os valores medievais.
151
Ibidem, p. 8. 152
Ibidem, p. 10. 153
ATHAYDE, Tristão de. A Idade Nova e a Acção Catholica. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 61, p. 103, ago.1935.
80
Logo, no momento atual, se observa a sociedade em todos os setores contaminada por
essas novas ideais das quais resultou a modernidade e que solaparam os ideais da Idade Média
por meio da constituição da categoria ‘Liberdade’ durante a Revolução Francesa,
influenciando as teorias filosóficas do século XIX, para com ela fornecer respostas à todos os
problemas sociais e políticos.
Na refutação daqueles sistemas, explana sobre os inimigos dos
princípios cristãos: a Modernidade, a Revolução Industrial, a
Revolução Francesa, o Comunismo e o Liberalismo para apontar as
diretrizes da ‘Idade Nova’ e definir que este seria o melhor caminho
para percorrer: o caminho cristão. A Revolução Francesa marca o inicio
politico da era burguesa, como a revolução industrial inglesa marcára o seu
inicio econômico. Uma e outra baseadas sobre o individuo, tendo por ideal a
liberdade absoluta, caracterizadas pelo predomínio da raça branca, pela
industrialização do ocidente, pela colonização do universo ainda
desconhecido, pela religião da sciencia e pela decadência do prestígio da
religião, pela arte puramente esthetica, pelo culto da cultura, pelas viagens
de recreio, pela libertação sexual do homem, o urbanismo generalizado, o
triumpho das economias abertas e livres, as universidades em que tudo se
ensina sem ordem nem hierarchia de valores, o feminismo, etc. Eis ahi,
muito de proposito acumulados sem qualquer vislumbre de ordenação,
alguns traços patentes dessa era burguesa, em que fomos formados e em que,
geralmente ainda vivemos”.154
Neste artigo o autor deixa claro que o início da desordem atual tem a ver com as
mudanças acarretadas pela modernidade, principalmente ao que se refere aos postulados da
Revolução Francesa e na ideia de Liberdade, que, desencadeou a negação aos valores vigentes
nos regimes absolutistas na Monarquia. Foi por essas novas ideias definidas no liberalismo
que começou todo o processo de mudança política que desencadeou na possibilidade de novos
pensamentos. O socialismo resultou nesse novo mal do século XX, atrelado ao conceito do
materialismo marxista e lutas de classes, o comunismo, sendo este o resultado da desordem
ocasionada pelos infortúnios deixados pelos pensadores de 1789.
Foi o espírito da burguesia, no individuo, na família e na sociedade. Foi o
que animou os traços característicos de uma classe social, que julgou
154
Ibidem, p. 104.
81
dominar para sempre o mundo moderno, libertando-se da Igreja e colocando
a seu serviço as classes trabalhadoras. A era, a cuja decadência estamos
assistindo, fez isso na convicção de estar obedecendo a um determinismo
histórico inexoravel e a um progresso indefectível da sociedade e do homem.
155
Assim, o socialismo seria o resultado o liberalismo, já o caminho nacional-totalitário
seria uma reação aos demais sistemas políticos, a negação dos princípios liberais e socialistas.
Entretanto, a última pergunta: “para onde devemos ir?”, seria respondida por Athaíde,
apontando o caminho da Idade Nova, o trâmite que levaria ao “espirito da Nova
Christandade”. Nem o liberalismo, o socialismo ou o nacionalismo chegariam a esse
propósito. Para almejar essa nova mudança, o único caminho seria a Ação Católica legitimada
pelas diretrizes do Para Pio XI, contra o “mundo moderno, agnóstico e laicista”.
É a incorporação definitiva dos leigos no sacerdócio da Igreja. É a inclusão
do Estatuto do Leigo no Codigo do Direito Canonico. É a organização
moderna das milícias christãs para se infiltrarem por toda a parte, na Idade
Nova que por toda a parte está nascendo da idade moderna. A Igreja tem as
suas vistas voltadas, como sempre, para cima e para frente. Longe de ser
uma saudosista do passado, ella vive sempre com os olhos pregados no
futuro.156
2.3.4. A URSS, o Comunismo e o Socialismo
Também é importante, em nosso exame dos textos da revista ‘A Ordem’, frisar a
importância da coluna Registro, postada habitualmente nas últimas páginas da revista do
Centro D. Vital. De autoria de Perillo Gomes, esta coluna fazia rotineiramente referência ao
sistema da URSS, seja apontando a implantação de uma Justiça que não levava em conta os
pressupostos jurídicos, seja descrevendo as perseguições aos membros da Igreja Católica, seja
para denunciar a veiculação de informações de caráter errôneo sobre esse governo. Servindo
como uma coluna de informações sobre todos os problemas da atualidade, incluindo os da
Espanha e do México, a coluna servia para explanar sobre aquilo que considerava ser as
irregularidades sociais e políticas da URSS, enfatizando, principalmente, os males acarretados
pelo sistema comunista soviético.
155
Ibidem, p. 105. 156
Ibidem, p. 112-113.
82
Seguindo a mesma lógica no artigo “O Socialismo”,157
Tristão de Athaíde define o
socialismo não mais como um sistema político e econômico uniforme, porém, como uma
confluência de teorias. Existiriam vários modalidades de socialismo. Este seria mais um termo
utilizado para designar várias formulações políticas e, nesse sentido, utilizado para
caracterizar os novos sistemas vigentes do século XX, tais como a esquerda ou à extrema-
direita. O socialismo era visto pelo autor como uma categoria que servia para designar vários
sistemas novos que haviam surgidos devido ao significado amplo que o propõe. Várias
escolas políticas contemporâneas teriam surgido da influência do socialismo, de acordo com o
autor, sendo, por isso, classificadas em duas modalidades, “subjetivas” e “objetivas”.
Por socialismo subjetivo, Athaíde se referia ao surgimento das teorias socialistas,
formuladas por Saint Simon, Fourier e Owen, que tiveram influência da ‘República’ de
Platão, mais se concentrando no campo da subjetividade do ser, pela imaginação: era o
“socialismo romântico e imaginativo”, ideais que prevaleceriam na classe proletária. Já o
anarquismo era visto por Athaíde como outra teoria socialista subjetiva, mais centrada no
individualismo e, menos utópico, por conta de ser o sistema que “creou o realismo socialista,
acceitou o terrorismo, insurgiu-se por todos os meios contra a autoridade”158
.
Ambas as teorias eram vistas como anacrônicas, pois não se adequavam aos dias
atuais, por serem sistemas políticos ultrapassados que não traziam soluções para a
problemática da atualidade.
O socialismo nasceu contra o individualismo. Este teve a obsessão do
individuo e procurou um regimen social politico e econômico que
defendesse, o mais possível, o individuo contra a ingerencia da Classe, da
Tradição, da Igreja ou do Estado. Do numero, expressão abstracta da
collectividade popular exaltada pela democracia liberal, passou o socialismo
a accentuar a massa concreta, real, tangível, com a eliminação tão grande
quanto possível do individuo. O direito, a arte, a politica, a economia, tudo
passou a ser obra da sociedade, em bloco. O individuo é que era a abstração,
o Povo a realidade. O individuo só possuía os direitos que a sociedade lhe
outorgava. A declaração dos direitos do Homem, da Revolução
157
LIMA, Alceu Amoroso. O Socialismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 66, p. 62, jan.1936. 158
Ibidem, p. 65.
83
individualista, - sucedeu a declaração dos direitos da Massa, pela Revolução
Socialista.159
Por sua vez, o nacional-socialismo era definido na categoria de socialismo objetivo,
por ter apenas alguma pequena influência do socialismo, e não sendo a teoria por completo. O
diferira dos demais socialismos objetivos é que este sistema político estaria centrado no
conceito de pátria.
Entretanto, o autor explana os socialismos enquanto frutos do capitalismo, porque foi
através do capitalismo, do egoísmo gerado pela ganância da acumulação de bens e pela
primazia do liberalismo que a sociedade se transformou numa grande desigualdade e miséria.
Como resultado, o socialismo findou na luta dos menos favorecidos, das massas em busca de
reivindicar soluções contra a desordem ocasionada pelos princípios do liberalismo que
procederam aos ideais do capitalismo. Essa solução se caracterizaria tanto em termos
econômicos pela distribuição dos bens por igual, ou pela sua eliminação total por outras
formas de distribuição. E, ainda ofereceria uma ideologia que servia para a explicação
filosófica de vida, por um modelo de solução embasado no materialismo.
Ora, o capitalismo moderno, na base de uma concepção individualista da
sociedade, extralimitou todas essas restrincções e fez do direito de
propriedade um uso tão abusivo como do direito á liberdade. E dahi as
misérias, a desigualdade, as crises, as revoluções e... o socialismo.160
Segundo Athaíde, as únicas teorias que poderiam ser definidas como socialistas na
contemporaneidade seriam o comunismo e o sindicalismo, embasados nos princípios
filosóficos e econômicos de Karl Marx, formulados no século XIX e, que traria os preceitos
de “luta de classe, materialismo histórico, crises, revolução, lei de concentração, teoria do
valor”, tendo como exemplo concreto à defesa desses valores na organização política do
sistema soviético.
Porém, na URSS, longe de se demonstrar os resultados econômicos e filosóficos
propostos na teoria socialista marxista, país antes apresentado com caracteres pré-capitalistas,
e como ainda o era na sua totalidade, tampouco apresentava solução para os problemas sociais
pela implantação do comunismo. Isto se explicava, segundo o autor, por conta de que não era
pelo viés econômico que as mudanças ocorreriam, que sua explicação não precederia pelo
159
Ibidem, p.66. 160
Ibidem, p. 68.
84
materialismo histórico. Os seus grandes eventos antecedentes, o Renascimento, a Reforma, a
Revolução Francesa eram exemplos de que as principais mudanças já ocorridas haviam sido
ocasionadas por preceitos religiosos, filosóficos, literário e políticos.
Como vimos, o socialismo representa para o nosso século o que o
liberalismo representou para o século passado. As mesmas esperanças, as
mesmas ilusões, a mesma pretensão de ser a ultima phase, a definitiva, da
historia do mundo, a promessa de resolver todos os problemas sociaes, o
desejo de uma felicidade paradiziaca na terra, tudo que os nossos
antepassados liberaes proclamaram, aos quatro ventos, ha um seculo, os
nossos contemporaneos socialistas, seus sucessores, proclamam hoje nos
cinco continentes.161
Após o Levante Comunista de 1935, este seria, exatamente, um dos aspectos
importantes para a análise da formulação do discurso anticomunista no Brasil, pois seria a
partir da nova configuração política resultante que se desencadearam outras medidas
repressivas contra ‘o novo mal do século XX’.
O comunismo deixou de ser visto apenas como uma possível ameaça das diretrizes do
Partido Comunista do Brasil ou da Aliança Nacional Libertadora. É com o advento da
possibilidade concreta da tomada de poder que a concepção do anticomunismo se reconfigura
em novas medidas e diretrizes para combatê-lo. Inclusive, houve aumento significante do
número de artigos escritos por intelectuais renomados da sociedade brasileira em torno desse
tema em ‘A Ordem’, uma das revistas mais renomadas na formulação do capital intelectual
católico e, responsável pela disseminação e reelaboração desse capital no Brasil na década de
1930.
Neste período, os intelectuais da Revista A Ordem propõem a elaboração de um
discurso anticomunista que requer não apenas a definição do que é o comunismo ou o que é
ser comunista. Agora, em voz mais ativa, o define, e ao mesmo tempo, o identifica e,
demonstra suas principais manobras e táticas, assim como o melhor meio para o combate a
esse sistema político. Menciona ‘o mal do comunismo’ e explicita que este não teria barreiras,
por conta da atuação da União Soviética, o comunismo, não seria identificado com caracteres
próprios da dinâmica política, pois, seus ideais teriam sido reformulados para se enquadrarem
nesse novo contexto.
161
Ibidem, p. 78.
85
O ideário anticomunista começaria a ser relacionado ao grande perigo e desordem que
procederia da União Soviética e que teria passado a adentrar em vários setores da sociedade e,
esse era o perigo que rondaria através de instituições como o Rotary, a Maçonaria, os
Sindicatos, os Partidos Políticos e as instituições escolares.
2.3.5. O Rotary e a Maçonaria
As mesmas características do comunismo inimigo serão enxergadas em associações
como o Rotary e a Maçonaria. Qualquer associação beneficente que tivesse como objetivo a
ajuda na melhoria social, mas, tivesse um alcance no nível nacional e internacional, estaria
demonstrando maneiras de melhoria social contrárias à moral católica. No caso do Rotary,
essa organização seria apontada como o mal que partira dos princípios imperialistas
estadunidenses.
O alerta se fez por intermédio do artigo de Jesus Saborido que cita o Bispo de Orense:
Rogamos a quantos se orgulhem de ser verdadeiros catholicos, que se
abstenham de inscrever-se e pertencer a alguns desses clubs que se dizem
rotaryos e que, segundo todos os signaes e documentos e testemunhos
fidedignos, e mesmo a juízo e prova de insignes e meritíssimos catholicos e
Prelados da Igreja, não são outra cousa que nóvos organismos satânicos, de
igual espirito e procedencia que o maçonismo, embora procurem disfaçar-se
e apparecer com o cunho de humanitarismo puro e até de caridade christan e
de fraternidade universal, generosa, ampla, e legitima, com que, dito está,
que tal organização rotary, ainda desconhecida em Orense, segundo nos
comprazemos em crêr, é desde logo, suspeita, e deve considerar-se vitanda,
execrável e maldita”.162
Segundo Afrânio Coutinho, no artigo “O Rotarianismo”, um dos motivos apontados
para o perigo da “civilização ianque” era a sua semelhança com o bolchevismo no processo
que levava à sujeição do indivíduo ao coletivo na extinção da individualidade: “Já Lenine,
com seu alto senso profético, aconselhava a americanização da Russia antes de bolchevizá-la,
isto é, como um primeiro passo obrigatório para a sua bolchevização”.163
Portanto, era uma civilização que desprezava todos os valores da vida espiritual,
“utilitarista”, a favor da valorização a toda forma de diversão e tecnologia. Coutinho utiliza,
mesmo, a favor desse argumento a teoria da psicologia em voga dos Estados Unidos, o
162 SABORIDO, Jesus. O Rotary-Club. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 67, p. 114, fev. 1936. 163
COUTINHO, Afranio. Rotarismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 79, p. 529, jun. 1937.
86
behaviorismo, em que, segundo ele, predominariam as influência externas no comportamento
humano, colocando em segundo as qualidades individuais de cada ser. Assim, o autor acusa o
surgimento do Rotary como consequência desse modelo na sociedade, disseminado por
grande parte daquele país e, agora, adentrando em outros países como fosse uma “indústria”.
Em seguida, o autor lança a pergunta: “e que espirito é esse?” E responde: toda essa
idealização provém da junção da religião protestante e da doutrina filosófica do pragmatismo.
O Rotary era apresentado como uma ação beneficente à sociedade, um civismo que ia de
acordo com o “idealismo primário, totalmente penetrado de ingênuo materialismo dos homens
de negócio do Middle West americano”. 164
Para Coutinho, a doutrina que fundamentaria essa associação eram os preceitos que
defendiam uma moral insubmissa à religião e a “lei divina”. Todos esses preceitos se
baseariam, por conseguinte, na “razão humana, único arbitro de conduta, o que leva a que se
baseia toda a disciplina dos costumes e toda a honestidade nas leis da matéria e da natureza,
bases do acumulo das riquezas e consecução dos prazeres”.165
Essa postura justificaria, para o
autor, o seu posicionamento pragmático.
No enfoque social, o Rotary seria o resultado da sociedade moderna que teria surgido
da influência do pensamento de Spencer e de Kant, culminando no ensino antirreligioso que
propiciou as associações burguesas identificadas com as ideias do “humanitarismo burguês,
de internacionalismo e pacifismo da Sociedade das Nações e de panamericanismo”. 166
Em esplendido e irrespondível estudo sobre o rotarismo, J. Saborido analisa
com acerto o código referido, que se apresenta como uma escola de
aperfeiçoamento moral. Sem uma norma em relação com uma finalidade
suprema, exclusivamente limitada a vida aos âmbitos terrenos (‘duas as datas
em uma pedra funeraria’), que outra lei sinão as da própria consciência
individual e da vontade de cada um, muitas vezes abafadas ou comrropidas,
como diz Saborido, poderá ditar a conduta social? Ai esta justamente o erro
inaugurado no pórtico do mundo moderno pela rebeldia luterana, fonte de
todo o individualismo atual, reforçado pelo jansenismo e culminado nos
nossos dias pelo libertarismo comunista.167
164
Ibidem, p. 531. 165
Ibidem, p.531-532. 166
Ibidem, p.532. 167
Ibidem, p.533.
87
Todos os preceitos do Rotary se baseariam num valor “imediatista e utilitarista”, sem
uma moral voltada a valores divinos e apenas referenciado pela vida material. O engano de
sua doutrina estaria no disfarce das boas ações, que na verdade desencadeariam em ações
puramente voltadas a uma conduta social pautada por princípios apenas defensáveis em seu
código de ética. Assim, o Rotary recusaria todos os preceitos cristãos e divinos, pois o
verdadeiro bem seria aquele que, no exemplo dos santos, se realiza por desinteresse e
abnegação, algo impossível de surgir por meio do Rotary. Deste modo, o solidarismo do
Rotary serviria para atuar em grupos “impessoais e anonimos, em vez de obedecer ao
verdadeiro mandamento, o amor ao próximo: “assistencia pessoal, a beneficencia coletiva e
social. Ao invês de próximo, todo mundo”.168
E, conforme Coutinho,
Com esta neutralidade e identicos protestos de prescindir da Religião e
mesmo da politica para chegar á paz universal, mediante uma moral laica,
apresentaram-se no seculo passado aquellas sociedades secretas que tantas
perseguições suscitaram contra o Altar e contra o Throno, desde a politica,
onde as fazia fortes, seu próprio internacionalismo. 169
No caso da Maçonaria, deve-se primeiro colocar que no final do século XIX ocorreu
um dos principais embates entre Igreja e Estado no Brasil, resultando na chamada ‘Questão
Religiosa’, devido à influência da Maçonaria no prelado.
A doutrina católica apontava então a incompatibilidade dos princípios em relação aos
da Maçonaria, resultando surgir ataques de parte a parte na imprensa. O Bispo de Olinda e
Recife Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, recém-chegado de Paris, com formação
diferenciada dos bispos do Brasil, trouxe dali os preceitos de romanização difundidos na
época pela Europa. Dom Vital passou então a enfrentar as influências maçônicas na sua
Diocese, medidas que prevaleceram devido ao sistema do Regalismo no Império, solicitando
o afastamento dos ordenados e membros das irmandades que confirmavam vínculo com a
maçonaria. Suas ordens chamaram a atenção do Governo, dominado pelos maçons e Dom
Vital, junto com o bispo do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa, foram presos e condenados
à trabalhos forçados.
Por conta disso, Dom Vital se tornou o símbolo de resistência contra a maçonaria e
símbolo de independência da Igreja Católica brasileira, o que nos leva a poder afirmar que a
Questão Religiosa foi o início de mudança frente à necessidade de retomar a autonomia da
168
Ibidem, p.535-536. 169
SABORIDO, Jesus. Op. cit., p. 142.
88
instituição, tornando possível, também, a implantação das prerrogativas do ultramontanismo
no Brasil, o que resultou na incompatibilidade de ações e medidas da Igreja frente ao Estado
Monárquico.
Portanto, fazer alusão à Questão Religiosa e aos males ocasionados pela Maçonaria se
tornaria um dos temas presentes na formulação do discurso anticomunista católico,
englobados nos males do comunismo.
Segundo Perillo Gomes, no artigo “Maçonaria e as Forças Armadas”, essa instituição
teria contribuído desde o século XIX para a proliferação das ideias filosóficas racionalistas,
naturalistas e materialistas no Brasil. Dessa maneira, se deveria entender que a Maçonaria era
outra associação que, no nível internacional, por meio de suas diretrizes, regia as ações
políticas brasileiras, utilizando-se do mistério para poder planejar e agir na formação das
revoluções que abalaram a ordem social dos últimos tempos. 170
A maçonaria é uma internacional política como o Socialismo e o
Comunismo. Com a differença, porém, de que estas são francas em seu
programma, e declaram abertamente suas intenções. Ao passo que a
Maçonaria occulta sua finalidade politica disfarçando-a com a capa de
humanitarismo de modo a illudir aos incautos.171
2.3.6. O Levante Comunista e a rearticulação do discurso católico
Após a tentativa de tomada do poder pelo Partido Comunista do Brasil na insurreição
de 1935, Tristão de Athaíde lança na edição do mês de janeiro de 1936 da revista ‘A Ordem’
o primeiro artigo da série “Em face do comunismo”.172
Nesta série, ele traz a discussão o “problema comunista”, definido como uma questão
atuante, para a qual roga medidas de combate, na medida em que não seria um problema
passageiro, mas:
Um capital da época presente e da nova idade em que estamos ingressando
[...] um mal que se difunde, principalmente, na América, onde vemos os
exemplos da Revolução Mexicana e as tentativas de disseminação no Chile,
Uruguai, e atualmente no Brasil, tendo êxito no Equador e Paraguai.
Entretanto, prevalecendo devido aos princípios liberais que norteiam essas
170
GOMES, Perillo. Maçonaria e as Forças Armadas. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 57, p. 329, abr. 1935. 171
Ibidem, p.329. 172
LIMA, Alceu A. Em face do comunismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 68, p. 252, mar. 1936.
89
nações, a falta de firmeza e de convicções religiosas, philosophicas e sociais
[...] dos poderes públicos [...] E a única medida plausível cabe na retomada
de medidas educativas.
Athaíde, inclusive, identifica a aceitação do comunismo pelas suas particularidades de
interesses “às classes populares, à burguesia, às classes intellectuaes”. As classes populares
por entenderam à mudança necessária, devido a esta classe em particular sofrer com as
desigualdades sociais advindas da exploração de uma sociedade burguesa. Já em relação ao
interesse da burguesia e os intelectuais, seria por conta da sua participação no mais novo
sistema político em voga, pois acreditavam, dessa forma, sua adequação a um futuro
promissor e, que já estariam prontos para a novidade política moderna, por acreditarem na
solução das injustiças sociais apenas por meio do socialismo.
Em contradição, as ações de combate ao comunismo seriam melhor explicadas pela
“indiferença”, pelo “medo” que ronda sobre o comunismo ou, pelo “interesse” próprio dos
que se beneficiam com esse combate, em virtude dos seus privilégios de cunho social e
político. Porém, nenhum destes possuiria uma “convicção” própria para que pudesse assumir
um posicionamento de combate sistemático, “(...) se bem que se recusem a qualquer
comparticipação, na luta anti-communista, que represente um compromisso exagerado e
perigoso para a hora em que o vento virar”. Inclusive, Athaíde chama a atenção pelo perigo
dos opositores ao mal do comunismo, cuja objeção não possui uma base sólida que
compreenda o verdadeiro perigo do comunismo, sendo esses os maiores e verdadeiros
opositores ao combate: “Os adversários inconscientes, de dentro, são mais perigosos que os
conscientes, de fora”.
Por conseguinte, o verdadeiro adversário do comunismo seria que estabelecesse a sua
oposição por uma defesa de valores e preceitos:
Temos finalmente os adversarios por convicção. Oppõem-se ao
communismo não por uma questão de pessoas, de posição ou de fortuna,
mas por uma questão de princípios. Procuram estudar o phenomeno
investigar-lhe os antecedentes, descobril-os na própria sociedade actual.
Combatem a esta, em seus males evidentes, e não confundem o anti-
communismo com o conformismo burguez. Sabem distinguir o que ha de
justo, nas reivindicações comunistas, do que ha de pernicioso. Sem, por isso,
diminuírem em nada a sua radical desconformidade com esse falso e
monstruoso ideal social. Nem cessarem, por um minuto, a necessária luta
90
indefessa e continua, repressiva e sobretudo preventiva contra essa inversão
total da sociedade pela adulteração radical dos princípios em que deve
assentar.173
Dessa forma, Tristão de Athaíde fornece a principal atitude perante o comunismo. Não
adiantaria ser seu opositor, com atitudes conscientes da importância do seu combate,
embasados na defesa dos verdadeiros princípios, neste caso, princípios católicos, os únicos
adequados para o verdadeiro combate aos males da modernidade e, a todos os ideais que
norteiam o comunismo no Brasil na década de 1930.
É neste raciocínio que Tristão de Athaíde desenvolve o segundo artigo “Em face do
Communismo II”, 174
só que dessa vez, deixa claro que o comunismo não se apresenta apenas
como um regime político em prol do econômico. Mais além que um simples preceito
econômico, um sistema como o liberalismo que tem demonstrado mais de um século todo um
regime que disseminou noções também como “filosofia geral da vida”, o comunismo nega
qualquer possibilidade de participação da Igreja na vida social e política, devido ao
antagonismo com os princípios do catolicismo.
Esse é o grande problema que o autor chama a atenção em relação ao perigo
comunista, pois não há quaisquer convergências entre as suas estratégias e dinâmicas com a
Igreja Católica, e isto em um país que possui em seu cerne a tradição católica, o comunismo
aponta que as diretrizes de um sistema político remeteriam a resolução da questão social
apenas pelo viés financeiro, por “um systema econômico não proprietário e integralmente
planificado”.
Como bem define Athaíde, não existiria convergência entre a “sociologia marxista”
em relação a “sociologia catholica”, mas o problema seria simplificar este antagonismo.
Existiria um grande equívoco sobre a verdade da doutrina católica que preza pela igualdade
social, mas que respeita as individualidades, como os “princípios de respeito á Personalidade
e á Família”, assim como em relação ao sentido do comunismo:
Mas o facto é que o phenomeno communista é um phenomeno, ao mesmo
tempo, philosophico, histórico, politico, economico, pedagógico, maçonico,
judaico, etc., etc., e não apenas ou mesmo principalmente religioso. Póde-se
mesmo dizer que, nos meios communistas ou nos meios anti-communistas,
politicos ou sociaes, o problema religioso é apenas um corollario dos demais.
173
Ibidem, p. 259. 174
Lima, Alceu A. Em face do comunismo II. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 69, p. 346, abr. 1936.
91
Nós é que vemos, com razão, sua importancia fundamental, o que não quer
dizer que devamos reduzir o communismo, como alguns o fazem, a uma
expressão do Anti-Christo ou a uma campanha judaico-maçonica contra a
Igreja. Seria simplificar demais o ambito de phenomeno, do ponto de vista
social, onde suas ramificações e suas origens são muito mais extensas e
complexas.175
Por esses argumentos que o segundo artigo quer deixar evidente que o comunismo é o
resultado das normas adotadas pelo liberalismo e, que os ideais do liberalismo disseminados
pelas nações, desencadearam a desordem econômica, social e política que fez vários países
adotarem preceitos contrários a toda moral da Igreja Católica, nos últimos tempos. Portanto,
Athaíde reforça que o combate ao comunismo deve procurar suas raízes e não apenas ver o
mal no aspecto econômico, pois este foi o perigo que nos séculos XVIII e XIX fora
apresentado pelos contrarrevolucionários.
E neste momento, se mantém as prerrogativas anticomunistas que voltam a remeter o
comunismo como o filho do liberalismo: “Esse materialismo soviético é filho do materialismo
burguês”. Toda essa desordem foi ocasionada devido às diretrizes liberais que abriram portas
para o pior mal do século, ao exemplo da Rússia, que, com sua política expansionista,
disseminou valores de concentração de capital que desencadeou na mesma prática capitalista.
Ambos possuem a mesma finalidade de se projetaram ao sucesso da industrialização com a
valorização da tecnologia. O comunismo possuiria as mesmas prerrogativas do liberalismo,
apenas com pequenas diferenças não relevantes, enfatiza o argumento que o comunismo não
surge devido ao fracasso econômico.
O mais difícil para esse momento é desvendar o inimigo da atualidade, para os
indivíduos como para o Estado, neste caso, fazendo referência a dificuldade de perceber
aonde atua o inimigo comunismo. Por isso, o alerta que se faz no campo educacional para
perceber de como a educação foi um dos mecanismos utilizados na propagação dos ideais
comunistas, principalmente, a referência à sociedade russa.
Para Tristão de Ataíde o Levante de 1935 servira para demonstrar aos “(...) scepticos
da imminencia de um perigo social que havia adoptado, com êxito, a tactica da dissimulação,
175
Ibidem, p. 349.
92
para despistar os incautos. E com isso poude ser fixado, com segurança, ao menos um dos
inimigos em acção: o Comunismo”.176
Remeter a este assunto não caberia mais numa análise apenas da sua complexidade
teórica, mas refletir sobre os mecanismos de dissimulação do perigo comunista e compreender
que um dos principais aspectos da disseminação desses postulados fora através da via
pedagógica.
A educação passou a ter critérios em favor do tempo, o antigo sendo considerado
como o ultrapassado, e as novas modalidades e diretrizes educacionais sendo os mais novos
métodos da modernidade considerados como os melhores modelos a serem seguidos na
educação brasileira: “Era o passado em face do futuro. O novo passava a ser synonimo de
bom. O tempo, um critério de valor”.177
Contudo, o mais importante seria a “finalidade” na educação, e não apenas ensinar e
educar sem um propósito, como defenderia a educação moderna. Era preciso uma educação
pautada não em critérios da sociedade moderna, porém na “teleologia pedagógica”, a
educação tem que ter uma direção que possamos fornecer “a finalidade da educação”.
Bastava, aliás, um golpe de vista pelo mundo de hoje, principalmente pelas
nações politicamente revolvidas, como a Russia, a Allemanha, a Italia, A
Hespanha, Portugal, a Hungria, o Mexico, etc., para se ver que o problema
escolar se apresenta inteiramente ligado ás condições politicas e ao ambiente
ideológico dominante. Em nenhum desses paizes se vê mais o domínio do
puro liberalismo pedagogico, como entre nós ainda se proclamava ou se
proclama, implícita ou explicitamente. Por toda a parte o que se nota é o
reconhecimento de que o problema pedagógico está ligado ás condições
geraes do Estado e da Vida, de modo que não póde ser considerado apenas
como um problema puramente quantitativo, methodologico ou
cognoscitivo.178
A educação soviética seria apontada por Athaíde como o resultado dessa educação que
não priorizou os objetivos e finalidades educacionais. Uma educação com diretrizes políticas
que favoreceu os interesses do Estado, através do Partido Comunista, a disseminar sua
176
LIMA, Alceu A. Educação e Communismo. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 69, p. 318, abr. 1936. “Conferencia
pronunciada em maio deste anno, na série de conferencias sobre as directrizes da Educação Nacional, promovida
pelo Sr. Ministro da Educação e Saude Publica, Dr. Gustavo Capanema”. 177
Ibidem, p. 319. 178
Idem.
93
ideologia. Toda essa educação fora dirigida a classe proletária com os preceitos da pedagogia
comunista sendo pautados no materialismo, por valores externos, onde criou uma própria
“filosofia de vida”, não apenas para o trabalho em si, mas para os elementos que rege a vida
do homem em todos os aspectos.
Desconsiderando as prerrogativas cristãs de melhoria social, a pedagogia soviética
apontou “que a educação é um meio de alcançar um fim superior”.179
As ciências que
norteariam essa pedagogia seriam “o naturalismo philosophico”, ciência natural e social, onde
se despreza todos os valores sobrenaturais do homem. Os preceitos religiosos são substituídos
por uma nova religião que se propaga pelos valores do “trabalho material, a fabricação, a
technica”.
Como uma teoria de ensino voltada para os interesses do Estado, essa pedagogia teria
se apresentado enquanto apenas vinculada aos preceitos do Partido Comunista, com seus
objetivos voltados para a revolução e, onde prevalece a ideia de que a finalidade da técnica e
estar voltada para a produção. Assim, o comunismo seria apresentado por Athaíde novamente,
pelo argumento de que o comunismo provém do mal do capitalismo: “produzir – é a palavra
mágica de toda concepção bolchevista da vida, que ella aliás aprendeu com seu irmão gemeo
rancoroso inimigo – o Capitalismo”.180
Seria então necessário demonstrar pela história da pedagogia que esse mal vem desde
a “deschistianização”, a qual se iniciou a partir do Renascimento e que agora se apresenta
como a decadência da pedagogia da modernidade.
Logo, outro artigo, “A Igreja e o socialismo violento ou moderado” de Paulo de
Damasco,181
traz o esclarecimento de que o socialismo, mesmo o considerado “moderado”,
que seria o socialismo que pregava contra as injustiças sociais nas diferenças de classes e na
negação à propriedade privada, não deveria ser aceito, pois todo socialismo em suas diferentes
categorias traria em seu cerne preceitos contrários ao Cristianismo.
Visto dessa forma, é o comunismo que se adentra nas nações como uma doutrina
“imoral” que vai de encontro aos preceitos: “contrário ao direito natural e á moral cristã”. Foi
reparando nesses aspectos do socialismo, percebendo a essência de injustiça social em uma
sociedade que atua por meio da exploração do homem e da supressão de direitos, que muitos
católicos viram a possibilidade de atuação no campo socialista. No caso, aponta Damasco, a
Igreja imediatamente advertiu desse perigo, conforme Leão XIII: “É como uma peste mortal,
179
Ibidem, p. 320. 180
Ibidem, p. 324. 181
DAMASCO, Paulo. A Igreja e o socialismo violento ou moderado. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 74, p. 31, jan.
1937.
94
uma seita de homens, que se esforçam, sob os mais variados disfarces, por levar a cabo o
desígnio de destruir os alicerces da sociedade civil (Leão XIII)”.182
Uma das questões em voga na Revista A Ordem era justamente a atração do
socialismo em relação à doutrina católica. Paulo Damasceno chamava à atenção para duas
categorias, “socialismo religioso e socialismo cristão”, na medida em que Pio XI advertira da
impossibilidade da aceitação ao socialismo, e ao mesmo tempo, de que não poderia haver um
bom católico socialista, pois ambas as categorias eram antagônicas. Mesmo qualquer
modalidade de socialismo, até as designadas “moderadas”, iriam de encontro aos preceitos da
doutrina católica, que consideravam o socialismo “materialista e anti-religioso”, conforme Pio
XI reforçara na encíclica Quadragesimo Ano: “declarando que, seja como doutrina, seja como
fato histórico, seja como ação, o socialismo não póde conciliar-se com a doutrina católica,
visto conceber a sociedade de modo completamente avesso á verdade cristã”.183
Assim, o socialismo seria contra todos os preceitos da doutrina católica e dizer de sua
proximidade seria uma das manobras utilizadas pelos comunistas para persuadir os menos
desprovidos do conhecimento cristão. Por isso, urgia a necessidade de recorrer as principais
encíclicas, os documentos que regem a doutrina e seus seguidores a cada tempo de mudanças
e modificações sociais, para que os católicos não caíssem nas armadilhas do perigo comunista
disfarçado em um “socialismo moderado”. Os preceitos aceitáveis no socialismo “a verdade
socialista” não fariam parte da sua doutrina, pois eram preceitos dos quais o socialismo se
apropriara de forma imprópria. Por isso que é indispensável à orientação no Evangelho, a
exemplo de Jesus, seria onde se deveria recorrer para apreender a doutrina católica em caso de
dúvida. O Evangelho é onde estaria todo o sustentáculo e fundamento para compreender as
mazelas das desigualdades sociais, e que forneceria todos os ensinamentos e consolação para
os oprimidos.
É violento o socialismo, sob o nome de comunismo, pugnando a ferro e a
fogo pela conquista do mundo para a utópica implantação de sistema de
governo e de vida, em tudo contrário aos direitos naturais e aos fins
sobrenaturais do homem... A Igreja, hoje como hontem e como sempre,
ainda não cessou nem cessará nunca de gritar a sua energica condenação a
essa espécie de socialismo violento e subversivo.184
182
Idem. 183
Ibidem, p. 32. 184
Ibidem, p. 33-34.
95
Socialismo e Catolicismo seriam teorias antagônicas, por estarem situadas em duas
esferas, a da política e a da religião, mas que são colocadas na mesma posição por fornecerem
resposta à filosofia de vida, como também para a atuação ou influência no mundo.
No decorrer desse argumento, Paulo Damasceno apresentaria o comunismo como uma
disputa e concorrência à doutrina católica, associado ao perigo da modernidade, o mal que
ronda em todas as esferas da sociedade, um sistema político, que adentra nos setores
educacionais, nos sindicatos, na política, como também fornece certa concorrência na sua
teoria aos preceitos religiosos aos domínios sobrenaturais.
2.3.7. A Guerra Civil Espanhola, o Anarquismo e o Comunismo
Outro aspecto importante na confluência de ideias opostas que caracterizou o período
do Entreguerras foi a Guerra Civil Espanhola (1936 - 1939). Como um dos movimentos mais
expressivos da disputa entre as forças da direita e os grupos da esquerda, esse conflito opôs
liberais, socialistas, comunistas e anarquistas; à direita conservadora, aliada ao Exército, com
o apoio do alto clero da Igreja Católica. A implantação do governo Republicano em 1931,
com a separação entre a Igreja e o Estado, junto a medidas de reforma social favorecendo a
participação de grupos camponeses e operários, foi o estopim da Guerra Civil. Como afirma
Salvadó185
“foi o início de uma era de radicalismo político, extremismo ideológico e crise
econômica mundial nunca antes vistos”.
É neste impasse que o catolicismo permitiu arregimentar e coordenar as forças
conservadoras contra os grupos de esquerda, ajudando a formar a mentalidade social que
fortaleceu o posicionamento dos grupos a favor de medidas nacionalistas, conservadoras e
autoritárias. Com a vitória de Franco a Igreja passou a retomar suas prerrogativas antes
perdidas, como o controle da área educacional, a ajuda financeira por parte do Estado e a
abolição da constituição republicana laica. Fez ressurgir também um governo que contava
com a participação do poder eclesiástico, no que Salvadó definiu como um “catolicismo
nacional”. 186
Ao apostar nos nacionalistas, a Igreja assumiu um papel nos assuntos do
Estado semelhante ao que tinha no século XVI. A publicação pela hierarquia
católica espanhola, em julho de 1937, de uma carta coletiva para os bispos
do mundo não foi apenas a declaração oficial de sua posição partidária, mas
185
SALVADÓ, Francisco J. Romero. A Guerra Civil Espanhola. Tradução de Barbara Duarte. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2008, p. 54. 186
Ibidem, p.177.
96
também um vital golpe de propaganda. A Igreja confirmou seu papel como
principal propagadora da visão maniqueísta dos nacionalistas a respeito da
guerra e responsável ideológica por sua legitimidade. 187
A Revolução Espanhola então foi um tema também abordado na revista ‘A Ordem’,
muitas vezes, se fazendo referência ao predomínio do comunismo.
No artigo “O Anarchismo na Hespanha” de Aniano R. de La Pena 188
, a origem desse
novo sistema político no país ibérico se deu por causa das ideias anarquistas, porém, não
sendo a única teoria que culminou no surgimento das “doutrinas terroristas” na Espanha. Pena
deixa evidente que esse sistema só foi possível devido à atuação dos governantes, uma vez
que a incapacidade do sistema liberal na legislatura fez com que não se reagisse contra as
tomadas decisivas da República. O anarquismo seria o que predominava na Espanha, porém,
seria importante analisar a política espanhola partindo da difusão das ideias socialistas e
comunistas que tiveram início no século XIX, com sua elaboração nos congressos das
Internacionais.
Segundo o autor, o que se poderia perceber no contexto político espanhol seria a
emergência dos princípios comunistas, segundo a necessidade de analisá-lo “penetrando nas
afinidades da psicologia revolucionaria, ponto de convergência das três Internacionais”. 189
O
anarquismo, o comunismo e o socialismo, as “doutrinas proletárias” seguem a doutrina de
Bakunin, através do “Catecismo Revolucionario” onde estão os princípios dos insurretos:
O anarquista deve conhecer uma ciencia: a ciencia da destruição. Todos os
sentimentos de afeto, de amor, de gratidão, devem ser sufocados na alma.
Dia e noite, seu unico pensamento será a destruição impacavel, terrível,
completa, universal.... 190
Para o autor, o que predomina na Espanha seria o “Anarquismo Revolucionario” que
possui “elementos terroristas” e, por isso mesmo, não se denomina como um partido político,
mas fazia parte do “Partido Internacional Proletario”, se organizando em “celulas libertarias”
que se difundiram através das organizações sindicais em regiões de “pobres e incultos”. Este
teria sido o caminho preparado para a infiltração do proselitismo comunista.
187
Idem. 188
PENA, Pe. Aniano R. de la. O Anarchismo na Hespanha. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 78, p. 421, mai. 1937. 189
Ibidem, p.423. 190
Idem.
97
Nesse raciocínio, o autor utiliza e faz referência à obra de Cesar Lombroso “Los
Anarquistas” em que se afirma que na maioria dos anarquistas prevalece essa atuação por um
caso patológico de “criminosos comuns” e, pela inaptidão de se adequarem à sociedade:
A maior parte dos anarquistas são indivíduos de cérebro pouco evoluídos,
infelizes alienados em gráus diversos... seres dignos de lastima, aos quais as
influencias do meio (antepassados, família, sociedade...) lançaram ao crime
ou á loucura. 191
Para Pena existiria uma homogeneização da propaganda anarquista quando se observa
as expressões artísticas das obras na Rússia, Espanha, do México e do Brasil. Nestas
produções se pode constatar a precariedade “moral e artística”, como também a inexistência
de valores sublimes e nobres se podendo observar: “o mais hediondo, juntamente com o
comunista, que a maior inteligência judaica não poderia imaginar”.192
O antissemitismo foi tornado um dos pontos importante da análise de Pena, pois se
referindo aos “escrúpulos do judeu vagabundo” – Trotsky –, também alude aos judeus e por
sua vez, aos participantes de trás de toda essa articulação das revoluções internacionais
socialistas e comunistas vigentes:
Sendo o judaismo o mentor deste retrocesso mental, quem deseja conhecer o
espirito aniquilador que o anima, deve-se interessar-se por conhecer o fim a
que tende tanto o anarquismo como o comunismo, assim como os meios
postos ao serviço deste ideial de loucura. 193
A nova situação política com a Revolução Espanhola se deveria, por conseguinte, às
influências e ações do anarquismo que, ao serem permitidas ao país, favoreceram a entrada
das ideias e ações do comunismo. Tudo isto seria consequência do “capitalismo judaico” que
forneceu a base para a “revolução internacional”, assim como a precariedade do sistema
político espanhol, com seus “políticos traidores e criminosos”, antinacionalistas que teriam
permitido desestabilizar o governo e os setores financeiros do pais, somados à ação conjunta
do judaísmo e da franco-maçonaria”. 194
191
Ibidem, p. 425 192
Ibidem, p. 432. 193
Idem. 194
Ibidem, p.439.
98
A Igreja Católica atuou de modo adentrar na sociedade de forma mais concreta através
da formulação de um capital simbólico e por meio de uma rede de sociabilidade intelectual de
leigos, que forneceu subsídios para todas as demandas da Igreja na sociedade e nos campos
educacional, político e religioso. Este capital foi difundido por meio da Ação Católica, que se
formou como uma instituição dentro da própria Igreja – poderíamos dizer que a Ação Católica
foi a grande solução e a vanguarda no combate contra todo o perigo que os inimigos reais e
fictícios da Igreja poderiam apresentar, principalmente o Comunismo, na questão social.
A Ação Católica se colocou no lugar de discernir o bem do mal, duas forças
antagônicas em que organizou seu discurso onde elencou os perigos da modernidade. As
novas organizações sociais, ou mesmo outras associações não ficaram de fora, como foi o
caso do Rotary e da Maçonaria, que iriam ser apontados como organizações que favoreciam
proliferação das ideias comunistas.
A ameaça vinda por intermédio de qualquer filosofia, religião ou até mesmo alguma
organização social era, por consequência, motivo de advertência à Igreja Católica. O que
observamos nos artigos da revista do Centro Dom Vital – ‘A Ordem’ – foi a preocupação em
deixar evidente quais eram seus inimigos contemporâneos, e alertar, através desse veículo de
comunicação, o mal que seus inimigos de outrora poderiam ocasionar. No caso, o comunismo
foi elencado como a principal face desse mal após o Levante de 1935.
Porém, com a constatação de que o catolicismo e o comunismo eram duas categorias
que estavam em posição de disputa cultural e política foi realizado que o comunismo só
poderia ser combatido por meio de uma linguagem que compartilhasse os mesmos regimes de
estratégias e de ações daquele, logo, surgiria nessa expectativa a rearticulação do
anticomunismo católico.
Depois disso, cabia também organizar a resistência a este inimigo e, salientar que a
desordem tenderia a reaparecer, sempre camuflada, por intermédio de organizações de cunho
internacional. Seria fornecido por meio do comunismo, o exemplo de todo o mal que o
imperialismo, o racionalismo e o anticristianismo poderiam acarretar à sociedade brasileira.
99
CAPÍTULO III
E o Rio Grande do Norte, que tem na sua historia, tantos martyres da fé e da
Eucharistia só podia ter por Jesus-Hostia um ardente devoção, para se
tornar digno dos seus maiores. Enquanto existirem em nosso Estado almas
capazes de comprehender o heroismo christão dos martyres de Cunhaú e de
Uruassú e de repetir a phrase que santificou a bravura de Mathias Moreira
– “Louvado seja o Santissimo Sacramento” – podemos estar tranquillos que
as portas do inferno não se abrirão para nós nem as milicias communistas
do demonio invadirão os nossos lares e talarão os nossos campos.
Jornal A Ordem, 1937. 195
3. A PRODUÇÃO DO ANTICOMUNISMO NO RIO GRANDE DO NORTE
3.1. O espaço social norte-rio-grandense na década de 1930
Nossa pesquisa revela a conexão da produção nacional da revista A Ordem em
consonância à produção local do jornal A Ordem no estado do Rio Grande do Norte e,
seguiremos nosso exame no sentido apontado por Pierre Bourdieu de: “apanhar o invariante, a
estrutura, na variante observada”196
, buscando compreender e relacionar ambas as escalas de
produção do anticomunismo e da atuação desse campo no espaço social. No entanto, através
da análise empírica das fontes, nos é permitido perceber uma estrutura relacional entre a
revista A Ordem e o jornal A Ordem. Mediante sua análise comparativa podemos afirmar que
ambos os periódicos fazem parte da mesma estrutura, porém, não por serem produções
contemporâneas e ligadas a mesma instituição, e sim, por identificamos a produção de
saberes, práticas e dispositivos como resultados de suas atuações. Em ambos os periódicos se
configura e confirma uma estrutura que percebemos por meio do habitus que define suas
representações sociais.
195
Encerramento do 2° Congresso Eucharistico Parochial de Currais Novos. In: A Ordem, 30 de outubro de
1937. p. 1. 196
BOURDIEU, Pierre. Op. cit., p. 15.
100
A estrutura do espaço social católico pode ser compreendida pelo modo com que a
distribuição do capital religioso se dissemina no estado do Rio Grande do Norte em
consonância com a política, através dos mecanismos de produção do campo religioso e
político. Há uma relação de aproximação e reelaboração de um mesmo discurso embutido de
certo capital político e religioso em consonância a um mesmo ideal que é a defesa contra os
postulados do sistema político do comunismo na década de 1930. Podemos entender essa
estrutura na constatação que ambos reelaboram, tanto a Igreja como a política no Rio Grande
do Norte, um discurso anticomunista que o remete a toda a desordem no mundo.
Mediante a análise da linguagem, percebemos a construção do anticomunismo
produzido pela Igreja Católica e, a especificidade do anticomunismo católico construído pela
sociedade norte-rio-grandense. Em cada periódico a construção do discurso anticomunista
tinha propósitos diversos, pois cada um deles pode deve ser compreendido enquanto campo e
subcampo sociais católicos que se encontram em escalas espaciais diferentes e, com
propósitos diferentes em relação ao espaço que estão inseridos. À vista disso, podemos
constatar que o anticomunismo é parte de uma linguagem da Igreja Católica, e em particular
também parte de uma linguagem peculiar da Diocese de Natal. É nesta abordagem teórica e
metodológica que se difere do modelo historicista de análise, que avançaremos na tentativa de
compreender o papel da Igreja norte-rio-grandense no processo histórico, contudo, devemos
afirmar, primeiro, o conjunto de posições da Igreja Católica na década de 1930.
Por meio da análise da variante observamos a correlação que se realiza na invariante.
Em ambos percebemos uma estrutura semelhante que insere o paralelo da produção da revista
A Ordem e do jornal A Ordem, para depois averiguamos o que levou à produção da variante.
Nesse sentido, nossa pesquisa se realiza primeiro ao examinar, por meio do processo empírico
da história comparada, para depois formular a teoria.
Porém, como ambos os processos caminham juntos, exige-se que pensar o prático
teoricamente, elaborando a teoria de modo que se descortine essa estrutura por meio da
empiria, indo à busca de se apanhar na invariante a estrutura dos mecanismos que nos fornece
sua estrutura por meio da história comparada. Perceberemos, por conseguinte, nosso objeto de
pesquisa pela noção de relação das posições de práticas e dos saberes no real, a partir do qual
o catolicismo na década de 1930 tenta reproduzir e se fazer produzir.
101
O que era o espaço social católico na década de 1930? Podemos tentar responder a
essa questão tentando definir as relações do espaço social católico brasileiro em relação ao
espaço social católico do Rio Grande do Norte. Podemos compreender o anticomunismo
católico produzido nacionalmente ao compreender o anticomunismo católico norte-rio-
grandense. No caso, podemos avançar colocando que este último serviu para dar reposta aos
postulados da maçonaria, do Rotary, do protestantismo, do comunismo e aos opositores
políticos da Diocese de Natal.
Este anticomunismo local apresenta uma ressignificação diferente da apresentada no
nível nacional, pois analisando a Revista e o Jornal, verificamos que os anticomunismos de
cada periódico é diferentes do outro, pois têm finalidades e objetivos próprios. Não são
anticomunismos homogêneos, o que foi apresentado â sociedade norte-rio-grandense teve
finalidades tópicas e, resultou na formulação de um anticomunismo local. Na criação desse
espaço próprio se está também criando uma série de relações que criam uma classe distintiva,
representando algo no jornal que é o antagonista do norte-rio-grandense, definido em
contraposição ao católico, ao nacionalista, ao religioso.
Desse modo, a pesquisa nos proporciona a definir um capital específico do espaço
religioso que podemos retratar como o capital religioso, que é produzido em uma propriedade
relacional, neste caso, percebendo a relação entre o Centro Dom Vital e a produção do jornal
A Ordem, editado pela Congregação Mariana do Rio Grande do Norte. Nessas duas escalas
de produção, o capital religioso é inserido como um traço distintivo, em um vínculo relacional
existente em referência a outras propriedades próprias do espaço religioso católico. A forma
de proceder e estabelecer os mecanismos desse espaço é próprio do meio católico e, este
espaço será determinado através de códigos, premissas, distinções, por diferenças em
determinadas relações e do que significará em cada especificidade.
Entretanto, podemos falar de um tipo específico de formulação de capital, neste caso o
capital religioso. O que é o capital religioso nas fontes? Podemos afirmar ser a própria
formulação de um discurso anticomunista católico por meio da própria instituição, que na
década de 1930 construiu a partir do esforço dos intelectuais leigos católicos, como o Centro
Dom Vital e por meio das diretrizes católicas na política, na educação e na participação dos
sindicatos. Essa concretização de ações foi o resultado positivo, construído gradualmente na
102
sua propagação pela imprensa católica, em nosso caso de exame, a revista A Ordem e do
jornal A Ordem.
Compreendemos que nos diferentes segmentos da sociedade a distribuição do capital
religioso se transforma no campo político e, assim, é importante perceber o espaço social
católico em suas dinâmicas de produção para determinar relações e posições, e assim
descobrir suas posições sociais naquele campo.
Para isso é interessante lembrarmos ao leitor que a classe para Bourdieu não é
economicista, mas é a tomada de posições. A classe é definida pela posição no social, no
cultural, por meio da sua identificação do habitus. Para o espaço social católico, é necessário
o definir por meio de posições e relações e de sua junção com outro capital específico.
No caso, pensamos que o habitus nos permite definir quem é o católico anticomunista
por meio da análise mútua relacional: como uma determinada classe seria definida pelo
vínculo dentro do campo religioso, a partir de uma relação e posição no espaço social,
perceber-se-ia a formulação do anticomunismo entre os agentes do espaço religioso católico
por conta da construção heterogênea desse discurso, tanto pelos agentes, quanto nas
diferenças espaciais e temporais. Assim, o anticomunismo da revista A Ordem tem suas
peculiaridades que o diferem do anticomunismo do jornal A Ordem.
Nesta construção teórica percebemos o processo eclesiástico como uma dinâmica em
um campo de forças e lutas específico da década de 1930. Para identificá-la é necessário
compreender a dinâmica e as especificidades do espaço social, definir a partir de relações e
posições por meio da identificação dos diferentes capitais.
Que anticomunismo é esse no período de 1930? É anticomunismo ou não? Se sim?
Refere-se a quem, a que? Mediante esses questionamentos, a estrutura do campo religioso
católico no seu microcosmo, em seus próprios objetivos e dinâmicas não se utiliza de uma
análise mecanicista, porém, se esse anticomunismo é utilizado em tal contexto e quais
manobras e se faz emergir em tais problemáticas para identificar e definir o seu adversário do
momento.
Assim, entendemos que o anticomunismo não é apenas um discurso contra o Partido
Comunista ou a ideologia de esquerda, mas, sendo analisado a partir de uma visão
103
externalista, com a autonomia do campo, podemos chegar à conclusão de que o
anticomunismo é mais parte de uma estratégia e que está localizado num outro discurso.
O que nós trazemos como proposta é a necessidade de rever essas análises
mecanicistas e de apontar a compreensão do anticomunismo católico a partir de uma análise
internalista que considera o espaço social como um de seus elementos formadores.
Doravante, definimos como o nosso espaço social de exame aquele que remete a toda
uma elaboração do campo específico, frente a dinâmicas e estratégias da produção da
estrutura do discurso anticomunista, afinal, “é a estrutura da mensagem que é condição de
realização da função, se há função”. 197
Como nossa análise requer uma dimensão sociológica, a linguagem será perscrutada a
partir de outros referenciais, por isso a importância de conhecer e perceber os microcosmos
sociais do espaço religioso católico. Compreender e perceber a estrutura desse campo, os
próprios significados, as suas regularidades, sua estrutura e termos próprios que se define nas
posições e relações de forças ao campo que se remetem reciprocamente por relações
objetivas: pela análise das lutas, das produções do campo e das inserções é que vai se
propiciar a compreensão do anticomunismo no espaço religioso e deste nas suas variâncias
espaciais, seja no nacional, seja no local.
Por isso é importante refletirmos neste capítulo sobre a importância da Congregação
Mariana em relação ao jornal A Ordem. Suas especificidades e ações como um microcosmo
social no campo religioso nos permitem perceber a produção e participação dos Marianos na
imprensa e na produção intelectual.
A produção anticomunista na revista A Ordem de difere do Jornal A Ordem, apesar do
discurso anticomunista norte-rio-grandense emergir da produção do periódico A Ordem do
Rio de Janeiro. Porém, ambos reutilizaram a produção dos ideais anticomunistas para
propósitos diversos, próprios da localização no espaço social. A utilização desse discurso no
jornal católico serviu para a inserção e domínio da Igreja norte-rio-grandense como ator
político, com fins, lutas e estratégias de poder.
197
Ibidem, p. 60.
104
A partir desse propósito, podemos entender a aproximação da Igreja com o
integralismo no Rio Grande do Norte, em que foi preciso firmar alianças para a Igreja se
redefinir como ator político no estado, onde se posicionava contra os grupos oligárquicos.
Podemos afirmar que a Igreja no Rio Grande do Norte manteve o esforço de se aliar ao
integralismo, para atuar no campo político. Os novos estudos na área de acordo com o
conceito ‘Fascismo Clerical’198
nos permitiram compreender a relação de aproximação e as
dinâmicas e ações entre Igreja e o regime político integralista que se fez presente no cenário
político da década de 1930, por meio da ideia de colusão e, podemos assim dizer que fez parte
das estratégias políticas à aproximação com preceitos religiosos, e vice-versa, com a
utilização do capital religioso que foi fomentado pela instituição eclesiástica.
FIGURA 2 – ESPAÇO SOCIAL NORTE-RIO-GRANDENSE
Fonte: elaborado pela autora.
O espaço religioso se forma como um espaço de lutas, de disputas de poder, como um
campo de tensões e se insere em vários campos sociais amplos que possuem vários
subcampos que se definem por múltiplas dominâncias expressas no campo do poder. Dessa
forma, só poderemos compreender o campo religioso católico se nele adentrarmos,
198
PEIXOTO, Renato Amado. 'Creio no espírito cristão e nacionalista do Sigma': Integralismo e Catolicismo
nos escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo. In: RODRIGUES, Cândido et al. (Org.).
Manifestações do pensamento católico na América do Sul. São Paulo: Fonte Editorial, 2015. p. 10.
Campo de poder
Campo político
Espaço social norteriograndense
Interventoria
Partido Popular
Aliança Liberal
Integralistas
Comunistas
Campo religioso católico
|
Congregação Mariana
105
percebendo suas particularidades, pois este possui regras e princípios inerentes a ele mesmo e,
uma lógica própria que se mantém independente dos aspectos externos.
Eis por que, sem dúvida, não há instrumento de ruptura mais poderoso do
que a reconstrução da gênese: ao fazer com que ressurjam os conflitos e os
confrontos dos primeiros momentos e, concomitantemente, os possíveis
excluídos, ela reatualiza a possibilidade de que houvesse sido (e de que seja)
de outro modo e, por meio dessa utopia prática, recoloca em questão o
possível que se concretizou entre todos os outros. 199
No entanto, a identidade é o resultado de práticas. A formação da identidade nacional
não é inventada e nem imaginada, ela emerge a partir das práticas do Estado. Dessa maneira,
a identidade católica norte-rio-grandense na década de 1930, emerge através das lutas do
período e por meio das ações para enfrentar os seus problemas. A Igreja formulou uma
identidade própria como resposta a toda a problemática local.
As instituições e os intelectuais ligados à Diocese de Natal perceberam a formulação
do capital simbólico nacional. A Igreja que fala dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu hoje não é
igual à Igreja norte-rio-grandense doutras temporalidades, pois observamos na especificidade
da Igreja na década de 1930 uma concentração de capital simbólico local que propiciou
produção de um anticomunismo católico como parte das estratégias de luta e em sua
aproximação com o integralismo.
Assim, pensamos essa atuação da Igreja como meta-estruturante, a partir de dinâmicas
internas dos loci de onde emanou o poder simbólico, caso do Centro Dom Vital e da
Congregação Mariana de Moços da Diocese de Natal. Nesta última se demonstra a formação
de um capital simbólico que emerge a partir da década de 1930, por meio de novas práticas e
processos da Diocese, que culminaram em novas estruturas mentais desencadeando o capital
simbólico que emergiu uma identidade e espacialidade católica a partir da tradução dos
conteúdos intelectuais formulados e incorporados da revista A Ordem.
O capital simbólico é uma propriedade qualquer (de qualquer tipo de capital,
físico, econômico, cultural, social), percebida pelos agentes sociais cujas
categorias de percepção são tais que eles podem entende-las (percebê-las) e
reconhece-las, atribuindo-lhes valor. (...) Mais precisamente, é a forma que
199
BOURDIEU. Pierre. Op. cit., p. 98.
106
todo tipo de capital assume quando é percebido através das categorias de
percepção, produtos da incorporação das divisões ou das oposições inscritas
na estrutura da distribuição desse tipo de capital (como forte/frágil,
grande/pequeno, rico/pobre, culto/inculto etc.) 200
3.2. ‘A Crise de 1935’ - As disputas para a Assembleia Constituinte Nacional e para a
Assembleia Constituinte Estadual
Neste capítulo analisaremos o problema da produção do anticomunismo no Rio
Grande do Norte examinando suas duas manifestações: a produção da Diocese de Natal, que
foi desenvolvida a partir do ‘anticomunismo católico’; a produção das oligarquias locais,
referente às demandas das organizações familiares. Dessa forma, procuraremos compreender
as diferentes formulações do anticomunismo produzidas no Rio Grande do Norte para
verificar suas diferenças antes e depois do Levante Comunista de 1935, entendido como o
marco para a definição das posições anticomunistas em geral.
A conjuntura política no estado do Rio Grande do Norte é de ruptura com os antigos
grupos oligárquicos da antiga república. A cena política se reconfigura com a indicação de
interventores, na maioria, militares e não ligados à política local. Juarez Távora, na direção
da chamada “Delegacia do Norte”, foi um dos responsáveis em intermediar com as novas
lideranças na incumbência de direcionar e administrar as interventorias em cada estado da
região.
Nesse contexto o estado do Rio Grande do Norte passou por cinco interventores,
Irineo Joffili, Aluisio de Andrade Moura, Hercolino Cascardo Marinha, Bertino Dutra da
Silva e Mário Leopoldo da Câmara e foi um dos estados em que mais houve mudanças de
governo. Podemos afirmar a instabilidade se devia às medidas centralizadoras da nova
administração política que quebrava com a velha estrutura do poder estadual, continuamente
nas mãos dos mesmo grupos políticos desde a queda da Monarquia.
Com vários dirigentes políticos colocados à margem da administração política, estes
passaram a manobrar e restabelecer sua participação no quadro político e, esta possibilidade
surgiu após a Revolta Constitucionalista de 1932 que possibilitou novas diretrizes ao
200
Ibidem, p. 107.
107
comando político do país e a busca de sua formalização por meio de uma Assembleia
Constituinte, com a volta do regime político presidencialista e com base parlamentar.
Foi na interventoria de Bertino Dutra, o quarto interventor, que surgiu um dos
momentos de maior agitação no campo político norte-rio-grandense: a agitação ocasionada
pela Revolução Constitucionalista em São Paulo fez surgir nos estados o clima de disputa em
relação às eleições para a Assembleia Constituinte que se reuniria entre 1933 e 1934.
A participação do Rio Grande do Norte no apoio ao Governo central fez surgir o
partido ‘União Democrática Norte-rio-grandense’, sob a liderança do Monsenhor João da
Mata e de Gentil Ferreira de Souza enquanto que o partido de oposição ao governo estadual e
central, o Partido Popular, reunia os representantes da antiga força política da Primeira
República.201
Seus principais líderes eram José Augusto Bezerra de Medeiros, Dinarte Mariz
e o ex-governador Juvenal Lamartine.202
Proprietários e dirigentes do poder econômico no
estado defendiam medidas liberais e difundia seu posicionamento político e social por meio
do jornal A Razão. 203
Era uma das manobras de retomada do poder, movida pela insatisfação
contra as diretrizes da revolução e a oposição à atuação de Café Filho como Chefe de Polícia
e líder sindical. De todo modo, na situação e na oposição ao governo, prevalecia à
organização feita com base nos interesses de indivíduos representantes de grupos familiares
tradicionais ou da antiga dinâmica política, enraizada no velho Partido Republicano Norte-
Rio-Grandense.
De acordo com Mariz, o Partido Popular defendia o sistema parlamentarista e o
pensamento de “que não seria reacionário nem revolucionário, mas o Estado conjugado na
defesa de seus legítimos interesses”.204
Assim, a autora afirma que o posicionamento
ideológico do Partido Popular se apresentava de acordo com as circunstâncias, apenas como
forma de angariar prestígio e voto nas eleições. Isto pode ser observado na coligação que
formou visando a Constituinte Nacional, integrada por Francisco Martins Veras, participante
do Governo provisório em Recife, pelo capitão Júlio Perouse Pontes, ex-integrante do
201
MARIZ, Marlene da Silva. Revolução de 1930 no Rio Grande do Norte 1930-1934. Brasília: Senado Federal,
Centro Gráfico, 1984, p.103. 202
MONTEIRO, Denise Matos. Introdução à História do Rio Grande do Norte. Natal, EDUFRN – Editora da
UFRN, 2007, p. 150. 203
MARIZ, Marlene da Silva. SUASSUNA, Luiz Eduardo Brandão. História do Rio Grande do Norte: Império
e República. Natal, Gráfica Santa Maria, 1999, p. 188. 204
MARIZ, Marlene da Silva. Op. cit., p. 104.
108
governo da Interventoria e que havia liderado os combatentes revolucionários no estado, com
a participação de Alberto Roselli e José Ferreira de Souza, políticos conservadores.
Mesmo os seus dirigentes sendo os antigos membros do Partido Republicano, utilizou
como estratégia um discurso em prol das camadas sociais mais populares como o próprio
nome do partido, sugerindo a conquista de direitos civis para os operários, como também
pregando a abertura para o estabelecimento de novos sindicatos e do cooperativismo.205
Em contraposição, surgiria também o Partido Social Nacionalista do Rio Grande do
Norte, como representante da Interventoria, em oposição à política tradicional representada
pelo Partido Popular. Tendo na liderança o interventor Bertino Dutra e João Café Filho, que,
como figura de destaque na contribuição fornecida à Revolução de 30 no estado, havia se
tornado Chefe de Segurança Pública. Tendo influência dos ideais do Partido Revolucionário
Mineiro e da Legião de Outubro, nos seus objetivos prevalecia o amparo aos direitos das
classes trabalhadoras e o interesse nas questões sociais. Porém, defendia a atuação do Estado
em todos os aspectos da sociedade e, em prol de medidas nacionalistas, muitos de seus
objetivos se identificavam com os princípios defendidos pelo integralismo.206
Uma das exigências para os seus candidatos à Assembleia era a não vinculação à
política local, por isso houve a necessidade de se apresentarem candidatos cujas atividades
políticas se davam noutros estados, tais como Kerginaldo Cavalcanti de Albuquerque, Ricardo
Barreto, João Peregrino e Mário Leopoldo Pereira da Câmara. 207
O clima de instabilidade na política do estadual acarretou que a campanha para a
constituinte carreasse para inúmeras desavenças entre os partidos opositores. A imprensa foi
um dos veículos utilizados para a difamação pessoal e muitas vezes as respostas de
esclarecimentos geravam outras injúrias. Um dos pontos centrais na campanha era quanto ao
posicionamento de Café Filho na política, uma vez que os membros do Partido Popular foram
muito atingidos pelas medidas repressivas tomadas por ele quando estava no comando da
segurança pública e, também porque fora um dos principais articuladores para a derrocada da
política tradicional, na defesa da continuação da atuação dos interventores que não tivessem
qualquer vínculo com a antiga política do estado.
205
Idem. 206
Ibidem, p. 106. 207
Idem.
109
Contudo, as urnas confirmariam a vitória do Partido Popular elegendo Alberto Roselli,
Francisco Martins Veras e José Ferreira de Souza à Constituinte. Ao lado da interventoria
coube apenas o êxito de Kerginaldo Cavalcanti de Albuquerque. Na verdade, as eleições
confirmaram que não houve mudanças significativas com a Revolução de 30, pois, a antiga
ordem ainda prevalecia.208
Nessa situação continuaram as tensões entre os partidários do
governo central e os do ‘Partido Popular’, devido à conformação do governo estadual não
haver mudado.
A partir dessa nova configuração do poder local, Vargas ampara novas estratégias de
atuação na política do Rio Grande do Norte, como maneira de se aproximar aos membros da
política tradicional para obter prestígio. Diminuindo o predomínio do tenentismo, começa
nomeando para a interventoria Mário Leopoldo da Câmara, potiguar residente no Rio de
Janeiro e funcionário do Ministério da Justiça. Essa seria umas das medidas adotadas como
forma de apaziguar as tensões no estado, indicando um membro de família tradicional na
política do estado, mas, o problema é que ele atuaria na oposição aos antigos grupos do
poder209
.
Seguindo as estratégias e articulações para as eleições, agora, para a Constituinte
Estadual, o Partido Popular apontou como candidatos o Monsenhor João da Matha, João
Marcelino, Aldo Fernandes, Gentil Ferreira de Souza, Bruno Pereira, Coronel João Câmara,
Dinarte Mariz, Pedro Amorim, Joaquim Ignácio e Luiz Antonio. Propondo oferecer apoio à
interventoria e ao governo federal, o partido, em troca, requeria privilégios na política do
estado.
Em contrapartida, Mário Câmara propôs o surgimento de um novo partido que
aglutinasse membros de relevância política no estado, arregimentando tanto o apoio do
Partido Popular quanto de seus opositores, em uma alternativa para que o governo não ficasse
submetido totalmente ao poder tradicional do estado.210
Contudo, não houve acordo para o surgimento de um partido de união, o que fez
aumentar mais ainda o clima de confronto no estado. Somado ao que era expresso dessas
rivalidades pela imprensa, o jornal A Razão se utilizou para denunciar por meio desse
208
Ibidem, 108. 209
Ibidem, 114. 210
Idem.
110
mecanismo os males do governo, ou mesmo, para reivindicar à volta ao posicionamento na
política. O Jornal A Republica, órgão oficial do estado, respondia a essas acusações e tentava
fornecer explicações dos acontecimentos em voga na sua administração.
Por conseguinte, os acontecimentos que antecederam as eleições de 1934 para a
Assembleia Constituinte Estadual prevaleceram em um clima de disputas que resultou em
agitações, crimes, injúrias e mortes. Outro aspecto era a instabilidade financeira do país que
refletia na economia norte-rio-grandense com a redução das verbas federais para a
continuação das obras de infraestrutura, como as do porto do Alto Oeste e a construção de
estradas de ferro. 211
Outro ponto relevante no clima do período foi à insatisfação dos militares em relação à
interventoria: o comandante da Polícia Militar do estado Ney Rodrigues Peixoto, que havia se
tornado oficial do 21° Batalhão dos Caçadores, declarou oposição ao governo, influenciando
o posicionamento dos restantes dos militares para não fornecer apoio a Mário Câmara.
Outro fator que não podemos deixar de mencionar é que, somada a esta instabilidade
economia e política é o surgimento do Partido Comunista do Brasil (PCB) no estado, e o
início na formalização de sindicatos e, o próprio Mário Câmara já denunciava a presença de
comunistas em Mossoró, Macau e Areia Branca. 212
A cidade de Mossoró por ser considerada a segunda maior na economia do estado e
possuindo maior número de operários, foi a região em que o partido comunista teve maior
êxito de participantes em comparação a cidade de Natal. A participação do partido se dava na
formação de vários sindicatos, principalmente o sindicato dos salineiros. Em Natal, a
presidência dos sindicatos dos estivadores, como também de outras categorias foi conquistada
membros do Partido Comunista. Ficou também a cargo de seus membros a articulação da
formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), instaurada em abril de 1935 no estado.
Além disso, havia a adesão de muitos militares do 21° Batalhão dos Caçadores ao PCB,
principalmente, cabos e sargentos. 213
O sindicalismo no estado havia surgido em meados da década de 1920 quando teve a
maior participação de Café Filho, um dos principais líderes do movimento de sindicância em
211
Ibidem, p. 117. 212
Ibidem, 125. 213
Ibidem, p. 65.
111
Natal. Com a Revolução de 1930, Café Filho voltou à cena política já como tenente civil do
movimento e passou a comandar a direção de alguns sindicatos, mas vários outros já estavam
sob a liderança do PCB, que se posicionou contrário à legislação sindical criando a União
Geral dos Trabalhadores. Ficando cada vez mais restrita a participação do cafeísmo na cena
sindical de Natal, mesmo assim a sua liderança se firma sobre novos sindicatos criados no
período, como o Sindicato dos Auxiliares de Comercio e a União dos Operários Estivadores,
por conta de sua influência sobre essa legislação.
Por causa disto, seria rejeitada a legalização da Associação dos Trabalhadores em
Salinas junto ao Ministério do Trabalho, fundado desde 1931 pelo PCB, fazendo surgir um
movimento clandestino que passou a ser conhecido como o Sindicato do Garrancho. 214
Portanto, sem acordos entre a interventoria e o Partido Popular e num clima de crise
política, econômica e social, se reinicia a disputa a hegemonia do campo político do estado. A
interventoria lançou o ‘Partido Social Democrático do Rio Grande do Norte’, tendo à
presidência Francisco Martins Veras, que mudara de lado. Café Filho, passou a fazer oposição
a ambos com o Partido Social Nacionalista. Essa situação instável de poder comprova a falta
de domínio da Interventoria para controlar a situação sócio-política do estado. 215
Neste contexto, nova virada na disputa para as eleições na Assembleia Constituinte
Estadual fez unir o partido da interventoria com a representação partidária de Café Filho,
originando outro partido, a Aliança Social. Somava-se ainda na disputa a extrema direita, com
a Ação Integralista Brasileira (AIB), composta por Otto de Brito Guerra, Valdemar de
Almeida e Ewerton Dantas Cortes e a extrema-esquerda, com a União Operária e Camponesa
do Brasil (UOCB) 216
.
Novamente, nas urnas foi vitorioso o Partido Popular com a eleição de 14 deputados
contra 11 deputados eleitos pela Aliança Social. Contudo, contra o resultado das eleições
prevaleceram medidas que contestavam várias candidaturas, ficando a finalização das eleições
para outubro de 1935, devido a ser necessária a realização de Eleições Complementares, que
novamente dá a vitória ao Partido Popular.
214
FERREIRA, Brasília Carlos. Trabalhadores, Sindicatos, Cidadania. Nordeste em Tempos de Vargas. São
Pulo: Estudos e Edições As Hominem; Natal: Cooperativa Cultural da UFRN, 1997, p. 211-220. 215
Ibidem, p. 119-120. 216
Ibidem, p. 123-124.
112
Dessa forma, formada a Constituinte Estadual, é nomeado novo governador do estado,
o médico e comerciante Rafael Fernandes, candidato escolhido como estratégia política, pois
este não estava relacionado aos acontecimentos vigentes e não fazia parte de nenhum dos
antigos grupos oligárquicos do estado, como maneira de atenuar a reação do governo Vargas à
confirmação do novo governador. Outro aspecto importante era a sua influência na região
oeste, uma das regiões mais expressivas economicamente e que possuía grande influência na
política estadual. 217
Mário Câmara já sentia todas as consequências das medidas que havia tomado par
evitar que prevalecesse a política tradicional, na tentativa de firmar os objetivos da Revolução
de 30. Tanto no âmbito regional como nacional não possuía mais respaldo para continuar com
o seu governo. Vargas já não fornecia o apoio necessário para as resoluções da sua
interventoria, o Exército continuava a prevalecer seu apoio ao partido de oposição. Agora, na
política no Rio Grande do Norte prevalecia novamente a velha relação de poder alicerçada
pelo coronelismo e tendo como respaldo o governo federal.
Em novembro de 1935 é realizada a convocação oficial para a Assembleia
Constituinte 218
onde procedeu a queda do poder da interventoria e da Aliança Social em todas
as ocupações políticas do legislativo e executivo do estado.
Com o afastamento do interventor Mário Câmara por conta de sua ida ao Rio de
Janeiro para tratar de motivos administrativos referentes às eleições do estado, ficou esta a
cargo o diretor da Fazenda do Estado, José Lagreca. Neste período aconteceria a paralização e
greve dos operários da estrada de ferro de Mossoró e, logo após, os salineiros de Macau e
Mossoró aderem à greve. A empresa responsável pelas obras da estrada de ferro propõe
negociação de 50% de aumento e termina a greve.
217
Ibidem, 123. 218
Consultar: MARIZ, Marlene da Silva. Revolução de 1930 no Rio Grande do Norte 1930-1934. Brasília:
Senado Federal, Centro Gráfico, 1984. Candidatos a Câmara Federal: José Augusto Bezerra de Medeiros,
Alberto Roselli, José Ferreira de Souza, Café Filho e Francisco Martins Veras. Assembleia Legislativa no estado
do Rio Grande do Norte: Partido Popular: Mons. João da Matha de Paiva, Francisco Gonzaga Galvão, Capitão
Glicério Cícero de Oliveira, Bel. Pedro de Alcântara Matos, Dr. João Marcelino de Oliveira, Dr. José Tavares,
Dr. Júlio Pimenta Teófilo Régis, Maria do Céu Pereira Fernandes, Felismino do Rego Dantas Noronha, Felinto
Elísio de Oliveira Azevedo, Ezequiel Xavier Bezerra, Dr. José Augusto Varela, Nominando Gomes da Silva e
João Severiano da Câmara. Aliança Social: Des. Felipe de Brito Guerra, Bel. Raimundo Ferreira de Macedo,
Bel. Djalma Aranha Marinho, José Lopes Varela, Sandoval Wanderley, Dr. Cicinato Galvão Ferreira Chaves,
Bel. Gil Soares de Araújo, Manoel Amâncio Leite, Dr. Abelardo Calafange, Benedito Saldanha, Dr. Sebastião
Malte Fernandes.
113
Para a imprensa local esses atos teriam relação com atitudes condenadas na época por
atitudes extremistas, pois, logo após, eclodiria na Várgea do Açu, anda em meados do ano de
1935, uma guerrilha rural que alcançava regiões próximas como Angicos, Santana do Matos e
Macau. 219
Um dos líderes da guerrilha Manoel Torgado, integrante do PCB, foi preso, porém,
logo foge e retorna as atividades na clandestinidade. Com a participação de aproximadamente
200 homens, a guerrilha da Várzea do Açu seria uma preparação do próprio PCB estadual
para dar início a sua participação ao planejado levante a ser promovido em 1935 no nível
nacional, mas seria finalizada apenas no ano de 1936 220
.
Era um movimento que não estava de acordo com a direção do PCB na região, mas,
mesmo assim, o início da guerrilha foi decidido em reuniões do partido devido às coibições da
polícia local aos trabalhadores do sindicato salineiro. Sendo apenas com a participação de
Miguel Moreira, deram início ao conflito armado influenciando operários da região com a
realização de comícios e distribuição de panfletos. Era uma das ações promovidas pelo PCB
como contestação à colocação da Aliança Nacional Libertadora na ilegalidade.
3.3. A Congregação Mariana dos Moços – Subcampo de representação do Centro Dom
Vital no Rio Grande do Norte
Mais do que nunca, ás Congregações Marianas cabe hoje a missão
nobilissima de preparar as milícias da vanguarda da acção catholica.
Jornal A Ordem – 1935. 221
A Congregação Mariana dos Moços no estado foi fundada por Dom Antônio dos
Santos Cabral em 14 de julho de 1918 no mesmo ano da fundação do Círculo de Operários
Católicos. Era uma data emblemática, pois que também se fundou em 14 de julho de 1933 a
Ação Integralista no Rio Grande do Norte, como afirma Peixoto,222
em uma data relativa a
219
COSTA, Homero de Oliveira. A Insurreição Comunista de 1935: Natal, o primeiro ato da tragédia. São
Paulo: Ensaio; Rio Grande do Norte: Cooperativa Cultural Universitária do Rio Grande do Norte, 1995, p. 70. 220
Ibidem, p. 71. 221
Jornal A Ordem, 2 de outubro de 1935. p. 1. 222
PEIXOTO, Renato Amado. Católicos a postos! A relação entre a Ação Católica e a Ação Integralista no Rio
Grande do Norte até o Levante Comunista de 1935. In: IV Encontro Estadual de História da ANPUH RN, 2010,
Natal. Anais do IV Encontro Estadual de História. Natal: ANPUH-RN, 2010, v. I. p. 4.
114
Revolução Francesa e contra todos os princípios que foram norteados e defendidos por ela,
ideais em que se faziam presentes os males da modernidade, apontados pela Igreja Católica.
Já o Centro de Imprensa da Congregação Mariana de Moços foi fundado em 30 de agosto de
1932.
Podemos dizer que a Congregação Mariana, junto com a Igreja norte-rio-grandense,
seria um subcampo do espaço social católico. Com a disseminação do pensamento católico
que teve início com a inauguração do Centro Dom Vital no Rio de Janeiro, a Congregação
Mariana dos Moços no estado foi responsável pela reprodução do pensamento católico no
estado na década de 1930.
A contemplação do espetáculo maravilhoso das concentrações marianas, o
desenvolvimento soberbo daquilo que podemos chamar a ideia mariana entre
os moços da nossa Pátria, faz-nos confiar no saneamento moral da nossa
sociedade, voltando aos fundamentos cristãos em que se alicerçava antes da
Revolução Francêsa. Nada poderei dizer de novo neste sentido. Repetirei,
porque é preciso clamar sem cessar, o que vem sendo afirmado não sómente
pelo Sumo Pontifice, pelos seus Bispos e sacerdotes, como também por esses
que acompanham e observam os fenomenos do mundo moderno, sob um
prisma inteiramente alheio ás preocupações de ordem religiosa. 223
A formação da Ação Integralista do estado teve início pela fundação do núcleo de
Natal com membros pertencentes à Congregação Mariana e, todos eles participantes do
triunvirato que liderou a AIB – Francisco Véras Bezerra, Luiz da Câmara Cascudo, Miguel
Seabra. Contudo, deve-se observar que a base deste núcleo na Congregação já fora formada
desde o final de 1929 ou início de 1930, por meio da influência de Severino Sombra e da
Legião Cearense do Trabalho.224
Em sua inauguração foi proferido o discurso225
de Francisco Véras Bezerra que deixou
evidente que a data de fundação, 14 de julho, era uma advertência aos males ocasionados da
modernidade. Francisco Veras clama pelos resultados que ocasionaram com que os valores
que foram difundidos pela Revolução Francesa e que levaram às consequências da liberal
223
PINHEIRO. Justino Maria. O congregado mariano – A sociedade e a Patria. A Ordem. Rio de Janeiro, n. 84,
p. 440, nov.1937. 224
PEIXOTO, Renato Amado. `System of the heavens’: um exame do conceito de `Colusão’ por meio do caso da
criação do Núcleo da AIB em Natal. Revista Brasileira de História das Religiões, v. 9, 2016, p. 144-145. 225
A Ação Integralista no Rio G. do Norte. In: A República, 14 de julho de 1933. p. 2.
115
democracia. “Os direitos do homem” como também “a liberdade, igualdade e a fraternidade”
prometiam ao homem uma sociedade como um “paraiso terreal”, mas o que houve, para ele,
foi à transferência do despotismo dos reis para cada indivíduo, o “Governo do povo e para o
povo” que ocasionou no aumento da desordem.
O ser humano passou a não aceitar nenhuma poder, apenas o poder pelo conceito
político, trazendo como resultado à sociedade “instabilidade, inquietação, desordens,
revoluções”. O prevalecimento da razão antropológica em detrimento ao “teocentrismo
medieval” fez prevalecer valores embasados na sabedoria popular desfavorecendo a moral.
A Revolução Franceza, eis o inimigo! Para combater a sua ideologia,
responsável pelo estado de desordem e inquietação que domina o mundo,
aparecemos justamente no dia em que os sectarios do liberalismo costumam
festejar o que eles chamam a queda do “despotismo” e o advento da
“liberdade”: 14 de julho! 226
Sendo bem é definida como “ação social católica no Rio Grande do Norte” a
Congregação Mariana no estado teria sido iniciada pela ideia de D. Antonio Cabral e, caberia
ao seu Centro de Imprensa a formulação e disseminação do pensamento católico no estado. O
jornal A Ordem foi fundado na mesma data, 14 de julho de 1935, data associativa aos mesmos
propósitos da Congregação Mariana e da Ação Integralista no estado. Tinha na presidência
Ulysses C. de Góes, redator-chefe Otto de Britto Guerra, redator-secretário Francisco Veras
Bezerra e gerente Manoel Rodrigues de Melo. Além do papel desempenhado na imprensa
incluía-se sua atuação na formação de técnicos e no cooperativismo. Com esses propósitos os
congregados marianos fundaram a Escola de Comércio e as Caixas Rurais e Operárias.
Ficava a cargo para os “Agentes da A Ordem nos estados” 227
a representação da
revista A Ordem em cada estado, neste caso, Francisco Veras Bezerra, membro da
Congregação Mariana e um dos líderes integralistas, era o responsável pela relação entre a
produção e divulgação da revista A Ordem no estado, como também pelo envio de artigos do
jornal A Ordem para a Revista.228
226
Idem. 227
Agentes da ‘A Ordem’ nos estados. A Ordem, Rio de Janeiro, n. 69, p. 379, nov. 1936. 228
A República, 14 de julho de 1933, p. 1.
116
A Congregação Mariana é uma instituição de mecanismos funcionais. As ordens
religiosas definem essa particularidade da Congregação Mariana. Os principais membros da
Congregação no estado eram integralistas e participavam do jornal A Ordem. Como a
produção do jornal estava inserida na importância de pesquisar as tomadas de posições de
quem as escreveu, percebemos as exceções e as permanências da produção do campo social e,
constatamos a produção dos agentes interligada a um determinado campo, daí averiguamos o
porquê das escolhas de determinadas obras e produções. Utilizando de tais recursos
percebem-se quais as finalidades das produções e quais os objetivos almejados, ou seja,
compreender com que e com quem a produção dos artigos jornalísticos dialogava.
Identificamos, portanto, essa produção no campo religioso e político e, que este emerge em
um campo intrínseco de forças no espaço social.
Por isso que refletirmos sobre a importância da Congregação Mariana empenhada na
década de 1930 no jornal A Ordem. Suas especificidades e ações como um microcosmo social
no campo religioso nos permite perceber a produção e participação dos Marianos na
imprensa, responsáveis na veiculação das informações e produções de intelectuais nesse
campo.
Falar da Congregação Mariana é remeter ao papel dos jesuítas que tem a participação
particular na Igreja, e dentro do arsenal jesuíta temos a Congregação Mariana no Rio Grande
do Norte. Assim, isto nos faz refletir: por que coube a ela a imprensa no estado? Qual a
relação dos jesuítas com a Igreja Católica? Podemos trazer a hipótese que caberia a este
microcosmo à posição específica para o empenho na função da divulgação do pensamento
católico por meio da imprensa.
A partir desse propósito, podemos entender a aproximação da Igreja com o
integralismo no Rio Grande do Norte: foi preciso firmar alianças para a Igreja redefinir sua
atuação como ator político no estado, onde se posicionava contra os grupos oligárquicos.
Podemos dizer que a Igreja no Rio Grande do Norte mantém um esforço de se aliar ao
integralismo, por onde recebeu a força política para atuar nesse campo do político.
117
Os novos estudos na área que vão de encontro ao conceito do ‘Fascismo Clerical’ 229
nos permitiram compreender a relação de aproximação e as dinâmicas e ações entre Igreja e o
regime político integralista que se fez presente no cenário político da década de 1930.
Podemos dizer que faz parte das estratégias políticas a aproximação com preceitos religiosos,
ou melhor, com a utilização do capital religioso que é fomentado pela instituição eclesiástica.
3.4. O anticomunismo norte-rio-grandense tradicional antes do Levante Comunista de
1935 no jornal A República
Percebemos que a construção do anticomunismo católico está permeada pelo
pensamento conservador do século XIX e pelas transformações nas práticas e estratégias em
prol de aumentar sua atuação na sociedade. A Igreja Católica no Brasil no século XX se
colocou em posição junto ao Estado como legitimadora da articulação do ideal anticomunista,
responsável pela disseminação e articulação no papel de doutrinadora da sociedade na década
de 1930, principalmente após a Constituição de 1934, que reconhece ganhos da Igreja e
estabelece premissas que vão levar sua doutrina a vários setores da sociedade.
Como bem analisamos, a História Local requer darmos continuidade a pesquisa
compreendendo os ditames da política local para perceber as diretrizes tomadas pelos grupos
políticos norte-rio-grandenses em consonância às demandas ao nível regional e nacional.230
Portanto, parte da documentação utilizada para a elaboração deste capítulo são os jornais
oriundos do levantamento de nossa base de pesquisa, reunidos e digitalizados em pesquisa do
grupo sobre a formulação do anticomunismo por parte da Igreja e do estado do Rio Grande do
Norte. São jornais que remetem ao tema anticomunismo mesmo antes da grande ‘onda
anticomunista’ de 1935, os jornais A Ordem e A República e, às diferentes construções e
definições atribuídas à categoria anticomunismo por cada um destes produtores e do ideário
anticomunista no estado.
229
PEIXOTO, Renato Amado. Creio no espírito cristão e nacionalista do Sigma: Integralismo e Catolicismo nos
escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo. In: RODRIGUES, Cândido et al. (Org.).
Manifestações do pensamento católico na América do Sul. São Paulo: Fonte Editorial, p. 80-104, 2015. 230
PEIXOTO, Renato Amado. Duas Palavras: 'Os Holandeses no Rio Grande' e a invenção da identidade
católica norte-rio-grandense na década de 1930. Revista de História Regional, 19, 35-57, 2014.
118
O jornal A República foi fundado em 1889 sendo representante do órgão oficial do
estado do Rio Grande do Norte. Neste período, como jornal diário, possuía a direção de
Anphiloquio Camara e na gerência João Cirineu.
Portanto procuraremos compreender a formulação do pensamento católico norte-rio-
grandense ao lado da construção do discurso anticomunista das organizações familiares, por
meio do exame da imprensa local, pois entendemos que nosso exame demonstra a existência
de diferentes construções desse discurso, a da identidade católica e a das oligarquias locais.231
Especificamente, compreendemos que esse discurso faz parte de uma estratégia de
produção de espacialidade da Igreja norte-rio-grandense, ligada a uma estratégia nacional e
que exige sua leitura a partir de fontes que ancorem essa percepção, por isso trabalharemos
também a revista A Ordem, do Centro Dom Vital e, procuraremos reconhecer traduções e
colagens do ideário anticomunista católico nacional no recorte estadual. 232
Em relação à produção do discurso anticomunista tradicional podemos verificar em
um dos artigos do jornal A República233
que remete a importância de publicar quais seriam os
motivos que levariam a Ação Integralista no estado a participar das eleições de 14 de outubro
de 1934. Neste artigo fica clara a importância de demonstrar o posicionamento político de seu
propósito de “salvar o Brasil da anarchia” por isso clama a todos participantes que cumpram a
fidelidade “a Deus, á Pátria e á Família” como condição indispensável para o cumprimento
para o ordenamento da sociedade.
Dessa maneira, evidencia quais são seus posicionamentos contrários à defesa perante o
inimigo que não compactua com a ideia da defesa de “Nação”, “Religião” e o “Deus
onipotente”. Por esse caminho que identificam quais são os alvos para o combate. Um desses
é o comunismo que pretende aniquilar as nações para se tornar em um “Estado universal” que
ficará a Rússia a responsabilidade de toda a dominação a este Estado. Outro inimigo é a
liberal-democracia, pois foi a partir do seu surgimento que fez germinar os males acarretados
do capitalismo e dos partidos políticos, pelos valores de desintegração disseminaram a
231
PEIXOTO, Renato Amado. Espacialidades e estratégias de produção identitária no Rio Grande do Norte no
início do século XX. In: Renato Amado Peixoto. (Org.). Nas trilhas da representação: trabalhos sobre a relação
história, poder e espaços. Natal: EDUFRN, 2012, v. 1, p. 11-36; 232
PEIXOTO, Renato Amado. Creio no espírito cristão e nacionalista do Sigma: Integralismo e Catolicismo nos
escritos de Gustavo Barroso, Padre J. Cabral e Câmara Cascudo. In: RODRIGUES, Cândido et al. (Org.).
Manifestações do pensamento católico na América do Sul. São Paulo: Fonte Editorial, p. 80-104, 2015. 233
Porque a Acção Integralista Brasileira concorre ás eleições de 14 de outubro. In: A República, 5 de outubro
de 1934. p. 6.
119
discórdia entre os membros de uma mesma nação. Nota-se que se definem não como um
partido, porém em algo superior a qualquer partido político:
Duas forças nos distinguem de qualquer partidos políticos, pois nos colocam
fora e acima de todos eles: o espírito de rígida disciplina e a expressão
espiritual. Nós somos uma milícia e temos uma Fé. Luctamos, acima de
tudo, por uma idéa. 234
Defendem o posicionamento por não se pronunciarem como partido, não estão de
acordo com essa formação política, pois não aderem a movimentos que possam desintegrar a
nação, e um desses movimentos é visto como a formação de partidos que em vez de unir,
desagrega o país em forças antagônicas. Afirma a falta de confiança no voto, “a mentira do
voto universal”, mesmo sendo secreto. Para os integralistas o voto é utilizado pela democracia
liberal apenas uma forma de como “infiltração doutrinária”. Por isso o voto é considerado
apenas uma objeção aos integralistas e por eles será derrotado. “O voto integralista será um
protesto contra o voto liberal”. 235
Como se colocam como um “movimento regenerador” cada voto adquirido nessas
eleições será uma forma de demonstrar a simpatia a essa causa. As eleições de 14 de outubro
serviriam como uma maneira de propagar os ideais integralistas pelo estado tanto na área
urbana como nos municípios. Cada voto conquistado seria uma maneira de expressar o
descontentamento “um protesto” em busca de um país melhor.
Prevalece no voto integralista a inserção de valores espirituais, neste caso se referindo
ao catolicismo, o que chama atenção para uma relação de colaboração entre os valores
católicos e a política. Mesmo tendo sido conseguido pela Constituição de 1934, o
integralismo se encarregará de concretizar esses valores na política do país. Para eles, o estado
liberal estava impossibilitado de concretizar as “reivindicações religiosas” e, seria por meio
do Estado Integralista que fornece a base da “espiritualidade”.
O jornal A República mostrava que uma das medidas em andamento na Câmara era a
promulgação da Lei de Segurança Nacional236
com o objetivo de proteger a nação contra “a
qual elementos dissolventes, ou os que a elles se associam por interesses inconfessáveis, vêm
234
Idem. 235
Idem. 236
O Problema da Segurança Nacional. In: A República, 30 de março de 1935. p. 1.
120
deblaterando improficuamente”. 237
O jornal salientava que, era um assunto que já
apresentava respaldo de toda a nação, por isso a importância de criar uma lei de defesa contra
os males externos que ocasionavam a desordem do país.
Mas o que nos chama atenção é que, ao noticiar o andamento para a aprovação no
Senado dessa lei se ressalta ser ela de interesse de todos os representantes da nação, para “a
sua própria defesa, e das instituições”, pois se definirá e identificará o inimigo a ser
combatido, para, dessa forma, manter a proteção e a ordem da nação. Seria neste aspecto que
entraria a importância do surgimento da lei para combater os princípios e ações comunistas,
fazendo alusão aos “apóstolos vermelhos”, atitudes inerentes ao pensamento e atitudes da
esquerda no Brasil:
Os que a impugnam estão, declarada ou veladamente, no número daquelles
cujas actividades terão que ser reprimidas a todo custo por nocivas aos
interesses nacionaes em momento tão grave como o que o paiz atravessa,
envolvido pela propaganda extremista. Dos que cultivavam ideologias
estranhas por desporte intelectual, por desfastio ou por snobismo possamos á
exhibição quotidiana de sectarios mais praticos, cujas sementes começam a
medrar. As greves futeis ficaram no cartaz. Manifestações subversivas de
toda ordem entraram a apparecer nos pontos mais diversos do território
nacional como signal de que da indisciplina dos espíritos aos poucos vamos
resvalendo para a propria anarchia no ambiente ambicionado pelos apóstolos
vermelhos para a implantação das suas experiencias revolucionarias. 238
Um importante aspecto que chama a atenção para não a demora na aprovação da lei,
era a de ser entendido que este já era um dos perigos reais no país. Seria necessária a
implantação da lei para a “organização social e política”, pois esse mal se verificaria em todas
as regiões e são coagidos pelos mesmos inimigos. Por meio da Lei de Segurança Nacional se
restabeleceria a ordem combatendo “os maus brasileiros que o assediam” para tirarem seus
princípios inerentes a tradição da nação.
É neste contexto que Otto de Brito de Guerra, um dos membros da Congregação
Mariana e também um dos principais líderes integralistas do estado, escreveria o artigo
237
Idem. 238
Idem.
121
“Ensaio sobre o Homem” 239
como forma de chamar a atenção do mal do comunismo e do
socialismo, suas formas e maneiras de agir na sociedade. Inicia com a pergunta “Quem é o
homem?”. Otto Guerra explana respostas formuladas pelos filósofos da Grécia Antiga e ao
mesmo tempo refuta que a melhor explicação cabe aos ensinamentos do catecismo “o homem
“composto de corpo e alma, dotado de razão”. Assim, inicia seu artigo defendendo a formação
filosófica do catolicismo para poder rebater os ideais do comunismo. Faz a ressalva das
mudanças inerentes ao ser humano e suas diversidades do bem e do mal, porém, não a uma
mudança onde prevalecesse o valor científico da modernidade. Rebate o pensamento
filosófico do comunismo, quando Lenine e Trotsky argumentam a favor da mudança ocorrida
da subjetividade humana para melhor na fase de transformação do socialismo ao comunismo.
O comunismo não tem o dom de vibração das almas. Fica na superfície, do
lado de fora da vida, ou melhor, para ser absolutamente fiel á orthodoxia de
sua doutrina, penetra em parte e atravez de portas escusas. 240
Nesse sentido contesta a filosofia comunista ao apontar que o comunismo não traria
mudanças positivas ao homem, não o modificaria, afinal, se o comunismo quisesse
transformar o homem utilizaria de outros princípios, pois não há novidade em seus preceitos,
o que Otto Guerra vê é uma ação embasada nos ideais do capitalismo. O comunismo seria da
mesma origem ideológica do capitalismo e se verificaria seus aspectos apenas voltados ao
materialismo “É o próprio conceito individualista, burguez, capitalista, provam-no á
sociedade os espíritos mais illustres. É o mesmo espirito de ambição, de vida fácil, de goso
material”.241
Assim, o autor aponta que o capitalismo só poderia ser combatido por meio de
“um grande movimento politico, que penetre as massas”.
3.5. O anticomunismo católico norte-rio-grandense
O que pensarmos da atuação política da Igreja Católica no Rio Grande do Norte na
década de 1930? Por que a formação de um jornal A Ordem que remete ao mesmo nome e aos
mesmos ideais políticos, sociais e filosóficos da Revista A Ordem do Centro Dom Vital do
Rio de Janeiro?
239
GUERRA. Otto. Ensaio sobre o Homem. In: A Republica, 2 de agosto de 1935. p. 3. 240
Idem. 241
Idem
122
São a essas indagações que as fontes do período nos fornecem uma busca de
compreender a atuação política e social da Igreja. Compreender seus mecanismos e estratégias
de ações na produção de um discurso anticomunista que permitem adentrar no campo político
e continuar a ser um dos agentes responsáveis na produção do capital religioso.
Esse é um dos aspectos importante da produção do capital religioso na
imprensa católica do estado. Todos os membros responsáveis pela produção do jornal A
Ordem eram membros da Ação Integralista. Podemos afirmar que coube a produção do
pensamento católico a participação dos seus membros no integralismo no estado. Podemos
apontar que a imprensa integralista se utilizava do jornal A República, órgão oficial do estado,
para a disseminação e propaganda do integralismo. Após o surgimento do jornal A Ordem não
se verificou mais a permanência atuante das ideias integralistas e de seus intelectuais no jornal
A República, e o jornal católico passou ser o porta-voz do integralismo norte-rio-grandense e,
ao mesmo tempo, o divulgador do pensamento católico nacional.
Por observar essa função de divulgação, a pesquisa nos proporcionou compreender a
relação intrínseca entre a produção do pensamento católico nacional com a produção de um
pensamento local, na medida em que averiguamos a mesma produção ideológica nos artigos
da revista A Ordem e do jornal A Ordem
Uma das preocupações dos católicos era o medo que advinha das organizações que
tinham representação do comunismo, como a Aliança Nacional Libertadora. Mesmo já
estando colocada na ilegalidade esse vai ser um dos temas que será abortado pela imprensa
católica. Esse artigo242
nos traz a informação da ligação da ANL com os objetivos da III
Internacional Comunista. Podemos nos perguntar o porquê desse assunto ser abordado no
jornal se a ANL já se encontrava impedida de suas funções na política. O que o artigo nos
fornece não é a sua ilegalidade, mas a sua relação com um movimento de cunho internacional,
e neste caso demonstra as manobras de intervenção da III Internacional Comunista.
O assunto se inicia com a notícia de um jornal soviético que traz a relação da URSS
com o Brasil e a China pelo líder comunista Dimitroff, secretário geral do Kominterny,
informando o surgimento de uma “frente única anti-imperialista” nos países ditos “coloniais e
semi-coloniaes”. O Brasil ficou a cargo da implantação através da Aliança Nacional
242
As Ligações da Alliança Nacional Libertadora com a Internacional Communista. In: A Ordem, 6 de setembro
de 1935. p. 1.
123
Libertadora com os ideais advindos do partido comunista. Assim, adverte que essa
informação é uma das provas irrefutáveis sobre o perigo do comunismo no país o que justifica
o fechamento e sua ilegalidade na nação.
Centro de actividade vermelha, dali se irradiava, atravez de uma campanha
de imprensa evidentemente extremista e, sobretudo, atravez da acção
tentacular dos vários núcleos espalhados pelo paiz, a propaganda das idéas
que teem por objectivo a destruição das conquistas democráticas, no terreno
politico, e dos mais elevados sentimentos Moraes, no campo social. 243
Entretanto, adverte que mesmo que a ANL esteja proibida não significa que estejamos
protegidos desse mal, é necessário ficarmos atentos, como bem demonstra o jornal, a atuação
ilegal que faz parte do comunismo. Logo, devemos nos defender dessas manobras que atuam
“projectadas na sombra, com medidas que ponham o povo em condições de se defender
victoriosamente dos seus botes traiçoeiros”. 244
Dessa forma, a notícia comenta que um dos objetivos do mal do comunismo é a classe
trabalhadora, fazendo que ela passe a acreditar que toda a desordem social, econômica e
política são culpa de governos de viés democrático-liberal. Por isso que se faz necessário a
defesa, utilizando medidas preventivas, que sejam por meio de uma moral e não pelo
“raciocinio” e o “discernimento”.
O Objetivo é crear nas massas um estado de espirito tal que as faculdades do
raciocínio e do discernimento se tornem negativas. Todos os
descontentamentos parciaes são fundidos, assim, num grande descontamento
collectivo de que se faz o aríete demagogigo contra as instituições”. 245
Com esse mesmo argumento em outro artigo246
verificamos novamente os males
acarretados pelas relações internacionais que o governo soviético vem traçando pelos países
"capitalistas e liberais”, pois não identifica apenas uma relação econômica, mais que isso, por
traz dessa relação a III Internacional, com seus “propositos pacifistas”, aproveita para a
disseminação dos seus ideais pelo mundo.
243
Idem. 244
Idem. 245
Idem. 246
Como a III Internacional defende a “paz” entre as nações. O protesto dos Estados Unidos Contra A Rússia.
In: A Ordem, 30 de agosto de 1935. p.1.
124
Um dos motivos que prova essa situação é a notícia enviada do Rio de Janeiro por via
aérea para o jornal A Ordem, uma nota de reclamação do governo dos Estados Unidos com
relação às intervenções políticas ocorridas em seu país por parte da União Soviética, isso
depois do acordo entre os dois países em novembro de 1933. Membros do partido comunista
estadunidense estavam presente no Congresso da III Internacional Comunista, isso foi um dos
motivos que levou o governo desse país a considerar ter havido uma transgressão do acordo
assumido. O governo dos Estados Unidos considera “recusa ou a incapacidade” por parte da
União Soviética em não tomar medidas que reparem esse mal e considera que poderá
ocasionar “serias consequencias” na relação entre os países.
FIGURA 3 – ‘A POMBA DA PAZ’ – IMAGEM REPRESENTATIVA DA
DIVULGAÇÃO DA PAZ PELA RÚSSIA
Fonte: Jornal ‘A Ordem’ 30/08/1935
O padre Heroncio foi um dos maiores articuladores do anticomunismo católico norte-
rio-grandense neste período. Já em setembro de 1935 nos traz o artigo247
em que deixará
claro, se referenciando aos postulados do comunismo, que este é inimigo da família e da
pátria, utilizando o argumento de Bonald, afirma: “Quando o Estado destroe a família, esta se
vinga destruindo o Estado”.248
Deveria prevalecer a importância de manter os valores
conservadores que exprimem a valorização da família como “laboratorio sagrado” e, como
sendo a extensão da sociedade, por isso a importância da unidade familiar com seus valores
mantidos.
247
HERONCIO, Pe. Inimigos da Pátria. In: A Ordem, 13 de setembro de 1935. p. 1. 248
Idem.
125
Quaisquer ideias que possam quebrar a organização das “familias legitimas” corre o
risco de perder a ordem social e está prevalecerá na supressão dos valores da nacionalidade. É
a família a responsável pela defesa e provimento desses princípios, assim, “qualquer attentado
contra a organização da família redunda em prejuízo da nacionalidade”.249
Padre Heroncio
demonstra assim que o comunismo é o inimigo da família, consequentemente da nação,
afinal, “assim, se expressa Gogkherg: ‘o partido communista deve substituir a família”. E, por
conseguinte, um dos aspectos do mal do comunismo era a permissão das uniões livres serem
aceitas como casamentos, o divórcio era aceito por qualquer justificativa, como também a
poligamia, o casamento entre pais e filhos e por meio de irmãos.
Outro aspecto que caracterizaria o comunismo seria a permissão do aborto pelo
governo, outro, a liberdade da mulher que não roga mais da autoridade dos pais e maridos.
Heroncio mostra também o exemplo das mulheres da cidade de Saroloff que foram
“nacionalizadas” e, como resultado, as mulheres comunistas haviam passado a ser posse do
Estado sofrendo nas mãos de homens e “aos mais baixos costumes dos selvagens”. Por fim,
faz uma ressalva ao perigo que ameaça ao Brasil, que se faz necessário afastar os “pseudo-
patriotas” que querem ameaçar a moral da família brasileira.
Pensará alguem que os communistas brasileiros são differentes dos da
Russia? Engano. Aliados aos barbaros modernos, os communistas brasileiros
estão ás portas da nacionalidade, aguardando o momento opportuno para o
festim do sangue e da vingança, da obstruição e do saque. Não os demoverá
o respeito á santidade da familia. Inimigos da familia, são,
consequentemente, inimigos da patria. Transfugas da brasilidade vendem-
nos ao inimigo extrangeiro, pelo preço da traição. 250
Padre Heroncio dá continuidade em outro artigo essa argumentação a respeito dos
males do comunismo, agora associados a “offensiva contra Deus”,251
pois, segundo ele, nunca
ocorrera antes de um povo ser contrário à ideia de Deus. A divindade era algo presente em
todos os povos, até os bárbaros possuíam e respeitavam suas divindades.
Heroncio afirma que o comunismo não se declara contrário a figura de Jesus Cristo,
mas se coloca em “guerra de morte” de prontidão contra todos os tipos de crédulos religiosos,
249
Idem. 250
Idem. 251
HERONCIO, Pe. Estultos e blasfemos. In: A Ordem, 6 de setembro de 1935. p. 1.
126
seguindo a frase de Marx “A religião é opio para o povo”, portanto, somado com os
pressupostos do materialismo de Marx e do evolucionismo de Darwin o comunismo agiria
com o objetivo de extinguir a ideia de Deus.
O mesmo Heroncio argumenta ainda com a fala de Zinoviev, presidente da III
Internacional, que o programa desta se baseia no materialismo científico, logo, esta defenderia
o princípio do ateísmo. Também afirma que Bukarin escrevera que Deus teria que ser julgado
pelos males acarretados na terra. Além do mais, o governo soviético teria sido o responsável
pelo fechamento de “1119 igrejas, 126 synagogas e 122 mesquitas”. Finalmente, chama
atenção para a difusão do ateísmo nas escolas e programas soviéticos como sendo “processos
diabolicos de perversão das almas”.
Em pleno seculo vinte, o mundo assiste a essa revolta contra Deus, e
consequentemente, contra a razão e contra a logica; a esse espectaculo de
blasphemias e maldições, que assombra os dias dos Neros e Dominicanos.
252
Com relação a esse mesmo aspecto, o jornal nos traz o artigo “Communismo e
Atheismo” de padre J. Cabral 253
em que este adverte que os soviéticos estão influenciando o
as convicções do povo brasileiro e, tentando convencer que o comunismo não se apresenta
contrário à religião e que o combate não se faz ao catolicismo, porém, ao capitalismo e aos
capitalistas. Dessa forma que o comunismo, principalmente na região Nordeste, tenta
camuflar que não são ateus, emitem uma imagem que há uma boa relação com o catolicismo
no país. Todavia, fazendo referência ao ateísmo russo e, por meio da propaganda comunista,
apresentam ações que justificam seus posicionamentos antirreligiosos. Assim, descreve os
princípios e medidas utilizando como exemplo o livro “Moscovo sem mascara” de Joseph
Douillet, a repressão às religiões na Rússia descreve três posicionamentos:
1 - Organização de uma propaganda systematica contra a religião; ao lado
desse modo de combate, uma tolerancia absoluta e plena a todo e qualquer
ataque á religião, sobretudo quando se trata de actividades da juventude
communista;
2 - Pressão legislativa e fiscal do Estado contra a Igreja; desse modo se tenta
tornar impossivel o funccionamento regular do culto publico.
252
Idem. 253
CABRAL, Pe J. Communismo e Atheismo. In: A Ordem, 1 de outubro de 1935. p. 1.
127
3 – Perseguição directa, por via da G.P.U., que mantem e ampara toda
empresa capaz de decompôr ou enfraquecer a religião. 254
Padre J. Cabral deixa evidente e com mais detalhes demonstrando por meio de
estatísticas e de dados dos inúmeros casos de intolerância a religião na Rússia em seu livro ‘A
Miragem Soviética’. O governo fornece subsídios a grupos ateístas como a “Komsomol, a
mocidade communista” e que não pune seus atos “assegura a impunidade de todos os
attentados sacrillegos, quer perpetrado em manifestações publicas, quer effectuados sob certa
reserva”.255
Tudo isto ficaria a cargo da Sociedade dos Atheus Militantes que
desempenhariam um movimento de repressão e de disseminação de princípios para “apagar
da consciencia humana a idéa de Deus, os principios da moral e as noções religiosas”. 256
Os
meios de comunicação de rádio, cinema e, em específico a imprensa da União Soviética que
possui inúmeros jornais e revistas espalhados pelas regiões e, em vários idiomas, são um dos
mecanismos utilizados na disseminação dos princípios ateus.
Pouco depois, Padre Heroncio um artigo que remete a pergunta: “Communismo é
aquillo?”. 257
Fica novamente a cargo desse sacerdote a atribuição de definir o comunismo e
alertar suas causas e consequências no país. “Os attentados communistas” que já se
apresentam no Brasil são um alerta da disseminação das “idéas subversicas” no meio
operário:
Os planos diabolicos de inutilizar serviços publicos, e occasionar a morte a
pessoas, em bloco ou isoladas, é uma demonstração dos processos utilizados
pelos communistas. Tendo o odio por principio e não reconhecendo a Justiça
de Deus, cuja existencia combate, o communismo é friamente criminoso,
comprazendo-se em assistir a agonia de suas victimas. Só está bem quando o
sangue lhe ensopa as garras de terrível abutre. O massacre é o seu
mandamento, o attentado contra a vida e a propriedade o seu credo. 258
Heroncio continua sua argumentação descrevendo o regime comunista implantado na
União Soviética pelo regime bolchevista, enfatizando as inúmeras mortes e fuzilamentos de
operários, camponeses e intelectuais, todos assassinados pelo governo. Também descreve em
254
Idem. 255
Idem. 256
Idem. 257
HERONCIO, Pe. Communismo é aquillo? In: A Ordem, 9 de outubro de 1935. p. 1. 258
Idem.
128
números os genocídios que acontecem em quase todas as regiões da Rússia. Relata que
10.000 mil operários haviam feito manifestações em Astrakan, em torno de em protesto em
prol dos seus direitos e que destes 2.000 mil tinham sido massacrados. Ninguém escapava da
tiraria do governo bolchevista e isso incluía mortes de crianças, velhos e mulheres.
Padre Heroncio descreve um governo de viés comunista para exemplificar o que seja o
sistema comunista e chama a atenção para o perigo disto acontecer no Rio Grande do Norte.
Seu medo já evidencia a atividade comunista no estado e, adverte contra a infiltração
comunista no meio dos operários do Rio Grande do Norte. Por todos os exemplos de violência
e mortes que o comunismo pode acarretar, padre Heroncio exclama porque ainda havia quem
se deixasse levar a influenciar pelo comunismo. E lamentava que muitos não queriam
enxergar os perigos que o comunismo acarretava, rogando para que os operários não se
deixassem aproveitar, pois “a dictadura do proletário” na Rússia é uma ilusão que na verdade
leva a escravidão, enquanto enriquece os líderes comunistas: “Não é mais licito por em duvida
os intuitos dos communistas. A realidade, a triste realidade, está ahi, a desafiar qualquer
illusão”. 259
Dando continuidade à definição do que seria esse comunismo Emília Pinheiro, no
artigo “Santo Thomaz de Aquino e o Communismo”,260
vem apontar os perigos que rondam a
sociedade brasileira por meio da ANL estar infiltrada com os adeptos do comunismo. Ela
deixa evidente que os ideais comunistas são antagônicos aos princípios do integralismo.
A autora chama a atenção à desordem ocasionada pelos adeptos do socialismo da ANL
no Brasil, principalmente se referindo as desordens confirmadas pela polícia no Rio de
Janeiro, em contraposição a ordem defendida pelos adeptos do Sigma. Sua preocupação era
em relação à disseminação dos ideais comunistas junto aos operários, é neste aspecto que se
estaria ocasionado a desordem, pois os homens estariam a cada dia mais adeptos aos valores
do materialismo e desfavorecendo os princípios cristãos. Acusa com os males ocasionados
pela liberal democracia que prevaleceu na Constituição de 1891 e coloca que a solução do
problema requer que fossem seguidas as orientações da Igreja e os mandamentos da moral da
sua doutrina.
259
Idem. 260
PINHEIRO, Emilia M. M. Santo Thomaz de Aquino e o Communismo. In: A Ordem, 6 de novembro de 1935.
p. 1.
129
Abandonando o lado politico da questão, e considerando que a Igreja acima
de todo o regimen e partido, a nenhum compete apoiar, se não, pela sua
doutrina, orientar e dirigir os indivíduos que se acham á sua testa (...) 261
Na doutrina social da Igreja, Emília Pinheiro remete a Santo Tomaz de Aquino quando
este profere que ao homem está correto de possuir fortuna, mas esta que o sirva com o
objetivo “requerido para o exercício da virtude”. Chama atenção da desigualdade econômica
existente, com inúmeros indivíduos a sofrer pela pobreza e, pede que os ricos possam na
caridade e justiça auxiliar os menos favorecidos para a sua salvação, aos pobres, cabem a eles
aceitarem a sua condição. Só dessa forma se poderá combater os princípios defendidos pelo
comunismo no meio operário.
Ha paginas inconfundiveis nas Encclicas dos Papas que atemorizariam
muitos egoistas, convencendo-os de que a fraternidade christã, unicamente,
poderá salvar a sociedade do communismo: os ricos auxiliarão aos pobres
que, por sua vez, deverão acceitar a inevitavel desigualdade de condições. 262
No discurso anticomunista que prevaleceu no jornal A Ordem antes do Levante
Comunista de 1935 há a uma ênfase nos males acarretados pelo comunismo, especificamente
ao partido de sua representação a Aliança Nacional Libertadora, das ações da III Internacional
Comunista, e aos países que prevaleciam ao sistema político de viés comunista. São artigos
em que predomina a advertência da insatisfação que se apresentava na forma concreta dos
“bárbaros modernos” e suas influências na contemporaneidade.
3.6. O anticomunismo norte-rio-grandense após o Levante Comunista de 1935
Após o Levante Comunista de 1935, a relação entre a Igreja e o Estado no nível local e
nacional se fortalecem em torno da defesa contra o inimigo comum, o comunismo, pelo medo
de uma nova tentativa de tomada de poder que visasse à implantação do regime comunista. A
insurreição não foi apenas um ato de rebeldia contra o Estado, mas também confirmou a
possibilidade da implantação de um novo regime político, que ocasionaria mudanças radicais
no quadro social do país. Percebemos que depois do Levante Comunista, a Igreja, com a
permissão do Estado, passou a ser a porta-voz doutrinária e ponta de lança de posições
políticas e sociais.
261
Idem. 262
Ibidem, p. 4.
130
O Levante Comunista de 1935 se apresenta como um marco referencial da produção
anticomunista, pois o Levante se torna o parâmetro para a justificativa de tomadas de posições
políticas com o intuito de prevenção contra o ‘mal’ advindo do comunismo.
O Levante Comunista, em Natal, originou-se no 21° BC (Batalhão de Caçadores),
unidade do Exército do estado. Soldados e cabos ligados ao Partido Comunista, insatisfeitos
com a ordem de sua demissão, com o apoio do partido local e de civis ligados aos sindicatos,
articularam o movimento no próprio quartel, somente enfrentando resistência da polícia do
estado. Autoridades do governo se refugiaram nos consulados estrangeiros. A direção do
movimento tornou-se o “Comitê Popular Revolucionário”, baseado nas normas da ANL, e
articulou planos de dominar o restante do estado por intermédio de três principais “colunas”: a
oeste, em direção a Mossoró, outra a caminho da cidade de Nova Cruz, e a terceira no sentido
da cidade de João Pessoa. A insurreição durou três dias e foi vencida pelas tropas federais
com a participação do “Coronel” Dinarte Mariz.
Além do Levante, outros acontecimentos no Rio Grande do Norte, também teriam
influência, como a Guerrilha da Várzea do Açu de 1935-1936 integrada por trabalhadores
rurais e das salinas, influenciados pelo Sindicato do Garrancho, acabaria sendo derrotada
pelas forças policiais. E a menção à Guerra Civil Espanhola (1936-1939), também se faz
presente, servindo para enaltecer a produção do anticomunismo e do discurso da ordem no
estado, contribuindo para o fortalecimento do desse ideal para a defesa da ordem.
O discurso contra o comunismo no jornal ‘A República’ vem expresso por Edgar
Barbosa em seu artigo ‘Legitima Defêsa’ 263
. Traz a advertência aos perigos que o comunismo
trouxe a nação e os males que podem ocasionar caso o governo não tome medidas autoritárias
para barrar esse mal. Neste contexto, o autor exemplifica que uma das medidas preventivas
foi ao decreto que instituiu estado de guerra durante noventa dias a toda a nação como forma
de evitar novas ameaças comunistas. A ordem vem sendo estabelecida com medidas contra os
invasores “estrangeiros, sem apatia e sem humanidade, cujo destino é atear no mundo em
nome de um credo espurio, a fogueira da anarchia e da miséria.” 264
Reforça que o combate é contra o comunismo no Brasil e só por meio de um governo
forte que possamos restabelecer a ordem cumprindo a lei na defesa dos nossos valores. O país
263
BARBOSA, Edgar. Legitima Defêsa. In: A República, 25 de março de 1936, p. 1. 264
Idem.
131
vem sofrendo “de um liberalismo excessivo, feito de condescendências, de renuncia, de
esquecimentos fáceis e perdões complacentes”. Toda essa desordem foi ocasionada pelo
governo russo e por seus agentes tentaram espalhar o mal por meio de partidos liberais
democráticos, mas era o socialismo soviético na defesa das ideias de Stalin.
Em summa, a guerra é do Brasil contra o communismo, contra esta praga
nascida no pantano de uma civilização morta e que vem batendo, como esses
phantasmas da meia-noite, á porta de todas as nações. Desse doloroso transe
por que passa o mundo, desse choque entre as forças do bem e do mal, o
Brasil teria de sofrer as consequencias, porque, infelizmente, de todos os
paizes americanos, nenhum havia mais propício á floração das idéas malsãs
do que o nosso. 265
O anticomunismo presente no jornal ‘A República’ está vinculado ao regime
comunista do regime soviético e principalmente fazendo menção aos males do Levante
Comunista de 1935. Uma particularidade encontrada nesse discurso é enaltecer que o
comunismo é o reflexo de um a sociedade que aderiu aos preceitos do liberalismo, na liberal
democracia não há a presença de medidas para barrar o comunismo. Após os acontecimentos
de novembro no Brasil, apesar da complacência que houve por parte de alguns brasileiros,
agora se ver a necessidade de defender os valores da pátria, a família e a religião. Sendo mais
uma justificativa das atitudes do governo na promulgação do estado de guerra ocasionada pelo
o levante dos extremistas e que está servindo para combater o inimigo. 266
Com effeito, o estado de guerra tem servido ao seu verdadeiro fim, pois é da
essencia do regimen não confundir os seus inimigos, réos de uma culpa
tremenda, com os adversarios do governo, militantes de outros partidos,
alguns dos quaes filhos bastardos, mas sempre filhos, do nosso dadivoso
liberalismo. 267
A preocupação é as consequências que possa ocasionar do estado de guerra com a
relação diplomática com outros países, porém, deixa evidente que esse ato do governo foi pela
defesa da nação, não houve qualquer ato de negação a essa atitude de defesa contra o
comunismo e suas influencias soviéticas no país. O principal motivo para o governo foi a
proteção do governo “contra os inimigos externos”. A toda essa desordem ocasionada foi
265
Idem 266
A Situação. In: A República, 3 de maio de 1936, p. 1. 267
Idem.
132
prevalecida por brasileiros que aderiram aos preceitos da Rússia em desprezaram os valores
da nossa pátria. Foram indivíduos “animalizados” e “salteadores” como Prestes e Livinoff.
Foram elementos que participaram da política brasileira e ao mesmo tempo empenhavam-se
na destruição das “instituições mais sagradas do paiz”. 268
A arma favorita dos communistas é o terror, como o seu credo é o assalto, o
roubo, a destruição da familia, o anniquillamento da fé religiosa. O
communismo não conhece outro clima moral. E por isso, todas as flores da
civilização humana do ocidente são pisadas, despetaladas por esses novos
hunos, cujos symbolos são instrumentos de destruição e não de trabalho,
como elles fazem crêr. 269
Um dos intelectuais renomados Alceu Amoroso Lima continuou fornecendo seu
pensamento anticomunista que também foi expresso no jornal ‘A República’270
. A matéria
fornece sua palestra sobre os males do comunismo divulgada na Hora do Brasil do
Departamento Nacional de Propaganda. A informação nos traz que o mal do comunismo vem
alicerçado e divulgado pelo governo Russo que possui caráter imperialista por meio de uma
“Revolução universal” de acordo com os preceitos orientados por Marx e Lenin. Explana
como alerta os perigos que o comunismo pode adentrar no país, mesmo sabendo que o Brasil
não é campo propício, mas o comunismo com suas estratégias expansionistas e com suas
podem conseguir adentrar no país.
Deixa claro que se o comunismo fosse apenas um partido político não teria com o que
se preocupar, porém, é mais que isso, “o perigo do communismo está em ser uma concepção
total do mundo e uma mystica. Contra isso só podemos obstar oppondo uma outra concepção
total do mundo e uma outra mystica”. 271
E assim, clama para atuação dos preceitos do
catolicismo para o combate a este mal “materialista e athéa”. Só através dos ideais católicos
“espiritual e theocentrica” poderá se proteger contra os postulados de Moscou da sua “mystica
satanica do anti-Christo”.
Para isto, se tornou necessária à produção de uma identidade e espacialidade baseadas
no catolicismo, ancorando regional e nacionalmente, essa produção anticomunista, caso da
268
Velhos Thêmas. In: A República, 29 de março de 1936, p. 1. 269
A União Sagrada. In: A República, 15 de maio de 1936, p.1. 270
Os males do communismo e meios de combate-lo. In: A República, 11 de dezembro de 1937, p. 1. 271
Idem.
133
produção centrada na elevação dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu ao primeiro plano dessa
espacialização. 272
Esse discurso nos chama atenção para o posicionamento em relação ao comunismo, o
perigo iminente que ocasionaria a destruição da estabilidade na sociedade dos valores cristãos.
Logo, se forma todo um aparato de imagens que referenciam o comunismo como o inimigo a
ser combatido, pois este disseminava atitudes desumanas e terroristas, possuidoras de uma
falsa ideologia.
No século XVII com a presença do domínio holandês na região açucareira do Brasil
que ocorreu a intolerância à prática do catolicismo por parte dos holandeses. Durante vinte e
quatro anos do domínio holandês foi possível à transformação social e política na sociedade
que acarretou em modificações também ao culto religioso, pois os holandeses eram adeptos
ao protestantismo reformados. Essas diferenças religiosas ocasionaram na repressão às
comunidades católicas da área. No Rio Grande do Norte, no povoado Cunhaú, Holandeses e
indígenas perseguiram membros da Igreja e seus seguidores. O massacre foi realizado no dia
16 de julho de 1645, quando os aliados dos holandeses entraram na capela do povoado
matando a todos, o padre André de Soveral, que celebrava o culto e mais 69 membros da
comunidade. O massacre teve continuação no dia 3 de outubro quando mataram o padre
Ambrósio Francisco Ferro e seus paroquianos foi à margem do rio Uruaçu. De todos os
martírios a tradição aponta que o mais foi emblemático foi à morte de Mateus Moreira que ao
ser retirado seu coração pelas costas exclamou: “Louvado seja o Santíssimo Sacramento”. 273
Como bem sabemos a narrativa dos mártires de Cunhaú e Uruaçu foi reelaborada,
assim como a sua representação, por meio da beatificação de seus mártires. Ao mesmo tempo
em que Padre Heroncio reelaborava a história do Rio Grande do Norte era incluída em seu
discurso a beatificação de mártires de acordo com os males do período, realizando uma
construção história identificando o mal por meio do invasor, o estrangeiro, o protestante e,
também, o comunista.
Padre Heroncio como colaborador do discurso anticomunista continuará sua
contribuição à imprensa católica, só que dessa vez trazendo toda uma problemática que
272
PEIXOTO, Renato Amado. 'Duas Palavras': 'Os Holandeses no Rio Grande' e a invenção da identidade
católica norte-rio-grandense na década de 1930. Revista de História Regional, 19, 35-57, 2014. 273
Novena aos Protomártires do Brasil. Centro de Pastoral Popular. Brasília, p. 1.
134
remete a construção do discurso anticomunista atrelado aos valores nacionais, na formulação
de uma identidade estadual atrelada a valores heroicos da formação dos mártires católicos.
Em seu artigo intitulado “Nobreza de attitude” 274
, padre Heroncio inicia
demonstrando a sua gratidão aos deputados estaduais pela aprovação da lei que celebrava os
mártires: “Em nome de Deus todo Poderoso” aprovada pela Constituinte estadual do Rio
Grande do Norte. Para o autor a aprovação veio em momento oportuno, pois concretizava a
vontade do povo e ao mesmo tempo era uma afirmação contra ao comunismo, sendo “uma
reparação ao crime que se praticou, ultimamente, contra a civilização christã”. 275
Teria sido
uma atitude nobre dos Deputados, pois estes estariam de acordo com os preceitos defendidos
pelo povo.
Quando se quiz implantar no Estado a doutrina sangrenta dos barbaros
modernos, o povo heroico da terra potyguar, revivendo suas gloriosas
tradições catholicas, olhando na curva longinqua do passado as figuras
varonis dos martyres de Uruassú, ouvindo a voz de Mathias Moreno a
exclamar, quando lhe arrancavam o coração: “Louvado seja o Santissimo
Sacramento”, o povo consciente do Rio Grande do Norte pelos seus
legitimos representantes, faz a sua Constituição em nome de Deus! 276
Heroncio aponta também que a retirada do preâmbulo na Constituição de 1891, junto
com a influência do positivismo, ocasionou um atentado à soberania popular, isso demonstra
que a força dos ideais do positivismo não venceu o sentimento cristão da nação, “não
conseguiu separar o sentimento religioso do sentimento da brasilidade”.
Este ato demonstrou sua fragilidade com o desajuste ocasionado, que trouxe o
fortalecimento da doutrina cristã e a certeza que não é possível à política ser guiada sem os
valores divinos. O ateísmo influenciado pelos ideais do positivismo estava prevalecendo sobre
o afastamento dos valores: a “liberdade, a honra, o direito e a justiça se tivesse conseguido
extinguir a fé”. 277
Após quarenta anos das tribulações postas por uma Constituição ateia,
ressurge a nova Constituição de 16 de julho como forma de demonstrar os valores que o país
recebeu desde os ensinamentos dos jesuítas e suas tradições no catolicismo.
274
HERONCIO, Pe. Nobreza de attitude. In: A Ordem, 15 de janeiro de 1936. p, 1. 275
Idem. 276
Idem. 277
Idem.
135
Padre Heroncio dá continuidade ao combate do comunismo no artigo “Os
formigueiros” 278
. Neste texto o autor demonstra por meio da metáfora de formigas, que em
pequeno estágio de formação dos formigueiros, estas não ocasionam mal ao reino, fazendo
analogia ao mal do comunismo, mas, apesar das advertências e, a não se prevalecerem do mal
que o formigueiro pode ocasionar, com o passar do tempo, esse formigueiro crescer ao ponto
de não poder se reparar os erros ao reino, “Estamos vivendo sobre o formigueiro”, exclamou
Heroncio.
Ele chama atenção para os males do comunismo, sendo necessário que a sociedade
tome medidas preventivas, principalmente as atreladas à educação, como modo de evitar a
disseminação das “doutrinas subversivas que se realizam na sombra”.
O comunismo atira ao mundo os seus tentaculos de pôlvo terrivel, irradiando
sua acção deleteria, minando consciencias, annuviando a razão, abafando os
gritos da logica, destruindo os sentimentos mais puros do coração humano.
Vez por outra, rebentam aqui e além os vulcões do extremismo, como as
lavas margulhadas no seio da terra aflloram em crateras. 279
Os infortúnios do comunismo persistem entre nós e, apesar de todas as medidas
repressão e prevenção, ainda o perigo está a ameaçar, pois, o comunismo apesar da nossa lei,
ainda encontra possibilidade de atuar na sociedade, pois tem suporte na própria legislação do
país, “Precisamos compensar a deficiencia das leis. O futuro da nacionalidade está nas nossas
mãos. Temos o grave dever de evitar que se arruinem os alicerces do nosso patrimônio
moral”.280
Dessa maneira, Padre Heroncio convoca para a luta contra o comunismo por meio
da ação para fomentar de uma “formação christã das massas” que resulte em uma moral
católica que evidencie a “prática dos deveres religiosos e cívicos.
Esse mesmo preceito é reforçado no artigo de Felippe Guerra281
que emite sua opinião
acerca da figura de Mauricio de Nassau, enaltecida na comemoração de sua chegada em
Pernambuco. Guerra faz uma advertência a todos para que isto não seja celebrado, pois ele era
um invasor e estariam rebaixando os valores heroicos daqueles que defenderam a pátria, como
André Vital, Henrique Dias, Felipe Camarão e tantos outros que lutaram contra o invasor.
278
HERONCIO, Pe. Os formigueiros. In: A Ordem, 13 de março de 1936. p. 1. 279
Idem. 280
Idem. 281
GUERRA. Felippe. Merece o intruso Conde de Nassau a gratidão dos brasileiros? In: A Ordem, 17 de junho
de 1936. p. 1.
136
Segundo o autor a ação de rejeitar o Conde Nassau seria uma prova que o país não admite
mais as influências exteriores, qualquer que fossem, seja até da “Holanda, da Russia e da
China ...”
Quando as fronteiras da Patria sentem, como agora, a pressão de forças
dissociadoras e internacionalistas, representadas pelo communismo e pelo
rotarismo maçonico, é preciso crear uma forte mystica nacional capaz de
manter sempre accêsas as lanternas do patriotismo.282
Segundo Guerra se deveria “comemorar os heróis que lutaram pela defesa dos
invasores e que defenderam e contribuíram para a nossa nacionalidade e manter a unificação”,
pois “As festas de Nassau são anti-nacionaes, anti-brasileiras”. Estes teriam sido “perversos
judeus, gananciosos escabinos, criminosos, vagabundos...” que haviam praticado inúmeras
atrocidades. E Felipe Guerra faz a referência ao Levante de 1935 : “há pouco tempo os
brasileiros sofreram os riscos dessa mesma ameaça estrangeira que propunham sanguinarias,
barbaras, exoticas doutrinas”.
O advento da Guerra Civil Espanhola foi um dos aspectos utilizados na construção
desse anticomunismo. Padre Heroncio283
empresta nova contribuição ao discurso
anticomunista católico estadual ao definir qual era a questão da guerra na Espanha e afirma
que o problema não está nas disputas dos diferentes partidos, mais do que isso, “mas uma
lucta decisiva entre a barbaria e a civilização, entre o predomínio da matéria e o primado do
espirito”. 284
Neste aspecto que está se definindo os rumos da humanidade. Colocam na
posição antagônica entre o bem e o mal. De um lado está toda a formação
das almas pela cristianização de acordo com a ideia de Deus e da
imortalidade da alma. Ao contrário vemos a destruição aos poucos desse
ideal na volta do homem a barbaria ao retorno a selvageria pela valorização
da matéria, a destruição dos valores da família e da sociedade. Neste aspecto
definirá a desumanidade definida pela volta do homem a barbaria com a
aceitação do comunismo na contemporaneidade.
Mais terriveis que os barbaros de outrora são os comunistas – os barbaros de
hoje. Aquelles, pelo menos, eram mais humanos, tinham seus deuses, aos
282
Idem. 283
HERONCIO, Pe. Barbaria e Civilização. In: A Ordem, 2 de agosto de 1936. p. 1. 284
Idem.
137
quaes sacrificavam nas florestas, não sendo para admirar que destruissem
obras d’arte, patrimonios de civilizações, porque ignoravam seu valor. As
hordas modernas vivem em pleno seculo XX, quando a intelligencia humana
domina os espaços, e no entanto, ateiam fogo aos monumentos,
destransformam em ruinas os feitos do passado, na furia satanica das
destruições. 285
Padre Heroncio roga para que seus contemporâneos lutassem para combater os males do
comunismo, porque se a Espanha fosse perdida o mal viria pelos soviéticos “não mais pelas
ideias e pelo suborno, mas pelas armas”, o mal invadiria as nações. O autor afirma ainda que a
derrota do comunismo na Espanha serviria de exemplo aos demais países para o mal da
ameaça comunista:
Que a lição da Espanha nos sirva de advertência ao perigo que os deputados
espanhóis de esquerda tentam influenciar no nosso governo. Ameaçados
ainda pela barbaria, unamos-nos contra o communismo, pela pratica dos
ensinamentos christãos, para que não cheguemos ao extremo de precisar
defender com sangue a nossa civilização. 286
3.7. A formação da identidade católica no Rio Grande do Norte
Neste mesmo contexto se encontra a discussão da homenagem a Mauricio de Nassau.
Era uma maneira da Igreja norte-rio-grandense se projetar na busca de definir uma identidade
no estado. Com esses propósitos foi dado início a formação dessa identidade por meio da
utilização dos postulados da modernidade como afirma Peixoto:
Neste sentido, deve-se lembrar que obra de Paulo Herôncio originou o
esforço rumo à beatificação e canonização dos mártires de Cunhaú e Uruaçu,
reorganizando a compreensão do conhecido episódio da ocupação holandesa,
dos idos coloniais, enquanto reação contra o regionalismo centrado em
285
Idem. 286
Ibidem, p. 4.
138
Recife, os protestantismo, a maçonaria, o liberalismo e as posições de
esquerda em sua época”.287
Se fazia necessário na década de 1930 se firmar as questões política, social e moral no
Rio Grande de Norte, a Igreja Católica do estado foi a responsável pela formação identitária
como forma de superar a Crise de 1935288
no estado. Coube a Igreja formular essa identidade
baseada nos preceitos do catolicismo, atrelados aos seus posicionamentos políticos e sociais,
principalmente, no processo de formação pela ‘colusão’ com os princípios defendidos pelo
integralismo. Toda essa preocupação na formação identitária resultou, consequentemente, na
produção do espaço católico do Rio Grande do Norte, no sentido que compreendermos como
a formação de uma espacialização. 289
A categoria espacialização se define como uma relação
entre vários espaços, neste caso, a relação entre o local e o nacional, por um processo
constante de reelaboração do espaço em que reafirmam por meio da formulação de
identidades, de forma ativa e reflexiva. A categoria espacialização se concretiza através da
identidade. Como afirma Peixoto:
A espacialização seria uma operação em que vários espaços e tempos foram
tomados conjuntamente – outras espacializações, locais, regionais e
nacionais. O sentido da espacialização não é apenas passivo ou dirigido, mas
ativo e também reflexivo. Toda espacialização é uma des-espacialização e
uma desconstituição de outras espacializações precedentes ou
contemporâneas e que, enquanto desloca – ativa e masculinamente -, a
espacialização também recebe e concebe – passiva e femininamente -,
possibilitando-se, deste modo, o deslizamento do tempo para a alocação do
inventado, fabricado ou reelaborado – o Mito. Assim, a espacialização é a
operação em que vários espaços e tempos locais, regionais e nacionais são
conjuntamente tomados/recebidos. 290
A Igreja norte-rio-grandense, em menos de um ano, após o Levante de 1935, se
posicionou espacialmente na região do oeste potiguar com o surgimento da Diocese de
Mossoró no ano de 1936, com D. Jayme Câmara sendo seu primeiro bispo.
287
PEIXOTO, Renato Amado. Por Deus, pela Pátria e pelo Rei – Os Holandeses no Rio Grande do Norte e a
fabricação dos conceitos acerca do espaço na década de 1930’. Revista de História Regional, v. 20, p. 398-414,
2015. 288
PEIXOTO, Renato Amado. Op. cit., p. 1. 289
PEIXOTO, Renato Amado. Op. cit., p. 401. 290
PEIXOTO, Renato Amado. Op. cit., p. 398-414.
139
Além da importância dos aspectos econômicos e sociais dessa região, Mossoró era
também o núcleo de formação do Partido Comunista no estado, o que vemos a justificativa da
escolha do local para a nova expansão diocesana no Rio Grande do Norte. A criação de novos
espaços diocesanos já era uma preocupação por parte da Elite Eclesiástica e este pode ser
promovido. Com o respaldo do governador Rafael Fernandes, a Igreja norte-rio-grandense
pode articular as primeiras medidas em relação a sua fundação, resultando na aprovação pela
Assembleia Legislativa do estado de uma lei que determinou o orçamento para a construção
do patrimônio diocesano na cidade de Mossoró.
Como bem sabemos a região do Alto Oeste norte-rio-grandense onde se localiza a
cidade de Mossoró foi também o local de formação dos primeiros núcleos do PCB, assim
como também dinamizou a influência desde partido na formação de vários sindicatos, como o
apoio dado aos operários salineiros da região. O artigo ‘Mossoró e o operariado’291
vem
demonstrar a atuação da Igreja em contestar a influência do comunismo e a divulgar suas
consequências em greves e reivindicações ocasionadas pelos sindicatos.
Entendemos que o propósito por parte da Igreja em se firmar frente às demais regiões
do estado era uma preocupação de poder melhor intervir nas decisões políticas, bem como
confirmar sua autonomia e influência. A Igreja buscou construir dioceses e outros núcleos que
correspondessem com as demandas do estado, para trabalhar no sentido de constituir uma
maior articulação com o poder numa das principais regiões do estado. A participação na
dinâmica política passaria, portanto, a ter um agente político em Mossoró, que estaria
incumbido de se firmar sua ação doutrinária nos ditames católicos.
Dessa forma, entendemos que a Igreja se projetou espacialmente como forma de
dominar as principais regiões do estado, articulando os novos espaços diocesanos em relação
aos antigos espaços políticos, o que levou a uma maior intervenção eclesiástica na
administração, como estratégia de melhor dominar e expandir sua atuação no poder.
Como resultado, se organizou melhor espacialmente na configuração territorial do
estado, traduzindo um processo já em curso no nível nacional, a Expansão Diocesana, e
encetando sua presença nos principais núcleos econômicos e de liderança política, o Seridó e
a região de Mossoró, com isso, a Igreja norte-rio-grandense se tornaria, doravante, um ator
político atuante e relevante nas principais questões políticas do estado. 291
Mossoró e o operariado. In: A Ordem, 1 de julho de 1936. p. 1.
140
O artigo vem demonstrar que, com a participação de Dom Jayme Câmara como bispo
da Diocese de Mossoró, os objetivos e impactos alcançados nessa cidade após a intervenção
eclesiástica com a fundação do Primeiro Circulo Operário Catholico São José e o surgimento
de uma Capela num bairro operário, em reverência a São José. Assim, o autor define a
influência do comunismo na região atrelada ao descaso que a população dessa região sofreu
nos últimos anos.
O communismo não é só questão de degenerescência, de malvadeza. É
muitas vezes – e esse era o caso do operariado mossoroense, uma resultante
do abandono, da ignorancia, um phenomeno de dôr, de desespero, pelo
desprezo votado a uma classe laboriosa e digna. Cura-se mais pelo amôr do
que pela violência, portanto, pela religião de Christo, que foi operario. 292
A Igreja se auto afirma como a única que possa reverter à situação dos comunistas no
estado. Cabe apenas a ela pela sua doutrina a reparação do erro dos operários de terem
pertencido à doutrina de subversão. A Igreja conseguiu aos poucos afastar as influências do
comunismo realizando como “o antigo communista se transforma, innumeras vezes, num
decidido apostolo christianismo”. 293
O próprio estatuto do Círculo Operário Catholico São José vem expresso no jornal 294
A Ordem, nos chamando a atenção para os objetivos e as normas dessa intervenção, como
também para demonstrar que a Igreja não se comporta de forma indiferente à vida operária,
pois a instituição teria a preocupação de manter e preservar as boas exigências sociais para
essa classe. Uma de suas ações seria a criação do Círculo Operário que dá respaldo e apoio as
exigências da classe operária. Pelas obras sociais que a Igreja manteria as boas relações com
essa classe, e ao mesmo tempo cumpriria o seu papel de articulador da bondade e da boa
moral na sociedade. O autor deixa claro que o catolicismo não é uma religião apenas para os
ricos, pelo exemplo de Jesus Cristo prevalece mais a sua finalidade em direção aos menos
afortunados. Os Círculos Operários também estariam difundidos em todo o país, pois esta era
292
Idem. 293
Idem. 294
Diocese de Mossoró. Sum mula dos Estatutos do “Circulo Operario Catholico de São José, de Mossoró. In:
A Ordem, 6 de março de 1937. p. 1.
141
uma das medidas encontradas para a aproximação da Igreja em relação aos operários: “A
questão operária não interessa somente á caridade, mas também à justiça”. 295
Os “Principios básicos” dos Círculos Operários eram encíclicas “Rerum Novarum, de
Leão XII e Quadragesimo Anno, de Pio XI”296
, apontadas como os pilares para a
concretização da questão social. Um desses princípios buscaria, exatamente, o “repudio á
lucta systematica e violenta de classes” 297
, não podendo ser adeptos dos Circulos Operários
os que estivessem participando nos movimentos de esquerda:
Não pode continuar como socio o que adopta principios extremistas, como
communistas, socialistas, os filiados a seitas ou associações secretas, o
indisciplinado, o condemnado por crime infamante, o que se torna indigno
por seus actos ou se mister de vida, o que procura illudir a Directoria ou
tratar por conta da associação pessoas estranhas a ella, emfim o que trahir os
ideaes da classe. 298
Um dos objetivos dos Círculos era a integração da vida social e cultural do operário à
doutrina católica e além disso previa a associação mútua pelo cooperativismo, na criação de
sindicatos católicos. Assim, vejamos estatuto:
1) Cultura catholica, intellectual, moral, social e physica, por meio de escolas,
conferencias, etc.
2) Assistencia social carinhosa e efficiente nas officinas, escolas e lares;
5) Promover o syndicalismo catholico e cooperativismo genuíno;
7) Combater o communismo, pela diffusão da verdade. 299
A virada para a questão social, neste período, será uma das mudanças e estratégias
utilizadas pela instituição eclesiástica, para a defesa dos ideais católicos contra o sistema
comunista. Padre J. Cabral300
dará novamente a sua contribuição para o anticomunismo
católico analisando a importância da massa na sociedade, onde os ideais comunistas
prevalecem ao operariado. Ele chama a atenção para o mal do comunismo, que utiliza a essa
classe em específico para a “subversão completa da sociedade” e, para a disseminação da
295
Idem. 296
Idem. 297
Idem 298
Idem 299
Idem. 300
CABRAl, Pe J. A Igreja Catholica e a questão social. In: A Ordem, 30 de abril de 1937. p. 1.
142
desordem social e política pela revolução comunista. Nesse sentido, Cabral coloca a situação
em duas posições antagônicas Roma e Moscou:
Dia a dia a separação dos campos sociaes e politicos se extrema e se definem
dois grupos antagonicos, entre os quaes não pode haver meio termo nem
contemporização alguma: o catholicismo e o communismo – Roma, séde do
vigario de Jesus Christo, e Moscou, onde assenta a tenda dos ministros da
Anti-Igreja. 301
Para padre J. Cabral, não bastava mais apenas o assistencialismo com projetos de
caridade para auxiliar aos operários. Para alcançar os objetivos de afastar as influências do
comunismo, “nas mãos dos propagandistas incendiarios e dos agentes da internacional”, a
Igreja teria que possuir novas estratégias com ações que interviessem diretamente em de
auxílio à vida do operariado, para que este pudesse obter melhoria em seus recursos com o
respaldo dos ensinamentos da moral cristã.
Portanto, segundo Cabral, a encíclica Rerum Novarum, que seria a base que todos os
cristãos teriam para os acontecimentos da modernidade teria de ser pensada por meio da nova
situação do operariado, por isso fora formulada a encíclica Quadragessimo Anno, no intuito
de melhor orientação aos cristãos sobre a questão social com a formação das organizações
dos operários. É a Igreja que forneceria, por conseguinte, a solução para os males da
contemporaneidade contra as “tendencias anarchicas e entregue aos elementos de subversão
da ordem publica”. 302
Noutro artigo, ‘Maçonaria e Comunismo’, a maçonaria seria associada ao comunismo
e identificada como tendo os mesmos propósitos, seja no amparo fornecido desde o início a
guerra civil espanhola, ou, dando apoio à “sovietização da Espanha”.303
Através do jornal “O Século” de Lisboa, seu autor, evidencia a relação de um
espanhol, membro da esquerda, Fernando de Los Rios, ao companheirismo “das forças do mal
da Frente Popular do Sr. Largo Caballero”. Evidencia que é a “maçonaria francesa” que
fornece todo apoio até em armamentos e munições por contrabando à Espanha. E afirma que a
maçonaria esteve presente desde o início da revolução comunista.
301
Idem. 302
Idem 303
Maçonaria e Communismo. In: A Ordem, 11 de março de 1937. p. 1.
143
Foi a maçonaria francesa – escreve “O Seculo” que deu a voz de rennir. Foi
ella que agitou essa poderosa e amoral organização internacional sempre
prompta a promover a desordem e a empregar todos os meios, desde os mais
violentos aos mais covardes, para impor aos povos o seu jugo e levar ao
triumpho os seus interesses, que se fixam em todos os ramos da actividade
humana e pretendem vencer, onde quer que irrompam, quer para a conquista
do poder, quer para os diversos fins moraes, politicos e sociaes. 304
Noutro artigo, ‘O Rotary e a Igreja’ salienta-se que outras instituições como o Rotary
atuaram também na ajuda mútua e na intervenção em outras nações no que envolve a questão
social. O Rotary continuaria a ser uma das noticias que prevaleceria, inclusive, em relação ao
discurso anticomunista no jornal A Ordem. O autor chama a atenção do leitor para o Rotary
como algo suspeito para a Igreja devido a “sua moral sem Christo e pelas sympatia que a
maçonaria lhe devota” 305
.
O autor demonstra que a imprensa católica de Natal estaria fazendo uma campanha
contra seus adeptos na cidade e que tem o apoio dos demais órgãos católicos como a revista A
Ordem e a revista espanhola Razon y Fé, além do jornal A Tribuna de Recife306
. A maçonaria
como entidade de nível internacional seria relacionada com o Rotary, utilizaria dos objetivos
do rotaryanismo como uma das estratégias na efetivação aos princípios da maçonaria pelos
vários países: “Também já disse o Osservatore que o Rotary tem laivos de protestantismo e
maçonico”. 307
Não é possível ser bom catholico e bom rotariano. O Rotary prescinde da
religião para elaborar a sua moral. A questão é o gosto de servir. Não se
lembra que a maçonaria ( e alias o proprio proprio conferencista da ultima
semanal entre nós reconhece) usa linguagem e methodos parecida:
fraternidade, philantrophia... para despistar. 308
Tanto como na Maçonaria, o Rotary também teve participação de sacerdotes da Igreja,
por isso a campanha também se faz tanto aos leigos como os pertencentes ao catolicismo, a
advertência para a não participação nesta entidade é um das estratégias utilizadas para evitar
304
Idem. 305
O Rotary e a Igreja. In: A Ordem, 17 de abril de 1937. p. 1. 306
Idem. 307
Idem. 308
Idem.
144
da maçonaria alcançar seu êxito. O autor avisa que ainda não existia uma condenação formal
da Igreja em relação ao mal do Rotary como já existia da maçonaria, porém muitos bispos já
haviam se pronunciado contra os perigos que poderia causar. Assim, faz o apelo para os que
desejem o melhoramento da sociedade que possam se integrar aos preceitos e a participação
na Ação Católica.
Mais um dos pontos indispensáveis que verificamos na formação da identidade norte-
rio-grandense aconteceu na cidade de Currais Novos, localizada na região do Seridó com a
programação do 2° Congresso Eucarístico Paroquial de Currais Novos. Este iniciou no dia 27
a 31 de outubro de 1937 e as notícias que informam sobre a sua realização deixam claro que
um dos seus motivos era a luta contra o comunismo.
Tendo a liderança do padre Heroncio, o Congresso Eucarístico contava ainda com um
hino cuja letra era de sua autoria. Este hino remete à questão dos valores nacionais atrelados a
tradição católica e que a continuação desses valores sejam orientados no lar, na escola, no
quartel, no campo e nas oficinas, enfim, nos lugares que eram a busca incessante da
intervenção dos princípios católicos. Vale lembrar que esse mesmo hino foi também o hino do
Congresso Eucarístico da cidade de São José de Mipibú.
HINO DO CONGRESSO EUCARÍSTICO DE CURRAIS NOVOS:
Rei Eterno, ó Deus Humanado,
Suplicamos aos Céus com fervor:
Que nos venha o Teu Reino sagrado,
O Reinado da paz e do amor!
Glória a Ti, ó Mistério querido,
Ó Milagre sublime de amor!
Glória a Ti, ó Jesus escondido,
Cristo Rei e dos povos, Senhor!
Ó Jesus, na Santa Eucaristia,
O Brasil, que é Teu, vem salvar!
Nossa Pátria querida que, um dia,
Ao nascer, te ergueu um altar!
Com a Tua presença ilumina
145
A noss’alma, a escola e o lar.
No quartel, no campo, na oficina,
Vem, com Tua Doutrina, reinar! 309
O jornal A Ordem trouxe as informações sobre o Congresso no artigo “A Christo
Rei”310
que apresentou os motivos da sua celebração. Lamenta todas as dificuldades do
momento presente com as guerras e os males acarretados pelo comunismo e pelo nazismo,
assim a festa de encerramento do Congresso serviu para lembrar que acima de todas as
problemáticas deveria considerar Cristo “como o primeiro chefe”.
Não deixas, porém, de ser rei temporal, de dominar os corpos como as
almas, as sociedades como os santuarios intimos das consciencias.
Não ha lei sem tua Lei. Em teu nome falam os nossos chefes. Não ha direito
contra o teu direito, e o preceito que despreza a tua vontade é vil tyrania.
E’s o Rei. 311
O artigo coloca que a Igreja dá autonomia na administração aos estados, porém,
quando se virem ameaçados os valores defendidos pelo catolicismo, por meio de ideias que
prevalecem a os ideais de “Raça, de Humanidade, de Classe ou de Sciencia!”, a Igreja logo
intervém para a implantação ao “Culto da Divindade” e para a retomada da ordem. Nesse
sentido, proclama a distinção entre o “bem e o mal” e entre o “Odio e o Amor” e, adverte para
os males atuais, quando cabe à Igreja um papel na centralização da humanidade. Neste
contexto, anuncia os males originados dando os exemplos das perseguições acarretadas a
Igreja pela Guerra Civil Espanhola.,
Vê a nossa humanidade.
Vê a pobre Espanha em sangue. Ahi muitos heroes tombaram aos gritos de
“Viva Christo Rei”, para que reines, oh, Christo, na Catholica Espanha. Vê
os estados paganizados. Vê as insidiosas perseguições dos que não podendo
alcançar o teu corpo glorioso, procuram ferir os membros de teu Corpo
Mistico. 312
309
Hino do 2º Congresso Eucarístico de Currais Novos. Letra: Mons. Paulo Herôncio de Melo. Música:
Monsenhor Amêncio Ramalho. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Her%C3%B4ncio_de_Melo> Acesso em 10 de jul. 2016. 310
Fr. M. Sebastião Tauzin O. P. A Christo Rei. In: A Ordem, 30 de outubro de 1937. p. 1. 311
Idem. 312
Idem.
146
O Congresso Eucarístico foi uma das estratégias e ações por parte do corpo
eclesiástico para a formulação de uma das camadas do processo de espacialização norte-rio-
grandense, pois estaria produzindo a fundamentação para a identificação deste numa nação
católica. É inerente à formação do discurso que preza pela eminência de uma identidade
norte-rio-grandense a busca de sum formalização, e ao mesmo tempo, de sua legitimação.
Porém é uma identidade respaldada pelo pensamento católico e seu posicionamento no campo
social e político que ainda roga na década de 1930 pela luta contra os ideais da modernidade,
prevalecendo um discurso não apenas contra o comunismo, mas contra o laicismo e a ciência:
Abençôa o Grande Brasil. Que o espetro horrivel do laicismo não paire sobre
as suas Leis.
Que o phantasma do communismo não perturbe o somno tranquillo de suas
crianças.
Que os terriveis males da sociedade sem-Deus o não attinjam.
Amparado por tuas mãos, terá o Brasil prosperidade social e economica.
Crescerá, subirá.
Oh Christo Rei, Vive, Reina, Impera. 313
Vale lembrar que durante as cerimônias do Congresso além da presença do bispo de
Natal Dom Marcolino Dantas e do bispo de Mossoró Dom Jaime Câmara, dos cônegos padre
Paulo Heroncio, do Monsenhor Landim, vigário da Catedral de Natal e da participação de
entidades católicas e colégios, houve também a participação de deputados estaduais do
Partido Popular, como o Deputado Mariano Coelho, sendo um dos oradores a sua deputada D.
Maria do Céu. Estavam também presentes o prefeito de Currais Novos Dr. José Bezerra de
Araújo e o Dr.Tomaz Salustino, Juiz de direito. A importância será enaltecida também pelo
jornal ‘A República’ pelo artigo escrito de Aluizio Alves que informa a importância da
realização do congresso como uma maneira de combater os males do comunismo.
O Congresso Eucharistico Parochial de Currais Novos, louvando e
homenageando o Rei Supremo do Universo, terá essa finalidade: suplicar, no
ciclo de suas orações, na pompa merecida das suas festas, pela salvação da
patria, nesta hora excepcional de apprehensões, em que o communismo
implacavelmente cruel e sanguinario tenta suffocar, num carnaval de sangue
313
Idem.
147
e de miséria, as mais sagradas tradições espirituaes que nos identificam
como terra visceralmente. 314
FIGURA 4 – BRASÃO DO 2° CONGRESSO EUCARÍSTICO PAROQUIAL DE
CURRAIS NOVOS QUE EXEMPLIFICA A FRASE PROFERIDA POR MATIAS
MOREIRA “LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”
Fonte: jornal ‘A Ordem’ 11/11/1937
O Congresso Eucarístico de Currais Novos teve o seu encerramento com a celebração
do último domingo de outubro, data importante para os católicos que celebra a Festa de Cristo
Rei. Festa anunciada pelo Pontífice Papa Pio XI como homenagem a imagem de Jesus Cristo
e como forma de enaltecer as graças e benfeitorias trazidas por ele ao mundo, e que essas
melhorias haviam sido restabelecidas por causa “da Ordem Social, condição da paz interna e
externa dos povos”. 315
Neste caso em específico prevalecia à imagem de Cristo como uma
advertência ao caminho a ser seguido em relação aos males que eram acarretadas da
modernidade.
314
ALVES, Aluizio. Terra eucharistica. In. A República, 26 de outubro de 1937, p. 3. 315
Encerramento do 2° Congresso Eucharistico Parochial de Currais Novos. In: A Ordem, 30 de outubro de
1937. p. 1.
148
É certo que o poder e o titulo real de Christo sempre foram reconhecidos,
mas faltava uma festa especial, que Pio XI veio estabelecer como replica á
lepra do seculo, o laicismo, negador desse poder e dessa realeza. 316
Por esse motivo é construído um monumento na principal praça da cidade, uma réplica
do Cristo Redentor da cidade do Rio de Janeiro, inaugurado no primeiro dia do Congresso,
possuindo dez metros de altura e que foi doada pelo Sr. Manuel Salustino.
FIGURA 5 – MISSA INAUGURAL DO 2° CONGRESSO EUCARÍSTICO
PAROQUIAL DE CURRAIS NOVOS. ESTÁTUA DE CRISTO REI 317
Fonte: Paulo Herôncio de Melo – Wikipédia, a enciclopédia livre (2016)
Padre Heroncio continuou a fornecer a sua contribuição à formação identitária do
estado na escrita do livro “Os Holandeses no Rio Grande” publicado no ano de 1937, tendo a
contribuição do Padre J. Cabral sido feita com a escrita do seu prefácio, intitulado de “Duas
Palavras” 318
, nome que sugere as duas palavras proferida na morte de um dos mártires de
Cunhaú e Uruaçu “LOUVADO SEJA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO”, a mesma frase
que ilustra o brasão o 2° Congresso Eucarístico de Currais Novos.
316
Idem. 317
Missa inaugural do Congresso Eucarístico Paroquial de Currais Novos. Estátua de Cristo Rei. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Her%C3%B4ncio_de_Melo> Acesso em 10 de jul, 2016. 318
HERÔNCIO, Paulo. Os Holandeses no Rio Grande. 1ª Edição. Rio de Janeiro. Empresa Editora ABC
Limitada, 1937.
149
Esta é a primeira obra que retrata a história do estado amparada pelo pensamento
católico vigente na época e, ressaltando a importância da Igreja e da fé católica para o estado.
Como já vimos, esta obra formulou a identidade católica norte-rio-grandense e, ao mesmo
tempo serviu como alicerce para várias outras produções historiográficas e eclesiásticas.
Como afirma Peixoto319
“Os Holandeses no Rio Grande” é uma obra de fundamental
importância porque foi nela que se inspirou a beatificação dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu
que designaram feriados municipal e estadual, que se prepararam a construção de
monumentos e Igrejas em homenagem à celebração dos Santos. Dessa forma, firmou-se a
formação da espacialização por meio de uma formação histórica do estado que possibilitou a
composição dada à configuração de uma identidade em contraposição a formação da
identidade do estado de Pernambuco. Importante também e a ressalva que a construção dessa
espacialização opera a presença de um discurso e que este está conectado com o
posicionamento da direita católica da sua época.
Essa produção histórica trabalhou para a formação de uma identidade católica em que
para se explicar os acontecidos de 1645, os massacres holandeses na região, padre J. Cabral
utilizou do discurso anticomunista para legitimar sua própria produção historiográfica. É
importante também lembrar que a formulação do discurso anticomunista católico contribuía
para demonstrar os males da modernidade, novamente frisando o invasor estrangeiro holandês
e, o protestante, reforçando os preceitos da nacionalidade.
Peixoto evidencia o conceito histórico no pensamento católico que prevaleceu – a
narrativa da queda do homem formulada pelos jesuítas e, reutilizada pela intelectualidade
católica norte-rio-grandense.
Contudo, o entendimento era o de que essas crises deveriam ser passageiras,
pois a história da humanidade é um caminho reaberto pela vinda de Cristo a
terra, uma história reta em que a Igreja é a mantenedora da Civilização e dos
Códigos Morais que tiverem suas origens na Grécia e em Roma,
respectivamente. A crise, portanto, fosse qual fosse sua duração, teria um
fim, pois o Reino de Cristo é eterno e a Igreja compartilha, com a
humanidade, essa História. 320
319
PEIXOTO. Renato Amado Peixoto. Op. cit., p. 3. 320
Ibidem, p. 11.
150
O grande esforço da Igreja norte-rio-grandense era a projeção do estado para a esfera
nacional, através da legitimação da identidade na figura de Felipe Camarão, em contraponto a
projeção pernambucana em voga, que buscava se firmar pela comemoração do tricentenário
da chegada de Nassau em Pernambuco.
Sendo o papel da Igreja salvar a humanidade dos erros dos bárbaros de outrora, o
mesmo padre Heroncio definiu os comunistas como os “Barbaros modernos”, tentando
explicar a perda dos valores da sociedade cristã pelas novas ideais que surgiram no advento da
Revolução Francesa, como a adesão de nações ao comunismo, a projeção da ciência em
contraponto a religião, como também a adoção dos princípios do materialismo, liberalismo e
do positivismo, além das instituições e associações em que prevalecia o pensamento moderno
tais como a maçonaria e o Rotary Club.
Portanto, para o padre J. Cabral a representação dos Mártires de Cunhaú e Uruaçu era
também a representação do momento que melhor evidenciava o combate a ser seguido para a
luta contra os invasores comunistas. Assim, “Os Holandeses no Rio Grande” se utilizou de
várias camadas representativas, como o discurso anticomunista, para firmar uma
espacialização por meio da construção histórica católica, estratégia utilizada como forma do
estado e da Igreja se autoprojetarem frente às demais representações em formação tanto no
estado como em outras regiões.
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao pesquisar a História do Rio Grande do Norte na década de 1930 através da História
Política e da História da Religião, nos foi possível à construção de uma narrativa
historiográfica que se difere das demais produções já realizadas. Verificamos que não existia
uma homogeneidade na produção do discurso anticomunista, o que nos possibilitou perceber
a diferença da produção do anticomunismo clássico, definido pelo ‘mal do comunismo’
associado à figura do Partido Comunista, e as suas ramificações de viés socialista do
anticomunismo católico. Por este último, constatamos a produção de um discurso vinculado
aos males e dilemas da modernidade condenados pela Igreja, formulado como estratégia da
instituição para dar continuidade a sua atuação na sociedade, especificamente na política.
A partir desta análise nos foi possível identificar a constituição de uma identidade
católica norte-rio-grandense ao definirmos o espaço social católico norte-rio-grandense, seus
campos de ação e as estratégias que a Diocese de Natal e, ao mesmo tempo em que
trabalhamos com as suas diferentes intervenções no campo social e político, pudemos
perceber a formação de um discurso anticomunista católico na imprensa.
A Revista A Ordem do Centro Dom Vital foi o local de reprodução do capital
religioso que culminou na formação e disseminação do pensamento católico para o nível local
e, onde se pode redefinir o posicionamento da atuação da Igreja no nível nacional.
Comparando esta Revista com o jornal A Ordem da Diocese de Natal, pudemos constatar que
a produção do discurso anticomunista católico no estado do Rio Grande do Norte foi, ao
mesmo tempo, uma reprodução e uma tradução do anticomunismo nacional pelos intelectuais
leigos católicos.
A produção anticomunista na revista A Ordem difere do jornal A Ordem apesar do
mesmo discurso anticomunista emergir da produção do periódico carioca, porém, o jornal
norte-rio-grandense reutiliza esse discurso para propósitos completamente diferentes, próprios
à produção do espaço social local. A utilização desse discurso no jornal A Ordem serviu para
a inserção e o predomínio da Igreja norte-rio-grandense como ator político no estado, com o
fim de trabalhar por sua estratégia de poder.
Padre Heroncio foi um dos responsáveis por escrever a história do Rio Grande do
Norte e teve o apoio de padre J. Cabral. Dois sacerdotes e, ao mesmo tempo, dois intelectuais
152
da Igreja, os quais se apresentaram como responsáveis pela produção e disseminação do
anticomunismo católico e, ao mesmo tempo, fazendo sua tradução prevalecer na construção
da identidade católica no estado, consequentemente, firmando uma representação identitária
norte-rio-grandense, do Nacional para o Local e, também, deste para o Regional.
Esse é um dos pontos relevantes que a pesquisa do pensamento católico no Brasil
possibilita aos seus pesquisadores. A partir da investigação do campo religioso identificamos
a contribuição da Igreja norte-rio-grandense e seus intelectuais na formação da identidade e
consequentemente da espacialidade. Pois como bem auxilia a teoria de Bourdieu sobre o
espaço social, neste caso do estado do Rio Grande do Norte, o seu espaço é composto por
campos e subcampos que em diferentes temporalidades tenta emergir de um campo de lutas,
utilizando de diferentes tipos de capitais, neste caso, os capitais específicos da década de
1930, que então prevaleciam, junto ao poder, o capital político associado ao religioso.
Isto percebemos com a continuação da pesquisa, que foi nos favorecendo a análise da
instituição eclesiástica em nível nacional com o reconhecimento dos insumos do Centro Dom
Vital e com a análise empírica da sua produção simbólica local no jornal A Ordem. Portanto,
essa produção simbólica emergiu localmente para ser utilizada como um dos mecanismos e
estratégias de intervenção do poder no estado do Rio Grande do Norte. A intervenção da
Diocese de Natal junto à Congregação Mariana, estas duas reunidas aos intelectuais católicos
que também eram integralistas: assim se pode se firmar o pensamento católico no campo de
lutas do estado e projetar sua importância no campo político e social.
Por meio da formulação de uma identidade católica, neste caso, a partir da produção
de um discurso anticomunista católico local, culminou a formação de uma espacialização
norte-rio-grandense católica respaldada pelo Estado. Algo que no nível nacional já vinha
sendo constituído desde os adventos da Neocristandade, mas que o caso do Rio Grande do
Norte pode bem ajudar a melhor compreender, inclusive, porque permite vislumbrar os
acontecimentos que permitiram a transformação do político e do religioso no espaço.
As ramificações e projeções da Igreja foram estabelecidas a partir dos propósitos da
Ação Católica e a partir da atuação dos intelectuais católicos do Centro Dom Vital e da revista
A Ordem, e todos foram tornados parte do capital simbólico da Igreja Católica. A Igreja norte-
rio-grandense não ficou de fora desses atuação e tampouco se absteve, contudo, conseguiu se
projetar autonomamente, por meio de um trabalho de tradução e reapropriação local do capital
153
simbólico já formado no nacional e, por conta de ter dado continuidade às iniciativas da Igreja
nacional, forjando um novo e muito potente capital simbólico local.
154
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