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Luciana Del-Ben Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) [email protected] D esde a aprovação da Lei n o 11.769, em 18 de agosto de 2008, têm sido frequentes os debates em torno da definição de políticas, estratégias, planos de ação e propostas pedagógicas tendo em vista a implementação do ensino de música nas escolas de educação básica. Esses debates se alimen- tam de experiências, concepções e perspectivas diversas, o que, espera-se, se alimenta do corpo de conhecimentos construído pela educação musical como área acadêmico-científica. E constituem, assim, oportunidade ímpar para refletirmos não somente sobre como implementar propostas de ensi- no de música nas escolas, mas, também, sobre os discursos científicos que temos produzido sobre educação musical escolar. Vincular os discursos científicos a esses debates não significa esperar uma correspondência direta entre o discurso sobre educação musical escolar de pesquisadores e estudiosos e as práticas educativo-musicais desenvolvidas – ou a serem desenvolvidas – nas escolas, o que seria simplificar os processos de construção das práticas escolares. Diversos estudos, como aqueles desenvolvidos na área das políticas educacio- 1 Parte dos resultados deste trabalho foram apresentados no XX Congresso Nacional da ABEM e publicados nos anais do evento (XXX, 2011). 2 Trabalho desenvolvido com Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

Luciana Del Ben - Modos de Pensar Educação Musical

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Revista da ABEM

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  • Luciana Del-BenUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)[email protected]

    Desde a aprovao da Lei no 11.769, em 18 de agosto de 2008, tm sido frequentes os debates em torno da definio de polticas, estratgias, planos de ao e propostas pedaggicas tendo em vista a implementao do ensino de msica nas escolas de educao bsica. Esses debates se alimen-tam de experincias, concepes e perspectivas diversas, o que, espera-se, se alimenta do corpo de conhecimentos construdo pela educao musical como rea acadmico-cientfica. E constituem, assim, oportunidade mpar para refletirmos no somente sobre como implementar propostas de ensi-no de msica nas escolas, mas, tambm, sobre os discursos cientficos que temos produzido sobre educao musical escolar.

    Vincular os discursos cientficos a esses debates no significa esperar uma correspondncia direta entre o discurso sobre educao musical escolar de pesquisadores e estudiosos e as prticas educativo-musicais desenvolvidas ou a serem desenvolvidas nas escolas, o que seria simplificar os processos de construo das prticas escolares. Diversos estudos, como aqueles desenvolvidos na rea das polticas educacio-

    1 Parte dos resultados deste trabalho foram apresentados no XX Congresso Nacional da ABEM e publicados nos anais do evento (XXX, 2011).

    2 Trabalho desenvolvido com Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq.

  • nais (MAINARDES, 2006; SMIT, 2005; WEAVER-HIGHTOWER, 2008), da sociologia do currculo (FORQUIN, 1993), dos saberes escolares (SOARES, 1999) ou da histria da educao (FARIA FILHO, 2007; FARIA FILHO et al., 2004), indicam que ideias e discursos pedaggicos, mesmo aqueles que se pretendem mais prescritivos, no so, necessariamente, traduzidos em prticas educativas escolares, j que essas prticas no se constituem como mera transposio de saberes cientficos ou de discursos pedaggicos.

    Essa literatura, entretanto, ao mesmo tempo em que aponta para uma relativa autonomia das escolas e que reconhece o papel ativo dos sujeitos escolares, indica que esses sujeitos e as prticas, rotinas, normas, valores, condutas, comportamentos e saberes por eles construdos, em contextos particulares e concretos tambm so influenciados por processos sociais mais amplos (ver tambm CARDOSO, 2008; CUNHA, 2007; PESSANHA et al., 2004; GIMENO SACRISTN, 1998). Para a constituio das prticas escolares, tambm contribuem outras prticas, saberes e discursos diversos, o que inclui os investimentos de pesquisadores e estudiosos que, a partir de diferentes perspectivas, vm construindo distintos modos de pensar a escolarizao (ver OLIVEIRA, 2007) como forma especfica de socializao de crianas e jovens.

    A relao entre essas diferentes instncias pode ser, entre outras, de apropriao, convergncia, reconhecimento ou recontextualizao ou, tam-bm, de tenso. Consoante essa perspectiva, no se pode esperar que os discursos, sejam polticos ou cientficos, por exemplo, antecipem, definam ou prescrevam o que dever acontecer nas escolas. Resta examinar como se caracterizam esses discursos e que finalidades eles assumem para si na sua relao com as prticas escolares.

    Com base nesses pressupostos, o interesse deste trabalho foi refletir sobre caractersticas ou propriedades dos discursos de pesquisadores e estu-diosos do campo da educao musical quando tomam a educao musical escolar como objeto de estudo e sobre as finalidades que assumem em relao s prticas escolares em msica. Ressalto que o presente trabalho no busca focalizar a to discutida relao entre teoria e prtica no campo da educao musical ou, mais especificamente, a relao entre discursos de pesquisadores e estudiosos e prticas educativo-musicais desenvolvidas

  • pelos sujeitos escolares. Objetiva, isto sim, examinar como se configuram os modos de pensar a educao musical escolar construdos por pesquisadores e estudiosos no campo da educao musical. Esse objetivo foi desdobrado nas seguintes questes: quais so as dimenses dos fenmenos educativo--musicais escolares representadas nesses modos de pensar? Que finalidades so atribudas ao ensino e aprendizagem de msica na escola? Que tipos de asseres ou proposies caracterizam esses modos de pensar; que dados as apoiam; como so fundamentadas ou justificadas (ver LIAKOPOULOS, 2002; CUNHA, 2007)?

    Para a consecuo do objetivo geral da pesquisa, adotei como

    estratgia a anlise de documentos (FLICK, 2009; BOGDAN; BIKLEN, 1994), tambm chamada de anlise textual (CHARMAZ, 2009). Como esclarece Flick (2009), a anlise de documentos pode ser tanto uma das estratgias a serem utilizadas na pesquisa, complementando, por exem-plo, observaes e entrevistas, quanto um mtodo autnomo, como o caso deste trabalho.

    Charmaz (2009) identifica dois tipos de textos: os chamados textos extrados, em que os dados so produzidos em resposta a uma solici-tao do investigador, e os chamados textos existentes, que consistem de documentos variados, cuja elaborao no [teve] a participao do pesquisador (CHARMAZ, 2009, p. 58). Essa autora salienta que os tex-tos, sendo extrados ou existentes, no existem como fatos objetivos []. As pessoas constroem textos para atender a objetivos especficos e o fazem dentro de contextos sociais, econmicos, histricos, culturais e situacionais (p. 58).

    De modo semelhante, Flick (2009, p. 232) adverte que os documen-tos no so somente uma simples representao dos fatos ou da realidade. Algum (ou uma instituio) os produz visando a algum objetivo (prtico) e a algum tipo de uso (o que tambm inclui a definio sobre a quem est destinado o acesso a esses dados). Embora os textos ou documentos sejam produtos, h processos subjacentes a eles, processos que podem

  • ser ambguos, invisveis e, possivelmente, irreconhecveis (CHARMAZ, 2009, p. 64).

    Os textos escolhidos como dados empricos foram os trabalhos publi-cados na Revista da ABEM (Associao Brasileira de Educao Musical) nas categorias artigos de desenvolvimento terico, trabalhos empricos e ensaios, conforme definidos pela linha editorial.

    A escolha de publicaes da ABEM se justifica porque essa Associao, alm de congregar diferentes profissionais da rea, tem sido a grande responsvel pela divulgao e circulao da produo cientfica brasileira em educao musical, tanto por meio dos encontros nacional e regionais onde pesquisadores, formadores, professores e futuros professores de diversos lugares do pas podem partilhar conhecimentos e experincias de ensino e pesquisa quanto por suas publicaes. Desde a sua fundao, a ABEM tem se comprometido com a difuso do conhecimento em educao musical por meio de diferentes tipos de publicaes. O nmero de artigos publicados, alm da representativi-dade nacional e institucional de seus autores, sinalizam que, dentre os peridicos cientficos brasileiros na rea de msica, a Revista da ABEM pode ser considerada o veculo privilegiado de divulgao da produo cientfica em educao musical no nosso pas.

    Ao final de 2010, quando foram selecionados os textos, a Revista contava com 24 nmeros publicados. A seleo dos trabalhos tomou como base os seguintes critrios: a) referncia escola de educao bsica, em quaisquer de suas etapas, mas excluindo, por suas finalidades, a educao profissional de nvel mdio; b) referncia escola brasileira; e c) referncia escola contempornea ao trabalho. Os artigos referen-tes ao ensino superior foram considerados somente nos casos em que a relao com a escola foi explicitada (ver MARIN; BUENO; SAMPAIO, 2005, p.176). Alm disso, considerando o volume de artigos, na etapa de seleo dos trabalhos a serem analisados, foram consideradas somente as informaes constantes nos elementos pr-textuais dos artigos: ca-bealho (ttulo do artigo; nome e instituio de vnculo do(s) autor(es)), resumo e palavras-chave. Como os resumos so apresentados somente a partir da Revista n. 5, os quatro primeiros nmeros do peridico no foram considerados.

  • Com base nas questes que nortearam a pesquisa, inicialmente, foram definidos os seguintes indicadores de contedo, referentes aos sujeitos e dimenses dos fenmenos educativos escolares: professor/docente; aluno (beb, criana, adolescente, jovem, adulto, infncia, adolescncia, juventude); escola (escolar, escolarizao, nveis e etapas de ensino); ensino (prtica de ensino/escolar/educativa/educativo-musical, estgio, aula); aprendizagem; e saberes (conhecimento, currculo, projeto poltico--pedaggico, disciplina, componente curricular). Esses indicadores foram buscados nos ttulos, resumos e palavras-chave3. Inspirada pelo estudo de Marin, Bueno e Sampaio (2005), posteriormente, como estratgia para dar inteligibilidade aos textos como um conjunto, os indicadores foram agrupados em quatro campos temticos: alunos, escola, professores e saberes escolares.

    Selecionados os textos, constru um protocolo de leitura dos elemen-tos pr-textuais, assim constitudo: ano de publicao, autor, instituio de vnculo, campo temtico, tema principal, nvel de ensino, metodologia (abordagem, estratgia principal, tcnica de coleta de dados, fonte de dados) e referencial terico (ver MARIN; BUENO; SAMPAIO, 2005).

    Por fim, procedi leitura integral de cada artigo, orientada, mais uma vez, pelas questes norteadoras da pesquisa. Considerando a diversidade de formas de construir os textos, destaco, na anlise, alguns aspectos dos modos de pensar a educao musical escolar que atravessam a produo no seu conjunto, procurando identificar tendncias e recorrncias.

    A anlise dos elementos pr-textuais dos 217 artigos publicados nos

    vinte nmeros da Revista da ABEM entre 2000 e 2010, indica que 81 deles (37,3%) tomam a educao musical escolar como objeto de estudo, de modo central ou perifrico. Conforme a Tabela 1, em 18 dos nmeros analisados essa temtica foi contemplada, sendo que em 14 nmeros ela representa pelo menos 30% dos artigos. A ausncia de artigos no nmero 18 pode ser justificada por ser esse um nmero especial da Revista, que publicou textos

    3 As palavras-chave so informadas somente a partir da Revista n. 8, de maro de 2003.

    Zak JamesHighlight

  • dos convidados, a maioria estrangeiros, do XVII Encontro Nacional da ABEM/Conferncia Regional da ISME na Amrica Latina.

    Tabela 1 - Distribuio anual de artigos sobre educao musical escolar.

    Nmero da Revista

    Ano de publicao

    Total de artigos

    Nmero de artigos sobre

    educao musical escolar

    Porcentagem de artigos

    sobre educao

    musical escolar5 2000 8 0 06 2001 9 3 33,37 2002 9 4 44,48 2003 18 4 22,29 2003 9 3 33,310 2004 13 8 61,511 2004 11 8 72,712 2005 13 7 53,813 2005 9 4 44,414 2006 13 2 15,415 2006 10 3 30,016 2007 11 5 45,517 2007 10 2 20,018 2007 8 0 019 2008 14 4 28,620 2008 9 4 44,421 2009 13 5 38,522 2009 9 3 33,323 2010 9 6 66,724 2010 12 6 50,0

    TOTAL 217 81 37,3

    Embora as porcentagens paream expressivas, preciso lembrar que os nveis de ensino abrangidos pela educao bsica so os mais represen-tativos de todo o sistema educacional, incluindo o perodo de escolaridade obrigatria (MARIN; BUENO; SAMPAIO, 2005, p. 177). H que se ressal-tar tambm que a produo sobre a educao musical escolar diminui na segunda metade da dcada, perodo em que se intensificaram os debates acerca da insero do ensino de msica na escola, que culminaram com a

  • aprovao da Lei no 11.769/2008: no perodo 2000-2005 essa produo representa 41,4% do total de artigos, enquanto que no perodo 2006-2010, cai para 33,8%.

    So 69 os autores responsveis pelo conjunto de artigos analisados,

    sendo que vinte contam com mais de um autor. O elevado nmero de autores parece ser decorrncia da expanso da pesquisa no pas e do aumento do nmero de mestres e doutores, j que so vrios os trabalhos resultantes de dissertaes e teses. No entanto, a mdia de 1,17 artigos por autor sugere certa disperso da produo. Alm disso, somente vinte dos 69 autores assinam mais de um artigo ao longo de 11 anos: 13 deles so responsveis por apenas dois artigos e os demais so responsveis por, pelo menos, trs artigos. Esses so aspectos que podem dificultar a continuidade e o consequente aprofundamento das pesquisas sobre a temtica em anlise.

    Quanto ao vnculo institucional, reduzida a participao de autores vinculados escola, pois somente 13% deles indicam vnculo com escolas de educao bsica, embora no de modo exclusivo. A maioria dos autores est vinculada a instituies de ensino superior, principalmente universidades pblicas. Ao menos na produo em anlise, a educao musical escolar pensada principalmente por aqueles que esto fora das escolas. A pesquisa feita por professores da educao bsica parece algo ainda distante na rea de educao musical no Brasil, como observam Werle e Bellochio (2009, p. 33) em um dos artigos analisados na pesquisa: fala-se mais sobre o trabalho dos docentes do que eles escrevem sobre o que fazem.

    Com base na anlise dos elementos pr-textuais dos 81 artigos, apre-sento, na Tabela 2, a distribuio anual dos artigos conforme os campos temticos contemplados.

  • Tabela 2 - Distribuio dos artigos conforme campos temticos.

    Ano Campos temticos

    Alunos Escola Professores Saberes escolares2000 0 0 0 02001 0 0 2 12002 0 0 3 22003 0 0 4 32004 3 0 8 102005 3 1 4 82000-2005 6 1 21 242006 0 0 3 22007 0 1 4 32008 1 1 0 82009 4 0 3 32010 4 1 5 52006-2010 9 3 15 21TOTAL 15 4 36 45

    Os dados sinalizam que a educao musical escolar tem sido inves-tigada principalmente a partir da perspectiva dos saberes escolares e dos professores, campos que so abordados, respectivamente, em 55,6% e 44,4% dos 81 artigos analisados. Os campos alunos e escola correspondem, respectivamente, a somente 18,5% e 4,9%. A ordem de frequncia dos quatro campos a mesma nos dois perodos, mas parece haver, ao longo da dcada, uma tendncia de ampliar a compreenso da educao musical escolar a partir da perspectiva da instituio e, principalmente, da dos alunos.

    Em relao ao campo temtico alunos, a principal tendncia parece ser a de investigar suas prticas musicais e suas relaes com msica, tema cor-respondente a 60% do total de 15 trabalhos inseridos nesse campo. Tambm foram identificados outros trs temas principais: avaliao da aprendizagem/desenvolvimento musical, com 20% do total de ocorrncias; processos de aprendizagem, com 13,3%; e motivao para aprender, com 6,7%. Em relao ao campo temtico escola, dois foram os temas encontrados: a implementao/insero do ensino de msica nas escolas, presente em trs dos quatro artigos analisados, e a contextualizao sociopoltica da escola, presente somente em um trabalho. O reduzido nmero de trabalhos nesse campo temtico no permite inferncias sobre tendncias da produo.

  • No campo temtico professores os temas principais identificados foram distribudos conforme tabela a seguir.

    Tabela 3 - Distribuio dos artigos conforme temas principais no campo temtico professores.

    Tema principal Nmero de ocorrncias Porcentagem

    Formao: Fundamentos/princpios orientadores 16 32,7Estratgias de formao 7 14,3Anlise/descrio da formao de professores 6 12,2Polticas de formao 3 6,1Anlise de currculos/projetos/propostas de formao 3 6,1Prticas docentes: modos de pensar e agir de professores 14 28,6

    TOTAL 49* 100

    *Total maior que o nmero de artigos no campo temtico porque um mesmo artigo pode tratar de mais de um tema principal.

    Trabalhos que discutem a formao de professores ainda so predo-minantes, somando mais de 70% do total de artigos que tratam do campo temtico professores. A maioria desses trabalhos se dedica a discutir fun-damentos e princpios capazes de orientar os processos formativos, o que, talvez, se justifique pelas reformas educacionais levadas a cabo na primeira metade da dcada de 2000 (BRASIL, 2002; 2004), que demandaram a reformulao dos currculos das licenciaturas, e, tambm, pela vinculao institucional dos autores, antes mencionada. Muitos dos que estudam ou investigam a educao musical escolar so formadores de professores. reduzida, no entanto, a porcentagem de trabalhos que se propem a analisar currculos, projetos e propostas de formao de professores. Alm disso, comparativamente, as prticas docentes, isto , os modos de pensar e agir dos prprios professores, ainda parecem despertar menor interesse nos estudiosos da rea.

    Por fim, no campo temtico saberes escolares seis foram os temas principais identificados, como registrado na Tabela 4.

  • Tabela 4 - Distribuio dos artigos conforme temas principais no campo temtico saberes escolares.

    Tema principal Nmero de ocorrncias Porcentagem

    Presena/ausncia da msica nas escolas: 13 25 Estudos descritivos 8 15,4 Estudos de polticas, legislao e termos normativos 6 11,5Fundamentos para a organizao dos currculos/saberes escolares 13 25

    Natureza, justificativas e finalidades da msica/educao musical 11 21,2

    Apresentao de proposta curricular 10 19,2Anlise de diretrizes e propostas curriculares 3 5,8Estudo de prticas escolares 2 3,8

    TOTAL 52* 100*Total maior que o nmero de artigos no campo temtico porque um mesmo artigo pode tratar de mais de um tema principal.

    Estudos sobre a presena/ausncia da msica nas escolas, seja no sen-tido de descrever o que acontece nas escolas, seja no de analisar aspectos legais e polticos, representam um quarto do total de trabalhos nesse campo temtico. expressiva a porcentagem de trabalhos que se dedicam a apre-sentar fundamentos para a organizao curricular, de modo semelhante ao que foi observado em relao formao de professores, ou a apresentar propostas a serem desenvolvidas nas escolas. Tambm so frequentes os estudos que discutem o que se poderia nomear como aspectos filosficos, como natureza, justificativas e finalidades da msica e da educao musi-cal. Em contraposio, as prticas escolares esto pouco representadas no conjunto dos trabalhos do campo temtico em anlise.

    Os dados acerca dos principais temas tratados na produo em anlise nos campos temticos professores e saberes sinaliza o predomnio de traba-lhos que buscam apresentar ou definir princpios e fundamentos orientadores

  • das prticas, sejam as de formao de professores, sejam aquelas realizadas por professores nas escolas de educao bsica.

    A inteno parece ser a de definir um ideal de formao e atuao, que, algumas vezes, assume um carter prescritivo, definindo o que deve ou precisa ser feito, verbos frequentes em vrios artigos. Esse discurso ideal pode ser uma estratgia para superar problemas identificados a partir da leitura integral dos artigos que so retomados em textos de diferentes pe-rodos da produo analisada, como a desvalorizao do ensino de msica nos contextos escolares, decorrente da natureza da msica e dos usos e funes que lhe so atribudos na escola, considerados limitados; vinculada a essa desvalorizao, a ausncia de definies claras na legislao sobre a participao da msica nos processos de escolarizao na educao bsica; e, como decorrncia desse ltimo, a escassez de professores de msica nas escolas, aliada presena pouco expressiva da msica como componente especfico dos currculos escolares.

    Alm disso, a definio de princpios e fundamentos, principalmente no mbito da formao de professores, parece ser um caminho para que escolas e professores sejam incitados (e orientados) a construir outras prticas educativo-musicais, visando a superar o que alguns autores definem como um abismo enorme entre o que ensinado na escola e o que vivido fora dela (NUNES, 2003, p. 62) ou como uma distncia infinita entre a msica da escola e a msica da vida (PENNA, 2003, p. 78).

    Alguns textos, por meio das asseres apresentadas, auxiliam a escla-recer que esse abismo ou distncia decorrente dos modos pelos quais, de um lado, os alunos (principalmente adolescentes e jovens) e, de outro, os professores se relacionam com msica. Como afirma Oliveira (2006, p. 32), por exemplo, a escola s vezes esquece que o jovem se articula na prpria cultura atravs das experincias que vive. Para Souza (2004, p. 9), as escolas propiciam aos alunos uma relao abstrata com a msica. Como consequncia, o currculo escolar no amplia as questes relevantes da vida dos alunos para alm do espao da escola (p. 10). Subtil (2005, p. 72) tambm critica a relao da escola com as experincias dos alunos e prope o questionamento da lgica escolar transmissora de conhecimen-tos que releva para segundo plano a expresso dos sujeitos sobre o que e como pensam.

    Zak JamesHighlight

  • O que chama a ateno, nesses casos, que a relao conflitante entre escola e alunos parece ser tomada como premissa ou pressuposto, j que so raros os trabalhos analisados que tratam das relaes dos alunos com a educao musical escolar. As experincias de aprendizagem de/com msica que a escola intencionalmente organiza para os estudantes (ver MOREIRA; CANDAU, 2007) so tomadas, de modo geral, como inadequadas ou pou-co significativas para os alunos, sem que essas experincias sejam, de fato, analisadas.

    As crticas tomam outras feies nos trabalhos que focalizam concep-es e prticas educativo-musicais de professores nas escolas. recorrente a ideia de que falta clareza sobre as funes, contedos e prticas de ensino de arte [msica] nas escolas (PENNA, 2004, p. 12) ou de que os professores tm vises equivocadas ou reducionistas sobre a educao musical escolar (BELLOCHIO, 2002, p. 45; SOBREIRA, 2008, p. 49). O equvoco, nesses casos, no faz referncia distncia entre as prticas escolares e as relaes dos alunos com msica fora da escola, mas, principalmente, s chamadas finalidades extrnsecas atribudas pelos professores educao musical escolar, sejam professores unidocentes, sejam especialistas. Spanavello e Bellochio (2005), por exemplo, criticam as professoras por elas investigadas porque no consideram a msica pelas especificidades do conhecimento musical, mas pela sua possibilidade de servir como apoio metodolgico s demais reas do conhecimento (p. 94). Crticas semelhantes so encon-tradas em outros trabalhos (por exemplo, ANDRAUS, 2006; BEAUMONT; BAESSE; PATUSSI, 2006; CERESER, 2004; DEL BEN; HENTSCHKE, 2002; DINIZ; DEL BEN, 2006; HUMMES, 2004).

    As finalidades extrnsecas atribudas pelos professores educao musical escolar vo de encontro s finalidades defendidas pelos autores das investigaes. Bellochio (2001, p. 46), por exemplo, sustenta, baseada em Paulo Freire, que uma das dimenses da msica na escolarizao a Humanizao crtica dos sujeitos escolares, finalidade que se aproxima da educao musical emancipatria proposta por Mller (2004). Para Bellochio (2001, p. 46), a Humanizao est imbricada concepo de Msica como campo do conhecimento especfico, como so outras reas do saber. A autora, apoiando-se em Penna (1995, apud BELLOCHIO, 2001, p. 46), prossegue e define como sentido da msica na educao bsica o

  • de ampliar o universo artstico cultural do aluno e realizar um projeto de democratizao no acesso arte e cultura; ou, como prope Penna (2003, p. 77), em um dos artigos analisados neste trabalho, a expanso da experincia artstica e cultural dos alunos. A relao da humanizao com a democratizao do acesso arte e cultura, no entanto, no desenvolvida.

    Essas ideias remontam s filosofias intrnsecas e extrnsecas da educao musical identificadas por Temmerman (1991, apud FERNANDES, 2004), e apresentadas por Fernandes (2004). A primeira perspectiva defende que os valores da educao musical esto contidos no valor da prpria msi-ca; a finalidade da educao musical seria, assim, o desenvolvimento da conscincia e da sensibilidade esttica (FERNANDES, 2004, p. 83), o que inclui tratar a msica como um significante modo simblico disponvel aos indivduos (TEMMERMAN, 1991, apud FERNANDES, 2004, p. 83). A perspectiva extrnseca justifica a educao musical por seus chamados valores instrumentais ou utilitrios, como desenvolvimento emocional, meio para a comunicao social, valor espiritual, lazer e recreao, entendimento e tolerncia cultural, entre outros (FERNANDES, 2004, p. 83).

    O que se pode perceber um binarismo que atravessa os modos de entender finalidades e prticas de educao musical escolar na literatura analisada, o que pode dificultar a compreenso mais aprofundada do que acontece nas escolas e porque acontece. Os artigos de Duarte e Mazzotti (2002, 2006) parecem propor a superao desse binarismo quando ques-tionam: a msica em si e por si? Em um sentido , caso contrrio nem poderia ser objeto de conversa, pois no teria qualquer limite. Em outro sentido no, pois ela uma atividade humana e um produto humano, logo marcado pelo que no msica (DUARTE; MAZZOTTI, 2002, p. 33).

    As razes dos professores para atriburem as chamadas finalidades extrnsecas educao musical escolar no so explicitadas, ao contrrio do que recomendam Duarte e Mazzotti (2002); so apenas consideradas um reducionismo, para cuja transformao a formao torna-se essencial, como defende Penna (2007, p. 52):

    So diversas as dificuldade que cercam a educao musical na escolar regular, envolvendo tambm o contraste entre a cultura escolar com suas caractersticas especficas, e o dinamismo das experincias musicais cotidianas, como vem sendo

  • apontado por diversos autores (cf. Arroyo, 2005). Sendo assim, tais questes no se esgotam na discusso da formao do professor, embora essa seja essencial, inclusive para o desenvolvimento da capacidade de reflexo e crtica, indispen-sveis para a renovao da prpria cultura escolar.

    Mas onde est a cultura escolar na produo em anlise?

    A pergunta acima pe em questionamento a relao dos artigos analisados com as realidades escolares. Embora mais da metade dos 81 artigos (51%) seja resultante de pesquisas empricas, 38% dos trabalhos apresentam um carter ensastico ou so estudos tericos e de reviso bibliogrfica, sendo que os ensaios (ou trabalhos de carter ensastico) somam 33% do total. Os 11% restantes so propostas de ensino e relatos de experincias diversas.

    Essas modalidades sinalizam que boa parte da produo analisada no se constri a partir de dados sistematizados provenientes das realidades escolares, seus sujeitos, concepes e prticas; no se alimenta da empiria, mas sim, da prpria produo cientfica. Alm disso, a discusso anterior sobre as prticas escolares e sobre as finalidades atribudas por professores educao musical escolar sugere que, nesses casos, o emprico tende a ser considerado menos consistente que a prpria literatura sobre educao musical. Da a necessidade, apontada em vrios trabalhos, de transformao do emprico.

    Em relao aos alunos, o olhar dos pesquisadores e estudiosos parece mais generoso. Os artigos de Arroyo (2005), Lino (2010), Ribas (2009), Sebben e Subtil (2010), Silva (2004), Souza (2004), Subtil (2005), Wille (2005) e Wolffenbttel (2004) se propem a compreender como crianas, adolescentes, jovens e adultos que frequentam as escolas se relacionam com msica e os significados que a ela atribuem, dentro e fora da escola. E ressaltam a potncia contida nessas relaes e significados para pensar no s propostas de educao musical (ver ARROYO, 2005), mas a prpria rea de educao musical (ver SOUZA, 2004).

  • Ainda sobre a relao dos textos com as realidades empricas, cabe ressaltar que os trabalhos tendem a privilegiar dimenses ou sujeitos espe-cficos, e no o ato pedaggico que envolve o aluno, o saber, o professor, a situao institucional etc., no qual a anlise do comportamento em situ-ao sobrepe-se anlise do comportamento em si (PIMENTA, 1998, p. 46 grifos da autora). Os sujeitos escolares parecem pensar e agir num espao abstrato, j que as escolas, como instituio, assim como os sistemas educativos em que esto inseridas, esto praticamente ausentes dos artigos analisados. As condies de trabalho dos professores, a estrutura e a cultura organizacional das escolas e dos sistemas de ensino raramente so tomadas como categorias a serem analisadas.

    As especificidades da escola parecem diludas nos trabalhos. H traba-lhos que se referem simultaneamente escola e a outros espaos educati-vos, como escolas de msica, projetos sociais e, de modo mais indefinido, espaos fora da escola. A disperso da escola em meio a outros espaos pode ter relao com o entendimento de que so mltiplos os espaos de educao musical na sociedade (KRAEMER, 2000).

    Outros trabalhos no especificam qualquer nvel de ensino, apresentan-do termos como escola pblica, escola regular ou contexto escolar. O ensino fundamental o nvel mencionado com maior frequncia, principalmente os anos iniciais. A educao de jovens e adultos foi mencionada somente em dois artigos. Esses dados parecem sinalizar que as especificidades das diferentes etapas da escolarizao na educao bsica no tm sido sufi-cientemente tematizadas pela rea de educao musical.

    Mesmo trabalhos que se propem a analisar prticas desenvolvidas nas escolas e a apontar especificidades da escola como espao de educa-o musical, como os de Beineke (2001), Bellochio (2002, 2003), Del Ben e Hentschke (2002), Kleber e Cacione (2010), Mateiro (2003), Mateiro e To (2003) e Targas e Joly (2009), no trazem a escola para dentro de seus textos. A instituio escolar est l, mas suas prticas, tradies, condies, contradies, caractersticas e finalidades parecem no ser consideradas na anlise daquilo que nela se pensa e se faz. Essa invisibilidade da escola nos artigos analisados se contrape recorrente defesa da necessidade de aproximao entre cursos de formao de professores e os contextos reais de trabalho dos professores, como exemplifica a afirmao de Beineke (2001,

  • p. 95): atravs do dilogo reflexivo com as prticas profissionais que se formam profissionais mais comprometidos e conhecedores das complexi-dades que caracterizam as dinmicas escolares.

    Por outro lado, preciso considerar que pensar a educao musical escolar no implica, necessariamente, tom-la como unidade emprica de investigao, como esclarece Sposito (2003). Ao defender a relevncia de os estudos no campo da sociologia adotarem uma perspectiva no escolar no estudo da escola, Sposito (2003, p. 215) salienta a neces-sidade de

    considerar uma distino importante entre a categoria analtica escola e a unidade emprica escola objeto de investigao. A relevncia analtica da instituio escolar no implica necessariamente o seu estudo emprico, sendo esse o primeiro aspecto da via no escolar no estudo sociolgico da escola. O segundo reside na idia de que, mesmo considerando-se a escola como unidade emprica de investigao, preciso reconhecer que elementos no escolares pe-netram, conformam e so criados no interior da instituio e merecem, por sua vez, tambm ser investigados.

    De modo semelhante, Zago (2004), na apresentao do dossi Estudos sobre a escola em diferentes contextos sociais, da revista Perspectiva, alerta que, nesses estudos,

    a escola no tratada (...) no sentido redutor das suas fronteiras fsicas e no se limita tambm aos fenmenos escolares circunscritos sala de aula, s prticas pedaggicas ou relao professor-aluno, mas designa uma construo inte-lectual em torno do objeto de estudo escola (CANRIO, 1996), uma maneira de interrogar e problematizar fenmenos escolares sob diferentes ngulos de anlise. (...) A segunda idia no entendimento do recorte adotado de que uma anlise sociolgica da escola integra necessariamente certos fenmenos que ocorrem fora da escola, no contexto local ou em outras instncias de so-cializao como a famlia. (DURUBELLAT; VAN ZANTEN, 1999, p. 8, traduo nossa). (ZAGO, 2004, p. 13)

    No se trata de defender a realizao de trabalhos com uma viso reducionista, que entendam a educao musical escolar como estando restrita ao que se pensa e se faz dentro dos limites fsicos da instituio (ver SPOSITO, 2003, p. 217), j que a escola no se constri sem estabe-lecer relaes com outros mbitos da sociedade. Mas pensar a educao musical escolar demanda que sejam contemplados tambm os processos

  • e prticas internos s instituies. Ela no pode ser pensada sem a escola, como sinaliza Vago (2009, p. 25), no artigo em que prope maneiras de pensar a Educao Fsica na escola. O autor toma como princpio para suas reflexes o pertencimento da Educao Fsica ao domnio da educao, o que lhe confere uma identidade fundamental como prtica da escola, organizada por professores da escola para a interveno na formao de crianas, de adolescentes, de jovens e de adultos em sua histria escolar (Vago, 2009, p. 26). E a escola, para Vago (2009), precisa ser compreendida como um lugar singular:

    O lugar a escola. Um lugar com uma identidade, uma responsabilidade social, uma expectativa social.Escola no clube. Escola no academia de ginstica. Escola no centro de treinamento esportivo. A escola no a rua, ou a praa do bairro. Escola no tempo nem equipamento de lazer. Embora possa estabelecer relaes com todos esses lugares, a escola um tempo e um lugar singular, que no pode ser nem confundido com (nem substitudo por) nenhum desses. Fundamental pensar ento o que este lugar, a escola. (VAGO, 2009, p. 26)

    Kraemer (2000) define o objeto de estudo da educao musical como

    campo de conhecimento nos seguintes termos:

    A pedagogia da msica4 ocupa-se com as relaes entre as pessoa(s) e a(s) msica(s) sob os aspectos de apropriao e de transmisso. Ao seu campo de trabalho pertence toda a prtica msico-educacional que realizada em aulas escolares e no escolares, assim como toda cultura musical em processo de formao. (KRAEMER, 2000, p. 51)

    Tomando Kraemer (2000) como base, possvel concluir que pensar a educao musical escolar significa pensar as relaes que as pessoas es-tabelecem com msica, sob os aspectos da transmisso e da apropriao, ou do ensino e da aprendizagem, em (ou com referncia a) um contexto especfico: a escola, instituio com uma histria, com finalidades especfi-

    4 Souza (2000) esclarece que o termo pedagogia musical (Musikpdagogik) utilizado na literatura alem para designar a rea como cincia, enquanto que o termo educao musical (Musiker-ziehung) refere-se prtica da educao musical. Segundo a autora, esses termos ainda no esto claramente definidos no Brasil.

  • cas, uma estrutura e uma cultura organizacional, modos prprios de pensar e agir (ver SOARES, 1999), e que, como espao de educao obrigatria, deve seguir regulamentaes e normatizaes especficas.

    Como indicam as temticas identificadas nos trabalhos, boa parte da produo analisada se constri a partir das relaes que os sujeitos escolares, principalmente os professores, estabelecem com msica e, mais especifica-mente, com o ensino e a aprendizagem de msica. As relaes so descritas, mas, quando se trata de prticas escolares, de modo geral, ou das concepes e prticas dos professores, nem sempre so acolhidas. O campo emprico visto como equivocado, inconsistente, em contraposio ao conhecimento cientfico ou ao conhecimento trazido pela literatura da rea.

    Alm disso, embora mais da metade dos artigos analisados se caracte-rize como pesquisa emprica, que se aproxima dos sujeitos escolares, eles parecem pensar e agir num lugar ainda pouco estudado, j que as escolas, como instituio, assim como os sistemas educativos em que esto inseridas, esto praticamente ausentes dos artigos analisados. A educao musical escolar pensada sem considerar as particularidades do lugar em que acontece ou em que se espera que acontea. As particularidades existem, tanto que se argumenta ser necessrio aproximar os cursos de formao e os futuros professores dos contextos escolares, mas no so explicitadas ou analisadas em profundidade; ou se diluem na multiplicidade de espaos que caracteriza o campo da educao musical (KRAEMER, 2000). A escola, embora sempre presente, um espao que parece invisvel na produo analisada. Mesmo assim, precisa ser transformada.

    Essa necessidade de transformao parece justificar o expressivo nmero de trabalhos que se dedica a discutir fundamentos e princpios capazes de orientar tanto os processos formativos quanto a organizao dos currculos e prticas escolares. Esses trabalhos definem um ideal de formao e atuao, que serviria para superar problemas e construir outras prticas educativo-musicais, conforme antes destacado, mas, como tambm j destacado, no h garantias de que sero, necessariamente, traduzidos em prticas educativas escolares.

    Os resultados sugerem que boa parte da produo analisada no se alimenta da empiria, mas sim, da prpria produo cientfica. So discursos

  • construdos para as realidades escolares, mas, predominantemente, no so construdos nas realidades ou a partir delas, o que pode diminuir sua capa-cidade de fertilizar as prticas (PIMENTA, 1998) e transformar as realidades. possvel, ainda, que os trabalhos analisados no tratem especificamente das escolas porque, primeiro, precisam tratar da educao musical: como se constitui, a que finalidades serve ou deveria servir, como deve ser realizada, independentemente do contexto em que acontece.

    Concluindo, os resultados aqui apresentados constituem um modo de pensar o modo como temos pensado a educao musical escolar. Como tal, no esgotam as possibilidades de outras anlises, nem mesmo a produo da rea de educao musical, j que este trabalho se centrou sobre artigos publicados em um nico peridico cientfico ao longo de uma nica dcada. Espero, no entanto, que, ao apresentar um breve inventrio tanto daquilo que j foi investigado quanto de como foi investigado, este trabalho possa contribuir para um mapeamento do estado da arte do conhecimento produzido sobre a temtica em questo. Espero, tambm, que ele nos incite a continuar refletindo tanto sobre os conhecimentos que temos produzido sobre educao musical escolar, e como os temos produzido, quanto so-bre nossa capacidade no s de problematizar as realidades escolares (ver JURDANT, 2006), mas tambm de fertiliz-las (ver PIMENTA, 1998) por meio de nossas prprias produes.

    Resumo. Este trabalho teve como objetivo investigar como se configuram os modos de pensar a educao musical escolar construdos por pesquisadores e estudiosos no campo da educao musical. Para a realizao da pesquisa, esse objetivo foi desdobrado nas seguintes questes: quais so as dimenses dos fenmenos educativo-musicais escolares representadas nesses modos de pensar? Que finalidades so atribudas ao ensino e aprendizagem de msica na escola? Que tipos de asseres ou proposies caracterizam esses modos de pensar; que dados as apoiam; como so fundamentadas ou justificadas? Adotando como estratgia de pesquisa a anlise de documentos, foram tomados como dados empricos os artigos publicados na Revista da ABEM, que foram analisados quantitativa e qualitativamente, tomando como base as ques-tes orientadoras da pesquisa. Os resultados indicam algumas caractersticas do conhecimento produzido pela rea sobre educao musical escolar, e permitem um breve inventrio tanto daquilo que j foi investigado quanto de como foi investigado.

    Palavras-chave: educao musical escolar, produo cientfica em educao musical, Revista da ABEM.

  • Abstract. This paper aimed at to analyze the ways of thinking about music education in schools elaborated by Brazilian researchers in the field of music education. The following questions guided the investigation: what are the dimensions of the school music educational phenomena represented in these ways of thinking? What purposes are allocated to music teaching and learning in schools? What types of assertions or propositions characterize these ways of thinking; which sort of data support these assertions or propositions; how are they grounded or justified? Adopting the analysis of documents as the research strategy, papers published in the Revista da ABEM (Journal of the Brazilian Association of Music Education) were quantitatively and qualitatively analyzed, based on the guiding questions. The results show some characteristics of the knowledge produced by the area about music education in schools, and allow a brief inventory both of what has already been investigated and how it was investigated.

    Keywords: school music education, scientific production in music education, Revista da ABEM.

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    Recebido em 10/05/2013Aprovado em 11/07/2013