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Cels@ Paulo Macamo 1.I DIREITO ADMINISTRAÇÃO 1. Noção de Administração Em ciência de Administração 1 , chama-se administração à função de se conseguir fazer as coisas através das pessoas com os melhores resultados. Ou seja: administração consiste na cooperação organizada e formal de indivíduos no sentido de alcançar um ou mais objectivos comuns 2 . A ciência de administração nasceu no começo do século xx e na altura constituiu um acontecimento histórico da maior transcendência, tendo proporcionado uma transformação gigantesca da sociedade numa sociedade de organizações. Existem cinco antecedentes históricos do surgimento da ciência de administração: 1 o Influência dos filósofos 2 o Influência da organização da igreja católica (Papa, Concílio do Vaticano Arcebispo, Bispos, Padres, etc) 3 o Influência da Organizaçao militar, nomeadamente o princípio da unidade de comando, a centralização do comando e a descentralização de execução, o conceito de hierarquia, o princípio da direcção 4 o Influência da revolução industrial 5 o Influência dos economistas liberais 1 Cf. Manual de 2 É importante conferir o conceito de Administração de Idalberto Chiavenato, segundo o qual “ a Administração é o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar o uso dos recursos organizacionais para alcançar determinados objectivos de maneira eficiente e eficaz.” (Cf. CHIAVENATO, Idalberto, Administração, Teoria, Processo e Prática, S. Paulo: Makron Books, 3 a Edição, pg 3. 1

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1I

DIREITO ADMINISTRAÇÃO

1. Noção de Administração

Em ciência de Administração1, chama-se administração à função de se conseguir fazer as coisas através das pessoas com os melhores resultados. Ou seja: administração consiste na cooperação organizada e formal de indivíduos no sentido de alcançar um ou mais objectivos comuns2.

A ciência de administração nasceu no começo do século xx e na altura constituiu um acontecimento histórico da maior transcendência, tendo proporcionado uma transformação gigantesca da sociedade numa sociedade de organizações.

Existem cinco antecedentes históricos do surgimento da ciência de administração:

1o Influência dos filósofos

2o Influência da organização da igreja católica (Papa, Concílio do Vaticano Arcebispo, Bispos, Padres, etc)

3o Influência da Organizaçao militar, nomeadamente o princípio da unidade de comando, a centralização do comando e a descentralização de execução, o conceito de hierarquia, o princípio da direcção

4o Influência da revolução industrial

5o Influência dos economistas liberais

As várias acepções da expressão Administração Pública

Segundo Jean Rivero e Jean Walline, há duas acepções ou correntes da palavra administração. A primeira é a de que administração significa uma actividade , o facto de administrar, ou seja gerir um negócio3. A segunda é a de que a administração corresponde ao órgão ou órgãos que exercem essa actividade.

1 Cf. Manual de2 É importante conferir o conceito de Administração de Idalberto Chiavenato, segundo o qual “ a Administração é o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar o uso dos recursos organizacionais para alcançar determinados objectivos de maneira eficiente e eficaz.” (Cf. CHIAVENATO, Idalberto, Administração, Teoria, Processo e Prática, S. Paulo: Makron Books, 3a Edição, pg 3. 3 Cf. RIVERO, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 13.

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O primeiro sentido, material ou objectivo, designa o poder público empenhado na satisfação imediata de interesses da comunidade heteronamamente fixados, e é sinónimo da actividade administrativa.

O segundo sentido ou acepção chama-se sentido orgânico, organizatório ou subjectivo, e consiste no complexo de órgãos que no Estado e nas outras pessoas colectivas públicas recebe o encargo de desempenhar a função administrativa,e é sinónimo da organização administrativa, como diria por exemplo administração das alfândegas ou administração dos correios.

O sentido material e orgânico de administração que acabamos de ver é empregue tanto para actividades privadas como para actividades ou negócios públicos. Trata-se neste contexto do sentido lato de administração.

Em sentido restrito, porém é igualmente muito corrente quando se fala de administração quer-se referir somente à administração pública4. Nesta perspectiva, a administração é concebida como essencialmente diferente de actividade dos particulares, e como distinta de certos outras formas de actividade pública, como é o caso de actividades de legislação e do exercício de justiça.

Doravante, quando usamos a expressão administração ao longo do nosso curso, estaremos a referir-nos à administração pública, portanto, no sentido restrito da expressão administração.

Para além dos sentidos material e orgânico, existe um terceiro sentido , que é o sentido funcional e que designa a actividade dos órgãos administrativos. Assim, podemos concluir que quando se fala em administraçao pública tem-se presente um conjunto de necessidades colectivas cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental pela colectividade através de serviços por esta organizados e mantidos5.

Equivale isto dizer que quando existe e se manifesta com suficiente intensidade uma necessidade colectiva surge um serviço público destinado a satisfazê-la em nome e no interesse da colectividade.

Finalmente, há que ter atenção para o seguinte: quando se escreve a expressão administração pública com iniciais minúsculas quer-se referir ao sentido orgânico, e sempre que se escreve com iniciais minúsculas quer-se referir ao sentido material ou objectivo.

4 Cf. RIVERO, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 13.5 AMARAL, Diogo Freitas, Curso de Direito Administrativo, 2a Edição, Almedina Livraria, 1996, pg 29.

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O sentido funcional é mais ou menos equivalente ao sentido formal, que tem a ver com o modo de agir que caracteriza a administração em determinada tipo de sistemas de administração.

Sentidos orgânico e material da expressão Administração Pública

Em sentido orgânico,

Chama-se Administração Pública ao sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas colectivas públicas, a quem compete assegurar em nome da colectividade a satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar.

Resulta do que acabamos de afirmar que o sentido orgânico da expressão Administração Pública abrange duas realidades completamente distintas:

- Por um lado, as pessoas colectivas públicas6 e os serviços públicos7;

- Por outro lado, os funcionários e agentes administrativos.

Em sentido material,

A administração pública corresponde à actividade típica dos serviços públicos e agentes administrativos, desenvolvida no sentido geral da colectividade, com vista à satisfação regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar, obtendo para o efeito os recursos mais adequados e utilizando as formas mais convenientes.

Numa palavra, administração púlica em sentido material consubstancia uma actividade regular, permanente e contínua dos poderes públicos, visando a satisfação de parte das necessidades da colectiva de segurança, cultura e bem-estar8.

Traduz o poder público empenhado na satisfação imediata de interesses da comunidade heteronomamente fixados.

Por outras palavras, em sentido material Administração Pública é sinónimo de actividade administrativa.

6 Trata-se de realidades dotadas de personalidade jurídica, sendo por isso chamadas pessoas colectivas públicas ou pessoas colectivas de direito público.7 Trata-se de realidades normalmente não personificadas, isto é não dotadas de personalidade jurídica.Veja o conceito em...8 Exceptua-se do âmbito da administração pública a satisfação da necessidade colectiva de justiça.

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Em sentido formal (funcional),

Tem a ver com o próprio modo de agir que caracteriza a Administração Pública em determinados tipo de sistemas de Administração; semelhante no sentido formal encontramos o sentido funcional que designa a actividade dos órgãos administrativos.

Os fins da administração pública

São essencialmente três:

- A segurança;

- A cultura;

- O bem-estar

Significa portanto que dos fins do Estado apenas a justiça não é prosseguida pela Administração Pública.

Para a administração pública realizar o interesse público realiza actividades. Às actividades desenvolvidas pela administração pública se chama actividades administrativas. E o conteúdo material dessas actividades administrativas compreende, por um lado, a função executiva, qual seja a de garantir a execução das leis,; e por outro lado, a prática de todos os actos e a tomada de todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico e social e à satisfação das necessidades colectivas.

DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E ADMINISTRAÇÃO PRIVADA

Há entre a Administração Pública e a Administração Privada aspectos comuns, mas há também aspectos específicos de cada uma dessas formas de administração.

O aspecto comum consiste em ambas constituirem administração, são ambas formas de administração.

Há três grandes aspectos específicos que as distinguem, designadamente: o objecto, o fim e os meios9.

a) Quanto ao objecto

9 A este propósito, importa referir que Jean Rivero na sua obra intituladaDireito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pgs 14 e 15 destaca apenas o fim e os meios como aspectos distintivos da administração pública e administração privada, mas deixa subentendido na sua explanação que o objecto da administração pública são as necessidades colectivas, sendo objecto da administração privada as necessidades particulares, individuais ou de grupo.

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Verifica-se que a Administração Pública tem como objecto as necessidades colectivas, assumidas como tarefa e responsabilidade da colectividade. Por seu turno, constitui objecto da Administração Privada as necessidades particulares, grupais ou individuais.

Importa contudo assinalar que há actividades que geram uma certa confusão quanto ao seu enquadramento numa ou noutra forma de administração10.

b) Quanto ao seu fim

A administração pública prossegue necessariamente um interesse público, que constitui o único fim que as entidades e os serviços públicos podem legitimamente prosseguir.

Por seu turno, a administração privada visa atingir fins particulares, grupais ou individuais, que podem ser lucrativos ou não, e dentre estes últimos podemos encontrar aqueles que se prendem com o êxito pessoal e aqueles que têm a ver com actividades políticas, e ainda aqueles que se relacionam com fins altruístas, filantrópicos, humanitários e religiosos.

Estes interesses têm de comum o serem fins particulares, sem vinculação necessária ao interesse geral da colectidade, por vezes, em contradição com ele.

Há casos de coincidência entre a utilidade particular das formas de administração privada e a utilidade social ou colectiva dessas mesmas formas. No entanto, essa coincidência não retira nem altera o seu fim principal, que é a prossecução do interesse particular.

c) Quanto aos meios

Na administração privada os meios jurídicos usados caracterizam-se fundamentalmente pela igualdade entre as partes; o equivale dizer que,nesse contexto, os particulares são iguais entre si. É por isso que em regra não é vedada a faculdade de impor aos outros a sua própria vontade, a não ser que isso decorra de um acordo livremente celebrado. Por conseguinte, o contrato avulta como o instrumento jurídico típico no ambito das relações privadas.

Por seu turno, tendo que realizar em todas as circunstâncias o interesse público definido na lei geral, e atento que a satisfação das

10 Por exemplo, no caso de uma padaria, cuja actividade normal é a produção de pão que como se sabe constitui uma necessidade essencial. Há dois aspectos que caracterizam a produção de pão: actividade económica desenvolvida pelo sector privada com observância da lei.; embora necessidade colectiva, a colectividade não chama a si a responsabilidade pela sua satisfação.

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necessidades colectivas constitue o objectivo de toda a actividade administrativa, a administração pública não pode normalmente utilizar face aos particulares os mesmos meios que estes empregam uns com os outros. Logo, pela sua natureza, a actuação da administração pública na realização do bem comum não se circunscreve à celebração de contratos, posto que isso limitaria em grande medida a sua missão. Com efeito, cingindo-se à actuação contratual, encontraria barreiras por parte dos particulares engajados em defender os seus interesses individuais ou grupais.

Em síntese: a satisfação do interesse público como finalidade da administração pública determina a utilização de certos meios de autoridade que possibilitem `as entidades e serviços públicos impor-se aos particulares, sem ter de aguardar o seu consentimento ou mesmo fazê-lo contra a sua vontade.

Neste quadro, a administração pública pode agir de duas maneiras:

- Por via de contrato bilateral (denominado contrato administrativo)

- Por via de comandos unilateriais, que podem assumir a forma de acto normativo ( por exemplo o regulamento administrativo) como a forma de decisão concreta e inividual, caso em que se chama acto administrativo. E esta é a via dominante de actuação.

Há dois aspectos fundamentais a reter nesta actuação da administração pública:

1o Nas suas actuações com os particulares a administração pública vezes sem conta recorre ao uso dos poderes de autoridade, poderes estes aos quais os particulares não podem recorrer nas relações entre si;

2o Inversamente, a Administração Pública na sua actuação está sujeita a restrições, encargos e deveres especiais de natureza jurídica, moral e financeira, que a lei estabelece a fim de acautelar e defender o interesse público,e a que não estão sujeitos os particulares na prossecução normal das suas actividades de administração privada.

Esta é uma diferença de importância fundamental que precisamos de ter sempre presente, dando-lhe o devido relevo. Na verdade, as restrições, encargos e os deveres constituem uma diferença de importância fundamental que nem sempre tem merecido o devido relevo.

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A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO QUADRO DAS FUNÇÕES DO ESTADO

Depois de havermos traçado as diferenças entre a administração pública e a administração privada, importa por ora estabelecer a diferença entre a administração pública e as demais funções do Estado, designadamente a política, a legislação e a justiça.

1.2.3A administração pública e a política

A diferença entre a administração pública e a política tem a ver com o facto de que, enquanto a finalidade da política é a definição do interesse geral da colectividade, tendo como objecto as grandes opções que o país enfrenta ao traçar o seu destino colectivo, a finalidade da administração pública é a realização em termos concretos do interesse geral – já definido pela política; isto é o objectivo da administração pública é a satisfaçào regular e contínua das necessidades colectivas de segurança, cultura e bem-estar económico e social.

Por outro lado, enquanto a política tem uma natureza criadora, inovadora, principalmente nos aspectos fundamentais relativos à conservação e desenvolvimento da comunidade nacional, a natureza da política é executiva e consiste sobretudo em pôr em prática as orientações tomadas a nível político.

Acresce a isto que a função política é livre e primária, conhecendo apenas algumas limitações ao nível da constituição, sendo assegurada pelos órgãos superiores do Estado, os quais são normalmente eleitos directamente pelo povo ao nível nacional. Diferentemente, a administração pública tem um carácter condicionado e secundário, encontrando-se subordinada por definição às orientações da política e da legislação. Sujeita-se à direcção e fiscalização dos órgãos superiores do Estado, mas é assegurada por órgãos secundários, os órgãos administrativos são nomeados ou então eleitos por colégios eleitorais restritos.

De qualquer modo importa assinalar que não a política e a administração pública não constituem compartimentos completamente estanques. Porquanto:

- A administração pública sofre a influência directa da política;

- A política sofre influência da administração, quando esta se sobrepõe a autoridade política por qualquer razão enfraquecida ou incapaz.

1.3.3. Legislação e administração pública

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A legislação igualmente define opções, objectivos, normas abstractas, enquanto a administração executa, aplica e põe em prática o que lhe é superiormente determinado.

A grande diferença a apontar consiste em a administração pública ser uma actividade totalmente subordinda à lei : a lei constitui actualmente o fundamento, o critério e o limite de toda a actividade administrativa.

1.3.3. Justiça e administração pública

Estas duas actividades comungam de várias características, designadamente o seu carácter secundário, executivo e subordinado à lei.

Todavia, há traços que as distinguem:

- A justiça visa aplicar o direito aos casos concretos, a administração pública visa prosseguir interesses gerais da colectividade;

- A justiça aguarda passivamente que lhe tragam os conflitos sobre que tem de pronunciar-se, enquanto a administração pública toma a iniciativa de satisfazer as nececssidades colectivas que lhe estão confiadas;

- A justiça está acima dos interesses, é desinteressada, não é parte nos conflitos que decide, quando por seu turno a administração pública defende e prossegue os interesses colectivos a seu cargo, é parte interessada.

Como consequência, a justiça é assegurada por tribunais cujos juízes são independentes no seu julgamento e inamovíveis no seu cargo; diversamente, a administração pública está a cargo de órgãos e agentes hierarquizados, de modo que os subalternos em regra dependem dos seus superiores, devendo-lhes obediência.

A PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO COMO FUNDAMENTO E OBJECTIVO DA EXISTÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

a) o interesse público em particular

Os fins da administração pública resumem-se num único objectivo: o bem-comum da colectividade administrada. Pelo que toda a actividade do administrador público deve ser orientada para esse objectivo: o interesse público.

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O interesse público equivale ao interesse geral da colectividade, o conjunto das aspirações ou vantagens licitamente almejadas por toda a comunidade administrada ou por uma parte expressiva de seus membros.

No desempenho dos encargos administrativos o agente do poder público não tem a liberdade de procurar outro objectivo, ou de dar fim diverso do prescrito em lei para a actividade.

Somente o interesse público definido pela lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo, ou de qualquer decisão da administração pública. Caso contrário, estar-se-á perante o desvio de poder, e consequentemente será um acto ilegal que, por isso, é passível de anulação contenciosa.

Por outro lado, a prossecução de interesses privados invés do interesse público por parte de qualquer órgão ou agente administrativo no exercício das suas funções constitui corrupção, acarretando consequentemente todo um conjunto de sanções, quer administrativas quer penais.

b) o poder administrativo

Na verdade, na realização do interesse público, a administração pública aparece como um verdadeiro poder público, o poder administrativo, porquanto define a sua conduta de acordo com a lei e dispõe dos meios necessários para impor o respeito dessa conduta e para traçar a conduta alheia naquilo que com ela tenha relação.

Constituem manifestações desse poder administrativo as seguintes prerrogativas de que a administração pública goza:

- o poder regulamentar – que é o poder de fazer regulamentos, isto é de definir previamente em termos genéricos e abstractos o sentido em que vai aplicar as leis em vigor;

- o poder de decisão unilateral – que é o poder de traçar a sua conduta ou a conduta alheia, independemente de recurso aos tribunais;

- o privilégio de execução prévia – que é a faculdade de executar as suas decisões por autoridade própria, isto é independentemente - ou mesmo contra – da vontade do particular lesado, e antes de qualquer decisão judicial.

- o regime especial dos contratos administrativos – que integra as prerrogativas de autoridade de que a administração pública goza no âmbito da contratação, as quais não assistem aos particulares.

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As prerrogativas de autoridade consistem pois em poderes e ou faculdades atribuidos por lei à Administração Pública e que lhe conferem uma posição de superioridade em relação aos demais sujeitos de direito no âmbito das relações jurídico-administrativas. Actividades de gestão pública e de gestão privada

A actividade da administração pública no âmbito da realização do interesse público pode assumir duas formas:

- Umas vezes a administração pública actua despida dos poderes públicos, actua portanto em posição de igualdade com os particulares a que os actos respeitam, nas mesmas condições e sujeitando-se ao mesmo regime em que poderia proceder um particular, com submissão às normas do direito privado;

- Outras vezes, a administração pública actua com recurso ao poder público, segundo regras de direito público, realizando uma função pública da pessoa colectiva em causa, independentemente de envolverem ou não o exercício de meios de coacção e independentemente ainda das regras técnicas ou de outra natureza que sejam observadas.

No primeiro caso estamos perante um actividade administrativa de gestão privada, entendida como a actividade da Administração pública desenvolvida sob a égide do direito privado (Civil, comercial, laboral, etc)

Já no segundo caso está-se perante uma actividade administrativa de gestão pública, entendida como a actividade da Administração Pública desenvolvida sob a égide do Direito Administrativo. É por isso que se diz que o Direito Administrativo é formado pelas normas que regulam as relações estabelecidas entre a Administração Pública e outros sujeitos de direito no desempenho da actividade administrativa de gestão pública; porquanto exclui-se do âmbito do Direito Administrativo todas as actividades de gestão privada da Administração Pública. Tipos de actividade administrativa de gestão pública

Neste sentido, importa abordarmos os tipos de actividade administrativa de gestão pública, designadamente:

- O serviço público;

- A polícia administrativa;

- Apoio à iniciativa privada.

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a) O serviço público - é o modo de actuar da autoridade pública a fim de facultar por modo regular e contínuo a todos quantos deles careçam, os meios idóneos para a satisfação de uma necessidade colectiva individualmente sentida11. Por exemplo a necessidade de comunicação, a necesidade de previdência social e as necesidades colectivas instrumentais.

O serviço público é fundamentalmente destinado à prestação de utilidades concretas, prestação de bens materiais ou imateriais aos indivíduos singularmente considerados; pelo que a sua existência se justifica na medida em que se tornou indispensável assegurar no seio da colectividade a regularidade e continuidade dessas prestações, de maneira tal que cada um saiba contar com elas na ocasião oportuna.

b) A polícia administrativa – é o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício de actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizae os danos sociais que as leis procuram prevenir12.

Portanto, esta actuação pressupõe o exercício de um poder condicionante de actividades alheias, garantido pela coacção sob a forma característica da administração, e pressupõe também a existência de normas de conduta dos particulares e a possibilidade da sua violação por estes.

Por outro lado, é de sublinhar que só interessa à polícia o que constitui perigo susceptível de projectar-se na vida pública, e nunca o que apenas afecta interesses privados ou intimidade das existências pessoais. Pelo que o objecto principal da polícia é a prevenção dos danos sociais, quer impedindo acções donde possa resultar o facto danoso, quer impedindo a ampliação de um dano em consumação13.

Finalmente, é de anotar que os danos sociais que representam preocupação de polícia são os danos constantes da lei, sem prejuízo do carácter normalmente discricionário (não arbitrário) dos poderes de polícia.

11 Cf, RIVERO, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 494, em que refere que “ o serviço público é uma forma de actividade administrativa em que uma pessoa pública assume a satisfação de uma necessidade de interesse geral.”12 Cf. RIVERO, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 478 em que refere que “ por polícia administrativa entende-se o conjunto das intervenções da Administração que tendem a impor à livre acção dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade”.13 Cf. Rivero, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 479, em que refere que “ a polícia administrativa tem por fim prevenir os atentados à ordem pública”, acrescentando que “... a polícia administrativa tende a evitar que uma perturbação surja ou se agrave”.

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A polícia pode ser administrativa ou judiciária.

A polícia judiciária tem por finalidade efectuar a investigação dos crimes e descobrir os seus agentes, proceder à instrução preparatória dos respectivos processos, e organizar a prevenção da criminalidade, especialmente da criminalidade habitual.

Por seu turno, a polícia administrativa pode ser geral ou especial, consoante vise a observância e a defesa da ordem jurídica globalmente considerada (polícia de segurança ou de costumes), ou a observância e a defesa de determinados sectores da ordem jurídica, como sejam a saúde pública (polícia sanitária), a economia nacional (polícia económica) os transportes públicos (polícia dos transportes), etc

c) Apoio à iniciativa privada

Esta forma de actuar tem justificação na ideia de que a colectividade tem interesse na manutenção e desenvolvimento de certas actividades puramente privadas, quer porque:- a actividade privada visa um fim desinteressado, que coincide

com o interesse geral (actividades culturais, sociais, beneficientes, desportivas, educativas);

- a actividade privada vise um fim interessado conforme ao interesse económico do país ( valorização dos recursos mineiros, ou de um modo mais genérico actividade económica de base).

- o objectivo de base não se considera de interesse geral, mas este ficaria comprometido se não se realizar o interesse particular em apreço (como é o caso dos cultos num Estado laico)

O auxílio à iniciativa privada não altera a natureza puramente privada da actividade ou da empresa beneficiária, não as transforma em serviços públicos.

Modalidades de auxílio à iniciativa privada

a) Do ponto de vista do acto jurídico porque se efectiva

Nesta perspectiva importa distinguir entre os casos ( que constituem a maioria) em que a decisão de auxílio apresenta carácter unilateral, emana apenas da autoridade pública, definindo-se ao mesmo tempo os controles e obrigações que são a contrapartida dessa ajuda, daqueles outros casos em que a decisão pode tomar a forma de contrato através do qual um pessoa privada se compromete a sujeitar-se a determinadas obrigações ,

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vinculando-se à pessoa pública, em contrapartida , a fornecer-lhe o auxílio convencionado.

b) Do ponto de vista das vantagens postas à disposição dos particulares

Nesta óptica, é possível distinguir:

- Vantagens de ordem jurídica – que asseguram umestatuto de direito privado que lhe permite alargar ao máximo a sua actividade e os seus recursos. Por exemplo: beneficiar das prerrogativas de poder público, como expropriar, cobrança de determinadas contribuições obrigatórias com carácter parafiscal;

- vantagens financeiras – que podem ser :

- directas – caso em que toma a forma de subvenção ou de garantia de juro, ou a de subscrição de uma parte do capital;

- indirectas – caso dos benefícios fiscais, protecção alfandegária, tarifas postais ou de transporte reduzidas.

- vantagens materiais – pondo-se à disposição dos interessados algumas dependências do seu domínio público,ou destacando-se alguns agentes públicos.

Contrapartidas

Muitas vezes o auxílio do Estado é acompanhado de um controlo sobre a empresa ou grupo beneficiário. A contrapartida da ajuda pecuniária do Estado é por vezes uma participação do Estado nos lucros da empresa.

OS SISTEMAS ADMINISTRATIVOS

Conceito de sistema administrativo – são modos jurídicos de organização, funcionamento e controle da Administração Pública.

Deste ângulo, é possível distinguir entre o sistema tradicional e os sistemas modernos, dentro do qual é possível ainda entre sistema britânico e o sistema francês.

3.1. O SISTEMA TRADICIONAL

Este sistema do período da monarquia tradicional europeia assentava nas seguintes características:

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a) Indiferenciação das funções administrativa e jurisdicional, e , por conseguinte, não havia uma separação rigorosa entre os órgãos do poder executivo e do poder judicial.

Na verdade, o rei era simultaneamente o supremo administrador e o supremo juíz, aparecendo a exercer tanto a função administartiva como a função judicial. O mesmo ocorrendo com as demais autoridades públicas.

Em resumo, não havia separação de poderes.

b) Não subordinação da Administração Pública ao princípio da legalidade e, consequentemente, insuficiência do sistema de garantias jurídicas dos particulares face à administração.

Isto significa que ou de todo em todo não havia normas que regulassem a administração pública, ou então que essas normas nem sempre revestiam carácter jurídico, podendo ser meras instruções ou directivas internas, sem carácter obrigatório externo; vinculavam apenas os funcionários subalternos perante os respectivos superiores hierárquicos, mas não conferiam quaisquer direitos aos particulares face à Administração Pública.

E mesmo quando existissem algumas regras de carácter jurídico que vinculassem a Administração Pública, tratava-se de regras avulsas que não constituiam um sistema, podiam ser afastadas por razões de conveniência administrativa ou de utilidade política, e por último o soberano podia a seu bel prazer, dispensar quem quizesse dos deveres gerais impostos por essas normas, ou atribuir direitos especiais a determinadas pessoas ou entidades, conferindo-lhes privilégios.

Em resumo não havia Estado de Direito.

3.2. OS SISTEMAS MODERNOS

“Toda a sociedade que na qual a garantia dosdireitos não esteja assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição” Diferentemente do sistema tradicional, caracterizado por ausência de separação de poderes e de Estado de Direito, os sistemas modernos baseam-se na separação de poderes – isto é o poder do rei foi repartido em funções diferentes e entregaram-se estas a órgãos distintos - e no Estado de Direito – isto é proclamaram-se os direitos do homem como direitos naturais anteriores e superiores aos do Estado -, sendo afinal estes aspectos comuns quer ao modelo britânico, quer ao modelo francês.

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Na verdade, as revoluções liberais que ocorreram tanto na Inglaterra (em 1688) como na França (em 1789) visavam fundamentalmente combater e ultrapassar a concentração de poderes que caracterizava o sistema monárquico, tradicional. De tal modo que quer o sistema britânico, quer o sistema francês assentam na ideia de democratização das instituições (incluindo a Administração Pública) e da sociedade.

O sistema administrativo britânico é também chamado sistema de administração judiciária, em virtude de nele os Tribunais exercerem um papel preponderante. Por sua vez, o sistema administrativo de tipo francês é também chamado de sistema de administração executiva, em virtude de nele se reconhecer à administração pública autonomia em relação aos Tribunais.

Todavia, há aspectos específicos que distinguem os sistemas administrativos de tipo britânico e o de tipo francês:

a) Quanto à organização administrativa

O sistema britânico, à nascença optou pela descentralização administrativa, através da criação de pessoas colectivas públicas de população e território, permitindo assim não concentrar todas as atribuições da Administração Pública no Estado..Já o sistema francês, optou pela centralização administrativa, que corresponde à ideia de concentrar a realização da actividade administrativa numa única pessoa colectiva pública: o Estado. b) Quanto ao controle jurisdicional da Administração Pública

No sistema britânico, o controle da actividade da Administração Pública é assegurado pelos Tribunais Comuns, isto é dos Tribunais que resolvem litígios que surgem nas relações entre particulares. Não foram portanto criados tribunais especiais para os litígios que resultam da actividade administrativa. Há por isso, neste sistema, unidade de jurisdição.

No sistema francês, a responsabilidade pelo controle jurisdicional da Administração Pública é atribuída aos Tribunais Administrativos, como tribunais especiais, que consubstanciam a chamada jurisdição administrativa. O que significa que há tribunais que resolvem os litígios que resultam das relações entre particulares (comuns) e há outros que se ocupam dos litígios que resultam das relações em que intervem a Administração Pública. Há portanto dualidade de jurisdições.

c) Quanto ao direito que regula a Administração Pública

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No sistema britânico, é o direito comum, o mesmo que regula as relações entre particulares, basicamente direito privado, que regula a Administração Pública.

No sistema francês, já não é o Direito comum que regula a Administração Pública, tendo-se criado um direito especial para o efeito, o Direito Administrativo, que basicamente é um ramo do direito público. d) Quanto à execução das decisões administrativas

No sistema britânico ou de administração judiciária, a eficácia das decisões da Administração Pública depende (muitas vezes) de sentença dos Tribunais, sobretudo quando o cidadão não se dispuser a cumprir ou a executá-las voluntariamente.

Já no sistema administrativo de tipo francês, as decisões da administração Pública têm autoridade própria, e a sua execução não depende da intervenção prévia de qualquer tribunal, não depende portanto de sentença de qualquer tribunal, falando-se aqui do privilégio de execução prévia.

e) Quanto à organização das garantias jurídicas dos administrados

No sistema britânico, confere-se aos Tribunais Comuns amplos poderes de injunção face à Administração Pública, isto é, os Tribunais Comuns têm o poder de obrigar a Administração Pública a cumprir, a executar as sua sentenças, o mesmo poder a que fica subordinada a generalidade dos cidadãos. A este poder que os Tribunais Comuns têm de obrigar a Administração Pública a cumprir as suas sentenças corporiza portanto a chamda jurisdição plena.

Já no sistema de tipo francês, só se permite aos Tribunais Administrativos que anulem as decisões ilegais das autoridades administrativas, ou as condene ao pagamento de indemnizações. Significa que os Tribunais Administrativos em princípio não têm o poder de obrigar a Administração Pública a cumprir as suas sentenças; como forma também de garantir a independência da Administração Pública em relação ao poder judicial.

EVOLUÇÃO ACTUAL DOS SISTEMAS ADMINISTRATIVOS MODERNOS

Os traços distintivos atrás enunciados correspondem a uma caracterização daqueles sistemas modernos na sua pureza. Entretanto, estes sistemas actualmente não se apresentam na sua pureza, como resultado da evolução que vêm sofrendo ao longo dos tempos.

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O princípio geral é o de que há uma aproximaçào entre os dois sistemas. Designadamente:

a) Quanto à organização administrativa

O sistema britânico originariamente descentralizado, vem ganhando características centralizadoras, à mesma altura em que o sistema francês gradualmente perdeu o carácter de total centralização que foi atingido no império napoleônico, e tornou-se descentralizado há mais ou menos quinze a vinte anos.

b) Quanto ao controle jurisdicional da Administração Pública

As diferenças fundamentais mantêm-se, embora haja aparentes aproximações entre ambos. Por exemplo, no sistema britânico surgem numerosos tribunais administrativos, que, embora diferentes dos tribunais administrativos franceses, são independentes e actuam segundo processos jurisdicionalizados.

Por outro lado, verifica-se um aumento significativo em França das relações entre os particulares e o Estado submetidas à fiscalização dos Tribunais Judiciais (isto é dos Tribunais Comuns), como consequência do crescimento do número de casos em que a Administração Pública actua sob égide do Direito Privado, e não à luz do Direito Público (ex: os casos de empresas públicas).

c) Quanto ao Direito que regula a Administração Pública

No sistema de administração britânica (conhecido por sistema de administração judiciária) verifica-se a publicização do direito inglês. Em França, verifica-se a privatização do direito francês.

d) Quanto à execução das decisões administrativas

A aproximação não é bastante substancial, embora se verifique.E ela se manifesta da seguinte forma:

- No sistema britânico verifica-se a criação dos Administrative Tribunals, que observam o princípio do contraditório;

- Por outro lado, no sistema francês institucionalizou-se a figura da suspensão da eficácia das decisões unilaterais da Administração Pública, o que significa que no fim de contas no Direito Francês muitas das decisões da Administração Pública só vêm a ser executadas se um Tribunal Administrativo, a pedido de um particular interessado, a tal não se opuser.

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Neste caso, a suspensão será rejeitada se a paralização da execução implicar grave prejuízo ao interesse público e ou o pedido de suspensão constituir um expediente dilatório.

e) Quanto às garantias jurídicas dos particulares

No sistema britânico constata-se uma limitação da jurisdição plena, mediante a impossibilidade de substituição à Administração no exercício de poderes discricionários que a lei lhe confere. No sistema francês, para além da anulação de actos ilegais e abusivos, os tribunais já podem nomeadamente em matéria de execução de suas próprias sentenças declarar o comportamento devido pela Administração Pública, isto é declarar o que deve fazer sobre os actos, sob pena de ilicitude na actuação da Administração Pública.

Finalmente, em ambos os sistemas no quadro das garantias jurídicas dos particulares, consagrou-se a figura do Ombudsman, ou provedor de justiça, Parlamentary Comissionery for Administration (1967) , Mediateur (1963) e Portugal e Angola.

Trata-se da mais moderna instituição de garantia dos administrados em face da actuação da Administração Pública, sendo uma figura de origem nórdica, que serve de último recurso dos cidadãos face a qualquer actuação da Administração Pública que, no seu entender, tiver legal, ilegal ou ilicitamente ofendido os seus direitos ou interesses.

O Provedor da Justiça actua através da persuasão, de recomendações (e não de decisões), segundo a lei e o bom senso, devendo por isso ser uma individualidade equilibrada. Normalmente tem que ser uma pessoa a quem interesse defender a razão pela razão, a dignidade pela dignidade. Não pode ser uma pessoa economicamente vulnerável, tem que ser políticamente equidistante, olhar para as pessoas com base na igualdade constitucional.

O Provedor da Justiça actua também por meio de conferências de imprensa, através da informação anual à Assembleia da República, na qual tece elogios e críticas.

Muitos países demoram institucionalizar esta figura na medida em que significa alocaçao de recursos humanos, materiais e financeiros. É melhor consolidar as instituições que existem do que criar outras que só nos irão custar em termos materiais e humanos até começarem a produzir.

Finalmente, duas conclusões importa sublinhar:

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1a. Os sistemas britânico e francês mantêm-se até os dias de hoje (essencialmente) diferentes, embora haja alguns aspectos de aproximação.

Significa, portanto, que o princípio fundamental que inspira cada um dos sistemas modernso que analisamos é diferente do outro. A maioria das soluções ue vigoram num e noutro sistema é diferente. A técnica jurídica usada por um e por outro também não é a mesma.

2a Ao longo da sua evolução no entanto os sistemas modernos conheceram aproximações; designadamente:

a) Quanto à organização administrativa;

b) Quanto ao Direito regulador;

c) Quanto ao regime de execução das decisões administrativas;

d) Quanto às garantias jurídicas dos administrados.

Além disso, hoje em dia, e particularmente no âmbito da globalização, verifica-se o nascimento de um direito comum aplicável a vários países que pertencem às mesmas comunidades (membros de uma dada comunidade), como ocorre na união europeia (Comunidade Europeia). Como consequência da aplicação deste Direito Comum verifica-se a recepção de figuras jurídicas e de institutos jurídicos originariamente pertencentes a um destes dois sistemas em todos os países de uma dada comunidade independentemente de internamente cada um ter optado pelo sistema de Administração Executiva ou pelo Sistema de Administração Judiciária.

Ora, esta corrente migratória de figuras e institutos jurídicos concorre para uma maior aproximação dos dois sistemas modernos de que falamos ao nível jurídico.

A diferença fundamental entre os dois sistemas modernos reside no tipo de controle jurisdicional da Administração Pública. Concretamente, no caso do sistema de administração judiciária, o controle jurisdicional da Administração Pública cabe aos Tribunais Comuns, enquanto que no Sistema de Administração Executiva o controle jurisdicional da Administração Pública cabe aos Tribunais Administrativos. De reter que, neste último caso, o controle realizado pelos Tribunais Administrativos circunscreve-se à actividade administrativa de gestão pública.

II

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O DIREITO ADMINISTRATIVO

Condições para a sua existência

A existência do Direito Administrativo pressupõe que estejam verificadas duas condições, designadamente:

- Que a Administração Pública e a actividade administrativa sejam reguladas por normas jurídicas propriamente ditas, isto é, por normas de carácter obrigatório;

- Que essas normas jurídicas sejam distintas daquelas que regulam as relações privadas dos cidadãos entre si14.

Origem do Direito Administrativo

O Direito Administrativo nasce na sequência da revolução francesa de 1789, cujos objectivos fundamentais traduziam-se em:

- Combater o poder absoluto dos monarcas;

- Criar bases para a construção de um Estado democrático.

Neste contexto, o Direito Administrativo surge como resposta à necessidade de criar normas jurídicas para regular a actividade da Administração Pública.

Com efeito, como resultado da sua interpretação peculiar do princípio da separação de poderes, em França foi criado o Conselho de Estado, o qual para além de constituir um órgão consultivo da Administração Pública, representava um órgão jurisdicional, especializado a fiscalizar a legalidade da actividade da Administração Pública.

Entretanto, o Conselho de Estado entanto que órgão jurisdicional – e por causa da preocupação de ter um órgão que se ocupasse de controlar a actividade da Administração Pública habituada a violar a lei - começou a funcionar sem que houvesse um direito especial que regulasse a actividade da Administração Pública.

Ora, o Direito Administrativo nasce das decisões e sentenças do Conselho do Estado. Portanto, os princípios do Direito Administrativo na sua origem resultam do conteúdo das sentenças do Conselho de

14 A este propósito argumenta Jean Rivero na sua obra, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 21 que “o princípio da submissão da Administração ao Direito não acarreta necessariamente a existência de um direito administrativo, ou seja de um direito especial da Administração. Ela pode ser regida pelo mesmo direito que os particulares, quer dizer pelo direito privado.”

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Estado, que foram compiladas, sintetizadas e propiciaram a criação de normas jurídico-administrativas.

Por outras palavras, a evolução do Direito Administrativo não obedeceu ao ciclo normal de evolução do Direito e da Ciência Jurídica em geral; pois, invés de primeiro surgir o Direito a aplicar e posteriormente se criar o Tribunal especializado na sua aplicação, primeiro surgiu o Tribunal Administrativo (Conselho de Estado) e só posteriormente, através da actividade juriscional deste, foi nascendo o Direito Administrativo.

Neste sentido, o Direito Administrativo é um Direito muito influenciado pela jurisprudência, sendo o conteúdo das sentenças dos Tribunais uma grande fonte de Direito Administrativo.

A subordinação da Administração Pública ao Direito

Como consequência da legalidade democrática subjacente à revolução francesa, a Administração Pública vincula-se ao Direito, está sujeita a normas jurídicas obrigatórias e públicas, que têm como destinatários tanto os próprios órgãos e agentes da Administração Pública, como os particulares, os cidadãos em geral

Este princípio nasce protanto dos princípios da revoluçào francesa, nomeadamente o da separação de poderes e o da lei como expressão da vontade geral, resultando daqui o carácter subordinado à lei – e, portanto, secundário e executivo - da Administração Pública.

São apontadas três consequências do princípio da subordinação da Administração Pública à lei:

1o Toda a actividade administrativa desenvolve-se tendo como fundamento, critério e limite a lei, quer seja actividade administrativa de gestão pública, quer seja actividade administrativa de gestão privada;

2o A actividade administrativa entanto que tal é uma actividade de carácter jurídico, isto é a actividade administrativa produz direitos e deveres para a Administração Pública, quer na sua organização, quer no seu funcionamento, quer ainda no seu relacionamento com os particulares;

3o O Ordenamento Jurídico deve atribuir aos particulares garantias que lhe assegurem o cumprimento da lei pela Administração Pública, sendo esta consequência o fundamento da existência das garantias dos particulares, no sentido de que os particulares precisam ter a certeza, a segurança e a previsibilidade daquilo que a Administração Pública pode fazer em cada momento.

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Decorre daqui em última análise a necessidade de controlo da Administração Pública pelos Tribunais.

Aqui chegados, importa elucidar que nalguns sistemas a opção é no sentido de a Administração Pública estar subordinada ao Direito Administrativo e ser controladas pelo Tribunal Administrativo, sendo que noutros sistemas a Administração Pública está subordinada ao Direito Comum e é controlada pelo Tribunal comum.

A ordem jurídica moçambicana optou pela subordinação da Administração Pública ao Direito Administrativo e pelo controlo pelo Tribunal Administrativo. Pelo que importa assinalar as razões que levaram a esta opção da ordem jurídica moçambicana, designadamente:

- O ponto de partida é que a ordem jurídica moçambicana faz parte da família do Sistema Administrativo Francês ou Executivo, contrariamente ao Sistema Administrativo Britânico ou de Administração Judiciária;

- A primeira grande razão tem a ver com o Direito Administrativo em si; o Direito Administrativo existe como um Direito Público especial para disciplinar as actividade administrativa como actividade especial. Pelo que não faria sentido que, sendo a actividade administrativa uma actividade especial fosse regulada pelo Direito Comum.

De facto, a actividade administrativa implica a opção por soluções igualmente específicas ou seja soluções de direito administrativo. Numa palavra, sendo a actividade administrativa diferente da actividade privada, as normas jurícas aplicáveis num ou noutro caso devem ser igualmente ser diferentes, sendo de Direito Administrativo no primeiro caso e de Direito privado, comercial ou civil no segundo caso.

- Já a opção pela sujeição ao controlo dos Tribunais Administrativos tem a ver coma conveniência de uma especialização dos Tribunais em função do Direito substantivo que são chamados a aplicar.

Noção de Direito Administrativo

É o ramo do Direito Público constituído pelo sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o funcionamento da Administração Pública, bem como as relações por esta estabelecidas com outros sujeitos de direito, no exercício da actividade administrativa de gestão pública.

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Assim entendida, a definição de Direito Administrativo compreende quatro elementos fundamentais:

- O Direito Administrativo é um ramo do Direito Público;

- O Direito Administrativo é um sistema de normas jurídicas;

- O Direito Administrativo visa a disciplina jurídica da organizaçào e funcionamento da Administração Pública;

- O Direito Administrativo visa a disciplina jurídica da actividade administrativa de gestão púbica, composta pelas normas jurídico-relacionais.

Tipos de normas jurídico-administrativas

Existem três tipos de normas jurídico-administrativas:

Normas jurídico-administrativas organizativas ou orgânicas – que regulam a organização da Administração Pública, definem as entidades públicas, suas atribuições, seus órgãos e respectivas competências.

Normas jurídico-administrativas funcionais - que regulam o modo de agir específico da Administração Pública, estabelecendo processos de funcionamento, métodos de trabalho, tramitação a seguir, formalidades a cumprir, etc;

Normas jurídico-administrativas relacionais- que são aquelas que regulam as relações entre a Administração Pública e os demais sujeitos de direito, no desempenho de actividades administrativas de gestão pública.

As normas jurídico-relacionais subdividem-se em três espécies, a saber:

- Normas que conferem poderes de autoridade à Administração Pública no seu relacionamento com os particulares;

- Normas que submetem a Administração Pública a deveres, sujeições ou limitações especiais, impostas por motivos de interesse público;

- Normas que atribuem direitos subjectivos ou reconhecem interesses legítimos dos particulares face à Administração Pública.

Natureza do Direito Administrativo

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Existem três teses correspondentes a outras tantas correntes de pensamento:

1a Tese: O Direito Administrativo é um Direito excepcional, constituído por normas exorbitantes que se traduziriam num conjunto de excepções ao Direito privado. Quer isto dizer que o Direito Administrativo constitui uma excepção à regra geral que é o Direito Comum.

Todavia, uma an’alise mais exaustiva conduz-nos à conclusão de que o Direito Administrativo não é um Direito excepcional, é um Direito comum ou da Administração Pública ou da actividade administrativa.

2a Tese: Para esta corrente de pensamento, o Direito Administrativo é um Direito Comum da Administração Pública15, na medida em que estabelece a regulamentação jurídica de uma categoria singular de sujeitos – as Administrações Públicas ou seja as pessoas colectivas públicas. É o Direito específico dessas entidades enquanto sujeitas de Direito. Por conseguinte, o Direito Administrativo é um ramo do Direito Público, é um Direito comum da Administração Pública.

Nas relações jurídico-administrativas, a presença da Administração Pública é um requisito necessário para que exista uma relação jurídico-administrativa.

3a Tese: Para esta corrente de pensamento, o Direito Administrativo é um Direito Comum da função administrativa, em atenção aos seguintes fundamentos:

- A existência de normas de Direito privado que são específicas da Administração Pública, como é o caso por exemplo de regras especiais sobre arrendamento do Estado, como é o caso ainda do direito de superfície das pessoas colectivas públicas;

- O Direito Administrativo não é o único ramo do Direito aplicável à Administraçã Pública; com efeito, também se aplicam à Administração Pública o Direito privado administrativo a par do Direito Administrativo propriamente dito;

- A presença da Administração Pública não é um requisito necessário para que exista uma relação jurídico-administrativa. Com efeito, há relações jurídico-administrativas entre dois ou mais particulares sem qualquer presença da Administração Pública.

15 Cf. RIVERO, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 13.

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Nestes casos, a aplicação do Direito Administrativo assenta no facto de estar em causa o desempenho objectivo da função administrativa, e não por causa da presença subjectiva de uma pessoa colectiva pública. E a conclusão para esta tese é a de que o Direito Administrativo é o Direito Comum da função administrativa de gestão pública, e não um Direito comum da Administração Pública.

Traços Fundamentais do Direito Administrativo

Apontam-se quatro traços fundamentais do Direito Adiministrativo, a saber:

- Juventude:

- Influência Jurisprudencial;

- Autonomia;

- Codificação incompleta.

a) A juventude

Enquanto os outros ramos do direito e particularmente do Direito Civil nasceram em épocas mais remotas, na Roma antiga, o Direito Administrativo surgiu no século XVIII, na esteira da revolução francesa de 1789. E isto implica haver muitos passos a dar em matéria de Direito Administrativo, nomeadamente quanto aos sistemas, métodos, noções e sectores do Direito Administrativo. A vantagem é poder proporcionar soluções novas.

b) Influência jurisprudencial

dddd16

c) Autonomia;

No sentido de que o Direito Administrativo é um direito autónomo, é um ramo de Direito autónomo, por isso diferente dos outros ramos do Direito. Diferente quanto ao seu objecto, no seu método e diferente no espírito que domina as suas normas, e ainda diferente nos princípios gerais que enformam essas normas.

Depreende-se daqui que o Direito Administrativo não é um conjunto de excepções ao direito privado, não é um conjunto de normas derrogatórias do Direito privado, não é um conjunto de normas

16 A este propósito desta característica, escreve Jean Rivero no seu livro intitulado Direito Administrativo, pg 6, que “ ... a jurisprudência desempenha no Direito Administrativo um papel muito mais criador do que em direito privado”.

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derrogatórias do Direito privado, ou de normas exorbitantes em relação a eles.

O Direito Administrativo é um ramo de Direito diferente do Direito Privado, completo, formando, por isso, um todo que constitui um sistema, um verdadeiro corpo de normas e de princípios subordinados a conceitos privativos desta disciplina e deste ramo de direito.

Neste contexto, as lacunas resultantes de omissões são integradas através de soluções que vão desde o recurso à analogia dentro do próprio sistema do Direito Administrativo até ao recurso aos princípios gerais do Direito.

Significa que, em caso de lacuna, a respectiva integração processa-se recorrendo sucessivamente, em caso de necessidade:

1o Analogia dentro do Direito Administrativo;

2o Princípios gerais do Direito Administrativo;

3o Analogia noutros ramos de Direito Público;

4o Princípioos gerais do Direito Público;

5o Princípios gerais do Direito.

d) Codificação incompleta ou parcial

Em nenhum país existe codificado todo o Direito Administrativo.

Ramos do Direito Administrativo

- Militar;

- Cultural;

- Social;

- Económico – o qual tende a autonomizar-se17.

- Financeiro;

Fronteiras do direito administrativo

17 Assinale-se que o Direito Fiscal já foi ramo do Direito Administrativo, tendo dele se autonomizado.

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Trata-se nesta epígrafe de proceder à delimitação do Direito Administrativo em relação a outros ramos de Direito, nomeadamente o Direito Privado, o Direito Constitucional, o Direito

a) Direito Administrativo e Direito Privado

As diferenças existem quanto ao objecto, quanto à origem e quanto a sua idade, quanto às soluções materiais consagradas para os problemas de que se ocupam. No Direito privado, as soluções adoptadas são de igualdade entre as partes, já que assentam nos princípios da liberdade e da autonomia da vontade. O Direito Administrativo por sua vez adopta soluções de autoridade por assentar no princípio da prevalência do interesse público sobre os interesses particulares.

b)

ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE MOÇAMBIQUE

A abordagem desta matéria será feita repartindo-a em três partes:

Parte I – Organização Administrativa de Moçambique durante o período de dominação colonial portuguesa;Parte II – Orgnaização Administrativa de Moçambique desde 1975 até 1990;

Parte III – Organização Administrativa de Moçambique a partir de 1990 em diante.

I. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE MOÇAMBIQUE DURANTE O

PERÍODO DE DOMINAÇÃO COLONIAL PORTUGUESA

1.1. Fundamento da sua abordagem

- “ Há talvez quem julgue que o passado é passado e que não se deveria mais recordar. Embora os que pensam desta maneira não estejam completamente errados, o certo é que, se nós não conhecermos o passado, sujeitamo-nos a repetir as mesmas falhas e durante o tempo colonial não nos foi dada oportunidade para tal”18;

- Conhecer o passado para construir o presente e preparar o futuro.

1.2. O período pré-colonial

18 Cf. MAR, Eli J.E. in Exploração Portuguesa em Moçambique, Estudos Coloniais Portugueses, Vol. I, 1975, pg 9, African Studies Editorial.

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1.2.1. Duração : 1500 – 1900

1.2.2.Caracterização geral

Ao analisar-seDescobrir ou encontrar moçambicanos?

- A civilização de Muenemutapa.

1.2.3. O Sistema dos prazos/ Sistema de prazos da Zambézia, Sistema de prazos da Coroa

O sistema de prazos constituiu uma primeira tentativa dos portugueses visando estabelecerem em Moçambique uma instituição composta por elementos não militares, tendo sido conhecido também como o sistema de prazos da Zambézia19.

- Significado

Prazo era uma superfície de terra cedida pela Coroa Portuguesa a indivíduo, “prazeiro”, por um período de três gerações (prazo de três gerações);regra geral esta superfície de terra tinha cinco léguas quadradas, e havia possibilidade de prolongamento do período da duração por mais outro período de igual duração20.

- Prazeiros eram cessionários de prazos, normalmente portugueses criminosos, condenados à morte quer por homicídio, quer por crimes políticos, ou crimes de outra espécie, absolvidos por lei, sob condição única de irem “civilizar” África como prazeiros21.

A estes se juntaram os aventureiros com frustrações de carácter social, político, económico ou religioso vieram para Moçambique, uns com sede de sangue, outros com a ambição de um dia virem a ser senhores abastados22.

Subordinação dos prazeiros

- Sujeição dos prazeiros (ao menos formal) às leis régias e ao capitão-mor, representante do rei/monarca de Portugal em Moçambique;

19 Cf. ob. cit., pag. 28, em que o autor explica que “... um dos principais motivos que levou os portugueses à criação do sistema de prazos foi a sua expansão económica, camuflada histórica e literalmente como “obra colonizadora e missionária”.20 Ob. Cit. Pg 25.21 Explica o autor da obra que estamos a seguir que, em face da dificuldade em encontrar portugueses que estivessem interessados a imigrar para a África, foi então decretada uma lei que absolvia todos os criminosos condenados à morte...com a única condição de irem “civilizar” a África...22 Ob. Cit. Pg 25. O autor conclui: “Em resumo e conclusão pode-se dizer que o prazeiro era o “lixo” do lixo que compunha a grande parte da sociedade portuguesa daquele tempo.

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- Sujeição do Capitão-Mor ao Vice-Rei da índia que não directamente à Coroa Portuguesa.

1.2.3.1. Organização política e administrativa do prazo

Tentativa de autonomização face à coroa portuguesa bem como relativamente a toda a influência dos administradores locais sem representantes. Evidências:

- Dominação de terrenos muito superiores às cinco léguas originariamente recebidas (nos fins do século XVIII já havia prazos com uma extensão superior a 1.000 quilômetros quadrados).

- Fixação dos impostos a serem pagos pela população africana residente dentro dos prazos e seus arredores;

- Feitura de leis pelos prazeiros utilizadas para a administração do prazo.

- Exército próprio formado de escravos africanos e, mais tarde, de mercenários portugueses e de outras nacionalidades, bem como de prazeiros falidos23.

Neste contexto, os prazeiros actuaram politicamente como grandes senhores feudais à imagem e semelhança dos senhores feudais da idade média europeia.

1.2.4. A conferência de Berlim e o ultimato da Inglaterra

Participação de 14 nações/partilha de África

Importância das decisões tomadas nesta Conferência para a História de África: a questão das fronteiras entre Estados Africanos, segundo a organização da Unidade Africana.

1.2.4.1. O Mapa Cor de Rosa : sonho português concernente ao reconhecimento por parte de todas as nações participantes, de uma extensão territorial que se espalhasse da Costa do Atlântico ao Índico, cobrindo as áreas correspondentes à Angola e Moçambique e ao território compreendido entre estas.

1.2.4.2. O ultimato inglês: sobre Portugal recai o ônus de prova de ocupação efectiva dos territórios que alega serem seus, sob pena de perdê-los.

- Reprovação do mapa cor de rosa por :

23 Sobretudo como consequência da reconquista das suas terras pelos africanos.

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a) Poder estragar os planos conquistadores ingleses;

b) Constitui uma barreira para o projecto de ligação do Cabo ao Cairo por uma só linha férrea.

1.2.5. Fim do período pré-colonial corresponde:

a) Ao fim da guerra movida por portugal pela ocupação efectiva de Moçambique;

b) Início da implantação do sistema administrativo português em Moçambique.

1.3. O período colonial propriamente dito

1.3.1. Premissas

- Decorrente do que vimos quanto ao período pré-colonial, em termos de sistema da administração, resulta que os territórios sob a dominação portuguesa na costa oriental de África nunca estiveram sujeitos a um sistema de leis ao qual se pudesse chamar “ um sistema de administração colonial”. A organização administrativa destes territórios era feita por meio de leis vagas e publicadas de acordo com as narrartivas e informações dos oficiais e marinheiros e com os relatórios que eram enviados esporadicamente pelos representantes da Coroa.

- Até 1752 a administração dos territórios de África Oriental sob dominação portuguesa era feita pelo representante português no Oriente, o Vice-Rei da Índia, que não directamente pelo Governo de Lisboa.

- A partir de 1752, Moçambique passou a ser dirigido por um capitão-general e administrado por governos provisórios. Trataou-se da fase de transição entre o período pré-colonial e o período colonial propriamente dito.

1.3.2. A comissão Colonial e os seus resultados

a) Objectivo:

Criação do sistema de administração colonial sistematizado

b) Causas: remota

Ausência de Organização administrativa da então colónia de Moçambique.

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b1) próxima

Necessidade de pôr em prática as decisões da Conferência de Berlim: “ dominar e administrar os territórios efectivamente”, fundamentalmente.

c) Período de realização do Trabalho da Comissão colonial – 1894/1899

d) Administradores e Oficiais Portugueses que deram contribuições na execução dos fins da Comissão colonial:

- António Enes;

- Mouzinho de Alburquerque;

- Paiva de Andrade;

- Paiva Couceiro.

CONCLUSÕES DA COMISSÃO COLONIAL

Como resultado do trabalho desenvolvido, a Comissão Colonial apresentou fundamentalmente três conclusões, a saber:

- Necessidade de intensificar a imigração branca em geral e, em particular, a portuguesa para Moçambique24;

- Sugestão de formas de trabalho especiais para os indígenas e medidas a serem adoptadas para pô-las em prática em prol do desenvolvimento da agricultura e do comércio (situando-se aqui a génese das culturas obrigatórias)

- Imperatividade da substituição do sistema político, cultural, social e económico dos indígenas, por se considerar indigno de ser aceite pelo “homem civilizado”, isto é pelo branco.

Esta substituição é a génese da degeneração da autoridade tradicional, isto é, esvaziamento ou adulteração do conteúdo da autoridade tradicional, passando a ser agentes de intermediação entre as autoridades coloniais e as populações indígenas.

Para isto tiveram a necessidade de definir o que era um indígena, aborígene, autóctone – indivíduos de raça negra ou dele descendentes que pela sua tradição e costume se não distinguem do comum daquela raça (Pg. 79).

24 Com a consequente criação das chamadas zonas de povoamento e de integração, entendidas como.

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1.3.2.2. Princípios básicos da constituição e funcionamento do sistema colonial português

Decorrem destas três conclusões outros tantos princípios de constituição e funcionamento do sistema colonial português em Moçambique:

1o - O princípio da eliminação do sistema das instituições africanas, estrangulamento do poder ou autoridade tradicional, e a sua substituição por um sistema colonial aportuguesado;

2o Exploração de mão-de-obra indígena, associada a uma intensa emigração branca;

3o Da assimilação de indígenas como uma das consequências lógicas do processo.

1.3.3. A reforma de 1907

Como resultado das conclusões e princípios, foi aprovado pelo Governo Português a Reforma de 1907. Portanto, como resultado do trabalho apresentado pela Comissão Colonial, o Governo português aprovou s Reforma Administrativa de 1907, que compreendia fundamentalmente os seguintes aspectos:

1o Reorganização administrativa colonial, que foi operada através de Decreto de 23 de Maio de 1907, que marca o início efectivo da colonização portuguesa de Moçambique.

Em termos de características, o Decreto ora citado apresentava:

a) Bifurcação das disposições, no sentido de que continha normas de duas espécies:

- Disposições destinadas aos colonizadores/colonos (brancos);

- Disposições cujos destinatários eram os indígenas.

b) Tem a ver com as disposições mais salientes sobre a administração dos indígenas, nomeadamente:

a) Sobre a divisão do território em circunscrições e capitanias-mores, sempre que se tratasse de regiões predominantemente habitadas por indígenas;

b) Criação do Secretariado de negócios (SNI);

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c) Substituição das circunscrições por comandos militares, no caso de áreas consideradas não pacíficas ou em rebelião contra as autoridades portuguesas;

d) Atribuição de amplos poderes tanto para o administrador da circunscrição como para o capitão-mor na administração e Governo das populações indígenas (a ideia é governar os indígenas com mão de ferro, visto que são considerados insolentes)

Foi pois com esta base que se arrancou a organização administrativa na então colónia de Moçambique.

1.3.3.TRAÇOS FUNDAMENTAIS DA EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA ATÉ AO FIM DO COLONIALISMO

1O Criação do Ministério das Colónias em 23 de Agosto de 1911, órgão do Governo de Lisboa encarregue de coordenar a Administração das Colónias( a denominação de colónia sofreu evolução para adaptá-la a cada momento, tendo em 1945 sido chamada Província Ultramarina dada a pressão das Nações Unidas e em 1970 chamad Estados Federados), incluindo Moçambique.

2o Introdução da figura de Governador de Colónia ( posteriormente denominado Alto-Comissário e mais tarde chamado Governador-Geral) pelo Decreto no 277 de 15 de Agosto de 1914. Introduz-se, portanto, um órgão singular de direcção máxima da colónia de Moçambique e na colónia de Moçambique;

3o A ocorrência da Revolução de 28 de Maio de 1926, que estabelece o chamado Estado-Novo, e que teve reflexos na administração colonial.

Com efeito, é na sequência do estabelecimento do Estado-Novo que se inicia o período da sistematização dos princípios básicos da Administração Colonial Portuguesa e da Administração Local de cada Colónia. Por outro lado, é também na esteira desta revolução de 28 de Maio de 1926 que o Governo Português aprovou o Acto Colonial, publicado pelo Decreto no 18570, de 18 de Julho de 1930.

Este Acto consistiu numa compilação das leis do Governo Português, liderado por António de Oliveira Salazar, referentes à Administração das Colónias.

Por outro lado, é na sequência da Revolução que se estabelece a primeira divisão territorial de Moçambique em 4 distritos (províncias), por força do Decreto no 35461, de 22 de Janeiro de 1946.

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Os distritos por sua vez subdividiam-se em Conselhos ou Municípios - correspondentes a regiões habitadas predominantemente pelos brancos, isto é correspondentes às zonas de povoamento – e circunscrições – regiões habitadas predominantemente pelos indígenas, isto é zonas de enquadramento.

Esta forma de organização administrativa de Moçambique decorrente do Acto Colonial durou até 1963, altura em que se operou uma nova Reforma da Organização Administrativa da Colónia de Moçambique, cuja base legal foi a Lei Orgânica do Ultramar, publicada pelo Decreto no2119, de 24 de Julho de 1963.

Em rigor, podemos dizer que a lei orgânica do Ultramar não passava de Acto Colonial com nova roupagem. Correspondia à reforma e actualização do Acto Colonial, e não à revogação de aspectos importantes desta.

Esta reforma de 1963 introduziu a organização da Administração da Colónia de Moçambique que vigorou até praticamente a data da independência de Moçambique.

A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE MOÇAMBIQUE À ALTURA DA INDEPENDÊNCIA (1975)

À esta altura chamava-se Estado de Moçambique.

Em termos de divisão administrativa, compreendia 10 distritos e uma cidade capital, quase com estatuto de distrito.

Os distritos subdividiam-se em conselhos com um grau de desenvolvimento económico e social substancial, e circunscrições no caso inverso.

Os conselhos por sua vez subdividiam-se em freguesias e as circunscrições subdividiam-se em postos administrativos.

Na prática terminava aqui a representação directa da autoridade colonial portuguesa.

Abaixo dos postos administrativos existiam as regedorias, para enquadrar as populações indígenas, subdividindo-se em grupos de povoações.

Nos conselhos e circunscrições, existia um sistema paralelo de instituições administrativas para a administração dos indígenas, constituindo resquícios da autoridade tradicional, visto que sendo os Conselhos e circunscrições aglomerados urbanos, tinham que ter uma mão-de-obra dos colonizados para fazer serviços pesados; para

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além de que aí onde se ergueram zonas urbanas, sempre existiram comunidades indígenas, com autoridade tradicional. Os principais órgãos do Governo eram três:

1. Governador-Geral;

2. Conselho do Governo;

3. Conselho legislativo, mais tarde chamada Assembleia legislativa.

O GOVERNADOR-GERAL

A função do Governador-Geral era ser o representante mais elevado do Governador Português em Moçambique e o responsável por todas as decisões tomadas pelos órgãos locais.

O Governador-Geral dispunha de 3 espécies de competências:

a) Competência legistativa ( ou poder legislativo), que abrangia toda a matéria que não fosse da competência exclusiva da Assembleia legislativa sempre que esta se encontrasse dissolvida;

b) Competência executiva (poder executivo), cabendo-lhe nesse contexto responder perante o Governo Português pela boa administração, coordenação e direcção superior das actividades dos Secretários Provinciais, que politicamente respondiam perante ele.

c) Em terceiro lugar, o Governador-Geral funcionava como administrador do território de Moçambique.

2. O Conselho do Governo

Cuja missão consistia em ajudar o Governador-Geral no exercício das suas funções burocráticas, mas desprovido o Conselho do Governo de qualquer poder legislativo e ou executivo.

O Conselho do Governo era composto pelos Secretários-Provinciais (de Educação, etc)

3. O Conselho Legislativo (ou, à altura da Independência, Assembleia Legislativa)

Enquanto Conselho Legislativo, este órgão integrava 29 membros, 2 dos quais de carácter permanente, designadamente o Governador-Geral e o Director das Finanças Públicas; os restantes 27 eram eleitos em conformidade com as seguintes regras:

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- 9 por sufrágio directo;

- 3 eleitos pelos contribuintes que pagavam mais de 15.000 escudos de imposto directo;

- 3 eleitos por organismos corporativos representando interesses dos trabalhadores;

- 3 por aqueles que representavam interesses religiosos e culturais, um dos quais devia ser automaticamente representante da Igreja Católica;

- 3 eleitos pelas autoridades indígenas e finalmente 3 eleitos pelos membros dos órgãos administrativos.

A duração do mandato do Conselho Legisltaivo era de quatro anos.

Quando este órgão passou a designar-se Assembleia legislativa, passou a compor-se, não já de vinte e nove membros, mas de cinquenta membros, embora os critérios de designação continuassem similares:

- 20 por sufrágio directo, sendo 2 em cada distrito;

- 6 pelas autoridades das regedorias;

- 6 pelos corpos administrativos e pessoas de utilidade pública administrativa legalmente reconhecidas;

- 6 pelos organismos corporativos, representando empresas e associações de interesse económico;

- 6 pelos organismos representativos dos interesses religiosos, morais e culturais, sendo obrigatório que um deles devesse ser missionário católico;

- 6 pelos órgãos corporativos representativos dos interesses dos trabalhadores.

Condições de elegibilidade

As condições de elegibilidade eram quatro:

- Ser cidadão português ( incluindo-se aqui os assimilados, e excluindo-se os indígenas)

- Ser maior de idade (isto é ter pelo menos 21 anos completos)

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- Residir no Estado de Moçambique (colónia ou província, conforme as fases) há mais de três anos;

- Não ser funcionário do Estado ou dos corpos administrativos em serviço efectivo.

No seu funcionamento, a Assembleia Legislativa tinha sessõe ordinárias e extraordinárias, sendo que, por ano, tinha duas sessões ordinárias, cada uma com a duração máxima de 30 dias.

Em termos hierárquicos, as autoridades administrativas no Estado de Moçambique apresentava-se da seguinte maneira:

- Governador-Geral no topo, tendo como braço auxiliar o Secretário-Geral para lhe auxiliar na realização das actividades-meio (gestão de recursos humanos, finanças e património); tinha também Secretários Provinciais, cuja finalidade era auxiliar o Govrenador-Geral na realizaçào das actividades-fim (Administração de Águas, Administarção de Ensino, etc)

- Governador do distrito ( mais tarde denominadas províncias);

- Administrador ou de Conselho ou de Circunscrição;

- Administrador ou Chefe de Posto Administrativo, que era portanto autoridade administrativa territorial de base, estabelecendo a ligação entre a autoridade administrativa e a população indígena.

- Régulo , autêntico moço de recados, caixa de correio;

- Chefe de grupo de povoações, idem.

1.6. Sistema administrativo e sistema de organização administrativa adoptados

1.6.1. Sistema administrativo

É um sistema de administração executiva ou de tipo francês.

1.6.2. Sistema de Organização administrativa

a) Centralizado, com roupagem de descentralizado (organicamente);

b) Concentrado (hierarquicamente).

Sistema administrativo vigente à altura da independência

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O Sistema Administrativo que vigorava à altura da independência é o sistema de administração executiva ou de tipo francês, e o sistema de organizaçào administrativa então adoptado era centralizado e concentrado.

Em termos de Administração Local, havia em Moçambique Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, cujos dirigentes eram nomeados (e não eleitos).

A preocupação primordial uma vez independente foi a de escangalhar o aparelho do Estado colonial e edificar um aparelho de Estado que servisse os interesses das massas, tendo como fundamento a ideia de que a máquina administrativa colonial havia sido concebida e montada para assegurar a exploração dos colonizados e servir os interesses dos colonizadores; por conseguinte, entendia-se que dificilmente podia ser corrigida para realizar os interesses das populações em geral.

Em 1976, realizou-se na cidade portuária de Nacala o 1o Seminário Nacional do Aparelho do Estado e da Função Pública, que tinha dois objectivos fundamentais:

- Fazer um estudo pormenorizado do que era o Aparelho do Estado Colonial;

- Estudar formas eficazes e correctas de implementar ao nível de todo o país as estruturas do Aparelho do Estado criadas pela Constituição da República Popular de Moçambique e pelas Resoluções da 8a Sessão do Comité Central da FRELIMO (então Partido único), eleito no 2o Congresso em Matchedje.

Desse seminário foram produzidas três tipos de recomendações, interessando para nós as que se prendem com o Aparelho do Estado, as quais integravam por um lado recomendações e por outro propostas de acção.

Quanto às recomendações, importa entre outras salientar as seguintes:

- A recomendação de que o princípio do centralismo democrático25

devia ser tomado como princípio básico da organização do Aparelho do Estado, a par do princípio da dupla subordinação26;

25 Princípio segundo o qual se alia a centralização do poder de decidir à participação popular, na preparação e na execução das decisões.26 Segundo este princípio os órgãos locais do Aparelho do Estado se subordinam duas vezes, em relação à direcção da respectiva área ao nível imediatamente superior, e, por outro lado, aos órgãos locais do Aparelho do Estado e ao Governo Provincial (questões metodológicas e de orientação geral).

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- No que respeita a prioridades, recomendou-se que se tomasse a organização do Aparelho do Estado ao nível distrital como prioritária; já que logo após a independência se priorizou, por um lado, a criação de órgãos centrais do Aparelho do Estado, como sejam Ministérios, Direcções Nacionais, Comissões Nacionais, Secretarias de Estado, e , por outro, os Governos Provinciais.

Significa, portanto, que na prática, o apelo do Seminário de Nacala era no sentido de se priorizar a organização do Aparelho do Estado mais virada para o campo, e inclusivamente nas então zonas libertadas durante a Luta aramada de Libertação de Moçambique.

- Foi também recomendada a extinção das Câmaras Municipais, por terem sido consideradas estruturas implantadas pelo Estado Colonial para através delas organizar a vida dos colonos, nos locais onde eles se aglomeravam, deixando a organização da vida do povo (dos indígenas) às administrações que já vimos atrás.

- Também foi recomendada a extinção dos serviços de Administração Civil, cuja função principal consistia na administração dos funcionários públicos ou gestão da função pública.

Todavia, enquanto não se criassem novas estruturas para realizar esta actividade, considerou-se que se devia manter esses serviços de Administração Civil.

- Quanto à divisão administrativa, a recomendação foi no sentido da sua manutenção nos moldes em que então se encontrava, sem prejuízo de se haver reconhecido que os critérios seguidos pelo regime colonial para realizar essa divisão administrativa não eram os mais adequados.

- Em relação à divisão administrativa, a recomendação foi de que em geral se devia manter toda aquela que não fosse contrária à Constituição da República Popular de Moçambique, até que fosse modificada ou revogada.

Relativamente àquela legislação que se mostrasse contrária à Constituição, devia ser automaticamente revogada.

As propostas de acção prendiam-se com os seguintes aspectos:

1o Iniciar a implementação das estruturas administrativas ao nível da localidade/ aldeias comunais, distrital e provincial.

2o Aperfeiçoar a aplicação do princípio da dupla subordinação.

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Quanto às Câmaras Municipais e Serviços de Administração Civil não há nenhuma novidade, para além da ideia de destruí-las e substituí-las por novas estruturas.

A este propósito, importa dizer que houve ideias de se avançar para uma nova divisão administrativa, tendo em conta a inadequação dos critérios subjacentes a então vigente divisão. O que era patente na dimensão das províncias de Niassa, Nampula e Zambézia.

A ideia subjacente a esta reforma era permitir uma maior participação popular no exercício do poder, permitir a consolidação da defesa Nacional e impulsionar o desenvolvimento económico.

Em 1986, houve uma revisão da divisão territorial dos distritos e das cidades, embora a nível da província não tenha sido mexido.

Em relação à legislação administrativa, a proposta de acção era no sentido de que se devia organizar e mobilizar o povo para denunciar a legislação colonial contrária à Constituição a fim de ser revogada.

Por outro lado, a este respeito a proposta de acção mais concreta foi no sentido de se criarem os Triibunais Populares para, através deles, garantir-se soluções justas e identificar os problemas.

Recomendou-se ainda a aceleração do processo de criação de novas leis revolucionárias. Foi igualmente produzida uma proposta de acção no sentido da criaçào e consolidação do Aparelho do Estado da Economia.

Finalmente, quanto às propostas de acção avançaram-se aquelas que se prendem com os métodos de trabalho e direcção. O objectivo aqui era o de reforçar a colectivização da direcção, a fim de integrar representantes das populações no exercício do poder. É assi que se propõe a criação de colectivos de direcção (Conselhos Consultivos de Ministérios, Conselhos Coordenadores dos Ministérios). Estes colectivos de direcção no Aparelho do Estado incluiam representantes da Administração, dos trabalhadores e da FRELIMO, enquanto partido único.

Nas unidades de prestação de serviços e nas unidades de produção ou unidades económicas propôs-se a criação de Conselhos com o mesmo objectivo.

É nesta base ( Seminário Nacional de Nacala do Aparelho do Estado e da Função Pública, 8a Sessão do Comité Central da FRELIMO, Constituição da República Popular de Moçambique) que se vai arrancar o processo de edificação do Aparelho do Estado de

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Moçambique Independente, cuja legislação fundamental é a seguinte:

- Resolução no15/77, sobre as bases gerais de organização do Estado Democrático Popular;

- Lei no 5/78, sobre as funções e tarefas dos Governadores e dos Governos Provinciais;

- Lei no 6/78, que extingue as Câmaras Municipais e cria os Conselhos Executivos de Cidade;

- Lei no7/78, que cria os Conselhos Executivos de Distrito e de Localidade/aldeias comunais aqui inclusas e outros aglomerados populacionais;

- Lei no14/78, sobre a composição, competência e modo de funcionamento do Conselho de Ministros;

- Decreto no 4/81, de 10 de Junho, sobre as Normas de Organização e Direcção do Aparelho Estatal Central;

- Directivas Presidenciais :

No 1 – Acerca da formação dos Governos Provinciais;No2 – Acerca da formação dos Conselhos Executivos de Distrito e de Cidade.

Importa considerar no processo de edificação do Aparelho do Estado de Moçambique Independente a introdução da figura e 1o Ministro ao nível do Governo Central, como consequência do princípio da desacumulação de funções e da necessidade de se garantir mais apoio ao Presidente da República no exercício da sua função de Chefe do Governo.

Produto deste processo de edificação, podemos dizer que 1975-1990 a organização administrativa de Moçambique apresentava-se da seguinte forma:

O ponto de partida é o de que a base ideológica da edificação do Aparelho do Estado na República Popular de Moçambique foi a orientação socialista.

Assim, a divisão territorial de Moçambique compreendia províncias (10 mais cidade de Maputo) 128 distritos, que resultaram do acréscimo de novos distritos, criados pela Lei no 6/86, de 25 de Junho.

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Esta reforma da divisão territorial de Moçambique ao nível do distrito foi realizada num período de grandes alterações económicas, sociais e políticas, e tinha como objectivo permitir a criação de condições de equilíbrio territorial, num quadro de introdução de mudanças, que culminariam com a criação de novos distritos e seu agrupamento em classes (1a, 2a, e 3a) em função do seu desenvolvimento económico e social e da sua importância política ou económica, transferência de áreas entre distritos, elevação ao nível ou de cidade ou de vila de alguns centros urbanos, e a (re) introdução do escalão de posto administrativo.

A divisão territorial assim desenhada iria corresponder aos objectivos gerais definidos, designadamente descongestionar os centros de decisão política e administrativa mediante a criação de novos distritos,a fim de garantir maior acessibilidade à população a esses centros; aproximação das actividades sócio-económicas aos locais de habitação das populações; criação de novos pólos de atracção com a construção de novas infraestruturas, equipamentos e serviços; redução das disparidades regionais e de desenvolvimento; e finalmente a diminuição das contradições entre o campo e a cidade.

Nessa reforma da divisão territorial ao nível de distritos, obedeceram-se os seguintes critérios:

- População e densidade demográfica;

- Grau de desenvolvimento económico e social;

- Potencialidades económicas;

- Importância política, histórica e cultural;

- Extensão territorial.

A realização desta reforma enfrentou dificuldades das quais importa salientar as seguintes:

- Carência de recursos humanos qualificados;

- A guerra e seus reflexos nos fluxos da população para os centros urbanos;

- Crise contínua das finanças públicas e crescente dívida externa do país;

- Controle do Banco Mundial através o Programa de Reabilitação Económica e Social (PRES).

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Numa palavra, podemos dizer que, quando se chega aos Acordos de Roma, a Administração Territorial realizava-se em condições precárias e extremamente difíceis, caracterizando-se, por um lado, pela redução regular e sistemática do Orçamento reservado para o efeito e, por outro, pela substituição do Orçamento do Estado por financiamento externo, acompanhados de exigências específicas.

Quanto às cidades

- Até 1996 existiam 22 cidades, também classificadas em distritos de nível A, B e C, com identidade de critérios com os dos distritos27.

Quanto aos postos administrativos

Até 1996 existiam 393 postos administrativos28.

Localidades

Até 1996 existiam 1042 localidades.

Vilas

Até 1996 existiam 62 vilas.

Subdivisão territorial das cidades

- Distritos urbanos;

- Postos administrativos urbanos;

- Localidades urbanas;

- Bairros.

Evolução da Toponímia

No período colonial, a toponímia invocava figuras gratas ao colonialismo, compreendia a nomenclatura do colonizador, sendo o inverso a partir da independência, isto passou a incluir-se figuras internacionais gratas à Moçambique. Trata-se, no entanto, de uma evolução gradual e sistemática, e não radical e repentina29.

27 Cf. Resoluções no 7 e 8/87, de 25 de Abril, Resolução no 5/80, de 26 de Junho e Decreto-Lei no 6/75, de 18 de Janeiro.28 Cf. Resolução no6/87, de 25 de Abril.29 Cf. Portaria no136/75, de 22 de Março, que passa para Matola a cidade de Salazar; Decreto no 10/76, de 13 de Março, que altera Lourenço Marques para cidade de Maputo e outros centros urbanos; Decreto-Lei no 14/76, de 15 de Março, que estabelece critérios e define competências para a fixação ou alteração da toponímia do país pelos órgãos do Estado, designadamente

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Como se apresentam os órgãos do Estado-Administração e respectivo Aparelho do Estado (1975-1990)

a) A nível central

Órgãos: - O Presidente da República, Chefe do Governo

- O Conselho de Ministros

Aparelho do Estado – Ministérios

- Comissões Nacionais

- Secretarias de Estado

- Banco de Moçambique.

b) A nível provincial

Órgãos – Governador Provincial

- Governo Provincial

Aparelho do Estado – As Direcções Provinciais;

- As Comissões Provinciais

- Gabinete do Governador.

c) A nível distrital

Órgãos: - Administrador do Distrito;

- Conselho Executivo do Distrito.

Aparelho do Estado: - Direcção Distrital

- Comissões Distritais

- Gabinete do Administrador.

as competências do Presidente da República( Avenidas e praças principais nas capitais provinciais), Conselho de Ministros ( Províncias, distritos e respectivas capitais, acidentes geográficos desde que sejam de importância nacional), Ministros (instituições subordinadas aos seus Ministérios, desde que a sua importância não seja de âmbito nacional), os Governos Provinciais (cidades, vilas, localidades, desde que não sejam capitais de província ou de distrito, Bairros, Avenidas, ruas, praças e pracetas, escolas primárias, creches,centros e postos de saúde, pequenos rios e riachos, lagos, baías e Miradouros, desde que sejam de âmbito local e sem influência nacional. Portaria no 267/76, de 16 de Novembro.

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d) A nível de cidade

Órgãos : - Presidente do Conselho Executivo de Cidade;

- Conselho Executivo de Cidade

Aparelho do Estado – As Direcções de Cidade

- As Comissões de Cidade

- Gabinete do Presidente do Conselho Executivo de Cidade

e) A nível de localidade

Órgãos: - Presidente do Conselho Executivo de Localidade/ Aldeia Comunal; - Conselho Executivo de Localidade.

Não há Aparelho de Estado.

Organização Administrativa de Moçambique desde 1990

O ponto marcante é a Constituição da República de Moçambique, como o culminar do processo de mudanças que vinha ocorrendo desde 1986/7, consagrando-se o pluralismo político, no quadro de uma democracia representativa30.

Foi esta revisão que consagrou a Economia de mercado31.

A revisão da Constituição em 1990 manteve a divisão administrativa anterior, já com os postos administrativos reintroduzidos. Assim, territorialmente, Moçambique, à face da da CRM, organiza-se em32:

- Províncias;

- Distritos;

- Postos Administrativos;

- Localidades.

As zonas urbanas organizam-se em cidades e vilas33.

30 Cf. artigos 30 e 31 da CRM.31 Cf. no1 do artigo 41 da CRM.32 Cf. no1 do artigo 4 da CRM.33 Cf. no 2 do artigo 4 da CRM.

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O quarto aspecto a reter na sequência da Constituição da República de 1990 é a introdução no país do poder local, isto é das autarquias locais, munícipios e povoações34.

Este processo de reforma administrativa do país foi reflexo da implantação do programa de reabilitação económica para a execução do qual era necessário proceder a uma clara mudança do método de organização da Administração Pública Moçambicana.

Esta reforma administrativa que se opera na sequência da revisão constitucional de 1990 visa os seguintes objectivos estratégicos:

- A profissionalização da função pública;

- A maior aproximação da Administração à sociedade;

- A melhoria da qualidade do serviço público prestado ao cidadão.

Em última análise, a reforma administrativa em apreço enquadra-se no processo de maior democratização da Administração Pública.

Qual o sistema de organização Administrativa em vigor em Moçambique?

É a descentralização administrativa e a desconcentração administrativa.

A descentralização administrativa é um sistema de organização administrativa em que, para além da PCPública Estado-Administração, existem outras pessoas colectivas públicas que concorrem para a satisfação das necessidades colectivas da sociedade política, mediante a realização da actividade administrativa.

- Descentralização territorial (Munícipio, povoação);

- Descentralização empresarial (Empresas públicas, TVM, EDM);

- Descentralização institucional (Fundações, Associações públicas, estabelecimentos públicos).

A descentralização administrativa traduz a introdução das autarquias locais, a qual está a ser feita de forma gradual (princípio do gradualismo). Estes municípios realizam a auto – administração no quadro da autonomia que lhes é reconhecida. Estas autarquias locais são parte da essência da democracia representativa em Moçambique, importando sublinhar que o processo de municipalização e povoação está numa fase inicial.

34 Cf. Lei no9/96, cujo articulado passou a constituir o título IV da CRM.

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A par da descentralização territorial que corresponde às autarquias locais estão igualmente consagradas no país a descentralização institucional (relativa aos institutos públicos, nomeadamente fundações públicas, estabelecimentos públicos e associações públicas), por um lado, e por outro a descentralização empresarial,

Existem no mundo outros tipos de descentralização que não foram adoptados em Moçambique, como é o caso da regionalização, que corresponde ao fenómeno das regiões autónomas, que são autarquias locais supramunicipais, que visam a prossecução de interesses próprios das respectivas populações, que a lei considera serem mais bem geridos em áreas intermédias, entre o escalão nacional e o escalão municipal; e finalmente o federalismo, associação de Estados que se constitui num Estado Federado.

24.10.01 e 02.10.02(Dr. Mchatine)

TEORIA GERAL DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Trata-se do conteúdo da Teoria Geral da Organização Administrativa.

O que é a organização pública?

A organização pública é um grupo humano estruturado pelos representantes de uma comunidade com vista à satisfação de determinadas necessidades colectivas desta35.

Por conseguinte, o conceito de organização pública integra quatro elementos, designadamente:

1o Um grupo humano;2o Uma estrutura, isto é um modo particular de relacionamento dos vários elementos da organização entre si, e com o meio social em que ela se insere;3o O papel determinante dos representantes da colectividade, no modo como se estrutura a organização;4o Uma finalidade, que se traduz na satisfação de necessidades colectivas determinadas.

A Administração Pública é constituída pelo conjunto das organizações públicas, cujo número cresce dia após dia, devido ao fenómeno da diferenciação da Administração Pública, por outras palavras devido à tendência para fazer corresponder a cada interesse colectivo uma organização especificamente destinada a

35 Cf. CAUPERS, Prof. Doutor, Direito Administrativo, Pg 65.

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prosseguí-lo, sem prejuízo do carácter unitário fundamental da Administração Pública.

De facto, constitui denominador comum da Administração Pública o facto de esta encontrar-se sujeita a princípios e regras relativamente uniformes, e a uma gestão global de equilíbrios delicados, com o fim de atingir em conjunto objectivos pré-determiandos.

Vejamos com esta base quais são os elementos da Administração Pública.

A Administração Pública é integrada por três tipos de elementos:

- As pessoas colectivas públicas;

- Os órgãos (administrativos)

- Os serviços públicos.

O que são pessoas colectivas públicas?

São entes colectivos criados por iniciativa pública para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos , dispondo de poderes públicos36 e estando submetidos a deveres públicos37.

A bem dizer, o conceito de pessoas colectivas públicas abrange assim realidades bem distintas, designadamente:

- Abrange grupos humanos que o Estado não criou, mas limitou-se a reconhecê-los e a dotá-los de um estatuto jurídico público, alguns dos quais nasceram antes do próprio Estado, como é o caso dos Municípios;

- Abrange também entes públicos, que são o resultado de meras decisões estratégicas do Estado, cuja finalidade é a de garantir a prossecução de certos interesses públicos através de entidades formalmente situadas fora da sua organização.

Como é que se classificam as pessoas colectivas públicas?

36 Por exemplo, o poder de expropriar, de impor, de agir por via de autoridade (Cf. Rivero, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 53).37 A este propósito argumenta Jean RIVERO, na sua obra Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pgs 20 a 21, que se como consequência do princípio da subordinação da Administração Pública ao Direito, a actividade administrativa passa a ser geradora de direitos e obrigações inclusive para a Administração, então “é preciso encontrar um titular para os direitos e obrigações da Administração, como para qualquer direito ou obrigação....Assim, o direito francês atribui assim a certas colectividades ou serviços que possuem órgãos administrativos a qualidade de sujeitos de direito, ou, noutros termos, a personalidade normal.

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As pessoas colectivas públicas podem ser classificadas segundo duas correntes de pensamento jurídico-administrativo:

Na primeira corrente38, classificam-se em cinco espécies de pessoas colectivas públicas:

- Estado-Administração (Administração Pública em sentido restrito);

- As pessoas colectivas de população e território, isto é Autarquias Locais e regiões Autónomas;

- As pessoas colectivas de natureza institucional, abarcando os institutos públicos, que podem ser serviços personalizados, fundações públicas e estabelecimentos públicos;

- As pessoas colectivas de natureza empresarial, correspondentes às empresas públicas;

- As pessoas colectivas públicas de natureza associativa, correspondendo às associações públicas.

A segunda corrente39 classifica as pessoas colectivas do seguinte modo:

- O Estado-Administração;

- As pessoas colectivas autónomas, correspondentes àquelas que são reconhecidas pelo Estado, enquanto formas de autoorganização, para a prossecução de interesses públicos próprios de comunidades de cidadãos, subdividindo-se em :

a) Pessoas colectivas autónomas de base territorial, como os Municípios e as povoações no caso de Moçambique;

b) As pessoas colectivas públicas autónomas de base corporativa, como é o caso de muitas associações públicas.

Como denominador comum importa reter que tanto umas como outras constituem a Administração Autónoma do Estado.

- Pessoas colectivas instrumentais, que são aquelas que são criadas pelo Estado para a prossecução dos fins públicos, que ao próprio Estado cabe prosseguir. Subdividem-se em pessoas colectivas instrumentais de fim lucrativo, como são as empresas

38 Sustentada entre outros por Fraitas do Amaral.39 Esta é a corrente moderna.

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públicas, pessoas colectivas públicas de fim não lucrativo, como é o caso dos institutos públicos.

O denominador comum das pessoas colectivas públicas instrumentais é o facto de constituirem todas elas a Administração indirecta do Estado.

Órgãos Administrativos

São centros de imputação de poderes funcionais. Significa, portanto, que são eles que manifestam a vontade imputada às pessoas colectivas públicas.

Classificação

Conforme o critério adoptado para o efeito, há várias classificações, sendo que apenas trataremos de três fundamentais:

1a Classificação: é a baseda no critério do número de titulares dos órgãos, caso em que temos por um lado órgãos singulares e, por outro, órgãos colegiais.

2a Classificação: baseada no critério do tipo de funções exercidas, caso em que temos:

a) órgãos activos - também chamados órgãos decisórios ou executivos, cujas funções se traduzem na tomada de decisões;

b) órgãos consultivos – cujas funções se resumem na emissão de pareceres para os órgãos decisórios;

c) órgãos de controle - cujas funções têm a ver com a fiscalização de actividade administrativa.

3a Classificação: baseada no critério de forma de designação dos titulares dos órgãos, caso em que temos, por um lado, órgãos representativos, aqueles que são eleitos, e órgãos não representativos, aqueles que são nomeados.

Relativamente aos órgãos colegiais, importa afirmar que dado o facto de serem integrados por diversos membros exigem regras especiais para o seu funcionamento, as quais se prendem com os seguintes aspectos:

- Regras que disciplinam a composição dos órgãos e a sua constituição;

- ,, ,, ,, as reuniões e sessões;

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- ,, ,, ,, a marcação e convocação de reuniões e a ordem do dia;

- ,, ,, ,, a deliberação e votação;

- ,, ,, ,, o quorum da reunião e quorum de votação;

- ,, ,, ,, a forma de votação;

- ,, ,, ,, a formação de maiorias;

- ,, ,, ,, ao voto de qualidade e ao voto de desempate;

- ,, ,, ,, a demissão, dissolução e perda de mandato.

Os serviços públicos

São estruturas organizativas encarregadas de preparar e executar as decisões dos órgãos da pessoa colectiva pública40. Por outras palavras, significa isto dizer que as pessoas colectivas públicas compõem-se por um lado se serviços públicos, seus suportes funcionais, e por outro de órgãos que agem em nome delas.

Estrutura organizativa dos serviços públicos

Importa dizer que existem três diferenciações de serviços públicos:

1a A horizontal, que assenta na diferença de actividades ou de tarefas;

2a A territorial, em que se distinguem serviços centrais e serviços periféricos;

3a A vertical, que se basea na hierarquia administrativa.

Traços fundamentais do Regime Jurídico dos serviços públicos

40 Cf. Rivero, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 492 e 493, em que refere que há uma dissociação dos sentidos orgânico e material do serviço público. Relativamente ao sentido material já tratamos atrás, quando abordamos os modos de actividade administrativa de gestão pública. Agora estamos a tratar do serviço público no sentido orgânico.Como refere o autor já citado “ existem necessidades de interesse geral que a autoridade decide satisfatoriamente, mas que nem por isso confia a órgãos públicos, e pelo contrário, alguns organismos públicos gerem actividades industriais e comerciais idênticas às das empresas privadas similares, que não podem qualificar-se de missões de serviço público.

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São dois os traços fundamentais dos serviços públicos41:

- A continuidade, no sentido de que não é admissível a interrupção dos serviços públicos42, daí a necessidade de recorrer à requisição de grevistas, a proibição de o agente demissionário abandonar o serviço antes de a demissão ser aceite, a existência de governos de gestão43, etc.

- A igualdade de tratamento, que os cidadãos devem merecer dos serviços públicos, independentemente de cor, raça, origem, filiação política e religiosa; a regra é no sentido de dispenasr tratament igual a situações iguais e tratamento desigual a situações desiguais.

Atribuições , competências e missões

Atribuições – são os fins que a lei confere às pessoas colectivas públicas. Por outras palavras, as atribuições correspondem aos objectivos que determinam a criação e existência de pessoas colectivas públicas.

Competências - são poderes jurídicos que os órgãos de uma pessoa colectiva pública dispõem para prosseguirem as atribuições desta. Regra geral, os diferentes órgãos de uma pessoa colectiva dispõem de competência diversa para prosseguir atribuições idênticas. Há um caso, porém, o da pessoa colectiva Estado- Administração, em que as coisas se passam de modo inverso, pois devido à multiplicidade e à heterogeneidade dos fins prosseguidos, os membros do seu órgão máximo (o Conselho de Ministros) os Ministros, dispõem de competências idênticas para prosseguir atribuições diversas.

Missões – são tarefas desenvolvidas pelos diversos serviços públicos.

A competência em especial

Importa a este propósito colocar duas questões:

41 Cf. Rivero, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 502 e 503, em que o autor explana sobre uma terceira característica, designadamente a adaptação às novas circunstâncias ou a possibilidade de modificar o regime de serviço, tendo como consequência, entre outras, que nem os agentes e nem os utentes podem fazer valer um direito adquirido à manutenção do estatuto em vigor no momento em que entraram em relações com o serviço.42 Cf. Rivero, Jean, Direito Administrativo, Almedina Coimbra, 1975, pg 501, em que o autor refere que “ qualquer interrupção comporta o risco de introduzir as mais graves perturbações na vida da colectividade.43 O Govreno de Gestão não toma decisões de fundo, gere as questões do dia a dia, pontuais, não toma decisões de perspectiva.

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a) Quem fixa a competência;

b) Com base em que critérios se fixa a competência?

Relativamente à primeira questão, a competência é apenas fixada por lei, não se inventa. Daí que não se presume, é imodificável, inalienável e irrenunciável. Igualmente, pela mesma razão, antes de tomar qualquer decisão o órgão administrativo deve certificar-se de que é competente para o fazer.

Critérios para a fixação da competência dos órgãos administrativos

Existem fundamentalmente quatro critérios(São cinco) de delimitação da competência:

1. Em razão da matéria;

2. Em razão da hierarquia, quando numa hierarquia a lei efectua uma repartição vertical de poderes, conferindo alguns ao superior e outros aos subalternos;

3. Em razão do território, quando a lei reparte a competência entre órgãos centrais e locais, ou a distribuição de poderes por órgãos locais diferentes em função das respectivas áreas ou circunscrições.

4. Em razão do tempo, em princípio só há competência administrativa em relação ao presente: a competência não pode ser exercida nem em relação ao passado nem em relação ao futuro. Sendo, por conseguinte, ilegal, em regra, a prática pela Administração Pública de actos que visem produzir efeitos sobre o passado ou regular situações que não se sabe se, ou quando, ocorrerão no futuro44.

5.

Um acto praticado contra as regras que delimitam a competência será ferido de incompetência em razão da matéria, em razão da hierarquia, em razão do território ou em razão do tempo. Os quatro critérios são cumuláveis e têm de actuar em simultâneo.

Espécies de competência

a) Quanto ao modo de atribuição legal da competência:

- Competência explícita – quando a lei a confere por forma clara e directa;

44 Que dizer dos actos sujeitos a termo inicial ou a condiçào suspensiva?

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- Competência implícita – que é deduzida de outras determinações legais ou de dertos princípios gerais do direito público, como por exemplo o do quem pode ou mais pode menos, a lei que confia determinados fins a determinado órgão atribui-lhe os meios para os realizar.

b) Quanto aos termos do exercício da competência

- Competência condicionada – se estiver dependente de limitações específicas impostas por lei ou ao abrigo da lei;

- Competência livre – no caso inverso.

c) Quanto à substância e efeitos da competência

- Competência dispositiva – que é o poderd)

31.10.01Dr. Machatine

A HIERARQUIA ADMINISTRATIVA

Desenvolve-se no quadro das relações interorgânicas, de órgão para órgão; isto é, aquelas relações que se estabelecem no âmnbito de uma pessoas colectiva pública; por outras palavras, entre órgãos de uma dada pessoa colectiva pública.

A relação hierárquica e ou hierarquia administrativa é o tipo de relacionamento interorgânico que caracteriza a burocracia (agentes administrativos e funcionários públicos).

Conceito de relação hierárquica

É o modelo organizativo vertical que consubstancia uma relação jurídico-funcional, entre órgãos empenhados na prossecução de atribuições comuns e agentes envolvidos nas mesmas tarefas, traduzida essencialmente no poder de direcção do superior e no correspondente dever de obediência do subordinado.

Há duas espécies de hierarquia:

- Hierarquia externa, que corresponde à repartição de competências entre órgãos;

- Hierarquia interna, que significa a divisão de tarefas entre agentes administrativos.

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Ao definirmos o conceito da relação, nota-se que ela é composta por duas vertentes:

- Poder de direcção do superior;

- Dever de obediência do subordinado.

1o Poderes do superior hierárquico

Eles agrupam-se fundamentalmente em três áreas:

- Poder de direcção, que corresponde ao poder de dar ordens e instruções . Este poder carece de consagração legal expressa, visto que é um poder inerente ao desempenho de funções de direcção e chefia.

Neste sentido, entende-se por ordens os comandos individuais e concretos através dos quais o superior impõe aos subalternos a adopção de uma determinada conduta específica. Podem ser dadas verbalmente ou por escrito.Por seu turno, entende-se por instruções os comandos gerais e abstractos, mediante os quais o superior impõe ao subalterno a adopção para futuro de certas condutas, sempre que se verifiquem as situações previstas.

Chamam-se circulares aquelas que são transmitidas por escrito e por igual a todos os subalternos.

- Poder de supervisão - que é a faculdade que o superior hierárquico tem de revogar ou de suspender as decisões (actos administrativos) do subordinado. Esta revogação ou suspensão pode ocorrer por iniciativa própria do superior hierárquico ou na sequência de recurso hierárquico a ele dirigido por um particular ou administrado.

- Poder disciplinar

Que corresponde ao poder de aplicar sanções disciplinares. Em última análise, entendemos que o poder de aplicar sanções diciplinares é apenas parte do poder disciplinar do superior hierárquico; isto é, é o poder disciplinar no sentido negativo.

A outra parte que normalmente não é referenciada nos manuais é o poder disciplinar positivo, que corresponde ao poder de atribuir distinções aos agentes e funcionários.

Deveres do subordinado

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A maior parte dos deveres do subordinado iremos abordar a propósito do Direito da Função Pública. Ex: Assiduidade, zelo e aplicação, sigilo profissional, urbanidade, respeito pelos superiores, deveres na vida privada.

O dever principal do subordinado é o dever de obediência, que corresponde ao dever de acatar e cumprir as ordens e instruções do legítimo superior hierárquico, relativas à mat’eria de serviço, e que revistam a forma legal.

Em princípio, o subalterno tem de obedecer, salvas raras excepções:

- As ordens ilegais

No ordenamento jurídico moçambicano, o problema das ordens ilegais é aflorado no artigo 104 do E.G.F.E., mas também de forma implícita está contido no princípio constitucional que corporiza a alínea a) do no1 do artigo 181 da CRM.

Em face de uma ordem ilegal, deve-se observar as seguintes regras:1o O dever de obediência cessa se o cumprimento da ordem envolver a prática de um crime.

2o Caso a ordem seja ilegal e, no entanto, não envolva a prática de um crime, o subordinado pode recorrer do direito de respeitosa representaçào, que consiste no pedido dirigido ao superior hierárquico para que confirme por escrito a ordem supostamente ilegal.

Este pedido pode ser feito ou antes de cumprir a ordem ou logo imediatamente a a seguir ao seu cumprimento.

3o Se a demora na execução da ordem não lesar o interesse púbico, o subordinado aguarda a sua confirmação e só a executa depois de receber tal confirmação;

4o Quando a demora prejudicar o interesse público, o subordinado comunica ao superior hierárquico os termos exactos da ordem e do pedido de confirmação mencionando a não satisfação deste pedido. Posto isto, ele cumpre a ordem.

Procedendo em conformidade com o exposto, fica excluída a responsabilidade do subordinado pelos prejuízos causados pelo cumprimento da ordem. A contrário, isto é, não agindo em conformidade com as regras anteriormente mencionadas, o subordinado responde solidariamente por aqueles prejuízos.

A SUPERVISÃO

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Conceito

A supervisão consiste em uma quase hierarquia. Na verdade, trata-se de uma forma de relacionamento interorgânico, no qual o órgão supervisionante não pode dar ordens ao órgão supervisionado, mas pode agir sobre os seus actos, por exemplo revogando-os.

Por exemplo, há supervisão de um órgão colegial para os seus membros, como sucede em concreto com a supervisão que o Conselho de Ministros exerce sobre os ministros, seus membros indivualmente considerados.

A DELEGAÇÃO DE PODERES

Existem dois sentidos da expressão delegação de poderes, o sentido da ciência da administração e o sentido do Direito Administrativo.

Em ciência de Administração, a delegação de poderes é o instrumento de transferência do poder de decisão numa organização pública que repousa na iniciativa dos órgãos superiores desta.

Em Direito Administrativo, delegação de poderes é o acto pelo qual um órgão da Administração normalmente competente em determinada matéria e devidamente habilitado por lei possibilita que outro órgão ou agente pratiquem ou tomem decisões (actos administrativos) sobre a mesma matéria.

Conteúdo da delegação de competências

Do conceito jurídico-administrativo da delegação de competências, depreende-se que ela composta por três elementos fundamentais, a saber:

a) Lei de habilitação, que é a lei que permite que haja delegação de poderes de um dado órgão superior para outros. Esta lei é indispensável para que haja efectivamente delegação de poderes. Equivale isto dizer que, na falta desta lei, ou na ausência desta lei, tudo o que se possa fazer só pode ter com a delegação de competências propriamente dita semelhanças45.

b) Delegante e delegado – tratata-se dos elementos subjectivos da delegação de poderes.

45 É o caso dos Despachos no194/GMI/93, através dos quais S.Excia Ministro do Interior delegou parcela do seu poder disciplinar para os Comandantes Provinciais e equiparados, sem ter por base qualquer lei de habilitação.

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A este propósito, importa sublinhar que normalmente a delegação de poderes ocorre entre órgãos da mesma pessoa colectiva pública, sendo neste caso uma espécie de deconcentração, a desconcentração derivada.

No entanto, vezes há em que ela acontece entre órgãos de pessoas colectivas públicas diferentes, como é o caso dauquela delegação de poderes dada pelo Conselho Municipal para um órgão colegial de gestão de um Distrito Urbano, ou ainda o caso da delegação dos membros do Governo para um órgão directivo de institutos públicos.

c) A relevância da vontade do delegante – trata-se do último elemento da delegação, que permite, portanto, o enquadramento da delegação tácita, naqueles casos em que não existe a prática do acto de delegação propriamente dito, mas a lei de habilitação considere certos poderes delegados, salvo se o delegante manifestar a sua vontade em sentido contrário.

Importa não confundir delegação de poderes com adelegação de assinatura, a qual não corresponde a uma verdadeira delegação, justamente porque a vontade do delegado é jurídicamente irrelevante. Significa isto dizer que o autor do acto é o delegante e não o delegado.

7.11.01Dr. Macchatine

Regime Jurídico da delegação de poderes

Importa realçar os seguintes aspectos dentre os que consubstanciam este regime:

1o Aspecto: Requisitos do acto de delegação expressa

Há dois requisitos:

1. Especificação dos poderes delegados

Na realidade, existem poderes indelegáveis por natureza ou por determinação da lei. Pelo que nem todos os poderes são delegáveis.

A especificação dos poderes delegados pode ser feita de acordo com os seguintes modos:

a) Especificação de poderes jurídicos;

b) Especificação de matérias;

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c) Especificação positiva;

d) Especificação negativa.

O modo de especificar que se assume como regra geral é a especificação positiva de poderes jurídicos.

2. O segundo requisito do acto de delegação expressa é a publicação da delegação.

2o Aspecto aspecto regime jurídico da delegação de poderes

Requisito específico do acto praticado ao abrigo da delegação de poderes, que consiste em o delegado ter de mencionar essa qualidade sempre que pratique um acto administrativo ao abrigo de delegação.

A omissão da menção referida produz consequências no domínio das garantias dos particulares.

3o Aspecto do Regime Jurídico da delegação de poderes

Prende -se com a indicação dos poderes de que o delegante dispõe no âmbito da delegação, designadamente:

- Poder de orientar o exercício dos poderes delegados, através de directivas e instruções;

- Poder de avocar ou de chamar a si os poderes delegados em casos individualizados;

- Poder de revogar os actos praticados pelo delegado ao abrigo da delegação.

4o Aspecto do regime jurídico da delegação de poderes

Subdelegações, que compreendem as delegações de segundo grau, em que o delgado figura simultaneamente como delegante, estando submetido ao mesmo regime jurídico.

Importa referir que a subdelegação seja de 1o, 2o ou mais graus, só acontece quando a lei a ela não se oponha, e o delegante autorize.

5o Aspecto do Regime Jurídico da delegação de poderes

É o regime dos actos praticados ao abrigo da delegação. Regra geral os actos ou as decisões prtaicados noâmbito da delegação pelo delegado são definitivos e executórios, desde que, caso tivesse sido o delegante o seu autor, possuísse tais características.

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Casos excepcionais:

- Se o delegante for superior hierárquico do delegado, os actos administrativos ou decisões por este último praticados podem ser objecto de recurso hierárquico para o primeiro; esse recurso será necessário se os actos praticados pelo delegado não forem definitivos. E será facultativo no caso contrário;

- Quando o delegante não for superior hierárquico do delegado, os actos administrativos deste poderão ser objecto de recurso para aquele; na medida em que entre o delegante e o delegado não existe relação hierárquica, o recurso a interpor é impróprio, chamando-se recurso hierárquico impróprio, cujo fundamento ‘e o poder de revogar do delegante; e também aqui este recurso hierárquico impróprio será facultativo ou necessário, conforme os actos do delegado sejam ou não definitivos.

6o Aspecto do regime jurídico da delegação de poderes

Tem a ver com a extinção da delegação.

A delegação extingue-se ou por revogação46 ou por caducidade.

A caducidade de uma delegação de poderes pode resultar ou do esgotamento dos seus efeitos, por um lado, ou por substituição das pessoas do delegante ou do delegado, que é o que se passa, por exemplo, em Portugal, tendo como fundamento o intuito personae, isto é a delegação é considerada um acto fundado nas relações de confiança pessoal entre o delegante e o delegado.

Já em França, a delegação de poderes é concebida como uma relação funcional, entre órgãos, não ocorrendo a sua caducidade quando os titulares dos respectivos órgãos sào substituídos.

Moçambique não adoptou a prática portuguesa e nem a francesa. Em termos de experiência, Moçambique foi buscar partes das duas práticas acima mencionadas e constituiu uma situação híbrida, nos seguintes termos:

- Para aqueles cargos de muita confiança (política) é evidente que quando muda o delegante, o delegado fica sem saber se o novo dirigente mantem a delegação ou a confiança;

- Já para os cargos de confiança eminentemente técnica, a mudança de superiores hierárquicos não arrasta consigo a caducidade da delegação.

Natureza jurídica da delegação de poderes

46 Entende-se por revogação...

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Existe grande polémica doutrinária que gira à volta de se pretender saber a quem é que a lei atribui a competência.

Há duas correntes sobre esta matéria:- Segundo a primeira corrente, a lei atribui exclusivamente a

competência ao delegante; neste caso, a delegação de poderes opera a transferência da titularidade ou pelo menos do exercício daquela para o delegado;

- A segunda corrente defende que a lei atribui a competência conjuntamente ao delegante e ao delegado. Neste caso, a manifestação da vontade do delegante opera como condição do exercício da competência pelo delegado.

De notar que existem consequêncis práticas resultantes da opção que se fizer, as quais fazem se sentir no plano dos fundamentos da impugnação do acto praticado pelo suposto delegado, fora do âmbito da delegação.

De acordo com a primeira corrente, estariamos em presença de incompetência; conforme a segunda corrente, estariamos em presença de um vício de forma.

As relações intersubjectivas:

A TUTELA ADMINISTRATIVA

É uma relação que existe entre duas pessoas colectivas públicas na base da qual os actos praticados pelos órgãos da pessoa colectica pública tutelada estão sujeitos à interferência de um órgão da entidade tutelar, com a finalidade de assegurar a legalidade ou o mérito daquelas decisões ou actos administrativos. Trata-se de relações intersubjectivas.

Existem duas espécies de tutela administrativa:

a) Quanto ao objecto

Relativamente a este aspecto, distinguem-se entre tutela de legalidade e tutela de mérito (oportunidade e conveniência).

b) Quanto à forma do exercício

Quanto a este critério distinguem-se entre:

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- Tutela integrativa ou correctiva, que autoriza ou aprova decisões tomadas pelos órgãos da pessoa colectiva tutelada47.

- Tutela inspectiva, cuja finalidade é fiscalizar actos praticados pelos órgãos da pessoa colectiva públia tutelada.

- Tutela sancionatória,

- Tutela revogatória,

- Tutela substitutiva, que visa suprir omissões dos órgãos das pessoa colectiva tutelada.

Traços fundamentais da tutela administrativa

A tutela administrativa tem os seguintes traços fundamentais gerais:

1o As relações de tutela têm de resultar da lei, o que equivale a dizer que a tutela não se presume48;

2o A tutela nunca envolve o poder de orientar.

3o Os actos através dos quais se exerce a tutela podem ser impugnados pela entidade tutelada.

A SUPERINTENDÊNCIA

É a relação que se estabelece entre duas pessoas colectivas públicas, que confere aos órgãos de uma delas poderes de definir e orientar a actuação dos órgãos da outra. Significa que, na esteira da relação estabelecida entre duas pessoas colectivas, uma delas se encontra em certa medida na dependência de outra; geralmente tal situação decorre do facto de ter sido uma delas(superintendente) a criar a outra (superintendida).

Existem dois instrumentos típicos da superintendência:

- Directivas, que impõem objectivos deixando no entanto liberdade quanto aos meios para os atingir;

- Recomendações, que são opiniões acompanhadas de um convite para agir num certo sentido49.

Finalmente, importa reter a propósito da superintendência o seguinte:

47 Cf. sobre o conceito de autorização e aprovação.48Cf. Pg , onde se diz o mesmo a propósito da competência.49 Cf. a pgs onde se define a recomendação como

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- Pode acontecer que duas pessoas colectivas públicas estejam simultaneamente ligadas por relações de tutela e de superintendência; tal situaçà ocorre normalmente em relação às entidades que integram a Administração Indirecta do Estado;

- No que respeia às entidades que integram a Administração Autónoma do Estado, nomeadamente as Autarquias Locais apenas tem constado uma relação de tutela.

-AS AUTARQUIAS LOCAIS EM MOÇAMBIQUE(14.11.01)

Poder local constitui a forma eleita entre nós do princípio da descentralização administrativa. Importa, entretanto chamar a atenção para que o termo órgãos do poder local não corresponde ao termo órgãos locais do Estado.

Órgãos locais do Estado corresponde à aplicação do princípio da desconcentraçào administrativa, e órgãos do poder local ou poder local correspondem à ideia de descentralização administrativa.

O princípio da descentralização administrativa foi introduzido através da lei no 9/96, no quadro da grande revisão constitucional operada na Constituição de 1990. A matéria do poder local corporiza hoje o título IV da Constituição da República.

Enquadramento do surgimento das autarquias locais em Moçambique

A este respeito três aspectos fundamentais há a realçar:

1o A implantação das autarquias locais aparece como um dos efeitos da implantação do PRE no sentido de ser necessário, por consequência, proceder a uma clara mudança do método de organização da Administração Pública em Moçambique;

2o Reforma administrativa que tem como objectivos estratégicos a profissionalização da função pública, a maior aproximação da Administração à sociedade e a melhoria da qualidade do serviço público prestado ao cidadão;

3o A necessidade de aprofundar a democratização da Administração Pública.

Qual é o significado das autarquias locais?

Trata-se de pessoas colectivas de população e território dotadas de órgãos representativos próprios que visam a prossecução dos

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interesses das populações respectivas, sem prejuízo dos interesses nacionais e da participação do Estado50.

Abrangência das autarquias locais em Moçambique

Nesta fase as autarquias abrangem as seguintes realidades51:

- Municípios, por um lado;

- Povoações, por outro.

Os municípios correspondem à circunscrição territorial das cidades e vilas52.

As povoações correspondem à circunscrição territorial da sede do posto administrativo53.

No futuro, a lei poderá estabelecer outras categorias de autarquias locais superiores ou inferiores à circunscrição territorial dos municípios ou inferiores às povoações (autarquias supramunicipais, infra-povoações)54.

Órgãos das Autarquias locais

Tanto os municípios como as povoações dispõem dos seguintes órgãos55:

- Uma Assembleia (municipal ou de povoação), que é um órgão colegial com poderes deliberativos, e eleito por sufrágio universal directo, igual, secreto e pessoal dos cidadãos eleitores residentes na circunscrição territorial da autarquia, segundo o sistema de representação proporcional;

- Um órgão executivo, que também é colegial, e responde perante a respectiva Assembleia nos termos da lei; é dirigido por um Presidente (do Conselho Municipal e ou do Conselho de Povoação) eleito por sufrágio universal, directo, igual, directo e pessoal dos cidadãos eleitores residentes na respectiva circunscrição territorial.

A organização, composição e funcionamento deste órgão executivo encontram-se definidos em lei ordinária própria.

Autonomia das Autarquias locais

50 Cf. no 2 do artigo 189 da CRM.51 Cf. artigo 190 da CRM.52 Cf. no2 do artigo 190 da CRM.53 Cf. no 3 do artigo 190 da CRM.54 Cf. no4 do artigo 190 da CRM.55 Cf. artigo 192 da CRM.

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As Autarquias locais gozam de autonomia num triplo sentido:

- Autonomia administrativa;

- Autonomia financeira;

- Autonomia patrimonial.

Tutela das Autarquias locais

Apesar desta tripla autonomia, as autarquias locais estão sujeitas à tutela administrativa56, que é exercida pelo Estado-Administração.

No caso concreto das autarquias locais, a tutela administrativa consiste na verificação da legalidade dos actos administrativos dos órgãos autárquicos, nos termos da lei57. Apenas em casos e nos termos expressamente previstos na lei é que a tutela sobre sobre as autarquias poderá ter por objecto o mérito, isto é a conveniência e ou oportunidade dos actos administrativos dos órgãos autárquicos58.

O poder regulamentar das Autarquias locais

Nos termos da Constituição da República59, as autarquias locais dispoem de poder regulamentar próprio, nos limites da Constituição, das leis e de regulamentos emanados das autoridades com poder tutelar.

Por outro lado, as autarquias locais dispoem de um quadro de pessoal próprio, nos termos da lei60.

Dissolução dos órgãos das Autarquias locais

Ainda que resultantes de eleições directas, os órgãos das Autarquias Locais podem dissolver-se, dissolução essa, sublinhe-se, só pode ter lugar em consequência de acções ou omissões ilegais graves previstas na lei e nos termos por ela estabelecidos61.

A opção adoptada para a constituição de autarquias locais em Moçambique

Actualmente em Moçambique ainda não há povoações em que se constituiram os respectivos órgãos. E, por outro lado, nem em todas

56 Cf. no1 do artigo 194 da CRM.57 Cf. no2 do artigo 195 da CRM.58 Cf. no3 do artigo 194 da CRM.59 Cf. artigo 195 da CRM.60 Cf. artigo 196 da CRM.61 Cf. no4 do artigo 194 da CRM.

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as circunscrições territoriais candidatas potenciais a município foram aí constituídas autarquias locais.

A opção do legislador foi no sentido de proceder a uma autarcização gradual, tendo em conta que a autonomia corresponde a uma maior autoridade, o que implica uma maior responsabilidade em termos de meios humanos, financeiros e patrimoniais. Tem-se em conta também a dificuldade de obtenção de receitas por parte das autarquais.

Por conseguinte, optou-se pelo princípio do gradualismo62, numa primeira fase direccionada apenas aos Município, o que significa que, no âmbito das Autarquias Locais se deve constituir em primeiro lugar os municípios de forma gradual.

Como fundamento deste princípio está a ideia de que se constituiriam autarquias locais naquelas circunscrições territoriais que revelassem ter maior desenvolvimento económico e social, por um lado, e, por outro, possuir potencialidades de se desenvolver ainda mais, tanto económica como socialmente.

O segundo grande fundamento é que em tais circunscrições territoriais deveria de haver condições para o desenvolvimento do binómio Autoridade/Responsabilidade que subjaz por detrás da implantação dos municípios.

O binómio referido implica, por um lado, a existência e ou potencialidade de desenvolvimento de recursos locais e , por outro, a garantia de transferência de recursos do Estado para os Municípios.

O objectivo destas premissas é garantir que a descentralização administrativa, para o nosso caso, a municipalização, seja efectiva e não meramente formal; daí a adopção do princípio do gradualismo.

Linhas fundamentais de orientação para o estudo do Pacote Autárquico ou Rejime Jurídico das Autarquias Locais

SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Importa distinguir entre concentração e desconcentração, centralização e descentralização e integração e devolução de poderes.

1. Concentração e desconcentração de competências

62 A este respeito, um dos indicadores da reforma do sector público para o ano 2001-2011 consiste em transformar, gradualmente, em autarquias locais o maior número de vilas. (in Estratégia Global da Reforma do Sector Público, pg 20).

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Entende-se por concentração de competências ou administração concentrada o sistema em que o superior hierárquico mais elevado é o único órgão competente para tomar decisões. Assim, os órgãos subalternos63 limitam-se às tarefas de preparação e execução das decisões daquele superior hierárquico.

Por seu turno, entende-se por desconcentração de competências ou administracão desconcentrada como o sistema em que o poder decisório se reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, sem prejuízo de permanecerem sujeitos à direcção64 e supervisão65 daquele.

Enquanto sistema de organização administrativa, a desconcentração acarreta consigo vantagens e desvantagens.

Vantagens da desconcentração

Existem três vantagens fundamentais da desconcentraçào administrativa:

1o A desconcentração de competências permite aumentar a eficiência e a eficácia dos serviços públicos, dado que através dela se imprimemaior rapidez de resposta às solicitações dirigidas à Administraçào Pública;

2o Viabiliza a especialização de funções, assegurando um conhecimento mais profundo dos assuntos a resolver. Como consequência permite melhorar a qualidade do serviço prestado pela Administração Pública aos cidadãos ou administrados;

3o A desconcentração de competências liberta os superiores hierárquicos da tomada de uma multiplicidade de decisões de menor complexidade. Como consequência, cria-lhes condições para se ocuparem da resolução de questões mais relevantes e mais complexas e, por isso, de maior responsabilidade.

Desvantagens da desconcentração de competências

A administração desconcentrada também apresenta três principais desvantagens:

1o Cria uma multiplicidade de centros decisórios, o que pode inviabilizar uma actuação harmoniosa, coerente e concertada da Administração Pública;

63 Será que existem aqui órgãos sublaternos? Se quem decid tudo é o superior hierárquico?64 Na pgs define-se o poder de direcção como65 Entende-se por supervisão

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2o A especialização que é reflexo da desconcentraçào de competências conduz à redução na prática do âmbito de actividades dos subalternos, provocando, por consequência, a sua desmotivação, dada a rotina que se estabelece no seu quotidiano de traabalho.

3o A atribuição de responsabilidades a subalternos por vezes com pouca preparação ou habilidades para assumi-las pode ser causa da diminuição da qualidade do serviço prestado, com prejuízo dos interesses dos particulares ou da bo administração66.

Relativamente à concentração e desconcentração, importa reter ainda o seguinte:

a) Não existe uma concentração ou desconcentração puras ou absolutas; um sistema de organização administrativa ou é predominantemente concentrado, e, por isso, chama-se concentrado, ou é mais desconcentrado, caso em que se chama sistema de organização administrativa desconcentrado.

b) A delegação de competências é uma espécie de desconcentração de competência.

c) A tendência modernamente predominante nas Administrações públicas é a adopção do sistema de desconcentração de poderes.

2. A centralização e a descentralização

É uma segunda classificação dos sistemas de organização administrativa.

A centralização ou administração descentralizada é o sistema em que todas as atribuições administrativas de um dado país são por lei conferidas ao Estado (Estado-Administração), não existindo quaisquer outras pessoas colectivas públicas incumbidas do exercício da função administrativa.

A administração desecentralizada ou descentralização administrativa é o sistema em que a função administrativa está conferida não apenas ao Estado (Estado-Administração), mas também a outras pessoas colectivas de população e território, nomeadamente autarquias locais.

De reter que a tutela administrativa é uma espécie de limite que a lei estabelece à descentralização administrativa. Trata-se de limite ao exercício dos poderes transferidos.

3. Integração e devolução de poderes

66 A pgs fala-se do princípio da boa administração...

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Integração de poderes enquanto sistema de organização administrativa é o sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo Estado ou pelas pessoas colectivas de população e território são postos por lei a cargo das próprias pessoas colectivas a que pertencem.

Por sua vez, a devolução de poderes é o sistema em que alguns interesses públicos do Estado ou de pessoas colectivas de população e território são postos por lei a cargo de pessoas colectivas de fins singulares.

A devolução de poderes apresenta vantagens, sendo a mais proeminente o facto de permitir responder melhor ao cada vez mais complexo, amplo e diversificado interesse público, mediante o congestinamento da gestão da coisa pública pelo Estado e da desburocratização do processo de satisfação das preocupações dos administrados.

Traços fundamentais do regime jurídico da devolução de poderes

1o A devolução de poderes é sempre feita por lei, não se presume;

2o Os poderes transferidos são exercidos em nome próprio pela pessoa colectiva pública criada para o efeito, mas no interesse da pessoa colectiva que os transferiu e sob a orientação dos respectivos órgãos.

É por isso que as pessoas colectivas públicas que recebem devolução de poderes são entes auxiliares ou instrumentais, ao serviço da pessoa colectiva de fins múltiplos que as criou, e sem prejuízo da utonomi administrativa e, por vezes, financeira de que normalmente dispõe. Não confundir esta autonomia com a auto-administração.

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS SOBRE ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

São cinco os princípios sobre a organização administrativa, designadamente:

a) O princípio da desburocratização;

b) Princípio da aproximação dos serviços às populações;

c) Princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública;

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d) Princípio da descentralização;

e) Princípio da desconcentração.

A. O Princípio da desburocratização

Este princípio significa que a Administração Pública deve ser organizada e deve funcionar em termos de eficiência na forma de prosseguir os interesses públicos de carácter geral e em termos de facilitação da vida dos particulares em tudo quanto a Administração tenha de lhes exigir ou haja de lhes prestar67.

B. O PRINCÍPIO DA APROXIMAÇÃO DOS SERVIÇOS ÀS POPULAÇÕES

Este princípio significa antes de mais que a Administração Pública deve ser estruturada de tal forma que os seus serviços se localizem o mais possível junto das populações que visem servir. E esta aproximação não é apenas geográfica, mas igualmente psicológica e humana, no sentido de que os serviços devem multiplicar os contactos com as populações e ouvir os seus problemas, as suas propostas e as suas queixas.

C. O PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO DOS INTERESSADOS NA GESTÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Significa que os cidadãos não devem intervir na vida da Administração apenas através da eleição dos respectivos órgãos, ficando depois alheios a todo o funcionamento do aparelho e só podendo pronucniar-se de novo quando voltar a haver eleições para a escolha dos dirigentes, antes devem poder participar na tomada de decisões administrativas.

Isto significa que devem ser adoptados esquemas estruturais e funcionais de participaç`ao dos cidadãos no funcionamento da Administração.

a) Do ponto de vista estrutural:

A Administração Pública deve ser organizada de tal forma que nela existam órgãos em que os particulares participem, para poderem

67 Cite-se a este propósito que no diagnóstico so sector público datado de Junho de 2001 referia-se que “ a obtenção da licença para eo exercício de actividade económica exige o cumprimento de 40 passos distintos e a intervenção de 11 órgãos públicos, desde o Ministro da Indústria e Comércio ao corpo de bombeiros e conselhos executivos” (in Estratégia Global da Reforma do Sector Público 2001-2011, pg 12).Aliás, nos termos do mesmo documento, prevê-se como resultado geral da Estratégia Global de Reforma do Sector Público para o ano 2001-2011 que o sector público seja formado por organizações públicas racionalizadas na sua estrutura e desburocratizadas nos seus procedimentos(in Estratégia Global da Reforma do Sector Público 2001-2011, pg 18).

70

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ser consultados acerca das orientações a seguir, ou mesmo para tomar parte nas decisões a adoptar.

b) De um ponto devista funcional

Torna-se necessária a colaboração da Administração com os particulares e a garantia dos vários direitos de participação dos particulares na actividade administrativa.

D. O PRINCÍPIO DA DESCENTRALIZAÇÃO

A nossa lei fundamental optou por um sistema descentralizado, o que significa que ela recusa qualquer política que venha a ser executada num sentido centralizador. Impugnação junto do Tribunal Constitucional.

E. PRINCÍPIO DA DESCONCENTRAÇÃO

Este princípio impõe uma administração Pública gradualmente mais desconcentrada.

LIMITES DOS PRINCÍPIOS

- A unidade de direcção;

- A eficácia da acção administrativa;

- Os poderes de direcção, superintendência e tutela.

21.11. 01PRINCÍPIOS SOBRE O PODER ADMINISTRATIVO

Começaremos por referir três aspectos fundamentais:

- Conceitos fundamentais que antecedem ao estudo do poder administrativo;

- Abordagem do próprio poder administrativo e as suas manifestações

- Princípios sobre poder administrativo propriamente ditos.

Conceitos fundamentais

Desde logo o princípio da separação de poderes. E este princípio apresenta sentido e alcance diferente conforme se trate de o analisar no plano do Direito Constitucional e ou no plano do Direito Administrativo.

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No plano do Direito Constitucional, o princípio da separação de poderes tinha como objectivo retirar ao monarca e aos seus ministros a função legislativa, mantendo no entanto as funções política e administrativa.

A consequência disso foi a efectiva separação entre o poder legislativo e o poder executivo até então exercidos cumulativamente pelo monarca.

No plano do Direito Administrativo, o princípio da separação de poderes teve como objectivo retirar à Administração Pública a função judicial e retirar aos tribunais a função administrativa, na medida em que até então as funções em causa e os respectivos órgãos se confundiam.

Como consequência disto, foi a separação efectiva entre a Administração e a Justiça. Digamos que esta consequência significou o fim do princípio segundo o qual “julgar ainda é administrar”.

A adopção do sistema administrativo de tipo francês ou de administração executiva e a paralela separação entre a Administração e a Justiça, por um lado, e, por outro, a existência do Direito Administrativo moderno existe um nexo de causalidade.

Corolários do princípio da separação de poderes no que respeita à separação entre a Administração e a Justiça

1o A separação dos órgãos administrativos e judiciais, sendo que os órgãos administrativos são vocacionados ao exercício da função administrativa e os órgãos judiciais dedicados ao exercício da função jurisdicional.

Significa, portanto, que à separação das funções corresponde a separação dos órgãos que as exercem.

2o Incompatibilidade das magistraturas, no sentido de que, paralelamente à separação orgânica, as pessoas físicas titulares dos órgãos administrativos não podem simultâneamente serem titulares dos órgãos judiciais e exercerem simulataneamente funções administrativas.

Quer isto dizer que o princípio da acumulação de funções não pode abranger o exercício simultâneo, por uma dada pessoa física singular, de funções administrativas e judiciais.

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3o Independência recíproca da Administração e da Justiça, significando que a Administração Pública é independente da Justiça, e esta é ,por sua vez, independente daquela.

Para reter esta realidade, existem dois princípios diferentes:

a) Princípio da independência da Justiça perante a Administração, no sentido de que a Administração Pública não pode dar ordens aos Tribunais, nem pode decidir questões da competência dos tribunais.

A concretização deste princípio é garantida por um dos dois mecanismos seguintes:

- Sistema de garantias de independência da magistratura;

- A regra segundo o qual todos os actos praticados pela Administração Pública em matéria da competência dos Tribunais Judiciais são actos nulos e, por isso, de nenhum efeito, por estarem viciados de usurpação de poder.

b) Princípio da independência da Administração Pública perante a Justiça, o que significa que o poder judicial, isto é os tribunais, não podem dar ordens à Administração Pública, execpto no caso de habeas corpus.

Igualmente os Tribunais Judiciais não podem conhecer dos litígios em que estejam em causa a actuação da Administração Pública no exercício de uma actividade de gestão pública; o que, a contrario significa que os tribunais judiciais conhecem dos litígios em que esteja em causa a actuação da Administração Pública no exercício da actividade de gestão privada.

O poder administrativo e as suas manifestações

Podemos afirmar que a Administração Pública é um poder que integra os poderes públicos.

Significa isto que a Administração Pública é um poder “ porque define a sua própria conduta de acordo com a lei e dispõe dos meios necessários para impor o respeito dessa conduta e para traçar a conduta alheia naquilo que com ela tenha relação”68.

A expressão poder administrativo cobre tanto o poder executivo do Estado69, como também as entidades ou pessoas colectivas de

68 Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Direito Administrativo, Vol II, pg 14 e 15, citando Marcelo CAETANO.69 Conselho de Ministros, órgão da Administração Central do Estado, órgãos locais do Estado, as Direcções Provinciais, distritais e postos administrativos.

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direito público administrativas não estaduais70, quer a Administração directa e indirecta, quer a Administração Autónoma e Periférica.

Manifestações do poder administrativo

Fundamentalmente, existem quatro manifestações do poder administrativo:

- O poder regulamentar;

- O poder de decisão unilateral;

- O privilégio de execução prévia;

- O regime especial dos contratos administrativos.

O poder regulamentar

Num sistema de administração executiva, a Administração pública tem o poder de fazer regulamentos, o que corresponde ao poder regulamentar segundo uns, ou à faculdade regulamentária segundo outros.

De reter que, num sistema de administração judiciária, a Administração Pública não tem poder regulamentar.

Quando, por vezes, a Administração Pública neste contexto exerce o poder regulamentar, isso acontece apenas na esteira de uma delegação ou de um poder conferido expressamente pelo Parlamento ou Congresso.

Nesses casos, esses regulamentos assim produzidos correspondem à delegated legislation ou competência legislativa delegada.

Os regulamentos no sistema daministrativo de itipo francês são considerados fonte de direito, muito embora isto não seja pacífico. A doutrina dominante é no sentido de considerar os regulamentos como fonte de Direito Administrativo, que na hierarquia das fontes de direito se posiciona abaixo da lei, como uma fonte de dierito autónoma.

Neste caso, a lei se constitui como depositária de normas exequendas e o regulamento é integrado por normas jurídicas de execução.

70 Autarquias locais, por exemplo.

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Com efeito, dado que a Administração Pública é um poder, ainda que tenha de respeitar as leis, ele tem a faculdade de definir previamente em termos genéricos e abstractos o sentido em que vai interpretar e aplicar as leis em vigor através dos regulamentos.

2o O poder de decisão unilateral

Trata-se de um poder unilateral da Administração Pública porque esta pode exercê-lo por sua exclusiva autoridade, independentemente de obter acordo prévio ou posterior do interessado ou do visado.

Através do poder de decisão unilateral a Administração Pública resolve casos concretos, traçando a sua conduta ou a conduta alheia, isto é, de terceiros, independentemente do recurso aos Tribunais.

Significa, portanto, que a Administração Pública tem por lei o poder de definir unilateralmente o direito aplicável a cada caso concreto, definição essa que é obrigatória para os administrados......

Por vezes a lei faculta ao particular a possibilidade de apresentar reclamações e ou recursos graciosos, por exemplo, recursos hierárquicos. Igualmente, nestes casos, tanto as reclamações como os recursos só aparecem depois de a Administração Pública ter tomado uma decisão unilateral, da qual se reclama ou se recorre.

O respectivo julgamento é feito pela Administração Pública através de uma decisão unilateral. A lei pode ainda permitir que os interessados recorram das decisões unilaterais da Administração Pública para os Tribunais71 a fim de obter a anulação dessas decisões se forem ilegais.

Também este recurso contencioso só aparece depois de tomada a decisão unilateral pela Administração Pública. De sublinhar que cabe ao particular recorrer ao Tribunal e não à Administração Pública ir ao Tribunal para legitimar a sua decisão.

Finalmente, retenha-se que ao poder de decisão unilateral da Administração Pública também se chama auto-tutela declarativa.

3o Privilégio de execução prévia

Acrescente-se apenas que, face a uma decisão tomada pela Administração Pública na esteira do privilégio de excução prévia, os particulares têm o direito de dela recorrer aos tribunais, para impugná-la visando a respectiva anulação.

71 Trata-se de recurso contencioso que é...

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A este propósito é importante reter que este recurso aos Tribunais72

não tem efeito suspensivo. Quer isto dizer que, enquanto decorre o respectivo processo contencioso, o particular tem de cumprir obrigatória e coactivamente o acto recorrido.

Entretanto, a lei permite que o particular formule um pedido de suspensão da execução da decisão unilateral sempre que entenda que daí possam advir danos irreparáveis ou de difícil reparação; pedido esse que poderá ser atendido,salvo se corresponder a uma actuação dilatória do particular ou se a sua procedência poder implicar graves prejuízos para o interesse público.

Em síntese, a Administração Pública tem um duplo privilégio. Por um lado, o privilégio de definir unilateralmente o direito aplicável no caso concreto, sem necessidade de uma declaração judicial(fase declaratória), por outro lado tem o privilégio de executar o direito por si definido por via administrativa, sem qualquer intervenção dos Tribunais (fase executória).

O privilégio de execução prévia finalmente corresponde à máxima segundo a qual paga primeiro e protesta depois ou ainda submeta-te e apresente a conta.

4o Regime especial dos contratos administrativos

A par do poder de decisão unilateral a Administração Pública também age por via contratual. Trata-se do contrato administrativo que é um acordo de vontades em que a Administração Pública fica sujeita a um regime jurídico especial, diferente do que existe no Direito Civil.

Esta diferença poderia ser vista em dois sentidos, designadamente para mais e para menos, nos termos em que a seguir se expende:

- A diferença é para mais quando a Administração Pública dispõe de prerrogativas ou privilégios de autoridade de que as partes nos contratos civis não dispõem, sendo isso um afloramento do poder administrativo no âmbito da figura do contrato;

- A diferença é para menos porque a Administração Pública fica sujeita a restrições e a deveres especiais, regra geral inexistentes nos contratos civis.

Corolários do poder administrativo

São quatro os corolários do poder administrativo:

1o Independência da Administração Pública perante a Justiça

72 Recurso Contencioso.

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Para garantir esta independência da Administração Pública perante a Justiça, consagram-se os seguintes mecanismos jurídicos:

a) Os Tribunais comuns são incompetentes para se pronunciarem sobre questões administrativas;

b) Caso, por erro, esteja a decorrer uma questão administrativa num Tribunal comum (judicial), o regime dos conflitos de jurisdição permite retirá-lo para o tribunal competente, isto é Tribunal Administrativo;

c) Existe um privilégio conferido às autoridades administrativas, que consiste em não poderem ser demandadas criminalmente nos tribunais judiciais, sem prévia autorização do governo. Trata-se de uma figura típica do sistema de administração executiva, denominada garantia administrativa.

2o Existência dos Tribunais Administrativos, constituindo o chamado foro administrativo.

Sabido embora que os Tribunais Administrativos são independentes, não há dúvida de que correspondem a uma das características fundamentais que resultam da concepção da Administração Pública como poder.

3o Existência do Tribunal de Conflitos.

Embora ainda não exista entre nós, existe normalmente nos países que adoptaram o sistema de administração executiva e não existe naqueles países que adoptaram o sistema de administração judiciária.

Trata-se de um Tribunal superior, de funcionamento intermitente, isto é, funciona apenas quando existe um conflito para dirimir, que tem uma composição mista, normalmente paritária, de juízes dos Tribunais Judiciais e de Juízes dos Tribunais Administrativos, que se destina a decidir em última instância os conflitos de jurisdição que surjam entre as autridades administartivas e o poder judicial.

Constitui em síntese um tribunal arbitral para julgar conflitos de jurisdição entre o Tribunal Administrativo e o Tribunal Judicial.

-

18.11.01Dr. Machatine

PRINCÍPIOS SOBRE O PODER ADMINISTRATIVO

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Os princípios sobre o poder administrativo encontram-se normalmente consagrados – de forma expressa ou implícita - nas constituições dos países que optaram pelo sistema de administração executiva, como é o caso, por exemplo, de Portugal em que constam expressamente da respectiva Constituição, e de Moçambique, onde parte daqueles princípios encontram-se consagrados apenas de forma implícita.

Os mais importantes entre outros são os seguintes:

- O da prossecução do interesse público73;

- O da legalidade;

- O do respeito pelos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares;

- O poder discricionário da Administração Pública74;

- O da justiça, da imparcialidade, da igualdade e da proporcionalidade;

- O uso e o abuso do poder, o desvio de finalidade e o silêncio da Administração Pública;

- Os da boa fé e da protecção da confiança.

1. O princípio da prossecução do interesse público

A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Importa por ora referir as espécies de interesse público:

- Interesse público primário – cuja definição e satisfação compete aos órgãos governativos do Estado, no desempenho das funções política e legislativa;

- Interesse público secundário – cuja definição é feita pelo legislador, mas cuja satisfação cabe à Administração Pública no desemepnho da função administrativa, como é o caso, por exemplo, da saúde pública, da educação, da cultura, dos transportes públicos.

73 O interesse público é o fundamento da existência da Administração Pública, o fim único da actividade administrativa.74 Que é um poder legal e não arbitrário, que deve ser exercido com justiça e com imparcialidade; em termso gerais, significa a faculdade que se reserva à Administração Pública de escolher entre várias soluções legalmente possíveis aquela que for mais adequada, isto é mais oportuna e ou mais conveniente, no quadro do dever de boa administração.

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Consequências do princípio da prossecução do interesse público

1a Apenas a lei é que pode definir os interesses públicos (secundários) prosseguidos pela Administração Pública, isto é, não é à própria Administração Pública que cabe definí-los.

2a Compete à Administração Pública interpretar o interesse público em todos aqueles casos em que a lei não o define de forma completa e exaustiva, dentro dos limites em que a lei o tenha definido75.

Significa, portanto, que à Administração Pública não cabe em princípio fazer interpretação praeter legem, e muito menos contralegem;

3a A noção de interesse público é variável, significando que o que foi ontem interesse público pode não sê-lo hoje, o que hoje é considerado interesse público pode não sê-lo amanhã, e o que hoje é tido por inconveniente pode amanhã ser considerado vantajoso76.

Conclui-se pois que não pode definir-se o interesse público de forma rígida e inflexível.

4a Uma vez definido o interesse público, a sua prossecução pela Administração é obrigatória;

5a O interesse público delimita a capacidade jurídica das pessoas colectivas públicas e a competência dos respectivos órgãos77.

6a Somente o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo ou de qualquer decisão da Administração Pública. Caso contrário, haverá desvio de poder, ou seja o acto praticado estará viciado por desvio de poder e, consequentemente, será um acto ilegal que, por isso, é passível de anulação contenciosa.

7a A prossecução de interesses privados invés do interesse público, por parte de qualquer órgão ou agente administrativo no exercício

75 Embora numa perspectiva de administração privada Idalberto Chiavenato, exprime esta ideia referindo que “ a tarefa da Administração é interpretar os objectivos propostos pela empresa e transformá-los em acção em empresarial por meio de planejamento, organização, direcção e controle de todos os esforços realizados em todas as áreas e em todos os níveis da empresa,a fim de atingir tais objectivos.” (Cf. CHIAVENATO, Idalberto, Administração, Teoria, Processo e Prática, S. Paulo: Makron Books, 3aEdição, 2000, pg 3.)76 Na verdade, é esta circunstância, a variabilidade do interesse público que faz com que as decisões da Administração, os chamados actos administrativos, tenham como uma das suas características a variabilidade.77 Isto constitui uma manifestação do princípio da especiliadade aplicado às pessoas colectivas públicas.

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das suas funções constitui corrupção, acarretando consequentemente todo um conjunto de sanções, quer administrativas, quer penais, para quem assim proceder.

8a A obrigação de prosseguir o interesse público exige da Administração Pública que adopte em relação a cada caso concreto as melhores soluções possíveis do ponto de vista administrativo (técnico e financeiro); trata-se do dever de boa administração.

O dever de boa administração

A prosecução do interesse público como um dos princípios sobre o poder administrativo implica a existência de um dever de boa administração. Efectivamente, a satisfação do interesse público no quadro da lei e dentro da margem de manobra que lea deixar à liberdade de opção da Administração Pública pode ser alcançada de várias maneiras; significa que existem diversas soluções possíveis para cada problema administrativo, do ponto de vista técnico e financeiro.

O dever de boa administração pode ser um dever jurídico perfeito ou imperfeito. É imperfeito quando a sua inobservância não é passível de sanção jurisdicional. Quando assim acontece, os tribunais só podem pronunciar-se sobre a legalidade das decisões administrativas, e não acerca do seu mérito.

2. O princípio da legalidade

Na prossecução do interesse público como razão e finalidade da existência da Administração Pública, esta tem que observar e obedecer a lei, além de outros princípios e regras. Significa isto dizer que a Administração Pública não pode prosseguir o interesse público de qualquer maneira, emuito menos de forma arbitrária. Assim define-se o princípio da legalidade como sendo aquele segundo o qual “ os órgãos e agentes da Administração só podem agir no exercício das suas funções com fundamento na lei e dentro dos limites por ela impostos”78.

Assim entendido, a lei não é só o limite, como também é o fundamento da actividade administrativa no sentido de que não há um poder livre da Administração Pública que lhe permita fazer o que bem entender, excepto o que a lei lho proibir79.

A regra geral, pelo contrário, que vigora é a de que a Administração Pública só pode fazer aquilo que a lei lhe permite fazer, ou seja, no âmbito da actividade administrativa, aregra geral não é o princípio da liberdade, é o princípio da competência.

78 Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Vol II, Pg 44.79 Assim se entendia na...

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De facto, de acordo com o princípio da liberdade, pode fazer-se tudo aquilo que a lei não proíbe, considera-se permitido tudo o que não estiver proibido.

Conforme o princípio da competência, pode fazer-se apenas aquilo que a lei permite, o que não for permitido considera-se proibido.

Conteúdo, objecto, modalidades e efeitos do princípio da legalidade

a) Conteúdo do princípio da legalidade

No quadro do Estado Social de Direito, isto é dos regimes democráticos actualmente consagrados na maioria dos Estados, como é o caso de Moçambique, o conteúdo do princípio da legalidade abrange:

- O respeito da lei em sentido formal ou em sentido material;

- A subordinação da Administração Pública às leis no seu conjunto, isto é subordinação da Administração Pública à Constituição, às leis ordinárias, aos regulamentos, aos direitos resultantes de contratos administrativos ou de actos administrativos unilaterais constitutivos de direitos, princípios gerais de direito, incluindo o Direito Internacional Público vigente na ordem interna.

A violação de qualquer das categorias de leis ou normas jurídicas e actos administrativos referidos constitutivos de direitos significa violação da legalidade e constitui, por isso, ilegalidade.

b) Objecto da legalidade

São os tipos de comportamento da Administração Pública, designadamente o regulamento, o acto administrativo, o contrato administrativo e os simples factos jurídicos.Em qualquer destas formas de acção administrativa, a Administração Pública deve respeitar a legalidade, sob pena de, violando a legalidade, por qualquer daqueles tipos de actuação, gerar ilegalidades, com todas as consequências jurídicas daí resultantes. Por exemplo, pode gerar invalidade ou ilicitude da actuação da Administração Pública, e pode produzir ainda a responsabilidade civil da Administração Pública.

c) Modalidades do princípio da legalidade

São duas as modalidades do princípio da legalidade:

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- A preferência de lei , que consiste em que nenhum acto de categoria inferior à lei pode contrariariá-la, sob pena de ilegalidade80;

- A reserva de lei, que consiste em que nenhum acto de categoria inferior à lei pode ser praticado sem fundamento na lei81.

d)

3.

12.12.01Dr. Machatine

O poder discricionárioComo vimos atrás, a Administração Pública subordina-se a lei, que constitui o seu fundamento, critério e limite. Entretanto, algumas vezes a lei regula a actividade administrativa de forma precisa – isto é regula todos os aspectos da acção administrativa - e outras vezes de forma imprecisa, de maneira tal que deixa uma grande margem de liberdade de decisão aos órgãos administrativos.

No primeiro caso, afirma-se que a lei vincula totalmente a Administração. E no segundo caso fala-se em discricionaridade..

Segundo Freitas do Amaral, citando Marcelo Caetano, “ o poder é vinculado na medida em que o seu exercício está regulado por lei; o poder será discricionário quando o seu exercício for entregue ao critério do respectivo titular, deixando-lhe liberdade de escolha do procedimento a adoptar em cada caso como o mais ajustado à realização do interesse público protegido pela mesma norma que o conferiu.”

Trata-se do conceito do poder discricionário na perspectiva dos poderes.

Conforme a perspectiva dos actos da Administração Pública, os actos são vinculados quando praticados pela Administração Pública no exercício de poderes vinculados, e são discricionários quando praticados no exercício de poderes discricionários.

Importa ter presente os seguintes aspectos decorrentes desta definição:

- Não existem actos administrativos totalmente vinculados, nem actos administrativos totalmente discricionários;

80 Visto que a lei é o limite da actuação administrativa.81 Visto que a lei é o fundamento da actuação administrativa.

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- Os actos administrativos são quase sempre o resultado da mistura ou combinação em doses variadas entre o exercício de poderes vinculados e o exercício de poderes discricionários.

Significa que quase todos os actos administrativos são simultaneamente vinculados em certos aspectos e discricionários em relação a outros aspectos.

Há, entretanto, dois aspectos que são sempre definidos por lei para o exercício do poder discricionário:

- A competência para exercê-lo;

- O fim para que se usa o poder discricionário, para o qual a discricionaridade é conferida.

Neste sentido, quando se fala em actos vinculados está-se a pensar nos actos predominantemente vinculados; e quando se fala em actos discricionários está-se a pensar em actos predominantemente discricionários.

Fundamento e significado do poder discricionário

O poder discricionário tem como fundamento a constatação de que seria impossível ou até inconveniente a lei pretender regular minuciosamente todos os casos da vida82. Daí que tenha de deixar à liberdade da Administração Pública, confiando que os órgãos competentes terão os conhecimentos técnicos e a honestidade necessários para escolher, em cada caso, a melhor solução para o interesse público.

Quanto ao seu significado, o poder discricionário é uma das formas possíveis de estabelecer a subordinação da Administração à lei.

Natureza jurídica do poder discricionário

Existem três principais opiniões acerca da natureza jurídica do poer discricionário, designadamente:

- A tese da discricionaridade como liberdade da Administração na interpretação de conceitos vagos e indeterminados usados pela lei83;

82 Como escreve Diogo Freitas do Amaral, a pg 117 do seu Volume II, “ o próprio legislador reconhece que que não lhe é possível prever antecipadamente todas as circunstâncias em que a Administração vai ter de actuar, nem lhe é possível consequentemente dispor acerca das melhores soluções para prosseguir o interesse público.”83 Freitas do Amaral rejeita esta tese dizendo que “... a tarefa de determinar o sentido e o alcance desses conceitos vagos não é uma tarefa na qual a Administração disponha de um

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- A tese da discricionaridade como vinculação da Administração a normas extra-jurídicas, nomeadamente regras técnicas para que a lei remete;

- A tese da discricionaridade como liberdade de decisão da Administração no qadro das limitações fixadas por lei.

Por nós, a tese mais consentânea com os dados do exercício do poder discricionário é a terceira tese. Com efeito, a discricionaridade é uma liberdade de decisão que a lei confere à Administração, a fim de que esta, dentro dos limites legalmente estabelecidos, escolha de entre as várias soluções possíveis aquela que lhe parecer mais adequada ao interesse público.

Âmbito da discricionaridade

Importa antes sublinhar que a competência e o fim são sempre aspectos vinculados. Entretanto passamos a mencionar uma lista de elementos que podem ser discricionários, sem prejuízo de a lei algumas vezes poder considerá-los aspectos vinculados:

- O momento da prática do acto;

- A decisão de praticar ou não um certo acto administrativo;

- A decisão sobre a existência ou inexistência dos pressupostos de facto para o exercício da competência;

- A decisão sobre a forma adoptar para o acto administrativo;

- As formalidades a observar na preparação ou na prática do acto administrativo;

- A fundamentação ou não da decisão;

- A concessão ou recusa daquilo que o particular requer à Administração;

- A possibilidade de determinar o conteúdo concreto da decisão;

- Finalmente, a liberdade ou não de apor no acto administrativo condições, termos, encargos e outras cláusulas acessórias.

poder discricionário; pelo contrário, é uma tarefa em que a Administração está vinculada”. E continua o mesmo autor “... a interpretação e aplicação da lei é uma actividade vinculada, não é uma actividade discricionária. Porquê? Porque a Administração não pode escolher a interpretação que mlehor entender: só há uma interpretação correcta da lei.” E vai mais longe o autor, afirmando que “ a interpretação consiste em determinar o sentido da lei, a vontade da lei; ou noutra formulação, a vontade do legislador. Ora a discricionaridade não consiste em tentar descobrir a vontade da lei, mas sim em faxer valer a vontade da Administração.

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Limites ao poder discricionário

O poder discricionário da Administração pode ser limitado juridicamente por duas formas distintas:

- Através do estabelecimento de limites legais – que são os limites que resultem da própria lei;

- Através da chamada autovinculação – que ocorre quando, no âmbito da discricionaridade conferida por lei, e na base de uma previsão do que poderá acontecer ou de uma experiência sedimentada ao longo de vários anos de exercíco daqueles poderes, a Administração elabora normas genéricas em que enuncia os critérios a que ela própria obedecerá na apreciação daquele tipo de casos.

Importa, entretanto, chamar a atenção para o facto de a possibilidade de autovinculação da Administração Pública não ser ilimitada. De facto, pode haver casos em que a lei queira que a Administração exerça efectivamente caso a cso o seu poder de apreciação das circunstâncias concretas.

Controle do exercício do poder discricionário

- O uso de poderes vinculados que tenham sido exercidos contra a lei é objecro dos controles de legalidade – que são aqueles que visam determinar se a Administração respeitou a lei ou a violou;

- O uso de poderes discricionários que tenham sido exercidos de modo inconveniente é objecto dos controles de mérito – que são aqueles que visam avaliar o bem fundado das decisões da Administração, independentemente da sua legalidade.

Quando os poderes utilizados sejam em parte vinculados e em parte discricionários, o seu exercício ilegal é susceptível de controle de legalidade, e o seu mau uso ou inconveniente é susceptível de controle de mérito.

- A conformidade dos aspectos vinculados do acto com a lei – isto é a legalidade do acto administrativo - pode ser sempre controlada pelos tribunais administrativos (controle jurisdicional), e poderá sê-lo eventualmente pelos órgãos da Administração (controle administrativo);

- A conformidade dos aspectos discricionários do acto com a conveniência do interesse público – isto é o mério do acto administrativo – só pode ser controlado pela Administração e nunca pelos tribunais.

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Decorre daqui que em rigor o exercício do poder discricionário propriamente dito é insusceptível de controle jurisdicional, pois este só pode ser um controle de legalidade.(citar a experiência da Itália, por um lado,e da Grã-Bretanha e Estados Unidos).

O princípio da justiça administrativa

4. Princípio da justiça administrativa

O princípio da justiça administrativa significa que a Administração Pública deve harmonizar o interesse público específico que lhe cabe prosseguir com os direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares eventualmente afectados. Trata-se do sentido objectivo e universal de justiça, que não do seu sentido subjectivo.

O princípio da justiça apresenta três corolários:

1o Princípio da justiça stricto sensu, segundo o qual todo o acto administrativo praticado em manifesta injustiça84 é contrário à Constituição, e, portanto é ilegal, podendo ser anulado em recurso contencioso pelo Tribunal Administrativo.

2o Princípio da igualdade, que consiste na necessidade de tratar igualmente situações iguais e desigualmente situações desiguais, sob pena de prática de actos ilegais. Em sentido amplo, a violação deste princípio equivale à violação do princípio da justiça.

3o Princípio da proporcionalidade, que proíbe o sacrifício excessivo dos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares e exige que as medidas restritivas devam ser proporcionais ao mal que pretendam evitar, sob pena de constituirem-se em execesso de poder e, por isso, contrárias ao princípio da justiça e consequentemente ilegais.

5. Garantias da imparcialidade da Administração Pública ou simplesmente

princípio da imparcialidade

O significado deste princípio é o de que a Administração Pública deve comportar-se sempre com isenção e numa atitude de equidistância perante todos os particulares que com ela entrem em relação, não privilegiando ninguém nem discriminando contra ninguém85. Ou seja, a Administração Pública não pode conferir

84 Segundo Freitas do Amaral, “ compreendem-se no âmbito de manifesta injustiça, para este efeito, não só os casos em que a Administração impuser ao particular um sacrifício de direitos infundado ou desnecessário, mas também aqueles em que aquela usar para com este de dolo ou má fé”.85 Por exemplo, constitui afloramento desta ideia o disposto no no1 do artigo 7 da Lei no5/2002, de 5 de Fevereiro, segundo o qual “os trabalhadores não devem ser discriminados

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privilégios, é apenas a lei que o pode fazer. Significa ainda que a Administração Pública não pode impor discriminações, somente a lei o pode fazer.

Existem três corolários do princípio da imparcialidade:

1o Proibição de favoritismos ou perseguições relativamente aos particulares, sejam quais forem os motivos invocados, designadamente político, partidários ou sindicais86.

2o Proibição de os órgãos da Administração tomarem decisões sobre assuntos em que estejam pessoalmente interessados, por razões de carácter familiar, económico, político e outras.

3o Proibição de os órgãos da Administração Pública tomarem parte ou interesse em contratos celebrados com a Administração ou por eles aprovados ou autorizados.

O uso e o abuso do poder; o desvio de finalidade e o silêncio da Administração Pública, o princípio da boa fé e o da protecção de confiança

Uso e abuso do poder

O uso do poder é uma prerrogativa da autoridade que deve ser usada em conformidade com as normas jurídicas, a moral da instituição, a finalidade da decisão da Administração Pública e com as exigências do interesse público. Significa que o poder é confiado aos órgãos e agentes administrativos para ser usado em benefício do bem comum, isto é da colectividade administrada ou dos administrados. Pelo que deve ser usado nos justos limites que o bem-estar social exigir. Nestes termos, o uso do poder é legal e lícito.

Abuso do poder ocorre quando a autoridade, embora competente para a prática de determinado acto administrativo, ultrapassa os limites da sua competência ou se desvia das finalidades administrativas. O abuso do poder significa, portanto, empregá-lo fora da lei, sem utilidade pública, correspondendo assim à utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, a violência contra o administrado, comportamentos que não são tutelados pelo Direito, e tornam nulos ou inválidos os actos administrativos que os encerram.

nos seus direitos de trabalho, formação, promoção e progresso na carreira por serem portadores de HIV/SIDA.”86 Cremos que podemos entender a esta luz o espírito da Lei no5/2002, de 5 de Fevereiro, que estabelece os princípios gerais visando garantir que todos os trabalhadores e candidatos a emprego não sejam discriminados nos locais de trabalho ou quando se candidatam a emprego por serem suspeitos ou portadores do HIV/SIDA.

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Espécies de abuso do poder

Existem duas espécies de abuso de poder, designadamente pode ser flagrante ou explícito, e, por outro, disfarçado.

Em qualquer dos casos, porém, consubstancia o desvio de poder ou de finalidade. Com efeito, o poder administrativo foi conferido à Administração Pública para a realização de determinado fim, por determinados motivos e por certos meios. Assim, toda a acção que se afastar desta conduta contrariando ou contornando a lei padece do vício do desvio de poder e ou de finalidade.

Conhecem-se duas formas de abuso de poder:

- O abuso comissivo, quando resulta da actuação da Administração Pública;

- O abuso omissivo, quando resulta da inércia da Administração Pública, isto é da omissão da Administração.

As duas formas têm de comum o facto de serem capazes de contrariar a lei e provocar ou causar lesões aos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares.

Modalidades do abuso do poder

a) Excesso de poder, que ocorre quando a autoridade administrativa ainda que competente para praticar o acto administrativo vai além do permitido e se exorbita no uso das suas faculdades administrativas. Significa que excede a sua competência legal, o que redunda na invalidade do acto administrativo praticado nesse contexto; de facto ninguém pode agir em nome da Administração Pública fora do que a lei lhe permite.

O excesso do poder torna o acto administrativo arbitrário, ilícito e nulo, retira a legitimidade da conduta dos órgãos e agentes administrativos, colocando-os na ilegalidade e, vezes sem conta, no crime de abuso de autoridade.

b) Desvio de finalidade ou desvio de poder, que se verifica quando ou sempre que a autoridade administrativa, ainda que actuando nos limites da sua competência pratica o acto administrativo por motivos ou com fins diversos dos previstos na lei ou exigidos pelo interesse público. Trata-se em última análise da violação moral da lei, prosseguindo a Administração Pública fins não queridos pelo legislador ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um acto administrativo aparentemente legal. É o caso, por exemplo, de uma expropriação formalmente

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por interesse público, mas que na realidade, visa satisfazer interesse pessoal próprio do titular do órgão ou d agente administrativo. Por outro, visa favorecer terceiros.

Também acontece, por exemplo, quando se classifica um concorrente por favoritismo.

Assim entendido, o desvio de finalidade inquina os actos administrativos nesse contexto praticados de nulos. É uma das causas, portanto, da nulidade dos actos administrativos.

c) O silêncio da Administração Pública – como já é sabido, o silêncio da Administração Pública pode significar a aprovação ou a rejeição da pretensão do particular ou do administrado, conforme o que a lei pertinente dispuser a esse respeito.

O silêncio não corresponde a acto administrativo, trata-se de uma conduta omissiva da Administração que, quando ofende direito individual do administrado ou de funcionários públicos, sujeita-se à correcção judicial e à reparação decorrente de sua inércia. Na medida em que retarda o acto administrativo ou os factos que deve praticar, a inércia da Administração Pública constitui abuso do poder, que carece de correcção judicial e de indemnização ao prejudicado.

Os princípios da boa fé e da protecção da confiança

O princípio da boa fé (objectiva), que tem a ver com a valoração de conduta administrativa, de acordo com os valores ou parâmetros básicos do ordenamento jurídico.

Nos valores referidos, incluem-se os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade. De reter que a boa fé não se confunde com esses princípios, ainda que envolva a sua atendibilidade. A boa fé é predominantemente aplicável em matéria contratual englobando a culpa na formação do contrato por violação de deveres de informação e de cooperação, a integração de lacunas contratuais, o abuso do direito e a modificação dos contratos por alteração das circunstâncias.

A violação do princípio da boa fé gera como consequência a responsabilidade civil da Administração perante os particulares.

Princípio da protecção da confiança

À nascença, este princípio consubstanciava uma ramificação ou corolário do princípio de boa fé. Ao longo de sua evolução tem vindo a ganhar autonomia.

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No essencial, o princípio em referência visa salvaguardar na sua aplicação à actividade administrativa todas as situações em que ocorram os seguintes pressupostos:1o Uma actuação da Administração Pública, criando a confiança, quer na durabilidade da sua eficácia, quer na possibilidade prática de outro acto administrativo;2o Uma situação de confiança justificada do destinatário da actuação de outrem no desiderato último dessa actuação ;3o A efectivação de um investimento de confiança ou seja o desenvolvimento de actos ou omissões na base da situação de confiança;4o O nexo de causalidade entre a actuação geradora de confiança e a situação de confiança, por um lado5o Por outro lado, o nexo de causalidade entre a situação de confiança e o investimento de confiança.

Este princípio assume particular relevância na proibição da retroactividade de algumas leis administrativas, dos regulamentos administrativos em geral, na irrevogabilidade dos actos administrativos constitutivos de direitos dos particulares, salvo com fundamento na legalidade e no prazo da impugnação contenciosa, na ampliação da responsabilidade civil pré-contratual da Administração Pública, para além da ocorrência de culpa na formação do contrato. Sempre que haja legítima confiança do virtual có-contraente, isto é da outra parte no contrato.

17.01

O PROCESSAMENTO E OS MEIOS DA ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA- O Procedimento Administrativo- A Marcha do Procedimento Administrativo Comum

Decisório Para a Prática de Um Acto Administrativo

Anteriormente vimos que a actividade administrativa é realizada pela Administração Pública visando a prossecução do interesse comum. E essa actividade administrativa constitui um conjunto de actos, um fluxo de actos que, por seu turno, integram o procedimento administrativo.

Este procedimento administrativo corporiza o processo administrativo. Noutras palavras, a actividade administrativa é um fluxo de actos que integram o procedimento administrativo. São esses actos que, consubstanciados em documentos, corporizam o processo administrativo.

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Assim, torna-se necessário conceptualizar essas duas realidades, designadamente:

- O procedimento administrativo;- O processo administrativo.

Procedimento Administrativo é a sucessão ordenada de actos ou ritos e formalidades que visam assegurar a correcta formação ou execução da decisão administrativa, e a defesa dos direitos e interesses legítimos dos particulares87.

A ordem jurídica moçambicana traz-nos na essência esta definição, com o mesmo conteúdo, na alínea h) do artigo 1 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública88, aprovadas pelo Decreto no30/2001, de 15 de Outubro. Importa reter que se trata de uma definição bastante genérica e pouco precisa, porquanto não reflecte a questão dos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares. Entende-se no entanto que esta dimensão não é afastada; daí não haver contradição entre as duas formulações.

Por seu turno, entende-se por processo administrativo o conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento administrativo89.

Na ordem jurídica moçambicana, a definição de processo administrativo consta da alínea i) do artigo 1 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública90, aprovadas pelo Decreto no30/2001, de 15 de Outubro.

Espécies e classificações de procedimentos administrativos

1. Procedimentos de iniciativa pública e procedimentos de iniciativa particular a) São de iniciativa pública os que são susceptíveis de início

oficioso.

b) São de iniciativa particular aqueles cujo início depende de requerimento do interessado.

2. Procedimentos decisórios e procedimentos executivos

87 Cf. CAUPERS, João, Direito Administrativo, Pg 143, e artigo 1 do Código de Processo Administrativo Português88 Procedimento administrativo: sucessão de actos e formalidades ordenadas com vista à formação, expressão e realização da vontade da Administração Pública.89 Esta definição é a que consta do no2 do artigo 1 do Código do Processo Administrativo.90 Procedimento administrativo: sucessão de actos e formalidades ordenadas com vista à formação, expressão e realização da vontade da Administração Pública.

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a) Os decisórios têm em vista a tomada de uma decisão administrativa;

b) Os executivos são aqueles cuja finalidade é assegurar a pojecção dos efeitos de uma decisão administrativa.

3. Procedimentos de 1o grau e procedimentos de 2o grau

a) São de 1o grau aqueles que incidem pela primeira vez sobre uma situação da vida, ou por outras palavras, aqueles que constituem a preparação de uma primeira decisão sobre uma situação concreta da vida;

b) São de 2o grau aqueles que incidem sobre uma decisão administrativa já anteriormente tomada. Ou por outras palavras aqueles que constituem actos preparatórios para a tomada de uma decisão sobre uma outra decisão anteriormente tomada.

4. Procedimentos comuns e procedimentos especiais

a) É comum aquele procedimento que não é regulado por legislação especial, mas por uma lei quadro. Por outras palavras, é comum aquele procedimento que é regulado por uma lei quadro, e não por uma lei especial;

b) São especiais aqueles procedimentos que são regulados por leis especiais.

A marcha do procedimento comum decisório para a prática de um acto administrativo

Esta marcha integra quatro fases. Assim:

1a Fase: Arranque do procedimento

A abordagem desta fase leva-nos a subdividí-la em duas vertentes distintas:

- No caso de procedimento administrativo de iniciativa pública, o respectivo início pode dever-se a uma de duas circunstâncias; designadamente ou a impulso processual autónomo, o que sucede sempre que o órgão com competência para decidir é aquele que inicia o procedimento; ou pode, por outro lado, dever-se a um impulso processual heterónomo, o que sucede sempre que o órgão que inicia o procedimento careça de competência para a decisão final.

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Anote-se que em ambos casos existe um dever a cumprir, qual seja o de comunicar aos interessados do início do procediemento.

- A segunda vertente compreende o caso em que o arranque do procedimento deve-se à iniciativa particular. Nestes casos, os procedimentos administrativos iniciam-se a requerimento dos interessados91, requerimento esse que normalmente deve ser apresentado por escrito, salvo os casos em que a lei permite a sua formulação oral.

Sobre o requerimento pode recair um despacho inicial do serviço, despacho esse que consiste no respectivo indeferimento liminar, que é uma decisão sobre um certo pedido, expressa num requerimento, sem mais formalidades essenciais, negando o pedido92; por outro lado, pode recair uma decisão que consista no aperfeiçoamento que visa suprir oficiosamente deficiências constatadas no requerimento, caso tal seja possível, ou mediante convite ao requerente no caso contrário93.

Esta fase de arranque do procedimento administrativo termina com o saneamento do procedimento, que consiste na verificação de que não existem quaisquer problemas que impeçam o andamento do procedimento administrativo ou a tomada de decisão final.

De facto, obstam ao andamento do procedimento adminsitrativo ou à tomada de decisão final os seguintes problemas94:

- A incompetência do órgão administrativo;- A ilegitimidade do requerente;- A extemporaneidade do pedido;- Ter o órgão competente praticado num dado momento anterior95

um acto administrativo sobre o mesmo pedido, formulado pelo mesmo particular e com os mesmos fundamentos96.

- E outras.

2a Fase: Instrução

Normalmente, a direcção desta fase do procedimento cabe em primeiro lugar ao órgão competente para a decisão final. O órgão em referência pode, no entanto, ou delegar essa competência num

91 Por exemplo, requerimento para exercer comércio através de Alvará.92 Cf. alínea d) do artigo 1 das Normas de Funcionamento dos serviços da Administração Pública, aprovadas pelo Decreto no30/2001, de 15 de Outubro.93 Cf. nos 1 e 2 do artigo 76 do Código de Procedimento Administrativo Português.94 Caso ocorra alguma dessas circunstâncias, o requerimento poderá ser liminarmente arquivado, terminando assim o procedimento.95 Em Portugal fixa-se para o efeito um período de dois anos.96 Entende-se que neste caso não o dever de decidir.

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subordinado seu que passa a dirigir a instrução ou encarregra um subordinado seu da realização de diligência instrutórias avulsas.

Em termos de caracterização, esta fase tem por objecto a recolha e tratamento dos dados indispensáveis à decisão. Nela assumem particular relevância três princípios, designadamente:

- O da legalidade, segundo o qual todas as diligências a promover devem conformar-se com a lei;

- O do inquisitório – o qual confere ampla liberdade ao órgão instrutor do procedimento, mesmo nos procedimentos de iniciativa particular;

- O da liberdade de recolha e apreciação dos meios probatórios.

Para além destes princípios, há que ter igualmente em consideração três regras principais em matéria de prova, posto que a instrução se confunde grandemente com a recolha e tratamento da prova. São as seguintes regras:

a) O dever geral de averiguação;b) A dispensabilidade da prova de factos notórios e outros do

conhecimento do instrutor;c) A regra segundo a qual o ônus da prova recai sobre quem alegar

os factos a provar.

Espécies de diligências instrutórias

Há quatro espécies de diligências instrutórias:

1a exames, vistorias, avaliação, inspecção e peritagem, que têm de comum a circunstância de exigirem conhecimentos especializados, e, por consequência terem de ser realizados por especialistas, os peritos;

2a Pedido de parecer, entendido como opinião técnica solicitada a especialistas em determinadas áreas do saber ou a órgãos colegiais consultivos. Os pareceres podem ser obrigatórios, quando a lei exige que sejam pedidos, e facultativos no caso contrário, isto é quando a decisão de os pedir for livremente tomada pelo órgão instrutor; podem também ser vinculativos , sempre que as suas conclusões tenham de ser acatadas pelo órgão decisor , e não vinculativos no caso inverso.

Aspecto comum a estas espécies de pareceres é o facto de que são sempre fundamentados e devem formular conclusões, de modo a permitir que o órgão que os pediu ou solicitou os utilize como suporte da decisão.

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3a Recolha e apreciação de documentos4a Audição de pessoas.

3a Fase: Audiência dos interessados

Tudo indica que ainda não existe entre nós disposição legal que imponha a audiência dos interessados pela Administração Pública no quadro do procedimento administrativo. Entretanto, os princípios gerais do Direito e a CRM deixam claro que esta fase deve ir ganhando corpo na actuação da nossa Administração Pública.

Esta fase corresponde à aplicação do princípio da participação dialógica na formação da decisão administrativa, que lá onde se encontre consagrado obrigue à audição dos interessados, particularmente antes da tomada de decisão final, para permitir que esta seja influenciada pela manifestação da vontade dos interessados. De reter que a falta de audição prévia dos interessados, lá onde a lei o exija, gera a invalidade da decisão final.

4a Fase: A decisão propriamente dita

A presente fase, que é a última da marcha do procedimento administrativo comum decisório, inicia nomeadamente com o relatório do instrutor, peça essa que só não existirá naqueles casos em que a instruçõ tiver sido dirigida pelo próprio órgão competente para a decisão.

No relatório dá-se conta do pedido do interessado, resume-se as fases do procedimento e propõe-se uma decisão. Seguidamente, o órgão competente para tal analisa o relatório e toma a decisão final com base neste relatório do instrutor.

Extinção do procedimento administrativo

Há seis formas de extinção do procedimento administrativo:

1a Por via de decisão expressa, por via, portanto, da prática do acto administrativo;

2a Por via de desistência do pedido e a renúncia dos interessados aos direitos e interesses que pretendiam fazer valer no procedimento;

3a Por via de deserção dos interessados, que significa a falta de interesse destes pelo andamento do procedimento;

4a Por via de impossibilidade ou inutilidade superveniente do procedimento administrativo, resultante de impossibilidade física ou

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jurídica do respectivo objecto ou de perda de utilidade do procedimento;

5a Por via de falta de pagamento de taxas ou despesas. Esta circunstância constitui somente causa de extinção do procedimento nos casos em que o procedimento administrativo é por lei oneroso, isto é nos casos em que leis especiais impõem o pagamento de taxas ou de despesas efectuadas pela Administração Pública; ou nos casos de comprovada de insuficiência económica, nos quais a Administração Pública pode dispensar o pagamento das taxas ou das despesas referidas. Pois que, como é sabido, o princípio geral é o de que o procedimento administrativo é gratuito;

6o Por via de uma omissão juridicamente relevante, como é o caso do chamado acto tácito. O Acto tácito em particular

a) Significado e fundamento

O acto tácito corresponde à necessidade de atribuir significado ou valor jurídico às omissões dos órgãos da Administração Pública e assenta no princípio da prossecução do interesse público.

Com efeito, existindo a Administração Pública para a prossecução do interesse público, não é admissível que lhe seja permitido não responder às solicitações dos cidadãos, sem que estes disponham de uma forma de defender os seus interesses.

Por conseguinte, sempre que em tais circunstâncias a Administração Pública se remeta ao silêncio, ela assume um comportamento omissivo contrário à lei97, e, por isso, gerador de efeitos jurídicos

b) Requisitos do acto tácito

São os seguintes os requisitos para a produção do acto tácito:

- Tem que haver iniciativa particular na solicitação de um pronunciamento de um órgão da Administração Pública em relação a um dado caso concreto;

- A competência do órgão administrativo interpelado para decidir sobre determinado assunto;

- Tem que haver o dever legal de decidir por parte do órgão anteriormente referido;

97 Lembre-se que teríamos referido que o silêncio da Administração constitui uma das modalidades de abuso de poder.

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- Decurso do prazo estabelecido por lei para a Administração Pública responder ao particular.

c) Sistemas de atribuição de um valor jurídico ao acto tácito

São dois os sistemas:

- O primeiro sistema corresponde à atribuição de um valor jurídico positivo, no sentido de que à omissão juridicamente relevante (acto tácito) faz-se equivaler a um deferimento do pedido do particular. É o chamado sistema do deferimento tácito, que assume um carácter excepcional na nossa ordem jurídica98.

Este sistema é mais favorável para o particular e mais prejudicial para a Administração Pública, por ignorar as razões que eventualmente possam estar por detrás da omissão, as quais podem prender-se com várias causas, como seja a mera negligência e a falta do titular do órgão com competência para decidir.

- O segundo sistema corresponde à atribuição de um valor jurídico negativo, no sentido de que à omissão juridicamente relevante equivale um indeferimento do pedido do particular. Este é o chamado sistema do indeferimento tácito99. Este sistema corresponde ao princípio geral adoptado no ordenamento jurídico moçambicano100.

Trata-se do sistema mais favorável para a Administração Pública, porque não extrai da omissão consequências que lhe sejam directamente desfavoráveis; e mais prejudicial, e por isso havendo défice de protecção, para os particulares, sem prejuízo do recurso contencioso de anulação que possa fazer face a este indeferimento tácito.

98 Cf. artigo 60 do Decreto no30/2001, de 15 de Outubro e Resolução no 1/CNFP/2003, de 28 de Maio. Nos termos do artigo 1 desta Resolução, “ São sujeitos a deferimento tácito os seguintes assuntos: a) Pedido de autorização para o exercício de actividade remunerada fora das horas normais de serviço;b) Pedido de licença registada; c) Pedido de licença ilimitada; d) Pedido de licença para acompanhamento de cônjuge colocado no estrangeiro em missão de serviço; e)Pedido de início de gozo de licença anual;f)Pedido de licença de casamento, bodas de prata ou de ouro;g) Pedido de exoneração;h) Pedido de rescisão do contrato;i) Pedido de dispensa para realização de exames, concursos e provas de admissão; j)Pedido de dispensa para provas para o serviço militar obrigatório;k) Pedido de nomeação definitiva; l) Reclamação ou recurso sobre classificação de serviço;m) Reclamação sobre resultados de concurso.99 Cf. a noção de indeferimento tácito na alínea e) do artigo 1 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública, aprovadas pelo Decreto no30/2001, de 15 de Outubro.100 Cf. artigo 59 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública, aprovadas pelo Decreto no30/2001, de 15 de Outubro.

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O ACTO ADMINISTRATIVO

Aula de 23 de Janeiro de 2002Dr. Machatine Munguambe( Recolhida por dr. Mavie)

Definição de acto administrativo

O conceito de acto administrativo é um conceito ao serviço do sistema de garantias dos particulares.

Ao todo são cinco os elementos que compõem o conceito de acto administrativo, designadamente:

1o Trata-se de um acto jurídico e não de um acto qualquer;2o Trata-se de um acto unilateral;3o É um acto orgânicamente administrativo;4oÈ um acto materialmente administrativo;5o É um acto que versa sobre uma situação individual num caso concreto.

Assim, entende-se por acto administrativo

o acto jurídico unilateral, praticado por um órgão da Administração Pública, no exercício do poder administrativo, e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto.

1oElemento: Acto jurídico

Portanto, trata-se de um acto que resulta de uma conduta voluntária da Administração Pública. Deste modo, exclui-se do conceito de acto administrativo determinadas realidades, como seja os factos involuntários, as operações materiais e bem ainda as actividades jurídicamente irrelevantes. O que equivale a dizer que qualquer uma destas categorias de factos ou actividades não é susceptível de recurso contencioso nos Tribunais Administrativos.

2o Elemento: Acto unilateral

No sentido de que para a sua formação concorre apenas ou essencialmente a vontade da Administração Pública. Não se trata pois de um acto bilateral, como é o caso do contrato administrativo, em cuja formação concorrem duas vontades distintas, opostas mas complementares. Concorre para o acto administrativo apenas uma vontade, a da Administração Pública, sem prejuízo da possibilidade de participação dos particulares na preparação da decisão.

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Importa ter presente que há alguns actos que, sendo unilaterais, todavia a sua eficácia está dependente de uma actuação do particular, como é o exemplo da nomeação.

3o Elemento: Acto praticado por um órgão da Administração Pública

Trata-se de um acto que é praticado por órgãos da Administração Pública. Decorre daqui que não são actos administrativos os actos praticados por órgãos de entidades que não integram a Administração Pública, ou por indivíduos estranhos à Administração Pública, ainda que se pretendam fazer passar por órgãos desta ( os denominados usurpadores de funções públicas, que praticam o crime de usurpação de funções públicas e, por conseguinte, incorre sobre eles a correspondente responsabilidade criminal e civil).

Também não são actos administrativos os actos praticados por órgãos do Estado integrados no poder moderador ( Presidente da República), no poder legislativo e no poder judicial, como reflexo do princípio da separação de poderes.

4o Elemento: Exercício do poder administrativo

O acto administrativo é um acto que se caracteriza por dever ser praticado no exercício do poder administrativo, devendo portanto ser materialmente administrativo, ou seja praticado no exercício de uma actividade de gestão pública. Donde que não são actos administrativos os actos jurídicos praticados embora pela Administração Pública no desempenho de actividades de gestão privada; por conseguinte, estes serão actos de direito privado.

Não são actos administrativos os actos políticos, os actos legislativos e os actos jurisdicionais, independentemente de serem praticados ou não por órgãos da Administração Pública.

5o Elemento: Produção de efeitos jurídicos numa situação individual e num caso concreto

Dos elementos do acto administrativo, o presente constitui o aspecto distintivo entre os actos administrativos, cujo conteúdo é individual e concreto, por um lado, e as normas jurídicas emitidas pela Admnistração Pública que são genéricas e abstractas.

Ao abordarmos a matéria do acto administrativo, surge desde logo um problema, porquanto a partir da definição e da análise dos respectivos elementos se questiona se são cobertos os actos colectivos, plurais e gerais.

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É entendimento nosso que o surgimento deste tipo de actos é um fenómeno que tem mais a ver com a forma aparente dos actos e não com a sua essência, não com o seu conteúdo real.

Actos colectivos – têm por destinatários um conjunto unificado de pessoas. Por exemplo, a dissolução de um órgão colegial, que em termos essenciais não é mais do que a cessação de funções, portanto vários actos administrativos, dirigidos às pessoas abrangidas pela dissolução.

Actos plurais – são aqueles em que a Administração Pública toma uma decisão aplicável por igual a várias pessoas diferentes. Por exemplo, a nomeação de vários funcionários através do mesmo Despacho. Trata-se de vários actos sobrepostos, e não de um acto único.

Actos gerais - são aqueles que se aplicam de imediato a um grupo inorgânico de cidadãos, todos eles bem determinados ou determináveis no local.

Importância do estudo do acto administrativo

A primeira grande importância do acto administrativo é que ele representa uma figura típica do Direito Administrativo - tem, portanto, uma importância para o estudo do Direito Administrativo – e implica o recurso contencioso de anulação.

O acto administrativo, por um lado, e o respectivo recurso contencioso de anulação, por outro, constituem o binómio que corporiza a pedra angular do Direito Administrativo, na medida em que este nasce para garantir aos particulares a possibilidade de recorrer aos Tribunais contra os actos administrativos ilegais, que ofendam os seus direitos subjectivos e os seus interesses legítimos.

O recurso contencioso de anulação é assim a mais importante arma de que os particulares dispoem contra a actuação prejudicial da Administração Pública

Características do acto administrativo

De entre as características do acto administrativo, importa distinguir entre aquelas que são comuns a todos os actos administrativos, daquelas que são específicas dos actos administrativos definitivos e executórios.

a) Características comuns

São cinco as características comuns do acto administrativo:

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- Como reflexo do princípio da legalidade, os actos administrativos subordinam-se à lei; donde serem ilegais todos aqueles que não observam a lei;

- Presunção de legalidade, no sentido de que presume-se que todos os actos administrativos são legais à partida, até prova em contrário, visto que são produzidos por órgãos da Administração Pública no exercício do poder administrativo, regulado por lei. A presunção de legalidade assim entendida significa que todo e qualquer acto administrativo assim praticado presume-se legal até decisão em contrário do Tribunal competente;

- Imperatividade, para significar que o seu conteúdo é obrigatório para todos aqueles em relação aos quais o acto administrativo seja eficaz ou produza efeitos jurídicos, quer sejam os funcionários públicos encarregues de o executar, quer sejam os particulares que o tenham de acatar. De referir que esta característica é uma consequência da presunção de legalidade.

- Revogabilidade, para significar que, por natureza, o acto administrativo é revogável pela Administração Pública em função da variabilidade do interesse público que prossegue e de harmonia com as exigências mutáveis do bem comum. O acto administrativo é diferente do caso julgado que, por razões de certeza e segurança, não é modificável101.

- Sanabilidade, que consiste na potencialidade que o acto administrativo ilegal tem de poder ser sanado. Significa que o acto administrativo ilegal é susceptível de recurso contencioso, e caso seja anulável, pode ser anulado pelo Tribunal Administrativo. Porém, caso ninguém recorra dentro dos prazos legalmente fixados a ilegalidade fica sanada, por consequência o acto torna-se válido.

Características específicas do acto administrativo definitivo e executório

São três as características específicas dos actos administrativos definitivos e executórios:

a) Condição necessária do uso da força, significando que a legitimidade para a Administração Pública fazer uso da força

101 A título de exemplo, estabelece o no1 do artigo 217 do EGFE que “ os actos não constitutivos de direitos podem ser ...revogados pelos funcionários que os praticaram ou pelos seus superiores hierárquicos por iniciativa própria”. E mais ainda, nos termos do no2 do mesmo artigo “ os actos manifestamente ilegais ou outros, ainda que constitutivos de direitos, podem ser ... revogados nos termos da alínea anterior desde que não tenham produzido efeitos.”

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decorre da prática de um acto definitivo e executório, condição sine qua non do recurso ao uso dessa força;

b) Possibilidade de execução forçada, no sentido de que caso

um determinado acto administrativo definitivo e executório não for voluntariamente acatado ou cumprido pelos destinatários, a Administração Pública pode recorrer, em princípio, a sua execução forçada, pode impor a sua execução por meios coercivos. É um corolário do privilégio de execução prévia;

c) Impugnabilidade contenciosa, o que significa que o acto administrativo definitivo e executório é susceptível de recurso contencioso, podendi neste caso os particulares alegar a sua ilegalidade e pedir a respectiva anulação. Equivale isto dizer que, regra geral, os actos administrativos não definitivos e não executórios não são susceptíveis de recurso contencioso.

Quer a propósito das características comuns quer a propósito das características específicas, importa reter finalmente que em determinados casos elas podem ser afastadas por lei, a título excepcional. Significa que todas as características comuns e específicas atrás mencionadas consubstanciam princípios ou regras gerais que podem conhecer algumas excepções.

Dia 28.01.2002Dr. Machatine, turmas C e B

Elementos da estrutura do acto administrativo

Há quatro espécies de elementos da estrutura do acto administrativo, designadamente: elementos subjectivos, formais, objectivos e funcionais.

a) Elementos subjectivos

Consistem nos dois sujeitos de direito que o acto administrativo típico põe em relação, que são por um lado a Administração Pública e , por outro, um particular. Existem, entretanto, casos de actos administrativos em que os dois elementos são pessoas colectivas públicas.

Tanto num caso como noutro, o que é imprescindível é que um dos sujeitos deva ser sempre uma pessoa colectiva pública da Administração Pública, donde emana o acto administrativo e a quem em rigor pertence a autoria jurídica do mesmo.

102

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O outro sujeito é o destinatário, que normalmente é um particular, pessoa colectiva ou individual, sem prejuízo de que, por vezes, esse destinatário possa tratar-se de uma pessoa colectiva pública102.

b) Elementos formais

Têm a ver com a forma do acto administrativo e consistem no modo pelo qual se exterioriza ou manifesta a conduta voluntária que consubstancia o acto.

Assim, os actos administrativos podem ter uma das seguintes formas: decreto103, portaria, despacho, alvará, resolução104, etc.

Não devemos confundir forma do acto administrativo com a forma dos documentos cujo conteúdo consubstancia actos administrativos. De facto, os actos administrativos praticados por órgãos singulares são normalmente sob a forma escrita, ao passo que os de órgãos colegiais regra geral são tomados oralemente, e só mais tarde reduzidos a escrito, através de actas assinados pelo Presidente ou Secretário do órgão colegial em causa.

Em segundo lugar, convém não confundir as formas dos actos administrativos com as formalidades do acto administrativo, que são todos os trâmites vulgo passos que a lei manda observar com vista a garantir a correcta formação da decisão administrativa ou o respeito pelos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares.

Estas formalidades são aspectos do processo que conduzem à prática de actos administrativos. São, por conseguinte, anteriores ao acto administrativo, e, como é evidente, dele não fazem parte, diferentemente da forma do acto administrativo que ou é contemporânea do acto administrativo ou lhe é posterior. No entanto, as formalidades são impugnáveis contenciosamente, visto que constituem a causa cujo efeito é ilegalidade do acto administrativo.

Elementos objectivos do acto administrativo

Existem fundamentalmente dois elementos objectivos: o conteúdo e o objecto.102 Por exemplo umacto praticado pelo Ministério da Administração Estatal tendo como destinatário o Conselho Municipal de Maputo, no quadro do exercício da tutela administrativa.103 Cf. a primeira parte do no1 do artigo 157 da CRM, onde se estabelece que “ os actos normativos com Conselho de Ministros revestem a forma de decreto.” A esta luz é bastante questionável que o decreto constitua uma forma de que se revista um acto administrativo, que, por definição não é um acto normativo, mas um acto com alcance jurídico individual e concreto.104 Cf. segunda parte do no1 do artigo 157 da CRM, onde se estabelece que” As demais decisões do Conselho de Ministros tomam a forma de resolução.”

103

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a) O conteúdo – que é a substância da conduta voluntária em que o acto consiste. Dele fazem parte designadamente:

- A conduta voluntária da Administração Pública;

- A substância jurídica dessa conduta, isto é a decisão essencial por ela tomada. Por exemplo: nomear, premiar, punir, revogar, autorizar;

- Os termos, condições e encargos que acompanham a decisão tomada, ou seja as cláusulas acessórias.

- Os fundamentos da decisão tomada; os fundamentos do acto administrativo enquanto parte do conteúdo da decisão tomada são um aspecto importante da evolução do acto administrativo.

b) O objecto – o objecto do acto administrativo é a realidade exterior sobre o qual ele incide105.

Elementos funcionais do acto administrativo

São três os elementos funcionais do acto administrativo:

1o A causa, que é a função jurídico-social de cada tipo de acto administrativo, do ponto de vista objectivo, ou o motivo típico imediato de cada acto administrativo, do ponto de vista subjectivo. Por exemplo, a causa da nomeação é o preenchimento de uma vaga.

2o Os motivos, que são todas as razões de agir que impelem o órgão da Administração pública a praticar um certo acto administrativo ou a dotá-lo de um determinado conteúdo. Há várias classificações dos motivos da prática de um acto administrativo. Pelo que os motivos distinguem-se segundo as seguintes classificações:

- Motivos principais e motivos acessórios- Motivos típicos e atípicos- Motivos próximos e remotos- Motivos imediatos e mediatos- Motivos expressos e motivos ocultos ou implícitos- Motivos legais e motivos ilegais

3o O fim, entendido como o objectivo ou a finalidade a prosseguir através da prática do acto administrativo, podendo ser, por um lado,

105 Por exemplo, na nomeação o conteúdo é a decisão de nomear, e o objecto é a pessoa a nomear; no acto administrativo de demitir o conteúdo é demitir, o objecto é a pessoa demitida.

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um fim legal, e, por outro, um fim efectivo/real; sendo que o fim legal é aquele que é visado pela lei ao atribuir a competência a um dado órgão da Administração Pública; o fim efectivo ou real é aquele que é prosseguido de facto pelo órgão da Administração Pública num dado caso concreto.

Elementos, requisitos e pressupostos do acto administrativo

É importante a esta altura do estudo distinguir as seguintes três realidades:

- Elementos do acto administrativo- Requisitos do acto administrativo- Pressupostos do acto administrativo.

Elementos são aspectos que integram o próprio acto administrativo, em si mesmo considerado, passível de decomposição, através da análise lógica. E dentre estas elementos distinguem-se duas espécies fundamentais:

Por um lado, os elementos essenciais sem os quais o acto administrativo não existe;

Por outro lado, os elementos acessórios, que podem ou não ser introduzidos no acto administrativo pela Administração Pública.

Requisitos do acto administrativo são exigências que a lei formula em relação a cada um dos elementos do acto administrativo, a fim de garantir o interesse público e legalidade ou direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares.

Existem requisitos de várias espécies, designadamente requisitos de validade, cuja inobservância torna o acto inválido; requisitos de eficácia, cuja inobservância origina a ineficácia do acto administrativo.

Pressupostos do acto administrativo são as situações de facto de cuja ocorrência depende a possibilidade legal de praticar umcerto tipode acto administrativo, ou de dotá-lo de determinado conteúdo.

Por exemplo: a existência de uma vaga como pressupostode um acto de nomeação. O acidente de trabalho é o pressuposto de um acto de atribuição de uma pensão de invalidez; verificação de alteração da ordem pública constitui pressuposto para a intervenção policial.

De sublinhar a importância da distinção elementos, requisitos e pressupostos para o estudo e entendimento do acto administrativo.

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Espécies ou tipos de actos administrativos

Referir-nos-emos aqui apenas aos principais tipos legais de actos administrativos.

Actos primários e actos secundários

São actos primários aqueles que versam pela primeira vez sobre uma determinada situação da vida. Por exemplo, a concessão a um particular de uma licença106 para abate de uma determinada espécie relativamente protegida..

São actos secundários aqueles que versam sobre um acto primário anteriormente praticado; isto é o seu objecto ou é um acto primário ou uma situação que antes fora regulada mediante a prática de um acto primário. Por exemplo, revogação de um acto administrativo anterior, ou a suspensão de um acto administrativo.

30.01.02

Actos primários impositivos, actos primários permissivos e meros actos administrativos

Existem por sua vez classificações de actos primários e classificações de actos secundários.

Os actos primários podem ser impositivos, que são aqueles que impõem a alguém uma determinada conduta ou a sujeição a determinados comportamentos/documentos jurídicos,

permissivos, que são aqueles que possibilitam a alguém a adopção de uma conduta ou a omissão de um comportamento que , doutro modo, lhe estariam vedados;

ou meros actos de administração,, que traduzem simples declarações de conhecimento ou de inteligência, e não consubstanciam, por conseguinte, afirmações de vontade.

Actos primários impositivos

Os actos primários impositivos subdividem-se por sua vez em:

- Actos primários impositivos de comando, que são aqueles que impõem a um particular a adopção de uma conduta positiva (ordens) ou negativa (proibições);

106 Cf. ponto sobre o conceito de licença.

106

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- Actos primários impositivos punitivos, que são aqueles que impõem uma sanção a alguém;

- Actos primários impositivos ablativos, que impõem o sacrifício de um direito, como seja a expropriação de um terreno, abate de animais na sequência da existência de uma peste;

- Juízos, que são aqueles actos pelos quais um órgão da Administração Pública qualifica, segundo critérios de justiça107, pessoas, coisas ou actos submetidos a sua apreciação, como é o caso das classificações e das graduações.

Actos primários permissivos

Há dois grandes grupos de actos primários permissivos:

- O primeiro é constituído por aqueles actos que conferem ou ampliam vantagens;

- O segundo grupo é constituído por aqueles actos que eliminam ou reduzem encargos.

Os primeiros subdividem-se em espécies, designadamente:

a) Autorização, que é aquele acto pelo qual um órgão da Administração Pública permite a alguém o exercício de um direito ou de uma competência pré-existente para o exercício da qual se exige que se obtenha uma autorização da Administração Pública;

b) A licença, que é o acto pelo qual um órgão da Administração Pública atribui a alguém o direito de exercer uma actividade privada que, por lei, é relativamente proibida. Por exemplo, a licença de uso e porte de arma, a licança para o abate de alguma espécie faunística ou florestal relativamente protegida.

c) A concessão, que é o acto pelo qual um órgão da Administração Pública transfere para uma entidade privada o exercício de uma actividade pública que o concessionário desempenhará por sua conta e risco, mas no interesse geral; por exemplo, a assistência médica e medicamentosa, a segurança privada, etc.

d) A delegação108.

e) A admissão, que é o acto pelo qual um órgão da Administração Pública investe um particular numa determinada categoria legal

107 A este respeito, importa rever o conceito de justiça administrativa, no quadro da discricionaridade imprópria.108 A este propósito, já foi dito o suficiente.

107

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de que decorre a atribuição de certos direitos e deveres; é o caso da matrícula num estabelecimento de ensino.

Os actos primários permissivos que eliminam ou reduzem encargos subdividem-se em:

a) Dispensa, que é o acto administrativo que permite a alguém nos termos da lei o não cumprimento de uma obrigação legal; por exemplo, a dispensa de regime de internato pelo Reitor a determinados estudantes da Acipol.

A a dispensa chama-se isenção quando comcedida pela Administração Pública aos particulares para a prossecução de um interesse público relevante, como é o caso das isenções fiscais;

A dispensa chama-se escusa quando concedida pela Administração Púbica a outro órgão ou agente administrativo a fim de garantir a imparcialidade da Administração Pública.

Não se confunda, no entanto, a escusa com a renúncia, que é o acto pelo qual um órgão da Administração Pública se despoja da titularidade de um direito legalmente disponível, equivalendo, por conseguinte, à perda do direito.

Também importa não confundir escusa com a promessa do não exercício de um direito, através da qual um órgão apenas se limita a prometer que numa certa situação não exercerá esse direito, sem no entanto abdicar da sua titularidade, e consequentemente, podendo exercê-lo em todos os outros casos.

Meros actos administrativos

Dentre os meros actos administrativos, destacam-se as declarações de conhecimento e os actos opinativos.

a) As declarações de conhecimento são aqueles actos pelos quais um órgão da Administração Pública exprime oficialmente o conhecimento que tem de certos factos ou situações; por exemplo particpação, certificados, certidões, títulos, informação prestada ao público;

b) Actos opiniativos são aqueles actos pelos quais um órgão da Administração Pública emite o seu ponto de vista acerca de uma questão técnica ou jurídica; siginifica isto dizer que, invés de tomar decisões, nestes casos a Administração Pública emite opiniões. Os actos opinativos subdividem-se em:

108

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- Informação burocrática, que são opiniões prestadas pelos serviços ao superior superior hierárquico competente para decidir109;

- Recomendações, que são actos através dos quais se emite uma opinião que encerra um apelo a que um órgão competente decida daquela maneira, mas que não obrigam a tal110;

- Pareceres, que são aqueles actos opiniativos elaborados por peritos especializados em certos ramos do saber ou por órgãos colegiais de natureza consultiva.

Os pareceres podem ser obrigatórios, quando a lei os imponha, ou facultativos, no caso contrário. E podem ser vinculativos quando a lei imponha a necessidade de se seguir as suas conclusões pelo órgão activo competente para decidir, e não vinculantes no caso contrário.

A regra geral é a de que os pareceres são obrigatórios, mas não vinculantes, salvo disposição legal em contrário.

Desta regra geral podemos deduzir que os parecers vinculantes constituem excepções, o que é de tal maneira correcto que, a não ser assim, o órgão emissor do parecer assumiria na prática a posição de órgão decisório.

Da existência de pareceres vinculantes advém como reflexo o facto de que nesses casos existe a coautoria do acto pelos órgãos, o órgão competente para praticá-lo e o órgão consultivo que emitiu o parecer vinculante.

OS ACTOS SECUNDÁRIOS

Os acto secundários classificam-se em actos integrativos, saneadores e actos desintegrativos. Sobre os actos saneadores e desintegrativos iremos abordar mais tarde, depois da invalidade do acto administrativo.

Actos integrativos são aqueles que visam completar actos administrativos anteriormente praticados. Compreendem:

- A homologação, que é aquele acto administrativo que absorve os fundamentos e conclusões de uma proposta, ou de um parecer apresentados por outro órgão;

109 Portanto, estas informações burocráticas são diferentes das informações prestadas ao público.110 A pgs 56 referimos que as recomendações, juntamente com as directivas, constituem um dos instrumentos típicos da superintendência.

109

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- A aprovação, que é o acto pelo qual um órgão da Administração Pública exprime a sua concordância com um acto definitivo111

praticado por um outro órgão, e lhe confere executoriedade; essa aprovação pode ser tutelar ou não;

a) O Visto, que é na substância igual à aprovação, diferindo no entanto desta, na medida em que enquanto a aprovação é praticada por um órgão activo, o Visto é praticado por um órgão de controle, como é o caso do Visto do Tribunal Administrativo e futuramente do Tribunal de Contas;

b) A Confirmação, que é o acto pelo qual um órgão da Administração Pública reitera e mantem em vigor um acto administrativo anterior. Ex: a recusa pela segunda vez de uma licença através do mesmo órgão que praticou o acto de recusa, ou através de superior hierárquico que confirma o acto do subalterno face a um recurso hierárquico;

c) Ratificação-confirmativa, que é o acto pelo qual o órgão administrativo normalmente competente para dispor sobre certa matéria exprime a sua concorfância relativamente aos actos praticados em circunstâncias extraordinárias por um órgão excepcionalmente competente.

Classificações de actos administrativos

Existem outras cclassificações em função de três prismas fundamentais e independentemente de serem primários ou secundários:

- Quanto ao autor;

- Quanto ao destinatário;

- Quanto aos efeitos jurídicos.

a) Quanto ao autor

Segundo este prisma, os actos administrativos podem distinguir-se em:

Decisões e deliberações112

- Decisões, que são todos actos administrativos que contenham a solução de um determinado caso concreto;

111 Mais adiante veremos o que se entende por definitividade e executoriedade.112 A pgs 443 do seu Manual de Direito Administrativo, Vol. II, Marcelo Caetano distingue decisões e deliberações, consoante provenham de um órgão singular ou de um órgão colegial, indo ao ponto de argumentar que os termos decisão e deliberação não são sinónimos.

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- Deliberações, que são as decisões tomadas por órgãos colegiais.

Actos simples e actos complexos

Podem distinguir-se ainda entre:

- Actos simples – que provêm de um só órgão administrativo;

- Actos complexos – que são aqueles em cuja feitura intervêm dois ou mais órgãos administrativos;

Essa complexidade pode ser igual, quando o grau de participação dos vários órgãos é o mesmo, o que corresponde à noção de co-autoria, como sucede com os despachos ministerias conjuntos. E pode ser uma complexidade desigual, sempre que o grau de participação dos vários órgãos não seja o mesmo, correspondendo à noção de corresponsabilidade pelo acto praticado, sendo o exemplo disso um acto administrativo de um Ministro que deve, por lei, revestir a forma de decreto. Nestes casos, aprática deste tipo de actos implica a promulgação do Presidente da República e referenda do 1o Ministro, que são actos meramente formais. Assim, para efeitos de revogação nos termos da lei, o Ministro é o autor competente para o fazer. E para efeitos de recurso contencioso, a autoridade recorrida é o Ministro, e não o Presidente da República e o 1o Ministro como corresponsáveis.

b) Quanto aos destinatários

Segundo este prisma, os actos podem ser113 :

- Singulares;

- Colectivos;

- Plurais;

- Gerais.

c) Quanto aos efeitos

Segundo este prisma, os actos administrativos podem ser:

Actos internos e actos externos

113 Já tomamos contacto com esta classificação a propósito do conceito de acto administrativo, sobretudo do quinto elemento: produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta. Para aí remetemos.

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- Internos – que são aqueles cujos efeitos jurídicos se produzem no interior da pessoa colectiva pública cujo órgão os praticou114;

- Externos – que são aqueles cujos efeitos jurídicos se projectam na esfera jurídica de outros sujeitos de direito, diferentes daquela que praticou o acto.

O interesse prático desta distincão reside no facto de que só os actos externos são susceptíveis de afectar os direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares; consequentemente só deles cabe recurso contencioso, isto é recurso ao Tribunal.

Actos de execução instantânea e actos de execução continuada

Ainda segundo o prisma dos efeitos, é possível distinguir entre:

- Actos de execução instantânea, que são aqueles cujo cumprimento se esgota num acto ou facto isolado; por exemplo, decisão de encerrar um estabelecimento comercial;

- Actos de execução continuada – que são aqueles cuja execução perdura no tempo, como por exemplo a autorização para o exercício de uma actividade.

Na prática, a importância desta distinção reside no facto de que o regime de revogação não é o mesmo para os dois tipos de actos administrativos. Por exemplo, um acto de execução instantânea, que tenha sido executado, não é em princípio susceptível de revogação.

Actos positivos e actos negativos

Uma terceira distinção, é aquela que diferencia entre:

- Actos positivos – que são aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica, nomeadamente uma nomeação, uma demissão, uma autorização;

- Actos negativos – que consistem na recusa de alteração na ordem jurídica, como é o caso o indeferimento expresso ou tácito de uma petição apresentada por um particular.

A importância prática desta distinção reside no facto de que as consequências da revogação de um acto positivo são diferentes das de um acto negativo. No primeiro caso, acarreta a eliminação dos efeitos dele decorrentes, e no segundo caso implica a necessidade

114 Ver o exemplo do LULU.

112

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de praticar os actos positivos que, por lei, deviam ter sido praticados e não foram.

Actos declarativos e actos constitutivos

Uma quarta distinção, salienta diferença entre:

- Actos declarativos, que são aqueles que se limitam a verificar a existência ou a reconhecer a validade de direitos ou situações jurídicas pré-existentes, como é o caso das certidões e dos atestados.

06.02.02

Actos constitutivos – são actos que criam, modificam ou extinguem direitos ou situações jurídicas.

Nas consequências derivadas de uns e de outros deriva a grande diferença. Assim, o acto administrativo declarativo tem em princípio eficácia retroactiva, ao passo que o acto administrativo constitutivo de direitos, em princípio, não tem eficácia retroactiva. Tem apenas eficácia imediata ou diferida.

O ACTO ADMINISTRATIVO DEFINITIVO E EXECUTÓRIO

Noção: Diz-se acto administrativo definitivo e executório aquele acto administrativo completo, total ou seja apetrechado com todas as possíveis armas e munições. Pelo que se diz fica claro que é o paradigma dos actos administrativos praticados pela Administração Pública.

Com efeito, o acto administrativo definitivo e executório corresponde ao acto de autoridade típico. É através dele que a Administração Pública se manifesta plenamente como autoridade ou poder. É nele que, no caso concreto, se traduz o poder administartivo, sob a forma característica de poder unilateral de decisão, dotado de privilégio de execução prévia.

Contrariamente ao que acontece com os particulares que perante um conflito com outros não podem definir unilateralmente o direito aplicável ao caso concreto, nem podem impô-lo coercivamente a ninguém, a Administração Pública tem o poder de definir legitimamente o direito no caso concreto, por forma unilateral (autotutela declarativa) e de impor pela força essa definição se o particular não se conformar voluntariamente com ela (autotutela executiva)

113

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A função do acto administrativo definitivo e executório é consequentemente dupla:

- Em primeiro lugar, enquanto acto definitivo visa definir unilateralmente o direito do caso concreto (autotutela declarativa);

- Por outro lado, enquanto acto executório visa definir o direito em termos que representam um imperativo, obrigatório, susceptível de execução forçada pela Administração Pública contra o particular (autotutela executiva).

Numa palavra, o acto administrativo definitivo (produto do procedimento administrativo) e executório é, por conseguinte, aquele em que se manifesta na sua plenitude o exercício do poder público pela Administração Pública, enquanto autoridade.

Importância

A importância do acto administrativo definitivo e executório reside no facto de ser nele que assenta a garantia do recurso contencioso, isto é o direito que os particulares têm de recorrer para os Tribunais Administrativos contra os actos ilegais da Administração Pública.

Por outro lado, importa no contexto deste acto analisar alguns aspectos fundamentais. De facto, a existência de actos definitivos e não definitivos tem a ver com a chamada tripla definitividade, que significa que a existência de um acto definitivo pressupõe a definitividade em três prismas fundamentais:

- Primeiro prisma: Definitividada material;

- Segundo prisma: Definitividade horizontal;

- Terceiro prisma: Definitividade vertical.

a) Definitividade material, que é a característica do acto administrativo que define em termos do seu conteúdo a situção jurídica da própria Administração Pública, ou, como é mais frequente, de um particularb que está ou pretende estar em relação com a Administração Pública.

Assim entendido, podemos definir o acto administrativo materialmente definitivo como aquele que, no exercício do poder administrativo, define a situação jurídica de um particular perante a Administração Pública, ou da Administração Pública perante um particular. Exemplo, os actos punitivos, expropriativos, autorizações,licenças, concessões, etc.

114

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Embora mais controverso, também são actos materialmente definitivos os seguintes:

- Sujeitos à condição ou termo, isto é aqueles cujos efeitos se encontram dependentes da ocorrência de um facto futuro incerto.

- São-no também os actos postos em execução a título experimental, isto é actos praticados pela Administração Pública, declarando que os põe em execução a título experimental, reservando-se o direito de vir a modificá-los à luz da experiência acumulada;

- São-no também as listas de antiguidade através das quais se conta e regista o tempo de serviço de cada funcionário público, visto que definem um certo aspecto da situaçã jurídica dos funcionários decorrendo consequentemente daí a extensão maior ou menor dos seus direitos;

- São ainda actos materialmente definitivos aqueles pelos quais um órgão da Administração Pública se declara incompetente para decidir uma questão, na medida em que definem as situações jurídicas da Administração Pública relativamente aos casos concretos visados ao declarar-se incompetente para resolver os problemas que lhe forem colocados;

- São ainda materialmente definitivos os actos pelos quais a Administração Pública notifica um particular para legalizar uma situação irregular, visto que, ao exigir a legalização, a Administração Pública define a situação do particular como situação irregular e impõe-lhe o dever de se colocar numa situação diferente.

Que dizer acerca dos actos administrativos com um significado polivalente?

A experiência mostra que não é fácil saber qual é o seu verdadeiro conteúdo, sendo mister para fixar este recorrer à interpretação. Se o significado for adiamento, não haverá acto materialmente definitivo; caso contrário, se o significado for tomada de decisão o acto pode ser, e muitas vezes o é, materialmente definitivo.

- Assim, não são actos materialmente definitivos todos aqueles que não definem situações jurídicas, por exemplo, como é o caso dos actos internos, das informações públicas, das promessas e dos actos opiniativos.

- Também não são materialmente definitivos os actos praticados fora do âmbito do poder administrativo, os actos praticados pela

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Administração Pública dentro do âmbito da função administrativa, mas que não beneficiam de autoridade própria, nem do privilégio de execução prévia. Ex: Actos praticados pela Administração Pública em matéria de interpretação e validade do contrato administrativo ou da responsabilidade contratual ou extracontratual da Administração Pública; em princípio estes actos não são materialmente definitivos.

b) Definitividade horizontal – é a característica do acto administrativo que constitue resolução final do procedimento administrativo. A definitividade horizontal é a qualidade do acto administrativo que põe termo ao procedimento administrativo, ou acto final e conclusivo que põe termo ao procedimento e em função do qual este se iniciou e se desenvolveu.

Para além daqueles que põem termo ao procedimento administrativo, são ainda horizontalmente definitivos os seguintes:

- Os que põem termo a um incidente autónomo dentro do procedimento;

- Os que implicam resolução final para certa pessoa impedindo a sua continuação no procedimento.

Assim, diz-se acto administrativo horizontalmente definitivo aquele que constitui resolução final de um procedimento administrativo ou de um incidente autónomo desse procedimento, ou ainda que exclui um interessado da continuação no procedimento em curso, como é aquele que exclui alguém de um concurso público.

Por exclusão de partes, não são actos horizontalmente definitivos os seguintes:

- Os actos anteriores ao acto definitivo, por exemplo, os actos preparatórios115, os actos pressupostos116, , as decisões provisórias117.

- Actos transformáveis em actos definitivos, que quando são praticados ainda não são definitivos, mas que se destinam a

115 Isto é actos praticados ao longo do procedimento e que visam preparar a decisão final (por exemplo estudos, pareceres, informações burocráticas, exames, vistorias, medidas preventivas ou cautelares.116 Que são aqueles cujo objecto é a qualificação jurídica de certos factos ou situações da vida, e de que depende a prática do acto administrativo ( por exemplo, a qualificação de certas ilegalidades cometidas como “graves”, é pressuposto da decisão que impõe a perda do mandato ao órgão infractor.117 Isto é as decisões da questão principal que foi objecto do procedimento administrativo tomadas a título provisório (por exemplo a adjudicação provisória de uma concessão ou empreitada, a fixação provisória de uma pensão ou de uma inemnização.

116

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converter-se, eles próprios, em actos definitivos um pouco mais tarde118;

- Actos posteriores ao acto definitivo, cuja finalidade é tornar exequível esse acto administrativo definitivo anteriormente praticado. Integram esta espécie:

- Os actos complementares, ou seja actos que a lei manda praticar a fim de assegurar o conhecimento ou a plena eficácia do acto administrativo119.

- Os actos de execução - trata-se de actos que a lei manda praticar a fim de pôr em prática as determinações contidas no acto administrativo definitivo120;

- Os actos meramente confirmativos a propósito dos quais se chama atenção para não serem confundidos com os actos confirmativos121.

Há três aspectos cumulativos que caracterizam um acto meramente confirmativo:

1o O acto confirmado deve ser definitivo;

2o O acto confirmado deve ser do conhecimento do interessado de modo a poder dele recorrer;

3o Entre o acto confirmado e o acto confirmativo deve haver identidade de sujeito, de objecto e de decisão.

c) A definitividade vertical

Chama-se acto administrativo verticalmente definitivo aquele que é praticado por um órgão colocado de tal forma na hierarquia que a

118 Por exemplo: actos sujeitos à ratificação confirmativa, actos sujeitos à confirmação, actos sujeitos à reclamação necessária.119 Por exemplo, a redacção de uma acta, os actos de registo ou estatística, a notificação do acto definitivo os seus destinatários, o Visto do Tribunal Administrativo, a publicação no Boletim da República ou noutro jornal oficial, a emissão de alvarás ou documento comprovativo, etc.120 É o caso da fixação de um prazo para o particular cumprir uma determinada decisão, ordem de demolição de um prédio que ameace ruína, se o proprietário não o fizer por si, ordem de ocupação de um terreno ou edifício.121 São actos confirmativos aqueles que mantêm um acto administrativo anterior, exprimindo concordância com ele e recusando a sua revogação ou modificação. E são meramente confirmativos aqueles actos administrativos dentre os actos confirmativos que tenham por objecto actos definitivos anteriormente praticados. Neste sentido, todos os actos meramente confirmativos são actos confirmativos, mas a inversa já não é verdadeira. Significa que a confirmação de um acto não definitivo constitui ou pode constituir ela mesma um acto definitivo, ao passo que a confirmação de um acto administrativo definitivo constitui umacto não definitivo.

117

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sua decisão constitui a última palavra da Administração Pública, ou praticado por um subalterno no exercício de uma competência exclusiva122.

Em geral, a distinção entre os actos praticados por órgãos subalternos sujeitos a recurso hierárquico e outros praticados igualmente por órgãos subalternos mas não sujeitos a recurso hierárquico necessário resulta da lei. Ninguém ompode presumir. É a lei quais os órgãos da Administração Pública que podem praticar actos verticalmente definitivos. Na esteira disto, podemos formular algumas regras gerais sobre a matéria em abrdagem.

Quais são os órgãos como competência para praticar actos verticalmente definitivos?

- Órgãos máximos de qualquer hierarquia do Estado, como é o acso do Governo e do seus membros;

- Órgãos do Estado de natureza independente, ou seja que não estejam integrados em qualquer hierarquia( CNE, por exemplo);

- Órgãos sublaternos que tenham competência exclusiva;

- Órgãos máximos das Autarquias Locais, dos institutos públicos e das Associações públicas;

- Actos praticados por delegação de poderes ou por subdelegação de poderes naqueles casos em que a lei os considere definitivos.

Como corolário do que dissemos, não são actos verticalmente definitivos os seguintes:

- Os actos praticados por órgão ssublaternos sujeitos a recurso hierárquico necessário;

- Auqles praticados por delegação de poderes ou subdelegação de poderes, sempre que alei os considere como não definitivos;

- Aqueles praticados pelos órgão máximos de um instituto público ou de associações públicas, sempre que a lei estabeleça a título excepcional um recurso hierárquico tutelar necessário.

Dia 11. 02.02

Assim, chegamos ao princípio da tripla definitividade dos actos administrativos.

122 Cf. pag sobre competência exclusiva.

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Segundo o princípio da tripla definitividade dos actos administrativos, um acto administrativo só poderá ser considerado definitivo para efeitos de recurso contencioso quando haja simultaneamente um acto definitivo em sentido material, horizontal e vertical, sob pena de não ser definitivo e, por conseguinte, insusceptível de recurso contencioso. Ou, por outras palavras, um acto administrativo normalmente é passível de recurso contencioso quando nele se verificarem as três espécies de definitividade. Faltando nela alguma dessas definitividades, em princípio, não é susceptível de recurso contencioso.

Assim, o acto administrativo é definitivo quando tem por conteúdo uma resolução final que defina a situação jurídica da Administração ou de um particular.

Actos executórios e não executórios

Considera-se acto administrativo executório aquele que obriga por si e cuja execução coerciva imediata a lei permite independentemente de sentença judicial.

Trata-se como é evidente da manifestação do privilégio de execução prévia no seu expoente máximo, equivale neste contexto a uma imposição pela Administração Pública do direito definido por ela, sem necessidade de recorrer aos tribunais. É mais um reflexo da Administração Pública como um poder diferente do poder judicial, que é o poder administrativo.

O acto administrativo executório caracteriza-se123 por ser, por um lado, obrigatório(obrigatorieadade) e, por outro, pela possibilidade de execução coerciva por via administrativa.

Importa não confundir executoriedade e execução.

Executoriedade – é a potencialidade jurídica, a susceptibilidade de execução.

Execução é a efectivação dos imperativos contidos no acto, neste contexto, significa que é um acontecimento da vida real.

Com efeito, o acto administrativo pode ser de direito executório e não estar no entanto a ser executado de facto. Por outro lado, o acto administrativo pode ser de facto executado, sem ser de direito executório.

Vezes sem conta a ilegalidade da actuação da Administração Pública prende-se com a execução de actos que juridicamente não são executórios.

123 Tem duas características.

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Cels@ Paulo Macamo

À face da definição e das características dos actos administrativos executórios, depreende-se que, por exclusão de partes, não são executórios os seguintes tipos de actos:

1o Os actos que não são obrigatórios, como é o caso dos actos opiniativos;

2o Os actos que, embora obrigatórios, não sejam susceptíveis de execução coerciva por via administrativa;

Ao falarmos dos actos que não são executórios por não serem obrigatórios, é importante perceber a justificação para que esses actos não sejam obrigatórios. A não obrigatoriedade de um acto administrativo pode derivar do facto de ainda não sê-lo ou do facto de já não sê-lo.

- Assim, temos, por um lado, actos que ainda não são executórios, encontrando-se os actos sujeitos à condição suspensiva ou a termo inicial;

- Temos ainda actos sujeitos à confirmacção;

- Temos actos sujeitos à aprovação;

- Ainda actos sujeitos a Visto;

- Ainda actos que ainda não revistam a forma legal (por exemplo, deliberações dos órgãos colegiais ainda não reduzidas a Acta). Este grupo de actos são aqueles cuja não obrigatoriedade resulta do facto de ainda não serem executórios.

Já foram executórios:

1o Actos suspensos;

2o Actos dos quais se tenha interposto recurso hierárquico com efeito suspensivo.

Que dizer das causas de insusceptibilidade de execução por via administrativa?

- Um acto administrativo pode não ser susceptível de execução coerciva por via administrativa ( e nesse caso, embora obrigatório, não é, portanto, um acto administrativo executório – situação que é rara e excepcional);

120

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- Por outro lado, existem casos de actos que apenas são susceptíveis de execução forçada por via judicial (também situação excepcional, mas mais frequente).

Articulação entre as classificações de actos definitivos e executórios

Regra geral, em princípio todo o acto definitivo é executório, havendo duas excepções a esta regra:

- Actos definitivos que não são executórios;

- Actos executórios que não são definitivos.

Integram a primeira espécie de excepções os actos não executórios já referidos, integram a segunda espécie de excepções, por exemplo, os actos preparatórios. Em geral, os actos preparatórios são executórios, mas não são definitivos, actos sujeitos à ratificação.

a) Actos definitivos e actos não definitivos

- Chama-se acto definitivo à resolução final que define a situação jurídica da pessoa cujo órgão se pronunciou ou de outra que com ela está ou pretende estar em relação administrativa.

É pois um acto externo, o que significa que os actos internos ficam por natureza excluídos da possibilidade de serem tidos por definitvos.

- Chama-se acto não definitivo todo aquele acto que não contenha resolução final ou que não defina situações jurídicas.

Importa assim precisar a noção de resolução final, designadamente:

- É o acto que ponha termo a um processo gracioso ou a um incidente autónomo desse processo;

- E de que não caiba recurso na ordem hierárquica:

- por ser da competência exclusiva de quem o praticou;

- por não haver para quem interpô-lo; - ou por não ter sido interposto oportunamente.

São pois não definitivos todos aqueles:

121

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- De que caiba recurso hierárquico com efeito devolutivo (não suspensivo)

- Os actos preparatórios, que habilitam um órgão administrativo a pronucniar a resolução final.

Validade, eficácia e interpretação do acto administrativo

Principais conceitos

A validade traduz a aptidão intrínseca do acto para produzir os efeitos correspondentes ao tipo legal a que pertence, em consequência de sua conformidade com a ordem jurídica.

A eficácia é a efectiva produção de efeitos jurídicos.

A invalidade de um acto administrativo será pois a inaptidão intrínseca do acto para a produção de efeitos, decorrente de uma ofensa à ordem jurídica. É o reflexo da não verificação dos requisitos previstos por lei para sua validade.

A ineficácia será, por seu turno, a não produção de efeitos num dado momento, como resultado da não verificação de todos os requisitos e eficácia fixados por lei.

Resulta do que se disse que um acto administrativo pode ser válido e eficaz; pode ser válido mas ineficaz; pode ser inválido mas eficaz; e pode ainda ser inválido e ineficaz.

1.2.. Requisitos de validade do acto administrativo

Requisitos de validade do acto administrativo são as exigências que a lei faz relativamente a cada um dos elementos deste – autor, destinatário,forma e formalidades, conteúdo, objecto e fim.

a) Requisitos quanto aos sujeitos

Com referência aos sujeitos, é indispensável que se verifiquem os seguintes requisitos de validade do acto administrativo :

- Que o órgão que pratica o acto administrativo tenha competência para a prática do mesmo;

- Se se tratar de um órgão colegial, é necessário que este esteja regularmente constituído, tenha sido regularmente convocado, e esteja em condições de funcionar legalmente.

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Quanto aos destinatários, exige-se que o acto administrativo tenha destinatário(s) determinado(s) ou determinável(s).

b) Requisitos quanto à forma e às formalidades

Em relação às formalidades, o princípio geral é o de que todas as formalidades prescritas por lei são essenciais. Por conseguinte, a sua não observância, quer por omissão quer por preterição, gera a ilegalidade do acto administrativo.

O acto será ilegal se não forem respeitadas todas as formalidades prescritas por lei, quer em relação ao procedimento administrativo que preparou o acto, quer relativamente à própria prática do acto em si mesma. Esta regra comporta três excepções:

- Não são essenciais as formalidades que a lei declarar dispensáveis;

- Não são essenciais aquelas formalidades cuja omissão ou preterição não tenha impedido a consecução do objectivo visado pela lei ao exigí-las;

- Não são essenciais as formalidades meramente burocráticas, de carácter interno, tendentes a assegurar apenas a boa marcha dos serviços.

Formalidades supríveis e insupríveis

São formalidades insupríveis aquelas formalidades cuja observância tem de ter lugar no momento em que a lei exige que elas sejam observadas124.

São formalidades supríveis aquelas que a lei manda cumprir num certo momento, mas que se forem cumpridas em momento posterior ainda vão a tempo de garantir os objectivos para que foram estabelecidas.

A obrigação de fundamentar

A fundamentação de um acto administrativo é a enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo.

De acordo com o artigo 12 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública, aprovadas pelo Decreto no

30/2001, de 15 de Outubro, “a Administração Pública deve fundamentar os seus actos administrativos que impliquem designadamente o indeferimento do pedido ou revogação,

124 Cf.

123

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alteração ou suspensão de outros actos administrativos anteriores”

A fundamentação deve preencher os seguintes requisitos:

- Tem de ser expressa;

- Tem de consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão;

- Tem de ser clara, coerente e completa, isto é será ilegal se for obscura, contraditória ou insuficiente.

O objectivo essencial da fundamentação é esclarecer concretamente a motivação do acto.

Há contudo dois casos especiais, designadamente:

- O de o acto administrativo consistir numa declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta; porquanto nestes casos o dever de fundamentar considera-se cumprido com essa mera declaração de concordância. Com efeito, o parecer, a informação ou a proposta constituirão parte integrante da decisão, pelo que os fundamentos daqueles serão fundamentos desta.

- O segundo caso é o dos actos orais, os quais em regra não contêm fundamentação. Poor conseguinte, ou esses actos são reduzidos a escrito numa acta, donde constará a fundamentação; ou é conferido aos interessados o direito de requerer a redução a escrito de fundamentação dos actos orais.

Se faltar a fundamentação num acto que deve ser fundamentado, ou se a fundamentação existir mas não corresponder aos requisitos exigidos, o acto administrativo será ilegal poor vício de forma e, como tal, será anulável.

Contudo, se um cto vinculado se baseia em dois fundamentos legais e um não se verifica , mas o outro basta para alicerçar a decisão, o tribunal não anula o acto: é o princípio do aproveitamento dos actos administrativos.

A FORMA

No que toca à forma do acto administrativo, a regra geral é a de que os actos administrativos devem revestir a forma expressa. Dentro desta, há que distinguir as formas simples e as formas solenes.

124

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As formas simples são aquelas em que a exteriorização da vontade do órgão da Administração não exige a adopção de um modelo especial; as formas solenes são as que têm de obedecer a um certo modelo legalmente estabelecido.

Há porém casos excepcionais em que o acto administrativo pode revestir a forma tácita.

ACTO TÁCITO

Existem algumas situações em que a lei atribui ao silêncio da Administração um

determinado significado jurídico, daí decorrendo efeitos jurídicos.

Na verdade, não são raras as situações em que se verifica o silêncio ou inércia

da Administração perante pretensões concretas apresentadas por interessados

aos órgãos competentes. E, como se compreende, deixam os particulares desar

mados, num sistema jurídico que organiza a protecção dos administrados na ba

se do recurso contencioso de anulação – o que pressupõe a prática de um acto

administrativo definitivo e executório, de que se possa recorrer.

Há várias maneiras de resolver este problema :

a) A primeira consiste em alei atribuir ao silêncio da Administração o significado de um acto tácito positivo : perante um pedido de um particular, e decorrido um certo prazo sem que o órgão administrativo competente se pronuncie, a lei considera que o pedido feito foi satisfeito. Aqui o silêncio vale como manifestação tácita de vontade da Administração num sentido positivo para o particular: daí a designação de acto tácito positivo.

b) A segunda forma consiste em a lei atribuir ao silêncio da Administração o significado de acto tácito negativo: decorrido o prazo legal sem que o pedido formulado pelo particular ao órgão competente tenha resposta, entende-se que tal pedido foi indeferido. Presume-se, nestes casos, que há ali uma vontade tácita da Administração num sentido negativo para o interessado, pois a sua pretensão considera-se indeferida: daí o acto tácito negativo ou indeferimento tácito.

Qual a vantagem para o particular da opção por esta segunda forma?

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É que, se não fosse assim, nos casos de silêncio da Administração, nunca haveria uma decisão de que o interessado pudesse recorrer para o tribunal.

Ora, com a figura do acto tácito, logo que passe o prazo legal sem haver resposta da Administração, o particular poderá recorrer contenciosamente contra o indeferimento ( tácito) da sua pretensão.

Neste caso, o tribunal terá a considerar duas hipóteses : ou o indeferimento da pretensão do particular foi legal, caso em que o tribunal dará razão à Administração, ou foi ilegal, e neste caso o tribunal dá razão ao particular anulando o acto tácito. E da anulação contenciosa do indeferimento tácito resultará, nesta segunda hipótese, o dever de a Administração satisfazer cabalmente a pretensão apresentada pelo particular;

c) Todavia, importa assinalar que actualmente tem-se consciência de que esta garantia não é muito forte, pelas seguintes razões:

- A nossa jurisprudência raramente considera verificado um acto tácito negativo;

- O recurso de anulação do indeferimento tácito leva muito tempo a julgar;

- A utilidade prática desse recurso, em sede de execução da sentença anulatória do indeferimento tácito, é bastante problemática e aleatória.

É aliás neste contexto que alguns países evoluíram já para a aceitação, em lugar do recurso do acto tácito, de uma acção contra as omissões da Administração, em que esta possa ser condenada pelo tribunal administrativo a praticar os actos legalmente devidos.

A regra no nosso Direito é a de que, em principio, o acto tácito é negativo: só há acto tácito postivo nos casos expressamente previstos por lei ( artigos 59 e 60 das Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública, aprovadas pelo Decreto no

30/2001, de 15 de Outubro).

Condições de produção do acto tácito

Resulta do próprio artiggo 59 acima referido que são as seguintes as condições para a produção de acto tácito:

- Que o órgão da Administração seja solicitado por um interessado a pronunciar-se num caso concreto;

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- Que a matéria sobre que esse órgão é solicitado a pronunciar-se seja da sua competência;

- Que o órgão tenha sobre a matéria em causa o dever legal de decidir através de um acto definitivo;

- Que tenha decorrido o prazo legal sem que haja sido tomada uma decisão expressa sobre o pedido;

- Que a lei atribua ao silêncio da Administração durante esse prazo o significado jurídico de indeferimento ou deferimento.

Fundamentos da impugnação contenciosa do indeferimento

A impugnação contenciosa do acto tácito tem por base pelo menos dois fundamentos:

- Violação da lei, mais concretamente violação do dever de decidir por parte do órgão competente;

- Vício de forma, poor falta de fundamentação

Natureza jurídica do acto tácito

O acto tácito é uma ficção legal de acto administrativo. Ou seja, o acto administrativo não é um verdadeiro acto administrativo, mas tudo se passa como se o fosse.

c) Requisitos quanto ao conteúdo e ao objecto

Exige-se que o conteúdo e o objecto do acto obedeçam aos requisitos de certeza, de legalidade e de possibilidade.

Além disso, exige-se também que a vontade em que o acto administrativo se traduz seja esclarecida e livre; pelo que o acto não será válido se a vontade da Administração tiver sido determinada por qualquer influência indevida, nomeadamente por erro, dolo ou coacção. d) Requisitos quanto ao fim

A lei exige que o fim efectivamente prosseguido pela Administração coincida com o fim que a lei teve em vista ao conferir os poderes para a prática do acto.

Este requisito, porém, só é relevante no caso dos actos praticados no exercício de poderes discricionários, quer se trate de

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discricionaridade própria, quer imprópria. No domínio dos actos vinculados, o fim não tem autonomia, não é relevante.

Exige-se que o motivo principalmente determinante da prática de um acto administrativo coincida com o fim tido em vista pela lei ao conferir o poder discricionário.

Requisitos de eficácia do acto administrativo

São requisitos de eficácia aquelas exigências que a lei faz para que o acto administrativo possa produzir os seus efeitos jurídicos. Estes não se confundem com os requisitos de validade.

Os principais requisitos de eficácia do acto administrativo são:

a) Publicação ou notificação aos interessados

Enquanto não for publicado ou notificado, o acto será ineficaz, não produzirá efeitos- designadamente não será obrigatório para os particulares.

A notificação ou publicação deverão conter a indicação :

- Do autor do acto;

- No caso de delegação de poderes, menção da existência de delegação;

- Sentido e data da decisão;

- Fundamentos da decisão.

O visto do Tribunal Administrativo ou futuramente do Tribunal de Contas

Os actos sujeitos a visto do Tribunal Administrativo125 não produzem quaisquer efeitos enquanto o Tribunal não der ou apor o visto. Podem, portanto, ser válidos, mas não produzirão efeitos por falta de visto.

INTERPRETAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO

Conceito – interpretar é determinar o sentido e o alcance do texto interpretado.

Elementos a considerar na interpretação de um acto administrativo:

a) O texto da decisão, incluindo os respectivos fundamentos;

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b) Os elementos constantes do procedimento administrativo;

c) O tipo legal de acto;

d) As leis aplicáveis;

e) O interesse público a prosseguir, bem como os direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares que hajam de ser respeitados;

f) As praxes administrativas;

g) Os princípios gerais do Direito Administrativo.

Na interpretação do acto administrativo devem se tomar em conta algumas importantes presunções:

- A presunção de legalidade dos actos administrativos;

- A presunção de que o órgão não quis afastar-se do tipo legal do acto que praticou;

- A presunção de que, salvo expressa indicação em contrário, a Administração não terá querido decidir de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos preceitos legais.

Quem pode interpretar

- Cabe ao Tribunal Administrativo a última palavra sobre a interpretação do acto administrativo;

- Entretanto, a própria Administração Pública, também pode interpretar através de actos interpretativos ou aclarações.

Se o acto interpretativo se contiver nos limites do acto interpretado, escolhendo para ele uma das interpretações que ele na verdade comporta, estaremos na presença de aclaração confirmativa; se, porém a interpretação da Administração excede aqueles limites, já não haverá aclaração, mas sim revogação ou mdificação do acto primário.

Portanto, na interpretação do acto administrativo importa considerar a lei e a vontade do autor simultaneamente.

- No caso dos actos vinculados, interessa sobretudo apurar o disposto na lei, interpretando-se o acto sempre que possível de

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acordo com as exigências legais formuladas quanto ao assunto em causa;

- No caso dos actos discricionários interessa sobretudo apurar a vontade real ou psicológica do órgão administrativo que foi o seu autor e, na falta dela, a vontade hipotética do mesmo órgão - isto é, a vontade que o órgão competente teria manifestado se houvesse previsto o ponto omisso.

INVALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO

a) Conceito de invalidade do acto administrativo

Traduz o valor negativo que afecta o acto administrativo, em virtude da sua inaptidão intrínseca para a produção dos efeitos jurídicos que deva produzir.

b) Fontes de invalidade

Durante muito tempo, a ilegalidade foi considerada como sendo a única causa de invalidade; entendia-se portanto que todo o acto administrativo que era ilegal era inválido, e que todo o acto administrativo que era inválido era-o por ser ilegal.

Actualmente entende-se que existem outras fontes de invalidade, designadamente a ilicitude e os vícios de vontade,etc.

- A ilegalidade do acto administrativo

A ilegalidade é aqui tomada num sentido amplo, compreendendo desconformidade não apenas com a lei em sentido formal, mas também com a Constituição, com regulamentos e até com contratos administrativos.

Na verdade, a ilegalidade pode assumir várias formas, às quais se chama vícios do acto administrativo.

Por conseguinte, entende-se por vícios do acto administrativo a forma específica (orgânica, formal e material) que a ilegalidade do acto administrativo pode revestir: usurpação de poder, incompetência, vício de forma, violação da lei e desvio de poder.

A especificação dos vícios é útil para efeitos de economia, celeridade e clareza processual.

Entretanto, entende-se que todas as ilegalidades insusceptíveis de serem reconduzidas a qualquer dos outros vícios, deve ser subsumida ao vício de violação da lei, que é um vício residual

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A usurpação de poder

É o vício que consiste na prática por um órgão administrativo de um acto incluído nas atribuições do poder legislativo ou do poder judicial.

Trata-se portanto de um vício a que está subjacente a violação do princípio da separação de poderes. Em rigor este vício podia ser visto como incompetência, mas uma incompetência grave.

A usurpação de poderes comporta por conseguinte duas modalidades:

- A primeira é a usurpação do poder legislativo: a Administração Pública pratica um acto que pertence às atribuições do poder legislativo. Ex: Criação de um imposto por acto administrativo.

- A segunda é a usurpação do poder judicial: quando a Administração Pública pratica um acto que pertence às atribuições dos tribunais. Ex: deliberação do Conselho Municipal que declara a nulidade de um contrato privado, ou que determina a rescisão unilateral de um contrato não administrativo.

Igualmente se entende haver usurpação do poder judicial quando a Administração pratica um acto incluído nas atribuições de um tribunal arbitral.

A incompetência

Que é o vício que consiste na prática por um órgão da Administração de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão da Administração.

A diferença com a usurpação de poder é que nesta a Administração invade a esfera de outro poder do Estado; para que haja incompetência é preciso que o órgão da Administração que pratica o acto invada a esfera própria de outra autoridade administrativa, mas sem sair do âmbito do poder administrativo.

A incompetência pode apresentar-se sob diferentes formas:

- Incompetência absoluta e incompetência relativa

Diz-se incompetência absoluta quando um órgão da Administração pratica um acto administrativo fora das atribuições da pessoa colectiva a que pertence;

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Diz-se incompetência relativa sempre que um órgão de uma pessoa colectiva pública pratica uma cto administrativo que está fora da sua competência, mas que pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva pública.

- Incompetência relativa em razão da matéria, da hierarquia, do lugar e do tempo

A incompetência relativa, por sua vez, subdicvide-se em incompetência relativa em razão da matéria, da hierarquia, do lugar e do tempo.

a) Diz-se em razão da matéria quando um órgão invade os poderes conferidos a outro órgão da Administração Pública em função da natureza dos assuntos;

b) Diz-se em razão da hierarquia quando um órgão da Administração Pública invade os poderes conferidos a outro órgão em função do grau hierárquico; por exemplo, sempre que um subalterno invada a competência do seu superior ou a contrario, quando o superior invada a competência própria ou exclusiva do subalterno.

c) Diz-se em razão do lugar, quando um órgão da Administração Pública invade os poderes cnferidos a outro órgão em função do território, como por exemplo quando o Director Provincial de Agricultura de Nampula tomar decisões sobre assuntos da competência do Director Provincial de Agricultura de Inhambane;

d) Diz-se em razão do tempo, quando um órgão da Administração Pública exerce os seus poderes legais em relação ao passado ou em relação ao futuro.[a competência exerce-se em relação ao presente, mas não em relação ao futuro e ao passado. Se por hipótese a competência podesse ser exercida em relação ao passado isto resultaria em retroactividade dos actos administrativos, violando a regra de que em princípio o acto administrativo não pode ser retroactivo, os seus efeitos não se fazem sentir em relação ao passado.

Em relação ao futuro, a competência não se exerce apenas pelo facto tão claro de que a lei apenas não permite.

Vícios de forma

Este vício se verifica sempre que haja preterição de formalidades essenciais ou haja carência de forma legal.

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Ex: A não realização de parecer obrigatório consubstancia um vício de forma, na medida em que traduz a preterição de uma formalidade essencial.

Este vício de forma tem diversas espécies, podendo resultar das seguintes situações:

- Preterição de formalidades anteriores à prática do acto administrativo;

- Preterição de formalidades relativas à prática do acto administrativo;

- Carência de forma legal.

Importa, entretanto, sublinhar que a preterição de formalidades posteriores à prática do acto administrativo dá origem apenas sua ineficácia, e não a sua ilegalidade, ou grosso modo invalidade.

Daí que caso isso aconteça não é o acto administrativo que se torna ilegal, mas a sua execução, por se traduzir na execução de acto ineficaz, o que é, por óbvio, ilegal.

De facto, a validade do acto administrativo avalia-se através da sua conformidade com a lei no momento em que é praticado.

A violação da lei

O vício de violação da lei existe sempre que haja discrepância entre o conteúdo ou objecto do acto, por um lado e, por outro, as normas jurídicas que lhes são aplicáveis.

Noutras palavras, traduz-se numa ilegalidade material, isto é tem a ver com o facto de a respectiva substância ser contrária à lei.

Este vício normalmente verifica-se no exercício de poderes vinculados, se bem que por vezes se verifica também no exercício de poderes discricionários, nomedamente quando são infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam de forma genérica a discricionariedade administrativa, designadamente os princípios constitucionais.

Enquanto o desvio de poder é um vício que só se pode verificar no exercício de poderes discricionários, a violação de lei pode ocorrer quer no exercício de poderes discricionários (excepcionalmente), quer no de poderes vinculados (regra geral).

Modalidades de violação da lei

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Existem pelo menos cinco modalidades de violação da lei:

- Falta de base legal, isto é a prática de um acto administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de uma cto dessa natureza;

- Incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo do acto administrativo;

- Inexistência ou ilegalidade dos pressupostos relativos ao conteúdo ou objecto do acto administrativo;

- Ilegalidade dos elementos acessórios, incluidos pela Administração Pública no conteúdo do acto; por exemplo, condição, termo ou modo, se essa ilegalidade for relevante nos termos da teoria geral dos elementos acessórios;

- Quando exista outra ilegalidade do acto administrativo insusceptível de ser reconduzida a outro vício; trata-se neste último caso do carácter residual da violação da lei, abrangendo, por conseguinte, todas as ilegalidades que não caibam específicamente em nenhum dos outros vícios.

O desvio de poder

É o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir aquele poder.

Por conseguinte, o desvio de poder pressupõe uma discrepância entre o fim legal e o fim real (istoé, fim efectivamente prosseguido pela Administração).

Para determinar a existência de um vício de desvio de poder tem de se proceder às seguintes operações:

1o Apurar qual o fim visado pela lei ao conferir a certo órgão administrativo um determinado poder discricionário(fim legal);

2o Averiguar qual o motivo principalmente determinante da prática do acto administrativo em causa (fim real);

3o determinar se este motivo principalmente determinante condiz ou não com aquele fim legalmente estabelecido; se houver coincidência, o acto será legal; no caso contrário, será ilegal por desvio de poder, e, portanto, inválido.

O desvio de poder comporta duas modalidades principais:

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- Desvio de poder por motivo de interesse público;

- Desvio de poder por motivo de interesse privado.

Haverá desvio de poder por motivo de interesse público quando a Adminsitração visa alcançar um fim de interesse público, embora diverso daquele que a lei impõe. Ex: o exercício de poderes de polícia não para fins de segurança pública, mas para a obtenção de receitas financeiras para o tesouro público.

Haverá desvio de poder por motivo de interesse privado quando a Adminsitração não prossegue um fim de interesse público, mas um fim de interesse privado, por razões de parentesco, de amizade ou inimizade com o particular, por motivo de corrupção ou quaisquer outros de natureza particular.

Cumulação de vícios

Um acto pode ser ilegal porque nele se verifica um vício apenas, mas também pode o ser por nele concorrerem dois ou mais vícios: os vícios são, portanto, cumuláveis.

Pode acontecer que concorram simultaneamente várias ilegalidades diferentes, ou até mesmo que ocorra mais de um vício do mesmo tipo.

Assim, se um mesmo acto viola várias leis, ou várias disposições da mesma lei, cada ofensa da lei é um vício. É possível, portanto, alegar simultaneamente quaisquer dos vícios do acto administrativo.

Outras fontes de invalidade

Um acto pode ser legal, pode estar conforme a lei, e contudo haver motivos para que ele seja inválido. Assim, foram identificadas outras fontes de invalidade para além da ilegalidade: a ilicitude e os vícios de vontade.

A ilicitude

Em regra, a ilicitude do acto acto administrativo coincide com a sua ilegalidade, o que quer dizer que o acto é ilícito por ser ilegal.

Há porém casos em que o acto é ilícito sem ser ilegal, havendo ilicitude sem haver ilegalidade: em quatro casos:

1o Casos em que o acto administrativo, sem violar a lei, ofende um direito absoluto de um particular; a ofensa de um direito absoluto de um particular é um acto ilícito;

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2o Casos em que o acto administrativo viola um contrato não administrativo, posto que a violação de um contrato administrativo é equiparada à violação da lei, mas a de um contrato não administrativo é equiparada à ilicitude;

3o Caso em que o acto administrativo ofende a ordem pública e os bons costumes;

4o Caso em que o acto administrativo contem uma forma de usura.

Os vícios da vontade no acto administrativo

Há também que considerar os vícios da vontade, designadamente o erro, dolo e a coacção.

Tradicionalmente, entendia-se que os vícios na vontade traduziam ilegalidades, designadamente o vício de violação da lei.

Preferímos entretanto perfilhar a doutrina moderna, que vê os vícios da vontade como fontes autónomas de invalidade.

Erro – que ocorre se um órgão da Administração se engana quanto aos factos com base nos quais pratica um acto administrativo, e pratica um acto baseado em erro de facto;

Dolo – quando um órgão da Administração é enganado por um particular que pretende obter um acto administrativo, o acto é viciado por dolo;

Coacção – quando um órgão da Administração é forçado a praticar um acto sob ameaça.

Nestes casos não há ilegalidade, o acto administrativo não ofende a lei, não infringe a lei; o que se passa é que falta um requisito de validade que a lei exige, qual seja o de que a vontade da Administração seja uma vontade esclarecida e livre.

Se a vontade da Administração não foi esclarecida ou não foi livre, porque foi determinada por erro, dolo ou coacção, há um vício de vontade, que deve fundamentar a invalidade do acto.

O problema da invalidade por vícios de mérito

A ordem jurídica moçambicana não prevê nenhum caso de invalidade por vícios de mérito. Mas em termos comparados, o direito administrativo italiano por exemplo, contém a invalidade por vícios de mérito, isto é, invalidade que decorre da inconveniência ou

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inoportunidade. Trata-se de actos que são ilegais mas que são inconvenientes.

As formas de invalidade: nulidade e anulabilidade

Trata-se aqui de identificar as sanções que a ordem jurídica determina para os actos administrativos ilegais, ilícitos ou viciados na vontade; isto é são as consequências da ilegalidade, ilicitude ou dos defeitos na formação da vontade.

Estas formas são duas:

- Nulidade (antigamente chamada nulidade absoluta)

- Anulabilidade (antigamente chamada nulidade relativa).

A nulidade

A nulidade é a forma mais grave da invalidade. E apresenta os seguintes traços características:

1o O acto nulo é totalmente ineficaz desde o início, não produz qualquer efeito. Daí que as leis chamam a estes actos “ actos nulos e de nenhum efeito”

2o A nulidade é insanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão. O acto nulo não é susceptível de ser transformado em acto válido.

3o Os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a quaisquer ordens que constem de um acto nulo, porquanto nenhum dos seus imperativos é obrigatório; visto que não produz efeitos;

4o Se mesmo assim a Administração quiser impor pela força a execução de um acto nulo, os particulares têm o direito de resistência passiva; a resistência passiva à execução de um acto nulo é legítima.

5o Um acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo, isto é, a sua impugnação não está sujeita a prazo;

6o O pedido de reconhecimento da existência de uma nulidade num acto administrativo pode ser feito junto de qualquer tribunal, e não apenas perante os tribunais administrativos; o que quer dizer que qualquer tribunal, mesmo civil pode declarar a nulidade de um acto administrativo (desde que seja competente para a causa);

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7o O reconhecimento judicial da existência de uma nulidade toma a forma de declaração de nulidade. Não se pode anular um acto nulo: se o acto é nulo declara-se a sua nulidade.

A anulabilidade

A anulabilidade é uma forma menos grave da invalidade e tem características contrárias às da nulidade, designadamente:

1o O acto anulável, embora inválido, é jurídicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado. Enquanto não for anulado produz efeitos jurídicos como se fosse válido, o que resulta da presunção da legalidade dos actos administrativos;

2o A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão. Quer isto dizer que o acto anulável, se não for objecto de impugnação dentro de um certo prazo, acaba por se transformar num acto válido, o mesmo acontencendo se for objecto de um acto saneador;

3o O acto anulável é obrigatório, quer para os funcionários públicos, quer para os particulares, enquanto não for anulado;

4o Consequentemente, não é possível opôr qualquer resistência à execução forçada de um acto anulável. A execução coactiva de um ano anulável é legítima, salvo se a respectiva eficácia for suspensa;

5o o acto anulável só pode ser impugnado dentro de um certo prazo que a lei estabelece, e que é, normalmente, um prazo curto;

6o O pedido de anulação só pode ser feito perante um tribunal administrativo, não pode ser feito perante qualquer outro tribunal;

7o O reconhecimento de que o acto é anulável por parte do tribunal determina a sua anulação, isto é um acto anulável produz uma sentença de anulação, enquanto a sentença proferida sobre o acto nulo é uma declaração de nulidade;

A anulação contenciosa de um acto administrativo tem efeitos retroactivos: “tudo se passa na ordem jurídica como se o acto nunca tivesse sido praticado”.

Âmbito de aplicação da nulidade e da anulabilidade

Na nossa ordem jurídica, a nulidade tem carácter excepcional, a anulabilidade é que tem carácter geral. Ou seja: a regra é a de que todo o acto administrativo inválido é anulável; só excepcionalmente é que o acto inválido é nulo. E isto por razões de certeza e segurança da ordem jurídica.

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Com efeito, sabido que a nulidade pode ser declarada a todo o tempo, por qualquer tribunal ou por qualquer autor, se tivesse um carácter geral faria com que pairasse indefinidamente a dúvida sobre se os actos administrativos são legais ou ilegais, são válidos ou inválidos. É mister que ao fim de algum tempo,razoavelmente curto, cessem as dúvidas e os actos administrativos possam claramente ser definidos como válidos ou inválidos.

Em regra, o acto inválido é anulável; se ao fim de um certo prazo ninguém pedir a sua anulação, ele converte-se num acto válido.

Assim, a orientação é no sentido de que o legislador escolha com toda a cautela os casos em que tão severa sanção (a de nulidade) se aplica, limitando-se a um pequeno número de ilegalidades graves e evidentes.

Casos de nulidade

- Os actos que forem estranhos às atribuições da pessoa colectiva;

- Os actos que careçam absolutamente de forma legal;

- Os actos que nomeem funcionários sem concurso, a quem faltem os requisitos exigidos por lei, com preterição de formalidades essenciais (ou de preferência legalmente estabelecidos);

Há ainda a incluir os casos das chamadas nulidades por natureza, que consubstanciam casos em que, por razões de lógica jurídica, o acto não pode deixar de ser nulo, por isso que seria inadequado o regime da simples anulabilidade:

- Actos de conteúdo ou objecto impossível, pois nestes casos não faz sentido que, ao fim de um certo período de tempo, o acto se convalide, passe a ser válido;

- Actos cuja prática consista num crime ou envolva a prática de um crime, pois não faz sentido que estes actos, se não forem impugnados, se transformem em actos válidos;

- Actos que violem o conteúdo essencial de um direito fundamental do cidadão.

Nulidade e inexistência do acto administrativo

Alguns sectores da doutrina tem tratado a inexistência e a nulidade como sinónimos. Para nós, importa distinguir as duas figuras, nos seguintes termos:

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- O acto administrativo inexistente é um quid que se pretende fazer passar por acto administrativo, mas a que faltam um ou mais elementos essenciais do conceito de acto administrativo; por conseguinte, na inexistência não há um acto administrativo;

- Na nulidade, pelo contrário, existe um autêntico acto administrativo, mas a lei fere-o de nulidade.

Importa contudo reconhecer que, na prática, o regime jurídico da inexistência assemelha-se bastante ao da nulidade. Todavia, não há identidade completa entre as duas figuras. Entendemos, nomeadamente que os temperamentos judiciais que são introduzidos à insanabilidade dos actos nulos por efeito do decurso do tempo, não são extensivos aos actos inexistentes.

Cumulação De Formas De Invalidade

Trata-se da hipótese de no mesmo acto se cumularem, em simultâneo, diferentes causas de invalidade. Por exemplo, se um mesmo acto estiver ferido de dois ou mais vícios, ou seja de duas ou mais ilegalidades. Ou quando no mesmo acto administrativo concorrerem uma ou mais ilegalidades com um ou mais vícios de vontade.

Em todos estes casos, o acto será inválido a mais de um título. Pelo que importará questionar sobre qual a forma de invalidade que nesses casos o inquinará.

Há que distinguir três hipóteses:

- Se todas as fontes de invalidade que afectam o acto são geradoras de anulabilidade, o acto será anulável;

- Se todas as fontes de invalidade forem geradoras de nulidade, o acto será nulo;

- Se uma ou mais fontes de invalidade gerarem anulabilidade, e a outra ou outras determinarem nulidade, então prevalece a sanção mais forte: o acto será nulo, sem prejuízo de que apenas as causas de nulidade é que serão invocadas a todo o tempo126.

Correspondência Entre Vícios E Formas De Invalidade

126 Neste último caso, importa ter presente que só as causas de nulidade é que poderão ser invocadas a todo o tempo: se o recurso contencioso não for interposto dentro do prazo normal, já não será possível alegar as causas de anulabilidade que porventura afectassem o acto, pois que então ter-se-á operado a respectiva sanação por decurso do tempo. Fora do prazo legal, o recurso só poderá ter por fundamento causas de nulidade, enão já causas de anulabilidade.

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A este propósito, importa reter que não existe uma correspondência automática de cada vício a uma certa forma de invalidade; excepto quanto à usurpação de poder, que gera sempre nulidade, cada um dos outros vícios pode gerar, conforme os casos, anulabilidade ou nulidade, de acordo com o que a lei dispuser a esse propósito127.

A Sanação Dos Actos Administrativos Ilegais

Objectivos específicos

Que no final desta unidade temática, os cadetes sejam capazes de:

Conceituar a sanação;

Mencionar e explicar o fundamento da sanação;

Mencionar e explicar os modos por que se opera a sanação.

Conceito de sanação

A sanação consiste na transformação de um acto administrativo ilegal, e por isso inválido, num acto válido à face da ordem jurídica128.

Fundamento da sanação

A sanação dos actos administrativos ilegais encontra o seu fundamento jurídico na necessidade de segurança na ordem jurídica, isto é de certeza e segurança para a Administração Pública129, prosseguindo o bem comum, como para os eventuais 127 Cf. a aproximação feita por Diogo Freitas do Amaral da correspondência dos vícios às formas de invalidade.128 Consideremos o exemplo de uma demissão de um Guarda da Polícia, praticada por um Comandante Provincial, ao arrepio do artigo 10 da Lei no5/88, de 27 de Agosto, que confere esta competência ao Comandante-Geral. Ora, posteriormente, o Comandante-Geral poderá ratificar tal demissão, sanando assim a incompetência que inquinava aquele acto, contanto que o acto, tornando assim válida a demissão, excepto se outras invalidades afectarem o acto.129 Pensemos no caso de um Guarda Estagiário da Polícia que, ilegalmente, tenha sido dispensado, no final do provimento provisório, ao abrigo do no4 do artigo 25 do Estatuto Geral dos Funcionários do Estado. Se, apenas passados dois anos, o Guarda invocar a ilegalidade e esta for detectado, significa que decorrerão os seguintes efeitos: terá que ser nomeado Guarda da Polícia; ter-se-á que reparar os prejuízos materiais que lhe hajam sido causados; ter-se-á que afectar o membro numa unidade e ou subunidade policial e ter-se-á eventualmente que reparar os prejuízos em termos de evolução na carreira; e tudo isto fora de qualquer planificação em termos financeiros e ou de administração de recursos humanos.

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beneficiários dos actos dela130. Sob pena de paralisar a actividade económica e social, acumulando-se prejuízos para todos, e de tornar impossível a vida jurídica.

A obtenção da certeza e segurança segue duas formas:

a) Via negativa – quando a lei permite a revogação de actos ilegais pela Administração Pública ou a sua anulação pelos tribunais131;

b) Via positiva – consentindo a lei que, ao fim de certo tempo, o acto ilegal seja sanado, tornando-se válido para todos os efeitos perante a ordem jurídica, e, portanto, em princípio inatacável132.

A sanação dos actos administrativos pode operar-se por um de dois modos:

- Através da prática de um acto administrativo secundário (ratificação, reforma ou conversão);

- Por efeito automático da lei (ope legis) – nos casos em que, havendo fixação do prazo para a interposição de recurso contencioso, tal prazo decorra sem que ninguém o interponha133.

Na sanação ope legis, tudo se passa como se o acto nunca tivesse sido ilegal.

Exercícios:

1. Considere o caso do Guarda da Polícia João Jonh João que aos 20 de Setembro de 2002 tenha sido notificado da pena de corte de vencimento, aplicada pelo Comandante da respectiva Esquadra,

Ora, os transtornos que isto implicaria em termos de eficiência e eficácia da actividade administrativa poderiam ser bastante pronunciados. Daí ter-se pensado na sanabilidade dos actos decorrido o período de recurso fixado no E.G.F.E, por forma a não deixar a Administração Pública eternamente na expectativa da reacção do Guarda dispensado. 130 Escreve Diogo Freitas do Amaral que “ não é possível suportar durante anos sem fim a incerteza sobre se cada acto jurídico é legal ou ilegal, válido ou inválido, se portanto a insegurança dos seus beneficiários sobre se tal acto vai ou não ser mantido, virá ou não a ser revogado pela Administração, será ou não impugnado nos tribunais por quem se considere prejudicado”.131 A título de exemplo, estabelece o no 1 do artigo 217 do E.G.F.E. que “ os actos não constitutivos de direitos podem ser... revogados...”, estabelecendo o no2 do mesmo artigo que “ os actos manifestamente ilegais ou outros, ainda que não constitutivos de direitos, podem ser...revogados... desde que não tenham produzido efeitos.” E veja-se ainda a este propósito o que dispõe o artigo 26 da Lei no9/2001, de 7 de Julho:” Os recursos contenciosos são de mera legalidade e tem por objecto a declaração de anulabilidade... dos actos recorridos...”132 A este propósito, é importante assinalar que, após no seu artigo 30 fixar em noventa dias o prazo para a interposição do recurso contencioso de anulação, posteriormente a Lei no9/2001, de 7 de Julho, estabelece na alínea i) do no2 do seu artigo 51 que o recurso é rejeitado quando tenha caducado o direito ao recurso. Significa que a lei entende que o acto já não pode ser impugnado, deverá subsistir como válido.133 Idem.

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e que tenha interposto um recurso hierárquico para o Comandante Provincial aos 10 de Outubro de 2002. Quid juris? (Cf. RGDPRM E EGFE)

2. Dê um exemplo de sanação por via d prática de um acto.

Extinção E Modificação Do Acto Administrativo

Objectivos

Que no final desta unidade, o cadete seja capaz de:

- Conceituar a extinção do acto administrativo;

- Conceituar a revogação e distigui-la de figuras afins;

- Identificar o conteúdo, o objecto e o fundamento da revogação;

- Mencionar as várias espécies de revogação;

- Interpretar o regime da revogabilidade dos actos administrativos.

Modos de extinção dos actos administrativos

Há vários modos, dos quais importa abordarmos apenas alguns:

- O modo de extinção dos actos de execução instantânea134

Uma vez executado, porque é instantâneo, morre logo a seguir; os efeitos jurídicos por ele produzidos cessam imediatamente com a prática do acto.

- O modo de extinção dos actos de execução continuada

Estes só se extinguem uma vez decorrido um certo período, segundo um dos seguintes modos:

- O modo de extinção que ocorre quando se verifica o termo final ou a condição resolutiva, que lhes acompanha. Ex: regras sobre a manutenção de uma bolsa de estudos.

- O modo de extinção dos actos administrativos que se verifica mediante a prática de um acto administrativo posterior e oposto ao originário, cujo conteúdo é contrário a este.

134 Por exemplo o acto que determina o encerramento de um estabelecimento comercial.

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Para além destes quatro modos de extinção, o modo principal de extinção dos actos administrativos é a revogação, que consiste na prática de um acto administrativo que se destina a extinguir os efeitos de outro acto administrativo anterior; com a revogação, e como seu corolário, surge a extinção dos efeitos jurídicos do acto revogado. Portanto, a revogação é um acto secundário, é um acto sobre actos.

Conteúdo da revogação: extinção dos efeitos jurídicos produzidos pelo acto revogado, ou decisão de extinguir esses efeitos;

Objecto da revogação: é o acto revogado.

Regime jurídico da revogação: de reter que tratando-se de um acto administrativo aplica-se-lhe todas as regras e princípios característicos do regime jurídico dos actos administrativos135.

Figuras Afins Ou Figuras Semelhantes À Revogação

1o Actos administrativos de conteúdo contrário ao de um acto anteriormente praticado, quando assim acontece a Administração Pública pratica um acto no exercício de uma competência diferente, ex: nomeação e demissão; pratica-se o acto de nomeação no exercício de competência para prover determinado cargo; e demite-se no exercício de uma competência disciplinar;

2o Declaração de caducidade de um acto administrativo, que é diferente de revogação, no caso de caducidade não resultam alterações no mundo jurídico, mas no caso de revogação diferentemente provoca-se a produção de efeitos jurídicos novos, decorrendo daí alterações na ordem jurídica existente;

3o Declaração de inexistência ou da nulidade de um acto administrativo

4o Suspensão de um acto administrativo – que é a paralisação temporária da produção de efeitos jurídicos de um acto administrativo, o que difere da revogação que traduz a extinção dos efeitos jurídicos do acto revogado.

Rectificação de erros materiais ou aclarações de acto administrativo anteriormente praticado diferencia-se da revogação, posto que no primeiro caso apenas dá-se uma melhor explicitação do sentido do acto administrativo anteriormente praticado( aclaração), ou opera-se a simples correcção de erros ou imprecisões (rectificações) mas nos dois casos deixam-se intactos os efeitos jurídicos do acto administrativo aclarado ou rectificados.

135 Designadamente a subordinação à lei, a obrigatoriedade, a revogabilidade e a sanabilidade.

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Espécies De Revogação

O agrupamento das espécies de revogação se faz através de quatro critérios, a saber, o critério da iniciativa, o do autor, o do fundamento e o do conteúdo.

a) Critério de iniciativa

Segundo este critério podemos encontrar :

- Revogação oficiosa ou espontânea, quando é praticada pelo órgão competente, independentemente de qualquer solicitação nesse sentido;

- Revogação provocada, nomeadamente mediante um requerimento do interessado na revogação dirigido a um órgão com competência revogatória;

b) Quanto ao autor

A revogação pode ser feita pelo próprio autor do acto revogado – e neste caso chama-se retratação – ou por órgão administrativo diferente; caso em que o acto revogatório é praticado pelo superior hierárquico do autor do acto ou pelo delegante relativamente a actos anteriormente praticados por um subalterno ou por um delegado.

c) Quanto ao fundamento

A revogação pode basear-se na ilegalidade ou na inconveniência do acto que é seu objecto. No primeiro caso, está-se perante a anulação graciosa e visa reintegrar a ordem jurídica violada, suprimindo a infracção cometida com a prática de um acto ilegal. No segundo caso, a revogação encontra a sua razão de ser num juízo de mérito, isto é numa valoração do interesse público feita pelo órgão competente, independentemente de qualquer juízo de legalidade sobre o acto objecto de revogação.

d) Quanto ao conteúdo

A revogação pode revestir uma de duas modalidades:

- Revogação abrogatória – que é a cessação ad futurum dos efeitos jurídicos do acto revogado; esta espécie ajusta-se aos casos em que o órgão administrativo competente muda de critério;

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- Revogação anulatória – que é a destruição total dos efeitos jurídicos do acto revogado, mesmo dos que tenham sido produzidos no passado. Cobre os casos em que o acto a revogar tenha sido praticado com ilegalidade.

Regime De Revogabilidade Dos Actos Administrativos

Existe na nossa ordem jurídica um princípio da revogabilidade dos actos administrativos segundo o qual a Administração Pública dispõe da faculdade de extinguir os efeitos jurídicos de um acto administrativo anteriormente praticado, desde que o considere ilegal ou inconveniente.

Há, no entanto, limites à revogabilidade , havendo aqui que distinguir dois tipos de situações:

- Casos de revogação impossível;

- Casos de revogação proibida.

São casos de revogação impossível aqueles em que a revogação não pode ocorrer na medida em que faltam efeitos jurídicos a extinguir. Apontam-se quatro situações desta natureza, designadamente:

Por seu turno, constituem situações de revogação proibida aquelas situações em que a Administração não deve, sob pena de ilegalidade, revogar actos que haja anteriormente praticado

A irrevogabilidade dos actos constitutivos de direitos

Como consequência do princípio geral da protecção da confiança e do respeito pelos direitos adquiridos, os actos constitutivos de direitos não são revogáveis pela Administração, a menos que sejam ilegais.

São actos constitutivos de direitos todos os actos administrativos que atribuem a outrem direitos subjectivos novos, ou que ampliem direitos subjectivos existentes, ou extinguem restrições ao exercício de um direito já existente.

Regime de revogação dos actos constitutivos de direitos Ilegais

Os traços principais do regime jurídico de revogação de actos constitutivos de direitos são os seguintes:

- O fundamento exclusivo da revogação é a ilegalidade do acto anterior. Por conseguinte, será ilegal a revogação de actos

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constitutivos de direitos com fundamento na sua inconveniência, e ilegal será também a revogação com fundamento numa ilegalidade do acto anterior que, afinal, não exista. Em qualquer destas situações o acto revogatório padece, a nosso ver, de violação de lei;

- A revogação de actos constitutivos de direitos deve ser feita:

a) Dentro do prazo fixado na lei para o recurso contencioso que no caso caiba;

b) Se tiver sido efectivamente interposto um recurso contencioso, pode o acto recorrido ser revogado – no todo ou em parte – até ao termo do prazo para a resposta ou contestação da autoridade recorrida.

Regime de revogação dos actos não constitutivos de direitos

São aspectos principais deste regime os seguintes:

- A revogação de actos não constitutivos de direitos pode ter por fundamento a sua ilegalidade, a sua inconveniência ou ambas;

- A revogação destes actos pode ter lugar a todo o tempo. Entretanto, a revogação de actos não constitutivos de direitos com fundamento em ilegalidade também só pode ter lugar dentro do prazo de recurso contencioso fixado na lei.

Competência Para a Revogação

São competentes para revogar os seguintes órgãos:

- O autor do acto, tendo como fundamento desta competência revogatória a competência dispositiva do autor sobre a matéria a decidir, encontrando-se, por conseguinte, legalmente habilitado a resolver conforme entende conveniente acerca do assunto136;

- O superior hierárquico, tendo como fundamento num caso a sua competência dispositiva sobre a matéria, que é coincidente com a do subalterno, e noutros casos o poder de supervisão, entanto que integrante do conteúdo do poder hierárquico;

- O delegante .

Forma e Formalidades de Revogação

136 Importa assinalar que as modificações da competência dispositiva são relevantes para o apuramento do órgão que dispõe do poder de revogar.

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Diferentemente do que ocorre no geral, no âmbito da revogação não vigora o princípio da liberdade de forma. Antes vigora o princípio da identidade ou paralelismo de forma, segundo o qual tanto as formalidades como a forma do acto revogatório se hão-de apurar com referência às formalidades e à forma do acto revogado.

a) Quanto às formalidades, a regra do paralelismo remete-nos para a observância daquelas que se encontram fixadas na lei, isto é as formalidades legalmente devidas, com uma excepção: aquela que se traduz em não haver lugar à observância de formalidades cuja razão de ser se esgota na prática do acto revogado;

b) Quanto à forma, a solução adoptada é a mesma, com duas excepções em que prevalece a forma efectiva, designadamente:

- Situação em que a lei não estabeleça forma para o acto revogado;

- Situação em que a forma efectiva do acto revogado é mais solene do que a legalmente prescrita (decreto-portaria, ou portaria-despacho, por exemplo)

Efeitos jurídicos da revogação

- Revogação anulatória;

- Revogação abrogatória.

Quanto ao âmbito pessoal da revogação, importa dizer que....

Fim da revogação

- No caso de revogação de acto ilegal, o fim da revogação é a defesa da legalidade, através da supressão do o acto que a ofendera.

- No caso de revogação por inconveniência, o fim é a melhor prossecução do interesse público, tornada possível mediante uma reapreciação do caso concreto.

Significa que se praticar-se uma revogação que não visa nenhuma destas finalidades, esta revogação padece de desvio de poder.

Exercícios:

1. Enuncie os casos de revogação impossível e dê exemplos a sua escolha137.

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- Casos de actos inexistentes ou de actos nulos, posto que, por natureza, estes actos não produzem quaisquer efeitos;

- Casos de actos cujos efeitos já tenham sido destruídos, quer através de anulação contenciosa, quer através de revogação anulatória;

- Casos de actos já integralmente executados, como é o caso dos actos de execução instantânea, uma vez praticados, e mesmo o de execução continuada, uma vez decorrido o prazo dentro do qual os seus efeitos se haviam de produzir (anote-se que esta doutrina só é válida em rigor no que respeita à revogação abrogatória;

- Casos de actos caducados.2. Enuncie os casos de revogação proibida e dê exemplos a

sua escolha138.- Casos de actos praticados no exercício de poderes vinculados e

em estrita obediência a uma imposição legal;- Actos constitutivos de direitos que tenham sido legalmente

praticados pela Administração Pública, ainda que no exercício de poderes discricionários.

3. Mencione os casos de actos constitutivos de direitos139.- Os actos criadores de direitos, poderes, faculdades e, em geral,

situações jurídicas subjectivas;- Os actos que ampliam ou reforçam esses direitos, poderes,

faculdades ou situações jurídicas subjectivas;- Os actos que exingam restrições ao exercício de direitos,

nomeadamente as autorizações;- Os actos meramente declarativos que reconheçam a existência

ou a validade de direitos, poderes, faculdades ou situações jurídicas subjectivas. A estes actos se chama verificações-constitutivas; por exemplo, listas de antiguidade, classificações de candidatos em concurso,actos que atribuam títulos profissionais,etc;

4. Mencione casos de actos não constitutivos de direitos140.- Actos administrativos internos;- Actos declarativos que não consistam no reconhecimento da

existência de direitos, poderes, faculdades ou situações jurídicas subjectivas;

- Actos constitutivos de deveres ou encargos;- Autorizações e licenças de natureza policial;- Actos precários por natureza;- Actos em que a Administração Pública tenha validamente

incluído uma cláusula do tipo “reserva de revogação”;- Actos administrativos sujeitos, por lei, ou cláusula acessória, à

condição “ sem prejuízo dos direitos de terceiros”;- Actos inexistentes e actos nulos.

137 Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Direito Administrativo, Volume III, pgs 365 e segintes.138 Cf. ob. cit. pg 367 e ss.139 Cf. ob. cit. pf 370 e ss.140 Cf. ob. cit. pgs 377 e ss.

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5. Mencione os efeitos jurídicos da revogação141.

A Suspensão Do Acto Administrativo

É a paralisação temporária dos seus efeitos jurídicos. Um acto administrativo pode ser suspenso por um de três modos distintos:

- Por efeito da lei;

- Por acto da Administração;

- Por decisão do tribunal administrativo.

a) Dá-se a suspensão ope legis, ou suspensão legal, quando ocorrem certos factos que, nos termos da lei, produzem automaticamente um efeito suspensivo: é o caso da interposição de recurso hierárquico com efeito suspensivo, acto administrativo sujeito à condição suspensiva ou a termo inicial, etc

b) A suspensão por acto da Administração ocorre sempre que um órgão da Administração para o efeito competente decide, por acto administrativo, suspender um acto administrativo anterior;

c) A suspensão por decisão do tribunal administrativo é aquela que é imposta por um tribunal administrativo em conexão com um recurso contencioso de anulação.

Ratificação, Reforma e Conversão do Acto Administrativo

Trata-se de actos administrativos que visam operar a sanação da ilegalidade de um acto administrativo anterior, no quadro do princípio do aproveitamento dos actos jurídicos.

Estas espécies de actos pertencem à categoria de actos sobre actos, sendo que os seus efeitos jurídicos se vão repercutir sobre os efeitos do acto ratificado, reformado ou convertido. Por outro lado, eles traduzem uma modificação do acto anterior.

- Ratificação (ou ratificação-sanação) – é o acto administrativo pelo qual o órgão competente decide sanar um acto inválido anteriormente praticado, suprindo a ilegalidade que o vicia;

- Reforma - é o acto administrativo pelo qual se conserva de um acto anterior a parte não afectada de ilegalidade;

141 Cf. ob. cit. pg.396 e ss.

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- Conversão - é o acto administrativo pelo qual se aproveitam os elementos válidos de um acto ilegal para com eles se compor um outro acto que seja legal.

20.03.02

Os regulamentos administrativos (ideia geral)

O CONTRATO ADMINISTRATIVO

Noção: existe um contrato administrativo quando a Administração Pública no quadro da prossecução do interesse público actua em colaboração com os particulares mediante a celebração de contratos chamados contratos administrativos.

Trata-se, por conseguinte, da actuação bilateral da Administração Pública que como parte contratante busca a colaboração dos particulares enquanto partes contratadas na realização do interesse colectivo142.

A Administração Pública recorre ao contrato administrativo no âmbito do exercício de actividades de gestão pública, e sujeita-se por isso ao Direito Administrativo.

A este propósito, duas teses se desenvolvem entre juspublicistas no concernente ao contrato administrativo, uma afirmando que não existem contratos administrativos e outra afirmando que existem contratos administrativos.

Qual a diferença entre os contratos administrativos e os de Direito Comum.

Portanto, os critérios de definição do contrato administrativo: o critério que vigorou numa primeira fase foi o critério legal, no sentido de que só são contratos administrativos aqueles que tiverem sido taxativamente enumerados na lei.

Este critério foi recebido pela nossa ordem jurídica no período colonial, baseava-se no § 1o do artigo 815 do Código Administrativo Português de 1940 que dispunha o seguinte: “ consideram-se contratos administrativos unicamente os contratos de empreitada e de concessão de obras públicas, os de concessão de serviço públicos e os de fornecimento contínuo e de prestação de serviços,

142 No diagnóstico do sector público feito em 2001 se referia que o “ uso de contratos programa e, de um modo geral, de relações contratuais no sector público não é parte de uma estratégia de execução orçamental e carece de aperfeiçoamento e aplicação mais extensiva enquanto instrumento de atribuição de recursos e responsabilização institucional. (in “Estratégia Global da Reforma do Sector Púbico 2001-2011, pg 15).

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celebrado entre a Administração Plica e os particulares para fins de imediata utilidade pública.

Entendia-se assim que apenas eram contratos administrativos aqueles que se encontrassem enumerados naquele preceito do Código Administrativo Português de 1940, tanto pela doutrina como pela jurisprudência.

Há outros contratos, nomeadamente:

- O de utilização do domínio público pelos particulares;

- Para efeitos contenciosos os nomea

- Os outros são apenas materialmente

Com tempo, a doutrina foi notando que o critério legal era falível. Daí se haver substituído o critério legal pelo critério da natureza143. Este critério permite abranger aqueles contratos outros que forem surgindo. Significa isso que a enumeração agora é meramente exemplificativa, e não taxativa144.

Assim, segundo Sérvulo Correia, o contrato administrativo é aquele que constitui um processo próprio de agir da Administração Pública, e que cria, modifica ou extingue relações jurídicas disciplinadas em termos específicos do sujeito administrativo entre pessoa colectiva pública da Administração ou entre estas e os particulares.

FA” “

Esta definição permite abranger como modalidade de contratos administrativos os contratos económicos, sem tipificação legal e outra correspondente a tipos que, entretanto, se formaram sem a presença de normas de específica atribuição de competências à jurisdição administrativa, como é o caso de diversos contratos de desenvolvimento e do chamado contrato-programa.

Definido o que é um contrato, importa ver as espécies de contratos administrativos, definí-las e caracterizá-las.

Nas espécies de contratos administrativos, importa isolar os contratos administrativos de obras públicas, que são de duas espécies:

a) Contrato de empreitada de obras públicas;

b) Contrato de concessão de obras públicas.

143 Cf. no1 do artigo 10 da Lei no5/92, de 6 de Maio.144 Cf. no2 do artigo 10 da Lei no5/92, de 6 de Maio.

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Empreitada de obras públicas – é o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de executar uma obra pública, mediante retribuição a pagar pela Administração Pública145.

O contrato de empreitada de obras públicas é uma das três formas de que a Administração Pública se serve para a realização de obras públicas. Essas três formas são as seguintes:

- Administração directa, sempre que são os próprios serviços da Administração Pública que as executam;

- Por empreitada, sempre que a Administração Pública encarrega a uma empresa particular (empreiteiro de obras públicas) de executar a obra tendo como contrapartida o pagamento de um preço que cubra os custos de mão-de-obra, dos materiais, etc;

- Por concessão.

Características do contrato de empreitada de obras públicas

O que caracteriza esta espécie de contrato administrativo é a execução de uma obra pública por uma empresa particular, assumindo a Administração Pública a obrigação de pagar ao executor da obra o respectivo preço.

O Contrato De Concessão De Obras Públicas – é o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de executar e explorar uma obra pública, mediante retribuição a obter directamente dos utentes, através do pagamento por estes de taxas de utilização146.

Segundo Jean Rivero e Jean Waline147 , o contrato de concessão de obras públicas é aquele pelo qual a Administração Pública confia a um particular ou excepcionalmente a um estabelecimento público de construir as obras necessárias ao serviço público e a missão de o fazer funcionar remunerando-se através dos utentes daquele serviço.

Depreende-se destas definições que os elementos definidores do instituto em apreço são dois; por um lado, a execução de uma obra pública, e por outro lado, a exploração de um serviço que se prende com a obra anteriormente executada, e de cujo rendimento o concessionário percebe ao menos parte do seu pagamento.

145 Cf. MARAL, Diogo Freitas, Vol. III, pg441.146 Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Vol. III, Pg 442147 Cf. Pg.99 do seu livro Droit Administrative

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Concessionário é aquele particular que tenha celebrado um contrato de concessão de obras públicas ou de concessão de serviços públicos; opõe-se ao concedente, órgão ou agente da Administração Pública que celebrou qualquer destas duas espécies de contratos admministrativos com o particular.

Com efeito, importa ter presente que a evolução deste instituto introduziu reajustamento à definição clássica avançada por exemplo pelo prof. Freitas do Amaral.

Assim, importa ter presente o seguinte:

1o Nem sempre o pagamento se faz exclusivamente através de cobrança de taxas aos utentes; casos há em que a Administração Pública paga uma parte do valor da obra pública executada, deixando parte para sê-lo por via das taxas dos utentes;

2o Existem outras formas de retribuição, como aquela em que a exploração em si é uma forma de pagamento sem a presença de taxas dos utentes.

Apesar destes novos aspectos, no essencial o contrato de concessão de obras públicas tem natureza dual. Por um lado, construção de uma obra pública (que também é característica fundamental do contrato de empreitada de obras públicas), e por outro a exploração de serviço público, resultante do funcionamento da obra pública construída (que também é característica fundamental do contrato de concessão de um serviço público).

Características Dos Contratos De Concessão De Obras Públicas

1. Rentabilidade das coisas a construir, a fim de, para além de prosseguir o bem comum, satisfazer os interesses próprios dos particulares contratados;

2. Execução de trabalhos por conta e risco do concessionário (concedente versus concessionário)

Por via deste contrato, a Administração Pública, concedente, transfere o risco para o particular concessionário, já que não assume a posição de dona da obra, isto é não assume a direcção técnica das acções de construção e só se mantém como poprietária (de raíz) da obra à data da respectiva conclusão.

Ora, para a Administração ser dona da obra é imperativa a reunião cumulativa das duas condições: dirigir a obra e ser dela proprietária à data da respectiva conclusão.

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3. Conservação e administração da obra feita pelo concessionário e pagamento, pelo menos em parte, pelos respectivos rendimentos.

Uma vez executados os trabalhos, o concessionário mantém os bens em seu poder, faz a respectiva gestão e faz-se pagar, pelo menos em parte, pelos rendimentos deles obtidos durante o prazo de duração da concessão. De notar que a natureza de serviço público mantém-se inalterável e independente da sua gestão temporária por uma entidade privada.

Elementos da concessão de obras públicas

1. Elementos comuns à empreitada de obras públicas

a) Conclusão de um acordo, devendo uma das partes ser uma pessoa colectiva de direito público, salvo nos casos de mandato ou representação;

b) Construção de uma obra pública (no caso da concessão, repare-se, com capitais privados)

2. Elementos específicos

a) Exploração de uma obra pública, uma vez concluída a sua construção, nos moldes da concessão de um serviço púbico;

b) Remuneração do concessionário frequentemente consubstanciada pela percepção de taxas dos utentes do serviço público resultante da obra feita. “ A concessão de serviço público pode não ter utentes beneficiários da obra, sendo o concessionário o único e próprio beneficiário148”. É o caso, por exemplo, do concessionário da exploração de uma cascata para uso privativo e exclusivo da energia nela produzida. Neste caso, como é evidente, a hipótese de remuneração através de rendas ou taxas de potenciais utentes fica necessariamente afastada.

Aos contratos de empreitada e de concessão de obras públicas chama-se contratos de obras públicas. Assim, entende-se por obras públicas os trabalhos de construção, grande reparação e adaptação de bens imóveis, feitos total ou parcialmente por conta da Administração para fins de utilidade pública149.

Esta definição coincide com a definição constante do artigo 1o do Decreto-Lei no 40623, de 30 de Maio de 1956, segundo a qual

148 Cf. LAUBADER, André de, MODERN, Frank, e DELVOLVÉ, Pierre in “ Traité des contrats administratifs, Vol. I, 2a Edição, 1983 ou Vol. II, 2a Edição, 1984, LDGJ, Paris, pp 309/10.149 Cf. CAETANO, Marcelo, Manual de Direito Administrativo, Vol II, pg 1001.

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obras públicas são “ trablhos de construção, reconstrução, grande reparação ou adaptação de bens imóveis a fazer por conta do Estado, das autarquias locais e dos institutos públicos ou que pelo Estado sejam comparticipados.”

3o Concessão de serviços públicos, que é definido como sendo “ o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de montar e explorar um serviço público, sendo retribuido pelo pagamento de taxas de utilização a cobrar directamente dos utentes150.

Características fundamentais

Invés de a concessão ter a ver com a construção de uma obra pública, aqui ela é aplicada a um serviço público; donde:

a) Montagem do serviço pelo particular, investindo os seus capitais;

b) Responsabilidade do particular contratado de pôr o serviço público em funcionamento, cobrando dos utentes a respectiva taxa durante um determinado período;

c) Uma vez ressarcido o investimento inicial feito pelo particular, possibilidade de recuperação do serviço público pela Administração.

Contrato de uso privativo do domínio público

Definido como “ o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta a um sujeito de direito privado a utilização económica exclusiva de uma parcela do domínio público para fins de utilidade pública151.

Exemplos:

Concessões de usos privativos para aproveitamento de águas públicas, para instalação de serviçs de apoio à navegação marítima ou fluvial, para instalação de postos de venda de combustível nas estradas, aproveitamento de salinas e sapais ou para edificação de estabelecimentos hoteleiros de interesse para o turismo nas margens do mar, dos rios e dos lagos.

Importa não confundir estas concessões de uso privativo com as concessões de exploração de bens do domínio público, que , não estando embora referidas na lei, são por maioria de razão, contratos administrativos.

150 Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Direito Administrativo, Vol. III, pg 443.151 Cf. AMARAL, Diogo Freitas, Direito Administrativo, Vol. III, ob. cit. Pg 444.

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5o Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar, definido como o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de montar e explorar um casino de jogos, sendo retribuido pelo lucro auferido das receitas dos jogos152”.

Na execução deste contrato o que se passa é o seguinte:

1o O particular faz investimento no estabelecimento do casino;

2o O particular explora-o por sua conta e risco, obtendo dessa exploração a remuneração do capital investido;

3o No fim, uma vez amortizado o investimento, devolve o casino ao Estado. Este, por sua vez, opta:

- Ou pela exploração directa do casino;

- Ou pela celebração de um novo contrato de concessão com quem oferecer melhores condições.

6o Fornecimento contínuo, definido como sendo “ o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega, durante um certo período, de entregar regularmente à Administração certos bens necessários ao funcionamento regular de um serviço público153.

Exemplos:

- Contratos da Imprensa Nacional com empresas que periodicamente lhe fornecem papel e tinta para o seu funcionamento (condição sine qua non do seu funcionamento;

- Contratos celebrados entre hospitais com empresas que, de forma contínua, lhes fornecem produtos farmacêuticos, alimentares;

- Contratos celebrados pelo Ministério da Defesa Nacional para alimentação, vestuário dos soldados, etc.

Importa não confundir o fornecimento contínuo, que é um verdadeiro e autêntico contrato administrativo, com o simples fornecimento avulso, que não o é.

7aEspécie de contrato administrativo: Prestação de serviços

152 AMARAL, Diogo Freitas, ob. Cit. Pg 445.153 Cf. AMARAL, Diogo Freitas, ob cit. Pg 446.

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Segundo a jurisprudência e a doutrina, esta espécie abrange dois tipos complementares um do outro: o contrato de transporte e o contrato de provimento.

7.1. Contrato de transporte, definido como sendo “ o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de assegurar a deslocação entre lugares determinados de pessoas ou coisas a cargo da Administração”154.

São exemplos desta espécie, os contratos celebrados entre os correios e as empresas de transporte aéreo, marítimo e rodoviário, para o transporte diário ou periódico do correio de certos locais para outros.

7.2. Contrato de provimento, definido como sendo “ o contrato administrativo pelo qual um particular ingressa nos quadros permanentes da Administração e se obriga a prestar-lhe a sua actividade profissional de acordo com o estatuto da função pública155.

Importa não confundir o contrato de provimento com algumas figuras afins, designadamente:

a) Há que distinguir o contrato de provimento de outras formas de provimento em lugares da função pública, maxime a nomeação. Na realidade, o provimento dos funcionários públicos pode ser feito de várias maneiras, dentre as quais as mais salientes/predominantes são a nomeação e o contrato de provimento.

As diferenças fundamentais entre as duas formas de provimento dos funcionários públicos são as seguintes:

- A nomeação constitui um acto administrativo unilateral, válido entanto que tal, embora a respectiva eficácia dependa da aceitação do particular mediante a tomada de posse, que é um outro acto jurídico praticado após a nomeação;

Trata-se de um acto administrativo unilateral praticado e publicado no Boletim da República, mesmo antes de o interessado declarar se o aceita ou não;

Além disso, a nomeação constitui um acto administrativo que caduca em caso de não aceitação pelo particular nomeado.

- Por seu turno, o contrato de provimento é o acto administrativo bilateral que resulta da fusão/acordo das vontades da

154 Cf.AMARAL, Diogo Freitas, ob. cit. Pg. 447.155 Cf. AMARAL, Diogo Freitas, ob.cit. Pg. 448.

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Administração Pública, por um lado, e do particular, por outro lado, traduzida na assinatura de ambas as partes no mesmo documento.

Neste caso, a aceitação do particular não é uma condição de eficácia do acto administrativo, mas um elemento integrante e constitutivo do contrato.

A este respeito, o Estatuto Geral dos Funcionários do Estado vigente em Moçambique, aprovado pelo Decreto no 14/87, de 20 de Maio e actualizado pelo Decreto no 47/95, de 17 de Outubro, nos seus artigos 22 e 23, no1, define e estabelece as formalidades do provimento, respectivamente:

- “ O provimento consiste no acto de designação para o preenchimento de lugares dos quadros de pessoal dos órgãos centrais e locais do aparelho do Estado”156;

- “O provimento faz-se por nomeação ou contrato sujeitos ao visto do Tribunal Administrativo e à publicação no Boletim da República, sempre que a dispensa de publicação não seja expressamente determinada. Havendo dispensa de visto, haverá sempre anotação”.

b) Além disso, importa distinguir o contrato administrativo de provimento do contrato civil de prestação de serviços.

Efectivamente, importa ter sempre presente que no contrato administrativo de provimento o particular se torna funcionário público, sendo que, diversamente, o contrato civil de prestação e serviços tem por objecto encarregar o particular de uma determinada tarefa, sem que, por isso, ele se torne funcionário público.

É exemplo deste contrato a solicitação do trabalho de dois especialistas para missões concretas, específicas e bem determinadas, como seja o desenho de um projecto de um monumento por um arquitecto; outro exemplo é o da solicitação de pareceres sobre a situação da cidade de Maputo, face às enxurradas, às cratera e à gestão de terras.

c) Finalmente, importa distinguir o contrato administrativo de provimento e o contrato de trabalho, enquanto acordo pelo qual um particular se torna empregado de uma entidade patronal, ingressando consequentemente nos quadros permanentes dessa empresa/entidade patronal.

156 Esta redacção foi introduzida pelo Decreto no47/95, de 17 de Outubro.

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Efectivamente, cada um tem o seu regime juríidico.

- O regime jurídico do contrato administrativo de provimento é o regime da função pública, integrado no Direito da Função Pública157.

- Por sua vez, o contrato de trabalho tem um determinado regime jurídico que é o regime geral dos trabalhadores das empresas privadas158.

Relativamente a este aspecto, importa realçar que os trabalhadores das empresas públicas têm um regime jurídico de contratos de trabalho e não da função pública, precisamente porque as empresas públicas funcionam segundo o princípio da gestão privada159.

REGIME JURÍDICO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Objectivos específicos

No final desta sessão os particpantes têm que ser capazes de:

- Explicar e aplicar o procedimento anterior à escolha do particular a contratar;

- Indicar e interpretar os poderes de autoridade conferidos à Administração na fase de execução do contrato;

- Indicar e explicar as formas de extinção do contrato administrativo.

1. Preliminares

O regime jurídico dos contratos administrativos é constituído por normas de dois tipos:

a) Normas que conferem prerrogativas especiais de autoridade à Administração Pública;

b) Normas que impõem à Administração Pública especiais deveres ou sujeições que não existem no regime dos contratos de direito privado.

2. Aspectos do regime jurídico dos contratos administrativos

157 Entre nós contido no Estatuto Geral dos Funcionários do Estado.158 Entre nós contido na Lei do Trabalho, que é a Lei no 8/98, de 20 de Julho, BR. No 28, 1a

Série, 2o Suplemento.159 Cf. no2 do artigo 2 da Lei no8/98, de 20 de Julho.

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O regime jurídico dos contratos administrativos deve ser visto em relação a três aspectos:

- A formação do contrato administrativo;

- A execução do contrato administrativo;

- A extinção do contrato administrativo.

2.1. A formação do contrato administrativo

Porque acordo de vontades do qual resultam direitos e obrigações equilibradas para ambos contraentes, os contratos administrativos não aparecem imediatamente, subitamente, e não se confundem com um produto instantâneo e independente de actos prévios. A sua formação, por conseguinte, pressupõe a realização de um processo que começa por via da iniciativa de contratar tomada pelo órgão ou agente administrativo, para o efeito competente; desenvolve-se mediante a prática de actos e formalidades enquadrados na preparação da decisão de contratar e desemboca na tomada de decisão de contratar, propriamente dita.

O processo que conduz à formação da vontade da Administração Pública, enquanto contraente de um dado contrato administrativo, deve obedecer aos princípios gerais do Direito, à Constituição, às normas de direito público, em geral, e às do Direito Administrativo em particular, e sujeita-se a uma série de limitações que a obrigam a proceder e a actuar de determinada maneira, em função das exigências que resultam da sua própria estrutura e funcionamento, bem como da necessidade de prosseguir o interesse público.

Significa, portanto, que, neste processo de formação do contrato administrativo abundam normas jurídicas especialmente apertadas impondo/sujeitando à Administração Pública restrições e sujeições muito maiores do que aquelas que recaiem sobre os administrados em geral. Essas regras versam sobre os elementos essenciais do contrato administrativo, designadamente:

a) A competência para contratar;

b) A obtenção do mútuo consenso em que se traduz o contrato administrativo;

c) A autorização das despesas públicas a realizar através do contrato; e

d) A forma e formalidades da celebração do contrato administrativo.

2.1.1. Formas de escolha dos particulares

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A escolha dos particulares está sujeita a normas muito restritivas e pode ser feita segundo um dos seguintes mecanismos:

- Ajuste directo;

- Concurso limitado;

- Concurso público.

Em obediência aos princípios da transparência, igualdade, imparcialidade e proporcionalidade administrativa, em geral, todos os contratos administrativos formam-se através do mecanismo do concurso público ou do concurso limitado. Só quando a lei permite é que podem formar-se através do ajuste directo.

O concurso público é, neste quadro, a forma que melhor garante a igualdade dos concorrentes, a escolha da melhor proposta, a transparência do processo e a sua moralidade.wwwwwwww2.1.2. A Adjudicação

É o acto administrativo pelo qual o órgão competente escolhe a proposta preferida e, portanto, selecciona o particular com quem pretende contratar. É, assim, a última fase do concurso público ou limitado enquanto processo de formação do contrato administrativo.

A adjudicação assim entendida torna perfeito o contrato.

Neste contexto, podemos afirmar que a decisão de adjudicação é simultaneamente decisão de não aceitação de todas as restantes propostas. É, por isso, ilegal a adjudicação sob condição de realizar negociações posteriores acerca do conteúdo definitivo do contrato, por violar os princípios estruturantes do concurso público, designadamente a concorrência, a igualdade, a imparcialidade e a publicidade, da estabilidade das regras do concurso, bem como os da boa fé e da protecção da confiança e os princípios fundamentais do Direito. Além disso, tal tipo de adjudicação acaba transformando-se no ajuste directo.

2.1.2.1.Adjudicação e celebração do contrato administrativo

- A adjudicação, ou seja a escolha pela Administração do particular com quem pretende contratar é um acto jurídico unilateral anterior à celebração do contrato administrativo;

- A celebração d contrato administrativo, ou seja o contrato administrativo é um acto jurídico bilateral, que, por isso mesmo, resulta de um acordo de vontades.

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Esta distinção tem implicações práticas, nomeadamente:

a) Por vezes a competência para adjudicar é atribuída a um órgão e a competência para celebrar o contrato ou para contratar é conferida a outro órgão. Significa, portanto, nestes casos, há um primeiro órgão que escolhe o particular com quem a Administração Pública pretende contratar e há um segundo órgão competente para celebrar e assinar o contrato.

b) Uma vez efectuada, a adjudicação pode vir a ser revogada, tornando-se assim inviável a celebração posterior do contrato administrativo com a pessoa escolhida.

2.1.2.2. Adjudicação provisória e adjudicação definitiva

2.2. A execução do contrato administrativo

Como vimos, na formação do contrato administrativo, a Administração Pública aparece sujeita a limitações e restrições que não têm comparação com aquelas que os particulares enfrentam no exercício da sua capacidade privada de contratação.

Ora, na fase de execução de contrato administrativo, a Administração Pública encontra-se investida dos poderes de autoridade de que os particulares não beneficiam no quadro dos contratos de direito privado celebrados entre si. Trata-se de poderes de autoridade que a Administração Pública mantém e acciona sempre que discricionariamente achar conveniente e oportuno, em função do interesse público por caber a ela, em exclusivo, a definição do bem-comum em cada momento.

2.2.1. Principais poderes de autoridade da Administração Pública na fase

de execução dos contratos administrativos

São essencialmente três os poderes de autoridade da Administração Pública no âmbito da execução dos contratos administrativos:

- O poder de fiscalização;

- O poder de modificação unilateral;

- O poder de aplicar sanções.

a) Poder de fiscalização

Este poder consiste no direito que a Administração Pública tem, como parte pública do contrato administrativo, de controlar a

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execução do contrato para evitar surpresas prejudiciais ao interesse colectivo, de que a Administração só viesse a se aperceber demasiado tarde.

Para isso, existe um conjunto de regras que delimitam este poder de fiscalização e que estabelecem as sujeições que impendem, em consequência dele, sobre o contraente particular.

É a fiscalização que, do ponto de vista técnico, físico, administrativo e financeiro, cumpre a missão fundamental que consiste em verificar se a acção do particular contraente satisfaz os pressupostos contratuais designadamente quanto à qualidade da execução, quanto aos prazos e quanto aos custos. Quando detectados desvios relativamente ao previsto, a fiscalização passa a ter uma acção mais activa conducente à correcção desvios, a sua conveniente redução ou eliminação, ou à aplicação das sanções cominadas num contrato administrativo dado.

b) Poder de modificação unilateral

Dado que os contratos administrativos são normalmente contratos de longa duração, acontece, vezes sem conta, que as condições em que foram celebrados alteram-se durante a fase da sua execução. Essas alterações, amiúde, são de tal monta que se divorciam do que ficou inicialmente estipulado entre as partes e tornam os contratos administrativos celebrados pouco ou nada convenientes/ ajustados/adequados à prossecução do interesse público que determinou a sua celebração.

Exemplo: Os célebres casos acontecidos em França:

- O primeiro em 1902 – concessões feitas pelas câmaras municipais, antes da descoberta da electricidade, concessões de iluminação pública a gás;

- Surge a invenção da electricidade e a população e a opinião pública exigiram a substituição da iluminação a gás pela electricidade nas cidades;

- Os contratos de concessão de iluminação pública iniciais, porém só previam a iluminação a gás;

- Neste contexto, no início do sec. XX, em 1902, várias câmaras municipais reivindicaram um poder de modificação unilateral das cláusulas do contrato, impondo aos concessionios a obrigação de assegurar a iluminação das cidades através da energia eléctrica;

- Face a isto, os concessionários tentaram resistir alegando que tal não estava previsto nos contratos e, consequentemente,

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recorreram para os tribunais administrativos. Apesar disso, o Conselho de Administração deu razão à Administração Pública, isto é às Câmaras Municipais.

Fundamento da sentença do Conselho de Estado

À Administração Pública tinha de ser reconhecido o poder de modificação unilateral das cláusulas do contrato, sem prejuízo das obrigações daí resultantes para a Administração de pagar uma remuneração superior àquela a que se tinha obrigado de modo a manter o equilíbrio financeiro do contrato;

Significa, portanto, que ao poder de modificação unilateral, uma modificação por acto do poder ou fait du prince, correspondia o dever de manter o equilíbrio financeiro do contrato. O objectivo é que se prossiga o interesse público nas novas condições, sem arruinar os concessionários.

- O segundo caso aconteceu em 1910

- Concessionários do serviço público de transporte colectivo urbano através de carros eléctricos obrigados a alargar o âmbito do contrato a zonas que eram antes suburbanas, já urbanizadas ou em vias de urbanização;

- Este alargamento não estava inicialmente previsto. De novo o Conselho de Estado francês aprovou a medida com base na aplicação do poder de modificaçào unilateral da Administração Pública

Ter presente que em Direito Civil, estas situações de modificações unilaterais não teriam lugar, mesmo depois da consagração nele da teoria da imprevisão. Esta dá lugar ao direito de pedir a rescisão do contrato, mas nào permite que uma das partes contraentes se arrogue o direito de impor unilateralmente alterações no objecto do contrato.

Já em Direito Administrativo, entende-se que o particular contraente, tal como a Administração Pública, também fica subordinado às exigências do interesse público e, consequentemente, tem de se adaptar e agir como agiria a Administração Pública se fosse esta a explorar directamente o serviço objecto da concessão. A modificação unilateral do objecto do contrato pela Administração Pública dá, no entanto, ao particular contraente o direito de pedir a revisão das cláusulas de remuneração de modo a manter o equilíbrio financeiro do contrato.

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De facto, em homenagem à jstiça e à equidade, o princípio geral aplicado sempre que se verifica uma modificação por acto do poder ou fait du prince é o de que “ o exercício pela Administração Pública do seu poder unilateral de modificação do conteúdo das prestações do contraente privado envolve o ônus ou encargo de ser ela a suportar todas as inerentes consequências financeiras160”. É que continua o mesmo juspublicista, como reflexo da força vinculativa dos contratos... (aditamento) e do equilíbrio financeiro que deve prevalecer, a modificação unilateral do contrato que debilita o princípio da estabilidade contratual tendo a vista a prossecução do bem comum, implica responsabilidade contratual da Administração Pública: esta tem que assumir, neste contexto, a responsabilidade pelo estabelecimento da “honesta equivalência das prestações161”.

Importa não confundir o poder de modificação unilateral com a modificação do contrato derivada de circunstâncias alheias aos contraentes, nomeadamente:

- Casos de força-maior, que são os que resultam de acontecimentos imprevistos e irresistíveis cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais do particular contratado, nomeadamente actos de guerra ou subversão, epidemias, radiações atómicas, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem a execução do contrato pelo particular contraente. Trata-se de factos imprevistos e estranhos à vontade dos contraentes que impossibilita absolutamente de cumprir as obrigações contratuais162. São acontecimentos exteriores, independentes da vontade dos co-contraentes e que impossibilita (impede) a execução do contrato163.

- Teoria da imprevisão (casos imprevistos), que ganha corpo quando as circunstâncias em que haja fundado a decisão de contratar sofram alteração imprevisível segundo as regras da prudência e da boa fé, donde resulte, na execução do contrato, grave aumento de encargos que não caibam nos riscos normais. Caso imprevisto “ é o facto estranho à vontade dos contraentes que, determinando a modificação das circunstâncias económicas gerais, torna a execução do contrato muito mais onerosa para uma das partes do que caberia no risco normalmente considerado”164.

160 Cf. Paulo Otelo-Estabilidade Contratual, Modificação unilateral e equilíbrio financeiro em contrato de empreitada de obras públicas, Separata da Revista da Ordem dos Advogados, LX, 1996, pg44.161 Idem, pg 45.162 CAETANO, ob. Cit. VolI. Pg 623.163 LAUBADERE, André e outros, ob. cit. Pg.777.164 CAETANO, Marcelo, ob. Cit. Pg 625.

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A teoria da imprevisão tem a ver com “ o caso em que a situação do concessionário vem a ser profundamente alterada (subvertida) por acontecimentos exteriores, anormais e imprevisíveis, por exemplo um aumento brusco e considerável do preço das matérias-primas devido à áleas económicas que não puderam entrar, com razão, nas previsões das partes no momento do contrato”165.

A diferença fundamental entre as duas figuras consiste em:

- O caso de força-maior impossibilita absolutamente o cumprimento das obrigações contratuais, liberta o contraente particular do cumprimento das suas obrigações contratuais;

- O caso imprevisto torna a execução do contrato muito mais onerosa para uma das partes do que adviria da álea normal; consequentemente obriga à revisão dos preços ou à atribuição de indemnizações destinadas ao restabelecimento do equilíbrio económico do contrato, mas não liberta o co-contratante da sua responsabilidade contratual.

Em conclusão, podemos dizer que, enquanto o poder de modificação unilateral é uma manifestação das prerrogativas de autoridade da Administração Pública de que recorre na busca permanente da satisfação do interesse público; o caso de força-maior e o caso imprevisto resultam de factos cuja ocorrência não depende do poder administrativo e dos interesses dos contratantes.

c) O poder de aplicar sanções ao contraente particular, ou por causa da inexecução do contrato, ou por causa do atraso na sua execução, ou por outra forma de execução imperfeita, ou ainda por ele ter trespassado o contrato para outrem sem a devida autorização da Administração Pública,etc.

Trata-se da faculdade que cabe à Administração Pública de aplicar sanções ao contraente particular, sempre que este cometa algum desvio sancionável em conformidade com o previsto nas cláusulas contratuais.

Modalidades mais típicas deste poder

a) Aplicação de multas;

b) Sequestro, que acontece quando o contraente particular abandona o exercício da actividade de que foi encarregado pelo contrato administrativo. Neste casos, a Administração Pública tem o direito de assumir o exercício dessa actividade e as obrigações do particular relativamente ao contrato, ficando a

165 Cf. LAUBADERE, André, Direito Económico, Almedina, Coimbra, 1985, pg. 405.

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cargo do contraente particular todas as despesas que a Administração fizer enquanto essa situação durar.

Significa que a Administração Pública substitui-se ao contraente particular no cumprimento das suas obrigações contratuais e as despesas que, nesse contexto fizer, tem de ser suportadas pelo património do contraente particular.

2.3. A extinção do contrato administrativo

2.3.1Preliminares

Os contratos administrativos podem extinguir-se como resultado da ocorrência de causas normais da sua extinção ou na sequência do exercício de poderes de autoridade da Administração Pública. Efectivamente, como reflexo da prossecução do interesse público, igualmente nesta fase ela possui alguns poderes de autoridade.

2.3.2. Causas normais de extinção dos contratos administrativos

a) Caducidade;

b) Termo.

2.3.3. Causas específicas de extinção dos contratos administrativos

Existem causas de extinção que constituem traços característicos específicos dos contratos administrativos que importa considerar. São as seguintes:

a) Rescisão do contrato a título de sanção, que se verifica “ quando o contraente particular não cumpre, ou não cumpre rigorosamente as cláusulas do contrato”166. Sempre que isso aconteça, a Administração Pública tem o direito de rescindir o contrato, como aplicação de uma sanção ao contraente particular, no todo ou em parte, faltoso.

b) Resgate, que “ consiste no direito que a Administração tem, antes de findo o prazo do contrato, de retomar o desempenho das atribuições administrativas de que estava encarregado o contraente particular, não como sanção, mas por conveniência do interesse público, e mediante justa indemnização”167.

Noutras palavras, resgate é a rescisão do contrato administrativo por conveniência do interesse público.

166 Cf. AMARAL, Diogo Freitas, ob, cit, pg.465.167 Cf. AMARAL, Diogo Freitas, ob. cit.pg.466.

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De facto, por causa da alteração das circunstâncias, pode passar a ser mais conveniente ao interesse público que o servi,co até então explorado pelo concessionário o seja, doravante, directamente pelo conecedente, ou seja pela Administração Pública.

Sempre que isso aconteça, está tem o direito de pôr termo ao contrato através do resgate.

Como consequência do resgate a Administração Pública recupera o exercício daqueles poderes públicos até então transferidos para o particular contraente, por um lado; por outro, ela assume o dever de indemnizar o concessionário.

Importa ter presente que a indemnização que decorre da decisão de resgate visa:

- Pagar ao particular contraente a parte do valor do estabelecimento que ainda não estava devidamente amortizada;

- Pagar os lucros cessantes referentes ao período de tempo (meses ou anos) que a concessão devia ainda durar se o contrato fosse cumprido. É o chamado prémio de evicção.

De reter que:

- A distinção entre o resgate e a rescisão como sanção existe predominantemente nos contratos de concessão;

- As mesmas figuras existem nos contratos de provimento, característicos da função pública, embora com outra designação. Na verdade, nesta espécie de contratos administrativos, fala-se de demissão por motivos disciplinares168 e em exoneração por conveniência de serviço169.

Assim, na demissão o funcionário é expulso dos quadros porque cometeu uma infracção disciplinar e a extinção do vínculo que lhe ligava à função pública é uma sanção. Na exoneração por conveniência de serviço o víncuo termina já não porque o funcionário cometeu alguma infracção ma spor conveniência do interesse público. É este que determina o afastamento do funcionário.

É óbvio que o regime jurídico aplicável na demissão enquanto sanção é diferente do aplicável à exoneração por interesse ou

168 Cf. artigo 183 do EGFE, aprovado pelo Decreto no14/87, de 20 de Maio e actualizado pelo Decreto no 47/95, de 17 de Outubro). 169 Cf. artigo 229 e seguintes do E.G.F.E.

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conveniência do serviço, sendo que, neste segundo caso, os direitos do funcionário são superiores.

10.04.02Dr. Machatine

O PODER DE POLÍCIA

A constituição e as leis conferem aos cidadãos um conjunto de direitos e liberdades que não podem ser exercidos de forma a prejudicar o interesse da colectividade. Significa isso dizer que o seu exercício não pode impedir a realização do bem comum, do interesse público, sob pena de ter que sofrer limitações.

Noção de poder de polícia

O poder de polícia pode ser entendido no sentido amplo ou no sentido restrito.

Em sentido amplo, poder de polícia corresponde à actividade estatal que consiste em condicionar o exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos ao seu ajustamento aos interesses colectivos. Por outras palavras, o poder de polícia tem a ver com o complexo de medidas do Estado, medidas essas provenientes quer do poder legislativo, quer do poder executivo, que delinea a esfera juridicamente tutelada de liberdades e dos direitos dos cidadãos.

Em sentido restrito, o poder de polícia prende-se tão somente com as intervenções, quer gerais e abstractas, como é o caso dos regulamentos, quer concretas e específicas, tais como as autorizações, as licenças, etc do poder executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de actividades particulares que contrastam com os interesses sociais.

O sentido restrito corresponde ao chamado poder de polícia administrativa. Segundo Jean Rivero,” é o conjunto de intervenções da Administração pública que tende a impor à livre acção dos particulares a disciplina exigida pela vida em sociedade”.

Em síntese, podemos dizer que o poder de polícia destina-se a impedir a produção de danos para a colectividade, que poderiam resultar do exercício abusivo dos direitos e liberdades individuais.

Fundamento e essência do poder administrativo

O poder de polícia deriva da supremacia da Administração Pública relativamente aos administrados. Essa supremacia assenta no facto de que a Administração Pública prossegue o bem comum cuja

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satisfação não pode ser posta em causa por interesses particulares, grupais ou singulares.

O poder de polícia é um poder negativo, no sentido de que, por via dele, o poder político não pretende obter uma actuação por parte de um particular ou de particulares, mas sim uma abstenção. Por meio do poder de polícia não se exige um facere mas um non facere dos particulares, sendo esta a essência do poder de polícia: exige-se do particular que deixe de fazer alguma coisa, e não que faça.

Características fundamentais do poder de polícia

São três:

- O poder de polícia tem de provir de uma autoridade pública, donde se exclui, por evidente, a reclusão compulsória, mesmo de loucos, promovida por parentes;

- O poder de polícia deve ser imposto coercivamente pela Administração Pública;

- O poder de polícia deve abranger de forma genérica as actividades e direitos dos administrados.

Em Direito Francês, há uma distinção que se usa fazer entre polícia administrativa e polícia de investigação criminal, sendo que a primeira tem um carácter preventivo, e a segunda tem um carácter repressivo. Porém, não existe uma separação estanque entre ambas; isto é quando se fala de que a polícia administrativa tem um carácter preventivo, quer dizer que é predominantemente preventiva, e não exclui uma certa dose repressiva.

Por outro lado, quando se propala que a polícia investigação criminal (polícia judiciária) tem um carácter repressivo não quer excluir-se que ela tenha igualmente uma certa dose de prevenção , ainda que nela predomine o carácter repressivo.

Noutras palavras, tanto a polícia administrativa, como a polícia de investigação Criminal, é no essencial relativa.

Significa que a polícia administrativa é preventiva relativamente aos futuros danos, que poderiam advir da persistência do comportamento reprimido; isto é dispõe-se unicamente a impedir ou paralisar actividades antisociais; a polícia de investigaçã criminal, por sua vez, prende-se com a responsabilização dos violadores da Ordem jurídica.

A importância desta distinção reside no facto de que a Polícia administrativa é regida por normas administrativas, ao passo que a

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polícia de investigação criminal se rege pela legislação processual penal.

Assim, definição de polícia administrativa

“ Corresponde à actividade da Administração Pública, expressa em actos normativos ou concretos, com fundamento na supremacia geral e na forma de lei, de condicionar a liberdade e o exercício dos direitos individuais, mediante acção ora fiscalizadora ora preventiva, ora repressiva, impondo coercivamente aos particulares um dever de abstenção, a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo”170.

Polícia geral e polícia especial

A divisão entre polícia geral e polícia especial tem origem no Direito Frnacês. Naquele sistema jurídico entende-se por polícia geral a actividade de limitação do exercício de direitos e liberdades pelos administrados, com vista a assegurar a segurança, a tranquilidade e a salubridade públicas.

Neste contexto, entende-se por polícia especial aquela que é relativa a outros diversos ramos de actuação da polícia administrativa.

O fundamento desta destrinça assenta em dois pilares essenciais, a saber:

1o Fundamento histórico

As actividades de polícia inicialmente incidiam sobre as matérias tidas como próprias de polícia geral, segurança, tranquilidade e salubridade públicas, as quais em conjunto corporizam a noção de ordem pública.

A esfera de actuação da polícia geral era tida neste contexto como o campo próprio do exercício do poder de polícia, daí a designação de polícia geral.

2o Fundamento jurídico

Enquanto nas matérias de segurança, tranquilidade e salubridade públicas a Administração Pública interfere através de regulamentos administrativos, em todos os demais casos ela se encontra estritamente presa aos textos da lei que regulam os seus poderes.

170 Cf. De MELO , Celso A. Bandeira; Elementos de Direito Administrativo; 1a Edição, 6a Tiragem, Ediatora “Revista dos Tribunais”; 1987, S.Paulo Brasil, pg 176.

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Em Moçambique tal distinção não tem razão de existir, já que a Administração Pública no exercício do poder de polícia recorre a regulamentos administrativos de forma indistinta.

Executoriedade das medidas de polícia

Frequentemente, a Administração Pública executa as medidas de polícia administrativa no quadro de suas prerrogativas de autoridade, maxime o privilégios de execução prévia.

Há, no entanto pressupostos para que ela possa agir desse modo. O primeiro pressuposto é que tem que haver uma autorização expressa da lei nesse sentido.

Segundo, quando a adopção da medida for urgente para a defesa do interesse público e não comportar as delongas naturais do pronunciamento judicial, sem sacrifício ou risco para a colectividade.

Quando não existir outra via de direito capaz de assegurar a satisfação do interesse público que a Administração Pública está obrigada a defender em cumprimento de medidas de polícia. ? É pois natural que seja no campo das medidas de polícia que o exercício da coacção administrativa se manifeste de modo frequente, na medida em que os interesses colectivos defendidos muitas vezes não poderiam ,para a sua eficaz protecção, depender das demoras resultantes do procedimento judicial, sob pena de perecimento dos valores sociais que se pretende salvaguardar ou preservar, através das medidas de polícia.

Em qualquer dos casos, porém é óbvio que os particulares podem sempre recorrer aos Tribunais, isto é ao poder judicial, para impugnar as providências administrativas de que tenham fundado receio de virem a sofrer, à margem da lei ou para obter as reparações devidas quando da actuaçào da Administração Pública venham a sofrer danos causados no quadro do exercício do poder de polícia.

Ao indicar-se a possibilidade jurídica de a Administração Pública obter obediência compulsiva dos particulares aos seus ditames de polícia, parte-se do princípio evidente da actuação regular da desta e não do uso desmedido ou que de qualquer modo confronte a legalidade ou que de qualquer modo constitui uma afronta à legalidade.

O habeas corpus é o meio especialmente eficaz para a defesa dos particulares nestes casos.

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O poder de polícia e o princípio da proporcionalidade contra abusos de polícia

O limite de utilização de meios coercivos pela Administração Pública na defesa dos interesses públicos é o atingimento da finalidade legal na base da qual foi instituída a medida de polícia.

Tudo o que vai para além dessa finalidade extravasa a razão de existir do poder de polícia, e constitui abuso de poder. De facto, a utilização de meios coercivos pela Administração Pública interfere energicamente com a liberdade individual. Por isso, torna-se necessário que a Administração República se comporte com extrema cautela, nunca se servindo de meios mais enérgicos que os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de incorrer na prática de vícios jurídicos que, a existirem, acarretam responsabilidade da Administração Pública.

Numa palavra, impota que haja proporcionalidade entre a medida adoptada e a finalidade legal a ser atingida.

O recurso à coacção pela Administração Pública, por consequência, só é permitido quando não haja outro meio eficaz para obter o cumprimento da pretensão jurídica , e só se legitima na medida em que seja não só compatível como proporcional ao resultado pretendido pela ordem jurídica.

Toda a acção que exceda ao estritamente necessário à obtenção do efeito jurídico lícitamente desejado pelo poder público é, por evidente, ilegal e contrário aos princípios constitucionais de um Estado de Direito.

Sectores da Polícia Administrativa

A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1. Noção, origens, objecto, modalidades

1.1. Noção

Juridicamente o conceito de responsabilidade tem a ver com a ideia de sujeição às consequências de um comportamento. Este é o conceito jurídico de responsabilidade.

Há várias espécies de responsabilidade, a saber:

- Responsabilidade criminal ou penal, que advem da prática de um crime;

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- Responsabilidade disciplinar, consequência de um ilícito de natureza disciplinar;

- Responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, decorrente de um prejuízo causado.

A responsabilidade que queremos agora abordar é a responsabilidade civil extracontratual, por actos de gestão pública, ou seja “ a obrigação de indemnizar que recai sobre uma pessoa colectiva pública que, na prossecução das suas atribuições e actuando sob a égide de regras de direito público tiver causado prejuízos aos particulares”171.

De facto, no âmbito do Direito Administrativo, não estudaremos nem a responsabilidade civil que resulta de actos de gestão privada – comportamentos regidos pelo direito privado – nem a responsabilidade civil eventualmente decorrente de actos praticados no exercício da função legislativa ou da função judicial.

1.2. Origens

Desconhecida antes do século XIX, a ideia de responsabilizar o Estado desenvolveu-se assente nos seguintes principais factores:

a) A consolidação e aprofundamento do princípio da legalidade;

b) Os reflexos das concepções organizacistas no enquadramento jurídico da relação Estado-funcionário – a imputabilidade aos entes públicos dos danos emergentes dos actos ilegais materialmente praticados pelos seus funcionários era a solução que mais se adequava à necessidade de garantir efectivamente o regular exercício do poder público;

c) O alargamento da intervenção económica, social e cultural do Estado. Significa que antes do século XIX o entendimento era o de que, no âmbito da monarquia absoluta, a vontade do soberano não podia gerar qualquer obrigação de indemnizar, na medida em que se considerava que o rei nunca pode cometer erros ( “...the King can do no Wrong), com base no princípio então em voga segundo o qual a natureza própria da soberania é de impor-se a todos sem compensação; a soberania e a responsabilidade são duas realidades (noções) que se excluem. Naquela época entendia-se ainda que o vínculo jurídico estabelecido entre o funcionário público e o Estado se enquadrava no mandato civil, donde os actos legais daquele seriam imputáveis ao Estado, ao passo que os actos ilegais

171 Cf. CAUPERS, João , Direito Administrativo, Aequitas Editorial Notícias, Lex, 1995, pg 217.

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praticados contra o mandato, apenas davam lugar à responsabilidade pessoal

1.2.1. Objectivo

O primeiro grande objectivo da responsabilização do Estado e de outros entes públicos é a transferência do dano sofrido pelo cidadão ao seu causador.

1.2.2. Modalidades

A responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública por actos de gestão pública compreende as seguintes modalidades:

a) Responsabilidade subjectiva (com base em culpa)

b) Responsabilidade objectiva, quer pelo risco, quer pela prática de actos lícitos.

2. Responsabilidade civil extracontratual subjectiva das entidades públicas

2.1. Âmbito

Com base na Constituição e nas leis, a responsabilidade civil extracontratual subjectiva das entidades públicas tem como âmbito o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público, bem como os poderes públicos.

2.2. Pressupostos da obrigação de indemnizar

São quatro os pressupostos da obrigação de indemnizar, designadamente:

- Acto ilegal, quer seja um acto jurídico-positivo, uma omissão ou de um acto material;

- Culpa – que pressupõe e exige um juízo valorativo negativo sobre o comportamento da Administração;

- Prejuízo;

- Nexo de causalidade entre o acto e o prejuízo.

No que toca especialmente ao requisito da culpa, há que distinguir a culpa pessoal da culpa funcional, sendo a primeira a culpa do agente, e a segunda, de origem francesa, tem como fundamento o

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direito reconhecido aos cidadãos a um funcionamento normal e adequado dos serviços públicos. Exemplos desta última:

- Falta de manutenção de estradas;

- Atrasos, erros e omissões;

- Informações incorrectas, promessas incumpridas, alterações imprevisíveis.

2.3. Regras quanto à obrigação de indemnizar

Em regra:

a) Pelos actos praticados fora do exercício das funções ou no seu exercício mas não por causa dele, responde exclusivamente o agente;

b) Pelos actos praticados no exercício de funções públicas e por causa desse exercício, respondem solidariamente a pessoa colectiva pública e o agente

2.4. Responsabilidade civil extracontratual objectiva das entidades públicas:

a) Responsabilidade pelo risco

Fundamento: a compensação entre as vantagens e as perdas decorrentes do exercício de determinadas actividades particularmente perigosas (risco);

Pressuposto específico da obrigação de indemnizar: a especialidade e a anormalidade do prejuízo.

Situações mais frequentes: obras públicas; armazenamento e manipulação de explosivos; mau funcionamento de semáforos; o chamado risco social (motins, guerra, etc)

b) Responsabilidade pela prática de actos lícitos

Fundamento: o princípio da justa repartição dos encargos públicos.

Exemplo típico: a indemnização devida pela expropriação por utilidade pública; a indemnização devida pela inexecução de uma sentença de um tribunal administrativo ocorrendo causa legítima de inexecução.

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AGENTES ADMINISTRATIVOS

1. Agentes administrativos em geral: noção, tipos, modos de provimento; agentes funcionários e não funcionários

1.1. Noção

“Agentes administrativos são os indivíduos que por qualquer título exerçam actividade ao serviço das pessoas colectivas de direito público, sob a direcção dos respectivos órgãos.172”1.2. Tipos de agentes administrativos

a) Agentes de direito e agentes de facto

- Agente de direito é aquele indivíduo que é empregado da Administração Pública mediante investidura regular;

- Agente de facto é aquele indivíduo que é aceite pacífica e publicamente como agente administrativo e que exerça funções no interesse geral.

b) Usurpador – é aquele que se apossa das funções púbicas pela fraude ou pela violência e se dispõe a exercê-las para satisfazer interesses privados. Os actos praticados pelo usurpador são nulos e inexistentes, e implicam responsabilidade criminal e o dever de indemnizar os particulares prejudicados.

c) Agentes de facto necessários e putativos

- São agentes de facto necessários os indivíduos que, em estado de necessidade, e por imperativo do bem comum, se encarregam do exercício de funções públicas sem nelas terem sido investidos pelo processo regular;

- São agentes de facto putativos os indivíduos que em circunstâncias normais exercem funções administrativas de maneira s erem reputados em geral como agentes regulares, apesar de não estarem validamente providos nos respectivos cargos. Por exemplo, funcionário nomeado ilegalmente; prolongamento de funções públicas para além da demissão ou da rescisão do contrato.

1.3. Modos de provimento dos agentes administrativos

São quatro os modos de provimento dos agentes administrativos:

172 Cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10a Edição, 5a Reimpressão, Tomo II, Livraria Almedina, Coimbra, 1994, pg 641.

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a) Nomeação, que é a via normal, sendo precedida de concurso;

b) Contrato de provimento;

c) Assalariamento;

d) Eleição.

1.3.1. Nomeação

Trata-se do acto administrativo que provê um indivíduo na qualidade de agente, mas ficando a investidura nas funções dependente de aceitação do nomeado.

Diferente da nomeação é a requisição, que é o acto administrativo que impõe a um indivíduo o desempenho das funções de agente indepedentemente da vontade dele.

Importa a este propósito distinguir entre requisição de serviços pela qual um indivíduo adquire temporariamente a qualidade de agente, da requisição de funcionário, pela qual um indivíduo já investido é chamado a prestar serviços eventuais em quadro diferente daquele a que pertence.

Quando a requisição de serviços é feita por classe ou categorias de pessoas determinadas, em termos genéricos, chama-se mobilização.

1.3.2. Contrato de provimento

A este propósito já foi dito o suficiente em sede de contrato administrativo. Para aí remetemos.

1.3.3. Assalariamento administrativo – que consiste no ajuste feito com um indivíduo para que preste serviço a uma pessoa colectiva de direito público mediante remuneração estipulada por cada dia útil de trabalho, embora pago à semana, à quinzena ou ao mês.

1.3.4. Eleição – consiste na designação de um agente feita à pluralidade dos votos de um colégio para esse efeito competente, que não funciona como órgão de gestão permanente de uma pessoa colectiva.

1.4. Agentes funcionários e não funcionários

1.4.1. Noção de funcionário

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Tout court: agente administrativo profissional submetido ao regime legal da função pública acentuando as características da profissionalidade. Agente administrativo provido por nomeação vitalícia, voluntariamente aceite ou por contrato indefinidamente renovável, para servir por tempo completo em determinado lugar criado por lei com carácter permanente, segundo o regime legal próprio da função pública.

1.4.2. Agentes não funcionários

a) Agentes políticos – que ocupam lugares de confiança política e, por isso, livremente amovíveis, ou seja, podendo ser transferidos ou demitidos sempre e quando ao Govreno aprouver;

b) Agentes em comissão - quando se trata de nomear pessoas estranhas à função pública temporariamente. Carácter amovível da comissão, isto é o órgão que superintende no cargo pode atodo o tempo, por conveniência do serviço, dar por finda a comissão do indivíduo nele provido;

c) Agentes interinos, que são os indivíduos para prestar temporariamente serviço a uma pessoa colectiva de direito público desempenhando a título precário as funções de um cargo vago ou cujo serventuário se ache impedido de as exercer. É, por natureza, dispensável a todo o tempo.

d) Agentes provisórios e estagiários

- São agentes provisórios aqueles indivíduos que aspiram à nomeação definitiva ou vitalícia;

- São estagiários os indivíduos admitidos nos serviços administrativos em regime de estágio, isto é, de aprendizagem profissional.

e) Agentes requisitados

f) Agentes pagos por verbas globais ou por gratificação (agentes além dos quadros).

g) Agentes em regime de direito privado – que são aqueles que prestam serviço uma pessoal colectiva de direito público mas no regime comum de contrato de trabalho ou de contrato de prestação de serviços.

4. Funcionários públicos

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O regime deste tipo de agente está previsto no Estatuto Geral dos Funcionários do Estado, aprovado pelo Decreto no14/87, de 20 de Maio, com as alterações introduzidas pelos Decretos no47/95, e 65/98, de 3 de Dezembro, quanto aos seguintes aspectos:

- Constituição, modificação e extinção do vínculo que liga o funcionário público à Administração Pública;

- Deveres e direitos dos funcionários públicos;

- A disciplina na função pública.

5. A responsabilidade pessoal dos agentes administrativos e as suas relações com a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público.

direito de regresso

Responsabilidade dos funcionários:

Criminal;

Civil

Disciplinar

1.4.3. D

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