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Mar és 15

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"Mar És!" é um gesto poético que visa dar às pessoas deste mundo moderno e veloz, a sugestão para que, ao lavar os pés nas ondas dessas praias sudestes, ouçam e se deixem levar pelas cantigas antigas de mar...

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Mar és!Narrativas Caiçaras

São Paulo - 2015

Mar és!Narrativas Caiçaras

Bado Todão

Copyright © 2015 by Editora Baraúna SE Ltda.

Capa Tiê Coelho Todão

Diagramação Felippe Scagion

Revisão Pérola Benitez

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

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T566m

Todão, Bado Mar és!: narrativas caiçaras / BadoTodão. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2015.

ISBN 978-85-437-0287-2

1. Poesia brasileira. I. Título.

15-20002 CDD: 869.91 CDU: 821.134.3(81)-1

________________________________________________________________11/02/2015 11/02/2015

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTAEDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

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“Deixaria neste livro toda a minha alma. Este livro que viu as paisagens comigo, e viveu horas santas...”

(Federico Garcia Lorca)

Ao meu pai, Geraldo Todão, que tornou-se poesia!

sumário

PRefáCio (No Colo De Iemanjá) . . . . . . . . . . . . . . 9

ContoFilhos Da Índia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

DRamatuRgiaMarés, Marés, Marés... Causos De Um Povo Do Sol 37

ContoLindomar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85

Poesia (Naufragadas)Povo Do Mar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92Ressurreição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93Mar És! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94Missiva À Dona Rita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95Sertão Do Ubatumirim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96Pequena Graça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

Gaivota . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99Noite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100Odó Iya! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101Resposta Ao Amigo Poeta Félix Cabral . . . . . . . . . . 102Grito Tupinambá . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103O Silêncio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104Migração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105Ausência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106Ilha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107Contemplativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109Solidão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110Cama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111Fé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112Miséria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113Infecundo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114Dias Soalheiros - Dias Chuvosos. . . . . . . . . . . . . . . 115Apologia Ou Auto Em Quatro Atos . . . . . . . . . . . . 116O Pequeno Príncipe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118Promessa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119Primavera . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121Azul Em Ré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122Reminiscências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

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Prefácio

No colo de Iemanjá

Quando deixei o Sertão, um abacaxi descansava no terreiro à porta de casa, esplendendo o primeiro ouro de suas escamas. Entre as folhas da laranjeira que filtravam seu aroma clorofiláceo através da janela do quarto, um ninho aconchegava três sabiazinhos recém-saídos da cas-ca do ovo. Vésper vinha descendo, suave, pousava de bru-ços sobre a aldeia, emprenhando-a de mistério e poesia.

A despeito da imagem, num primeiro momento, se nos afigurar com certa carga de pieguice, não atino com outra de maior capacidade para traduzir minha como-ção, revelar meu enlevo, expor esse sentimento indefiní-vel, um misto de arrebatamento e (doce) melancolia que vivenciamos no instante dos adeuses voluntários àquilo que tanto conforto e ventura nos proporcionou.

Foi mesmo assim. Bem na hora do ocaso, a sensação clara de testemunhar o milagre da vida - num céu crepus-cular, nuvens cinéreas baixando-se por detrás do horizon-te ciclâmen, ensinando a elementar dialética da natureza.

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O dia expirando, a tarde esmaecendo o matiz dos morros e das silhuetas das árvores, enquanto, em contrapartida, no solo, o fruto predestila mel e frescor para a boca dos homens e, balançando nos galhos, as avezinhas, em movi-mentos descoordenados e deselegantes, começam a prepa-rar a voz para o iminente canto, que virá encher e colorir as manhãs futuras. Movimento incessante, perene incons-tância do universo: dias pretéritos, noites moribundas, al-voradas nascituras; término e início; vida e morte; partida e chegada. Interdependências imprescindivelmente vitais.

Alguns passos mais, e atravessei a ponte. Na outra margem do arroio, detive-me, acomodei a mochila sobre o musgo de uma pedra e, submergindo as mãos em con-cha numa poça natural, irrorava as faces, refrigerando-as do vento abafado daquele princípio de noite e aprovei-tando para passear um derradeiro olhar pelo éden que me fizera renascer.

Ia já prosseguindo, quando ainda pude ouvir o som do martelo do Bado, na labuta, rompendo a neblina vespertina e, à medida que eu avançava pela estradinha, perdendo-se, dissipando-se misturado a esparsos e quase inaudíveis risos femininos e a fiapos de falas amenas.

###E o reencontro com toda essa poética beleza - Bado

e suas ferramentas (capinando, construindo, roçando, lavrando, regando...; a nós, cabendo-nos tão-somente a graça da colheita) - deu-se com igual robustez, sob um impactante êxtase de mesma estatura.

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Desta vez, entretanto, geograficamente bem distante dos sortilégios do Sertão de Ubatumirim.

Num banco de metrô, enfadado e espremido entre a chusma que lota os vagões; indiferente, desinteressado nas ca-ras tristes e apáticas que embarcam e desembarcam a cada esta-ção, abri a apostila dos textos com que o Bado, humilde e des-pretensiosamente, me presenteara na tarde de nossa despedida. E ali estavam - íntegros, vivos, pulsantes - ele e as ferramentas, ele e sua inata sensibilidade, o criador na liça e no deleite; Bado com seu martelo, seu serrote, seu banjo, sua enxada, seu par de pernas de pau, sua caneta, sua cachaça, seus livros, seu facão, sua foice; o balanço da rede, o perfume do oceano, a ternura da Dê, as chuvas, a caninana no alpendre, a exuberância da mata, a frescura da atmosfera - o Sertão feito poesia. 

Na praia de papelrespiro o ar do mundo.Letras.

Na ortografia vivetodo o meu mistério.Tinta.

O mar azul vomitaalgas e medusas.Signos.

A sujeira do maré meu patrimônio.Canto.

(Maré, Lêdo Ivo)

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Viagem lírica. Sem possibilidade de regresso - não havia mais Praça da Sé, Anhangabaú, Consolação, Tria-non, Brigadeiro... As estações, agora, eram os versos, os diálogos, os parágrafos. 

Sim, pois Bado Todão mostra-se vigoroso e esmerado em todas as modalidades literárias a que se entrega - para não mencionar seu talento performático na arte de repre-sentar -; seja na prosa, na dramaturgia (onde demonstra in-tensa intimidade com a carpintaria teatral), na poesia, são irrefragáveis sua habilidade, sua técnica - ainda que, talvez, intuitiva -, sua vocação. Qualquer leitor com um mínimo de delicadeza d’alma e de senso de justiça sente logo estar--se diante de um requintado artista e de um magnânimo caráter, em cujo espírito (seu trabalho) enxerga-se a sofisti-cação estética - esculpida com peculiar singeleza - a par de uma consciência solidária, de um afã por um mundo mais fraterno. Tudo, evidentemente, forjado com o sal e o sol de uma infância livre junto a seixos, tarrafas, penedias, remos, caranguejos, urubus, velas, iscas, faróis, carcaças de peixe, gaivotas, coxas, cantigas e seios de lavadeiras e histórias e causos de marinheiros e pescadores. Literatura quarada ao mormaço da meninice litorânea.

“O mar, quando quebra na praia, é bonito!” (Do-rival Caymmi)

Avançar pelos textos do Bado é fruição inefável. A cada linha, descobertas, deliciosas surpresas. Uma cauda de regato aqui; um canto novo de pássaro acolá; ali, um bicho desconhecido, um cheiro virgem de fruta; mais

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adiante, ínfimos insetos em excêntrica coreografia aérea, flores, borboletas, uma casa de farinha, um mandiocal, uma vara de pesca perdida, uma aranha, uma trilha mal rasgada, quase ínvia (convite ao mistério)... e a esperança - suor e sonho dos homens.

Uma poética singular - de sustos e repousos; de revoltas e regozijos. Serena e inquieta. Algo assim como a prazerosa perplexidade que experimentam os seres essencialmente ur-banos - habituados a cimento e conhecedores unicamente de pombos sarjeteiros e pardais de edifício - ao deparar com um saíra-de-sete-cores e, ainda sob o enleio de tamanha beleza, perceber o quão simples, amistosos e acessíveis são estes poe-mas com asas - como, na plenitude de seu encanto, deixam-se junto a nós, bem próximos, mansamente entregues à nossa fascinada contemplação.

Ressalvando-se as diferenças de estilo, pode-se perfei-tamente aproximar o trabalho literário do Bado à produção poética e ficcional do brilhante letrista e escritor Paulo César Pinheiro. Pela aguda susceptibilidade às paixões quotidianas do povo praieiro, pelo engenhoso versejar no qual transpira todo o sentimento telúrico dessa gente, pelo romantismo paralelo e aliado à preocupação social, impregnado de (su-tis) reflexões existenciais - a límpida consciência da condi-ção humana permeando todo o lirismo dos textos.

Voo e mergulho, penetrar as páginas deste Mar és! é inebriante (“é preciso estar sempre embriagado...”); é, sem nenhuma superlati-vação, aquecer-se na preguiça das pedras, ouvindo ao lado a música da cachoeira em cujas águas acabamos de nos banhar.

Singrar estes versos (bem como todo o livro) é acalanto, é embalar-se nos braços e colo de D. Janaína.

Tico – escritorAutor da peça teatral Os Filhos do Nosso Ventre e dos li-

vros de contos Elas etc. e As Núpcias do Escorpião

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FILHOS DA ÍNDIA

“... E a mãe nestas tabas,Querendo caladosOs filhos CriadosNa lei do terror;Teu nome lhes diga,Que a gente inimigaTalvez não escuteSem pranto, sem dor!...”

(Canção do Tamoio, Gonçalves Dias)