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MARCIA ANGELL A VERDADE SOBRE OS LABORATÓRIOS FARMACÊUTICOS COMO SOMOS ENGANADOS E O QUE PODEMOS FAZER A RESPEITO

Marcia Angell - A Verdade Sobre Os Laboratórios Farmacêuticos - Trecho

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Os laboratórios farmacêuticos só querem mesmo é dinheiro! Não estão nem aí com a saúde da população. Os remédios estão deixando a humanidade cada vez mais doente, intoxicada, fraca, sem vigor, sem energia; é um verdadeiro desastre!

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MARCIA ANGELL

A VERDADE SOBRE OS

LABORATÓRIOS FARMACÊUTICOS

COMO SOMOS ENGANADOS E O QUEPODEMOS FAZER A RESPEITO

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A VERDADE SOBRE OS

LABORATÓRIOSFARMACÊUTICOS

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Márcia Angell

A verdade sobre os

Laboratórios Farmacêuticos

Tradução deWALDÉA BARCELLOS

Revisão técnica deMICHEL RABINOVITCH

E D I T O R A R E C O R DRio de Janeiro – São Paulo

2007

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Cip-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicado Nacional dos Editores de Livros, RJ

Angell, Márcia

A592v A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos / Márcia Angell; tradução de Waldéa Barcellos – Rio de Janeiro: Record, 2007.

Traduçãop de: The truth about the drug companies Inclui bibliografia ISBN 978-85-01-07440-9

1. Indústria farmacêutica – Estados Unidos – Custo. 2. Medicamentos – Preço – Estados Unidos. 3. Medicamentos – pesquisa – Estados Unidos – Finanças. 4. Medicamentos – Controle de preços – Estados Unidos. 5. Política farmacêutica – Estados Unidos – Estados Unidos. I. Título

06-4602 CDD – 338.4361510973 CDD – 338.45:615.1(73)

Título original em inglês:THE TRUTH ABOUT THE DRUG COMPANIES

Copyright 2004 by Marcia AngellTradução publicada mediante acordo com a Random House, um selo da Random House Publishing Group, uma divisão da Random House, Inc.

A Editora Record agradece a Michel Rabinovich a indicação desteLivro para publicação

EDITORA RECORD LTDARua Argentina 171 – Rio de Janeiro, RJ – 20921-380 – Tel: 2585-2000

ISBN 978-85-01-07440-9

PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTALCaixa Postal 23.052Rio de Janeiro, RJ – 20922-970

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Sumário

Introdução: Os medicamentos são diferentes 9

1. O colosso de US$ 200 bilhões 19

2. A criação de um novo medicamento 37

3. Quanto a indústria farmacêutica realmente gasta em P&D? 53

4. Exatamente em que grau essa indústria é inovadora? 69

5. Medicamentos de imitação – o principal negócio da indústria farmacêutica 91

6. Até que ponto os novos medicamentos são bons? 111

7. Venda agressiva... Chamarizes, subornos e propinas 131

8. Marketing disfarçado de informação educativa 151

9. Marketing disfarçado de pesquisa 171

10. O jogo das patentes – como prorrogar monopólios 187

11. Compra de influência – como a indústria se certifica de poder fazer o que quer 207

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página 8 12. A festa acabou? 231

13. Como salvar a indústria farmacêutica – e pagar o preço justo por medicamentos 251

Posfácio 275

Agradecimentos 279

Notas 281

Índice 305

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Introdução: Os medicamentos são diferentes

Todos os dias, os americanos são expostos a uma sucessão interminável de publicidade da indústria farmacêutica. Associada a recomendações de algum medicamento específico – que geralmente mostra pessoas de bela aparência divertindo-se ao ar livre –, vem uma mensagem mais abrangente. Reduzida à sua essência, ela diz o seguinte: “É verdade, os remédios são caro mesmo, mas isso só mostra como são valiosos. Além disso, nossos curtos de pesquisa e desenvolvimento são enormes, e precisamos cobri-los de algum modo. Como empresas ‘dependentes da pesquisa’, produzimos um fluxo ininterrupto de medicamentos inovadores que prolongam a vida, melhoram sua qualidade e evitam cuidados médicos mais caros. Vocês são os beneficiários desse sucesso constante do sistema

Página 10americano de livre-iniciativa. Portanto, sejam gratos, parem de choramingar e paguem o valor devido.” Em termos prosaicos, o que a indústria está dizendo é que você paga pelo que você recebe.

Sua bolsa ou sua vida

E alguma parte disso tudo é verdade? Bem, sem dúvida a primeira parte é. Os custos dos medicamentos de fato são altos – e continuam a subir com rapidez. Atualmente os americanos gastam o assombroso total de US$ 200 bilhões por ano em medicamentos vendidos sob prescrição médica, e esse medicamento está crescendo a uma taxa de 12% ao ano (uma redução em relação à taxa máxima de crescimento, em 18%, em 1999).1 Os medicamentos são o segmento que cresce com maior velocidade no orçamento do atendimento de saúde – que, por sua vez, também apresenta uma subida alarmante. O aumento no gasto com remédios reflete, em partes quase iguais, o fato de que as pessoas estão tomando muito mais medicamentos do que antes; de que é mais provável que esses medicamentos sejam drogas recentes, em vez das mais velhas e mais baratas; e de que o preço dos medicamentos mais prescritos sofre elevação rotineira, ocasionalmente algumas vezes por ano.

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Por exemplo, antes que sua patente vencesse, o preço do Claritin, o comprimido para alergia, campeão de vendas da Schering-Plough, aumentou 13 vezes ao longo de cinco anos, com um aumento cumulativo de mais de 50% - mais de quatro vezes o índice geral da inflação.2 Como explicou a porta-voz de um laboratório: “Os aumentos de preço não são incomuns na indústria, e isso nos permite investir em Pesquisa & Desenvolvimento”.2 Em 2002, o preço médio dos 50 medicamentos mais utilizados pelos idosos era de quase US$ 1.500 para cobrir um ano de uso. (Os preços apresentam enorme variação,

Página 11mas esses dados se referem ao que as empresas chamam de preço médio de atacado, que geralmente é muito próximo do preço que um consumidor sem seguro paga na farmácia.)4

Pagar por medicamentos vendidos sob prescrição médica já não é problema exclusivo dos pobres. À medida que a economia continua em dificuldades, o seguro-saúde está encolhendo. Empregadores passam a exigir que seus empregados paguem do próprio bolso uma parte maior dos custos; e muitas empresas estão desistindo de vez de oferecer benefícios referentes à saúde. Como os custos de medicamentos vendidos sob prescrição médica estão subindo com tanta velocidade, quem paga as contas está ansioso por se livrar dessa responsabilidade, transferindo os custos para cada indivíduo. Resultado: um número maior de pessoas é obrigado a pagar do próprio bolso uma parte maior das suas contas de medicamentos. E o valor total é gigantesco. Muitos simplesmente não conseguem. Eles deixam de comprar medicamentos para poder pagar as despesas de calefação ou alimentação. Alguns tentam “esticar” a medicação, tomando-a com freqüência menor do que a prescrita, ou dividindo-a com um cônjuge. Outros, envergonhados demais para admitir que não têm condições de comprar a medicação, deixam o consultório médico levando consigo a prescrição, mas não adquirem os medicamentos. Além de esses pacientes ficarem sem o tratamento necessário, seus médicos podem chegar à conclusão equivocada de que a medicação prescrita não fez efeito e prescrever ainda outros medicamentos, agravando, desse modo, a situação. Quem sofre mais são os idosos. Quando o sistema Medicare* entrou em vitor em 1965, as pessoas em geral tomavam muito me-_____________ __*Medicare – programa administrado pela Seguridade Social dos EUA, que reembolsa hospitais e médicos no valor do atendimento de saúde prestado a idosos com mais de 65 anos de idade, que cumpram os requisitos do programa. (N. da T.)

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nos medicamentos vendidos sob prescrição médica, e esses remédios eram baratos. Por esse motivo, ninguém considerou necessário incluir no programa um benefício que cobrisse os medicamentos vendidos sob prescrição médica para pacientes ambulatoriais. Naquela época, em geral, os idosos conseguiam comprar com o seu próprio dinheiro qualquer medicação de que precisassem. Aproximadamente, entre a metade e dois terços dos idosos possui seguro suplementar que cobre parcialmente medicamentos vendidos sob prescrição médica, mas esse percentual está caindo à medida que empregadores e seguradoras chegam à conclusão de que essa cobertura representa prejuízo para eles. No final de 2003, o congresso americano aprovou uma reforma do sistema Medicare que incluía um benefício para cobertura dos medicamentos vendidos sob prescrição médica, a entrar em vigor em 2006. No entanto, como veremos mais adiante, para começar, esses benefícios são insuficientes e serão rapidamente suplantados pelo aumento dos preços e dos custos administrativos. Por motivos óbvios, os idosos costumam precisar de mais medicamentos vendidos sob prescrição médica do que pessoas de menos idade – principalmente para condições crônicas, como artrite, diabetes, pressão alta e nível elevado de colesterol. Em 2001, quase um em cada quatro idosos relatou ter saltado doses ou ter deixado de adquirir medicamentos prescritos por causa do custo.5 (É quase certo que essa proporção esteja mais alta agora.) Infelizmente, os mais fracos são os que têm menor probabilidade de dispor de seguro suplementar que tome seis medicamentos diferentes – e isso não é raro – precisaria gastar US$ 9 mil do próprio bolso. São poucos os idosos debilitados que têm um bolso tão fundo. Além do mais, numa das práticas mais perversas da indústria farmacêutica, os preços são muito mais altos exatamente para quem mais precisa dos medicamentos e tem menos condições de adquiri-

Página 13los. A indústria cobra aos beneficiários do Medicare um seguro suplementar muito mais do que cobra a seus clientes preferenciais, como, por exemplo, grandes administradoras de planos de saúde ou o sistema de atendimento aos veteranos de guerra (Veterans Affairs – VA). Como esses últimos compram em grandes quantidades, eles têm poder de negociação para obter grandes descontos ou bonificações. As pessoas sem seguro não têm poder de negociação e, por isso, pagam preços mais altos.

Nos dois últimos anos, começamos a ver o início de uma resistência pública à voracidade da política de preços e a outras práticas dúbias da indústria farmacêutica. É principalmente em razão dessa resistência que os laboratórios farmacêuticos estão nos atordoando com mensagens de relações públicas. E as palavras mágicas, repetidas

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incessantemente como um mantra, são pesquisa, inovação e americanos. Pesquisa. Inovação. Americanos. Dá uma história fantástica.

Retórica versus realidade

Entretanto, embora a retórica consiga comover, ela tem pouco a ver com a realidade. Em primeiro lugar, Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) é uma parte relativamente pequena dos orçamentos das grandes empresas do setor farmacêutico – um valor ínfimo em comparação com suas despesas com marketing e adminitração, e menor até mesmo que seus lucros. Na verdade, ano após ano, já há mais de duas décadas, essa vem sendo de longe a indústria mais lucrativa no Estados Unidos. (Em 2003, pela primeira vez, ela perdeu o primeiro lugar, caindo para terceiro, atrás somente da “mineração, produção de petróleo bruto” e dos “bancos comerciais”.) Os preços cobrados pelos laboratórios farmacêuticos têm pouca relação com os custos

Página 14de produção de medicamentos e poderiam sofrer cortes drásticos sem chegar nem mesmo perto de ameaçar as atividades de P&D. Em segundo lugar, a indústria farmacêutica não é particularmente inovadora. Embora seja difícil acreditar, podem-se contar nos dedos os medicamentos verdadeiramente importantes que foram levados ao mercado nos últimos anos. E, em sua maioria, eles se baseavam em pesquisas financiadas com recursos dos contribuintes, realizadas em instituições acadêmicas, pequenas empresas de biotecnologia ou no National Institutes of Health (NIH) (Institutos Nacionais da Saúde, em português). A grande maioria de medicamentos “novos” não é “nova”, de modo algum, mas apenas variações de drogas anteriores já à venda no mercado. São chamados de medicamentos “de imitação”. A idéia consiste em conquistar uma fatia de mercado lucrativo, já estabelecido, produzindo algo semelhante a um medicamento de grande vendagem. Como exemplo, agora temos no mercado seis estatinas (Mevacor, Lipitor, Zocor, Pravacol, Lescol e, o mais recente, Crestor) para reduzir o colesterol, todas variantes da primeira delas. Como disse a Dra. Sharon Levine, diretora executiva adjunta do Kaiser Permanent Medical Group: “Se eu sou um fabricante e posso mudar uma molécula para conseguir, com isso, mais vinte anos de direitos de patente, e se eu conseguir convencer os médicos a prescrever e os consumidores a exigir a próxima forma de |Prilosec ou o Prozac semanal, em vez do Prozac diário, tudo isso no exato momento em que minha patente está vencendo, por que eu haveria de gastar dinheiro numa iniciativa muito menos garantida, que é a pesquisa por medicamentos totalmente novos?”6

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Em terceiro lugar, a indústria dificilmente pode ser considerada um modelo da livre-iniciativa americana. Sem dúvida, ela é livre para decidir quais medicamentos desenvolver (drogas de imitação em vez de drogas inovadoras, por exemplo) e é livre para cobrar por elas o maior preço que o mercado consiga suportar, mas é totalmente dependente

Página 15de monopólios concedidos pelo governo – na forma de patentes e direitos exclusivos de comercialização, aprovados pela Food and Drug Administration (FDA)*. Se não é particularmente inovadora na descoberta de novas drogas, a indústria é extremamente criativa – e agressiva – para inventar meios para prorrogar seus direitos de monopólio. E não há nada de especificamente americano nessa indústria. Ela é a própria essência de um empreendimento global. Aproximadamente a metade das maiores empresas farmacêuticas está sediada na Europa. (A conta exata muda por conta de fusões.) Em 2002, as dez maiores incluíam as americanas Pfizer, Merck, Johnson & Johnson, Bristol-Myers Squibb e Wyeth (anteriormente American Home Products); as britânicas GlaxoSmithKline e AstraZeneca; as suíças Novartis e Roche; e a francesa Aventis.7 (Em 2004, a Aventis fundiu-se com outra empresa francesa, a Sanofi-Synthelabo, o que a alçou direto para o terceiro lugar do ranking.) Todas são muito semelhantes em suas operações. Todas atribuem a seus produtos preços muito mais altos nos Estados Unidos que em outros mercados. Como os EUA são o principal gerador de lucros, simplesmente faz parte das boas relações públicas que as empresas farmacêuticas façam-se passar por americanas, quer sejam mesmo, quer não. É verdade, porém, que algumas das empresas européias estão agora sediando suas operações de P&D nos EUA. Elas alegam que o motivo reside no fato de os norte-americanos não regularem os preços, ao contrário do que ocorre em grande parte do resto do mundo. Mas é mais provável que seja porque elas queiram nutrir-se com a incomparável produção de pesquisa das universidades americanas e dos NIH. Em outras palavras, não é a iniciativa privada que as atrai para o país, mas exatamente o oposto – as atividades de pesquisa financiadas por meio de recursos públicos.______________*Órgão federal para controle de medicamentos e alimentação.(N. da T.)

Página 16Para deixar as coisas claras

Este livro revelará a verdadeira face da indústria farmacêutica – uma indústria que, ao longo das duas últimas décadas, afastou-se enormemente do seu nobre propósito original de descobrir e produzir

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novos medicamentos úteis. Agora, tendo-se tornado essencialmente uma máquina de marketing para vender medicamentos de benefício duvidoso, essa indústria usa sua fortuna e seu poder para cooptar cada instituição que possa se interpor em seu caminho, aí incluídos o Congresso americano, a Food and Drug Administration, os centros médicos acadêmicos e a própria profissão médica. (A maior parte de seus esforços de marketing é concentrada no objetivo de influenciar médicos, já que são eles os responsáveis por prescrever medicamentos.) Fui testemunha direta da influência que a indústria exerce sobre a pesquisa médica durante as duas décadas em que trabalhei para The New England Journal of Medicine. A característica dessa publicação é a pesquisa sobre as causas de doenças e seus tratamentos. Cada vez mais esse trabalho é patrocinado por laboratórios farmacêuticos. Vi laboratórios começarem a exercer um nível de controle sobre o modo de conduzir pesquisas que era inexistente quando iniciei meu trabalho na revista. E o objetivo nítido era o de viciar os dados para garantir que seus medicamentos apresentassem bom desempenho. Por exemplo, as empresas podiam exigir que seus pesquisadores comparassem um novo medicamento com um placebo (comprimido de açúcar) em vez de compará-lo com um medicamento antigo ainda em uso. Desse modo, o desempenho do novo medicamento pareceria bom, mesmo que ele pudesse de fato ser inferior em relação ao outro medicamento já em uso. Existem outros modos de influenciar pesquisas, e nem todos eles podem ser detectados, até mesmo por peritos. Evidentemente nós recusávamos esses estudos

Página 17quando os identificávamos, mas com freqüência eles acabavam publicados em outras revistas. Às vezes, os laboratórios farmacêuticos simplesmente não permitem que os resultados sejam publicados, quando não são favoráveis aos medicamentos que produzem. À medida que vi o aumento da influência da indústria, fui ficando cada vez mais perturbada com a possibilidade de que grande parte das pesquisas publicadas apresentassem falhas graves, levando os médicos a acreditar que os novos medicamentos são em geral mais eficazes e mais seguros do que realmente são. Há agora sinais de que a indústria está enfrentando sérios problemas, principalmente por ter ela tão poucos medicamentos inovadores prontos para lançamento. Além disso, o público está se tornando cada vez mais cético com relação às suas alegações exageradas, e os consumidores de medicamentos estão começando a se queixar abertamente dos preços intoleráveis. Os lucros, embora ainda enormes, estão começando a recuar; e os preços das ações de algumas das empresas de maior porte estão caindo. Mesmo assim, em vez de investir mais em drogas inovadoras e na moderação dos preços,

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as empresas farmacêuticas estão despejando dinheiro em marketing, em manobras jurídicas para prorrogar direitos de patentes e em lobby, para impedir que o governo adote qualquer forma de regulação de preços. Se os medicamentos vendidos sob prescrição médica fossem como qualquer bem de consumo comum, tudo isso talvez não tivesse tanta importância. Mas os medicamentos são diferentes. As pessoas dependem deles para manter a saúde e até mesmo a vida. Nas palavras da senadora Debbie Stabenow (democrata-Michigan): “Não é como comprar um carro, um par de tênis ou manteiga de amendoim.”8 As pessoas precisam saber que essa indústria está sujeita a inspeções e controles, de tal modo que sua busca pelo lucro não exclua todos os outros tipos de consideração. No capítulo 13, darei sugestões de como o sistema pode ser reformulado para garantir que tenhamos acesso a

Página 18bons medicamentos a preços razoáveis e que a realidade dessa indústria finalmente seja forçada a acompanhar sua retórica. A reforma terá de se estender para além da indústria, para atingir os órgãos e instituições que ela cooptou, aí incluídos a Food and Drug Administration e a classe médica, bem como suas instituições. Esse tipo de mudança profunda exigirá a atuação governamental, que, por sua vez, demandará forte pressão por parte do público. Não será fácil. As empresas farmacêuticas possuem o maior lobby existente em Washington e contribuem generosamente para campanhas políticas. Os legisladores estão atualmente tão comprometidos com a indústria farmacêutica que será de uma dificuldade extrema liberá-los dessas correntes. Mas, a única coisa de que os legisladores precisam mais do que de contribuições para a campanha é de votos. É por isso que todos deveriam saber o que realmente está acontecendo – e foi por isso que escrevi este livro. Ao contrário do que dizem os serviços de relações públicas da indústria, o consumidor não paga exatamente pelo que recebe. O fato é que essa indústria está nos passando a perna, e não haverá nenhuma reforma de verdade sem um público alerta e determinado a fazer com que ela aconteça.

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1 O colosso de US$ 200 bilhões

O que um gorila de quatrocentos quilos faz? O que quiser.

O que vale para o gorila de 400 quilos vale para o colosso que é a indústria farmacêutica. Ela está acostumada a fazer praticamente tudo o que quer. O ano que serviu como divisor de águas foi 1980. Até aquela época, o negócio era lucrativo, mas daí em diante tornou-se excepcional. De 1960 a 1980, as vendas de medicamentos vendidos sob prescrição médica eram bastante estacionárias como percentual do produto interno bruto dos EUA; mas, entre 1980 e 2000, elas triplicaram. Agora, estão em torno de US$ 200 bilhões por ano.9 Além disso, desde o início da década de 1980, essa indústria esteve constantemente entre as mais lucrativas nos Estados Unidos, com uma grande vantagem em relação às outras.10 (Somente em 2003 ela caiu dessa posição para figurar em terceiro lugar entre as 47 indústrias relacionadas na Fortune 500.) Dos muitos acontecimentos que contribuí-

Página 20ram para essa sorte repentina e descomunal, nenhum estava associado à qualidade dos medicamentos que os laboratórios vendiam. Neste capítulo, fornecerei uma visão panorâmica da indústria farmacêutica – sua ascensão meteórica e os recentes sinais prenunciadores de uma reformulação ou queda iminente. Não entrarei em muitos detalhes aqui, preferindo deixá-los para capítulos posteriores. O que pretendo agora é dar uma rápida olhada no que se encontra por baixo do tapete quando o levantamos. Não é bonito de se ver. Antes de começar, porém, cabe algumas palavras sobre os fatos e os números que usarei ao longo deste livro. Na maior parte dos casos, uso dados de 2001 porque é o ano mais recente para o qual as informações são razoavelmente completas no que diz respeito a todos os aspectos da indústria que vou abordar. Se eu me ativer a um ano, será mais fácil ver o quadro como um todo. No entanto, para alguns fatos importantes, usarei números de 2002 e, quando possível, de 2003. Em todos os casos, explicitarei a que ano estou me referindo.11

Também devo esclarecer o que quero dizer quando afirmo que esta é uma indústria de 200 bilhões de dólares. Segundo fontes do governo, esse é o valor aproximado que os americanos gastam com

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medicamentos vendidos sob prescrição médica em 2002. Esse valor refere-se a vendas diretamente ao consumidor em farmácias e através de encomenda postal (quer pagas do próprio bolso, quer não), e inclui os quase 25% de margem de lucro para atacadistas, farmacêuticos e outros intermediários e varejistas. Não inclui, porém, as elevadas quantias gastas em medicamentos administrados em hospitais, asilos ou consultórios médicos (como é o caso de muitas drogas para combate ao câncer). Na maior parte das análises do setor, esses medicamentos são alocados como custos dessas instituições. A receita (ou volume de vendas) das empresas farmacêuticas é um pouco diferente, pelo menos na forma como aparece registrada nos resumos dos relatórios anuais da empresa. Geralmente, os nu-

Página 21meros referem-se às vendas da empresa no mundo inteiro, aí incluídas as vendas a instituições do setor de saúde. Entretanto, não é incluída a receita de intermediários e varejistas. IMS Health, talvez a fonte mais citada de estatísticas sobre a indústria farmacêutica, estimou o total das vendas de medicamentos vendidos sob prescrição médica no mundo inteiro em cerca de 400 bilhões de dólares em 2002. Cerca da metade coube aos Estados Unidos. Portanto, o colosso de 200 bilhões de dólares é na realidade um megacolosso de 400 bilhões de dólares, mas pretendo neste livro concentrar o foco em como os laboratórios farmacêuticos operam nos Estados Unidos. Deve-se entender, porém, que é praticamente impossível ser exato quanto à maioria desses valores. Antes de chegarem aos consumidores, os medicamentos passam por muitas mãos e são pagos por meios excessivamente complexos, com freqüência ocultos. É fácil comparar alhos com bugalhos, sem perceber. É preciso, por exemplo, perguntar se um número se refere apenas a medicamentos vendidos sob prescrição médica ou se inclui medicamentos de venda livre e outros produtos de consumo fabricados por laboratórios farmacêuticos; se inclui a receita de intermediários e varejistas ou não; se ele se refere somente a compras realizadas por consumidores como pacientes ambulatoriais ou se também inclui compras efetuadas por instituições de saúde; e se inclui compras por reembolso postal.

Que venham os bons tempos

A eleição de Ronald Reagan em 1980 talvez tenha sido o elemento fundamental para a rápida ascensão dos “gigantes da indústria farmacêutica” – expressão coletiva usada para designar os maiores laboratórios farmacêuticos. Com a administração Reagan, surgiu uma

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forte tendência a favorecer o empresariado não apenas em políticas de governo, mas também na sociedade em geral. E, com essa tendência, a atitude do público diante das fortunas gigantescas mudou. Até aquela época, as fortunas realmente enormes eram ligeiramente malvistas. A pessoa podia escolher entre “se dar bem” e fazer o bem, mas a maioria dos que tinham condições de escolher entre um caminho e outro considerava difícil seguir pelos dois. Essa crença era especialmente forte entre cientistas e outros intelectuais. Eles podiam escolher uma vida confortável, mas não luxuosa, no mundo acadêmico, com a esperança de fazer pesquisa de ponta, ou podiam “se vender” para a indústria e fazer um trabalho menos importante, mas com uma remuneração melhor. Desde o início dos anos da administração de Reagan e continuando pela década de 1990, os americanos mudaram sua postura. Ser rico passou a ser não apenas honroso, mas também quase chegou a ser uma virtude. Havia “vebcedores” e havia “perdedores”; e os vencedores eram ricos e mereciam sê-lo. A distância entre os ricos e os pobres, que vinha se estreitando desde a Segunda Guerra Mundial, de repente começou a se ampliar novamente, até chegar ao estado atual, de um abismo intransponível. A indústria farmacêutica e seus diretores executivos juntaram-se rapidamente às fileiras dos vencedores, em conseqüência de uma série de atos governamentais favoráveis à atividade. Não relacionarei todos eles, mas dois têm importância especial. A partir de 1980, o Congresso promulgou uma série de leis projetadas para acelerar a tradução de pesquisa básica financiada por impostos em produtos novos e úteis – um processo às vezes designado pela expressão “transferência de tecnologia”. O objetivo também era o de melhorar a posição de empresas de alta tecnologia, de propriedade de americanos, nos mercados mundiais. A mais importante dessas leis é conhecida como lei Bayh-Dole, em homenagem a seus principais defensores, o senador Byrch Bayh (democrata-Indiana) e o senador Robert Dole (replubica-

Página 23no-Kansas). A lei Bayh-Dole permitiu que universidades e pequenas empresas patenteassem descobertas decorrentes de pesquisas patrocinadas pelos National Institutes of Health (NIH), o principal distribuidor de recursos provenientes dos impostos para a pesquisa médica, e depois concedessem licenças esclusivas a laboratórios farmacêuticos. Até então, as descobertas financiadas pelos contribuintes pertenciam ao domínio público, ficando disponíveis para qualquer empresa que quisesse fazer uso delas. Mas agora as universidades, onde é realizada a maior parte do trabalho patrocinado pelos NIH, podem patentear e licenciar suas descobertas. Além de cobrar royalties. Uma legislação semelhante permitiu aos próprios NIH fazer acordos com laboratórios farmacêuticos, acordos pelos

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quais suas descobertas seriam transferidas diretamente para a indústria. Bayh-Dole deu um grande impulso à incipiente indústria biotecnológica, bem como aos gigantes da indústria farmacêutica. Houve uma rápida proliferação de pequenas empresas de biotecnologia, muitas delas fundadas por pesquisadores universitários para explorar comercialmente suas descobertas. Elas agora cercam as principais instituições de pesquisa acadêmica e com freqüência realizam as etapas iniciais do desenvolvimento de uma droga, na esperança de acordos lucrativos com grandes laboratórios farmacêuticos que possam levar os novos medicamentos ao mercado. É comum que tanto os pesquisadores acadêmicos como suas instituições tenham participação acionária nas empresas de biotecnologia com as quais estão envolvidos. Desse modo, quando uma patente de propriedade de uma universidade ou de uma pequena empresa de biotecnologia acaba sendo licenciada para um grande laboratório farmacêutico, todas as partes lucram com o investimento público em pesquisa. Essas leis significam que os laboratórios farmacêuticos já não precisam depender de sua própria pesquisa para novos medicamentos; e poucos dos maiores ainda o fazem. Para isso, cada vez mais

Página 24eles contam com o setor acadêmico, pequenas empresas principalmentes na área de biotecnologia e com os NIH.12 Atualmente, pelo menos um terço dos medicamentos comercializados pelos principais laboratórios farmacêuticos é licenciado por universidades ou pequenas empresas de biotecnologia, e esses costumam ser os mais inovadores.13 Embora a lei Bayh-Dole tenha sido nitidamente uma mão na roda para as gigantes da indústria farmacêutica e para a indústria biotecnológica, é questionável se ela resultou num benefício líquido e certo para o público (voltarei a esse ponto). Os anos da administração Reagan e a lei Bayh-Dole também transformaram os etos das faculdades de medicina e dos hospitais-escola. Essas instituições sem fins lucrativos passaram a se ver como “parceiras” da indústria, e ficaram tão entusiasmadas quanto qualquer empresário com as oportunidades de transformar suas descobertas em ganhos financeiros. Professores-pesquisadores foram estimulados a obter patentes para seu trabalho (que eram, então, cedidas para suas universidades) e passaram a ter participação nos royalties. Muitas faculdades de medicina e hospitais-escola criaram escritórios de “transferência de tecnologia” para ajudar nessa atividade e tirar partido das descobertas do seu corpo docente. À medida que o espírito empreendedor crescia durante a década de 1990, os professores de faculdades de medicina entraram em outros acordos financeiros lucrativos com as empresas farmacêuticas, da mesma forma como

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faziam as instituições onde trabalhavam. Um dos resultados foi a crescente tendência favorável à indústria na pesquisa médica – exatamente onde não cabia uma tendência dessa natureza. Membros do corpo docente que anteriormente tinham se contentado com um estilo de vida que no passado foi descrito como “frugal, porém elegante” começaram a se perguntar, como já diria minha avó: “Se você é assim tão inteligente, por que não ficou rico?” Por sua vez, as faculdades de medicina e os hospitais-escola alocavam mais recursos para a procura de oportunidades comerciais.

Página 25 A partir de 1984, com a legislação conhecida como a lei Hatch-Waxman, o Congresso aprovou mais uma série de leis que representam outra vantagem colossal para a indústria farmacêutica. Essas leis prorrogavam os direitos ao monopólio de medicamentos de marca registrada. A exclusividade é vital para uma indústria porque significa que nenhum outro laboratório pode vender o mesmo medicamento por um determinado período. Depois que expiram os direitos exclusivos de comercialização, cópias (chamadas de medicamentos genéricos) entram no mercado, e o preço costuma despencar a 20% do que era antes.14 Existem duas formas de direito de monopólio – patentes concedidas pelo U.S. Patent and Trademarck Office (USPTO)* e a exclusividade concedida pela Food and Drug Administration (FDA). Embora associados, os dois órgãos operam com certa independência, quase como cópias de segurança um em relação ao outro. A lei Hatch-Waxman, em homenagem ao senador Orrin Hatch (republicano-Utah) e ao senador Henry Waxman (democrata-Califórnia), pretendia principalmente estimular a indústria dos genéricos, então em dificuldades, eliminando alguns dos requisitos da FDA para o lançamento de genéricos no mercado. Embora tenha tido sucesso sob esse aspecto, a lei Hatch-Waxman também prorrogou a vigência das patentes para medicamentos com marca registrada. Desde então, os advogados dos laboratórios vêm manipulando alguns dos dispositivos para prorrogar as patentes muito mais do que os legisladores pretendiam. Na década de 1990, o Congresso aprovou outras leis que prolongaram ainda mais a vigência da patente de medicamentos de marca registrada. Os laboratórios farmacêuticos atualmente empregam pequenos exércitos de advogados que extraem o máximo dessas leis – e esse máximo tem um enorme valor. O resultado é que o prazo efetivo da patente de medicamentos de marca registrada aumentou de oito anos_______________* O órgão americano de registro de patentes e marcas. (N. da T.).

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em 1980 para cerca de 14 anos em 2000.15 Para um campeão de vendas – geralmente definido como um medicamento com vendas de mais de 1 bilhão de dólares por ano (como Liptor, Celebrex ou Zolof) –, esses seis anos de exclusividade adicional valem ouro. Eles podem acrescentar bilhões de dólares às vendas – o suficiente para pagar muitos advogados e ainda ficar com um belo troco. Não surpreende que os gigantes da indústria farmacêutica se disponham a fazer praticamente qualquer coisa para proteger seus direitos exclusivos de comercialização, apesar do fato de que agir desse modo seja um desacato a toda a sua retórica sobre o livre comércio.

De vento em popa

À medida que seus lucros subiam vertiginosamente durante as décadas de 1980 e 1990, o mesmo acontecia com o poder de influência dos laboratórios farmacêuticos. Já em 1990, indústria tinha assumido seus contornos atuais, como uma atividade, como uma atividade com um controle sem precedentes sobre sua própria fortuna. Por exemplo, se não lhe agradasse algum aspecto a respeito da FDA, o órgão federal que supostamente regularia a indústria, ela poderia modificar esse aspecto por meio de pressão direta ou de seus amigos no Congresso. Os dez maiores laboratórios farmacêuticos (que incluíam empresas européias) tiveram lucros de quase 25% das vendas em 1990; e, à exceção de uma pequena queda na época da proposta de reforma do atendimento de saúde por parte do presidente Bill Clinton, os lucros com o percentual das vendas permaneceram praticamente os mesmos durante a década seguinte. (É claro que, em termos absolutos, com o aumento das vendas, houve um aumento correspondente nos lucros.) Em 2001, os dez laboratórios farmacêuticos americanos na lista da Fortune 500 (não exatamente os mesmos dez maiores do mundo, mas suas margens de

Página 27lucro são bastante semelhantes) estavam muito acima de todas as outras indústrias americanas em média do retorno líquido, fosse como percentagem sobre as vendas (18,5%), sobre o patrimônio (16,3%) ou sobre o patrimônio líquido (33,2%). Trata-se de margem de lucro espantosas. Em comparação, o retorno líquido médio para todos os outros setores na Fortune 500 foi de apenas 3,3% das vendas. A atividade bancária comercial, ela própria nada negligente em seu papel de setor agressivo, com muitos amigos em postos de importância, ficou num distante segundo lugar, com 13,5% das vendas.16

Em 2002, com a continuação do declínio econômico, os gigantes da indústria farmacêutica apresentaram apenas uma pequena queda nos lucros – de 18,5% para 17% das vendas. O fato mais espantoso acerca de 2002 é que os lucros somados dos dez laboratórios farmacêuticos

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na Fortune 500 (US$ 35,9 bilhões) foram superiores aos lucros somados de todas as outras 490 empresas (US$ 33,7 bilhões).17 Em 2003, os lucros das empresas farmacêuticas da Fortune 500 caíram para 14,3% das vendas, ainda muito acima da percentagem média para todos os setores, de 4,6%, naquele ano. Quando afirmo que essa é uma indústria lucrativa, quero dizer lucrativa de verdade. É difícil imaginar até que ponto os gigantes da indústria farmacêutica nadam em dinheiro. As despesas da indústria farmacêutica com pesquisa e desenvolvimento, embora altas, são constantemente muito inferiores aos lucros. Para as dez maiores empresas, elas somaram apenas 11% das vendas em 1990, subindo ligeiramente para 14% em 2000. O maior item isolado no orçamento não é nem P&D, nem mesmo lucros, mas algo geralmente chamado de “marketing e administração” – uma denominação que varia um pouco de uma empresa para outra. Em 1990, o valor estarrecedor de 36% das vendas foi para essa categoria, e essa proporção permaneceu praticamente a mesma por mais de uma década.18 Vale ressaltar que essa proporção equivale a 2,5 vezes o valor das despesas com P&D.

Página 28 Esses números foram colhidos dos próprios relatórios anuais apresentados pelo setor à Securities and Exchange Commission (SEC) [Comissão de Valores Mobiliários, em português] e aos acionistas, mas o que realmente entra nessas categorias não é nenhum pouco claro, porque os laboratórios farmacêuticos guardam essas informações a sete chaves. É provável, por exemplo, que P&D inclua muitas atividades que a maioria das pessoas consideraria marketing, mas ninguém tem como saber ao certo. Por sua vez, “marketing e administração” constituem uma gigantesca caixa-preta que talvez inclua o que o setor chama de “educação”, bem como publicidade e promoções, custos jurídicos e salários de executivos – que são assombrosos. Segundo um relatório do grupo sem fins lucrativos Families USA, o ex-presidente e diretor-executivo da Bristol-Myers Squibb, Charles A. Heimbold Jr. recebeu US$ 74.890.918 em 2001, sem contar o valor de US$ 76.095.611 em opções não exercidas de compra de ações. O presidente da Wyeth ganhou US$ 40.521.011, fora seus US$ 40.629.459, em opções de compra de ações. E assim por diante. Trata-se de um setor que recompensa regiamente seus membros. Em anos recentes, as dez maiores empresas incluíram cinco gigantes europeus – GlaxoSmithKline, AstraZeneca, Novartis, Roche e Aventis. Suas margens de lucro são semelhantes às das equivalentes americanas, da mesma forma que suas despesas com P&D e com marketing e administração. Além disso, elas participam da associação do setor, portadora do nome enganoso de Pharmaceutical Research

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and Manufacturers of América* (PhRMA). Ouvi recentemente Daniel Vasella, o presidente e diretor-executivo da Novartis, falar numa conferência. Ele demonstrava nítida satisfação com o clima comercial e de pesquisa nos Estados Unidos. “A liberdade de

Página 29preços e a rapidez na aprovação garantem um acesso rápido às inovações sem restrições”, disse ele, parecendo o mais autêntico dos americanos, apesar de seu encantador sotaque suíço.20 Sua empresa está agora transferindo as operações de pesquisa para um local próximo de Massachusetts Institute of Technology (MIT), uma incubadora de pesquisa de base, cercada de empresas de biotecnologia. Suspeito que essa mudança não esteja de modo algum relacionada à “liberdade de preços e rapidez na aprovação”, mas sim que tenha tudo a ver com a oportunidade de se aproveitar da pesquisa financiada pelo contribuinte americano, nos termos da lei Bayh-Dole, e da proximidade em relação aos cientistas médicos americanos que realizam as pesquisas.

Problemas

Se 1980 foi um divisor de águas para a indústria farmacêutica, 200 bem pode acabar se revelando outro – o ano em que as coisas começaram a dar errado. À medida que a veloz expansão da economia no final de década de 1990 foi perdendo sua força, muitas empresas bem-sucedidas descobriram-se com problemas. E à medida que a receita tributária foi caindo, os governos estaduais também se descobriram em situação preocupante. Sob um aspecto, a indústria farmacêutica está bem protegida com relação ao declínio, por dispor de tanto dinheiro e poder. Sob outro aspecto, porém, ela tem uma vulnerabilidade peculiar, porque grande parte de sua receita depende de seguros patrocinados por empregadores e programas Medicaid*, geridos pelos estados. Quando empregadores e________________* Medicaid – programa administrado pela Seguridade Social estadual ou pelas secretarias de Saúde dos estados, que reembolsa hospitais e médicos pelo atendimento de saúde prestado a pessoas carentes que cumpram os requisitos do programa. (N. da T.)

Página 30estados enfrentam problemas, o mesmo acontece com os gigantes da indústria farmacêutica. E, como era de esperar, nestes dois últimos anos, empregadores e operadoras privadas se seguros de saúde contratadas por eles começaram a reagir aos custos dos medicamentos. A maioria dos grandes planos de atendimento de saúde agora negocia para obter descontos expressivos nos preços. A maior parte deles também instituiu uma cobertura para medicamentos vendidos sob prescrição

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médica, em três patamares: cobertura total para genéricos, cobertura parcial para medicamentos úteis de marca registrada e nenhuma cobertura para medicamentos dispendiosos que não oferecem qualquer benefício além dos oferecidos por medicamentos mais baratos. Essas listas de medicamentos preferenciais são chamadas de “formulários” e constituem um método cada vez mais importante para a contenção dos custos dos medicamentos. Os gigantes da indústria farmacêutica estão sentindo os efeitos dessas medidas, embora, de modo nada surpreendente, tenham se tornado peritos em dançar conforme a música – principalmente induzindo (examinarei de que modo mais adiante) médicos ou planos de saúde a pôr nos formulários medicamentos caros, de marca registrada. Também os governos estaduais estão procurando meios de reduzir seus custos com medicamentos. Algumas legislaturas estaduais estão elaborando medidas que lhes permitam regular os preços dos medicamentos vendidos sob prescrição médica para servidores estaduais, beneficiários do Medicaid e cidadãos desprovidos de seguro-saúde. À semelhança de administradoras de planos de tratamento, eles estão criando formulários de medicamentos preferenciais. O setor farmacêutico está combatendo essas iniciativas com unhas e dentes – principalmente com suas legiões de lobistas e advogados. Ele lutou contra o estado do Maine até chegar ao Supremo Tribunal Federal dos EUA, que em 2003 apóia o direito do Maine de negociar com

Página 31os laboratórios farmacêuticos para obter menores preços, embora deixasse os detalhes em aberto. Mas essa luta está apenas começando, e ela promete prolongar-se por anos, tornando-se muito acirrada. Recentemente, o público vem dando sinais de estar perdendo a paciência. O fato de os americanos pagarem muito mais por medicamentos vendidos sob prescrição médica do que os europeus e canadenses é agora de conhecimento geral. Um cálculo estima que de um a dois milhões de americanos compram medicamentos de farmácias canadenses através da internet, apesar do fato de que em 1987, atendendo a um pesado lobby do setor, um Congresso complacente tivesse tornado ilegal para qualquer pessoa que não fosse fabricante de medicamentos importar de outros países medicamentos vendidos sob prescrição médica.21 Além disso, há um bom movimento de viagens de ônibus para que as pessoas em estados fronteiriços viajem ao Canadá ou ao México para comprar medicamentos vendidos sob prescrição médica. A maioria dos passageiros desses ônibus é de idosos, que não só pagam mais por medicamentos do que as pessoas dos países vizinhos, mas também pagam mais do que vizinhos mais jovens em suas próprias cidades. Entre os idosos, o ressentimento é palpável, e eles constituem um poderoso bloco de

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eleitores – um fato que o Congresso e as legislaturas estaduais não deixam de perceber. O setor enfrenta outros problemas, menos conhecidos. Acontece que, por acaso, o vencimento da patente de alguns dos mecidamentos de maior venda – com o volume de vendas totalizando em torno de US$ 35 bilhões por ano – deve ocorrer a intervalos de apenas alguns anos entre uns e outros.22 Essa queda pelo despenhadeiro começou em 2001, com a expiração da patente da Eli Lilly sobre o Prozac, seu antidepressivo de sucesso estrondoso. No mesmo ano, a AstraZeneca perdeu sua patente sobre o Prilosec, a original “pílula roxa” para azia, que, em seu apogeu, gerou o espantoso valor de US$ 6 bilhões por ano. A Bristol-Myers Squibb perdeu seu medicamento para o diabetes, Glu-

Página 32cophage, outro campeão de vendas. A concentração incomum de expirações continuará por mais dois ou três anos. Embora represente um enorme prejuízo para o setor como um todo, para alguns laboratórios ela é um desastre. Claritin, o medicamento para alergia de enorme sucesso fabricado pela Schering-Plough, era responsável por um terço do faturamento da empresa antes que sua patente expirasse em 2002.23 O Claritin agora é vendido livremente por muito menos que seu preço anterior. Até o momento, a empresa não conseguiu compensar esse prejuízo, com a tentativa de passar os usuários de Claritin para Clarinex – um medicamento que é praticamente idêntico, mas que tem a vantagem de ainda ter sua patente em vigor. Ainda pior é o fato de existirem pouquíssimos medicamentos em processo de criação prontos para assumir o lugar dos campeões de vendas que perdem a patente. Na realidade, esse é o maior problema enfrentado atualmente pelo setor, e seu segredo mais bem guardado. Todos os esforços de relações públicas sobre inovação destinam-se a encobrir exatamente esse fato. A corrente de novos medicamentos reduziu-se a um fio, e poucos deles são inovadores em qualquer sentido do termo. Pelo contrário, a grande maioria é de variações de medicamentos velhos, porém eficazes – as drogas de “imitação”. Os laboratórios promovem fusões para associar seus processos de criação ou para comercializar em conjunto o mesmo medicamento, enquanto lutam entre si para descobrir drogas a licenciar do governo, universidades e empresas de biotecnologia. Entretanto, também essas fontes estão passando estão passando por dificuldades para desenvolver novos medicamentos. Dos 78 medicamentos aprovados pela FDA em 2002, somente 17 continham novos princípios ativos, e apenas sete deles foram classificados pela FDA como aperfeiçoamentos em relação a medicamentos mais antigos. Outros 71 medicamentos aprovados naquele ano eram variantes de medicamentos antigos ou não foram

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considerados superiores aos medicamentos já à venda. Em outras palavras, eram medicamentos

Página 33“de imitação”. Sete entre 78 não é uma produção impressionante. Ademais, desses sete, nem um único provinha de um laboratório farmacêutico americano de porte.24

Perdendo o apoio

Pela primeira vez, essa indústria gigantesca está se vendo em sérias dificuldades. Como disse um porta-voz do setor, ela está enfrentando “uma verdadeira tempestade”. É verdade que seus lucros ainda ultrapassam qualquer patamar que outros setores poderiam ter esperanças de atingir, mas eles caíram recentemente e, para algumas empresas, caíram muito. E é isso o que importa para os investidores. Wall Street não quer saber o quanto seus lucros são altos hoje; ela só interessa em saber quão altos eles serão amanhã. Para algumas empresas, os preços das ações simplesmente afundaram. Mesmo assim, o setor não para de prometer a chegada de um futuro luminoso. Suas afirmações tranqüilizadoras são baseadas na noção de que o mapeamento do genoma humano e o conseqüente impulso em pesquisa genética irão gerar uma quantidade de novos medicamentos de importância. Não fica explicito que os gigantes da indústria farmacêutica estão contando com o governo, as universidades e as pequenas empresas de biotecnologia para essa inovação. No entanto, as previsões estão começando a ficar muito parecidas com Esperando Godot, a implacável peça de Samuel Beckett sobre dois homens que não param de esperar por alguma coisa e de dizer um ao outro que, não importa o que seja, haverá de chegar a qualquer instante. Embora não haja dúvida de que as descobertas da genética venham resultar em tratamentos, permanece o fato de que provavelmente anos irão se passar antes que a pesquisa básica resulte em medicamentos novos. Enquanto isso, os alicerces do colosso farmacêutico, no passado tão sólidos, estão tremendo.

Página 34 Os indícios de problemas e o crescente ressentimento do público quanto aos preços elevados estão produzindo as primeiras fissuras no firme apoio de que o setor dispunha em Washington. Em 2000, o Congresso aprovou legislação que teria fechado algumas brechas da lei Hatch-Waxman e também teria permitido que farmácias americanas, assim como indivíduos, assim como indivíduos, importassem medicamentos de determinados países onde os preços são mais baixos. Especificamente, eles poderiam comprar de volta do Canadá medicamentos aprovados pela FDA que tivessem sido

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exportados para lá. Parece tolice “reimportar” medicamentos que são comercializados nos Estados Unidos, mas, mesmo com os custos adicionais da transação, importá-los ainda sai mais barato do que comprá-los nos EUA. Entretanto, a lei exigia que o secretário de Saúde e Serviços Humanos atestasse que a prática não representaria nenhum “risco adicional” para o público; e os secretários, tanto da administração de Clinton quanto na de Bush, sob pressão da indústria farmacêutica, recusaram a fazê-lo. Em 2003, a Câmara aprovou uma lei que não incluía nenhum dispositivo semelhante, e até mesmo muitos republicanos conservadores a apoiaram. O deputado Dan Burton (republicano-Indiana), salientando o fato de que os medicamentos para o câncer de mama de sua mulher custavam US$ 360 nos EUA e somente US$ 60 na Alemanha, disse a The New York Time: “Toda mulher nos Estados Unidos deveria estar furiosa com a indústria farmacêutica, e eu os autorizo a citar o que estou dizendo.”25

Mas a lei não conseguiu passar no Senado. O setor também está sendo atingido por uma enxurrada de investigações governamentais e de processos civis e criminais. A ladainha de acusações inclui o superfaturamento ilícito ao Medicaid e ao Medicare, pagamentos impróprios a médicos, envolvimento em práticas lesivas à livre concorrência, conluio com fabricantes de genéricos para manter esses medicamentos fora do mercado, promoção ilegal de medicamentos para usos não aprovados, envolvimento em propa-

Página 35ganda enganosa direta ao consumidor e, naturalmente, encovrimento de provas. Alguns dos acordos são gigantescos. A TAP Pharmaceuticals, por exemplo, pagou US$ 875 milhões num acordo referente a acusações civis e criminais de fraude contra os sistemas Medicaid e Medicare na comercialização do Lupron, seu medicamento para o câncer de próstata.26 No momento em que escrevo, o litígio nesse caso prossegue. Todos esses esforços poderiam ser resumidos como jogadas cada vez mais desesperadas com patentes e marketing, atividades que sempre andaram pelas bordas da legalidade, mas que agora às vezes se encontram nitidamente do outro lado. Como a indústria farmacêutica está reagindo a essas dificuldades? Seria possível esperar que os laboratórios farmacêuticos decidissem arregaçar as mangas – reduzir os preços, ou pelo menos torná-los mais justos, e investir mais em esforços para descobrir medicamentos verdadeiramente inovadores, em vez de só falar sobre isso. Mas não é o que está acontecendo. Pelo contrário, as empresas farmacêuticas estão se aplicando mais às atividades que as levaram à situação atual. Estão promovendo seus medicamentos de “imitação” de modo ainda mais implacável. Estão exercendo pressão ainda maior para prorrogar o monopólio que detêm sobre os medicamentos de maior venda. E

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estão despejando mais dinheiro em lobby e em campanhas políticas. Quanto à inovação, ainda estão esperando Godot, ansiando desesperadamente por sua chegada. As notícias não são totalmente negativas para o setor. O benefício para pagamento de medicamentos de prescrição a usuários do Medicare, promulgado em 2003 e programado para entrar em vigor em 2006, promete ser uma ajuda inesperada para os gigantes da indústria farmacêutica, já que ele proíbe o governo de negociar preços. O salto imediato nos preços de ações de empresas farmacêuticas após a passagem da lei indicou que o setor e seus investidores estavam bem conscientes de suas vantagens. Entretanto, na melhor das hipóteses, a legislação represen-

Página 36tará apenas um impulso temporário para o setor. Com o aumento dos custos, o Congresso será forçado a reconsiderar sua decisão, favorável aos laboratórios farmacêuticos, de permitir que eles fixem seus próprios preços, sem questionamentos. Mais adiante voltaremos a falar nisso. Essa é uma indústria que, sob certos aspectos, é semelhante ao Mágico de Oz – ainda cheia de fanfarronice, mas agora sendo exposta como algo muito diferente da sua imagem. Em vez de ser geradora de inovações, ela é uma enorme máquina de marketing. Em vez de ser uma história de sucesso de livre mercado, ela depende de pesquisas financiadas pelo governo e de direitos de monopólio. Ainda assim, essa indústria ocupa um papel essencial no sistema de atendimento de saúde americano e desempenha uma função valiosa, mesmo que não seja na descoberta de novos medicamentos de importância, pelo menos em seu desenvolvimento e lançamento no mercado. Contudo, os gigantes da indústria farmacêutica recebem uma recompensa exagerada por essas contribuições relativamente modestas. O que recebemos nem de longe se aproxima do valor que pagamos. Os Estados Unidos não tem mais condições de bancar a indústria farmacêutica em sua forma atual. A questão é saber se a indústria se dará conta disso e concordará em empreender reformas reais que refreiem seu apetite, mas conservem seus pontos fortes. Um ponto é líquido e certo. Ela não pode prosseguir por esse seu caminho atual.

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2 A criação de um novo medicamento

Lançar no mercado um novo medicamento é um trabalho árduo e demorado. A indústria tem razão quanto a esse ponto, mas está errada

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quanto ao seu tipo de participação no processo. Os laboratórios farmacêuticos nem de longe desempenham o papel de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no qual gostariam que o público acreditasse. Não é minha intenção aqui descrever o P&D do setor farmacêutico em detalhes por não ser esse o objetivo desse livro. No entanto, para ajudar a demonstrar como os laboratórios farmacêuticos estão nos vendendo uma lista de benefícios, preciso dar umas pinceladas sobre os pontos principais. A maior parte do que passo a descrever aplica-se apenas aos poucos medicamentos inovadores que chegam ao mercado a cada ano. Para os outros numerosos medicamentos “de imitação” – variações ínfi-

Página 38mas de drogas já à venda –, o processo de P&D é muito mais rápido, tendo em vista que boa parte dele já foi realizada.

P&D “light”

Não se pode simplesmente testar produtos químicos de modo aleatório para ver se um deles vai acabar se revelando útil no tratamento de uma doença. Isso levaria um tempo interminável e seria, também, perigoso. Na maior parte das vezes, procura-se em primeiro lugar entender a natureza da doença que se quer tratar – o que ocorreu de errado no corpo pode causar a doença. Essa compreensão precisa ser bastante detalhada, geralmente no nível molecular, se quisermos ter alguma esperança de descobrir um medicamento que intervenha de modo eficaz e seguro na cadeia de acontecimentos responsável pela doença. O que os pesquisadores esperam encontrar é algum elo específico na cadeia, que um medicamento consiga atingir. Portanto, o aprendizado a respeito da doença ou condição costuma ser o início da parte de pesquisa da P&D, e ele pode se prolongar por muito tempo, às vezes décadas. Não há dúvida de que esta é a parte mais criativa e menos segura do processo de P&D. Ao contrário do que diz a publicidade do setor, ela é quase sempre realizada em universidades ou laboratórios de pesquisa do governo, seja nos EUA ou no exterior. Nos Estados Unidos, a maior parte dessa pesquisa é patrocinada pelos National Institutes of Health (NIH).27

Uma vez que a pesquisa básica tenha atingido um ponto crítico – ou seja, que haja uma compreensão bastante boa da doença, bem como dos possíveis meios de curá-la ou amenizá-la –, tem início a busca para descobrir ou sintetizar uma molécula que cumpra essa função e que seja de uso seguro. Essa é a parte de “desenvolvimeen-

Página 39to” da P&D; e é aqui que os laboratórios farmacêuticos geralmente se envolvem – às vezes cedo; às vezes em estágio bem posterior.

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A parte de desenvolvimento da P&D também é dividida em duas etapas – a pré-clínica e a clínica. A etapa pré-clínica está relacionada à procura por candidatos promissores e ao estudo de suas propriedades em animais e em culturas de células. Os laboratórios mantêm enormes bibliotecas de candidatos a medicamentos – moléculas que podem agora ser selecionadas rapidamente por métodos informatizados para verificar se elas atingirão o calcanhar de Aquiles descoberto pela pesquisa básica. Além disso, novas moléculas podem ser sintetizadas ou extraídas de fontes animais, vegetais ou minerais. Somente a pequena fração dos candidatos a medicamentos que consegue passar pelo desenvolvimento pré-clínico avançará para a etapa de testes em seres humanos – a importantíssima etapa clínica (da qual falaremos mais adiante). De acordo com a indústria farmacêutica, somente um em cada cinco mil candidatos a medicamentos chega ao mercado28 – um em cada mil sobrevive aos testes pré-clínicos; e, desses, um em cinco são aprovados nos testes clínicos. Paradoxalmente, embora seja a parte menos criativa do processo, os testes clínicos são a atividade mais dispendiosa. Portanto, a grande maioria dos candidatos a medicamento é descartada logo no início, antes que se invista muito dinheiro neles. A pesquisa e o desenvolvimento em empresas de biotecnologia é, sob muitos aspectos, semelhante à P&D em grandes laboratórios farmacêuticos. Contudo, em lugar de produzir pequenas moléculas por meios químicos, as empresas de biotecnologia concentram a atenção primordialmente em criar ou modificar moléculas muito grandes, como proteínas ou hormônios, utilizando sistemas biológicos vivos – freqüentemente com tecnologia de DNA recombinante. Além disso, até o momento não existe um setor industrial que produza

Página 40genéricos de biotecnologia. De tal modo que os direitos ao monopólio são essencialmente ilimitados. (........)

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