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MATERIAL DE APOIO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 2013.2 Apostila 04 Cláusula Penal Prof. Pablo Stolze Gagliano 1. Cláusula Penal 1 Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, “não se confunde esta pena convencional com as repressões impostas pelo direito criminal, as quais cabem somente ao poder público aplicar em nossos dias. A pena convencional é puramente econômica, devendo consistir no pagamento de uma soma, ou execução de outra prestação que pode ser objeto de obrigações”. 2 Trata-se, pois, de um pacto acessório pelo qual as partes fixam, previamente, a indenização devida em caso de descumprimento culposo da obrigação principal, de uma determinada cláusula do contrato, ou, simplesmente, em caso de mora. Veja a sua disciplina jurídica, no Código Civil: Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora. Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora. 1 Tema ministrado neste semestre pelo querido amigo Professor André Barros. 2 BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria Geral do Direito Civil. Campinas: RED, 2000, pág. 104.

MATERIAL DE APOIO - pablostolze.com.brpablostolze.com.br/2013.2.LFG.Obrigacoes_04.pdfI - A estipulação de multa contratual de 10% sobre o valor total do contrato, em caso de desfazimento

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MATERIAL DE APOIO

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

2013.2

Apostila 04

Cláusula Penal

Prof. Pablo Stolze Gagliano

1. Cláusula Penal1

Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, “não se confunde esta pena convencional com as repressões impostas

pelo direito criminal, as quais cabem somente ao poder público aplicar em nossos dias. A pena

convencional é puramente econômica, devendo consistir no pagamento de uma soma, ou execução de

outra prestação que pode ser objeto de obrigações”.2

Trata-se, pois, de um pacto acessório pelo qual as partes fixam, previamente, a indenização devida em

caso de descumprimento culposo da obrigação principal, de uma determinada cláusula do contrato, ou,

simplesmente, em caso de mora.

Veja a sua disciplina jurídica, no Código Civil:

Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe

de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.

Art. 409. A cláusula penal estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior,

pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou

simplesmente à mora.

1 Tema ministrado neste semestre pelo querido amigo Professor André Barros.

2 BEVILÁQUA, Clóvis. Theoria Geral do Direito Civil. Campinas: RED, 2000, pág. 104.

Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da

obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.

Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial

de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena

cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.

Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação

principal.

Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal

tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo,

tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

Art. 414. Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles,

incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado, respondendo

cada um dos outros somente pela sua quota.

Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra aquele que deu

causa à aplicação da pena.

Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do

devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.

Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.

Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor

exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale

como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente.

Selecionamos, nessa linha, alguns importantes enunciados (da 4ª Jornada de Direito Civil):

355 – Art. 413. Não podem as partes renunciar à possibilidade de redução da cláusula penal se ocorrer

qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, por se tratar de preceito de ordem pública.

356 – Art. 413. Nas hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de

ofício.

357 – Art. 413. O art. 413 do Código Civil é o que complementa o art. 4º da Lei n. 8.245/91. Revogado o

Enunciado 179 da III Jornada.

358 – Art. 413. O caráter manifestamente excessivo do valor da cláusula penal não se confunde com a

alteração de circunstâncias, a excessiva onerosidade e a frustração do fim do negócio jurídico, que podem

incidir autonomamente e possibilitar sua revisão para mais ou para menos.

359 – Art. 413. A redação do art. 413 do Código Civil não impõe que a redução da penalidade seja

proporcionalmente idêntica ao percentual adimplido.

Da 5ª Jornada, vale a pena conferir3:

428) Art. 413. As multas previstas nos acordos e convenções coletivas de trabalho, cominadas para impedir o

descumprimento das disposições normativas constantes desses instrumentos, em razão da negociação coletiva dos

sindicatos e empresas, têm natureza de cláusula penal e, portanto, podem ser reduzidas pelo Juiz do Trabalho

quando cumprida parcialmente a cláusula ajustada ou quando se tornarem excessivas para o fim proposto, nos

termos do art. 413 do Código Civil.

429) Art. 416, parágrafo único. No contrato de adesão, o prejuízo comprovado do aderente que exceder ao previsto

na cláusula penal compensatória poderá ser exigido pelo credor independentemente de convenção.

Ao final do material de apoio, leia, também, jurisprudência selecionada pertinente à matéria.

3 Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/flaviotartuce/2011/12/14/divulgacao-oficial-dos-

enunciados-da-v-jornada-de-direito-civil/ acessado em 12 de novembro de 2013.

2. Jurisprudência Selecionada

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 83/STJ. CUMULAÇÃO DA

CLÁUSULA PENAL E INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. INCIDÊNCIA SÚMULA 7/STJ. RECURSO

IMPROVIDO.

I- Não é possível a cumulação de cláusula penal compensatória e indenização por perdas e danos.

II- Aplica-se a Súmula 7 do STJ na hipótese em que a tese versada no recurso reclama a análise de

elementos probatórios gerados ao longo da demanda.

III- Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no Ag 788.124/MS, Rel. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA),

TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2009, DJe 11/11/2009)

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. OBRIGAÇÃO. DESCUMPRIMENTO.

CLÁUSULA PENAL MORATÓRIA. CUMULAÇÃO COM LUCROS CESSANTES.

POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. INEXISTÊNCIA.

DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA.

1. A instituição de cláusula penal moratória não compensa o inadimplemento, pois se traduz em

punição ao devedor que, a despeito de sua incidência, se vê obrigado ao pagamento de

indenização relativa aos prejuízos dele decorrentes. Precedente.

2. O reconhecimento de violação a literal disposição de lei somente se dá quando dela se extrai

interpretação desarrazoada, o que não é o caso dos autos.

3. Dissídio jurisprudencial não configurado em face da ausência de similitude fática entre os

arestos confrontados.

4. Recurso especial não conhecido.

(REsp 968.091/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em

19/03/2009, DJe 30/03/2009)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E

VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLÊNCIA. CLÁUSULA PENAL.

ART. 53, DO CDC. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

I - A estipulação de multa contratual de 10% sobre o valor total do contrato, em caso de

desfazimento do acordo, não ofende o disposto no art. 53 do CDC, porquanto apenas parte do

valor total já pago será retido pelo fornecedor.

II - Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se

firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83 do STJ) Agravo Regimental improvido.

(AgRg no Ag 748.559/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em

18/09/2008, DJe 08/10/2008)

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA E CESSÃO.

INADIMPLÊNCIA RECONHECIDA DOS RÉUS. RESCISÃO DECRETADA. PERDA DAS IMPORTÂNCIAS

PAGAS CONSOANTE CLÁUSULA PENAL. CONTRATO CELEBRADO ANTES DA VIGÊNCIA DO CDC.

VALIDADE DA COMINAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO INSUFICIENTE. SUCUMBÊNCIA. CPC, ART.

20, § 4º.

I. Reconhecida a inadimplência dos réus, em contrato de promessa de compra e venda e cessão

imobiliária, válida é a cláusula que prevê a perda das parcelas pagas quando celebrado o

contrato antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes do STJ.

II. Insuficiência de prequestionamento que impede, ao teor das Súmulas n. 282 e 356 do C. STF,

o debate acerca do acerto ou não da extinção da ação reintegratória de posse.

III. Ausente a condenação, a sucumbência deve ser fixada com base no art. 20, § 4º, do CPC.

IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.

(REsp 399.123/SC, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em

07.12.2006, DJ 05.03.2007 p. 288)

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA.

INADIMPLÊNCIA DO DEVEDOR. CONTRATO ANTERIOR AO CDC.

INAPLICABILIDADE. PERDA DAS PRESTAÇÕES PAGAS PREVISTA EM CLÁUSULA PENAL.

I. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor a contrato celebrado antes da sua vigência,

pelo que a cláusula penal que prevê a perda da totalidade das parcelas pagas, contratada antes

da entrada em vigor da Lei n. 8.078/80, não pode ser afastada com base em tal diploma.

Precedentes do STJ.

II. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 435.608/PR, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em

27/03/2007, DJ 14/05/2007 p. 310)

Direito civil. Obrigações. Ação anulatória de contrato de cessão de obras literárias por

encomenda (elaboração de duas telenovelas).

Reconvenção. Indenização por perdas e danos. Descumprimento integral do contrato. Redução

da multa contratual. Cláusula penal. Função compensatória.

- Inviável a revisão do julgado, por força das Súmulas 5 e 7 do STJ, se o Tribunal de origem, ao

analisar o processo, atento ao teor do contrato objeto da controvérsia e ao acervo probatório

juntado pelas partes, concluiu pela inexistência de qualquer ato omissivo ou comissivo passível

de macular o negócio jurídico.

- A redução da multa compensatória, de acordo com o Código Civil, somente pode ser concedida

nas hipóteses de cumprimento parcial da prestação ou, ainda, quando o valor da multa exceder

o valor da obrigação principal.

- Considerando-se que estipulada a cláusula penal em valor não excedente ao da obrigação e

que foi total o inadimplemento contratual, não cabe a redução do seu montante, que deve servir

como compensação pela impossibilidade de obtenção da execução específica da prestação

contratada, na hipótese, a elaboração de duas telenovelas.

Recurso especial não conhecido.

(REsp 687.285/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25.09.2006, DJ

09.10.2006 p. 287)

CIVIL E PROCESSUAL. COTAS DE CONSÓRCIO ADQUIRIDAS DE EMPRESA VENDEDORA DE VEÍCULOS.

CARACTERIZAÇÃO COMO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. DESISTÊNCIA PELO ADQUIRENTE. CLÁUSULA

PENAL. CDC, ART. 53.

MITIGAÇÃO. RETENÇÃO PARCIAL PARA RESSARCIMENTO DE DESPESAS.

I. Reconhecido pelo Tribunal estadual que se cuidou, na espécie, de compromisso de compra e venda de

quotas de consórcio, a desistência, pelo adquirente, sob alegação de dificuldades econômicas, implica na

aplicação parcial da cláusula penal, cabendo a retenção de parte dos valores a serem restituídos, para

ressarcimento de despesas administrativas da vendedora.

II. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

(REsp 165.304/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 07.02.2006, DJ

20.03.2006 p. 273)

Mais recentemente, julgou-se:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA.

RESCISÃO CONTRATUAL. INADIMPLÊNCIA DOS PROMITENTES COMPRADORES.

CLÁUSULA PENAL. PERDA DA TOTALIDADE DAS PRESTAÇÕES PAGAS.

DESPROPORCIONALIDADE. CONTRATO ANTERIOR À VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

INCIDÊNCIA DO ART. 924 DO CÓDIGO CIVIL/1916. POSSIBILIDADE.

I - Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a contrato celebrado antes da sua vigência.

II - Possibilidade de o juiz, com fundamento na regra do art. 924 do Código Civil/1916, reduzir a pena

convencional estatuída a um patamar razoável, mormente quando se verifica a perda de todas parcelas

pagas.

III - Limitação da retenção das parcelas pagas ao percentual de 25% (vinte e cinco), em favor da

promitente vendedora.

IV - Precedentes específicos, em casos similares, deste Superior Tribunal de Justiça III. AGRAVO

REGIMENTAL PROVIDO

(AgRg no REsp 479.914/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em

05/10/2010, DJe 15/10/2010)

3. Leitura Complementar

Texto Complementar 01 – Imputação do Pagamento

Forma especial de pagamento sem grande expressividade prática é a imputação do pagamento.

Imagine que um sujeito assumiu três débitos de 1.000 em face do mesmo credor. Ou seja, a

dívida 01 é de 1.000, a dívida 02 é de 1.000 e a dívida 03 também é de 1.000, devidas ao mesmo

credor.

Todas as dívidas venceram.

Sucede que o devedor só dispõe de 1.000 para pagamento.

Pergunta-se: em qual delas o pagamento será imputado? Na dívida 01, 02 ou 03?

Pois bem.

A denominada imputação do pagamento nada mais faz do que estabelecer as regras pelas quais

solucionamos tal questão, permitindo a indicação do pagamento dentre tais dívidas vencidas e

da mesma natureza.

Como fazer então?

Simples.

Em regra, a imputação é feita pelo próprio devedor. É ele que fará a indicação em qual das

dívidas será imputado o pagamento:

Art. 352. A pessoa obrigada por dois ou mais débitos da mesma natureza, a um só credor, tem o

direito de indicar a qual deles oferece pagamento, se todos forem líquidos e vencidos.

Caso o devedor não faça a imputação do pagamento, poderá o credor fazê-lo:

Art. 353. Não tendo o devedor declarado em qual das dívidas líquidas e vencidas quer imputar o

pagamento, se aceitar a quitação de uma delas (OU SEJA, SE O CREDOR DER A QUITAÇÃO,

IMPUTANDO EM QUAL DAS DÍVIDAS SERÁ FEITO O PAGAMENTO) não terá direito a reclamar

contra a imputação feita pelo credor, salvo provando haver ele cometido violência ou dolo.

(referência e grifo nossos).

Entretanto, se o credor não fizer, a imputação é feita pela própria lei4:

Art. 355. Se o devedor não fizer a indicação do art. 352, e a quitação for omissa quanto à

imputação, esta se fará nas dívidas líquidas e vencidas em primeiro lugar. Se as dívidas forem

todas líquidas e vencidas ao mesmo tempo, a imputação far-se-á na mais onerosa.

Em síntese:

Regra 01 – a imputação é feita pelo DEVEDOR.

4 Em havendo dívida de juros, a regra legal aplicável é a do art. 354: “Havendo capital e

juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e depois no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital”.

Regra 02 – se o devedor não indicar em qual das dívidas será feito o pagamento, a imputação é feita pelo

CREDOR.

Regra 03 – se o credor também não fizer a indicação, a imputação é feita pela LEI: a preferência deverá ser a

imputação na dívida mais ANTIGA, mas, se todas tiverem o mesmo vencimento, imputa-se na dívida mais

ONEROSA (ex.: a que tenha uma previsão de multa mais alta).

Mas uma pergunta, nesse contexto, não quer calar: e se todas as dívidas forem vencidas ao mesmo tempo e

igualmente onerosas?

A lei é omissa quanto a este aspecto.

O antigo Código Comercial dispunha, em situações como esta, que o pagamento seria “rateado” entre as

dívidas. Solução que não existe mais na lei comercial (que fora neste ponto revogada), embora sirva, em

nosso sentir, como uma recomendação doutrinária para que o juiz não deixe de solucionar o caso concreto.5

Ainda sobre a imputação do pagamento, confira recente julgado e noticia do STJ:

CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. ENCARGOS MENSAIS. IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO.

Em retificação à nota do REsp 1.095.852-PR (Informativo n. 493, divulgado em 28/3/2012), leia-se: A Seção

entendeu que, para os contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), até a

entrada em vigor da Lei n. 11.977/2009, não havia regra especial a propósito da capitalização de juros, de

modo que incidia a restrição da Lei de usura (art. 4º do Dec. 22.626/1933). Para tais contratos não é válida a

capitalização de juros vencidos e não pagos em intervalo inferior a um ano, permitida a capitalização anual,

regra geral que independe de pactuação expressa. E, caso o pagamento mensal não seja suficiente para a

quitação sequer dos juros, cumpre-se determinar o lançamento dos juros vencidos e não pagos em conta

separada, sujeita apenas à correção monetária e à incidência anual de juros. Ressalva do ponto de vista da

Min. Relatora no sentido da aplicabilidade no SFH do art. 5º da MP n. 2.170-36, permissivo da capitalização

mensal, desde que expressamente pactuada. Decidiu-se também que no SFH os pagamentos mensais devem

ser imputados primeiramente aos juros e depois ao principal nos termos do disposto no art. 354 do CC/2002

(art. 993 do CC/1916). Esse entendimento foi consagrado no julgamento pela Corte Especial do REsp

1.194.402-RS, submetido ao rito do art. 543-C. REsp 1.095.852-PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em

14/3/2012. (grifei)

5 Tema tratado em nosso volume II – Obrigações, Saraiva.

Regra de imputação de pagamentos é tema de nova súmula no STJ

05/09/2010

A regra de imputação de pagamentos estabelecida no artigo 354 do Código Civil não se aplica às hipóteses de

compensação tributária. A conclusão é da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao aprovar a

proposta da ministra Eliana Calmon para a Súmula n. 464 e pacificar o entendimento da Corte sobre o

assunto.

A súmula tomou como referência legal os artigos 108 e 110 do Código Tributário Nacional, o artigo 543-C do

CPC, o artigo 66 da Lei n. 8.383/1991, o artigo 74 da Lei n. 9.430/1996 e a Resolução n. 8 do STJ.

Em um dos precedentes (Resp n. 960.239), o ministro Luiz Fux, relator, entendeu que a imputação do

pagamento na seara tributária tem regime diverso daquele do direito privado (artigo 354 do Código Civil),

inexistindo regra segundo a qual o pagamento parcial imputar-se-á primeiro sobre os juros, para, só depois de

findos estes, amortizar-se o capital. “O próprio legislador exclui a possibilidade de aplicação de qualquer

dispositivo do Código Civil à matéria de compensação tributária, determinando que esta continuasse regida

pela legislação especial”, afirmou.

No caso, a empresa Madeiras Salamoni pediu a declaração de inexigibilidade da Cofins, nos moldes da

ampliação da base de cálculo e majoração da alíquota previstas na Lei n. 9.718/1998, com o recolhimento do

direito à compensação dos valores recolhidos indevidamente a esse título, corrigidos monetariamente.

A sentença reconheceu a inconstitucionalidade da ampliação da base de cálculo da Cofins determinada na Lei

n. 9.718/98, a ser dita contribuição calculada com base na Lei Complementar n. 70/1991, assegurado o direito

da empresa de compensar o respectivo crédito com tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal,

nos termos da Lei n. 9.430/1996, na redação dada pela Lei n. 10.637/2002, após o trânsito em julgado,

corrigidos monetariamente pela taxa Selic. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a sentença.

Também foram usados como fundamentação para a súmula os recursos especiais n. 970.678, 987.943,

1.024.138, 1.025.992, 1.058.339 e 1.130.033 e o agravo regimental no Resp n. 1.024.138.

Como as súmulas compreendem a síntese de um entendimento reiterado do Tribunal sobre determinado

assunto, a pacificação do entendimento a esse respeito servirá como orientação para as demais instâncias da

Justiça, daqui por diante.

Fonte:

http://www.stj.jus.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=398&tmp.texto=98855

acessado em 06 de setembro de 2010.

Texto Complementar 02

É sempre vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade de

cláusulas em contrato bancário?

Reflexões sobre a Súmula 381 do STJ

Pablo Stolze Gagliano6 e Salomão Viana7

Um dos pontos fundamentais do pensamento do filósofo da linguagem ROBERT ALEXY8 é a defesa da

imperiosa necessidade de o jurista desenvolver o fundamento discursivo do seu pensamento em bases

lógicas, visando a atingir convincentemente o resultado hermenêutico de sua atividade cognitiva.

E está certo ALEXY.

Afinal, não cabe ao magistrado julgar de acordo com o seu “achismo”, mas, sim, segundo valores

socialmente objetivados, e na linha de uma hermenêutica filosoficamente justificada.

Por isso, em nossa atividade acadêmica, exortamos, continuamente, os nossos alunos a não

imaginarem existir uma fronteira entre a dogmática jurídica e os outros ramos do conhecimento humano,

especialmente o filosófico.

Aliás, em um sistema cada vez mais marcado pela abertura conceitual dos preceitos normativos –

império dos conceitos vagos e das cláusulas gerais – a comunicação entre as diversas fontes do conhecimento

humano, além de traduzir uma quebra do encastalamento autopoiético do Direito, passou a ser uma

obrigatória exigência para a adequada aplicação da norma ao caso concreto.

6Juiz de Direito (BA), mestre em Direito Civil pela PUC-SP, especialista em Direito Civil pela

Fundação Faculdade de Direito da Bahia, professor da Universidade Federal da Bahia e da

Rede LFG. 7 Juiz Federal (BA), especialista em Direito Processual Civil pela UFBA, professor da

Universidade Federal da Bahia e da Rede LFG. 8 Teoria da Argumentação Jurídica. SP: Edidora Landy, 2005.

Nesse contexto, resta óbvio que não pode o juiz tornar-se um mero reprodutor de uma ideia

preconcebida, esteja ela insculpida em uma lei ou aparentemente incrustada no entendimento sumulado de

um tribunal.

Uma postura acomodatícia de um membro do Poder Judiciário em tais casos, além de gerar o risco

político imanente ao amesquinhamento dos limites da atividade jurisdicional, menoscaba a certeza de que,

em toda atividade interpretativa, uma ideia que se concebeu a priori precisa, invariavelmente, ser

reconstruída por ocasião da sua aplicação no caso concreto.

É este o grande medo que nos assoma, ante a publicação do enunciado n. 381 da súmula da

jurisprudência dominante do STJ.

Tememos que tal enunciado produza interpretações açodadas, superficiais, cômodas, com desprezo

ao “ônus da argumentação jurídica”, anunciado por ALEXY.

A prevalência de interpretações desta natureza, além de produzir os resultados indesejáveis já

apontados, poderia culminar em um desastroso retrocesso nas concepções que passaram a nortear a teoria

do contrato, mormente após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988.

Lembremo-nos do teor do enunciado: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de

ofício, da abusividade das cláusulas”.

Ora, se, por um lado, a edição de mais um enunciado de um tribunal superior traduz fortalecimento

da segurança jurídica, por conta do estabelecimento de um parâmetro claro para que se alcance a desejada

uniformização da jurisprudência, por outro, não podemos olvidar que a aplicação do preceito nele contida,

segundo as características de cada caso posto sob apreciação judicial, demanda um esforço hermenêutico

mínimo por parte do julgador, para que se não despejem, no mesmo cadinho jurisprudencial, situações

marcadas pela dessemelhança.

GERIVALDO NEIVA, em recente texto, faz as seguintes ponderações: “Ora, da forma em que foi

editada a Súmula, quando o STJ diz que o Juiz não pode conhecer de ofício de tais cláusulas, por outras vias,

está querendo dizer que os bancos podem inserir cláusulas abusivas nos contratos, mas o Juiz simplesmente

não pode conhecê-las de ofício. Banco manda, Juiz obedece! Como diz o jargão de uma comediante da

televisão: cláusula abusiva? Pooooooode!! Nesta lógica absurda, considerando que as cláusulas abusivas são

sempre favoráveis aos bancos e desfavoráveis ao cliente, o STJ quer que os Juízes sejam benevolentes com os

bancos e indiferentes com seus clientes. Devem se omitir, mesmo sabendo que esta omissão será favorável

ao banco, e não podem agir, mesmo sabendo que sua ação poderá corrigir uma ilegalidade”9.

E é exatamente para se evitar situações como a prevista pelo aludido autor que precisamos nos

aprofundar nas bases da justificação do entendimento sumulado e, especialmente, estabelecer os limites da

sua aplicação.

Neste passo, uma primeira conclusão deve ser, de logo, anunciada: desde que sejam respeitados os

limites estabelecidos pelo sistema jurídico, em especial os previstos no núcleo principiológico da congruência,

não pode ser vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade de uma cláusula, em um contrato

bancário.

Esta é a vontade do sistema jurídico. E não há súmula que tenha o poder de contrariá-la.

Assim, a proibição contida no enunciado somente pode se dirigir a hipóteses em que o

reconhecimento ex officio afronte o princípio da congruência.

E é exatamente neste ponto que nos encontramos, de novo, com ROBERT ALEXY.

Se é reconhecidamente indispensável que o jurista desenvolva o fundamento discursivo do seu

pensamento em bases lógicas, de modo a atingir convincentemente o resultado hermenêutico de sua

atividade cognitiva, sem estabelecer fronteiras entre a dogmática jurídica e os outros ramos do conhecimento

humano, é igualmente imprescindível que o jurista, ao aplicar uma norma que integra um microssistema

jurídico, não ignore a existência de núcleos principiológicos de outros ramos da ciência do Direito.

Assim, é no Direito Constitucional e no Direito Processual Civil, mais precisamente no exame do

núcleo principiológico da congruência, que devemos buscar as bases necessárias para que seja dada ao

enunciado n. 381 a sua exata interpretação.

9 http://gerivaldoneiva.blogspot.com/2009/05/sumula-381-do-stj-um-ato-falho.html.

Para tanto, vale lembrar que “existe um poder-dever da autoridade jurisdicional de responder ao

pedido feito pela parte”10, sendo-lhe “vedado se pronunciar sobre o que não tenha sido objeto do pedido”11.

Igualmente, não é permitido ao Poder Judiciário ir “além do pedido formulado, concedendo ou deixando de

conceder expressamente mais do que tenha sido pedido”12.

Pronunciamento judicial decisório em que o magistrado deixa de responder, na íntegra, ao pedido

feito pela parte, em que se manifesta sobre o que não tenha sido objeto do pedido ou em que se pronuncia

sobre matéria além do pedido formulado, é pronunciamento tisnado de vício. A depender da situação em

que se enquadre, dentre as três acima mencionadas, tratar-se-á de uma decisão infra, extra ou ultra petita. E

a ocorrência de qualquer destas situações “consiste em infração ao princípio da congruência do decisum com

o pedido”13.

Nenhuma dúvida, pois, pode restar de que para que um julgador possa conhecer, de ofício, da

abusividade de uma cláusula, em um contrato bancário, ele somente poderá fazê-lo se o julgamento que

resultar do fundamento discursivo do seu pensamento não violar o princípio da congruência14.

Por outras palavras, o julgador deve, sim, conhecer, de ofício, da abusividade de cláusulas em

contratos bancários, desde que, com isto, não profira um julgamento extra ou ultra petita15.

10ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil, vol. 2. São Paulo: RT, 2005, p. 552. 11 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 554. 12 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 557. 13 ALVIM, Arruda. Ob. cit., p. 557. 14 Cuidamos, aqui, da chamada congruência externa objetiva. “A congruência externa da

decisão diz respeito à necessidade de que ela seja correlacionada, em regra, com os sujeitos

envolvidos no processo (congruência subjetiva) e com os elementos objetivos da demanda

que lhe deu ensejo e da resposta do demandado (congruência objetiva). A congruência

interna diz respeito aos requisitos para a sua inteligência como ato processual. Nesse

sentido, a decisão precisa revestir-se dos atributos da clareza, certeza e liquidez” (DIDIER

Jr., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, vol 2,

4ª edição. Salvador: Editora JusPodivm, 2009, p. 309). 15 Observe-se que não há possibilidade lógica de que do conhecimento, de ofício, da

abusividade de uma cláusula contratual resulte uma decisão infra petita. Por este motivo,

apesar de a aplicação do princípio da congruência implicar também a proibição de

julgamentos infra petita, nos adstringiremos, nestas reflexões, a tratar das hipóteses de

julgamentos extra e ultra petita.

E aí é de todo indispensável que se realce que a necessidade de que o magistrado atue com

obediência ao núcleo principiológico da congruência está a anos-luz de distância da odiosa aplicação do

direito mediante perspectiva puramente processual.

Diferentemente disto, a atenção à congruência entre a demanda proposta e o seu julgamento pelo

Poder Judiciário é consectário irrenunciável do respeito a aspectos basilares de um Estado Democrático de

Direito.

Efetivamente, admitir que o Poder Judiciário possa proferir um julgamento a respeito do que não lhe

foi pedido ou de modo a conceder mais do que foi pedido é permitir que o patrimônio jurídico de uma das

partes seja invadido sem que a ela tenha sido dada oportunidade de se manifestar e de interferir no conteúdo

da decisão. É permitir, portanto, que a garantia constitucional do contraditório e, por conseguinte, o princípio

do devido processo legal sejam reduzidos ao nada.

Proclama-se, atualmente, a necessidade de que os agentes políticos do Poder Judiciário tenham uma

atuação proativa. Anuncia-se um novo tempo, um tempo de ativismo judicial, em que novas posturas do

jurista frente à Constituição conduziriam ao que se rotula de neoconstitucionalismo, com os seus consectários

lógicos, dentre eles o neocivilismo e o neoprocessualismo (ou formalismo-valorativo).

Não somos resistentes a que os preceitos decorrentes destes novos tempos se instalem.

Muito pelo contrário!

O que não é possível, entretanto, é admitir que a desejada proatividade do Poder Judiciário resulte

por colocar em risco a segurança jurídica de quem quer quer seja. Se os preceitos de ordem pública, tais

como os estabelecidos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor para assegurar a função social da

propriedade e dos contratos, devem ser vistos com pre-eminência sobre outras normas, eles nunca tiveram,

não tem e nunca terão força para inumar a garantia constitucional do contraditório, a menos que, nesse

roldão, seja demolido um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

Com a palavra, nesse ponto, HUMBERTO ÁVILA16:

“O Poder Judiciário não deve assumir, em qualquer matéria, e em qualquer intensidade, a prevalência

na determinação da solução entre conflitos morais porque, num Estado de Direito, vigente numa sociedade

complexa e plural, deve haver regras gerais destinadas a estabilizar conflitos morais e reduzir a incerteza e a

arbitrariedade decorrente da sua inexistência ou desconsideração, cabendo a sua edição ao Poder Legislativo

e a sua aplicação, ao Judiciário”.

Ao lado da violação à garantia constitucional do contraditório, aliás, outras agressões ao sistema

jurídico são facilmente identificáveis no permissivo de que o Poder Judiciário julgue fora ou além do que lhe

foi pedido. Assim é que, apenas a título de exemplo, restariam também feridos o princípio dispositivo e o

princípio da inércia da jurisdição.

Não é, definitivamente, esta a ordem jurídica que se deseja.

Porém, não se pode confundir este tipo indesejável de atuação do Poder Judiciário, com outro, este

também marcado pela proatividade.

Todavia, a proatividade que marca este tipo outro de atuação a que nos referimos é saudável, hígida,

reverente ao Estado Democrático de Direito e, por isto mesmo, perfeitamente ajustada ao sistema jurídico.

E, nessa perspectiva, o julgador deve, sim, aplicar, de ofício, preceitos de ordem pública, tais como os

estabelecidos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor para assegurar a função social da

propriedade e dos contratos, ou em observância a outro princípio de matriz constitucional, desde que o

faça no estritos limites do julgamento da lide posta sob sua apreciação.

Com efeito, segundo norma expressa, contida no Código Civil, nenhuma convenção prevalecerá se

contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos naquele código para assegurar a função

social da propriedade e dos contratos (art. 2035, parágrafo único17).

16 Neoconstitucionalismo”: entre a “Ciência do Direito” e o “Direito da Ciência”. Revista

Eletrônica de Direito do Estado (REDE), n. 17, jan./fev./março de 2009. Salvador: Instituto

Brasileiro de Direito Público. Disponível em www.direitodoestado.com.br/rede.asp, 17 Art. 2.035. (...)

A dicção imperativa “nenhuma convenção prevalecerá” conduz à clara conclusão de que o juiz não

depende de manifestação alguma para que possa reconhecer a abusividade lesiva ao sistema de princípios

constitucionais. Todavia, ele somente poderá fazê-lo se, ao conhecer, de ofício, da abusividade, a conclusão a

que chegar não o conduza a desbordar os limites daquilo que lhe foi pedido e que constitui o chamado thema

decidendum.

É que se é certo que o magistrado, em regra, não pode conhecer de fatos que não tenham sido

alegados pelas partes18, não está ele, porém, atrelado ao enquadramento normativo que as partes fizerem

dos fatos por elas alegados.

Um exemplo tornará mais claro o nosso pensamento.

Imagine-se, que seja proposta, por um banco, uma demanda, cujo pedido esteja voltado para a

cobrança do valor resultante da aplicação de uma cláusula penal19.

Ao narrar os fatos, o banco-autor, invocando a qualidade de credor, informa que celebrou determinado

contrato com o réu, seu cliente, a quem imputa a situação de devedor, e que, no mencionado contrato, foi

inserido um pacto acessório, pelo qual os contratantes fixaram um valor a título de indenização para a

hipótese de descumprimento culposo da obrigação principal. Por considerar que a obrigação principal

assumida por seu cliente teria sido descumprida, o banco formula o pedido de que seja imposta ao devedor a

obrigação acessória de pagar o valor constante na referida cláusula.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública,

tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função da propriedade e dos

contratos. 18 As exceções a esta regra somente podem estar contidas na lei, a exemplo do que se dá

com as normas insculpidas nos arts. 131 e 462 do CPC. 19 Sobre a cláusula penal, um dos autores deste artigo, em obra da qual é coautor, fez o

registro de que se trata ela de “... um pacto acessório, pelo qual as partes de um

determinado negócio jurídico fixam, previamente, a indenização devida em caso de

descumprimento culposo da obrigação principal, de determinada cláusula do contrato ou

em caso mora. Em outras palavras, a cláusula penal, também denominada pena

convencional, tem a precípua função de pré-liquidar danos, em caráter antecipado, para o

caso de inadimplemento culposo, absoluto ou relativo, da obrigação” (GAGLIANO, Pablo

Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações,

Saraiva, 6ª ed, 2006, pág. 355).

O devedor, por sua vez, em defesa, argumenta que o valor cobrado é inexigível, em razão de a cláusula

penal conter determinado vício invalidante.

Muito bem.

Ao apreciar o caso, o juiz conclui que o vício apontado pelo réu inexiste.

O valor cobrado pelo banco, pois, se examinada a situação apenas à luz dos argumentos esgrimidos pelo

réu, seria exigível.

Ao lado disto, porém, o magistrado constata que o valor estabelecido a título de indenização é abusivo,

porque excede o valor da própria obrigação principal, o que constitui afronta ao que dispõe o art. 412 do

Código Civil20.

Nessa linha, apesar de o art. 41321 do mesmo código nada dizer a respeito de a redução judicial do valor

previsto na cláusula poder se operar de ofício, deverá o juiz fazê-lo, reconhecendo a abusividade do valor

excedente, independentemente de manifestação do demandado.

Ao assim atuar, o magistrado permanecerá atrelado aos estritos lindes da demanda, sem qualquer

afronta ao princípio da congruência.

Observe-se, neste passo, que a decisão a respeito da questão principal (a imposição, ao réu, da

obrigação de pagar o valor constante na cláusula penal) terá como fundamento o juízo de valor formado pelo

magistrado a respeito da abusividade da cobrança.

Ele, o juiz, não decidirá fundamentado na invalidade integral da cláusula (que é a tese defendida pelo

réu), mas na sua invalidade parcial, naquilo em que o valor nela previsto for abusivo, independentemente de

manifestação do interessado.

20 Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da

obrigação principal. 21 Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação

principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente

excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

Assim, a resolução da questão da abusividade – que é uma questão a ser resolvida incidenter tantum –

não exsurgirá do processo como fruto da atuação jurisdicional fora dos limites do que foi pedido ao Poder

Judiciário, mas rigorosamente dentro das fronteiras do que é dado ao julgador conhecer ao proferir uma

decisão numa determinada causa: o Poder Judiciário foi provocado para decidir a respeito da imposição de

uma obrigação a alguém e sobre ela decidiu22.

Imagine-se, agora, uma situação inversa, na qual a demanda é proposta pelo cliente do banco, que, em

situação semelhante à anteriormente descrita, comparece em juízo para obter a declaração da invalidade de

uma cláusula penal. Neste caso, o consumidor dos serviços bancários não aguardou que o banco lhe

cobrasse. Ele próprio resolveu tomar a iniciativa.

Ao apresentar os seus argumentos, o autor perfilha a linha de entendimento segundo a qual o pacto

acessório contido no contrato contém determinado vício invalidante, pugnando pela sua declaração, para,

assim, firmar a sua inexigibilidade.

Se, ao apreciar o caso, o juiz concluir que o vício apontado pelo autor inexiste, mas, simultaneamente,

constatar que o valor estabelecido a título de indenização é abusivo, porque excede o valor da própria

obrigação principal, deverá promover, ex officio, a redução judicial do valor previsto na cláusula,

independentemente de manifestação do demandante.

Ao fazê-lo, o magistrado permanecerá atrelado aos limites que foram traçados no pedido formulado

pelo autor. Mas não estará sujeito – melhor dito, escravizado – a uma manifestação do interessado para que

possa atuar em respeito a um princípio matricial, como o é, na hipótese dada, o da boa-fé objetiva.

E aí é de todo adequado analisar, agora, ambas as situações sob a ótica da garantia constitucional do

contraditório.

22 FREDIE DIDIER JÚNIOR, em editorial publicado em 13 de maio de 2009 no seu site,

intitulado Sobre o n. 381 da súmula do STJ (Editorial 63, www.frediedidier.com.br), faz

precisas considerações a respeito de aspectos processuais que envolvem o tema,

estabelecendo conexão com a norma contida no parágrafo único do art. 112 do CPC, que

versa sobre a possibilidade de o juiz conhecer de ofício sobre a nulidade de cláusula de

eleição de foro em contrato de adesão. O aludido editorial é de leitura indispensável para

quem pretende formar uma ideia clara a respeito do real alcance do novo enunciado.

No primeiro caso, o banco, na qualidade de autor, viu o Poder Judiciário se pronunciar, ex officio,

sobre uma questão incidental e, com base no seu entendimento, decidir o que lhe foi pedido. E isto –

nenhuma dúvida pode restar a respeito – o julgador pode, sim, fazer.

Inaplicável é, pois, num caso como este, o enunciado n. 381 da súmula do STJ.

Na segunda hipótese, o banco réu, por ocasião da citação, tomou conhecimento de que o pedido do

autor estava voltado para a declaração da invalidade de determinada cláusula. Ao lado disto, a ele, réu, não é

dado ignorar que o sistema jurídico, máxime no que toca à existência de preceitos de ordem pública, tais

como os estabelecidos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor para assegurar a função social da

propriedade e dos contratos, bem como a boa-fé objetiva, permite que o magistrado conheça de ofício de

abusividades. Assim, cabia ao réu, em obediência à norma contida no art. 300 do CPC23, defender, sob todos

os aspectos jurídicos – e não apenas quanto aos aspectos que foram objeto de abordagem pelo autor – a

validade da cláusula.

Destarte, quanto à incolumidade, em ambos os casos concretos imaginados, da garantia constitucional

do contraditório, restará ela mantida, na íntegra, uma vez que o magistrado, em nenhum dos casos, ao

decidir, teria desbordado os limites da lide posta para a sua apreciação.

Não é por outro motivo que continua a merecer loa o enunciado n. 356 da IV Jornada de Direito Civil,

segundo o qual nas hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz deverá, de ofício, reduzir a cláusula

penal.

Observe, porém, caro leitor: à vista dos pedidos concretamente formulados nos casos propostos, não

poderia o magistrado, por exemplo, conhecer de ofício da abusividade do índice de correção monetária

escolhido pelas partes para incidir sobre o valor da obrigação principal, pois tal tema desborda os limites do

objeto litigioso do processo.

Por tudo isto, o que se conclui é que, em nosso sentir, o STJ não pretendeu, com a súmula n. 381,

impedir, em termos absolutos, a atuação judicial espontânea diante de cláusulas consideradas abusivas, pois,

23 Art. 300. Compete ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as

razões de fato e de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas

que pretende produzir.

se assim fosse, estaria aquele tribunal mandando às favas, não apenas a própria principiologia constitucional,

mas também o Código Civil (arts. 421 e 422) e o Código de Defesa do Consumidor (art. 51).

Não é isso.

A pretensão, com toda a certeza, é a de ajustar a atuação jurisdicional aos limites processuais do thema

decidendum, para evitar aquele “ativismo judicial” indesejável a que nos referimos.

Aliás, uma leitura atenta do julgamento do REsp n. 1.061.530/RS – que foi o recurso admitido, nos

termos do art. 543-C do CPC, como representativo da controvérsia – traz um valoroso contributo para o

entendimento das razões que conduziram o STJ a publicar o enunciado n. 381.

No julgamento, restou claro que a preocupação daquela corte superior esteve voltada para impedir que

a atuação ex officio do Poder Judiciário resulte em violação ao núcleo principiológico da congruência.

Na sua redação, entretanto, o enunciado disse mais do que poderia ser dito. Por isto, a sua construção

redacional merece revisão, a fim de que não sirva de base – ou de desculpa – para justificar decisões injustas,

calcadas em interpretação superficial ou açodada.

Nessa ordem de idéias, conclamamos você, amigo leitor, a adotar, diante desse novo e importante

enunciado, uma postura crítica e inteligente, a fim de que não se reverbere a falsa idéia de que, a partir de

sua edição, os juízes se converteram em meros repetidores de normas, dependentes sempre de provocação

das partes, mesmo em temas de índole constitucional, num inegável revival da interpretação exegética dos

primórdios do Código Francês.

(17 de março de 2009. Artigo. Professores Pablo Stolze e Salomão Viana.)

4. Bibliografia Básica do Curso

Novo Curso de Direito Civil – Obrigações – vol. II, PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO,

(Saraiva) www.saraivajur.com.br

5. Mensagem

Deus fique na sua companhia!

E lembre-se: Fé acima de tudo!

Paz e luz!

Um abraço!

O amigo, Pablo.

www.pablostolze.com.br Curtam: facebook.com/pablostolze Sigam: @profpablostolze

2013.2.OK C.D.S.