Material Tratamento Anaerobio

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO TECNOLGICO DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUMICA E ENGENHARIA DE ALIMENTOS EQA5316 - ENGENHARIA BIOQUMICA PROFESSOR: AGENOR FURIGO

TRATAMENTO ANAERBIO DE EFLUENTES

Fabiana Schmitt Silvio Weschenfelder Talita Marina Vidi

Florianpolis, junho de 2006.

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Introduo

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1 Tratamento de efluentes 5 1.1 Aplicabilidade dos sistemas anaerbios ____________________________________6 1.2 Legislao ____________________________________________________________9 2 Aspectos Gerais da Digesto Anaerbia 11 2.1 Metabolismo Bacteriano _______________________________________________12 2.2 Processos de Converso em Sistemas Anaerbios ___________________________12 2.2.1 Hidrlise _________________________________________________________13 2.2.2 Acidognese ______________________________________________________13 2.2.3 Acetognese_______________________________________________________14 2.2.4 Metanognese _____________________________________________________15 2.3 Aspectos Termodinmicos ______________________________________________16 2.4 Fatores Importantes na Digesto Anaerbia _______________________________17 2.4.1 Temperatura_______________________________________________________18 2.4.2 Nutrientes ________________________________________________________19 2.4.3 Capacidade de Assimilao de Cargas Txicas ___________________________20 2.4.4 Sobrecargas Hidrulicas _____________________________________________21 2.4.5 Atividade Metanognica _____________________________________________22 3 Biomassa nos sistemas anaerbios 23 3.1 Reteno de biomassa nos sistemas anaerbios _____________________________23 3.1.1 Reteno por adeso ________________________________________________23 3.1.2 Reteno por floculao _____________________________________________24 3.1.3 Reteno por granulao _____________________________________________24 3.1.4 Reteno intersticial ________________________________________________25 3.2 Avaliao da massa microbiana _________________________________________25 3.3 Avaliao da atividade microbiana_______________________________________26 3.3.1 Importncia do teste de AME _________________________________________27 3.3.2 Descrio do teste de AME ___________________________________________27 3.3.3 Consideraes finais sobre o teste de AME ______________________________28 4 Sistemas anaerbios de tratamento 29 4.1 Sistemas convencionais_________________________________________________29 4.1.1 Digestores anaerbios de lodo_________________________________________30 4.1.2 Tanque sptico_____________________________________________________32 4.1.3 Lagoa anaerbia____________________________________________________33 4.2 Sistemas de alta taxa __________________________________________________35 4.2.1 Sistemas com crescimento bacteriano aderido ____________________________35 4.2.2 Sistemas com crescimento bacteriano disperso____________________________37 4.3 Sistemas combinados __________________________________________________41 5 Projetos de reatores anaerbios 43 5.1 Tanques spticos ______________________________________________________43 5.1.1 Principais fatores intervenientes no processo de tratamento __________________44 5.1.2 Principais disposies da Norma Brasileira (ABNT, 1993) __________________46

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5.1.3 Eficincias dos tanques ______________________________________________48 5.2 Filtros anaerbios _____________________________________________________49 5.2.1 Fatores fsicos intervenientes no processo _______________________________49 5.2.3 Dimensionamento de filtros anaerbios _________________________________51 5.2.4 Eficincias dos filtros anaerbios ______________________________________51 5.3 Reatores de manta de lodo______________________________________________52 5.3.2 Configuraes tpicas _______________________________________________53 5.3.3 Critrios e parmetros de projeto_______________________________________54 5.3.4 Material do reator __________________________________________________56 5.3.5 Eficincia de reatores UASB__________________________________________56 5.3.6 Custos de reatores UASB ____________________________________________56 Concluso 58 Referncias Bibliogrficas 59

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Introduo

O crescimento populacional e o desenvolvimento industrial tm ocasionado efeitos negativos sobre o ambiente, tais como a poluio e a degradao dos recursos naturais. O controle ambiental uma grande preocupao governamental e dos centros de pesquisa que estudam tecnologias adequadas para reverter tendncia degradao, a fim de assegurar a no ocorrncia de prejuzos irreparveis e garantir a melhoria de qualidade de vida das geraes atuais e futuras. A conscincia crescente de que o tratamento de guas residurias de vital importncia para a sade pblica e para o combate a poluio das guas de superfcie, levou necessidade de se desenvolver sistemas que combinam uma alta eficincia a custos baixos de construo e de operao. E ainda assim, o tratamento dos efluentes deve ser corrigido e aperfeioado de tal maneira que o seu uso ou a sua disposio final possam ocorrer de acordo com a legislao ambiental. Portanto, nas ltimas dcadas, desenvolveram-se vrios sistemas que se baseiam na aplicao da digesto anaerbia para a remoo do material orgnico de guas residurias. Entende-se que, atualmente, no Brasil, os sistemas anaerbios encontram uma grande aplicabilidade. As diversas caractersticas favorveis destes sistemas, como o baixo custo, simplicidade operacional e baixa produo de slidos, aliadas s condies ambientais no Brasil, onde h a predominncia de elevadas temperaturas, tm contribudo para a colocao dos sistemas anaerbios de tratamento de esgotos em posio de destaque, particularmente os reatores de manta de lodo (reatores UASB).

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1 Tratamento de efluentes

O crescimento populacional e o desenvolvimento industrial tm ocasionado efeitos negativos sobre o ambiente, tais como a poluio e a degradao dos recursos naturais. Os principais parmetros de poluio da agroindstria so a matria orgnica em suspenso ou dissolvida e os nutrientes, principalmente, nitrognio e fsforo. O tratamento biolgico de efluentes, como o prprio nome indica, ocorre inteiramente por mecanismos biolgicos. Estes processos biolgicos reproduzem, de certa maneira, os processos naturais que ocorrem, em um corpo dgua, aps o lanamento de despejos. No corpo dgua, a matria orgnica carboncea e nitrogenada convertida em produtos inertes por mecanismos puramente naturais, caracterizando o assim chamado fenmeno da autodepurao. Em uma estao de tratamento de efluentes os mesmos fenmenos bsicos ocorrem, mas com a introduo de tecnologia. Essa tecnologia tem como objetivo fazer com que o processo de depurao se desenvolva em condies controladas. No tratamento de efluentes h uma interao de diversos mecanismos, alguns ocorrendo, simultaneamente, e outros seqencialmente. A atuao microbiana principia-se no prprio sistema de coleta e interceptao de efluentes, e atinge seu mximo na estao de tratamento. Nas estaes de tratamento de efluentes, ocorre a remoo da matria orgnica e, eventualmente, tambm a oxidao da matria nitrogenada. A degradao da matria orgnica carboncea constitui o principal objetivo de todos os processos de tratamento de efluentes, e pode-se dizer que grande parte da poluio ocasionada por compostos carbonados j est encaminhada, tecnicamente. A conscincia crescente de que o tratamento de guas residurias de vital importncia para a sade pblica e para o combate a poluio das guas de superfcie, levou necessidade de se desenvolver sistemas que combinam uma alta eficincia a custos baixos de construo e de operao. O aumento do preo de energia, nos anos setenta, diminuiu a atratividade de sistemas de tratamento aerbio e intensificou a pesquisa de sistemas sem demanda de energia. Assim, nas ltimas dcadas, desenvolveram-se vrios sistemas que se baseiam na aplicao da digesto anaerbia para a remoo do material orgnico de guas residurias (REVISTA ELETRNICA DO MESTRADO EM EDUCAO AMBIENTAL, 2004). Os reatores anaerbios para o tratamento de esgotos possuem boa possibilidade de uso em nosso Pas, que apresenta temperatura elevada em grande parte de seu territrio e em praticamente o ano todo. Mesmo na regio sul, mais fria, a Companhia de Saneamento do 5

Estado do Paran, a SANEPAR, foi quem mais investiu nesta modalidade de tratamento, tanto na capital quanto no interior. Em Curitiba encontra-se uma das maiores estaes de tratamento de esgotos do mundo envolvendo emprego de reatores anaerbios. Foram previstos 24 reatores UASB de 2.000 m3 cada um para o final de plano. Mesmo nessa regio, os reatores operam temperatura ambiente. Reconhece-se que s temperaturas mais elevadas as reaes de decomposio de matria orgnica ocorrem mais rapidamente, mas a situao diferente dos pases do hemisfrio norte que possuem temperaturas muito baixas em boa parte do ano, necessitando de reatores aquecidos. O aquecimento, mesmo recorrendo-se ao prprio metano resultante da digesto anaerbia no simples de se viabilizar, pela necessidade de implantao de uma usina para a purificao do metano. Os custos de implantao dos reatores anaerbios podem ser considerados baixos, mas na operao que reside a principal vantagem devido a no necessidade de aerao. A produo de lodo mais baixa do que as que decorrem de processos aerbios como lodos ativados ou filtros biolgicos. A produo de gs pode ser considerada um benefcio, pela possibilidade de purificao e emprego do metano como fonte de energia, mas isto no se viabiliza facilmente. Ao contrrio, o gs resultante do processo anaerbio constitui uma das principais limitaes operacionais, devido produo de pequenas quantidades de gs sulfdrico, H2S, suficientes para produzir grandes incmodos s populaes circunvizinhas pela proliferao de mau odor. Alm disso, o gs sulfdrico provoca corroso e conseqentes prejuzos conservao das instalaes. Muito se investe hoje em dia em termos de pesquisa visando o controle do H2S, mas difcil ainda hoje a garantia de odor zero o tempo todo na rea em torno da ETE (PIVELI, 2006).

1.1 Aplicabilidade dos sistemas anaerbios

Em decorrncia da ampliao de conhecimento na rea, os sistemas anaerbios de tratamento de esgotos, notadamente os reatores de manta de lodo (UASB), cresceram em maturidade, passando a ocupar uma posio de destaque, no s em nvel mundial, mas principalmente em nosso pas, face s nossas favorveis condies ambientais de temperatura. Em princpio, todos os compostos orgnicos podem ser degradados pela via anaerbia, sendo que o processo se mostra mais eficiente e mais econmico quando os dejetos so facilmente biodegradveis. Os digestores anaerbios tm sido largamente aplicados para o tratamento de resduos slidos, incluindo culturas agrcolas, dejetos de animais, lodos de ETEs e lixo urbano, 6

estimando-se que milhes de digestores anaerbios tenham sido construdos em todo o mundo com esse propsito. A digesto anaerbia tambm tem sido muito aplicada para o tratamento de efluentes de indstrias agrcolas, alimentcias e de bebidas. Tambm em relao ao tratamento de esgotos domsticos tem-se verificado um enorme incremento na utilizao da tecnologia anaerbia, notadamente atravs dos reatores tipo UASB. Naturalmente que nesse caso a aplicabilidade da tecnologia anaerbia depende de forma muito mais significativa da temperatura dos esgotos, devido baixa atividade das bactrias anaerbias em temperaturas abaixo de 20C e inviabilidade de aquecimento dos reatores. Isso porque os esgotos domsticos so bem mais diludos que os efluentes industriais, resultando em baixas taxas de produo volumtrica de gs metano, o que torna antieconmica a sua utilizao como fonte de energia para aquecimento. Dessa forma, o tratamento anaerbio de esgotos domsticos torna-se bem mais atrativo para os pases de clima tropical e subtropical, que so principalmente os pases em desenvolvimento. As diversas caractersticas favorveis dos sistemas anaerbios, passveis de serem operados com elevados tempos de reteno de slidos e baixssimos tempos de deteno hidrulica, conferem aos mesmos um grande potencial para a sua aplicabilidade em tratamentos de guas residurias de baixa concentrao. So tambm tecnologias simples e de baixo custo, com algumas vantagens quanto operao e manuteno. O Quadro 1 apresenta as vantagens e desvantagens dos processos anaerbios.

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Quadro1 Vantagens e desvantagens dos processos anaerbios Vantagens baixa produo de slidos; Desvantagens as bactrias anaerbias so suscetveis inibio por um grande nmero de compostos; a partida do processo pode ser lenta na ausncia de lodo de semeadura adaptado; alguma forma de ps-tratamento usualmente necessria; a bioqumica e a microbiologia da digesto anaerbia so complexas e ainda precisam ser mais estudadas; possibilidade de gerao de maus odores, porm controlveis; possibilidade de gerao de efluente com aspecto desagradvel; remoo de nitrognio, fsforo e patognicos insatisfatria.

baixo consumo de energia;

baixa demanda de rea; baixos custos de implantao;

produo de metano;

possibilidade de preservao da biomassa, sem alimentao do reator, por vrios meses; tolerncia a elevadas cargas orgnicas; aplicabilidade em pequena e grande escala; baixo consumo de nutrientes.

A Figura 1 possibilita uma visualizao mais clara de algumas das vantagens da digesto anaerbia em relao ao tratamento aerbio, notadamente no que se refere produo de gs metano e baixssima produo de slidos.

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Sistemas Anaerbios X Sistemas Aerbios Biogs (70 a 90%) CO2 (40 a 50%)Reator Anaerbio

Matria Orgnica(100% DQO)

Efluente (10 a 30%)

Reator Aerbio

Efluente (5 a 10%)

Figura 1 Sistemas anaerbios X Sistemas Aerbios Nos sistemas aerbios, ocorre somente cerca de 40 a 50% de degradao biolgica, com a conseqente converso em CO2. Verifica-se uma enorme incorporao de matria orgnica como biomassa microbiana (cerca de 50 a 60%), que vem a constituir o lodo excedente do sistema. O material orgnico no convertido em gs carbnico ou em biomassa deixa o reator como material no degradado (5 a 10%). Nos sistemas anaerbios, verifica-se que a maior parte do material orgnico biodegradvel presente no despejo convertida em biogs (cerca de 70 a 90%), que removido da fase lquida e deixa o reator na forma gasosa. Apenas uma pequena parcela do material orgnico convertida em biomassa microbiana (cerca de 5 a 15%), vindo a se constituir o lodo excedente do sistema. Alm da pequena quantidade produzida, o lodo excedente apresenta-se via de regra mais concentrado e com melhores caractersticas de desidratao. O material no convertido em biogs ou biomassa deixa o reator como material no degradado (10 a 30%) (CHERNICHARO, 1997).

1.2 Legislao

As legislaes federal e estadual classificaram os seus corpos de gua, em funo de seus usos preponderantes, tendo sido estabelecidos, para cada classe de gua, os padres de qualidade a serem obedecidos.

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A maioria dos corpos dgua receptores, no Brasil, se enquadra na classe 2, onde se destacam os parmetros indicados na Tabela 1, como padres de qualidade a serem mantidos no corpo receptor (CHERNICHARO, 2006).

Tabela 1 Padres de qualidade a serem mantidos no corpo receptor

Alm de estabelecerem padres para os corpos de gua, as legislaes impem, tambm, a qualidade mnima a ser atendida por efluentes de qualquer fonte poluidora, para lanamento em corpos dgua. A Resoluo n 20 de 1986, do CONAMA, estabelece como padres de lanamento de efluentes, dentre outros, os valores apresentados na Tabela 2 (CHERNICHARO, 2006).

Tabela 2 Padres de lanamento de efluentes

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2 Aspectos Gerais da Digesto Anaerbia A digesto anaerbia um processo biolgico no qual um consrcio de diferentes tipos de microrganismos, na ausncia de oxignio molecular, promove a transformao de compostos orgnicos complexos (carboidratos, protenas e lipdios) em produtos mais simples como metano e gs carbnico. Os microrganismos envolvidos na digesto anaerbia so muito especializados e cada grupo atua em reaes especficas. Nos reatores anaerbios, a formao de metano altamente desejvel, uma vez que a matria orgnica, geralmente medida como demanda qumica de oxignio (DQO). efetivamente removida da fase lquida, pois o metano apresenta baixa solubilidade na gua. Assim, a converso dos compostos orgnicos em metano eficaz na remoo do material orgnico, apesar de no promover a sua oxidao completa, a exemplo de sistemas bioqumicos aerbios. Nos sistemas de tratamento anaerbio procura-se acelerar o processo da digesto, criandose condies favorveis. Essas condies se referem tanto ao prprio projeto do sistema de tratamento como s condies operacionais nele existentes. Em relao ao projeto de sistemas de tratamento tm-se duas prerrogativas bsicas: a) o sistema de tratamento deve manter grande massa de bactrias ativas que atue no processo da digesto anaerbia. b) necessrio que haja contato intenso entre o material orgnico presente no afluente a massa bacteriana no sistema. Quanto s condies operacionais, os fatores que mais influem so a temperatura, o pH, a presena de elementos nutrientes e a ausncia de materiais txicos no afluente. O desenvolvimento de reatores fundamentados no processo anaerbio, ocorrido nas ltimas dcadas, vem provocando mudanas profundas na concepo dos sistemas de tratamento de guas residurias. A maior aceitao de sistemas de tratamento anaerbio se deve a dois fatores principais: as vantagens consideradas inerentes ao processo da digesto anaerbia em comparao com o tratamento aerbio e a melhoria do desempenho dos sistemas anaerbios modernos, tendo-se um aumento muito grande no somente da velocidade de remoo do material orgnico, mas tambm da porcentagem de material orgnico digerido. O melhor desempenho dos sistemas anaerbios, por sua vez, o resultado da melhor compreenso do processo da digesto anaerbia, que permitiu o desenvolvimento de sistemas modernos, muito mais eficientes que os sistemas clssicos. A tendncia de uso do reator anaerbio como principal unidade de tratamento biolgico de esgoto deve-se, principalmente, constatao de que frao considervel do material orgnico (em geral prxima de 70%) pode ser removida, nessa unidade, sem o dispndio de energia ou adio de substncias qumicas auxiliares. Unidades de ps-tratamento podem ser usadas para a remoo de parcela da frao remanescente de material orgnico, de forma a permitir a produo 11

de efluente final com qualidade compatvel com as necessidades que se impem plos padres legais de emisso de efluentes e a preservao do meio ambiente.

2.1 Metabolismo Bacteriano

Em sistemas de tratamento biolgico, o material orgnico presente na gua residuria convertido pela ao bioqumica de microrganismos, principalmente bactrias hetertrofas. A utilizao do material orgnico pelas bactrias, tambm chamada de metabolismo bacteriano, se d por dois mecanismos distintos, chamados de anabolismo e catabolismo. No anabolismo as bactrias hetertrofas usam o material orgnico como fonte material para sntese de material celular, o que resulta no aumento da massa bacteriana. No catabolismo, o material orgnico usado como fonte de energia por meio de sua convidassem produtos estveis, liberando: energia, parte da qual usada pelas bactrias no processo de anabolismo. A natureza dos produtos catablicos depende da natureza das bactrias hetertrofas, que por sua vez depende do ambiente que prevalece no sistema de tratamento. Distinguem-se, basicamente, dois ambientes diferentes: o aerbio, no qual h presena de oxignio que pode funcionar como oxidante de material orgnico, e o anaerbio, no qual tal oxidante no existe. No ambiente aerbio, o material orgnico mineralizado pelo oxidante para produtos inorgnicos, principalmente dixido de carbono e gua. No ambiente anaerbio se desenvolvem processos alternativos chamados de fermentaes que se caracterizam pelo fato de o material orgnico sofrer transformaes sem, contudo ser mineralizado (oxidado). A digesto anaerbia o processo fermentativo que tem entre seus produtos finais o metano e o dixido de carbono. Como grande parte dos produtos da digesto anaerbia constituda por gases, estes se desprendem da gua residuria, formando uma fase gasosa, o biogs. Dessa forma, h remoo do material orgnico na fase lquida por meio da sua transferncia para a fase gasosa, embora o material orgnico no seja mineralizado como no caso do catabolismo oxidativo.

2.2 Processos de Converso em Sistemas Anaerbios

A digesto anaerbia um processo bioqumico complexo, composto por vrias reaes seqenciais, cada uma com sua populao bacteriana especfica. A Figura 2 mostra uma representao esquemtica dos vrios processos que ocorrem na digesto anaerbia, sugerida por vrios autores (Kaspar&. Wuhrmann, 1978; Gujer & Zehnder, 1983; Zinder 12

&Koch, 1984; entre outros). Para digesto anaerbia de material orgnico complexo, como protenas, carboidratos e lipdios (a maior parte da composio do material orgnico em guas residurias formada por esses grupos), podem-se distinguir quatro etapas diferentes no processo global da converso.

2.2.1 Hidrlise Neste processo, o material orgnico particulado convertido em compostos dissolvidos de menor peso molecular. O processa requer a interferncia das chamadas exo enzimas que so excretadas pelas bactrias fermentativas. As protenas so degradadas por meio de (poli) peptdios para formar aminocidos. Os carboidratos se transformam em acares solveis (mono e dissacardeos) e os lipdios so convertidos em cidos graxos de longa cadeia de carbono (C15 a C17) e glicerina. Em muitos casos, na prtica, a velocidade de hidrlise pode ser a etapa limitativa para todo o processo da digesto anaerbia, isto , a velocidade da converso do material orgnico complexo para biogs limitada pela velocidade da hidrlise.

2.2.2 Acidognese Os compostos dissolvidos, gerados no processo de hidrlise ou liquefao, so absorvidos nas clulas das bactrias fermentativas e, aps a acidognese, excretadas como substncias orgnicas simples como acidos graxos volteis de. Cadeias curtas (AGV), lcoois, cido ltico e compostos minerais como CO2, H2, NH3, H2S, etc. A fermentao acidognica realizada por um grupo diversificado de bactrias, das quais a maioria anaerbia obrigatria. Entretanto, algumas espcies so facultativas e podem metabolizar material orgnico por via oxidativa. Isso importante nos sistemas de tratamento anaerbio de esgoto, porque o oxignio dissolvido, eventualmente presente, poderia Se tomar uma substncia txica para as bactrias metanognicas se no fosse removido pelas bactrias acidognias facultativas.

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Orgnicos Complexos Hidrlise

Orgnicos SimplesAcidognese

cidos OrgnicosAcetognese

H2 + CO2Metanognese

Acetato CH4 + CO2Sulfetognese

H2S + CO2Figura 2 A seqncia de processos na digesto anaerbia de macro molculas complexas. 2.2.3 Acetognese A acetognese a converso dos produtos da acidognese em compostos que formam os substratos para produo de metano: acetato, hidrognio e dixido de carbono. Conforme indicado na Figura 2, aproximadamente 70% da DQO digerida convertida em cido actico, enquanto o restante da DQO concentrado no hidrognio formado. Pela estequiometria, dependendo do estado de oxidao do material orgnico a ser digerido, a formao de cido actico pode ser acompanhada pelo surgimento de dixido de carbono ou hidrognio. Entretanto, o dixido de carbono tambm gerado na prpria metanognese. Na presena de dixido de carbono e hidrognio, um terceiro processo da acetognese pode se desenvolver: a homoacetognese, ou seja, a reduo de dixido de carbono para cido actico pelo hidrognio. Entretanto, por razes termodinmicas que sero apresentadas no item a seguir, nos reatores anaerbios essa rota metablica pouco provvel de acontecer, pois as bactrias acetognicas so superadas pelas bactrias metanognicas utilizadoras de hidrognio (Zinder, 1 992).

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2.2.4 Metanognese O metano produzido pelas bactrias acetotrfcas, a partir da reduo de cido actico, ou pelas bactrias hidrogenotrficas, a partir da reduo de dixido de carbono. Temse as seguintes reaes catablicas: Metanognese acetotrfca ou acetoclstica: CH3COO- + H+ 4H2 + HCO3CH4 + CO CH4 +2H2O

Metanognese hidrogenotrfca:

As bactrias que produzem metano a partir de hidrognio crescem mais rapidamente que aquelas que usam cido actico, de modo que as metanognicas acetotrfcas geralmente limitam a velocidade de transformao de material orgnico complexo. Alm dos processos fermentativos que levam produo de biogs, podem se desenvolver outros processos no reator anaerbio. Neste no se encontra oxignio dissolvido, mas pode haver presena de oxidantes alternativos, que permitem o desenvolvimento de bactrias que usam o catabolismo oxidativo. Estes oxidantes so o nitrato e o sulfato. O nitrato pode ser usado como oxidante, sendo reduzido para nitrognio molecular em processo denominado desnitrificao, e o sulfato pode ser reduzido para sulfeto. O ltimo processo mais importante na prtica, pois o teor de nitrato normalmente encontrado nos esgotos sanitrios baixo, mas o sulfato pode estar presente em concentraes elevadas, quer por sua presena natural na gua, quer devido a processos industriais que usam formas de sulfato (por exemplo, cido sulfrico em destilarias de lcool). A reduo biolgica de sulfato em digestores anaerbios em geral considerada como um processo indesejvel por duas razes: o sulfato oxida material orgnico que deixa de ser transformado em metano e no processo forma-se o gs sulfdrico, que corrosivo e confere odor muito desagradvel tanto fase lquida como ao biogs, alm de poder ser txico para o processo de metanognese. Em condies especiais, a reduo de sulfato em digestores anaerbios pode ser um processo vantajoso. No caso de tratamento anaerbio de guas residurias ou para lodos com metais pesados - que so txicos para as bactrias metanognicas - a presena de sulfeto pode contribuir para a estabilidade operacional do reator. A maioria dos sulfetos de metais pesados tem solubilidade muito baixa, de maneira que a presena; de sulfeto reduz o teor dos metais pesados e, conseqentemente, a toxicidade exercida por estes sobre a atividade bioqumica das bactrias no sistema de tratamento. Por outro lado, a reduo de sulfeto pode ser tambm o 15

primeiro passo no processo de remoo desse on de guas residurias, visando ao reuso do efluente em processo: industriais. Nesse caso, necessrio que a produo de sulfeto seja seguida por processe que transforme esse produto em compostos estveis, por exemplo, a sua oxidao para enxofre elementar, processo cuja viabilidade tcnica tem sido demonstrado (Janssen, 1996). O enxofre pode ser separado do efluente por meio de processos fsico qumicos.

2.3 Aspectos Termodinmicos

Nas guas residurias h uma grande variedade de compostos orgnicos que pode ser degradada nos reatores anaerbios por uma populao bacteriana muito diversificada. A converso desses compostos em metano pode, potencialmente, segue um nmero enorme de caminhos catablicos. Entretanto, esses caminhos s so de fato possveis caso seja produzida energia livre em cada um dos processos de converso, ou seja, energia aproveitvel para o microrganismo atuante na reao. Em outras palavras, para cada reao da cadeia de converses do material orgnico primrio ao produto final (metano), necessrio que o processo catablico gere energia aproveitvel para a bactria responsvel pela reao em particular, suficiente para que esta possa realizar seu anabolismo. Se o processo catablico no gerar energia, o processo anablico no ocorre e o metabolismo se torna invivel. Para saber se a reao catablica libera energia livre usam-se conceitos de termodinmica. Quando ocorre a liberao de energia, o processo denominado exergnico e a energia livre padro (Go) menor que zero. Quando as reaes consomem energia so denominadas endergnicas e a energia livre apresenta valores positivos. Os valores da energia livre de muitos compostos orgnicos e inorgnicos j foram determinados e podem ser encontrados no artigo de Thauer et ai. (1977). A energia livre de uma reao normalmente se encontra tabelada sob condies-padro, ou seja, temperatura de 25C, pH = 7 e presso de l atm (101 kPa). Em solues aquosas, a condio-padro de todos os reagentes e produtos de uma reao uma concentrao (atividade) de l mol/kg, enquanto a condio-padro da gua o lquido puro. Em geral, as consideraes sobre a termodinmica do processo se restringem anlise da variao da energia livre padro. Algumas das reaes importantes nos processos anaerbios e a respectiva energia livre padro (AGo) so apresentadas na Tabela 3. Para um bom desempenho dos reatores anaerbios imprescindvel; que os compostos sejam convertidos em precursores imediatos de metano, ou seja, acetato e hidrognio. No 16

havendo essa converso, tampouco haver metanognese, ocorrendo o acmulo dos produtos da fase de hidrlise e fermentao no reator. Tabela 3 Valores da energia livre padro de algumas reaes catablcas da digesto anaerbia. Processo Propionato a acetato Equao CH3CH2COO- + 3H2O CH3COO- + H+ + HCO3- + 3H2 Butrato a acetato CH3CH2CH2COO- + 2H2O 2CH3COO- + H+ + 2H2 Etanol a acetato CH3CH2OH + H20 CH3COO- + H+ + 2H2 Lactato a acetato CH3CHOHCOO- + 2H2O CH3COO- + HCO3- + H+ + 2H2 Acetato a metano CH3COO- + H2O HCO3- + CH4 Bicarbonato a acetato 2HCO3- + 4H2 CHCOO- + 4H2O Bicarbonato a metano HCO3- + 4H2 + H+ CH4 + 3H2O (kj/mol) + 76,1 +48,1 + 9,6 -4,2 -31,0 - 104,6 -135,6

A acetognese, etapa essencial na converso de compostos intermedirios em acetato, termodinamicamente desfavorvel, isto , no ocorre espontaneamente no sentido da formao de acetato e H2, a menos que essas espcies qumicas sejam removidas do meio (por exemplo, por metanognese), deslocando, assim, o equilbrio da reao no sentido da formao desses produtos. Os clculos associados s reaes acetognicas permitem determinar que essas reaes s so termodinamicamente favorveis (isto , ocorrem no sentido da formao de acetato) quando a presso parcial de H2 muito baixa (10-4 atm para a converso de propionato e 10-3 atm para butirato).

2.4 Fatores Importantes na Digesto Anaerbia

Vrios so os fatores que influenciam o desempenho da digesto anaerbia de guas residurias. Dentre os fatores ambientais se destacam a temperatura, o pH, a alcalinidade e a presena de nutrientes. Outros fatores, como a capacidade de assimilao de carga txicas, transferncia de massa, sobrecargas hidrulicas e a atividade metanognica, tambm desempenham um papel importante no processo.

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2.4.1 Temperatura

A temperatura um dos fatores ambientais mais importantes na digesto anaerbia, uma vez que afeta os processos biolgicos de diferentes maneiras. Dentre os principais efeitos da temperatura incluem-se as alteraes na velocidade do metabolismo das bactrias, no equilbrio inico e na solubilidade dos substratos, principalmente de lipdios. O tratamento de esgotos sanitrios em reatores anaerbios de alta taxa s economicamente vivel se o aquecimento de reatores for dispensvel. Essa restrio pode limitar a aplicao bem-sucedida de reatores anaerbios a locais em que a temperatura do lquido mantm-se acima de 20C. Embora tenham sido relatados experimentos em que o tratamento ocorreu mesmo a temperaturas na faixa entre 10C e 15C, as eficincias alcanadas foram pouco superiores quelas obtidas em unidades de tratamento primrio. O parmetro cintico diretamente afetado pela temperatura a velocidade especfica de utilizao do substrato. Na faixa de temperatura entre 20C e 25C, esse parmetro assume valor inferior metade daquele a 35C. Deve-se considerar, no entanto, que a velocidade global de remoo de substrato est associada ao produto Ia velocidade especfica pela concentrao de microrganismos ativos no reator. Portanto, mesma velocidade de remoo global pode ser atingida a diferentes temperaturas, desde que o sistema possa manter concentraes elevadas de microrganismos. Novamente, o desempenho do reator depender da sua capacidade de reter a biomassa em seu interior. possvel, no entanto, que a baixa velocidade especfica de utilizao de substratos solveis no seja o parmetro limitante do processo no tratamento anaerbio de esgotos sanitrios. A temperaturas inferiores a 20C, a solubilizao de gorduras, do material particulado e de polmeros orgnicos lenta, podendo se constituir na etapa limitante do processo. Caso esses constituintes no sejam solubilizados, podero ser arrastados no reator ou ficar acumulados junto superfcie, ou nos sistemas de separao slido/ gs/lquido. Por outro lado, uma vez que aproximadamente 40% a 50% da matria orgnica presente nos esgotos sanitrios constituda por material particulado, alm de lipdios, a no disponibilidade desse substrato para promover o crescimento bacteriano poder causar a instabilidade do reator. Conclui-se, portanto, que a operao de reatores anaerbios de alta taxa a temperaturas inferiores a 20C deve ser cuidadosamente estudada, no apenas quanto ao desempenho a ser esperado, como tambm ao tipo de configurao de reator a ser adotado, dando-se preferncia queles capazes de reter melhor a biomassa em seu interior. 18

2.4.2 Nutrientes

Nitrognio (N) e fsforo (P) so os nutrientes essenciais para todos os processos biolgicos. A quantidade de N e P, em relao matria orgnica presente (expressa como DQO, por exemplo), depende da eficincia dos microrganismos em obter energia para sntese, a partir das reaes bioqumicas de oxidao do substrato orgnico. A baixa velocidade de crescimento dos microrganismos anaerbios, comparados aos aerbios, resulta em menor requerimento nutricional. Em geral, admite-se que a relao DQO:N:P de 500:5:l suficiente para atender s necessidades de macronutrientes dos microrganismos anaerbios (Speece, 1996). Alm de N e P, o enxofre (S) tambm considerado um dos nutrientes essenciais para a metanognese. Em geral, a concentrao de S deve ser da mesma ordem de grandeza ou levemente superior de P. As bactrias assimilam enxofre na forma de sulfetos, originados, em geral, da reduo biolgica de sulfatos, que um constituinte comum a muitas guas residurias. Algumas protenas so, tambm, fontes de enxofre. Dentre os micronutrientes considerados essenciais, destacam-se o ferro, o cobalto, o nquel e o zinco. Em reviso da literatura sobre aspectos nutricionais em processos anaerbios, Damianovic (1992) faz referncias a vrios trabalhos nos quais se comprovou que a presena desses micronutrientes estimulou os processos anaerbios. O efeito estimulante de metais traos foi observado principalmente em experimentos de crescimento de culturas em laboratrio. O nico metal trao testado em reatores de grande porte foi o ferro, com excelentes resultados. pouco provvel que os esgotos sanitrios tpicos apresentem deficincias nutricionais, pois tanto os macronutrientes (N e P) como os micronutrientes esto abundantemente presentes no esgoto sanitrio, ao contrrio de algumas guas residurias industriais. Na verdade, em muitos casos ser necessrio aplicar um ps-tratamento para reduzir a concentrao dos macronutrientes. pH e Alcalinidade As bactrias anaerbias metanognicas so consideradas sensveis ao pH, isto , o crescimento timo ocorre em faixa relativamente estreita de pH. Speece (1996) considera que o reator deve ser operado em pH entre 6,5 e 8,2. Segundo esse autor, em determinadas condies possvel operao satisfatria do reator em pH de at 6. Deve-se considerar que a ao microbiana pode alterar o pH do meio, o que torna provavelmente inteis as tentativas de neutralizao das guas residurias a priori. Segundo 19

Speece (1996), a neutralizao do cido actico com sdio, por exemplo, poder elevar o pH do reator se resultar na produo de gs com 100% de metano. Nesse caso, no haver CO2 suficiente para reagir com os lcalis que sero formados no processo. Compostos, como CO2 e cidos graxos volteis de cadeia curta, tendem a abaixar o. pH, enquanto ctions geradores de alcalinidade, como os ons de nitrognio amoniacal provenientes da degradao de protenas e o sdio originado da degradao de sabo, aumentam a alcalinidade e o pH. O tratamento de esgotos sanitrios em reatores anaerbios de alta taxa dificilmente exigir cuidados especiais com relao manuteno do pH na faixa entre 6,5 e 7,5, mesmo considerando-se que o afluente pode apresentar pH inferior a 6,5, pois um valor adequado e estvel do pH obtido naturalmente, devido predominncia do sistema carbnico (H2CO3; HCO3-; CO3-2) nesses efluentes. Valores baixos de pH no afluente podero ocorrer devido decomposio de compostos facilmente degradveis, como acares e amido, na rede coletora, produzindo cidos orgnicos. No entanto, parte da matria orgnica remanescente (protenas, lipdios, celulose etc.) de composio mais lenta e a fase de hidrlise e fermentao dever ocorrer no interior do reator. Caso o reator mantenha, portanto, as fases de acidognese e metanognese em equilbrio, o pH no interior do reator dever manter-se prximo ou levemente superior a 7. Uma ressalva pode ser feita aos esgotos concentrados originados do uso l guas de baixa alcalinidade, como pode ser o caso de muitas guas litorneas, nas quais podem ser necessria a adio de substncias alcalinas para corrigir o pH.

2.4.3 Capacidade de Assimilao de Cargas Txicas A sensibilidade dos processos anaerbios a cargas txicas depende, significativamente, do parmetro operacional tempo de reteno celular ou idade do lodo. Quanto maior o tempo de reteno celular, maior a capacidade do reator de assimilar cargas txicas. Para reatores anaerbios operados temperatura ambiente na faixa de 20C a 30C, aconselhvel que o tempo de reteno celular seja da ordem de 50 dias ou mais. Reatores de filme fixo, como filtros anaerbios, por exemplo, tm demonstrado ser mais resistentes toxicidade que reatores de crescimento em suspenso. De um modo geral, os compostos que podem exercer influncia txica sobre as bactrias metanognicas normalmente no se encontram no esgoto sanitrio. Sulfeto, gerado no reator a partir da reduo de sulfato ou da mineralizao de protenas, no atinge uma concentrao suficientemente alta para causar problemas de toxicidade. Somente a presena de

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oxignio dissolvido pode constituir problema se o projeto do reator for inadequado, permitindo intensa aerao do esgoto antes da sua entrada no sistema de tratamento. A literatura disponvel sobre reatores anaerbios tratando esgotos sanitrios, com exceo daquela referente digestores de Iodos de esgotos, no faz referncia a problemas de toxicidade. Oliva (1997) operou reator anaerbio de manta de lodo (UASB) no tratamento de esgotos sanitrios. Observou que, apesar das mudanas significativas nas caractersticas dos esgotos, em diferentes horrios, as quais foram associadas a descargas de efluentes industriais, o desempenho do reator no foi significativamente afetado.

2.4.4 Sobrecargas Hidrulicas H poucos dados na literatura sobre o efeito de cargas hidrulicas em reatores anaerbios alimentados com esgotos sanitrios. Ao submeter um reator anaerbio de manta de lodo (UASB) prottipo e sobrecargas hidrulicas correspondentes ao dobro da vazo normal, pelo perodo de duas horas, Oliva (1997) observou aumento significativo na DQO efluente. Esse aumento foi crescente durante o perodo de aplicao da sobrecarga hidrulica, decrescendo gradativamente aps sua interrupo. O tratamento de esgotos sanitrios em reatores anaerbios de alta taxa dificilmente exigir cuidados especiais com relao manuteno do pH na faixa entre 6,5 e 7,5, mesmo considerando-se que o afluente pode apresentar pH inferior a 6,5, pois um valor adequado e estvel do pH obtido naturalmente, devido predominncia do sistema carbnico (H2CO3; HCO3~; CO32~) nesses efluentes. Valores baixos de pH no afluente podero ocorrer devido decomposio de compostos facilmente degradveis, como acares e amido, na rede coletora, produzindo cidos orgnicos. No entanto, parte da matria orgnica remanescente (protenas, lipdios, celulose etc.) de decomposio mais lema e a fase de hidrlise e fermentao dever ocorrer no interior do reator. Caso o reator mantenha, portanto, as fases de acidognese e metanognese Embora no tenha sido possvel modelar a resposta do reator, o efeito maior foi relacionado com a perda de slidos orgnicos no efluente, enquanto a frao da DQO solvel apresentou variaes menos significativas. Portanto, o arraste de slidos um dos problemas a que esto sujeitos os reatores submetidos a sobrecargas hidrulicas.

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2.4.5 Atividade Metanognica

Conforme j exposto neste texto, a remoo de matria orgnica nos processos anaerbios ocorre, principalmente, pela converso dos produtos finais da etapa fermentativa (acetato e H2/CO2) em metano (CH4), um dos produtos finais do processo que removido fisicamente da fase lquida e emitido na fase gasosa juntamente com outros gases formados ou presentes no reator. A eficincia do processo depende, portanto, da atividade metanognica do lodo, isto , de sua capacidade de transformar acetato e H2/CO3 em CH4, havendo relao estequiomtrica entre a quantidade de metano formada e a frao de matria orgnica removida (expressa como DQO, por exemplo). Considerando a equao de combusto do metano, tem-se que, na oxidao completa do metano, l mol de CH4 consome 2 mis de O2 Portanto, nas condies normais de temperatura e presso (CNTP: T = 273 K; P = l atm.), 22,4 litros de metano correspondem a 64 g de DQO ou seja, 0,35 litro de CH4 por grama de DQO removida. Essa relao permite estimar a frao de matria orgnica convertida em metano a partir do volume de metano produzido no reator, por unidade de tempo. Como essa relao vlida a CNTP, para qualquer outra condio deve-se corrigir o volume obtido. Admitindo-se que a concentrao de biomassa no reator est relacionada com a concentrao de slidos volteis em suspenso (SSV), a atividade metanognica do lodo pode ser obtida por meio da relao entre a quantidade de DQO convertida em metano, por unidade de tempo, e a concentrao de SSV O teste de atividade metanognica especfica baseia-se nesses fundamentos do processo e tem sido utilizado no monitoramento do desempenho de reatores anaerbios. H vrios mtodos propostos para a avaliao da atividade metanognica especfica do lodo, sendo que a apresentao e discusso desses mtodos foge ao escopo deste texto. No entanto, algumas consideraes sobre a aplicabilidade do teste a reatores anaerbios tratando esgotos sanitrios devem ser feitas. Em primeiro lugar, deve-se considerar que parcela significativa dos SSV nesses reatores pode ser constituda de matria orgnica particulada abitica, ou seja, matria orgnica em suspenso presente originalmente nos esgotos. Dessa maneira, a frao de biomassa metanognica presente no Iodo pode ser muito pequena. Deve-se considerar, tambm, que os esgotos sanitrios apresentam, em geral, baixas concentraes de matria orgnica, resultando em baixa produo de metano. Nessas condies, a frao de metano que permanece dissolvida no meio lquido pode ser significativa em comparao com a frao presente nos efluentes gasosos (biogs). 22

Os resultados de vrias pesquisas sobre o uso de reatores anaerbios no tratamento de esgotos sanitrios tm demonstrado que apenas cerca de 30% a 35% da DQO removida nesses reatores tem sido recuperada como metano no efluente gasoso. Portanto, a avaliao correta da atividade metanognica do lodo pode ser muito difcil nesses casos.

3 Biomassa nos sistemas anaerbios

Qualquer processo biolgico de tratamento considerado econmico se puder ser operado a baixos tempos de deteno hidrulica e tempos de reteno de slidos suficientemente longos para permitir o crescimento de microrganismos. Este foi por muitos anos o maior problema da digesto anaerbia, uma vez que o tempo de reteno de slidos no podia ser controlado independente da carga hidrulica. Ento os microorganismos com baixas taxas de crescimento necessitavam de tempos de reteno longos demais e, por isso reatores de volumes grandes. O desenvolvimento dos processos anaerbios de alta taxa resolveu este problema, pois estes so capazes de propiciar o desenvolvimento de grandes quantidades de biomassa, de elevada atividade, que pode ser mantida nos reatores mesmo quando operados com baixos tempos de deteno hidrulica (Chernicharo, 1997).

3.1 Reteno de biomassa nos sistemas anaerbios

As clulas microbianas existem numa ampla faixa de tamanhos, formas e fases de crescimento. Estas condies tem significado prtico na digesto anaerbia, pois provvel que a forma da biomassa tenha um efeito significativo na sobrevivncia do organismo e na transferncia de nutrientes e, conseqentemente, na eficincia global do processo. A formao de uma estrutura particular de clulas agregadas depende de fatores que incluem a faixa de tamanho das clulas e a localizao de cada clula individual em relao s outras e ao meio de crescimento (Chernicharo, 1997).

3.1.1 Reteno por adeso

Os habitats de microrganismos em sistemas aquosos so bastante diversos, de forma que a sobrevivncia e o crescimento destes depende de fatores como a temperatura, disponibilidade de nutrientes e estratificao. Os microorganismos superam a instabilidade do ambiente pela adeso a uma superfcie. 23

Esta forma de imobilizao, atravs da adeso, pode se dar em superfcies fixas, como nos processos anaerbios de leito estacionrio, ou em superfcies mveis, como nos processos anaerbios de leito expandido e fluidificado (Chernicharo, 1997). Na Figura 3 apresentado um esquema de como acontece a reteno por adeso.

Figura 3 Reteno de biomassa por adeso.

3.1.2 Reteno por floculao

A floculao tem um significado prtico, pois as microestruturas floculadas podem ser facilmente separadas da fase lquida por sedimentao. O fenmeno da floculao de particular importncia nos processos de dois estgios e tambm nos reatores anaerbios de fluxo ascendente e manta de lodo. O crescimento bacteriano em flocos no necessrio para a remoo eficiente de substrato, mas essencial para garantir um efluente com baixa concentrao de slidos suspensos (Chernicharo, 1997).

3.1.3 Reteno por granulao

Os mecanismos que controlam a seleo e formao de grnulos esto relacionados a fatores fsicos, qumicos e biolgicos que incluem (Lettinga et al. 1980; Hulshoff Pol et al. 1984; Weigant & Lettinga, 1985): Caractersticas do substrato (concentrao e composio); Compresso gravitacional das partculas de lodo e a taxa superficial de liberao de biogs; Condies ideais para o crescimento de bactrias metanognicas; Velocidade ascensional do lquido atravs do leito de lodo.

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A velocidade ascensional do lquido, principalmente, importante, pois proporciona uma constante presso seletiva sobre os microorganismos, que passam a aderir-se uns aos outros levando a formao de grnulos que apresentam boa capacidade de sedimentao. A configurao granular apresenta diversas vantagens do ponto de vista de engenharia (Guiot et al. 1992)

Os microorganismos usualmente se apresentam densamente agrupados; A no utilizao de meios de suporte inertes propicia um aproveitamento mximo do volume reacional do reator; A forma esfrica dos grnulos proporciona uma relao mxima de

microorganismo/volume; Os grnulos apresentam excelentes propriedades de sedimentao.

3.1.4 Reteno intersticial

Este tipo de imobilizao de biomassa ocorre nos interstcios existentes no meio de suportes estacionrios, como o caso de reatores anaerbios de leito fixo. As superfcies do material suporte servem de apoio para ao crescimento bacteriano aderido (formao de biofilme), enquanto os espaos vazios existentes no material de empacotamento so ocupados por microorganismos que crescem dispersos (Chernicharo, 1997). Na Figura 4 apresentado um esquema onde est representada a reteno intersticial de biomassa.

Figura 4 Reteno intersticial de biomassa.

3.2 Avaliao da massa microbiana

A determinao da biomassa em digestores anaerbios apresenta duas dificuldades (Chernicharo, 1997):

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Em alguns sistemas, as bactrias encontram-se aderidas apenas partculas inertes; A biomassa geralmente est presente como conscio de diferentes tipos morfolgicos e fisiolgicos.

A determinao de biomassa e a composio microbiana requer a extrao, o isolamento e a separao dos constituintes bioqumicos que so especficos de um determinado grupo de microorganismos. Embora existam diversas metodologias para se avaliar a quantidade e a atividade da biomassa, elas so muito sofisticadas e no podem ser adotadas, notadamente se considerarmos os recursos laboratoriais existentes no nosso pas. Dessa forma, avaliao da quantidade de biomassa feita atravs da determinao do perfil de slidos, considerando-se que os slidos volteis sejam uma medida da biomassa presente nos reatores. As amostras de lodo coletadas em diferentes nveis do reator so analisadas gravimetricamente e os resultados so expressos em termos de gramas de slidos volteis por litro. Estas medidas de concentrao de slidos volteis multiplicadas pelos volumes correspondentes a cada zona amostrada, fornecem a massa de microorganismos ao longo do perfil do reator, ao final somase todas as massas obtidas que equivalente a massa total de slidos no reator (Chernicharo, 1997).

3.3 Avaliao da atividade microbiana

O sucesso de qualquer processo anaerbio, especialmente os de alta taxa, depende fundamentalmente da manuteno, dentro dos reatores, de uma biomassa adaptada, com elevada atividade microbiolgica, e resistente a choques. Para que a biomassa possa ser preservada e monitorada, tornou-se imprescindvel o desenvolvimento de tcnicas para a avaliao da atividade microbiana de reatores anaerbios, notadamente das bactrias metanognicas (Chernicharo, 1997). Assim, foram propostos diversos mtodos para avaliar a atividade microbiana anaerbia, a partir da caracterizao da atividade metanognica especfica (AME). Vrios trabalhos j desenvolvidos na rea indicam que alguns mtodos utilizados para a avaliao da AME so grosseiros ou imprecisos, enquanto outros so caros ou sofisticados em demasia. O mtodo desenvolvido por James et al. (1990) (respirmetro Warburg) e o mtodo desenvolvido por Monteggia (1991) (manmetros com sensores eltricos para 26

monitoramento contnuo de produo de biogs) teve grande contribuio para o aprimoramento do teste de AME, principalmente este ltimo.

3.3.1 Importncia do teste de AME

A avaliao da atividade metanognica especfica de lodos anaerbios tem se mostrado importante no sentido de classificar o potencial da biomassa na converso de substratos solveis em metano e gs carbnico. O teste de atividade microbiana pode ser utilizado para quantificar a atividade metanognica de lodos anaerbios, ou ainda para outras aplicaes como (Chernicharo, 1997):

Para avaliar o comportamento de biomassa sob o efeito de compostos potencialmente inibidores; Para determinar a toxicidade relativa de compostos qumicos presentes em efluentes; Para estabelecer o grau de degradabilidade de diversos substratos; Para monitorar as mudanas da atividade do lodo, devido a possvel acumulao de materiais inertes, aps longos perodos de operao de reatores; Para determinar a carga orgnica mxima que pode ser aplicada a um determinado tipo de lodo, proporcionando uma acelerao do processo de partida; Para avaliar parmetros cinticos.

3.3.2 Descrio do teste de AME

O teste da (AME), um dos controles que mais tem merecido a ateno dos pesquisadores. O mesmo consiste em incubar uma pequena quantidade de biomassa, em meio contendo acetato e nutrientes, medindo-se a quantidade de gs produzido por unidade de tempo e por unidade de massa bacteriana. Este teste ainda no foi objeto de uma padronizao, sendo que cada grupo de pesquisa usa uma metodologia mais apropriada para o seu trabalho (Poetsch & Koetz, 1998). A atividade metanognica calculada a partir da medio direta da taxa de produo de metano ou consumo de um substrato, por unidade de biomassa (SSV) e unidade de tempo, deve-se levar em conta, a garantia de ambiente anaerbio, e condies necessrias de nutrientes para obteno da atividade biolgica mxima, utilizao de adequada populao de

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microrganismos, avaliada pela concentrao de slidos suspensos volteis (SSV), alimento suficiente para obteno da taxa mxima de remoo de substrato e o uso de um equipamento capaz de monitorar as mudanas da atividade metablica ou o consumo do substrato teste durante o perodo do teste (Monteggia, 1991). Embora existam diferentes formas de se proceder o desenvolvimento dos testes de AME, foi estabelecido recentemente no mbito do PROSAB (Programa de Pesquisa em Saneamento Bsico), o seguinte protocolo (Chernicharo, 1997):

Determinar a quantidade de slidos volteis presentes no lodo a ser analisado; Colocar as quantidades pr-estabelecidas de lodo nos frascos de reao, preferencialmente 12 a 24 horas antes de iniciar o teste, visando adaptao do mesmo.

Adicionar aos frascos de reao quantidades determinadas da soluo tampo e de nutrientes a fim de se obter no final da mistura uma concentrao em torno de 2,5 gSVT (biomassa)/L;

Antes de adicionar o substrato, deve-se proceder a purga do oxignio presente, utilizando-se nitrognio gasoso; Adicionar o substrato aos frascos de reao, nas concentraes desejadas (concentraes variando de 1,0 a 2,5 gDQO/L); Ligar o dispositivo de mistura dos frascos de reao; Registrar volumes de biogs produzido, em cada intervalo de tempo, ao longo do perodo do teste.

3.3.3 Consideraes finais sobre o teste de AME

Embora este teste constitua num instrumento bastante til, seus resultados devem ser utilizados com reservas, uma vez que inexiste uma padronizao aceita para o mesmo. Neste sentido, entende-se que os resultados obtidos com este teste representam muito mais as atividades metanognicas especificas relativas e no absolutas (Chernicharo, 1997).

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4 Sistemas anaerbios de tratamento A essncia dos processos biolgicos de tratamento de esgotos reside na capacidade dos microorganismos envolvidos utilizarem os compostos orgnicos biodegradveis,

transformando-os em subprodutos que podem ser removidos do sistema de tratamento. Os subprodutos formados podem se apresentar na forma slida (lodo biolgico), lquida (gua) ou gasosa (gs carbnico, metano, etc.) qualquer que seja o processo utilizado, aerbio ou anaerbio, a capacidade de utilizao dos compostos orgnicos depende da atividade microbiana da biomassa presente (CHERNICHARO, 1997).

4.1 Sistemas convencionais

A denominao sistemas convencionais utilizada para caracterizar os reatores que so operados com baixas cargas orgnicas volumtricas, uma vez que os mesmos no dispem de mecanismos de reteno de grandes quantidades de biomassa de elevada atividade. Os principais aspectos que diferenciam os reatores convencionais dos reatores de alta taxa so:

ausncia de mecanismos de reteno de slidos no sistema: a reteno de biomassa nos sistemas anaerbios melhorada de forma significativa atravs de mecanismos que favorecem a imobilizao dos microorganismos no interior da cmara de digesto, a exemplo da adeso e da granulao. A ausncia de tais mecanismos dificulta a reteno de grandes quantidades de biomassa no sistema de tratamento;

elevados tempos de deteno hidrulica e baixas cargas volumtricas: a ausncia de mecanismos de reteno de slidos no sistema implica na necessidade de que os reatores convencionais sejam projetados e operados com tempos de deteno hidrulica elevados, a fim de garantir a permanncia de biomassa no sistema por tempo suficiente para o seu crescimento.

baixas cargas volumtricas: o projeto dos reatores com elevados tempos de deteno hidrulica implica em tanques de grandes volumes, tendo-se como resultado baixas cargas volumtricas aplicadas ao sistema.

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4.1.1 Digestores anaerbios de lodo

Os digestores convencionais so utilizados principalmente para a estabilizao de lodos primrios e secundrios, oriundos do tratamento de esgotos, e tambm para o tratamento de efluentes industriais com elevada concentrao de slidos suspensos. Usualmente so constitudos por tanques circulares cobertos, em concreto armado, com dimetros variando de 6 a 38 metros e profundidades entre 7 e 14 metros. As paredes de fundo so geralmente inclinadas numa relao vertical/horizontal de 1 para 4, de forma a favorecer a sedimentao e a retirada dos slidos mais concentrados. A cobertura do reator pode ser tanto fixa quanto flutuante. Como os digestores convencionais destinam-se preferencialmente estabilizao de resduos com elevada concentrao de material particulado, a hidrlise desses slidos pode se tornar a etapa limitante de todo o processo de digesto anaerbia. Por sua vez, a taxa de hidrlise afetada por diversos fatores, podendo-se destacar: a temperatura; o tempo de residncia; a composio do substrato; o tamanho das partculas. Assim, objetivando otimizar a hidrlise do material particulado, os digestores convencionais so normalmente aquecidos, sendo usuais temperaturas de operao na faixa de 25 a 35C. Como os digestores convencionais no dispem de meios especficos para a reteno de biomassa no sistema, o tempo de deteno hidrulica deve ser suficiente para garantir a permanncia e multiplicao dos microorganismos no sistema, propiciando que todas as fases da digesto anaerbia se processem adequadamente. Dependendo da existncia de dispositivos de mistura e do nmero de estgios, trs configuraes principais de digestores tm sido aplicadas.

a) Digestor anaerbio de baixa carga

O digestor de baixa carga no dispe de dispositivos de mistura, sendo usualmente constitudo de um nico tanque, onde ocorrem simultaneamente a digesto, o adensamento do lodo e a formao de sobrenadante. Do ponto de vista operacional, o lodo bruto adicionado na parte do digestor em que o lodo est sendo ativamente digerido e o biogs est sendo liberado. Com o movimento ascendente do biogs, partculas de lodo e de outros materiais flutuantes so levadas para a superfcie, vindo a constituir uma camada de escuma. Como resultado da digesto, ocorre a estratificao do lodo abaixo da camada de escuma, 30

configurando-se quatro zonas distintas dentro do reator: zona de escuma; zona de sobrenadante; zona de digesto ativa; zona de lodo estabilizado. O sobrenadante e o lodo estabilizado so removidos periodicamente do digestor. A estratificao do lodo e a ausncia de mistura fazem com que no mais que 50% do volume do digestor seja efetivamente utilizado no processo de digesto, implicando portanto na necessidade de reatores de grandes volumes para se conseguir uma boa estabilizao do lodo. Face a essas limitaes, os digestores de baixa carga so utilizados principalmente em pequenas estaes de tratamento.

b) Digestor anaerbio de um estgio e alta carga

O digestor de estgio nico e alta carga incorpora mecanismos suplementares de aquecimento e mistura, alm de ser operado com taxas de alimentao uniformes e com adensamento prvio do lodo bruto, de forma a garantir condies mais uniformes em todo o digestor. Como resultado, o volume do tanque pode ser reduzido e a estabilidade do processo melhorada. Para se conseguir a mistura do lodo no interior do digestor podem ser utilizadas diferentes tcnicas, como recirculao de gs, recirculao de lodo ou misturadores mecnicos de diversas configuraes. A prtica comum de alimentao do digestor a da adio de pequenas quantidades de lodo em intervalos de tempo regulares, por exemplo a cada 1 ou 2 horas, configurando-se duas formas usuais de alimentao:

alimentao e mistura do digestor por um curto perodo, antes da retirada de lodo digerido. Retirada de lodo digerido, antes da alimentao de lodo bruto.

c) Digestor anaerbio de dois estgios e alta carga

O digestor de dois estgios consiste basicamente na incorporao de um segundo tanque de digesto, operando em srie com um digestor primrio de alta carga. Nessa configurao, o primeiro tanque utilizado para a digesto do lodo propriamente dita, sendo portanto equipado com dispositivos de aquecimento e de mistura. O segundo tanque

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utilizado para estocagem e concentrao do lodo digerido, levando formao de um sobrenadante bem mais clarificado. Existem situaes em que os dois tanques so projetados de forma idntica, de tal forma que qualquer um dos dois pode ser utilizado como digestor primrio. Em outras situaes, o digestor secundrio pode ser um tanque aberto, um tanque sem aquecimento, ou at mesmo uma lagoa de lodo.

4.1.2 Tanque sptico

O tanque sptico uma unidade, pr-moldada ou moldada in loco, que desempenha as funes mltiplas de sedimentao e de remoo de materiais flutuantes, alm de comportar-se como digestor de baixa carga, sem mistura e sem aquecimento. O funcionamento dos tanques spticos pode ser descrito de acordo com as seguintes etapas:

os slidos sedimentveis presentes no esgoto afluente vo ao fundo do tanque, passando a constituir uma camada de lodo; os leos, graxas e outros materiais mais leves presentes no esgoto afluente flutuam at a superfcie do tanque, vindo a formar uma camada de escuma; o esgoto, livre dos materiais sedimentveis e flutuantes, flui entre as camadas de lodo e de escuma, deixando o tanque sptico em sua extremidade oposta, de onde encaminhado uma unidade de ps-tratamento ou de disposio final;

o material orgnico retido no fundo do tanque sofre uma decomposio facultativa e anaerbia, sendo convertido em compostos mais estveis como CO2, CH4 e H2S. Embora o H2S seja produzido nos tanques spticos, problemas de odor no so usualmente observados, uma vez que este combina-se com metais acumulados no lodo, vindo a formar sulfetos metlicos insolveis;

a decomposio anaerbia proporciona uma reduo contnua do volume de lodo depositado no fundo do tanque, mas h sempre uma acumulao ao longo dos meses de operao do tanque sptico. Como conseqncia, a acumulao de lodo e de escuma leva a uma reduo do volume til do tanque, demandando a remoo peridica desses materiais.

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4.1.3 Lagoa anaerbia

Devido s nossas condies climticas favorveis, com observncia de elevadas temperaturas em grande parte do territrio brasileiro, as lagoas anaerbias constituem-se em uma alternativa muito apropriada para o tratamento de esgotos domsticos em nosso pas, usualmente combinadas com as lagoas facultativas. Tambm so frequentemente utilizadas para o tratamento de despejos com alta concentrao de matria orgnica, como frigorficos, laticnios, bebidas etc. A Figura 5 e 6 ilustram, respectivamente, um esquema de uma lagoa anaerbia e uma lagoa anaerbia real.

Figura 5 Esquema representativo de uma lagoa anaerbia

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Figura 6 Lagoa anaerbia

Devido s grandes dimenses e aos elevados tempos de deteno hidrulica, as lagoas anaerbias podem ser classificadas como reatores de baixa carga orgnica volumtrica. Na sua configurao tpica, o funcionamento das lagoas anaerbias bastante semelhante ao dos tanques spticos. Todavia, as dimenses das lagoas anaerbias so bastante superiores s dos tanques spticos, fato que confere s mesmas algumas caractersticas diferentes:

devido aos grandes volumes e elevadas profundidades, no h a necessidade de remoo sistemtica do lodo depositado no fundo das lagoas anaerbias. devido s grandes reas, as lagoas anaerbias so via de regra descobertas, havendo sempre a possibilidade de emanao de maus odores e de proliferao de insetos, demandando, portanto, maiores cuidados na escolha do local de implantao das mesmas.

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4.2 Sistemas de alta taxa

Para os reatores anaerbios serem operados com baixos tempos de deteno hidrulica e elevados tempos de reteno celular, os mesmos necessitam incorporar mecanismos de reteno de biomassa, configurando-se assim os sistemas de alta taxa. Diversos tipos de reatores de alta taxa so utilizados para o tratamento de esgotos, sendo que estes podem ser classificados em dois grandes grupos, de acordo com o tipo de crescimento de biomassa no sistema. O conceito de crescimento bacteriano disperso relaciona-se presena de flocos ou grnulos de bactrias, inteiramente livres. J o conceito de crescimento bacteriano aderido pressupe o desenvolvimento de bactrias agregadas a um material inerte, levando formao de um filme biolgico (biofilme).

4.2.1 Sistemas com crescimento bacteriano aderido

a) Reatores anaerbios de leito fixo

O exemplo mais conhecido de reatores com crescimento bacteriano aderido, em leito fixo, so os filtros anaerbios. Estes so caracterizados pela presena de um material de empacotamento estacionrio, no qual os slidos biolgicos podem aderir ou ficar retidos nos interstcios. A massa de microorganismos aderida ao material suporte degrada o substrato contido no fluxo de esgotos e, embora a biomassa se solte esporadicamente, o tempo mdio de residncia de slidos no reator usualmente superior a 20 dias. Estes filtros so usualmente operados com fluxo vertical, tanto ascendente como descendente, sendo o de fluxo ascendente o mais utilizado. Na configurao de fluxo ascendente, o lquido introduzido pela base, fluindo atravs de uma camada filtrante (meio suporte) e sendo descartado pela parte superior. Na configurao de fluxo descendente, o esgoto distribudo na parte superior do filtro, imediatamente acima do meio suporte, sendo recolhido na parte superior do reator. As caractersticas mais importantes de um tratamento biolgico so o tempo de residncia de slidos e as concentraes de microorganismos presentes no meio. Os elevados tempos de residncia de slidos nos reatores, associados aos baixos tempos de deteno hidrulica, conferem ao filtro anaerbio um grande potencial para a sua aplicabilidade em tratamentos de guas residurias de baixa concentrao. 35

Como principal desvantagem dos filtros anaerbios, tem sido apontada a acumulao de biomassa no fundo dos reatores operados em fluxo ascendente, pode provocar o entupimento ou a formao de caminhos preferenciais. Nesse sentido, os filtros de fluxo descendente so mais indicados para o tratamento de despejos que contenham concentraes mais elevadas de slidos suspensos.

b) Reator anaerbio de leito rotatrio

Neste sistema, os microorganismos ficam aderidos ao meio suporte inerte, formando um filme biolgico. O meio suporte, com uma configurao seqencial de discos, parcialmente ou totalmente submergido, girando vagarosamente em torno de um eixo horizontal, num tanque atravs do qual o esgoto flui. A configurao do sistema similar ao biodisco aerbio, exceto em relao ao tanque, que coberto para evitar o contato com o ar. Tambm a submergncia dos discos normalmente maior que o dos sistemas aerbios, uma vez que a transferncia de oxignio no requerida. A relao tempo de reteno de slidos/tempo de deteno hidrulica bastante elevada e entupimentos no devem ocorrer no sistema, desde que a velocidade de rotao dos discos seja tal que as foras de cisalhamento promovam a remoo do excesso de biomassa retida entre os discos. Entretanto, cuidados devem ser tomados na transferncia de resultados obtidos em laboratrio para a escala plena, uma vez que a velocidade de rotao aumenta substancialmente com o aumento do dimetro do disco. Em condies de elevada velocidade de rotao, as foras de cisalhamento podem impedir a aderncia de biomassa.

c) Reatores anaerbios de leito expandido

O desenvolvimento dos processos anaerbios de leito expandido e fluidificado praticamente eliminou os problemas de limitao de difuso de substrato, normalmente inerentes aos processos de leito estacionrio. Nos processos de leito expandido e fluidificado a biomassa cresce em filmes de espessura muito reduzida, aderidos partculas de tamanho muito pequeno, contrapondo aos processos de leito estacionrio, nos quais o biofilme apresenta uma espessura consideravelmente maior, aderida a um meio suporte tambm de dimenses maiores. A expanso e fluidificao do meio reduz ou elimina os problemas de entupimento, alm de aumentar substancialmente e reteno de biomassa e o contato desta com o substrato, permitindo, como conseqncia, redues significativas dos tempos de 36

deteno hidrulica nos reatores. Embora a distino entre expanso e fluidificao no seja muitas vezes claramente definida, dois sistemas principais podem ser caracterizados. No processo com leito expandido, o biofilme cresce aderido s partculas, que so expandidas pela velocidade ascencional do esgoto, aumentada pela elevada taxa de recirculao aplicada. A expanso do leito mantida em um nvel tal para que cada partcula suporte conserve sua posio relativa cada uma das outras partculas dentro do leito. A expanso do leito usualmente mantida entre 10 e 20%. J os princpios de funcionamento do reator de leito fluidificado so basicamente os mesmos do reator de leito expandido, exceto pelo tamanho das partculas do meio suporte e pelas taxas de expanso. A velocidade ascencional do lquido, neste caso, deve ser suficientemente elevada para fluidificar o leito at o ponto alm do qual a fora gravitacional igualada pela fora de arraste ascencional. Uma elevada taxa de recirculao requerida e cada partcula independente no guarda uma posio fixa dentro do leito. A expanso de partculas muito finas garante uma enorme rea superficial para o crescimento de um biofilme uniforme ao redor de cada partcula.

4.2.2 Sistemas com crescimento bacteriano disperso

A eficincia dos sistemas com crescimento bacteriano disperso depende, em grande parte, da capacidade da biomassa em formar flocos e sedimentar.

a) Reator anaerbio de dois estgios

O sistema incorpora a utilizao de um tanque de mistura completa, seguido de um dispositivo para separao e retorno de slidos. A essncia do processo de dois estgios que toda e qualquer parte da biomassa floculada no reator, juntamente com os slidos afluentes no digeridos, arrastada para fora do sistema, seja retida atravs de um dispositivo de separao de slidos e retornada ao reator de primeiro estgio, onde ela misturada com o esgoto afluente. A dificuldade prtica do processo de dois estgios a separao e a concentrao dos slidos do efluente, uma vez que a presena de partculas produtoras de gs tende a fazer com que os flocos de biomassa flutuem, ao invs de sedimentarem. Diversos mtodos tm sido empregados ou recomendados para eliminar esses problemas, seja atravs da sedimentao,

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floculao qumica, desgaseificao a vcuo, flotao e centrifugao, choque trmico, membrana filtrante etc.

b) Reator anaerbio de chicanas

O reator de chicanas assemelha-se a um tanque sptico com mltiplas cmaras em srie e com dispositivos de alimentao das diversas cmaras. Para se conseguir esta configurao o reator equipado com chicanas verticais, que impem ao lquido um movimento seqencial descendente e ascendente, de forma a garantir uma maior contato do despejo com a biomassa presente no fundo da unidade. As caractersticas de projeto nem sempre so suficientes para garantir boas condies de funcionamento em unidades de maior porte. Neste tipo de reator, por exemplo, pode ocorrer uma excessiva perda de slidos, caso sejam verificadas grandes variaes e picos excessivos da vazo afluente, uma vez que o sistema no dispe de mecanismos auxiliares de reteno de biomassa no sistema.

c) Reator anaerbio de fluxo ascendente e manta de lodo

O processo consiste de um fluxo ascendente de esgotos atravs de um leito de lodo denso e de elevada atividade. O perfil de slidos no reator varia de muito denso e com partculas granulares de elevada capacidade de sedimentao, prximas ao fundo (leito de lodo), at um lodo mais disperso e leve, prximo ao topo do reator (manta de lodo). A estabilizao da matria orgnica ocorre em todas as zonas de reao (leito e manta de lodo), sendo a mistura do sistema promovida pelo fluxo ascencional do esgoto e das bolhas de gs. O esgoto entra pelo fundo e o efluente deixa o reator atravs de um decantador interno localizado na parte superior do reator. Um dispositivo de separao de gases e slidos, localizado abaixo do decantador, garante as condies timas para a sedimentao das partculas que se desgarram da manta de lodo, permitindo que estas retornem cmara de digesto ao invs de serem arrastados para fora do sistema. Embora parte das partculas mais leves sejam perdidas juntamente com o efluente, o tempo mdio de residncia de slidos no reator mantido suficientemente elevado para manter o crescimento de uma massa densa de microorganismos formadores de metano, apesar do reduzido tempo de deteno hidrulica. Um dos princpios fundamentais do processo sua habilidade em desenvolver uma biomassa de elevada atividade. O segundo princpio fundamental do processo a presena de 38

um dispositivo de separao de gases e slidos, localizado na parte superior do reator. O principal objetivo deste dispositivo a separao de gases contidos na mistura lquida, de tal forma que uma zona propcia sedimentao seja criada no extremo superior do reator. A Figura 7 e 8 apresentam, respectivamente, um esquema de um reator de manta de lodo e um reator UASB real.

Figura 7 Esquema representativo de um reator de manta de lodo.

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Figura 8 Reator UASB

d) Reator anaerbio de leito granular expandido (EGSB)

Assemelha-se bastante ao reator anaerbio de fluxo ascendente e manta de lodo, exceto no que se refere ao tipo de lodo e ao grau de expanso do leito de lodo. No reator EGSB retido principalmente lodo do tipo granular, que mantido expandido devido s elevadas taxas hidrulicas aplicadas ao sistema. Essa situao intensifica a mistura hidrulica no reator, possibilitando um melhor contato biomassa-esgoto. Relativamente aplicabilidade dos reatores EGSB, estes destinam-se principalmente ao tratamento de efluentes solveis, uma vez que as elevadas velocidades superficiais do lquido no interior do reator no possibilitam uma remoo eficiente de materiais orgnicos particulados. Alm disso, a presena excessiva de slidos suspensos no afluente pode ser detrimental manuteno das boas caractersticas do lodo granular no reator. Como resultado prtico das elevadas velocidades superficiais aplicadas aos reatores de leito granular expandido, estes podem ser bem mais altos, da ordem de 20 metros, significando uma elevada economia de rea. Isso particularmente interessante no caso de tratamento de efluentes solveis provenientes de indstrias com pouca disponibilidade de rea.

e) Reator anaerbio com recirculao interna

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O reator anaerbio com recirculao interna pode ser considerado uma variao do reator UASB, tendo sido desenvolvido com o objetivo de garantir uma maior eficincia, quando submetido a elevadas cargas orgnicas. Para permitir a aplicao de cargas elevadas, torna-se necessria uma separao gs, slido e lquido mais eficiente, uma vez que a alta turbulncia causada pela produo de gases dificulta a reteno de biomassa no sistema. No reator com recirculao interna a separao gs, slido e lquido efetuada em dois estgios:

no primeiro estgio ocorre a separao da maior parcela do biogs produzido no sistema, diminuindo dessa forma a turbulncia na parte superior do reator; no segundo estgio ocorre a separao dos slidos, garantindo uma elevada reteno de biomassa no sistema e um efluente mais clarificado.

4.3 Sistemas combinados

Existe um consenso de que, na maioria das aplicaes, os sistemas anaerbios devem ser encarados como uma primeira etapa do tratamento, uma vez que estes no so capazes de produzir efluentes finais com elevado grau de qualidade. Em algumas situaes, dependendo das caractersticas do despejo afluente e dos requisitos de qualidade do lanamento final, os sistemas anaerbios podem se constituir em uma etapa completa de tratamento. Entretanto, via de regra, tem se buscado a utilizao de sistemas combinados de tratamento, procurando-se obter as enormes vantagens de incorporao de um sistema anaerbio como primeiro estgio de tratamento, seguido de uma unidade de ps-tratamento. Nesse sentido, diversas alternativas de ps-tratamento tm sido pesquisadas e reportadas nos ltimos anos, incluindo tanto sistemas aerbios quanto anaerbios. As principais combinaes de sistemas que vm sendo pesquisadas e utilizadas, incorporando um reator anaerbio como o primeiro estgio do tratamento so:

Tanque sptico + filtro anaerbio; Reator UASB + filtro anaerbio; Reator UASB + reator anaerbio de leito expandido; Reator UASB + lagoa de sedimentao;

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Reator UASB + lagoa facultativa; Reator UASB + lagoa de maturao; Reator UASB + aplicao no solo; Reator UASB + filtro biolgico;

Figura 9 Reator UASB + filtro biolgico

Reator UASB + biofiltro aerado submerso;

Figura 10 Reator UASB + biofiltro aerado submerso

Reator UASB + lodos ativados;

Figura 11 Reator UASB + lodos ativados

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5 Projetos de reatores anaerbios

Neste captulo procurou-se abordar os diversos aspectos que norteiam o projeto dos seguintes tipos de reatores anaerbios, aplicados ao tratamento de esgotos domsticos: Tanques spticos; Filtros anaerbios; Reatores de manta de lodo (UASB).

5.1 Tanques spticos

O tanque sptico constitui-se em uma das alternativas mais antigas de tratamento de esgotos, sendo hoje ainda muito usada. Os tanques spticos so unidades de forma cilndrica ou prismtica retangular, de fluxo horizontal, sendo destinadas, principalmente, ao tratamento primrio de residncias e de pequenas reas no servidas por redes coletoras. No tratamento cumprem-se as seguintes funes (Chernicharo, 1997): Separao gravitacional da escuma e dos slidos, em relao ao lquido afluente; Digesto anaerbia e liquefao parcial do lodo; Armazenamento do lodo. Devido a baixa eficincia do sistema, principalmente em termos de DQO, nutrientes e patognicos, faz-se necessria a adequao dos efluentes lquidos produzidos, seja em termos de ps-tratamento ou de destinao final. Tambm em relao ao lodo e escuma armazenados, este devem ser conduzidos, periodicamente, a um destino final adequado. Dentre as alternativas preconizadas, a ABNT 1982 estabelece diretrizes para o projeto das seguintes modalidades de ps-tratamento/disposio final dos efluentes lquidos e do lodo, conforme apresentado na Figura 12 (Chernicharo, 1997).

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Alternativas para tratamento complementar Filtro anaerbio Filtro aerbio Efluente lquido Filtro de areia Vala de filtrao Escoamento superficial Desinfeco

Alternativas para disposio Final Sumidouro Vala de filtrao Sistema pblico simplificado Corpo dgua receptor

Digestor Lodo Leito de secagem Estao de tratamento de esgotos

Aterro sanitrio Campo agrcola

Figura 12 Alternativas de tratamento complementar e de disposio final de efluentes lquidos e lodos oriundos de tanques spticos.

5.1.1 Principais fatores intervenientes no processo de tratamento

a) Configurao do reator Os tanques spticos configuram-se basicamente de trs tipos: Com cmara nica; Com cmaras em srie; Com cmaras sobrepostas.

As configuraes com cmaras em srie e com cmaras sobrepostas visam principalmente aumentar a eficincia do sistema na reteno de slidos. Nos tanques em cmaras em srie, a primeira cmara retm a maior parte dos slidos orgnicos sedimentveis e flutuantes, assemelhando-se a um digestor de baixa carga. Na segunda cmara, onde a gerao de gases mnima, ocorre uma remoo complementar e mais efetiva dos slidos suspensos que escapam da primeira. Na configurao com cmaras sobrepostas, verifica-se a insero de um compartimento de decantao na parte superior do tanque, o que favorece a sedimentao dos slidos sem a interferncia dos gases gerados no compartimento de digesto, situado abaixo.

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Dispositivos de entrada O dispositivo de entrada de fundamental importncia para o bom funcionamento dos tanques spticos. Podem ser destacadas as seguintes finalidades (Chernicharo, 1997):

Evitar perturbaes hidrulicas no interior do tanque; Direcionar fluxos dos esgotos para o fundo do tanque, possibilitando uma melhor sedimentao dos slidos e diminuindo a ocorrncia de zonas mortas e curto circuitos; Evitar que novos dejetos afluentes ao tanque se misturem diretamente com o lquido j depurado; Evitar o retorno de escuma entrada do tanque;

Dispositivos de sada O dispositivos de sada desempenham funes importantes no sentido de garantir a qualidade do efluente do tanque sptico, podendo-se destacar as seguintes(Chernicharo, 1997): Reter o lodo e os slidos flutuantes no interior do tanque; Melhorar as condies de escoamento no interior do tanque, diminuindo a ocorrncia de zonas mortas e curto circuitos.

b) Tempo de deteno hidrulica Apesar dos tanques spticos serem projetados com elevados tempos de deteno hidrulica, usualmente da ordem de 12 a 24 horas, a aplicao de elevadas cargas hidrulicas pode repercutir negativamente em seu funcionamento. Grandes picos de vazo podem levar uma perda excessiva de slidos e, conseqentemente, deteriorao da qualidade do efluente final. Assim os tempos de deteno hidrulica devem contemplar dois aspectos: A sedimentao mais efetiva dos slidos; A depurao biolgica da fase lquida.

c) Temperatura A temperatura um dos fatores ambientais que mais interferem no processo de digesto anaerbia. Desta forma, a estabilizao e a conseqente reduo do volume de lodo esto intimamente ligados temperatura da massa lquida no interior do tanque.

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d) Remoo do lodo A retirada do lodo em perodos pr-determinados, de acordo com o intervalo de limpeza previsto no projeto, de fundamental importncia para o bom funcionamento dos tanques spticos. A no retirada do lodo leva sua acumulao excessiva e reduo do volume reacional, reduzindo tambm o tempo de deteno hidrulica (Chernicharo, 1997).

e) Condies operacionais To importante quanto o projeto e a execuo adequados do tanque sptico a sua operao. Apesar de muito simples, consistindo basicamente da retirada e destinao final do lodo, em intervalos de limpeza pr-determinados, a operao dos tanques spticos muito negligenciada no Brasil (Chernicharo, 1997).

5.1.2 Principais disposies da Norma Brasileira (ABNT, 1993)

a) Condies gerais

Aplicao O sistema de tanques spticos aplica-se primordialmente ao tratamento de esgotos domsticos.

Presena de substancias txicas

Indicao de utilizao A utilizao de tanques spticos indicada nos seguintes casos: reas desprovidas de rede pblica coletora de esgotos; Como alternativa de tratamento de esgotos em reas providas de rede coletora local; Quando da utilizao de redes coletoras com dimetro e/ou declividade reduzidos;

Restries a utilizao vedado o encaminhamento ao tanque sptico de despejos capazes de causar interferncia negativa em qualquer fase do processo de tratamento ou elevao excessiva da vazo do esgoto afluente, como (Chernicharo, 1997): guas pluviais;

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Despejos provenientes de piscinas e de lavagem de reservatrios de gua.

b) Condies especficas

Distncias mnimas Os tanques devem ser projetados observando-se as seguintes distncias bsicas horizontais mnimas: 1,5m de construes, limites de terrenos, sumidouros, valas de filtrao e ramais prediais de gua; 3,0m de rvores; 15,0m de poos freticos e corpos dgua de qualquer natureza.

Contribuies de despejos No clculo da contribuio de despejos deve-se considerar: O nmero de pessoas a serem atendidas pelo sistema; Contribuies de despejos equivalentes a 80% do consumo de gua.

Contribuies de lodo fresco A contribuio de lodo fresco refere-se parcela de slidos presentes no esgoto afluente que, aps a sedimentao, vem se acumular no fundo do tanque.

Taxa de acumulao de lodo A taxa de acumulao de lodo equivalente ao tempo de acumulao de lodo fresco no tanque sptico, estando relacionada temperatura ambiente e ao intervalo de limpeza do tanque.

c) Dimensionamento de tanques spticos O dimensionamento bastante simples e pode ser feito pela equao (5.1).V = 1000 + N (CxTDH + L f xK )

(5.1)

Onde:

V = volume til (L);

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N = nmero de pessoas ou unidades de contribuio (hab ou unid.); C = contribuies de esgotos (L/hab.d ou L/unid.d); TDH = tempo de deteno hidrulica dos despejos (d); Lf = contribuio de lodo fresco (L/hab.d ou L/unid.d); K = taxa de acumulao de lodo (d).

d) Geometria dos tanques Os cilndricos so empregados em situaes onde se pretende minimizar a rea til em funo de uma maior profundidade. No caso de tanques retangulares, utiliza-se uma menor profundidade e uma maior rea. Devem ser observadas as seguintes recomendaes: No caso de tanques cilndricos, considerar um dimetro interno mnimo de 1,10m; Largura interna mnima de 0,80m; Relao comprimento/largura: mnimo 2:1 e mximo de 4:1; Profundidades teis>: variam de um mnimo de 1,20m a um mximo de 2,80m.

e) Aberturas de inspeo As aberturas de inspeo dos tanques spticos devem ser posicionadas de forma a permitir a remoo do lodo e da escuma acumulados, bem como a desobstruo dos dispositivos internos.

5.1.3 Eficincias dos tanques

Os dados de eficincias dos tanques spticos so bastante variveis e sujeitos condies locais e de operao de umidade. Tem-se as seguintes eficincias mdias: DBO: 30 a 55%; Slidos suspensos: 20 a 90%; leos e graxas: 70 a 90%.

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5.2 Filtros anaerbios

O filtro anaerbio ascendente basicamente uma unidade de contato, na qual os esgotos passam atravs de uma massa de slidos biolgicos contida dentro do reator. A biomassa retirada no reator pode se apresentar em trs formas distintas (Chernicharo, 1997): Na forma de uma fina camada de biofilme aderido s superfcies do material suporte; Na forma de biomassa dispersa retida nos interstcios do material suporte; Na forma de flocos ou grnulos retidos no fundo falso, abaixo do material suporte.

5.2.1 Fatores fsicos intervenientes no processo a) Configurao do reator A configurao dos filtros anaerbios em escala plena tem sido cilndrica ou retangular, com os tanques variando em dimetro (ou largura) de 6 a 26 metros e altura de 3 at cerca de 13 metros. Os volumes dos reatores variando de 100 a 10.000m3. os meios suporte tm sido projetados ocupando desde a profundidade total do reator at cerca de 50 a 70% da altura dos tanques.Existem diferentes tipos de meios de suporte plsticos disponveis, variando de anis corrugados at blocos de placas corrugadas. A rea especfica destes materiais , em mdia, 100m2/m3 (Chernicharo, 1997).

b) Meio suporte

A finalidade do material suporte a de reter slidos no interior do reator, seja atravs do biofilme formado na superfcie do material suporte, seja atravs da reteno de slidos nos interstcios do meio ou abaixo deste. So as principais finalidades da camada suporte (Chernicharo, 1997): Atuar como um dispositivo para separar os slidos dos gases; Ajuda a promover a uniformizao do escoamento do reator; Melhorar o contato entre os constituintes do despejo de afluente e os slidos biolgicos no reator; Permitir o acmulo de grande quantidade de biomassa, aumentando assim, o tempo de reteno celular.

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Atuar como barreira fsica, evitando que os slidos sejam carregados para fora dos sistema de tratamento.

Os requisitos desejveis para o material do suporte em filtros anaerbios est apresentado na Figura 13 RequisitoSer estruturalmente resistente Ser biolgica e quimicamente inerte Ser suficientemente leve Possuir grande rea especfica Possuir porosidade elevada Possibilitar a colonizao acelerada dos microorganismos Apresentar formato no achatado ou liso Preo reduzido

ObjetivoSuportar o prprio peso, adicionado o peso dos slidos biolgicos aderidos a superfcie No haver reao entre o leito e os microorganismos Evitar a necessidade de estruturas pesadas e caras e permitir a construo de filtros mais altos Permitir aderncia de maior quantidade de slidos biolgicos Permitir maior rea livre disponvel para a acumulao de bactrias e para reduzir a possibilidade de colmatao Diminuir o tempo de partida do reator Garantir porosidade elevada Viabilizar o processo

Figura 13 Requisitos desejveis para o material do suporte em filtros anaerbios c) Tipos de meio de suporte Vrios tipos de materiais tm sido utilizados incluindo: quartzo, blocos cermicos, concha de ostras e de mexilhes, calcrio, anis plsticos, cilindros vazados, blocos modulares de PVC, granito, esferas de polietileno, bambu, etc (Chernicharo, 1997). Pesquisas desenvolvidas na UFMG demonstram a aplicabilidade e viabilidade de uma nova alternativa de meio de suporte: escria de alto-forno. O objetivo da utilizao deste material como meio de suporte o de contribuir para uma nova utilizao desse resduo siderrgico, minimizando assim, os impactos ambientais provocados por sua destinao inadequada, alm de diminuir o custo global do reator.

d) Colmatao do meio suporte A colmatao ou entupimento do meio suporte tem sido uma das principais preocupaes dos projetistas e usurios de filtros anaerbios. Para se minimizar os efeitos de colmatao devem ser previstos dispositivos de limpeza a fim de promover a retirada do excesso de slidos retidos no meio filtrante (Chernicharo, 1997).

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5.2.3 Dimensionamento de filtros anaerbios

A utilizao de filtros anaerbios tm sido principalmente para o polimento de efluentes dos tanques spticos. Nessa configurao a ABNT, 1982 estabelece as seguintes prescries para o seu dimensionamento:

a) Clculo do volume til demonstrado pela Equao 5.2.V = 1,60 N C TDH

(5.2)

Onde: V = volume total do filtro (m3); N = nmero de pessoas ou unidades de contribuio (hab ou unid.); C = contribuio de esgotos (L/hab.d ou L/unid.d); TDH = tempo de deteno hidrulica de despejos;

b) Determinao da seo transversal Pode ser calculada pela Equao 5.3.

A=

V H

(5.3)

Onde: A = rea do filtro (m2); V = volume til calculado (m3); H profundidade til do filtro (1,80m).

5.2.4 Eficin