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MATRIZ DE SANTO ANTÔNIO Matriz de Santo Antônio, 1906 Acervo do Centro Cultural de Venda Nova. Uma breve caminhada pela cidade pode nos colocar em contato com as histórias e memórias de uma localidade. As pedras das ruas, as soleiras das janelas, as praças, a arquitetura dos edifícios, as pichações nos muros, os telhados, as poeiras sob as marquises, os espaços de lazer, consumo, festejo, os espaços “para a fé” podem nos dizer muito sobre uma comunidade. Os cheiros, sons, as cores e imagens da cidade estão permeadas pelos sentidos e significados de outras temporalidades, as sensibilidades de um outro período, tornando coexistente passado e presente. Em Venda Nova, região metropolitana de Belo Horizonte/MG, a Igreja Matriz de Santo Antônio é um espaço que se destaca pela sua importância para a comunidade e a maneira como resistiu as transformações temporais. A memórias sobre as festas religiosas, os icônicos párocos, a influência política

Matriz de Santo Antônio-2

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Igreja Matriz de Santo Antônio - Venda Nova/BH/MG

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Page 1: Matriz de Santo Antônio-2

MATRIZ DE SANTO ANTÔNIO

Matriz de Santo Antônio, 1906 Acervo do Centro Cultural de Venda Nova.

Uma breve caminhada pela cidade pode nos colocar em contato com as

histórias e memórias de uma localidade. As pedras das ruas, as soleiras das janelas,

as praças, a arquitetura dos edifícios, as pichações nos muros, os telhados, as

poeiras sob as marquises, os espaços de lazer, consumo, festejo, os espaços “para

a fé” podem nos dizer muito sobre uma comunidade. Os cheiros, sons, as cores e

imagens da cidade estão permeadas pelos sentidos e significados de outras

temporalidades, as sensibilidades de um outro período, tornando coexistente

passado e presente.

Em Venda Nova, região metropolitana de Belo Horizonte/MG, a Igreja Matriz

de Santo Antônio é um espaço que se destaca pela sua importância para a

comunidade e a maneira como resistiu as transformações temporais. A memórias

sobre as festas religiosas, os icônicos párocos, a influência política e social dessa

instituição e as mudanças arquitetônicas aparecem corriqueiramente nas narrativas

dos antigos moradores locais.

A história da Igreja Matriz de Santo Antônio, que homenageia o padroeiro de

Venda Nova, tem início nos primórdios da construção de Venda Nova, no século

XVIII. A historiadora Silva (2010), nos mostra que moradores do então arraial de

Venda Nova, escreveram à Rainha de Portugal, Dona Maria I, solicitando uma

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permissão para a construção de uma capela para Santo Antônio pois o povo

daquela região tinha uma “grande necessidade de pasto espiritual” (SILVA, 2010,

p.9,). No século começo do século XIX o desejo dos moradores se concretizou com

a edificação de uma igreja ampla que ostentava duas imensas e belas torres.

Dona Sílvia, uma vendanovense nascida em 1910, narra que a Igreja Matriz

era muito bonita, “ela tinha porta e janela azul, um salão, duas entradas, uma à

direita e outra à esquerda. A entrada do lado direito tinha uma subida que ia até o

cemitério”. Já Dona Perina recorda-se que a Igreja tinha “umas torres muito bonitas,

mas já estavam velhas” e que ela tinha um “adro onde o pessoal enterrava os

padres” (SILVA, 2010, p.31).

Ilustrador: Henrique Ferreira Machado.Aluno do 6° ano da Escola Municipal Antônio Gomes Horta, BH, em 2011.

A Igreja de Santo Antônio de Venda Nova constitui-se como uma referência

simbólica no campo dos valores éticos, morais e espirituais, como tantas outras

espalhadas pelo território brasileiro, ao tornar-se um espaço não somente de

práticas de devoção religiosa, como também de práticas culturais, de várias festas,

representações teatrais, serenatas, entre outros, que expressavam o envolvimento

comunitário na produção e reinvenção da cultura, no âmbito da localidade,

propiciando relações entre diferentes grupos sociais.

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Os relatos de antigos moradores de Venda Nova ressaltam a importância

dessa instituição religiosa para a comunidade de Venda Nova, inclusive para as

crianças. Uma dessas moradoras é Dona América, que viveu a primeira metade do

século XX na região, que relata como era comum ela e as outras crianças

representarem os rituais católicos: “a gente brincava de... Fazia cultos religiosos. A

gente fazia coroação, a gente dava benção do Santíssimo”.

Na matriz eram comemorados os grandes eventos religiosos locais, como a

festa do santo padroeiro, com muita gente e leilões e as coroações do mês de Maria,

nas quais mocinhas vestidas de branco iam buscar em casa a menina que iria

coroar a cada dia do mês de maio. As coroações, um dos pontos altos das

celebrações religiosas, eram festas alegres com direito ao coro e muitos cantos

litúrgicos.

As festas religiosas eram um acontecimento na cidade que mobilizavam os

habitantes e pessoas das cidades vizinhas para participarem dos leilões, cortejos,

cantatas. Dona América afirma que “tinha muita gente nas festas da igreja. A igreja

ficava lotada, as ruas lotadas por causa das festas”.

Pelo menos até meados dos anos 1980, a Igreja Matriz não era apenas um

espaço de culto religioso, ela era, antes de tudo, um lugar de encontro. E foi na

Igreja que a população vendanovense teve o encontro com o que se tornou lendário

personagem da região, que foi importante para a localidade e uma das grandes

referências para a comunidade: o Padre Pedro Pinto, pároco da Matriz de Santo

Antônio. Segundo Dona América, “Padre Pedro era muito importante. Ele era muito

amigo, amigo de... Ele era muito amigo do povo todo”.

O eclesiástico foi símbolo de devoção à igreja para toda a comunidade, mas

também representava a modernidade em meio à cidade com características

notadamente rurais, além de ser um promotor de cultura na região e conselheiro nas

áreas afetivas, profissionais, familiares, entre outros.

O padre Pedro Pinto, o primeiro padre a tirar “Carta de Chauffer” em Belo

Horizonte, protagonizou, com seu “ar de modernidade”, uma história da região que é

muito interessante. Contam-nos os mais antigos que, em meados dos anos 1940,

padre Pedro ao ver o estado precário de conservação da Igreja Matriz, pegou uma

corda, deu duas voltas com uma das extremidades da corda nas imponentes torres

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e amarrou a outra ponta no seu Ford 1928. Tal avançado era o estado de

deterioração que mal o padre acelerou o seu carro e toda a igreja desabou.

As transformações que a Igreja Matriz de Santo Antônio sofreu ao longo das

décadas é apresentada nas memórias de José Bonifácio Costa, o Coronel Facinho,

um influente político da região na primeira metade do século XX. Segundo o

Coronel, o desmazelo que o pároco anterior à Padre Pedro tinha com a antiga

construção de madeira permitiu que as “coisas carunchassem”. O arcebispo, então,

exigiu que o novo padre construísse uma nova igreja. A nova Igreja erguida era,

como relembra Facinho, “uma coisa sem gosto”, pois era uma espécie de um grande

barracão, onde apenas o antigo sino, dos áureos tempos das duas torres, resistiu às

transformações do tempo e espaço.

Ilustrador: Henrique Ferreira Machado.Aluno do 6° ano da Escola Municipal Antônio Gomes Horta, BH, em 2011.

A grande expansão demográfica ocorrida na década de 1960 demandou

novas mudanças no edifício, pois, conforme conta-nos Nilza de Oliveira, a sobrinha

do Padre Pedro, a Igreja antiga não “comportava o povo todo”. O eclesiástico

posterior a Padre Pedro, Padre Matias, solicitou que uma reforma fosse realizada. A

ampliação da Igreja trouxe mais espaço e conforto para seus membros, contudo, o

antigo prédio fora totalmente descaracterizado, agora já não tinha mais nenhuma

torre, o que desagradou grande parte da população.

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lustrador: Henrique Ferreira Machado.Aluno do 6° ano da Escola Municipal Antônio Gomes Horta, BH, em 2011.

Da antiga paróquia, construída por volta de 1809, nos restaram as memórias

dos antigos moradores, os “causos” do irreverente Padre Pedro, das suas missas,

as festas de coroação, dos bingos e leilões. Do primeiro prédio restou apenas um

sino escondido entre as árvores, revelando-nos vestígios de um tempo que há muito

se passou, mas que ainda resiste no presente.

Fotografia: Fred Moreira