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A POLÍTICA ECONÔMICA DURANTE O GOVERNO LULA (2003-2010): CENÁRIOS, RESULTADOS E PERSPECTIVAS 1 Lauro Mattei 2 Luis Felipe Magalhães 3 INTRODUÇÃO Em seu primeiro pronunciamento como presidente eleito do Brasil, feito no dia 28 de Outubro de 2002 4 , LULA iniciou sua fala da seguinte forma: “ontem o Brasil votou para mudar, sendo que nossa vitória significou a escolha de um projeto alternativo e o início de um novo ciclo histórico para o país. A maioria da sociedade brasileira votou pela adoção de outro modelo econômico e social, capaz de assegurar a retomada do crescimento econômico, do desenvolvimento com geração de emprego e distribuição de renda”. Obviamente que esse discurso fazia referência à crise em que a economia brasileira se encontrava mergulhada nos últimos anos do Governo FHC, o qual assumidamente adotou um conjunto de políticas “ortodoxas” sempre com o pretexto de manter a estabilidade macroeconômica. Parte dessas políticas, por mais que tenham atingido seu principal objetivo controle inflacionário geraram fortes contradições internas, destacando-se o baixo crescimento do PIB, a elevação do desemprego e a expansão da exclusão social, fatores agravadores de instabilidades econômicas e políticas. O discurso do presidente eleito contradiz, em parte, a famosa “Carta aos Brasileiros” emitida pelo mesmo LULA meses antes das eleições, momento em que assumia o compromisso com as elites financeiras nacionais e internacionais de manter os contratos, cumprir as regras do jogo e dar continuidade à política macroeconômica de 1 Capítulo Final do Livro “Nunca antes na história desse país...”? um balanço das políticas do Governo Lula. Rio de Janeiro: Fundação Henrich Böll, 2011. 2 Professor dos cursos de Graduação e de Pós-Graduação em economia da UFSC. Email: [email protected] 3 Economista formado pela UFSC e pesquisador do IELA-UFSC. Email: [email protected] 4 Lula foi eleito em segundo turno no dia 27.10.2002

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  • A POLTICA ECONMICA DURANTE O GOVERNO LULA (2003-2010):

    CENRIOS, RESULTADOS E PERSPECTIVAS1

    Lauro Mattei2

    Luis Felipe Magalhes3

    INTRODUO

    Em seu primeiro pronunciamento como presidente eleito do Brasil, feito no dia

    28 de Outubro de 20024, LULA iniciou sua fala da seguinte forma: ontem o Brasil

    votou para mudar, sendo que nossa vitria significou a escolha de um projeto

    alternativo e o incio de um novo ciclo histrico para o pas. A maioria da sociedade

    brasileira votou pela adoo de outro modelo econmico e social, capaz de assegurar a

    retomada do crescimento econmico, do desenvolvimento com gerao de emprego e

    distribuio de renda.

    Obviamente que esse discurso fazia referncia crise em que a economia

    brasileira se encontrava mergulhada nos ltimos anos do Governo FHC, o qual

    assumidamente adotou um conjunto de polticas ortodoxas sempre com o pretexto de

    manter a estabilidade macroeconmica. Parte dessas polticas, por mais que tenham

    atingido seu principal objetivo controle inflacionrio geraram fortes contradies

    internas, destacando-se o baixo crescimento do PIB, a elevao do desemprego e a

    expanso da excluso social, fatores agravadores de instabilidades econmicas e

    polticas.

    O discurso do presidente eleito contradiz, em parte, a famosa Carta aos

    Brasileiros emitida pelo mesmo LULA meses antes das eleies, momento em que

    assumia o compromisso com as elites financeiras nacionais e internacionais de manter

    os contratos, cumprir as regras do jogo e dar continuidade poltica macroeconmica de

    1 Captulo Final do Livro Nunca antes na histria desse pas...? um balano das polticas do Governo

    Lula. Rio de Janeiro: Fundao Henrich Bll, 2011. 2 Professor dos cursos de Graduao e de Ps-Graduao em economia da UFSC. Email:

    [email protected] 3 Economista formado pela UFSC e pesquisador do IELA-UFSC. Email: [email protected]

    4 Lula foi eleito em segundo turno no dia 27.10.2002

  • controle inflacionrio do governo anterior baseada no regime de metas inflacionrias e

    de gerao de supervits primrios, ou seja, dar seqncia ao que estava sendo feito e

    propor algumas reformas que no haviam sido encaminhadas pelo Governo FHC.

    Esse aspecto ficou mais evidente ainda no discurso de LULA no dia 10.12.2002

    no Clube de Imprensa dos EUA (Washington). Dizia o presidente eleito: meu governo

    vai se pautar pela responsabilidade fiscal, pelo combate inflao e pelo respeito aos

    contratos e acordos....precisamos de uma atitude construtiva por parte da chamada

    comunidade financeira internacional...estejam certos de que todas as instituies e

    empresas responsveis encontraro no Brasil um ambiente seguro e estvel para

    investir. Era tudo o que o sistema financeiro internacional queria ouvir!

    Portanto, qualquer discusso da poltica econmica durante o Governo Lula no

    pode deixar de considerar esses aspectos que so determinantes nos instrumentos

    adotados j no incio do novo governo. Isso no significa dizer que a poltica adotada

    foi uma mera continuidade do regime anterior. exatamente esse percurso que o

    presente texto pretende desenvolver, ou seja, apontar como o caminho inicialmente

    delineado foi sendo implementado, com o objetivo de observar a existncia de

    elementos de continuidade e de rupturas em relao ao governo anterior. E nada melhor

    para isso do que analisar o comportamento de um conjunto de variveis

    macroeconmicas.

    Para tanto, o artigo est organizado em trs sees, alm dessa breve introduo.

    Na primeira delas faz-se uma recuperao rpida da poltica econmica e do cenrio

    macroeconmico herdado pelo Governo Lula. A segunda seo discute os principais

    instrumentos de poltica econmica adotados durante o perodo 2003-2010 e seus

    principais resultados. Finalmente, a terceira seo apresenta as consideraes gerais e as

    perspectivas para o prximo perodo.

    1 A POLTICA ECONMICA HERDADA PELO GOVERNO LULA

    O iderio neoliberal reinante em todos os continentes ganha mais fora na

    agenda poltica brasileira e assume contornos concretos em 1995, quando FHC assume

  • a presidncia do Brasil. A partir de ento o movimento poltico-ideolgico antes

    referido se instaura na vida econmica e poltica nacional. O Governo FHC, que durante

    a campanha eleitoral de 1994 havia prometido retirar o pas de sua condio

    subdesenvolvida, na verdade terminou seu segundo mandato no ano de 2002 em uma

    grande crise.

    O Plano Real implantado em Julho de 1994 contm o suporte bsico de toda

    poltica macroeconmica adotada pelo Governo FHC no perodo entre 1995 e 2002.

    Devido restrio de espao no vamos discutir aqui o conjunto de medidas que fazem

    parte do referido plano. Apenas vamos detalhar os principais aspectos que dizem

    respeito ao processo de continuidades com o qual a carta de LULA anteriormente

    mencionada faz referncias, bem como alguns resultados do desempenho

    macroeconmico das polticas adotadas, que mergulharam o pas a uma grave crise

    econmica, particularmente nos dois anos que antecederam s eleies gerais de 2002.

    Na esfera econmica buscou-se recuperar o crescimento econmico atravs da

    adoo de um cardpio de polticas de ajuste estrutural ancorado em quatro pilares

    bsicos: na desregulamentao bancria e financeira; na liberalizao comercial, com

    ampla abertura da economia do pas aos produtos e bens do exterior; na estabilizao

    dos preos, via poltica cambial fixa; e na reduo da participao do Estado na

    economia, atravs de um vultoso programa de privatizao de empresas estatais.

    Essas polticas se mostraram adequadas aos seus propsitos at 1997 quando

    uma nova crise se instaurou tendo como epicentro os pases asiticos. Neste caso,

    observaram-se fortes movimentos especulativos em vrias praas financeiras,

    culminando em fuga de capitais, particularmente nos pases em desenvolvimento. Este

    fato abalou os mercados globais e afetou negativamente o cenrio internacional

    favorvel do incio da dcada de 1990.

    Desta forma, os ataques especulativos contra as moedas locais foraram a

    adoo, por parte de vrios pases, de uma poltica cambial flexvel. Assim, Brasil

    (1999), Chile (1999), Rssia (1998) e Argentina (2001) flexibilizaram o cmbio visando

    evitar retrao do crescimento e fuga dos investidores externos, bem como

    desequilbrios no Balano de Pagamentos. Particularmente no Brasil, em Janeiro de

    1999 troca-se o modelo de cmbio fixo pelo regime flutuante, alm de serem adotadas

    as metas de supervit primrio para a esfera fiscal, como forma de afastar temores sobre

  • a capacidade do pas de honrar seus compromissos e, ao mesmo tempo, garantir a

    continuidade dos investimentos externos necessrios retomada do crescimento

    econmico.

    Neste sentido, importante observar que a poltica econmica do Governo FHC

    foi um pouco diferente em seus dois mandatos. No primeiro, o governo esbanjou

    recursos, provocando um substancial dficit fiscal, alm de acumular US$ 100 bilhes

    de dficit em contas correntes, levando o pas a um estado de solvncia (quebra) s

    vsperas das eleies de 1998. Diante disso, volta-se estratgica clssica do socorro

    ao FMI, o qual emprestou, antes do processo eleitoral daquele ano, US$ 41 bilhes, cuja

    conta chegou j no incio do segundo mandato (Janeiro de 1999). Como as reservas do

    pas se esgotaram rapidamente, o mercado imps a desvalorizao do real,

    provocando mudanas na lgica em curso at aquele ano. Atendendo ao FMI, que

    passou a exigir um maior controle fiscal, aprovou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal e

    adotou-se o sistema de metas inflacionrias e de cmbio flutuante.

    Uma das principais conseqncias dessa poltica macroeconmica adotada

    durante todo Governo FHC que o Estado brasileiro passou a ficar refm do capital

    especulativo nacional e internacional, o qual se alimentava com as elevadas taxas de

    juros (as maiores do mundo) praticadas pelo pas. Com isso, essa opo poltica acabou

    gerando as condies necessrias para que ocorresse uma hegemonia do capital

    financeiro sobre a economia brasileira.

    Dentre os principais problemas desse perodo destacam-se: desequilbrios das

    contas governamentais (no perodo entre 1994-2002 houve uma inverso da ordem de

    US$ 17 bilhes na balana comercial, registrando um dficit anual mdio superior a

    US$ 2 bilhes e provocando um dficit anual mdio ao redor de US$ 25 bilhes,

    totalizando um acumulado nos oito anos de cerca de US$ 200 bilhes); elevao enorme

    das dvidas interna (no perodo FHC passou de R$ 70 bilhes para R$ 892 bilhes) e

    externa (atingiu R$ 250 bilhes no ano de 2002) devido ao elevado peso do pagamento

    dos juros (custo mdio anual de R$ 100 bilhes); dvida lquida do setor pblico

    (cresceu de 30,4% do PIB em 1994 para 58,6% em 2002); baixssimo crescimento do

    PIB; elevao do desemprego (cresceu de 4,8% em 1994 para 8,3% em 2002); reduo

    do poder de compra do salrio mnimo (caiu de US$ 110 em 1995 para US$ 80 em

    2002).

  • Paralelamente a esse movimento na economia, o Governo FHC atuou fortemente

    tambm na esfera poltica. Neste caso, foi intensificado o processo de privatizao das

    empresas estatais, smbolo do ltimo perodo de prosperidade vivido pelo pas (dcada

    de 1970), alm da reforma do Estado, processo que extinguiu muitos dos instrumentos

    necessrios para implementar um modelo de desenvolvimento que o pas requeria.

    Foi neste contexto que LULA venceu as eleies em 2002, com a promessa de

    implantar um novo modelo de desenvolvimento para o pas. Para atingir tal objetivo,

    desde o incio o Governo Lula teve que lidar com um duplo desafio: por um lado,

    reconstruir o caminho herdado pelas amarras da onda neoliberal e, por outro, conviver

    com uma situao de instabilidade e vulnerabilidade provocada pela expanso sem

    limites do capital financeiro.

    2 A POLTICA ECONMICA DURANTE O GOVERNO LULA

    Por englobar um perodo relativamente longo (oito anos), este texto no se

    deter sobre detalhes especficos de uma determinada fase, especialmente nos

    momentos de crise quando instrumentos de poltica macroeconmica so revistos. A

    idia geral aqui apresentar a linha mestra da poltica econmica do Governo Lula e, na

    seqncia, discutir alguns de seus principais resultados.

    2.1 Estratgias e Polticas adotadas

    De uma maneira geral, pode-se dizer que a estratgia e, conseqentemente as

    polticas econmicas adotadas, est atrelada dinmica de cada um dos dois mandatos

    do governo Lula. E este fato no deixa de guardar relaes com as prprias equipes que

    comandaram a rea econmica do governo. Assim, deve-se lembrar que durante o

    primeiro mandato, alm do Banco Central (BC), outros importantes setores da estrutura

    governamental estavam ocupados por pessoas-chave fortemente atreladas aos princpios

    ortodoxos convencionais. Neste caso, destaca-se a prpria secretaria de poltica

    econmica do Ministrio da Fazenda, a quem cabia orientar as grandes linhas polticas

    do governo na rea econmica.

  • Esta composio, no esqueamos, tinha como comandante chefe o Ministro da

    Fazenda Antnio Palocci, que havia coordenado a campanha eleitoral de LULA e

    articulado junto aos setores financeiro e empresarial a carta de compromissos antes

    mencionada. Este, ao ser questionando aps as primeiras medidas anunciadas,

    justificou-se da seguinte maneira: o governo no pode fazer um cavalo-de-pau em um

    transatlntico em movimento, o que sugeria que no seria feita nenhuma manobra na

    rota da poltica econmica em curso.

    Este fato se concretizou ainda no primeiro ano do primeiro mandato do Governo

    Lula com o lanamento do documento produzido pela Secretaria de Poltica Econmica

    do Ministrio da Fazenda intitulado Poltica Econmica e Reformas Estruturais5. Nele

    assume-se que o melhor caminho para a retomada do crescimento econmico seria

    aprofundar as linhas mestras da poltica anterior, fazendo pequenos ajustes e dando

    maior consistncia a mesma. Alm disso, reivindicava-se que esses aspectos deveriam

    ser prioridade na agenda econmica do pas.

    Com isso, fica evidente que a poltica econmica no incio do Governo Lula no

    somente uma continuidade como tambm uma tentativa de aprofundar o uso dos

    mecanismos ortodoxos oriundos da filosofia macroeconmica neoliberal, a qual

    encontra guarida no Fundo Monetrio Internacional, Banco Mundial, bem como na

    prpria Federao dos Bancos Brasileiros (Febraban), entidades que clamavam por

    reformas institucionais durante as crises ocorridas entre os anos de 1999 e 2002.

    No esquecendo o clamor dessas organizaes, no primeiro momento o governo

    aposta todas as suas fichas em trs reformas: da previdncia, tributria e monetria,

    particularmente na definio da autonomia do Banco Central. Neste caso, no se deve

    esquecer tambm que todas essas propostas faziam parte da carta de compromissos do

    Governo FHC com o FMI assinada em Agosto de 2002 (auge da crise), a qual foi

    renovada pelo Governo Lula em Fevereiro de 2003. Assim, fica mais fcil de entender

    porque o transatlntico no podia mudar de rota, segundo a concepo palocciana.

    A reforma previdenciria, visando atender aos ditames dos organismos

    multilaterais, previa uma desresponsabilizao do Estado em relao ao funcionalismo

    pblico, abrindo espao para os planos de previdncia privada. Neste sentido, essa

    5 Este documento encontrava-se disponvel at recentemente em www.fazenda.gov.br

  • proposta era claramente excludente e sem qualquer possibilidade de equacionar a

    sustentabilidade financeira do sistema de previdncia social no longo prazo. Registre-se

    que essa proposta foi parcialmente aprovada, sendo que ao longo de todo o perodo do

    Governo Lula o assunto no foi solucionado adequadamente.

    J a proposta de reforma tributria estava contaminada pelo argumento

    neoliberal da necessidade da desonerao da produo, o qual esconde o verdadeiro

    problema: a manuteno de estruturas tributrias desiguais. Este o discurso dominante

    no seio do grande empresariado nacional, explicitado por diversas organizaes. Mas

    essa questo tambm diz respeito ao iderio da racionalizao dos gastos

    governamentais e a gerao de grandes supervits comerciais e fiscais. Acreditava-se,

    com isso, que melhorias na capacidade de gasto do governo seriam essenciais para

    recuperar a confiana junto aos investidores internos e, sobretudo, externos.

    Finalmente, a questo da independncia do BC foi colocada no centro da agenda

    da reforma monetria. Como restou ao programa de estabilidade apenas o manuseio das

    taxas de juros, optou-se por dar autonomia (antiga reivindicao dos mercados

    financeiros) ao BC para arbitrar o controle inflacionrio do pas. Com isso, transfere-se

    autoridade monetria o poder de definir as metas de inflao e a conseqente taxa

    de juros, bem como definir a taxa de cmbio. Desta forma, nota-se que o iderio da

    independncia do BC que na prtica significa atrel-lo aos interesses das foras de

    mercado retirou do conjunto do governo e, particularmente, do Presidente da

    Repblica, o poder de definir soberanamente os destinos da poltica econmica do pas.

    E isso ficou evidente em vrias passagens quando o Presidente desejava uma reduo

    das taxas de juros, mas o BC a elevava. Essas contradies sero melhor visualizadas

    quando analisarmos o comportamento das taxas de juros em todo perodo considerado.

    Parte desta estratgia de poltica econmica comeou a mudar a partir de 2005-

    2006, quando o Ministro Palocci e alguns de seus principais auxiliares de convices

    mais ortodoxas deixaram a equipe econmica do Governo Lula, ganhando maior

    consistncia em 2007 com a implantao do Programa de Acelerao do Crescimento

    (PAC). Agora sob o comando de uma equipe econmica mais identificada com o

    crescimento da demanda interna e aproveitando as condies internas e externas

    favorveis, adotaram-se alguns instrumentos de poltica econmica mais flexveis no

  • sentido de impulsionar o consumo, ainda que as principais linhas bsicas da poltica do

    perodo anterior permanecessem em voga.

    Com isso, nota-se que se inicia uma lenta recuperao da capacidade estatal de

    interferir na dinmica econmica, particularmente no que diz respeito aos

    investimentos. Trata-se, portanto, de uma tentativa de poltica econmica de retomar o

    iderio do desenvolvimento, porm sem quebrar o processo de acumulao de capital a

    partir da lgica das finanas. A manuteno tambm neste perodo de taxas de juros

    em patamares elevados comparativamente ao mercado global apenas mais um

    indicativo que a poltica de crescimento econmico que poderia levar conformao de

    um modelo de desenvolvimento sustentado ainda no est no centro da estratgia global

    do pas, uma vez que continua refm dos interesses do sistema financeiro.

    Em sntese, podemos dividir a poltica econmica do Governo Lula em duas

    fases. A primeira delas, que cobre praticamente todo primeiro mandato (2003-2006),

    marcada pelo aprofundamento da agenda neoliberal, dando a essas polticas um carter

    ortodoxo conservador. A segunda fase, que denominaremos de liberal-

    desenvolvimentista e que cobre todo segundo mandato (2007-2010), marcada por uma

    interveno mais forte do Estado na economia, recuperando sua capacidade de

    investimento, alm de orientar os investimentos privados no sentido de ampliar a

    infraestrutura bsica do pas. Mesmo assim, o comando da poltica econmica ainda

    continuou refm do mercado financeiro. Para isso, em muito contribuiu a ao do BC

    que, ao invs de atuar decisivamente na implantao de uma estratgia consistente e

    sustentvel de autodefesa dos interesses do pas, permaneceu refm dos interesses do

    mercado financeiro nacional e internacional.

    2.2 Alguns indicadores de desempenho da poltica econmica no perodo

    Levando-se em considerao as caractersticas da poltica econmica

    anteriormente mencionadas, torna-se necessrio lanar luz sobre uma relevante questo:

    se a estratgia do Governo Lula, particularmente no primeiro perodo, seguiu a linha

    mestra da poltica econmica do governo anterior, o que explicaria ento o ciclo

    expansivo que se observou aps 2003?

  • Uma das explicaes consistentes para esse fenmeno est conectada aos

    movimentos da economia global, ou seja, explica-se o fato pela tica externa da

    economia, com implicaes diretas sobre a dinmica interna do pas. Assim, verifica-se

    que entre 2003 e meados de 2008 ocorreu uma conjuntura internacional amplamente

    favorvel, tanto em termos de transaes comerciais como em relao ao fluxo de

    investimentos e disponibilidade de crdito.

    Grande parte desse movimento esteve condicionado pelo processo de expanso

    das duas maiores economias mundiais, destacando-se o forte crescimento da economia

    chinesa. Com uma demanda em expanso, a China ampliou enormemente suas taxas de

    investimento, transformando-se no pas com as maiores taxas de crescimento do PIB.

    Para isso, passou a demandar mais commodities no mercado internacional,

    especialmente as de origem agroindustrial. Com isso, desencadeou-se um processo

    correlato sobre os preos desses produtos, que entraram em rota ascendente e

    favoreceram os pases com participao neste mercado especfico.

    O Brasil, particularmente, se aproveitou desse momento de expanso da

    economia mundial e conseguiu obter saldos expressivos na balana comercial em todo o

    perodo, processo este puxado mais pela elevao dos preos do que pela expanso do

    quantum exportado. De qualquer forma, os resultados mostravam um saldo comercial

    favorvel da ordem de R$ 24 bilhes em 2003, o qual passou para R$ mais de 46

    bilhes em 2007. Com a crise de 2008 e 2009 houve uma forte retrao desses saldos,

    conforme grfico I. De qualquer forma, esse foi o fator determinante para o equilbrio

    externo da economia brasileira.

    Em grande medida, essa ampliao das exportaes ocorreu atravs do aumento

    das commodities agroindustriais no quantum exportador, destacando-se a soja, carnes,

    acar, suco de laranja, etc. Isso reposicionou internamente, inclusive, o setor do

    agronegcio, que acabou tendo um papel de destaque no Governo Lula. Assim, pode-se

    dizer que o aumento das exportaes, alm de gerar os dlares necessrios ao ajuste das

    contas externas, transformou-se em uma fonte de crescimento da produo e do

    emprego domstico em diversos setores de atividade.

  • Grfico I Evoluo da Balana Comercial no Governo Lula (FOB, em milhes de

    U$$):

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    40

    45

    50

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Saldo da Balana Comercial (FOB, em US$)

    Fonte: Banco Central do Brasil, 2010.

    Todavia, sabemos que esta estratgia apresenta srias limitaes,

    particularmente em perodos de crises econmicas, como a que se abateu sobre a

    economia mundial a partir de 2008. Neste caso, pases que apresentam baixo grau de

    competitividade e que tm suas pautas de exportaes baseadas em commodities com

    pouco valor agregado, como foi o caso brasileiro, so os mais afetados. Assim, quando

    os termos de troca tornam-se desfavorveis a essa pauta de exportaes, os efeitos sobre

    a balana comercial passam a ser imediatos. Esse aspecto j est presente na balana

    comercial do pas a partir de 2009.

    Esse movimento das exportaes at 2008 atuou decisivamente no sentido de

    elevar as reservas internacionais e, com isso, permitir um ajuste externo da economia

    brasileira, com a dvida externa do setor pblico sendo zerada ainda no ano de 2007, ou

    seja, de uma taxa dessa dvida de quase 15% do PIB em 2003, atingiu-se um saldo

    positivo recentemente, com o Brasil emprestando, inclusive, recursos ao prprio FMI

    nos anos de 2008 e 2009.

    Mas esse processo de ajuste est tambm relacionado estratgia interna que

    durante todo o Governo Lula esteve voltada ao controle inflacionrio, uma vez que o

  • governo atual entendia ser esta a principal premissa para a governabilidade6. Esse

    controle inflacionrio foi obtido atravs de um ajuste fiscal rigoroso, principalmente no

    primeiro mandato, e de manuseio consistente da taxa de juros, ambos instrumentos de

    poltica econmica com efeitos sobre a dinmica interna da economia brasileira.

    Do ponto de vista fiscal, as negociaes do Governo Lula com o FMI (incio de

    2003) resultaram em elevaes das metas do supervit primrio7. Com isso, a meta de

    inflao, que em 2002 era de 3,5%, passou para 4% em 2003 e 5,5% em 2004,

    retornando ao patamar de 4,5% a partir de 2005. Esses ajustes se devem ao fato que o

    governo no estava conseguindo cumprir as metas, fato j iniciado ainda em 2001, ou

    seja, entre 2001 e 2004 o regime de metas inflacionrias no correspondeu aos acordos

    com autoridades monetrias internacionais.

    Paralelamente ao arrocho fiscal, via metas elevadas de supervit primrio, o

    sucesso no controle inflacionrio tambm pode ser creditado ao controle de preos

    exercido pela poltica monetria, cuja varivel de ajuste se resumiu a taxa de juros.

    Essas taxas de juros foram expansivas durante praticamente todo primeiro mandato do

    Governo Lula, sofrendo uma inflexo a partir de 2006 para novamente se tornar

    ascendente a partir da crise financeira de 2008-2009, conforme pode ser observado no

    grfico II.

    A taxa bsica de juros da economia brasileira, a taxa SELIC, fixada pelo

    Comit de Poltica Monetria (COPOM), rgo do Banco Central. Essa taxa definida

    pela autoridade monetria crucial, uma vez que a partir dela so definidas outras taxas

    de juros relativas aos diversos tipos de financiamento (consumo interno e

    endividamento das famlias) e de operaes financeiras (aplicaes em atividades

    produtivas ou em ativos financeiros). Essa taxa mantm tambm uma relao com as

    contas externas do pas: resultados deficitrios em transaes correntes so

    normalmente revertidos com a elevao dos juros visando atrair capitais, processo este

    controverso, uma vez que capitais de curto prazo podem acabar agravando o dficit

    devido volatilidade dos mesmos.

    6 Essa uma premissa fortemente condicionada pela abordagem ortodoxa que pressupe que desajustes

    fiscais geram dvidas sobre a capacidade de pagamento do governo, as quais estimulam a fuga de capitais

    e, conseqentemente, geram a crise do balano de pagamento. Para tanto, a sada reforar o ajuste fiscal,

    elevando o supervit primrio. 7 Receitas menos despesas do governo, excetuando-se o pagamento dos juros da dvida pblica.

  • Grfico II Evoluo da Taxa de Juros SELIC no Governo Lula (em %):

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    14

    16

    18

    20

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Taxa de juros - Selic - fixada pelo Copom - (% a.a.) -

    Fonte: Banco Central do Brasil, 2010.

    Nesta lgica, nota-se que durante todo o perodo do governo Lula essa taxa

    alternou diferentes movimentos. Entre 2003 e 2005 manteve uma trajetria crescente

    atingindo 18% no final do ltimo ano. Esse movimento aceleracionista da taxa de juros

    est associado ao processo de expanso da economia que gerava presses de preos.

    Para manter esses preos dentro do regime de metas, a poltica de juros passou a ser

    extremamente rgida. Como isso se gerou efeitos negativos sobre as atividades

    econmicas. Alm disso, verifica-se que entre 2006 e 2007 houve uma reduo

    expressiva, com as taxas se situando no patamar de 11%, para no ano seguinte se elevar

    para 13,75%. Aqui novamente o movimento de preos, associado necessidade de

    ajustes externos, fez com que as autoridades monetrias mantivessem a taxa bsica em

    patamares elevados. Como os efeitos da crise global afetaram o desempenho do lado

    real da economia a partir do segundo semestre de 2008, a taxa Selic entrou em uma rota

    descendente em 2009, passando para 8,75%, o menor patamar desde 1999 quando o

    regime de metas foi implantado. Como a economia reagiu rapidamente aos estmulos

    governamentais durante a crise (elevao de crdito e expanso da demanda interna),

    projetando uma elevao do crescimento econmico para o ano de 2010, o COPOM,

    mantendo o princpio de que altas taxas de crescimento econmico repercutem

    negativamente sobre o ndice de preos e que estes s podem ser controlados mediante

  • expanso da taxa de juros, mais uma vez elevou a taxa bsica para um patamar de

    10,75%.

    Obviamente que esse movimento da taxa bsica de juros teve efeitos imediatos

    sobre o controle inflacionrio, prioridade nmero 1 do governo atual, conforme

    mostramos anteriormente. Assim, a inflao caiu de um patamar de 9%, em 2003, para

    prximo de 4%, em 2009, sendo que a partir de 2006 as taxas de inflao atenderam

    rigorosamente o regime de metas, ficando dentro dos limites estabelecidos. Deve-se

    registrar, todavia, que esse comportamento da taxa de juros tambm provoca alguns

    efeitos correlatos.

    Por um lado, atua favoravelmente no sentido de atrair capitais para o pas, tanto

    em termos de Investimento Direto Externo (IDE) como de investimentos em carteiras.

    De fato, entre os anos de 2005 e 2008 nota-se uma forte expanso do IDE, sendo que no

    ltimo ano esses investimentos atingiram a cifra de R$ 45 bilhes. Num primeiro

    momento esse fato poderia ser interpretado como sendo extremamente positivo, porm

    diante das circunstncias especficas do pas8, de se supor que em momentos de

    agravamento da conjuntura financeira internacional a vulnerabilidade econmica

    brasileira ficasse mais exposta9.

    Por outro lado, a taxa de juros tambm um elemento decisivo para a expanso

    das atividades produtivas internas, tendo em vista sua incidncia sobre os custos do

    crdito destinado produo. Neste caso, o grfico III mostra comportamento do PIB ao

    longo de todo o Governo Lula, destacando que a economia brasileira apresentou um

    movimento na forma clssica do stop-and-go, alternando pequenos ciclos de

    crescimento, com redues expressivas na seqncia. Isso fez com que o pas se situasse

    entre aqueles com as menores taxas mdias de crescimento em toda a Amrica Latina

    no primeiro decnio do Sculo XXI.

    8 Deve-se lembrar que a partir do momento que a liberalizao econmica passou a ser a regra (Governos

    Collor e FHC), o Brasil afrouxou os controles sobre os fluxos financeiros e de capitais, ficando sujeito aos

    movimentos especulativos e ao humor do mercado internacional. Essa poltica facilita a fuga de capitais

    durante momentos de pnicos ou crises, alm de contribuir para gerar instabilidade cambial. 9 Essa vulnerabilidade externa pode ser combatida com o aumento de ativos com liquidez internacional

    (reservas), combinadas com polticas econmicas domsticas que protejam a moeda nacional frente aos

    ataques especulativos. Registre-se que esse aspecto melhorou bastante no segundo mandato, sendo que

    em 2009 as reservas externas do pas ultrapassaram o patamar de US$ 200 bilhes, definitivamente uma

    marca histrica.

  • Esse movimento stop-and-go pode ser explicado pela tica externa

    crescimento interno muito dependente da conjuntura econmica internacional,

    especialmente quando ocorre aumento na demanda de commodities e pela tica

    interna expanso do crdito domstico com o objetivo de aumentar a produo e o

    consumo, como foi o caso da poltica econmica anticclica adotada para enfrentar a

    crise financeira global, e controle rgido da inflao, via uma poltica monetria

    restritiva, com elevao das taxas de juros.

    Grfico III Evoluo da Taxa de Crescimento do PIB no Governo Lula:

    -2

    -1

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    PIB - deflator implcito - var. anual - (% a.a.)

    Fonte: Banco Central do Brasil, 2010.

    Finalmente, uma implicao nada desprezvel o grande impacto da taxa de

    juros sobre a dvida pblica lquida (Grfico IV), que a soma de tudo aquilo que o

    conjunto dos rgos do Estado brasileiro (governo federal, estados, municpios e

    empresas estatais) deve. A origem dessa dvida diz respeito : financiamento de novos

    gastos pblicos em bens e servios em qualquer nvel de governo; gastos com juros

    sobre as dvidas contradas em perodos anteriores; e gastos do governo central com a

    poltica econmica (monetria e cambial).

    Aps a estabilidade econmica (Plano Real) ocorreu um crescimento enorme da

    dvida pblica lquida, sendo que o fator impulsionador desse crescimento no foi os

    novos investimentos pblicos, mas sim as taxas de juros e os custos da poltica

    monetria e cambial. O crescimento da dvida interna ocorre porque, com a moeda

  • sobrevalorizada, o pas passou a apresentar grandes dficits, principalmente nas

    transaes correntes, que incluem pagamento de juros e servios e as remessas de lucros

    para o exterior. Para equilibrar as contas, buscou-se atrair capitais atravs de taxas de

    juros altssimas, criando-se um crculo vicioso que faz a dvida interna lquida atingir

    valores absolutos espantosos.

    Grfico IV Evoluo da Dvida Lquida do Setor Pblico no Governo Lula (em

    milhes de R$):

    0

    200

    400

    600

    800

    1000

    1200

    1400

    1600

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

    Dvida lquida do Setor Pblico (em milhes de R$)

    Fonte: Banco Central do Brasil, 2010.

    Como o controle inflacionrio prioridade do governo e est todo assentado no

    manuseio da taxa de juros, seus reflexos so cada vez maiores sobre o endividamento

    pblico. Neste sentido, observa-se que a dvida lquida iniciou sua escalada vertiginosa

    aps 1994, ano que se situava em R$ 70 bilhes. Em 1999 essa dvida passou para R$

    400 bilhes e em 2002 atingiu R$ 892 bilhes. J no ltimo ms de Agosto de 2010

    atingiu R$ 1 trilho e 400 bilhes, sendo que o governo gasta atualmente, em mdia, R$

    150 bilhes ao ano com pagamentos de juros dessa dvida. Assim, quanto maior a taxa

    de juros maior ser esse montante anual de gasto com amortizaes.

    Aqui est uma questo essencial quando discutimos as duas dvidas, a externa e

    a interna. A dvida externa at antes de ser liquidada tinha uma taxa de juros que no

    passava de 2%, enquanto a dvida interna regulada pela taxa SELIC. Esta remunerou

    extraordinariamente os detentores dos ttulos da dvida pblica, conforme podemos

  • verificar ao analisar o movimento dessa taxa durante o Governo Lula, fato comum

    tambm durante o Governo FHC. Como a amortizao dessa dvida exige quantias

    anuais elevadas, o governo acaba tendo que cortar gastos que poderiam ser direcionados

    para reas essenciais, como sade, saneamento, habitao, educao e infraestrutura.

    Mesmo com todas essas contradies resultantes dos instrumentos de poltica

    econmica, o gasto social no Governo Lula aumentou consideravelmente at a crise de

    2008-2009. De uma maneira geral, nota-se que esse gasto passou de 11.9% do PIB, em

    2002, para 13.45%, em 2008. Em grande medida, essa expanso se deve ao fato de que

    o governo efetivamente priorizou o combate pobreza, atravs de programas

    focalizados de transferncia de renda, com destaque para o Bolsa Famlia, que

    atualmente est atendendo mais de 12 milhes de famlias qualificadas como pobres.

    Registre-se que nas negociaes com o FMI em 2003 o Governo Lula introduziu

    algumas condicionalidades sociais, visando diminuir restries fiscais no sentido de

    propiciar condies para atender algumas das metas sociais de seu plano de governo. Na

    verdade, esta posio no nova nas negociaes, uma vez que o FMI vem atendendo a

    esses pleitos desde 1999, quando ocorreu a negociao com pases asiticos afetadas

    pela crise econmica que se abateu sobre aquela regio.

    3 CONSIDERAES FINAIS E PERSPECTIVAS PARA O PRXIMO

    PERODO

    A anlise da poltica econmica do Governo Lula, conforme afirmamos no

    incio deste texto, no pode ser feita desconectada de uma contradio central: por um

    lado, logo aps eleito Lula afirmava que o povo queria um outro modelo econmico e

    social capaz de gerar crescimento e emprego e distribuir melhor a renda e, por outro,

    assumia o compromisso de manter a estabilidade macroeconmica do pas, que foi

    atingida atravs de uma poltica exorbitante das taxas de juros.

    Do ponto de vista do emprego, observa-se uma grande mudana no perodo do

    Governo Lula em relao ao governo anterior. Neste caso, houve uma inverso no

    mercado de trabalho, com os postos formais de trabalho atingindo, no ano de 2009, 52%

  • da Populao Economicamente Ativa (PEA), percentual que se situava em 44% no ano

    de 2001. Com isso, estima-se que ao longo dos oito anos do Governo Lula foram

    criados mais de 12 milhes de empregos formais, destacando-se o grande desempenho

    do mercado formal de trabalho entre os anos de 2005 e 2008, quando foram criados, em

    mdia, 1,5 milhes desse tipo de emprego por ano.

    Esse movimento do mercado de trabalho gerou efeitos correlatos sobre o

    comportamento dos salrios, particularmente do salrio mnimo, que tiveram ganhos

    reais durante todo perodo. Por ainda ser um preo monetrio balizador da taxa real de

    salrios na economia, esse crescimento real do salrio mnimo desencadeou efeitos

    positivos sobre a participao dos salrios na renda nacional, com uma evoluo de

    0,400, em 2002, para 0,425, em 2007.

    Esse avano na participao dos salrios sobre a renda nacional teve tambm um

    efeito auxiliar no sentido de reduzir a desigualdade de renda do pas. Com isso, verifica-

    se que entre 2002 e 2009 houve uma efetiva reduo da desigualdade de renda, com o

    ndice de Gini caindo de 0,59 para 0,54. Essa queda da desigualdade da renda deve-se,

    fundamentalmente, a maior desconcentrao da renda do trabalho e aos efeitos das

    transferncias pblicas de renda (aposentadorias, penses, bolsa Famlia e programa de

    benefcio de prestao continuada). Apesar disso, no devemos esquecer que o Brasil

    ainda situa entre os pases com a maior desigualdade de renda no mundo.

    J do ponto do crescimento econmico o desempenho do Governo Lula poderia

    ter sido melhor, considerando-se o cenrio mundial amplamente favorvel, conforme

    mencionado anteriormente. De qualquer forma, nota-se que ao longo dos oito anos do

    ltimo governo a economia brasileira apresentou um crescimento mdio anual de

    3,46%. Se compararmos esse percentual mdio com aquele apresentado pelos oito anos

    do Governo FHC (2,4%), o resultado bastante favorvel ao Governo Lula. Todavia,

    esses percentuais situam o Brasil entre os pases com as menores taxas mdias de

    crescimento do PIB dentre todos os pases da Amrica Latina no primeiro decnio do

    Sculo XXI.

    Mas esse desempenho poderia ter sido ainda pior, caso as medidas de poltica

    econmica adotadas aps a crise de 2008 no tivessem gerados alguns efeitos positivos.

    Dentre essas polticas, destacam-se a interveno governamental, via bancos pblicos,

    na esfera creditcia, no sentido de financiar o setor produtivo privado nacional, bem

  • como o consumo das famlias, como forma de sustentar a demanda agregada; e a ao

    da poltica monetria, tanto em termos da reduo das taxas de juros como na

    liberalizao dos depsitos compulsrios que antes eram recolhidos ao BC, evitando-se

    movimentos especulativos sobre a situao de liquidez do sistema financeiro do pas.

    Mas as medidas anticclicas mais efetivas ocorreram na esfera fiscal, quando o governo

    decidiu manter seus gastos, especialmente no Programa de Acelerao do Crescimento

    (PAC) e nas transferncias de renda, inclusive aumentando os atendimentos do

    programa bolsa famlia; bem como reduzir tributos indiretos em vrios setores.

    Essas aes de poltica econmica fizeram com que o Brasil fosse um dos

    pases emergentes menos afetado pela crise financeira global. Mas isso no significa

    que no existem problemas e correes necessrias. Neste sentido, alguns desafios

    permanecem na ordem do dia para o prximo governo. Dentre eles, destacam-se:

    a)Setor Externo: por um lado, torna-se necessrio reduzir a volatilidade da taxa

    de cmbio como formar de estimular as exportaes e reverter a tendncia forte de

    queda da balana comercial observada aps o incio da crise de 2008-2009 e, por outro,

    fundamental reverter tambm a tendncia atual da composio da pauta de

    exportaes que ainda tem participao expressiva de produtos primrios e com baixo

    valor agregado;

    b)Poltica de Investimento Produtivo: necessrio estimular os investimentos

    (pblicos e privados) no sentido de elevar a taxa de investimento da economia brasileira

    que se situa num patamar muito baixo (ao redor de 17% do PIB) comparativamente a

    outros pases (na Coria do Sul essa taxa supera 40%);

    c)Reduo consistente da taxa de juros: urgente e necessrio diminuir as

    diferenas entre as taxas de juros praticadas internamente e as taxas do mercado

    internacional, evitando-se com isso o crescimento explosivo da dvida lquida do setor

    pblico e suas conseqncias deletrias sobre as finanas pblicas;

    d)Manter e ampliar um plano de investimento em infraestrutura bsica (energia,

    transportes pblicos, habitao e saneamento), como forma de fazer frente ao

    crescimento econmico e ao desenvolvimento social;

    e)Melhorar a eficincia do gasto pblico, como forma de reduzir as

    desigualdades sociais e regionais.

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