Memoria Declarativa _ Sono

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  • 8/15/2019 Memoria Declarativa _ Sono

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    Alterações do Sono e da Memória na Apnéia Obstrutiva do Sono

    Tradução do artigo “Sleep Abnormalities and Memory Alterations in Obstructive Sleep Apnea”

    publicado no periódico Sleep Science (Sleep Sci. 2012;5(1):14-18 ) pelos autores Camila Andrade

    Mendes Medeiros, Pedro Felipe Carvalhedo de Bruin, Luciane Ponte e Silva, Wesley de Menezes

    Coutinho e Veralice Meireles Sales de Bruin.

    Tradução resumida e adaptação realizada pela Dra. Danielle Louise Sposito Bourreau,

    coordenadora do Centro Internacional da Dor Professor Roberto Maciel da Faculdade de

    Odontologia SL Mandic – Itapetininga e do Orocentro Estudos da Dor.

    O sono é reconhecido como um estado fisiológico que realiza uma função reparadoraessencial e facilita a aprendizagem e a consolidação da memória (1). A apnéia obstrutiva do sono(AOS) é uma desordem comum, associada à hipertensão arterial, obesidade, aumento do risco paradoenças vasculares, depressão e uma sonolência diurna excessiva. Além disso, a AOS está associadaa um variável espectro de anormalidades do sono e tem sido previamente ligada à memória e àaprendizagem leve a moderada (2-4). É demonstrado que a memória está prejudicada em pacientes

    com AOS em comparação com indivíduos saudáveis (5). No entanto, os mecanismos subjacentes aessas alterações cognitivas e psicológicas ainda são desconhecidos. A memória é uma tarefamultifacetada e diversos testes de memória podem render conclusões distintas. Também, alteraçõesespecíficas do sono, tais como a mudança de sua arquitetura, despertares e dessaturação deoxigênio podem exercer influências diferentes na função cognitiva.

    Mudanças estruturais cerebrais relatadas em indivíduos com AOS apoiam a ligação entrealterações do sono e disfunção cognitiva nos pacientes (6-7). Por exemplo, alterações do fluxosanguíneo em algumas regiões específicas do cérebro, encontradas em pacientes com grave AOS,podem explicar, em parte, déficits de memória, aprendizagem espacial, função executiva e atenção.

    Recentemente, um estudo sobre os efeitos do “sono x vigília” nos mecanismos   cerebraismostrou a influência direta do controle homeostático e circadiano na atividade neural (9). Nota-seque, entre os pacientes com AOS, apenas 30% dos casos apresentam déficits de memória em umaprimeira avaliacão (5). Isso pode ter alguma significância dentro do acompanhamento da avaliação daeficácia terapêutica, pois os melhores resultados podem ser verificados quando pacientesdemonstram alterações na função cognitiva.

    Efeitos benéficos da ventilação com pressão positiva (CPAP - “Continuous Positive AirwayPressure”) na aprendizagem e no processo de memória em pacientes com AOS foram demonstrados(10). Uma avaliação da memória antes e depois do sono noturno em pacientes portadores de AOS éapropriada para comparar a performance da memória. Os principais objetivos deste estudo foram

    avaliar os efeitos da AOS na recuperação da memória após uma noite.

    O método deste estudo consistiu em caso-controle de 20 pacientes, de ambos os sexos,encaminhados para polissonografia e, posteriormente, diagnosticados como portadores de AOSmoderada a grave (índice de apnéia/hipopnéia > 15/hora) e 10 indivíduos saudáveis. Os critérios deinclusão foram idade (50 a 75 anos) e o diagnóstico de AOS moderada ou severa. O diagnóstico deapnéia do sono foi confirmado por dois especialistas do sono (médicos pneumologistas). Os critériosde exclusão foram câncer; doenças hepáticas, renais e respiratórias graves; uso prévio do CPAP efalta de vontade para participar da pesquisa. Todos os indivíduos eram livres de qualquer medicaçãoque pudesse afetar o sono ou a cognição e foram orientados a não consumir álcool ou cafeína, 24horas antes ou durante o estudo. Indivíduos assintomáticos com baixo risco para AOS, recrutados da

    comunidade, foram estudados como controles. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética local.

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    Um questionário especialmente elaborado foi utilizado para avaliar os hábitos e ascomorbidades como diabetes tipo 2 e hipertensão arterial sistêmica. Dados demográfico eantropométrico, incluindo a medida quadril-cintura (cm), circunferência do pescoço (cm) e índice demassa corporal (IMC) foram coletados. A sonolência diurna foi avaliada pela “Epworth SleepinessScale” (ESS); o estado de alerta foi avaliado através da “Karolinska Sleepiness Scale” (13); a qualidade

    de sono foi avaliada pelo “Pittsburgh Sleep Quality Index” 

    (PSQI)(14)

    e os sintomas depressivos foramavaliados pelo “Beck Depression Inventory”  (BDI) (15).  Os indivíduos controle foram avaliados pelo“Berlin questionnaire” (11).

    As medidas da qualidade de sono e da sonolência diurna excessiva foram tomadas emrelação aos 30 dias anteriores.

    Uma polissonografia completa foi realizada em todos os pacientes, com gravações das 22:00às 06:00 horas. Além dos questionários, testes de memória foram aplicados das 19:00 às 20:00horas, antes de dormir (sessão de aprendizagem) e das 06:30 às 07:30 horas, após o sono (sessão“recall”). A memória foi avaliada pelo teste “Verbal Paired Associates” (VPA) da “Wechsler Memory

    Scale”)

    (16)

    , antes e após a polissonografia. A memória processual foi avaliada usando o teste delabirinto, que faz parte do “Wechsler Intelligence Scale”, que envolve a capacidade de planejamentovisual e espacial da memória (16).

    Este estudo, comparando a recuperação da memória depois de uma noite sono, mostra quea memória processual, avaliada pelo teste de labirinto, é significativamente prejudicada empacientes com AOS moderada a grave e estas alterações estão correlacionadas com alterações dosono 3 NREM. Estes achados corroboram com a idéia de que o sono saudável promove aconsolidação da memória nova. A memória processual é alterada em indivíduos com insônia (20) e emdoentes com depressão e esquizofrenia (21). No entanto, nesse estudo, uma relação entre asalterações de memória e alterações específicas do sono não foi investigada.

    Os dados indicam que a redução do sono 3 NREM pode produzir anormalidades funcionaiscruciais nos circuitos cerebrais relevantes para a memória.

    Anteriormente, Genzel et al (23), estudando um número pequeno de indivíduos, relataramque a memória declarativa não estava relacionada à quantidade de sono 3 ou sono REM.Curiosamente, os dados deste estudo, em contraste com a diminuição da memória processual comAOS, apresentou memória declarativa semelhante à dos indivíduos controle (21).

    NT: Vale descrever uma importante distinção entre memória explícita, também conhecidacomo declarativa, e memória implícita, também chamada de memória processual. A memóriaexplícita refere-se a fatos e eventos, ao lado de sua percepção consciente de sabê-los: sou ummamífero, hoje é segunda-feira, meu dentista tem sobrancelhas grossas. Já a memória implícita tema ver com habilidades e hábitos, como fazer coisas mesmo sem ter de pensar conscientementenelas: mudar as marchas do carro e andar de bicicleta.

    Este tipo complexo de comportamento e função invariavelmente envolve o córtex frontalem associação com estruturas do diencéfalo. A memória declarativa envolve principalmente ohipocampo, mas estresse e influências emocionais apontam para a evidência de que muitasestruturas tais como o tálamo, o hipotálamo e a amígdala também participam dos processos dememória declarativa.

    Corroborando com os resultados deste estudo, num estudo de pacientes com epilepsia, aavaliação das memórias declarativa e processual mostrou que um aumento da quantidade do sono 3

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    só melhorou a memória processual. Esses pesquisadores mostraram que a melhoria no desempenhoda memória processual e o sono 3 foram correlacionados com baixíssima frequência de atividadehipocampal (24). Essas evidências são muito superficiais considerando a complexidade da função docérebro e da memória.

    Este trabalho, apesar do fato de que a memória declarativa não foi diferente em pacientescom AOS em comparação com o grupo controle, verificou que a memória declarativa ou a subtraçãodos resultados entre a noite e a manhã, foram correlacionados à dessaturação de oxigênio.

    As limitações deste estudo devem ser reconhecidas. Os controles foram avaliados apenascom o questionário de Berlim e deve-se considerar que os indivíduos assintomáticos com uma AOSleve poderiam ter sido detectados. No entanto, achados anormais foram obtidos apenas a partir depacientes com AOS moderada a grave. Assim, neste estudo, as comparações foram obtidas depacientes portadores de AOS moderada a grave e indivíduos com baixo risco de apnéia, leve ouassintomática.

    Em conclusão, mostramos que a consolidação da memória processual está comprometidaem pacientes com AOS, relacionada ao sono 3 NREM. A terapia com o CPAP para a recuperação dosono 3 está estabelecida a fim de melhorar as capacidades de processamento dos pacientes.Estudos posteriores, especialmente usando técnicas de neuroimagem, podem ajudar a identificarestruturas cerebrais específicas envolvidas na perda de memória na AOS.

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    Correspondência: [email protected]