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Praça Visconde de Indaiatuba
Endereço: Praça Visconde de Indaiatuba, s/n
Centro, Campinas.
Classificação: Logradouro.
Identificação numérica: 169-13.019.
A Praça Visconde de Indaiatuba recebeu esse nome oficialmente em 1887 em
homenagem a Joaquim Bonifácio do Amaral, o Visconde de Indaiatuba, fazendeiro
abolicionista e político do Partido Liberal nascido em Campinas em 1815. Tornou-se
conhecido na região por introduzir em sua colônia agrícola o trabalho livre, por ter sido
um dos fundadores do Colégio Culto à Ciência e também por hospedar D. Pedro II em
sua casa (que existe até hoje) em duas visitas do Imperador à Campinas. Localizada
no centro da cidade, a Praça, no entanto, é popularmente conhecida como Largo do
Rosário devido a construção, em 1817, da Igreja Nossa Senhora do Rosário –
demolida em 1956 para o alargamento de vias do centro da cidade. Uma das muitas
transformações urbanísticas que a praça sofreu ao longo dos anos.
Em 1854, a Praça ganhou um projeto paisagístico com a plantação de árvores.
Em 1874, foi instalado um chafariz de bronze. Em 1895, a primeira grande reforma:
são tiradas as antigas árvores, substituídas por um jardim, e são instalados bancos,
calçadas, iluminação a gás e um novo chafariz (retirado em 1931). Em 1911, o piso foi
trocado e os passeios gramados foram substituídos por calçadas portuguesas. Já em
1927, a praça foi reduzida para o alargamento das ruas do entorno. Em 1933, as
árvores da Praça foram cortadas sem aviso prévio à população, o que levou ao
descontentamento geral e nova reformulação em 1934. Na década de 1950, a Igreja
do Rosário foi demolida (sendo reconstruída no Bairro Jardim Chapadão) e as árvores
que ainda restavam foram removidas, pois o novo projeto para a praça previa a
implantação de marquises1.
1 As mudanças que sofreu a Praça foram compiladas do material produzido por Marília Varoni para a EMDEC e da Pesquisa desenvolvida pelos alunos do Programa de Pós-graduação em
Memorial da Resistência de São Paulo
PROGRAMA LUGARES DA MEMÓRIA
2
No espaço ampliado da praça o arquiteto Renato Righetto executaria
um projeto urbanístico considerado moderno para a época. Canteiros
com formas batizadas de "ameboides" e círculos com poucas árvores
compunham o cenário. Um monumento acompanhando a trajetória
da Avenida Campos Salles passou a lembrar a memória dos
fundadores de Campinas. Na altura da General Osório foi instalada
uma marquise, onde manifestantes subiam durante concentrações
políticas2.
Durante a ditadura, em 1971, houve ainda mais uma tentativa de reformular a
Praça, principalmente devido ao uso de suas marquises pelos manifestantes, no
entanto, a reforma não foi adiante. Em 1983 houve mais uma tentativa de
reconstrução da praça, que foi embargada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) do estado de São Paulo,
que alegou “que o Largo do Rosário estaria na área da Catedral Metropolitana de
Campinas. Por esse motivo, nenhuma alteração poderia ser feita sem a autorização da
Catedral”3. Segundo Marília Varoni, a última grande reforma data de 1998, quando as
marquises foram demolidas e a praça foi remodelada, inspirada no projeto de 19344.
Engenharia Civil da UNICAMP no 2º Semestre 2003. Para Varoni, cf: http://www.emdec.com.br/eficiente/sites/portalemdec/pt-br/site.php?secao=noticias&pub=3572 e para a Unicamp, ver: http://www.fec.unicamp.br/~luharris/ic039_2003/. Acessos 31 jul. 2017. 2 MARTINS, José Pedro. Largo do Rosário, o palco da cidadania. Correio Popular, Campinas, 14 jul. 2002. 3 VARONI, Marília. Largo do Rosário, uma praça em constante transformação. Portal Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas. Campinas, 07 de maio de 2010. 4 Idem.
Imagens 01, 02 e 03: Registros das transformações paisagísticas da Praça Visconde de Indaiatuba ao longo das décadas. Na primeira imagem (à cima e à esquerda), a praça em 1901. À direita, registro de 1955 e, ao lado, foto de 1985. Foto: Autor desconhecido. Fonte: Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas.
3
Sistematização de algumas transformações paisagísticas da Praça realizada através de desenhos, projetos e fotos. Pesquisa desenvolvida por alunos da disciplina IC039 do Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil da UNICAMP no 2º Semestre 2003.
4
Na mesma medida em que a constante modificação da Praça Visconde de
Indaiatuba é marca de sua existência, também seu recorrente uso para festividades,
aglomerações e manifestações públicas também é parte de sua história e da memória
coletiva da cidade: “a Igreja de Nossa Senhora do Rosário foi construída em 1817. A
partir daí as pessoas já começaram a se reunir em seu entorno, e logo o lugar ficou
conhecido como Pátio do Rosário”5. Referência como espaço de reunião na cidade, a
Praça foi palco de muitos eventos ocorridos durante a ditadura civil-militar (1964-
1985), fossem eles eventos de apoio ao governo ou de resistência às arbitrariedades
conduzidas no período.
O golpe militar de 1964 é articulado para barrar as Reformas de Base
propostas pelo governo de João Goulart (1961-1964), um projeto que visava promover
importantes transformações nas estruturas sociais brasileiras, com destaque nos
setores educacional, fiscal, político e agrário6. Se por um lado essas Reformas
mobilizam as classes populares, os setores sindicais, entidades estudantis e
trabalhadores do campo, por outro lado promovem também uma intensa agitação por
parte dos setores empresariais, religiosos e conservadores (como a classe média),
que se organizam com o intuito de apoiar os militares na tentativa de impedir o avanço
do projeto político proposto por Goulart e que foi associado, no contexto da Guerra
Fria, ao avanço do comunismo no país.
Esses setores mais conservadores, principalmente o clero e entidades
femininas, organizam a partir de março de 1964 um importante movimento que ficou
conhecido como Marchas da Família com Deus pela Liberdade. A primeira Marcha
aconteceu em São Paulo, no dia 19 de março, com o apoio da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e contou com a participação de cerca de
trezentas mil pessoas que caminharam da Praça da República até a Praça da Sé7. “A
iniciativa da Marcha da Família repetiu-se em outras capitais, mas já após a derrubada
de Goulart pelos militares em 31 de março, o que as tornou conhecidas como
"marchas da vitória"8.
5 VARONI, Marília, loc. cit. 6 Para uma leitura sobre esse contexto histórico, cf: FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de Almeida (orgs). O Brasil Republicano. O tempo da experiência democrática. Da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. São Paulo: Civilização Brasileira. 3º Vol. 7 Para saber mais sobre a Praça da Sé, a Praça da República e a FIESP, acesse o banco de dados do Programa Lugares da Memória. Disponível em: http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/default.aspx?c=bancodedados&mn=59. 8 LAMARÃO, Sérgio. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Portal CPDOC. Disponível em http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/AConjunturaRadicalizacao/A_marcha_da_familia_com_Deus. Acesso em 03 ago. 2017.
5
Em Campinas, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade aconteceu no
dia 07 de abril de 1964 em caráter festivo. O percurso adotado passou pelos principais
pontos da cidade, como o Largo do Rosário, e terminou em frente à Catedral
Metropolitana de Campinas, onde a população festejou a vitória dos militares frente
aos projetos político-sociais de Goulart. O uso dos espaços públicos para
manifestações de oposição viria a ganhar força novamente apenas no final da década
de 1970, sobretudo em 1977 com a retomada de forças do movimento estudantil e o
crescimento do movimento operário com as greves de 1978. Em Campinas, no mês de
maio de 1977, por exemplo, três mil pessoas se reuniram na Praça Visconde de
Indaiatuba convocados pelos estudantes da PUC-Campinas. Na oportunidade foi
distribuída uma “carta aberta à população”, que denunciava a prisão de estudantes e
operários do ABC e reivindicava anistia a todos os presos políticos.
Essas manifestações, afirmam os universitários, não mais são
restritas às escolas onde se originaram, mas constituem produto de
um consenso tirado no Teatro da PUC de São Paulo, no sentido de
unir a classe em torno do protesto contra a prisão de estudantes,
exigindo-se, ao mesmo tempo, garantias para os presos políticos e
suas famílias9.
Essa primeira grande manifestação aconteceu pacificamente em Campinas
sem a intervenção dos militares. Contudo, a manifestação estudantil organizada no
mesmo local poucos meses depois, em agosto de 1977, pelos estudantes da PUC-
Campinas junto com os alunos da Unicamp em solidariedade aos alunos da UnB teve
outro desfecho: foi duramente reprimida pela força policial. O ato pretendia a leitura do
manifesto: “O Brasil é feito por nós” e a denúncia das arbitrariedades cometidas pelo
governo militar, mas, segundo as ordens do capitão do 8º Batalhão de Polícia,
enquanto houvesse estudantes nas ruas os policiais estariam presentes para dispersá-
los. A manifestação, que começara pacificamente às 17h, terminou somente por volta
das 21h com muitas pessoas feridas. Alguns anos depois, em um contexto um pouco
mais diferente, a Praça foi novamente ocupada pela população em 1984, durante a
campanha pelas Diretas Já. Em 21 de janeiro daquele ano, um comício é promovido
pelo governador do estado Franco Montoro e reúne cerca de dez mil pessoas que
reivindicavam eleições presidenciais. Esta foi uma das maiores mobilizações políticas
ocorridas em Campinas.
9 O ESTADO DE SÃO PAULO. No baixo nível do ensino, o início do protesto no interior. O Estado de São Paulo, São Paulo, 08 de maio de 1977, p.38.
6
A história de alguns espaços públicos como praças, ruas e prédios resulta de
uma construção coletiva de memórias, criando identidades e sentimentos de
pertencimento. Por meio do diálogo entre passado e presente, estes locais são
permeados por disputas de memória, onde algumas narrativas ganham visibilidade em
detrimento de outras, o que torna esses espaços um campo de constante
ressignificação. Em momentos de convulsionamento político é comum que praças e
ruas tornem-se meios de expressão dessas disputas, seja em sinal de apoio ou em
protesto por parte da população. Em Campinas, a Praça Visconde de Indaiatuba,
principal praça da cidade, comporta parte dessas memórias políticas e, devido a
importância das lutas ali desencadeadas, foi reconhecida como um lugar simbólico e
de identidade da cidade, sendo, por isso, tombada pelo Conselho de Defesa do
Patrimônio Cultural de Campinas (CONDEPACC) em 1996.
ATUALMENTE E/OU ACONTECIMENTOS RECENTES:
Por sua importância social, usos históricos e localização central, a Praça ainda
hoje é palco de reivindicações de diversos setores da sociedade civil e de movimentos
sociais. Em 12 de julho de 2008, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) ocuparam a Praça e ali realizaram diversas atividades públicas sob
a temática: “O que quer o MST e o que quer o agronegócio no Brasil”. Em 25 de
agosto de 2010, durante as comemorações do dia do soldado, alunos da PUC-
Campinas realizaram na Praça uma exposição de fotos dos mortos e desaparecidos
políticos da ditadura e a encenação de uma peça que retratava o martírio vivido por
Frei Tito. O objetivo das atividades foi o de estabelecer o diálogo com a sociedade no
que diz respeito à importância do conhecimento da história, da necessidade de
abertura dos arquivos da ditadura e em defesa da responsabilização daqueles que
atentaram contra os direitos humanos por meio de torturas e assassinatos no regime
ditatorial. Além disso, já em 16 de fevereiro de 2012, o Comitê de Campinas para a
Solidariedade ao Pinheirinho, composto por sindicatos, movimentos sociais e partidos
de esquerda, realizou atividades em apoio às vítimas da desocupação violenta do
bairro de Pinheirinho, em São José dos Campos/SP. No ato esteve presente uma ex-
moradora que relembrou momentos traumáticos por ela vivenciados, além da exibição
de fotografias, vídeos e documentários que denunciavam a violência da desocupação
bem como a situação atual dos ex-moradores de Pinheirinho. Mas recentemente, em
28 de abril de 2017, a Praça foi local de concentração da população da cidade durante
a Greve Geral contra as Reformas Trabalhistas e da Previdência propostas pelo
governo de Michel Temer.
7
ENTREVISTAS RELACIONADAS AO TEMA
CBN CULTURA. Imersão no Teatro do Centro de Convivência Cultural de Campinas.
Entrevista com Ney Carrasco. CBN Campinas. Campinas, maio de 2014. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=WCsTkm7iQ4w. Acesso em 27 jul 2017.
REMISSIVAS: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SMABC); Pátio dos Leões - PUC
Campinas.
SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS
FARJALLAT, Célia Siqueira. Pesquisa da PUC-Campinas revê a trajetória do Largo do
Rosário. Correio Popular, Campinas, 19 jan. 2003.
GODOY, João Miguel Teixeira de e BARONI, Gabriel Vinicius. História fabricada:
controvérsias em torno da fundação da cidade de Campinas. Revista de História
Regional, Universidade Estadual de Ponta Grossa/PR, vol.16, n.1, 2011, p.119-153.
HARRIS, Ana Lúcia N. C et al. Largo do Rosário. Abordagem histórica de uma praça
através da computação gráfica. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de
Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Arquitetura e Construção,
2005. Disponível em:
http://www.fec.unicamp.br/~luharris/art/05graphica_harrisruschelmonasteriooliveira.pdf
Acesso em 03 de ago. 2017.
MARTINS, José Pedro. Largo do Rosário, o palco da cidadania. Correio Popular,
Campinas, 14 jul. 2002.
MATTHES, Luiz A. F. e BERTINATO, Wania L. V. Patrimônio em Campinas: a criação
do CONDEPACC e as primeiras Resoluções de Tombamento. Entrevista com o Prof.
Dr. Antonio Augusto Arantes Neto. Revista CPC, São Paulo, n.14, maio/out. 2012,
p.139-168.
MURAOKA, Roni et al. Memórias Diretas. XIII Congresso de Ciências da
Comunicação na Região Sudeste. Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação, São Paulo, 07 a 10 de maio de 2008.
VARONI, Marília. Largo do Rosário, uma praça em constante transformação. Portal
Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas. Campinas, 07 de maio de
2010.
8
DADOS DA PRODUÇÃO:
Produção do Texto: Vanessa do Amaral; Ano: 2013
Atualização de Conteúdo: Julia Gumieri; Ano: 2017
COMO CITAR ESTE DOCUMENTO: Programa Lugares da Memória. Praça
Visconde de Indaiatuba. Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2017.