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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-graduados em Direito Pedro Eugenio Pereira Bargiona A dissolução judicial das sociedades anônimas heterotípicas Mestrado em Direito São Paulo 2017

Mestrado em Direito São Paulo 2017 - PUC-SP · 2018. 2. 9. · Mestrado em Direito Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Programa de Estudos Pós-graduados em Direito

Pedro Eugenio Pereira Bargiona

A dissolução judicial das sociedades anônimas heterotípicas

Mestrado em Direito

São Paulo

2017

Pedro Eugenio Pereira Bargiona

A dissolução judicial das sociedades anônimas heterotípicas

Mestrado em Direito

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em

Direito, na área de concentração Efetividade do Direito,

sob a orientação do(a) Prof.(a), Dr.(a) Fábio Ulhoa

Coelho.

São Paulo

2017

ii

PEDRO EUGENIO PEREIRA BARGIONA

A DISSOLUÇÃO JUDICIAL DAS SOCIEDADES ANÔNIMAS HETEROTÍPICAS

Dissertação elaborada e defendida buscando a obtenção

do grau de Mestre em Direito pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo.

Orientado pelo Professor Doutor Fábio Ulhoa Coelho.

Defendido em São Paulo, ao dia 29 de janeiro de 2018 e avaliado como

( ) aprovado ( ) reprovado com a média: ____________ .

Banca Examinadora

Nota: ______ ________________________________________

Prof. Dr. Fábio Ulhoa Coelho (Orientador)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Nota: ______ ________________________________________

Prof. Dr. Marcus Elidius Michelli de Almeida.

(Suplente: Prof. Dr. Marcelo Guedes Nunes)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Nota: ______ ________________________________________

Profª. Drª. Helga Araruna Ferraz de Alvarenga.

UNIVERSIDADE PAULISTA (UNIP)

(Suplente: Prof. Dr. Francisco Satiro de Souza Junior;

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP))

iii

DECLARAÇÃO

Este trabalho foi parcialmente financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal do Ensino Superior (CAPES) através de bolsa do Programa de Suporte à Pós-

Graduação de Instituições Comunitárias de Ensino Superior (PROSUC), sucessor do Programa

de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares (PROSUP), na modalidade

Taxa, sendo registrado sob o nº de processo 88887.148553/2017-00. Também se menciona o

apoio parcial da FUNDASP.

iv

Aos meus avôs e avós

v

AGRADECIMENTOS

O Mestrado é o momento em que se comprova o domínio de uma técnica apropriada

para conhecer e refletir sobre a realidade. No campo do Direito, em que milhares de novos

bacharéis são formados todos os anos, ainda são poucos a buscar o caminho acadêmico e ainda

menos os que conseguem uma vaga para aprender e empregar essas técnicas. Se como bacharéis

somos habilitados a buscar caminhos profissionais de grande relevância social, como a

advocacia, o Mestrado também nos habilita a buscar algo da maior relevância: a expansão dos

conhecimentos científicos sobre nossa sociedade e nossas normas, através do Doutorado.

Agradeço a Deus pela presença e suporte constante, fundamental em qualquer

empreitada.

Agradeço à minha família por todo o amor, carinho e suporte através desse sempre

tortuoso caminho. Agradeço ao Silvério Junior pelo apoio em São Paulo.

Agradeço ao meu professor orientador, Fábio Ulhoa Coelho, por ser uma inspiração

desde o início de minha graduação e por acreditar em meu potencial, me acolhendo

incondicionalmente na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, a quem também

agradeço.

Agradeço à CAPES e a FUNDASP pelo financiamento parcial através de bolsa taxa.

Agradeço ao Desembargador José Lisboa da Gama Malcher e a todo o escritório

Advogacia Gama Malcher Consultores Associados pela oportunidade de meu aperfeiçoamento.

Agradeço a todos os meus amigos, dos mais antigos aos mais novos. Graças a Deus

me faltariam páginas para enumerá-los todos. Destaco em especial Eduardo Manuel Val, pela

iluminação geral, do espírito aos negócios; os meus revisores Luiz Carvalho e Paulo José

Pereira Carneiro Torres; e meus colegas Victor Mendes e Ramon Santos. Agradeço, ainda, à

Suely de Moura Pinto, que me cedeu sua generosa biblioteca, fonte de inúmeras pesquisas

empregadas nestas páginas.

Durante todo o percurso, sempre busquei nortear meu trabalho para que o privilégio

de estar em uma renomada Instituição de Ensino Superior se convertesse em algo útil à

sociedade, que ajudasse a melhorar as relações sociais e a fomentar empresas saudáveis. Sinto

que se antes de entrar essas eram meras aspirações, hoje são concretas páginas, nas quais

depositei todo o meu esforço, pelo que sou, enfim, muito grato.

vi

“Is your company so small you have to do everything for yourself? Wait until you’re so big

that you can’t. That’s worse.”

Michael Blomberg (1997)

vii

RESUMO

Título: A dissolução judicial das sociedades anônimas heterotípicas.

O objeto de pesquisa da presente Dissertação é a dissolução parcial de sociedades anônimas

que se enquadrem em heterotipia, situação em que as características esperadas de intuito

capitalista e estabilidade não se verificam de fato. O objetivo da pesquisa é identificar a forma

pela qual se deve processar a dissolução parcial de sociedade anônima heterotípica na atual

normativa processual civil, incluindo, para tanto, sua identificação objetiva. Para tanto,

primeiramente se volta o foco do estudo para os tipos societários e suas características

esperadas, desenvolvendo um teste objetivo para identificar situações de heterotipia em

qualquer sociedade. Em seguida, no segundo capítulo, se estuda o desenvolvimento pretoriano

do instituto da dissolução parcial de sociedades e suas bases teóricas, identificando que a

demanda pela dissolução parcial não é uma novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Em

seguida, no terceiro capítulo, faz-se análise das hipóteses atuais em que se admite o exercício

do direito de retirada para, então, estudar os fundamentos empregados pelos Tribunais

Superiores para reconhecer a heterotipia e permitir o recesso por quebra da affectio societatis e

até a exclusão de acionista por falta grave. Em sequência, no quarto e último capítulo, se estuda

o Código de Processo Civil de 2015, que instituiu pela primeira vez um rito para a dissolução

parcial de sociedades, incluindo até mesmo uma tentativa de ampliar sua incidência para as

sociedades anônimas heterotípicas, sendo necessária sua apropriada interpretação. Ainda neste

último capítulo, se analisa o procedimento da penhora de quota de sociedade e da dissolução

total de sociedade. As conclusões do trabalho são a possibilidade de empregar um teste objetivo

e que precisamente identifique situações de heterotipia; a necessidade da autorização da

dissolução parcial como forma de harmonização dos princípios constitucionais da livre-

iniciativa e da preservação da empresa com as normas que objetivamente são aplicáveis a cada

caso de dissolução; e a aplicabilidade sem ressalvas do disposto no Código de Processo Civil

de 2015 às sociedades anônimas heterotípicas, sendo necessário, contudo, harmonizar o

conteúdo do §2º do art. 599 do CPC/2015 com as interpretações dadas pelos tribunais superiores

nos primeiros julgados que autorizaram essa modalidade, que reconheceram na heterotipia, e

não da incapacidade de cumprimento do fim, a razão que permite a limitação da dissolução à

figura do sócio retirante.

Palavras-chave:

Direito Comercial. Direito Processual Civil. Dissolução Parcial de Sociedade. Sociedade

Anônima. Sociedade Anônima Heterotípica.

viii

ABSTRACT

Title: Judicial dissolution of heterotypical corporations.

The research object of this dissertation is the partial dissolution of heterotypical corporations,

in which the expected characteristics of corporations, such as stability do not really occur. The

goal of the research is to identify the way in which the partial dissolution of a heterotypical

corporation should be processed in the current civil procedural law, including its objective

identification. To do so, the first focus of the study to the company types and their expected

characteristics, developing an objective test to identify situations of heterotypical forms in any

kind of company. Then, in the second chapter, it proceeds to the study the case law that lead to

the development of the institute of partial dissolution of societies and their theoretical bases in

Brazil. In the third chapter, an analysis is made of the current hypotheses in which the exercise

of the right of withdrawal is admitted, studying the grounds employed by the Superior Courts

to recognize the heterotypical nature and allow the recess of the company by the rupture of the

affectio societatis personalistic bound, and even the exclusion of shareholders for serious

misconduct. Subsequently, in the fourth and last chapter, the Civil Procedure Code of 2015 is

studied, as for the first time a rite for the partial dissolution of companies is established,

including an attempt to expand its incidence for heterotypical corporations. This chapter tries

to provide a proper interpretation for the technical vocabulary misused at the law. Also in this

last chapter, the procedure for the seizure of company shares and the total dissolution of the

company are analyzed. The conclusions of the study are the possibility of using an objective

test that accurately identifies situations of heterotypical companies; the need for the

authorization of partial dissolution as a form of harmonization for the constitutional principles

of freedom of association and the preservation of the company with the rules that objectively

apply to each case of dissolution; and the unrestricted applicability of the provisions of the

Civil Procedure Code of 2015 to heterotypical corporations, but the necessary harmonization

of the content of §2 of art. 599 from the Civil Procedure Code of 2015 with the interpretations

given by the superior courts in the first case law that authorized the partial dissolution,

recognizing the heterotypical characteristics and not of the inability to fulfill the corporate end,

reason to limit the dissolution to the retiring partner.

Keywords:

Commercial law. Civil Procedure Law. Partial Dissolution of Companies. Corporations.

Heterotypical Corporations.

ix

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Ag – Agravo nos próprios autos

AREsp – Agravo em Recurso Especial

ARE – Agravo em Recurso Extraordinário

CC/2002 – Código Civil de 2002, Lei Federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

CCom/1850 – Código Comercial de 1850, Lei Imperial nº 556, de 25 de junho de 1850

CPC/1939 – Código de Processo Civil de 1939, Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de

1939

CPC/1973 – Código de Processo Civil de 1973, Lei Federal nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973

CPC/2015 – Código de Processo Civil de 2015, Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015

D3708/1919 – Decreto das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, Decreto nº

3.708, de 10 de janeiro de 1919

EREsp – Embargos de Divergência em Recurso Especial

IMAG – Instituto dos Advogados de Minas Gerais

Lei de Recuperação e Falências/2005 – Lei Federal nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005

LSA/1940 – Lei das Sociedades por Ações de 1940, Decreto-lei nº 2.627, de 26 de setembro de

1940

LSA/1976 – Lei das Sociedades por Ações de 1976, Lei Federal nº 6.404, de 15 de dezembro

de 1976

PL – Projeto de Lei da Câmara dos Deputados

PLS – Projeto de Lei do Senado Federal

RE – Recurso Extraordinário

REsp – Recurso Especial

S/A – Sociedade Anônima

x

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 - TIPOS SOCIETÁRIOS, SUAS CARACTERÍSTICAS E A

HETEROTIPIA ........................................................................................................................ 9

1 - CARACTERÍSTICAS ESPERADAS DAS SOCIEDADES DE PESSOAS E DE

CAPITAIS ....................................................................................................................... 9

1.1 - Distinções entre Sociedades Institucionais e Contratuais ............................. 11

1.2 - O Regime Contencioso e a Estabilidade das Sociedades .............................. 13

1.3 - A Constitucionalidade do Vínculo Estável ................................................... 16

2 - TIPOS SOCIETÁRIOS E A HETEROTIPIA......................................................... 19

2.1 - A Caracterização da Heterotipia.................................................................... 21

2.2 - A Heterotipia das Sociedades Anônimas ...................................................... 28

CAPÍTULO 2 - A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE

SOCIEDADES ........................................................................................................................ 33

1 - A IMPOSSIBILIDADE DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES ....... 33

2 - A IMPOSSIBILIDADE DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES

ANÔNIMAS ..................................................................................................................... 43

3 - O NASCIMENTO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES ............... 46

4 - O NASCIMENTO DO DIREITO DE RETIRADA NAS SOCIEDADES

ANÔNIMAS ..................................................................................................................... 58

CAPÍTULO 3 - A DISSOLUÇÃO PARCIAL COMO REGRA GERAL ......................... 66

1 - O DIREITO DE RECESSO NA LEI Nº 6.404/1976 .............................................. 66

2 - AS CAUSAS DE DISSOLUÇÃO PARCIAL NAS SOCIEDADES

CONTRATUAIS .............................................................................................................. 74

2.1 - A Exclusão de Sócios em Sociedades Limitadas .......................................... 76

xi

2.2 - A Operacionalização Extrajudicial da Dissolução Parcial ............................ 80

2.3 - A Operacionalização da Dissolução Parcial Judicial .................................... 82

3 - A DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES ANÔNIMAS

HETEROTÍPICAS ............................................................................................................ 83

3.1 - A Utilização do art. 5º, XX da Constituição Federal de 1988 na Dissolução

Parcial de Sociedades Anônimas ........................................................................... 87

3.2 - A Possibilidade de Exclusão de Acionista da Sociedade Anônima .............. 89

CAPÍTULO 4 - A COMINAÇÃO JUDICIAL DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE

SOCIEDADES ........................................................................................................................ 92

1 - O CAMINHO LEGISLATIVO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL ........................... 92

1.1 - A Legitimidade Ativa da Ação de Dissolução Parcial ................................ 101

1.2 - A Perícia para a Apuração dos Haveres ...................................................... 102

1.3 - A Dissolução Parcial de Sociedades Anônimas no Art. 599, §2º do

CPC/2015 ............................................................................................................. 104

2 - A AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES NO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL DE 2015 ........................................................................................... 107

2.1 - Jurisdição, Objeto da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade; Interesse e

Legitimidade Processual ...................................................................................... 107

2.2 - O Processamento da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade ................. 113

2.3 - O Critério e a Data para a Apuração dos Haveres ....................................... 117

2.4 - Os Recursos e Meios de Impugnação na Ação de Dissolução Parcial de

Sociedade ............................................................................................................. 122

2.5 - A Execução dos Haveres e a Controvérsia sobre o Desinvestimento ......... 123

3 - PROPOSTA DE CONSOLIDAÇÃO PARA A QUESTÃO DA AÇÃO DE

DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE ANÔNIMA NO CÓDIGO DE PROCESSO

CIVIL DE 2015 ................................................................................................................ 125

4 - AS OUTRAS FORMAS DE DISSOLUÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

DE 2015 ............................................................................................................................ 127

4.1 – A Dissolução Parcial da Sociedade por Liquidação das Quotas ou Ações por

Credores Particulares do Sócio ............................................................................ 127

4.2 - A Dissolução Total de Sociedades no Código de Processo Civil de 2015.. 133

xii

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 136

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 139

Apêndice 1 -Quadro-teste para a definição das características da sociedade e da

heterotipia ............................................................................................................................. 139

Apêndice 2 – Quadro comparativo entre a sugestão original e o texto final do rito da

ação de dissolução parcial de sociedade no CPC/2015 ...................................................... 153

Apêndice 3 – Proposta de redação substitutiva ao artigo 861 do CPC/2015: “Da Penhora

de Quotas ou das Ações de Sociedades Personificadas” ................................................... 159

Anexo 1 – Emenda ao Anteprojeto do Código de Processo Civil de Fábio Ulhoa

Coelho .................................................................................................................................... 161

Anexo 2 – Proposta nº 25 do Institutos dos Advogados de Minas Gerais para a previsão

de procedimento para dissolução de sociedade e exclusão de sócio ................................. 166

1

INTRODUÇÃO

Associar-se é parte indelével e inafastável da natureza humana, ocorrendo em

múltiplos níveis desde os primórdios, como aponta ESRELLA (2010, PP. 09-10). Grupos

maiores ou menores de pessoas se formam, adotando regras e características únicas, tendo

por objetivo a proteção e a viabilização de projetos das mais diversas ordens. Toda vez

que esse processo de conjugação de esforços e confiança se dá de maneira consciente e

organizada, com a adoção de regras específicas – escritas ou não – está se constituindo

uma sociedade de alguma forma, que pode variar enormemente com base nas suas regras

e objetivos.

A variação acentuada, ao longo do tempo e com a especialização progressiva do

Direito, deu luz a institutos muito diversos, como os modelos de sociedade Familiar1 –

que também variaram grandemente de propósito e natureza desde os tempos romanos –

as sociedades civis e comerciais e até mesmo as Sociedades nacionais2 e a Sociedade

internacional3.

Comparar institutos tão distintos só poderia ser feito sob uma perspectiva muito

abstrata e filosófica, visto que pouco têm em comum, para além da naturalidade de sua

formação e da presença de pessoas, de modo que o presente trabalho foca apenas nas

sociedades comerciais, pessoas jurídicas de direito privado constituídas com objetivo de

exploração de empresa.

1 Nota de desambiguação: sempre que as palavras “família”, “familiar” e derivações dessas palavras forem

utilizadas, o significado será o do Direito Comercial, ou seja, a sociedade celebrada entre membros de uma

mesma família ficando o intuito familiar como componente da affectio societaris. Sempre que, porventura,

for ser feita referência ao objeto de estudo do Direito das Famílias, será utilizado o termo “Família” e

“Familiar”, com capitalização.

2 Nota de desambiguação: sempre que as palavras “social”, “sociedade” e derivações dessas palavras forem

utilizadas, o significado será o do Direito Comercial, ou seja, a sociedade celebrada com o propósito do

exercício de empresa. Sempre que, porventura, for ser feita referência ao objeto de estudo da Sociologia,

será utilizado o termo “Sociedade nacional”, com capitalização.

3 Parte da Doutrina na área de Relações Internacionais e Ciências Políticas utilizam também o termo

Comunidade Internacional para referir-se ao conceito do conjunto e convivência das pessoas jurídicas de

Direito Internacional na esfera pública.

2

Da mesma forma que essas associações4 de indivíduos ocorrem5, assim também

se dão naturalmente os conflitos entre as pessoas que se associaram. As diferentes visões

de mundo e interesses de cada um dos indivíduos formadores da sociedade, quando não

comparadas, debatidas e conciliadas para uma convergência dos interesses, geram

controvérsias que, se não forem sanadas, podem representar um progressivo desgaste e

enfraquecimento dos vínculos entre os componentes da sociedade.

Dependendo da gravidade e quantidade das questões que surgirem do convívio

social, o próprio vínculo de confiança e colaboração para a consecução do objetivo

comum através da exploração do objeto social acordado entre os sócios pode desaparecer.

A quebra dessa confiança e vontade de permanecer associado apresenta um desafio ao

Direito, enquanto fonte dos parâmetros de solução de controvérsias: como decidir quais

argumentos são legítimos para seus fins e resguardar equitativamente tanto a sociedade

quanto seus sócios em conflito?

Traçando um paralelo com as pessoas naturais, que nascem, crescem e morrem;

as sociedades se constituem, desempenham seu objeto social e, eventualmente, podem ser

natural ou judicialmente dissolvidas ou entrar em crise6. O cerne e objeto das discussões

abordadas na presente Dissertação encontra-se justamente na dissolução das sociedades,

adotando como lentes o Direito Comercial e o Direito Processual Civil, tendo em vista a

inclusão do rito da ação de dissolução parcial de sociedade no Código de Processo Civil

de 2015 (CPC/2015).

4 Nota de desambiguação: sempre que as palavras “associar-se”, “associação” e derivações dessas palavras

forem utilizadas, o significado será o de constituir sociedade ou do processo de constituição de uma

sociedade. Sempre que, porventura, for ser feita referência ao tipo de pessoa jurídica, será utilizado o termo

“Associação”, com capitalização.

5 Ainda que seja natural que indivíduos com objetivos semelhantes busquem sua associação para aumentar

seu potencial na exploração do objeto social, a formação de sociedades foi incentivada pela possibilidade

de limitação da responsabilidade, historicamente franqueada apenas às sociedades e não a indivíduos,

empresários ou não, na exploração de seus objetos sociais. Esse fato, como apontam RIBEIRO e BARROS

(2008, p. 1066), tem razão na história das próprias sociedades limitadas, que decorreram de uma facilitação

para a constituição de modelos de agrupamento que permitissem, ao mesmo tempo, a acumulação de capital

suficiente para a exploração de atividades industriais, e segurança ao restante do patrimônio dos

investidores, sem que fosse necessária toda a formalidade que exigiam as Companhias. Para mais acerca

da história das sociedades limitadas, recomenda-se a leitura de ABATINO, DARI-MATTIACCI e

PEROTTI (2011), BLÁZQUEZ (2010) BAGLEY [198-?] E HARRIS (2007)

6 A crise da empresa não necessariamente é sua falência. Existem quatro tipos teóricos de crise que podem

ocorrer individualmente ou em conjunto, conforme aponta GUEDES NUNES (2015b, PP, 220-221). São

(1) a crise econômica, por redução no volume de negócios ou produtividade; (2) a crise financeira, por falta

de caixa para honrar os compromissos; (3) a crise patrimonial, por falta de patrimônio parar honrar com

todas as dívidas; e (4) crise política, por grave desinteligência entre sócios.

3

O quão mais ligada à individualidade dos sócios, mais propensa à dissolução –

parcial ou total – fica a sociedade. Os fatos jurídicos que acometem os sócios, bem como

os atos jurídicos que praticam, tanto dentro do seio social quanto em suas vidas privadas,

podem refletir diretamente nas sociedades que se constituem em torno das qualidades dos

sócios. Exemplos disso são o falecimento de um dos sócios de sociedade limitada (fato

jurídico) que, via de regra, leva à dissolução parcial da sociedade; e a assunção de dívidas

pessoais (ato jurídico) que pode levar à penhora de quotas da sociedade, o que interfere

na administração da sociedade.

Por outro lado, quanto mais abstrato for o vínculo dos sócios para com a

sociedade, independendo de suas particularidades, menor será o impacto dos fatos

pessoais dos sócios, que podem até mesmo não interferir em nada no funcionamento

social. Assim, caso faleça o acionista de sociedade anônima (S/A), via de regra, não há

qualquer efeito sobre a sociedade, bastando a divisão das ações entre os herdeiros,

conforme as regras que regerem a sucessão.

Dessa forma, a tradicional classificação doutrinária das sociedades como “de

pessoas” ou “de capitais” representa não somente uma taxonomia da sociedade, mas sim

uma importante distinção quanto aos limites de influência da subjetividade dos sócios no

vínculo societário. As sociedades de capitais mantêm apenas o vínculo objetivo, a

dedicação de capital à consecução dos fins almejados pela sociedade através da

exploração do objeto social.

Há, ainda, uma correlação entre as sociedades de pessoas e de capitais com o

grau de estabilidade do vínculo societário, teorizados por COELHO (2016, PP. 45-47).

As sociedades de pessoas contratadas por tempo indeterminado, caso não afastem as

normas previstas pelo CC/2002, são de vínculo instável, já que ficam legadas à vontade

do sócio de permanecer associado. Por outro lado, as sociedades de capitais e as de

pessoas que estejam regidas pela LSA, bem como aquelas contratadas por tempo

determinado, são de vínculo estável, já que o sócio não possui a faculdade de retirar-se

da sociedade a qualquer tempo.

Caso, por razões de foro íntimo, o sócio de sociedade estável, geralmente de

capital, decida não mais permanecer associado, terá permanentemente à sua disposição a

opção de vender sua participação na sociedade, conforme as regras que vigerem para seu

tipo societário e no documento constitutivo e regente da sociedade de que participa. Além

4

dessa opção, a lei reserva certas hipóteses, objetivas e restritas, que autorizam os sócios

a se desassociarem por ato voluntário e oponível à sociedade: o exercício do direito de

recesso ou de retirada.

Já nas sociedades instáveis, geralmente de pessoas, o sócio que desejar deixar a

sociedade com duração indeterminada não precisará buscar seu enquadramento em

situações objetivas para que possa exercer seu direito de retirada: basta a mera

manifestação da vontade de não permanecer associado, nos termos da lei, para que lhe

seja devida sua parcela no patrimônio da sociedade. Nesses casos, o exercício do direito

de retirada se assemelha à garantia fundamental prevista pelo Art. 5º, XX da Constituição

Federal de 1988 (CF/1988), que prescreve que ninguém será compelido a associar-se ou

permanecer associado7.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes: [...]

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

As normas legais, contudo, preveem modelos ideais e abstratos que, mesmo

sendo suficientes para a maioria dos casos, inevitavelmente esbarrarão em situações

fáticas complexas e de antinomias. A própria natureza negocial do Direito Comercial,

com o privilégio da autonomia dos sócios para decidirem as regras que vigem entre si,

pode levar a situações sui generis e de hibridismo.

Entre outras características próprias das sociedades personalistas, as funções

sociais atribuídas aos sócios de sociedades contratuais são, via de regra, individual e

exclusivamente exercidas pelos próprios sócios, titulares das quotas sociais, em razão da

regra geral do art. 1.002 do Código Civil de 2002 (CC/2002). Por outro lado, a regra para

as sociedades institucionais, regidas pela lei das sociedades por ações, de 1976

(LSA/1976), é a oposta, podendo os sócios se fazerem representar por procuradores, nos

termos do Art. 126, LSA/1976, o que fortalece sua tendência de serem sociedades

capitalistas8.

7 A controvertida incidência deste artigo às sociedades será enfrentada na seção 1.3 do Capítulo 1, ao

abordar a constitucionalidade do vínculo estável.

8 Nota de desambiguação: sempre que a palavra “capitalista” e derivações forem utilizadas, o significado

será sinônimo ao termo “de capital”. Sempre que, porventura, for ser feita referência ao modelo de

organização social e econômica, será utilizado o termo “Capitalismo”, com capitalização.

5

.

No entanto, nada impede que os sócios, no próprio contrato ou estatuto social –

bem como em acordos de quotistas e acionistas – convencionem diferentemente, como

ocorre quando um contrato social permite que os sócios se façam representar por

procuradores, alienem suas quotas sem a prévia autorização dos demais sócios e que os

herdeiros dos sócios acedam à sociedade como sócios através da herança sem prévia

aprovação. Da mesma forma, nada impede que em uma sociedade anônima fechada os

acionistas formulem regras, ainda que nem sempre no estatuto, em razão das

características pessoais que possuem, como a preservação do controle na mesma família.

Assim sendo, não é possível generalizar a natureza das sociedades através da

mera observação de seu tipo societário ou de sua característica contratual ou institucional.

A estas sociedades que fogem das regras gerais de seu tipo societário, Marcelo GUEDES

NUNES (2011) denominou sociedades heterotípicas, pois possuem características

concretas e únicas que as distanciam de seu tipo societário legalmente idealizado.

O objeto de pesquisa da presente Dissertação é o estudo específico da dissolução

parcial9 de sociedades anônimas que se enquadrem em heterotipia. Se por um lado há o

limitado exercício do direito de recesso, nas situações objetivamente previstas na LSA;

por outro, há o direito de retirada amplo e imotivado do CC/2002. Numa sociedade

anônima que possua efetivamente normas, características e regência por normas do

CC/2002, há que se compatibilizar os dois ordenamentos e a forma de exercício dos

direitos que forem cabíveis.

No oferecimento de resistência à retirada ou na ausência dos sócios faz-se

necessário o ajuizamento da competente ação para o resguardo do direito dos sócios e da

sociedade, com a consequente apuração dos haveres porventura devidos. Surge assim

mais um ponto de análise objetiva da presente Dissertação: a ação de dissolução parcial,

9 Nota de desambiguação: sempre que a palavra “dissolução” e derivações forem utilizadas, o significado

será o de resolver o vínculo societário e buscar a liquidação dos haveres dos sócios que estão se retirando

ou sendo excluídos. Sabe-se que a primeira parte pode ser classificada como uma “resolução da sociedade

em relação a um sócio”, dividindo-se em (1) exercício do direito de recesso imotivado; (2) exercício de

direito de retirada; e (3) exclusão do sócio falido, falecido ou que cometa falta grave; enquanto a segunda

parte diz respeito à apuração dos haveres desses sócios. Há críticas (FRANÇA e ADAMEK, 2016, PP. 17,

23,30, etc.) sobre o emprego da palavra dissolução como sinônima desses procedimentos, entendendo não

ser possível uma dissolução apenas parcial, já que o Código Civil de 2002 emprega a terminologia

“Dissolução” apenas para os casos de dissolução total da sociedade. Sempre que, porventura, for ser feita

referência à dissolução total da sociedade, será utilizado o termo dissolução total.

6

prevista pelo Código de Processo Civil de 2015, aplicada à situação da heterotipia e outras

formas processuais de efetivação desses direitos.

O estudo dessas questões objetivas demonstra-se social, econômica e

cientificamente relevante. A necessidade premente e constante de geração de receitas que

custeiem os programas e benefícios sociais do Estado Social-democrata está diretamente

ligada à capacidade e liberdade de que os cidadãos empreendam e desenvolvam

atividades empresárias. A organização e operação de sociedades empresárias viabiliza o

Estado Social, dando à livre-iniciativa um papel importante não apenas sob um viés

filosófico.

Assim, se a origem da exceção à regra que conferia proteção à existência da

sociedade se deu em razão da individualidade dos sócios remanescentes, hoje, com o

reconhecimento da importância da empresa não apenas para os sócios, mas também

indiretamente para a Sociedade, através da função social da empresa10, a dissolução

parcial tornou-se a regra, como aponta LANA (2016, PP. 135-136). Dessa forma, não

apenas os interesses do sócio retirante são contemplados, mas também os interesses dos

demais sócios e, assim, os interesses subjacentes da Sociedade de que não se interrompa

a atividade empresarial.

No cerne da exploração empresária encontra-se a sociedade. Instituída desde a

primeira revolução industrial, as Companhias são uma forma de dividir os riscos e

viabilizar as grandes empreitadas industriais (ASCARELLI, 1969, p. 150). Ainda hoje a

abertura do capital social e as outras formas de captação de recursos junto ao mercado

possibilitadas às sociedades anônimas se mostram como relevante forma de viabilização

de empreitadas.

Por esta razão, a adoção do tipo anônimo nem sempre representa uma adoção

plena pelos sócios das regras e dos caracteres capitalistas desse tipo societário.

10 O presente trabalho não se filia à corrente doutrinária que reconhece na função social da empresa um

requisito a se preencher ou um dever de que a empresa contribua diretamente para a Sociedade. O objetivo

primário da empresa é a consecução do objeto social através da organização de esforços e dos meios

produtivos com a geração de lucro que mantenha a atividade e remunere os sócios. A função social da

empresa, que é inegável, advém dos benefícios sociais criados pela geração, direta e indireta, de empregos,

impostos, tecnologia, soluções, competição, aquecimento da economia em escala micro e macroeconômica,

revitalização e retomada de áreas da cidade entre outros efeitos positivos que vêm da exploração da empresa

e do cumprimento da lei. Assim, a função social da empresa é um fundamento da livre-iniciativa, não

atribuindo requisitos, direitos ou deveres individualmente oponíveis a qualquer empresa, mas sendo

importante justificativa para o sistema da livre-iniciativa como um todo.

7

Inviabilizar um hibridismo que proteja os interesses desse setor de sociedades em

crescimento é econômica e socialmente relevante, pois atende e facilita os investimentos,

que geram empregos e movimentam riquezas, auxiliando o Estado Social como um todo.

A recém adoção de rito próprio para a dissolução parcial de sociedades através

do CPC/2015 enseja a necessidade de discussões e reflexões acerca de seus institutos e

disposições, de modo que sua aplicação, quando feita, seja o mais precisa o possível.

Promove-se, assim, diálogos entre os trabalhos publicados sob a vigência dos

entendimentos aplicados ao revogado Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973) –

que não dispunha de regramento próprio para este tipo de ação – e os dispositivos da atual

legislação, buscando a harmonização do saber já produzido com a realidade legislativa

hodierna.

Busca-se, assim, como objetivo geral do trabalho, o fomento da segurança

jurídica como forma de encorajamento dos investimentos e da associação com finalidade

empresarial. Ao contribuir nessa seara, a presente Dissertação estaria também auxiliando

na redução dos custos contingenciais próprios da incerteza jurídica.

Os objetivos específicos do trabalho são a análise do exercício do recesso e da

retirada nas sociedades estudadas, o cabimento da ação de dissolução parcial, seu

processamento e o cálculo dos haveres. Para tanto, faz-se necessária a análise

pormenorizada do Código Civil, da lei das sociedades anônimas, do Código de Processo

Civil, da jurisprudência e da própria lex mercatória como forma de integrar os sentidos

possíveis das normas.

Assim sendo, a presente Dissertação está dividida em quatro capítulos. O

primeiro tratará dos tipos de sociedade, suas origens e características tipicamente

esperadas. Assim, buscará compreender o fenômeno da heterotipia e defini-lo

objetivamente, buscando um método objetivo e reprodutível de verificação da heterotipia.

No segundo capítulo será estudada a evolução jurisprudencial que inaugurou o

tema da dissolução parcial de sociedades nos tribunais, utilizando do método da revisão

bibliográfica, consistindo de visitar a bibliografia selecionada acerca da temática,

buscando identificar e reproduzir a lógica empregada com fito de validar, refutar ou

ampliar as conclusões tecidas (GUSTIN, 2006).

8

O terceiro capítulo repousará sobre a dissolução parcial no ordenamento jurídico

atual, abordando apenas a parte material da dissolução, ou seja, o recesso e a retirada e

sua aplicabilidade às sociedades de pessoas e de capitais, bem como às sociedades

heterotípicas.

O quarto e último capítulo terá foco no rito da ação de dissolução parcial de

sociedade instituído pelo Código de Processo Civil de 2015, buscando identificar seu

cabimento, limites materiais, pressupostos processuais, funcionamento, recursos e outras

questões que apresentem pertinência. Sendo essa uma ação voltada à efetivação do

previsto no Direito Societário, a interpretação da lei processual se beneficia não apenas

dos postulados do Direito Processual Civil, mas também do Direito Comercial em vigor.

Também será realizada a análise do procedimento da penhora de quotas ou das ações de

sociedades personificadas e da dissolução total de sociedades no CPC/2015.

9

CAPÍTULO 1 - TIPOS SOCIETÁRIOS, SUAS CARACTERÍSTICAS

E A HETEROTIPIA

O primeiro passo na abordagem do objeto dessa dissertação é o estudo

aprofundado do direito materialmente aplicável. Toda controvérsia que envolver

dissolução de sociedades, seja pela via judicial ou não, terá por fundo a incidência de

normas societárias que autorizem o desfazimento do vínculo societário.

Assim, serão analisados, nos devidos subcapítulos, (1) os tipos societários e suas

características esperadas, e (2) a heterotipia e sua identificação e repercussões nas

sociedades anônimas. No primeiro subcapítulo, serão analisados mais

pormenorizadamente as distinções entre as sociedades de pessoas e de capitais, os

possíveis regimes contenciosos das sociedades e a constitucionalidade do vínculo estável.

No segundo subcapítulo, se proporá um teste para a identificação da heterotipia e se

discutirá as causas circunstanciais e repercussões da heterotipia nas sociedades anônimas.

1 - CARACTERÍSTICAS ESPERADAS DAS SOCIEDADES DE PESSOAS E

DE CAPITAIS

Faz-se necessário assentar, inicialmente, alguns conceitos preliminares para

clarificar os pressupostos adotados ao longo do trabalho. Assim, serão abordadas as

características, classificações e diferenciações das sociedades empresárias que serão

empregadas.

As sociedades são pessoas jurídicas de direito privado, conforme ditado no Art.

44, II, CC/2002 possuindo, portanto, autonomia patrimonial e volitiva em relação a seus

sócios. Sua formação se dá através da conjugação da vontade dos sócios através da

pactuação em contrato ou estatuto social11.

A forma mais comum de constituição de sociedades é através do contrato social,

espécie contratual negociada em que os sócios acordam entre si a exploração do objeto

11 Há ainda a possibilidade da sociedade em comum e da em conta de participação, que são

despersonalizadas. De qualquer sorte, mesmo que não seja por escrito, sempre há alguma forma de

pactuação entre os sócios.

10

social. É no contrato social que se define as proporções de propriedade, a administração

da sociedade, a forma de integralização do capital social, e as condições e mecanismos

pelos quais a sociedade será regida.

As sociedades contratuais, usualmente, são sociedades de pessoas, haja vista a

direta correlação entre a existência da sociedade, compreendida aqui como sua criação e

continuidade, e as características pessoais e manifestações volitivas dos sócios. Há, assim,

um sinalagma especial entre os sócios, visto que ficam vinculados não apenas pelas

obrigações objetivas, como a integralização do capital social, mas também por um vínculo

afetivo próprio dessa modalidade, a affectio societatis. Desse vínculo, extraem-se

obrigações da bona fides societatis, tais como a fidelidade, a confiança, o zelo na

condução dos negócios e na administração dos bens sociais.

Há também outra possibilidade de pactuação, o estatuto social, espécie de

negócio jurídico multilateral, em que se adere às condições pré-estabelecidas pelo

estatuto. No caso de subscrição de ações em oferta pública inicial as condições ainda não

estão estabelecidas, mas sim projetadas na proposta de estatuto social, que, uma vez

aprovado na assembleia geral para constituição, passa a vincular todos os acionistas,

mesmo que porventura tenham divergido.

Ocorre, nas sociedades institucionais, espécie de adesão; senão aos termos do

estatuto pré-estabelecido, às regras pendentes de estabelecimento sobre as quais terá

direito de manifestação, mas não de arrependimento. Tal situação não ocorre nas

sociedades contratuais, visto que a admissão de novo sócio depende de sua concordância

expressa, com a assinatura do contrato social, ato que é em si tão negociado quanto a

própria constituição da sociedade12.

O estatuto social, tal qual o contrato social, também dispõe sobre o capital social

e sua forma de integralização, bem como os mecanismos pelos quais a sociedade será

regida. Contudo, em razão da natureza geralmente capitalista dessas sociedades, o

estatuto não dispõe sobre a titularidade e a proporção do capital entre os acionistas.

Afinal, as ações podem ser livremente negociadas, seja entre os sócios, modificando suas

12 Na hipótese de que um ou mais herdeiros substituam o sócio falecido, ainda assim trata-se de uma

substituição negociada, nos termos do art. 1.028, III, CC/2002, dependendo de acordo da sociedade com os

herdeiros. Ao fim, ao cabo, ninguém jamais pode ser compelido a associar-se ou permanecer associado em

sociedade alguma, independentemente do que disponha o contrato social sobre os sócios vivos, em razão

de texto expresso da CF/1988. Esse tema é especificamente abordado na seção 1.3 do Capítulo 1.

11

proporções de titularidade; seja com o mercado, introduzindo novos sócios, de forma que

o estatuto não deve dispor sobre os sócios e suas qualidades pessoais.

Nesse modelo tende a ocorrer, portanto, uma abstração entre a sociedade e os

sócios, podendo a sociedade prosseguir mesmo que, por fatalidade, todos os sócios

falecessem simultaneamente. Nessa hipótese, as regras sucessórias definiriam os novos

titulares das ações e a sociedade continuaria sendo gerida pelos seus administradores, em

tese, sem prejuízos.

Outra distinção entre as sociedades de pessoas e de capitais diz respeito à

prescindibilidade dos sócios na administração da sociedade. Nas sociedades de pessoas,

ainda que não sejam administradores, compete aos sócios decidir sobre alguns negócios

da sociedade13, e sua participação direta na fiscalização e deliberação é esperada. Já nas

sociedades de capitais, os sócios podem eximir-se da prática de atos de administração da

sociedade através da criação de cargos e órgãos que dirijam os negócios, sendo certo que

não há na LSA/1976 qualquer ato de administração que necessariamente dependa da

deliberação dos acionistas.

Apesar desses dois tipos de ato constitutivo de sociedade serem teoricamente

parecidos e cumprirem funções similares, há que se destacar que suas diferenças são

juridicamente relevantes e levam a duas situações cuja distinção não é meramente

taxonômica.

Segundo LORENZETTI14 (1998), todo contrato pressupõe a formação de uma

parceria de mútuo interesse benéfico. Isso não significa dizer que ambas as partes

necessariamente se beneficiarão numa contratação nem tampouco que ambas obterão

vantagem econômica, mas sim que entre elas exige-se o respeito objetivo à boa-fé no

13 O art. 1.010, caput, do CC/2002 prevê que tanto a lei como o contrato social podem estabelecer

deliberações dos sócios sobre a gestão dos negócios; o art. 1.013, §1º do CC/2002 prevê que cabe aos sócios

decidir os conflitos entre atos dos administradores; também o art. 1.015, caput, prevê que, quando não

constituir objeto social, a alienação ou oneração de bens imóveis também depende de decisão dos sócios.

14 Ricardo Lorenzetti é juiz da Corte Suprema de Justiça argentina, tendo publicações acadêmicas

especificamente destinadas ao estudo do Direito Civil, inclusive do brasileiro. Compôs a comissão de

elaboração de projeto de reforma do Código Civil e Comercial da Argentina.

12

cumprimento de suas obrigações contratuais. Essa confiança, a affectio contractus15,

depende do tipo de relação jurídica que se estabelece entre as partes contratantes. No

contrato social, em que os contratantes decidem se unir para explorar determinado objeto

social, o grau de afeição entre as partes é ainda mais acentuado, sendo denominado

affectio societatis.

Esse dever de boa-fé e confiança compreende não apenas o momento da

formação do contrato social, mas também sua manutenção ao longo da duração da

sociedade, com a adoção de condutas compatíveis com a sociedade. Além da imperiosa

urbanidade típica do convívio em Sociedade, exige-se um distinto respeito e uma

cooperação sincera para que a sociedade atinja sempre o melhor resultado.

Assim sendo, para além do sinalagma claro do pagamento da prestação a que se

obrigou em razão da integralização do capital social, os sócios de sociedades contratuais

possuem entre si o dever mútuo e continuado de probidade e cooperação enquanto

permanecerem associados. A quebra dessa confiança e seus deveres conexos pode, como

será tratado no terceiro subcapítulo, representar efetivamente a quebra do vínculo

societário e a necessidade de exclusões do quadro social.

Já nas sociedades institucionais, justamente por não serem contratuais, a affectio

societatis não se faz presente nos mesmos moldes. Os acionistas, vinculados

objetivamente pela sociedade, têm também deveres de boa-fé para com a sociedade e os

demais acionistas, mas esse vínculo não se revela como um dos requisitos para a

sociedade. Quebrada a affectio, as consequências não levam a qualquer exclusão do

quadro social e caso um acionista decida que não pode permanecer associado diante de

determinado ato, terá apenas as opções que a lei ou o estatuto lhe deferir ou a de vender

suas ações.

Sociedades institucionais, portanto, são tradicionalmente sociedades de

capitais16, posto que independem e abstraem das características pessoais dos sócios e até

15 Essa terminologia, que se popularizou nos últimos anos, é frequentemente atribuída a Lorenzetti.

Contudo, vasculhando sua obra, não foi possível confirmar-se a atribuição de tal termo, ainda que toda a

sua fundamentação teórica esteja de fato presente em sua obra.

16 A única sociedade institucional personalista é a sociedade cooperativa, que não pode ser empresária.

13

mesmo de suas vontades, no que toca à aquisição das ações por herança17. Esta marca é a

principal distinção entre duas grandes categorias das sociedades: as de capital e as de

pessoas, como aponta ASCARELLI (1969, p. 334):

O princípio de não importar a mudança dos sócios uma modificação do

contrato social apresentou-se, talvez, na origem das sociedades anônimas, com

um cunho ainda mais excepcional, do que o próprio princípio da

responsabilidade limitada, cujos precedentes históricos eram mais freqüentes

e numerosos. Constituiu, no início, um “privilégio” das companhias,

decorrente da “carta” em eu se baseava sua constituição; reconheceu-se,

depois, nêle, um característico das sociedades anônimas, relacionado,

justamente, com o princípio da responsabilidade limitada.

As sociedades de capital, portanto desconsideram qualquer tipo de qualidade

subjetiva dos sócios, privilegiando apenas o critério objetivo da integralização da

participação social, na forma das ações subscritas ou adquiridas. Já o segundo tipo nasce

direta e especificamente da vontade manifesta de associar-se e permanecer associado com

pessoas determinadas e infungíveis, por suas qualidades e não apenas por sua participação

social através da integralização das cotas. É o caso das sociedades familiares, por

exemplo.

Esta categorização clássica do Direito Comercial é tradicionalmente atrelada aos

tipos societários adotados. Apenas a sociedade anônima é apontada como sociedade de

capitais e institucional, havendo a comandita por ações, em desuso, que também tem esta

inerência capitalista; enquanto as sociedades contratuais, como as simples, são

tradicionalmente vistas como de pessoas, havendo a possibilidade da limitada ter viés

capitalista, conforme aponta COELHO (2016, PP. 41-42).

Diante de conflitos entre sócios, as sociedades tendem a certa forma de solução

de acordo com suas características. Para além da tentativa de composição voluntária do

conflito, através de negociações, conciliação e mediação, as sociedades preveem formas

distintas para a resolução de seus conflitos.

As sociedades regidas pelo Código Civil e a cooperativa permitem ao sócio a

retirada imotivada a qualquer momento. As sociedades regidas pela lei das sociedades

anônimas, por outro lado, não admitem a retirada imotivada, mas apenas em situações

17 Aqui, caso o herdeiro não deseje ser sócio de uma sociedade por ações, deve ou adquirir e vender a

participação ou não adquirir as ações através de compensações na partilha. Não sendo possível, deverá

renunciar à herança. Não lhe é facultada a apuração dos haveres.

14

pré-estabelecidas e, por essa razão, dependem de soluções alternativas para os

desentendimentos graves entre os sócios.

Se o exercício livre do direito de retirada é a ultima ratio nas sociedades regidas

pelo Código Civil, cria-se nestas uma instabilidade do vínculo societário, já que o sócio

insatisfeito pode quebrar o pacto social e ver seu investimento restituído através da

apuração de seus haveres, o que pode até mesmo inviabilizar a empresa. Não lhes é

possível, a não ser que isso tenha sido especificamente pactuado, alienar suas quotas a

qualquer terceiro, já que o vínculo entre os sócios depende de suas características

pessoais18.

Por outro lado, não dispondo dessa opção, as sociedades regidas pela LSA/1976

adquirem uma característica de estabilidade, devendo os sócios insatisfeitos alienar suas

participações societárias a terceiros ou buscarem outras formas de fazer prevalecer sua

visão.

É por esta razão que as sociedades por ações, via de regra, são sociedades de

vínculo estável, ficando o capital social protegido da vontade do sócio de não permanecer

associado, a não ser em poucas situações, que serão pormenorizadas posteriormente.

Diante dessa inviabilidade, a tendência no conflito entre acionistas é a judicialização das

questões controvertidas.

Nada impede, contudo, que os sócios de sociedade instável busquem o Poder

Judiciário para discutir a validade de atos da gestão, a interpretação e aplicação do ato

societário ou a nulidade de deliberações e votos. Tanto o artigo 1.010, §2º do CC/2002

quanto o artigo 129, §2º da LSA/1976 preveem, inclusive, que incumbe ao Poder

Judiciário o desempate de deliberações em que ocorra um empate persistente.

A tendência pela solução através da retirada ou da judicialização dos atos de

gestão não advém de um impedimento jurídico, mas de uma opção cultural. Os mesmos

atos que seriam impugnáveis na sociedade estável também podem ser impugnados na

instável, resultando numa mesma situação prática de relativa insegurança jurídica até a

solução do processo. Por outro lado, buscar diretamente a dissolução parcial também

18 É nesse sentido que o Art. 1.057, caput do CC/2002 estabelece o direito de oposição dos demais sócios

à cessão de quotas na sociedade limitada, por exemplo.

15

possivelmente levará à pendência de apreciação judicial, haja vista divergências para o

cálculo e execução dos haveres.

Em ambos os casos, a atividade empresarial acaba submetida às análises do

Poder Judiciário e fica em risco diante das diferentes decisões que podem ser tomadas.

Esse risco pode, em ambos os casos, ser relevante ou não para a subsistência da sociedade,

a depender dos volumes de capital envolvidos.

Enquanto a anulação de certos atos pode ser excessivamente custosa à sociedade,

a apuração dos haveres de um sócio gera a controvérsia sobre o desinvestimento. Uma

vez integralizado o capital social, passa a impulsionar todas as atividades econômicas

empresárias, incluindo um conjunto de obrigações de prestações continuadas e com

consequências jurídicas para sua interrupção, como as relacionadas aos contratos de

trabalho e de fornecimento.

O desinvestimento ancorado à restituição dos haveres tem o potencial de

inviabilizar a atividade da empresa. Contudo, a depender do tamanho das repercussões

do ato impugnado, também pode ser necessário o desinvestimento para fazer frente aos

custos, sendo apenas diferente o destinatário final do desinvestimento. Para ambos os

casos, a situação é mais de uma crise econômica do que propriamente uma decorrência

da forma preferida para o regime contencioso das controvérsias políticas da sociedade e

pode até mesmo ensejar a necessidade de recuperação judicial

Dessa forma, questiona-se a correlação entre o regime contencioso e a

estabilidade da sociedade. A opção pela impugnação de atos societários favorece a

manutenção do vínculo societário, mas não protege a sociedade de perdas em razão da

crise política. Pode também, ao fim, gerar situações extremas, sendo certo que ela não é

vetada nas sociedades de vínculo instável. Ocorre apenas que nas de vínculo instável o

sócio tem uma opção para preceder à sociedade no recebimento do desinvestimento,

quando exerce seu direito de retirada, o que economicamente pode ser mais vantajoso,

dada a importância de sua participação dentro da sociedade.

16

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, bem como todas as antecessoras

desde 1891, o direito fundamental de associação. A extensão da interpretação do teor

normativo desse direito, contudo, variou ao longo do tempo, de acordo com o momento

político do país.

A atual constituição, ao estabelecer essa regulação, foi a primeira a destrinchar

o direito de associação em mais de um inciso, fazendo-o entre os incisos XVII e XXI do

artigo 5º, que garantiu: o (XVII) direito de livre associação para fins não militares;

(XVIII) a vedação ao Poder Público de exigir autorizações para a criação de associações

e cooperativas; (XIX) a impossibilidade de dissolução de associação por decisão

administrativa ou judicial não transitada em julgado; (XX) a vedação à associação

compulsória ou à manutenção compulsória como associado; e (XXI) a possibilidade de

que as entidades associativas representem seus filiados judicial ou extrajudicialmente.

O emprego dos termos “associações”, “cooperativas” e “entidades associativas”

aponta a intenção da utilização do termo “associar-se” em seu sentido estrito, de formar

uma associação. Se não fosse assim, não haveria a necessidade da especificação das

cooperativas e das entidades associativas, que abarcam também as entidades sindicais,

abrangidas também pelo Art. 8º, III da Carta Magna. Caso o constituinte desejasse a

incidência plena destes artigos às sociedades, ou teria utilizado o termo sociedade, ou

então mantido a vagueza da palavra “associar-se” em todos os incisos, ou as citaria

diretamente.

A jurisprudência, contudo, ao interpretar o inciso XX enxergou correlação entre

o exercício do direito de retirada próprio das sociedades de pessoas de vínculo instável e

o direito fundamental de não ser obrigado a associar-se ou permanecer associado. É o

caso do Recurso Especial nº 78.460 (Rel. Min. Djaci Falcão, Primeira Turma do STF,

julgamento em 14 de maio de 1974), em que pretensa associação de proprietários de

loteamento, cuja real natureza era de sociedade civil, buscava cobrar taxa condominial,

alegando que os proprietários eram seus associados. Para resolver a questão o Acórdão

do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro invocou o artigo 5º, XX para repelir as pretensões

da autora, o que acabou confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Posteriormente, no julgamento dos Recursos Especiais nº 507.490/RJ (Rel. Min.

Sepúlveda Pertence, Primeira Turma do STF, julgamento em 23 de maio de 2005), que

17

será pormenorizadamente analisado à frente, o mesmo inciso foi invocado para sustentar

a viabilidade de dissolução parcial de sociedade anônima com característica familiar. O

REsp nº 867.101/DF (Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma do STJ, julgamento em

20 de maio de 2010) também utilizou o mesmo fundamento, mas em conversão de

dissolução total em parcial por exercício de direito de retirada de sociedade limitada.

Se assim fosse, poderia haver um problema de harmonização entre o comando

constitucional e as sociedades estáveis, nas quais a desassociação é limitada a casos

objetivos. A compatibilidade, contudo, não é impossível, visto que os direitos

constitucionais devem ser interpretados sistemicamente.

Os casos de estabilidade do vínculo societário são dois: o de qualquer sociedade

contratada por tempo determinado ou o da existência de cláusulas, sejam elas legais ou

estabelecidas no contrato ou estatuto, que limitem o exercício da retirada ou recesso a

hipóteses determinadas.

No primeiro caso, a desassociação ocorrerá naturalmente com o decurso do

tempo, sendo que a estabilidade impede unicamente a antecipação desse momento – senão

em função de justa causa, que será pormenorizada posteriormente – o que por si só não

viola o comando constitucional, já que o sócio insatisfeito não está sendo compelido a

permanecer associado, mas apenas a aguardar o decurso do prazo em razão da segurança

jurídica e da preservação da empresa e sua função. Cabe destacar que caso a sociedade

tenha sido contratada por tempo determinado excessivamente longo, superior à vida

humana ou ao tempo de duração esperado para a empreitada contratada, deve-se verificar

se a cláusula, em verdade, não é uma simulação de sociedade contratada por tempo

indeterminado.

O que visa proteger a norma constitucional não é o patrimônio, mas sim a

vontade do sócio. Associar-se e desassociar-se, além de um ato patrimonial, é um ato

volitivo e ser compelido a associar-se ignoraria a vontade do indivíduo de vincular-se a

ideia, ou, no caso das sociedades, a um investimento com a qual não concorde. Essa

proteção deve estar coadunada à proteção da livre-iniciativa, da segurança jurídica e da

preservação da empresa, valores também constitucionalmente protegidos.

Assim sendo, no segundo caso, a estabilidade do vínculo societário protegida

pela constituição e pela lei comercial é a outra parte do vínculo: a patrimonial. Caso não

possua justa causa que lhe autorize retirar-se junto de seus haveres, a preservação da

18

empresa não poderia impedir-lhe de se retirar abrindo mão deles. Todo fato que seja

imputável aos sócios até a efetivação de sua retirada judicial, a ele também se imputaria

este fato.

Cabe ainda ressaltar que nas sociedades de capital, o vínculo societário é entre

os investimentos dos sócios, não entre suas vontades pessoais. O elo comum da sociedade

é a pecúnia, não a afinidade pessoal ou a vontade de permanecer associado, de modo que

não haveria por que incidir a proteção constitucional.

Caso tenha se obrigado junto à sociedade a alguma prestação determinada, seja

no contrato social ou em outros negócios jurídicos ou condenações judiciais, sua retirada

não lhe isenta de cumpri-la, a não ser das que tenham como contrapartida a exata condição

de sócio, tal como a administração da sociedade ou a prestação de seu trabalho. Dessa

forma, viabiliza-se a plena continuidade da sociedade, sem que a saída do sócio represente

uma crise da empresa. A mesma solução poderia também ser aplicada nas sociedades do

primeiro caso, o que também ajuda a confirmar a validade da interpretação.

Outro fator a confirmar a validade dessa interpretação é o comando do inciso

XX: ninguém pode ser compelido a associar-se.

Caso numa sociedade contratada por tempo limitado falecesse um sócio, o artigo

1.028 do CC/2002 determina que a quota do falecido deve ser liquidada, sem abordar a

questão da estabilidade do vínculo das sociedades contratadas por tempo certo, reservada

ao artigo 1.029. Se o contrato social dispusesse, sem a intervenção anuente dos herdeiros,

que a quota do falecido é herdada pelos herdeiros, que serão sócios regulares até o término

do prazo da sociedade, essa cláusula evidentemente violaria o comando constitucional, a

autonomia privada e até mesmo o CC/2002, tanto nas normas societárias do art. 1.028,

III como do direito das sucessões, que faculta ao herdeiro aceitar ou não a herança.

Contudo, se o contrato social tiver sido anuído pelos herdeiros, concordando

com a cláusula sucessória, ao falecer um dos sócios seus herdeiros devem ser integrados

à sociedade. Se não houver mais vontade de associar-se e não for possível a este herdeiro

realizar uma compensação de seu quinhão no inventário ou essa possibilidade não for

facultada pelo contrato social, ainda poderá desistir de sua herança, abrindo mão tanto do

aspecto político na sociedade quanto de seus haveres, mas não sendo obrigado a se

associar.

19

Assim sendo, tanto pelo viés negativo, de não ser obrigado a associar-se à

sociedade de vínculo estável; quanto pelo viés positivo, de não ser obrigado a permanecer

associado a este tipo de sociedade; o que busca proteger o comando constitucional é a

vontade do indivíduo, não seu patrimônio. Harmonizando esta proteção com o tratamento

dado à livre-iniciativa e a preservação da empresa, o ordenamento infraconstitucional

apresenta opções viáveis para que sejam privilegiados os interesses legítimos do

indivíduo de não participar de uma sociedade e os da sociedade, de manter a segurança

jurídica que lhe é característica.

2 - TIPOS SOCIETÁRIOS E A HETEROTIPIA

A história da criação de tipos societários se confunde com os objetivos e

necessidades do comércio, conforme aponta BULGARELLI (1979). Ao final da Idade

Média o comércio era exercido individualmente, sendo possível se organizar em

sociedades para a divisão dos lucros entre os sócios, mas sem que isso importasse na

aquisição de uma personalidade distinta da dos sócios (DEWEY, 1926, PP.663-669). Essa

sociedade poderia ocorrer entre sócios que exerçam a exploração da empresa, ficando

próximo ao que conhecemos hoje como sociedade simples; ou em comenda, havendo

sócios que exercem e outros que apenas investem o capital, o que originou tanto as atuais

sociedades em nome coletivo quanto as em comandita simples.

As grandes navegações modificaram as perspectivas de negócios grandemente,

impactando também na forma da exploração da empresa, conforme aponta CAVALLI

(2012, PP. 33-50). Nas empreitadas ultramarinas e na formação de rotas comerciais com

o oriente eram necessários grandes investimentos para a composição de frotas, criação de

entrepostos e da própria organização do comércio. Buscando sua viabilidade, foram

autorizadas pelos monarcas as primeiras Companhias, que recebiam investimentos de

diversos sócios, ficando a exploração a cargo apenas dos administradores e todos os

demais com suas perdas limitadas ao capital investido (LAMY JUNIOR, BULHÕES

PEDREIRA, 2017, PP. 30-37).

Com a revolução industrial e nova necessidade de captação de investimentos

vultuosos, esse modelo foi expandido com a possibilidade de que qualquer pessoa,

mediante pedido e autorização pública, pudesse abrir sua própria companhia ou sociedade

20

anônima (LAMY JUNIOR, BULHÕES PEDREIRA, 2017, p. 38 e RIBEIRO e

BARROS, 2008, pág. 1066).

A transformação da Companhia em uma forma societária que todos poderiam

constituir – A Sociedade Anônima –, ocorrida no Século XIX com a adoção da teoria da

personalidade jurídica pela Alemanha (HARRIS, 2007, pp. 3-5), possibilitou a expansão

da responsabilidade limitada a todos que pudessem pagar e passar pelos trâmites

burocráticos estabelecidos pelas legislações da época, como o Registration,

Incorporation and Regulation Act inglês de 1844.

De fato, os custos eram – e são até hoje – tão elevados e a burocracia é tão

demorada que este tipo societário acaba sendo inviável para a maior parte das pessoas

que pretende fundar uma sociedade. Para vencer esta barreira criou-se na Alemanha em

1892, através do Gesellschaft mit beschrnkter Haftung (GmbH), uma versão simplificada

das Corporações inspirada nas Private Limited Companies (PLC) da Inglaterra

(BAGLEY, 198-?, § 1º). O modelo posteriormente passou por aperfeiçoamentos, de modo

a atender necessidades específicas.

Verifica-se, contudo, que a existência de múltiplos tipos societários hoje em dia

representa um legado histórico do desenvolvimento do próprio Direito Societário, que

partiu de uma perspectiva individualista para uma subjetivista e altamente controlada pelo

Poder Público, com a criação das Companhias, e, posteriormente, para uma realidade

liberal que incentivava a organização do capital em prol das empreitadas comerciais e

industriais que impulsionaram as economias a partir do século XVIII. Não se verifica um

esforço de revisar a real utilidade sistêmica de cada tipo societário ou de criar um modelo

de tipos societários racionalizado e desenhado para as demandas atuais.

Hoje em dia parte destes tipos societários, as sociedades em comandita,

perderam sua utilidade e são praticamente letra morta; apenas as sociedades simples e as

sociedades limitadas veem ampla utilização, seguidas por Sociedades Anônimas e

Cooperativas19.

19 Segundo as estatísticas divulgadas pela Junta Comercial do Estado de São Paulo (JUCESP, 2013), o tipo

societário mais empregado nas constituições é o da sociedade limitada. O tipo das sociedades simples, por

outro lado, são utilizadas principalmente entre não-empresários. Apenas poucas centenas de sociedades não

limitadas ou Sociedades Anônimas são registradas anualmente. Há divergências doutrinárias sobre se a

EIRELI representa ou não uma sociedade unipessoal – sendo que este trabalho se vincula à corrente que

reconhece na EIRELI um tipo societário. De qualquer forma, a constituição de EIRELIs ainda é modesto,

21

Apesar das eventualmente reformas e modernizações, não se verifica um esforço

sistêmico para criar uma verdadeira teoria moderna para os tipos societários, que adeque

os modelos aos fundamentos aos quais se destina, não apenas buscando os resultados,

como a limitação de responsabilidade ou a maior acessibilidade ao mercado de capitais

internacional. Apesar de ser impossível verificar, talvez seja justamente esse desarranjo

entre os fundamentos históricos das normas de cada tipo societário e a realidade moderna

que leve os empresários a buscar modelos híbridos, utilizando normas destinadas a outros

tipos societários, o que criou a heterotipia.

Se parte dos tipos societários perdeu sua função, percebe-se que entre os

sobreviventes ocorre o emprego de regras que, a priori, seriam destinadas a outro tipo

societário, de modo que as características inicialmente esperadas para o tipo podem não

corresponder à realidade da sociedade, na prática.

Em razão disso, a realidade do vínculo entre os sócios só pode ser compreendida

a partir do estudo casuístico da relação jurídica que os vincula. Da análise dos documentos

que regem a sociedade, tais como o contrato social e as atas das assembleias e reuniões

entre os sócios, é que se pode ditar sua natureza, suas regras e a intensidade de

subjetividade que vincula verdadeiramente as partes.

Nada impede que uma sociedade simples contenha regras e características que a

aproximem grandemente da natureza capitalista, típica das sociedades anônimas20; da

mesma forma, nada impede que sociedades anônimas não sejam tão independentes das

qualidades pessoais dos sócios quanto se esperaria.

Esta situação foi descrita por Marcelo GUEDES NUNES (2014, p. 327) como

heterotipia, ou seja, um enquadramento fora das características do tipo societário adotado.

Tal tema provoca discussões fundamentais para o presente trabalho, em especial acerca

graças ao alto capital social necessário à sua constituição, ainda sendo mais comum a inscrição como

empresário individual ou Micro-empresário individual (MEI).

20 Cabe aqui destacar que o CC/2002 permite o emprego subsidiário de normas das associações para a

regência das sociedades simples, nos termos do art. 44, §2º. Isso possibilita que em sociedades simples

sejam contratadas cláusulas que permitam a transmissibilidade da qualidade de sócio, nos termos do art.

56; vantagens especiais para classes de sócios, nos termos do art. 55; e o impedimento casuístico do

exercício de direitos, nos termos do art. 58. Admite-se, assim, que podem haver sociedades simples com

características distintas das naturais e, portanto, heterotípicas

22

da incidência das normas destinadas ao tipo societário com o qual a sociedade guarda

semelhanças de tipo.

Esse, inclusive, não é um quadro novo. ASCARELLI (1969, p. 150), já

destacava:

As observações desenvolvidas nestas páginas talvez possam tornar-se úteis,

igualmente, no estudo de alguns fenômenos que se verificam no vasto campo

das sociedades anônimas anômalas.

É o que ocorre nas pequenas sociedades anônimas, já lembradas anteriormente.

Econômicamente, as sociedades anônimas são destinadas às grandes emprêsas;

constituem o instrumento jurídico para transformar em capital industrial as

economias de vastas camadas da população; a direção efetiva da emprêsa se

distingue, portanto, da simples participação nesta; há uma distinção jurídica

constante entre acionistas, diretores e conselho fiscal, ou seja, entre a

orientação geral da sociedade, sua administração e a fiscalização desta. Nas

demais sociedades, ao contrário, cada sócio tem, pelo fato de ser sócio, salvo

cláusula em contrário, o poder de participar na administração da sociedade ou,

de qualquer forma, pelo menos (como acontece quanto aos comanditários) ao

seu contrôle21.

Na prática, a distinção entre acionistas e diretores e se foi acentuando no

recente desenvolvimento das sociedades anônimas, dominado pela moderna

tendência à concentração das emprêsas. É justamente dessa acentuação que, a

cada passo, surgem graves problemas na disciplina dessas sociedades22.

Mas não é raro, tampouco, encontrar sociedades anônimas familiares.

Compostas de pouquíssimos sócios, com ações freqüentemente nominativas e

sujeitas, às vezes, quanto à sua transferência, a limitações especiais, com

acionistas que são todos concomitantemente diretores ou membros do conselho

fiscal – muitas vêzes, transformações de emprêsas individuais que procuram,

assim, solidificar-se e perpetuar-se além da vida do fundador –, essas

sociedades apresentam cláusulas particulares sôbre cuja validade

freqüentemente se discute nas salas dos nossos tribunais, apresentando

problemas peculiares seja no direito fiscal23, seja no que respeita a uma

perigosa concentração de riqueza.

21 [N. do O.] A importância jurídica dêsse conceito foi posta em destaque oi WIELAND; é, aliás, evidente

no que diz respeito às sociedades em nome coletivo, em que cada sócio goza, em princípio, de um poder de

administração, que só desaparece por fôrça do pacto social (art. 107 do Cód. Comercial; art. 1.723 do Cód.

Civil) e, mesmo nesse caso, de maneira não absoluta, como resulta da hipótese considerada pela Cassação

italiana em 31-3-1925, e da solução ali adotada (Rivista di Diritto Commerciale, 1925, II, 509) Por sua vez,

o comanditário é excluído da participação na administração da sociedade, não podendo (ao contrário do

acionista na sociedade anônima), ser administrador desta, mas, por outro lado, tem direitos mais amplos

que os do acionista no que diz respeito à possibilidade de fiscalizar a gestão da sociedade (por ex., no que

respeita ao exame dos livros sociais).

22 [N. do O.] O desenvolvimento recente da sociedade anônima, quando o mercado dos capitais é muito

desenvolvido, centraliza a direção, não raro, nas mãos de uma minoria, enquanto a massa dos acionistas

não pode e; muitas vezes, não quer acompanhar verdadeiramente as vicissitudes da emprêsa; emprega o

próprio dinheiro em ações, ou com intenções especulativas ou para simples aplicação de capital. Cf. a

respeito, BERLE & MEANS, The Modern Corporation and Private Property, Nova Iorque, 1932.

23 [N. do O.] Às vêzes, na legislação comparada, estão as sociedades anônimas familiares, sujeitas a uma

regulamentação especial quanto ao imposto de renda. Por exemplo, na legislação canadense autorizam-se,

nesta hipótese, os acionistas a pedir ser tributados direta e pessoalmente, cada um em proporção da própria

participação, em relação ao rendimento percebido pela sociedade. Cf. PLAXTON, The Law Relating the

Income-Tax of the Dominion of Canada, Toronto, 1939, págs. 8 e 186.

23

Nas sociedades anônimas, em específico, alguns sinais são característicos da

heterotipia. Enquanto a adoção da regência supletiva pelo Código Civil certamente

significa uma característica heterotípica, outras particularidades não significam

imediatamente a heterotipia. É o caso da natureza familiar da sociedade que, ainda que

por diversas vezes signifique uma gestão personalista da sociedade, não implica

diretamente no abandono das características esperadas de uma sociedade anônima.

Outros sinais, contudo, são menos claros. Os acionistas exercerem diretamente

ou por meio de parentes cargos de gestão ou do conselho fiscal, ainda que indique um

viés personalista, não necessariamente constituirá uma heterotipia, mas sim uma possível

má gestão. Nesse caso deve-se avaliar outros pontos relevantes, como se o quadro

societário possuir apenas pessoas de uma mesma família ou de famílias com relações

próximas; a forma como os acionistas e diretores se relacionam e se apresentam para o

mercado; a existência de acordos de acionistas que tragam à rotina da companhia normas

e procedimentos comuns a sociedades personalistas, entre outros.

Não havendo outros elementos que levem à conclusão do mal enquadramento

nas regras básicas do tipo societário, às inconsistências podem-se dar três respostas: ou

(1) devem ser consideradas válidas, pois, apesar de estranhas ao tipo, não são vedadas

nem causam prejuízos; ou (2) devem ser consideradas nulas, por serem vedadas e irem de

encontro com as normas e princípios fundamentais para a existência da sociedade; ou (3)

devem ser consideradas atos de má gestão, com a tomada de atos contrários à higidez e

boa governança das sociedade, que, caso gere prejuízos, levam à responsabilidade dos

acionistas.

O primeiro caso seria o de um acionista majoritário compor ele mesmo o

conselho de administração ou o conselho fiscal. Apesar de não ser uma boa prática de

governança, não há vedação legal expressa, de modo que o ato é válido. O segundo caso

seria o de o Estatuto Social prever, nominalmente, que determinados acionistas farão

parte do conselho de administração ou conselho fiscal – o que fere as normas sobre eleição

para esses órgãos. Esse texto deve ser considerado não escrito. O terceiro caso seria de,

na mesma hipótese do primeiro cargo, o acionista membro do conselho de administração

causar prejuízo à companhia ao buscar o privilégio do próprio interesse.

Como forma de auxiliar na identificação da heterotipia, propõe-se a utilização

do quadro-teste abaixo apresentado. Nele, partindo do tipo societário escolhido e

24

verificando as normas regentes da sociedade dispostas no Contrato ou Estatuto social o

quadro-teste leva às conclusões acerca da heterotipia.

TABELA 1 – QUADRO-TESTE PARA DEFINIÇÃO DAS

CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE E DA HETEROTIPIA

Pergunta inicial: Qual é o tipo societário adotado?

# Hipótese Consequência

1 A sociedade é Simples, em nome

coletivo ou comandita simples

A sociedade é contratual e personalista.

Ir para a Pergunta 1

2 A sociedade é Anônima fechada ou em

comandita por ações

A sociedade é institucional, de capitais.

Ir para a Pergunta 2

3 A sociedade é Limitada A sociedade é contratual.

Ir para a Pergunta 3

4 A sociedade é Anônima aberta A sociedade é institucional, de capitais e de

vínculo estável. Não se admite qualquer

cláusula que modifique essas características,

devendo ser considerada não escrita. O

Estatuto pode estabelecer outras hipóteses

ou remédios para que minoritários sejam

protegidos, mas não facultar-lhes retirada

imotivada a qualquer tempo.

Pergunta 1: A sociedade da hipótese 1 foi contratada por tempo determinado ou

indeterminado?

1.1 A sociedade da hipótese 1 foi contratada

por tempo determinado

A sociedade, além de contratual e

personalista, é de vínculo estável.

Ir para a pergunta 6.

1.2 A sociedade da hipótese 1 foi contratada

por tempo indeterminado

A sociedade, além de contratual e

personalista, é de vínculo instável.

Ir para a pergunta 6.

Pergunta 2: A sociedade da hipótese 2 possui regência supletiva pelo Código Civil?

2.1 A sociedade da hipótese 2 possui

regência supletiva pelo Código Civil

A sociedade, apesar de institucional e de

capitais, possui vínculo excepcionalmente

instável, sendo heterotípica.

Ir para a pergunta 7.

2.2 A sociedade da hipótese 2 não possui

regência supletiva pelo Código Civil

A sociedade é institucional, de capitais e

possui vínculo estável.

Ir para a pergunta 7.

Pergunta 3: A sociedade da hipótese 3 permite a alienação da participação societária

sem anuência prévia?

3.1 A sociedade da hipótese 3 permite a

alienação

A sociedade é contratual e de capitais.

Ir para a pergunta 4.

3.2 A sociedade da hipótese 3 não permite a

alienação

A sociedade é contratual e personalista.

Ir para a pergunta 4.

25

Pergunta 4: A sociedade da pergunta 3 possui regência pela LSA?

4.1 A sociedade da hipótese 3.1 possui

regência pela LSA.

A sociedade é contratual, de capitais e

possui vínculo estável.

Ir para a pergunta 8.

4.2 A sociedade da hipótese 3.1 não possui

regência pela LSA.

A sociedade é contratual e de capitais.

Ir para a pergunta 5.

4.3 A sociedade da hipótese 3.2 possui

regência pela LSA

A sociedade é contratual, personalista e

possui vínculo estável.

Ir para a pergunta 8.

4.4 A sociedade da hipótese 3.2 não possui

regência pela LSA

A sociedade é contratual, personalista.

Ir para a pergunta 5.

Pergunta 5: A sociedade da pergunta 4 foi contratada por tempo determinado ou

indeterminado?

5.1 A sociedade da hipótese 4.2 foi

contratada por tempo determinado

A sociedade é contratual, de capitais e

possui vínculo estável.

Ir para a pergunta 8.

5.2 A sociedade da hipótese 4.2 foi

contratada por tempo indeterminado

A sociedade é contratual, de capitais e

possui vínculo instável.

Ir para a pergunta 8.

5.3 A sociedade da hipótese 4.4 foi

contratada por tempo determinado

A sociedade é contratual, personalista e

possui vínculo estável.

Ir para a pergunta 8.

5.4 A sociedade da hipótese 4.4 foi

contratada por tempo indeterminado

A sociedade é contratual, personalista e

possui vínculo instável.

Ir para a pergunta 8.

Pergunta 6: A sociedade da pergunta 1 possui alguma das seguintes características?

(não excludentes)

6.1 A sociedade não possui nenhuma das

características.

A sociedade não é heterotípica.

6.2 A sociedade da pergunta 1, nos termos

do art. 44, §2° c/c 58 do CC/2002,

apresenta algum impedimento ao

exercício do direito de retirada previsto

pelo art. 1.029.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

de estabilidade.

6.3 A sociedade da pergunta 1, nos termos

do art. 44, §2° c/c 56, caput e parágrafo

único do CC/2002, apresenta alguma

permissão para a alienação da

participação societária ou seu exercício

por terceiros sem a necessidade de

aprovação prévia e casuística.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

capitalista.

Pergunta 7: A sociedade da pergunta 2 possui alguma das seguintes características?

(não excludentes)

7.1 A sociedade não possui nenhuma das

características.

A sociedade não é heterotípica.

26

7.2 A sociedade possui acionistas que não

partilham da lógica personalista, tais

como sociedades de investimento ou

acionistas desconhecidos.

Deve-se considerar não escrita qualquer

cláusula estatutária que dê viés personalista

à sociedade. A sociedade pode ser

heterotípica quanto à instabilidade, caso

haja razão para tanto.

7.3 A sociedade da hipótese 2.1, em seu

estatuto, dispõe sobre o nome ou

características pessoais de todos os

sócios.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

personalista e de instabilidade.

7.4 A sociedade da hipótese 2.2, em seu

estatuto, dispõe sobre nome ou

características pessoais dos sócios.

Consideram-se não escritos os nomes,

diante do viés capitalista, sendo válidos os

registros de titularidade cabíveis (livro de

“Registro de Ações Nominativas” ou da

instituição depositária das ações escriturais)

7.5 A sociedade da pergunta 2, no estatuto

ou em acordo de acionistas, impõe

limites à circulação de ações para

preservar o controle ou características

pessoais dos acionistas da sociedade.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

personalista e de instabilidade.

7.6 A sociedade da hipótese 2.2, no estatuto

ou em acordo de acionistas, impõe

limitações à circulação de ações, nos

termos do art. 36 da LSA/1976, tais

como o direito de preferência de outros

acionistas.

A sociedade não é heterotípica.

7.7 A sociedade da hipótese 2.2, em seu

estatuto, permite retirada imotivada de

acionista oponível à sociedade para a

apuração de seus haveres.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

de instabilidade.

7.8 A sociedade da pergunta 2 é operada de

forma a valorizar a atuação pessoal de

todos os acionistas em detrimento dos

órgãos sociais institucionais.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

personalista.

7.9 A sociedade da pergunta 2 é

administrada por todos os seus

acionistas, seja através da participação

no conselho de administração, ou em

diretorias, ou em ambos.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

personalista.

Pergunta 8: A sociedade das perguntas 4 ou 5 possui alguma das seguintes

características? (não excludentes)

8.1 A sociedade não possui nenhuma das

características.

A sociedade não é heterotípica.

8.2 A sociedade das hipóteses 4.1, 5.1 ou

5.2 apresenta alguma limitação à

alienação da participação societária.

A sociedade não é heterotípica, apenas

possui restrições em seu viés capitalista.

27

8.3 A sociedade das hipóteses 4.1, 4.3, 5.1

ou 5.3 permite a retirada imotivada de

sócio, oponível à sociedade para a

apuração de seus haveres.

A sociedade não é heterotípica, mas deve

ser classificada como instável.

8.4 A sociedade das hipóteses 4.3, 5.3 ou

5.4 permite, em algum caso

determinado, a supressão da autorização

para a alienação da participação

societária.

A sociedade não é heterotípica, visto que os

sócios concordaram com essa possibilidade

de substituição, o que se incorporou à

característica personalista da sociedade.

8.5 A sociedade das hipóteses 5.2 ou 5.4

apresentar alguma restrição ao exercício

do direito de retirada

A sociedade não é heterotípica, mas deve

ser classificada como estável

O quadro-teste foi desenvolvido buscando compreender o máximo de situações

jurídicas possíveis e a consequência jurídica dessas disposições. Evidente que a

criatividade humana pode sempre ser surpreendente, de modo que a utilização do quadro-

teste pode ser insuficiente, no caso concreto, para determinar toda e qualquer hipótese de

heterotipia. A regra geral, contudo, não se deixa de aplicar: se a sociedade, por suas

conformações práticas, passa assumir características que não seriam próprias do tipo

societário adotado e se isso não importa em uma ilegalidade diretamente prevista – ou

seja, vai explicitamente contra o texto de lei – então há heterotipia.

A consequência dessa situação fática é a aplicabilidade – ainda que não

inicialmente prevista pelos sócios – do regramento previsto para outro tipo societário.

Como bem destaca ASCARELLI (1969, p. 154)

Dever-se-ão, nestas hipóteses, aplicar as normas da sociedade, e não seria

exato falar em simulação, mas, no entanto, dever-se-á levar em conta o fim

último visado, para apreciar a licitude do negócio ou sujeitá-lo a uma disciplina

particular, além da que decorre do regime das sociedades.

Alcança-se, assim, uma tutela dos terceiros mais eficaz do que a decorrente

apenas da teoria da simulação: é justamente a tutela dos terceiros que deve

constituir o critério fundamental quanto à disciplina dêstes fenômenos.

Note-se, ainda, que a sociedade limitada não apresenta, a priori, hipóteses de

heterotipia. Isso se dá em razão da característica maleável do tipo, que pode, a depender

das normas escolhidas pelos sócios, ser de pessoas ou de capitais, estável ou instável.

Assim, não haveria uma hipótese de heterotipia, mas apenas da adoção de características

normais e previstas.

28

As sociedades anônimas são tipicamente sociedades institucionais, de capitais,

estáveis, com o capital dividido em ações. Elas podem ser classificadas como abertas,

com seus valores mobiliários admitidos à negociação no mercado, ou fechadas, quando

não contam com essa admissão.

Os critérios para a admissão dos valores mobiliários ao mercado são

estabelecidos pela Instrução Normativa nº 480 e exigem o respeito à lógica projetada para

as sociedades anônimas. Não há como compatibilizar o regime da sociedade anônima

aberta com uma instabilidade ou característica personalista, haja vista o alto grau de

profissionalização desses mercados. Isso exclui a possibilidade de que sociedades

anônimas abertas sejam, per se, heterotípicas.

Nessas sociedades, qualquer cláusula que vise modificar o caráter institucional

e capitalista da sociedade deve ser considerada nula; assim como cláusulas que tornem o

recesso um ato imotivado não podem subsistir. É possível, contudo, estabelecer outras

causas para o recesso dos acionistas, desde que respeitados os critérios de divulgação e

informação aos investidores.

Já com relação às sociedades anônimas fechadas há maior margem negocial

entre os acionistas para estabelecerem regras próprias, ainda que sejam contrárias ao

esperado para sociedades anônimas, desde que não seja vedado pela lei. Isso se dá em

razão de não haver negociação de papeis no mercado de valores mobiliários que atraiam

investidores externos à sociedade e por todas os sócios ou terem participado de subscrição

privada ou negociado a aquisição de ações de algum acionista.

LAMY FILHO e BULHÕES PEDREIRA (1992, p. 92), sobre as razões pelas

quais se preferiria a constituição de uma sociedade anônima, comentou:

Em que pesem tais fatos, as vantagens que apresenta em relação a outros tipos

societários – limitação da responsabilidade dos sócios, livre circulabilidade das

participações incorporadas em ações, perenidade da vida social liberta das

contingências pessoais dos sócios, facilidade da mobilização de

administradores profissionais estranhos à sociedade, entre outras – levaram os

agentes econômicos a optarem pela adoção desse tipo societário mesmo

quando não se pretendia levar a oferta dos títulos ao público investidor. E essas

companhias fechadas, com número de sócios restrito, multiplicaram-se em

número, que supera, de longe, o das companhias abertas (embora não em

dimensão e importância)

29

A heterotipia é uma condição da sociedade anônima, não sua natureza. Toda

sociedade anônima deveria prezar pela efetividade plena da LSA/1976 e qualquer

contrariedade às normas lá previstas pode ser impugnada judicialmente por quem se

considerar prejudicado. Se, contudo, em uma sociedade verificar-se que os acionistas

toleram ou endossam a aplicação de normas e lógicas próprias de outros tipos societários,

caracteriza-se a heterotipia.

A heterotipia pode manifestar-se nas sociedades anônimas sob três formas: (1) a

adoção de posturas que valorizem a atuação dos acionistas de forma a torna-lo,

temporariamente, essencial à companhia, caracterizando um intuito personalista na

sociedade; (2) a existência de instabilidade no vínculo societário pela adoção de regras

ou atitudes específicas que prevejam um recesso imotivado; (3) a operação da sociedade

de forma a valorizar o vínculo pessoal dos acionistas, e não a gestão despersonalizada dos

bens, causando a cumulação das duas outras condições, existindo tanto uma instabilidade

quanto um viés personalista.

A situação mais comum de heterotipia, se dá em sociedades anônimas fechadas

familiares, constituídas com o propósito de organizar negócios que prosperaram com a

administração e titularidade de grupos familiares. Essas sociedades anônimas podem ser

holdings de sociedades que prestam efetivamente os serviços; as sociedades que

propriamente prestam os serviços; ou apenas forma de planejamento sucessório,

patrimonial e do controle das sociedades que constituíram o patrimônio familiar. Nessas

sociedades, há tanto um viés personalista quanto uma instabilidade que decorre desse

viés, se enquadrando no caso 3.

Isso não significa dizer que toda sociedade anônima familiar é heterotípica. O

que define a heterotipia não é a composição do quadro social, mas sim a forma como a

sociedade é regida. Caso a sociedade, ainda que todos os seus acionistas sejam membros

de uma mesma família, não apresente qualquer indício de limitação à circulação das ações

ou permissivo para retirada imotivada, não há porque considerá-la heterotípica.

De mesma sorte, uma sociedade não familiar também pode apresentar as

características da heterotipia caso, por exemplo, todos os acionistas ocupem cargos no

30

conselho de administração e em diretorias24. Contudo, sem a razão familiar de regular a

sucessão, haveria pouca vantagem em adotar o modelo das sociedades anônimas, senão

o possível prestígio ou a captação de investimentos.

Nesses casos, seja familiar ou não25, será necessário um esforço maior do que a

mera impugnação judicial isolada para restaurar a sociedade às características esperadas

de seu tipo, passando pela defesa da profissionalização da gestão e a impugnação

intransigente de atos que não sejam tomados com base no que se espera das sociedades

anônimas. Assim, ao que algum acionista tente buscar a aplicação do CC/2002 em razão

de heterotipia, a sociedade e os demais acionistas poderão demonstrar que não há, ou que

deixou de haver, o intuito personalista que caracteriza essas sociedades heterotípicas.

O fator determinante é verificar a forma como as decisões passam a ser tomadas

e as normas estatutárias serem interpretadas, bem como a atitude dos acionistas para com

as deliberações e interpretações. Pode, dessa forma, ocorrer da sociedade estar

transitoriamente com viés personalista, com a participação mais direta de parte dos

acionistas na administração até que se restitua a sociedade à normalidade, sem que isso

signifique que a sociedade possui característica heterotípica que minem a estabilidade do

vínculo societário.

É o caso de uma sociedade em que, seja em razão de circunstâncias externas, ou

de acontecimentos que afetem o quadro social, ou até por uma praxe continuada da

sociedade, os acionistas assumam funções de administração na sociedade.

Temporariamente, até que se afastem dessas funções, não poderão alienar suas

participações societárias, até que possam se desvincular de suas funções de

administração. Há, para esses acionistas, um vínculo personalista transitório, sem que isso

signifique a atração da instabilidade própria desse vínculo, o que a caracteriza no caso 1.

24 Nesse caso, nem mesmo haveria acionista apto a votar pela aprovação das contas, pelas regras da

LSA/1976, de modo que a aplicação das regras do CC/2002 seria decorrência natural e um desentendimento

grave entre os sócios significaria a inviabilização da administração da sociedade.

25 Destaque-se, aqui, que no caso de não ser familiar ou de, em sendo, haver sócios que fogem à natureza

familiar, como bancos de investimento ou terceiros desconhecidos, que não participem da inversão da

lógica esperada, não há que se falar em heterotipia. Nesse sentido, ver 0024279-63.2017.8.14.0301, 10ª

Vara Cível e Empresarial de Belém/PA, Juíza de Direito Marielma Ferreira Bonfim Tavares, julgamento

em 31de maio de 2017, publicado no DJeTJPA de 6 de junho de 2017, PP. 358-389. Não há heterotipia

parcial e, portanto, se dos atos de gestão praticados pelos acionistas familiares ocorrer algum prejuízo

atribuível à falta de profissionalização da gestão, há componente de culpa suficiente para ensejar a

responsabilização do acionista gestor.

31

Há, aqui, que se fazer uma distinção. Os administradores das companhias devem

empregar a mesma prudência e probidade na administração da sociedade que os que

empregaria em seus negócios próprios. Ainda que não caiba aos acionistas a

administração da sociedade, faz parte do dever de informação, lealdade e diligência do

administrador, que negócios de alta relevância para a vida social sejam apreciados pelo

Conselho de Administração ou pelos acionistas, se não houver Conselho.

No AREsp 763.149/PE, julgado em 09/11/2017, publicado no DJe de

21/11/2017, PP 6096-6099, o STJ manteve Acórdão do TJPE que entendeu não haver

heterotipia em Sociedade Anônima que decidiu arrendar o estabelecimento a outra

sociedade com o mesmo objeto social e realizou assembleia geral para deliberar sobre o

negócio, seguindo as normas da LSA/1976. O acionista insurgente, detentor de ações sem

direito de voto, buscava resolver a sociedade quanto a si e apurar seus haveres alegando

desvio de poder de administrador e quebra da affectio societatis. Acertado, portanto, o

Acórdão, visto que mesmo que fosse limitada a sociedade, sendo o objeto social o mesmo,

não há necessidade de deliberação dos sócios para o arrendamento do estabelecimento;

sendo anônima, era dispensável a deliberação. Contudo, ao identificar a relevância do

contrato para a administração, foram consultados os acionistas, tendo em conta a

inexistência de conselho de administração. Não se deve enxergar heterotipia em

prudência da administração.

Outro importante indicativo de heterotipia é a previsão da aplicação subsidiária

das normas do código civil, o que automaticamente torna a sociedade instável, haja vista

a previsão de retirada imotivada para as sociedades de pessoas regidas pelo Código Civil.

Ainda que não se estabeleça limitação à circulação, mantendo o viés capitalista, a

instabilidade decorrente da adoção da regência supletiva pelo CC/2002 é uma fonte de

heterotipia para sociedades anônimas que a caracteriza no caso 2. No mesmo caso

enquadra-se sociedade que estabelece cláusula de recesso imotivado.

Conclui-se, assim, que a heterotipia não é uma característica única e nem

tampouco permanente. Ela decorre da adoção de normas ou posturas que impliquem na

incidência das normas do Código Civil, seja pela adoção textual de suas normas através

de regência supletiva, o que por si só instabiliza a sociedade; seja pela adoção de posturas

que valorizem a atuação pessoal dos acionistas, que pode ser transitoriamente, o que não

32

instabiliza a sociedade, ou com objetivo de permanência do status quo do controle da

sociedade, o que instabiliza o vínculo entre os acionistas, que passam a poder se retirar.

33

CAPÍTULO 2 - A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA DISSOLUÇÃO

PARCIAL DE SOCIEDADES

O segundo passo da investigação proposta nessa Dissertação é a identificação

das origens e razões pelas quais estabeleceu-se a dissolução parcial no ordenamento

jurídico brasileiro, que até o CC/2002, reputava totalmente dissolvidas todas as

sociedades em que um sócio rompesse o vínculo, seja por ato ou por fato jurídico. Esse

capítulo, para tanto, parte dos antecedentes mais distantes no direito brasileiro, com (1) a

impossibilidade de dissolução parcial no Código Comercial de 1850 e nas regras

processuais vigentes; (2) a impossibilidade da dissolução parcial das sociedades anônimas

em seus primeiros regramentos; (3) o nascimento jurisprudencial da dissolução parcial

das sociedades de pessoas; e (4) as primeiras previsões do direito de retirada nas

sociedades anônimas.

1 - A IMPOSSIBILIDADE DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES

O contrato de sociedade foi inicialmente regido pelo Código Comercial imperial,

de 185026, trazendo normas sobre duas categorias de sociedade: a Companhia ou

Sociedade Anônima, de fundação não contratual, formal e dependente de autorização; e

as sociedades contratuais, cujo contrato deveria seguir normas dispostas nos artigos 300

até 310, além daquelas próprias do tipo societário.

As regras do Código Comercial inspiravam-se, segundo LANA (2016, p. 133) e

CAPANEMA (2004, p.38), no individualismo liberal iluminista, valor amplamente aceito

na época de sua feitura e que também inspirou a legislação napoleônica (ALVARES,

26 Segundo CABRAL (2016), apesar da prévia incumbência de José Maria da Silva Lisboa, (visconde de

Cairu, 1756-1835), em 1826, o Código Comercial foi fruto do trabalho de uma comissão formada em 1832

presidida por José Clemente Pereira (José Pequeno, 1787-1854), que substituiu Antônio Paulino Limpo de

Abreu (visconde de Abaeté, 1798-1883) e composta por Ignácio Ratton (importante comerciante, de origem

francesa, nascimento e óbitos desconhecidos), Guilherme Midosi (cafeicultor e comerciante, de origem

francesa, nascimento e óbito desconhecidos), Lars Westin (outras grafias: Lourenço, Laurance; comerciante

e cônsul da Suécia o Brasil; 1787-1846) e o próprio José Maria da Silva Lisboa. O anteprojeto foi entregue

em 6 de agosto de 1834, mas, em razão do período conturbado da Regência entre os dois reinados, não foi

discutido até 1843.

34

2008, PP. 15-28), da qual foi extraída parte de seu teor27. Assim sendo, vigorava o

princípio magno da autonomia da vontade, que direcionou a liberdade de contratar de

maneira absoluta. A pactuação livre das vontades gera um acordo tido como lei entre as

partes contratantes; não sendo diferente no pacto societário. Nesse sentido, veja-se o art.

291:

A compreensão de que o vínculo entre os sócios é imutável e dependente da

vontade gerou, conforme apontam LANA (2016, p. 133) e CAPANEMA DE SOUZA

(2004, p. 38) a interpretação contida no Código Comercial acerca de sua modificação e

dissolubilidade: toda modificação deve ser pactuada diretamente pela vontade de todos

os envolvidos, como se novo pacto fosse (e passando pelos mesmos registros do pacto

original). Qualquer alteração nas condições de eficácia do pacto original termina por

importar no seu término e dissolução28.

Ao tratar da dissolução das sociedades, o Art. 335 do CCom/1850 determina a

dissolução da sociedade em hipóteses diversas, sem distinção. A leitura do parágrafo

único posterior aos números deixa claro que a dissolução que se reputa no caput é a total,

posto que deve ser continuada a sociedade apenas para que sejam “ultimadas” as

negociações.

Art. 335 - As sociedades reputam-se dissolvidas:

1 - Expirando o prazo ajustado da sua duração.

2 - Por quebra da sociedade, ou de qualquer dos sócios.

3 - Por mútuo consenso de todos os sócios.

4 - Pela morte de um dos sócios, salvo convenção em contrário a respeito dos

que sobreviverem.

5 - Por vontade de um dos sócios, sendo a sociedade celebrada por tempo

indeterminado.

Em todos os casos deve continuar a sociedade, somente para se ultimarem as

negociações pendentes, procedendo-se à liquidação das ultimadas.

27 Sobre a influência francesa sobre nosso código, para além da naturalidade francesa de dois dos membros

da comissão redatora, ver também AGUILAR VIEIRA e VIEIRA DA COSTA CERQUEIRA (2007).

28 Cabe aqui menção específica à possibilidade abarcada pelo art. 289 do CCom/1850, da “rescisão [d]a

sociedade a respeito do sócio remisso”. Não há, em doutrina ou jurisprudência, qualquer menção que veja

essa possibilidade como uma dissolução parcial ou que a utilize como base analógica para a dissolução

parcial de sociedade. ALBUQUERQUE (1999) aponta que, a seu ver, esta também é uma hipótese de

dissolução parcial. COELHO (2016, 389-390) entende que “quando se cuida, porém, de expulsão do sócio

remisso, a repercussão econômica da desvinculação da sociedade é diversa, e não se fala em reembolso,

mas, sim, em restituição das entradas realizadas, com o desconto do crédito da sociedade, originado da

mora na integralização de seu capital [...] Em outros termos, a expulsão pode gerar para o sócio remisso,

perante a sociedade, um crédito (se as entradas que realizou superam o montante devido a título de juros

moratórios ou indenização pelas perdas e danos) ou um débito (na situação inversa)”. Assim sendo, a

expulsão do sócio remisso não é uma dissolução parcial da sociedade, mas sim a retificação do pacto social

para excluir o remisso, que nem mesmo adimpliu com todas as condições essenciais para se tornar sócio.

35

Na hipótese do número 1, é de se destacar que a expiração do prazo de duração

significa o vencimento do contrato social, o que afeta sua eficácia, agindo como condição

suspensiva da fase final do negócio jurídico, a dissolução da sociedade. Nessa hipótese,

a dissolução por expiração não significa um fracasso ou um impedimento inesperado ao

prosseguimento da sociedade, mas apenas a consecução de seu objetivo pelo tempo

determinado.

No número 2, ao passo de que a quebra (hoje falência) da sociedade acarreta

necessariamente em sua liquidação, a falência (ou insolvência) de um dos sócios não se

entende mais como razão para a dissolução total da sociedade, mas sim de sua exclusão,

nos termos do art. 1.030, parágrafo único, do CC/2002, exceto para o sócio ostensivo de

sociedade em conta de participação.

Contudo, o processo de falência ou insolvência do sócio pode provocar reflexos

societários importantes na sociedade, visto a possiblidade de penhora das cotas e

eventuais relações de confusão patrimonial, bem como no controle da sociedade. Há ainda

a possível incidência de dissolução forçada das cotas do devedor e de sua exclusão da

sociedade, pelo disposto no art. 1.030, parágrafo único, do CC/200229 c/c art. 123 da Lei

nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (Lei de Recuperação e Falências/2005)

O número 3 do art. 335 trata do mútuo consenso de todos os sócios, sendo

hipótese clara de distrato do contrato de sociedade, de modo que a liquidação total da

sociedade se faz realmente necessária.

O número 4 do CCom/1850, por sua vez, trata da morte de um dos sócios. O

próprio código legou aos sócios a possibilidade de disporem contrariamente à dissolução

total, podendo seguir com os sobreviventes e os herdeiros do falecido, nos termos do art.

308, CCom/1850. A regra, contudo, na ausência desta prévia disposição entre os sócios,

era a da dissolução total da sociedade, não havendo na legislação da época, procedimento

para a dissolução apenas dos haveres do falecido.

Há de se destacar que a tradição portuguesa dispunha no mesmo sentido de

impossibilidade da continuação da sociedade, no caso de morte, salvo na constância de

disposição contrária expressa do contrato e verificada a habilidade e idoneidade do

29 Esse artigo será melhor trabalhado no segundo subcapítulo deste Capítulo 2, por merecer análise

aprofundada.

36

herdeiro. As Ordenações Filipinas (PORTUGAL. ESPANHA. 1595, p. 827), em seu

Livro Quarto, Título XLIV (Do contracto da Sociedade e Companhia) eram claras:

“[...]; mas ainda que se faça sem limitação de tempo, morrendo qualquer dos

companheiros, logo acabará o contracto de companhia30, e não passará a seus

herdeiros (4), posto que no contracto se declare, que passe a eles; salvo se a

Companhia fosse de alguma renda nossa ou da República31 (5), que algumas

pessôas houvessem tomado juntamente; porque nestes casos, ainda que algum

dos companheiros na renda falleça, passará o tal arrendamento a seus herdeiros

pelo tempo , que ele durar, se assi foi dito no contracto declarado (6), e o

herdeiro he pessoa diligente e idonea para perseverar na dita Companhia (7)”32

Ainda nesse tema, adicionam as Ordenações (Ibid. p. 829), com notas de rodapé

igualmente enriquecedoras:

O contracto de Companhia se desfaz por morte natural de qualquer dos

companheiros(6)33. E ainda que fiquem outros alguns vivos, tambem quanto á

elles acabará o dito contracto (1)34, salvo e a princípio se acordasse entre os

que vivos ficassem (2)35

30 À época, as palavras “sociedade” e “companhia” eram empregadas como sinônimos. Veja-se a nota de

rodapé nº 2, lado esquerdo, da página 827 de PORTUGAL. ESPANHA. (1595).

31 [N. do A.] O emprego das expressões “nossa ou da República” dizem respeito à sociedade possuir

participação da família real ou do próprio Estado-Nação, sendo, portanto coisa pública (res publica).

32 Os números entre parênteses representam notas do original que, contudo, não fazem adições ao texto.

Copia-se, por ser útil à melhor compreensão da raiz do instituto, apenas a nota (5): “Esta excepção do

Direito Romano foi a unica adoptada pelo Legislador Portuguez ; obrigação imposta pelo Fisco da

Republica e depois do Imperio ás sociedade. ou associações dos Publicanos (arrematado. res de impostos)”.

33 [N. do O.] “(6) T. de Freitas na Consol. Art. 758 §1 nota (2) diz o seguinte: << A sociedade não se

dissolve pelo falecimento da mulher de qualquer dos sócios, ainda que os herdeiros sejão menores; continúa

como o viúvo, ficando reservado para sobre partilha do casal o que ele vier á recever da partilha social em

tempo próprio. A incapacidade civil que sobrevem á qualquer dos socios por alienação mental, e declaração

judicial de fallencia (Cod. Crim. Art 335, n.2), está no mesmo caso do falecimento, e dissolve a sociedade.

Não está, porém, no mesmo caso, a incapacidade civil superveniente pelo facto de casamento da mulher

sócia, e esta passa a ser representada por seu marido. Posto que a sociedade se dissolva por morte de

qualquer dos socios falecido, são válidas e obrigatórias para os outros socios os actos e contractos sociaes

que se tenhão feito antes da notícia da morte, ainda que o resultado deles não seja vantajoso>>. Consulte-

se também a nota ao art. 653 da mesma obra”.

34 [N. do O.] “(1) A doutrina deste § está de accordo com a pr. da Ord., que desposou o rigor do Direito

Romano, que a Jurisprudência moderna tem repelido, de que he testemunho o nosso Cod. Com no art. 308,

o qual permite a continuação da sociedade com os herdeiros do sócio finado. Há mesmo sociedades, diz T.

de Freitas na Consol. Art 764 nota (4), em que a estipulação a tal respeito (a permissão do art. 308) seria

inútil, pois que se a suventende pela natureza das cousas. Assim acontece: 1.º na Colonia parciaria dado o

caso do art. 634, i.e, que o arrendamento não passa aos herdeiros, quando fôr de parceria; 2.º nas sociedades

anonymas, ou companhias (art. 295 do Cod. Com.), que antes unem capitaes que individuis, e onde por

tanto a consideração das pessôas nada influe. O mesmo aconteceria nas sociedades em comandita cujo

capital fosse dividido em acções; o que pelo nosso Direito não he permitido, segundo declarou o D. n. 1487

– de 13 de Dezembro de 1854”.

35 [N. do O.] Esta doutrina está de accordo com a do Cod. Com. art. 335 § 4. Entretanto se entre os herdeiros

do socio fallecido houver algum maior ou emancipado, pode continuar na sociedade, se os socios vivos o

quiserem admittir, mas como bem diz T. de Freitas (art. 764 nota 4), faz-se uma nova sociedade, e não he

continuação da precedente. Consulte0se também Rebouças – Obs. Ao mesmo art. 764 da Consol. Vide

Barbosa, e Lima nos respectivos com., Silva Pereira- Rep das Ords. To 1 nota (6) a pag. 583 e to. 4 nota

37

Por fim, o número 5 deste artigo trata da vontade de um dos sócios de dissolver

a sociedade, o que acarretaria a dissolução plena da sociedade, mesmo que os demais

sócios desejassem mantê-la. Não se faz qualquer distinção acerca da intensidade da

participação do sócio para que lhe seja conferida tal prerrogativa, podendo ser exercida

tanto pelo sócio majoritaríssimo e administrador da sociedade como pelo minoritaríssimo

que nunca a administrou.

A razão fundamental desta norma pretérita, bem como da norma da segunda

parte do número 2 e a do número 4, é a modificação no quadro societário que tais

mudanças ocasionam. A vontade manifestada pelos sócios é modificada pela saída de um

deles, de modo que o status quo ante é modificado, o que foi visto pelo legislador como

uma ruptura da affectio societatis. Conforme destaca ALBUQUERQUE (1999, PP. 168-

169): “havia uma preocupação de que o sócio não renunciasse à companhia simplesmente

para lhe causar prejuízo”.

A solução encontrada foi a dissolução total por padrão, nos termos do caput e do

parágrafo único. Assim, calculados os haveres dos sócios, ficaria ao critério dos sócios

“remanescentes” decidir como destinariam esses bens, sendo que nada lhes impedia de

pactuarem, entre si, uma nova sociedade.

A mesma solução fora alçada pelas Ordenações Filipinas (PORTUGAL.

ESPANHA. 1595, p. 829): “E assi mais se desfaz a Companhia, quando algum dos

companheiros a renunciar, dizendo aos potros per si, ou per seu Procurador, que não quer

mais ser seu companheiro, e isso quando no contracto da Companhia não declarou o

tempo que havia de durar (3)”36.

Ainda no tratamento dado pelo CCom/1850 às sociedades de pessoas, encontra-

se o art. 336:

Art. 336 - As mesmas sociedades podem ser dissolvidas judicialmente, antes

do período marcado no contrato, a requerimento de qualquer dos sócios:

(c) a pag 678, Almeida e Sousa-Obrig. pag 469, Corréa Telles – Interp. §2º, Coelho da Rocha – Dir. Civ.

§864, e F. Borges – Jurisp. §167.

36 [N. do O.] “(3) A doutrina deste § está de harmonia com a do art. 335, §5 do Cod. Com. Ferreira Borges

na – Jurisp. §158 e 161 notas diz que he esta a legislação da França Cod Civ. Art. 1869, da Inglaterra

Wollrich pag. 310, Cary pag. 159, e emfim a legislação geral. Consulte-se também a mesma obra nos §§

56 e 159. Vide Barbosa, e Lima nos respecitovs com., Silva Pereira-Rep das Ords. To 1 nota (c) a pag.

533, e to 4 nota (a) a pag. 679, Mello Freire-Inst liv 4 t 3 20, Corrêa Telles-Interp. § 115, e Almeida e

Sousa-Obrig pag 496”.

38

1 - mostrando-se que é impossível a continuação da sociedade por não poder

preencher o intuito e fim social, como nos casos de perda inteira do capital

social, ou deste não ser suficiente;

2 - por inabilidade de alguns dos sócios, ou incapacidade moral ou civil,

julgada por sentença;

3 - por abuso, prevaricação, violação ou falta de cumprimento das obrigações

sociais, ou fuga de algum dos sócios.

A diferença destas hipóteses de dissolução em relação às hipóteses do art. 335 é

a natureza das situações. As do art. 335 abordam questões atinentes à vida social, ou seja,

que decorrem da própria exploração da sociedade ou de fatos naturais à vida, como é o

caso da expiração, quebra, distrato, morte e vontade de um dos sócios, considerada a

interpretação da imutabilidade do vínculo societário que vigia à época. Já as do art. 336

tratam de hipóteses estranhas à vida social que, diante de sua gravidade, impedem que o

vínculo societário produza seus efeitos, sendo ou externalidades ou ilegalidades

atribuíveis ou não aos sócios.

A hipótese do número 1 trata da impossibilidade de exploração do objeto social,

exemplificando situações de perda inteira do capital social ou da sua insuficiência,

encontrando respaldo no art. 1.034, II do CC/2002. Ao empregar o termo “intuito” o

CCom/1850 abre espaço para interpretações: está o artigo se referindo ao intuito

personalista, com a quebra da affectio societatis ou ao objetivo das sociedades comerciais,

o lucro através da exploração do objeto social? A jurisprudência, ainda que raramente

tenha se manifestado exclusivamente com relação a apenas o intuito, entende que a

utilização da palavra “e” faz com que ambos os elementos tenham que estar presentes e

coligados para a incidência da norma. Veja-se o seguinte julgado (grifei):

A ação merece ser julgada parcialmente procedente. As alegações das partes

nos presentes autos bem refletem a impossibilidade de continuação da

sociedade, por não preencher o intuito e o fim social (art. 336, alínea “1”, do

Código Comercial). As sociedades de pessoas são criadas para

desenvolvimento de uma atividade lucrativa e exigem, para regular

funcionamento, harmonia quase que absoluta entre os sócios, embora não

se possa exigir convergência em todos os assuntos, porque isso é impossível

para no convívio entre pessoas e sócios. As divergências são essenciais

apenas quando permitem discussões construtivas, verdadeiros debates

democráticos que apuram as idéias e fundamentam as decisões administrativas

sábias e proveitosas para o objetivo social. Todavia, resta claro nos autos

que as divergências enfrentadas pelas partes ultrapassam o campo da

racionalidade e causam desagregação do ambiente da empresa, com a

conseqüente ruptura da affectio societatis. Das alegações trazidas pelas

partes na inicial e na contestação, extraem-se, pelo menos, dois fatores

determinantes para conclusão aventada: a perda de confiança e a falta de mútua

colaboração. Tanto não bastasse, cuidando-se de sociedade de pessoas, a

litigiosidade surgida fere mortalmente a imprescindível affectio societatis,

impedindo a regular continuação da sociedade, sem tumultos e

incompreensões. A divergência assim existente entre os sócios entende-se

39

grave, constituindo motivo para a dissolução. Mesmo porque, o autor deixou

claro que não pretende continuar na empresa

(Processo 0037304-06.2012.8.26.0554 (554.01.2012.037304), Juiz de Direito

Alexandre Zanetti STAUBER, 4ª Vara Cível de Santo André.. Diário da

Justiça Eletrônico – Caderno Judicial, 1ª instância, Interior, Parte III. São

Paulo, 30 de julho de 2013. PP. 610-611)

O número 2 prevê a dissolução pela inabilidade de algum dos sócios ou

incapacidade subjacente julgada por sentença, o que encontra guarida no art. 1.030, caput

do CC/2002.

O conceito aberto de “inabilidade” não foi enfrentado pela jurisprudência, não

sendo possível colacionar decisões acerca de seu sentido. Contudo, o Superior Tribunal

de Justiça, no julgamento do Agravo em Recurso Especial n° 350.478/CE, de relatoria do

Min. Raul Araújo, publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 6 de dezembro de 2016,

o tribunal superior manteve decisão que, ad argumentando tantum, apontou que a

aplicação desse artigo exigiria sentença tanto para a inabilidade quanto para a

incapacidade. Há em curso ação de nº 0179867-37.2001.8.26.0577 (577.01.179867-9),

não sentenciada até hoje, em que, segundo o despacho saneador publicado no Diário

Oficial do Estado de São Paulo, Poder Judiciário, de 4 de dezembro de 2002 (p. 505)

discute-se a constituição da inabilidade de sócios em razão de má gestão.

A leitura desse número, em contraste com os demais, também traz dúvidas sobre

o trecho “alguns dos sócios”, único número no plural, enquanto todos os demais números

mencionam “algum” dos sócios. Um dos axiomas da hermenêutica jurídica é que o

legislador não emprega distinções inúteis, de modo que se dificulta ainda mais a

compreensão desse número que, ao fim, acabou menos empregado na prática jurídica.

A interpretação que se propõe é de que a má gestão não é necessariamente

praticada ativamente por mais de um sócio, mas que todos possuem, em razão de seu

dever de fiscalizar e zelar pela sociedade, algum nível de má gestão, da qual o arguente

busca se afastar, atribuindo-a unicamente a algum ou alguns dos sócios. Contudo, a

inabilidade não é apenas qualquer ato de má gestão, mas a contínua demonstração de

inaptidão para a gestão, ou seja, uma inabilidade. Em casos isolados de danos relevantes

à sociedade e unicamente atribuíveis a atos culposamente errados37, bastaria ressarcir a

37 Ou seja, atendidos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva; a não ser que alguma norma incida

diretamente sobre o ramo de atividade para afastar o elemento da culpa.

40

sociedade pelas perdas, ainda que judicialmente. BENTO DE FARIA in SANTOS (1955,

p. 264) opina no mesmo sentido:

[r]esulta da má administração dos negócios sociais, da enfermidade habitual

ou prolongada, obstando que o sócio possa ocupar-se das transações da

sociedade; a incapacidade notória para dirigir regularmente o estabelecimento

comercial; a inépcia habitualmente revelada em transações da sociedade em

detrimento dos interêsses comuns; discórdia ou trato rude e grosseiro, tornando

impossível a convivência dos sócios ou prejudicando a boa fama do nome

social, pelo afastamento ou diminuição sensível da clientela, e tantos outros

motivos análogos, cuja apreciação criteriosa só pode ser feita em cada espécie,

de acôrdo com as provas produzidas.

O número 3, por fim, trata dos casos em que um dos sócios extrapola suas

obrigações sociais típicas da sociedade de pessoas, da confiança e boa-fé na condução

dos negócios. A quebra do affectio societatis é a consequência das atitudes dos sócios,

não devendo ser confundida com a causa da ruptura da sociedade, que pode ser estranha

ao próprio objeto social, como é o caso do número em análise.

O conceito de abuso tratado neste número não foi desenvolvido na jurisprudência

pátria. A leitura contextualizada do CCom/1850 aponta que a palavra abuso sempre foi

empregada em um sentido de ação concreta e intencional para lesar alguém por meio do

exercício de um direito ou prerrogativa legítimo, indo no mesmo sentido da definição

dada pelo artigo 2º, §3º do Código Penal Imperial de 1830:

Art. 2º Julgar-se-ha crime, ou delicto: [...]

3º O abuso de poder, que consiste no uso do poder (conferido por Lei) contra

os interesses publicos, ou em prejuizo de particulares, sem que a utilidade

publica o exija.

Veja-se o art. 84, nº 3, que trata do abuso de confiança praticado pelo preposto

o art. 316, §2º, que, ao regular as sociedades em nome coletivo ou com firma, confere o

direito de exigir as perdas e danos causados por sócio que abusasse da firma social o art.

347, que regula a responsabilidade dos liquidantes pelo abuso dos efeitos da sociedade; e

o art. 569, §1º, ainda em vigor, com o direito dos donos de navios fretados à reparação

por perdas e danos causados por abusos cometidos pelos capitães

Não há razões, portanto, para crer que o conceito empregado nesse número seja

diferente. O abuso a que faz menção o CCom/1850 é um ato ilícito do sócio que viola a

confiança depositada pelos sócios e excede as prerrogativas, objetivos e normas sociais,

estando, portanto, fora dos limites estabelecidos entre os sócios e sendo estranho à

sociedade.

41

A prevaricação é definida pelo artigo 129 do Código Penal Imperial de 1830

apenas para os empregados públicos. Apesar de mais detalhado que o Código Penal atual

acerca das condutas que compõem o tipo penal, os elementos do crime seguem os

mesmos: dolo como elemento subjetivo e a prática errada, o retardo ou a negativa de

algum ato que deveria ser praticado conforme o estabelecido na lei, buscando, com isso,

vantagem pessoal de alguma espécie. Analogamente, o sócio incorre em prevaricação ao

praticar algum ato em afronta à lei, ao contrato social, ou à prática comercial, com a

intenção de favorecer-se, e não à sociedade. No mesmo esteio vai a disposição de violação

ou falta de cumprimento das obrigações sociais.

A fuga, por fim, trata do abandono das funções sociais. Não sendo realmente

possível compelir alguém a praticar algum ato, basta que o sócio se negue a cumprir suas

funções sociais para a caracterização da fuga. Não é necessário seu desaparecimento ou

a decretação de sua ausência, visto que os ausentes se presumem mortos, nos termos dos

artigos 10, 481 e 482 do CC/191638.

Da análise das normas acima elencadas, verifica-se, como aponta LANA (2016,

PP.132-133), que o Código Comercial de 1850 dava um tratamento dicotômico entre a

formação da pessoa jurídica e o da sua dissolução. Enquanto a constituição era o

nascimento, qualquer dissolução seria, necessariamente, a morte da sociedade.

Com relação às companhias, o Código Comercial de 1850 dispunha que apenas

poderiam ser dissolvidas em hipóteses restritas.

Art. 295 - As companhias ou sociedades anônimas, designadas pelo objeto ou

empresa a que se destinam, sem firma social, e administradas por mandatários

revogáveis, sócios ou não sócios, só podem estabelecer-se por tempo

determinado, e com autorização do Governo, dependente da aprovação do

Corpo Legislativo quando hajam de gozar de algum privilégio: e devem

provar-se por escritura pública, ou pelos seus estatutos, e pelo ato do Poder que

as houver autorizado.

As companhias só podem ser dissolvidas:

1. Expirando o prazo da sua duração;

2. Por quebra; e

3. Mostrando-se que a companhia não pode preencher o intuito e fim social.

Enquanto o primeiro número é idêntico entre as sociedades de pessoas e as

companhias, os demais apresentam relevante distinção.

38 Também por numerosas vezes se apontam os efeitos equivalentes entre a ausência e a morte nas

Ordenações Filipinas, como no Decreto 160, de 9 de maio de 1842.

42

Na hipótese de quebra, desconsidera-se a quebra do sócio, considerando-se causa

para dissolução apenas a quebra da companhia em si. Isso tem razão na estabilidade do

vínculo típico das companhias, que hoje encontra-se igualmente representado na

Sociedade Anônima. Ao afastar a repercussão de problemas pessoais do sócio na

existência da sociedade, se consagra a natureza capitalista do vínculo e, por consequência,

fortalece a finalidade de exploração do objeto social.

Por sua vez, o número 3, que não se apresenta para as sociedades de pessoas, é

uma imposição objetiva que poderia ser estendida a qualquer pessoa jurídica. A

impossibilidade de preencher seu intuito e finalidade social é, afinal, uma imposição

lógica da dissolução total, já que a sociedade não teria função nem tampouco poderia

operar.

Nota-se a ausência de previsões de dissolução em razão da condição ou da

vontade do sócio, o que revela a natureza estável do vínculo na sociedade de capitais. Os

fatos pessoais dos sócios são irrelevantes para a sociedade, o que favorece sua

continuidade.

Ainda no ano de 1850, em 25 de novembro, foi outorgado o Decreto nº 73739,

que determinou “a ordem do Juízo no Processo Commercial”. Tratava-se de inovação em

relação às Ordenações Filipinas, que vigiam à época, no Brasil. Seu teor, contudo,

destinava-se principalmente a questões da organização judiciária, das petições, decisões

e seus recursos40, não havendo qualquer disposição material com relação à dissolução das

39 O texto desse decreto foi composto inicialmente pela própria comissão redatora do Código Comercial,

sendo promulgado apenas 4 meses depois do Código em si. Da exposição de motivos do Código Comercial,

extrai-se o seguinte trecho, em que se fundamenta sua necessidade e o ideal dos autores: “Na falta do Codigo

do Processo que por escassez de tempo não lhe foi possivel ultimar, offerece a Commissão huma Diposição

Provisoria sobre a administraçao de Justiça Commercial, que, sendo acompanhada de Regulamento

adequado do Poder Executivo, tornará o Codigo Commercial exequivel, em quanto o do Processo se não

poder publicar” (CLEMENTE PEREIRA, LISBOA, RATTON et al. 1834 apud RAÍZES DO BRAZIL,

29/02/2012). O Código de Processo só seria uma realidade em 1939, em razão de várias conjunturas

políticas que o prejudicaram, o que será tema de outra nota de rodapé, quando da abordagem dessa temática.

40 Ainda da Exposição de Motivos do Código Comercial, extrai-se também o seguinte texto:” O Codigo

Commercial he inexequivel sem hum Codigo de Processo appropriado : a cada passo se refere a este, e está

concebido de forma que exige o Juizo por Jurados em muitos casos importantes. A Commissão tinha já

concebido o seu plano; por escacez de tempo não pôde ultimar a redacção com a brevidade que della se

exigia. Para supprir esta falta redigio as bases sobre que pretendia organisar o Projecto do Codigo de

Processo; e entende que, sendo estas desenvolvidas por hum Regulamento do Poder Executivo appropriado,

poderá o Codigo do Commercio ser exequivel, sem inconveniente, em quanto aquelle se não publica. Até

talvez este ensaio seja de utilidade ; porque a instituição do Juizo por Jurados, onde o pessoal do Commercio

he escasso em numero, e ainda mais em sufficiencia , precisa ser ensaiada, para poder fixar-se

definitivamente com acerto, sobre o modo, forma, e garantias contra os abusos. Nas bases propostas, as

causas Commerciaes são commettidas a Juizes de Direito nos casos em que a questão de facto he liquida,

43

sociedades, que se processava nos termos da Seção VIII (Da Liquidação da Sociedade,

artigos 344 a 353), do Capítulo III (Das Sociedades Comerciais) do Título XV (Das

Companhias e Sociedades Comerciais) do Código Comercial.

2 - A IMPOSSIBILIDADE DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES

ANÔNIMAS

Em 1860, como forma de complementação da regulamentação das Companhias,

foi promulgada a Lei nº 1.083, de 22 de agosto de 1860, a Lei das Sociedades Anonymas.

O teor dessa lei, pouco citada pela doutrina, conforme aponta IUDÍCIBUS (2002), era

eminentemente contábil e dispunha laconicamente sobre a dissolução das companhias,

dizendo apenas que a Regulamentação da lei poderia abordar tal assunto:

Art. 7º O Governo nos Regulamentos que expedir para a boa execução desta

Lei poderá impôr multas de 100$ até 1:000$000, e de accordo com as presentes

disposições determinará as condições necessarias para a organisação e

incorporação das Companhias e Sociedades Anonymas e dos estabelecimentos

de que tratão o art. 1º e os §§ 1º, 14, 18, 19, e 20 do art. 2º desta Lei, sua

inspecção e exames, os casos e a fórma da suspensão ou dissolução dellas, e o

que fôr necessario para exercicio das funcções de corretor e regularidade de

seus actos.

Foram editados 4 decretos para a regulamentação dessa lei. O primeiro, Decreto

nº 2.679, de 3 de novembro de 1860, não abordou o tema. O segundo, Decreto nº 2.686,

de 10 de novembro de 1860, previu apenas que as sociedades que passaram a ser

dependentes de autorização, que o fizessem em prazo ou decidissem pela sua dissolução

ou caso fosse negada ou não requerida a autorização, na forma do CCom 1850. Destaca-

se que esses casos não se distinguem do previsto no artigo 295, número 3 do CCom/1850,

pois a falta de autorização é uma causa pela qual a companhia não pode preencher o

intuito e fim social.

e nos de modica quantia. Sempre que a questão de facto he controvertida, pertence o conhecimento para a

decisão do mesmo facto aos Conselhos de Jurados. [...] Na organisação do processo quizera a Commissão

que se omittisse todo o apparato protector da chicana: segundo ella propõe, todas as formulas e termos se

limitão ao essencialmente indispensavel para que se chegue ao conhecimento da verdade, sem estrondo

nem apparato. A Commissão deu alçadas grandes a todas as instancias, porque está intimamente convencida

de que interessa mais ao Commerciante pagar pequenas quantias, ainda que indevidamente, do que eximir-

se deste pagamento perdendo o equivalente em despezas de demandas. Em Commercio, tudo está

subordinado ao calculo do maior lucro; porque seráõ pequenas demandas excluidas deste calculo?”

(CLEMENTE PEREIRA, LISBOA, RATTON et al. 1834 apud RAÍZES DO BRAZIL, 29/02/2012)

44

O terceiro, Decreto nº 2.711, de 19 de dezembro de 1860, por outro lado, criou

algumas normas a esse respeito.

Inicialmente, ao regulamentar diversas matérias obrigatórias à escritura de

Associação ou ao Estatuto da Companhia, determinou a obrigação de se dispor sobre a

porção de perda de capital que importa na dissolução da Companhia Esse trecho faz

menção expressa ao ponto principal de disposições acerca da dissolução, o Capítulo X

“Da dissolução dos bancos e outras companhias e sociedades anonymas”. Os dois artigos

que tratam das hipóteses de dissolução são o Art. 35 e 36, ficando o restante do Capítulo

destinado à forma da dissolução.

Art. 35. A dissolução dos Bancos e outras Companhias o Sociedades

anonymas, suas Caixas filiaes, Agencias autorisadas e com Estatutos

approvados pelo Governo terá lugar:

1º Expirando o prazo de sua duração, se não fôr renovado ou prorogado, ou o

de sua prorogação ou renovação.

2º Por fallencia ou quebra.

3º Mostrando-se que a Companhia não póde preencher o seu fim (art. 295 do

Codigo do Commercio) ou por perda inteira, ou de dous terços do seu capital

se menor limite não tiver sido marcado pelos respectivos Estatutos, e o seu

fundo de reserva não cobrir ou indemnisar a mesma perda.

4º Provada a impossibilidade do ser preenchido, ou por insufficiencia do

capital, ou por qualquer outra causa, o intento e fim social.

5º No caso de ultrapassar o circulo de suas operações, traçado pelos seus

Estatutos, ou de serem dirigidos de hum modo contrario ás condições e regras

por elle estabelecidas ou pela Lei nº 1.083 de 22 de Agosto de 1860.

Os parágrafos 1º e 2º ecoam inteiramente o texto dos números 1 e 2 do Art. 295,

não havendo nenhuma inovação. Contudo, com relação ao §3º, o texto amplia o conceito

contido no número 3 ao adicionar a hipótese da perda inteira ou de dois terços do capital,

ou do limite menor estabelecido pelo Estatuto, sem que o fundo de reserva cubra as

perdas.

Essa disposição, que complementa o comando do Art. 5º, 13, anteriormente

mencionado, cria uma hipótese rígida para a avaliação da viabilidade econômica da

Companhia e sua capacidade de preencher seu fim social, de modo que se trata de hipótese

de dissolução total da sociedade.

O parágrafo 4º, apesar de não encontrar correspondente no artigo 295 do

CCom/1850, é uma pequena modificação do número 1 do Art. 336, com texto mais

conciso. Destaca-se a omissão do termo “intuito”, substituído pela palavra “intento”, que

não deixa margem a interpretações acerca da natureza incidentalmente pessoal para a

Companhia, que, a essa época, seria impossível. A impossibilidade de que trata o

45

parágrafo abrange tanto a impossibilidade econômica da exploração como também

“qualquer outra causa” que torne impossível a prospecção de lucro através da exploração

do objeto social, ou, respectivamente, o intento e o fim social.

A hipótese do §5º, apesar de não encontrar equivalente, exato ou adaptado, em

nenhum artigo do CCom/1850, guarda relações com o conteúdo da norma do número 2

do artigo 336. Enquanto a norma do Código era destinada à dissolução de sociedade de

pessoas em que os sócios se mostrassem inaptos à gestão ou incapazes, o que, tendo em

conta a falta de previsão para a dissolução parcial, ensejava a dissolução total, a norma

do §5º do Decreto em comento busca impedir que a administração da Companhia

ultrapasse seus limites estatutários e legais. Destina-se o dispositivo, portanto, à

administração da Companhia.

Em ambos os casos se busca preservar a higidez da empresa. No caso das

sociedades de pessoas, impede que uma sociedade continue empreendendo com um sócio

inapto para a gestão. No caso da sociedade de capitais, impede que a sociedade ultrapasse

seus limites (que à época eram autorizados pelo Governo) ou que sejam violadas a

condições da exploração do fim social.

Contudo, no caso da norma do Decreto de 1860, a sanção drástica para os atos

ultra vires ou para violações das disposições estatutárias tem sua razão não na higidez da

companhia ou na proteção do mercado e dos sócios, mas sim na autoridade do governo

imperial. Desrespeitar o estatuto e os limites autorizados para a atuação da companhia era

desrespeitar o decreto régio que autorizou sua constituição41.

Em relação ao aspecto societário, a dissolução total em razão de atos do

administrador, ainda que fosse o caso de uma sociedade de pessoas, é excessiva, atingindo

e prejudicando todos os sócios e a Sociedade nacional sem punir o ato exorbitante do

41 Situação semelhante pode-se encontrar na proteção aos direitos autorais, inicialmente conferidos por

privilégio real e, posteriormente, por licença do Rei. Quando impressas sem essa licença, passavam a ser

possivelmente punidas, conforme as Ordenações Filipinas. Posteriormente, tipo criminal próprio foi

inserido no Código Penal Imperial, sob a rubrica de furto. Sobre esse tema, sugere-se a leitura de

MAYRINK DA COSTA, Álvaro, A tutela penal dos Direitos Autorais. Revista da EMERJ, v. 11, nº. 42,

2008, PP. 45-69. Disponível em:

<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista42/Revista42_45.pdf>. Acesso em

06/09/2017; e SMITH, Virgínia Luna, Plágio, Pirataria, Fair Use e a (Des)criminalização da Violação

de Direito Autoral. [Tese de Doutorado]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

Disponível em: <https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/6074/1/Virginia%20Luna%20Smith.pdf.>.

Acesso em: 06/09/2017.

46

gestor. Para tanto, bastaria o afastamento da administração – ainda que exercida por

acionista majoritário – e sua responsabilização pessoal pelos prejuízos causados à

companhia, a terceiros e à Sociedade nacional. Dissolver a sociedade não resolverá os

danos nem sanará a inabilidade do gestor. Para impedir que esses atos voltem a ocorrer,

basta empregar mecanismos para impedir que o mesmo sócio ocupe cargos

administrativos, temporária ou permanentemente.

O quarto e último ato regulador, Decreto nº 2.733, de 23 de janeiro de 1861,

regulava a forma de transmissão de ações e títulos da dívida pública ou outros títulos. O

decreto não continha normas societárias acerca da dissolução.

O Código Civil de 1916, que não regulava as sociedades comerciais42, não

inovou no aspecto da dissolução da sociedade, contendo, do artigo 1.399 ao 1.409,

disposições bastante semelhantes às do CCom/1850. Nele, de mesma sorte, permitiu-se a

continuidade da sociedade em caso de falecimento apenas quando a sociedade assim o

estipulasse. Nos demais casos, impunha-se a dissolução total da sociedade.

Em conclusão, nem o Código Comercial nem a Lei das Sociedades Anonymas

que o sucedeu, ainda nos tempos do império, admitiam sob qualquer hipótese a dissolução

parcial das sociedades. O que lá se encontrava, como conclui LANA (2016, p.141), são

uma série de disposições acerca de hipóteses em que as sociedades estariam totalmente

dissolvidas. Isso se fundava numa noção de privilégio da autonomia das vontades

privadas que entendia não ser possível a manutenção do vínculo entre os sócios sem a

integralidade dos sócios a todos os instantes.

3 - O NASCIMENTO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES

Os problemas causados pelo entendimento clássico foram enfrentados pela

primeira vez em 1919, pelo Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919 (D3708/1919),

que regulava a constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Este

decreto, em seu artigo 15, previu as seguintes normas sobre a dissolução:

Art. 15. Assiste aos sócios que divergirem da alteração do contracto social a

faculdade de se retirarem da sociedade, obtendo o reembolso da quantia

42 Art. 16. São pessoas jurídicas de direito privado: I. As sociedades civis, religiosas, pias, morais,

científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações. II. As sociedades mercantis. [...]

§ 2º As sociedades mercantis continuarão a reger-se pelo estatuto nas leis comerciais.

47

correspondente ao seu capital, na proporção do último balanço approvado.

Ficam, porém, obrigados ás prestações correspondentes ás quotas respectivas,

na parte em que essas prestações forem necessárias para pagamento das

obrigações contrahídas, até à data do registro definitivo da modificação do

estatuto social.

Essa foi a primeira menção legal expressa a uma possibilidade de dissolução

apenas parcial da sociedade, na hipótese restrita da discordância sobre alteração do

contrato social. Começava-se a perceber que a dissolução absoluta não era a resposta ideal

a todas as situações de conflito entre os sócios, o que se escancarava na hipótese do artigo

supracitado. Era justamente a alteração do pactuado que ensejava o conflito, e, portanto,

devia ser dada proteção ao sócio discordante, com o exercício de retirada, em exceção à

regra da dissolução total da sociedade.

Durante o governo provisório de Getúlio Vargas, antes da promulgação de uma

Constituição, foi editado o Decreto nº 21.536, de 15 de julho de 1932, que dispunha

“sobre o modo de constituição do capital das sociedades anônimas, permitindo que ele se

constitua, em parte, por ações preferenciais de uma ou mais classes”. Junto dessa

inovação, foi incluída a garantia do direito de retirada dos acionistas, nos termos abaixo:

Art. 8º Sempre que modificação de estatutos vise alterar as preferências e

vantagens conferidas a uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criar

nova classe de ações com preferência mais favoravel do que a das existentes,

ou alterar o seu valor nominal, essa modificação somente poderá realizar-se

mediante a aprovação de possuidores de dois terços, pelo menos, do capital

constituido pelas classes prejudicadas, após a aprovação da proposta por

acionistas representando a maioria do capital com direito a voto, conforme a

legislação vigente.

§ 1º A aprovação pelas referidas classes se verificará na mesma assembléia

geral convocada para a reforma de estatutos podendo tomar parte na

deliberação das classes prejudicadas todos os acionistas que as compuserem,

quer tenham, quer não, direito a voto pelos estatutos.

§ 2º Se nessa reunião a proposta não for aprovada, por dois terços, pelo menos,

do capital representado pelas classes prejudicadas, ou não for rejeitada por

mais de um terço do capital representado por essas mesmas classes, será

convocada uma assembléia especial composta exclusivamente desses

acionistas.

§ 3º Se, ainda nessa reunião, não se verificarem os requisitos do parágrafo

anterior, far-se-á uma segunda convocação em que a assembléia especial

deliberará com qualquer número, só se considerando, porem, aprovada a

proposta se esta obtiver a seu favor os votos de acionistas representando dois

terços, pelo menos, do capital presente.

Art. 9º Aprovada a proposta a que se refere o artigo anterior, os acionistas

preferenciais dissidentes, que fizerem parte de qualquer das classes

prejudicadas, terão direito ao reembolso do valor das suas ações, se o

reclamarem à diretoria dentro de trinta dias, contados da publicação da ata da

assembléia geral.

§ 1º Na ausência de disposição em contrário, nos estatutos, o valor do

reembolso será o resultado da divisão do ativo líquido da sociedade, constante

de último balanço aprovado pela assembléia geral, pelo número de ações em

circulação na data da assembléia de que trata o art. 8º salvo para os dissidentes

48

que preferirem o valor determinado por avaliação, se por ela protestarem com

a reclamação a que se refere o art. 9º.

§ 2º Se, no prazo de sessenta dias a contar da publicação da ata da assembléia,

não forem substituídos os acionista cujas ações houverem sido reembolsadas,

considerar-se-á reduzido o capital social por importância correspondente ao

valor nominal das ações reembolsadas; cumprindo à diretoria convocar uma

assembléia geral, dentro de cinco dias, para tomar conhecimento da redução

do capital, devendo a respectiva ata ser submetida às formalidades legais de

publicidade e arquivamento.

§ 3º Os acionistas que substituirem aqueles cujas ações forem reembolsadas,

ficarão subrogados nos direitos e obrigações, destes últimos para com a

sociedade, e deverão pagar, pelas ações, uma importância correspondente ao

valor do reembolso, cumprindo a um dos diretores assinar o termo de

transferência das ações.

Nota-se claramente no texto a intenção de conferir o máximo de proteção às

recém-criadas classes de ações preferenciais, dando-lhes a oportunidade até então única

para as sociedades anônimas de opor à sociedade um pedido para o ressarcimento de sua

fração ideal da companhia. Uma pequena variação desse texto acabaria sendo incluída na

Lei das Sociedades por Ações de 1940, poucos anos depois.

O primeiro código de processo civil com abrangência nacional a vigorar no

Brasil43, através do Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939 (CPC/1939), trouxe

normas acerca da dissolução das sociedades, inclusive de cunho material. Veja-se o artigo

43 Apesar das discussões realizadas desde os tempos do império, o processo civil pouco avançou, vigorando

plenamente no país O Livro III das Ordenações Filipinas até a promulgação, em 29 de novembro de 1832,

do Código de Processo Criminal, que dispunha sobre algumas poucas simplificações do processo civil.

Posteriormente, algumas dessas mudanças foram desfeitas pelo Decreto de 15 de março de 1842. Apenas

com o Decreto nº 737, de 25 de novembro de 1850, que regulava “a ordem do Juízo no Processo

Commercial” o Brasil passou a regular alguma parte dos processos cíveis por ato legislativo próprio; os

processos cíveis comuns, contudo, permaneceram sob a égide das Ordenações Filipinas ligeiramente

modificadas. Apenas com a proclamação da república, através do Decreto nº 763, de 19 de setembro de

1890, é que todas as causas cíveis passaram a ser regidas pelo Decreto nº 737, mantendo-se, ainda os

processos especiais e de jurisdição voluntária tal qual previstos nas Ordenações. Durante a primeira

república, o artigo 34, nº 26 da Constituição de 1891, permitiu a criação de códigos de processo civil

estaduais e outro para a União, o que foi feito por alguns estados, geralmente com adaptações toscas da

legislação que vigera até ali, feita ressalva em especial à legislação da Bahia, de Minas Gerais e do Distrito

Federal. A Constituição da república de 1934, contudo, suprimiu essa competência, centralizando o

processo sob a égide da União, determinando, no artigo 11 das Disposições Transitórias, a instalação, em

1934, da primeira comissão oficial para a confecção de um Código de Processo Civil, sendo composta por

Arthur Ribeiro de Oliveira (ministro do Supremo Tribunal Federal, 1866-1936), João Martins de Carvalho

Mourão (ministro do Supremo Tribunal Federal, 1872-1951) e Levi Fernandes Carneiro (outra grafia: Levy;

jurista e advogado,1882-1971). Essa comissão não teve a oportunidade de concluir seus trabalhos em razão

do golpe do Estado Novo, em 1937. O ministro de estado Francisco Luís da Silva Campos (1891-1968)

estabeleceu uma nova comissão, formada por Edgard Costa (então desembargador do Distrito Federal,

posteriormente ministro do Supremo Tribunal Federal, 1887-1970), Alvaro Goulart de Oliveira (então

desembargador do Rio de Janeiro, posteriormente ministro do Supremo Tribunal Federal, 1882-1950),

Álvaro Mendes Pimentel (jurista, advogado, jornalista; nascimento e óbito desconhecidos), Pedro Batista

Martins (advogado, nascimento e óbito desconhecidos) e Múcio Continentino (advogado, nascimento e

óbito desconhecidos). Finalmente, após nova revisão por Francisco Campos, foi decretado no Código de

Processo Civil, em 1940. Para mais sobre essa questão, recomenda-se a leitura de SOUZA JÚNIOR (1996),

VIANA (2001), ALMEIDA (2016), BELINATI MARTINS e MARQUES MOREIRA (2015)

49

363: “Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios, proceder-se-á à

liquidação para apurar os haveres do morto, ficando o sócio sobrevivente subrogado, de

pleno direito, nos benefícios da lei, desde que continue a explorar o mesmo ramo de

negócio”.

À época, a despeito do pleno vigor das normas do Código Comercial de 1850,

tanto a prática comercial como a doutrina especializada já apontava largamente a

necessidade da preservação da empresa, que não poderia ficar refém de fatos naturais que

atingissem os sócios. Ao comentar a personalização das sociedades, VALVERDE (1942,

p. 637) resume:

“Essa orientação do direito comercial brasileiro veio robustecer a prática

mercantil, a qual, com o objetivo de proteger a emprêsa, a continuidade da

sociedade contra certos eventos que, segundo o Código Comercial,

determinam a sua dissolução de pleno direito, inclue nos contratos ou atos

constitutivos das sociedades cláusulas destinadas a afastar os efeitos

dissolventes do fato ou acontecimento. A falência ou a morte de um dos sócios,

a vontade unilateral de qualquer deles, quando constituída a sociedade por

tempo indeterminado não operam, por força da convenção escrita, a dissolução

da sociedade, mas determinam, exclusivamente a apuração dos haveres do

sócio falido, morto ou que se retira e o consequente pagamento a quem de

direito. Do mesmo modo, quanto à incapacidade superveniente do sócio e aos

demais atos que, por lei, podem motivar o pedido de dissolução da sociedade.

Para os casos de violação ou não cumprimento das obrigações, de abusos de

prevaricação, etc., que tornam o sócio indesejável dentro da organização, a

prática mercantil consigna no contrato a cláusula de exclusão dêsse sócio por

deliberação da maioria e até pelo voto preponderante do sócio de maior

graduação.

Tôdas essas cláusulas mereceram a sanção da jurisprudência esclarecida dos

nossos tribunais, tendo em vista a regra do art. 291 do Código Comercial, e

constituem aquisição definitiva do direito comercial brasileiro neste ponto, a

meu ver, muito mais adiantado que o de outros países, dos quais importamos

ensinamentos e nos quais juristas ainda discutem a validade jurídica de

algumas dessas cláusulas.

Temos, pois, que o futuro Código Comercial ou o Código das Sociedades

Mercantis há de inserir a regra de que a ‘falência, o falecimento, a incapacidade

superveniente, ou qualquer outro evento que impossibilite o sócio de

permanecer na sociedade não acarretará a liquidação desta, salvo se dois forem

os sócios’. E seguir-se-ão as regras complementares. Tudo, pois, em contrário

ao que atualmente prescreve o Código Comercial.

Essa evolução do direito comercial brasileiro reflete a necessidade de proteger

a sociedade, a continuidade da emprêsa, contra os próprios sócios ou os

eventos que o Código Comercial, de feição nitidamente individualista,

acarretam a dissolução do organismo jurídico, com prejuízo para a economia

de seus componentes e, indiretamente, da economia nacional”.

A despeito de estabelecer rito para a dissolução total das sociedades, o CPC/1939

não conteve nenhuma inovação, material ou processual, destinada à sua dissolução

parcial. O artigo 363, localizado no Título XI (Da ação renovatória de contrato de locação

50

de imóveis destinados a fins comerciais), no Livro IV (Dos processos especiais) assim

dispunha:

“Art. 363. Dissolvida a sociedade comercial por morte de um dos sócios,

proceder-se-á à liquidação para apurar os haveres do morto, ficando o sócio

sobrevivente subrogado, de pleno direito, nos benefícios da lei, desde que

continue a explorar o mesmo ramo de negocio”.

Apesar de apontar que “proceder-se-á à liquidação para apurar os haveres do

morto” o foco principal da norma é permitir que os sócios sobreviventes, decidindo pela

manutenção da sociedade, tenham meios para manter o ponto comercial e as atividades

da sociedade, conforme aponta SANTOS (1954, p. 56). MIRANDA (1959a, p. 418)

aponta que esse artigo é fruto de uma construção pretória, sendo incorporada pela lei e

estendendo os efeitos previstos pelo Art. 8º, e do Decreto 24.150, de 20 de abril de 193444.

Cabe relembrar que até esse momento, a continuidade da sociedade era vista

como repactuação do contrato social, operando-se a sub-rogação da nova sociedade nos

direitos e privilégios legalmente previstos45 a que faria jus a antiga sociedade, integrada

também pelo falecido. Assim sendo, a norma realmente auxilia na manutenção da

empresa, não em razão da previsão da dissolução parcial, mas, como aponta MIRANDA

(1959a, p. 418), permitindo que os sócios e herdeiros do falecido possam seguir as

atividades da empresa.

Ainda no CPC/1939, entre os artigos 655 e 674, componentes do Título

XXXVIII (Da dissolução e liquidação de sociedades) do mesmo livro do CPC/1939,

foram previstas normas de procedimento úteis unicamente à dissolução integral da

sociedade, seja ela civil ou comercial, de pessoas ou de capitais, regular ou de fato, como

apontam MIRANDA (1959b, p. 149) e AMERICANO (1959, p. 459). Veja-se que, nos

temos do artigo 65746, ao declarar ou decretar a dissolução, no mesmo ato, deverá o juiz

44 Art. 8º A contestação do locador, além da defesa de direito que lhe possa caber, ou que se regulará pelos

principios gerais, ficará adstrita, quanto à matéria do fato, ao seguinte: [...] e) que o prédio vai ser usado

por ele próprio locador, seu cônjuge, ascendentes ou descendentes. Parágrafo único. Nessa hipótese,

todavia, o prédio não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo de comércio ou indústria do inquilino

do contracto em trânsito.

45 MIRANDA (1959, P. 396-399) declina detalhadamente os pressupostos de direito material para a

incidência da lei, no caso o Decreto 24.150, de 20 de abril de 1934, permitindo aos comerciantes obrigar à

renovação do contrato. Em síntese, sendo o imóvel destinado pelo locatário a finalidade comercial ou

industrial, com contrato de locação de ao menos cinco anos, havendo pelo menos 3 anos ininterruptos de

exploração da atividade.

46 Art. 657. Se o juiz declarar, ou decretar, a dissolução, na mesma sentença nomeará liquidante a pessoa a

quem, pelo contrato, pelos estatutos, ou pela lei, competir tal função. § 1º Se a lei, o contrato e os estatutos

nada dispuserem a respeito, o liquidante será escolhido pelos interessados, por meio de votos entregues em

51

nomear o liquidante designado pelo contrato, estatuto ou pela lei; não havendo, escolhe-

se o liquidante por eleição.

Os deveres desse liquidante, que caso inadimplidos levam a sua destituição ex

officio ou a pedido, nos termos do artigo 661, são definidos como segue:

Art. 660. O liquidante deverá:

I – levantar o inventário dos bens e fazer o balanço da sociedade, nos quinze

(15) dias seguintes à nomeação, prazo que o juiz poderá prorrogar por motivo

justo;

II – promover a cobrança das dívidas ativas e pagar as passivas, certas e

exigíveis, reclamando dos sócios, na proporção de suas quotas na sociedade,

os fundos necessários, quando insuficientes os da caixa;

III – vender, com autorização do juiz, os bens de fácil deterioração, ou de

guarda dispendiosa, e os indispensáveis para os encargos da liquidação,

quando as recusarem os sócios a suprir os fundos necessários;

IV – praticar os atos necessários para assegurar os direitos da sociedade, e

representá-la ativa e passivamente nas ações que interessarem a liquidação,

podendo contratar advogado e empregados com autorização do juiz e ouvidos

os sócios;

V – apresentar, mensalmente, ou sempre que o juiz o determinar, balancete da

liquidação;

VI – propor a forma da divisão, ou partilha, ou do pagamento dos sócios,

quando ultimada a liquidação, apresentando relatório dos atos e operações que

houver praticado;

VII – prestar contas de sua gestão, quando terminados os trabalhos, ou

destituido das funções.

Todos estes deveres, que se somam aos estabelecidos pelos atos societários e

pela lei material (MIRANDA, 1959b, p. 163) são diretamente focados no fechamento de

uma sociedade, guardando relação com os do síndico na falência, conforme aponta

AMÉRICO (1959, p. 461). A partir do momento em que o liquidante é nomeado, passa a

praticar todos os atos de gestão da sociedade, devendo encerrar seus negócios, liquidar

seus bens e propor a partilha final. Para uma dissolução apenas parcial, com a necessária

apuração dos haveres dos ex-sócios, não é desejável a substituição dos sócios

remanescentes na gestão nem tampouco a liquidação forçada de seus bens, o que poderia

levar à inviabilidade da continuação do negócio.

Assim sendo, o artigo 668 previu que “Si a morte de qualquer dos sócios não

causar a dissolução da sociedade, serão apurados exclusivamente os haveres do falecido,

cartório. A decisão tomar-se-á por maioria, computada pelo capital dos sócios que votarem e, nas

sociedades de capital variável, naquelas em que houver divergência sobre o capital de cada sócio e nas de

fins não econômicos, pelo número de sócios votantes, tendo os sucessores apenas um voto. § 2º Se forem

somente dois (2) os sócios e divergirem, a escolha do liquidante será feita pelo juiz entre pessoas estranhas

à sociedade. § 3º Em qualquer caso, porém, poderão os interessados, si concordes, indicar, em petição, o

liquidante.

52

e seus herdeiros ou sucessores serão pagos pelo modo estabelecido no contrato social, ou

pelo proposto e aceito”. A norma, assim, corrobora a falta de utilidade do disposto no

Título para a questão, deixando a critério das partes contratantes a definição do

procedimento a ser adotado para a dissolução parcial. MIRANDA (1959b, p. 170, grifos

do original) comenta:

1) RETIRADA DO SÓCIO SEM DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE. – A

retirada de sócio, que não produz dissolução da sociedade, segundo os

princípios de direito material (e. g., cláusula do contrato que preveja a

substituição do sócio por outrem – sócio, herdeiro ou estranho), só

acidentalmente pode ser assunto do Título XXXVIII, que trata da “dissolução

e liquidação de sociedades”. Já o antigo Código de Processo Civil do Distrito

Federal, art. 950, previa os dois casos de pagamento, na hipótese de haver

retirada de sócio sem se dar a dissolução da sociedade: a) conforme o

estabelecido no contrato, ou b) conforme o convencionado posteriormente. O

Código de Processo Civil adicionou terceiro (c): “pelo determinado na

sentença”. Já o art. 471, §4º, previra o caso da morte do sócio de sociedade

comercial, mandando proceder ao balanço do estabelecimento com o pai ou o

tutor do herdeiro menor e com o curador especial, a fim de se apurar o que há

de entrar no acervo hereditário. Aqui, a regra é geral a quaisquer sociedades.

MIRANDA (1959b, PP. 154-155) inclusive é da opinião de que a ação para a

dissolução parcial da sociedade é prescindível:

6) QUANDO É QUE SE PODE PRESCINDIR DA AÇÃO DE

LIQUIDAÇÃO. – [...]

e) Se cabe a retirada de algum sócio, sem dissolução da sociedade (denúncia),

e a sociedade, por outro motivo, se dissolve, a retirada do sócio trata-se em

primeiro lugar, ainda que no mesmo processo. Os negócios pendentes não se

calculam para o caso da retirada, mas, concluídos e apurados lucros ou perdas,

assume-os o denunciante. Essa regra também se aplica ao caso da morte do

sócio sem dissolução da sociedade.

Assim sendo, o CPC/1939 não estatuiu procedimento para a dissolução parcial

e liquidação dos haveres do sócio falecido ou retirante, mas já previu essa situação, dando

às partes a liberdade contratantes para definirem as regras para seu processamento e, caso

não o façam, ao Juiz para que lhe defina. SANTOS (1955, p. 306) opina que o rito

apropriado seria:

Para isso deve proceder-se, por meio de perito meneado pelo juiz, ao balanço

social até a data do falecimento, ou como estiver estipulado no contrato.

Êsse balanço é que esclarecerá a parte que cabe ao sócio falecido, sendo lícito

aos herdeiros fiscalizarem a organização dêsse balanço, podendo mesmo

reclamar contra lançamentos feitos e impugnar o resultado oferecido, nas

mesmas condições estatuídas para a liquidação comum.

A dissolução, contudo, nem sempre se dá de pleno acordo entre os sócios, o que

fez com que críticas fossem realizadas à redação, que não previa que o Juiz pudesse

determinar o modo pelo qual se realizaria a dissolução. Essas críticas foram incorporadas

53

pelo Decreto-Lei nº 4.565, de 11 de agosto de 1942, que, entre diversas outras

providências na modificação do CPC/1939, alterou a redação do artigo:

Art. 668. Se a morte ou a retirada de qualquer dos sócios não causar a

dissolução da sociedade, serão apurados exclusivamente os seus haveres,

fazendo-se o pagamento pelo modo estabelecido no contrato social, ou pelo

convencionado, ou, ainda, pelo determinado na sentença.

Comentando este artigo AMÉRICO (1959, p. 466) aponta que “[n]o caso de

divergência sôbre a liquidação, ou nos de intervenção judicial necessária, segue-se a ação

de que trata o art. 656, §2º”. Nos demais casos não-litigiosos, bastaria escritura na forma

estabelecida na legislação ou um acordo em juízo.

O supramencionado artigo 656, §2º dispõe um procedimento simplificado para

a decretação da dissolução, que, conforme aponta MIRANDA (1959b, PP. 156-157),

prescinde de despacho saneador e das medidas de sanação. Nesse caso, deve-se também

comprovar na petição inicial a incidência das hipóteses autorizadoras da dissolução

parcial e apuração dos haveres.:

Art. 656. A petição inicial será instruida com o contrato social ou com os

estatutos. [...]

§ 2º Nos casos de dissolução contenciosa, apresentada a petição e ouvidos os

interessados no prazo de cinco (5) dias, o juiz proferirá imediatamente a

sentença, se julgar provadas as alegações do requerente.

Se a prova não fôr suficiente, o juiz designará audiência para instrução e

julgamento, e procederá de conformidade com o disposto nos arts. 267 a 272.

Sendo necessária a comprovação mais aprofundada de qualquer questão,

designa-se audiência de instrução e julgamento e o processo segue as regras do rito

comum. Sendo necessária a comprovação de algum documento societário, como os atos

constitutivos, segue-se o estabelecido no artigo 67347.

Com relação à dissolução da Sociedades Anônimas, o CPC/1939 dispôs apenas

o artigo 674, legando essa dissolução ao procedimento ordinário: "Art. 674. A dissolução

das sociedades anônimas far-se-á na forma do processo ordinário”. À época da

promulgação, as normas materiais sobre dissolução da sociedade anônima que vigiam

eram as dos tempos do império, já previamente tratadas. A opção pelo rito ordinário tem

razão na natureza contenciosa das hipóteses de dissolução judicial da sociedade anônima,

47 Art. 673. Não havendo contrato ou instrumento de constituição de sociedade, que regule os direitos e

obrigações dos sócios, a dissolução judicial será requerida pela forma do processo ordinário e a liquidação

far-se-á pelo modo estabelecido para a liquidação das sentenças.

54

que são decididas por Sentença com natureza condenatória, como aponta MIRANDA

(1959b, PP.179-180). SANTOS (1955, p. 316) complementa:

Sòmente é obrigatória a dissolução por meio de ação ordinária no caso de não

poder a sociedade anônima preencher o seu fim por insuficiência do capital ou

por outro qualquer motivo [...].

Em tais casos, a qualquer acionista é lícito propor a ação para obter a

decretação judicial da dissolução da sociedade.

Nos demais casos, a dissolução da sociedade anônima poderá verificar-se

amigàvelmente, ou seja pela deliberação da assembléia geral.

Mesmo quando a causa da dissolução é a redução do número de acionistas a

menos de sete, em regra, ela é resolvida pela assembléia geral, ou pela

diretoria, a qual deve, depois de vencido o prazo de seis meses sem que se

verifiq [sic] o aumento do número de acionistas, isso mesmo declarar e

convocar a assembléia geral para resolver sôbre o modo da liquidação e

nomear liquidantes, se os estatutos são omissos.

Sòmente se os administradores não cumprirem êsse dever ou a assembléia

geral não resolve a dissolução, poderá justificar-se a ação promovida por

qualquer dos acionistas para obter a dissolução por tal motivo.

Pouco depois o Decreto-lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940, conhecido

como Lei das Sociedades por Ações (LSA/1940), determinou a dissolução das

companhias por Sentença, quando o objeto social for ilícito48, e sua liquidação nas

hipóteses dos artigos 137 e 138:

Art. 137. A sociedade anônima ou companhia entra em liquidação:

a) pelo término do prazo de duração;

b) nos casos previstos nos estatutos;

c) por deliberação da assembléia geral, convocada e instalada na forma prevista

para a destinada à reforma dos estatutos, ou pelo consentimento unânime dos

acionistas, manifestado em instrumento público;

d) pela redução do número de acionistas a menos de sete, verificada em

assembléia geral ordinária, e caso esse mínimo não seja preenchido até a

seguinte assembléia geral ordinária;

e) pela cassação, na forma da lei, da autorização para funcionar.

Art. 138. A sociedade entrará em liquidação judicial:

a) quando, por decisão definitiva e irrecorrivel, for anulada a sua constituição;

b) por decisão definitiva e irrecorrivel, proferida em ação proposta por

acionistas que representem mais de um quinto do capital social e provem não

poder ela preencher o seu fim;

c) em caso de falência, na forma prescrita na respectiva lei.

As hipóteses do artigo 137, exceto a da alínea e, partem todas dos sócios, sendo

denominadas por MIRANDA VALVERDE (1959b, p. 16) como causas internas. Essas

causas não necessitam de qualquer intervenção judicial para que se considere dissolvida

48 Art. 167. Será judicialmente dissolvida, a requerimento do orgão do Ministério Público, a sociedade

anônima ou companhia, ou a sociedade em comandita por ações, que tiver objeto ou fim ilícito, ou

desenvolver atividade ilícita ou proibida por lei. [...]

55

a sociedade, mas no caso da alínea e, se não partir dos sócios a liquidação, será processada

judicialmente, nos termos do artigo 167 (Ibid. PP. 20-21).

As hipóteses do artigo 138, por sua vez, podem partir dos sócios ou não e são

obrigatoriamente judicializadas, sendo declaradas por Sentença. A liquidação em si,

contudo, se processa fora do juízo, nos termos da própria lei.

Destaca-se que foi da exegese do artigo 138 supracitado que se desenvolveu o

conceito da finalidade essencialmente lucrativa da sociedade anônima, bem como as

discussões acerca da existência ou não de affectio societatis nessa modalidade societária.

O Acórdão que inaugurou a discussão foi o do julgamento do Recurso Extraordinário nº

20.023/DF, que, por unanimidade, reformou o Acórdão Cível nº 8.632 (Rel. Des. Antônio

Vieira Braga, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Rio de Janeiro),

julgado em 26 de janeiro de 1951 in MIRANDA JUNIOR, 1960, PP. 530-531), que

entendera não ser suficiente a demonstração da não distribuição de lucros para a

dissolução da sociedade:

Ementa – O fim lucrativo é essencial à sociedade anônimas. Ausencia de lucros

durante 25 anos; causa de dissolução. Aplicação do art. 138, b, da lei das

sociedades por ações. [...].

Relatório [...] “No mérito, tudo se reduz à verificação da existência do

fundamento invocado para a dissolução, previsto na letra b do art. 138 das

sociedades por ações. Só em 5 anos a sociedade deu lucros (1927, 1931, 1942,

1946 e 1948) [...]. Na emprêsa destinada a fins lucrativos, não se pode deixar

de considerar como elemento relevante, ao indagar se ela pode ou não

preencher o seu fim, o fato de se passarem anos seguidos sem a distribuição de

lucros. Carvalho de Mendonça cita opinião de Baudry e Wahl e estes apontam

decisão da Justiça francêsa decretando a dissolução de sociedades, por falta de

distribuição de lucros. Isso, porém, é uma questão de fato e, portanto, o

problema tem que ser resolvido em cada caso, em face das circunstâncias e

dados que servem para a interpretação exata da não distribuição de lucros. [...].

VOTO. O objeto da sociedade anônima ou companhia somente pode ser

emprêsa de fim lucrativo. Não é senão lucri faciendi causa que se forma e opera

a sociedade anônima se não pode preencher tal fim precípuo, se vem a fracassar

no seu objetivo de grangeio de lucros, é uma tentativa malograda e perde sua

própria razão de ser. É o que dispõem, expressis verbis, os arts. 2º e 138, letra

b, combinados, do Decreto-lei nº 2.627, de 26-9-1940. [...] Ora, dizer-se que

uma sociedade que revelou, através de 25 anos, seu completo insucesso na

obtenção de lucros, apresentando, ao invés disso, um vultoso passivo, e que,

para livrar-se da ação judicial de credores, teve de pedir socorro à lei de

moratória pecuarista, não deixou de preencher o seu fim ou não merece ser

dissolvida, é positivamente uma conclusão em colisão com as premissas. Diz

o acórdão que “na hipótese dos autos fica a impressão de que a apelada bem

administrada passará agora a dar lucros, isto é, a distribuir lucros”. É uma

conjetura gratuita subordinada a uma condição cuja possibilidade vem sendo

desmentida há 25 anos, isto é, a “boa administração da fazenda”.

Tenho para mim que o acórdão, não obstante a reconhecida maestria de seus

ilustres prolatores, deixou de cumprir, por inadequada interpretação o art. 138,

b, da lei das sociedades por ações.

56

Assim, conheço do recurso, pelo seu fundamento, e lhe dou provimento.

(Recurso Extraordinário nº 20.023/DF, Re. Min. Nelson Hungria, julgado pela

Primeira Turma do STF, em 22 de abril de 1952. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=2002

3&classe=RE>. Acesso em 26/09/2017).

Após esse precedente da corte suprema, a jurisprudência passou a contemplar a

capacidade de distribuição de rendimentos ao averiguar o cumprimento do fim. Essa

questão por vezes se somou a discussões acerca da existência e influência da affectio

societatis nas sociedades anônimas, quando não for possível alegação sobre a

impossibilidade de reverter lucros. Veja-se o julgado abaixo:

Trata-se de dissolução de sociedade anônima pretendida por parte dos

apelantes, os quais constituem minoria entre acionistas, com mais de um quinto

do capital. Arguem a prática de atos prejudiciais à sociedade e a seus interêsses,

[...], sustentando não poder a sociedade preencher seus fins, desaparecida a

affectio societatis.

Em sua defesa a ré impunga [...], não ocorrem circunstâncias para dissolução,

visto como há distribuição de lucros, sendo estranho às sociedades anônimas o

conceito de affectio societatis, por isso que fogem elas aos moldes das

sociedades intuitu personae. [...]

Os autos evidenciam a atitude e os atos tendentes a sacrificar os interesses do

A. e outros acionistas contra os apelantes, sendo numerosos os atos, a pretexto

de represálias e visando o rebaixamento de dividendos, melhor aquinhoamento

aos componentes da maioria e outros destinados ao total afastamento dos

apelantes da sociedade. [...]

Entre os comercialistas se distingue os casos de impossibilidade originária

quanto ao objeto da impossibilidade superveniente, na especial hipótese, da

discórdia entre os sócios, admitindo-se esta, como razão de relevância quando

se torna impossível pela disciplina das deliberações dos sócios fazer prevalecer

a vontade social [...].

A cessação ou inexistência da affectio societatis, mesmo para aqueles como

Valverde, que a reputam existente nas sociedades de capital, não seria razão

expressiva para a dissolução, atenta a harmonia ocorrente, em relação à

minoria. E a lei deixa claro que êsse elemento subjetivo é mínimo nas

sociedades de capital armando a minoria de meios de defesa outros, contra os

abusos da maioria.

Demais, a existência da sociedade sobreleva e se superpõe aos interêsses

pessoais dos sócios, mòrmente nas sociedades anônimas, cuja denominação

bem esclarece o sentido e o tipo de tais sociedades. [...] (Apelação Cível nº

8.571, Rel. Des. Sady de Gusmão, 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do

Distrito Federal (Rio de Janeiro), julgamento em 27 de novembro de 1951 in

MIRANDA JUNIOR, 1960, PP. 531-534)

A leitura desse acórdão aclara que a visão da época se amolda à atual, da

irrelevância apriorística da affectio societatis nas sociedades de capitais. Outro julgado

(Apelação Cível n.º 29.165, da Capital/SP, Rel. Des. Leme da Silva, 2ª Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgado em, 21 de maio de 1946 in

MIRANDA JÚNIOR, 1960, PP. 534-544) aponta também no mesmo sentido: “[...] Um

acionista não adere senão por uma coisa: inverter os capitais que subscreveu. [...]. Eis aí

57

como se há de entender a affectio societatis, em relação as sociedades anônimas”.

Contudo, tece considerações outras, por faticamente ter sido apurada a característica

familiar da sociedade:

Trata-se, por conseguinte, de uma sociedade anônima em que o elemento

personalista é relevante, ao contrário do que ocorre com as sociedades

puramente capitalísticas, como as grandes sociedades por ações

contemporâneas.

E sendo assim, deve-se concluir que estas sociedades anônimas familiares

podem ser liquidadas, judicialmente sob o fundamento de grave e inrremovível

dissentimento entre dois grupos de acionistas, uma vez que a doutrina e a

jurisprudência tem se orientado nesse sentido, quando a sociedade de pessoas,

com base no art. 336, nº I, do Cód. Comercial, que também cogita da

impossibilidade de preenchimento do fim social. [...]

É precisamente nesse sentido que têm se firmado a doutrina e a jurisprudência,

que haverá de ser aplicada com maior rigorismo ao caso de uma sociedade

anônima familiar, dada a sua natureza mista de sociedade de capitais e de

pessoas, conforme esclarecimentos anteriores. E a razão está não sòmente no

fato de serem transferíveis as ações, embora sempre haja uma certa limitação

a tal respeito nas sociedades anônimas familiares, como ainda na circunstância

apontada de que a sociedade é dirigida por uma diretoria escolhida em votações

periódicas, cabendo aos demais acionistas fiscalizar-lhe os atos. [...]

Procuram êles reforçar o seu ponto de vista com as eventuais consequências

decorrente da cláusula estatutária que restringe de algum modo a livre

negociabilidade das suas ações, o que importaria, afinal, em submetê-los a um

domínio permanente do grupo majoritário, quantitativamente insignificante e

inamistoso. [...]

Não há no processo a menor referência a qualquer tentativa ou iniciativa

porventura feita pelos autores, a fim de conseguirem a venda ou transferência

das suas ações aos réus, ou a pessoas estranhas a sociedade, quando é bem

certo que nada os impedia de assim proceder, retirando-se do quadro social.

Ao revés, tudo indica que jamais pretenderam dispôr dos seus títulos sociais,

porquanto o seu desejo indisfarçável não é outro senão transformar em

realidade aquele plano de divisão do patrimônio da companhia, de há muito

projetado, e, afinal consubstanciado na ata da assembléia de janeiro de 1936,

cujas deliberações foram declaradas sem efeito pela de fevereiro de 1942. [...]

Se os autores acaso tiverem direitos seus postergados pela deliberação da

assembleia de 1942, isso não poderia ser aqui objeto de cogitação útil ou eficaz,

nem tão pouco justificaria o recurso a solução extrema da liquidação judicial

da sociedade [...].

Como se vê, a admissão da natureza familiar para a sociedade importou na

aplicação das regras do Código Comercial, só que com majorado rigor em razão da

interpretação de natureza mista da sociedade. Assim, entendeu o Juiz por recusar o pedido

de dissolução em razão de não ter sido tentada a alienação das ações e pelo conflito ter

fundo não em dissidência insolúvel entre os sócios, mas sim em deliberações acerca dos

bens da sociedade. Não foi afastada a incidência da affectio societatis, mas sua avaliação

ficou vinculada explicitamente à capacidade de gerar lucros. Não se cogitou a

possibilidade de dissolução parcial através apenas da retirada do dissidente, de modo que

o caráter familiar não implicou na heterotipia.

58

Por fim, ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal se manifestou acerca da

dissolução parcial de sociedade apenas no RE 91.044, Rel. Min. Décio Miranda, Segunda

Turma do STF, publicado no DJ de 31/08/1979, que entendeu que a dissolução total de

sociedade é incabível, quando proposta por sócio minoritário de sociedade por quotas de

responsabilidade limitada, o que acabou ratificado no julgamento do RE 92.773/PR, Re.

Min. Cordeiro Guerra, Segunda Turma do STF, julgamento em 25 de agosto de 1981,

publicado no DJ de 23/10/1981.

4 - O NASCIMENTO DO DIREITO DE RETIRADA NAS SOCIEDADES

ANÔNIMAS

Sobre o exercício do direito de retirada, o DEL2627/1940 previa

Art. 107. A aprovação das matérias previstas nas letras a, d, e e g do art. 10549

dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se da sociedade mediante o

reembolso do valor de suas ações, se o reclamar à diretoria dentro de trinta

dias, contados da publicação da ata da assembléia geral. (Revogado

pela Lei nº 6.404, de 1976)

§ 1º Salvo disposição dos estatutos em contrário, o valor do reembolso será o

resultado da divisão do ativo líquido da sociedade, constante do último balanço

aprovado pela assembléia geral, pelo número de ações em circulação. [...]

Art. 150. A transformação exige o consentimento unânime dos sócios ou

acionistas, salvo si prevista no ato constitutivo ou nos estatutos. Mas, o sócio,

que com ela não concordar, poderá retirar-se da sociedade, recebendo os seus

haveres de acôrdo com o último balanço ou na forma estabelecida no ato

constitutivo ou nos estatutos

Note-se que o exercício da retirada, nos termos postos, prescindia do

ajuizamento de qualquer demanda. Exercido o direito, através da reclamação à diretoria,

nascia imediatamente o crédito para o sócio retirante. Caso a companhia descumprisse

seu dever de indenizar suas ações, cabia apenas a ação de cobrança, sendo os haveres

apurados conforme o último balanço, de maneira bastante direta.

As hipóteses em que era previsto o exercício do direito de retirada dependiam,

todas, da aprovação em assembleia geral. São hipóteses de grande modificação do status

quo da sociedade, como a criação de ações preferenciais, de classes de ações preferenciais

49 [N. do A.] Note-se a breve existência de um parágrafo único nesse artigo, entre 13 de março de 1945,

quando para “cercar-se de condições que impossibilitem prejuízos à boa administração social a través da

manifestação de uma restrita minoria” o Presidente Getúlio Vargas outorgou o Decreto-Lei nº 7.375; apenas

para revoga-lo, repristinando o texto original, sem o parágrafo único que estabelecia quórum qualificado

de dois terços do capital com direito a voto para a destituição de membros da Diretoria, do Conselho Fiscal

ou de qualquer outro órgão criado nos estatutos, através do Decreto-Lei nº 8.163, de 7 de novembro do

mesmo ano.

59

ou da modificação das vantagens dessas classes; a mudança do objeto social; a

incorporação ou fusão da sociedade; e a cessação do estado de liquidação, com o

reestabelecimento de uma sociedade cuja liquidação já tenha sido aprovada ou decretada.

MIRANDA VALVERDE (1959a, p. 241) afirma:

[...] Todos êles positivam deliberações da assembléia geral, que alteram

substancialmente as condições de existência da sociedade ou as relações entre

esta e seus acionistas. No conflito de interêsses respeitáveis entre acionistas

que representam, no mínimo, metade do capital com direito de voto (art. 105),

e acionistas dissidentes da deliberação tomada por essa maioria qualificada,

nos casos expressos no preceito, o legislador encontrou uma fórmula de

solução justa, originária do direito italiano. Pois que garante a subsistência da

pessoa jurídica, dando à maioria mão forte, e assegura aos membros

dissidentes, à minoria portanto, o direito de se retirar da sociedade mediante o

reembolso do valor de suas ações.

Não há possibilidade de abusos.

Não sendo objetivamente apreciável da própria leitura da ata da assembleia, a

possibilidade de uma classe ser mais favorecida, pode ensejar dúvida, caso as vantagens

distintas conferidas às classes possam ser classificadas como “mais vantajosas”. A

solução para esse dilema, contudo, dar-se-ia facilmente: se não fosse uma questão

objetivamente apreciável, por números, então o próprio acionista é que deve dizer se a

classe é ou não mais favorável, já que esse conceito é subjetivo e a avaliação não pode

prescindir das intenções pessoais de cada acionista. Outra saída, pelo próprio texto da

alínea, seria requerer sua retirada pela simples criação de ações preferenciais, como

permitido na primeira parte. A discussão, portanto, tornou-se de pouca utilidade e não foi

enfrentada pela jurisprudência.

Não se instituiu, nesse momento, uma forma de dissolução parcial da sociedade

anônima. Sendo bastante objetivos os parâmetros em que se permite o exercício desse

direito, torna-se desnecessária uma ação para declarar a ocorrência da hipótese de

retirada. Não sendo necessário apurar os haveres, bastando regra de três simples entre o

ativo líquido da sociedade e o percentual de participação societária do acionista retirante.

Divergências eventuais acerca do valor seriam, em realidade, impugnações ao último

balanço.

A Lei de Falências de 1945, Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, em

seu artigo 48, também ampliou as previsões legais para a preservação da empresa:

Art. 48. Se o falido fizer parte de alguma sociedade, como sócio solidário,

comanditário ou cotista, para a massa falida entrarão sòmente os haveres que

na sociedade êle possuir e forem apurados na forma estabelecida no contrato.

Se êste nada dispuser a respeito, a apuração far-se-á judicialmente, salvo se,

60

por lei ou pelo contrato, a sociedade tiver de liquidar-se, caso em que os

haveres do falido, sòmente após o pagamento de todo o passivo da sociedade,

entrarão para a massa.

Na hipótese desse artigo, o falido é sócio de sociedade com higidez e

solubilidade positiva. Até esse ponto, a quebra de um sócio, por força da norma contida

no art. 335, 2 do CCom/1850, já tratada anteriormente, significaria a dissolução integral

da sociedade. O que a lei de falências passou a permitir é que as próprias sociedades

dispusessem acerca de sua continuidade e a apuração dos haveres do sócio falido,

preservando a empresa, conforme comenta ÁLVARES (1968, PP. 373-375). BEDAN

(1962, p. 473):

Como conciliar o texto do artigo 335, nº 2, do Código Comercial, quando este

é peremptório em prescrever que reputam-se dissolvidas as sociedades mesmo

que ocorra a quebra apenas de um dos sócios?

Embora o citado Diploma, nesse inciso, seja genérico, abrangendo assim todas

as sociedades (excedo as de ações), a Lei de Falências, sendo posterior, veio

no âmbito restringir aqueles efeitos para quando se referir a sócio solidário,

comanditário o u cotista. Mesmo assim, para que se opere a liquidação da

sociedade, faz-se mister que exista e resulte de imposição legal ou contratual.

Evidentemente, quer nos parecer que, nesse aspecto, os autores insignes da Lei

Falimentar deixaram margem a contradições. E isso emerge quando vamos

buscar o texto do Código Comercial, enquistado em o nº 2 do já referido artigo

335, ao considerar dissolvida a sociedade por quebra de qualquer dos sócios.

Está certo que tal ocorra quando a sociedade fôr composta ùnicamente de dois

titulares, e um deles venha a falir. A hipótese poderá ser equiparada àquela em

que impõe a dissolução na contingência de ocorrer a morte de um deles.

Certamente que, sendo a característica da sociedade a existência de mais de

uma pessoa, não poderá ser outra a solução. Aliás, não é outro o entendimento

que se deve dar ao n.º 4 do mencionado artigo 335.

BULGARELLI (1999, p. 409) destacou que conforme sócios e a doutrina foram

valorizando os diversos interesses envolvidos na sociedade, fortaleceu-se a necessidade

de permitir a continuação da sociedade através da dissolução parcial. Conforme

ALBERGARIA NETO (2007, p. 241) comentou, a ausência de disposições específicas

acerca da dissolução de sociedades limitadas na legislação de 1919 impôs ao Judiciário o

enfrentamento dos conflitos entre os sócios e a decisão sobre quais importariam na

dissolução das sociedades limitadas.

O primeiro julgado em que se autorizou a apuração dos haveres de um sócio

falecido, sem a consequente dissolução da sociedade, foi assim ementado (Acórdão da 2ª

Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Rio de Janeiro) de Apelação

Cível sem número, julgada em 14 de junho de 1921, sob a relatoria do Desembargador

Elviro Carrilho. Publicada no Rio de Janeiro em 14 de junho de 1921. in MIRANDA

JUNIOR, 1960, p. 860):

61

A hipótese dos autos é justamente prevista na concepção contida no art. 335,

nº IV do Código Comercial que estabelece: as sociedades reputam-se

dissolvidas: IV – pela morte de um dos sócios, salvo convenção em contrário

a respeito dos que sobreviverem. Esta cláusula de uso frequente, como diz

Carvalho de Mendonça, é uma garantia aos sócios, especialmente nas

sociedades industriais que exigem custosa instalação. Nestes casos, verifica-se

e apura-se a parte que cabe ao sócio falecido para ser entregue aos seus

herdeiros. A sociedade não entra em liquidação, por isso que nem dissolvida é

pela morte do sócio. O direito desses herdeiros limita-se ao de reclamar da

sociedade a parte que tinha direito o seu antecessor.

Tratando-se da hipótese legal, o Acórdão inovou apenas ao garantir a

continuidade da sociedade, ainda que mediante requisição dos herdeiros de que a

liquidação dos haveres do falecido fosse feita mediante liquidação da sociedade como um

todo. Deu, portanto, inteligência ao artigo 335, nº 4 do CCom/1850 para estender-lhe ao

máximo a eficácia, permitindo que o contrato social regesse não apenas os sócios

sobreviventes, mas também a parte do sócio falecido.

O ápice dessa extensão legal viria por outro acórdão do Tribunal de Justiça do

DISTRITO FEDERAL (1950 in MIRANDA JUNIOR, 1960, PP. 862-863), em que, em

situação única, permitiu-se a continuidade de sociedade com um único sócio, diante do

falecimento de um dos dois únicos:

Acordam os Juízes da 5ª Câmara Cível, por unanimidade, em dar provimento

à apelação para que o processo seja o de apuração de haveres ex vi da cláusula

10.ª do contrato social. Trata-se do problema inerente a sociedades comerciais

compostas por dois sócios. Por essa razão, e dada a morte de um dêles, a

sentença concluiu por determinar a liquidação, ao passo que o apelante insiste

em que, no caso, a solução é a apuração de haveres. E, na verdade, a razão está

com o recorrente, e tal tem sido a orientação seguida por esta Câmara, no

acórdão proferido na apelação cível nº 5772 (ac. De 27-9-1949, in “Arq. Jud”,

vol. 93, págs. 153 a 155), com voto vencido do eminente Des. Frederico

Sussekind. O critério tendente a assegurar a continuidade do estabelecimento

mercantil é o que está prevalecendo no direito moderno. A questão da morte

de um dos dois sócios e seus efeitos em relação à sociedade pode ser parificada

ao caso da exclusão de um dos sócios, nas mesmas condições. [...] Igualmente,

De Gergori (“Societé”, ns. 491 e 492, págs. 662 e 663) estuda o problema, sob

o ponto de vista da confusão numa só pessoa de tôdas as ações, nas sociedades

anônimas, protraindo o problema de todas as ações, nas sociedades em nome

coletivo, asseverando que, se a solução é certa para a primeira sociedade

anônima, não o é menos para as segundas, pois, o fundamento essencial assenta

na criação de um ente jurídico que possa viver, enquanto pessoal dos sócios.

Advoga a persistência da autonomia jurídica do estabelecimento mercantil,

mesmo quando as cotas representativas do capital se insulam numa só pessoa.

Mossa (in “Ver. Di Diritto Comm”, 1915, vol. II, pág. 367) ressalta que o que

se preserva não é a sociedade senão a emprêsa. [...] Como se depreende, o

problema não é tanto do desfazimento da sociedade, já que é evidente a sua

não sobrevivência, sem o elemento comunhão, impossível de dar sem a

presença de mais de um sócio, mas a desvinculação do sócio, o modo de

composição dos seus direitos sociais, de modo a não perturbar a continuidade

do estabelecimento mercantil autônomo. [...] Destarte, não há como cogitar-se

de liquidação pela forma processual comum, que cede o seu império em

62

proveito do que as próprias partes pactuam, visando precisamente a

continuidade do estabelecimento mercantil.

Posteriormente, já com a consolidação legal de possibilidades de apuração dos

haveres de sócios sem a dissolução total da sociedade, as hipóteses de manutenção da

empresa foram expandidas no seguinte julgamento. (Apelação Cível n.º 46.509, de

Botucatu/SP, Rel. Des. Fernandes Martins, 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo, julgado em 21 de novembro de 1950 in MIRANDA JUNIOR, 1960,

PP. 839-840):

Por divergências com um dos sócios, o autor denunciou o contrato, por meio

de notificação judicial e no prazo de antecedência marcado no contrato,

protestando pelo recebimento na oportunidade devida da importância do seu

capital correspondente às 370 cotas, a importância do seu saldo credor da conta

de lucros sociais atualmente existente, acrescida do que lhe couber no balanço

de 31 de dezembro de 1946, além do que lhe fôr devido em balanço final de

11 de fevereiro de 1947, por ocasião de sua retirada e mais a importância

líquida, em proporção do seu capital, em consequência da valorização dos bens

sociais que fôr verificada desde a sua constituição até o dia de sua retirada. [...]

Não estando de acordo com os balancetes mensais da sociedade, ingressou com

a presente ação pedindo a decretação da dissolução da sociedade e como

corolário, a condenação da mesma ao pagamento das verbas referidas na

notificação. [...] Uma sociedade civil ou comercial se dissolve a requerimento

de qualquer interessado. O Cód. Comercial, em seu art. 335 taxa os casos em

que se autoriza a dissolução das sociedades comerciais. [...] Todavia, sentencia

Odilon de Andrade, não será o caso de dissolução de sociedade, a renúncia do

sócio, se o contrato social, justamente para impedir essa dissolução, regulou o

caso de retirada de associados e a forma de se apurarem e serem pagos os seus

haveres (“Código de Proc. Civil”, vol. 7, pág. 403). O contrato social prevê a

hipótese. A sociedade não padece de dissolução com a retirada do autor, pois

que está consignada a cláusula de sua continuação, bem como a forma de

liquidação dos haveres do sócio retirante. [...]

O supramencionado julgado inovou, especialmente, ao consagrar o direito dos

sócios remanescentes a prosseguir com a sociedade, mesmo mediante a ruptura do quadro

social pela saída de um dos sócios, indo diretamente contra o texto do artigo 335, nº 5. A

inovação desse julgado viria a se popularizar ao ser confirmada pelo Supremo Tribunal

Federal, em julgamento que se celebrizou:

Dissolução da sociedade por cotas de responsabilidade limitada. - Não se dá

ad nutum de sócio * dissidente, mesmo que seja constituída por tempo

indeterminado, senão nos têrmos do contrato, cujas cláusulas devem ser

rigorosamente observadas, principalmente se a exclusão da emprêsa pode

atingir interêsses de obreiros a quem a lei * outorga, proteção excepcional.-

Constituição jurisprudencial que, sem quebra do princípio de liberdade,

permite a retirada do sócio, que haja perdido a affectio societatis, com pleno

ressarcimento e quitação, para que a sociedade continue.- Recurso conhecido

e provido em têrmos. [...]

O acórdão recorrido contém resposta afirmativa à questão posta nestes termos:

“A sociedade apelante, da qual como quotista, fazem parte, além do autor, mais

os sócios Antonio Tedesco e Luiz Tedesco, foi contratada por tempo

indeterminado, e toda a controvérsia girou em torno da aplicabilidade ou não,

63

à espécie da norma do inciso 5º do art. 335, do Código Comercial, que dispõe

que as Sociedades reputam-se dissolvidas pela vontade de um dos sócios

quando contratados por tempo indeterminado”. [...]

O alegado desaparecimento da affectio societatis, forma por que o recorrido

exprimiu o irredutível propósito de acabar com uma emprêsa que susenta mais

de trinta famílias (item 1 da Constituição, a que não se opôe desmentido), não

é razão suficiente para que isso aconteça.

Dou provimento ao recurso, em termos, a sociedade não se dissolverá, mas é

garantida a retirada do elemento dissidente com pleno ressarcimento

pecuniário e quitação realizando-se, para isso, balanço perfeito, servatis

servantis os princípios que regem a apuração e distribuição de haveres, e isso

se fará obviamente em execução.

(Recurso Extraordinário nº 50.659/RJ, Rel. Antônio Villas Boas, Segunda

Turma do STF, julgado em em 11 de setembro de 1962. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=149640>.

Acesso em 20/09/2017.)

Visto esse conjunto de situações, confirma-se que há tempos já se verifica na

doutrina comercialista o anseio pela proteção jurídica à empresa e sua continuidade.

Trajano de MIRANDA VALVERDE (1942, p. 637), por exemplo, já ponderava pela

necessidade de proteger-se a sociedade dos próprios sócios. PENALVA SANTOS (2010,

p. 9) aponta que a utilização da dissolução parcial tomou, por base, inicialmente, uma

interpretação do Art. 335, n° 5 do CCom/1850, segundo a qual a manifestação da vontade

do sócio nas sociedades por tempo indeterminado geraria apenas quanto a ele os efeitos

da dissolução total, com a apuração dos seus haveres, mas sem que liquide a sociedade

por inteiro. A jurisprudência empreendeu grandes esforços interpretativos para adequar a

legislação imperial, cunhada sob a égide de pensamentos diversos, à realidade brasileira

da década de 50 e 60, com a industrialização.

A despeito disso, a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, o Código de Processo

Civil de 197350 (CPC/1973), não estatuiu um regramento para a dissolução parcial das

sociedades. Mais que isso, o CPC/1973 determinou expressamente que continuariam a

viger as provisões do CPC/1939 com relação à dissolução e liquidação de sociedades51.

50 Este código teve origem num anteprojeto apresentado em 1964 por Alfredo Buzaid (jurista, advogado,

professor; 1914-1991), após 4 anos de trabalho em sua elaboração, a convite do então Ministro da Justiça,

Oscar Pedroso Horta (1908-1975). O anteprojeto foi revisto por José Frederico Marques (magistrado, 1912-

1993), Luís Machado Guimarães (professor, nascimento desconhecido e óbito em 1971, sendo substituído

pelo professor José Carlos Barbosa Moreira, 1931-2017) e Luís Antônio de Andrade (substituiu Guilherme

Estelita, que faleceu; desembargador; nascimento e óbito desconhecidos), em trabalhos que só terminaram

em 1972, tendo rápida tramitação legislativa. Para mais sobre a história desse Código, ver TEIXEIRA

(1976)

51 Art. 1.218. Continuam em vigor até serem incorporados nas leis especiais os procedimentos regulados

pelo Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939, concernentes: [...] Vll - à dissolução e liquidação das

sociedades (arts. 655 a 674);

64

Segundo a exposição de motivos, a razão para esta omissão é a possibilidade de melhor

tratamento na legislação especial (BRASIL. SENADO FEDERAL. 1974, PP. 25-26):

Notar-se-á, por outro lado, que o projeto não incluiu alguns procedimentos

especiais que constam do Código de Processo Civil vigente, como, por

exemplo, [...], Dissolução e Liquidação de Sociedades e outros. A exclusão foi

intencional. No regime jurídico atual figuram tais institutos, ao mesmo tempo,

em vários diplomas legais, onde têm regulamentação paralela. Esta

fragmentação não se coaduna com a boa técnica legislativa que recomenda,

tanto quanto possível, tratamento unitário. O Código Civil e algumas leis

extravagantes os disciplinam, estabelecendo regras de direito material. Por que

então dividi-los, regulamentando-os parte no Código de Processo Civil e parte

em leis especiais? Parece mais lógico incluir os procedimentos desses

institutos em suas respectivas leis especiais, onde serão exauridos completa e

satisfatoriamente.

Dessa forma, todas as questões que fugiam à aplicação rasa do procedimento

para liquidação de sociedades deveriam ser submetidas – tal qual durante a vigência do

CPC/1939 – ao rito ordinário. É farta a quantidade de casos nesse sentido, sendo trazidos

dois à colação, um de 1950 e outro de 2014: “Pedido de dissolução de sociedade, não

havendo contrato da constituição de sociedade, deve ser requerido pela forma do processo

ordinário” (Apelação Cível nº 9.241, Rel. Des. Serpa Lopes, 5ª Câmara Cível do Tribunal

de Justiça do Distrito Federal (Rio de Janeiro), julgado em 25 de julho de 1950 in

MIRANDA JUNIOR, 1960, p. 819).

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO

ORDINÁRIA DE REVISÃO CONTÁBIL, APURAÇÃO DE HAVERES,

C/C DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. AGRAVO DE

INSTRUMENTO CONTRA DESPACHO SANEADOR. ILEGITIMIDADE

ATIVA. ART. 335, 5, DO CÓD. COMERCIAL. AUSÊNCIA DE

PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. ALTERAÇÃO

CONTRATUAL. REVISÃO DA CONCLUSÃO DO TRIBUNAL DE

ORIGEM. SÚMULA 7/STJ. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA PETIÇÃO

INICIAL, POR INCOMPATIBILIDADE DE PEDIDOS. ART. 295,

PARÁGRAFO ÚNICO, IV, DO CPC. POSSIBILIDADE, EM SE

TRATANDO DE CUMULAÇÃO IMPRÓPRIA ALTERNATIVA.

DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE. RITO ORDINÁRIO.

CABIMENTO.

1. O comando inserto no art. 335, 5, do Código Comercial, vigente à época dos

fatos, não foi objeto de discussão no acórdão recorrido e o recorrente, nos

embargos de declaração opostos, não levantou esse tema a fim de suprir

eventual omissão. [...] Ademais, concluindo a instância ordinária que o

documento apresentado - alteração contratual - não revela a existência de

distrato entre os sócios, concluir de modo diverso demandaria o revolvimento

do conjunto fático-probatório dos autos, providência que encontra óbice na

Súmula 7/STJ. [...]

4. O rito ordinário é compatível na ação de dissolução parcial, mercê da

ausência de regramento processual específico e da garantia constitucional do

amplo acesso à justiça e ao contraditório que esse rito assegura às partes.

Precedente.

5. Agravo regimental não provido.

65

(Agravo Regimental em Recurso Especial nº 1.149.871, Rel. Min. Luis Felipe

Salomão, Quarta Turma do STJ, julgamento em 26 de agosto de 2014.

Disponível em:

<https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumero

Registro&termo=200901891244&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=pr

ocessos.ea>. Acesso em 20/09/2017.)

Dessa forma, todas as dissoluções parciais deveriam tramitar pelo rito ordinário

previsto pelo CPC/1973, ficando a apuração dos haveres dos sócios para a fase de

liquidação de sentença, inicialmente regida pelos artigos 603 a 609, cujas regras foram

substituídas pela Lei nº 11.232, de 11 de janeiro de 1973, que a integrou ao processo de

conhecimento, instalando os artigos 475-A a 475-R.

66

CAPÍTULO 3 - A DISSOLUÇÃO PARCIAL COMO REGRA

GERAL

O terceiro passo na investigação proposta nessa Dissertação é o estudo específico

da dissolução parcial nos dias de hoje, observando o que estabelecem as leis em vigor e

o que diz a jurisprudência acerca desse instituto. Aqui será abordado apenas a parte

material da dissolução, ou seja, o recesso e a retirada e sua aplicabilidade às sociedades

de pessoas e de capitais, bem como às sociedades heterotípicas.

Para tanto, o capítulo se divide em 3 subcapítulos: (1) o estudo do direito de

recesso motivado na LSA/1976; (2) o estudo do direito de retirada nas sociedades de

pessoas, conforme o CC/2002, incluindo sua operacionalização extrajudicial ou

preparatória para o processo; e (3) a dissolução parcial das sociedades anônimas

heterotípicas na jurisprudência, estudando seus fundamentos principais nos precedentes

autorizadores.

1 - O DIREITO DE RECESSO NA LEI Nº 6.404/1976

A Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, a Lei das Sociedades por Ações de

1976 (LSA/1976) trouxe grandes aperfeiçoamentos ao regramento jurídico. Ao longo do

presente capítulo, buscou-se demonstrar pela exposição de doutrina e julgados relevantes

que o nascimento da dissolução parcial das sociedades é decorrência do crescente

prestígio do princípio da preservação da empresa.

Com relação à retirada dos acionistas52, a LSA/1976 trouxe diversas hipóteses e

regras, todas vinculadas à alteração das bases essenciais da sociedade. A primeira, no

artigo 10953, estabelece tal direito dos acionistas como fundamental, proibindo o Estatuto

e a Assembleia-Geral de limitá-lo. Tal status configura-se uma importante garantia para

52 Diferentemente de RIBEIRO (2005, PP. 2015-2016), não se considera aqui a nulidade de subscrição

como uma forma de dissolução parcial ou causa de exclusão de sócios, visto que atos nulos não geram

repercussões jurídicas e, dessa forma, nem mesmo se conforma a sociedade para que seja possível excluir

sócios.

53 Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembléia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: [...] V

- retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei.

67

o direito dos acionistas minoritários, que, diante de possíveis atos prejudiciais, têm na lei

uma salvaguarda de seus interesses, ainda que o Estatuto não preveja medidas de

governança corporativa com tal finalidade.

No artigo 137 previu-se, originalmente54, que a aprovação das matérias previstas

nos números I, II e IV a VIII do artigo 136 davam aos dissidentes o direito de retirar-se

da companhia mediante reembolso, dado que efetuasse reclamação no prazo de 30 dias a

contar da publicação da ata da Assembleia Geral. Os supramencionados incisos tratavam,

à época:

Art. 136. É necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no

mínimo, das ações com direito de voto, se maior quorum não for exigido pelo

estatuto da companhia fechada, para deliberação sobre:

I - criação de ações preferenciais ou aumento de classe existente sem guardar

proporção com as demais, salvo se já previstos ou autorizados pelo estatuto;

II - alterações nas preferências, vantagens e condições de resgate ou

amortização de uma ou mais classes de ações preferenciais, ou criação de nova

classe mais favorecida;

IV - alteração do dividendo obrigatório;

V - mudança do objeto da companhia;

VI - incorporação da companhia em outra, sua fusão ou cisão;

VII - dissolução da companhia ou cessação do estado de liquidação;

VIII - participação em grupo de sociedades (artigo 265).

Enquanto os incisos I, II, do artigo 136 da LSA/1976 correspondem à alínea a

da LSA/1940 e os incisos V, VI, e parte do VII correspondem, respectivamente, às alíneas

d, e, e g do artigo 105 da LSA/1940, já previamente analisados no subcapítulo 3 deste

Capítulo 3, os incisos IV, VIII e a primeira parte do inciso VII são hipóteses novas de

autorização da retirada dos acionistas.

Posteriormente a Lei nº 9.457, de 5 de maio de 1997, promoveu alterações no

caput, de modo a expandir a incidência do artigo às sociedades anônimas abertas que não

estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de balcão; e nos incisos,

promovendo modificação na numeração dos incisos para incluir outras hipóteses. Ainda

houve a Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, que deu nova redação ao inciso I e ao

caput do artigo 137, expandindo sua incidência para os incisos I a VI e IX do artigo 136.

A redação final, atualmente em vigor, será a trabalhada.

O inciso I, ao tratar da criação de novas ações preferenciais, afeta os acionistas

pelo seu preterimento no recebimento de dividendos ou reembolso, em especial os

54 A Lei nº 7.958, de 20 de dezembro de 1989, promoveu alterações meramente formais no texto do caput,

trocando a palavra “número” por “incisos” e capitalizando alguns termos.

68

ordinários. GUEDES NUNES (2015a, p. 345) relaciona essa situação com a do aumento

desproporcional de classe de preferenciais já existente, de modo que, em razão da

desproporção, fique prejudicada a capacidade de o acionista ordinário perceber os

dividendos almejados.

O inciso II aborda a hipótese de redução das vantagens das ações preferenciais

ou a criação de divisões de classes entre os acionistas preferenciais, com a criação de

nova classe. Todas essas atitudes reduzem a perspectiva de retorno do investimento

realizado, tal qual no inciso I. Aplicam-se, também, as colocações já realizadas acerca da

objetividade das situações, diretamente apreciável pela leitura dos editais de convocação

das assembleias e das atas finais.

No caso de ambos os incisos I e II, apenas as classes efetivamente prejudicadas

terão direito ao recesso, por força do inciso I do art. 137.

Na mesma toada vai a redução do dividendo obrigatório, inciso III55, que simples

e diretamente reduz a quantidade de retorno que o investidor receberá, afetando seu

cálculo de sustentabilidade econômica da empreitada.

O inciso IV56 aborda uma possível fusão ou incorporação da companhia em

outra, o que significa alterações substanciais em sua vida social – inclusive com a extinção

de sua pessoa jurídica autônoma, no caso de incorporação. GUEDES NUNES (2015a, p.

347) argumenta que essa reorganização é tão profunda que afeta as “bases essenciais

genéricas do investimento”, sendo, portanto, impossível “obrigar um acionista a integrar

os quadros de outra companhia [...]”, o que leva todos os dissidentes a terem o direito de

recesso.

O inciso V57 ocupa-se da participação da companhia em grupos societários, tal

qual definido pelo art. 26558 da LSA/1976, em que há sociedades controladoras e

55 O texto em vigor é: “III - redução do dividendo obrigatório”. No original, esse texto estava contido no

inciso IV e utilizava o termo “alteração” ao invés de redução. De fato, não faria sentido permitir a retirada

do acionista diante do aumento de seus dividendos, de modo que a alteração a que se faz menção só poderia

ser uma redução.

56 O texto em vigor é: “IV - fusão da companhia, ou sua incorporação em outra”. No original, esse texto

também incluía a cisão, estando contido no inciso VI.

57 O texto em vigor é “V - participação em grupo de sociedades (art. 265)”. No original o exato mesmo

texto se encontrava no inciso VIII.

58 Art. 265. A sociedade controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo

de sociedades, mediante convenção pela qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização

dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou empreendimentos comuns. § 1º A sociedade

69

controladas agindo coordenadamente em função de um objetivo do grupo societário.

GUEDES NUNES (2015a, PP. 347-348) destaca que é desimportante se a sociedade

ocupará o papel de controladora ou controlada, pois o que enseja a retirada não é a

subordinação, mas a mudança do interesse individual da sociedade pelo do grupo, de

modo que os acionistas dissidentes de todas as sociedades passam a ter direito de recesso.

Nos casos dos incisos IV e V, conforme a exegese do artigo 137, inciso II, o

direito de retirada não nasce para os dissidentes se houver, simultaneamente, liquidez e

dispersão, nos termos das alíneas. Isso se dá como tentativa de evitar abusos que

prejudiquem a companhia, sendo que o dissidente teria a possibilidade de seguir a lógica

esperada nas sociedades anônimas e vender sua participação.

No mesmo sentido, a mudança de objeto social, tratada no inciso VI59, implica

numa radical alteração do contexto dos investimentos, podendo prejudicar estratégias dos

investidores, como hedges, ou agredir convicções pessoais acerca de investimentos

lucrativos ou eticamente acertados. A pretensão de exercício do direito de retirada nasce

para todos os acionistas dissidentes.

A última hipótese do artigo 136 é a do inciso IX60, a cisão da sociedade anônima.

Apenas nasce o direito de retirada nesse caso, em atendimento ao artigo 137, III, quando

a cisão implicar em mudança efetiva do objeto social, ou redução do dividendo

obrigatório, ou participação em grupo de sociedades. GUEDES NUNES (2015a, p. 349)

aponta que o exercício da retirada se dá sobre todas as ações da sociedade cindida.

controladora, ou de comando do grupo, deve ser brasileira, e exercer, direta ou indiretamente, e de modo

permanente, o controle das sociedades filiadas, como titular de direitos de sócio ou acionista, ou mediante

acordo com outros sócios ou acionistas.§ 2º A participação recíproca das sociedades do grupo obedecerá

ao disposto no artigo 244.

59 O texto em vigor é: “VI - mudança do objeto da companhia”. No original o exato mesmo texto se

encontrava no inciso V.

60 O texto em vigor é: “IX - cisão da companhia”. No original, o texto fazia parte do inciso VI, juntamente

da fusão ou incorporação.

70

Além desses casos, a LSA/1976 prevê, no artigo 22161, que a transformação do

tipo societário, prevista no artigo 22062, também enseja o direito de retirada. Cabe

ressaltar que a lei exige a unanimidade para que se opere a transformação, de modo que

a única hipótese de dissidência é caso a transformação esteja prevista no estatuto ou

contrato social, como bem destaca o próprio artigo 221.

Diferentemente dos demais casos autorizadores de retirada, esse é amplamente

previsível pelos acionistas, de modo que a própria lei relativiza a essencialidade desse

direito, permitindo que o contrato social exclua o direito de retirada. Perceba-se que a

relativização alcança apenas os contratos sociais, ou seja, incidindo apenas no caso de

transformação de sociedade limitada em anônima., como bem destaca GUEDES NUNES

(2015a, p. 349).

Outra possibilidade de retirada para o acionista é a não abertura do capital,

quando uma incorporação, fusão ou cisão envolver companhia aberta, nos termos dos §§

3º e 4º e art. 22363. Nesse caso, diferentemente dos demais, não há uma deliberação com

dissidência, mas sim o descumprimento de um dever legal, de modo que nasce para todos

os acionistas o direito de recesso.

O termo “incorporação”, aponta GUEDES NUNES (2015a, p. 350) é usado em

sentido amplo, englobando “tanto a incorporação de ações como a incorporação

tradicional ou em sentido estrito”. Justamente a incorporação de ações, prevista pelo

artigo 25264 da LSA/1976 também gera dois distintos direitos de retirada: tanto na

61 Art. 221. A transformação exige o consentimento unânime dos sócios ou acionistas, salvo se prevista no

estatuto ou no contrato social, caso em que o sócio dissidente terá o direito de retirar-se da sociedade.

Parágrafo único. Os sócios podem renunciar, no contrato social, ao direito de retirada no caso de

transformação em companhia.

62 Art. 220. A transformação é a operação pela qual a sociedade passa, independentemente de dissolução e

liquidação, de um tipo para outro. Parágrafo único. A transformação obedecerá aos preceitos que regulam

a constituição e o registro do tipo a ser adotado pela sociedade.

63 Art. 223. A incorporação, fusão ou cisão podem ser operadas entre sociedades de tipos iguais ou

diferentes e deverão ser deliberadas na forma prevista para a alteração dos respectivos estatutos ou contratos

sociais. [...] § 3º Se a incorporação, fusão ou cisão envolverem companhia aberta, as sociedades que a

sucederem serão também abertas, devendo obter o respectivo registro e, se for o caso, promover a admissão

de negociação das novas ações no mercado secundário, no prazo máximo de cento e vinte dias, contados

da data da assembléia-geral que aprovou a operação, observando as normas pertinentes baixadas pela

Comissão de Valores Mobiliários. § 4º O descumprimento do previsto no parágrafo anterior dará ao

acionista direito de retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), nos trinta

dias seguintes ao término do prazo nele referido, observado o disposto nos §§ 1º e 4º do art. 137.

64 Art. 252. A incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia brasileira,

para convertê-la em subsidiária integral, será submetida à deliberação da assembléia-geral das duas

companhias mediante protocolo e justificação, nos termos dos artigos 224 e 225. § 1º A assembléia-geral

71

sociedade incorporadora (cf. §1º) quanto na sociedade incorporada (cf. §2º) os acionistas

dissidentes terão o direito à retirada, que, aproveitando os laudos periciais obrigatórios à

incorporação, terão seu reembolso calculado e pago diretamente pela incorporadora (§3º).

GUEDES NUNES (2015a, p.350) aponta que o fundamento para esta retirada é, de

mesma forma que na retirada prevista no artigo 22765, lido conjuntamente com o 23066,

qual seja: a substituição das ações da incorporada e a desistência voluntária do direito de

preferência no aumento de capital, que é subscrito pela diretoria da incorporada em nome

dos acionistas, promovendo grande modificação no equilíbrio do quadro acionário da

incorporadora.

A alienação de controle acionário por desapropriação pelo Poder Público

também dá aos acionistas o direito de pedir seu recesso no prazo de 60 dias, a contar da

publicação da primeira ata de assembleia-geral realizada após a aquisição do controle,

nos termos do art. 236, parágrafo único67 da LSA/1976. Há, no próprio parágrafo, duas

exceções: se a companhia já se encontrar sob domínio do Poder Público ou se for

concessionária de serviço público.

GUEDES NUNES (2015a, p. 351) não vê sentido na primeira exceção,

afirmando que o Poder Público não poderia desapropriar algo que já é seu. Essa visão

ignora, contudo, a possibilidade de que outro ente do Poder Público esteja assumindo o

controle da sociedade por desapropriação de bens, tal como pode ocorrer com a

da companhia incorporadora, se aprovar a operação, deverá autorizar o aumento do capital, a ser realizado

com as ações a serem incorporadas e nomear os peritos que as avaliarão; os acionistas não terão direito de

preferência para subscrever o aumento de capital, mas os dissidentes poderão retirar-se da companhia,

observado o disposto no art. 137, II, mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230.

§ 2º A assembléia-geral da companhia cujas ações houverem de ser incorporadas somente poderá aprovar

a operação pelo voto de metade, no mínimo, das ações com direito a voto, e se a aprovar, autorizará a

diretoria a subscrever o aumento do capital da incorporadora, por conta dos seus acionistas; os dissidentes

da deliberação terão direito de retirar-se da companhia, observado o disposto no art. 137, II, mediante o

reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 230. [...]

65 Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que

lhes sucede em todos os direitos e obrigações. [...]

66 Art. 230. Nos casos de incorporação ou fusão, o prazo para exercício do direito de retirada, previsto no

art. 137, inciso II, será contado a partir da publicação da ata que aprovar o protocolo ou justificação, mas o

pagamento do preço de reembolso somente será devido se a operação vier a efetivar-se.

67 Art. 236. A constituição de companhia de economia mista depende de prévia autorização legislativa.

Parágrafo único. Sempre que pessoa jurídica de direito público adquirir, por desapropriação, o controle de

companhia em funcionamento, os acionistas terão direito de pedir, dentro de 60 (sessenta) dias da

publicação da primeira ata da assembléia-geral realizada após a aquisição do controle, o reembolso das suas

ações; salvo se a companhia já se achava sob o controle, direto ou indireto, de outra pessoa jurídica de

direito público, ou no caso de concessionária de serviço público.

72

Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro, sociedade de economia mista

do Rio de Janeiro cujas ações se pretende dar em garantia para o pacote de recuperação

fiscal federal68.

O artigo 25669, que trata da aprovação para a aquisição de controle de sociedade

mercantil por sociedade anônima aberta, também prevê, em seu § 2º, um excepcional

direito de retirada no caso em que o investimento da compra for considerado relevante,

nos termos do parágrafo único do artigo 24770, ou o preço médio da ação ultrapasse os

parâmetros legais estabelecidos no inciso II, que objetivam verificar se a transação está

sendo excessivamente custosa. Sendo o caso, mas sendo ainda assim aprovada, permite-

se a retirada dos dissidentes para que, segundo GUEDES NUNES (2015a, p. 352) não

exponham seu patrimônio a negociações cujo resultado econômico seja duvidoso.

Nas disposições transitórias também foi permitido, pelo §4º do artigo 29671, a

retirada de sociedade anônima que não se adequasse às exigências da lei quanto aos

68 Ainda não há documentos públicos sobre a transação por não estar acabada. Ver EXTRA. NETO (2017)

e CONSULTOR JURÍDICO. RODAS (2017) para notícias jornalísticas que apresentam algumas das

facetas dessa operação.

69 Art. 256. A compra, por companhia aberta, do controle de qualquer sociedade mercantil, dependerá de

deliberação da assembléia-geral da compradora, especialmente convocada para conhecer da operação,

sempre que: I - O preço de compra constituir, para a compradora, investimento relevante (artigo 247,

parágrafo único); ou II - o preço médio de cada ação ou quota ultrapassar uma vez e meia o maior dos 3

(três) valores a seguir indicados: a) cotação média das ações em bolsa ou no mercado de balcão organizado,

durante os noventa dias anteriores à data da contratação; b) valor de patrimônio líquido (artigo 248) da ação

ou quota, avaliado o patrimônio a preços de mercado (artigo 183, § 1º); c) valor do lucro líquido da ação

ou quota, que não poderá ser superior a 15 (quinze) vezes o lucro líquido anual por ação (artigo 187 n. VII)

nos 2 (dois) últimos exercícios sociais, atualizado monetariamente. § 1º A proposta ou o contrato de compra,

acompanhado de laudo de avaliação, observado o disposto no art. 8º, §§ 1º e 6º, será submetido à prévia

autorização da assembléia-geral, ou à sua ratificação, sob pena de responsabilidade dos administradores,

instruído com todos os elementos necessários à deliberação. § 2º Se o preço da aquisição ultrapassar

uma vez e meia o maior dos três valores de que trata o inciso II do caput, o acionista dissidente da

deliberação da assembléia que a aprovar terá o direito de retirar-se da companhia mediante reembolso do

valor de suas ações, nos termos do art. 137, observado o disposto em seu inciso II.

70 Parágrafo único. Considera-se relevante o investimento: a) em cada sociedade coligada ou controlada, se

o valor contábil é igual ou superior a 10% (dez por cento) do valor do patrimônio líquido da companhia; b)

no conjunto das sociedades coligadas e controladas, se o valor contábil é igual ou superior a 15% (quinze

por cento) do valor do patrimônio líquido da companhia.

71 Art. 296. As companhias existentes deverão proceder à adaptação do seu estatuto aos preceitos desta Lei

no prazo de 1 (um) ano a contar da data em que ela entrar em vigor, devendo para esse fim ser convocada

assembléia-geral dos acionistas. [...] § 4º As companhias existentes, cujo estatuto for omisso quanto à

fixação do dividendo, ou que o estabelecer em condições que não satisfaçam aos requisitos do § 1º do artigo

202 poderão, dentro do prazo previsto neste artigo, fixá-lo em porcentagem inferior à prevista no § 2º do

artigo 202, mas os acionistas dissidentes dessa deliberação terão direito de retirar-se da companhia,

mediante reembolso do valor de suas ações, com observância do disposto nos artigos 45 e 137.

73

dividendos no prazo ali previsto. Esse artigo já não é mais aplicável, em razão da idade

que já têm a LSA/1976.

Por fim, a reforma da lei de arbitragem, realizada através da Lei nº 13.129, de

26 de maio de 2015, inseriu o artigo 136-A na LSA/1976, prevendo o direito de recesso

quando da aprovação de convenção de arbitragem para a solução das controvérsias

societárias.

Cabe ressaltar que a adoção de convenção arbitral é medida com graves

repercussões, levando ao afastamento da jurisdição estatal para a resolução da maioria

das controvérsias – apenas as indisponíveis que venham a ocorrer não podem ser levadas

a arbitragem, sendo certo que se não houver concordância das partes acerca da

arbitrabilidade da matéria, é de competência do árbitro a decisão acerca dos limites de

sua competência, em razão do disposto no artigo 20 da Lei nº 9.307, de 23 de setembro

de 1996, a lei de arbitragem. Essa renúncia representa não apenas a escolha do juízo e das

normas de procedimento, mas também um custo elevado para a solução dos litígios, tendo

em vista os honorários dos árbitros e eventuais verbas de administração das Câmaras de

Arbitragem.

Por outro lado, a adoção de convenção arbitral é condição essencial para a

negociação dos valores mobiliários da companhia em determinados segmentos de

listagem, como os segmentos Mais, Mais Nível 2, Novo Mercado e Nível 2 da BM&F

BOVESPA. Nesses segmentos as ações costumam ter melhores níveis de liquidez,

possuindo superioridade no retorno sobre o investimento realizado, como apontam

CRISÓSTOMO e MELO JÚNIOR (2015, PP. 15-34). Justamente por essa razão o

legislador decidiu excetuar do direito de recesso desta hipótese aqueles que participem de

sociedade que incluiu a convenção para participar de segmentos especiais de listagem ou

que já possuam boa liquidez e dispersão no mercado.

Sendo assim, tem-se para as sociedades anônimas, em suma, hipóteses objetivas

em que é permitido ao acionista exigir sua retirada. Ocorrendo os pressupostos legais e

não ocorrendo as excludentes que a lei dispuser, o acionista tem o direito de exercer sua

retirada de maneira potestativa. Eventuais oposições da sociedade anônima e as formas

de comprovação para a garantia da retirada serão objeto do Capítulo II.

74

2 - AS CAUSAS DE DISSOLUÇÃO PARCIAL NAS SOCIEDADES

CONTRATUAIS

Para as sociedades de pessoas o direito de retirada, recesso e de exclusão de

sócios foi legalmente reconhecido com o Código Civil de 2002, que, pelo artigo 2.045,

revogou a primeira parte do Código Comercial de 185072, que incluía o direito societário.

Nesse código, pela primeira vez se previu uma seção unificada dispondo as possibilidades

de resolução da sociedade em relação a um sócio (Seção V do Capítulo I – da sociedade

simples – do Subtítulo II – da sociedade personificada – do Título II – da sociedade).

O primeiro artigo trata do falecimento do sócio e dá novo tratamento à matéria:

Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:

I - se o contrato dispuser diferentemente;

II - se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

III - se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio

falecido.

Adotou-se, portanto, a dissolução parcial como regra geral. Apenas com

convenção específica em sentido contrário sendo aposta ao contrato social ou decisão dos

sócios, constatada em ata de reunião ou assembleia, é que ocorre a dissolução total em

decorrência do falecimento de um sócio. Há ainda a possibilidade de que as quotas sejam

herdadas por alguém, em substituição ao falecido, desde que em acordo com os herdeiros.

Sobre esses pontos, cabe apontar que o contrato social pode dispor

diferentemente da regra geral da lei não apenas para determinar a dissolução total, mas

também a herança das quotas, no caso exclusivo de todos os herdeiros também fazerem

parte da sociedade. Nesse caso, as condições dos incisos I e III se implementariam

simultaneamente no contrato social, que seria o acordo que regula a substituição.

A previsão ampla de retirada das sociedades contratadas por tempo

indeterminado foi mantida através do Art. 1.02973, tendo efeito, contudo, apenas com

relação ao sócio retirante. Já no caso das sociedades por prazo determinado, é necessária

72 Art. 2.045. Revogam-se a Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do

Código Comercial, Lei no 556, de 25 de junho de 1850.

73 Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade;

se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta

dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa. Parágrafo único. Nos trinta dias

subseqüentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade.

75

a comprovação de justa causa para a retirada, conceito que será pormenorizado mais à

frente.

O artigo 1.03074 determina também a dissolução parcial para o caso de exclusão

judicial de sócio, inclusive majoritário, em função de falta grave no cumprimento de suas

obrigações. Sendo declarado falido, também se opera a dissolução parcial da sociedade,

nos termos do parágrafo único75.

No tocante à dissolução total, o Código Civil previu, no artigo 1.03376, hipóteses

semelhantes à do artigo 335 do CCom/1850, (inciso I) como o vencimento do prazo de

duração e (inciso II) o consenso unânime dos sócios. Previu, ademais, (inciso III) a

deliberação dos sócios, por maioria absoluta, quando a sociedade tiver prazo

indeterminado, (inciso IV) a falta de pluralidade de sócios e (inciso V) a extinção de

autorização para funcionar, que não ocorriam no CCom/1850.

Sobre os incisos III e IV do artigo 1.033 do CC/2002, estas hipóteses guardam

relação com a possibilidade de dissolução parcial. A do inciso III, apesar de estar elencada

para a dissolução total da sociedade, não necessariamente é mandatória. Se os sócios

vencidos na deliberação absoluta quiserem manter a sociedade devem tentar compor seus

interesses com os da maioria para tentar converter a deliberação em uma retirada dos

sócios.

Não sendo possível, será necessária ação para que se atribua os efeitos

pretendidos à dissolução, preservando a empresa e resguardando o direito dos sócios

majoritários aos haveres, como aponta GUEDES NUNES (2015b, p. 228). Não se pode

olvidar que ninguém detém um direito de dissolver a sociedade, mas os sócios que

pretendem continuar a empresa têm direito à preservação.

74 Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído

judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas

obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente.

75 Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja

quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026.

76 Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: I - o vencimento do prazo de duração, salvo se,

vencido este e sem oposição de sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por

tempo indeterminado; II - o consenso unânime dos sócios; III - a deliberação dos sócios, por maioria

absoluta, na sociedade de prazo indeterminado; IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no

prazo de cento e oitenta dias; V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.

76

A hipótese do inciso IV do artigo 1.033 do CC/2002, por sua vez, só pode ocorrer

quando for resolvida a sociedade em nome de um ou mais sócios, de modo que apenas

um reste, o que não ocorreria no Código Comercial de 1850, já que a retirada de um sócio

representaria a dissolução total da sociedade. Foi justamente a ascensão da dissolução

parcial que criou essas situações em que a multiplicidade de sócios deixou de existir77.

Especificamente para a sociedade limitada, o artigo 1.08578 do CC/2002 previu

a possibilidade de exclusão administrativa de sócios minoritários que pratiquem “atos de

inegável gravidade”, através de deliberação social desde que exista previsão no contrato

social.

Cabe aqui tratar pormenorizadamente de quatro conceitos, três apresentados pelo

Código Civil de 2002 e um pela doutrina comercialista: (1) a justa causa para a retirada

de sociedade por prazo determinado, prevista pelo artigo 1.029; (2) a falta grave no

cumprimento das obrigações sociais para a exclusão judicial de sócio, inclusive o

majoritário, prevista pelo artigo 1.030; (3) os atos de inegável gravidade para a exclusão

de sócio minoritário de sociedade limitada, previstos pelo artigo 1.085; e (4) a affectio

societatis.

Começando por este último, já previamente tratado, a affectio societatis é um

dos elementos constituintes do vínculo entre os sócios, representando o dever dos sócios

de contribuir para o sucesso da sociedade. Dele nascem os deveres de confiança,

honestidade e cuidado na consecução dos negócios sociais. A quebra da confiança entre

os sócios definitivamente é um empecilho à continuidade da sociedade, mas, por si só,

não compõe o critério de gravidade ou justeza para a dissolução dos demais conceitos.

Para as sociedades contratadas por tempo indeterminado a quebra da affectio societatis

77 A legislação brasileira foi bastante conservadora acerca da possibilidade de sociedades unipessoais.

Apenas com a EIRELI passou a ser admitida uma pessoa jurídica formada por uma só pessoa. Ainda há

discussões acerca da natureza da EIRELI ser uma sociedade unipessoal ou uma nova categoria de pessoas

jurídicas.

78 Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da

metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa,

em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato

social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. Parágrafo único. A exclusão somente poderá ser

determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo

hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

77

enseja o exercício apenas da retirada dos sócios que não mais entendam estar presente a

afeição.

Há quem argumente que a affectio societatis está superada, como GUIMARÃES

NUNES (2015, PP. 109-118) e FRANÇA (2009, PP. 27-68). Contudo, essa posição não

encontra respaldo na maioria da doutrina societária e das decisões judiciais. O enunciado

nº 67 da I Jornada de Direito Civil, por exemplo, previu que “a quebra do affectio

societatis não é causa para a exclusão do sócio minoritário, mas apenas para a dissolução

(parcial) da sociedade”, reconhecendo a importância da afeição na manutenção da

sociedade. GUEDES NUNES (2015b, p. 222) aponta também que a maioria das ações

postulando a dissolução têm, como causa unicamente a ruptura da affectio societatis e,

mesmo as que não a têm unicamente, ainda a citam como uma das discussões relevantes.

Com relação à justa causa prevista pelo artigo 1.029, discute a doutrina acerca

de quais são as hipóteses de justeza para a dissolução de sociedades contratadas por tempo

determinado, que são estáveis. A causas previstas pelo artigo 1.07779, consistentes em

modificação do contrato social, fusão ou incorporação nas sociedades limitadas, são vista

por COELHO (2016, p.447) e GUEDES NUNES (2015b, p. 231) como a enumeração

das causas justas para o exercício da retirada.

Numa correlação com a causa prevista pelo número 1 do artigo 336 do

CCom/1850 e para as Sociedades Anônimas, admite-se aqui que também podem ser

justas as causas fundadas na demonstração da impossibilidade de geração de lucro por

parte dos sócios, sendo que os restantes pretendem continuar a empresa. Nasce, assim,

para o dissidente, o direito de retirar-se, já que a incapacidade de cumprimento do fim

social é uma causa até mesmo para a dissolução total da sociedade.

As demais causas do artigo 336 do Código Comercial de 1850, contudo, não

guardam eficácia na hipótese do artigo 1.029 do Código Civil de 2002, já que nesses casos

seria possível a expulsão do sócio. GUEDES NUNES (2015b, p. 235) aponta que as faltas

graves do sócio também são justas causas para a dissolução, contudo, através da expulsão.

Aponta, ainda que o conceito abarca tanto o previsto pelo artigo 1.030 quanto a expressão

79 Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela

por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à

reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

78

“atos de inegável gravidade” do artigo 1.085, ambos do CC/2002 (GUEDES NUNES,

2015b, PP. 239-240). A este discorre Fábio Konder COMPARATO (1981, PP. 39-40):

A affectio societatis é, portanto, não um elemento exclusivo do contrato de

sociedade, distinguido-o dos demais contratos, mas um critério interpretativo

dos deveres e responsabilidades dos sócios entre si, em vista do interesse

comum. Quer isto significar que a sociedade não é a única relação jurídica

marcada por esse estado de ânimo continuativo, mas que ele comanda, na

sociedade uma exacerbação do cuidado e diligência próprios de um contrato

bona fidei. Em especial, o sócio que descumpre disposição estatutária e,

sobretudo, contratual (pois a relação convencional é mais pessoal e concreta

que a submissão a normas estatutárias), como é o caso de acordos de acionistas

numa sociedade anônima, pratica falta particularmente grave sob o aspecto da

ética societária; ele se põe em contradição com sua anterior estipulação ou

declaração de vontade, revelando-se pessoa pouco confiável enquanto sócio

(venire contra factum proprium).

GUEDES NUNES (2015b, PP. 240-241 e 243-244) aponta que há quatro

hipóteses de justas causas para exclusão que não são faltas graves: (1) a remissão do sócio;

(2) a falência do sócio; (3) a incapacidade superveniente do sócio; e (4) a liquidação de

quota a pedido de credor particular do sócio. Nessas situações, exceto a última, que será

tratada em específico na seção 4.1 do Capítulo 4, a exclusão do sócio depende do interesse

da sociedade de promovê-lo e não guarda relação com a exploração da atividade

empresária.

RIBEIRO (2005, PP. 248-254), ao comentar a falência como forma de

dissolução, argumenta que, independente das causas ou repercussões na sociedade, se

opera de forma automática. Isso não significa dizer que sem intervenção dos sócios,

promovendo a alteração do contrato social, ele deixará de constar do quadro social; mas

sim que caso resolvam excluí-lo ou caso surja qualquer questão que represente a

necessidade de verificar seu status como sócio, como a verificação do quórum em uma

assembleia ou a apuração de haveres, deve-se considerar que foi excluído desde a data de

sua falência, ainda que não providenciada a alteração do contrato. Isso porque o art. 1.030,

parágrafo único do CC/2002 o reputa excluído da sociedade de todo direito a partir da

falência.

Ressalte-se que a exclusão do sócio remisso pode sim ser considerada uma falta

grave, como o próprio GUEDES NUNES (2015, p.240) aponta; contudo, nesses casos há

a necessidade de se seguir o procedimento descrito nos artigos 1.004 e 1.058. RIBEIRO

(2005, PP.216-226) também aponta, especificamente, as diversas possibilidades de

inadimplemento da integralização do capital social e sua repercussão na exclusão do

acionista, diante da gravidade do inadimplemento.

79

A tarefa da enumeração de possíveis faltas graves foi pouco enfrentada pela

doutrina, talvez por ser inglória, diante da criatividade humana para o delito. RIBEIRO

(2005, PP. 215-280), contudo, envidou esforços para listar diversas possíveis faltas graves

em sociedades anônimas. Sendo certo que nas sociedades anônimas o padrão de gravidade

a ensejar a exclusão é mais objetivo e limitado, em razão da natureza capitalista da

sociedade, é possível aplicar as mesmas reflexões a sociedades de pessoas.

Destaca-se, assim, algumas faltas graves que podem ser causa para a exclusão

de um sócio ou acionista: a falta de cumprimento de obrigações acessórias, tais como o

dever de colaboração e de fidelidade (RIBEIRO, 2005, PP. 226-230); a concorrência com

a sociedade no mesmo objeto e mercado (Ibid. PP. 230-237); as vicissitudes pessoais do

sócio, tais como o cancelamento do registro profissional em sociedades em que isso se

faça necessário (Ibid. p. 246), a nacionalidade de nação inimiga em tempos de guerra

(Ibid. PP. 256-257), a prática de crimes (Ibid. p. 257); o abuso de direito ou de poder,

desde que com dolo para prejudicar a sociedade (Ibid. PP. 258-263); falta grave na

administração da sociedade (Ibid. PP. 263-), como o uso do nome social em benefício

próprio (Ibid. p. 265), descumprimento das prestações acessórias (Ibid. PP- 265-266),

concorrência com a sociedade (Ibid. p. 266), ingerência indevida na administração por

sócio não administrador, desde que capaz de prejudicar os negócios sociais (Ibid. PP. 266-

267), desavenças graves entre os sócios, passando pela prática de injúria, calúnia,

difamação, agressão física, adultério, mau tratamento, vigilância excessiva, subterfúgios

para subtrair-se ao controle dos outros, comprometimento da atividade e separação entre

sócios cônjuges (Ibid. PP. 268-269); o descumprimento de acordo de acionistas, desde

que capaz de gerar prejuízo à atividade social (Ibid. PP. 269-270

Quanto às sociedades limitadas80, o CC/2002 ainda previu, no art. 1.077, que a

aprovação de modificação do contrato social, fusão, incorporação ou aquisição da

sociedade, bem como sua transformação, conforme o art. 1.114, dão ao sócio que delas

dissentir o direito de retirar-se da sociedade, aos moldes do que faz a LSA/1976. Segue-

se, para tanto, o disposto no contrato social ou, em sua lacuna, o atinente à resolução da

sociedade em relação a um só sócio.

80 Se a sociedade limitada não houver determinado sua regência supletiva pela LSA/1976, terá vínculo

instável, aplicando-se as causas de dissolução para a sociedade simples. Se, contudo, o Estatuto prever que

não se aplicam as regras sobre a dissolução parcial da sociedade simples, criando restrições à retirada, essas

restrições não podem ser contrárias ao disposto nos artigos 1.077 e 1.114, sob pena de nulidade da cláusula.

80

Tendo visto os fundamentos materiais para que se efetue a retirada de um sócio

do corpo social, cabe analisar sua operacionalização, que pode se dar de duas formas: (1)

administrativamente, quando se operam no seio social, não exigindo a intervenção do

Poder Judiciário; ou (2) judicialmente, quando sua operacionalização é impossível sem

ato decisório de juiz. É importante destacar que, em muitas vezes, é possível que as

hipóteses do primeiro grupo acabem judicializadas, o que não significa que isto fosse

necessário.

No grupo das dissoluções que se operam de maneira extrajudicial, temos todas

as retiradas voluntárias do Código Civil, como a do Art. 1.029; a exclusão de sócio

falecido (art. 1.028) ou do sócio falido (art. 1.030, parágrafo único); as hipóteses de

recesso previstas no Contrato Social; e o exercício do direito de retirada em Sociedade

Anônima e a exclusão do sócio minoritário em Sociedade Limitada, sendo certo que esta

última exige um procedimento contencioso, conforme previsto pelo parágrafo único do

Art. 1.085. São necessariamente judiciais a exclusão de sócio ou acionista majoritário em

sociedade heterotípica ou paritário, nos termos do Art. 1.030.

A operacionalização do primeiro grupo deve iniciar-se extrajudicialmente,

dentro dos muros da sociedade. Para o exercício do recesso voluntários deve-se notificar

a sociedade e demais sócios com 60 dias de antecedência. Neste período, os sócios devem

discutir a continuidade da sociedade, calcular os haveres devidos ao sócio retirante e

providenciar os registros apropriados da situação. Não há qualquer matéria que se possa

opor à saída, visto a denúncia do contrato social ser ato potestativo.

A exceção, no primeiro grupo, é a exclusão de sócio ou acionista minoritário.

Nesse caso, a assembleia geral extraordinária para esse fim deve ser convocada pela

maioria dos sócios, contados pelo capital, nos termos do art. 1.010, excluída a parcela do

capital detida pelo sócio que se busca excluir, que não compõe o quórum, nos termos do

art. 1.030, caput. O sócio que se busca excluir deverá ter a oportunidade de se defender e

só será excluído caso a maioria dos presentes, que necessariamente deverá se dar por

maioria absoluta do capital, salvo o do excluído, conforme a leitura conjunta dos artigos

1.030 e 1.085.

Fora a retirada autônoma do sócio, todas as demais hipóteses a resolução da

sociedade independem do período de aviso prévio, mas possuem motivo vinculado que

81

pode ser objeto de oposição. É o caso da condição de falido, das falhas graves imputadas

ao sócio em exclusão, da incidência das situações que permitem a retirada da LSA/1976

ou do contrato ou estatuto social. É necessária a verificação da incidência por algum órgão

da sociedade que deverá avaliar as condições para o exercício do direito e, reconhecendo-

o, proceder ao imediato registro e cálculo dos haveres devidos. Esse órgão, se não

definido pelo estatuto, é a diretoria, na sociedade anônima, ou a administração, na

sociedade limitada, que, sendo necessário, deve convocar assembleia geral extraordinária.

Caso a execução do direito tal qual previsto pelo CC/2002 não seja possível, seja

por falta de acordo sobre os haveres, seja por obstruções da administração, a questão pode

ser judicializada pelos interessados discriminados no art. 600, CPC/2015.

Independentemente disso, sendo ato potestativo, os efeitos da ação devem retroagir ao dia

em que a notificação passou a fazer efeito ou em que foi deliberada em assembleia a

exclusão do sócio.

Cabe destacar o caso de sociedade paritária, em que cada um dos sócios possui

a exata metade das quotas ou ações. Nesse caso, não há maioria e ambos os sócios são

minoritários, dependendo do outro para a aprovação de seus pleitos. Caso um busque

excluir o outro, o quórum de votação seria composto unicamente pelo acionista que está

buscando a exclusão, o que significaria uma falsa possibilidade de defesa em assembleia,

indo contra a essência do disposto no art. 1.085 do CC/2002. Dessa forma, apesar de não

haver maioria, a dissolução deverá ser sempre judicial, como forma de garantir chance de

defesa ao outro acionista.

O mesmo não ocorre no caso em que quatro acionistas possuam 25% da

sociedade e dois sejam alvo de tentativa de exclusão. Nesse caso é possível que os dois

acionistas votantes não estejam de acordo sobre a expulsão, causando um empate na

deliberação que desta forma deve ser interpretada e, caso o contrato social não disponha

do contrário, ser levada ao juiz pela sociedade ou por qualquer dos sócios, nos termos do

§2º do Art. 1.010 do CC/200281, em ação decisional de empate absoluto, modalidade rara

de ação constitutiva82 do rito comum em que um juiz deve desempatar deliberação

societária. Destaque-se que a sociedade não figura como ativamente legítima para propor

81 No caso de sociedade anônima heterotípica, o artigo 129, §2º também dispõe dessa possibilidade.

82 Classifica-se como constitutiva a tutela pois o juiz supre a ausência de maioria em uma deliberação,

constituindo o direito que ali se pretende e não apenas o declarando.

82

ação de dissolução parcial de sociedade em casos que a lei autorize a dissolução

extrajudicial, nos termos do art. 600, V, CPC/2015, e nem prevê que os sócios pudessem

propô-la ativamente.

O segundo grupo de situações em que se pode resolver a sociedade em relação a

um sócio diz respeito à exclusão de sócios ou acionistas majoritários ou paritários. Esta

situação é necessariamente contenciosa e pode se tornar perniciosa para a sociedade.

Aqui, há a necessidade de comprovação de faltas graves do sócio ou acionista diante do

poder judiciário, que decretará83 a dissolução parcial.

Mesmo nesta hipótese é fundamental a ocorrência de procedimento societário

interno anterior à propositura da ação, já que a legitimidade ativa para a propositura de

ação de dissolução parcial de sociedade é da própria sociedade84, nos termos do Art. 600,

V do CPC/2015. Assim, é certo que a administração não deve tomar voluntariamente atos

contrários aos sócios e que a exclusão de sócio não guarda relação direta com a exploração

do objeto social, não sendo ato incluso nos poderes do administrador.

Dessa forma, é necessária a deliberação societária prévia, em reunião ou

assembleia convocada pelos minoritários em que compareça e se aprove por mais da

metade do capital apto para votação – ou seja, excluindo o do sócio que se pretende

excluir, que não deve ser contabilizado nem para a verificação de quórum – a autorização

para que a sociedade proponha a ação de dissolução parcial com objetivos de exclusão do

sócio majoritário, como aponta PROENÇA in YARSHELL e PEREIRA (2012, PP. 425-

429).

Além disso, a administração da sociedade possivelmente estará atrelada ao sócio

majoritário. Não há como compelir a administração – senão talvez judicialmente, o que

seria contraditório – a ajuizar ação em face do sócio. Por esta razão, na assembleia é

83 Nesse caso, tendo em conta que o sócio que se pretende excluir está se opondo à exclusão, deve-se

considerar este provimento condenatório, em relação a ele, e constitutivo, em relação à sociedade, já que

supre a vontade individual do sócio criando o suporte para que a sociedade efetive o registro das alterações

do contrato social e do pagamento dos haveres.

84 PROENÇA in YARSHELL e PEREIRA (2012, PP. 429-434), ancorado em revisão bibliográfica, conclui

que cabe à sociedade a propositura da ação de exclusão de acionista. Contudo, a jurisprudência vinha

entendendo da necessidade de litisconsórcio ativo entre a sociedade e o sócio que busca a exclusão, como

ocorreu no Agravo de Instrumento nº 0305759-37.2012.8.05.0000 (TJ-BA, data de publicação: 17/11/2012)

e no Agravo Inominado nº 2008.002.007516-3 (TJ-DF, data de publicação: 08/09/2008)

83

prudente designar um dos sócios – possivelmente o que presidiu a assembleia ou o que a

convocou, ainda que não seja administrador – a capacidade especial de presentar a

sociedade na contratação de patronos que lhe representem judicialmente.

3 - A DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES ANÔNIMAS

HETEROTÍPICAS

No Capítulo 1, seção 2.2, foram apresentadas a características das sociedades

anônimas heterotípicas. Ainda que as sociedades anônimas tenham, tradicionalmente,

como um de suas marcas a estabilidade do vínculo societário, as sociedades anônimas

heterotípicas podem prejudicar esta estabilidade de duas formas.

A primeira forma, direta e mais simples, de instabilizar o vínculo de uma

sociedade anônima, é a adoção da aplicação subsidiária das normas do CC/2002,

incluindo as normas acerca da resolução da sociedade em relação a um sócio. Uma

variação dessa forma de instabilização é, ainda que não se adote toda a regência supletiva

do CC/2002, que seja estabelecida no estatuto social a possibilidade de recesso imotivado.

Nesse caso, a dissolução parcial dessa sociedade anônima é mais simples: basta

executar as provisões do contrato, sem a necessidade de discussões acerca do direito

aplicável, apenas acerca da incidência da norma, como cumprimento de prazos ou

adequação aos casos de retirada, caso não seja totalmente imotivada, apenas grandemente

ampliada.

Já o caso em que a heterotipia consista na gestão da sociedade de maneira

personalista, tal como se fosse uma sociedade limitada ou simples, privilegiando

características pessoais dos acionistas e preservando o controle de um grupo, como uma

família, então a heterotipia decorre das circunstâncias da sociedade. Para que se possa

dissolver a sociedade em contrariedade ao vínculo estável, deve-se, primeiramente,

reconhecer a natureza heterotípica, ou seja, a existência e relevância do fator da affectio

societatis na gestão da Sociedade Anônima ao ponto em que a sociedade possa ser

classificada como intuito personae.

84

Caso os sócios estejam de acordo, nada impediria que a ação adquirisse suas

ações e realizasse suas amortizações contábeis85 como forma de efetuar a retirada do

sócio. Outra opção, caso se deseje, seria determinar, em assembleia geral, a modificação

do contrato social para incluir outra hipótese de retirada com reembolso, o que resolveria

a questão específica sem necessariamente instabilizar todo o vínculo societário.

Contudo, caso os sócios não estejam de acordo, a questão terá que ser

judicializada pelo sócio que pretende se retirar. A primeira tentativa judicial de dissolução

parcial de sociedade anônima foi através da implementação das condições de retirada

previstas pelo artigo 105, nos termos do previsto pelo artigo 107, ambos da LSA/1940. A

tentativa, contudo, esbarrou no óbice dos fatos:

O direito de desligar-se da sociedade deflui da circunstância do acionista ter

manifestado sua orientação dissidente às deliberações da maioria e do fato de

houver apresentado reclamação escrita, dentro do lapso de trinta dias, que

configurava verdadeiro prazo de decadência em face dos termos claros do art.

162 que dispõe: “os prazos para aquisição de direito, assinados nesta lei, são

contínuos e e [sic] improrrogáveis”.

Como sócio dissidente o autor não pode ser reputado, visto que não se

manifestou a respeito das propostas aprovadas nas assembleias gerais, nem

adereçou reclamação à diretoria dentro do prazo legal. Portou-se como

verdadeiro abstinente, e pois, submisso às deliberações da maioria.

E, quando não se antolhe perempção de direito do autor, fôrça é salientar que

as alíneas do art. 105, a que se reporta o art. 107 cogitam: [...].

Ora, nas atas publicadas e arquivadas não se encontra qualquer deliberação que

possa ser enquadrada nas hipóteses acima delineadas. A ré não criou ações

preferenciais, não mudou o objeto essencial da sociedade, não incorporo esta

a outra, com a qual operasse fusão, nem cogitou cessar a liquidação, de vez

que jamais esteve nessa fase comercial.

Não haveria, portanto, qualquer razão ou fundamento legal para operar a

dissolução parcial de sociedade de capitais, haja vista que a discordância do sócio – que

no caso não se caracterizou – é irrelevante à sociedade, desde que não no enquadramento

autorizador da retirada. Tal postulado é decorrência direta da natureza capitalista de tais

sociedades e o acionista insatisfeito tem apenas a possibilidade de vender sua participação

para outrem.

O primeiro caso no Superior Tribunal de Justiça em que se admitiu a dissolução

parcial de uma sociedade anônima por mera intenção e demonstração de quebra da

affectio societatis foi o REsp 111.294/PR (Rel. Min. Barros Monteiro, Rel. para o

85 O Art. 30 da LSA/1976 admite que a companhia negocie com as próprias ações para as operações de

resgate, reembolso ou amortização previstas em lei. Para a aquisição das próprias amortizações, a

assembleia deve determinar a autorização para essa operação, nos termos do art. 44 da mesma lei.

85

Acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, julgamento em 19 de setembro de 2000). Nesse

precedente, a COCELPA Companhia de Celulose e Papel do Paraná recorria de Sentença

do TJPR que permitiu que ao Espólio de Aurélio Fontana de Pauli e o de Antônio de Pauli

se retirarem da sociedade com base no artigo 206, II, b da LSA/1976, originalmente

pensado para a dissolução total de sociedades.

"AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE. DISSOLUÇÃO PARCIAL -

SOCIEDADE ANÔNIMA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO -

INOCORRÊNCIA. AGRAVO RETIDO - NÃO PROVIMENTO -

INCOMPETÊNCIA - INOCORRÊNCIA - BNDES - SOCIEDADE DE

ECONOMIA MISTA - AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA -

AFFECTIO SOCIETATIS - AUSÊNCIA DE DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS

- RÉU ANUENTE. PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL E DA

INSTRUMENTALIDADE. SENTENÇA DECLARATÓRIA.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - ARTIGO 20, § 4°, CPC.

A dissolução decorre da impossibilidade da sociedade preencher o seu fim,

assegurando, assim, a possibilidade jurídica do pedido. Ademais, o

fundamento está no artigo 206, inciso II, alínea "b", da lei 6.404/76.

- Agravo retido contra decisão que indeferiu a preliminar de incompetência do

juízo - Improvimento. O BNDES é uma sociedade de economia mista, não

sendo de competência, as ações em que figura como parte, da Justiça Federal.

- Não houve cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da lide. - A

dissolução da sociedade está baseada no artigo 206, II, b, da Lei 6.404/76, ou

seja, pela impossibilidade de consecução dos seus fins, consubstanciado pela

não produção de lucros e pelo desaparecimento da "affectio societatis".

Embora tratar-se de sociedade anônima, esta possui aspectos pessoais, sendo

necessário a "affectio societatis ".

A essência da atividade comercial é o lucro e a não distribuição de lucros

justifica a dissolução parcial. - Não há julgamento Extra Petita. O réu anuente

pode nesta ação ser retirado de sociedade conforme o Princípio da

Instrumentalidade e da Economia Processual.

No entanto, deve arcar com 10% da sucumbência por figurar no pólo passivo.

Apenas neste aspecto é que a sentença deve ser reformada.

- A ação de dissolução de sociedade tem cunho declaratório, não havendo que

se falar em condenação e neste caso os honorários advocatícios devem ser

arbitrados com base no artigo 20, §4° do CPC.

Agravo relido - Improvido.

1ª Apelação - Parcialmente Provida.

2ª Apelação - Improvida" (fls. 397/399).

No julgamento do Recurso Especial, o Min. Relator destaca e acompanha a

jurisprudência da corte que, até aquele momento, vinha decidindo no sentido da

impossibilidade jurídica do pedido de dissolução parcial de sociedade anônima, como

ocorreu no Agravo Regimental no Agravo nos próprios Autos nº 34.120/SP (Rel. Min.

Dias Trindade, Terceira Turma, julgamento em 26 de abril de 1993). O Relator concluiu

seu voto entendendo pela necessidade de reforma do Acórdão, por inaplicabilidade da

dissolução parcial às sociedades anônimas.

O Ministro Cesar Asfor Rocha, contudo, após vista dos autos, iniciou

divergência assim ementada:

86

EMENTA: DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. GRUPO

FAMILIAR. INEXISTÊNCIA DE LUCROS E DE DISTRIBUIÇÃO DE

DIVIDENDOS HÁ VÁRIOS ANOS. DISSOLUÇÃO PARCIAL. SÓCIOS

MINORITÁRIOS. POSSIBILIDADE.

Pelas peculiaridades da espécie, em que o elemento preponderante, quando do

recrutamento dos sócios, para a constituição da sociedade anônima envolvendo

pequeno grupo familiar, foi a afeição pessoal que reinava entre eles, a quebra

da affecttio societatis conjugada à inexistência de lucros e de distribuição de

dividendos, por longos anos, pode se constituir em elemento ensejador da

dissolução parcial da sociedade, pois seria injusto manter o acionista

prisioneiro da sociedade, com seu investimento improdutivo, na expressão de

Rubens Requião.

O princípio da preservação da sociedade e de sua utilidade social afasta a

dissolução integral da sociedade anônima, conduzindo à dissolução parcial.

Recurso parcialmente conhecido, mas improvido.

Em sua fundamentação vencedora, seguida pelos ministros Ruy Rosado de

Aguiar, Aldir Passarinho Junior e Sálvio de Figueiredo Teixeira, o ministro destacou que

a sociedade foi fundada por motivos pessoais, sendo intuito personae e que não havia

divisão de dividendos na sociedade há muitos anos. Esse segundo ponto, destacou,

viabilizaria a dissolução total da sociedade anônima, nos termos do Art. 206, II, b da

LSA/1976, porém, em razão da preservação da empresa, poderia ser mitigado para afetar

apenas o sócio descontente.

Os embargos de declaração da sociedade sobre o acórdão foram conhecidos e

providos apenas para corrigir erro material. Em seguida, foram opostos os Embargos de

Divergência em Recurso Especial nº 111.294/PR (Rel. Min. Castro Filho, Segunda Seção

do STJ, julgamento em 28 de junho de 2006), com conteúdo mais processual do que

material. Sobre a questão da dissolução, alegava-se divergência com o antigo paradigma,

Ag 34.120/SP.

Tendo em vista a lapso temporal entre o julgamento do recurso extraordinário e

os embargos de divergência, ao tempo desse julgamento já havia surgido outro importante

precedente que foi determinante nas discussões tecidas, que terminaram por manter o

Acórdão proferido no recurso original. Trata-se do REsp 419.174/SP (Rel. Min. Menezes

Direito, Terceira Turma, julgamento em 15 de agosto de 2002, DJe 28/10/2002),

conhecido como caso Luiz Kirchner S/A Indústria de Borracha (REsp nº 419.174/SP, Rel.

Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgamento em 15 de agosto de 2002), que

envolveu sociedade formada entre o acionista que lhe dava nome e diversos de seus filhos.

Após seu falecimento, um dos filhos, que exercia a administração de fato, obstou a

atuação de dois ingressantes, o que ensejou o ajuizamento de ação de dissolução parcial

da sociedade, julgada procedente.

87

No julgamento da Apelação, a 6ª Câmara do TJSP manteve a Sentença,

privilegiando o entendimento de que o affectio societatis é elemento fundamental das

Sociedades Anônimas em que se reconheça a natureza intuitu personae, de modo que sua

quebra viabiliza o exercício do direito de retirada (à época ainda regido pelo Art. 336 do

Código Comercial). Houve voto dissidente da Desembargadora Luzia Brandão Lopes,

que, analisando a constituição da Sociedade Anônima e seus principais documentos,

entendeu que a adoção da forma tinha como finalidade precípua justamente o afastamento

da possibilidade de dissolução parcial em prejuízo da Sociedade, ainda que os sócios não

mais tivessem relações amistosas. Os Embargos Infringentes nada adicionaram à

discussão, mantendo a decisão.

Em Recurso Especial, o voto do Ministro Relator, Carlos Alberto Menezes

Direito, dava provimento ao mesmo por entender absolutamente inaplicáveis e

incompatíveis as regras de um tipo societário ao seu diverso, sendo acolhido pelos demais

Ministros e mantido no julgamento dos Embargos de Declaração.

Contudo, em Embargos de Divergência (EREsp nº 419.174/SP, Rel. Min. Aldir

Passarinho Junior, Segunda Seção do STJ, julgamento em 28 de maio de 2008, publicado

no DJe de 04/08/2008), manejados pela parte vencida, alegando haver instâncias

jurisprudenciais de aplicação das normas de outros tipos societários na hipótese de

distribuição de dividendos, houve, então, a reforma do Acórdão para reconhecer a

existência de affectio societatis em Sociedades Anônimas pequenas e médias de cunho

familiar. Apontou-se ainda a necessidade de preservação da empresa no abrandamento

das regras de dissolução total do Código Comercial.

Desta forma, venceu-se um entendimento jurisprudencial que vinha se

consolidando na corte, por meio dos REsps 111.294/PR, 171.354/SP, 247.002/RJ e

22.814/SP, de que a dissolução parcial seria incabível, visto não estar prevista na LSA.

Outro importante ponto analisado pela jurisprudência foi a incidência do inciso

XX do art. 5º da CF/1988 à dissolução parcial de sociedades anônimas. No REsp nº

507.490/RJ (Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma do STJ, julgamento

em 19 de setembro de 2006, publicado no DJe de 13/11/2006), debateu-se sobre a reforma

da Sentença que determinou dissolução parcial de sociedade anônima heterotípica em que

88

se postulava, por um lado, a dissolução total por discórdia e falta de distribuição de lucros

e, por outro lado, a não dissolução por não deter, o Autor, 5% do capital, conforme

dispunha o Art. 206, II, b da LSA/1976.

Os fundamentos empregados no voto do relator, que negou o recurso, seguiam

na mesma esteira dos julgamentos supramencionados. O primeiro vogal, Min. Ari

Pargendler, após vista dos autos, decidia dar provimento ao recurso, entendendo

impossível a dissolução parcial de sociedades anônimas; foi seguido pelo Min. Carlos

Alberto Menezes Direito. Após nova vista dos autos, pela min. Nancy Andrighi,

prosseguiu o julgamento com seu voto, que continha as seguintes considerações para

embasar o desprovimento do recurso:

Por outro lado, é certo, porém, que a Lei n.° 6.404/76 (Lei das Sociedades

Anônimas) não prevê expressamente a possibilidade de dissolução parcial de

sociedade anônima. Contudo, não menos certo que, diante da Constituição

Federal de 1988, não é razoável, do ponto de vista jurídico, social e econômico,

cogitar-se da dissolução integral de uma sociedade, em razão da insatisfação

de apenas um dos acionistas minoritários; ou mesmo impedir que o acionista

minoritário, insatisfeito com a sociedade, seja obrigado a manter-se sócio

contra a sua vontade.

Assim, não se deve interpretar a Lei das Sociedades Anônimas de forma literal,

mas conforme a Constituição Federal de 1988, buscando uma exegese com ela

compatível e, ao mesmo tempo, construtiva para a razoável solução dos

conflitos societários.

Da mesma forma, não se pode descurar da aplicação do princípio da

continuação do negócio ou da preservação da empresa, em razão da função

social dessa, porque gera emprego, renda e tributos, contribuindo para o

crescimento e o desenvolvimento do país. Aliás, há décadas esse princípio vem

orientando o Direito Comercial, a ponto de tornar-se um dos objetivos

expressos no art. 47 da Lei de Recuperação de Empresas. Portanto, tratando-

se de conflitos entre sócios entre si e ou deles com a sociedade, o referido

princípio também deve ser observado.

Afinal, se, por um lado, não se pode forçar alguém a permanecer como sócio

de outrem quando não mais impera a affectio societatis; por outro, a

continuidade da empresa transcende os meros interesses dos seus sócios,

estendendo-se a todo ambiente social em que ela atua; devendo, por isso

mesmo, ser protegida pelo direito.

[...]

Por todos esses argumentos, na hipótese em julgamento, a dissolução parcial

da sociedade é a melhor solução sob todos os prismas, jurídico, social e

econômico, porquanto possibilita equacionar os princípios constitucionais da

liberdade de associação (art. 5.º, XX) e o da função social da propriedade (art.

5.º, XXIII, e art. 170, III), com o princípio da preservação da empresa.

Observe-se que a Ministra empregou diretamente sua interpretação do artigo

constitucional da liberdade de associação, considerando que sua incidência às sociedades

anônimas heterotípica é adequada e deve ser sopesada à preservação da empresa e função

social da propriedade para consolidar a necessidade de permitir a dissolução parcial das

sociedades anônimas intuito personae.

89

O resultado final do julgamento, com o voto final do Min. Castro Filho, foi a

decisão por maioria mínima de não conhecer do recurso, nos termos do voto do relator,

mantendo a dissolução parcial da sociedade. No mesmo sentido, a mesma Terceira Turma

do STJ julgou o REsp nº 867.101/DF (Rel. Massami Uyeda, julgamento em 20 de maio

de 2010, publicado no DJe em 24/06/2010), dessa vez por unanimidade86.

Se a autorização para a dissolução parcial de uma sociedade anônima é a

aplicação subsidiária das normas do CC/2002, cunhadas para as sociedades de pessoas,

em razão de características próprias da sociedade circunstancialmente analisada que

demonstrem a valorização do intuito pessoal, surge a questão sobre a aplicabilidade das

previsões do CC/2002 para a exclusão de um acionista.

Este foi o cerne da discussão tecida no REsp nº 917.531/RS (Rel. Min. Luis

Felipe Salomão, Quarta Turma do STJ, julgamento em 17 de novembro de 2011,

disponível no DJe de 01/02/2012), interposto diante de Acórdão que reformou a Sentença

para impedir a exclusão de acionista, que havia sido decretada pela primeira instância. O

julgamento se deu por unanimidade, nos termos do voto do Relator, assim ementado:

DIREITO SOCIETÁRIO E EMPRESARIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA DE

CAPITAL FECHADO EM QUE PREPONDERA A AFFECTIO

SOCIETATIS. DISSOLUÇÃO PARCIAL. EXCLUSÃO DE ACIONISTAS.

CONFIGURAÇÃO DE JUSTA CAUSA. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO

DO DIREITO À ESPÉCIE. ART. 257 DO RISTJ E SÚMULA 456 DO STF.

1. O instituto da dissolução parcial erigiu-se baseado nas sociedades

contratuais e personalistas, como alternativa à dissolução total e, portanto,

como medida mais consentânea ao princípio da preservação da sociedade e sua

função social, contudo a complexa realidade das relações negociais hodiernas

potencializa a extensão do referido instituto às sociedades

"circunstancialmente" anônimas, ou seja, àquelas que, em virtude de cláusulas

estatutárias restritivas à livre circulação das ações, ostentam caráter familiar ou

fechado, onde as qualidades pessoais dos sócios adquirem relevância para o

desenvolvimento das atividades sociais ("affectio societatis"). (Precedente:

EREsp 111.294/PR, Segunda Seção, Rel. Ministro Castro Filho, DJ

10/09/2007)

2. É bem de ver que a dissolução parcial e a exclusão de sócio são fenômenos

diversos, cabendo destacar, no caso vertente, o seguinte aspecto: na primeira,

pretende o sócio dissidente a sua retirada da sociedade, bastando-lhe a

comprovação da quebra da "affectio societatis"; na segunda, a pretensão é de

excluir outros sócios, em decorrência de grave inadimplemento dos deveres

essenciais, colocando em risco a continuidade da própria atividade social.

3. Em outras palavras, a exclusão é medida extrema que visa à eficiência da

atividade empresarial, para o que se torna necessário expurgar o sócio que gera

86 Foram convocados os Desembargadores Vasco Della Giustina, e Paulo Furtadopara substituir os

Ministros Sidnei Beneti, e Nancy Andrighi.

90

prejuízo ou a possibilidade de prejuízo grave ao exercício da empresa, sendo

imprescindível a comprovação do justo motivo.

4. No caso em julgamento, a sentença, com ampla cognição fático-probatória,

consignando a quebra da "bona fides societatis", salientou uma série de fatos

tendentes a ensejar a exclusão dos ora recorridos da companhia, porquanto

configuradores da justa causa, tais como: (i) o recorrente Leon, conquanto

reeleito pela Assembleia Geral para o cargo de diretor, não pôde até agora nem

exercê-lo nem conferir os livros e documentos sociais, em virtude de óbice

imposto pelos recorridos; (ii) os recorridos, exercendo a diretoria de forma

ilegítima, são os únicos a perceber rendimentos mensais, não distribuindo

dividendos aos recorrentes.

5. Caracterizada a sociedade anônima como fechada e personalista, o que tem

o condão de propiciar a sua dissolução parcial - fenômeno até recentemente

vinculado às sociedades de pessoas -, é de se entender também pela

possibilidade de aplicação das regras atinentes à exclusão de sócios das

sociedades regidas pelo Código Civil, máxime diante da previsão contida no

art. 1.089 do CC: "A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-

lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código."

6. Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito

devolutivo amplo, porquanto cumpre ao Tribunal julgar a causa, aplicando o

direito à espécie (art. 257 do RISTJ; Súmula 456 do STF). Precedentes.

7. Recurso especial provido, restaurando-se integralmente a sentença,

inclusive quanto aos ônus sucumbenciais.

Como se verifica, as considerações tecidas no recurso discriminaram

especificamente, no ponto 2, o instituto da dissolução parcial, sobre a qual se filiou à

jurisprudência já consolidada, e o da exclusão de sócio, caracterizada ao ponto 3 como

medida extrema, mesmo para as sociedades de pessoas, para as quais a regra é pensada.

Apenas quando a atuação do sócio que se pretende excluir for contrária à eficiência da

atividade empresarial, gerando prejuízo ou a possibilidade de prejuízo grave à empresa,

é que se pode buscar a exclusão do sócio, demonstrando a justa causa.

Quanto à sua aplicabilidade nas sociedades anônimas, consignou que a lei apenas

previa a possibilidade de exclusão do acionista inadimplente com a integralização das

ações que tenha subscrito. Contudo, entendeu o relator que a possibilidade de aplicação

da retirada do CC/2002 necessariamente atrairia a aplicação da exclusão, que não seria

especificamente vedada pela LSA/1976. No caso concreto, estavam presentes justas-

causas:

(i) o recorrente Leon, conquanto reeleito pela Assembleia Geral para o cargo

de diretor, não pôde até agora nem exercê-lo nem conferir os livros e

documentos sociais em virtude de óbice imposto pelos recorridos; (ii) a não

distribuição de dividendos aos recorrentes; (iii) os recorridos, exercendo a

diretoria de forma ilegítima, são os únicos a perceber rendimentos mensais.

Com este panorama, deu-se provimento ao recurso especial, permitindo a

exclusão do acionista que dava causa aos problemas de gestão e rentabilidade da

91

sociedade anônima, inaugurando precedente. Verifica-se que até hoje a sociedade

permanece ativa, o que parece confirmar o sucesso na manutenção da empresa.

92

CAPÍTULO 4 - A COMINAÇÃO JUDICIAL DA DISSOLUÇÃO

PARCIAL DE SOCIEDADES

O quarto e último passo dessa Dissertação é o estudo da ação judicial para forçar

a dissolução parcial, quando as opções extrajudiciais falharem ou não estiverem

disponíveis. Para tanto, serão estudados, em seus respectivos subcapítulos, (1) o caminho

legislativo que incluiu o capítulo da ação de dissolução parcial de sociedade no

CPC/2015, que não previa o rito originalmente; (2) a análise do código propriamente dito

para verificar como as normas se aplicam às sociedades de pessoas, de capitais e

heterotípicas; (3) uma proposta de consolidação das interpretações dos dois subcapítulos

anteriores; e (4) outros procedimentos dissolutórios no CPC/2015, nomeadamente a

penhora de quota de sociedade e a dissolução total de sociedade.

1 - O CAMINHO LEGISLATIVO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL

Em 30 de setembro de 2009 o Senado Federal, através do Ato nº 379 de seu então

presidente, o Senador José Sarney de Araújo Costa, instituiu uma comissão para elaborar

um anteprojeto de novo Código de Processo Civil, sendo presidida por Luiz Fux87,

relatada por Teresa Arruda Alvim Wambier88 e composta por Adroaldo Furtado

Fabrício89, Benedito Cerezzo Pereira Filho90, Bruno Dantas Nascimento91, Elpídio

87 Professor Titular de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Então Ministro

do Superior Tribunal de Justiça. Atualmente, em 2017, ministro do Supremo Tribunal Federal. Rio de

Janeiro, 1953-presente.

88 Outras grafias: Teresa de Arruda Alvim e a atual Teresa Celina de Arruda Alvim. Professora permanente

de Direito Processual Civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Nascimento desconhecido-

presente.

89 Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Advogado. 1934-

presente.

90 Professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Nascimento

desconhecido-presente

91 Então Consultor Legislativo de Direito Processual Civil do Senado Federal e Representante do Senado

Federal no Conselho Nacional do Ministério Público. Desde 2014 é Ministro do Tribunal de Contas da

União, por indicação do Senado Federal. 1978-presente.

93

Donizetti Nunes92, Humberto Theodoro Júnior93, Jansen Fialho de Almeida94, José

Miguel Garcia Medina95, José Roberto dos Santos Bedaque96, Marcus Vinicius Furtado

Coelho97, Paulo Cesar Pinheiro Carneiro98. O anteprojeto, entregue em 08 de junho de

2010, não conteve qualquer disposição acerca da dissolução parcial de sociedades.

O procedimento para a dissolução parcial de sociedades foi incluído no Código

de Processo Civil na sua primeira fase de tramitação, ainda no Senado Federal sob a

alcunha de Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 166, de 2010, por determinação do Relator

Geral da matéria, Senador Valter Pereira, quando foram juntadas diversas sugestões

legislativas, dentre as quais as de número 162, de autoria do professor Fabio Ulhoa

COELHO (2010), e 165, de autoria do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IMAG,

2010). Ambas as sugestões incluíram propostas de redação para ações de dissolução de

sociedade.

Sobre esta última proposta, que acabou abandonada, previa 15 artigos para reger

os procedimentos de dissolução parcial e total de sociedades e da exclusão de sócios.

Apesar de não ter sido aprovada, algumas de suas redações foram adotadas em

substituição às da proposta de COELHO (2010), que restou aprovada com poucas

alterações de seu texto original.

As vantagens da proposta da IMAG (2010) são a previsão de um rito para a

dissolução total e para a conversão da dissolução total em parcial, na ocorrência de

discordância de um ou mais sócios no curso de processo de dissolução total. Para o caso

da dissolução parcial, previu rito especial idêntico ao sumaríssimo, dos Juizados

92 Então Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Desde 2013 é Desembargador

aposentado. 1956-presente.

93 Professor Titular aposentado de Processo Civil da Universidade Federal de Minas Gerais. Desembargador

aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Advogado. 1938-presente.

94 Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Nascimento desconhecido-

presente.

95 Professor da Universidade Estadual de Maringá e da Universidade Paranaense (UNIPAR). 1972-presente.

96 Professor Titular de Direito Processual Civil da Universidade de São Paulo. Desembargador aposentado

do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Advogado. Nascimento desconhecido-presente.

97 Advogado. Então membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Posteriormente foi

presidente da Ordem dos Advogados do Brasil entre 2013 e 2016. 1972-presente.

98 Professor Titular de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Advogado.

Nascimento desconhecido-presente.

94

Especiais Cíveis, em que haveria apenas uma audiência de conciliação, instrução e

julgamento, devendo o juiz sentenciar o processo em sequência.

Esse rito, além de ignorar a possibilidade de necessidade de perícias ou

discussões mais completas para a própria decretação da dissolução, também se soma aos

problemas com a determinação da data para a apuração dos haveres, que, segundo a

proposta, seria a do ajuizamento da ação. São muitos os prejuízos dessa abordagem,

criando problemas em ações com dificuldade na citação e ignorando o direito material,

que estabelece a dissolução em datas diversas, a depender da situação fática que ensejou

a dissolução parcial.

Abaixo, a seguinte tabela comparativa entre o texto original e o que restou

aprovado apresenta números de referência, que serão adotados para os comentários da

presente seção.

Tabela 02 – Comparativo entre sugestão original e texto final do

Código de Processo Civil de 2015

# Original Aprovado

1 CAPÍTULO X - DA AÇÃO DE

DISSOLUÇÃO PARCIAL DE

SOCIEDADE

Art. 653. A ação de dissolução parcial

de sociedade pode ter por objeto:

I - a resolução da sociedade empresária

contratual ou simples em relação ao

sócio falecido, excluído ou que exerceu

o direito de retirada ou recesso; e

II - a apuração dos haveres do sócio

falecido, excluído ou que exerceu o

direito de retirada ou recesso; ou

III - somente a resolução ou a apuração

de haveres.

CAPÍTULO V - DA AÇÃO DE

DISSOLUÇÃO PARCIAL DE

SOCIEDADE

Art. 599. A ação de dissolução parcial

de sociedade pode ter por objeto:

I - a resolução da sociedade empresária

contratual ou simples em relação ao

sócio falecido, excluído ou que exerceu

o direito de retirada ou recesso; e

II - a apuração dos haveres do sócio

falecido, excluído ou que exerceu o

direito de retirada ou recesso; ou

III - somente a resolução ou a apuração

de haveres.

2 § 1º. Aplica-se ao rito previsto neste

Capítulo, no que não o contrariar, o

disposto no Título I do Livro II.

Correspondência com o Art. 603, §2º.

95

3 § 2º O autor exibirá na petição inicial o

contrato social.

§ 1o A petição inicial será

necessariamente instruída com o

contrato social consolidado.

4 § 3º. São contratuais as sociedades

empresárias dos tipos limitada, em

nome coletivo e em comandita simples.

Sem correspondência

5 § 4º. A sociedade poderá, como autora

ou ré, formular pedido de indenização

compensável com o valor dos haveres a

apurar.

Correspondência no Art. 602.

6 § 5º. O objeto da ação também poderá

ser apuração de deveres.

Sem correspondência.

7 Sem correspondência §2o A ação de dissolução parcial de

sociedade pode ter também por objeto a

sociedade anônima de capital fechado

quando demonstrado, por acionista ou

acionistas que representem cinco por

cento ou mais do capital social, que não

pode preencher o seu fim.

8 Art. 654. Quando o objeto da ação for a

resolução da sociedade empresária

contratual ou simples relação ao sócio

falecido, excluído ou que exerceu o

direito de retirada ou recesso, a ação

pode ser proposta

Art. 600. A ação pode ser proposta:

9 I - pelo espólio do sócio falecido,

quando a totalidade dos sucessores não

quer ingressar na sociedade;

II - pelos sucessores, após concluída a

partilha do sócio falecido;

III – pelos sócios sobreviventes, se não

querem o ingresso do espólio ou dos

sucessores do falecido na sociedade,

quando esse direito decorrer do

contrato social;

IV - pelo sócio que exerceu o direito de

retirada ou recesso, se não tiver sido

providenciada, pelos demais sócios, a

alteração contratual formalizando o

I - pelo espólio do sócio falecido,

quando a totalidade dos sucessores não

ingressar na sociedade;

II - pelos sucessores, após concluída a

partilha do sócio falecido;

III - pela sociedade, se os sócios

sobreviventes não admitirem o ingresso

do espólio ou dos sucessores do falecido

na sociedade, quando esse direito

decorrer do contrato social;

IV - pelo sócio que exerceu o direito de

retirada ou recesso, se não tiver sido

providenciada, pelos demais sócios, a

alteração contratual consensual

formalizando o desligamento, depois de

96

desligamento, depois de transcorridos

10 (dez) dias do exercício do direito;

V - pela sociedade, nos casos em que a

lei não autoriza a exclusão

extrajudicial; ou

VI - pelo sócio excluído.

transcorridos 10 (dez) dias do exercício

do direito;

V - pela sociedade, nos casos em que a

lei não autoriza a exclusão extrajudicial;

ou

VI - pelo sócio excluído.

10 §1º Somente poderá ser proposta a ação

de dissolução parcial com o objeto

destinado à resolução da sociedade se o

autor demonstrar que esta não pôde se

operar por alteração do contrato social

em razão de divergência entre os sócios

Sem correspondência.

11 § 2º. O cônjuge ou companheiro do

sócio cujo casamento, união estável ou

convivência terminou poderá requerer

a apuração de seus haveres na

sociedade. Os haveres assim apurados

serão pagos à conta da quota social

titulada por este sócio.

Parágrafo único. O cônjuge ou

companheiro do sócio cujo casamento,

união estável ou convivência terminou

poderá requerer a apuração de seus

haveres na sociedade, que serão pagos à

conta da quota social titulada por este

sócio.

12 Sem correspondência. Parcialmente

previsto na proposta do IMAG.

§ 3º. A sociedade não precisa ser parte

na ação quando forem litigantes todos

os sócios, mas ficará, ainda assim,

sujeita aos efeitos da decisão.

Art. 601. Os sócios e a sociedade serão

citados para, no prazo de 15 (quinze)

dias, concordar com o pedido ou

apresentar contestação.

Parágrafo único. A sociedade não será

citada se todos os seus sócios o forem,

mas ficará sujeita aos efeitos da decisão

e à coisa julgada.

13 Correspondência no Art. 653, §2º. Art. 602. A sociedade poderá formular

pedido de indenização compensável

com o valor dos haveres a apurar.

14 Art. 655. Julgada procedente a ação, se

as partes não se compuserem

relativamente ao valor dos haveres ou

o critério de sua apuração, esta será

feita nos mesmos autos segundo o

disposto no artigo seguinte

Art. 603. Havendo manifestação

expressa e unânime pela concordância

da dissolução, o juiz a decretará,

passando-se imediatamente à fase de

liquidação.

15 Sem correspondência

§ 1o Na hipótese prevista no caput, não

haverá condenação em honorários

advocatícios de nenhuma das partes, e

97

Correspondência com o Art. 653, §1º

as custas serão rateadas segundo a

participação das partes no capital

social.

§ 2o Havendo contestação, observar-

se-á o procedimento comum, mas a

liquidação da sentença seguirá o

disposto neste Capítulo.

16 Art. 656. Ao mandar processar a ação

de dissolução cujo objeto é apenas a

apuração de haveres, o juiz proferirá

despacho em que:

I - fixará a data da resolução da

sociedade;

II – definirá, à vista do disposto no

contrato social, o critério de apuração

dos haveres; e

III - nomeará o perito.

Art. 604. Para apuração dos haveres, o

juiz:

I - fixará a data da resolução da

sociedade;

II - definirá o critério de apuração dos

haveres à vista do disposto no contrato

social; e

III - nomeará o perito.

17 Correspondência no Art. 660. § 1o O juiz determinará à sociedade ou

aos sócios que nela permanecerem que

depositem em juízo a parte

incontroversa dos haveres devidos.

§ 2o O depósito poderá ser, desde

logo, levantando pelo ex-sócio, pelo

espólio ou pelos sucessores.

§ 3o Se o contrato social estabelecer o

pagamento dos haveres, será observado

o que nele se dispôs no depósito

judicial da parte incontroversa.

18 Art. 657. A data da resolução da

sociedade será:

I - no caso de falecimento do sócio, a

do óbito;

II - na retirada imotivada (Código

Civil, art. 1.029, primeira parte), o 60º

(sexagésimo) dia seguinte ao do

recebimento, pela sociedade, da

notificação do sócio retirante;

Art. 605. A data da resolução da

sociedade será:

I - no caso de falecimento do sócio, a

do óbito;

II - na retirada imotivada, o sexagésimo

dia seguinte ao do recebimento, pela

sociedade, da notificação do sócio

retirante;

98

III - no recesso (Código Civil, art.

1.077), o dia do recebimento, pela

sociedade, da notificação do sócio

dissidente;

IV - na retirada por justa causa de

sociedade por prazo determinado

(Código Civil, art. 1.029, in fine) e na

exclusão judicial de sócio (Código

Civil, art. 1.030), a do trânsito em

julgado da decisão.

Sem correspondência.

III - no recesso, o dia do recebimento,

pela sociedade, da notificação do sócio

dissidente;

IV - na retirada por justa causa de

sociedade por prazo determinado e na

exclusão judicial de sócio, a do trânsito

em julgado da decisão que dissolver a

sociedade; e

V - na exclusão extrajudicial, a data da

assembleia ou da reunião de sócios que

a tiver deliberado.

19 Art. 658. Em caso de omissão do

contrato social, o juiz definirá, no

despacho que mandar processar a

ação, como critério de apuração de

haveres, o valor patrimonial apurado

em balanço de determinação (Código

Civil, art. 1.031), a ser levantado por

perito contabilista, pessoa física ou

jurídica, tomando-se por referência a

data da resolução e avaliando-se bens

e direitos do ativo, a preço de saída.

Parágrafo único. Também será

contabilista o perito se o contrato

social estabelecer como critério de

apuração de haveres o valor

patrimonial, contábil ou a data

presente; mas se o contrato social

estabelecer como critério o valor

econômico da sociedade ou outro

fundado em projeção de resultados

futuros, a nomeação recairá sobre

especialista, pessoa física ou jurídica,

em avaliação de sociedades.

Art. 606. Em caso de omissão do

contrato social, o juiz definirá, como

critério de apuração de haveres, o valor

patrimonial apurado em balanço de

determinação, tomando-se por

referência a data da resolução e

avaliando-se bens e direitos do ativo,

tangíveis e intangíveis, a preço de

saída, além do passivo também a ser

apurado de igual forma.

Parágrafo único. Em todos os casos em

que seja necessária a realização de

perícia, a nomeação do perito recairá

preferencialmente sobre especialista em

avaliação de sociedades.

20 Art. 659. A data da resolução e o

critério de apuração de haveres podem

ser revistos pelo juiz, a pedido da

parte, a qualquer tempo antes do início

da perícia.

Art. 607. A data da resolução e o

critério de apuração de haveres podem

ser revistos pelo juiz, a pedido da parte,

a qualquer tempo antes do início da

perícia.

21 Art. 660. A sociedade ou aos sócios

que nela permanecerem só podem

propor a ação de dissolução parcial

Correspondência no Art. 604.

99

com objeto de apuração de haveres,

ou, não sendo os autores, responde-la,

depositando em juízo a parte

incontroversa dos haveres devidos.

§ 1º O depósito poderá ser, desde

logo, levantando pelo ex-sócio, pelo

espólio ou pelos sucessores.

§ 2º Se o contrato social estabelecer o

pagamento dos haveres, será

observado o que nele se dispôs no

depósito judicial da parte

incontroversa.

22 Art. 661. Até a data da resolução,

integra o valor devido ao ex-sócio, ao

espólio ou aos sucessores a

participação nos lucros ou os juros

sobre o capital próprio declarados pela

sociedade e, se for o caso, a

remuneração como administrador (pro

labore).

Parágrafo único. Após a data da

resolução, o ex-sócio, o espólio ou os

sucessores terão direito apenas à

correção monetária dos valores

apurados e aos juros contratuais ou

legais.

Art. 608. Até a data da resolução,

integram o valor devido ao ex-sócio, ao

espólio ou aos sucessores a participação

nos lucros ou os juros sobre o capital

próprio declarados pela sociedade e, se

for o caso, a remuneração como

administrador.

Parágrafo único. Após a data da

resolução, o ex-sócio, o espólio ou os

sucessores terão direito apenas à

correção monetária dos valores

apurados e aos juros contratuais ou

legais.

23 Sem correspondência. Previsto na

proposta do IMAG

Art. 609. Uma vez apurados, os

haveres do sócio retirante serão pagos

conforme disciplinar o contrato social

e, no silêncio deste, nos termos do § 2o

do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de

janeiro de 2002 (Código Civil).

Os itens 1, 2, 5, 8, 11, 13, 16, 18, 20, 21, 22 foram aprovados sem modificações,

ou com modificações que não alteram a substância do original. Os itens 3 e 12, 14 foram

aprovados utilizando a redação do artigo correspondente no projeto do IMAG, sem

modificações substantivas. Os itens 4, 6, 10 foram excluídos do texto final, sem adição

de artigo correspondente. Os itens 9, 17 e 19 foram modificados em sua substância. Os

100

itens 7, 15 e 23 foram adicionados ao texto, sendo o 7 em razão de uma emenda e o 15 e

23 em função da sugestão do IMAG.

Todas essas consolidações, exceto as do item 7, 9, 17 e 19, constam do Parecer

nº 1.624 de 2010, do Senador Relator, que apresentou substitutivo ao projeto original,

consolidando os milhares de páginas em sugestões e pareceres que foram oferecidos. Em

seu Parecer (SENADO FEDERAL. PEREIRA. p, 145), o relator geral destacou:

“k) no âmbito dos procedimentos especiais, além de algumas alterações

pontuais, destacamos a introdução da ‘ação de dissolução parcial de

sociedade’, que regulamenta o tema à luz do Código Civil de 2002, de modo a

suprir lacuna que acabou não sendo preenchida durante toda a vigência do atual

Código de Processo Civil, cujo art. 1.218 manteve em vigor os arts. 655 a 674

do Código de Processo Civil de 1939, disciplinadores da ‘liquidação e

dissolução das sociedades’”

A exclusão do item 4 não causa prejuízos à lei final, tendo em vista só servir para

esclarecer um conceito já bem delimitado pela lei e doutrina comercialista.

A exclusão do item 6 causa alguns prejuízos à lei final, haja vista que nas

hipóteses em que couber ao sócio a complementação de valores em razão do patrimônio

líquido negativo em sociedades de responsabilidade ilimitada pode ser discutido se a

execução pode ocorrer nos mesmos autos ou se a determinação do quantum debeatur do

sócio retirante ultrapassaria os limites da tutela pretendida na ação. A questão, contudo,

pode ser resolvida pela leitura do artigo 602. Se é lícito à sociedade formular pedido

indenizatório, também lhe é lícito requerer o pagamento dos deveres.

A exclusão do item 10 retirou a necessidade de comprovar a tentativa de

conciliar os interesses fora do juízo, sendo frustrada por divergência entre os sócios. Data

venia aos autores, a necessidade de demonstrar a divergência entre os sócios seria uma

burocracia desnecessária, visto que seria possível contestar preliminarmente se foi

efetivamente tentada a alteração ou se havia divergência, discussões inúteis ao resultado

útil do processo.

O item 17, além da reordenação, suprimiu o comando de que a ação só poderia

ser proposta mediante o depósito, trocando-o para uma determinação obrigatória para o

magistrado após o ajuizamento. Essa alteração retirou o sentido da disposição: enquanto

condição da ação ou da resposta, o depósito garantiria que a discussão judicial não

prejudicaria ainda mais o retirante; como uma obrigação após o ajuizamento ou resposta,

101

faria mais sentido que o juiz determinasse o pagamento diretamente ao retirante, sem a

necessidade de depósitos e a expedição de mandados de levantamento.

No item 18, acertada a adição do inciso V, que prevê corretamente que na

eventualidade da judicialização de exclusão extrajudicial, a data para a apuração dos

haveres é a da realização da deliberação em assembleia, que é quando se desfaz o vínculo

societário.

A inclusão do item 23, extraído da sugestão do IMAG, faz eco ao próprio artigo

do Código Civil por ele citado, estabelecendo a primazia do contrato social e a aplicação

subsidiária do direito material geral previsto pelo CC/2002.

O item 9 sofreu modificações no inciso III, alterando-se a legitimidade para a

propositura da ação de dissolução parcial no caso em que os sócios sobreviventes não

admitirem o ingresso do espólio ou sucessores do sócio falecido. A sugestão legislativa

previa essa legitimidade para os sócios sobreviventes, enquanto a lei final a prevê para a

sociedade.

Primeiramente, cabe interpretar o texto do inciso para entender a que direito se

refere o termo “esse”: caso se refira ao direito de ingressar na sociedade, então o inciso

estabelece um direito material, seja dos sócios ou da sociedade, de se oporem ao disposto

no contrato social e impedirem que o espólio ou os sucessores se tornem sócios, o que

não parece ser o interesse da lei processual. Além disso, o termo “esse” é um pronome

demonstrativo que, na norma culta, deve referir-se a algo distante do autor da frase e

próximo ao interlocutor ou, numa enumeração, ao segundo elemento mais distante na

frase. Assim, a interpretação ora analisada deveria empregar o termo “este”.

A análise mais apropriada, portanto, é a de que o direito decorrente do contrato

social é o de “não quererem o ingresso” ou, nos termos da redação final “não admitirem

o ingresso”. Assim, se o Contrato social previr a possibilidade de impugnar o ingresso do

espólio ou dos sucessores, a legitimidade ativa seria dos sócios sobreviventes. No mesmo

sentido, FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 35-36).

O termo “sócios sobreviventes” também admite possíveis interpretações: ou

qualquer um dos sócios poderia propor a ação ou o conjunto dos sócios (ou como acabou

se chamando, a sociedade) poderia propor a ação. A diferença entre as duas possibilidades

102

é bastante grande, já que no primeiro caso bastaria o interesse individual de um dos sócios,

enquanto na segunda é necessária deliberação dos sócios sobreviventes em reunião ou

assembleia, sendo aprovada a impugnação do espólio ou sucessores pelo quórum previsto

pelo contrato social, ou, na sua lacuna, pela lei.

A lei final, apesar de ter resolvido essa questão, o fez de forma inadequada.

Exigir deliberação societária para o exercício de oposição pode violar o disposto no

contrato social, que pode estabelecer que é direito do sócio realizar essa impugnação.

Dessa forma, o código invade a liberdade dos sócios e lhes retira uma via impugnativa

para o exercício de direito social.

Fora essa hipótese, se a sucessão do sócio foi regulada pelo contrato, ainda que

não tenha sido estabelecido um mecanismo de impugnação, os sócios sempre poderão se

reunir em assembleia e deliberar pela exclusão de algum ou de todos os sucessores, desde

que haja justa causa. Isto porque a sociedade pode excluir seus sócios que tenham

cometido falta grave no exercício de suas funções. No caso, o sucessor pode ter, antes

mesmo de entrar na sociedade, violado alguma cláusula com relação às suas

características pessoais necessárias para ser sócio, não cumprindo com as condições

necessárias para associar-se ou permanecer associado, de modo que poderia ser excluído

após sua entrada ou, por economia processual, antes mesmo de ingressar.

No item 19, a sugestão original previa a obrigatoriedade da perícia contábil

sempre que o contrato social não previr outra solução, a não ser quando o critério

estabelecido seja o do valor econômico, quando o perito deveria ser especialista em

avaliação de sociedades. Diversas propostas de modificação foram feitas, tanto no Senado

quanto na Câmara. O relatório final da matéria no Senado previa a preferência para perito

contabilista, mantendo a provisão quanto à avaliação do valor econômico

preferencialmente por perito especialista em avaliação de sociedades.

Na Câmara, a matéria foi objeto de duas emendas: a Proposta de Emenda nº 304,

de 2010, de autoria do Deputado Federal Eduardo CUNHA (2010)99, que alterava o caput

para determinar que a os bens e direitos fossem avaliados a preço de mercado; e a Proposta

99 Então Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, filiado ao PMDB. Economista. 29/09/1958-presente.

103

de Emenda nº 524, de autoria do Deputado Federal Roberto POLICARPO (2011)100, que

alterava o §1º para suprimir todas as orientações quanto à especialidade do perito, apenas

determinando a nomeação obrigatória de algum perito.

Enquanto o Deputado Eduardo Cunha, que fez dezenas de propostas de emenda

ao texto, utilizou o exato mesmo texto genérico para justificar todas as suas emendas, o

Deputado Policarpo buscou dar uma justificativa ao seu projeto através da possibilidade

de que economistas e administradores também possam realizar as perícias para a apuração

dos haveres em balanço de determinação.

Sobre a proposta do Deputado Eduardo Cunha, que não restou aprovada, buscava

esclarecer o conceito de “preço de saída”, definido pelo Pronunciamento CPC nº 46/2012,

do Comitê de Pronunciamentos Contábeis como “[p]reço que seria recebido para vender

um ativo ou pago para transferir um passivo” (CPC, 2012, p. 21). Já o conceito de “preço

de mercado”, que é definido por SMITH (2005, p. 52):

The market price of every particular commodity is regulated by the proportion

between the quantity which is actually brought to market, and the demand of

those who are willing to pay the natural price of the commodity, or the whole

value of the rent, labour, and profit, which must be paid in order to bring it

thither101.

Veja-se que o valor de mercado considera fatores de oferta e demanda que não

necessariamente se incorporariam ao patrimônio da sociedade, apesar de comporem o

preço de venda dos bens e direitos ou de quitação do passivo, tais como o frete e outros

custos de transação. Assim, é mais apropriada a versão que prevaleceu, com a utilização

do preço de saída, que efetivamente seria arrecadado, caso a sociedade entrasse em

liquidação.

Com relação à emenda proposta pelo Deputado Policarpo, seu mérito está em

reconhecer que pode ser necessária a atuação de peritos em outras áreas, que não apenas

a contabilidade, para a avaliação de questões específicas na apuração de haveres. Em

especial, destaca-se a dificuldade da avaliação do patrimônio imaterial, como marcas e o

aviamento. Contudo, a redação original do código não proíbe a contratação de outros

profissionais peritos, quando necessária, apenas estabelece a obrigatoriedade de um perito

100 Então Deputado Federal pelo Distrito Federal, filiado ao PT. Agrônomo. 22/02/1967-presente.

101 [Tradução livre do autor] O preço de mercado de cada comodity em particular é regulado pela proporção

entre a quantidade em que é trazido ao mercado e a demanda daqueles dispostos a pagar o preço natural da

comodity, ou o valor total do aluguel, labor e lucro, que devem ser pagos para trazê-lo até si.

104

contábil ou, no caso específico do §2º, especialista em avaliação de sociedades. Havendo

a recomendação desse perito, pedido das partes, ou determinação do juiz, nada obsta a

contratação desses profissionais auxiliares.

O texto final, por outro lado, suprimiu todas as menções à perícia contábil e

estabeleceu que, em todos os casos, o perito deverá ser, preferencialmente, especialista

em avaliação de sociedades.

Há grande diferença entre a sugestão original e o texto final, nesse ponto.

Enquanto a sugestão previa soluções obrigatórias, a lei final apenas sugere uma solução.

Perde-se, assim, as razões constantes do próprio texto original, que guiavam o trabalho

do perito. Caso o legislador apenas desejasse retirar a obrigatoriedade, acolhendo a

sugestão da Emenda do Deputado Policarpo, não era necessária tamanha supressão no

artigo. Ademais, não é necessária avaliação da sociedade quando o critério for o geral, do

patrimônio líquido da sociedade, bastando apuração contábil, mais simples e menos

custosa do que uma avaliação completa da sociedade.

O item 7 foi incluído através a aprovação da Proposta de Emenda nº 507, de

2011, de autoria do Deputado Federal Arthur Oliveira Maia102, quando da apreciação do

projeto de lei na Câmara dos Deputados, sob a alcunha de Projeto de Lei (PL) nº 8.046,

de 2010. O trecho adicionado pela emenda foi extraído do art. 206, II, b da LSA/1976,

que trata da dissolução total da sociedade por ações em razão de não poder preencher o

seu fim, em ação proposta por acionistas que representem ao menos 5% do capital.

A curta justificativa enumera as razões para a inclusão do trecho:

As companhias ou sociedades anônimas de capital fechado podem vir a

ostentar a condição de sociedade de pessoa. É o caso das sociedades anônimas

ditas familiares, inacessíveis a estranhos, cujas ações circulam entre os poucos

acionistas que as adquirem.

Esse fenômeno tem sido anotado tanto na doutrina quanto na jurisprudência,

concluindo-se que, reunindo a condição de sociedade intuitu personae, pode a

sociedade anônima fechada ser dissolvida judicialmente, e de forma parcial,

quando se verificar a ruptura da affectio societatis, por restar, nesses casos,

evidente a impossibilidade de ser preenchido o seu fim social (Lei 6.404/76,

art. 206, II, b).

Nesse sentido é a jurisprudência do STJ (REsp 111.294-PR, 4ª Turma, RSTJ

146/323, out./01).

102 Deputado Federal pela Bahia, então filiado ao PMDB. Advogado. 17/08/1964-presente.

105

Assim, a presente emenda propõe a incorporação do seu texto na regulação da

ação de dissolução parcial para traduzir na lei aquilo que já é consagrado pelo

STJ.

Como verificou-se na Seção 3 do Cap. 3, o REsp 111.294/PR não se

fundamentou integralmente no art. 206, b, II para decretar a dissolução parcial da

sociedade anônima, mas sim na aplicação subsidiária do art. 1.028 a 1.032, por

reconhecimento da relevância dos aspectos pessoais na sociedade. As considerações

acerca do art. 206, II, b, reproduzido no texto final da lei processual civil, foram no sentido

de apontar que seria possível até mesmo a dissolução total da sociedade na hipótese

estudada à época, já que não se pagavam dividendos há anos.

Essas primeiras ações apreciadas pelo tribunal superior em que se autorizou a

dissolução parcial de sociedade anônima foram conversões de ações de dissolução total

em parcial para preservar a empresa e viabilizar sua continuidade com os sócios que ainda

buscavam seu sucesso. As ações posteriores não empregaram o artigo pois já buscaram

diretamente a dissolução parcial, aderindo à interpretação tecida nos tribunais.

Dessa forma, o §2º do artigo 599 merece críticas, empregando os termos errados

para as intenções corretas. Melhor seria que o parágrafo mencionasse especificamente a

necessidade de reconhecimento do caráter personalista da sociedade anônima fechada, ao

invés de privilegiar o não preenchimento do fim, que é apenas uma das possibilidades de

justa-causa para demonstração da quebra da affectio societatis e da necessidade de

desfazimento do vínculo.

Em razão disso, o § 2º do artigo 599 vem merecendo críticas por parte da

doutrina, como as tecidas por FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 31-32, grifos do

original):

De que assim é, tanto em companhias fechadas como nas abertas, ninguém

nunca duvidou, até porque legem habemus e, por essa senda, o CPC/2015

concretamente em nada inovou. Ocorre que, para além da dissolução parcial

decretada ou pleiteada como alternativa à dissolução total, diante de uma causa

que justifica esta última solução, a jurisprudência e a doutrina passaram a

também apontar o cabimento da dissolução parcial da sociedade anônima

fechada – em especial naqueles casos em que o tipo ideal adotado não

corresponde à estrutura real, típica de sociedade de pessoas(ditas “sociedades

anônimas de pessoas” ou “sociedades anônimas intuitu personae”) – para

viabilizar a retirada por justa causa do acionista, que não encontra faticamente

um mercado secundário onde possa alienar as suas ações, ou até para permitir

a exclusão de um membro indesejado que comete falta grave e coloca em risco

a continuidade da empresa. Pois bem. A dúvida que a nova regra do CPC/2015

agora traz é se estas outras hipóteses que vinham sendo admitidas pela

jurisprudência continuam a legitimar o pleito de dissolução, como ainda hoje

entendemos viável, ou se, interpretada a contrario sensu, teria restringido a

106

dissolução parcial àquela causa de dissolução total. A nosso ver, aquelas outras

hipóteses continuam sendo admitidas. Ainda assim, fica a indagação: por qual

razão, então, o legislador resolveu se intrometer nesta questão, se não foi para

oferecer respostas definitivas e completas, certo de que a intromissão pela

metade mais sombra do que luz trouxe ao tema? Não deu para compreender.

Apesar de possível tentar dar sentido gramatical ao parágrafo, isso representaria,

como apontado nas críticas acima, uma redução semântica nas possibilidades de

proposição da ação de dissolução parcial. A melhor forma de interpretar o parágrafo,

portanto, é a sistêmica, levando em conta toda a construção jurisprudencial e doutrinária

que se teceu acerca da temática, compatibilizando o enunciado ali disposto com o art.

1.089 do CC/2002 para entender que se trata apenas de permissivo para a convolação da

ação de dissolução total de sociedade em parcial, quando o fundamento for a inviabilidade

do objeto ou do fim social, de geração de lucro.

SETOGUCI (2016, informação em palestra)103(1:09:20 até 1:11:00) argumenta

que esse parágrafo deve ser interpretado no sentido de viabilizar uma transmutação de

pedido de dissolução total realizado por acionistas detentores de pelo menos 5% do capital

em dissolução parcial, de modo a preservar a empresa.

A jurisprudência, desde os primeiros julgados do STJ, como o EREsp

111.294/PR, já entendia que o deferimento de dissolução parcial quando o pedido das

partes é dissolução total é uma possibilidade de decisão dentro da moldura legal,

consistindo em provimento parcial dos pedidos autorais, em privilégio dos interesses de

ambas as partes. Seria interessante também que fosse oportunizado às partes o aditamento

do pedido inicial e de defesa, de forma que a ação seguisse desde suas fases iniciais com

essa possibilidade explícita, não havendo, portanto, transmutação do rito comum em

especial de dissolução parcial de sociedade.

Nos demais casos, em que se busque a aplicação subsidiária do instituto da

resolução da sociedade em relação a um sócio, seja por retirada, recesso imotivado ou

exclusão em uma sociedade anônima, é necessária a decretação pelo juiz ou acordo prévio

entre os acionistas. O caput do art. 599, juntamente de seus incisos, não impede o

ajuizamento de ação no rito especial para a dissolução parcial da sociedade anônima, que

se enquadraria no item III, que não discrimina a necessidade de a sociedade ser contratual

103 Comentário proferido por Guilherme Setoguci em Palestra realizada na Associação dos Advogados de

São Paulo (AASP) por ocasião do 6º Congresso Brasileiro de Direito Comercial, em 07 de abril de 2017.

Disponível em <http://www.congressodireitocomercial.org.br/site/direito-societario-limitada-e-sa-

fechada>. Acesso em 26.09/2017.

107

ou simples, características que mesmo a sociedade anônima heterotípica não pode

possuir.

Sendo necessária decretação pelo juiz, ele deverá analisar se estão presentes os

pressupostos jurisprudenciais autorizadores de que se considere a sociedade em análise

uma sociedade heterotípica personalista e instável, enfrentando essa questão diretamente

na sentença. A partir daí, com o trânsito em julgado, a dissolução segue as mesmas

premissas e regras de uma dissolução de sociedade de pessoas, sempre que a LSA/1976

não tiver regra sobre o tema.

2 - A AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES NO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL DE 2015

O rito que restou aprovado para a dissolução parcial de sociedades se caracteriza

pelo foco na presteza da prestação jurisdicional, com ampla margem para que as partes

cheguem a acordos sobre os limites da demanda. Apenas quando houver verdadeiro litígio

entre as partes é que o rito será verdadeiramente contencioso, seguindo as normas do rito

comum.

Conforme destaca o principal autor da proposta, COELHO (2011, PP. 148-149),

a principal vantagem da adoção do rito especial para a dissolução parcial de sociedades é

evitar que processos se desenvolvam com apuração de haveres sem a determinação dos

critérios e da data para a apuração dos haveres, o que levaria a uma inversão da ordem

processual.

Este subcapítulo será dividido em seções que abordarão os aspectos objetivos da

ação de dissolução parcial, em específico: (1) jurisdição e o objeto da ação, interesse e

legitimidade processual; (2) o processamento judicial da ação; (3) os critérios e a data

para a apuração de haveres; (4) a execução dos haveres; e, ainda, (5) a dissolução total

das sociedades no CPC/2015.

Inicialmente, com relação à jurisdição, cabe aplicar que a instituição de rito

especial para a dissolução parcial de sociedade não faz com que a natureza dos direitos

ali discutidos não possa prescindir de ação judicial. A participação em sociedade é uma

108

faculdade voluntária e onerosa na qual se pode negociar livremente, sendo alienável,

ainda que com restrições. Assim, é possível uma solução negociada, seja previamente ou

após o nascimento do problema; uma solução mediada, seguindo os trâmites da Lei

Federal nº 13.140, de 26 de junho de 2015; ou até mesmo arbitrada, afastando a jurisdição

estatal, visto estar em consonância com o disposto no art. 1º da Lei Federal nº 9.307, de

23 de setembro de 1996.

O art. 599 estabelece que a ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por

objeto seus incisos I e II ou o inciso III. Nos incisos I e II, inclui-se a resolução da

sociedade empresária contratual ou simples, com a apuração dos haveres. No III,

“somente a resolução ou a apuração dos haveres”.

FRANÇA e ADAMEK (2016, p. 24) faz crítica de que a dissociação da

dissolução e a apuração de haveres cria embaraços à economia processual em hipóteses

como a ação de exclusão de sócio, que, em sua defesa, teria que realizar reconvenção para

requerer seus haveres. Sem mérito as críticas.

A divisão dos incisos acautela a possibilidade de que uma mesma ação cuide

tanto da dissolução quanto da apuração dos haveres ou apenas de um destes pontos.

Ressalte-se que é possível que a dissolução parcial não resulte em qualquer apuração de

haveres, como no caso em que as partes concordam que a limitação de responsabilidade

impede que o sócio que saiu da sociedade tenha que adimplir deveres em sociedade com

patrimônio líquido negativo. Nesse caso, o que ocorre é uma homologação de ponto

incontroverso entre as partes, tendo sido apurados os haveres.

A lei não buscou o ajuizamento de duas ações separadas para uma mesma

temática de fato e de direito, visto que não seria racional, razoável nem tampouco

econômico a interpretação a se fazer do artigo para diferenciar-lhe dos demais, provendo-

lhe sentido, em violação a todos os princípios processuais tão celebrados pelo Código.

A ação que busca a exclusão de acionista encontra-se no primeiro inciso, que é

acompanhado naturalmente da apuração dos haveres. Ainda que não se formule

explicitamente o pedido dos haveres, sua apuração é uma obrigação legal.

A palavra “somente”, no inciso III, permite que uma ação apenas complemente

parcela de dissolução que chegue a ter algum sucesso extrajudicial, tendo a apuração dos

haveres, mas não a averbação do contrato social com a exclusão do nome e retificação do

109

capital social; ou a dissolução que concluiu essa etapa, mas não resolveu a apuração dos

haveres. No inciso III é que se encaixam as situações de dissolução parcial e apuração de

haveres de todas as sociedades que não sejam empresarias contratuais ou simples, quando

não forem declaradas heterotípicas.

Ressalte-se, então, que o mesmo rito pode ser empregado em sociedades

anônimas, mesmo as de capital aberto, que desrespeitem a LSA/1976 no tocante ao

exercício da retirada, quando a forma mais apropriada de ajuizamento não for a

impugnação específica de ato da administração, como nos casos em que se negue a

calcular os haveres dos acionistas retirantes.

Cabe ressaltar que é possível cumular pedidos à ação de dissolução parcial de

sociedade, tais como a exibição de documentos, prestação de contas, anulação de

deliberações ou outras declarações, ou condenações que sigam o rito comum, desde que

seguidos os termos do art. 327, caput e parágrafos, CPC/2015, como também destacam

FRANÇA e ADAMEK (2016, p. 26).

O Artigo 600 trata da legitimidade ativa ad causam. Como é natural para um

grupo de ações diverso, também são vários os legitimados à propositura da ação, de

acordo com as matérias que forem de seu interesse processual.

A hipótese do inciso I destina-se à apuração dos haveres do sócio falecido,

quando pelo menos um de seus herdeiros não ingressar na sociedade. Cabe destacar que

“a totalidade não ingressar” é diferente de “nenhum ingressar”. No primeiro caso,

escolhido pelo CPC/2015, basta que um dos herdeiros decida não ingressar ou seja

rejeitado, conforme aponta COELHO (2011, p. 150) para que o espólio possa propor a

ação; no segundo caso, seria necessário que todos os herdeiros decidissem não ingressar

ou fossem rejeitados para que o espólio pudesse propor a ação.

Cabe ressaltar que COELHO (2011, p. 151) entende que no caso de apenas parte

dos herdeiros quererem ou poderem se associar, o espólio deveria permanecer titular das

quotas até o fim da partilha, quando, ainda que não desejem, os herdeiros se tornarão

titulares da sociedade e poderão propor a ação do inciso II. Entende-se aqui que isso seria

inconstitucional, ao compelir pessoa que não deseja associar-se à associação, bem como

indesejável, visto que a permanência do espólio como sócio pode ser nociva à sociedade,

permitindo que parte do controle seja exercida por ente despersonalizado com quem não

há qualquer affectio societatis. O próprio COELHO (idem) entende que a permanência

110

do espólio enquanto titular deve ser tão breve quanto possível, de modo que sua

interpretação não atingiria os fins desejados.

Entende-se, assim que a apuração só será executada e potencialmente liquidada

e propriamente paga em três hipóteses: (1) de que os herdeiros que não ingressaram na

sociedade não possam compensar o valor de suas quotas com outros bens do monte,

solução mais econômica; (2) do valor das quotas ser controvertido, de modo que seja

necessária sua apuração para fins da realização da partilha, mas não necessariamente sua

execução, se puder ser compensada com outros bens do espólio; (3) ou terem todos os

herdeiros terem sido rejeitados como sócios, de modo que seja necessária a apuração e

liquidação dos haveres.

Nas hipóteses 1 e 2 é que se enquadra a determinação pelo juízo orfanológico,

nos termos do art. 620, §1º, II, CPC/2015, de que se proceda à apuração de haveres. Com

essa interpretação, permite-se que o espólio deixe de ser sócio ainda que não seja

encerrado o inventário e partilha, que podem pender de diversas outras questões jurídicas,

como o reconhecimento de união estável, a impugnação à capacidade hereditária entre

outras, e perdurar por décadas.

Desta forma, o inciso II, a propositura de ação pelos herdeiros, tem objeto

parecido, mas já não mais subsiste a figura do espólio, de modo que os herdeiros podem

buscar substrato para uma sobrepartilha, na descoberta de novo herdeiro, ou outro tipo de

medida que busque corrigir eventuais abusos da inventariança. Entende-se, aqui, que estes

herdeiros podem, inclusive, ser sócios, caso tenha sido seguida a interpretação de

COELHO (2011, p. 150).

No inciso III, a sociedade que rejeitou o ingresso de algum dos sucessores do

sócio falecido busca resguardar-se, propondo ela mesma a apuração dos haveres devidos

a este herdeiro. Este inciso já foi anteriormente discutido na seção 1.1 do Capítulo 4.

Ainda na seara familiar, o Parágrafo Único cria a possibilidade de que o cônjuge ou

companheiro apure e cobre os haveres referentes a sua meação na sociedade, quando do

término da sociedade conjugal ou união estável.

FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 43-45) entendem que esta matéria não é

processual, afirmando que o CPC/2015 supriu lacuna do direito material acerca das

faculdades que cabem ao cônjuge do sócio retirante, porém sem definir se teria apenas a

possibilidade do art. 1.027 do CC/2002 ou se poderia também pedir a liquidação parcial

111

da quota do sócio, na fração que eventualmente lhe caiba algo. A cobrança dos lucros

referida pelo Código Civil pode ser feita tanto na ação de dissolução, cumulando os

pedidos; ou separadamente, na ação de divórcio e partilha.

No Agravo de Instrumento nº 2038570-31.2017.8.26.0000 (Rel. Des. Fortes

Barbosa. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial – Pateo do Colégio. Julgamento

em 10 de março de 2017, publicado no DJESP de 14/03/2017, PP. 527-528) foi

liminarmente determinado que o Espólio assume a condição temporária de acionista, e

não apenas de credor, com todos os direitos e deveres, até a apuração dos haveres. Essa

posição restou ratificada, por maioria de votos acompanhando a dissidência, pelo

julgamento definitivo em 03 de maio de 2017, publicado no DJESP de 18/05/2017, PP.

1718-1719:

SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE

FAZER E DE DISSOLUÇÃO PARCIAL. FALECIMENTO DE

ACIONISTA. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE EXTINÇÃO

DAS AÇÕES DO FALECIDO E APURAÇÃO DE HAVERES. TUTELA

ANTECIPADA DEFERIDA PARA AFASTAMENTO DO ESPÓLIO DA

PRÁTICA DE ATOS TÍPICOS DE SÓCIOS. ESPÓLIO QUE ASSUME A

POSIÇÃO DE ACIONISTA, REPRESENTADO PELO INVENTARIANTE

DATIVO. REPRESENTAÇÃO, NO ENTANTO, RESTRITA, POIS SE

RESSALVA AOS HERDEIROS O DIREITO DE VOTO EM ASSEMBLEIA

GERAL, NA PROPORÇÃO DE SEUS QUINHÕES HEREDITÁRIOS.

INVENTARIANTE DATIVO QUE PODERÁ COMPARECER ÀS

ASSEMBLEIAS E DEFENDER OS INTERESSES DO ESPÓLIO NAS

QUESTÕES MERAMENTE PATRIMONIAIS, INCLUSIVE

FISCALIZANDO A ADMINISTRAÇÃO. PODERÁ, TAMBÉM, EXERCER

O DIREITO DE VOTO, CASO OS HERDEIROS NÃO QUEIRAM FAZÊ-

LO PESSOALMENTE OU POR PROCURADOR. EXEGESE DO ART. 75,

§ 1º, DO CPC/2015, DO ART. 1.791, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC E DOS

ARTS. 28, 120 E 126, § 1º, DA LSA. AGRAVO PARCIALMENTE

PROVIDO. ART. 1007 CPC - EVENTUAL RECURSO - SE AO STJ:

CUSTAS R$ 174,23 - (GUIA GRU NO SITE http://www.stj.jus.br) -

RESOLUÇÃO Nº 2 DE 01/02/2017 DO STJ; SE AO STF: CUSTAS R$

181,34 - GUIA GRU – COBRANÇA - FICHA DE COMPENSAÇÃO -

(EMITIDA ATRAVÉS DO SITE www.stf.jus.br) E PORTE DE REMESSA

E RETORNO R$ 139,80 - GUIA FEDTJ - CÓD 140-6 - BANCO DO BRASIL

OU INTERNET - RESOLUÇÃO Nº 581 DE 08/06/2016 DO STF. Os valores

referente ao PORTE DE REMESSA E RETORNO, não se aplicam aos

PROCESSOS ELETRÔNICOS, de acordo com o art. 4º, inciso III, da

Resolução nº 581/2016 do STF de 08/06/2016. - Advs: Guilherme Chaves

Sant´anna (OAB: 100812/SP) – Felipe Martinelli Lima Verde Guimarães

(OAB: 201796/SP) - Lucas Akel Filgueiras (OAB: 345281/SP) - Walfrido

Jorge Warde Junior (OAB: 139503/SP) - - Pateo do Colégio - sala 704

No inciso IV, a legitimidade é conferida ao sócio que exerceu o direito de

retirada, quando não devidamente registrado esse exercício, conforme destaca COELHO

(2011, p. 151). Esta é uma das hipóteses do Art. 599, III, CPC/2015. Caso já tenha sido

totalmente realizado o procedimento extrajudicial correto para a dissolução parcial, mas

112

ainda não tenha se providenciado a alteração do contrato social, o autor pode requerer

tutela de evidência, juntando como prova escrita do direito evidente a notificação

realizada, o aviso de recebimento com data e o contrato social consolidado e emitido após

o prazo legal ou contratual, demonstrando que não foi alterado o contrato.

FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 36-37) criticam, apontando receio com a má

interpretação da norma processual como a criação de um empecilho à retirada, como uma

necessidade da propositura de ação judicial. Contudo, essa interpretação não decorre de

leitura gramatical e seria contrária à própria lógica de economia processual, além da

necessidade de interpretar uma criação de direito material a partir da norma processual.

Na mesma linha do último inciso segue o caso do inciso VI, já que o sócio

excluído, ao propor a ação deste capítulo, conforma-se com a exclusão e busca a

regularização de sua situação junto aos registros e a percepção dos haveres a que faz jus.

Ao contrário do que entende COELHO (2011, p. 152), entende-se que o objeto da ação

descrito pelo art. 599 não comporta a discussão da própria exclusão, de modo que, caso

esteja inconformando com sua exclusão, deve propor ação de impugnação da deliberação,

ou anulação da assembleia que o eliminou, ou ainda declaratória de nulidade de sua

exclusão, podendo este pedido estar cumulado, alternativamente, com os pedidos de que

tratam o Art. 599, I e II, com base no disposto pelo artigo 327, §2º, todos do CPC/2015.

Por fim, o caso do inciso V diz respeito à sociedade, nas hipóteses em que a

exclusão extrajudicial não é autorizada pela lei ou pelos documentos sociais. Como já

abordado anteriormente, na seção 2.2 do Capítulo 3, o ajuizamento da ação de dissolução

pela sociedade prescinde de deliberação preliminar que estabeleça o interesse processual

da sociedade. Ainda que exista a legitimidade processual prevista pelo art. 600, V,

CPC/2015, para postular em juízo é necessário o binômio legitimidade e interesse, nos

termos do art. 17 da mesma lei. Por esta razão, a praxe era entender como necessário o

litisconsórcio entre os sócios que aprovavam a retirada com a sociedade, por eles

representada. Parece que, para garantir o máximo de segurança no CPC, é recomendável

fazer constar explicitamente da ata que determinado sócio, extraordinariamente,

representará a Sociedade para a contratação necessária à efetivação da ação competente.

113

A petição inicial, tal qual a de qualquer outro processo, deve seguir as

disposições do art. 319, CPC/2015. A competência do juízo é definida pelas leis de

organização judiciária dos estados.

Sobre a competência, é importante destacar que mesmo em localidades onde

existam varas empresariais, nas hipóteses do artigo 620, §1º, CPC/2015, o juízo

competente para o processamento da ação de apuração de haveres é o juízo competente

para o processamento do inventário, em razão do princípio do juízo universal do

inventário, consagrado pelo art. 612, CPC/2015 e já reconhecido pelo Superior Tribunal

de Justiça, através do Recurso Especial 190.436/SP (Rel. Min. Sálvio de Figueiredo

Teixeira, julgado em 21 de junho de 2001, publicado no DJ em 10/09/2001).

Mesmo que, porventura, não se instaure a ação de dissolução parcial de

sociedade, seja ou não pela via incidental, para o cálculo dos haveres, o juízo sucessório

ainda fica obrigado a seguir o rito previsto pelo CPC/2015 para a avaliação, em razão do

disposto no art. 630, parágrafo único, lido conjuntamente com o §2º do art. 327.

O valor da causa, nos termos do art. 292 do diploma processual, corresponde ao

valor da soma dos pedidos. Nesse tocante, pode haver dúvidas acerca de como arbitrar o

valor, dado que a ação tem por fim justamente apurar os haveres. Em qualquer caso, a

utilização do parâmetro do capital social que se busca reembolsar, tal qual disposto no

contrato social, é o padrão adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o

antigo CPC/1973 no REsp 1.410.686/SP, relatoria Min. Luis Feli. Ainda não há decisão

acerca do novo CPC/2015, mas a lógica lá empregada continua válida, visto que foi

mantida redação compatível com o entendimento acerca do antigo diploma:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. VALOR DA CAUSA.

PEDIDO. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE

EMPRESÁRIA. NEGÓCIO JURÍDICO. VALOR CORRESPONDENTE À

PARTE DO NEGÓCIO A QUE SE REFERE O PEDIDO. ALEGAÇÃO DE

OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO AFASTADA.

[...]

3. O valor da causa está intimamente ligado ao pedido do autor e não

exatamente ao objeto do litígio, por isso, a um mesmo objeto é possível atribuir

valores diferentes, a depender sempre do pedido que se apresenta. Delimitado

o pedido, a determinação do valor da causa será obtido de maneira objetiva e

corresponderá ao benefício pretendido pelo autor.

4. Verificando-se que a causa visa discutir a existência, validade,

cumprimento, modificação, rescisão ou formação de um negócio jurídico, seu

valor deve ser extraído deste mesmo negócio jurídico; e se o litígio não

114

envolver o negócio jurídico por inteiro, mas somente parte dele, sobre essa

parte recairá o valor da causa.

5. Em ação de dissolução parcial de sociedade empresária, o valor da causa

será o montante do capital social correspondente ao sócio que se pretende

afastar da sociedade.

6. Recurso especial parcialmente provido

O Art. 601, caput, determina a citação dos sócios e da sociedade para

concordarem com o pedido ou apresentarem contestação. FRANÇA e ADAMEK (2016,

PP. 47-51) criticam que o artigo cria litisconsórcio passivo necessário entre todos os

sócios e a sociedade em todas as ações. A adaptação da redação do IMAG realmente não

é das mais claras, mas não é esse o entendimento que se faz da leitura do artigo, que

apenas determina a citação, sem dizer que todos devam necessariamente ser citados.

Tanto é assim que o parágrafo único, traz determinação de que a sociedade não

será citada se todos os seus sócios o forem, ficando, ainda assim, sujeita aos efeitos do

processo. O objetivo do artigo e seu parágrafo é reduzir a necessidade de citações e

simplificar o procedimento. FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 51-52) fazem crítica

apropriada de que o que se dispensa é um ato citatório, mas que a sociedade participa do

processo, devendo constar do polo passivo.

Não existe qualquer razão para que todos os sócios tenham que ser citados em

todas as dissoluções. Caso um sócio esteja se retirando, buscando seus haveres

judicialmente, apenas há vínculo à lide que justifique a posição de parte necessária para

o próprio sócio e a sociedade. Qualquer questão que tenha que passar pelo crivo dos

sócios remanescentes na sociedade é matéria societária, não processual, independendo de

intervenção nos autos.

Contudo, em algumas circunstâncias é possível que mais sócios tenham que ser

citados ou até mesmo todos os sócios. O parágrafo único tem por objetivo justamente a

economia processual, dispensando a citação da sociedade nos casos em que todos os

sócios sejam citados. A sociedade, ainda que não citada, pode peticionar nos autos,

inclusive apresentando contestação ou reconvenção, se desejar.

A interpretação desse artigo, contudo, até o momento não vem indo neste

sentido. Antes da vigência do CPC/2015 o STJ decidiu, no REsp 1.303.284/PR (Rel. Min.

Nancy Andrighi, Terceira Turma do STJ, julgamento em 16 de abril de 2013, publicado

no DJe de 15/05/2013) no sentido da necessidade da citação de todos os acionistas em

ações que discutam a dissolução parcial de sociedade anônima heterotípica:

115

EMPRESARIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA FECHADA. CUNHO

FAMILIAR. DISSOLUÇÃO. FUNDAMENTO NA QUEBRA DA

AFFECTIO SOCIETATIS . POSSIBILIDADE. DEVIDO PROCESSO

LEGAL. NECESSIDADE DE OPORTUNIZAR A PARTICIPAÇÃO DE

TODOS OS SÓCIOS. CITAÇÃO INEXISTENTE. NULIDADE DA

SENTENÇA RECONHECIDA.

1. Admite-se dissolução de sociedade anônima fechada de cunho familiar

quando houver a quebra da affectio societatis.

2. A dissolução parcial deve prevalecer, sempre que possível, frente à

pretensão de dissolução total, em homenagem à adoção do princípio da

preservação da empresa, corolário do postulado de sua função social.

3. Para formação do livre convencimento motivado acerca da inviabilidade de

manutenção da empresa dissolvenda, em decorrência de quebra da liame

subjetivo dos sócios, é imprescindível a citação de cada um dos acionistas, em

observância ao devido processo legal substancial.

4. Recurso especial não provido.

No caso, o sócio fundador, que cedeu suas ações a seus filhos e a sociedades

empresárias, respondeu a ação de dissolução parcial, ao invés dos sócios ou da própria

sociedade. Nesse caso foi reconhecida a nulidade da Sentença pois nenhum sócio da

sociedade participou da ação.

Na ação de dissolução parcial de sociedade nº 1063569-90.2016.8.26.0100, em

tramitação na 39ª Vara Cível de São Paulo – Forum João Mendes, após a citação de todos

os sócios e requerimento dos patronos da sócia autora, diante da dificuldade em realizar

a citação da sociedade, cujas atividades estavam interrompidas, o Juiz de Direito Eduardo

Palma Pellegrinelli proferiu a seguinte decisão, disponibilizada no DJeSP em 30/01/2017:

Vistos.1) Ao Juízo, o parágrafo único do art. 601 do Código de Processo Civil

pareceria inconstitucional, por lesivo ao devido processo legal: dispensar a

citação de corréu e sujeitá-lo ainda assim aos efeitos da solução de mérito que

se confira à lide é algo que repudia o Direito. Ora, a citação é indispensável à

validade do processo (Código de Processo Civil, art. 239, caput, primeira

parte), e sua concreção à margem das prescrições legais é suficiente para

nulificá-la (art. 280 do diploma adjetivo). Com maior razão até, portanto, sua

pura e simples supressão não se poderia convalidar. A propósito, confira-se a

doutrina: "Se a sociedade estará sujeita aos efeitos da coisa julgada, tal como

previsto pelo parágrafo único do art. 601 do CPC/2015, por certo que deve

figurar como parte. E se é parte, tem o direito de ser comunicada oficialmente

a respeito da existência do processo em seu desfavor, ou seja, tem o direito de

ser citada. Estamos aqui diante de clara hipótese de litisconsórcio necessário"

(Fernando Sacco Neto, em "Breves Comentários ao Novo Código de Processo

Civil", coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Júnior,

Eduardo Talamini e Bruno Dantas, Ed. Revista dos Tribunais, 2015, pp.

1506/1507, grifo adicionado). Destarte, providencie a autora o necessário à

citação da empresa-ré, no prazo de quinze dias [...]

A parte autora havia interposto Agravo de Instrumento do indeferimento de

tutela antecipada, sendo autuado sob o nº 2156821-42.2016.8.26.0000, Rel. Des. Caio

Marcelo Mendes de Oliveira, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Nesse agravo,

116

a despeito do caminho que toma a demanda principal, através de decisão de 18 de janeiro

de 2017, publicado no DJeSP de 23 de janeiro de 2017, determinou:

[...] 3) De outro lado, com a intimação do agravado Luiz Antonio, único sócio

remanescente da Projnet, a existência deste recurso será do conhecimento de

todos os interessados, razão pela qual, dispensa-se, exclusivamente para as

finalidades do art.1.019, II, do NCPC, a intimação da pessoa jurídica, cabendo

aos interessados, querendo, a apresentação de resposta no prazo legal.

O Agravo de Instrumento terminou julgado procedente, determinando a

inscrição da retirada do sócio autor. A ação principal, por outro lado, apesar dos esforços

da parte autora, não prosseguiu com a citação da sociedade até que o juiz determinasse

sua citação, na pessoa de um dos sócios, que já estava citado na demanda desde agosto

de 2016. Esta citação ocorreu apenas em outubro de 2017, significando que se

desperdiçou mais de um ano em algo que o Código dispensa e que a própria instância

revisora também dispensou.

Outra particularidade da petição inicial é que, além dos requisitos do art. 319,

CPC/2015, incide também sobre a ação de dissolução parcial de sociedade os documentos

obrigatórios do art. 320, sendo necessário que se junte o contrato social consolidado104,

nos termos do art. 599, §1º.

A contestação, inclusive para o caso da formulação dos pedidos descritos no art.

602, também segue as regras previstas pelo CPC/2015 para as respostas do réu, que terá

todas as possibilidades que prevê o rito comum. A grande particularidade é que a

conciliação prévia não ocorre em audiência no rito da ação de dissolução parcial de

sociedade, de modo que a resposta deve também conter as tratativas de concordância ou

pedido para a realização de mediação ou conciliação. FRANÇA e ADAMEK (2016,

PP.53-54) destacam que também é cabível reconvenção quando os sócios, não a

sociedade, estiverem no polo passivo.

Havendo concordância expressa, total ou parcial, o juiz homologará o acordo e,

havendo contestação, prosseguirá em tomar a réplica e, se necessário, tréplica para então

sanear o processo. No saneamento deverá decidir qualquer questão processual e definir

os pontos de fato e de direito a serem decididos pela sentença. No caso de sociedade

104 FRANÇA e ADAMEK (2016, p. 28) consagra que caso o contrato social não esteja consolidado, bastaria

juntar o contrato social e suas eventuais alterações, visto que seria absurdo exigir de alguns dos legitimados

à propositura da ação que providenciassem a consolidação.

117

anônima alegadamente heterotípica, deverá identificar a resolução dessa questão no

saneamento e abordá-lo na Sentença.

FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 55-56) argumentam que em caso de revelia,

também deveria se entender por uma concordância tácita aos pedidos autorais,

prosseguindo diretamente para a apuração dos haveres. No caso, pode o magistrado

antecipar a Sentença diante da revelia, nos termos do art. 344, lido conjuntamente com o

355, II, CPC/2015.

O Art. 604, §1º dita que o juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela

permanecerem, que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres. Isto não

significa que exista subsidiariedade ou solidariedade entre as partes, mas é possível que

os sócios também tenham condenações pessoais nas ações mistas que podem advir deste

artigo. De qualquer sorte, este disposto aplica-se apenas ao incontroverso.

Três são os fatores que impactam na apuração dos haveres, que devem ser

definidos pelo juiz, nos termos do art. 604, CPC/2015: (1) a data em que devem ser

calculados os haveres; (2) a os critérios de cálculo adotados, incluindo o valor utilizado

como referência e somas ou subtrações que se façam sobre ele; e (3) quem realizará estes

cálculos.

O terceiro ponto já tendo sido abordado na seção 1.2 deste Capítulo 4, resta

apenas apontar que as normas aplicáveis à perícia no rito comum se aplicam integralmente

à ação de dissolução parcial de sociedade.

A possibilidade de que o juiz, a pedido, revise a data e critério de apuração de

haveres, conforme disposto no Art. 607. É evidente que isso não dá poderes para que o

juiz defina a seu bel-prazer a data ou critério, visto que, caso o fizesse, estaria violando a

lei federal, proferindo Sentença que poderia ser objeto de reforma. Dessa forma, a

extensão da incidência deste artigo é a correção de erros materiais no que seja definido

de maneira societária.

As sociedades possuem diversos possíveis valores para suas avaliações, de modo

que a adoção de um ou outro critério levará a maiores ou menores haveres para o retirante.

O parâmetro soberano de definição do critério é o contrato social, devendo ser respeitado,

nos termos do art. 606 do CPC/2015, contanto que não represente uma subavaliação ou

118

superavaliação excessiva dos haveres, como aponta COELHO (2012, PP. 198-200). O

mesmo artigo unifica também a utilização do patrimônio contábil de saída, apurado em

balanço de determinação, encerrando as discussões acerca da utilização do valor

econômico ou do valor patrimonial contábil, que emprega valores de entrada.

FRANÇA e ADAMEK (2016, PP. 69-72) entendem que essa unificação é uma

imposição autoritária do legislador, que desconsidera particularidades de sociedades, que

não devem ser avaliadas a partir de uma mesma fórmula. Argumenta que o CPC/2015

inova e estabelece critério diferente do estabelecido no art. 1.031 do CC/2002, revogando-

o; e que o valor de patrimônio líquido real a preço de saída seria um conceito

indeterminado. Sobre estas questões, não se verifica qualquer diferença entre o

determinado pelo CC/2002, apenas sua especificação da técnica, de modo que não ocorre

a revogação do disposto na lei civil; bem como já foi esclarecido, na seção 1.2 deste

Capítulo 4 o significado de “preço de saída”.

Argumentam ainda que avaliação do patrimônio intangível é altamente

controvertida, de modo que a técnica do fluxo de caixa descontado (FCD) vinha sendo a

mais empregada, por fazer avaliação indireta de todos os ativos, desde que operacionais.

Esta última questão merece reflexão: de fato, a avaliação de patrimônio intangível,

incluindo aí não apenas a marca, mas outras questões do aviamento da sociedade é

questão complexa. Isto não significa, contudo, que essa avaliação seja impossível ou que

a técnica do fluxo de caixa descontado seja apropriada.

COELHO (2012, PP. 188-189) esclarece que as quotas possuem quatro tipos de

valores: (1) o valor nominal, correspondente à fração do capital social pela qual foi

emitida; (2) o valor de negociação, que corresponde ao valor acordado em uma

negociação de cessão das quotas; (3) o valor econômico, avaliado segundo o fluxo de

caixa descontado e levando em consideração fatores econômicos do negócio, como a

importância da aquisição para o adquirente, a tolerância e capacidade de amortização dos

riscos do mercado envolvido; (4) o valor patrimonial, que pode consistir do valor

patrimonial contábil, apurado no balanço ordinário; o valor patrimonial contábil em data

presente, apurado em balanço especial; e o valor patrimonial real, apurado em balaço de

determinação.

Os balanços ordinário e especial seguem os mesmos critérios de contabilização,

empregando os valores de entrada, exprimidos no custo de aquisição dos bens jurídicos

119

contabilizados. Assim, buscam expressar a situação patrimonial da empresa no

encerramento do exercício social, sem preocupação com fatores de mercado ou do valor

real do patrimônio. A única diferença entre o balanço ordinário e o especial é que o

ordinário deve ser apurado ao final de cada exercício social, geralmente anual, e é

obrigatório pela lei, enquanto o balanço especial pode ser levantado em razão de

obrigações contratuais ou por mera liberalidade, tendo por base a data que for apropriada

para tanto.

A utilização da metodologia do FCD é indicada para o cálculo do valor

econômico da sociedade, e não de seu valor patrimonial, tendo por finalidade avaliar a

perspectiva de lucro futuro de uma empresa e trazê-lo a termo presente, utilizando uma

taxa de desconto e as externalidades relevantes ao negócio para, assim, determinar um

valor econômico da sociedade. Mesmo para os casos de negociação da sociedade, é

comum que o valor econômico não seja empregado pelos negociantes, como adverte

COELHO (2016, p. 188).

E cabe ressaltar: a dissolução parcial não é uma compra pela sociedade da

parcela do sócio retirante, mas sim uma amenização dos efeitos da dissolução total, de

modo que a perspectiva de lucro futuro da sociedade não deve entrar em consideração,

mas apenas o patrimônio líquido tangível e intangível. Assim sendo, o emprego do FCD

é uma extrapolação do determinado na lei, gerando para o sócio retirante haveres que não

correspondem à realidade patrimonial da sociedade, à qual tem direito de parcela.

A avaliação que faz o perito deve simular uma dissolução total da sociedade,

atribuindo os valores reais de saída dos bens, tangíveis e intangíveis, mesmo que não seja

fácil atribuir ao aviamento um valor. Justificar nessa dificuldade o emprego de método

que remunere o sócio retirante por custos de oportunidade e por projeções de lucratividade

seria justificar enriquecimento sem causa.

Assim sendo, é definitivamente necessário o levantamento de balanço de

determinação, que considere o valor de saída, diferentemente do que rotineiramente se

faz com os balanços ordinários e especiais, que consideram o valor de entrada dos bens

(COELHO, 2012, PP. 193-195).

O art. 604, I do CPC/2015 determina que o juiz fixe, para a apuração dos haveres,

a data da resolução da sociedade, que servirá de parâmetro para o cálculo do reembolso.

120

O art. 605 do CPC/2015 regula, à luz do direito material, as datas que devem ser

consideradas a de resolução da sociedade.

Contudo, no caso das sociedades anônimas, há uma particularidade da lei

material que deve ser levada em consideração pelo juiz. A LSA/1940, em seu artigo 107,

determinava que o valor do reembolso das ações quando do exercício do direito de

retirada seria referente ao “último balaço aprovado pela assembléia geral”. A atual

LSA/1976 manteve a terminologia “último balanço aprovado” ao tratar do reembolso no

art. 45, §2º. Há, aqui, uma dúvida sobre se o “último balanço” se refere ao último

exercício ou ao que efetivamente tenha sido o último balanço aprovado, que pode ser de

exercício anterior, seja por ainda não ter ocorrido a AGO para a aprovação do balanço,

seja por a sociedade não ter aprovado o balanço e ainda estar pendente a votação em nova

assembleia.

ASCARELLI (1959, PP. 394-398) entende que o correto é a utilização do último

balanço que tenha sido aprovado após o último exercício findo, mesmo que isso signifique

que o balanço de referência seja posterior à retirada do sócio, de modo que os lucros e

prejuízos apurados no exercício em que ainda era sócio impactem o valor de seu

reembolso, havendo, inclusive, direito de impugnar o balanço.

MIRANDA VALVERDE (1959a, p. 243), por outro lado, entendia que o último

balanço é “o balanço normal ou ordinário, aquêle que, segundo a lei, toda sociedade

anônima há de levantar periodicamente”. Caso os acionistas entendam que o valor de

eventuais variações patrimoniais do exercício deva ser levado em conta, devem ou apurar

balanços ordinários com mais frequência ou estabelecer estatutariamente outra forma para

a apuração dos valores a serem reembolsados. Esta foi a posição que acabou consagrada

nos tribunais (Apelação Cível nº 9.017, Rel. Des. Emanuel Sodré, 8ª Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Distrito Federal (Rio de Janeiro) julgado em 26 de agosto de

1952.in MIRANDA JUNIOR, 1960, p. 635):

[...] Em conclusão: a circunstância de estar escrito, in casu, - clausula 7.ª que

– o pagamento dos haveres do sócio, retirante oi pré-morto seria feito na

proporção do último balanço aprovado, sòmente pode significar que esse

pagamento terá que se fazer proporcionalmente ao que toca ao sócio retirante

ou falecido, de acôrdo com o último balanço aprovado. Isto é, a cláusula em

exame exclui, de modo indiscutível, a participação do sócio falecido, em

qualquer valorização dos bens sociais, porque, para isto se desse era mistér que

constasse do contrato cláusula expressa, de sentido inequívoco, em que

ficassem precisados os limites dessa participação, que na dúvida, ou em face

121

da cláusula de sentido dúbio ou impreciso, terá que ser interpretada a favôr da

sociedade e não constituem um lucro ou vantagem que possa ser distribuído

aos sócios.

O atual art. 45 da LSA/1976, estabelece que só se apura balanço de determinação

na hipótese de reembolso quando houver mais de 60 dias entre deliberação que cria o

direito de retirada e último balanço que houver sido aprovado. Assim, poderia ser

dispensada a apuração dos haveres no caso da dissolução de sociedade anônima

heterotípica.

Recentemente, na ação de obrigação de não fazer cumulada com pedido

declaratório convertida em ação de dissolução parcial de sociedade anônima

heterotípica105 com apuração de haveres106 nº 1126723-82.2016.8.26.0100, tramitando

em segredo de justiça absoluto107 perante a 18ª Vara Cível de São Paulo (Foro Central),

proposta pela M. E. P. S/A108 em face do Espólio de A. B. N. acionista falecido, foi

deferida tutela de urgência, publicada no DJESP em 07/12/2016, PP. 385-386, para

determinar que o espólio requerido se abstenha de tentar praticar qualquer ato típico de

sócio ou de ingerir na administração da sociedade, fundamentado sua posição no parecer

do Prof. Fabio Ulhoa Coelho e em jurisprudência do STJ.

O acionista, que faleceu em 1º de março de 2010, portanto, exatos 60 dias após

a data do balanço anual de 2009, era fundador da sociedade e detinha 17% das ações da

sociedade. Os demais acionistas, todos da mesma família, detinham o restante. Nesta

ação, todos os envolvidos concordavam com a solução de dissolver parcialmente a

105 A própria petição inicial, às fls. 2 e 12-13, afirma que a sociedade é heterotípica. A situação narrada à

inicial demonstra que as diversas alterações do quadro societário foram sempre realizadas dentro do seio

familiar, por vezes até mesmo sem contraprestação pecuniária.

106 A ação fora originalmente proposta buscando o afastamento do espólio réu da gestão da sociedade

anônima, declarando que não detém status de acionista, mas de credor dos haveres decorrentes da liquidação

das ações que pertenciam ao de cujus.

107 [Nota do Autor] Apesar do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo utilizar configurações do PJe que

impedem qualquer usuário sem senha provisória ou habilitação nos autos de ter acesso a qualquer dado dos

processos em segredo de justiça, o nome dos advogados atuantes no caso e as iniciais das partes, bem como

o teor das decisões, é publicado no Diário de Justiça. Através do simples cruzamento destes dados, encontra-

se as partes litigantes de diversos processos em questão de minutos. No caso desta nota de rodapé, nem

todos os processos entre as partes estão em segredo de justiça, como é o caso do Agravo de Instrumento nº

2224033-46.2017.8.26.0000, o que facilitou ainda mais a identificação das partes. Tendo em vista a

existência de autos públicos e a extrema facilidade em identificar os dados, bem como ser mais profícuo à

pesquisa a utilização de dados concretos, estão sendo utilizados os dados reais do litígio, ainda que mantidas

as siglas, o que não gera qualquer prejuízo às partes, que não se opuseram aos autos públicos do processo

supracitado.

108 Trata-se de sociedade anônima fechada do ramo da participação em empreendimentos educacionais,

especialmente em Minas Gerais.

122

sociedade anônima fechada, ainda que sem previsão legal ou estatutária109, restando a

controvérsia acerca dos critérios para a apuração dos haveres devidos ao espólio e da

possibilidade de que esta entidade jurídica pratique atos privativos de sócio.

Entre as partes, há grande controvérsia acerca da utilização do último balanço, o

que foi empregado pela sociedade inicialmente e impugnado pelo espólio e pelos

herdeiros do acionista falecido, que afirmavam que a utilização do balanço ignorava uma

avaliação apropriada do patrimônio imaterial da sociedade, que só seria apurável em

balanço de determinação. Ao determinar a apuração dos haveres, em decisão publicada

no DJe de SP de 20/10/2017, pag. 419, o juiz não se manifestou quanto à utilização do

último balanço, o que ficará para a decisão final da liquidação do valor dos haveres.

Os recursos na ação de dissolução parcial de sociedade seguem as mesmas

lógicas do processo pelo rito comum. Assim, basta identificar a natureza dos provimentos

jurisdicionais previstos para o rito da dissolução parcial para identificar as formas de

impugnação e recurso.

Até a contestação, não há ato especialmente impugnável. Caso o juiz cometa

alguma ilegalidade na fase das citações, como o não reconhecimento da citação da

sociedade na hipótese da citação de todos os sócios, cabe agravo de instrumento, por

interpretação expansiva110 do art. 1.015, VIII, CPC/2015. O caso é muito próximo ao da

rejeição da limitação ao litisconsórcio facultativo, previsto no art. 113, §1º, CPC/2015,

em que o juiz limita o número das partes para não comprometer a rápida solução do litígio.

No caso, a sociedade, litisconsorte necessária para provimento unitário, pode ser

dispensada pelas exatas mesmas razões, havendo permissivo legal expresso para tanto, de

modo que a não aplicação do art. 601, parágrafo único, enseja agravo de instrumento.

109 Foi feito acordo parcial entre os litigantes, sendo homologado à fl. 891, em que também se determinou

o perito para a apuração dos haveres.

110 O Superior Tribunal de Justiça já admitiu a interpretação expansiva do rol numerus clausus do art. 1.015

do CPC/2015 na hipótese, reputada gravosa, do declínio de competência ou processamento por órgão

absolutamente incompetente, o que significaria que a nulidade do processo só seria conhecida em fase e

Apelação. Sobre essa questão, ver o REsp nº 1.679.909?RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma

do STJ, julgamento em 14 de novembro de 2017.

123

O decreto judicial de dissolução parcial da sociedade, seja por manifestação

expressa e unânime de concordância, seja pela decisão do conflito após seguido o rito

comum, é uma Sentença, com efeito declaratório para os casos em que a dissolução ocorre

de pleno direito, ou constitutivo, para os casos em que ocorre após o decreto judicial. Em

ambos os casos, a forma impugnativa é a Apelação.

A partir daí inicia-se a apuração dos haveres e a possível execução dos haveres,

fase em que todos os provimentos jurisdicionais são passíveis de agravo de instrumento,

nos termos do parágrafo único do art. 1.015, CPC/2015, haja vista a natureza de

liquidação de sentença do procedimento de apuração dos haveres e executório da

execução dos haveres. Isso inclui a decisão do art. 604 e a revisão do art. 607, CPC/2015.

Por fim, é necessário destacar que a perícia realizada pelo perito nomeado pelo

juiz, nos termos do art. 604, III, segue as regras previstas pelo CPC/2015 para a prova

pericial, inclusive quanto à impugnação do perito nomeado (art. 465, §1º, I), escolha do

perito (art. 471), apresentação de quesitos (art. 465, §1º, III; art. 469), apresentação de

esclarecimentos (art. 477), e realização de nova perícia (art. 480). A homologação da

perícia é passível de agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, parágrafo único.

GUEDES NUNES (2015b, p. 233) define a preocupação de que a sociedade,

após o reembolso dos haveres do sócio retirante, não disponha de capital para viabilizar

sua continuidade como a “controvérsia sobre o desinvestimento”. Aponta, ainda (Ibid.

PP. 234-235) que os tribunais não são sensíveis a argumentos de inviabilização por si só,

já que a manutenção de sócio contra sua vontade no quadro social causaria apenas mais

perturbação e aprofundaria a crise política da sociedade.

Por essa razão, caso após a decretação da dissolução parcial e da apuração dos

haveres estes não sejam voluntariamente pagos, independentemente de intimação ao

cumprimento ou mandado de pagamento, inicia-se uma fase de execução, tal qual a do

processo civil comum, em que são possíveis todos os métodos de constrição do

patrimônio do devedor.

Sobre juros e correção monetária, o STJ havia decidido no REsp 1.286.708/PR

(Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 05/06/2014), abaixo citado, pela

incidência de juros apenas após o prazo legal para o pagamento dos haveres. Com o

124

parágrafo único do art. 608 do CPC/2015, a questão passa a estar diretamente regulada,

privilegiando o pactuado no contrato social e, na sua ausência, os juros legais nos termos

do julgado.

DIREITO SOCIETÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE

DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADES. EXCLUSÃO DE SÓCIO.

JUSTA CAUSA. APURAÇÃO DE HAVERES. DATA-BASE. EFETIVO

DESLIGAMENTO. FORMA DE PAGAMENTO. JUROS DE MORA.

TERMO INICIAL. PRAZO NONGESIMAL PARA PAGAMENTO. ARTS.

ANALISADOS: 1.030, 1.031, 1.044 E 1.085 DO CC/02.

1. Ações de ajuizadas em 1997. Recurso especial concluso ao Gabinete em

2011/2012.

2. Demandas em que se discute a caracterização de justa causa para exclusão

de sócio; as datas-base para apuração de haveres, bem como a forma de

pagamento e o termo inicial dos juros de mora eventualmente incidentes.

3. A prática de atos reiterados como padrão de normalidade por ambos os

sócios e nas três sociedades que mantêm há mais de 40 anos, ainda que

irregulares e espúrios, não servem como causa necessária da quebra da affectio

societatis a fim de configurar justa causa para exclusão de sócio em relação à

Concorde Administração de Bens Ltda.

4. A apuração dos haveres tem por objetivo liquidar o valor real e atual do

patrimônio empresarial, a fim de se identificar o valor relativo à quota dos

sócios retirante.

5. Para que não haja enriquecimento indevido de qualquer das partes, a

apuração deve ter por base para avaliação a situação patrimonial da data da

retirada (art. 1.031, CC/02), a qual, na hipótese dos autos, foi objeto de

transação entre as partes ao longo da demanda.

6. A retirada do sócio por dissolução parcial da empresa não se confunde com

o direito de recesso, que possui hipóteses de incidência restrita e forma de

apuração de haveres distinta.

7. A existência de cláusula contratual específica para pagamento de haveres na

hipótese de exercício do direito de recesso não pode ser aplicada por analogia,

para os fins de afastar a incidência do art. 1.031, § 2º, do CC/02 na situação

concreta de retirada do sócio.

8. Os juros de mora eventualmente devidos em razão do pagamento dos

haveres devidos em decorrência da retirada do sócio, no novo contexto legal

do art. 1.031, § 2º, do CC/02, terão por termo inicial o vencimento do prazo

legal nonagesimal, contado desde a liquidação dos haveres.

9. Em face da alteração da proporcionalidade da sucumbência, devem ser

redistribuídos o respectivo ônus.

10. Recursos especiais parcialmente providos.

Há, contudo, uma particularidade na execução dos haveres: caso a sociedade não

tenha viabilidade de pagar os haveres sem prejudicar sua atividade, ela possui três

alternativas: (1) não pagar e ser submetida à execução; (2) requerer recuperação judicial,

sendo certo que o crédito dos haveres é da classe dos quirografários, mas deve ser

considerado subordinado, nos termos do art. 83, VIII111 da Lei de Recuperações e

111 A LSA/1976, em seu art. 45, §7º, determina que o crédito pelo reembolso das ações deva ser classificado

como quirografário. Contudo, esse artigo data de 1997, sendo anterior à atual lei de recuperações judicial e

falências, que criou a classificação de créditos subordinados, na classe cos quirografários. Deve-se destacar

que mesmo à época do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, os créditos dos sócios da sociedade

125

Falências de 2005 (Lei nº 11.101 de 9 de fevereiro de 2005), b; (3) dissolver totalmente

a sociedade nos 30 dias subsequentes à decretação da dissolução parcial, nos termos do

art. 1.029, parágrafo único, CC/2002.

À execução dos haveres, aplicam-se todas as provisões do CPC/2015, inclusive

a possível penhora do faturamento da empresa, nos termos do art. 866, CPC/2015, ou, se

não houver faturamento, a penhora do estabelecimento empresarial, nos termos do art.

862, o que poderia fazer com que o sócio retirante ou até excluído tivesse a preferência

para adquiri-los. Nesse caso, o estabelecimento deveria ser novamente avaliado, a tempo

presente, a não ser que a apuração de haveres tenha usado por data base uma tão próxima

da penhora que se justifique a dispensa.

Assim, caso o pagamento dos haveres prejudique a continuidade da sociedade,

pode ser uma boa opção se valer das disposições da recuperação judicial para buscar

soluções para a crise financeira nascida da crise política. Caso deferida a recuperação,

ganha-se prazo para o pagamento e a negociação com os credores para que a sociedade

possa seguir existindo.

Sendo tratado isonomicamente pelo plano de recuperação, o ex-sócio não pode

impedir sozinho o prosseguimento da recuperação a não ser que seja o único credor de

sua classe, do art. 41, III da Lei de Recuperação e Falências/2005, já que o juiz deve

conceder a recuperação judicial nos casos em que, apesar de reprovado em uma classe, a

recuperação seja aceita nos termos do art. 58, §1º da mesma lei. Ainda, caso consiga

obstar a recuperação, seu crédito merece a classificação de subordinado, já que é crédito

criado em razão direta da sociedade, o que prejudicará suas chances de ver seu crédito

satisfeito em uma falência.

3 - PROPOSTA DE CONSOLIDAÇÃO PARA A QUESTÃO DA AÇÃO DE

DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE ANÔNIMA NO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL DE 2015

Tudo que se dispôs até agora acerca da ação de dissolução parcial de sociedade

anônima poderia ser consolidado em um enunciado, seja do ementário de jurisprudência

falida só deveriam integrar a massa falida ou serem pagos após a quitação do crédito dos falidos, como

apontado aos art. 48.

126

dos tribunais, como as Súmulas do Superior Tribunal de Justiça, seja nas propostas das

Jornadas de processo civil ou comercial. O autor subscritor dessa Dissertação propôs à I

Jornada de Processo Civil um enunciado com o seguinte teor:

A Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, nos termos do Art. 599 do CPC,

pode ter por objeto a resolução de Sociedade Anônima em relação a acionista

que tenha exercido direito de retirada; e a exclusão ou o exercício de retirada

de acionista de Sociedade “circunstancialmente” Anônima Fechada, que tenha

característica heterotípica, tais como o intuito personalista e a regência

supletiva pelo Código Civil, devendo o Juiz pronunciar-se na Sentença acerca

da aplicabilidade extraordinária destes institutos ao caso concreto.

A proposta, apesar de ter sido a única acerca dessa questão, não foi selecionada

para discussão, tendo em conta o recorde de submissões para uma Jornada promovida

pelo Conselho da Justiça Federal. Ainda assim, sustenta-se sua validade, que poderá

posteriormente ser discutida neste ou em outro referendado colegiado, como o das

jornadas do CJF. A justificativa da proposição foi como seguiu abaixo, sendo sustentada

nessa Dissertação:

A hipótese do §2º do Art. 599 do CPC/2015 é a mesma do Art. 206, II, b) da

Lei 6.404/76, que, via de regra, trata de dissolução total, e não parcial. Apesar

disso, a propositura da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade Anônima é

possível nos seguintes casos:

1. Quando acionista de qualquer S/A exerça seu direito legal ou estatutário de

retirada e encontre óbices na efetivação de seu exercício ou na apuração de

seus haveres;

2. Quando acionista de S/A Fechada que, pelas suas características de operação

e da natureza da relação entre seus acionistas, tenha caráter heterotípico

contratual e personalista, requeira sua própria retirada ou a exclusão judicial

de acionista que tenha cometido falta grave, com fulcro no Código Civil ou na

Lei 6.404/76.

Já foi previamente decidido pelo E. Superior Tribunal de Justiça em diversas

ocasiões ser possível a propositura desta ação, pela aplicação do Código Civil

(autorizada pelo Art. 1.089) às S/As que tenham caráter personalista (intuito

personae, como as Sociedades Anônimas heterotípicas e familiares). É o caso

do REsp 917.531/RS, EREsp 1.079.763/SP, EResp 419.174/SP, EREsp

111.294/PR.

Precedente recente, no REsp 1.321.263/PR, determinou também a

possibilidade de dissolução parcial de S/A sem intuito pessoal para sua

preservação, diante da impossibilidade de distribuir lucros, afigurando-se

como espécie de retirada.

Assim, seja pelo reconhecimento do caráter contratual, atendendo ao requisito

do Art. 599, I, CPC; seja pela aplicação do inc III, que não faz estes requisitos,

é possível a propositura da ação supramencionada.

127

4 - AS OUTRAS FORMAS DE DISSOLUÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO

CIVIL DE 2015

Além da ação de dissolução parcial de sociedade, o CPC/2015 previu duas outras

formas.

No que talvez seja um dos pontos mais confusos do CPC/2015, o art. 861

estabelece o procedimento executório, dentro do rito comum, para a realização da penhora

de quotas ou ações de sociedades personificadas, prevendo, entre outras coisas, a

liquidação das quotas em favor do credor particular na fase de execução. Ocorre que o

rito lá estabelecido é conflitante com o da ação de dissolução parcial de sociedade e com

o próprio art. 1.026 do CC/2002.

Ao não prever o credor particular como um dos legitimados à propositura da

ação de dissolução parcial de sociedade, o legislador lega a possibilidade prevista pelo

art. 1.026, parágrafo único, do CC/2002, ao rito comum e às previsões do art. 861. Assim,

caso tenha direito contratual aos lucros ou haveres das quotas, ou sejam insuficientes os

bens pessoais do sócio para fazer frente a dívida sua, o credor particular pode fazer recair

a execução sobre os lucros da sociedade através da fase de execução, no mesmo processo

em que iniciou a cobrança de sua dívida.

Fosse apenas isso, não haveria problema. Bastaria o procedimento executório

prever forma de assegurar a execução da parcela dos lucros do sócio e, no caso de o credor

optar pelo parágrafo único do art. 1.026 do CC/2002, o que leva à liquidação da quota do

sócio devedor, determinar abertura de ação de dissolução parcial de sociedade para a

apuração dos haveres do sócio e depósito do valor devido ao credor.

Contudo, não foi essa a solução adotada. Pelo texto do código, uma vez

decretada a penhora, a sociedade deve ser intimada, nos termos do art. 876, §7º, sendo

dever do exequente requerer e pagar pela intimação, nos termos do art. 799, VII.

O juiz determinará que cumpra o art. 861, que, ao não utilizar conectores entre

os incisos, não estabelece nenhuma ordem cronológica entre as 3 obrigações ali contidas:

(I) apresentar balanço especial, na forma da lei; (II) oferecer as quotas aos demais sócios,

observado o direito de preferência; e (III) a liquidação e depósito dos haveres apurados,

128

quando não houver interesse na aquisição das quotas pelos demais sócios ou pela

sociedade (§1º).

A primeira crítica: o balanço especial, a ser levantado “na forma da lei”, o que,

como já se viu na seção 2.3 deste Capítulo, é inútil tanto para a finalidade da execução

dos lucros que correspondam às quotas quanto para a apuração dos haveres. Serve apenas

para apontar a situação patrimonial e o montante de sobras no resultado do exercício até

o momento da apuração do balanço, que podem se tornar lucros no momento em que

determinar o contrato social para a sua distribuição. O balanço a ser realizado e

apresentado é o de determinação.

A segunda crítica: os §4º e 5º dependem de que o juiz considere a liquidação

“excessivamente onerosa”, estabelecendo o §4º parâmetros objetivos para tanto. A menos

que a sociedade seja extremamente lucrativa, o montante dos haveres geralmente superará

o valor do saldo de lucros ou reservas, já que representa uma parcela de todo o patrimônio

e valor acumulado pela sociedade ao longo da sua existência. Além disso, a não ser que

o sócio possua fração muito pequena do capital, também é corriqueiro que a liquidação

de seus haveres coloque em risco a estabilidade financeira da sociedade.

Assim sendo, o próprio código mina efetividade de suas provisões. A alternativa

que propõe, contudo, parece ser ainda mais gravosa: conforme aponta RIBEIRO (2005,

p. 256) o exequente não pode ser automaticamente admitido em qualquer sociedade

intuito personae, dependendo sempre de deliberação social que admita unanimemente o

seu ingresso, nos termos dos artigos 997, I; 999 e 1.003 CC/2002, ou, ao menos, a não

oposição de titulares de no mínimo um quarto do capital, nos termos do art. 1.057,

CC/2002. A mesma lógica se aplica ao leilão judicial previsto pelo §5º do art. 861,

CPC/2015.

Por essa razão, a própria utilização do termo “penhora” não é apropriada,

segundo o art. 797 do CPC/2015, que esclarece que pela penhora o exequente adquire o

direito de preferência sobre os bens penhorados. É evidente que o exequente não adquire

direito de preferência algum sobre as quotas penhoradas, já que o próprio art. 861, II

dispõe que as quotas devem ser oferecidas aos sócios, observando o direito de preferência

legal ou contratual.

Não se trata, portanto, de uma penhora das quotas, propriamente dita, mas sim

dos haveres correspondentes a elas, seguindo a corrente descrita por RIBEIRO (2005, p.

129

255). Por essa razão, todo o foco do artigo é para a liquidação, não mencionando a

percepção dos lucros, nem mesmo para apontar que deve-se seguir as normas para a

penhora de frutos e rendimentos de bens móveis e imóveis (artigos 867 a 869, CPC/2015),

tal como faz o art. 866, §3º para a penhora de percentual de faturamento de empresa.

Cabe aqui ressaltar que o emprego do art. 866, CPC/2015 não é cabível. A

empresa é da sociedade, não do sócio, de modo que a penhora do percentual do

faturamento dependeria de desconsideração reversa da personalidade jurídica, que, além

de configurar um passo desnecessário, nos termos do art. 1.026, caput, CC/2002,

dificultaria ao credor particular do sócio a satisfação do seu crédito. Ademais, “percentual

de faturamento de empresa”, como previsto no art. 866 não corresponde a lucros, mas ao

faturamento bruto.

Não bastassem essas críticas, o §3º do art. 861 prevê que, a requerimento do

exequente ou da sociedade, poderá ser nomeado administrador, cuja função é submeter à

aprovação judicial a forma de liquidação das quotas ou ações penhoradas. São muitos os

problemas com essa disposição.

Ainda que fizesse sentido afastar o sócio devedor da administração da sociedade,

a administração judicial não tem propósito, visto que o administrador externo

representaria apenas um custo para as partes do processo, que deverão pagar os honorários

do administrador, a não ser no caso em que a sociedade o requeira. O administrador não

deve ter poderes para administrar a sociedade, propriamente, mas apenas para apresentar

um plano de liquidação dos haveres, sob pena de se realizar uma intervenção muito

gravosa na sociedade sem qualquer previsão legal.

A todo momento se fala em liquidação, mas jamais na apuração dos haveres. De

fronte, surgem duas possíveis interpretações: (a) ou o oficial de justiça que intimar a

sociedade é o responsável pela avaliação do valor das quotas, nos termos do art. 870,

CPC/2015, devendo ser nomeado avaliador, caso o oficial não se considere capaz para tal

avaliação sem que, para isso, se considere necessariamente os critérios previstos para a

dissolução parcial de sociedade; (b) ou o código pretende que a sociedade, no prazo

determinado pelo juiz, formule o balanço de determinação e deposite em juízo os haveres,

sem haver qualquer fase em que se possa impugnar a apuração realizada.

Sendo o primeiro caso, então o balanço de determinação a ser realizado pela

sociedade é inútil, mas as partes dispõem da possibilidade do art. 873 para impugnar a

130

avaliação realizada pelo oficial de justiça ou avaliador, conforme os critérios definidos

pelo juiz ou, na ausência de definição, que ele próprio julgar mais convenientes. Não há,

no art. 873, forma para a própria sociedade impugnar a avaliação, já que não é parte na

execução.

Sendo o segundo caso, então não há momento em que o credor ou o devedor

possam impugnar o valor dos haveres, visto que o artigo não estabelece que a sociedade

deva apresentar o balanço antes do pagamento dos valores, o que incentiva o pedido de

administração judicial.

Caso não estejam satisfeitos com estes valores, poderão buscar a modificação

desse valor apenas através de ação própria, já que a sociedade não é parte da execução. O

sócio (ou ex-sócio, nesse momento) poderá propor ação de dissolução parcial da

sociedade para a apuração dos haveres; o credor, por outro lado, não possuindo

legitimidade para a propositura, só poderá promover ação de ressarcimento de

enriquecimento sem causa em face da sociedade.

Tendo em conta que ambas as opções são ruins e não favorecem nem à economia

processual nem à eficácia dos provimentos jurisdicionais, é imprescindível interpretar o

artigo de maneira sistêmica, considerando todo o CPC/2015 e não apenas a fase

executória.

Para corrigir os problemas criados pela má dicção legal, basta que o juiz

determine que a sociedade, inicialmente, apresente balanço de determinação, nos termos

do art. 604, CPC/2015, fixando a data como a data da publicação da decisão de penhora,

o critério do contrato social, que deve também ser juntado, de forma consolidada, pela

sociedade como anexo ao balanço, utilizando-se, na sua ausência, o critério do art. 606 e

nomeando perito-avaliador para a avaliação, nos termos do art. 870, parágrafo único, lido

conjuntamente com o art. 604, III.

Dentro do prazo estabelecido pelo juiz, a sociedade pode apresentar petição

requerendo a dilação do prazo prevista pelo §4º ou informando que não houve o interesse

na aquisição das quotas e que a liquidação seria excessivamente onerosa, nos termos do

§5º; assim como pode pedir a nomeação de administrador judicial. O juiz então deve

decidir se procede com a liquidação ou se determina o leilão.

131

Procedendo com a liquidação ou não havendo essa petição, a sociedade deve

apresentar, antes de efetuar a liquidação dos haveres, o perito deverá apresentar o balanço

de determinação, que poderá ser impugnado pelas partes e pela sociedade, como terceira

interessada. A forma de recurso, como em qualquer execução, é o Agravo de Instrumento.

Por fim, caso não admita o credor ou o arrematante no leilão, não resta opção

senão a liquidação da quota da sociedade, passando o credor a ter a mesma posição que o

sócio teria, caso tivesse se retirado e, a sociedade, o papel de executada.

Ainda sobre o valor das quotas, cabe ressaltar que, com a devida vênia aos

ilustres membros da IV Jornada de Direito Civil, o enunciado de nº 386 é equivocado.

Lê-se:

Na apuração dos haveres do sócio devedor, por conseqüência da liquidação de

suas quotas na sociedade para pagamento ao seu credor (art. 1.026, parágrafo

único), não devem ser consideradas eventuais disposições contratuais

restritivas à determinação de seu valor.

Ora, se o credor está se satisfazendo no que o sócio devedor teria a receber nas

quotas, não faz sentido que se desconsidere qualquer cláusula do contrato social. Se assim

fosse, sócio que pretenda sair da sociedade daria suas quotas em garantia e não adimpliria

com a obrigação, tendo certeza que seus haveres assim seriam maiores do que se

simplesmente se retirasse da sociedade.

Ademais, erra o CPC/2015 ao não prever, no procedimento de penhora de

quotas, a preferência pela satisfação do credor nos lucros, com procedimento prévio em

que a sociedade informe os lucros que vem distribuindo periodicamente e sua previsão de

lucratividade no exercício corrente. Até mesmo a própria IV Jornada de Direito Civil, no

enunciado 387, reconhece a necessidade da menor lesividade à sociedade na execução:

“A opção entre fazer a execução recair sobre o que ao sócio couber no lucro da sociedade

ou sobre a parte que lhe tocar em dissolução orienta-se pelos princípios da menor

onerosidade e da função social da empresa”.

Contudo, a leitura conjunta de todo o artigo aponta uma ordem entre os incisos,

em que os dois primeiros correspondem a obrigações da companhia que devem ser

executadas em um primeiro momento, sendo seguidas pela possibilidade do parágrafo

primeiro para, então, proceder ao terceiro inciso. A falta de ordem e conectores que

apontem o momento processual de cada um destes atos prejudica a clareza da

compreensão, mas não é o único problema.

132

Por fim, sugere-se que seja feita alteração no texto do art. 861, passando a ter a

seguinte redação sugerida:

Art. 861. Tendo o credor direito sobre as quotas ou ações de sócio em sociedade

simples ou empresária ou não havendo outro meio mais eficaz para a efetivação do

crédito, diante da insuficiência de outros bens do devedor, o juiz deve decretar sua

penhora.

§1º Uma vez penhoradas as quotas ou ações, o sócio devedor fica afastado da

administração da sociedade.

§2º A sociedade será intimada da penhora e afastamento do sócio, sendo

determinado que apresente:

I - seu contrato ou estatuto social consolidado;

II - o último balanço aprovado, seja ordinário ou especial;

III – um resumo dos frutos e rendimentos pagos pela sociedade aos seus sócios

no último exercício e uma perspectiva da existência de novos frutos e rendimentos no

exercício atual.

§3º Ouvidas a sociedade e as partes, o juiz decidirá se converte a penhora das

quotas ou ações em penhora dos frutos e rendimentos de coisa móvel, ou se prossegue

com a decretação da dissolução parcial da sociedade, com a apuração e liquidação dos

haveres seguindo o disposto dos artigos 599 a 609, observando para tanto:

I – o direito do credor de ver seu crédito satisfeito;

II – o direito da sociedade de preservação da empresa.

§4º Tratando-se de sociedade anônima aberta ou de sociedade limitada com

regência supletiva da lei das sociedades por ações (Art. 1.053, parágrafo único da Lei

10.406 de 2002), as quotas ou ações serão adjudicadas ao exequente ou alienadas,

observado o disposto no art. 881, §2º.

§5º No caso do §3º, caso ocorra a recusa do adquirente de quotas de sociedade

limitada, procede-se com a apuração dos haveres e liquidação das quotas.

§6º Prosseguindo com a apuração dos haveres e liquidação das quotas, será

facultado à sociedade oferecer as quotas ou ações penhoradas aos demais sócios ou

adquiri-las ela mesma, caso os sócios não as desejem.

133

§7º Caso a sociedade, ainda que validamente intimada, não apresente a

documentação obrigatória ou, agindo com má-fé, crie obstáculos à penhora, será

determinada sua administração judicial até que finda a liquidação das quotas.

A dissolução total de sociedades não recebeu tratamento especial no CPC/2015.

O artigo 1.046, § 3º112, das Disposições finais e transitórias, determina que os processos

mencionados no artigo 1.218 do CPC/1973, dentre os quais se incluía, no inciso VII113, a

dissolução e liquidação das sociedades, passam a ser regidos pelo procedimento comum

até que lei específica lhes incorpore114.

Dessa forma, todas as ações que busquem a dissolução total de qualquer

sociedade, seja de pessoas ou de capitais, segue-se o rito comum. A petição inicial deverá

declinar as razões que ensejam a dissolução judicial ou pelas quais não foi possível

realizar a dissolução extrajudicial, sendo necessária a intervenção judicial.

A legitimidade ativa para a propositura da ação depende da razão para a

dissolução, mas, em via de regra, será dos sócios ou acionistas que buscam a dissolução.

Há ainda a possibilidade da própria sociedade propor a ação de sua dissolução, quando

for necessária intervenção judicial e os sócios, por maioria, deliberarem por requerê-la; e

do Ministério Público requerer a dissolução, quando a lei lhe conferir essa incumbência.

Nos casos em que a sociedade não seja autora, é necessária sua presença no polo

passivo, em litisconsórcio necessário com os demais sócios da sociedade, em razão da

comunhão de direitos relativos à lide, nos termos do art. 113, I, CPC/2015. Os sócios

podem ser citados pessoalmente ou por qualquer outro meio admitido, tal como o edital.

112 Art. 1.046. Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos

pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. [...] § 3o Os processos mencionados

no art. 1.218 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, cujo procedimento ainda não tenha sido incorporado

por lei submetem-se ao procedimento comum previsto neste Código.

113 Art. 1.218. Continuam em vigor até serem incorporados nas leis especiais os procedimentos regulados

pelo Decreto-lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939, concernentes: [...] Vll - à dissolução e liquidação das

sociedades (arts. 655 a 674); [...]

114 Cabe a menção de que o único procedimento do CPC/1973 mantido pelo CPC/2015 foi o relativo à

insolvência, por força do artigo 1.052: “Até a edição de lei específica, as execuções contra devedor

insolvente, em curso ou que venham a ser propostas, permanecem reguladas pelo Livro II, Título IV, da

Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973”.

134

Seria útil a essa ação que, por analogia à lei de recuperações e falências e em

razão da dificuldade da citação de interessados incertos, como potenciais credores e

devedores da sociedade, fosse publicado edital, ainda que também fosse expedida citação

pessoal dos sócios ou, pelo menos, de sócios suficientes para a decisão da dissolução115.

A citação também pode, caso frustrada, pelas vias regulares, se dar em assembleia geral

da sociedade convocada com este fim, dando-se por hora certa e atingindo a todos os

sócios, que, pelo disposto no art. 1.072, §6º, CC/2002.

Após toda a fase inicial e de instrução, que decorre normalmente, o Juiz

sentenciará a ação, decretando ou não a dissolução. Caso o faça, a Sentença se reveste de

caráter constitutivo, pondo a sociedade imediatamente em dissolução a partir do trânsito

em julgado. A forma de impugnação desta decisão é a Apelação.

A assembleia ou o órgão ao qual competir tal ato deverá, então, nomear

liquidante, que seguirá as disposições legais e promoverá a liquidação de forma

extrajudicial, tendo em vista que não há necessidade de que tais atos ocorram em juízo, a

priori, como se depreende claramente dos artigos 1.036, parágrafo único do CC/2002 e

209 da LSA/1976, que não incluem a decretação judicial como causa para liquidação

judicial.

Caso a dissolução extrajudicial não seja bem-sucedida ou exista vontade de

qualquer dos sócios, nos termos do art. 1.036, parágrafo único, CC/2002; ou ainda se os

acionistas administradores, ou a maioria dos acionistas assim decidir, deve-se prosseguir

com a liquidação judicial, nos mesmos autos, poupando nova jornada citatória e

aproveitando a fase instrutória. O Juiz então deverá dar cumprimento ao disposto no

Código Civil de 2002 para as sociedades de pessoas e ao incluso na Lei das Sociedades

por Ações de 1976, para as sociedades de capitais. O liquidante prestará suas contas em

juízo e a forma de impugnação nesta fase, que equivale à liquidação de Sentença e

execução, é o Agravo de Instrumento.

Nessa fase ainda é possível que os credores interessados se habilitem no processo

para promoverem a execução do que lhes couber, devendo o liquidante levar tais créditos

115 Nas sociedades anônimas, pelo menos metade do capital com direito de voto ou quórum superior exigido

pelo estatuto, nos termos do art. 136, LSA/1976; nas sociedades de pessoas contratada por tempo

indeterminado, a maioria absoluta dos sócios, nos termos do art. 1.033, III, CC/2002; ou, nas sociedades de

pessoas contratadas por tempo determinado, a unanimidade dos sócios, conforme o art. 1.033, II, CC/2002.

135

em consideração. Caso necessário, o Juiz pode se valer de analogias com a lei de

recuperações e falências, evitando, contudo, os trechos que punem os sócios, já que na

dissolução não-falimentar não há, a priori, razão para qualquer punição do sócio.

Caso antes do trânsito em julgado da ação seja decretada a falência da sociedade

que requereu sua própria liquidação judicial, deve-se sentenciar a ação sem resolução de

mérito por preclusão lógico-consumativa do pedido, possivelmente remetendo os autos

ao juízo falimentar para que se apense e facilite a instrução.

Com relação às sociedades heterotípicas, não há qualquer diferença na

dissolução total de sociedades. O que enseja a possibilidade de aplicar normas de outro

tipo societário a determinadas sociedades é a natureza de sua operação e a ausência de

normas específicas para a proteção dos bens jurídicos que se pretende proteger em

sociedades com uma operação de natureza estável ou instável. Assim, havendo

regramento próprio completo e não prejudicial, não há porque tomar emprestado o

regramento de outro tipo.

136

CONCLUSÃO

Esta dissertação se propôs ao estudo do instituto da dissolução parcial de

sociedades anônimas heterotípicas, buscando identificar o fenômeno da heterotipia, seus

limites e uma forma objetiva para testar sua existência em uma sociedade. Em seguida,

estudou-se o Código de Processo Civil de 2015 para verificar sua incidência à dissolução

parcial das sociedades anônimas.

As sociedades anônimas heterotípicas nasceram pelo aperfeiçoamento da

jurisprudência, apresentada ao Capítulo 2, em que por décadas construiu a dissolução

parcial a partir da vedação à dissolução das sociedades e do princípio da preservação da

empresa. Os primeiros casos de permissão judicial para a dissolução parcial de uma

sociedade anônima foram conversões de ações de dissolução total de sociedades

anônimas fechadas.

Quase simultaneamente, casos que questionavam essa possibilidade de

dissolução diretamente, em razão do intuito personalista e da falta de vontade em

permanecer associado aproveitaram esses primeiros precedentes e consolidaram o

instituto da dissolução parcial de sociedade anônima fechada intuito personae, ou, como

se adotou nesse trabalho, heterotípicas.

Dessa forma, a construção da heterotipia foi um atendimento à necessidade do

mercado. As sociedades não poderiam ser encerradas, dissolvidas e liquidadas apenas

porque um de seus sócios não mais desejavam permanecer na sociedade, ainda mais

quando suas características reais impediam a existência de mercado secundário, tendo

uma situação fática muito próxima das sociedades de pessoas, em que o CC/2002

autorizou a dissolução parcial.

A heterotipia, portanto, reflete um problema dos tipos societários atuais. Até o

presente momento não houve uma reflexão legislativa sobre a real necessidade e as

demandas dos empresários na constituição de suas sociedades. Os tipos societários são o

reflexo do desenvolvimento ao longo do tempo dos tipos que hoje existem e, quando não

atendem os interesses dos empresários, levam a situações em que se busca um hibridismo.

137

É por esta razão que se cunhou um quadro-teste para a definição de quando uma

sociedade se encontra em heterotipia, partindo do tipo societário para as características

do pacto social e, por fim, circunstâncias da operação da sociedade para concluir pela

heterotipia ou não e pelas características modificadas por esses traços. Apresentou-se,

também, uma descrição das características e do funcionamento da sociedade anônima

heterotípica, destacando as três formas de sua manifestação: (1) a adoção de posturas que

valorizem a atuação dos acionistas de forma a torna-lo, temporariamente, essencial à

companhia, caracterizando um intuito personalista na sociedade; (2) a existência de

instabilidade no vínculo societário pela adoção de regras ou atitudes específicas que

prevejam um recesso imotivado; (3) a operação da sociedade de forma a valorizar o

vínculo pessoal dos acionistas, e não a gestão despersonalizada dos bens, causando a

cumulação das duas outras condições, existindo tanto uma instabilidade quanto um viés

personalista.

Para compreender melhor o funcionamento da dissolução parcial, estudou-se a

forma pela qual funcionam o recesso e a retirada nas sociedades de pessoas e de capitais,

bem como a forma e os fundamentos empregados pela jurisprudência de referência que

permitiu a dissolução parcial de sociedade anônima heterotípica. Concluiu-se que a partir

do ponto em que se declare a característica heterotípica da sociedade, passa a incidir uma

série de características que podem variar de limitações transitórias à circulação das ações

até a aplicabilidade extraordinária do direito de recesso imotivado próprio das sociedades

de pessoas, instabilizando o vínculo societário.

O §2º do art. 599 do CPC/2015, ao guardar relação direta com o art. 206, II, b da

LSA/1976, pode levar a interpretações mais restritivas do que o permissivo consolidado

através da jurisprudência dos tribunais superiores. Quando se criou a possibilidade de

dissolução judicial das sociedades anônimas heterotípicas em razão de retirada por quebra

da affectio societatis também se estabeleceu a possibilidade de que essas sociedades

sejam diretamente parcialmente dissolvidas, não sendo necessária a conversão de ação de

dissolução total em parcial, como foram os primeiros precedentes. A interpretação do

caput e seus incisos, juntamente da jurisprudência dominante, contudo, leva à

compreensão de que o capítulo se aplica inteiramente à dissolução parcial dessas

sociedades, ainda sendo possível a conversão da dissolução total em parcial, nos termos

do supramencionado parágrafo.

138

Assim sendo, a ação judicial para a dissolução parcial de sociedade anônima

heterotípica segue, em regra, a mesma norma que a destinada às sociedades de pessoas.

A grande diferença se dá na fase de liquidação dos haveres, em que as normas da

LSA/1976 se aplicam, apesar de terem se aplicado as normas do CC/2002 para determinar

a dissolução.

De mesma sorte rege-se a ação de dissolução total de sociedade, que deve seguir

as normas atinentes ao tipo da sociedade que se busca dissolver, não havendo razão na

heterotipia para que se aplique regra cunhada para outra sociedade quando existente regra

própria capaz de resolver a questão.

Ao fim ao cabo, as sociedades anônimas heterotípicas ainda são sociedades

anônimas. A elas se aplica, extraordinariamente, normas previstas para outro tipo

societário como forma de preservação máxima dos bens jurídicos constitucionalmente

protegidos da preservação da empresa e do livre-mercado, viabilizando para essas

sociedades, que não dispõem de mercado secundário, o desinvestimento.

139

REFERÊNCIAS

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processo civil de 1939 sob o prisma terminológico Revista da PGM de Fortaleza/CE,

ano 08, vol. 09, 2001. Disponível em:

<http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/9201-9200-1-PB.pdf> ou

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PB.pdf&gws_rd=cr&dcr=0&ei=O2K7WfXdJsL4wgTM04Zw>. Acesso em:

15/09/2017.

148

YARSHELL, Flávio Luiz; MATOS, Felipe do Amaral. O Procedimento Especial de

Dissolução (Parcial) de Sociedade no Projeto de CPC. In: YARSHELL, Flávio Luiz;

PEREIRA, Guilherme Setoguti J. Processo Societário. São Paulo: Quartier Latin. 2012

ZANINI, Carlos Klein. A Dissolução Judicial da Sociedade Anônima. 1ª Edição. Rio

de Janeiro: Forense. 2005.

ZILVETI, Ana Marta Cattani de Barros. Dissolução Parcial de Sociedade Anônima – O

caso Luiz Kirchner. In: FINKELSTEIN, Maria Eugênia Reis; PROENÇA, José Marcelo

Martins Proença. Direito Societário: sociedades anônimas (Série GVlaw). 2ª Edição.

São Paulo: Saraiva. 2011.

149

Apêndice 1 -Quadro-teste para a definição das características da

sociedade e da heterotipia

TABELA 1 – QUADRO-TESTE PARA DEFINIÇÃO DAS

CARACTERÍSTICAS DA SOCIEDADE E DA HETEROTIPIA

Pergunta inicial: Qual é o tipo societário adotado?

# Hipótese Consequência

1 A sociedade é Simples, em nome

coletivo ou comandita simples

A sociedade é contratual e personalista.

Ir para a Pergunta 1

2 A sociedade é Anônima fechada ou em

comandita por ações

A sociedade é institucional, de capitais.

Ir para a Pergunta 2

3 A sociedade é Limitada A sociedade é contratual.

Ir para a Pergunta 3

4 A sociedade é Anônima aberta A sociedade é institucional, de capitais e de

vínculo estável. Não se admite qualquer

cláusula que modifique essas características,

devendo ser considerada não escrita. O

Estatuto pode estabelecer outras hipóteses

ou remédios para que minoritários sejam

protegidos, mas não facultar-lhes retirada

imotivada a qualquer tempo.

Pergunta 1: A sociedade da hipótese 1 foi contratada por tempo determinado ou

indeterminado?

1.1 A sociedade da hipótese 1 foi contratada

por tempo determinado

A sociedade, além de contratual e

personalista, é de vínculo estável.

Ir para a pergunta 6.

1.2 A sociedade da hipótese 1 foi contratada

por tempo indeterminado

A sociedade, além de contratual e

personalista, é de vínculo instável.

Ir para a pergunta 6.

Pergunta 2: A sociedade da hipótese 2 possui regência supletiva pelo Código Civil?

2.1 A sociedade da hipótese 2 possui

regência supletiva pelo Código Civil

A sociedade, apesar de institucional e de

capitais, possui vínculo excepcionalmente

instável, sendo heterotípica.

Ir para a pergunta 7.

2.2 A sociedade da hipótese 2 não possui

regência supletiva pelo Código Civil

A sociedade é institucional, de capitais e

possui vínculo estável.

Ir para a pergunta 7.

150

Pergunta 3: A sociedade da hipótese 3 permite a alienação da participação societária

sem anuência prévia?

3.1 A sociedade da hipótese 3 permite a

alienação

A sociedade é contratual e de capitais.

Ir para a pergunta 4.

3.2 A sociedade da hipótese 3 não permite a

alienação

A sociedade é contratual e personalista.

Ir para a pergunta 4.

Pergunta 4: A sociedade da pergunta 3 possui regência pela LSA?

4.1 A sociedade da hipótese 3.1 possui

regência pela LSA.

A sociedade é contratual, de capitais e

possui vínculo estável.

Ir para a pergunta 8.

4.2 A sociedade da hipótese 3.1 não possui

regência pela LSA.

A sociedade é contratual e de capitais.

Ir para a pergunta 5.

4.3 A sociedade da hipótese 3.2 possui

regência pela LSA

A sociedade é contratual, personalista e

possui vínculo estável.

Ir para a pergunta 8.

4.4 A sociedade da hipótese 3.2 não possui

regência pela LSA

A sociedade é contratual, personalista.

Ir para a pergunta 5.

Pergunta 5: A sociedade da pergunta 4 foi contratada por tempo determinado ou

indeterminado?

5.1 A sociedade da hipótese 4.2 foi

contratada por tempo determinado

A sociedade é contratual, de capitais e

possui vínculo estável.

Ir para a pergunta 8.

5.2 A sociedade da hipótese 4.2 foi

contratada por tempo indeterminado

A sociedade é contratual, de capitais e

possui vínculo instável.

Ir para a pergunta 8.

5.3 A sociedade da hipótese 4.4 foi

contratada por tempo determinado

A sociedade é contratual, personalista e

possui vínculo estável.

Ir para a pergunta 8.

5.4 A sociedade da hipótese 4.4 foi

contratada por tempo indeterminado

A sociedade é contratual, personalista e

possui vínculo instável.

Ir para a pergunta 8.

Pergunta 6: A sociedade da pergunta 1 possui alguma das seguintes características?

(não excludentes)

6.1 A sociedade não possui nenhuma das

características.

A sociedade não é heterotípica.

6.2 A sociedade da pergunta 1, nos termos

do art. 44, §2° c/c 58 do CC/2002,

apresenta algum impedimento ao

exercício do direito de retirada previsto

pelo art. 1.029.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

de estabilidade.

(Continua na próxima página)

151

6.3 A sociedade da pergunta 1, nos termos

do art. 44, §2° c/c 56, caput e parágrafo

único do CC/2002, apresenta alguma

permissão para a alienação da

participação societária ou seu exercício

por terceiros sem a necessidade de

aprovação prévia e casuística.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

capitalista.

Pergunta 7: A sociedade da pergunta 2 possui alguma das seguintes características?

(não excludentes)

7.1 A sociedade não possui nenhuma das

características.

A sociedade não é heterotípica.

7.2 A sociedade possui acionistas que não

partilham da lógica personalista, tais

como sociedades de investimento ou

acionistas desconhecidos.

Deve-se considerar não escrita qualquer

cláusula estatutária que dê viés personalista

à sociedade. A sociedade pode ser

heterotípica quanto à instabilidade, caso

haja razão para tanto.

7.3 A sociedade da hipótese 2.1, em seu

estatuto, dispõe sobre o nome ou

características pessoais de todos os

sócios.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

personalista e de instabilidade.

7.4 A sociedade da hipótese 2.2, em seu

estatuto, dispõe sobre nome ou

características pessoais dos sócios.

Consideram-se não escritos os nomes,

diante do viés capitalista, sendo válidos os

registros de titularidade cabíveis (livro de

“Registro de Ações Nominativas” ou da

instituição depositária das ações escriturais)

7.5 A sociedade da pergunta 2, no estatuto

ou em acordo de acionistas, impõe

limites à circulação de ações para

preservar o controle ou características

pessoais dos acionistas da sociedade.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

personalista e de instabilidade.

7.6 A sociedade da hipótese 2.2, no estatuto

ou em acordo de acionistas, impõe

limitações à circulação de ações, nos

termos do art. 36 da LSA/1976, tais

como o direito de preferência de outros

acionistas.

A sociedade não é heterotípica.

7.7 A sociedade da hipótese 2.2, em seu

estatuto, permite retirada imotivada de

acionista oponível à sociedade para a

apuração de seus haveres.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

de instabilidade.

7.8 A sociedade da pergunta 2 é operada de

forma a valorizar a atuação pessoal de

todos os acionistas em detrimento dos

órgãos sociais institucionais.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

personalista.

(Continua na próxima página)

152

7.9 A sociedade da pergunta 2 é

administrada por todos os seus

acionistas, seja através da participação

no conselho de administração, ou em

diretorias, ou em ambos.

A sociedade é heterotípica, possuindo viés

personalista.

Pergunta 8: A sociedade das perguntas 4 ou 5 possui alguma das seguintes

características? (não excludentes)

8.1 A sociedade não possui nenhuma das

características.

A sociedade não é heterotípica.

8.2 A sociedade das hipóteses 4.1, 5.1 ou

5.2 apresenta alguma limitação à

alienação da participação societária.

A sociedade não é heterotípica, apenas

possui restrições em seu viés capitalista.

8.3 A sociedade das hipóteses 4.1, 4.3, 5.1

ou 5.3 permite a retirada imotivada de

sócio, oponível à sociedade para a

apuração de seus haveres.

A sociedade não é heterotípica, mas deve

ser classificada como instável.

8.4 A sociedade das hipóteses 4.3, 5.3 ou

5.4 permite, em algum caso

determinado, a supressão da autorização

para a alienação da participação

societária.

A sociedade não é heterotípica, visto que os

sócios concordaram com essa possibilidade

de substituição, o que se incorporou à

característica personalista da sociedade.

8.5 A sociedade das hipóteses 5.2 ou 5.4

apresentar alguma restrição ao exercício

do direito de retirada

A sociedade não é heterotípica, mas deve

ser classificada como estável

153

Apêndice 2 – Quadro comparativo entre a sugestão original e o texto

final do rito da ação de dissolução parcial de sociedade no CPC/2015

Tabela 02 – Comparativo entre sugestão original e texto final do

Código de Processo Civil de 2015

# Original Aprovado

1 CAPÍTULO X - DA AÇÃO DE

DISSOLUÇÃO PARCIAL DE

SOCIEDADE

Art. 653. A ação de dissolução parcial

de sociedade pode ter por objeto:

I - a resolução da sociedade empresária

contratual ou simples em relação ao

sócio falecido, excluído ou que exerceu

o direito de retirada ou recesso; e

II - a apuração dos haveres do sócio

falecido, excluído ou que exerceu o

direito de retirada ou recesso; ou

III - somente a resolução ou a apuração

de haveres.

CAPÍTULO V - DA AÇÃO DE

DISSOLUÇÃO PARCIAL DE

SOCIEDADE

Art. 599. A ação de dissolução parcial

de sociedade pode ter por objeto:

I - a resolução da sociedade empresária

contratual ou simples em relação ao

sócio falecido, excluído ou que exerceu

o direito de retirada ou recesso; e

II - a apuração dos haveres do sócio

falecido, excluído ou que exerceu o

direito de retirada ou recesso; ou

III - somente a resolução ou a apuração

de haveres.

2 § 1º. Aplica-se ao rito previsto neste

Capítulo, no que não o contrariar, o

disposto no Título I do Livro II.

Correspondência com o Art. 603, §2º.

3 § 2º O autor exibirá na petição inicial o

contrato social.

§ 1o A petição inicial será

necessariamente instruída com o

contrato social consolidado.

4 § 3º. São contratuais as sociedades

empresárias dos tipos limitada, em

nome coletivo e em comandita simples.

Sem correspondência

5 § 4º. A sociedade poderá, como autora

ou ré, formular pedido de indenização

compensável com o valor dos haveres a

apurar.

Correspondência no Art. 602.

(Continua na próxima página)

154

6 § 5º. O objeto da ação também poderá

ser apuração de deveres.

Sem correspondência.

7 Sem correspondência §2o A ação de dissolução parcial de

sociedade pode ter também por objeto a

sociedade anônima de capital fechado

quando demonstrado, por acionista ou

acionistas que representem cinco por

cento ou mais do capital social, que não

pode preencher o seu fim.

8 Art. 654. Quando o objeto da ação for a

resolução da sociedade empresária

contratual ou simples relação ao sócio

falecido, excluído ou que exerceu o

direito de retirada ou recesso, a ação

pode ser proposta

Art. 600. A ação pode ser proposta:

9 I - pelo espólio do sócio falecido,

quando a totalidade dos sucessores não

quer ingressar na sociedade;

II - pelos sucessores, após concluída a

partilha do sócio falecido;

III – pelos sócios sobreviventes, se não

querem o ingresso do espólio ou dos

sucessores do falecido na sociedade,

quando esse direito decorrer do

contrato social;

IV - pelo sócio que exerceu o direito de

retirada ou recesso, se não tiver sido

providenciada, pelos demais sócios, a

alteração contratual formalizando o

desligamento, depois de transcorridos

10 (dez) dias do exercício do direito;

V - pela sociedade, nos casos em que a

lei não autoriza a exclusão

extrajudicial; ou

VI - pelo sócio excluído.

I - pelo espólio do sócio falecido,

quando a totalidade dos sucessores não

ingressar na sociedade;

II - pelos sucessores, após concluída a

partilha do sócio falecido;

III - pela sociedade, se os sócios

sobreviventes não admitirem o ingresso

do espólio ou dos sucessores do falecido

na sociedade, quando esse direito

decorrer do contrato social;

IV - pelo sócio que exerceu o direito de

retirada ou recesso, se não tiver sido

providenciada, pelos demais sócios, a

alteração contratual consensual

formalizando o desligamento, depois de

transcorridos 10 (dez) dias do exercício

do direito;

V - pela sociedade, nos casos em que a

lei não autoriza a exclusão extrajudicial;

ou

VI - pelo sócio excluído.

(Continua na próxima página)

155

10 §1º Somente poderá ser proposta a ação

de dissolução parcial com o objeto

destinado à resolução da sociedade se o

autor demonstrar que esta não pôde se

operar por alteração do contrato social

em razão de divergência entre os sócios

Sem correspondência.

11 § 2º. O cônjuge ou companheiro do

sócio cujo casamento, união estável ou

convivência terminou poderá requerer

a apuração de seus haveres na

sociedade. Os haveres assim apurados

serão pagos à conta da quota social

titulada por este sócio.

Parágrafo único. O cônjuge ou

companheiro do sócio cujo casamento,

união estável ou convivência terminou

poderá requerer a apuração de seus

haveres na sociedade, que serão pagos à

conta da quota social titulada por este

sócio.

12 Sem correspondência. Parcialmente

previsto na proposta do IMAG.

§ 3º. A sociedade não precisa ser parte

na ação quando forem litigantes todos

os sócios, mas ficará, ainda assim,

sujeita aos efeitos da decisão.

Art. 601. Os sócios e a sociedade serão

citados para, no prazo de 15 (quinze)

dias, concordar com o pedido ou

apresentar contestação.

Parágrafo único. A sociedade não será

citada se todos os seus sócios o forem,

mas ficará sujeita aos efeitos da decisão

e à coisa julgada.

13 Correspondência no Art. 653, §2º. Art. 602. A sociedade poderá formular

pedido de indenização compensável

com o valor dos haveres a apurar.

14 Art. 655. Julgada procedente a ação, se

as partes não se compuserem

relativamente ao valor dos haveres ou

o critério de sua apuração, esta será

feita nos mesmos autos segundo o

disposto no artigo seguinte

Art. 603. Havendo manifestação

expressa e unânime pela concordância

da dissolução, o juiz a decretará,

passando-se imediatamente à fase de

liquidação.

15 Sem correspondência

Correspondência com o Art. 653, §1º

§ 1o Na hipótese prevista no caput, não

haverá condenação em honorários

advocatícios de nenhuma das partes, e

as custas serão rateadas segundo a

participação das partes no capital

social.

§ 2o Havendo contestação, observar-

se-á o procedimento comum, mas a

liquidação da sentença seguirá o

disposto neste Capítulo.

156

16 Art. 656. Ao mandar processar a ação

de dissolução cujo objeto é apenas a

apuração de haveres, o juiz proferirá

despacho em que:

I - fixará a data da resolução da

sociedade;

II – definirá, à vista do disposto no

contrato social, o critério de apuração

dos haveres; e

III - nomeará o perito.

Art. 604. Para apuração dos haveres, o

juiz:

I - fixará a data da resolução da

sociedade;

II - definirá o critério de apuração dos

haveres à vista do disposto no contrato

social; e

III - nomeará o perito.

17 Correspondência no Art. 660. § 1o O juiz determinará à sociedade ou

aos sócios que nela permanecerem que

depositem em juízo a parte

incontroversa dos haveres devidos.

§ 2o O depósito poderá ser, desde

logo, levantando pelo ex-sócio, pelo

espólio ou pelos sucessores.

§ 3o Se o contrato social estabelecer o

pagamento dos haveres, será observado

o que nele se dispôs no depósito

judicial da parte incontroversa.

18 Art. 657. A data da resolução da

sociedade será:

I - no caso de falecimento do sócio, a

do óbito;

II - na retirada imotivada (Código

Civil, art. 1.029, primeira parte), o 60º

(sexagésimo) dia seguinte ao do

recebimento, pela sociedade, da

notificação do sócio retirante;

III - no recesso (Código Civil, art.

1.077), o dia do recebimento, pela

sociedade, da notificação do sócio

dissidente;

Art. 605. A data da resolução da

sociedade será:

I - no caso de falecimento do sócio, a

do óbito;

II - na retirada imotivada, o sexagésimo

dia seguinte ao do recebimento, pela

sociedade, da notificação do sócio

retirante;

III - no recesso, o dia do recebimento,

pela sociedade, da notificação do sócio

dissidente;

(Célula continua abaixo)

157

18 IV - na retirada por justa causa de

sociedade por prazo determinado

(Código Civil, art. 1.029, in fine) e na

exclusão judicial de sócio (Código

Civil, art. 1.030), a do trânsito em

julgado da decisão.

Sem correspondência.

IV - na retirada por justa causa de

sociedade por prazo determinado e na

exclusão judicial de sócio, a do trânsito

em julgado da decisão que dissolver a

sociedade; e

V - na exclusão extrajudicial, a data da

assembleia ou da reunião de sócios que

a tiver deliberado.

19 Art. 658. Em caso de omissão do

contrato social, o juiz definirá, no

despacho que mandar processar a

ação, como critério de apuração de

haveres, o valor patrimonial apurado

em balanço de determinação (Código

Civil, art. 1.031), a ser levantado por

perito contabilista, pessoa física ou

jurídica, tomando-se por referência a

data da resolução e avaliando-se bens

e direitos do ativo, a preço de saída.

Parágrafo único. Também será

contabilista o perito se o contrato

social estabelecer como critério de

apuração de haveres o valor

patrimonial, contábil ou a data

presente; mas se o contrato social

estabelecer como critério o valor

econômico da sociedade ou outro

fundado em projeção de resultados

futuros, a nomeação recairá sobre

especialista, pessoa física ou jurídica,

em avaliação de sociedades.

Art. 606. Em caso de omissão do

contrato social, o juiz definirá, como

critério de apuração de haveres, o valor

patrimonial apurado em balanço de

determinação, tomando-se por

referência a data da resolução e

avaliando-se bens e direitos do ativo,

tangíveis e intangíveis, a preço de

saída, além do passivo também a ser

apurado de igual forma.

Parágrafo único. Em todos os casos em

que seja necessária a realização de

perícia, a nomeação do perito recairá

preferencialmente sobre especialista em

avaliação de sociedades.

20 Art. 659. A data da resolução e o

critério de apuração de haveres podem

ser revistos pelo juiz, a pedido da

parte, a qualquer tempo antes do início

da perícia.

Art. 607. A data da resolução e o

critério de apuração de haveres podem

ser revistos pelo juiz, a pedido da parte,

a qualquer tempo antes do início da

perícia.

(Continua na página abaixo)

158

21 Art. 660. A sociedade ou aos sócios

que nela permanecerem só podem

propor a ação de dissolução parcial

com objeto de apuração de haveres,

ou, não sendo os autores, responde-la,

depositando em juízo a parte

incontroversa dos haveres devidos.

§ 1º O depósito poderá ser, desde

logo, levantando pelo ex-sócio, pelo

espólio ou pelos sucessores.

§ 2º Se o contrato social estabelecer o

pagamento dos haveres, será

observado o que nele se dispôs no

depósito judicial da parte

incontroversa.

Correspondência no Art. 604.

22 Art. 661. Até a data da resolução,

integra o valor devido ao ex-sócio, ao

espólio ou aos sucessores a

participação nos lucros ou os juros

sobre o capital próprio declarados pela

sociedade e, se for o caso, a

remuneração como administrador (pro

labore).

Parágrafo único. Após a data da

resolução, o ex-sócio, o espólio ou os

sucessores terão direito apenas à

correção monetária dos valores

apurados e aos juros contratuais ou

legais.

Art. 608. Até a data da resolução,

integram o valor devido ao ex-sócio, ao

espólio ou aos sucessores a participação

nos lucros ou os juros sobre o capital

próprio declarados pela sociedade e, se

for o caso, a remuneração como

administrador.

Parágrafo único. Após a data da

resolução, o ex-sócio, o espólio ou os

sucessores terão direito apenas à

correção monetária dos valores

apurados e aos juros contratuais ou

legais.

23 Sem correspondência. Previsto na

proposta do IMAG

Art. 609. Uma vez apurados, os

haveres do sócio retirante serão pagos

conforme disciplinar o contrato social

e, no silêncio deste, nos termos do § 2o

do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de

janeiro de 2002 (Código Civil).

159

Apêndice 3 – Proposta de redação substitutiva ao artigo 861 do

CPC/2015: “Da Penhora de Quotas ou das Ações de Sociedades

Personificadas”

Art. 861. Tendo o credor direito sobre as quotas ou ações de sócio em sociedade simples

ou empresária ou não havendo outro meio mais eficaz para a efetivação do crédito, diante

da insuficiência de outros bens do devedor, o juiz deve decretar sua penhora.

§1º Uma vez penhoradas as quotas ou ações, o sócio devedor fica afastado da

administração da sociedade.

§2º A sociedade será intimada da penhora e afastamento do sócio, sendo

determinado que apresente:

I - seu contrato ou estatuto social consolidado;

II - o último balanço aprovado, seja ordinário ou especial;

III – um resumo dos frutos e rendimentos pagos pela sociedade aos seus

sócios no último exercício e uma perspectiva da existência de novos frutos e

rendimentos no exercício atual.

§3º Ouvidas a sociedade e as partes, o juiz decidirá se converte a penhora das

quotas ou ações em penhora dos frutos e rendimentos de coisa móvel, ou se

prossegue com a decretação da dissolução parcial da sociedade, com a apuração

e liquidação dos haveres seguindo o disposto dos artigos 599 a 609, observando

para tanto:

I – o direito do credor de ver seu crédito satisfeito;

II – o direito da sociedade de preservação da empresa.

§4º Tratando-se de sociedade anônima aberta ou de sociedade limitada com

regência supletiva da lei das sociedades por ações (Art. 1.053, parágrafo único

da Lei 10.406 de 2002), as quotas ou ações serão adjudicadas ao exequente ou

alienadas, observado o disposto no art. 881, §2º.

160

§5º No caso do §3º, caso ocorra a recusa do adquirente de quotas de sociedade

limitada, procede-se com a apuração dos haveres e liquidação das quotas.

§6º Prosseguindo com a apuração dos haveres e liquidação das quotas, será

facultado à sociedade oferecer as quotas ou ações penhoradas aos demais sócios

ou adquiri-las ela mesma, caso os sócios não as desejem.

§7º Caso a sociedade, ainda que validamente intimada, não apresente a

documentação obrigatória ou, agindo com má-fé, crie obstáculos à penhora, será

determinada sua administração judicial até que finda a liquidação das quotas.

161

Anexo 1 – Emenda ao Anteprojeto do Código de Processo Civil de

Fábio Ulhoa Coelho

Página intencionalmente em branco.

162

163

164

165

166

Anexo 2 – Proposta nº 25 do Institutos dos Advogados de Minas Gerais

para a previsão de procedimento para dissolução de sociedade e

exclusão de sócio

Página intencionalmente em branco

167

168