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Universidade de Brasília – UnB Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciência da Informação Documentação – FACE Departamento de Economia
MESTRADO EM GESTÃO ECONÔMICA DO MEIO AMBIENTE
“PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA: REALIDADE OU MITO? A EXPERIÊNCIA DO „ZEE PARTICIPATIVO‟ DO ACRE.”
RACHEL HELENA MESQUITA DE FARIAS
BRASÍLIA – DF 2010
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Universidade de Brasília – UnB Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Ciência da Informação Documentação – FACE Departamento de Economia
“PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA: REALIDADE OU MITO? A EXPERIÊNCIA DO „ZEE PARTICIPATIVO‟ DO ACRE.”
RACHEL HELENA MESQUITA DE FARIAS
Dissertação apresentada ao Departamento de Economia da Universidade de Brasília com requisito para obtenção do título de Mestre em Economia – Gestão Econômica do Meio Ambiente.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Madeira Nogueira
BRASÍLIA – DF JANEIRO – 2010
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RACHEL HELENA MESQUITA DE FARIAS
“PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA NA FORMULAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA: REALIDADE OU MITO? A EXPERIÊNCIA DO „ZEE
PARTICIPATIVO‟ DO ACRE.”
Dissertação aprovada como requisito para a obtenção do título de Mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente, do Programa de Pós-Graduação em Economia – Departamento de Economia da Universidade de Brasília, por intermédio do Centro de Estudos em Economia, Meio Ambiente e Agricultura (CEEMA). Comissão Examinadora formada pelos professores:
__________________________________________
Prof. Dr. Jorge Madeira Nogueira Departamento de Economia da UnB
__________________________________________
Prof. Dr. Pedro Henrique Zuchi da Conceição Departamento de Economia da UnB
__________________________________________
Prof. Dr. José Ribeiro Machado Neto Centro Integrado de Ordenamento Territorial –
CIORD/UnB
BRASÍLIA – DF JANEIRO – 2010
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ii
A Deus que me mostrou o caminho das pedras e das rosas
e ao trilhá-los eu só cresci intelectual e espiritualmente.
Ao Mário, meu companheiro, que me apoiou e incentivou
durante todo o curso.
Aos meus filhos Rafhael, Lucas e Pedro por existirem.
A minha irmã Carla Any e aos meus sobrinhos Fernanda e
Gabriel (in memoriam) que se foram no início do mestrado.
1
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Jorge Madeira Nogueira pela competente orientação e pelo tema da
dissertação, o qual me levou a um caminho que fez toda a diferença.
Ao Departamento de Economia da Universidade de Brasília, pela oportunidade de acesso
ao conhecimento, na pessoa de seus professores Jorge Madeira Nogueira, Pedro Zuchi,
Denise Imbroisi, Charles Mueller, Roberto Ellery, Bernardo Mueller e Jorge Madeira Júnior.
Ao Prof. Dr. Lucas Araújo Carvalho pelas sugestões como incentivo ao trilhar o caminho do
conhecimento.
À Prof. Drª. Verônica Passos pelo carinho e relevantes considerações sobre o trabalho.
Aos amigos de mestrado: Leulair Mendes, Omar Bravo, Roberto Freire, Fabrícia Jaber,
Lucicléia Ferreira e, particularmente, ao Antônio Eurípedes de Lima pelo continuado apoio
e ao nosso monitor de Métodos Quantitativos Muhamad Elkadi (Muka) pela dedicação.
À torcida das amigas que conquistei nessa trajetória: Regina Machado, Izabela Carvalho,
Rosângela Mathias.
À Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Acre por ter disponibilizado dados,
possibilitando o desenvolvimento do trabalho.
À Assembléia Legislativa do Estado do Estado do Acre pela minha liberação no período do
curso, propiciando sua realização.
À José Rui Lima e Idalina Onofre pelo apoio à realização da pesquisa de campo na
regional do Juruá e à Antônia Sales pelo incentivo.
A todos de minha família que compreenderam a minha ausência.
À minha mãe Zilma e ao meu pai Josias que começaram tudo isso.
iv
1
THE ROAD NOT TAKEN
“Two roads diverged in a yellow wood
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth
Then took the other, as just as fair
And having perhaps the better claim
Because it was grassy and wanted wear
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same
And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way
I doubted if I should ever come back
I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and
I took the one less traveled by
And that has made all the difference.
(ROBERT FROST)
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RESUMO
O objetivo deste estudo é a avaliação da participação comunitária no processo de elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre. O estudo foi desenvolvido por meio de análise, construída com base bibliográfica e complementada com pesquisa de campo, realizada em 4 (quatro) das 5 (cinco) regionais que dividem politicamente o Estado do Acre. Foram realizadas entrevistas em 8 (oito) dos 22 (vinte e dois) municípios que compõem o Estado, direcionadas aos agentes envolvidos no eixo cultural político, na segunda fase do ZEE-AC. Foram analisados ainda, o Documento Síntese do ZEE-AC, Fase II e Relatório das Oficinas Participativas (2006). Os resultados indicaram que o instrumento de política estudado é extremamente complexo e dinâmico, não permitindo, dessa forma, que a população tradicional intervenha na sua formulação sem que tenha apreendido seu real significado, para isso, seriam necessários tempo e ações políticas voltadas a esse fim. A pesquisa foi fundamentada na importância de capital social e empowerment (empoderamento), estabelecendo-os como eixo determinante para que a participação popular seja efetivada. Palavras-chave: Participação comunitária – população tradicional – ZEE – capital social – empoderamento.
vi
vii
ABSTRACT
The aim of this study is to assess community participation in the drafting of the Ecological-Economic Zoning of the State of Acre. The study was developed through analysis, built on literature and supplemented with field research, in 4 (four) of 5 (five) the regional political in which the State of Acre was divided. Interviews were carried out in 8 (eight) of the 22 (twenty-two) municipalities that comprise the State, directed to the responsible for elaboration the EEZ, the second phase of the EEZ-AC. Was analyzed also the Document Summary of EEZ-AC, stage II, and Report of Participatory Workshops in 2006. The results indicated that the instrument of policy analysis is extremely complex and dynamic, not allowing, thus, that the traditional population involved in its formulation without having learned its real meaning, therefore, would necessary time and political action aimed at this purpose. The research was based on the importance of social capital and empowerment, establishing them as the axis for determining that popular participation is effective. Keywords: Community participation - traditional population - EEZ – social capital - empowerment.
vii
viii
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Quadros comparativos da situação atual do ZEE no Brasil. ...................... 14
Figura 2. Mapa do Estado do Acre dividido em três departamentos ......................... 42
Figura 3. Mapa do Estado do Acre dividido por regionais ......................................... 46
Figura 4. Ocupação do território da zona 1, no Estado do Acre. ............................... 49
Figura 5. Ocupação do território da zona 2, no Estado do Acre. ............................... 50
Figura 6. Ocupação do território da zona 3, no Estado do Acre. ............................... 50
Figura 7. Ocupação do território da zona 4, no Estado do Acre. ............................... 51
Figura 8. Interligação entre capital social, empoderamento, participação. ................ 98
LISTA DE APÊNDICE
Apêndice 1 - Questionário aplicado aos técnicos e integrantes da CEZEE. ........... 110
Apêndice 2 – Questionário aplicado aos participantes das oficinas, com foco na
população tradicional. ............................................................................................. 113
LISTA DE QUADROS Quadro 1. Relação dos entrevistados ....................................................................... 57
Quadro 2 – Percepção dos entrevistados, dentre eles, membros da CEZEE, técnicos
executores do ZEE e „participantes‟ das oficinas. ..................................................... 83
viii
ix
LISTA DE ABREVIATURAS
AIA – Avaliação de Impacto Ambiental
AMAJ – Amigos das Águas do Juruá
AMOPREX – Associação de Moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes
ASAREAJ – Associação dos Seringueiros e Agricultores da Reserva Extrativista do Juruá
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BR – Brasil
CAEX – Cooperativa Agroextrativista de Xapuri
CCZEE – Comissão Coordenadora de Zoneamento Ecológico-Econômico
CEZEE – Comissão Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FAEAC – Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Acre
FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
GTZ – Cooperação Técnica Alemã
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IMAC – Instituto do Meio Ambiente do Acre
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MI – Ministério da Integração Nacional
MINTER – Ministério do Interior
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
OPIRJ – Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá
PPG7 – Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil
PEZEE – Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico
PMACI – Programa de Meio ambiente e Comunidades Indígenas
PNOT – Plano Nacional de Ordenamento Territorial
PRODEAGRO – Programa de Desenvolvimento do Agronegócio
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PROCERA – Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária
PPA – Plano Plurianual
PPG7 – Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil
SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos (da Presidência da República)
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SDS – Secretaria de Desenvolvimento Sustentável
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEMA – Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Acre
SEMAP – Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Pecuária
SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia
SNI – Serviço Nacional de Informação
STR – Sindicato dos Trabalhadores Rurais
UFAC – Universidade Federal do Acre
ZEE – Zoneamento Ecológico-Econômico
UNEP/PNUMA – United Nations Environment Programme/Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente.
x
xi
SUMÁRIO
RESUMO .................................................................................................................. VI
ABSTRACT ............................................................................................................. VII
LISTA DE FIGURAS ............................................................................................... VIII
LISTA DE QUADROS ............................................................................................. VIII
LISTA DE ABREVIATURAS .................................................................................... IX
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................... 4
Zoneamento como instrumento de política ambiental ................................................. 4
1.1 A longa história do zoneamento como política de ordenamento territorial ............ 4
1.2 O zoneamento como instrumento de política de meio ambiente .......................... 7
1.2.1 Aspectos econômicos do ZEE ...................................................................... 10
1.3 O ZEE: novidades e antiguidades ..................................................................... 13
1.3.1 Situação atual do ZEE ................................................................................. 14
1.4 Limitações do ZEE como instrumento de política ambiental .............................. 15
CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 21
A Participação na formulação de política ambiental .................................................. 21
2.1 A evolução da necessidade de participação em política ................................... 21
2.2 Razões favoráveis e desfavoráveis a uma política pública mais participativa ..... 25
2.3 Experiências participativas em política ambiental ............................................. 28
2.4 O caminho da participação e sua horizontalidade: capital social, empoderamento
e participação. ........................................................................................................... 29
2.4.1 Capital Social ............................................................................................... 30
2.4.2 Empoderamento (Empowerment) ................................................................ 33
2.4.3 Participação popular e conscientização política .......................................... 35
CAPÍTULO 3 ............................................................................................................. 40
O ZEE no Estado do Acre: condicionantes históricos e construção de um modelo. . 40
3.1. A origem do ZEE no Estado do Acre .................................................................. 40
3.2. O ZEE do Estado do Acre: formulação. ............................................................ 46
3.3 O desenvolvimento do ZEE participativo no Acre (acho que aqui tem elementos
do resultado da pesquisa, principalmente – p. 54) .................................................... 52
CAPÍTULO 4 ............................................................................................................. 56
xi
xii
Evidências de Participação no ZEE Participativo do Acre ......................................... 56
4.1 Aspectos metodológicos: ..................................................................................... 56
4.2 A percepção dos técnicos e integrantes da CEZEE ............................................ 60
4.3 A percepção dos participantes das oficinas, em especial a população tradicional.
.................................................................................................................................. 68
4.4 Comparando percepções .................................................................................... 83
4.5 Frutos da experiência participativa acreana com o ZEE ..................................... 96
CAPÍTULO 5 ........................................................................................................... 100
CONCLUSÕES ....................................................................................................... 100
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 105
APÊNDICES ........................................................................................................... 109
1
INTRODUÇÃO
Este estudo tem por objetivo principal estudar a participação comunitária
no processo de elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do
Acre – ZEE-AC, enfatizando a relevância na interligação dos conceitos de
capital social e empoderamento em uma efetiva participação ao se implementar
um ZEE.
O cidadão precisa da oportunidade (fator externo) e da predisposição
(fator individual) para assimilar informação que lhe é transmitida e, dessa forma,
ser transformado em agente de mudanças de processos políticos e de
conquistas sociais. Nesse caso, a participação é definida como a capacidade de
interveniência, individual ou coletiva, em ações de política pública, possibilitada
pela apreensão da informação num processo de empoderamento.1
O zoneamento ecológico-econômico - ZEE é um instrumento da política
nacional do meio ambiente e de organização do território que tem por objetivo
geral organizar, de forma vinculada, as decisões dos agentes públicos e
privados quanto a planos, programas, projetos e atividades que, direta ou
indiretamente, utilizem recursos naturais. Na distribuição espacial das atividades
econômicas, o ZEE levará em conta a importância ecológica, as limitações e as
fragilidades dos ecossistemas, estabelecendo vedações, restrições e
alternativas de exploração do território. (Decreto Presidencial nº 4.297/2002).
Um instrumento de política capaz de alcançar tão relevantes objetivos
deve ter prioridade entre os propósitos do gestor público, qualquer que seja a
esfera de decisão que lhe compete (federal, estadual ou municipal). Não
surpreende, portanto, que o ZEE tem sido invocado como um instrumento
básico da política ambiental brasileira voltado para conservação de seus ricos e
diversificados biomas como Pantanal e Amazônia. No entanto, apesar da
difusão deste instrumento, o desmatamento na região não tem sido reduzido, a
depredação de recursos de sua biodiversidade não tem sido combatida em
definitivo e o uso perdulário dos recursos da natureza ainda é uma prática
corrente. Estes fatos e muitos outros têm estimulado críticas severas à eficácia
1 Empowerment (empoderamento, em uma tradução usual do inglês) dos cidadãos por meio do
fortalecimento do capital social, que se refere ao envolvimento dos indivíduos em atividades coletivas que geram benefícios em um espectro mais amplo (BAQUERO, 2003). Dessa forma, o indivíduo beneficia-se do capital social que lhe fornece forças para se empoderar efetivamente.
2
do ZEE como instrumento de política de meio ambiente. Além, evidentemente,
dos elevados custos associados à sua execução que na grande maioria das
vezes são proibitivos para as frágeis economias locais.
Alguns acreditam que essa ineficácia não é característica do ZEE em si,
mas sim, da maneira como ele tem sido desenhado e implementado na
Amazônia brasileira. Em especial, argumenta-se que a participação popular na
elaboração do ZEE seria essencial para o seu sucesso. Entre todos os ZEEs da
Amazônia, o do Estado do Acre (AC) é divulgado como se caracterizando pela
ampla participação popular em sua elaboração. Outros Estados da Federação
declaram o reduzido envolvimento de representantes de suas sociedades na
elaboração dos seus ZEEs. Mato Grosso e Rondônia, por exemplo,
desenvolveram ZEEs técnicos e não ZEEs participativos. Surge, então, uma
pergunta para uma pesquisa científica: será que diferentes intensidades de
envolvimento de uma determinada sociedade/comunidade influenciam na
eficácia do ZEE?
O ZEE-AC foi dividido em duas etapas. A Fase I compreendeu a
elaboração de diagnóstico e prognóstico nos eixos recursos naturais e sócio-
econômico, abrangendo a extensão total do Estado do Acre, com a elaboração
de produtos cartográficos básicos na escala de 1:1.000.000. A maior parte dos
trabalhos foi baseada em dados secundários, aproveitando e sistematizando
diversos estudos já realizados no Estado, o que possibilitou a sistematização de
informações que se encontravam dispersas, algumas delas há mais de 10 anos,
resultando em diversos indicativos à gestão territorial do Estado. Já a Fase II foi
marcada pela elaboração de um Mapa de Gestão Territorial, na escala de
1:250.000, construído a partir do cruzamento dos eixos recursos naturais, sócio-
econômico e cultural-político, que também contaram com um conjunto de
estudos de diagnóstico e prognóstico.
A pesquisa visou avaliar a “participação comunitária” nas oficinas
participativas, no eixo cultural político, no processo de elaboração do
Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado do Acre e medir a relevância dos
termos capital social e empoderamento, participação e sua interligação.
Procurou-se, também, avaliar a influência da população na transformação do
conceito de “tomada de decisão” com a efetiva interveniência da comunidade
local, sabendo-se que essa interveniência social vem carregada de valores
3
culturais, sociais, morais, éticos, entre outros, que resultam na chamada
“subjetividade local”, o que deveria ser levado em consideração pelos
policymakers quando da implantação de políticas dirigidas a comunidades
locais.
Para relatar e analisar esta experiência, esta dissertação foi estruturada
em 5 capítulos, além da introdução. No capítulo I é abordada a história do ZEE
como política de ordenamento territorial desde a demarcação territorial natural,
que se inicia paralelamente à formação das sociedades a uma época onde se
utiliza tecnologias avançadas e há concepção renovada sobre os recursos
naturais e as possibilidades do envolvimento da sociedade visando o
desenvolvimento sustentável.
O capítulo II trata da participação popular na formulação de política
ambiental como novo paradigma de gestão das políticas públicas, promovendo a
descentralização das decisões e ampliando o espaço da participação da
sociedade, buscando atestar um processo de desenvolvimento de consciência
crítica como conseqüência da conquista de poder advinda da informação
internalizada no período de elaboração do ZEE-AC. No capítulo III compreende
a construção de um modelo e descritas origens e evolução do ZEE-AC, onde
também ficou clara a necessidade do envolvimento da sociedade, desde a
primeira fase, no processo de elaboração do ZEE-AC. No capítulo IV aborda os
procedimentos metodológicos do estudo, analisa-se também o ZEE no Acre
como exemplo de participação popular, abordando a necessidade de elaboração
de um ZEE-AC como instrumento participativo de planejamento e gestão
territorial, com fim primordial de subsidiar a formulação de política pública.
Finalmente, o capítulo V apresenta as conclusões do trabalho.
4
CAPÍTULO 1
Zoneamento como instrumento de política ambiental
1.1 A longa história do zoneamento como política de ordenamento territorial
O zoneamento é um instrumento de ação há muito utilizado pelo poder
público e pelos agentes privados para ordenar a ação do homem sobre a
natureza. “É um instrumento de dupla face: técnica, referente à informação
precisa sobre o território; e política, referente à negociação entre atores. É
crucial para otimizar o uso do território e a integração das políticas públicas no
espaço, constituindo-se como o fundamento do planejamento das diferenças”
(BECKER; EGLER, 1997, p. 7).
A partir do início da década de 1980 do século XX, o IBGE desenvolveu
trabalhos nas áreas de diagnósticos integrados e zoneamentos (IBGE, 2000).
Esses trabalhos foram conduzidos, inicialmente, pela equipe do
RADAMBRASIL, um megaprojeto iniciado nos anos setenta para mapear
sistematicamente o país, incluindo uma avaliação do potencial dos recursos
naturais na região Amazônica. Desse esforço, foi gerada uma coletânea de
mapas temáticos e relatórios, com base em imagens de radar, que pode ser
considerada ponto de partida para o ZEE da Amazônia Legal.
Em 1980/1986 outra tradição, ligada ao planejamento agrícola, que já
executava zoneamentos desde os anos quarenta, passou também a conceber
zoneamentos agroecológicos, incorporando mais sistematicamente a vertente
ambiental e ecossistêmica. Foram acrescidos aos tradicionais estudos sobre
aptidão dos solos e potencial de uso, os diagnósticos edáficos e climáticos, a fim
de identificar as áreas mais adequadas para determinadas culturas. Tratava-se
nesse caso de um instrumento técnico, de caráter indicativo, para subsidiar o
agricultor em suas decisões de investimento, ou o setor público no que concerne
à concessão de créditos para a agricultura.
Ainda no início dos anos 80 do século passado, a Política Nacional do
Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) foi instituída, no Brasil, levando em
5
consideração, inicialmente, apenas o aspecto preservacionista. O zoneamento
ambiental é elencado como um de seus instrumentos. O termo posteriormente
evolui para Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE, com a prerrogativa de
englobar as questões social e econômica à ambiental (MMA, 2007).
O governo lançou, em 1988, o ZEE, no âmbito do programa "Nossa
Natureza", com o objetivo de disciplinar a ocupação e a exploração racionais da
Amazônia Legal, fundamentados no ordenamento territorial. Uma década
depois, o ZEE é visto como instrumento capaz de romper as posições
polarizadas, oferecendo oportunidades de crescimento econômico e uso dos
recursos naturais através da qualidade ambiental (MMA, 1996). O discurso
oficial incorporou um forte componente ambiental sem, porém, definir, por
exemplo, o que significava qualidade ambiental na prática. Daí para frente, a
maioria dos trabalhos segue a metodologia proposta pela SAE e pelo
Laboratório de Gestão Territorial da UFRJ. (MMA, 1996).
O Grupo de Trabalho, coordenado pela Secretaria de Assuntos
Estratégicos, compunha-se de representantes da Secretaria da Ciência e
Tecnologia, da Secretaria Nacional do Meio Ambiente, da Secretaria do
Desenvolvimento Regional e do Estado-Maior das Forças Armadas. Dentre suas
conclusões, foram recomendados trabalhos como o diagnóstico ambiental da
Amazônia Legal, o ZEE de áreas prioritárias e os estudos de casos em áreas
críticas e de relevante significado ecológico, social e econômico. O Grupo de
Trabalho recomendou a criação de uma Comissão Coordenadora com o objetivo
de orientar a execução do ZEE no território nacional.
A Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do
Território Nacional – CCZEE – foi criada pelo Decreto Presidencial nº
99.540/1990, da qual a SAE/PR tornou-se braço executivo na coordenação. Em
1991, Governo Federal, por meio da CCZEE e da SAE/PR, criou um Programa
de Zoneamento para a Amazônia Legal – PZEEAL –, que inicialmente
compreendia apenas a Amazônia Legal, teve, em 1992, sua abrangência
ampliada para todo o território nacional. O programa constatou, então, uma
diversidade de métodos, técnicas, conceitos e articulações institucionais entre
as iniciativas dos Estados de Rondônia, Mato Grosso, Pará, Acre e Tocantins na
elaboração dos primeiros zoneamentos em escala genérica de 1:1.000.000 e
dos zoneamentos agroecológicos em escala de maior detalhe.
6
Ainda em 1995, a SAE/PR atentou para a necessidade de definir mais
claramente os procedimentos para elaboração do ZEE. Essa necessidade foi
despertada pelos zoneamentos já em processo de execução na Amazônia Legal
e, principalmente, para orientar mais efetivamente as ações de zoneamento
inseridas no PPG7. Em parceria com a SCA, foram solicitadas, por meio de
convite, propostas de metodologia de zoneamento a diversos especialistas.
Foi eleita a proposta inicial do Laboratório de Gestão Territorial da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – LAGET/UFRJ –, cujo documento
preliminar foi posto em debate em setembro de 1995 pela SAE/PR, seguindo-se
de discussões com os representantes dos Estados da Amazônia Legal, em maio
de 1996. (MMA, Caderno de Referências, 2006.) A cronologia desse processo
deve ser ressaltada, uma vez que outros projetos de ZEE se encontravam em
adiantada execução, com a devida aprovação da SAE/PR. Essa nova orientação
metodológica, com a chancela da SAE/PR e da SCA/MMA, foi publicada
somente em 1997, no documento Detalhamento da Metodologia para Execução
do Zoneamento Ecológico-Econômico pelos Estados da Amazônia Legal (MMA,
1997).
O segundo Governo de Fernando Henrique Cardoso (1998 – 2002)
iniciou com uma reforma ministerial que provocou mudança de rumo na
realização do ZEE. Entretanto, a lentidão desse processo (cerca de 1 ano e
meio) mostrou o enraizamento de uma visão do ZEE historicamente vinculada à
doutrina de Segurança Nacional. A SAE/PR havia se transformado em uma
mega-organização que, sob o manto do planejamento estratégico e controle da
informação, abrigava desde os setores de inteligência - antigo Serviço Nacional
de Informações (SNI) – até projetos fronteiriços, o programa nuclear, projeção
de cenários. A Medida Provisória nº 1.795/1999 extinguiu a SAE/PR.
A Medida Provisória 1.911-8/1999 transferiu a responsabilidade pela
ordenação territorial para o Ministério da Integração Nacional e atribuiu ao
Ministério do Meio Ambiente a responsabilidade pelo ZEE. Essa atribuição foi
confirmada posteriormente, no governo Lula, pela Lei n° 10.683/2003. O ZEE
também passou a integrar o PPA 2000 – 2003, sob a denominação Programa
Zoneamento Ecológico-Econômico (MMA, 2006).
O mérito do MMA foi transformar o ZEE em um instrumento efetivo de
gestão do território, não obstante as contradições e incompreensões disto dentro
7
do próprio poder público. Até então, o ZEE era visto apenas como um
instrumento de ordenação do território, com uma perspectiva extremamente
normativa e mandatária, voltado para regulação, comando e controle. Sem
deixar de lado essa função, a gestão territorial é muito mais ampla, pois envolve
uma concepção renovada sobre os recursos naturais e as possibilidades de
desenvolvimento de maneira pactuada entre os agentes envolvidos. Por esse
modo, os recursos naturais passam a ser concebidos como ativos ambientais,
cuja proteção não é mero preservacionismo ou reserva de riquezas, mas uma
estratégia conservacionista para minimizar custos sociais e ambientais. Nesse
sentido, o ZEE passa a ser um instrumento indicativo e propositivo, orientador
do planejamento - planos, programas e projetos - e da gerência - administração
do território. (MMA, 2006)
1.2 O zoneamento como instrumento de política de meio ambiente
O ZEE é um instrumento que atua como mecanismo de organização do
território, definindo usos do solo que devem ser seguidos na elaboração e
implementação de planos, obras e atividades públicas e privadas. Estabelece,
também, medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a
qualidade ambiental dos recursos hídricos e do solo e a conservação da
biodiversidade. Acredita-se que assim ele garanta o desenvolvimento
sustentável e a melhoria das condições de vida da população (Decreto Federal
nº 4.297/2002).
Segundo o detalhamento metodológico para execução do Zoneamento
Ecológico-Econômico pelos Estados da Amazônia Legal de Becker e Egler
(1996), o ZEE é um instrumento político e técnico do planejamento cuja
finalidade última é otimizar o uso do espaço e as políticas públicas. Esta
otimização é alcançada pelas vantagens que ele oferece, tais como:
1) é um instrumento técnico de informação sobre o território, necessário para
planejar a sua ocupação racional e o uso sustentável dos recursos naturais:
provê uma informação integrada em uma base geográfica; e
classifica o território segundo suas potencialidade e vulnerabilidade;
2) é um instrumento político de regulação do uso do território:
8
permite integrar as políticas públicas em uma base geográfica,
descartando o convencional tratamento setorizado de modo a aumentar a
eficácia das decisões políticas;
permite acelerar o tempo de execução e ampliar a escala de abrangência
das ações, isto é, aumenta a eficácia da intervenção pública na gestão do
território;
é um instrumento de negociação entre as várias esferas de governo e
entre estas, o setor privado e a sociedade civil, isto é, um instrumento
para a construção de parcerias; e
3) é um instrumento do planejamento e da gestão territorial para o
desenvolvimento regional sustentável. Significa que não deve ser entendido
como um instrumento apenas corretivo, mas também ativo estimulador do
desenvolvimento.
Durante o ano de 2007, o Programa ZEE preparou as condicionantes,
critérios e articulações para dar um salto qualitativo na implantação do ZEE no
Brasil. Tais atividades foram adaptadas para atender à nova configuração do
MMA, que passou por uma reestruturação organizacional. Nesse sentido, o
Programa ZEE foi incorporado à Diretoria de Zoneamento Territorial, da
Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, ganhando,
assim, um novo status na estrutura administrativa (MMA, 2007).
Tais ações materializaram-se em quatro pontos principais: 1) estabelecer
as estratégias de implantação de curto e médio prazo; 2) preparar os produtos
dos projetos em andamento para o debate imediato com os parceiros e
usuários; 3) reestruturar as ações em função de uma perspectiva nacional que
articule as ações e produtos estaduais e regionais; 4) readequar a estrutura
técnico-operacional para o atendimento das demandas (MMA, 2007).
Um dos Projetos em execução pela Coordenação Nacional e Consórcio
ZEE Brasil, com ação em 2007 foi o Projeto Macrozoneamento da Amazônia
Legal que inclui:
1. elaboração da versão 2007 do Mapa Integrado dos ZEEs dos Estados da
Amazônia Legal, incluindo novos atributos e informações de referência
para a base do mapa, em apoio ao Plano de Combate ao Desmatamento
da Amazônia Legal.
9
2. participação e apoio à realização dos Cenários Prospectivos para o ZEE
da Área de Influência da BR163 em atendimento ao Plano de
Desenvolvimento Sustentável da BR163.
3. tramitação e aprovação na CCZEE do Zoneamento do Estado do Acre.
4. capacitação em Gestão Territorial para cerca de 35 alunos da
Universidade da Amazônia, em parceria com o Projeto AMA - PPG7, GTZ
- Grupo de Cooperação Técnica Alemã e UFAC Universidade Federal do
Acre.
5. realização de curso de Cenários Prospectivos, em parceria com a CPRM
Serviço Geológico do Brasil e o Governo do Estado do Maranhão, para
capacitação de gestores públicos estaduais com vistas à elaboração de
projeto de ZEE para o Estado.
6. recuperação das bases de informação dos Projetos Binacionais
Fronteiriços Brasil Venezuela, Brasil Colômbia, Brasil Peru, Brasil Bolívia,
em parceria com a CPRM Serviço Geológico do Brasil.
7. apoio ao desenvolvimento de projetos de ZEE dos Estados do Pará e
Maranhão, bem como às consultas públicas para discussão do Distrito
Florestal Sustentável de Carajás, no Pará, Maranhão e Tocantins.
Além disso, a coordenação nacional ficou incumbida de desenvolver suas
atividades orientadas por quatro ações estruturantes que são: 1) a articulação
entre o ZEE e os demais instrumentos de políticas públicas; 2) a recuperação,
organização e disponibilização das bases de dados e documentos dos ZEEs
existentes; 3) a disseminação de informações e capacitação de gestores e
demais atores sociais em ZEE; e a 4) A ampliação das articulações com a
sociedade civil e criação de redes de instituições com foco no ZEE (MMA, 2007).
O Programa de ZEE tem por objetivo implantar o ZEE no território
nacional, executar o ZEE Brasil e gerenciar, em diversas escalas de tratamento,
as informações necessárias, integrando-o aos sistemas de planejamento em
todos os níveis da administração pública. É, ainda, um instrumento que deve
subsidiar a formulação de políticas territoriais da União, Estados e Municípios,
orientando os diversos níveis decisórios na adoção de políticas convergentes
com as diretrizes de planejamento estratégico do país, propondo soluções de
10
proteção ambiental que considerem a melhoria das condições de vida da
população e a redução dos riscos de perda de capital natural.
A fim de estabelecer novas formas de planejamento para o Estado do
Acre, o ZEE procura articular as ações das organizações sociais, induzindo os
investimentos produtivos, integrando atividades públicas e combatendo o
desperdício de recursos financeiros.
Os recursos financeiros para execução de ZEE são provenientes de
fontes do orçamento da União e governos estaduais, bem como de empréstimos
e doações de organismos internacionais (MI, 2006).
Destaca-se na oferta de recursos financeiros para elaboração de ZEE na
Amazônia a cooperação internacional da Alemanha que, por meio do PPG7, tem
sido o mais importante doador, além de prover cooperação técnica com o
envolvimento direto dos técnicos do Grupo de Cooperação Técnica Alemã –
GTZ.
1.2.1 Aspectos econômicos do ZEE
Segundo Becker (2005 p.3) o povoamento e desenvolvimento da
Amazônia foram fundados de acordo com o paradigma de relação sociedade-
natureza, que Kenneth Boulding2 denomina de economia de fronteira,
significando com isso que o crescimento econômico, visto como linear e infinito,
é baseado na contínua incorporação de terra e de recursos naturais, que são
também percebidos como infinitos. Boulding (1966 apud MUELLER, 2007)
argumenta que a quantidade de recursos retirados do meio ambiente vem sendo
feito de forma perdulária, como se a disponibilidade de recursos naturais e a
capacidade de assimilação de rejeitos, de poluição fossem ilimitados.
Mueller (2007 p.2) faz analogia, ao que ele chama de biológica,
considerando a sociedade humana um organismo vivo, complexo e
multifacetado que, como todo ser vivo, retira energia e matéria de alta qualidade
de seu meio externo – o meio-ambiente –, as emprega para se manter, crescer,
evoluir, e as devolve a esse meio externo, degradados na forma de energia
dissipada, resíduos e dejetos – ou seja, de poluição. Mueller (2007 p.3) associa
2 Kenneth Boulding foi um dos primeiros a expressar preocupação com a reduzida consciência de que as
fronteiras livres estão gradualmente desaparecendo. Ou melhor, os recursos e a capacidade de resiliência da
natureza são limitados.
11
a poluição à expansão do sistema econômico global que exige quantidades
crescentes de recursos naturais e gera volumes cada vez maiores de
emanações ao meio ambiente de rejeitos nocivos, ou melhor, do resultado dos
impactos ambientais causados pela sociedade humana. O que justifica a
demanda excessiva por madeira, o incremento do setor agropecuário, o
desmatamento acelerado, entre outras atividades inerentes a uma região rica
em recursos naturais como a floresta Amazônica.
Para que se possa mudar esse padrão de desenvolvimento, Becker (2005
p.3) diz que é necessário entender os diferentes projetos geopolíticos e seus
atores que estão na base dos conflitos, para tentar encontrar modos de
compatibilizar o crescimento econômico com a conservação dos recursos
naturais e a inclusão social. Segundo a autora, uma grande modificação
estrutural ocorreu no povoamento regional que se localizou ao longo das
rodovias e não mais ao longo da rede fluvial, como no passado, e no
crescimento demográfico, sobretudo urbano.
Foi num modelo desenvolvimentista que ocorreu a transição da economia
extrativa para a economia agropecuária na Amazônia. O ZEE, então, surge
como instrumento de comando e controle, com promessas consideradas por
alguns tomadores de decisão, como solução pra resolver os problemas
provenientes do resultado da inter-relação entre homem e natureza. É um
exercício de autoridade pública, que pode estabelecer regulamentações sobre o
uso do solo. Além disso, aumenta o bem-estar de uma comunidade se ele reduz
o nível de externalidades negativas3 nas quais consumidores e produtores estão
expostos por um montante superior aos custos associados com a sua
implementação e manutenção. Pode, ainda, reduzir, por exemplo, o bem-estar
de potenciais novos participantes do consumo de um determinado bem, cuja
oferta é regulada pelo zoneamento. Por outro lado, proprietários já estabelecidos
podem ser favorecidos em conseqüência do aumento do preço dos seus bens e
serviços.
O ZEE pode ser indicativo (apenas indicando opções de uso do espaço
consideradas desejáveis) ou normativo (impondo os usos da terra). Conforme
levantamentos de diversos modelos sobre os impactos de zoneamento sobre o
3 Externalidade negativa: efeito negativo que gera custos pela atividade de produção ou consumo por um
agente econômico. Por exemplo, uma fábrica que polui o ar, afetando a comunidade próxima.
12
bem-estar social, Pogodzinski; Sass (1990) dividiram os efeitos do zoneamento
em:
1) efeitos sobre a oferta: englobando análises sobre como o zoneamento
afeta o mercado de terras, de terrenos, de residências, entre outros. A
oferta pode aumentar ou diminuir em decorrência do zoneamento, em
função das características da área zoneada e do mercado consumidor.
Como normalmente o zoneamento envolve a regulação do uso de
atributos do espaço, tem-se que tal regulação pode afetar o valor das
terras conforme os possíveis usos para a mesma e os potenciais
compradores e vendedores (HENNEBERRY; BARROWS, 1990 p. 41).
2) efeitos sobre a demanda: estudando como o zoneamento afeta as
escolhas dos consumidores em termos das características do bens
demandados;
Ao se regular o uso da terra, se influi sobre o seu preço, capitalizando-o
ou descapitalizando-o. Assim, o ZEE ao descapitalizar o valor de um tipo
de terra diminui seu preço, fazendo a princípio a demanda aumentar.
Inversamente, a capitalização das terras, e o aumento do seu preço
resultam numa redução da demanda. No entanto, estes mecanismos
devem considerar a elasticidade4 da demanda para consumidores de
diferentes estratos de renda.
3) efeitos Tiebout: pesquisando a mobilidade social do agente em resposta
ao zoneamento; esse tende a maximizar o valor da propriedade dos
melhores situados na escala social; a mobilidade dos agentes
econômicos pode se manifestar quando os regulamentos do zoneamento
tornam uma dada localidade pouco atrativa, ou pouco viável para o
exercício de alguma atividade, por exemplo habitação. Neste caso os
consumidores se deslocam para outra localidade onde seja viável e/ou
atrativo consumir habitação. Neste sentido, o zoneamento induz os
4 Mede a reação dos consumidores às mudanças no preço.
13
consumidores a se deslocarem para áreas onde é mais fácil satisfazerem
suas utilidades5.
4) efeitos de externalidades: Apesar de ter como finalidade evitar
externalidades, o zoneamento pode também criá-las.
Deve-se frisar, no entanto, que o zoneamento pode criar tanto
externalidades positivas como negativas, sendo os ganhos por
aglomeração e a congestão de bens públicos, respectivamente exemplos
de ambas.
Desta forma ao se criar zonas onde se incentivam certas atividades, a
concentração de fornecedores meios de produção, prestadores de
serviços etc. pode fazer diminuir os custos de produção, e aumentar a
rentabilidade destas atividades.
5) comportamento de “rent seeking”: agentes gastam recursos
financeiros para manter decisões de zoneamento buscando garantir
ganhos pessoais.
No Brasil, os exercícios de zoneamento geralmente se encontram
associados ao ordenamento territorial, envolvendo normas de uso do espaço
nos meios urbano e rural.
1.3 ZEE: novidades e antiguidades
No caso brasileiro, o advento das tecnologias de sensoriamento remoto e
de teledetecção de eventos veio promover uma atualização ao debate
estratégico sobre o ordenamento da ocupação territorial em regiões com
fronteiras políticas, articulando propósitos de proteção do meio ambiente e de
combate de ilícitos. Por um lado, a produção de informações ambientais passou
a ser vista como um instrumento de defesa da soberania territorial e de
resistência contra as ameaças supostas de intervenção internacional na
Amazônia. Por outro, projetos como o ZEE e o SIVAM seriam pensados
articuladamente como modos de teledetecção simultânea de processos
ecológicos e práticas ilícitas.
5 Bem-estar
14
1.3.1 Situação atual do ZEE
Segundo a Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural
Sustentável – SEDR (MMA (2007), a área com projetos de zoneamentos
concluídos ou em andamento, na escala 1:250.000 ou maiores, descontando as
áreas de sobreposições entre projetos de 1:250.000 e 1:100.000, representa
63,3% do território nacional.
Abaixo, extraídos de Prette (2006), os quadros que mostram a situação
do ZEE em todas as regiões do Brasil, apresentando como concluídos os ZEEs
do Acre, Rondônia, Mato Grosso, estando Roraima em fase de conclusão.
Figura 1. Quadros comparativos da situação atual do ZEE no Brasil. Fonte: Prette (2006)
15
Até hoje, somente Rondônia, Acre e Mato Grosso tiveram seus ZEEs
concluídos. Segundo Gutberlet (2002) no caso de Rondônia, produziu-se em
quase dez anos uma sala cheia de relatórios e muitos megabytes de bancos de
dados. A autora destaca ainda que, de maneira geral, não houve participação da
população no levantamento de dados, razão pela qual a aceitação do ZEE pelo
público também foi baixa. Nos outros Estados, estão à disposição apenas dados
parciais do levantamento do ambiente físico, como a informação sobre a
qualidade dos solos, a aptidão agrícola ou o potencial madeireiro. Já o ZEE do
Estado Acre é divulgado como sendo de participação popular com envolvimento
do setor público, privado e sociedade civil organizada, em especial da população
tradicional.
1.4 Limitações do ZEE como instrumento de política ambiental
O impasse da sistemática atual tem conduzido os produtos gerados para
as gavetas e prateleiras dos órgãos públicos. A noção de vínculo está ainda
fortemente associada a ações de comando e controle, sem o enfoque de
proposição de alternativas produtivas e incentivos a atividades sustentáveis. O
avanço do debate encontrará eficácia na proposição de instrumentos de caráter
econômico, financeiro, administrativo e técnico que viabilizem tais alternativas. A
criação de vínculo e do sistema nacional poderá ampliar a integração entre
políticas setoriais, sobretudo aquelas que impactam diretamente o território,
como política agrícola, política de desenvolvimento regional, política de meio
ambiente, política de transporte, política energética e política fundiária
(ACSELRAD, 2000)
Sabe-se que a maioria dos Estados se desenvolve de forma dinâmica e
que nesses, processos de zoneamento podem tornar-se ultrapassados.
Normalmente, as transformações sócio-econômicas e ambientais acontecem em
tão curto espaço de tempo que, às vezes, os levantamentos já não condizem
com a realidade do local estudado. Segundo Acselrad (2000), a dinâmica do
desenvolvimento regional também é alimentada por processos migratórios,
impactos ambientais cumulativos e conflitos sócio-econômicos. No entanto, a
metodologia aplicada até o presente não conseguiu captar essa dinâmica,
conforme ainda Acselrad (2000), pelo contrário, o diagnóstico torna acessíveis
informações importantes sobre o potencial biofísico como aptidão agrícola,
16
potencial produtivo (muitas vezes até promovendo simulações para certos
cultivos agrícolas), recursos minerais, potencial florístico, tipo de infra-estrutura
existente e/ou planejada etc., facilitando a sua exploração. Além disso, uma
leitura desagregada dos indicadores sócio-econômicos e culturais pode levar a
conclusões e propostas equivocadas para o desenvolvimento.
“O ZEE, portanto, não visa criar zonas homogêneas e estáticas
cristalizadas em mapas. Trata-se sim, de um instrumento técnico e político do
planejamento das diferenças, segundo critérios de sustentabilidade, de absorção
de conflitos, e de temporalidade, que lhe atribuem o caráter de processo
dinâmico, que deve ser periodicamente revisto e atualizado, capaz de agilizar a
passagem para o novo padrão de desenvolvimento. A economia de tempo na
execução reside justamente no fato de descartar o tratamento setorial das
políticas públicas, partindo de contextos geográficos concretos neles
implementando políticas já territorialmente integradas; de ampliar a escala de
abrangência das ações que passam a ser zonas, e não mais pólos pontuais; de
favorecer a competitividade sistêmica entre as zonas.”(BECKER apud EGLER ,
1997).
Segundo Chaves (2000), os exercícios de zoneamento podem produzir
resultados contrários ao esperado, isto é, podem promover a ineficiência técnica
e alocativa, como também gerar iniqüidades. Mesmo assim, o zoneamento
continua sendo proposto e utilizado como instrumento de gestão e de
planejamento, com diferentes abordagens e graus de sucesso em diferentes
partes do mundo, como nos Estados Unidos e na Holanda (MUYSELAAR apud
CHAVES, 2000).
Nem sempre a perspectiva federal de desenvolvimento regional e os
interesses dos Estados e dos municípios estão em consenso. O governo federal,
por exemplo, continua promovendo o desenvolvimento centralizado e de grande
escala, como é o caso das políticas para a promoção dos eixos de
desenvolvimento no âmbito do Programa Avança Brasil. O modelo de
desenvolvimento em questão não considera as necessidades e demandas das
comunidades locais nem contempla possíveis soluções e projetos alternativos
com menor impacto ambiental e maior benefício social. Até agora o ZEE é
entendido principalmente como um instrumento para o desenvolvimento de cima
para baixo, com baixa participação popular e pouco considerando as
17
necessidades e realidades vividas no município e nas comunidades
(GUTBERLET, 2002).
Alguns problemas detectados no Programa de ZEE, citados abaixo,
representam a opinião da SDS/MMA:
critérios os mais variados, sem uniformização para escolha das áreas nos
ZEEs parciais;
descontinuidade e/ou sobreposição de áreas;
incompatibilidade entre os estudos realizados;
perda de dados por caducidade, extravio e falta de divulgação;
grande quantidade de dados não digitalizados;
isolamento e setorização, sem articulação com o sistema de
planejamento;
dificuldade de acesso aos dados existentes;
desarticulação entre os executores e fontes de financiamento; e
alta relação custo/benefício.
Na opinião de Rodrigues (2008) o ZEE, além de caro, é de difícil
aplicação técnica, social e política, apresenta uma dinâmica social intensa,
advinda de região em constante processo de transformação.
Conforme Acselrad (2000), um duplo mecanismo de poder liga-se, no
entanto, à produção do ZEE. Um poder que se exerce sobre as práticas do
zoneamento através das exigências externas das hierarquias políticas, e um
poder que se exerce pelo saber cartográfico e classificatório, pelo modo como
os zoneadores criam uma concepção do espaço, ou seja, um poder incorporado
à própria retórica do ZEE. O autor argumenta que em certos momentos,
entretanto, estes poderes podem se chocar, exprimindo a ocorrência de ruídos
nas correias de transmissão entre hierarquias políticas e instâncias técnicas.
Este foi, por exemplo, o caso do desencontro de expectativas entre a SAE e o
IBGE com relação ao Diagnóstico Ambiental da Amazônia encomendado a este
último. Enquanto a SAE pretendia obter uma caracterização das potencialidades
18
econômicas contidas nos recursos naturais amazônicos, os técnicos do IBGE se
dispuseram a registrar os vetores políticos da ocupação da região, neles
pretendendo incluir os conflitos e as marcas dos grandes projetos
governamentais. (ACSELRAD, 2000)
Benatti (2003) cita quatro aspectos que, segundo ele, podem prejudicar a
implantação do ZEE:
1) o desconhecimento por parte das agências públicas e da sociedade das
atribuições do zoneamento. Desconhece-se a importância e as vantagens de se
realizar um ordenamento democrático, que garanta a participação de todos os
interessados na sua elaboração, implementação e monitoramento;
2) a ausência de um conhecimento sistematizado sobre a atuação concreta das
agências envolvidas e sobre as formas de descentralização adotadas nas áreas
de suas atuações;
3) a desarticulação e a incoerência na legislação que afeta direta ou
indiretamente o ordenamento territorial, além das dificuldades para aplicar a
legislação devido à diversidade de agências públicas com atribuições na
matéria; e
4) o baixo nível de participação das populações envolvidas no processo de
ordenamento territorial.
Já Gutberlet (2002) demonstra o que chama de “impasses e desafios do
zoneamento” em três pontos:
1) Escalas pequenas e generalizadas não permitem retratar a complexidade
e a dinâmica sócio-econômica e cultural do local. Elas ignoram e
mascaram dimensões sócio-culturais e escondem a presença de fatos
pontuais como impactos, riscos ou conflitos.
Escalas muito pequenas podem levar a equívocos no prognóstico. Uma
área parece desabitada mas na verdade faz parte da área de influência de
uma comunidade ou é utilizada para abastecer a população, como
geralmente é de praxe nas comunidades rurais tradicionais. A enorme
diversidade social e cultural da Amazônia foi ressaltada por Benchimol
19
(1999). A riqueza e a complexidade sociocultural costumam ser omitidas
durante os processos e a formulação de políticas para o ordenamento.
A escala do macrozoneamento tampouco permite caracterizar a
cobertura de floresta entre natural, alterada e não-alterada. O grau de
alteração, por exemplo, por corte seletivo, não pode ser identificado nessa
escala. Portanto, o mapa de vegetação pode camuflar o verdadeiro grau de
degradação da cobertura vegetal natural.
Além do equívoco com a escala, também existem problemas
cartográficos. Identificaram-se dificuldades com a interpretação da
informação contida nos mapas, como os da Embrapa. As legendas
geralmente são técnicas e sua linguagem precisa ser traduzida para que o
leitor comum possa apropriar o conhecimento. Por outro lado, o mapa
precisa conter as informações necessárias para o reconhecimento local, por
exemplo, ter dados a respeito da ocupação humana, infra-estrutura, rios etc.,
para que o leitor consiga se inserir no espaço apresentado e, portanto, o
mapa tenha significado para ele;
2) A garantia de uma ampla participação.
Diga-se desde já que esta também é a questão mais polêmica e difícil de
pôr em prática, uma vez que significa discussões e resoluções de conflitos entre
agentes com interesses muitas vezes antagônicos (GTZ, 1992). O número
crescente de iniciativas visando à integração entre poder público, poder
econômico e sociedade civil na discussão sobre planejamento e
desenvolvimento prova que a participação é um pré-requisito fundamental neste
processo. As experiências com agências, fóruns, comitês, conselhos etc. estão
se multiplicando no país. É certo que nem todas essas experiências são bem-
sucedidas e não conseguem alcançar os objetivos aspirados.
Até o presente momento, houve pouca participação da sociedade civil na
elaboração dos diagnósticos para o zoneamento. A metodologia aplicada pelas
equipes executoras para os levantamentos temáticos não tem envolvido de
forma sistemática os representantes da população local. Tampouco houve, no
início dos trabalhos, uma ampla discussão nas comunidades sobre os objetivos
do ZEE e os fins e métodos dos levantamentos temáticos. Por causa dessa
omissão, é muito mais difícil agora fazer a população se apropriar do
20
conhecimento gerado pelo diagnóstico. Conseqüentemente, será mais
demorado envolvê-la em discussões acerca de planejamento, manejo e gestão
dos recursos naturais nas suas comunidades ou municípios; e
3) Não-regularização fundiária nos Municípios e a pouca sistematização desses
dados.
A reforma agrária, como vem sendo conduzida, tem um impacto
desnecessariamente elevado sobre o meio ambiente, pelas seguintes razões:
Este fato está impossibilitando a realização de um planejamento da ocupação do
espaço. Até hoje a falta de informação detalhada continua e, apesar de o ZEE
ter estabelecido parcerias para a regularização fundiária nos vários Estados,
esses dados ainda não estão disponíveis. Em muitos Municípios, continuam a
invasão e a exploração irregular de recursos naturais em terras indígenas, áreas
de proteção e unidades de conservação. Além disso, ainda é necessária uma
revisão da legislação fundiária e agrária nos Estados. A tomada de qualquer
decisão a respeito de "ordenamento territorial" passa pelo reconhecimento da
situação fundiária. A falta desta base de dados compromete o diagnóstico e a
análise para o prognóstico, além de, muitas vezes, até inviabilizar a
implementação das ações propostas.
21
CAPÍTULO 2
A Participação na formulação de política ambiental
2.1 A evolução da necessidade de participação em política6
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, vem sendo
estimulada, institucionalmente, a implementação de um novo paradigma de
gestão das políticas públicas no Brasil que promova a descentralização das
decisões e amplie o espaço de participação da sociedade. Aponta a criação nos
Municípios de todo o país de diversos mecanismos de inserção de segmentos
da população nos processos decisórios (CARVALHO et al. 2005). Nesse
sentido, Avritzer (2006 p. 15) destaca que no Brasil dos anos 90, os conselhos,
as diferentes formas de orçamento participativo, além de um conjunto de formas
consultivas e deliberativas de participação da população no processo de tomada
de decisão acerca da distribuição de bens públicos, das políticas e da
deliberação sobre prioridades orçamentárias, estabelecem-se como forma de
ampliação de participação política.
Um fenômeno que, apesar de parecer recente, remonta ao início do
século XX é a criação de associações civis sem fins lucrativos originadas em
determinadas demandas da sociedade. Essas associações são os primeiros
exemplos de envolvimento institucional entre Estado e sociedade. Atualmente
ganharam denominações como ONG‟s, Organizações do Terceiro Setor,
Organizações da Sociedade Civil e, mais recentemente, Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
Avritzer; Pereira (2005 apud AVRITZER, 2006) apontam formas de
participação como o resultado de longo processo de reorganização da
sociedade civil e das suas formas de relação com o Estado e de um longo
6 As discussões seguintes serão baseadas na inter-relação dos conceitos de capital social e empoderamento que
suscitarão na forma participativa como instrumento de transformação do papel da sociedade no processo de elaboração
de políticas públicas.
22
processo de transformações institucionais, jurídicas e administrativas,
especialmente a nível local, ocorrido no Brasil desde o final dos anos setenta.
Dizem ainda que novos espaços de negociação e inter-relação são criados em
torno dos atores sociais e do Estado e, nesses espaços, os atores são
obrigados a debater e ajustar suas estratégias; ou seja, a ação a partir das
instituições é substituída pela ação coletiva e negociada. O local se torna o lugar
da elaboração de políticas públicas, de tomada de decisão discutida e
compartilhada.
Esse processo de descentralização no Brasil vem se expandindo
gradativamente e ganhando força. O município ganha mais autonomia, a
sociedade brasileira está cada vez mais se fortalecendo num envolvimento local,
o que, segundo Brose (2002 p.93), possibilita o aprofundamento da democracia,
a maior proximidade do cidadão das instâncias decisórias, com maior eficiência,
eficácia e equidade das políticas públicas.
O objetivo da participação é o de possibilitar o contato mais direto e
cotidiano entre os cidadãos e as instituições públicas, para possibilitar que estas
levem em consideração os interesses e concepções político-sociais daqueles no
processo decisório. Assim, a participação envolve uma conduta ativa dos
cidadãos nas decisões e ações públicas, na vida da comunidade e nos assuntos
de interesse das coletividades de que sejam integrantes (MEDEIROS;
BORGES, 2007 p.6).
Várias e distintas formas alternativas de participação política têm surgido.
Por exemplo, o movimento indígena no Equador, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra no Brasil, além de milhares de iniciativas
documentadas em relação a grupos da sociedade que se organizam
espontaneamente em prol de objetivos comuns (BAQUERO, 2003 p.10). A
ausência de marcos explicativos sobre esses movimentos possibilitou
discussões sobre o papel das associações voluntárias e/ou informais como
entidades geradoras de reflexões e práticas de inclusão cidadã. Assim, as
associações cívicas e voluntárias são crescentemente vistas como sendo
importantes no resgate do cidadão para a esfera pública e na promoção da
discussão política e das políticas do governo. De modo geral, essas
organizações, por meio da estruturação e dedicação à margem de um apoio
institucional, em muitos casos têm conseguido mobilizar os cidadãos
23
marginalizados socialmente para pressionar o Estado a responder às suas
demandas (BAQUERO, 2003).
As transformações político-institucionais e a ampliação de canais de
representatividade dos setores organizados para atuarem junto aos órgãos
públicos, como conquista dos movimentos organizados da sociedade civil,
mostram a potencialidade de construção de sujeitos sociais identificados por
objetivos comuns na transformação da gestão da coisa pública, associada à
construção de uma nova institucionalidade (JACOBI, 2002).
Segundo Fernandes; Bonfin (2005), a participação e o modo de
relacionamento das administrações com a sociedade civil são tomados como
indicadores das possibilidades de mudança social efetiva na sociedade
brasileira contemporânea. Os modelos de gestão contemporâneos que refletem
uma maior interação entre governo e comunidades são ditos participativos nos
processos de formulação de política pública. Analisa-se essa prática com
envolvimento dos primeiro, segundo e terceiro setores sob a ótica de capital
social que empodera o indivíduo/comunidade, possibilitando sua interveniência
pelo canal do capital humano.
Acredita-se que essa relação cíclica conceitual de capital social,
empoderamento e participação resultará na apropriação e uso da informação
sobrepondo-a à subjetividade no interesse de cada indivíduo/comunidade. Isso
seria assim chamado de real interferência na transformação do modo de vida
das populações em meio a políticas que chegam a lhes afetar direta ou
indiretamente. Ainda nessa linha, sabe-se que cada indivíduo/comunidade pode
contribuir na definição de processos de tomada de decisão de governo local por
está mais próximo de sua realidade, dentro de sua visão de mundo.
Norris (apud BESSER-PEREIRA, 2005 p.10) reafirma a condição
defendida neste capítulo de que o cidadão precisa, nas inter-relações e trocas
de informação, se empoderar, fazer valer sua interveniência quando diz que a
infelicidade política é real e está crescendo, mas não porque haja um crescente
cinismo a respeito do governo democrático, como sugere a opinião comumente
aceita, e sim porque os cidadãos se tornaram mais críticos. Além disso,
Bordenave (1994 p.7) afirma que quando se promove a participação deve-se
aceitar o fato de que ela transformará as pessoas, antes passivas e
conformistas, em pessoas ativas e críticas. Dessa forma, antecipar que ela
24
ocasionará uma descentralização e distribuição do poder, antes concentrado
numa autoridade ou num grupo pequeno.
Uma dimensão de valorização do cidadão tem emergido recentemente,
relacionando-se à possibilidade de empowerment dos cidadãos por meio do
capital social, que se refere ao envolvimento dos indivíduos em atividades
coletivas que geram benefícios em um espectro mais amplo (BAQUERO, 2003).
Sendo assim, o indivíduo beneficia-se do capital social que lhe dará subsídios
para se empoderar cognitivamente. O cidadão precisa da oportunidade, além da
pré-disposição, para apreender a informação que lhe é transmitida e, dessa
forma, ser um transformador em processos de micro ou macroparticipação.
Os anos noventa corresponderam à institucionalização da consulta da
população em geral, de associações, dos sindicatos, dos experts e de
segmentos empresariais no processo de formulação de projetos de
desenvolvimento e de políticas públicas. Draibe (apud MILANI, 2006) ao analisar
inovações nas políticas públicas no Brasil, destaca que as políticas assistenciais
e de combate à pobreza, por exemplo, conheceram do ponto de vista de sua
armação institucional dois eixos importantes de mudanças: a descentralização
do poder decisório e de recursos bem como a ampliação e a institucionalização
da participação.
Segundo Milani (2006), um modelo de reforma da administração pública
que está em curso no Brasil e na América Latina é aquele em que o Estado
perde o monopólio de produção e proteção do bem público, porquanto surge
com força a idéia do público não-estatal deslocando interesses e alguns papéis
para a sociedade civil. Esse modelo exige da política uma maior complexidade
em seu sistema decisório: a decisão pública não é mais exclusivamente
governamental, o governo é central, mas é menos abrangente que os chamados
processos de governança. Exige, outrossim, distribuição do poder de decisão
entre diversos atores, implicando intensa negociação na definição das regras
políticas e criando a necessidade de descentralizar as decisões e os recursos.
No caso do Brasil um país que deixou para trás um autoritarismo
fortemente centralista, a participação se insere no novo formato institucional
gerado pelo processo constituinte (AVRITZER; PEREIRA, 2005). A possibilidade
de criar as condições para a ruptura com a cultura política dominante e para
uma nova proposta de sociabilidade baseada na educação voltada à
25
participação se concretizará principalmente pela presença crescente de uma
pluralidade de atores. Através da ativação do seu potencial de participação,
esses atores terão cada vez mais condições de intervir consistentemente nos
processos decisórios de interesse público, legitimando e consolidando propostas
de gestão baseadas na garantia do acesso à informação, e na consolidação de
canais abertos para a participação, que, por sua vez, são precondições básicas
para a institucionalização do controle social (JACOBI, 2002).
2.2 Razões favoráveis e desfavoráveis a uma política pública mais participativa
Conforme Bordenave (1994), a participação popular e a descentralização
das decisões mostram-se como caminhos mais adequados para enfrentar os
problemas graves e complexos dos países em desenvolvimento, pois,
estratégias políticas altamente centralizadas têm fracassado na mobilização de
recursos econômicos e no desenvolvimento da iniciativa própria para tomar
decisões em nível local. A bibliografia consultada por Flores; Misocky (2008)
apontou algumas principais vantagens encontradas em processos
participativos:
1. reduz os custos de obtenção de dados ambientais, sociais e culturais,
bem como sobre as necessidades dos atores;
2. fortalece as instituições locais em suas capacidades administrativas;
3. aumenta a credibilidade da avaliação (as pessoas confiam nas
informações providas por elas mesmas); e
4. concilia diferentes visões, pois possui defensores em diferentes correntes
ideológicas como liberais, marxistas e anarquistas (todos têm restrições
em relação ao Estado).
Santos (2006), analisando participação afirma que a inércia social “existe
e age como poderoso vetor de estabilidade na rotina das interações sociais” e
que não se pode negligenciar o fato de a população brasileira ser
“majoritariamente pobre, sem disponibilidade para cobrir os custos de organizar
ações coletivas e para absorver os custos de eventuais fracassos, pouco
informada e em larga medida inocente de qualquer noção de direitos”.
26
Há de se observar também o desinteresse do indivíduo/comunidade em
assimilar novas informações por não querer aceitar mudanças em seu cotidiano.
Milani (2006) acrescenta que os limites socioeconômicos, simbólicos e políticos
funcionam como obstáculos relevantes à participação, podendo até mesmo
aprofundar a desigualdade política no âmbito dos próprios dispositivos
participativos. Diz ainda o autor que, mesmo com forte componente pedagógico
e cívico a médio e longo prazos, as experiências de participação podem incorrer
no risco de diluição das responsabilidades por ausência de instâncias formais e
institucionais que assegurem sustentabilidade à gestão participativa. O autor
exemplifica citando o Congresso Popular de Pintadas como uma experiência
única de gestão pública na Bahia, mas que não se renovou posteriormente, não
constituiu um ciclo político. Espaços não-institucionalizados de participação
(fóruns comunitários, mobilização social), embora tenham sua evidente
relevância enquanto ação coletiva no plano cultural e identitário da sociedade
civil podem esgotar-se no processo participativo e não gerar resultados que
contribuam para a continuidade efetiva das políticas públicas locais. Milani
(2006) enfatiza que a não-institucionalização pode ter impactos ainda mais
nefastos sobre a concepção de participação cidadã na gestão pública em um
ambiente de relações entre governo local e sociedade, marcado por
espontaneidade e voluntarismo e também por altos custos de transação
oriundos dos déficits de “confiança social”.
Ainda segundo Milani (2006) “outro limite interno às experiências merece
ser assinalado: muitas experiências de gestão pública participativa na Bahia
caem na armadilha do chamado „mito da comunidade‟ (GUIJT; SHAH, 1998), ou
seja, uma visão simplificada do que seria a comunidade (sempre homogênea,
estática e harmônica) e das pessoas que nela convivem (sempre
compartilhando valores, interesses e necessidades comuns). Nesta visão
paradisíaca da comunidade, não haveria diferenças de idade, classe, gênero,
cor da pele ou religião; não haveria tampouco o risco da construção do
consenso comunitário mascarar as diferenças ou dar legitimidade a algumas
identidades em detrimento de outras. Além disso, no bojo deste mito
socialmente reproduzido, a linguagem do chamado „empoderamento
comunitário‟ é freqüentemente utilizada em técnicas participativas que colocam
pessoas para trabalhar conjuntamente com a ajuda de um monitor ou um
27
mediador, pressupondo ingenuamente que fazer parte de um „exercício
participativo‟ levaria necessariamente, no curto prazo, à transformação das
consciências e à criação de laços duradouros de sociabilidade. Inúmeros
treinamentos partem da premissa de que dezenas de pessoas, ao cabo de
alguns dias de intensa capacitação, podem ser sensibilizadas e conscientizadas
à problemática da democracia local, ilustrando perfeitamente quão ingênuas
podem ser as expectativas de muitos gestores locais no que diz respeito à
autenticidade das motivações e dos comportamentos dos indivíduos no âmbito
das chamadas „oficinas participativas‟.“ (MILANI, 2006 p. 21)
Em contraposição às últimas linhas acima descritas por Milani (2006),
esse texto aborda o ato da participação individual/comunitária como,
dependendo do interesse do indivíduo/comunidade, um processo de
empoderamento, seja ele de grandes proporções ou não. Havendo de fato a
informação e o interesse de ambos os interlocutores da apreensão do
conhecimento, em qualquer dimensão é valiosa na construção cognitiva destes
onde, segundo Putnam (2001), redes e normas associadas de reciprocidade têm
valor. Assim, a capacidade empírica do cidadão ou até mesmo o pequeno grau
de tecnicidade interferirá nesse processo. Desse meio sairá um produto
(indivíduo), no mínimo, empoderado capaz de intervir no processo de tomada de
decisão em que o retorno será a construção de melhorias e o aumento do bem-
estar da própria população. Arnstein (apud MEDEIROS; BORGES, 2007)
enfatiza que, na realidade, nem os cidadãos nem os detentores do poder
constituem blocos homogêneos. Deve-se notar que a tipologia não inclui uma
análise dos caminhos mais significativos para conseguir níveis genuínos da
participação.
Algumas desvantagens encontradas em processos participativos
segundo Flores (2008) são:
1. não substitui um projeto nos assuntos técnicos ou de financiamento;
2. aumenta os custos associados à identificação de pessoas interessadas;
3. perde legitimidade com a falta de reconhecimento e aceitação;
4. perde com o limite da disposição dos cidadãos (se muito exigida, poderá
pôr em risco a representatividade);
5. gera conflitos socioculturais; e
28
6. pode causar alienação por parte do governo
Além disso, Almeida; Carneiro (2003) afirmam que o governo local
permanece claramente subordinado ao governo federal no combate aos
problemas mais sérios do município e que os resultados revelam resistências
potenciais à descentralização de atribuições e competências em várias áreas
importantes para as suas comunidades entre as lideranças locais.
Uma nova concepção de participação popular propõe conferir maior
reconhecimento ao ciclo interativo dos conceitos de capital social e
empoderamento a fim de que se efetive a participação. Essa idéia da inter-
relação entre sociedade/estado, indivíduo/comunidade permite a visualização de
novos espaços que emergem do capital social representando o grau de
interesse do indivíduo/comunidade em internalizar conhecimentos vinculando-os
à construção de outros novos conhecimentos considerando a subjetividade e a
singularidade que envolvem esses atores sociais, enfatizando a não-existência
de modelos perfeitos, numa configuração homogênea. O conhecimento empírico
é um importante elemento nesse processo de troca de informação entre a
ciência e a experiência.
2.3 Experiências participativas em política ambiental
Em um estudo da eficácia da Avaliação de Impacto Ambiental - AIA como
instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA no Brasil,
Nicolaídes (2006 p. 124) revela a experiência participativa quanto aos
requerimentos formais (ou regulamentação), um dos aspectos comprometedores
da eficácia da AIA, pois a participação pública é restrita em sua regulamentação
ao momento das audiências públicas. A autora sugere uma correção na
regulamentação antecipando a participação para as fases de seleção e escopo
e esclarecendo o seu papel, a fim de contribuir com a identificação preliminar da
significância dos impactos e com a elaboração do termo de referência e a
identificação de questões relevantes a serem aprofundadas nos estudos. Além
disso, sugere a previsão de participação pública no monitoramento, de modo a
tornar o envolvimento público contínuo, contribuindo com a fiscalização do
29
cumprimento dos termos e condições de aprovação do projeto e fornecendo um
retorno sobre a eficácia das medidas de mitigação e compensação.
Na França, em resposta à privatização crescente e a alguns negócios
relacionados à água potável, a legislação impôs às cidades a criação das
comissões consultivas dos serviços públicos, onde os habitantes organizados
podem discutir a qualidade e o preço dos serviços. Outras cidades recrutam
conselheiros em meio ambiente urbano, incumbidos de visitar as diversas
categorias de agentes (empresas privadas, comerciantes, serviços públicos,
associações de habitantes) e de lhes ensinar práticas mais favoráveis ao meio
ambiente. Muitas vezes, o serviço local de meio ambiente é transformado, e, em
ligação com um ou mais representantes motivados, ele se torna um verdadeiro
centro de mediação dos conflitos urbanos (BARRAQUÉ, 2005).
Entretanto, na Europa, estas experiências de democracia participativa
ficam limitadas pela resistência dos representantes a cederem parte do seu
poder. Em alguns casos, eles chegam a conceder importantes subvenções às
associações para que estas ampliem a ação pública e valorizem-na, mas é raro
que estas associações sejam diretamente envolvidas às deliberações. A
participação ativa dos interesses organizados se encontra, então, em uma
escala territorial inferior, o bairro (BARRAQUÉ, 2005).
2.4 O caminho da participação e sua horizontalidade: capital social, empoderamento e participação.
As definições de capital social e empoderamento no decorrer do texto são
demonstrativas da base cognitiva que criam condições para que a
comunidade/indivíduo efetive sua participação na elaboração de políticas
públicas. É necessário, contudo, refletir sobre informação recebida e apreendida
relevando a subjetividade de cada indivíduo/comunidade. A informação,
paralelamente à força de vontade do indivíduo, é a pré-condição necessária
para que haja capital social. O capital social é a pré-condição necessária para a
participação (VILLASBOAS, 2003).
A informação continuada é uma forma de se consolidar conceitos e,
segundo Bordenave (1994), não é infrequente o caso dos grupos comunitários,
depois de certo período, não necessitarem mais de agentes educativos, já que,
30
pela práxis e a reflexão, eles adquirirem maturidade e capacidade para a
autogestão de seu processo educativo transformador. Tudo isso aliado ao grau
de interesse tanto dos agentes educativos, como dos grupos comunitários. Caso
contrário, haverá capital social, porém não haverá empoderamento.
2.4.1 Capital Social
Capital social está longe de ser um conceito de entendimento universal,
pois é apresentado por uma ampla gama de definições e aplicabilidade. Porém,
a que mais se ajusta ao que está sendo proposto aqui é a de que a idéia central
de capital social defendida por Putnam (1994) é que em redes e normas,
associadas de reciprocidade pode haver ganho. Elas têm valor para as pessoas
que estão nelas, e elas têm, ao menos em algumas instâncias, demonstrado
externalidades para que haja faces públicas e privadas de capital social. Ele
foca em grande parte sobre os retornos externos, o retorno público ao capital
social, mas acha que há também retorno privado.
Aceitando que não há uma única forma de capital social, precisa-se
pensar sobre as suas múltiplas dimensões, o que, segundo Putnam (1994 p. 1),
está longe da homogeneidade.
“Alguns tipos de capital social são altamente formais, como associação de
pais e mestres ou uma organização nacional de qualquer espécie, ou uma união
de trabalhadores, formalmente organizada com um presidente, membros e
assim por diante. Outras formas de capital social, como um grupo de pessoas
que se reúne toda quinta-feira à tarde, são altamente informais. Existem também
formas de capital social com densas interligações, como um grupo de
metalúrgicos que trabalham juntos todos os dias numa fábrica, freqüentar a
igreja todo domingo e ir ao boliche aos sábados. Isto é uma forma muito densa,
relacionada e múltipla de capital social. Há ainda as finas, quase invisíveis,
formas de capital social, significando redes e normas associadas de
reciprocidade, como um acenar ou conversar com uma pessoa que você
ocasionalmente vê no supermercado enquanto espera na fila.” (PUTNAM, 1994
p. 3)
Um exemplo de capital social no Estado do Acre, seguindo essa linha de
Putnam, é o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e Xapuri e o
Conselho Nacional de Seringueiros, esse último fundado por Chico Mendes,
31
líder sindical xapuriense, que reuniu em sua luta o trabalho sindical, na defesa
do interesse de uma categoria bem específica de trabalhador rural na floresta
amazônica. Teve seu trabalho reconhecido internacionalmente, sendo várias
vezes premiado, inclusive pela ONU, por sua luta pela implantação das
Reservas Extrativistas. Chico Mendes combinava a defesa da floresta com a
reforma agrária reivindicada pelos seringueiros.
O exemplo dessa construção de capital social demonstrado pela rede de
seringueiros pode ser transferido para os ribeirinhos, os colonos que vivem nos
projetos de assentamento, nas reservas extrativistas e/ou em outras localidades.
Mesmo que haja certa distância entre uma “colocação”7 e outra, essa população
se relaciona, independente das diferenças espaciais que as separam. Essas
redes se diversificam dependendo da sociedade, da cultura nela existente, do
tipo de economia predominante entre outros e diversos fatores que podem
acarretar mudanças de local para local. “O modo como o indivíduo se comporta
é determinado por suas relações passadas ou atuais com as outras pessoas. E
a interdependência das funções humanas sujeita e molda, de forma profunda, o
indivíduo”. (MARTELETO; DE OLIVEIRA E SILVA, 2005).
As relações também passam pela questão da subjetividade, onde cada
trabalhador, morador da zona rural ou urbana, é singular no seu modo de pensar
e agir, pelas diferenças culturais, sociais e econômicas. Porém, numa relação de
interatividade, caso haja pré-disposição para as transformações, advindas da
apreensão da informação pelo receptor, resultará numa nova manifestação
cognitiva. A interação entre cidadãos será empoderativa, se este estiver pré-
disposto a apreender a informação que se sobreporá a outras informações que
ele já possua, sendo inevitável o suscitar de novo conhecimento.
Diante de definições tão fluidas e abrangentes o capital social torna-se
um conceito amplo e difuso, uma vez que redes de confiança e solidariedade
podem referir-se desde uma densa rede de organizações e associações civis
(tais como ONGs, associações profissionais, de classe, religiosas, de bairros,
entidades filantrópicas, cooperativas de produção, grupos em geral etc.) até as
conexões sociais mais informais como conversa entre amigos.
7 Unidade de produção dos seringueiros e local onde constroem suas casas, geralmente dentro do seringal que trabalham. As colocações são distantes em média duas horas de caminhada umas das outras.
32
O questionamento sobre a compreensão de como a elite política local
dirige tais políticas de participação (orçamentos participativos e conselhos
municipais, por exemplo), procurando mostrar seu posicionamento (estímulo ou
desestímulo) frente à representação popular é algo que deve ser mais
aprofundado. A simples existência de conselhos ou de orçamentos participativos
não implica poder de decisão dessas instâncias. A influência no poder decisório
de uma política local por parte de conselhos municipais, por exemplo,
efetivamente será franqueada pelo executivo, ou seja, pela elite dirigente.
Assim, torna-se importante observar num trabalho com este viés qual o nível de
decisão sobre a política e qual relação entre a elite e os membros da instância
colegiada que o controla (FERNANDES; BONFIM, 2005).
Uma diferença importante entre capital social e outras formas de capital é
que o capital social existe em uma "relação social". Reside nas "relações" e não
no indivíduo sozinho, como é o caso de habilidades de capital humano. É
construído em coletividades institucionalizadas tais como: universidades,
corporações, governos, associações informais de pessoas em que o
conhecimento e as visões de mundo formam-se e são transferidas (BAQUERO,
2003 p. 17).
Está claro que, presentemente, as dimensões de capital social (tais como:
confiança das relações entre os indivíduos e instituições; redes e canais
informativos; normas e sanções efetivas) são de importância fundamental na
formação da vida econômica e social. O capital social é considerado produtivo,
pois torna possível alcançar determinados objetivos que na sua ausência não
seria possível (BAQUERO, 2003 p.18) “As comunidades com elevados estoques
de redes sociais e associações cívicas estão em uma posição mais sólida para
enfrentar vulnerabilidades, a pobreza, resolver disputas e/ou tirar partido de
novas oportunidades” (WOOLCOCK, 2001).
Segundo Baquero (2003) as teorias que associam capital social,
sociedade civil e estabilidade democrática são frágeis e que a questão não está
na ausência de solidez teórica, mas sim na forma, ainda não resolvida, de como
se mede a confiança e o capital social. Para o autor é mais provável que os
indicadores empíricos não estejam captando essa associação, pois seria
inconsistente defender que a integração social, a eficiência econômica e a
estabilidade democrática possam ser alcançadas, embora a história mostre que
33
em alguns casos seja possível, mesmo sem confiança por parte dos cidadãos
nas instituições e nos governantes. A existência de confiança não só cria um
ambiente de credibilidade e, conseqüentemente, de legitimidade, como fortalece
o contrato social.
Embora o capital social seja fomentado por uma variedade ampla de
interações formais e informais entre os membros de uma comunidade, uma
análise plena dessas interações não é observável. O que se pode observar é a
prevalência de filiação em organizações voluntárias em um determinado
contexto. Como resultado, ser membro de associações tem-se tornado o
indicador mais adequado para examinar a formação ou destruição de capital
social.
Acredita-se que, ao fazer parte de associações, as pessoas desenvolvem
interações entre si, aumentando a possibilidade do desenvolvimento de
confiança recíproca entre elas.
Em um contexto em que o Estado é ineficiente e com pouca credibilidade,
as redes sociais podem aumentar o desenvolvimento do conflito tanto na
atividade econômica como nas instituições públicas em uma dimensão negativa,
levando à apropriação de recursos políticos e conseqüentemente à
institucionalização de relações pautadas por clientelismo e paternalismo.
(BAQUERO, 2003).
2.4.2 Empoderamento (Empowerment)
A realização do empoderamento fundamenta-se no capital social onde as
inter-relações, seja entre indivíduos ou comunidades, acontecem. A base do
empoderamento é a troca de informação, o apreender dessa informação e o
consequente poder advindo dessa “rede de reciprocidade onde pode haver
ganho” como diz Putnam (1994). O empoderamento acontece quando o
indivíduo/comunidade internaliza a informação, ou melhor, passa a conhecer
seu objeto de interesse (outro) e, assim, poder intervir em tomadas de decisão.
É necessário sublinhar aqui a necessária pré-disposição do
indivíduo/comunidade para que aconteça a assimilação dessa informação.
Dessa forma, haverá empoderamento (pode ser um processo a longo ou curto
prazo, dependendo das necessidades de cada comunidade ou indivíduo, da
cultura e/ou economia predominante local) à medida que vá se alimentando das
34
informações apreendidas do meio externo até que fique apto a participar, ou
melhor, fazer ingerências, quando lhe for oportunizado, nos processos de
elaboração de política pública.
Dos diversos conceitos existentes sobre empoderamento, vê-se que sua
essência está numa simples e mais direta definição: empoderamento requer
recebimento e apreensão de informação, seja espontaneamente ou motivado
por algum tipo de interesse.
Segundo Romano; Antunes (2002), a noção de empoderamento precisa
também considerar as relações de poder existentes nas próprias comunidades e
organizações e nos movimentos da sociedade civil que, voluntária ou
involuntariamente, excluem alguns de seus membros da tomada de decisões, do
acesso aos recursos e do exercício de suas capacidades, as relações de poder
dentro da esfera do mercado, que subordinam ou excluem totalmente os
agricultores familiares do acesso ao mesmo em condições de maior equidade,
quer para comprar, quer para vender.
É um processo que tem origem dentro das pessoas, no seio das
comunidades e das organizações locais, que não pode ser pensado de cima
para baixo (medidas assistencialistas e políticas clientelistas não se enquadram
neste processo), nem de fora para dentro, segundo Sen (apud ROMANO;
ANTUNES, 2002). Os agentes de mudança externos podem ser necessários
como catalisadores iniciais, mas o impulso do processo se explica pela extensão
e a rapidez com que as pessoas e suas organizações se mudam a si mesmas.
O que as políticas e as ações governamentais podem fazer é criar um ambiente
favorável ou, opostamente, colocar barreiras ao processo de empoderamento.
Por outro lado, Blackburn (1993) em seu estudo sobre educação popular
na América Latina, vê educação como um processo de empoderamento pelo
qual os oprimidos tornam-se conscientes das injustiças sistemáticas que os
mantêm pobres e decidem agir para aliviar essas injustiças. Por seu lado,
Friedmann (1996), em sua abordagem de empoderamento, coloca a ênfase na
autonomia das tomadas de decisão de comunidades territorialmente
organizadas, na auto-dependência local, na democracia direta (participativa) e
na aprendizagem social pela experiência. Considera empoderamento todo o
crescimento de poder que, induzido ou conquistado, permite aos indivíduos ou
unidades familiares aumentarem a eficácia do seu exercício de cidadania.
35
Sen (apud ROMANO; ANTUNES, 2002), relaciona empoderamento,
primeiro e antes de tudo, com o poder e suas mudanças em favor daqueles que
anteriormente tinham pouca autoridade sobre suas próprias vidas. Para a
autora, empoderamento é o processo de ganhar poder, tanto para controlar
recursos externos como para o aumento da auto-estima e da capacidade
interna. Ela considera que o verdadeiro empoderamento inclui tipicamente dois
elementos e raramente é sustentável sem algum deles. Uma mudança no
acesso a recursos externos sem uma mudança na consciência pode deixar as
pessoas sem flexibilidade, motivação e atenção para fazer frente a e/ou obter
esse poder, deixando um espaço aberto para que os outros o obtenham. Para
ser sustentável, o processo de empoderamento deve modificar tanto a auto-
percepção das pessoas como o controle sobre suas vidas e sobre seus
ambientes materiais.
Já segundo Baiocchi (apud HENMAN, 2005), as pessoas estão
empoderadas, não como especialistas, mas como membros interessados da
sociedade civil, que formam sua própria administração local e, por isso,
conseguem um papel de participantes na sociedade. Uma das maiores
vantagens deste modelo, de acordo com Baiocchi (apud HENMAN, 2005), são
as idéias similares às apresentadas em favor da descentralização – que é o
ponto de vista trazido pelos processos de tomada de decisões mais próximos
aos moradores locais o que levaria a uma mais justa repartição dos recursos e
mais eficaz atuação dos governos. O autor acredita que os residentes locais
estão mais conscientes das necessidades da sua área e, assim, haveria uma
maior eficiência, pois, são capazes de obter decisões mais rapidamente e exigir
menos técnicos externos (peritos adicionais).
2.4.3 Participação popular e conscientização política
Conceitos contemporâneos sobre envolvimento de comunidades em
esferas públicas estão sendo utilizados para justificar a „participação‟ no
processo de elaboração de políticas na relação sociedade/estado. Segundo
Jacobi (2002), a gestão democrática e participação popular requerem uma forma
combinada de fortalecimento das formas de organização da sociedade civil, uma
mudança na correlação de forças, uma transformação qualitativa dos padrões
36
de gestão, enfim um processo real de democratização do Estado e da sua
gestão.
“As origens do discurso e da prática da participação são múltiplas:
encontramos referências (e elogios) à necessidade do uso de ferramentas
participativas nos manuais das agências internacionais de cooperação para o
desenvolvimento, no âmbito dos processos de reforma do Estado e das políticas
de descentralização, mas também na política de alguns governos locais que
afirmam promover, graças à participação dos cidadãos, estratégias de inovação
e, em alguns casos, de radicalização da democracia local. A participação é
amiúde reivindicação política de alguns movimentos sociais, por exemplo, os
movimentos relacionados à pauta dos trabalhadores rurais sem terra, à gestão
de políticas urbanas ou à educação popular. Além disso, a participação
encontra-se bastante presente no discurso acadêmico e intelectual
contemporâneo.” (MILANI, 2005 p. 3).
Alguns autores definem participação ao dividi-la em diferentes níveis,
segundo os graus de envolvimento dos membros participantes, porém, para
qualquer tipo de manifestação participativa o agente já deve estar empoderado
pelo instrumento “informação” que lhe foi fundamental na construção da sua
cognição resultando, assim, num instrumento de consciência crítica, podendo
colaborar e/ou modificar as políticas públicas locais.
A informação é item importante na forma de participação aqui defendida.
O indivíduo para ser empoderado, deve conter determinado nível de informação
que lhe servirá como munição para intervir na formulação da política do seu
interesse. O processo de empoderamento desse cidadão ou comunidade
perpassará pelo crivo da cognição, da sobreposição do dado novo às
informações de que dispunha anteriormente. O que vale é que este cidadão se
empodere absorvendo as informações, não se deixando manipular pelos
detentores do poder. As diversas formas de poder só podem ser concretizadas
mediante valor obtido através dessa concepção de capital social, levando o
indivíduo/comunidade ao interesse de intervir na elaboração de políticas.
Segundo Bordenave (1994), os líderes comunitários e agentes educativos
sabem que o povo participa mais e melhor quando o problema responde a seus
interesses e não apenas aos da liderança ou das instituições externas.
Entretanto, o processo participativo depende de múltiplos fatores, inclusive da
37
cultura, que é vista como dinâmica e não estática e que evolui constantemente
sob a influência de fatores externos e internos. Sua base, no entanto, constitui-
se de fatores duradouros que a tornam diferente de outras culturas. “Tal síntese
materializa-se em crenças, predisposições, motivações e normas de fazer as
coisas de um povo. No entanto, junto com valores positivos são construídos
valores que influenciam a forma como as pessoas fazem e vêem as coisas em
um determinado contexto” (BAQUERO, 2003).
Para Bordenave (1994 p. 68), a informação é um canal institucional onde
ele afirma que “não há participação popular sem informação qualitativamente
pertinente e quantitativamente abundante sobre os problemas, os planos e os
recursos públicos”.
“A participação em si já é formativa”. O fato de um cidadão ir a uma
assembléia, discutir sua região com a sub-municipalidade, com o representante
do governo, apresentar propostas... Isto já tem uma dimensão formativa
(CUNHA, apud HENMAN, 2005).
Gohn (2004) faz algumas considerações sobre a participação
propriamente dita como sendo uma categoria mais abrangente. Os pressupostos
gerais que sustentam essas afirmações sobre a participação são:
1. Uma sociedade democrática só é possível via o caminho da participação
dos indivíduos e grupos sociais organizados.
2. Não se muda a sociedade apenas com a participação no plano local,
micro, mas é a partir do plano micro que se dá o processo de mudança e
transformação na sociedade.
3. É no plano local, especialmente num dado território, que se concentram
as energias e forças sociais da comunidade, constituindo o poder local
daquela região; no local onde ocorrem as experiências, ela é a fonte do
verdadeiro capital social, aquele que nasce e se alimenta da
solidariedade como valor humano. O local gera capital social quando gera
autoconfiança nos indivíduos de uma localidade, para que superem suas
dificuldades. Gera, junto com a solidariedade, coesão social, forças
emancipatórias, fontes para mudanças e transformação social; e
4. É no território local que se estabelecem instituições importantes no
cotidiano de vida da população, como escolas, postos de saúde etc. Mas
38
o poder local de uma comunidade não existe a priori, tem que ser
organizado, adensado em função de objetivos que respeitem as culturas
e diversidades locais, que criem laços de pertencimento e identidade
sócio-cultural e política.
Existem também algumas premissas básicas relativas à participação da
sociedade civil das quais se destaca na esfera pública – via conselhos e outras
formas institucionalizadas – não é para substituir o Estado, mas para lutar para
que este cumpra seu dever, propiciar educação, saúde e demais serviços
sociais com qualidade, e para todos. Essa participação deve ser ativa e
considerar a experiência de cada cidadão que nela se insere e não tratá-los
como corpos amorfos a serem enquadrados em estruturas prévias, num modelo
pragmatista (GOHN, 2004).
Dewey já dizia: “só é experiência o que refletimos, o que aprendemos. O
que se sedimenta na memória. É aquilo que vem alimentar o sonho, a utopia, a
esperança, a ilusão”. Rudá Ricci (em exposição em Belo Horizonte, 2003)
afirmou: “o mundo da experiência é o da memória coletiva, da solidariedade.
Aquela solidariedade que gera identidade”. Neste mundo há ética, moral,
valores. O pragmatismo não gera experiência porque se refere a ações tópicas,
imediatistas, sem profundidade, sem reflexão (GOHN, 2004).
Baquero (2003) questiona os desafios imediatos relacionados a essa
problemática que dizem respeito a como estimular e motivar os cidadãos a
participarem politicamente em um contexto de fragmentação e crescente
desigualdade social. Como criar e/ou reconstituir um ambiente estimulante para
a participação política? Tais desafios são gigantescos, pois o Estado, ao longo
de sua história, tem perdido a credibilidade em convocar seus cidadãos para
enfrentar essa tarefa. Tornou-se imperativo, portanto, refletir sobre mecanismos
que proporcionem o retorno do cidadão à esfera política.
Putnam e Gross (2002), baseados em teorias desenvolvidas há mais de
um século, têm proposto que os graves problemas econômicos, políticos e
sociais de um sistema político não podem ser resolvidos pela mera existência de
instituições, mas é necessário fortalecer as redes de solidariedade entre os
cidadãos. A consolidação de propostas participativas representa a
potencialização e a ampliação de práticas comunitárias, através do
39
estabelecimento e ativação de um conjunto de mecanismos institucionais que
reconheçam direitos efetivamente exercitáveis e estimulem estratégias de
envolvimento e co-responsabilização (JACOBI, 2002).
O número crescente de iniciativas visando à integração entre poder público,
poder econômico e sociedade civil na discussão sobre planejamento e
desenvolvimento prova que participação é um pré-requisito fundamental neste
processo. As experiências com agências, fóruns, comitês, conselhos etc. estão
se multiplicando no país (GUTBERLET, 2002). A questão fundamental no
momento é saber se a participação popular na elaboração de política pública é,
de fato, uma forma de inserção efetiva de comunidades locais no processo de
tomada de decisão. Responder a este questionamento é o objetivo dos próximos
capítulos.
40
CAPÍTULO 3
O ZEE no Estado do Acre: condicionantes históricos e construção de um modelo.
3.1. A origem do ZEE no Estado do Acre8
O Estado do Acre está situado no extremo sudoeste da Amazônia
brasileira, com população de 655.385 habitantes (IBGE, 2007) dividida em 22
municípios que perfazem uma área territorial de 152.581,388 km2 (IBGE, 2007).
Atualmente, 66% estão concentrados nas áreas urbanas, notadamente na
região do Baixo Acre, em função da capital Rio Branco. Com vistas a uma
melhor gestão, o Estado do Acre é dividido, politicamente, em cinco regionais de
desenvolvimento: Baixo Acre, Alto Acre, Purus, Tarauacá/Envira e Juruá. (Figura
3), que correspondem às microrregiões estabelecidas pelo IBGE e seguem a
distribuição das bacias hidrográficas dos principais rios acreanos (ZEE-AC,
2006). O Estado faz fronteira internacional com o Peru e a Bolívia e nacional
com os Estados do Amazonas e de Rondônia.
O Estado do Acre, mesmo antes de sua anexação ao território brasileiro
em 1903, pelo Tratado de Petrópolis, teve sua economia assentada na atividade
extrativa da borracha, atividade que se desenvolvia pela exploração da floresta
em pé. A partir da segunda metade do século passado, especialmente nos anos
70, o Acre sofreu uma série de transformações sócio-econômicas, concretizadas
na decadência da atividade extrativista e na expansão da agropecuária, marco
histórico de um intenso processo de desmatamento na região, cujas
conseqüências negativas ensejaram a necessidade de intervenção pública via
política de reordenamento territorial (CEDEPLAR, 1979).
O Estado do Acre desempenhou um papel relevante na história da região
Amazônica durante a expansão da economia da borracha pelo potencial de
riqueza natural dos rios acreanos e pela qualidade e produtividade dos seringais
existentes em seu território. A ocupação do território já habitado por indígenas e
8 Os itens 3.1 a 3.3 estão baseados no livro „Documento Síntese da Fase II do Zoneamento Ecológico-Econômico do
Acre‟, páginas de 28 a 34 e no Relatório Final das Oficinas, ZEE-AC, fase II -.Eixo Temático Cultural-Político, 2006.
41
que hoje forma o Estado do Acre teve início com o primeiro ciclo econômico da
borracha, por volta da segunda metade da década de 1800.
Esse ciclo, que marcou os Estados da Amazônia, em geral, está associado
com a demanda industrial internacional da Europa e dos EUA. Com o processo
de vulcanização, John Boyd Dunlop inventou os pneumáticos em 1888 e, a partir
de então, estes passaram a substituir as rodas de aro de ferro das carruagens.
Logo após, seguiram-se outras invenções como a bicicleta e o automóvel, que
também precisavam da borracha. Nesse período, a Amazônia e, em especial, o
território acreano, passou a ser a única fonte mundial da goma elástica.
Para suprir a procura pela borracha, foi organizado um sistema de
circulação de produtos e mercadorias conectando seringueiros e seringalistas,
que comandavam a produção na Amazônia a comerciantes do Amazonas e
Pará e grupos financeiros da Europa, lançando os fundamentos da empresa
extrativa da borracha. A ocupação do Estado do Acre, diferentemente de outros
Estados da Amazônia, apresenta algumas particularidades que merecem
destaque, por suas conseqüências sociais, culturais e políticas. Grande parte
dessas particularidades está associada a questões fundiárias históricas e às
lutas que essas desencadearam desde 1872, quando o governo do Império do
Brasil assina o Tratado de Ayacucho, reconhecendo ser da Bolívia o antigo
espaço que hoje pertence ao Estado do Acre.
A partir de 1878, a empresa seringalista alcançou a boca do rio Acre
(Puerto Alonso) controlando a exploração em todo o médio Purus e, em 1880,
ultrapassou a Linha Cunha Gomes, limite final das fronteiras legais brasileiras,
expandindo-se para território boliviano. Intensa seca ocorrida na região
nordestina, em 1877, disponibilizou a mão-de-obra necessária para o
empreendimento extrativista, população que não estava conseguindo a
sobrevivência em fazendas e pequenas propriedades agrícolas do Nordeste. Na
seqüência, em 1882, os migrantes que vieram do Nordeste brasileiro, fugindo
das secas, fundaram o seringal Empresa, que mais tarde veio a ser a capital do
Acre, Rio Branco. Após a assinatura do Tratado de Petrópolis, em 17 de
novembro de 1903, o território foi anexado ao Brasil. Em 07 de abril de 1904,
através do Decreto 5.188, o Acre foi dividido em três Departamentos: Alto Acre,
Alto Purus e Alto Juruá.
42
Figura 2. Mapa do Estado do Acre dividido em três departamentos
Fonte: Base de dados geográficos do ZEE – AC, Fase II, 2006.
Historicamente, a migração dos nordestinos ampliou as fronteiras do país
na Região Norte e contribuiu para a geração de riquezas oriundas do crescente
volume e valor das exportações brasileiras de borracha no período. A crise de
preços desse produto, nos primeiros anos do século XX, acabou dando origem a
um modelo de ocupação baseado em atividades de subsistência e comerciais
em escala reduzida, dependente diretamente dos recursos naturais disponíveis
no local. Contudo, a partir de 1912, o Brasil perdeu a supremacia da borracha.
Esse fato foi ocasionado pelos altos custos da extração do produto, que
impossibilitavam a competição com as plantações no sudeste asiático; pela
inexistência de pesquisas agronômicas em larga escala devidamente
amparadas pelo setor público; pela falta de visão empresarial dos brasileiros
ligados ao comércio da goma elástica; pela carência de uma mão-de-obra
barata da região, elemento essencial ao sistema produtivo; pela insuficiência de
capital financeiro aliada à distância e às condições naturais adversas da região.
Os seringueiros que trabalhavam na extração do látex se mantiveram em alguns
seringais, sobrevivendo por meio da exploração da madeira, pecuária, comércio
de peles e atividades ligadas à coleta ou à produção de alimentos.
Já na década de 1940, teve início um aumento na demanda externa por
látex, o que levou o governo brasileiro a promulgar o Decreto-Lei nº 5.813, de
43
14/09/45, criando no país a oportunidade de trabalho na extração do látex, em
lugar de prestação do serviço militar obrigatório. Isso resultou, novamente, na
vinda de contingentes de nordestinos para o Acre, mas esse novo ciclo durou
pouco e esteve ligado ao esforço de guerra, quando a produção asiática caiu
sob domínio do eixo.
Como parte do mesmo processo desencadeado pela demanda da
borracha, caucheiros peruanos vindos do sudoeste cortavam a região das
cabeceiras do Juruá e do Purus, enquanto os primeiros seringalistas bolivianos
começavam a se expandir e ocupar as terras acreanas pelo sul. Frente a essas
investidas, os povos nativos da região viram-se cercados por brasileiros,
peruanos e bolivianos sem ter para onde fugir ou como resistir à enorme
pressão que vinha do capital internacional, que dependia da borracha
amazônica.
No passado, os regatões - mascates das águas da Amazônia - aportavam
às margens dos seringais abastecendo seus moradores de produtos diversos,
destacando-se, entre esses personagens, os sírios e libaneses, que realizaram
uma trajetória histórica significativa para a formação do Acre. Essa migração de
origem sírio/libanesa foi realizada por conta dos próprios imigrantes, de maneira
não-oficial ou subsidiada.
Os anos 1970 e 1980 do século XX desenharam outro contexto para o
Acre com a vinda dos chamados “paulistas”. Essa identidade foi atribuída de
forma genérica a grandes empresários sulistas e migrantes rurais que vieram
para o Acre com objetivo de especular com a compra de grandes seringais. É
importante salientar que, apesar de número razoável de pessoas oriundas das
regiões Sul e Sudeste para os Projetos de Colonização, houve um grande
número de pessoas residentes em áreas de florestas ou rurais dirigidas para os
Projetos de Assentamento. Nesse sentido, os assentamentos serviam para
atenuar pressões populacionais do Sul e Sudeste, mas principalmente das
existentes no Acre, pelas quais muitas pessoas foram mortas e expulsas de
suas terras.
A partir de 1975, as chamadas populações tradicionais da floresta
começaram a se organizar e a desenvolver diferentes estratégias de resistência.
Foram fundados os primeiros sindicatos de trabalhadores rurais em Brasiléia,
44
Xapuri, Rio Branco e Sena Madureira. Iniciou-se, ainda, um processo de
demarcação e regularização das terras indígenas acreanas.
No período de 1976 a 1985, o governo federal, por meio do INCRA, deu
início a um processo massivo de discriminação das terras no Estado do Acre,
cujo objetivo era identificar as terras públicas das particulares, freando a ação
nociva dos especuladores e grileiros. No fim da década de 70, utilizando o
estatuto da desapropriação para fins de reforma agrária, foram criados os
primeiros Projetos de Assentamentos Dirigidos (PAD): Peixoto e Boa Esperança,
da colonização oficial da Amazônia ao longo da BR-364.
Em meados dos anos 1970 do século XX, as tensões entre pecuaristas e
latifundiários de um lado e seringueiros do outro fomentaram a expropriação
destes dos seringais, dando origem a um contingente de desempregados nos
bairros e no entorno das cidades acreanas o que estimulou os diversos grupos
sociais a elaborarem novas propostas que foram sendo implementadas em
pequena escala, em todo o Estado. Sublinha-se aqui a regularização de
territórios e acesso a recursos naturais na forma de Terras Indígenas, Projetos
de Assentamento Extrativistas e Reservas Extrativistas e iniciativas voltadas
para adquirir novas tecnologias e conhecimentos para utilizar esses recursos.
A partir de meados dos anos 1990, com a implantação do Plano Real e a
relativa estabilidade monetária, os investimentos de longo prazo ficaram mais
atraentes, provocando queda no preço da terra. Essa queda, por sua vez, tornou
mais acessível a aquisição de lotes que, associada aos programas de acesso ao
crédito para a produção em pequenas e médias áreas igualmente estimulou
novas levas de ocupação da Amazônia.
Ao longo de sua história, a ocupação do território e a organização de
atividades econômicas no Acre, respaldadas por políticas e projetos
governamentais, tipicamente beneficiaram determinados grupos da população
no curto prazo, sem viabilizar um modelo de desenvolvimento duradouro, com
benefícios para todos a médio e longo prazos. A partir dos anos 1970, a
expansão da fronteira agropecuária e madeireira no Acre (ainda de forma menos
intensa do que em outros estados, como Pará, Mato Grosso e Rondônia) foi
acompanhada por uma série de problemas graves: conflitos sociais quanto ao
acesso à terra e a outros recursos naturais, exploração insustentável de
recursos naturais, altas taxas de desistência nos projetos de assentamento,
45
crescimento desordenado de cidades como Rio Branco, entre outros. Em grande
medida, esses problemas resultaram da falta de incorporação, dentro das
políticas e projetos governamentais, dos princípios básicos do Desenvolvimento
Sustentável (ZEE–AC, 2006). A necessidade real de um programa de
ordenamento territorial no Estado do Acre vem desde sua criação, ilustrada por
todos esses motivos acima citados, pela ocupação desordenada de seu território
que perdura de forma diferenciada e menos intensa até os dias de hoje.
Nessa permanente relação entre história, ambiente, economia e
sociedade, em diferentes momentos no tempo, a sociedade acreana constituiu
diferentes identidades sociais: de índios, seringueiros, regatões, ribeirinhos e
paulistas, resultado da inserção de cada segmento em um momento diferente da
história. O resultado é uma sociedade multifacetada, não raro em conflito, que
se desenvolveu em um contexto de disputa por territórios e recursos. O Acre foi
cenário regional do surgimento de organizações sociais e políticas nas últimas
décadas do século XX baseadas na defesa do valor econômico dos recursos
naturais, que resultaram no ZEE.
A perspectiva histórica está inserida todos os temas abordados no
Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) do Acre: da
situação atual dos recursos naturais, passando pela evolução econômica e
populacional e chegando aos aspectos sociais, culturais e políticos. Com o
reconhecimento das territorialidades e construção das identidades acreanas
num contexto de diferenças histórico-culturais constituíram-se elementos
significativos na concepção do ZEE-AC como instrumento de um modelo de
desenvolvimento, centrado na perspectiva da sustentabilidade e gestado a partir
de sua própria história e configuração social.
A necessidade de se fazer um ZEE no Estado do Acre é justamente a de
se buscar um ordenamento territorial com base nos dados sócio-econômicos,
culturais, políticos, ambientais etc. para que haja mitigação dos impactos
negativos desse desordenamento fundiário que a história acreana construiu, e
disponibilizar um instrumento para o planejamento regional.
Abaixo, apresentação do mapa atual do Acre e divisão política que o
separa pelas regionais do Tarauacá/Envira, Purus, Juruá, Baixo Acre e Alto
Acre.
46
Figura 3. Mapa do Estado do Acre dividido por regionais Fonte: Base de dados geográficos do ZEE – AC, Fase II, 2006.
3.2. O ZEE do Estado do Acre: formulação.
O Zoneamento Ecológico-Econômico do Acre é um instrumento de
planejamento e gestão territorial com fim primordial de subsidiar formulação de
políticas, norteando setores governamentais, privados e da sociedade civil
organizada sob as práticas de desenvolvimento sustentável na tomada de
decisão. O Programa Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico - PEZEE
foi instituído pelo Decreto estadual n. 503/1999, diretamente vinculado ao
gabinete do governador, sob a coordenação da Secretaria de Estado de
Planejamento e Desenvolvimento Sustentável – SEPLANDS e como secretaria
executiva, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais –
SEMA, responsável pela coordenação técnica dos trabalhos.
A Comissão Estadual de Zoneamento Ecológico-Econômico – CEZEE foi
constituída também pelo Decreto n. 503/1999 com representação de 34
instituições envolvendo esferas de três grandes áreas que o ZEE atingiu: o setor
47
público, o setor privado e a sociedade civil. Sob essas três áreas foram
montadas oito câmaras técnicas: câmara pública estadual, câmara pública
federal, câmara de trabalhadores, câmara empresarial, câmara indígena,
câmara da sociedade civil, câmara de pesquisa e câmara de representantes de
outras esferas governamentais (Assembléia Legislativa do Estado do Acre -
ALEAC e regionais). Dessa forma os setores, em tese, no sentido de
representatividade, puderam acompanhar todo o processo de elaboração como
também o de diagnóstico e prognóstico do ZEE e avaliar os trabalhos
apresentados.
O ZEE-AC foi dividido em duas fases: I e II. A fase I foi realizada no
período de abril de 1999 a maio de 2000, e compreendeu a elaboração do
diagnostico abrangendo a extensão total do Estado do Acre, com a elaboração
de produtos cartográficos básicos na escala de 1:1.000.000. Grande parte dos
trabalhos foi baseada em dados secundários, aproveitando e sistematizando
diversos estudos já realizados no Estado, o que possibilitou a sistematização de
informações que se encontravam dispersas, algumas delas há mais de dez
anos.
Os produtos do diagnóstico e prognóstico da primeira fase foram
apresentados à CEZEE para análise e deliberação em novembro de 1999. Antes
da reunião plenária, foi realizada uma série de seminários técnicos sobre temas
específicos e oficinas com as câmaras setoriais da CEZEE, no intuito de colher
subsídios para a versão final dos produtos.
Os principais produtos da Fase I foram prognósticos (indicativos) de uso
da terra no Estado de acordo com o listado a seguir :
1. indicativos para a atividade madeireira;
2. indicativos para a criação e consolidação de RESEX‟s e PAE‟s;
3. indicativos para a criação e consolidação de unidades de conservação de
uso direto e indireto;
4. indicativos para a pequena agricultura e empreendimentos agropecuários
de médio e grande porte;
5. indicativos para a criação e consolidação das Terras Indígenas; e
6. subsídios para o desenvolvimento do turismo
48
Na segunda fase do ZEE-AC pensou-se em fazer um eixo exclusivo para
percepção social, segundo os técnicos do ZEE, que foi o cultural-político. Um
eixo que pudesse discutir a história do Estado, nesse processo de construção
onde fluíssem fóruns de participação e discussão (ZEE-AC). Essa segunda fase
surgiu para identificar as necessidades de aprofundamento de informações
disponibilizadas na primeira fase, bem como a viabilização de levantamentos
adicionais a nível estadual e/ou em áreas geográficas específicas, implementar
experiências participativas de ZEE em áreas piloto e escalas apropriadas em
nível regional, municipal e comunitário, contemplando inclusive a sua integração
com Planos Municipais e Regionais de Desenvolvimento Sustentável.
O resultado de maior destaque dessa segunda fase é o Mapa de Gestão
Territorial do Estado do Acre (MGT), elaborado numa escala 1:250.000, tendo
como base cartográfica a escala 1:100.000. O MGT envolveu uma
“estratificação” do território acreano em quatro grandes zonas, que apresentam
as seguintes características gerais:
Zona 1 - consolidação de sistemas de produção sustentáveis:
São áreas de influência direta das rodovias BR-364 e BR-317, de
ocupação mais antiga do Estado com atividades agropecuárias e madeireiras.
Também estão associadas às novas frentes de expansão e conversão das
áreas florestais para o desenvolvimento de atividades agropecuárias. São,
ainda, áreas ocupadas pela agricultura familiar em projetos de assentamento,
pequenos produtores em posses, médios e grandes pecuaristas e áreas
florestais de grandes seringais. Parte das áreas desta zona está sem situação
fundiária definida ou não está inserida no Cadastro georreferenciado do INCRA.
As unidades territoriais desta zona incluem áreas de Reserva Legal e Áreas de
Preservação Permanente (APPs). Nessa zona se concentra a maior proporção
de propriedades com passivo florestal.
49
Figura 4. Ocupação do Território da Zona 1, no Estado do Acre. Fonte: Base de dados geográficos do ZEE-AC, Fase II, 2006.
Zona 2 - Uso sustentável dos recursos naturais e proteção ambiental:
São áreas protegidas na forma de unidades de conservação de proteção
integral (Parque Nacional, Parque Estadual, Reserva Biológica, estação
ecológica, monumento natural, refúgio de vida silvestre, etc), de uso sustentável
(Floresta Nacional, Floresta Estadual, Reserva Extrativista, área de proteção
ambiental, área de relevante interesse ecológico, reserva de fauna, reserva de
desenvolvimento sustentável, reserva particular do patrimônio natural, etc.) e
Terras Indígenas. Os projetos de assentamento diferenciados estão
contemplados nesta zona, uma vez que sua população é extrativista e
predomina o uso sustentável dos recursos naturais.
50
Figura 5. Ocupação do Território da Zona 2, no Estado do Acre. Fonte: Base de dados geográficos do ZEE-AC, Fase II, 2006.
Zona 3 - Áreas prioritárias para o ordenamento territorial:
São áreas demandadas por populações tradicionais e/ou recomendadas
pelos estudos técnicos do ZEE-AC para criação de novas unidades de
conservação, terras indígenas e projetos de assentamento diferenciados. Inclui
ainda as áreas já estabelecidas de produção ribeirinha ao longo dos rios do
território acreano.
Figura 6. Ocupação do Território da Zona 3, no Estado do Acre. Fonte: Base de dados geográficos do ZEE/AC, Fase II, 2006.
51
Zona 4 - Cidades florestais:
São áreas municipais caracterizadas por espaços urbanos circundados
por diferentes paisagens rurais com predominância de florestas. A estratificação
das vinte e duas cidades acreanas em subzonas tem como critério sua inserção
nas sub-bacias hidrográficas.
Figura 7. Ocupação do Território da Zona 4, no Estado do Acre. Fonte: Base de dados geográficos do ZEE/AC, Fase II, 2006
Conforme o Documento Síntese do ZEE-AC, a segunda fase avançou em
cinco aspectos fundamentais: (i) no aprimoramento dos instrumentos de
participação da sociedade e formulação de políticas públicas, (ii) na
incorporação da dimensão política e cultural no âmbito dos estudos
desenvolvidos, (iii) na integração dos diversos temas com a utilização do SIG na
escala 1:250.000 e tendo como base cartográfica a escala 1:100.000, (iv) na
incorporação da Nova Linha Cunha Gomes9 e novos limites municipais, ambos
validados pelo IBGE e (v) na definição de diretrizes e estratégias para o
planejamento territorial em diferentes escalas, as quais estão cada vez mais
compatíveis com as demandas do planejamento territorial, com forte ênfase para
a gestão ambiental e o desenvolvimento local.
Nos aspectos legais, após sua conclusão em 2006, o ZEE passou por
trâmites para sua regulamentação. Primeiro, foi transformado em 05 de junho de
2007 na Lei Estadual nº 1904/2007. Posteriormente, no mês de outubro de
9 È o limite legal que separa os Estados do Acre e Amazonas. Por decisão do Supremo Tribunal Federal, foram
incorporados 1.228.936,05 ha do Estado do Amazonas ao território acreano (ZEE/AC. 2000 p. 99).
52
2007, foi aprovado pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA e
pelo Ministério da Agricultura. Em 30 de maio de 2008 foi aprovado pelo
Presidente Luís Inácio Lula da Silva, por meio do Decreto Presidencial n. 6469.
3.3 O desenvolvimento do ZEE participativo no Acre
No processo de elaboração do ZEE-AC, ainda na primeira fase, sentiu-se
a necessidade de inserir a participação da sociedade no Programa de ZEE. O
GTS (Grupo Técnico de Sistematização) reunia-se com o pessoal da CEZEE,
inclusive no início dos trabalhos, para definir em conjunto, quais os produtos
esperados na Fase I, ou seja, os indicativos resultantes dessa primeira fase.
Além disso, houve várias reuniões nos Municípios para mostrar o que já havia
sido produzido, intuindo ouvir a opinião dos atores sociais locais (essas reuniões
eram, muitas vezes, denominadas de oficinas). Os resultados dessas reuniões
estão espalhados, muitas pessoas envolvidas, na época, estão fora do
processo. Isso dificultou o agrupamento desses dados. Além disso, mudanças
aconteceram na equipe de técnicos executores da primeira para a segunda fase.
Segundo a equipe executora entrevistada, o componente de participação
na fase I aconteceu, mas de forma mais restrita, razão pela qual se buscou
maior envolvimento das comunidades (incluindo as tradicionais) através da
criação do eixo cultural político, também chamado de “visão de presente e
futuro”, na fase II. Nesse eixo a visão de presente significa como o
indivíduo/comunidade se vê hoje, ou seja, o diagnóstico de sua situação atual e
a visão de futuro reflete como as “coisas deveriam” ser, mas numa relação direta
com a gestão do território.
Montenegro (2001) conclui em seu trabalho, baseado apenas na primeira
fase de elaboração do ZEE-AC, que ainda existem algumas lacunas a serem
preenchidas, principalmente no tocante à participação dos grupos de interesse:
„„muitos atores envolvidos não sabem a essência do projeto e eles participam
dos encontros com o GTS (Grupo Técnico de Sistematização) procurando uma
solução para seus problemas, como se o zoneamento fosse resolvê-los‟‟.
Ainda segundo Montenegro (2001), não foi observada uma maior
integração entre os diferentes atores. “Não existiam, por exemplo, reuniões
entre grupos de interesse para debater e fortalecer suas opiniões acerca do
53
ZEE-AC, antes do fórum geral. As discussões só aconteciam em reuniões gerais
com todos os membros da Comissão Estadual Coordenadora do ZEE-AC”.
Na segunda fase do ZEE, de acordo com os técnicos executores,
pensou-se em inserir um eixo exclusivo para captar a percepção social, que foi o
cultural-político onde se pudesse discutir a história do Estado nesse processo de
construção e de onde fluíssem fóruns de participação e discussão. Isso foi
concretizado pela realização de oficinas participativas nos Municípios, com a
presença de lideranças das comunidades, onde lhes eram repassadas as
informações sobre o instrumento ZEE, utilizando uma combinação de três
métodos denominados de Grupo Focal, ZOPP e ISSI, descritas a seguir:
1. Grupo Focal: um método de caráter participativo que tem como
proposta extrair posições dos sujeitos acerca de determinadas
questões ou interesse, onde são feitas entrevistas do tipo semi-
estruturadas com um grupo designado de focal. No caso das
oficinas realizadas no Acre, cada município teve dois grupos
focais: o de representantes – gestores e o de representados
(comunidade em geral).
2. Método ZOPP: método do planejamento de projetos orientados
por objetivos, também foi utilizado. Este método é composto por
três elementos: i) processo de planejamento baseado em
diagnóstico - ii) elaboração de marco lógico e iii) técnicas
participativas de trabalho em grupo que possibilitem o método
de planejamento dos atores envolvidos no processo de
planejamento; e
3. Método ISSI: indicadores de sustentabilidade e sistemas de
interesses, que é um método que tem como propósito levantar
os interesses acerca de temas ou questões comuns.
O método ZOPP complementou o grupo focal no seguinte aspecto: poder
de síntese, uma vez que as oficinas foram realizadas numa média de 6 horas
cada, dividida em dois períodos: manhã e tarde.
54
Cada indivíduo recebeu um jogo de etiquetas adesivas com as cores
vermelha e amarela. A cor da etiqueta indica o grau de importância que os
participantes atribuíram aos problemas ou às soluções apontadas. A cor
vermelha indica que o problema/solução tem prioridade máxima, a cor amarela
significa que o problema/solução tem um nível de prioridade inferior à cor
vermelha e quando não for colocada nenhuma etiqueta será nível baixo. As
etiquetas foram marcadas com um número que serviu para identificar o ator no
momento das discussões e problemas/soluções.
Durante a realização das oficinas não houve divisão da sociedade
presente por grupos de interesse. Os temas e as perguntas foram tratados de
forma generalizada entre os presentes, aparentemente subdivididos apenas dois
subgrupos – gestores e pessoas comuns.
As perguntas poderiam ter sido separadas por seus grupos de interesse,
por exemplo: a produtividade do solo é de interesse do produtor, já os conflitos
fundiários são uma preocupação que atinge às comunidades indígenas, de
maneira geral. Já o tema relativo ao zoneamento, deduz-se que pra que essa
pergunta seja respondida, os participantes precisariam, primeiramente, entender
sobre o ZEE. Aí entra outra questão que é a da apreensão do objeto ZEE. Aí
fica um questionamento: será que a comunidade apreendeu o significado de
ZEE, numa explanação de meia hora sobre o instrumento, durante as oficinas?
No Documento Síntese do ZEE-AC (2006, p. 273) reconhece-se que “em
termos de participantes nessas reuniões (oficinas) é notável que os grupos do
setor público, municipal e estadual, foram os participantes mais numerosos tanto
em representantes quanto em representados.” Das 10 oficinas analisadas,
constantes no Relatório Final das Oficinas Participativas (SEMA-AC, 2006),
estando algumas incompletas em relação ao número de
representantes/representados (Grupo Focal), dos convidados presentes, 71,2%
eram funcionários públicos. Fica então a preocupação mais direcionada ao ZEE
como instrumento de gestão do território. Será que os funcionários públicos
teriam mais a contribuir nesse processo de elaboração do ZEE-AC do que o
produtor rural, o extrativista, o seringueiro ou o indígena? Esses representam
9,6%, ainda nessas 10 oficinas analisadas, incluindo nesse percentual, os
representantes do STR como representantes também do pequeno produtor
não assentado em projetos de assentamento.
55
É indiscutível aqui a importância do ZEE para o Estado do Acre, como
também o empenho de seus executores em agrupar, em um único lugar, os
dados relativos ao planejamento e à gestão territorial, os quais, dessa forma,
subsidiarão os tomadores de decisão na formulação de políticas públicas com
maior eficiência e eficácia. Mas, não se pode deixar de questionar se “os mapas
de zoneamento estão baseados diretamente na visão de problemas e soluções
prioritárias, que foram propostas nas oficinas”, como explicitado no Documento
Síntese ZEE-AC (2006, p. 273). Por não estarem claros os registros das
expectativas e aspirações, tanto quanto dos valores culturais das populações
locais, assim como a real incorporação destas no produto final do ZEE, a saber,
o Mapa de Gestão Territorial.
56
CAPÍTULO 4
Evidências de Participação no ZEE Participativo do Acre
4.1 – Aspectos metodológicos:
Em relação aos aspectos metodológicos, foi consultada literatura sobre
ZEE, capital social, empoderamento e participação popular. Além disso, foi
analisado o Documento Síntese do ZEE do Acre, o Relatório Final (2006) das
Oficinas Participativas que aconteceram no eixo cultural-político, na segunda
fase do ZEE-AC onde estão descritas 07 (sete) oficinas das quais apenas duas
estão completas em número de representantes e representados (grupo focal):
que são as de Xapuri e Plácido de Castro. Além dessas, mais 03 (três)
relatórios de oficinas foram recebidos por e-mail. Do total de 10 oficinas
analisadas 71,2% dos presentes são funcionários públicos, 9,6% população
tradicional (índios, extrativistas, ribeirinhos, produtores rurais (STR), 19,2%
outros (estudante, religioso, associação morador, associação rural, empresário,
Organização Não-Governamental etc.). Consultou-se ainda a Ata da primeira
plenária da CEZEE realizada em agosto de 1999 e o Mapa de Gestão
Territorial (produto final ZEE-AC).
Além da literatura analisada, realizou-se uma pesquisa de campo
baseada em 37 (trinta e sete) entrevistas. Um critério utilizado na escolha dos
entrevistados foi o de que estivessem presentes na oficina participativa que
aconteceu no seu município. Foram entrevistados: funcionários públicos
(32,4%), população tradicional (35,1%), membros da CEZEE-AC (10,8%),
técnicos executores do PEZEE-AC (8,1%) e outros (13,6%) (estudante,
pecuarista, membros de associação de bairro etc.). Com o intuito de tornar a
apresentação do trabalho mais objetiva, os entrevistados foram divididos em
três grupos: o de técnicos executores do Programa de ZEE-AC, o de membros
da CEZEE e o de representantes da população tradicional (representa grupos
de interesses distintos).
A pesquisa foi realizada em 4 (quatro) das 5 (cinco) regionais que
dividem o Estado politicamente onde, segundo dados do IBGE de 2007,
57
somam 471.843 habitantes, distribuídos em 8 municípios, do total de 655.385
habitantes dos 22 (vinte e dois) municípios que integram o Estado do Acre. As
entrevistas aconteceram em Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Rodrigues Alves
(regional do Juruá); Brasiléia, Epitaciolândia, Xapuri (Regional do Alto Acre),
Sena Madureira (Regional do Purus) e Rio Branco (Regional do Baixo
Acre). As entrevistas foram direcionadas aos agentes participantes do processo
de elaboração do ZEE-AC, principalmente àqueles que durante as oficinas
participativas representaram as populações tradicionais. As entrevistas foram
distribuídas espacialmente, não por serem melhor analisadas à luz da
distribuição espacial ou pela densidade demográfica dos Municípios, mas com
o objetivo de alcançar um maior número de grupos de interesse, principalmente
da população tradicional, por dependerem primordialmente do uso da terra e
por terem sido muito citados nesse processo dito participativo do ZEE-AC.
Quadro 1. Relação dos entrevistados
ENTREVISTADOS ENTIDADES/ÓRGÃOS
PÚBLICOS
MUNICÍPIOS POPULAÇÃO (Dados IBGE
2007)
REGIONAL
Entrevistado número 1
Órgão Ambiental Cruzeiro do Sul
73.948 habitantes Juruá
Entrevistado número 2
Organização Não-Governamental – ONG
(extinta)
Cruzeiro do Sul
Juruá
Entrevistado número 3
Associação dos Seringueiros e
Agricultores da Reserva Extrativista do Juruá - ASAREAJ/Amigos das
Águas do Juruá – AMAJ
Cruzeiro do Sul
Juruá
Entrevistado número 4
Sindicato dos Trabalhadores Rurais –
STR
Cruzeiro do Sul
Juruá
Entrevistado número 5
Organização das Populações Indígenas do
Vale do Juruá –
OPIRJ
Cruzeiro do Sul
Juruá
58
ENTREVISTADOS ENTIDADES/ÓRGÃOS
PÚBLICOS
MUNICÍPIOS POPULAÇÃO
(Dados IBGE 2007)
REGIONAL
Entrevistado número 6
Sindicato dos Trabalhadores Rurais –
STR
Rodrigues Alves 12.428 habitantes Juruá
Entrevistado número 7
Sindicato dos Trabalhadores em
Educação no Acre –
SINTEAC
Rodrigues Alves Juruá
Entrevistado número 8
Pastoral da Criança e do Idoso
Rodrigues Alves Juruá
Entrevistado número 9
Secretaria de Assistência Técnica e Extensão
Agroflorestal –
SEATER
Rodrigues Alves Juruá
Entrevistado número 10
Escola Estadual/estudante
Rodrigues Alves Juruá
Entrevistado número 11
Secretaria Estadual de Educação/professor
Mâncio Lima 13.785 habitantes Juruá
Entrevistado número 12
Secretaria Estadual de Educação –
SEE/professor
Mâncio Lima Juruá
Entrevistado número 13
STM
Mâncio Lima Juruá
Entrevistado número 14
Sindicato dos Trabalhadores Rurais
Brasiléia 19.065 habitantes Alto Acre
Entrevistado número 15
Associação dos Moradores da Reserva
Extrativista Chico Mendes
Brasiléia Alto Acre
Entrevistado número 16
Associação do Bairro Liberdade
Epitaciolândia 13.434 habitantes Alto Acre
Entrevistado número 17
Secretaria de Saúde Epitaciolândia Alto Acre
Entrevistado número 18
Sindicato dos Trabalhadores Rurais
Epitaciolândia Alto Acre
Entrevistado número 19
Associação dos Moradores e Pequenos Produtores da Reserva
Extrativista Chico Mendes – AMOPREX
Xapuri 14.314 habitantes Alto Acre
Entrevistado número 20
Associação dos Moradores e Pequenos Produtores da Reserva
Extrativista Chico Mendes – AMOPREX
Xapuri Alto Acre
Entrevistado número 21
Comunidade Dois Irmãos Xapuri Alto Acre
Entrevistado número 22
Secretaria Estadual de Educação – SEE
Xapuri Alto Acre
59
ENTREVISTADOS ENTIDADES/ÓRGÃOS
PÚBLICOS
MUNICÍPIOS POPULAÇÃO
(Dados IBGE 2007)
REGIONAL
Entrevistado número 23
Cooperativa Agroextrativista/Sindicato dos Trabalhadores Rurais
– STR
Xapuri Alto Acre
Entrevistado número 24
SEMAP Xapuri Alto Acre
Entrevistado número 25
Fundação Nacional do Índio – FUNAI/Índio Etnia
JAMINAWA
Sena Madureira
34.230 habitantes Purus
Entrevistado número 26
Colônia de Pescadores Sena Madureira
Purus
Entrevistado número 27
Sindicato Rural (Pecuarista)
Sena Madureira
Purus
Entrevistado número 28
Órgão Ambiental Sena Madureira
Purus
Entrevistado número 29
Funcionalismo Público Municipal
Sena Madureira
Purus
Entrevistado número 30
Órgão Ambiental Sena Madureira
Purus
Entrevistado número 31
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do
Acre – SEBRAE/AC
Rio Branco 290.639 habitantes Baixo Acre
Entrevistado número 32
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária –
EMBRAPA
Rio Branco Baixo Acre
Entrevistado número 33
Federação da Agricultura do Estado
do Acre – FAEAC/Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural –
SENAR
Rio Branco Baixo Acre
Entrevistado número 34
Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária – INCRA
Rio Branco Baixo Acre
Entrevistado número 35
Órgão Ambiental Rio Branco Baixo Acre
Entrevistado número 36
Universidade Federal do Acre – UFAC
Rio Branco Baixo Acre
Entrevistado número 37
Órgão Ambiental Rio Branco Baixo Acre
Além dessas, algumas não aconteceram pela indisponibilidade dos
indivíduos/representantes de comunidades em falar, seja pelo fato de terem
esquecido o assunto ou por insegurança ou por acharem que seria mais um
60
programa de governo onde não veriam resultado e não quiseram fazer
exposição. As entrevistas foram direcionadas aos agentes participantes do
processo de elaboração do ZEE-AC, principalmente àqueles que, durante as
oficinas participativas, representaram as populações tradicionais, objetivando
avaliar seu nível de envolvimento no processo de elaboração no ZEE-AC.
4.2 – A percepção dos técnicos e integrantes da CEZEE10
Nos ZEEs de outros Estados do Brasil trabalhou-se principalmente com
dois eixos: o eixo ambiental, que considerou os recursos naturais; e o eixo
sócio-econômico, com predominância de dados secundários fornecidos pelo
IBGE. No caso do Estado do Acre, foi criado um eixo que incorporasse a
história das pessoas, considerando sua tradição, cultura, suas aspirações bem
como o uso atual, as fragilidades e os usos potenciais naquelas áreas. Essa foi
a base de construção do eixo temático „visão de presente e futuro‟ também
denominado de eixo cultural político. Assim, as entrevistas aconteceram no
eixo cultural político, na segunda fase do ZEE-AC, considerado no documento
síntese como uma inovação por “incorporar identidades, modos de vida e
aspirações das populações locais”.
O eixo cultural-político foi considerado pelos técnicos executores como
uma evolução pela inovação em relação à elaboração de ZEEs. Ressaltaram
que essa evolução em relação à participação popular só aconteceu, na
segunda fase do ZEE-AC, quando da criação do eixo inovador, conforme
observado pelo entrevistado número 35:
Esse foi o grande diferencial do nosso zoneamento, já na segunda fase
e também foi um processo de evolução dessa questão de participação.
Além do trabalho da comissão coordenadora, tinha o trabalho desse
eixo cultural político onde você foi avançando o processo de
participação popular e o contexto de zoneamento. (ENTREVISTADO
NÚMERO 35)
Um exemplo que eu uso pra falar da primeira e segunda fase é o dos
óculos: se eu tirar os óculos eu não vejo ninguém aqui nessa sala, se
eu colocar os óculos eu vejo todo mundo. Isso é o zoneamento fase I
10
A opinião dos técnicos e integrantes da CEZEE está contemplada em todo o item 4.2.
61
e fase II. Na primeira fase nós tínhamos a visão míope, na segunda
fase, nós tínhamos a visão mais detalhada. (ENTREVISTADO
NÚMERO 35)
Cabe ressaltar que, segundo os técnicos executores, na primeira fase
foram 11 Municípios e na segunda, aos 22 Municípios que integram o Estado,
para debater com lideranças locais em oficinas participativas objetivando,
segundo os técnicos, informar e discutir sobre ZEE com as comunidades. Para
isso, utilizaram uma metodologia chamada de grupo focal onde debatiam os
principais problemas que as comunidades viam em seu território e ouviam
quais soluções elas apontavam para resolver esses problemas. Disseram ainda
terem optado pela realização de oficinas para que trabalhassem conjuntamente
atores da sociedade civil e o Estado numa base dialógica.
A criação de grupos de instituições públicas, de organizações não-
governamentais, dos representantes dos trabalhadores, do patronato, da
Federação da Indústria, do Comércio, da Agricultura etc., em discurso retórico
de executores, garantiu a representação das pessoas escolhidas pelas
instituições que tinham um perfil mais adequado para participar, nesse caso, as
instituições estrategicamente escolhidas eram as que lidavam com as questões
ambientais, de produção e de pesquisa existentes no Estado.
Na comissão que foi criada estava uma pluralidade de representação,
mas em termo de interferência no resultado foi pequeno pelo nível de
trabalho que há num ZEE. (ENTREVISTADO NÚMERO 33)
Segundo membros da CEZEE, a falta de percepção de algumas
instituições do potencial de impacto do seu próprio setor para a sociedade
causou falha nesse processo. No caso da instituição pública, que em alguns
casos, apontou seu representante na CEZEE, com perfil inadequado para tal
função. Com o tempo esta situação foi mudando, as instituições passaram a
indicar pessoas que realmente representassem seus setores. Houve casos em
que estavam presentes o representante com direito a voto, acompanhado de
outros colegas para orientar seus posicionamentos, até porque houve
dificuldade de se reunir num único indivíduo toda a competência para
representar um setor.
62
Ainda segundo os executores, buscou-se consenso com as
comunidades, considerando os problemas e perspectivas apontados durante
as oficinas e, nas divergências, emergiam soluções pactuadas resultando em
diversas estratégias e tomadas de decisões.
O PEZEE foi disponibilizado para consulta pública seis meses antes de
seu lançamento para que a população pudesse apresentar suas propostas.
Apesar desta afirmação, este fato foi observado em apenas dois casos:
sugestões de uma ONG local e, como mostra o exemplo abaixo, da Federação
de Agricultura do Estado.
No dia do pré-lançamento, a Federação da Agricultura disse: olha, nós
queremos ter uma sub-zona específica pra produção familiar, que não
estamos vendo nesse mapa que vocês construíram. Agora, você olha
o mapa e tem uma zona específica pra produção familiar.
(ENTREVISTADO NÚMERO 35)
O fato do ZEE ter sido disponibilizado para consulta não
necessariamente implica que as comunidades estavam aptas a opinar e
interferir neste momento, como exemplifica o entrevistado número 32:
Em muitas situações, esse aspecto deixou a desejar por causa do tipo
de tratamento dos dados, principalmente com relação aos estudos
mais técnicos do eixo de recursos naturais e sócio-econômico. No caso
do eixo cultural político, como havia uma metodologia diferente, acho
que a compreensão da sociedade foi maior [...]. (ENTREVISTADO
NÚMERO 32)
As visões de técnicos executores, acima expostas, com relação às bases
técnicas e metodológicas de elaboração do ZEE são em geral positivas. Ao
contrário, a posição de alguns membros da CEZEE é crítica quando afirmam
que no aspecto “compreensão do significado de ZEE”, no âmbito das comissões
técnicas, muitas dificuldades se manifestaram como obstáculos ao bom
andamento do processo. Segundo os membros da CEZEE entrevistados, muitas
vezes, áreas abstratas para sociólogos, cientistas políticos e outros cientistas
63
das áreas de ciências sociais, ciências humanas e de outros matizes, que
tiveram dificuldades em entender o universo das questões enfrentadas.
Um exemplo pode ser dado em relação às dificuldades de análise e
interpretação dos dados como os do município de Sena Madureira, que tem
população de 34.230 habitantes (IBGE, 2007) distribuída em 25.278 km2 (IBGE,
2007), dividida em terras onde vivem tribos indígenas, algumas com índios
arredios, pequenos agricultores, extrativistas, ribeirinhos, com diversidade
cultural significativa de uma ponta a outra do território, num mesmo limite de
área municipal. Esse é um fator que justifica a dificuldade do cálculo da média
de qualquer atributo desse município pelos dados do IBGE, o resultado não
reflete a realidade local.
Segundo os técnicos executores, ao se fazer apresentação dos estudos,
os temas de maior domínio dos técnicos e de menor compreensão da população
eram aqueles dos eixos de recursos naturais e sócio-econômico. Ainda segundo
os técnicos, quando se trabalhava o eixo cultural político havia um nível de
compreensão maior da população. Ao se captar melhor a percepção e a
vivência da sociedade e poder cruzar os dados desse eixo com os dos outros
dois eixos tentou-se evitar que o ZEE se tornasse um instrumento
essencialmente técnico e não captasse inteiramente a visão e as aspirações da
sociedade.
Os técnicos executores do ZEE-AC disseram ser o ZEE parte integrante
das ações do Estado. A difusão acontece em vários níveis, desde a questão
formal que está no documento síntese publicado, a programas de rádio, DVD
interativo, disponibilização de material sobre ZEE na internet, elaboração de
cartilhas visando o pequeno produtor e o professor. Há ainda a formulação de
16 livros técnicos (em andamento) apresentando o ZEE desde sua concepção,
da metodologia de trabalhos sobre biodiversidade, gestão territorial etc. Há
também a transferência de conhecimento no „aprender brincando‟ que são 13
jogos ambientais educativos para crianças sobre o ZEE e ainda buscam-se
formas de popularizar os mapas, torná-los mais acessíveis e de fácil
interpretação.
Ao serem interpelados pela não continuidade das atividades de difusão
do PEZEE, coordenadores justificam que o ZEE não terminou assim como as
comunidades alegam, e sim, o que terminou foi a sua „elaboração‟, o PEZEE na
64
verdade, continua na forma de sub-programas como por exemplo: o programa
de valorização do ativo florestal, de recuperação de áreas degradadas, de
reflorestamento e de certificação da propriedade. Quer dizer, o ZEE se
desdobrou em quatro programas que se materializaram nas zonas especiais de
desenvolvimento que são aquelas regiões onde há melhor infra-estrutura, maior
densidade populacional e também nas Zonas de Atendimento Prioritário – ZAP,
que já é uma fase de implantação.
Quando você fala hoje em zoneamento, as pessoas acham que
acabou, na realidade, ele se transformou em outros programas de
política de governo. (ENTREVISTADO NÚMERO 32)
É importante frisar que a difusão do ZEE-AC, segundo os técnicos
executores, não foi interrompida na fase de elaboração, mas continuou sendo
disseminada também na fase de implementação. Segundo análise de membros
da CEZEE, algumas pessoas tiveram um nível maior de informação do que
outras. Não obstante, o ZEE ainda não foi massificado, conforme declarações
abaixo:
O que nós queremos é sair daqui, chegar lá no seu João, lá na beira
do Rio Yaco, lá nas cabeceiras, e falar sobre zoneamento e ele dizer:
„Isso aqui é um negócio interessante‟. Isso a gente não conseguiu fazer
ainda. (ENTREVISTADO NÚMERO 35)
Tem um balde de informação, só que a gente só conseguiu jogar
algumas gotas, a gente quer jogar um balde na cabeça de todo mundo,
o conhecimento. (ENTREVISTADO NÚMERO 35)
Mesmo dentre os participantes da CEZEE, onde existia outro nível
cognitivo, a compreensão não foi massificada, pelo contrário, houve queixas de
não entendimento.
Acho que nos encontros era uma visão muito superficial, não acho que
ali há uma assimilação de conhecimento, é muita informação, você
precisa consultar periodicamente esse trabalho pra conhecer e se
quiser conhecer tem de se dedicar. Senão você fica sabendo só que tá
na zona 1, 2, 3 ou 4 e mais nada. (ENTREVISTADO NÚMERO 33)
65
Mesmo assim, segundo os técnicos, houve o interesse, a comunicação.
Houve tentativa de sensibilização gradual e, na medida em que foram
acontecendo os eventos, alguns com mais, outros com menos pessoas, essa
informação foi circulando, o que, para membros da CEZEE, pouco influencia no
produto final do ZEE:
Está se criando no Brasil uma tradição de se fazer esse tipo de
participação popular, esse tipo de assembleísmo que é típico do
momento que nós vivemos e do governo que nós temos, mas pra
determinados assuntos como o zoneamento eu acho que ela tem uma
importância que influencia muito pouco no produto final.
(ENTREVISTADO NÚMERO 33)
Os técnicos executores acentuam que têm feito até hoje um esforço, para
explicar o ZEE de forma cada vez mais simples. A partir daí começa-se a trocar
experiência, trabalhando essa abordagem de ter referências para que os grupos
nas discussões pudessem entender e discutir o ZEE com os indígenas, com os
produtores rurais, com grandes produtores, facilitando ainda mais o
entendimento.
Segundo os técnicos executores, na primeira fase de elaboração houve
uma comunicação mais restrita com a sociedade. No entanto, depoimentos de
técnicos que participaram da fase I contestam esta idéia, argumentando que
houve sim, bastante mobilização nos Municípios quando estudos técnicos foram
elaborados e apresentados os indicativos para as comunidades, para que os
munícipes pudessem fazer uma tomada de decisão em relação ao uso atual e
potencial para cada comunidade poder expressar seus problemas em relação ao
uso dos recursos naturais e falar sobre sua visão de futuro:
Tudo era anotado nas reuniões. Dezenas de fitas foram gravadas nas
reuniões com depoimentos e nada disso foi incorporado no documento
síntese, a não ser os relatórios feitos pelos consultores.
(ENTREVISTADO NÚMERO 36)
66
Não obstante, pela complexidade e grande variedade de informações, o
ZEE não permitiu que as pessoas de baixo conhecimento técnico pudessem
participar de uma discussão mais profunda, muito menos contestar o material
elaborado com embasamento técnico, até pelo currículo das pessoas que o
fizeram, o trabalho merecia credibilidade, pelo menos do ponto de vista técnico.
Não é fácil nem pro povo que tá lá, eu quero dizer pro sociólogo, pro
pedólogo, entendeu? Tú imaginas pra população tradicional. É lógico
que de certa forma, se disser: ah! Isso é bom pra isso ou pra aquilo,
assimilam. Mas entender, de fato, não entende, porque até nós não
entendíamos. (ENTREVISTADO NÚMERO 36)
Eu acredito que o governo deve ter conseguido comunicar com
somente 15 ou 20% da população, mas houve o processo de
multiplicação. (ENTREVISTADO NÚMERO 32)
Quando vou a qualquer reunião nos municípios vejo que continua a
ignorância. As pessoas querem saber detalhes de como usar sua
propriedade, quer dizer, isso independe de escala, seja 1:1.000.000 ou
1:250.000. Não se pode por no mapa o que elas poderão fazer com
suas terras. Na realidade, são diretrizes gerais para tipo de ambiente,
de território.(ENTREVISTADO NÚMERO 36)
Houve pouca abertura pra discutir o direcionamento político que se deu ao
processo de elaboração do ZEE, pois, ao se fechar determinados índices,
determinados dados pra que se estabelecessem as regras de uso de
certa região etc. houve, sim, algum tipo de discussão, algumas
modificações, mas de coisas que já estavam, de certa forma, delineadas.
(ENTREVISTADO NÚMERO 33)
Eu participei ativamente desse processo e acredito que na primeira
fase foi até mais difícil fazer essa ponte. Não quer dizer que tenha sido
efetiva porque uma coisa é você tentar comunicar, outra coisa é quem
já foi comunicado entender a mensagem e de fato se apropriar daquilo
de forma a mudar. Que houve tentativas de se levar o zoneamento
para os municípios e pras entidades de classe, isso houve. Houve
dezenas de reuniões. (ENTREVISTADO NÚMERO 36)
67
Durante os encontros os participantes que se destacam são aqueles
que já têm história nas lutas de classe etc. mas o cidadão comum não
se manifesta, ou o faz com muita timidez. (ENTREVISTADO NÚMERO
36)
A maioria dos membros da CEZEE não teve participação direta nesses
trabalhos, era apenas quase que um referendo daquilo que os técnicos
elaboravam. Na verdade, o ZEE foi feito intra-muros pelo próprio
governo e algumas pessoas que o governo buscou especialmente na
EMBRAPA e outras instituições e consultores que eventualmente
participaram de algumas das suas fases ou de alguns trabalhos
específicos. (ENTREVISTADO NÚMERO 33)
Naturalmente, a divulgação aconteceu no início da articulação e se
concentrou no processo de difusão do produto do ZEE que não deve ser
encarado como produto final e sim contínuo. Segundo os técnicos executores,
existem duas formas de continuidade: uma é quando os dados são alimentados
e devolvidos, isso é o mínimo que se deve fazer para as pessoas que
contribuíram com o ZEE e a outra é incentivar mecanismos de ampliação de
escalas de repetição do instrumento tais como criar zoneamentos municipais,
por exemplo.
Em 2008, segundo técnicos, fechou-se um mapeamento no Estado de
1.900 núcleos populacionais11, 70% na área urbana e 30% na área rural. São
duzentas mil pessoas residentes na área rural do Estado. Agora, O ZEE não
conseguiu chegar aos 1.900 núcleos populacionais, segundo os técnicos.
A construção do mapa de gestão foi considerada pelos técnicos uma
tarefa árdua que envolveu interesses e relações de poder estabelecidos na
tentativa de legitimar esses interesses. Como havia comitê técnico com pessoas
com diferentes formações e vivências, avaliava-se a qualidade dos dados, dos
temas, dos relatórios que estavam sendo gerados, na busca de sentido desses
dados e, muitas vezes, se detectava não conformidades entre eles.
No geral, segundo os técnicos, a intervenção da população tem
limitações, embora com aspectos positivos. Então, quando um estudo técnico
indica que uma área tem fragilidade, não tem potencial para determinadas
atividades, a comunidade pode mostrar o contrário e, muitas vezes, de forma
11
Comunidades.
68
sustentável. Neste caso, a “ciência normal” deve abrir mão de sua postura de
apego aos seus postulados e incorporar o saber empírico da comunidade.
Conforme membros da CEZEE, o governo local procura dar esse caráter
de participação popular, de discussão ampla da sociedade, de chamar todos os
setores, movimentos sociais, a sociedade civil organizada, para que essas
ações de política pública sejam implementadas como forma de democratizar as
decisões. Mas, ainda segundo os membros da CEZEE, no fundo, as decisões
já estavam tomadas, ou eram tomadas de acordo com o que pensava quem
estava planejando, quem estava implementando essas ações políticas.
4.3 A percepção dos participantes das oficinas, em especial a população tradicional.12
Dos entrevistados participantes 90% disseram ter sido as oficinas
bastante divulgadas. O restante achou a divulgação insuficiente. A maioria das
oficinas aconteceu nas sedes dos Municípios.
Teve a visão dos técnicos, mas teve também a visão dos
representantes de comunidades tradicionais que questionavam. Os
temas colocados foram bem explicados. (ENTREVISTADO NÚMERO
4)
Eles levam muito a sério com a gente, pra gente aprender e tudo, mas
nós esquece um bocado de coisa”. (ENTREVISTADO NÚMERO 26)
Recebi livros do ZEE na Associação mas lá poucas pessoas ou
ninguém repara nos livros, faz que nem ver. (ENTREVISTADO
NÚMERO 3).
Durante os eventos, técnicos fizeram explanação do Programa, ouviram
os representantes das comunidades anotando suas demandas e dúvidas. A
questão da complexidade coloca em pauta a capacidade de compreensão dos
participantes nos debates e sua participação efetiva, ensejando respostas que
vão da incapacidade de compreensão de um discurso alheio à sua vivência
12
Este item foi baseado no resultado das entrevistas com os participantes das oficinas, em especial da
população tradicional.
69
quotidiana, embora haja percepções diferentes do nível de complexidade ou de
qualidade do material utilizado nas oficinas:
A linguagem que eles usavam deu pra todo mundo entender, mesmo
que seja um agricultor lá do interior e tudo. Eles nunca falaram acima
da capacidade dos que tavam presentes. (ENTREVISTADO NÚMERO
8)
A metodologia era até fácil, ruim era a gente entender a linguagem
técnica, pra gente que não tem conhecimento de linguagem técnica
fica ruim da compreensão. (ENTREVISTADO NÚMERO 6);
A gente participava. Ele fez que nem uma árvore. Agora eu não lembro
mais quais eram as palavras que tinha lá, só sei que era uns papelzim
verde, uns amarelim. Sei que era no cartaz grande, formou equipes pra
ver quem ganhasse e quem perdesse. Mas não lembro o que era.
(ENTREVISTADO NÚMERO 9);
Já tinha um plano. Se uma coisa fosse bem ao contrário, não era
permitido que mudasse tanto, agora, aproximado, era possível mudar.
(ENTREVISTADO NÚMERO 22)
Quando eu participei, da minha parte deu pra entender, deu pra
perceber também que os demais companheiros que se faziam
presente tavam entendendo. Quando eram solicitados pra se
manifestar alguma posição, se colocavam dentro do assunto.
(ENTREVISTADO NÚMERO 5)
Naquela hora que eles tão explicando, a gente tá entrando no assunto
mas depois passa e pronto. (ENTREVISTADO NÚMERO 5)
Cartilhas com os fundamentos básicos sobre ZEE foram distribuídas no
período de realização das oficinas participativas. Esse procedimento indica o
reconhecimento da necessidade de democratizar a informação para
proporcionar uma participação popular efetiva. Mas o conhecimento é um
processo cumulativo e lento, que não se obtém com iniciativas imediatas, de
curta duração.
70
Sempre eles davam aquelas cartilhas pra gente ficar vendo como
funcionava, mas eu deixei tudo na colônia e não sei o que eles fizeram.
(ENTREVISTADO NÚMERO 26)
Acho que, como foi elaborado as cartilhas e foi entregue pra muita
gente, deveria ter acontecido umas oficinas nas comunidades pra que
todo mundo entendesse o que tava escrito naquela cartilha com a
participação das principais lideranças dos locais. (ENTREVISTADO
NÚMERO 23)
A cartilha faz tempo que eu li e não tô lembrado mais o que tem tanto
nela. (ENTREVISTADO NÚMERO 23)
Havia perspectiva, de técnicos executores, de que o conteúdo transmitido
durante as oficinas aos representantes e representados presentes se
multiplicasse a partir dali, visando à disseminação do ZEE. Alguns
representantes se esforçaram em fazer esse repasse, mas demonstram
algumas de suas dificuldades nas afirmações abaixo:
O zoneamento é uma coisa muito boa, mas a maior parte não
entendia. Eles marcavam reunião na cidade porque na área de
pescadores, que é lá no rio Purus é difícil de ir. Eu sempre reclamava
nas reuniões que eles tinham que fazer essas reuniões lá dentro das
comunidades e explicar bem pra todos porque só pra mim...
(ENTREVISTADO NÚMERO 26)
Nós reunimos por comunidade. Como a gente tem mais acesso às
comunidades terrestres, então a gente trabalhou terrestre, que no caso
são os agricultores, os produtores rurais. Conhecendo a área deles, a
necessidade deles e vendo a situação que ele se encontra com aquela
área. Então, por não ter conhecimento técnico, você trava.
(ENTREVISTADO NÚMERO 4)
As nossas ações estão planejadas pra serem executadas em prol das
comunidades que ainda não estão bem informadas, a gente já
identificou essa deficiência de informação e tá incluindo ações que
venham a esclarecer essas informações pra elas. (ENTREVISTADO
NÚMERO 5)
71
Representantes da população tradicional entre outros participantes das
oficinas observaram que o ganho de sua população em relação à compreensão
do ZEE poderia ter sido significativo se mais encontros e/ou oficinas tivessem
acontecido nas comunidades locais.
A gente consegue avançar se abrir a mente de quem não tá
conseguindo entender, e aí com isso a gente ganha muito mais.
(ENTREVISTADO NÚMERO 4)
Então a gente vê que pra se trabalhar o ZEE, se não tem técnico então
tem que, pelo menos, capacitar quem quer. Esse é um espaço que é
dado pras sociedades civis organizadas e não é só dar o espaço mas
garantir com que eles trabalhem, os recursos, os mecanismos.
(ENTREVISTADO NÚMERO 4).
Durante as oficinas recebiam as informações, porém quando os
representantes passavam os informes para seus representados deixavam
muito a desejar. Ficou clara a dificuldade de falarem sobre ZEE aos seus
representados, numa demonstração de falta de domínio do instrumento e frágil
processo de empoderamento:
Acredito que as comunidades recebiam muito pouca informação
sobre os assuntos tratados nos encontros. Eles não ficavam bem
informados, não. Acredito que poderiam ficar mais. (ENTREVISTADO
NÚMERO 13)
Temos que ser ouvidos. Esticar esses encontros até as comunidades
tradicionais, ribeirinhos, proprietários, produtores rurais... quando eu
falo em proprietário também tô falando do empresário, fazendeiro que
tá lá no meio, pra que todos que estão nas comunidades possam
entender. Isso é um clamor! (ENTREVISTADO NÚMERO 4)
Agora foi só uma oficina de capacitação, se tivesse tido mais... a gente
teria toda propriedade de falar nas comunidades, porque uma coisa
distorcida dentro de uma comunidade, não se dá como informação, se
dá como ego de destruição. A gente tem todo esse cuidado. É o
conjunto. (ENTREVISTADO NÚMERO 4)
72
Recebia (a informação), mas quando chegava lá já era uma coisa mais
fraquinha e na fraqueza deles (dos representantes), o povo
enfraquecia mais ainda. E depois que eles saiam, aí parece que eles
levavam na mochila. (ENTREVISTADO NÚMERO 20)
As comunidades recebiam muito pouca informação sobre os assuntos
tratados nas oficinas porque do zoneamento a gente entende pouco,
né? Assim... é algo muito técnico. Então a gente sabe passar muito
pouco pra eles, na verdade. (ENTREVISTADO NÚMERO 6)
Acho que só a gente mesmo que é as principais lideranças, é que sabe
mais ou menos o que é zoneamento e, aliás, nem todos, mas, mais ou
menos a gente tem em mente o que significa zoneamento e pra que
serve. (ENTREVISTADO NÚMERO 23)
As principais lideranças participaram das oficinas, os representantes
de sindicatos, de associações, várias pessoas participaram, só que a
maior parte não repassa. Quem passa sobre o zoneamento ecológico-
econômico são os trabalhadores rurais. O pessoal que trabalha nos
bairros não passa nada disso porque até se reunir, reúne pouco.
(ENTREVISTADO NÚMERO 23).
Representantes de órgãos governamentais ambientais orientaram os
líderes comunitários para que, como multiplicadores do PEZEE, levassem às
suas comunidades os conteúdos discutidos nas oficinas participativas. A
dificuldade desses em repassar as informações era clara. Portanto, não se pode
desconsiderar, nesse processo de transmissão da informação, a subjetividade
inerente aos transmissores da informação tanto quanto aos receptores.
Havia certa dificuldade, sem dúvida, mas a equipe tentava repassar
os conhecimentos, tentava colocar num nível bem acessível pras
pessoas que estavam sendo entrevistadas, tentava trabalhar os
conceitos, mas tinha um pouco de dificuldade. (ENTREVISTADO
NÚMERO 1)
Na Colônia, eu passava pros pescadores: „a gente precisa gravar na
cabeça‟, mas pouca gente participava. (ENTREVISTADO NÚMERO
26)
73
Além disso, a transmissão da informação feita pelos representantes das
comunidades se não feita de forma convincente, segura, o receptor não dará
importância e tratará do assunto com desconfiança. Sendo a informação
negativa pode fazer com que a comunidade não queira se envolver por não
conseguir entender sobre o ZEE.
Há que se observar a falha de governo advinda da dissociação de
atividades governamentais do PEZEE. Um expressivo número de
representantes da população tradicional queixa-se da falta de continuidade do
Programa, de que mais oficinas poderiam acontecer. Além disso, desconhecem
se os dados fornecidos pelas comunidades, de seu conhecimento empírico,
foram utilizados no documento síntese do ZEE.
Nós não tivemos recebimento de nada. Até disseram que iam fazer o
mapeamento pra nós. Até hoje estamos esperando esse mapeamento.
Acabou-se, foram embora, sumiram. (ENTREVISTADO NÚMERO 25)
Eu acho que precisava mais vezes, ir levando pra aquelas
comunidades mais informação. Foi pouca informação.
(ENTREVISTADO NÚMERO 2)
A gente precisa pegar o resultado daquele trabalho e isso eu não
peguei. Acho que, pelo menos os participantes, precisam daquele
material pra saber o que é feito com a participação deles.
(ENTREVISTADO NÚMERO 14)
Um ponto negativo é que parou, não foi criado grupo que pudesse
reivindicar junto ao governo, junto às instituições pra que dessem um
suporte nisso aí. (ENTREVISTADO NÚMERO 21)
O entendimento não é uma questão de tema, vai muito pela
continuidade do assunto. Não foi dado muita continuidade.
(ENTREVISTADO NÚMERO 21)
Teve questionamentos, eles ouviram as comunidades. Teve tudo isso.
Mas eu volto a repetir: se tivesse tido a continuação pra fazer com que
esses participantes que tiverem aqui fossem transformador de opiniões
nas comunidades. A gente tem espaço dentro da comunidade pra
sentar e discutir. (ENTREVISTADO NÚMERO 4)
74
Pra nós, depois de 2006 não acompanhou mais nenhuma discussão
específica do Zoneamento. Nós tivemos convites do estado pra outras
discussões como o Projeto de Desenvolvimento Sustentável financiado
pelo BID e dentro desse Projeto tinha uma câmara que a gente discutia
as nossas demandas, mas não era claramente ligada ao ZEE, da
minha parte não sei se era ligado ao zoneamento. (ENTREVISTADO
NÚMERO 5)
Líderes de comunidades dizem ter havido um grande esforço do pessoal
encarregado de conscientizar a população, mas reclamam da não-continuidade
do Programa, da falta de acompanhamento nas comunidades:
Houve um esforço do pessoal encarregado de fazer esse trabalho, de
conscientizar a população... mas às vezes as pessoas não continuam
(técnicos), vem uma ou duas vezes e não vem mais. Aí o pessoal
„pensam‟ que não é pra continuar... (ENTREVISTADO NÚMERO 3)
Agoras, ajudei a dizer que era bom, era fundamental, teve muito
incentivo, mas não foi colocado em prática, não teve uma continuidade.
(ENTREVISTADO NÚMERO 20)
É por isso que eu acho que essa oficina aqui tem que ter continuidade.
(ENTREVISTADO NÚMERO 4)
No primeiro momento entenderam, acho que deveriam voltar na
comunidade pra falar do resultado. Não houve retorno, acabou, o livro
aconteceu, ficou na prateleira guardado. (ENTREVISTADO NÚMERO
28)
Olha, quando teve o encontro, foi considerado, mas se você levar pro
lado da prática tem uma deficiência muito grande, não tem o
acompanhamento junto às comunidades, porque o que o produtor, as
famílias tradicionais, os ribeirinhos, os indígenas, posso falar pelos
indígenas... O que todos eles querem é ter o acompanhamento dentro
da área deles, dentro da comunidade, que saia aquela coisa de sala
grande, com aquela coisa de muita gente, vamos pra prática, vamos ao
menos ser realistas uma vez na comunidade, que faz parceria com o
Sindicato, que assim só teria a ganhar, que o zoneamento não seria
um tema abordado só por técnicos e sim por uma participação mais
relevante dos trabalhadores. (ENTREVISTADA NÚMERO 4)
75
Aconteceu um encontro na reserva extrativista que era o meu lugar de
referência, de lá a gente levava pras comunidades, depois as
lideranças saiam espalhando o que ouviram. Aconteceu com a
presença dos técnicos de Rio Branco. (ENTREVISTADO NÚMERO 3)
Então houve discussão dentro dos temas que foram abordados e eu
lembro de um trabalhador que colocava as questão dele, falava de
uma forma como se tivesse tratando do problema dele. E a gente como
comunidade quer trabalhar os problemas da comunidade e não só de
um trabalhador. Diferente de eu ou de outras pessoas que estavam lá,
que entende, acompanha e que tira as dúvidas.O trabalhador, ele tem
dúvida, e muitas vezes não sabe como se dirigir pra fazer a pergunta.
(ENTREVISTADO NÚMERO 4)
As nossas comunidades não sabem planejar a longo prazo, então finda
dificultando. (ENTREVISTADO NÚMERO 4)
As oficinas não foi uma coisa que pudesse atender a todas as
comunidades, teve exceções mais voltadas pras áreas de conflito,
ribeirinhos, extrativistas e a gente sente a necessidade de estar voltado
pra todos os pontos, por isso eu acho que não deveria ter ficado só
nessa, teria que ter tido mais. (ENTREVISTADO NÚMERO 4)
A questão da representatividade tá pequena no encontro. Devemos
esticar nossos encontros até as comunidades tradicionais, ribeirinhos,
proprietários, produtores rurais, quando falo em proprietário eu tö
falando de fazendeiros, tem que ser esticado pra todos.
(ENTREVISTADO NÚMERO 4)
A opinião de participantes de oficinas, incluindo pecuarista da regional do
Purus, contrapõe a de técnicos e até de membros da população tradicional local,
descontentes com a forma como foram conduzidas as oficinas participativas e
por achar que foram dirigidas e que, na maioria das vezes, aprovava-se o que
estava pré-estabelecido, onde os coordenadores davam as posições que
deveriam ser tomadas e a opinião da comunidade não prevalecia. Segundo eles,
as informações recebidas pela comunidade apresentavam-se num
linguajar complicado, muito técnico e distanciavam os participantes do
assunto.
76
Eu me revoltei e comecei a participar. Não fui convidado, mas moro a
uma quadra do lugar onde aconteceu a oficina. Vi o movimento, entrei
e participei. Fui pra observar o que era aquilo que só dava funcionário
público. É verdade que tinha alguns presidentes de bairros, de
associações. Agora, o cara todo fedido, cansado, suado, que andou
dois, três dias pra chegar aqui, os pobres miseráveis só estavam ali
aprovando as coisas que já vêm prontas. Na verdade, das idéias deles
nenhuma era observada. (ENTREVISTADO NÚMERO 27)
Os técnicos ensinavam pra nós e a gente passava o que entendia pra
eles, assim, eles concordavam, às vezes não, às vezes eles queriam
colocar do jeito deles, né? Aquelas coisas mais difíceis, mas às vezes,
a gente entendia. Eu, né? Não sei os outros. Eles diziam que não
entendiam também. (ENTREVISTADO NÚMERO 9)
Foi repassada a informação, mas pra poder interferir, na hora que você
recebe, não tem muito argumento porque é uma coisa nova pra eles e
pra gente. (ENTREVISTADO NÚMERO 22)
Sublinha-se aqui o nível de apreensão das informações recebidas pelos
representantes e de qual forma foram transmitidas às comunidades e como os
indivíduos/comunidades as receberam. Apesar de perceberem esforço dos
coordenadores das oficinas em transmitir o significado de ZEE os participantes
acreditam que, por falta do conhecimento técnico, o instrumento tornava-se de
difícil compreensão. As exceções seriam Xapuri e Cruzeiro do Sul onde, de
acordo com os depoimentos, percebeu-se a existência de pessoas mais
politizadas por participarem de movimentos sociais há muitos anos e que
apresentaram um nível de apreensão maior. Todos os outros entrevistados
reclamaram ter sido pouco o entendimento do que era apresentado nas oficinas
do ZEE, como exemplificado abaixo:
O ZEE é uma coisa muito boa, mas a maior parte não entendia.
(ENTREVISTADO NÚMERO 4)
Nós trouxemos o produtores e quando os Coordenadores colocavam
sobre ZEE, os trabalhadores ficaram perdidos porque não conhecem,
não sabem o que é ZEE. (ENTREVISTADO NÚMERO 4)
77
Posso dizer que era entendido pelo menos daqueles que tavam
presente ali. Nós temos uma certa formação que já ajudava mas se
fosse pro entendimento, do povão, eu diria que não. (ENTREVISTADO
NÚMERO 11)
Temos problemas na modificação do plano, onde uma ou duas
pessoas tá entendendo, aí o técnico influencia em algumas coisas, às
vezes uma vírgula, uma palavra que tá ao contrário do que os técnicos
falam, aí o produtor, a gente acaba sofrendo alguma consequência
com isso. (ENTREVISTADO NÚMERO 21)
Os problemas e desejos das comunidades não foram totalmente
considerados, algumas coisas já vinham prontas... (ENTREVISTADO
NÚMERO 21)
Apesar disso, houve contribuição de comunidades prestando informações
de seu conhecimento empírico sobre utilização dos recursos naturais do
ambiente em que vivem. Numa entrevista com um índio da etnia Jaminawa,
perguntado sobre o método e a linguagem utilizados no PEZEE ele respondeu
que foi bom pelo fato da maioria dos administradores de sua região ser índio e
por ele entender das questões do mundo civilizado. Fez parte do GT entre
antropólogos e sertanistas e pessoas da própria comunidade envolvidas no
Programa. Segundo ele, a comunidade contribuiu com o conhecimento empírico
fornecendo o nome dos igarapés, do tipo de vegetação existente na região etc.
Os temas mais discutidos eram a madeira e sua exploração e, sendo explorada,
especificar se por indígenas ou não-indígenas e dizer qual o objetivo da
exploração; também a caça, esclarecer o motivo de seu distanciamento das
localidades, se por ter sido muito explorada ou por não existir mais o seu tipo de
alimento nas proximidades.
Nós fomos convidados porque a BR atinge nós. (ENTREVISTADO
NÚMERO 25)
A gente questionou bastante mas os técnicos foram bastante bons no
convencimento. Deu pra nós entender que era importante pra nós ter o
conhecimento sobre a questão da própria terra, onde é que solta fruto
ou falta aquilo outro, da onde vem a água que tu bebe...Todo esse
78
conhecimento pra nós foi importante. A troca do nosso conhecimento
com o dos técnicos foi importante. (ENTREVISTADO NÚMERO 25)
Perguntados sobre se as principais perspectivas e problemas dos atores
participantes foram considerados no relatório final, as respostas denotam uma
reclamação quase que unânime de que não houve retorno às comunidades.
Cadê o relatório final? Nós não tivemos recebimento de nada. Até
disseram que iam trazer o mapeamento pra nós. Acabou-se, foram
embora, sumiram. Do nosso ponto de vista, da comunidade, acharam
interessante porque nós nunca tinha visto isso. Ter esse diagnóstico é
muito importante: de onde vem a água que tu bebe etc. Nós fizemos,
todo mundo participou, agora o que tá deixando muito a desejar é esse
material que foi feito ou se alguém não fez, porque eles até disseram
pra nós: isso vai ser uma bíblia pra vocês. Assim que terminar vocês
bota de baixo do braço e vai trabalhar com ele. E aí nós tamos
esperando e até agora, nada. Acho que meu santo é muito fraco.
(ENTREVISTADO NÚMERO 25)
Eu fiz parte do GT, um grupo de trabalho que chegou aqui nessas
comunidades, pra dizer pros parentes que era importante isso. Quem
vai casar nunca diz que vai ser ruim no futuro, sempre é bom.
(ENTREVISTADO NÚMERO 25)
Aconteceu reunião aqui na minha comunidade, no Vale do Juruá, mas
quantas comunidades não ficaram soltas? (ENTREVISTADO
NÚMERO 3)
A gente falou muito sobre o assunto, expôs situações verbalmente,
escrevíamos em tarjetas, colocávamos no mural, de tarde foi recolhido
tudo aquilo, feito relatório manuscrito... eles faziam o relatório, mas do
que a gente tinha colocado. Só que não voltou nada! A gente perdeu
tempo, à beça. A gente foi ouvido, agora, se as minhas idéias
realmente foi levada em conta, aí eu fico em dúvida. (ENTREVISTADO
NÚMERO 11)
Um entrevistado ligado à atividade pecuarista da regional do Purus disse
ser o método e a linguagem utilizados na oficina em que participou no período
de elaboração do ZEE, de difícil compreensão da população tradicional ali
79
presente. Segundo ele, há uma sistemática dentro de uma sala, depois vai para
apreciação geral, mas quando vem do conjunto geral, sua consideração já não
estava mais. Era indeferida antes.
Os presidentes de associação davam opinião, a pessoa que controlava
lá na frente não anotava, aí eu falei: mas que barbaridade! Agora
quando era pra pedir emprego, pra aumentar o número de funcionário,
aí eles anotavam. Mas quando o interesse é pra agricultor ou pra
população, aí não aparece nada. Mas toda vez que a opinião da
população era diferente da opinião que veio aí a coisa não ia, não
andava. Eles ouviam a opinião, muitas vezes anotavam, mas, no fritar
dos ovos, não eram consideradas. (ENTREVISTADO NÚMERO 27)
Ao entrevistado acima foi perguntado de qual forma a comunidade
procurava contribuir durante as oficinas participativas, ele respondeu que achou
interessante que, mesmo na sua simplicidade, muita gente deu opinião.
Mas a gente é muito levada no cabresto. Porque do jeito que são feitas
as perguntas, do jeito que é conduzido...você é conduzido dentro de
um cercado, dentro de um rumo, não é uma coisa muito ampla, não. E,
muitas vezes, quando ela fica muito ampla elas trazem pra dentro
daquilo que é do interesse deles. Eles conseguem trazer pro rumo
deles. A população fala tanta bobagem que você fica até bobo de ver
quanta bobagem a população coloca. (ENTREVISTADO NÚMERO 27)
Eles falam melhor do que a gente, têm mais experiência pelo fato
desses funcionários públicos participarem demais das reuniões...Hoje
eu tenho um pouquinho mais de capacidade verbal, mas eu não tinha
nenhuma. Você fica nervoso, começa a suar, você não consegue nem
se expressar, dizer o que você quer, então fica difícil.
(ENTREVISTADO NÚMERO 27)
A compreensão da comunidade sobre o instrumento ZEE foi discutida
pelos entrevistados como frágil no período da elaboração do Programa:
Muitas vezes a gente fica em dúvida, aí muitos dizem que entenderam,
mas muitas vezes falam, mas não entendem. (ENTREVISTADO
NÚMERO 2)
80
Não digo integralmente que todas parcialmente tiveram esse
entendimento porque nem todas as pessoas são esclarecidas. Embora
falassem a nossa língua, pelo menos na reserva foi assim, as pessoas,
passado aquele momento ou esquecem ou não levam a sério. Acho
que deve haver mais oficinas, porque desse jeito, dar o ensinamento e
ir embora, tchau, não funciona. (ENTREVISTADO NÚMERO 3)
O pessoal explicava como é que era, não teve assim, do meu ponto de
vista, a participação da comunidade. O pessoal mais ouviram, né?
(ENTREVISTADO NÚMERO 15)
Foi repassada a informação, mas na hora que você recebe não tem
muito argumento pra poder interferir porque é uma coisa nova pra eles
e pra gente. (ENTREVISTADO NÚMERO 22)
A gente tá falando pra aquela pessoa mas ela tem dificuldade pra
entender. Aí eu trago o exemplo de casa: a minha esposa gosta de ler,
tem uma letra invejável e essas coisas não entre na cabeça dela. Por
que isso? Não sei. (ENTREVISTADO NÚMERO 20)
O depoimento abaixo ilustra a falta de interesse, resultante do fato da não
compreensão dos representantes durante as oficinas:
Eu acho que eles não entenderam é porque às vezes eles saem
muito, tem gente que chega nas oficinas, num encontro fica entrando e
saindo, quando ele volta, às vezes, já começou o assunto, ele dá uma
saída, no que ele volta, aquele assunto já foi e tá começando outro.
(ENTREVISTADO NÚMERO 23)
Os representantes de comunidades durante as entrevistas expuseram as
dificuldades do envolvimento da população local no Programa, por principais
motivos:
a) política (não acreditam mais nas ações de governo)
b) dificuldades logísticas (relacionadas ao transporte)
Por exemplo, quando o rio está cheio o acesso fica bom para as
populações ribeirinhas, quando o rio está seco fica difícil a participação deles.
Para os produtores rurais é difícil a trafegabilidade no período chuvoso. Para
que acontecessem esses encontros seria preciso de toda uma estrutura do
81
Estado, viabilizando espaço para mais comunidades participarem. Seria, muito
mais proveitoso, segundo eles, se os encontros acontecessem nas
comunidades. Haveria maior resultado no sentido de envolvimento dos
moradores da comunidade e de comunidades vizinhas.
Não houve uma participação maciça pela dificuldade de deslocamento,
pelas despesas com isso e com aquilo. (ENTREVISTADO NÚMERO
3)
O zoneamento é uma coisa muito boa, mas a maior parte não
entendia. Eles marcavam reunião na cidade porque na área de
pescadores, que é lá no Purus (rio) é difícil de ir. Eu sempre reclamava
nas reuniões que eles tinham que fazer essas reuniões lá dentro das
comunidades e explicar bem pra todos porque só pra mim...
(ENTREVISTADO NÚMERO 26)
A comunidade é grande mas na hora de participar não vem nem a
maioria. Lá é trezentas e poucas famílias. Nós temos até hoje lá, trinta
e poucas participando da oficina. Mais entre os vizinhos, por isso não
tem como ter muita divergência porque os problemas são tudo
parecidos. (ENTREVISTADO NÚMERO 14)
Segundo uma organização indígena, ao longo desse processo de
participação, percebeu-se que o ZEE é do Estado e dentro dele tem situações
diferentes, então os indígenas começaram a ver de que forma seriam
contemplados e como o ZEE atenderia suas demandas. A partir daí começou-se
a discutir a idéia de um zoneamento específico para as terras indígenas, de
acordo com sua cultura e suas especificidades e esse processo começou pelas
terras que estavam sendo impactadas. Requerem ainda o mapeamento de suas
terras para que possam fazer gestão territorial de acordo com suas
necessidades e acham que assim estarão inseridos no PEZEE.
O etnozoneamento13 das terras indígenas deu-se paralelamente ao
PEZEE e teve início pelas terras indígenas que estavam sendo impactadas, as
que fazem parte do plano de mitigação da pavimentação da BR-364:
13
No Acre, o etnozoneamento surgiu como resposta do Governo do Estado aos impactos negativos a serem
provocados pelas Rodovias BR 364 e BR 317.
82
No geral, tivemos esses avanços de ter um zoneamento específico das
terras indígenas e esse processo começou pelas terras indígenas que
estava sendo impactadas pelas ações do estado, por exemplo, a BR-
364. Hoje se discute a possibilidade de fazer o zoneamento em outras
terras indígenas que não tão diretamente ligadas aos impactos das
ações do estado, mas considerando que estão dentro do estado.
(ENTREVISTADO NÚMERO 5)
Em relação à contribuição dos representantes de comunidades indígenas
no etnozoneamento, esta aparece de forma mais significativa do que outras
comunidades, talvez pelo fato de serem de mais difícil acesso, algumas vivendo
em quase total isolamento, mantendo seus costumes e tradições por gerações.
A forma que a comunidade contribuiu foi dando o conhecimento da
localidade pra poder botar no mapeamento, dizendo o nome dos
igarapés, a forma da vegetação, se era capoeira, se era mata.
Contribuiu na forma do conhecimento deles, dentro da onde eles
sobrevivia, do conhecimento da prática. (ENTREVISTADO NÚMERO
25)
O que as pessoas mais valorizavam era madeira: aquela localidade se
já tinha sido explorada e, se foi explorada, foi pelos indígenas ou pelos
não-indígenas e o objetivo dela. E outra coisa, também que eles
abordaram bastante foi a razão do muito afastamento da caça de perto
da localidade, se era porque era muito caçado ou porque foi muito
explorada a comida que os animal comia. (ENTREVISTADO NÚMERO
25)
Entrevistados mostraram-se decepcionados por ter sido o ZEE noticiado
como algo grandioso, o qual resolveria todos os problemas dos moradores da
floresta.
Isso é como dizer que o cara é bonito, bonito... mas quando o cara
aparece... é feio. (ENTREVISTADO NÚMERO 20)
83
4.4 Comparando percepções
Quadro 2 – Percepção dos entrevistados, dentre eles, membros da CEZEE, técnicos executores do ZEE e „participantes‟ das oficinas.
ZEE Participativo no Acre? Técnicos Executores
Comissão Estadual de ZEE - CEZEE
População Tradicional Outros
1. Divulgação (convite) das oficinas
Houve boa divulgação da realização das oficinas, convidando a sociedade civil organizada para participar. A divulgação foi feita pela mídia, em especial por rádios por ser um meio de grande alcance muito utilizado em comunidades afastadas, por carros-volante e envio de ofícios para que os órgãos públicos enviassem seus representantes.
2. Disseminação:
Alcance (geográfico)
Foi realizada uma oficina em cada um dos 22 municípios do Estado. Foram mapeados 1.900 núcleos populacionais
84
ZEE Participativo no Acre?
Técnicos Executores
Comissão Estadual de ZEE – CEZEE
População Tradicional Outros
(comunidades). Mesmo assim, segundo os Técnicos Executores, o ZEE não conseguiu chegar a todas essas comunidades.
Continuidade
Houve continuidade. O ZEE apenas mudou de nome, foi transformado em outros programas (subprogramas) que estão sendo desenvolvidos no Estado. Os Técnicos Executores (ao contrário do que pensa a população tradicional), disseram ser o ZEE parte integrante das ações do Estado e que a disseminação aparece em de diversas formas: em DVDs, internet,
Consideraram „boa‟ a disseminação. Segundo eles, o ZEE foi motivo de muita notícia (durante as entrevistas, percebeu-se que falavam do marketing utilizado para propagar o ZEE participativo no Acre.)
Não houve continuidade do ZEE. Falaram da necessidade da realização de mais oficinas (segundo eles, seria uma forma de assimilar melhor as informações recebidas nas oficinas sobre ZEE). Consideraram o número de oficinas insuficiente. Disseram ainda que, depois da realização
85
ZEE Participativo no Acre? Técnicos Executores
Comissão Estadual de ZEE - CEZEE
População Tradicional Outros
jogos educativos, além da publicação do documento síntese do ZEE e a busca de meios para popularizar os mapas.
das oficinas nos municípios, não ouviram falar mais de ZEE. Além disso, houve uma „quebra‟, não houve retorno do resultado final dos trabalhos realizados nas oficinas.
Linguagem
A maioria dos membros da CEZEE não internalizou, de fato, o ZEE por ser um instrumento muito técnico e, além disso, não é algo estático, a ele vai se juntando cada vez mais novas informações.
A maioria da População Tradicional entrevistada disse não ter entendido os conceitos de ZEE passados nas oficinas. Durante as entrevistas percebeu-se que apenas gostaram da forma como foram abordados, acharam os
86
ZEE Participativo no Acre? Técnicos Executores
Comissão Estadual de ZEE - CEZEE
População Tradicional Outros
executores simpáticos... mas quando perguntados sobre ZEE não souberam responder, apenas lembravam-se de detalhes relacionados à dinâmica usada nas oficinas (cartazes, lanche no intervalo, de que eram separados em grupos (gestores x pessoas comuns) enfim, a maioria recordou apenas do evento em si. Agora, aqueles que disseram ter entendido, foi um número muito pequeno de pessoas que já estiveram também em encontros nacionais e internacionais representando suas comunidades.
87
ZEE Participativo no Acre?
Técnicos Executores
Comissão Estadual de ZEE – CEZEE
População Tradicional Outros
3. Houve contribuição (sociedade)?
Sim. Confirmada pela criação de um eixo (cultural-político) na segunda fase de formulação do ZEE exclusivamente para inserir a „participação popular‟ no processo de elaboração do ZEE. Nesse eixo, buscou-se consenso com as comunidades, considerando seus problemas e perspectivas apontados durante as oficinas.
As pessoas serviam mais para referendar o que já estava pronto. Pela complexidade e grande variedade de informações que carrega, o ZEE não permitiu que pessoas com baixo conhecimento técnico pudessem participar de discussões mais profundas, muito menos contestar o material elaborado com embasamento técnico, até pelo currículo das pessoas que o fizeram.
Quando disseram que houve contribuição, observou-se que para eles, „contribuir‟ ou „participar‟ é falar o que pensam. Na verdade, viram as oficinas (já que o ZEE foi divulgado como uma penacéia para resolver as demandas sociais de ordem territorial) como um meio de apresentar seus clamores pessoais ou de suas comunidades (abertura ou recuperação de ramais, meios de transporte para escoar sua produção eram as demandas mais constantes).
PECUARISTA: Não houve nenhuma contribuição. Disse que as oficinas foram dirigidas e que, na maioria das vezes, se aprovava o que já vinha pronto; o que estava pré-estabelecido; os executores davam as posições que deveriam ser tomadas e a opinião da comunidade não prevalecia.
88
ZEE Participativo no Acre? Técnicos Executores
Comissão Estadual de ZEE – CEZEE
População Tradicional Outros
4. Houve incorporação?
Não, porque o objetivo, de fato, era referendar as ações do governo.
Não. Já vinha tudo previamente estabelecido. Não houve retorno do governo pra mostrar o resultado das oficinas. Reclamaram por nunca terem visto o Relatório Final mostrando a incorporação de suas sugestões ao ZEE nas oficinas.
5. Houve apreensão (ZEE)?
Responderam sim, mas não estão se referindo à apreensão em si, e sim, à presença deles no evento.
A maioria dos membros da CEZEE não assimilou, de fato, o ZEE.
Levavam informações recebidas durante as oficinas as suas comunidades, mas não obtiveram sucesso durante os repasses e citaram vários motivos que os levaram à falta de interesse de alguns
89
ZEE Participativo no Acre?
Técnicos Executores
Comissão Estadual de ZEE - CEZEE
População Tradicional Outros
representantes: decepção de ações anteriores
de governo e neles não acreditam mais.
não entendimento e quem não entende também não se interessa e nem presta atenção (entra e sai da sala o tempo todo) e dessa forma não terá o que repassar.
Não disponibilidade de material didático. Assim, segundo eles, facilitaria a compreensão de quem está nas comunidades.
número insuficiente de oficinas. Aconteceu apenas uma em cada um dos vinte e dois municípios, com duração de 6 a 8 horas cada.
90
ZEE Participativo no Acre? Técnicos Executores
Comissão Estadual de ZEE - CEZEE
População Tradicional Outros
dificuldade individual (aspecto cognitivo) do representante de fazer o repasse aos seus representados)
dificuldade de locomoção às suas comunidades, muitas vezes, dependendo da estação do ano se torna mais fácil ou mais difícil a trefegabilidade às comunidades locais.
91
ZEE Participativo no Acre? Técnicos Executores
Comissão Estadual de ZEE – CEZEE
População Tradicional Outros
6 Houve representatividade?
A CEZEE é altamente representativa da sociedade por ser composta por 34 instituições organizadas em câmaras que representam o setor público, o setor privado e a sociedade civil.
A interferência no resultado foi pequena (falam da CEZEE) dada a extrema complexidade do ZEE. Segundo os membros da CEZEE, pessoas indicadas para representar suas instituições na Comissão, na maioria das vezes, não eram as mais adequadas. Demorou para que os responsáveis pelas e, muitas vezes.
A mesma percepção foi observada pela população tradicional pela população entrevistada em relação à indicação de seus representantes. Estes não se achavam aptos a repassar as informações recebidas pelo fato de não terem apreendido as informações já que a linguagem era considerada muito técnica ou até mesmo pela falta de material adequado para fazer o repasse às suas comunidades.
92
Segundo os técnicos executores a realização das oficinas participativas
avançou no processo de participação popular garantindo o envolvimento do
poder público, do setor privado e da sociedade civil organizada. Assim, o eixo
cultural político contemplou principalmente as comunidades tradicionais, abrindo
espaço para debates, confrontos de idéias e posições na segunda fase do ZEE.
Ainda segundo os técnicos, as oficinas foram bem divulgadas e embora tenham
sido realizadas em todos os municípios do Estado, a cobertura espacial não foi
a ideal. E, apesar de terem sido mapeados 1.900 núcleos populacionais no
Estado, o ZEE não alcançou as populações mais longínquas, não conseguiu
chegar a todas essas comunidades.
Contrariamente aos técnicos, os representantes das populações
tradicionais e sociedade civil organizada consideraram o número de oficinas
participativas insuficientes, além disso, houve uma quebra, não houve retorno,
desconhecem o resultado dos trabalhos nas oficinas. Ainda, reclamam da não-
continuidade das ações que envolviam a sociedade no PEZEE. Isso seria a
resposta para a não internalização na esfera social do significado de ZEE, o que
é rebatido por representantes de órgãos ambientais do Estado. Já em relação à
continuidade do PEZEE, técnicos executores acham que há continuidade, não
houve interrupção do Programa, apenas está com outra roupagem, foi
transformado em diversos outros programas que estão sendo desenvolvidos,
embora passem imperceptíveis à população tradicional. Vê-se aqui a
necessidade do governo do Estado através de sua representação explicar isso
nas comunidades, há a necessidade de dar esse retorno às populações
tradicionais.
Em relação à linguagem falada pelos executores do ZEE, foi constatado
que a linguagem foi considerada inadequada, de uma maneira geral, por todos
os entrevistados, tanto por membros da própria CEZEE até o cidadão comum
participante das oficinas.
O resultado da linguagem hermética é que foi baixo o entendimento do
conteúdo. Constatou-se que a maioria dos membros da CEZEE pouco entendeu
sobre ZEE, alegando ser o instrumento muito técnico e complexo. A mesma
percepção foi observada entre a maioria da população tradicional entrevistada,
que disse não ter entendido os conceitos de ZEE passados nas oficinas.
Embora também houvesse aqueles que disseram ter entendido, por acharem as
93
oficinas interessantes e os executores simpáticos, mas quando perguntados
sobre ZEE não sabiam responder, ou apenas lembravam-se de detalhes
relacionados à dinâmica usada nas oficinas, por exemplo, dos cartazes, do
lanche no intervalo, de que se separavam em grupo, enfim, a maioria recordou
do evento em si, com exceção daqueles que estão mais vezes em encontros
representando sua comunidade, em mobilizações sociais. Estes têm melhor
compreensão, não o suficiente para fazer um repasse às comunidades
representadas sobre ZEE, mas pelo menos transmitir a informação da mesma
forma que a assimilou.
O baixo nível do entendimento dos conceitos relativos ao ZEE tem
implicações sérias no que se refere à capacidade de internalização e repasse
das informações (capital social e empowerment), embora, segundo os técnicos
executores, a contribuição tenha sido significativa, através do eixo cultural-
politico na segunda fase do ZEE exclusivamente para inserir a „participação
popular‟ no processo de elaboração do ZEE. Ainda segundo os executores,
“buscou-se consenso com as comunidades, considerando os problemas e
perspectivas apontados pela sociedade durante as oficinas e, nas divergências,
emergiam soluções pactuadas, resultando em diversas estratégias e tomadas
de decisão.”
Um segundo ponto avaliado pelos executores como evidência da
contribuição foi a disponibilização do documento de ZEE para consulta pública
seis meses antes do lançamento, num pré-lançamento, propiciando a
participação da sociedade. Já segundo membros da CEZEE, houve mais ou
menos, as pessoas serviam mais para referendar o que já estava pronto. Ainda
segundo os membros da CEZEE, pela complexidade e grande variedade de
informações que carrega, o ZEE não permitiu que as pessoas de baixo
conhecimento técnico pudessem participar de uma discussão mais profunda,
pelo menos no que se refere aos eixos de Recursos Naturais e Sócio-Economia,
muito menos contestar o material elaborado com embasamento técnico, até pelo
currículo das pessoas que o fizeram. Concordam que o trabalho merecia
credibilidade, pelo menos do ponto de vista técnico.
Ainda segundo os membros da CEZEE e técnicos executores, apesar de
não haver grandes contribuições nos eixos de Recursos Naturais e Sócio-
Econômico como citado anteriormente, pelo caráter técnico dos conteúdos, o
94
mesmo não se deu no eixo cultural político. Neste, houve abertura para que a
sociedade se manifestasse. Por outro lado, representantes da população
tradicional, muitas vezes, quando dizem que houve contribuição, nota-se que
pra eles contribuir e/ou participar é falar o que pensam. Na verdade, viram as
oficinas como um meio, pela proximidade de representantes de órgãos do
governo, de apresentar seus problemas mais imediatos colocando seus anseios,
seus clamores ou de sua comunidade. Ainda na opinião de participantes de
oficinas, incluindo a de um pecuarista, com visível descontentamento pela forma
como foram conduzidas as oficinas participativas, disseram que estas foram
dirigidas onde, na maioria das vezes aprovava-se o que estava pré-
estabelecido, os executores davam as posições que deveriam ser tomadas e a
opinião da comunidade não prevalecia.
Perguntados se os „participantes‟ das oficinas apreenderam o significado
de ZEE, os técnicos executores disseram que sim, por não estarem se referindo
a apreensão em si, e sim, à participação (à presença deles no evento). Mas
para a CEZEE a maioria não assimilou o ZEE.
Às comunidades eram levadas as informações por seus representantes
que disseram não ter conseguido repassar os conceitos recebidos nas oficinas
por vários motivos: pela falta de interesse de alguns representantes, seja pela
decepção com as ações de governos e neles não acreditam mais; seja pelo não
entendimento, e quem não entende também não se interessa e nem presta
atenção (entra e sai o tempo todo da sala) e dessa forma não terá o que
repassar; seja ainda pela falta de material didático pra facilitar também o
entendimento dos comunitários; pela falta de tempo, devendo-se dar
continuidade aos encontros nas comunidades locais e esperar que, pela
repetição do assunto haja assimilação; ou até pelo número insuficiente de
oficinas, aconteceu apenas uma em cada município, dificultando a assimilação
do ZEE; ou seja, até mesmo pela dificuldade individual do próprio representante
de fazer o repasse aos representados.
Segundo membros da CEZEE houve, de certa forma incorporação, mas
as pessoas serviam mais para referendar o que já estava pronto. Pela
complexidade e grande variedade de informações que carrega, o ZEE não
permitiu que as pessoas de baixo conhecimento técnico pudessem participar de
uma discussão mais profunda, muito menos contestar o material elaborado com
95
embasamento técnico, até pelo currículo das pessoas que o fizeram. O trabalho
merecia credibilidade, pelo menos do ponto de vista técnico. Já, a população
tradicional e representante pecuarista disseram não ter havido retorno do
governo pra mostrar os resultados das oficinas, por isso não acreditam que
houve incorporação de suas „contribuições‟ no ZEE, até porque acreditam que
„as coisas já vinham previamente estabelecidas‟, o que coincide com a visão de
técnicos da CEZEE.
Em relação à representatividade, segundo os técnicos executores, a
CEZEE é altamente representativa da sociedade por ser composta por 34
instituições organizadas em câmaras que representavam o setor público, o setor
privado e a sociedade civil e acompanhou todo o processo da fase de
diagnóstico até a de prognóstico. A mesma opinião não é compartilhada pela
CEZEE que diz que a interferência do resultado foi pequena dada a extrema
complexidade do ZEE, enfatizando que até mesmo a pessoa indicada para
representar a sua instituição, na maioria das vezes, não foi o mais adequado. A
mesma percepção foi observada no universo da população entrevistada em
relação à indicação de seus representantes. Esses não se achavam aptos a
repassar as informações recebidas pelo fato de não terem apreendido-as já que
a linguagem era considerada muito técnica ou até mesmo pela falta de material
adequado pra fazer o repasse às suas comunidades.
Analisou-se ainda o Documento Síntese, da segunda fase do ZEE-AC e
observou-se que no item em que fala sobre as oficinas participativas, lê-se: “os
mapas de zoneamento são baseados diretamente na visão de problemas e
soluções prioritárias que foram propostas nas oficinas”, mas não foram
encontradas, nesse mesmo documento, a listagem dessa visão e problemas. Já
que o eixo cultural político, representado pelas oficinas, foi divulgado como o
cerne da participação popular, talvez merecesse mais atenção do que as
páginas existentes, pois não foram observadas no Documento, um lugar
específico para as demandas da população, já que foram divulgadas como
grande resultado do eixo cultural-político. Questiona-se, por exemplo, onde
estão descritos os problemas e aspirações levantados pela sociedade? E onde
estão descritas as prioridades apontadas pelos „participantes‟ durante as
oficinas?
96
No item 4.2 do Documento Síntese onde fala que “nas reuniões
participativas, as associações de moradores ou produtores também tiveram uma
forte atuação, o que demonstra que eles valorizaram o processo e que tiveram a
possibilidade de reivindicar suas demandas”. Porém, na análise das 10 (dez)
oficinas participativas, 71,2% dos presentes eram funcionários públicos. Essa
afirmação é justificada no mesmo texto quando fala que “em termos de
participantes nessas reuniões (oficinas) é notável que os grupos de setor
público, municipal e estadual foram os participantes mais numerosos tanto em
representantes quanto em representados”.
4.5 – Frutos da experiência participativa acreana com o ZEE
Apesar dos esforços do governo estadual em difundir o Programa de ZEE
para os 22 municípios do Estado do Acre no eixo cultural político, na segunda
fase, o ZEE-AC não é um instrumento de alcance massificado. De fato, no
processo de sua elaboração, na fase inicial, o envolvimento popular foi mais
restrito. De modo geral, houve pouca participação da sociedade civil na
elaboração de diagnósticos para zoneamentos. Gutberlet (2002), em estudos
sobre os ZEEs nos Estados do Acre, Amazonas e Pará, no fim do ano de 2000,
ressalta essa afirmação quando diz que “a metodologia aplicada pelas equipes
executoras para os levantamentos temáticos não têm envolvido de forma
sistemática os representantes da população local. Diz ainda que não houve, no
início dos trabalhos (ZEE), uma ampla discussão nas comunidades sobre os
objetivos do ZEE e os fins e métodos dos levantamentos temáticos. Por causa
dessa omissão, é muito mais difícil agora fazer a população se apropriar do
conhecimento gerado pelo diagnóstico” .
No caso do ZEE-AC, houve abertura de espaço para que as
comunidades se manifestassem apresentando seus problemas e suas
sugestões materializadas pela realização das oficinas. No entanto, estas não
foram suficientes, segundo representantes das comunidades entrevistados, para
que compreendessem a função de um ZEE, por ter acontecido apenas uma
oficina em cada município do Estado, sendo insuficiente para a otimização da
difusão do ZEE-AC. Para tanto, devem-se garantir aos representantes os
instrumentos e os recursos para tal difusão. É necessário o apoio ao acesso às
comunidades e à capacitação de representantes, priorizando o capital humano,
97
a divulgação da informação desse conhecimento, imiscuindo-o no dia-a-dia da
população.
Percebe-se que a informação, o interesse e a motivação são pontos
importantes quando há intenção de envolver indivíduos/comunidades em
processos de elaboração de políticas públicas. Seria uma forma de tentar
minimizar o que Santos (apud MILANI, 2006) chama de “inércia social” que,
segundo ele, age como poderoso vetor de estabilidade na rotina das interações
sociais o que vem a salientar a construção de capacidades que envolvem
informação, interesse e motivação traduzida no processo de empoderamento
(capital social como importante instrumento possibilitador da participação
popular. O indivíduo/comunidade recebe a informação e com a devida
motivação suscita o interesse em aprender, então, a apreende, ou melhor,
sobrepõe novos conhecimentos aos já adquiridos anteriormente, dando
relevância à subjetividade pessoal ou coletiva (comunidades tradicionais) e,
assim, vai se empoderando, rompendo paulatinamente com sua exclusão nas
tomadas de decisão que lhes afetam direta ou indiretamente.
Flores; Misoczky (2008) vêem como vantagem o envolvimento popular
por aumentar a credibilidade da avaliação. Argumentam que as pessoas
confiam nas informações providas por elas mesmas, ao mesmo tempo em que
acontece a conciliação de diferentes visões. Caso contrário, segundo eles,
perde-se legitimidade com a falta de reconhecimento e aceitação.
O diagrama abaixo retrata a integração entre as definições de capital
social – redes associativas com valor, empoderamento – apreender as
informações advindas das relações formadas por capital social que levam o
indivíduo/comunidade à capacidade de intervir em ações de políticas públicas,
nesse caso mais específico.
98
Figura 8. Interligação entre capital social, empoderamento, participação. Fonte: construção da autora
A base interpretativa desta dissertação foi focada no capital social, no
empoderamento e sua importância na participação popular, com destaque para
a população tradicional envolvida no processo de elaboração do Zoneamento
Ecológico-Econômico do Estado do Acre. Assim, a participação se efetivaria
numa interação entre os detentores da informação e seus receptores, caso
aqueles transmitissem a informação (ZEE) capacitando os ouvintes
(representantes) a também transmitir a informação aos representados e assim
formando uma rede de cognição sobre o objeto estudado, o ZEE-AC. Essa rede
aconteceria entre a comissão organizadora do ZEE, as entidades e instituições
participantes, órgãos governamentais, consultores, a população civil organizada,
dentre os técnicos que participaram do processo de elaboração. Inicialmente
essa interação seria construtiva, onde o indivíduo/comunidade, ao receber as
informações, fosse de forma clara e concisa e, ao internalizá-las, estaria
“empoderado”, capacitado para intervir nesse processo de construção, de
importante instrumento de política pública e, só assim, formaria pactos com os
tomadores de decisão.
Desta forma, as pessoas não se tornaram mais críticas e, muito menos se
empoderaram em relação ao ZEE, nos termos do conceito de participação
popular definido no capítulo 5 desta dissertação. Muito pelo contrário,
acreditaram que o ZEE fosse resolver as questões mais imediatas demandadas
por sua comunidade ou bairro etc. e viram as oficinas participativas como um
meio facilitador, já que técnicos representantes do Estado ouviam e anotavam
suas reivindicações.
99
Pode-se afirmar aqui que fragmentações de capital social apareceram
nesse processo de empoderamento das comunidades, mas não o suficiente
para a ocorrência de uma efetiva participação.
100
CAPÍTULO 5
CONCLUSÕES
O Zoneamento Ecológico-Econômico tem sido invocado como
instrumento básico da política ambiental brasileira voltado para a conservação e
a preservação de seus diversos biomas, em especial, voltado para correções de
ações políticas de desenvolvimento na Amazônia. Este trabalho possibilita uma
reflexão sobre as diferentes intensidades de envolvimento dos segmentos da
sociedade/comunidade acreana no processo de elaboração do Zoneamento
Ecológico-Econômico do Estado do Acre, avaliando ainda a importância dos
conceitos de capital social e empoderamento (empowerment) na efetiva
participação da sociedade.
Em todo o Brasil, não só no Estado do Acre, o ZEE estabeleceu-se como
um marco, uma panacéia para todos os problemas de ordem territorial. O ZEE-
AC é, sem dúvida, um importante instrumento de planejamento e de gestão
territorial, mas deve-se considerar o nível elevado dessas discussões acerca do
ZEE para que haja participação popular efetiva. Até hoje, vê-se que a
participação popular influencia muito pouco no produto final do ZEE-AC. As
comunidades acreanas não tiveram retorno que comprovasse sua
colocaboração no processo de formulação do ZEE, não podendo confirmar se
seu incipiente envolvimento nas oficinas foi inserido no produto final do ZEE-
AC.
Observou-se, conforme depoimentos constantes no capítulo 4, que na
primeira fase do ZEE-AC, o Grupo Técnico de Sistematização – GTS sentiu a
necessidade da interferência da participação da sociedade no Programa ZEE.
Para isso, realizaram reuniões em vários municípios para mostrar o que já havia
sido produzido, com intuito de ouvir a opinião dos atores sociais locais (essas
reuniões eram, muitas vezes, também denominadas de oficinas). Os resultados
dessas reuniões estão espalhados, muitas pessoas envolvidas, na época, estão
fora do processo, o que dificulta o agrupamento desses dados. Além disso,
mudanças aconteceram na equipe de técnicos executores da primeira para a
101
segunda fase. Mesmo assim, o envolvimento da sociedade na primeira fase foi
considerado “restrito” no sentido de que o resultado da participação precisava
de modelos mais formais para inseri-la nos indicativos de uso da terra. Isso
estimulou os técnicos a sugerirem que, na segunda fase, fosse criado um eixo
exclusivamente para inserir a participação dos segmentos sociais.
Assim, surgiu a idéia do eixo cultural-político onde as oficinas
participativas foram realizadas. Aconteceu uma em cada um dos 22 municípios
do Estado do Acre visando levar às comunidades a compreensão do significado
e importância do ZEE proporcionando-lhes a interveniência no processo de
elaboração. Os métodos utilizados durante as oficinas, em tese, asseguravam
aos representantes de comunidades presentes serem ouvidos pelos técnicos
executores, fazerem suas colocações, momento oportuno para exporem suas
mais imediatas necessidades.
Em relação ao trabalho de campo, durante as entrevistas, foram ouvidos
técnicos executores do PEZEE, membros da CEZEE, representantes de
população tradicional local entre outros. Observou-se se houve
representatividade das comunidades locais, em especial da população
tradicional, conforme divulgado pelos órgãos ambientais responsáveis durante a
realização das oficinas, mas sempre sob a ótica dos conceitos de capital social
e empoderamento.
Inicialmente, foi feita uma análise do Relatório das Oficinas Participativas
(2006), que resultou nas considerações abaixo:
O planejamento das oficinas foi inadequado, algumas aconteceram
paralelamente a eventos que envolviam os interesses da
sociedade presente nas oficinas.
A qualidade e a quantidade da maioria dos participantes não
condiziam com a realidade das comunidades locais em relação à
composição dos grupos focais e ao número de participantes e sua
caracterização.
Não houve diagnósticos sociais, pois as perguntas estão
descontextualizadas. Por exemplo, perguntas direcionadas aos
índios (que visualizam mais as questões fundiárias) foram as
mesmas feitas aos agricultores (que estão mais interessados na
102
produção e escoamento de seus produtos). Não se observou as
diferenças culturais (temas iguais para todos os públicos).
Observou-se, também, nas oficinas, que os grupos de interesse
tanto de „gestores‟ como os de „pessoas comuns‟ não ficaram
claramente identificados; Não foi encontrado no Documento
Síntese de ZEE-AC nem no material disponibilizado a
especificação dos interesses levantados e a separação desses,
por grupo.
Algumas perguntas estavam mais para técnicos do que para o
agricultor, por exemplo. E as respostas, na maioria delas,
retratavam mais as preocupações de representantes de órgãos
públicos do que da população tradicional.
Segundo informações de coordenadores do PEZEE no Estado,
todas as oficinas tiveram representantes (gestores) e
representados (pessoas comuns), porém, do material
disponibilizado para esta pesquisa, essa relação de oficinas não
estava completa, prejudicando assim, uma análise mais criteriosa
desse „processo participativo‟.
O método ZOPP (um dos três utilizados nas oficinas participativas),
é descrito como sendo composto por elementos baseados em
diagnóstico e elaboração de marco lógico. Apesar de estar descrito
dessa forma, não foi encontrada documentação referente aos
elementos: planejamento baseado num diagnóstico e marco lógico,
nem no Relatório Final das Oficinas nem no Documento Síntese.
Resta saber onde exatamente ele está documentado.
Aparentemente a descrição do método (ZOPP) utilizado sugeriu
que os problemas e soluções fossem identificados pelas
comunidades. No entanto, a existência do questionário com
perguntas previamente elaboradas coloca este fato em dúvida.
No método ISSI, existe o propósito de levantar os interesses
acerca de temas ou questões. Houve sistematização em painéis
por tema para posterior hierarquização, segundo relatório das
oficinas. No entanto, o resultado desta hierarquização que
103
apresenta as demandas da população não ficou explicitado nos
documentos disponibilizados para consulta pelo órgão executor do
ZEE, foi apenas brevemente descrito no Documento Síntese.
Em análise ao Documento Síntese do ZEE-AC, observou-se que pouca
atenção foi dada ao eixo cultural-político, já que é considerado pelos técnicos
executores, como uma evolução, uma inovação dentre os ZEEs, como também
um importante meio de envolvimento da sociedade na formulação do ZEE-AC,
em sua segunda fase.
O resultado da pesquisa de campo apresenta com clareza no Quadro n.
3, no ítem 4.4, p. 58 que, apesar da divulgação ter sido considerada pelos
entrevistados como satisfatória, o ZEE não chegou a todas as comunidades do
Estado. Além disso, não houve assimilação do ZEE (aquela que dá poder de
intervenção do indivíduo/comunidade) pela maioria dos participantes das
oficinas, no eixo cultural-político. Além disso, as políticas de continuidade do
PEZEE adotadas, não refletiram nas comunidades locais.
Outra forte reclamação foi a de que não houve retorno às comunidades
e/ou aos participantes das oficinas sobre sua contribuição no Documento
Síntese do ZEE. Disseram não saber se contribuíram, e se houve contribuição
onde foi inserida.
Em relação à contribuição dos presentes nas oficinas pode-se afirmar com
base nas entrevistas que não houve interveniência no processo de elaboração
do ZEE-AC de representantes/representados pela complexidade e grande
variedade de informações que contém o ZEE. Houve dificuldade dos presentes
em assimilar as definições do instrumento, justificado pelo curto espaço de
tempo, pelo número insuficiente de oficinas, como também, pelo próprio
interesse que envolve cada indivíduo/comunidade independente de qual
motivação os levou aos eventos participativos e, ainda, segundo entrevistados,
os executores davam as posições que deveriam ser tomadas e a opinião da
comunidade não prevalecia.
Considerando a literatura consultada sobre capital social e
empoderamento durante a elaboração desta dissertação, chegou-se à definição
de participação popular como a capacidade de interveniência, individual ou
104
coletiva em ações de política pública possibilitada pela apreensão da
informação num processo de empoderamento de indivíduos/comunidades.
Mesmo considerando as ações do governo do Estado voltadas em
envolver a população nas duas fases do ZEE, pode-se afirmar aqui que
fragmentações de capital social apareceram, mas nesse processo de tentativa
de empoderamento das comunidades não houve assimilação do ZEE o
suficiente para a ocorrência de uma efetiva participação.
E, por ser o ZEE um instrumento de grande complexidade, não existiu
uma percepção homogênea sobre ele nem no âmbito da CEZEE, nem dentre a
sociedade presente nas oficinas, o que corrobora o fato da não interveniência da
população nesse processo de elaboração do ZEE-AC.
Fica aqui um questionamento para futuras pesquisas: será que se, ao
invés de envolver as comunidades locais no processo de elaboração do ZEE, o
foco participativo do ZEE fosse a CEZEE, sendo ela composta por instituições
representativas, divididas em câmaras técnicas, com representação do setor
público, setor privado e sociedade civil organizada, haveria uma efetiva
participação social?
105
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109
APÊNDICES
110
APÊNDICE 1 - Questionário aplicado aos técnicos e integrantes da CEZEE.
01 – Houve divulgação do programa de ZEE-AC para os
indivíduos/comunidades locais?
02 – Quais recursos foram utilizados para essa divulgação?
03 – Qual o nível de conhecimento dos consultores (ZEE-ÁC) sobre a realidade
da Amazônia acreana?
04 – Quais métodos os consultores utilizaram para repassar aos participantes
esclarecimentos sobre o ZEE-AC?
05 – A comunidade tinha facilidade em compreender o significado do processo
de elaboração do ZEE-AC?
06 – Houve interesse em conscientizar a comunidade tradicional da importância
de sua participação no processo de elaboração do ZEE-AC?
07 – Quando as opiniões dos indivíduos/comunidade eram contrárias às dos
técnicos/consultores eram consideradas e, de alguma forma, inseridas no
processo?
08 – Você teve conhecimento de divergência entre:
Técnicos e consultores,
técnicos e comunidade,
comunidade e consultores,
comunidade e comunidade?
09 – Como o problema foi solucionado?
10 – Quando da realização dos encontros os indivíduos/comunidade
assimilavam, de fato, as orientações/definições que lhes eram passadas pelos
técnicos/consultores?
111
11 – Os temas tratados nos encontros eram de domínio dos participantes de
modo geral ou apenas retratavam as opiniões dos técnicos?
12 – De que forma a comunidade contribuiu durante os encontros realizados
para discutir a elaboração do ZEE-AC?
13 – Os principais problemas e perspectivas dos atores envolvidos foram
considerados durante a realização dos encontros?
14 – Obedecendo a um dos princípios básicos do ZEE-AC, participação popular,
com vistas à construção dos interesses próprios e coletivos dos atores sociais
envolvidos houve, de fato, intervenção das comunidades durante os encontros?
15 – Sabendo da diversidade social local, durante as reuniões, houve consenso
de interesses entre indivíduos de uma mesma regional?
16 – Como foram resolvidos os problemas de divergências entre comunidades
representantes de uma mesma regional?
17 – Qual o critério para priorizar os temas a serem discutidos?
18 – Houve conflito de interesses? Como foram resolvidos?
19 – Foi dado valor à opinião da comunidade sobre seu espaço territorial?
20 – Houve participação da comunidade nas duas fases do ZEE-AC?
21 – Onde e quando as oficinas eram realizadas e por quem eram conduzidas?
Como foram conduzidas?
22 – Como e por quem foram feitas as sistematizações do material produzido
durante as oficinas?
112
23 – Qual o critério utilizado na escolha das instituições que „participaram‟ do
ZEE-AC?
24 – Qual o critério utilizado na escolha de quais indivíduos/comunidades
participaram do processo de elaboração do ZEE-AC?
25 – O envolvimento das instituições foi satisfatório?
26 – Houve participação de ONGs? Quais?
27 – Qual foi a metodologia definida (por quem) para a realização das oficinas
participativas que auxiliaram na elaboração do ZEE-AC nas fases I e II?
28 – As oficinas contribuíram para o esclarecimento da comunidade e da
melhoria de sua participação na elaboração do ZEE-AC?
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APÊNDICE 2 – Questionário aplicado aos participantes das oficinas, com foco na população tradicional.
01 – Houve divulgação do programa de ZEE-AC para as comunidades locais?
02 – Quais recursos foram utilizados para essa divulgação?
03 – Por que você foi escolhido? Qual o critério utilizado? (tirar essa pergunta?)
04 – Algum encontro foi realizado em sua comunidade? De que forma?
05 – As comunidade recebiam informações sobre os assuntos tratados nos
encontros? De que forma?
06 – As metodologia e linguagem utilizadas para traduzir o ZEE-AC eram
acessíveis a todos os presentes durante os encontros?
07 – Quando as opiniões dos indivíduos/comunidades eram contrárias às dos
técnicos/consultores eram consideradas e, de alguma forma, inseridas no
processo?
08 – Os temas tratados nos encontros eram de domínio dos participantes de
modo geral ou apenas retratavam as opiniões dos técnicos?
09 – De que forma a comunidade contribuiu durante os encontros realizados
para discutir a elaboração do ZEE-AC?
10 – Os principais problemas e desejos das comunidades envolvidas foram
considerados durante a realização dos encontros?
11 – Você acredita que a sua participação ou de outros membros da
comunidade foi levada em conta no processo de elaboração do ZEE-AC?
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12 – Qual o critério para priorizar os temas discutidos?
13 – Houve conflitos de interesses? Como foram resolvidos?
14 – Foi dado valor à opinião da comunidade sobre seu espaço territorial?
15 – Onde e quando as oficinas eram realizadas e por quem eram conduzidas?
Como foram conduzidas?
16 – Toda a comunidade entendeu o significado de Zoneamento Ecológico-
Econômico?
17 – Houve divergência entre a opinião do representante da comunidade nos
encontros com algum outro representante da mesma comunidade?
18 – Você recebeu algum documento que indicasse a inserção da sua
contribuição no documento do ZEE-AC?