9
425 Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(4): 425-33 O MÉTODO DO ARCO NO ENSINO P-OPERATÓRIO DE P ACIENTES L ARINGECTOMIZADOS * The Arch Method in the Pre-Operative Education of Laryngostomized Patients Helena Megumi Sonobe 1 , Miyeko Hayashida 2 , Isabel Amélia Costa Mendes 3 e Márcia Maria Fontão Zago 4 RESUMO Trata-se de estudo qualitativo com o objetivo de planejar, implementar e avaliar a ação educativa pré-operatória aos pacientes laringectomizados baseada no método do arco, constituído pelas etapas de observação da realidade, ponto-chave, teorização, hipóteses de solução e aplicação à realidade. Utilizaram-se entrevistas informais em abordagem individualizada e pautada no relacionamento interpessoal centrado no paciente enquanto educando, mantendo a postura de educadora enquanto facilitadora da aprendizagem. Como estratégia para fornecer subsídios teóricos e práticos específicos, identificados como necessários pelo paciente, empregou-se um álbum seriado, folheto de orientação e materiais como cânula de traqueostomia, sondas e drenos. Decorrente de seu caráter dinâmico e flexível, foi possível o atendimento das necessidades apresentadas pelos cinco pacientes incluídos neste estudo, que avaliaram de forma positiva a experiência. Ficou evidente a necessidade do desenvolvimento de habilidades interpessoais da enfermeira para lidar com as diferentes situações terapêuticas durante as atividades de ensino. A aplicação do método mostrou-se útil, haja visto o impacto que resultou na adaptação do paciente à realidade no pós-operatório, traduzido especialmente na promoção do auto cuidado, independência e segurança para o retorno ao convívio social. Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: pacientes; laringectomia; cuidados pré-operatórios; cuidados de enfermagem; educação. )*564)+6 This is a qualitative study addressing the pre-operative educational activity with laryngostomized patients through the Pedagogy of Problematization – The Arch Method, which consists of the observation of reality, key-point, theorization, solution hypotheses, and application to reality phases. As a result of its dynamic and flexible nature, it was possible to meet the needs presented by the five patients included in the study, who evaluated positively the experience. The need for the development of interpersonal skills by nurses dealing with different therapeutic situations during educational activities became evident. Key words: Key words: Key words: Key words: Key words: patients; laringectomy; preoperative care; nursing care; education. *Pesquisa subvencionada pela CAPES. 1 Enfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental da EERP/USP; 2 Enfermeira. Doutor em Enfermagem. Especialista em Laboratório. 3 Professor Titular; 4 Professor Associado do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo/Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em Enfermagem. Enviar correspondência para I.A.C.M. Av. Bandeirantes 3900, Campus Universitário; 14040-902 Ribeirão Preto, SP, Brasil. E-mail: [email protected] ARTIGO / ARTICLE

Método do Arco no ensino pré operatório- pacientes laringectomizados

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Método do Arco no Pré Operatório- Laringectomia

Citation preview

  • Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(4): 425-33

    !"#

    Trata-se de estudo qualitativo com o objetivo de planejar, implementar e avaliar a ao

    educativa pr-operatria aos pacientes laringectomizados baseada no mtodo do arco,constitudo pelas etapas de observao da realidade, ponto-chave, teorizao, hipteses de

    soluo e aplicao realidade. Utilizaram-se entrevistas informais em abordagemindividualizada e pautada no relacionamento interpessoal centrado no paciente enquanto

    educando, mantendo a postura de educadora enquanto facilitadora da aprendizagem. Comoestratgia para fornecer subsdios tericos e prticos especficos, identificados como necessrios

    pelo paciente, empregou-se um lbum seriado, folheto de orientao e materiais como cnulade traqueostomia, sondas e drenos. Decorrente de seu carter dinmico e flexvel, foi possvel

    o atendimento das necessidades apresentadas pelos cinco pacientes includos neste estudo,que avaliaram de forma positiva a experincia. Ficou evidente a necessidade do desenvolvimento

    de habilidades interpessoais da enfermeira para lidar com as diferentes situaes teraputicasdurante as atividades de ensino. A aplicao do mtodo mostrou-se til, haja visto o impacto

    que resultou na adaptao do paciente realidade no ps-operatrio, traduzido especialmentena promoo do auto cuidado, independncia e segurana para o retorno ao convvio social.

    Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave:Palavras-chave: pacientes; laringectomia; cuidados pr-operatrios; cuidados deenfermagem; educao.

    This is a qualitative study addressing the pre-operative educational activity withlaryngostomized patients through the Pedagogy of Problematization The Arch Method,which consists of the observation of reality, key-point, theorization, solution hypotheses, andapplication to reality phases. As a result of its dynamic and flexible nature, it was possible tomeet the needs presented by the five patients included in the study, who evaluated positivelythe experience. The need for the development of interpersonal skills by nurses dealing withdifferent therapeutic situations during educational activities became evident.

    Key words: Key words: Key words: Key words: Key words: patients; laringectomy; preoperative care; nursing care; education.

    *Pesquisa subvencionada pela CAPES.1Enfermeira. Doutoranda do Programa de Ps-Graduao em Enfermagem Fundamental da EERP/USP;2Enfermeira. Doutor em Enfermagem. Especialista em Laboratrio. 3Professor Titular; 4Professor Associado do Departamento de Enfermagem Gerale Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo/Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento dapesquisa em Enfermagem. Enviar correspondncia para I.A.C.M. Av. Bandeirantes 3900, Campus Universitrio; 14040-902 Ribeiro Preto, SP, Brasil.E-mail: [email protected]

  • Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(4): 425-33

    A necessidade de tratamento ou proce-dimento cirrgico traz diversas conseqnciaspara o paciente e sua famlia. Alm de reaescomo ansiedade, medo e angstia, precisolembrar as modificaes que ocorrero paraa sua vida diria.

    A cirurgia tem um significado mpar parao paciente, pois modificaes so realizadasem seu corpo, sendo necessrio que ele se adaptepara o retorno sua vida social, profissional oude lazer.

    O paciente laringectomizado o indivduoque foi submetido cirurgia de laringectomiatotal, ou seja, remoo total da laringe eseus anexos, com ou sem resseco ganglionar(esvaziamento cervical). indicada principal-mente para os pacientes com cncer de laringeque, aps a cirurgia, passam a respirar pelatraqueostomia (estoma ou abertura artificialno pescoo), causando mudanas na fisiologiarespiratria e perda abrupta da capacidadede emisso de voz.1, 2

    Em funo da perda da capacidade deemisso de voz, os pacientes laringectomizadosmostram-se bastante ansiosos pela dificuldadede se fazerem entender, frente necessidadede se comunicar por outros meios que no afala. Neste momento, para se comunicarem,lanam mo de gestos, expresses faciais elabiais. Na nossa realidade, esta situao agravada porque geralmente os pacientes noso alfabetizados, impedindo-os de secomunicarem por meio da escrita. Acresa-se aos problemas citados que a maioria dospacientes laringectomizados tem idade acimade 50 anos, com baixa renda e comprome-timento de outros sistemas orgnicos conse-qentes da doena. Apresentam dificuldadede aceitao da modificao da imagem cor-poral e so bastante dependentes no ps-operatrio.1-4 Neste perodo, podem apresentarreaes como apatia, revolta, sentimento deabandono, o que acaba dificultando otratamento.

    Quando no prevista, a lacuna decomunicao oral acaba gerando dificuldadede compreenso pelos profissionais de sade,que restringem o atendimento apenas esferafsica do cuidado com a cirurgia, inviabilizandoa possibilidade de adaptao social do paciente

    laringectomizado devido inabilidade derealizao de comunicao verbal.

    comum o profissional de enfermagemapresentar dificuldade para lidar com opaciente laringectomizado, talvez pela falta dehabilidade ou preparo, chegando a rejeit-loem decorrncia da mudana do seu aspectofsico. Esta percepo compartilhada peloprprio paciente, que vivencia a experincia.4

    Na prtica, percebemos que os pacientesnem sempre esto conscientes das verdadeirasmudanas que ocorrero em suas vidas;portanto, os problemas de adaptao novarealidade no ps-operatrio tomam maiorproporo. O conhecimento pr-operatriosignificativo para o paciente assegura aindividualizao e humanizao da assistnciaprestada pela enfermeira.5-10

    A enfermeira a profissional capacitada paraesta atividade de ensino em razo de seu preparotcnico-cientfico e por constituir-se em lderdo grupo que presta assistncia ininterrupta aopaciente.6,11 A interveno da enfermeira noperodo pr-operatrio visa preparar o indivduopsico-emocionalmente para o ato cirrgico,alm do ensino de procedimentos preparatrios,diminuindo as complicaes e tempo derecuperao ps-operatria.8, 12-14

    A aquisio e o acesso s informaes,conhecimentos e habilidades sobre a cirurgiae suas conseqncias facilitam a adaptaodo paciente s novas condies e o tornaparticipante na sua preparao e recu-perao cirrgica.15

    No planejamento do cuidado ao pacientelaringectomizado, a enfermeira poderelaborar as suas aes de tal forma que opaciente alcance a aprendizagem desejadaatravs do ensino pr-operatrio. Paratanto, faz-se necessrio a introduo desubsdios pedaggicos.

    Com a utilizao da Pedagogia daProblematizao,15 a enfermeira, enquantoeducadora, pode desenvolver atividades juntoao paciente para aumentar a sua capacidadeem detectar problemas e buscar soluescriativas e adequadas sua realidade. Oimportante no so os conhecimentos, idiasou comportamentos esperados e corretos emsi, mas o desenvolvimento da capacidade dopaciente enfrentar os seus problemas e tomardecises adequadas s suas necessidades.

  • Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(4): 425-33

    !

    A estrutura deste mtodo descrita peloDiagrama de Charles Maguerez, tambmconhecido como Mtodo do Arco, constitudopor cinco etapas.16 A primeira etapa, chamadade observao da realidade, parte do princpiode que todo processo tem como ponto departida uma determinada realidade observadapelos educandos, que expressam suaspercepes e sentimentos, situando osproblemas num contexto global. No segundomomento, denominado ponto-chave, oseducandos identificam entre os dadosobservados e percebidos aqueles que so maisrelevantes e determinantes da situao. Ateorizao constitui-se no terceiro momento,quando os educandos fazem fundamentaoterica do assunto, utilizando bibliografias,experincias cientficas, observaes e outrasmaneiras simplificadas de comprovao nodia-a-dia. A partir da ocorre o quartomomento, a formulao de hipteses desoluo do problema em estudo. H umconfronto da realidade com a teorizao,atravs da generalizao e extrapolao,apresentando e selecionando solues criativase viveis na prtica. Os educandos usam arealidade para aprender com ela, enquantose preparam para transform-la. O ltimomomento a aplicao da realidade, quandoos educandos praticam as hipteses maisviveis e aplicveis, aprendem a generalizarpara situaes diferentes e a discernir aconvenincia nas circunstncias, alm deadquirir domnio e competncia no manejodas tcnicas associadas soluo do problema.Cabe ao educador sistematizar a aopedaggica, encadeando atividades queconduziro os educandos a refletirem,criticarem e transformarem a realidade. Aavaliao inerente a todas etapas do mtodo,ocorre continuamente atravs da observaoe percepo sobre a sua participao,desempenho e aquisio de conhecimento,frente s suas necessidades de aprendizagem.O educador avalia a sua participao e atuaofrente s necessidades de aprendizagemestabelecidas pelos educandos. Enquantofacilitadora da aprendizagem, a enfermeira,exercendo a funo de educadora, utiliza-sede estratgias apropriadas a cada situao deensino, sendo de extrema importncia odesenvolvimento de um relacionamento

    enfermeira/paciente, cujas caractersticasprprias e especiais incluem a inteno deocasionar aprendizagem.

    O objetivo do presente trabalho o deplanejar, implementar e avaliar a aoeducativa pr-operatria baseada no Mtododo Arco aos pacientes laringectomizados.....

    Trata-se de um estudo com abordagemqualitativa, que compreendeu as fases deexplorao, delimitao do estudo, anlisesistemtica e elaborao de relatrio.17

    O estudo foi realizado nas Unidades deInternao Cirrgica de um hospital pblicoestadual do interior paulista, de aproxima-damente 600 leitos, tendo sido submetido apreciao e aprovao da Comisso deNormas ticas deste hospital.

    Foram selecionados cinco pacientes,internados pela especialidade de Cirurgia deCabea e Pescoo, com indicao delaringectomia total.

    A abordagem inicial dos pacientes ocorreuno momento da internao, pautada empostura facilitadora para o desenvolvimentode um relacionamento interpessoal, comexposio dos objetivos do estudo. Aps aobteno de concordncia em participar e deautorizao do uso das informaes, foiiniciada propriamente a atividade de ensinopr-operatrio, com o compromisso de semanter o anonimato dos sujeitos. No houvepreocupao em identificar quando o pacientefoi informado do diagnstico, uma vez queesta internao previa exclusivamente ainterveno cirrgica.

    Importa destacar que, embora o tempoutilizado especificamente para as atividadesde ensino pr-operatrio tenha variado entretrinta e quarenta minutos, os encontros comos pacientes ocorreram diariamente enquantoesteve internado e no primeiro retornoambulatorial aps a alta hospitalar.

    A sistematizao da atividade de ensinopr-operatrio foi estabelecida conforme asfases do Mtodo do Arco, lembrando que elasno so estanques e se interpem, podendoocorrer de forma simultnea outros arcosmenores em cada uma das aes de ambas as

  • partes envolvidas, em funo das situaesde aprendizagem desencadeadas. Destaforma, as atividades desenvolvidas para oalcance do objetivo deste estudo foram assimsistematizadas: Observao da realidade, estabelecercomunicao interpessoal com o paciente emambiente tranqilo, sentar-se prximo aopaciente, descrever a percepo e os sentimentosque o paciente tem sobre a sua doena; listarexpectativas, preocupaes e necessidades dopaciente no perodo pr-operatrio; discutir oprocesso vivenciado atravs da troca deimpresses e relatos do paciente. Ponto-chave, estabelecer os pontos que opaciente e a enfermeira observaram como osmais importantes na fase de observao darealidade; discutir as relaes e as explicaesdos aspectos levantados pelo paciente. Teorizao, resgatar informaes e fornecersubsdios tericos e prticos sobre o preparocirrgico, perda da voz, presena de drenoscervicais, utilizao de sonda nasoentrica etraqueostomia conseqentes cirurgia, comdemonstrao da cnula de traqueostomia eutilizao de lbum seriado2 e folheto de orien-tao do Grupo de Apoio e Reabilitao PessoaOstomizada.18 A teorizao ser realizada emfuno das expectativas e tenses apresentadaspelos pacientes. Hipteses de soluo, descrever aes eformas que o paciente considera adequadaspara sanar as suas necessidades; listar eidentificar dificuldades e facilidadesapresentadas pelo paciente no desenvolvimentodessas aes. uma ao conjunta que visafacilitar a busca de solues viveis e prticaspara as necessidades apresentadas pelo pacientee cabe ele propor as hipteses de soluoadequadas sua realidade de vida.

    Aplicao realidade, a concretizao deaes viveis e prticas do paciente para sanaras suas necessidades no perodo peri-operatrioe tambm o domnio para tomada de decisesno encaminhamento de solues adequadas nafase posterior sua hospitalizao. Ao mesmotempo corresponde s intervenes que tanto opaciente como a enfermeira realizam durantetoda atividade de ensino pr-operatrio.

    O mtodo utilizado para a coleta de dadosfoi a observao atravs de entrevistasinformais semi-estruturadas,19 no perodo demaro a dezembro de 1995.

    A avaliao indispensvel e ocorre emtodas as fases, cabendo ao paciente determinara aprendizagem alcanada, os aspectospositivos e negativos e sugestes para melhorara atividade. A enfermeira por sua vez, avaliaa sua atuao e desempenho neste processo eo aprendizado alcanado em conjunto com opaciente. Assim, a avaliao se deu de maneiracontnua, ou seja, de forma no estanque, pormeio da observao e percepo sobre aparticipao, desempenho e demonstrao dehabilidade ou conhecimento pelo pacienteindividualmente, no havendo portantoinstrumento especfico para orient-la, nemmesmo temporalidade para que ela ocorresse.

    $%&$"'()*)+,&%)Os dados relacionados aos cinco pacientes

    que participaram deste estudo quanto ao sexo,idade, estado civil, ocupao, grau deinstruo, bem como o tempo utilizado paraa atividade de ensino, encontram-seapresentados na Tabela 1.

    !"#$%!"&$!&%!"'(" )"*++(

    Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(4): 425-33

  • +

    Com base no conjunto de sujeitos queparticiparam do estudo, a maioria casada,do sexo masculino, com idade entre 42 e 78anos e ocupaes variadas, com baixo graude escolaridade, sendo apenas um de nvelsuperior e dois no alfabetizados.

    -$&.*"/&*)-&.%&0$./&%)"*)

    Neste item so apresentados os resultadosda atividade de ensino pr-operatria,sistematizada luz do Mtodo do Arco e tendoem vista o objetivo do presente estudo.

    A apresentao dos resultados feitaindividualmente por paciente e percorrendo-se as fases do mtodo.

    Observao da realidade: em relao

    doena e ao prognstico, relata que o mdicoforneceu-lhe informaes, com entonao quesoou como uma condenao de morte.Quanto evoluo da doena, se refere sempres dificuldades e conseqncias fsicas.

    O ponto-chave foi estabelecidoespontaneamente pelo prprio paciente,focalizando seu interesse em entender se aoperao resolveria seu problema na garganta,o que iria acontecer com ele e como esseaparelhinho (cnula de traqueostomia).Interessava-lhe tambm saber se iria demorarmuito para voltar ao seu quarto depois dacirurgia e preocupava-se com o fato do mdicoter dito que no iria mais falar. No ps-operatrio manifestou ainda interesse em vera traqueostomia e em restabelecer o modohabitual de alimentar-se.

    Uma vez resgatadas as informaes, naetapa de teorizao foram elaboradasexplicaes com a utilizao do lbum seriadosobre a necessidade da cirurgia, fisiologiarespiratria, conseqente modificao aoprocedimento e cuidados a serem dispensadosno decorrer do perodo peri-operatrio eainda sobre a traqueostomia. As explicaesforam direcionadas pelo prprio paciente queinterrompia quando tinha dvidas ou queriaque detalhasse algum aspecto. Num outroencontro a teorizao foi realizada com ademonstrao da cnula de traqueostomiametlica, com explicao dos passos para oprocedimento de troca do conjunto,

    abordando possveis dificuldades, alm danecessidade de utilizao da sonda nasoenteralno ps-operatrio e posterior dieta oral emfuno da sua recuperao.

    A etapa de hipteses de soluo ocorreusimultaneamente com as anteriores. Naetapa de aplicao realidade foi possvelconstatar que o paciente se mostravaconfiante, seguro em relao a aprendizagemalcanada com esta atividade, demonstrandoos passos da troca do conjunto, semdificuldades e relatando que faria oprocedimento em casa sozinho.

    No ltimo encontro, por ocasio do re-torno ambulatorial, estabeleceu-se umaabordagem direta pautada no relacionamentointerpessoal mantido no perodo deinternao, quando o paciente escreveu esttudo bem em casa, ajudo minha mulher acuidar da casa e troco a cnula todo dia pelamanh. Ao ser indagado sobre as orientaesque recebeu no pr-operatrio fez sinal depositivo e escreveu que achou importanteporque podia contar com algum paraperguntar e esclarecer as dvidas einquietaes, e que lhe ajudou bastantena recuperao.

    Na etapa de observao da realidade

    detectou-se preocupao vinculada ao relatoda angstia que sentiu ao receber acomunicao mdica sobre o diagnstico etratamento a ser institudo. Verbalizou aindao significado da mutilao (...nem imaginao que quando o mdico diz que voc temuma doena grave e tem que retirar uma parteimportante do seu corpo...).

    O ponto-chave das necessidades deaprendizagem foi estabelecido pelo pacienteao manifestar interesse em saber o que iriaacontecer com ele na cirurgia, o que equanto tempo ficar com traqueostomia, sepoderia voltar a falar, o que ocorre com quemfaz laringectomia total, e como este aparelhode traqueostomia.

    A teorizao nesta atividade de ensino pr-operatrio foi realizada atravs da explanaosobre os passos do tratamento cirrgico, acirurgia propriamente dita, a temporalidadeda traqueostomia e o significado do voltar afalar. Posteriormente foram acrescidas

    !

    Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(4): 425-33

  • ,-

    informaes e demonstraes das modificaesda fisiologia corporal. A utilizao do lbumseriado e demonstrao da cnula de traqueos-tomia foi extremamente til, aceita de formapositiva, alm de permitir melhor assimilao.

    Na fase de formulao de hiptese desoluo, ao ser indagado se gostaria de veruma cnula de traqueostomia, surpreendeu-se com esta possibilidade. Quanto aplicao realidade, a paciente permaneceumanipulando o conjunto de cnula, montandoe desmontando as suas partes e pediu que lhedeixasse o lbum seriado pois queria revercertos detalhes.

    Na fase de avaliao das atividades deensino, o paciente manifestou-se por escritoque foi possvel sanar as dvidas, quedescobriu algumas dicas respeito datraqueostomia ao ver e analisar os desenhos.Sentiu mais segurana e fora para enfrentara cirurgia, pois foi se acalmando atravs dosencontros nas atividades de ensino.

    Na fase de observao da realidade o

    paciente mostrava-se extremamentepreocupado, referindo nunca ter ficado doente.Manifestou suas inquietaes quanto perdada coragem e ao sustento da famlia, pois nosabia se conseguiria continuar trabalhando.

    O ponto-chave foi centrado no interessedemonstrado pelo paciente em saber mais sobreo tumor. Assim, na teorizao estabelecemosas relaes entre a fisiologia e a sintomatologiadescrita, tendo sido extremamente til, pois elefoi acompanhando o raciocnio e referiu tercompreendido o significado do tumor. Aindaquis saber sobre as conseqncias da cirurgia eprincipalmente da traqueostomia e perda da voz,momento em que lhe foi mostrada a cnula detraqueostomia e a possibilidade da voz esofgica.

    Notamos que durante as explicaes opaciente demonstrava mais interesse e sentia-se estimulado a esclarecer suas dvidas. Destaforma, a preocupao manifestada pelopaciente foi delineando as hipteses desoluo para o desenvolvimento da atividadede ensino. Nesta fase ficou evidenciado o seuinteresse em querer saber cada vez mais.

    Na aplicao realidade constatamos aaprendizagem na medida em que o pacientefoi colocando em prtica o contedo, aomanipular a cnula e o lbum seriado no pr-

    operatrio. No quinto dia de ps-operatriorealizamos a atividade de auto cuidado datraqueostomia, com superviso, quandomostrou-se motivado e esforando-se pararealizar a atividade sozinho. Na sua avaliaodo trabalho desenvolvido, relatou ter sido degrande ajuda e que jamais esqueceria o quantoisso foi importante para a sua vida.

    Observao da realidade: referiu conviver

    em seu local de trabalho com uma pessoalaringectomizada e por isso no se assustavamuito com a cirurgia. Conseguimos extraircomo pontos- chaves a realizao do autocuidado e o retorno ao trabalho. A etapa deteorizao foi facilitada pelo fato da pacientevivenciar a realidade de ter traqueostomia hum ms, apesar de no realizar o autocuidado. Foram fornecidas explicaes edemonstraes sobre a cirurgia, fisiologia etraqueostomia, ajudando-a a estabelecerrelaes terico-prticas. As hipteses desoluo foram construdas ao longo daatividade, e tornou-se ntida a relao doestado emocional e psicolgico do paciente ea importncia das oportunidades oferecidasem seu meio social, com a possibilidade deretorno ao trabalho.

    Aplicao realidade: no perodo pr-operatrio, o paciente manipulou edemonstrou as etapas de troca do conjuntode cnula, no ps-operatrio realizou a trocacom superviso e posteriormente, aps altahospitalar, verificamos que j realizava o auto-cuidado. Em relao ao retorno ao trabalho,demonstrou-se ciente da adequao dasatividades que desenvolveria aps o seu re-torno ao servio. Como avaliao, referiu queas atividades de ensino pr-operatrio foramimportantes na medida em que lhesproporcionaram mais calma, pois sabiaexatamente o que iria acontecer e isto foi bompara a sua recuperao.

    Observao da realidade: paciente

    apresentava-se extremamente ansioso,nervoso, recusando-se a fazer a cirurgia. Aoser abordado com o oferecimento de ajuda,respondeu que tinha medo, no queria ficarcom o aparelhinho e muito menos sem falar,mas que ningum o entendia.

    Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(4): 425-33

  • ,

    Ponto-chave: manifestou interesse em sa-ber o que aconteceria se no operasse e seprecisava mesmo operar. At ento muitasinformaes tinham sido dadas mas ele notinha conseguido assimilar, no tinhaconscincia do que estava acontecendo.

    Na teorizao passamos a conversar sobreo que ele imaginava ou sabia sobre osignificado do tumor. Discorrendo sobre arelao entre a sintomatologia e a evoluoda doena; foi esclarecido tambm sobre even-tual necessidade de realizar a traqueostomiaem caso de piora do quadro respiratrio.Neste momento manifestou preocupao coma seriedade da situao e interessou-se pelatraqueostomia, quando ento conheceu acnula e manipulou-a por iniciativa prpria.Em seguida, desviou o interesse para a questode ficar sem voz quando foi explicado, com oauxlio do lbum seriado, sobre a retirada dalaringe e das cordas vocais.

    As hipteses de soluo para a tomadade deciso sobre operar ou no foram sendoconstrudas medida em que o pacientetomou conscincia da sua realidade atravsdo conhecimento, esclarecimento de dvidase concluses prprias acerca da cirurgia aser enfrentada.

    Aplicao realidade: mesmo entendendoo que estava acontecendo, o paciente ficouem dvida se deveria operar ou no, dizendoque no agentaria passar por tudo isso agora,talvez quem sabe l na frente e complementou:pode ser que me arrependa, mas agoraconseguirei enfrentar. De qualquer maneira,referiu que a conversa mantida entre nsajudou muito. Finalizamos a nossa conversapor acreditar que o paciente precisava de maistempo para lidar com o problema.

    Este paciente ilustra muito bem que apessoa tem o direito de decidir o que melhorpara ela e que tanto a equipe mdica como deenfermagem muitas vezes, na nsia de quererajud-la, acabam querendo decidir por ela.

    $& 0&%.*))1$&)-$&.*"*)))-&.%& 0$./&%)"*)

    A situao de ensino em pr-operatriodesenvolvido com estes pacientes mostrou-sevivel e passvel de ser realizada pelaenfermeira. Acreditamos que o momentoadequado para que isto ocorra durante aadmisso, uma vez que a maioria dos pacientes,

    no hospital em estudo, admitida pela prpriaenfermeira que, por sua vez, detecta asnecessidades e planeja a assistncia de enfer-magem atravs da explorao e desenvol-vimento da comunicao interpessoal com opaciente e at mesmo com a sua famlia.

    O ensino pr-operatrio mostrou-se tile positivo no perodo ps-operatrio, quandoos pacientes demostraram estar estimuladospara a sua recuperao, colaborando com oscuidados prestados e demonstrando facilidadepara a aprendizagem do auto cuidado,independncia e segurana para retornar aoconvvio social. A adaptao do paciente sua nova realidade depende do preparo parao auto cuidado segundo as necessidades porele apresentadas, para o que a comunicaointerpessoal enfermeiro-paciente torna-seindispensvel.2, 20

    Essas consideraes reforam os achadosde autores5,8,13,21 que caracterizaram osbenefcios da orientao pr-operatria,individualizada e sistematizada, na recu-perao ps-operatria. Importa ressaltarestudos que concluram que no h um tempode pr-operatrio adequado e que as formasde ensino devem ser exploradas e pesquisadaspara aprofundar a funo educativa daenfermeira.22- 24

    Destacamos tambm que o nvel scio-econmico dos pacientes era limitado; porm,no foi impeditivo para que estes aprendesseme participassem de sua recuperao, aspectoque refora que todo indivduo temcapacidade de tornar-se participante ativo nasituao de sade/doena e ensino/aprendi-zagem. Acreditamos que esta questo estejavinculada oportunidade proporcionada parao paciente se expressar. Cabe enfermeiraplanejar a assistncia em funo das necessi-dades apresentadas pelo paciente. Vale destacarque os resultados apresentados podem servirde base para a elaborao dos diagnsticos deEnfermagem, principalmente relacionados aodficit de conhecimento.

    As necessidades de aprendizagem dospacientes laringectomizados abordados nesteestudo, ou seja, o conhecimento sobre a prpriadoena e prognstico, a cirurgia e suasconseqncias, os cuidados com traqueostomia,a possibilidade do desenvolvimento de vozesofgica e retorno ao trabalho foram aspectostambm relatados na literatura.1, 2, 25- 27

    !

    Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(4): 425-33

  • ,

    A necessidade apresentada por cadapaciente nica, pois a abordagem deli-mitada por ele. O aprofundamento eaprendizagem alcanada marcante em algunsaspectos para determinados pacientes e paraoutros no. A flexibilidade da atividade deensino mostra-se necessria para adequar odirecionamento da aprendizagem para queseja significativa e individualizada.

    Convm lembrar que a prtica ritualsticada orientao, entre os enfermeiros cirr-gicos, tem negado a participao ativa dopaciente no processo, com as suas singu-laridades, suas necessidades especficas deaprendizagem chegando a ponto de exclu-loou pouco consider-lo no processo15. Istoocorre, segundo a autora, em funo do ritualde orientao preencher um requisito dentrodas normas organizacionais, o que difere dosobjetivos profissionais direcionados para aorientao sistematizada e fundamentada em umrelacionamento humanizado, com empatia pelopaciente que por sua vez tem a oportunidade departicipar do processo solicitando o conhe-cimento de que necessita.

    A utilizao do Mtodo do Arco mostrou-se extremamente favorvel implementao dasatividades de ensino pr-operatrio aos pacienteslaringectomizados, pois permitiu a abordagemdas diferentes necessidades de aprendizagem,com adequaes e flexibilidade necessrias assistncia significativa e humanizada.

    1. Aguillar OM. Contribuio ao estudo do processode adaptao da pessoa laringectomizada[Dissertao]. Ribeiro Preto: Escola de Enfermagemde Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, 1984.

    2. Zago MMF. Plano de ensino para o preparo daalta mdica do paciente laringectomizado

    [Dissertao]. Ribeiro Preto: Escola deEnfermagem de Ribeiro Preto, Universidadede So Paulo, 1990.

    3. Aguillar OM. A alta do paciente cirrgico nocontexto do Sistema de Sade [Tese]. RibeiroPreto: Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto,Universidade de So Paulo, 1990.

    4. Redko CP. Entrega das cabeas: experincias devida dos pacientes com cncer de cabea e pescoo[Dissertao]. So Paulo: Faculdade de Filosofia,Letras e Cincias Humanas, Universidade de SoPaulo, 1992.

    5. Alvarez LH. A orientao do paciente comofuno da enfermeira: uma aplicao emassistncia de enfermagem cirrgica[Dissertao]. Rio de Janeiro: Escola deEnfermagem, Universidade Federal do Rio deJaneiro, 1975.

    6. Atkinson LD, Murray ME. Fundamentos deEnfermagem. Rio de Janeiro: GuanabaraKoogan, 1989.

    7. Swindale JE. The nurses role in giving preop-erative information to reduce anxiety in patientsadmited to hospital for elective minor surgery.Nursing 1989;(14):899-905.

    8. Nakatani AYK, Pereira MS, Carvalho VL.Orientao educativa no pr-operatrio:abordagem sobre sua efetivao. In: CongressoBrasileiro de Enfermagem, 43., 1991, Curitiba.

    9. Silva WV, Corra IMS. Aspectos emocionais dopaciente clnico no pr-operatrio. In: CongressoBrasileiro de Enfermagem, 44., 1992, Braslia.

    10. Brunner LS, Suddarth DS. Tratado mdico-cirrgica. 7a ed. Rio de Janeiro: GuanabaraKoogan, 1993.

    11. Redman BK. The process of patients educa-tion. St. Louis: Mosby, 1988.

    12. Egbert LD. Reduction of postoperative painby encouragement and instruction of patients.J Med 1964;270(16):825-7.

    13.Fontes MC, Almeida MS, Carvalho DD. Otrauma cirrgico: importncia da orientao pr-operatria. Rev Bras Enfermagem1980;33(2):194-200.

    14. Mezzanote EJ. Group instruction in prepara-tion for surgery. Am J Nurs 1970;70(1):89-91.

    15. Zago MMF. O ritual de orientao de pacientespelos enfermeiros cirrgicos: um estudoetnogrfico [Tese]. Ribeiro Preto: Escola deEnfermagem de Ribeiro Preto, Universidadede So Paulo, 1994.

    16. Bordenave JD, Pereira AM. Estratgias de ensinoaprendizagem. 9a ed. Petrpolis: Vozes, 1988.

    17. Ldke M, Meda A. Pesquisa em educao:abordagens qualitativas. So Paulo: EPU, 1986.

    18. Zago MMF, Pinto MH, Stopa MJR, FurtadoSAP. Laringectomia total: manual de orientaes.Ribeiro Preto: Escola de Enfermagem deRibeiro Preto, Universidade de So Paulo, 1991.

    19. Bogdan RC, Biklen SK. Qualitative researchfor education: an introduction to theory andmethods. Boston: Allyn and Bacon, 1982.

    20. Mendes IAC, Trevizan MA. A necessidade deaprendizagem em pacientes crnicos.Enfermagem Atual 1981;3(18):4-7.

    Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(4): 425-33

  • ,,

    21. Bayers M, Dudas S. Enfermagem mdico-cirrgica: tratado de prtica clnica. 2a ed. Riode Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. vol 1.

    22. Close A. Patient education: a literature review. JAdv Nurs 1988;13:203-13.

    23. Lepczyk M, Raleigh EH, Rowley C. Timing ofpreoperative patient teaching. J Adv Nurs1990;15:300-6.

    24. Lippetz MJ, Bussigel MN, Bannerman J, RisleyB. What is wrong with patient education pro-grams? Nurs Outlook 1990;38:184-9.

    !

    25. Larsen GL. Rehabilitation for the patient withhead and neck cancer. Am J Nurs 1982;82:119.

    26. Murrills G. Pre and early postoperatory care ofthe laringectomee and spouse. In: Edels Y.Laringectomee rehabilitation. London: Aspen,1983:58-74.

    27.Whitaker IY, Braido MCP, Madureira NG,Dalossi T. Informar: primeiro passo noprocesso de aceitao do pacientetraqueostomizado. Acta Paul Enfermagem1989;2:23-9.

    Revista Brasileira de Cancerologia, 2001, 47(4): 425-33