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Economia Social*
-O Conceito de Economia Social
A economia social constitui uma alternativa a visões redutoras
da economia enquanto área do saber e objecto de estudo.
Aquilo que alguns autores têm denominado por outra economia
encontra as suas raízes em abordagens e iniciativas que, no
contexto de crise e de degradação das condições de vida das
classes trabalhadoras que marcaram o século XIX, denunciaram
o fracasso da convicção na generalização do bem-estar material
proporcionado pelo liberalismo económico, assente na livre
iniciativa e na concorrência. O equilíbrio e as virtudes decorrentes do
funcionamento da mão invisível (Adam Smith) e de outras leis
económicas revelaram-se promessas por cumprir. Além da crítica à
visão harmoniosa do “mundo” que surgiu dentro do próprio
pensamento liberal clássico (Thomas R. Malthus, David Ricardo e
John Stuart Mill) e que chamou a atenção para a ocorrência de crises
cíclicas, autores como Charles Fourier e Robert Owen estiveram na
base da concepção, implementação (no caso de Owen) e inspiração
de formas alternativas de produção e de consumo, nas quais se
devem destacar as formas cooperativas. Assiste-se, assim, à defesa
da cooperação e da associação como pilares fundamentais das
iniciativas de produção e de consumo em substituição do interesse
próprio e da concorrência.
* Excertos dos textos de apoio disponibilizados na página de
Economia Social (Moodle).
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As sementes da economia social lançadas no século XIX constituem o
ponto de partida de uma outra economia, quer enquanto
perspectiva de análise (a economia não se dissocia de relações e
valores sociais), quer enquanto expressão de formas económicas
que não se inscrevem nos territórios convencionais de governação
económica – mercado e Estado.
A emergência de um terceiro sector, no contexto da crise dos anos
70, consubstancia essa alternativa que afirma a ideia, segundo a
qual, a economia é governada por uma pluralidade de
princípios e formas de organização.
A economia social surge como uma nova economia que associa
não só os recursos de mercado e financiamentos públicos, mas
também recursos não monetários que provêm da sociedade
civil, como a economia familiar e informal ou mesmo
subterrânea.
Em suma, a economia social, para além do seu peso quantitativo,
tem vindo nas últimas décadas a afirmar a sua capacidade de
contribuir eficazmente para a solução dos novos problemas
sociais. Por outro lado, tem conseguido reforçar a sua posição
como instituição indispensável a um desenvolvimento
económico sustentável e estável, adequando os serviços às
necessidades, valorizando as actividades económicas ao serviço das
necessidades sociais, lutando por salários mais justos e uma
redistribuição da riqueza, corrigindo os desequilíbrios do mercado
laboral e, em resumo, aprofundando e reforçando a democracia
económica.
A delimitação mais recente do conceito de economia social é
efectuada, pelas próprias organizações, na Carta de Princípios da
Economia Social estabelecida pela Conferência Europeia Permanente
das Cooperativas, Mutualidades, Associações e Fundações (CEP-
CMAF).
Os princípios em questão são:
3
• Primazia do indivíduo e do objecto social sobre o capital;
• Adesão livre e voluntária;
• Controlo democrático pelos seus filiados (excepto as
fundações que não possuem membros associados);
• Conjugação dos interesses dos filiados/usuários e/ou do
interesse geral;
• Defesa e aplicação dos princípios de solidariedade e
responsabilidade;
• Autonomia de gestão e independência em relação aos
poderes públicos;
• A maior parte dos excedentes destinam-se à consecução de
objectivos em favor do desenvolvimento sustentável e da
prestação de serviços de interesse para os associados e ou do
interesse geral.
O conceito de economia social engloba um conjunto de empresas
privadas organizadas formalmente, com autonomia de decisão
e liberdade de filiação, criadas para servir a necessidades dos
seus associados através do mercado, fornecendo bens e
serviços, incluindo
seguros e financiamentos, e em que a distribuição pelos sócios
de eventuais lucros ou excedentes realizados, assim como a
tomada de decisões, não estão directamente ligadas a capital
ou às cotizações dos seus associados, correspondendo um
voto a cada um deles. A economia social também inclui
empresas privadas organizadas formalmente, com autonomia
de decisão e liberdade de filiação que prestam serviços de
"não mercado" a agregados familiares e cujos eventuais
excedentes realizados não podem ser apropriados pelos
agentes económicos que as criam, controlam ou financiam.
Esta definição tem absolutamente em conta os critérios delimitadores
do conceito de economia social incluídos na Carta de Princípios da
Economia Social estabelecida pela CEP-CMAF. Em termos
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contabilísticos nacionais, ela abrange dois subsectores principais
da economia social:
a) O subsector do mercado ou empresarial.
O subsector de mercado da economia social é constituído,
essencialmente, por cooperativas e mutualidades, grupos
empresariais controlados por cooperativas, mutualidades e
demais organizações de economia social ou outras empresas
afins, como é o caso das empresas laborais espanholas
(denominadas "sociedades laborales"), e determinadas instituições
sem fins lucrativos ao serviço de empresas pertencentes à economia
social.
b) O subsector “não mercantil” ou de “não mercado”.
Esta classificação revela-se muito útil para elaborar estatísticas
fiáveis e analisar as actividades económicas em conformidade com os
sistemas contabilísticos nacionais utilizados. No entanto, de um ponto
de vista socioeconómico, obviamente que há na economia social
uma permeabilidade entre os dois subsectores, bem como
ligações estreitas entre mercado e não mercado, resultante do
facto de que todas as organizações de economia social partilham uma
característica comum: são organizações de pessoas que realizam
actividades com o principal objectivo de satisfazer as
necessidades das pessoas e não tanto de remunerar os
investidores capitalistas.
De acordo com a definição atrás referida, as características
comuns aos dois subsectores da economia social são:
1) São privadas, ou seja, não fazem parte do sector público nem
são controladas pelo mesmo;
2) Organizadas formalmente, o que significa que, em regra, são
dotadas de personalidade jurídica;
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3) Autonomia de decisão, isto é, têm plena capacidade para eleger
e destituir os seus órgãos dirigentes e para controlar e organizar
todas as suas actividades;
4) Liberdade de filiação, ou por outras palavras, não há
obrigatoriedade de adesão;
5) A distribuição de eventuais lucros ou excedentes entre os
filiados/usuários não é feita proporcionalmente ao capital ou
às cotizações dos membros, mas sim em função da sua
actividade ou participação no seio da organização;
6) Realização de uma actividade económica com o objectivo de
satisfazer as necessidades dos seus filiados, nomeadamente
pessoas individuais ou famílias. Por este motivo, diz-se que as
organizações de economia social são organizações de pessoas e não
de capital. Trabalham com o capital e outros recursos não
monetários, mas não para o capital.
7) São organizações democráticas. Excepto algumas organizações
de voluntários que produzem serviços "não mercantis", as
organizações da economia social de primeira linha aplicam todas o
princípio de “uma pessoa, um voto”, independentemente do capital
ou das cotizações dos seus membros.
Uma característica muito importante das organizações da economia
social, cujas raízes se encontram na sua própria história, é o controlo
democrático com direitos de voto iguais no processo decisório.
Todavia, a definição de "economia social" atrás referida aceita que
nela sejam também incluídas as organizações de voluntários
sem fins lucrativos que prestam serviços "não mercantis" a
agregados familiares, mesmo que não possuam uma estrutura
democrática, permitindo incluir na economia social as
importantíssimas organizações de acção social do terceiro
sector fornecedoras de bens sociais e de mérito de
inquestionável utilidade para a sociedade.
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Este subsector é constituído maioritariamente por associações e
fundações, embora dele possam igualmente fazer parte
organizações que revestem outras formas jurídicas. Integra todas as
organizações de economia social que, de acordo com os critérios
contabilísticos nacionais, são consideradas de "não mercado", ou
seja, as que fornecem bens ou serviços, na sua maioria, de
forma gratuita ou a preços economicamente não significativos.
Em termos contabilísticos, a economia social abrange o subsector
do mercado ou empresarial (v.g. cooperativas e mutualidades,
grupos empresariais controlados por cooperativas) e o subsector
não mercantil (associações e fundações e todas as organizações que
fornecem bens e serviços na maior parte gratuitos ou a preços
simbólicos).
A economia social, a economia solidária, o terceiro
sector e as organizações sem fins lucrativos
De um ponto de vista operacional, podemos definir a economia
social como o grupo de empresas e instituições que para além da
sua diversificação jurídica e heterogeneidade de funções, está ligado
através de uma ética comum assente na solidariedade e na
prestação de serviços aos seus membros e no interesse geral,
sendo as cooperativas a sua representação mais genuína (BAREA;
MONZÓN,1992, p. 32).
Considera-se, assim, que a economia social tem características
próprias para responder a um enquadramento económico e
social específico, ao qual nem a economia pública nem a
privada conseguem ou desejam dar respostas. Resulta assim
que a economia social se define por um intervalo entre o
Estado e o mercado, quer no sentido da concretização das acções
que o Estado não pretende resolver, quer no daquelas que a
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economia privada não vislumbra interesses lucrativos para a sua
realização.
Na esfera da economia social, estão o associativismo, o
cooperativismo e o mutualismo como formas de organização da
actividade produtiva.
Os seus objectivos passam necessariamente pela solidariedade e pelo
desenvolvimento integrado da comunidade e do Homem. Nesta
sequência de ideias, a economia social ou Terceiro Sector pode
eventualmente substituir a acção do Estado ou ser um
prolongamento deste, na implementação de suas políticas
sociais.
Basicamente, inclui dois tipos de organizações: aquelas que
funcionam como empresas, embora não visem o lucro
(liminarmente relacionadas com o movimento cooperativo), e as
organizações privadas mantidas por donativos, quotizações,
trabalho voluntário e recursos públicos, tais como Associações e
Fundações.
As instituições da economia social caracterizam-se por:
-Adesão voluntária e livre;
-Gestão democrática e participativa;
-Ausência de finalidades lucrativas;
-Autonomia face ao Estado e às pessoas jurídicas de direito público.
O conceito de economia solidária
Este conceito expandiu-se em França e em alguns países da América
Latina no último quartel do século XX, estreitamente associado ao
grande desenvolvimento que o terceiro sector conheceu para
dar resposta às novas necessidades sociais dos numerosos
grupos em risco de exclusão social. O conceito de economia
solidária articula-se em torno de três pólos: o mercado, o
Estado e a reciprocidade. Este último refere-se ao intercâmbio
não monetário na esfera da sociabilidade primária, da qual o
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melhor exemplo é a filiação em associações. O conceito de
economia solidária tenta ligar os três pólos do sistema, significando
que das experiências específicas organizadas no seu seio resultam
formas híbridas entre as economias de mercado, de não mercado e
não monetárias, com recursos provenientes de várias origens: do
mercado (comercialização de bens e serviços), do não mercado
(subsídios governamentais e donativos) e do sistema não
monetário (voluntariado).
O conceito de economia solidária tem alguns elementos importantes
que são comuns ao conceito de economia social, de forma que
também se fala de "economia social e solidária". Também de um
ponto de vista prático, todas as organizações que são
consideradas parte da economia solidária fazem
inquestionavelmente parte da economia social.
A economia solidária apresenta-se como um tipo de economia
alternativa, principalmente ao que entende ser o conformismo e
a objectivação da economia social. Com efeito, em 1993, em
França, a revista Travail, apresenta um dossier designado
simplesmente por ‘economia solidária’, que conta com a colaboração
dos principais teóricos deste tipo de economia:
Alain Archimbaud, Alain Caillé, Bernard Ème, Bernard Enjolras, Jean-
Louis Laville, Patrice Savage, entre outros.
O que distingue então a economia solidária da economia
social? É no essencial, a consideração de que a iniciativa
provém dos cidadãos que estão resolvidos a fazer alguma
coisa, porque não estavam completamente excluídos ou
desesperados e porque integram no seu comportamento individual a
utilidade de todos, ainda que por si próprio, de libertar as ligações
sociais, acumular o capital, melhorar o seu meio ambiente, de
defender os vizinhos (LIPIETZ, 2001, p. 51).
De outro modo, alguns autores entendem a economia solidária
como a consciência externa da economia social, definida no
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sentido de actividade económica, sendo a sua lógica o sistema de
valores dos actores com base nos critérios de gestão das suas
instituições.
A economia solidária é o conjunto de actividades económicas cuja
lógica é distinta tanto da lógica do mercado capitalista quanto da
lógica do Estado.
Ao contrário da economia capitalista, centrada sobre o capital a
ser acumulado e que funciona a partir de relações competitivas, cujo
objectivo é o alcance de interesses individuais, a economia
solidária organiza-se a partir de factores humanos,
favorecendo as relações onde o laço social é valorizado
através da reciprocidade e adoptando formas comunitárias de
propriedade.
Distingue-se também da economia estatal que supõe uma
autoridade central e formas de propriedade institucional.
O Terceiro Sector
O terceiro sector tornou-se num ponto de convergência de
diferentes conceitos, fundamentalmente dos conceitos de "sector
não lucrativo" e de "economia social", os quais não coincidem
exactamente, ainda que haja áreas que se sobrepõem. Por outro
lado, as abordagens teóricas que têm vindo a ser desenvolvidas a
partir destes conceitos atribuem ao terceiro sector diferentes funções.
O terceiro sector demonstra o associativismo e voluntariado que
fazem parte de uma cultura política e cívica baseada no estado
neoliberal. O termo foi construído a partir de recorte social em
esferas: o Primeiro Sector (Estado), o Segundo Sector (Mercado) e
a Sociedade Civil Organizada, e desde então, tornada num sector.
Este termo, entre todas as expressões em uso, é o que tem maior
aceitação. É constituído por organizações privadas sem fins
lucrativos que gerem bens e serviços públicos e privados.
Todas elas formam um conjunto de iniciativas da sociedade
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com objectivo de consciencialização para os direitos da
cidadania e o desenvolvimento político, económico, social e
cultural no meio em que actuam.
O terceiro sector apresenta as seguintes características:
-Iniciativas privadas que não visam o lucro.
-Iniciativas na esfera pública que não são feitas pelo Estado,
nem empresas, mas sim pelo cidadão, que participa de modo
espontâneo e voluntário em acções que visam ao interesse
comum.
Em contraponto à lógica do poder que prevalece nas relações entre
Estados e à lógica do lucro que orienta a acção de empresas no
mercado, as iniciativas empreendidas pelos cidadãos afirmam o
valor da solidariedade.
Em Portugal, o termo terceiro sector tem uma crescente utilização
referindo-se ao conjunto das organizações de interesse mútuo
em conjunto com aquelas que, embora dependentes de
subsídios do Estado e do mecenato das empresas privadas,
centram-se no campo da acção e da coesão social. Deste ponto
de vista, as instituições do terceiro sector têm um carácter
privado, sem fins lucrativos, apresentam uma gestão
autónoma, mas actuam na esfera pública como forma de
satisfação de necessidades globais.
Este conceito tem origem na escola anglo-saxónica, onde a
tradição vai no sentido de considerar como elementos determinantes
na esfera económica da intervenção social as instituições sem fins
lucrativos, as quais se apresentam com uma vocação interclassista
nas formas de solidariedade praticadas.
O conceito de organizações sem fins lucrativos
As organizações sem fins lucrativos podem definir-se como o
conjunto de entidades com as seguintes características:
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a) são organizações, ou seja, têm uma estrutura institucional,
regra geral, com estatuto de pessoas singulares.
b) são privadas, ou seja, estão institucionalmente separadas do
governo, embora possam receber financiamento do sector público e,
inclusivamente, ter funcionários públicos nas suas estruturas
directivas;
c) são autónomas, isto é, têm plena capacidade para eleger e
destituir os seus órgãos dirigentes e para controlar as suas
actividades;
d) seguem o princípio da distribuição não lucrativa, significando
isto que as organizações sem fins lucrativos podem gerar receitas, as
quais têm, no entanto, de reverter integralmente a favor da própria
instituição, para a prossecução do seu principal fim, não podendo
haver distribuição por quem as detém, nem pelos membros
fundadores, nem pelos seus órgãos dirigentes;
e) são voluntárias, o que significa duas coisas: em primeiro lugar,
que a filiação não é obrigatória ou legalmente imposta e, em segundo
lugar, que as organizações deverão contar com a participação de
voluntários nas suas actividades operacionais ou de gestão.
Uma organização sem fins lucrativos é uma entidade de iniciativa
privada, que fornece bens, serviços e ideias para melhorar a
qualidade de vida em sociedade, onde poderá existir trabalho
voluntário, e que não remunera os detentores e fornecedores
de capital.
As organizações sem fins lucrativos são organizações de natureza
jurídica sem fins de acumulação de capital para o lucro dos seus
directores. Todo o seu lucro deve ser reinvestido em estrutura
ou outras áreas da pessoa jurídica.
Os tipos de organização são as Fundações, as Organizações Não
Governamentais e as Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público.
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O sector, onde se inserem as organizações sem fins lucrativos é o
terceiro sector ou a economia social.
Semelhanças e diferenças entre o conceito de
economia social e o conceito de organizações sem
fins lucrativos
No que diz respeito às semelhanças entre o conceito de economia
social e o conceito de organizações sem fins lucrativos, quatro das
cinco características das organizações sem fins lucrativos
aplicam-se igualmente à economia social: organizações
privadas, organizadas formalmente, com autonomia de
decisão (autónomas) e liberdade de filiação (participação
voluntária).
Todavia, há três critérios delimitadores que distinguem
claramente a economia social das organizações sem fins lucrativos,
nomeadamente:
a) O critério "sem objectivo de lucro"
Do conceito de "organizações sem fins lucrativos" são
excluídas todas as organizações que distribuem, seja de que
modo for, lucros pelas pessoas ou pelas organizações que as
criaram, controlam ou financiam. Por outras palavras, as
organizações do terceiro sector têm de respeitar estritamente a
obrigação de não distribuição. Acresce que o conceito de
organizações sem fins lucrativos exige que as organizações do
terceiro sector não tenham objectivo de lucro, ou seja, elas não
podem ser criadas com o objectivo primário de gerar lucro ou
obter retorno financeiro.
No conceito de economia social, o critério "sem objectivo de
lucro" nesta acepção não é um requisito essencial exigido às
organizações do terceiro sector. Naturalmente, na óptica do
conceito de economia social, muitas das organizações que respeitam
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estritamente o critério "sem objectivo de lucro" pertencem ao terceiro
sector: um vasto sector de associações, fundações, empresas sociais
e outras organizações sem fins lucrativos — prestadoras de serviços a
pessoas individuais e a famílias —, que satisfazem o critério "sem
objectivo de lucro" inerente ao conceito de organizações sem fins
lucrativos e todos os critérios de organização da economia social
definidos. No entanto, o conceito de organizações sem fins
lucrativos exclui as cooperativas e as mutualidades, que
constituem um núcleo decisivo da economia social, do terceiro
sector, com base no facto de distribuírem parte dos
excedentes pelos seus membros.
b) O critério "democracia"
A segunda diferença entre o conceito de organizações sem fins
lucrativos e o conceito de economia social é a aplicação do
critério da democracia. Os requisitos do conceito de organizações sem
fins lucrativos para se considerar que uma organização pertence ao
terceiro sector não incluem esse elemento característico do conceito
de economia social, que é o da organização democrática.
Consequentemente, no conceito de organizações sem fins lucrativos o
terceiro sector inclui muitas, e muito importantes, organizações sem
fins lucrativos que não satisfazem o critério da democracia e, por
conseguinte, são excluídas do terceiro sector no conceito de
economia social. De facto, muitas organizações sem fins
lucrativos que operam nos sectores das corporações
financeiras e não financeiras e comercializam os seus serviços
a preços de mercado não satisfazem o princípio da
organização democrática. Estas organizações, que o conceito de
organizações sem fins lucrativos, ao contrário do conceito de
economia social, considera serem parte do terceiro sector, incluem
determinados hospitais, universidades, escolas, entidades culturais e
artísticas e demais instituições, que, por um lado, não satisfazem o
critério da democracia comercializam os seus serviços no mercado,
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mas, por outro, satisfazem todos os requisitos definidos no conceito
de organizações sem fins lucrativos.
No conceito de economia social, qualquer entidade sem fins
lucrativos destituída de organização democrática é, regra
geral, excluída do terceiro sector, embora se aceite que as
organizações de voluntários sem fins lucrativos, que
produzem serviços de "não mercado" a pessoas individuais e a
famílias de forma gratuita ou a preços economicamente não
significativos, possam ser incluídas na economia social. Estas
instituições sem fins lucrativos demonstram a sua utilidade social no
fornecimento de bens de mérito ou serviços gratuitos a pessoas
individuais ou famílias.
c) O critério "ao serviço das pessoas"
Por último, a terceira diferença tem a ver com os destinatários dos
serviços prestados pelas organizações do terceiro sector, uma vez
que há diferenças entre os dois conceitos no que diz respeito ao seu
alcance e prioridades.
No conceito de economia social, o principal objectivo de todas
as organizações consiste em servir as pessoas ou outras
organizações da economia social. Nas organizações de primeira
linha, a maioria dos beneficiários das actividades destas organizações
são pessoas individuais ou famílias, enquanto consumidores,
empresários em nome individual ou produtores. Muitas destas
organizações apenas aceitam a filiação de pessoas individuais.
Ocasionalmente, podem também aceitar como membros pessoas
jurídicas de qualquer tipo, mas a preocupação da economia social é
servir os seres humanos, que são a sua razão de ser e os
destinatários das actividades que exercem.
Pelo contrário, no conceito das organizações sem fins lucrativos
não há nenhum critério que defina como objectivo prioritário
servir as pessoas. As organizações sem fins lucrativos podem
ser criadas para prestar serviços não só a pessoas, como
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também às corporações que as controlam ou financiam. Mas
pode também haver organizações sem fins lucrativos de primeira
linha que são exclusivamente constituídas por empresas baseadas no
capital, financeiro ou não financeiro.
Assim se explica que o campo de análise no conceito de organizações
sem fins lucrativos seja muito heterogéneo.
Concluindo, as semelhanças e as diferenças existentes entre o
conceito de organizações sem fins lucrativos e o conceito de
economia social, e o facto de haver um espaço comum que
integra organizações abrangidas pelos dois conceitos,
viabilizam uma apreciação das importantes divergências
conceptuais e metodológicas que impedem o terceiro sector
de ser constituído pela mera soma dos grupos de organizações
em que incidem os dois conceitos.
No atinente às diferenças entre os dois conceitos em relação às
funções que o terceiro sector pode assumir nas economias
desenvolvidas, no conceito de organizações sem fins lucrativos
o terceiro sector situa-se entre o Estado e o mercado e a
missão do seu mais característico núcleo (o terceiro sector
social) consiste em satisfazer um número considerável de
necessidades sociais que o mercado (devido à falta de uma
procura com poder de compra) ou o sector público
(incapacidade do financiamento público) não satisfaz,
abrindo-se assim caminho a um terceiro tipo de recursos e
motivações.
O conceito anglo-saxónico, baseado no trabalho voluntário, nas
acções caritativas (Grã Bretanha) e nas fundações (Estados Unidos),
insiste nos valores filantrópicos e no critério "fins não lucrativos".
A ausência de lucro nas acções desenvolvidas revela a pureza e a
rectidão dos motivos que lhe estão subjacentes e demonstra a
natureza caritativa e social do terceiro sector, cuja missão é remediar
as deficiências de um sistema público de protecção social nada
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generoso e os excessos de uma lógica de mercado muito dinâmica,
mas também muito mais implacável em relação aos sectores sociais
menos solventes do que qualquer outro sistema.
No conceito de economia social, o terceiro sector não se situa
entre o mercado e o Estado, mas sim entre o sector capitalista
e o sector público. Partindo deste ponto de vista, o terceiro
sector, nas sociedades desenvolvidas, é entendido como um
pólo de utilidade social constituído por um vasto leque de
organizações privadas criadas, em primeira linha, para
satisfazer necessidades sociais e não para remunerar o
capital.
De qualquer forma, o conceito do terceiro sector desenvolvido
pela economia social não encara este sector como um sector
residual, mas como um pólo institucional do sistema que,
juntamente com o sector público e o sector privado capitalista,
constitui um factor fundamental para consolidar o bem estar
nas sociedades desenvolvidas, contribuindo para a solução de
alguns dos problemas mais preocupantes como a exclusão
social, elevadas taxas de desemprego e desemprego de longa
duração, as assimetrias geográficas, o auto-governo local e
uma distribuição da riqueza mais justa.
Ao contrário do conceito de organizações sem fins lucrativos,
que olha para o terceiro sector principalmente como um sector
que desenvolve acções caritativas/filantrópicas e iniciativas
de solidariedade sem contrapartida, a economia social promove
iniciativas empresariais com solidariedade recíproca entre os seus
iniciadores, baseando-se num sistema de valores que respeita as
decisões democráticas e coloca as pessoas acima do capital na
distribuição dos excedentes.
A economia social não só vê as pessoas necessitadas como
beneficiários passivos da filantropia social, como também
17
eleva os cidadãos a protagonistas activos do seu próprio
destino.
Os problemas tratados pela Economia Social
O carácter particular da economia social é derivado ao facto de
combinar perfeitamente a eficiência económica e o
empreendedorismo social. Ela oferece um enorme potencial no
quadro de uma moderna e plural economia social de mercado, a sua
diversidade, a sua força e conhecimento são activos para melhorar e
preservar a vida dos cidadãos.
As instituições de solidariedade social, particularmente os Centros
Sociais Paroquiais e as Misericórdias, praticam e têm por objecto a
cultura do voluntariado dos seus membros e o espírito de serviço dos
seus colaboradores dedicados à prestação de serviços à
comunidade, envolvendo um elevado número de valências, nas
áreas da infância, juventude e terceira idade, tais como:
serviços de protecção social, cuidados de saúde, serviços de
proximidade e apoio domiciliário, educação e formação,
inserção social de pessoas com deficiência, etc., pelo que
desempenham um papel muito especial na criação do capital
social, na capacidade de empregar pessoas oriundas de
grupos desfavorecidos, na criação do bem estar social e da
solidariedade, na própria revitalização das economias locais e
na luta contra a pobreza e a exclusão social, na assistência às
famílias e dos mais idosos e isolados. Acresce ainda a tarefa
extremamente complexa do acompanhamento da formação da
personalidade dos nossos jovens desde praticamente o seu
nascimento até à adolescência e posteriormente na velhice,
através da organização de eventos lúdicos e culturais
18
A evolução da economia social
O conceito de economia social surge cerca de 1830, quando
Charles Dunoyer publica em Paris um tratado de economia social,
surgindo na mesma década, na Universidade de Lovaina, um curso
com a designação de economia social. Nesta linha, surge um
conjunto de escolas teóricas de que se salientam, a socialista,
cujos precursores são os socialistas utópicos e tendo o contributo de
Marcel Mauss (1872-1950), defensor de uma economia de
socialização voluntária e de Benoit Malon (1841-1893), cujo tratado
de economia social (1883) tinha na sua base idêntica perspectiva; a
escola social-cristã reformista, que, pela mão de Fréderic Le Play
(1806-1882), inaugurou uma sociedade de economia social e uma
revista com o mesmo nome. Le Play, aprova o desenvolvimento das
cooperativas com um objectivo reformista não sendo, no entanto,
favorável a uma transformação radical da sociedade; a escola
liberal, dirigida em primeiro lugar por Charles Dunoyer (1786-1862)
e mais tarde por Frédéric Passy (1822-1912) coloca a sua perspectiva
teórica na liberdade da economia e no afastamento da intervenção do
Estado com recurso ao princípio da auto-ajuda. Associam-se ainda a
esta escola Leon Walras (1834-1910), pela importância que atribui
às associações populares, e John Stuart Mill (1806-1873) que na
Inglaterra defende a superação do proletariado através das
associações de trabalhadores; a escola solidária, ligada a Auguste Ott
(1814-1892) que publica um tratado de economia social e sobretudo
a Charles Gide (1847-1932). É ele quem marca um período áureo
da economia social francesa, e concretiza o espírito do
solidarismo pelo qual será possível a abolição do capitalismo e do
proletariado sem sacrificar a propriedade privada nem as liberdades
provindas da revolução. A ajuda mútua e a educação económica
através da cooperação podem por si só promover a transformação do
homem.
19
O mérito principal destas escolas é o de demonstrar o
pluralismo político e cultural que caracteriza os primórdios do
desenvolvimento da economia social e que até hoje se
mantém.
Podemos, no que concerne à evolução da economia social, pelo
menos do ponto de vista académico, distinguir cinco períodos, como
seguem:
a) A génese da economia social (1791-1848)
Este período é marcado pela Revolução Francesa e bafejado pelos
ideais da liberdade, da fraternidade e da igualdade, tendo como
resultado o início do movimente associativo ligado ao
proletariado e às organizações obreiras. As cooperativas
começam também a dar os seus primeiros passos, no sentido de
potenciar o emprego e reduzir as desigualdades sociais características
do período em questão. O fim deste período é marcado pela tomada
de Paris (Comuna de Paris) e pela tentativa de criar um governo
autogestionário, assente no poder proletário e as ideias de alguns
idealistas como Louis Blanc, vão no sentido da promoção das
associações proletárias e das cooperativas.
b) A questão social e o movimento operário (1850-1900)
Com o fim da Comuna de Paris, a repressão não esperou para se
fazer sentir e o Estado volta de novo a assumir o seu papel
secular.
Pela primeira vez na história do papado, o papa Leão XIII vê-se
forçado a intervir na esfera temporal, através da encíclica Rerum
Novarum. O papa proporia o regresso aos tempos de antes da
revolução e de novo ao associativismo das profissões, no que
se designava de corporações. Do ponto de vista das instituições
de economia social, vão-se desenvolvendo os movimentos
associativos operários (determinados pelas correntes que na
época se afirmavam contrárias ao status quo dominante: marxismo,
anarquismo e socialismo revolucionário).
20
c) Os regimes totalitários e a contestação ao liberalismo
(1901-1945)
Os primeiros anos do século XX seriam marcados por dois momentos
fundamentais e violentos: a Primeira Guerra Mundial e a
Revolução Russa de 1917. Neste contexto, os movimentos
totalitários, cuja base ideológica vai ser a contestação ao
liberalismo e o papel determinante do Estado na condução da
sociedade, assumem uma posição importante.
O fascismo italiano, o nazismo alemão, o Estado Novo
português e o tenentismo brasileiro, são algumas dos resultados
adquiridos no decurso dos primeiros trinta anos daquele século.
Até à Segunda Guerra Mundial, assiste-se a uma fragmentação
do núcleo cooperativista e mutualista nascido do movimento
associativo, através da estruturação das cooperativas em ramos
sectoriais pelas dificuldades de continuidade do movimento operário e
as dificuldades geradas pelas duas guerras mundiais. Tudo isto, unido
à divisão do movimento associativo em várias direcções,
conduziria a um distanciamento e falta de coesão das
actividades cooperativas, mutualistas e associativas
(DEFOURNY, 1992).
A Grande Depressão, iniciada em 1929 e o New Deal nos
Estados Unidos, seriam elementos determinantes na mudança
das mentalidades e nas preocupações sociais. J. M. Keynes, e a
sua Teoria do juro, do emprego e da moeda, e Lord Beveridge,
criariam o espaço teórico para os anos do Estado-providência
que marcariam o período seguinte e um contexto de maior
intervenção do Estado na economia.
d) O Estado-providência e os direitos sociais (1945-1975)
A seguir ao final da Segunda Guerra Mundial e ao mesmo tempo que
se vai implementando e desenvolvendo o Estado-providência
com base no modelo keynesiano de intervenção do Estado na
economia, o conceito de economia social vai ser relegado para
21
segunda instância em termos de importância, uma vez que o
Estado passa, por si só, a intervir no mercado e a corrigir as suas
“falhas”, sem necessidade de outras entidades económicas.
No mesmo sentido, terminologicamente, a expressão “economia
social” vai-se empregando em sentidos cada vez mais amplos
e diversos do original, passando também a designar os campos de
análise sócio-económica, ou seja, para designar a vida em
sociedade, do indivíduo e dos grupos sociais, impondo por via
disso a grande dispersão do conceito.
É todavia, a partir dos anos 1970, como resultado da crise do
Estado-providência, que a problemática da economia social se
volta a colocar, com acuidade, e mais uma vez, de forma
preponderante em França, tendo por base a proximidade entre os
movimentos cooperativos e mutualistas franceses, a percepção
da existência de interesses mútuos e a adesão ao grupo do
movimento associativo.
e) A crise do Estado-providência e o redimensionamento da
economia social (1975-2006)
Da contribuição dos movimentos referidos e pelo desenvolvimento
e crescimento dos movimentos cooperativo, associativo e
mutualista, a economia social volta de novo a adquirir
dimensão e importância.
Assiste-se ao desenvolvimento de apoios financeiros à economia
social e às suas organizações, a um aumento do emprego e ao
desenvolvimento de associações locais e de cooperativas dos
mais variados tipos.
Ligado a esse movimento, surge também a tentativa de promoção da
inclusão social, quer pelo emprego quer pela constituição de
associações de âmbito social.
Em 1975, nasce o Comité Nacional de Coordenação das
Actividades Mutualistas, Cooperativistas e Associativistas
22
(Cnlamca) que lança em 1978, em Bruxelas, um debate
europeu sobre economia social.
Em 1981, com o reconhecimento do seu poder político, pela criação
de uma Delegação Interministerial para a Economia Social
(DIES) pelo governo francês, ela passa a depender de uma
Secretaria de Estado.
Fora da perspectiva francófona, a história da economia social,
não tem um enquadramento tão vasto e diversificado, ainda
que não deixe de, em alguns países, já ocupar um lugar de destaque
no contexto económico e social.
Entre nós, merecem uma referência muito especial José Estêvão,
Andrade Corvo e António Sérgio, sendo no entanto certo que os
movimentos associativos mutualistas e cooperativistas não
chegaram a ter um desenvolvimento semelhante ao ocorrido noutros
países da Europa ou nos EUA e no Japão, em virtude da sua alegada
conotação política com a «esquerda» e da forte oposição por
parte do regime corporativo do Estado Novo.
Em Portugal, a tradição assenta essencialmente nas misericórdias
que desde o século XVIII assumiram uma componente de intervenção
junto das populações mais desfavorecidas e nas mutualidades que
no decurso do século XIX e alguns anos do século XX tiveram grande
intervenção na área socio-económica.
A "economia social" encontra-se em clara expansão em toda a
União Europeia. Contudo, este termo – assim como o conceito
científico – difere de Estado-Membro para Estado-Membro e, em
alguns casos, dentro dos próprios países, coexistindo geralmente com
outros termos e conceitos semelhantes.
No estudo "As empresas e organizações do terceiro sector: Um
desafio estratégico para o emprego" (CIRIEC 2000), avalia-se,
em primeiro lugar, o nível de reconhecimento da economia
social em cada Estado-Membro no respeitante a três áreas
importantes, designadamente na administração pública, no
23
meio académico e científico, e no próprio sector da economia
social e, em segundo lugar, identificam-se e avaliam-se
conceitos semelhantes.
Os resultados permitiram identificar três grupos de países:
− Países com a maior aceitação do conceito de economia
social: França, Itália, Portugal, Espanha, Bélgica, Irlanda e Suécia.
Há que realçar os primeiros quatro países (todos eles latinos),
particularmente a França, onde este conceito nasceu. Tanto na
França como na Espanha, a economia social é reconhecida na
legislação.
− Países com um nível médio (relativo) de aceitação do
conceito de economia social:
Chipre, Dinamarca, Finlândia, Grécia, Luxemburgo, Letónia, Malta,
Polónia e Reino Unido. Nestes países, o conceito de economia social
coexiste com outros conceitos, como o sector de actividades sem fins
lucrativos, o sector de voluntariado e as empresas sociais. No Reino
Unido, o conceito de economia social é pouco reconhecido, não
obstante a política governamental de apoio às empresas sociais. Na
Polónia trata-se de um conceito muito recente, que é cada vez mais
aceite devido ao impulsionamento dado, particularmente, pelo
impacto da UE no plano estrutural;
− Países com pouco ou nenhum reconhecimento do conceito
de economia social:
Num grupo composto por países que aderiram à UE no último
alargamento e países germânicos (Áustria, República Checa, Estónia,
Alemanha, Hungria, Lituânia, Países Baixos e Eslovénia), o conceito
de economia social é pouco conhecido ou ainda incipiente, ao
contrário dos conceitos sectores de organizações sem fins lucrativos,
voluntariado e organizações não governamentais, que têm um maior
nível de reconhecimento.
Além dos conceitos de economia social, organizações sem fins
lucrativos, empresas sociais e terceiro sector, há outros termos
24
geralmente aceites que coexistem em diferentes países da União. Em
países como o Reino Unido, Dinamarca, Malta e Eslovénia, os
conceitos de associações de voluntariado e de organizações não
governamentais – mais relacionados com a ideia de organizações
sem fins lucrativos – gozam aparentemente de um amplo
reconhecimento científico, social e político. Os conceitos de
economia solidária e economia social e solidária são igualmente
reconhecidos nos países europeus francófonos (França, Bélgica
(Valónia) e Luxemburgo), enquanto que a noção de Gemeinwirtschaft
(economia de interesse geral) se encontra bem estabelecida nos
países germânicos como a Alemanha e a Áustria.
Numa perspectiva macroeconómica, a economia social na
Europa é muito importante, tanto do ponto de vista humano como
económico, empregando mais de 11 milhões de pessoas, o que
equivale a 6,7% da população activa da UE. Nos 10 novos
Estados-Membros da UE, os trabalhadores que exercem actividades
no âmbito da economia social representam 4,2% da população
activa. Esta percentagem é inferior à da UE a 15 (7%) e à de países
como os Países Baixos (10,7%), a Irlanda (10,8%) ou a França
(8,7%).
No seu conjunto, a família de associações, fundações e
organizações afins é o maior componente de economia social
da Europa. Contudo, nos novos Estados-Membros e na Itália,
Espanha, Finlândia e Suécia, a maior família é a de cooperativas e
formas semelhantes.
Relevante é também dar uma ideia da importância da economia
social no conjunto das empresas europeias apesar da ausência
de dados estatísticos precisos. Com efeito, a economia social
representa cerca de 10% do total das empresas europeias, ou
seja, 2 milhões de empresas, na sua maioria pequenas ou
microempresas, empregando mais de 11 milhões de pessoas, o que
equivale a 6,7% da população activa da EU (emprego directo).
25
Além disso, associam uma parte muito significativa da sociedade civil,
já que se calcula que mais de 25% dos cidadãos da UE têm a ver
com este sector na qualidade de produtores, aforradores,
inquilinos, segurados, estudantes, trabalhadores voluntários,
etc.
De salientar a forte interacção entre as PME convencionais e as
EES (empresas de economia social). Esta interacção realiza-se pelo
menos segundo as seguintes modalidades:
a) As PME utilizam em grande medida os serviços das EES que
lhe são externos; por exemplo, os bancos cooperativos promovem
muitas vezes projectos de start up e de desenvolvimento de PME
convencionais.
b) As PME utilizam entre si estruturas próprias das EES, por
exemplo para criarem entre si sistemas de empresas (redes, grupos,
estruturas comuns de apoio), para realizarem economias de escala
(cooperativas de PME de compras e de marketing) ou para
estabelecerem mecanismos de garantia mútua de empréstimos
bancários, permitindo aumentar sensivelmente a competitividade das
empresas.
c) Os modelos de EES (fundos mútuos, prestação de serviços de
interesse geral, redes de comércio justo, etc.) podem inspirar o
desenvolvimento de PME.
Pelas suas características, as empresas sociais desempenham um
papel particular na integração social e profissional de grupos
que se encontram à margem do mercado do trabalho.
Proporcionam, frequentemente, às pessoas com mais dificuldades,
percursos de integração no mercado do trabalho
especialmente adaptados, sendo esta uma função que, tendo em
conta as suas especificidades próprias, têm mais facilidade em
desempenhar do que outros actores. A sua orientação para a
capacitação individual através da responsabilidade social proporciona-
26
lhes um bom nível de integração social, designadamente para os
jovens, as mulheres, os imigrantes e as minorias étnicas.
Por último, no contexto da actual crise financeira, económica e
social, alguns dos atributos da economia social, como a
capacidade de oferecer respostas inovadoras às necessidades
sociais conjugando rentabilidade e solidariedade, associando a
produção e o desenvolvimento sustentável e potenciando o
exercício da cidadania activa e da responsabilidade social
empresarial, têm contribuído para a atribuição, aos agentes da
economia social, de um papel relevante na gestão e na
superação da presente crise sistémica.
Além dos dados macroeconómicos, a dinâmica e riqueza
socioeconómica da economia social na Europa transparecem em
casos específicos que não só comprovam a pluralidade das
respostas dadas pela economia social às diversas
necessidades e aspirações da sociedade europeia, mas revelam
também a multiplicidade de formas adoptadas por estas
organizações, demonstrando que, não obstante a diversidade da
dinâmica específica, é possível identificar uma linha comum, que
é a de pertencerem a um sector socioeconómico situado entre
a economia privada capitalista convencional e a economia
pública.
Seleccionaram-se, com a ajuda dos correspondentes de cada país, as
seguintes organizações para ilustrar a heterogeneidade das práticas
de economia social na Europa:
− Cooperativa Sociale Prospettiva: integração no emprego dos
grupos mais desfavorecidos através da produção de cerâmica artística
(www.prospettivacoop.it)
− Cooperativa Chèque Déjeuner: criação de emprego com valores
(www.chequedejeuner. com)
− Grupo Irizar: o segundo maior produtor europeu de autocarros de
luxo (www.irizar.com)
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− Multipharma, importante cooperativa de farmácias
(www.multipharma.be)
− Associação de Cooperativas de Crédito da Lituânia, organização
para a inclusão financeira − (www.lku.lt)
− Sociedade de cooperativas agrícolas Dairygold: apoio aos
agricultores (www.dairygold.ie)
− Anecoop: grupo de cooperativas agrícolas que concilia o
desenvolvimento local e agrícola com a inovação tecnológica
(www.anecoop.com)
− União de associações cooperativas de habitação da Estónia: mais
de 100 mil pessoas vivem em habitações cooperativas (www.ekyl.ee)
− COFAC, a maior cooperativa universitária portuguesa, promotora
de conhecimento e capital humano (www.ulusofona.pt)
− Cooperación y Desarrollo de Bonares: cooperação e
desenvolvimento público/privado no plano local (www.bonares.es)
− Sociedade cooperativa de serviços marítimos de Chipre
(COMARINE) (www.comarine.com.cy)
− Consorzio Beni Culturali Italia: servir a cultura é, antes de mais,
criar cultura (www.consorziobeniculturali.it)
− Britannia building society: a segunda maior sociedade de
construção do Reino Unido (www.britannia.co.uk)
− Vzajemna, seguros de saúde e cuidados médicos
(www.vzajemna.si)
− MACIF, a maior sociedade mútua na França (www.macif.fr)
− Grupo Tapiola: seguradora, serviços bancários, poupança e
investimentos (www.tapiola.fi)
− Sociedade de cuidados de saúde Benenden Healthcare Society
(www.benendenhealthcare.org.uk)
− Shelter, grande organização de caridade para os sem abrigo
(www.england.shelter.org.uk)
− Alte Feuerwache Köln, centro cultural com autogestão
(www.altefeuerwachekoeln.de)
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− Artisans du Monde, a primeira associação de comércio equitativo
com o terceiro mundo (www.artisansdumonde.org)
− Motivacio, fundação de integração social de pessoas com
deficiência (www.motivacio.hu)
− Fondazione Cariplo: recursos de assistência a instituições cívicas e
sociais para a prestação de melhores serviços à comunidade
(www.fondazionecariplo.it)
− Trångsviksbolaget AB, empresa local no Norte da Suécia
(www.trangsviken.se)
− ONCE, organização espanhola de assistência aos invisuais,
integração de pessoas com deficiências no mercado de trabalho e
prestação de serviços sociais (www.once.es)
− Associação de ajuda mútua Flandria, prestação de serviços
complementares de saúde (www.flandria.pl).
Na Europa – entendamo-nos, no conjunto das instituições políticas
da União Europeia – a economia social é geralmente tida como um
parente pobre, se não mesmo como o «patinho feio».
O Tratado de Roma era totalmente omisso na sua menção. Foi
preciso esperar pelo Tratado de Maastricht para que, na Acta
Final, aparecesse exarada, na Declaração n.º 23, uma referência
tímida à «importância de que se reveste, na prossecução do
artigo 11 7.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, a
cooperação entre a Comunidade e as associações de
solidariedade e as fundações, enquanto instituições
responsáveis por estabelecimentos e serviços sociais». No
entanto, estas «declarações» não passam de meras «intenções» sem
qualquer força vinculativa.
Ao contrário do que se pudesse pensar, e seria legítimo esperar, a
situação não se alterou profunda e substancialmente com o
Tratado de Lisboa. Com efeito, apesar das referências que agora
se fazem à «economia social de mercado», que substituem as
29
menções constantes dos anteriores Tratados a uma «economia de
mercado aberta e concorrencial», e não obstante o importante teor
do seu novo artigo 11.º, o certo é que, enquanto tal, a denominada
«economia social» ainda não foi desta que ganhou estatuto de
pleno direito nas normas do direito primário da UE.
Para a sua desvalorização e falta de visibilidade tem
contribuído alguma indefinição do próprio conceito. Com efeito,
acontece que, indistintamente, a noção de «economia social»
aparece ligada ou confundida com «organizações de
solidariedade» ou «economia solidária», o «terceiro sector»
ou o «terceiro sistema», «serviços sociais de interesse
geral», o «voluntariado» ou mesmo simplesmente «pequenas
e médias empresas». Por outro lado, surge associada ao
«modelo social europeu» de que é componente e ligada à
consecução da «coesão social», embora não deva ser confundida
com nenhum deles. Acresce que a falta de clareza que rodeia a
expressão «economia social» não se deve apenas a várias
interpretações, mas é também o resultado de confusão linguística
e de diferentes tradições culturais onde o adjectivo «social»
nem sempre aparece entendido no sentido de uma obrigação
mutualista entre os sócios ou na acepção de uma «obrigação para
com a sociedade».