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Mídia, tecnologia e linguagem jornalística

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Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística

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Mídia, Tecnologia e Linguagem Jornalística

Organizadores:

Emilia BarretoVirgínia Sá Barreto

Cláudio Cardoso de PaivaSandra MouraThiago Soares

Editora do CCTAJoão Pessoa

2014

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CapaEmilia Barreto

Projeto GráficoEmilia BarretoFilipe Almeida

DiagramaçãoFilipe Almeida

Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba

M629 Mídia, tecnologia e linguagem jornalística / Emilia Barreto...[etal.], organizadores.- João Pessoa: Editora do CCTA, 2014.231p.ISBN: 978-8567818-04-71. Comunicação de massa. 2. Mídia. 3. Comunicação -

aspectos tecnológicos. 4. Linguagens jornalísticas. I. Barreto, Emília.

CDU: 659.3

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Sumário

APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................... 6

Midiativismo, tecnologias móveis e cobertura jornalística

D@niel na cova dos leões: Mídia Ninja no programa Roda Viva Claudio Cardoso de Paiva ...................................................................................................................... 10

Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos “ao vivo” e da rua Fernando Firmino da Silva Adriana Alves Rodrigues ........................................................................................................................ 26

Midiativismo, redes e espaço público autônomo: as novas mídias na redefinição das relações de poder Thiago D’angelo Ribeiro Almeida Claudio Cardoso de Paiva ...................................................................................................................... 44

Jornalismo Colaborativo, rotina e produção da notícia

A TV Digital interativa e a reconfiguração do processo de produção de notícias Luciellen Souza Lima Sandra Moura .......................................................................................................................................... 60

As rotinas jornalísticas na Era da Rede: um estudo sobre as transformações na produção da notícia no jornal Correio da Paraíba Amanda Carvalho de Andrade Joana Belarmino ..................................................................................................................................... 75

Telejornalismo colaborativo: o uso de materiais da internet e de novas plataformas no JPB da Rede Globo Roberta Matias ......................................................................................................................................... 90

Ética e resistência jornalística

50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise do jornalismo de resistência na Paraíba Sandra Moura Emília Barreto ........................................................................................................................................ 105

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Ética jornalística sob uma perspectiva bucciniana: The Newsroom, o fantasma da manipulação midiática e o jornalismo idealSinaldo de Luna Barbosa ...................................................................................................................... 119

Fotografia em sites de redes sociais: análise de imagens de uma manifestação popular Raul Augusto Ramalho Luiz Custódio da Silva .......................................................................................................................... 133

Cultura da mídia, corpo e recepção telejornalística

Midiatização, convergência e circulação: apontamentos para os estudos de recepção em telejornalismo Virgínia Sá Barreto ................................................................................................................................ 148

Jornalismo e cultura da mídia: contribuição de Douglas Kellner na abordagem analítica dos produtos jornalísticos Thiago Soares ......................................................................................................................................... 159

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre”: Patrícia Poeta, estratégias enunciativas do JN e críticas nas redes sociais Amanda Falcão Evangelista Virgínia Sá Barreto ................................................................................................................................ 173

Midiatização, teoria da experiência e políticas públicas de comunicação

A natureza mediática da experiência Adriano D. Rodrigues Adriana A. Braga ................................................................................................................................... 188

Processo midiático e o vínculo entre parte e todo Pedro Benevides .................................................................................................................................... 202

Mensagem ao Congresso Nacional: democracia e diálogo no governo Lula Ana Paula Costa de Lucena Heitor Costa Lima da Rocha Patrícia Rakel de Castro Sena .............................................................................................................. 217

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Apresentação

Metáforas servem para explicar, ou poetizar, fenômenos. Pensemos na metáfora do terremoto. Placas tectônicas em movimento. Desestabilidade. Destruição. Queda. Ruínas? Foi através da imagem das placas tectônicas em movimento que Clay Shirky comentou sobre o estado atual do jornalismo: a instabilidade de novas práticas ancoradas nas lógicas da cibercultura e das redes sociais no enfrentamento das dinâmicas hegemônicas da “grande imprensa”. Há algo de instável, de fato, no jornalismo. E é desta instabilidade que emerge uma série de questões que permeiam este livro que apresentamos como resultado de investigação de um conjunto de professores, pesquisadores e estudantes do Mestrado Profissional em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), mais precisamente, do Laboratório de Tecnologia e Linguagem Jornalística (TecJor). Como um trabalho que emerge do campo produtivo, há um “gancho jornalístico” que abre as discussões: reflexões evocadas pelos protestos de junho de 2013, em que a atividade de repórteres, produtores e “praticantes” do jornalismo foram colocadas em confronto. Por isso, não é à toa, que, dividida em cinco partes, a obra é aberta com uma discussão sobre Midialivrismo e cobertura jornalística. Como se costuma dizer no jargão jornalístico, trata-se do tema “quente”, da reflexão “da hora”, para que possamos construir pontes teóricas.

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Outra característica marcante no conjunto da obra que lhe confere uma especificidade e cumpre aqui destacá-la, é a experiência vivenciada no campo profissional em interação dinâmica com o exercício de investigação científica. No amplo espectro de uma coletânea voltada para apreciar as mídias, as tecnologias e linguagens, instalam-se aqui subtemas diversos, os quais se apresentam sob o signo dos protestos, engajamento, netativismo, eticidade, inteligência coletiva conectada, o quarto poder da imprensa, o empoderamento social, as identidades dos jornais e dos jornalistas, os atos de fala, gramática da empresa, sintaxe dos repórteres.

O resultado é rico à medida que as problematizações dos textos somam a “paciência do conceito” ao savoir faire dos profissionais, a partir da atualização das “estratégias de linguagem”, da necessidade de dominar a linguagem (o software) e o modo de usar os equipamentos (o hardware), partes indissociáveis da comunicação contemporânea.

Para além dessas questões, a obra se compromete com a discussão social do jornalismo, com seu “lugar de praça pública”, na era da virtualidade real (na rua e nas redes sociais) e em outros momentos históricos, a exemplo da ditadura brasileira, com fins de pensar as bases críticas para o exercício da comunicação libertária e das mídias alternativas. As formulações teóricas, epistemológicas e metodológicas propostas buscam encontrar “palavras geradoras de sentido” para a reflexão sobre o jornalismo e suas profundas transformações atuais. As pistas para a compreensão dessas mutações e experiências no amplo espectro jornalístico espalham-se nas teias de sentido que formam o livro. Os textos se estruturam em temáticas que organizam proximidades, alinhando tópicos: midialivrismo, tecnologias móveis e cobertura jornalística; jornalismo colaborativo, rotina e produção da notícia; ética e resistência jornalística; jornalismo e cultura da mídia; cultura da mídia, corpo e recepção telejornalística, concluindo com valiosas contribuições de textos sobre temas transversais ao jornalismo no tópico “a natureza midiática da experiência e políticas públicas de comunicação”.

Apresentação

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O livro pode despertar o interesse dos leitores preocupados com as formulações que intentam configurar expressivas modalidades para interpretar (e explicar) os paradoxos e controvérsias atuais. Com efeito, são apreciados na obra os objetos, processos e interfaces no campo da comunicação (e do jornalismo), com atenção às mutações que envolvem a problemática trazida pelos processos de midiatização da sociedade que criam as condições para fenômenos como o “neojornalismo” (Ramonet). No mais, o livro é instigante, na maneira como introduz – criticamente a (des)ordem causada pela conjunção, disjunção e transmutação das palavras e as coisas no universo desse novo jornalismo.

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Midiativismo, tecnologias móveis e cobertura jornalística

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D@niel na cova dos leões: Mídia Ninja no programa Roda Viva

Claudio Cardoso de Paiva1

ResumoA informação compartilhada pela Mídia Ninja (e circuito FORA DO EIXO) tem gerado “surpresas” para o jornalismo tradicional, ameaçado pelo seu modus operandi (ação direta, liberdade e resistência do grupo). A divulgação dos protestos urbanos e da repressão policial, junho 2013 – em tempo real – concedeu evidência ao grupo ativista. E a entrevista com seus mentores (Bruno Torturra e Pablo Capilé) no programa Roda Viva (TV Cultura) reforçou a visibilidade do fenômeno, que exige um olhar crítico, analítico, problematizador, pois mobiliza questionamentos no campo do jornalismo e da comunicação. Propomos uma interpretação do significado e da qualidade do fenômeno Mídia Ninja, observando a entrevista, e sua repercussão nas matérias monitoradas no site Observatório da Imprensa, referência básica para a pesquisa em comunicação.

Palavras-chave: Mídia Ninja; Programa Roda Viva; Observatório da Imprensa.

1 Prof. Associado, Departamento de Comunicação – CCTA/UFPB; Programa de Pós Graduação em Comunicação/UFPB; Programa de Pós Graduação – Mestrado Profissional em Jornalismo/UFPB; pesquisador em Mídias Digitais, Jornalismo, Cultura Midiática Audiovisual. Autor dos livros: Dionísio na Idade Mídia. Ed. UFPB, 2010; Hermes no Ciberespaço. Ed. UFPB, 2013. [email protected]

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Introdução

A informatização, a internet, as redes sociais e a comunicação colaborativa implicam mutações radicais nas esferas da economia, política, arte, educação, entretenimento, e de forma marcante no jornalismo. O ciberespaço alterou os modos de produção, as formas de circulação, as estratégias de consumo e compartilhamento da informação. Mais do que isso, a engenharia da informação distribuída pelas inteligências coletivas conectadas – como no caso Mídia Ninja2 (e sua base logística e operacional no circuito Fora do Eixo3) – tem gerado “surpresas”. A Pós-TV, como uma expressão do “neojornalismo” (sem editoria, sem pauta, sem patrão) enfrenta o monopólio das empresas jornalísticas, que parecem ameaçadas pelo modus operandi da nova mídia (ação direta, liberdade radical, resistência e ocupação).

Apostamos no ethos comunitário que norteia as ações das mídias livres (Ninjas), dos circuitos alternativos (Fora do Eixo) e do jornalismo colaborativo (Pós-TV).

Os protestos no Brasil, em junho de 2013 - filmados e distribuídos pela Mídia Ninja - ficarão na memória social pelas imagens do despertar do “gigante adormecido”, projetadas em cartazes na rua e narrativas da internet. As multidões protestam em rede contra os abusos do Estado e do Capital, e a Mídia Ninja compartilha as suas imagens e vozes, ampliando o espectro da indignação e as estratégias de luta pela liberdade.

Essa experiência, de matizes sociotécnicos e ético-políticos sem precedentes, concedeu evidência às táticas do grupo Mídia Ninja e a notícia se irradiou pelas capilaridades midiáticas, imprensa, internet, redes sociais (Facebook, Twitter, YouTube). Entretanto, a ação afirmativa Mídia Ninja adquiriu mais popularidade (no Brasil e no mundo) após a entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura.

2 MÍDIA NINJA (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), grupo de mídia formado em 2011. Sua atuação é conhecida pelo ativismo político e como alternativa à imprensa tradicional. As transmissões da Mídia Ninja são em fluxo de vídeo em tempo real, pela internet, usando câmeras de celulares e unidade móvel montada em um carrinho de supermercado. A estrutura da Mídia Ninja é descentralizada e faz uso das redes sociais, especialmente o Facebook, na divulgação de notícias. O grupo teve origem por meio da Pós-TV, mídia digital do circuito Fora do Eixo. Wikipedia, 2013. Disponível em: <http://migre.me/gnS4S>. Acesso em: 24.10.2013

3 FORA DO EIXO, originalmente Circuito Fora do Eixo, é uma rede de coletivos atuando na área da cultura em todo o Brasil, mais alguns países da América Latina. Iniciada em 2005, por produtores e artistas de estados brasileiros fora do eixo Rio-São Paulo, inicialmente focava no intercâmbio solidário de atrações e conhecimento sobre produção de eventos, mas cresceu para abranger outras formas de expressão como o audiovisual, o teatro e as artes visuais, ainda que a música ainda tenha uma maior participação na rede. Disponível em: <http://migre.me/gnSXP>.

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O enfoque do programa Roda Viva é importante, pois flagra o momento em que a Mídia Ninja penetra no espaço blindado da “mídia corporativa”. E registra o instante em que a mídia radical se transforma em notícia, multiplicada por todas as outras mídias, escancarando o momento histórico, quando o povo invade as ruas e o debate sobre a economia, a política e a narrativa da mídia global é colocado na ordem do dia4.

Para entender a Mídia Ninja é preciso compreender o sentido da comunicação colaborativa e o estado da arte do jornalismo, na era da conexão e da mobilidade. Logo, interessante escutar os argumentos de seus mentores (Bruno Torturra e Pablo Capilé), que causaram rebuliço, inquietação e solidariedade na entrevista do Roda Viva.

O método que norteia esta reflexão parte de uma arqueologia das notícias em circulação na internet. Recorremos às reportagens, comentários e críticas sobre a participação dos Ninjas no programa Roda Viva, uma escolha gratificante, pois o evento se irradiou como vírus pelos sites, blogs, redes sociais. Mas é preciso prestar atenção na qualidade da informação. É necessário separar o conteúdo e a embalagem da notícia porque a internet é um terreno fértil, mas poluído. Assim, capturamos os dados na rede, relativos à Mídia Ninja e à entrevista no programa Roda Viva, e rastreamos as matérias publicadas e monitoradas no site Observatório da Imprensa, um ambiente privilegiado para o exercício da pesquisa em jornalismo, tecnologia e política.

4 Em 05.08.2013 estiveram no programa Roda Viva o jornalista Bruno Torturra e o produtor cultural Pablo Capilé, ambos idealizadores do grupo Mídia Ninja. O projeto ficou conhecido por transmitir em tempo real os principais protestos que eclodiram pelo Brasil. O jornalismo é feito com ativismo, mas sem ligações diretas com partidos políticos. Eles criticam a imprensa convencional pela falta de imparcialidade e dizem que a ideia é disseminar essa nova forma de transmitir a notícia – segundo eles, sem filtro: “Um dos objetivos é se tornar desnecessário”, diz Capilé. Sobre os rumores de ligação com partidos políticos, o produtor afirma: “Não somos organizados por partidos, não somos financiados por partidos e não nos encontramos apenas com o PT”. Pablo explica que procuram diálogos com representantes dispostos a ouvi-los. Nas mãos, um celular potente, na mochila, um notebook para servir de bateria e a cara e a coragem de ir atrás da informação: assim trabalha um “Mídia Ninja”. O trabalho dos jornalistas independentes ainda é visto com receio na mídia tradicional e Torturra diz que acha curioso as pessoas questionarem se o que fazem é jornalismo. “O que pode ser discutido é a forma como ele é feito”. O coletivo pretende agora ampliar o alcance e conseguir mais estrutura para o trabalho. Estiveram na bancada de entrevistadores Suzana Singer, ombudsman da Folha de S. Paulo; Alberto Dines, editor do site e do programa Observatório da Imprensa; Eugênio Bucci, colunista d’O Estado de S. Paulo e da revista Época; Wilson Moherdaui, diretor da revista Telecom; e Caio Túlio Costa, professor da ESPM e consultor de mídia digital. O programa foi conduzido por Mario Sergio Conti e contou com a participação fixa do cartunista Paulo Caruso. In: site da TV Cultura – Roda Viva, 02/08/13.

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Visão e vertigem do programa Roda Viva

São estratégicos os usos e apropriações das tecnologias colaborativas pelos ativistas, pois estes atualizam - de modo semiótico, cognitivo e político – os protestos e manifestações sociais, revigorando as estratégias de mediação, interação e colaboração, como a Mídia Ninja, o circuito Fora do Eixo e a Pós-TV.

A inserção da Mídia Ninja, no âmbito dos protestos urbanos, ocorreu desde a Marcha pela Legalização da Maconha (2011), mas teve como estopim o Movimento Passe Livre, em junho de 2013. O fenômeno Ninja se tornou o foco das atenções, após a participação de Torturra e Capilé, no Roda Viva. Isto é algo como um “choque entre dois mundos”, uma mudança importante no estado da arte da comunicação (e do jornalismo), um momento de passagem e de transição.

O Roda Viva é apreciado pelo público de várias camadas sociais, ideológicas e goza de prestígio entre os jornalistas, professores, estudantes, políticos, profissionais de várias áreas. Muitos dos seus participantes já foram ativistas, militantes e conhecem os meandros da mídia alternativa, a resistência e a contracultura.

Os entrevistadores estão naturalmente dispostos a provocar um debate de qualidade, sabem que este é um acontecimento histórico: é uma espécie de confronto entre os rebeldes do passado (hoje, mais conformados) e os rebeldes do presente (atópicos, inconformistas, querendo mudar o mundo).

O programa sabiamente se empenha na arte de promover controvérsias, flagrar contradições e arrancar confissões dos entrevistados, fisgando o interesse (e a audiência) do “grande público”. Tem-se assim a modelação de uma esfera pública midiatizada, um espaço crítico, cuja característica principal é interrogar os entrevistados, numa arena conversacional giratória, em que as perguntas vêm de varias direções, o que impõe dinâmica, movimento e vitalidade ao formato do programa.

É um produto consagrado pelas entrevistas com celebridades nacionais e estrangeiras, convidados ilustres, formadores de opinião5. Isto lhe confere a legitimidade enquanto um prestigiado “lugar de fala”, de produção de discurso e de sentido que – virtualmente – pode esclarecer os telespectadores.

Os compromissos financeiros, publicitários, políticos, ideológicos não obliteram a sua importância nos espaços intelectuais, no debate econômico, político e cultural. Com efeito, a aproximação de fronteiras entre o Roda Viva e a Mídia Ninja não deixa de causar formidáveis discussões no âmbito da crítica da economia política da mídia.

5 Cf. Compilação no livro do ex-apresentador, Paulo Markun, O melhor do Roda Viva (2005).

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Os interesses, as intenções, a filosofia e o modus operandi são distintas para a velha e a nova mídia e é preciso discerni-las, reconhecendo as virtudes e defeitos de cada uma, respeitando as suas limitações e apreciando os seus avanços.

Antecedentes do Movimento Passe-Livre

É sempre a experiência vivida, em carne e osso, que informa os pesquisadores em mídia, sociedade e política (a salvo em seus laboratórios). Contudo, há um novo dado na espessura sociocultural, um ethos midiatizado (SODRÉ, 2002), que imprime um novo sentido aos movimentos sociais. Esta experiência dos grupelhos em rede, em curso desde o pós-68, retorna com força no século XXI6.

Com efeito, as manifestações em rede e em tempo real, aquecem a temperatura social e têm influência direta nas rotinas do mercado, da política, da educação e demais estruturas da vida cotidiana.

Considerando que o Movimento Passe Livre (jun.2013) parece ser o pivô das contestações, convém listar alguns exemplos de luta similares que o precederam, no Brasil, para compreendermos o significado dos protestos mais recentes:

Revolta do Buzu (Salvador, 2003); Revolta da Catraca (Florianópolis, 2004/2005); Fórum Mundial Social (POA, 2005); Encontro Nacional Movimento Passe Livre (S. Paulo, 2006); Luta contra o Aumento Transporte (BSB, 2008); Aprovação Passe Livre Estudantil (BSB, 2009) / Ocupação Secretaria de Transportes (SP, 2009); Luta contra Aumento Transportes (SP, 2010); Luta contra aumento em SP e outras capitais (2011); Lutas na região metropolitana de São Paulo / Jornadas de Junho conquistam revogação do aumento em mais de cem cidades (2013).

In: Cidades Rebeldes, 2013, p. 18.

Guardando as especificidades locais e históricas, esses eventos têm em comum o fato de se realizarem em rede. Isto é, mediados pelos equipamentos interativos (celulares, câmeras, notebook) conectados às redes telemáticas de distribuição. Não têm lideranças no sentido clássico do termo, seus objetivos são difusos, não se restringem a uma única causa, mas enredam-se com outras formas de contestação. São movimentos pacíficos, mas freqüentemente atravessados pelas ondas violentas dos

6 MICHEL MAFFESOLI (entrevista). ‘Vejo esses movimentos como Maios de 68 pós-modernos’. In: Jornal O Globo, 22.06.2013. Disponível em: http://migre.me/gmsmh Acesso em: 21.10.2013.

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grupos radicais e agentes da repressão infiltrados, que invertem o sentido democrático das manifestações.

Imprensa alternativa e mídia radical: encontros & confrontos

O jornalismo alternativo, historicamente, tem se empenhado nas formas de resistência aos regimes autoritários, como a ditadura de Vargas, a ditadura militar e nos protestos (na Nova República e na era Collor). Seja como militância ou como sátira, tem atuado na desmontagem e reconstrução do sentido, mostrando as formas opressivas e violentas, a exemplo da contracultura digital, hoje em fluxo nas redes sociais. Em tempo, caberia citar o livro recente, As Capas da História (Ricardo Carvalho, 2013), compilando as capas dos jornais alternativos, que podem sinalizar os caminhos estratégicos, as raízes e antenas dos protestos, para as novas gerações rebeldes.

É justo citar os periódicos de resistência, primeiramente para mostrar que os jornalistas têm uma tradição de participação nas lutas políticas, mesmo invisíveis na construção social da realidade; depois, para mostrar como os atores sociais sempre foram sensíveis às narrativas do cotidiano, permanentemente em tensão e conflito. Finalmente, cabe mostrar como a Mídia Ninja sofre hoje as mesmas críticas que os jornalistas veteranos e as proezas deste grupo netativista já fazem parte do imaginário coletivo e da cultura política nacional7.

O Programa Roda Viva: o Espaço Público Eletrônico

Dentre os programas de TV, no âmbito da grande mídia, o Roda Viva se destaca pela atitude interativa e democrática, e sua dinâmica favorece à configuração de um estilo singular de programa de entrevistas; consiste numa

7 A existência do (circuito) Fora do Eixo, e por conseqüência da Midia Ninja, está atrelada a transformações por que passamos nos últimos anos com o surgimento de novas formas de comunicação pela internet. Está longe de ser um fenômeno no qual se esgota a possibilidade de compreensão e os rumos que pode tomar. Mas, é importante frisar, o FdE, como a Mídia Ninja, é fruto de um momento em que está em pauta uma nova maneira de se provocar debates no nível da cultura e no fluxo das notícias. Mas parece claro que, como fenômeno de mídia, estamos diante de uma situação que coloca em xeque a maneira habitual com a qual lidamos com a comunicação de massa. Na era das redes sociais, para o bem e para o mal, o alcance de uma notícia, de um acontecimento contornável, está além do que qualquer canal de comunicação antes podia sonhar, até a Rede Globo. Cf. In: site Fora do Eixo, 21.08.2013.

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mesa redonda eletrônica, ágil, crítica e questionadora, uma modalidade rara de telejornalismo, no ar desde 20028.

Na atual cultura de convergência, quando os jornais, revistas, rádio, TV, mídias impressas e audiovisuais migram para o ciberespaço, cria-se uma hipermídia que concorre para a elucidação dos acontecimentos, com novos olhares. Pode-se apreciar melhor a atuação das mídias livres, ao se reconhecer que estas abrem o caminho para a liberação das vozes e imagens ocultas, historicamente reprimidas, e para a articulação dos sistemas mentais e tecnológicos de resposta do coletivo.

A Mídia Ninja e a mediação do Observatório da Imprensa

“Os Ninja, capazes de entender o conceito de renovação, poderão dar sentido e direção a uma mídia engessada e baratinada”. DINES, OI, 20/08/2013.

O desafio de separar as verdades e ilusões no que respeita à reportagem dos protestos se coloca, de maneira crucial, para jornalistas, pesquisadores e especialistas, considerando-se a atuação das manifestações por todo o país, em 2013, às vésperas de um ano excepcional, devido à realização da Copa do Mundo no Brasil e às eleições.

Para decifrar o fenômeno, é preciso dissipar as nuvens de dados, fazer uma depuração nos arquivos e se eleger um dispositivo de monitoramento das notícias em circulação, atento aos movimentos sociais, aos protestos e, ao comportamento ético da imprensa, dos jornalistas e profissionais de mídia, incluindo as mídias livres.

Nessa direção se destaca a atuação do Observatório da Imprensa, que serve de mediador entre as diversas camadas de informação acerca da Mídia Ninja no programa Roda Viva. Primeiramente, porque em sua ambiência comunicacional circulam as notícias, narrativas e conversações que atualizam o imaginário político nacional; depois porque os comentários e análises dos fenômenos jornalísticos passam

8 O cenário (do programa Roda Viva) é circular, com três bancadas em terços de círculo, separadas por três corredores relativamente estreitos. Atrás das três bancadas, outras três em um nível mais alto completam o palco da ação – na forma de dois círculos concêntricos, em meio aos quais ficará o convidado, em uma cadeira giratória, de modo a poder voltar-se rapidamente para qualquer ponto desse panóptico, de onde lhe virá a próxima questão. A referência ao panóptico não é casual – o convidado é visto por todos os lados e não sabe de onde será assestada a próxima pergunta. Cf. BRAGA, 2006.

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pelo crivo da crítica rigorosa, avaliação coletiva dos conteúdos e monitoramento dos especialistas.

Jornalistas, educadores e profissionais – em rede – formam uma massa cognitiva conectada que legitima o Observatório como vigoroso dispositivo mediador.

A aparição dos Ninjas na TV, após as manifestações de protesto, em mais de cem cidades no Brasil, catalisou a vontade geral de saber acerca dos acontecimentos de junho, pelas vozes das multidões, veiculadas pelos Ninjas, testemunhos oculares da indignação social. Os Ninjas no Roda Viva consiste num acontecimento marcante, pois representa o encontro dos jovens jornalistas engajados com os grandes arcanos do jornalismo brasileiro, numa entrevista inflamada e de duração relativamente longa.

A título de avaliação recolhemos uma lista na internet, sublinhando as dez frases mais marcantes nas falas dos entrevistados, que podem esclarecer o significado da experiência Mídia Ninja e sua atuação no Roda Viva, que atingiu altos índices de audiência, gerando milhares de micronarrativas, de cunho ativista, nas redes sociais.

“A gente faz jornalismo sim. Acho até curioso que ainda é uma dúvida se o que a gente faz é ou não jornalismo.” (Bruno Torturra, respondendo se o Mídia Ninja faz jornalismo ou não); “O PSDB tem como política não dialogar com os movimentos sociais” (Pablo Capilé, sobre os apoios de partidos); “Dependendo do partido é cartel, dependendo do partido é quadrilha” (Pablo Capilé, sobre a postura da grande mídia); “Seria mais honesto se ela assumisse uma parcialidade” ( Pablo Capilé, sobre a imparcialidade da grande mídia); “Não acredito que exista um arauto da imparcialidade” (Pablo Capilé, sobre o mesmo assunto); “A grande mídia precisa entender que a nova objetividade vem da transparência” (Bruno Torturra, sobre a objetividade); “Não somos organizados pelo PT. Não somos financiados pelo PT” (Pablo Capilé, sobre o suposto apoio do PT); “É uma pauta que a mídia não tem coragem ou não tem estudo suficiente para entrar como deveria” (Bruno Torturra, sobre a postura da mídia frente ao assunto drogas); “A mídia, em geral, tem muito medo de assumir a obviedade do fracasso da guerra às drogas” (Bruno Torturra, sobre o mesmo assunto).

In: site AdNews, 06.08.2013.

Mídias velhas, novas mídias e o mito da imparcialidade

A Mídia Ninja tem sido vista como um processo que traduz uma nova modalidade de jornalismo, pois cumpre a função de reportar o acontecimento, informar a opinião pública e criar quadros de referência para os telespectadores formarem juízos de valor e tomarem decisões. Entretanto, há o problema da

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credibilidade das fontes, há ausência de pautas e falta de elaboração da notícia, como na clássica redação de jornal.

E há também a questão da “imparcialidade”, uma das mitologias das empresas jornalísticas, cujas intenções se mostram democráticas, mas são reféns dos interesses dos patrões, dos anunciantes, do Estado ou dos grupos ideológicos que o apóiam. Ou seja, não há imparcialidade. O comunicólogo Mauro Wolfe, em suas Teorias da Comunicação (2001), formula uma crítica do “mito da imparcialidade”, através dos conceitos de “agenda setting”, “news making” e “gate keeper”, que revelam as estratégias corporativas de “agendamento”, “fabricação” e “blindagem” das notícias.

Cobraram a “imparcialidade” dos Ninjas e do Grupo Fora do Eixo. Aliás, a maior parte da crítica, no que respeita à entrevista, referiu-se justamente à insistência dos entrevistadores em bater na tecla do financiamento do projeto Fora do Eixo pelas instâncias governamentais, colocando em dúvida a sua suposta autonomia.

Com efeito, não pouparam os Ninjas quanto às ligações com o PT e os poderes instituídos, buscaram ainda vincular suas ações às experiências complexas, como a defesa da “legalização da maconha”. Buscaram apontar as contradições entre o projeto utópico de autonomia e liberdade, encampado pela Mídia Ninja e pelo Fora do Eixo.

Todavia, é forçoso se reconhecer a qualidade do programa, na medida em que instiga o debate no espaço público eletrônico. Mas os Ninjas foram corajosos enfrentando os temas-tabus, e sobretudo, falaram com desembaraço e perspicácia.

Contudo, o programa perdeu a chance de problematizar o fundamental: as novas estratégias operacionais e discursivas no âmbito do jornalismo colaborativo, o novo empoderamento da esfera pública através das mediações tecnológicas que favorecem a ampliação da inteligência coletiva e politização da comunidade conectada.

Os jovens jornalistas Bruno Torturra e o produtor cultural Pablo Capilé, fundadores da rede de jornalismo independente Mídia Ninja, realmente deram olé nos entrevistadores. Começaram dando um corte perfeito à pergunta que o mediador Mario Sergio Conti fez se o que eles fazem é jornalismo. Destaque para a resposta que deram à eterna armadilha da imparcialidade que a mídia os acusa de não ter, como se algum veículo no Brasil fosse imparcial. Expuseram na cara da ombudsman da Folha a parcialidade da Folha e de Veja no tratamento do escândalo dos trens do Metrô e confrontaram Conti com a parcialidade da TV Cultura no episódio da demissão do Heródoto a mando do PSDB. Há outros pontos que responderam bem, como a questão do vandalismo durante as manifestações. Demonstraram o fracasso da grande imprensa em

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tentar entender os manifestantes que fazem o quebra-quebra durante os protestos. Conseguiram a todo momento fugir da lógica Fla x Flu a que eram empurrados a responder.

Luis Nassif (blog), 06.08.2013.

Os depoimentos e conversações sobre os tabus instigam reflexões, lançando à esfera do debate ético uma temática tradicionalmente restrita às seções do jornalismo policial, aos estudos clínicos, terapêuticos e às revistas sensacionalistas. Logo, a entrevista historicamente significa elevação da qualidade do debate público na TV.

A Mídia Ninja é considerada uma forma legítima de jornalismo por muitos profissionais de respeito, conforme se pode depreender dos argumentos que se seguem:

O modelo tradicional de jornalismo anda abalado pelo desenvolvimento da web, que veio bem antes dos ninjas e que mudou, de forma drástica, a maneira como nos informamos. Na web, todo cidadão pode ser, em tese, fornecedor de notícias. O mérito da Mídia Ninja é reunir alguns desses cidadãos num projeto comum, oferecendo-lhes o canal para chegar ao público; é juntar debaixo do mesmo teto virtual fabricantes de conteúdo que, antes, se espalhavam pelas mídias sociais, dando-lhes, de quebra, a oportunidade de mostrarem o que vêem em tempo real.

Cora Ronái, O Globo – Cultura, 22.10.2013

A entrevista dos ativistas do Fora do Eixo e Mídia Ninja, Pablo Capilé e Bruno Torturra, no Roda Viva desta segunda-feira (05), demonstra com pouca margem à dúvida o total descompasso entre uma parte significativa dos velhos jornalistas da velha mídia e a nova realidade que se apresenta nas ruas e nas mídias, construída através de luta, coletividade e protagonismo popular.

Jornalismo B (on line), 05.08.2013.

A disposição de Torturra para abrir o coração em público é, além de inspirador, algo bonito e desconcertante. O debate acentuou em mim a convicção de que o melhor jornalismo anda lado a lado com o compromisso social. Foi assim com os grandes jornais, em especial o Jornal do Brasil e o Estado de S. Paulo, que souberam aliar a qualidade jornalística com a escolha do lado mais inglório durante o regime militar: o lado dos que se opunham ao arbítrio imposto pela força e pela tortura. Ou com a variada e criativa imprensa alternativa que floresceu sobretudo nos anos finais da ditadura. Ou com a Folha de S. Paulo dos anos 70 e 80, que, primeiro, levou pluralidade e inteligência para as

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páginas de opinião e, depois, a audácia de se engajar no movimento pelas diretas-já, também na contramão do poder. O Brasil de 2013 é um poderoso convite para que todos nós – jornalistas, veículos e profissionais de comunicação em geral – lembremos que jornalismo é, acima de tudo, serviço público. Quando o público começa a botar fogo nos carros das empresas em que trabalhamos ou a nos hostilizar com palavras e gestos, é porque, apesar dos nossos melhores esforços (porque ô turminha que rala…), o nosso show não está agradando. Por que será?

Congresso em foco (site), 06.08.2013

Entretanto cumpre estabelecer aqui os termos de uma abordagem do tema, Mídia Ninja no Roda Viva, reconhecendo a sua complexidade. Lançamos um olhar sobre o fenômeno, percebendo que este traduz os depoimentos dos jovens empenhados na publicização e compartilhamento das imagens dos protestos, e confrontos policiais, de maneira direta, sem a mediação das empresas jornalísticas e deste modo, fundam um novo modo de “ver” e de “mandar ver” (FAUSTO NETO, 2006).

Como eles próprios afirmam, são vetores de novas narrativas midiáticas, que vão fundo nas tensões e conflitos da vida social. Mais do que isso, suas ações comunicativas são performativas, isto é, levam os atores sociais a pensar, falar e agir, indicando-lhes o caminho seguro e a metodologia de ataque. Os Ninjas geram redes de comunicabilidade e encorajam as biolutas, resistências e ocupações, cuidando de defender a segurança dos manifestantes, dando-lhes voz e visibilidade, o que propicia a emergência de novas reflexões, narrativas e ações afirmativas que enfrentam os poderes opressivos.

É exemplar, neste sentido, o compartilhamento do vídeo do Ninja no camburão, preso arbitrariamente, durante o protesto, em São Paulo, e em seguida liberado, graças ao apoio popular estimulado pelas imagens da Pós-TV e da Mídia Ninja.

Não é muito fácil compreender o sentido da Mídia Ninja, principalmente porque sua base ideológica operacional – o circuito Fora do Eixo – está ligada a uma polêmica que envolve aspectos legais, financeiros, ideológicos e políticos pouco claros; além disso, há a questão controversa da sua proximidade com os Black Blocs (vistos pela grande mídia como “vândalos” e “baderneiros”, o que merece uma análise particular).

No contexto geral da experiência política atual, há várias camadas de sentido, multiplicidade de interesses e ações controversas, no plano da ética, do Direito, da cognição e da política. Neste sentido, a filosofia e ciência da linguagem, formulada por Mikhail Bakhtin (1995), pode nos ajudar a elaborar uma hermenêutica (uma interpretação) para

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apreendermos o sentido da “atual complexidade histórica”, pelo viés de um “princípio dialógico”. Há pluralidade com relação aos efeitos de verdade que nos chegam através das várias mídias e mediações sociais; há uma “polifonia de vozes”.

Os fatos envolvem as noções de público e privado, subjetividade e objetividade, vontade e legislação, liberdade e neoliberalismo, direitos e deveres. E o expediente hermenêutico pode nos orientar e ajudar a repensar a reportagem dos acontecimentos pelas mídias livres e mídias tradicionais, assim como as relações entre a comunicação atrelada ao mercado e a comunicação empenhada na justiça social.

Quanto à Mídia Ninja como um novo estilo de jornalismo, aí se faz necessário ir mais fundo, discutindo dialeticamente (dialogicamente) o papel histórico do jornalismo. Ou seja, ao mesmo tempo, como um braço do capitalismo e extensão da gestão política vigente, e como um canal da liberdade de expressão, reivindicação, ocupação e protesto. E quanto ao Roda Viva, não se pode negar a legitimidade de um discurso que, historicamente, tem sido responsável pela manutenção do princípio democrático.

É preciso avaliar o programa Roda Viva, respeitando a sua história como uma referência importante no imaginário político nacional. O que não nos exime de fazer a sua crítica - por exemplo - no que respeita à sua falta de visão acerca do empoderamento coletivo gerado pela Mídia Ninja. Mas é preciso também discutir como as novas mídias tentam superar as antigas limitações jornalísticas, tais como as hierarquias, o clientelismo, as editoriais cooptadas, a mercantilização da notícia, o dead line e o desequilíbrio na sua divisão social do trabalho. Os Ninjas articulam uma linguagem ágil, instantânea, em duração contínua, assegurando a captura dos fatos em tempo real.

É preciso enfrentar o estado atual da crise do jornalismo (no tocante à economia, à política e à linguagem), e simultaneamente, reconhecer o valor das novas técnicas e linguagens jornalísticas se desenham com as novas mídias móveis e interativas. Isto tem sido feito pela Mídia Ninja, que – economicamente – se estrutura a partir de outra matriz organizacional (criativa, independente, comunitária).

A Mídia Ninja desafia o poder do Estado e seus aparelhos ideológicos, pois se recusa a dar espaço às mídias capitalistas. Mas libera espaço, voz e visibilidade às narrativas populares e às multidões nas ruas, além de defendê-los da violência policial e dos grupos extremistas, pois – usando as telas e redes compartilhadas - revela o mapa dos conflitos, alertando para as zonas de perigo e de segurança pública.

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O fato de a TV Cultura trazer os “rebeldes” para o centro da cena já implica numa situação política favorável aos movimentos alternativos, pois, segundo Foucault (Microfísica do Poder, 1985), dar voz e visibilidade já é conferir poder, mesmo que as intenções e estratégias dos entrevistadores – de algum modo – possam a prejudicar a imagem, o significado e a qualidade do trabalho da Mídia Ninja.

Enfim, a Mídia Ninja no Roda Viva é uma experiência de valor jornalístico, cognitivo e ético-político, porque face ao debate gerado na ambiência conversacional, durante a entrevista, brotam camadas de sentidos reveladoras, a partir das próprias controvérsias que envolvem a experiência política dos protestos e sua midiatização.

Para concluir

É preciso perceber a importância da transparência que resulta das guerras e divisões de linguagem travadas na praça pública (em níveis presenciais e virtuais). As visões compartilhadas – pelas mídias e redes sociais – do comportamento dos manifestantes, do Estado e das forças repressivas constituem um fato inédito na história da comunicação e da cultura política. As telas e redes totais, instantâneas, ubíquas e virais, forçam o agenciamento político de respostas dos poderes públicos às reivindicações – por mais que estas se manifestem dispersas e difusas. É importante perceber a positividade resultante das convergências sociais e tecnológicas: as mediações feitas pelas mídias clássicas e as ocupações do espaço público pelas redes alternativas, conjuntamente transportadas para o domínio efervescente do Observatório da Imprensa, permitem-nos acessar um rico material que se oferece à interpretação, distinguindo os níveis de qualidade das experiências, em seus matizes éticos, políticos, cognitivos e comunicacionais. Deste modo, vale a pena ver, rever, desmontar e remontar as imagens e vozes das mídias livres, como a Mídia Ninja, dentro e fora do Roda Viva.

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Jornalismo em mobilidade: redes sociais e cobertura de protestos “ao vivo” e da rua

Fernando Firmino da Silva1 Adriana Alves Rodrigues2

ResumoO texto contempla a interface jornalismo e mobilidade, observando a inserção das tecnologias digitais e redes sociais móveis na cobertura dos protestos, a exemplo das “jornadas de junho” (Brasil, 2013), greve dos garis (Carnaval do Rio, 2014) e manifestações #NaoVaiTerCopa. Observa a atuação da Globo News e Folha de São Paulo, e da independente Mídia NINJA, e examina as coberturas, considerando as mudanças no jornalismo, com o advento das tecnologias móveis, convergência e mobilidade. Parte da premissa que a NINJA promoveu mudanças nas estratégias da mídia corporativa, que adotou os seus métodos de transmissão.Assim, o trabalho explora a tensão entre jornalismo tradicional e jornalismo alternativo, a forma e o sentido da cobertura dos protestos baseada em tecnologias 3G e 4G, smartphones, drones e tecnologias vestíveis como o Google Glass.

1 Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Professor do Departamento de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Pesquisador membro do Projeto Laboratório de Jornalismo Convergente da Faculdade de Comunicação - FACOM/UFBA. E-mail: <[email protected]>.

2 Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Professora do Departamento de Comunicação Social - Jornalismo da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB e curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Jornalismo e Convergência Midiática da Faculdade Social da Bahia - FSBA. Email: [email protected]

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Introdução

As tecnologias móveis digitais - no espectro da relação conceitual entre jornalismo e mobilidade3 - estão cada vez mais evienciadas nas operações das organizações jornalísticas como Folha de S. Paulo e de movimentos cidadãos como Mídia Ninja. Em ambas situações, há a caracterização do uso intensivo de smartphones, tablets, celulares, conexões de redes sem fio como 3G, 4G, Wi-Fi e aplicativos de streaming na cobertura de eventos em tempo real. Para o jornalismo, o contexto se mostra propenso à reflexão em torno das metamorfoses na prática jornalística e, consequentemente, sobre o impacto no campo da pesquisa em comunicação (metodologias, teorias, referências e aplicações).

O “admirável mundo novo” se mostra mais complexo quando se faz uma análise mais criteriosa da relação entre o jornalismo e a mobilidade, considerando as tecnologias móveis em perspectiva epistemológica e sociotécnica.

A complexidade da cobertura de acontecimentos, como os protestos de junho de 2013 e a greve dos garis, no Rio de Janeiro, em março de 2014, apresenta desafios no processo de apuração, edição e difusão das notícias, pois se reveste de uma nova processualidade na rotina jornalística. De algum modo, o contexto remete às dimensões políticas, tecnológicas, comunicacionais e profissionais que envolvem o debate suscitado pela mobilidade expandida e a convergência jornalística.

No que se refere aos estudos de jornalismo, especificamente, a partir da nossa pesquisa, de natureza empírica, percebemos que o contexto atual tem ensejado uma série de problematizações. A partir das experiências observadas, reconhecemos novas reconfigurações no campo, provocadas pelas tecnologias da mobilidade e pelas novas narrativas4 que se desdobram no espaço público.

Anteriormente, os conflitos e guerras traziam em si a delimitação geográfica de um front definido e campos de batalha com fronteiras demarcadas. Hoje, o cenário

3 Quando tratamos dos conceitos de jornalismo e mobilidade nesse trabalho, nos referimos à dimensão da mobilidade dentro do jornalismo numa acepção histórica e, ao mesmo tempo, renovada para o enquadramento a partir das tecnologias móveis e as formas de transmissão. Como aproximação para o panorama atual podemos traduzir o jornalismo e a mobilidade como compreensão do jornalismo móvel com a consideração de uma modalidade de jornalismo sendo realizada, em seus rituais, em condições de mobilidade (física e informacional).

4 Não seria exagero afirmar que as transmissões ao vivo por celular ou smartphone observadas em circunstâncias como as dos protestos no Brasil e em várias partes do mundo inauguram (ou ampliam) uma nova estética de narrativa de caráter jornalístico com a introdução de elementos novos que provocam olhares e mudanças para e no “ao vivo” consagrado pela televisão. A instantaneidade, a hiperrealidade das imagens e o movimento do deslocamento na ação trazem à tona experiências ambivalentes que merecem uma investigação de natureza empírica e reflexiva.

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de “guerra” está também nos centros urbanos, exigindo coberturas jornalísticas ou de midialivrismo com aparato similar ao de repórteres correspondentes em circunstâncias como a Guerra do Iraque.

O empoderamento de jovens ativistas (CASTELLS, 2009) através da apropriação de tecnologias móveis, redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram, aplicativos de streaming) e outros dispositivos visam a transmissão ao vivo (smartphones e tecnologia 3G e 4G) exige, igualmente, o “aparelhamento” da mídia tradicional para fazer frente à instantaneidade e ao volume de notícias em circulação. Concorre nesse processo, o uso das redes pelos cidadãos, sob o efeito da “compressão espaço-temporal” (HARVEY, 1992) e da condução de novas narrativas com o enquadramento “ao vivo”, “do agora”, “da rua”, “sem filtro”.

No caso da mídia tradicional, vimos a relevância desse aspecto sendo levado a cabo como contraponto à midialivrista ou a incorporação da produção de conteúdos desta, como reconhecimento do trabalho ágil de ativistas e cidadãos com seus equipamentos portáteis e instantâneos subvertendo a lógica da grande mídia.

Figura 1 - Forte presença do Mídia Ninja nas redes sociais com o compartilhamento de conteúdos

Fonte: captura de tela5

Nesse sentido, o artigo versa sobre a extensão pragmática que os novos dispositivos implicam para a prática jornalística e a visualização do tensionamento existente entre os repórteres profissionais das organizações jornalísticas tradicionais e os “repórteres-ninjas” no tocante aos formatos ou narrativas de cobertura dos protestos. Sendo assim, formulamos duas questões problematizadoras no sentido de estabelecer uma discussão no horizonte e um enquadramento analítico: (1) De que modo a apropriação das tecnologias móveis digitais, com a expansão da mobilidade, interfere no jornalismo e suas práticas nas coberturas de protestos e conflitos na

5 Disponível em http://midianinja.tumblr.com/ . Acesso em 21 mar. 2014

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consideração da atuação dos repórteres das organizações jornalísticas e dos repórteres ninjas das organizações ativistas? (2) Em que implica para o jornalismo as narrativas em tempo real via streaming observadas durante a cobertura das manifestações tanto por meio de repórteres profissionais dos veículos de comunicação tradicionais quanto de repórteres ninjas?

No âmbito do capítulo, tratamos o debate a partir de conceitos como convergência (JENKINS, 2009; BARBOSA, 2009), mobilidade (URRY, 2007; LEMOS, 2009; KELLERMAN, 2006), jornalismo móvel (SILVA, 2013; QUINN, 2009), redes sociais (RECUERO, 2013) e midialivrismo (MALINI; ANTOUN, 2013; ALMEIDA; EVANGELISTA, 2013), arregimentados para a compreensão dos novos tensionamentos e controvérsias visualizados nesse panorama, em desdobramento por meio da atuação no epicentro dos protestos na perspectiva da cibercultura e da sociedade em rede móvel (CASTELLS et al., 2006) que emerge como paradigma.

A partir desses conceitos e do referencial do estado da arte, abordamos a cobertura de manifestações colocando também em cena, para o arcabouço teórico de exploração, a noção de mediadores humanos e não-humanos (LATOUR, 2005; LEMOS, 2013) de modo a conceder visibilidade às associações nem sempre perceptíveis nas ações netativistas.

Lemos (2013), a partir da Teoria Ator-Rede6, defende que há mediadores não-humanos atuando em ações e formados por “objetos inteligentes, computadores, servidores, redes telemáticas, smart phones, sensores e etc” (LEMOS, 2013, p.20).

Logo, não podemos deixar de reconhecer o aspecto da relação ator-rede, ao examinarmos a complexa rede híbrida presente nos processos sociopolíticos e que podem ser remetidos a outras situações, como a cobertura dos “protestos de junho 2013”, com os actantes humanos (ativistas, manifestantes, policiais, jornalistas) e não-humanos (smartphones, drones, Google Glass).7

Não obstante, esse processo inclui a convergência jornalística em sua

6 A Teoria Ator-Rede tem sua gênese na década de 1980 a partir de Bruno Latour, Michel Callon, Madeleine Akrich, John Law, Wiebe Bijker voltada para os estudos em torno da ciência e tecnologia com influência de Foucault, Deleuze e Guattari, Michel Serres e Gabriel Tarde. Se constituiu em uma crítica à sociologia, mais especificamente à noção de sociologia do social. No artigo, não faremos uma aplicação metodológica ou teórica da Teoria Ator-Rede, mas não deixaremos de mencionar as aproximações.

7 Outro exemplo de atuação de actantes não-humanos no jornalismo pode ser ilustrado com o caso em que a primeira notícia sobre o terremoto nos Estados Unidos, em março de 2014, foi produzida por um “robô-jornalista”, que se utilizando de inteligência artificial por meio de algoritmos, extraiu dados de forma instantânea dos computadores do Serviço de Pesquisa Geológica do país. O jornalismo de dados começa a avançar por sistemas inteligentes não-humanos para a produção de conteúdo original. In: Portal Imprensa, 18.03.2014. Disponível em <http://migre.me/kcz8w> . Acesso em: 18 mar. 2014

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conjuntura (mudanças no jornalismo, perfil profissional, estruturação das redações, adoção intensiva de tecnologias, emergência de repórteres cidadãos) e se constitui em um operador analítico pertinente capaz de adentrar o cenário em busca de respostas e de compreensão das transformações em curso.

Com as redações em processo de integração (SALAVERRÍA; NEGREDO, 2008; BARBOSA, 2009), na perspectiva da cultura de convergência defendida por Jenkins (2009), o trabalho multiplataforma enxerga, nas tecnologias móveis e redes sociais móveis, angulações para o cumprimento da “atualização contínua” das plataformas online e móvel.

Nessa abordagem de atuação, o jornalismo tradicional ancorado pela cobertura por tecnologias de transmissão instantânea busca no smartphone e no drone uma atuação de proximidade com a mídia independente como o Mídia Ninja, como forma de reposicionamento do seu aspecto de inovação e confiabilidade para manter credibilidade junto ao público. Ao adotar novos instrumentos de trabalho, as rotinas dos repórteres se alteram para o viés multitarefa e polivalente, cujo aspecto é visto por Kischinhevsky (2009) como um impacto sobre o fazer jornalístico à medida que sobrecarrega os repórteres ao tentar naturalizar essas multifunções como aspecto incorporado da rotina de produção.

Portanto, o processo de convergência nas redações com a incorporação das tecnologias móveis digitais ou as tecnologias vestíveis, a exemplo do Google Glass (utilizado pela Folha de S.Paulo) conduz o trabalho do repórter para um comprometimento da produção e da prática jornalística em condições de mobilidade, por um lado, e para a potencialização ou otimização da produção (SILVA, 2013).

Essa conjunção de fatores e de artefatos/objetos enriquece o debate em torno das controvérsias, de modo a demarcar a discussão em dimensões de análise como lugar, mobilidade, convergência, actantes, redes sociais com enfoque central no jornalismo móvel.

Para aprofundar esses aspectos centrais desdobramos uma tentativa de compreensão perpassando pela natureza do que está em cena, na abordagem como o lugar e a mobilidade porque, de fato, é pertinente essa relação quando enquadramos a cobertura das manifestações através da modalidade do jornalismo móvel, considerando o locativo como um dos fatores à medida que o local é expressamente delimitado em algumas transmissões ou postagens de conteúdos através das redes sociais móveis ou do streaming realizado em tempo real.

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A dimensão do lugar na emissão em mobilidade

A experiência de jornalismo móvel vincula-se ao hiperlocal, ao lugar da emissão. Mobilidade e lugar são dois conceitos-chaves para pensar sobre a produção jornalística geolocalizada que se utiliza de ambas vertentes: a mobilidade e o lugar. Para Medeiros (2011) a comunicação locativa restabelece a “relevância do lugar na comunicação”

Em decorrência do uso dos artefatos móveis digitais como celulares, notebooks e tablets, surge uma forma de comunicação - a Comunicação Locativa - caracterizada pelo envio de informações que emanam do lugar diretamente para estes dispositivos, capaz de retomar o alto grau de relevância do lugar na comunicação. (MEDEIROS, 2011, p.26).

O lugar, portanto, se relaciona diretamente com o fenômeno da mobilidade com suas múltiplas concepções e interdisciplinaridade (sociologia, urbanismo, geografia, comunicação, entre outras disciplinas), trazendo novas implicações para o campo da comunicação, em particular o jornalismo, com as dimensões associadas à produção e à difusão de conteúdos, como durante as apropriações das manifestações no Brasil com a emissão do lugar dos acontecimentos como um fator de “realidade” e de expressão do lugar dos confrontos.

Para Urry (2007) a mobilidade pode ser pensada como movimentos físico, imaginativo e virtual. Assim, a mobilidade física e informacional enquadra-se na perspectiva aqui delineada, à medida que a reportagem ou o consumo de informações está carregado de potenciais da expansão da mobilidade, por meio de dispositivos móveis digitais e redes conectadas, que também são redimensionadas pelo jornalismo independente ou participativo.

Uma das condições para compreensão desse contexto é o jornalismo móvel digital8, (SILVA, 2013) enquanto modalidade que incide sobre as rotinas produtivas dos jornalistas, sobre as formas de consumo (CUNHA, 2012) e, ao mesmo tempo, condiciona uma estrutura móvel calcada em tecnologia portátil para apropriações dos cidadãos como vista pelo Mídia Ninja e em outras coberturas pelo mundo (Primavera Árabe, Occupy Wall Street) com o movimento de pessoas, objetos e informações

8 O conceito de jornalismo móvel digital é compreendido aqui como a prática jornalística baseada no uso de tecnologias móveis digitais como tablets, smartphones e celulares, além do conjunto de conexões sem fio a exemplo da tecnologia 3G, 4G, Bluetooth, Wi-Fi. Essa estrutura móvel de produção pode ser utilizada tanto no jornalismo profissional das organizações jornalísticas, quanto apropriada pelos cidadãos para a cobertura com valor jornalístico.

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(URRY, 2007), com o enunciado da relação de hibridismo entre humanos e não-humanos defendida por Latour (2005).

O jornalismo móvel, numa dimensão histórica, pode ser localizado no trabalho dos correspondentes de guerra e no trabalho dos repórteres de agências de notícias (MATHESON; ALLAN, 2009; SILVA JUNIOR, 2006) como no caso da cobertura no Afeganistão em 2001 e no Iraque com o uso de videofones (celular via satélite, notebook) para transmissão ao vivo direto do front para televisão a exemplo do uso feito pela CNN e TV Globo. Para Pedro (2009) essa construção pode ser considerada “uma nova narrativa de guerra” baseada na tecnologia móvel.

A cobertura de TV, com a presença do repórter e da tecnologia móvel, não deixa dúvidas de quando a guerra está acontecendo nem onde. São utilizadas as imagens ao vivo do “teatro de operações”, via satélite através do videofone, de onde quer que o repórter queira estar, para os telespectadores nos seus respectivos sofás (PEDRO, 2009, p.1).

Neste sentido, nossa tese é de que a cultura do jornalismo móvel reposiciona o sentido de ‘lugar” na intersecção entre os artefatos e a mobilidade expandida presentes na produção de campo na espacialização construída no nexo entre jornalismo móvel e jornalismo locativo numa relação tênue oriunda das apropriações das tecnologias móveis digitais. Defendemos que as notícias breaking news, através de elementos de geolocalização, a temperatura do acontecimento no lugar, os elementos visuais e sensoriais do lugar ( vídeos, imagens e áudio) e o repórter no lugar, redimensionam a mobilidade informacional e da mobilidade física (KELLERMAN, 2006). Deste modo, temos uma relação tênue entre jornalismo móvel e jornalismo locativo a ser considerada.

Primeiramente, pressupõe-se que o jornalismo móvel tem impacto direto sobre o breaking news ou hard news tendo em vista que as possibilidades de atualização imediata do lugar, remota e “deslocada” se efetiva nas condições do exercício do repórter em mobilidade que o aparato portátil digital permite (a exemplo do smartphone e tablet).

Em segundo lugar, a conexão em nuvem dilui a fronteira entre o local de apuração e o local de distribuição (antes, concentrado na redação física) gerando um espaço de fluxo contínuo entre a redação física e a redação móvel, de modo a estabelecer uma nova dinâmica.

Esses dois sentidos também podem ser atribuídos ao trabalho da Mídia Ninja tendo, inclusive, o estabelecimento de outra relação pelo envolvimento mais imersivo

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nas narrativas de proximidade. Para tal, poderíamos chamar de “ambivalência móvel” no sentido de atribuição indiferente do lugar (físico, em movimento). O lugar adquire um novo significado comunicacional e pertencimento temporário a essa notícia no contexto (o deslocamento, a geolocalização, presença in loco do repórter), seja nos meios tradicionais ou na mídia alternativa como a Mídia Ninja que a observação empírica do fenômeno revela.

Mídia Ninja e jornalismo: narrativa em movimento ao vivo por smartphone

As manifestações de junho de 2013 trouxeram uma nova repercussão para o uso de tecnologias móveis na cobertura jornalística. De um lado, o movimento de jornalismo alternativo do Mídia Ninja, com o uso de smartphones com tecnologia 3G e 4G na cobertura coletiva e em tempo real através de aplicativos de streaming como o Twitcasting e a articulação em redes sociais; por outro lado, a cobertura da mídia tradicional como da Globo News com smartphones e da Folha de S.Paulo com experimentações como o uso de drones9 para visão aérea e da tecnologia Google Glass com transmissão em tempo real (figura 2).

Figura 2 - Folha transmite ao vivo via Google Glass

Fonte: captura de tela10

9 Drones são pequenas aeronáveis não tripuladas, utilizadas em conflitos e apropriada para o jornalismo para coberturas aéreas através da instalação de câmeras portáteis.

10 Cf. Folha de S. Paulo, 15.08.2013. Disponível em: <http://migre.me/kczpUl>. Acesso em: 02.03.2014

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No caso do drone, a equipe da Folha de São Paulo acoplou um celular ao equipamento para captura de imagens panorâmicas e aéreas. Estas duas tecnologias - drones e Google Glass - alteram o modus operandi dos repórteres porque instauram novos modos “de ver” os eventos ou novos modos “de construção” da notícia. Além da Folha de S.Paulo, posteriormente os repórteres da Globo News se utilizaram da mesma estratégia do Mídia Ninja e construíram suas narrativas de dentro das manifestações, podendo assim transmitir o “calor dos acontecimentos”.

Para Antonio Brasil (2013), os repórteres “ninjas” globais enveredaram pelo processo de convergência na transição da televisão para a Internet com um telejornalismo baseado no ao vivo pelo celular como uma estratégia emergente.

Os ninjas globais não subiram nos telhados ou restringiram a cobertura às cabines dos helicópteros. Trata-se de uma grande evolução da estratégia “abelha” de cobertura jornalística para TV. No passado, outros repórteres como Aldo Quiroga, na TV Cultura de São Paulo e Luís Nachbin, na Globo, para citar poucos exemplos, adotaram essa nova forma de narrativa audiovisual – mas jamais transmitiram eventos ao vivo pela TV. (BRASIL, 2013, n.p)

Nessas circunstâncias, a rotina dos repórteres envolve novos elementos na narrativa dos fatos com uma imersão maior sobre a cena e os personagens, além de exigir um perfil profissional distinto (polivalente, multitarefa, multimídia e móvel). São arranjos de caráter profissional e tecnológico que determinam um olhar sobre o habitus do jornalista (BOURDIEU, 1989).

A conexão em rede, o uso de tecnologias móveis digitais e as apropriações das redes sociais como disseminadoras de informações e modo de interação mediada por celulares e smartphones trazem uma ressignificação para a narrativa televisiva e para os movimentos como no caso dos protestos numa relação estreita entre o espaço urbano e a conexão generalizada que se verifica.

Os movimentos sociais contemporâneos ganharam roupagens novas na sociedade do século XXI ao engajarem suas práticas e formas de mobilização em outra esfera pública, agora, conectada e em Rede. As transformações das tecnologias digitais na vida social amplificam, deste modo, os rearranjos comunicacionais num contexto contínuo de mutações. (RODRIGUES, 2013, p.32).

Assim sendo, a exploração das tecnologias móveis, aliada à mediação pelas redes sociais móveis, é determinante no que se refere à disseminação das informações,

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em contexto de mídias com funções pós-massivas11 e ocupação do espaço urbano por parte dos manifestantes. Munidos de celulares, smartphones e outros dispositivos móveis, o Mídia Ninja12 amplificou a cobertura dos protestos sob uma perspectiva de mostrar os acontecimentos sem corte e sem filtros, revelando a realidade das ruas marginalizadas e ignoradas pelos meios de comunicação de massa. Essa forma de atuação é denominada por Malini e Antoun (2013) como “midialivrismo” 13.

No contexto da cibercultura e da filosofia da cultura hacker, trata-se de ações ciberativistas que produzem e compartilham processos no âmbito das tecnologias digitais, sem intermediações ou hierarquia das corporações midiáticas. “O midialivrista é o hacker das narrativas, tipo de sujeito que produz, continuamente, narrativas sobre acontecimentos sociais que destoam das visões editadas pelos jornais, canais de TV e emissoras de rádio de grandes conglomerados de comunicação.” (MALINI; ANTOUN, 2013, p. 23).

Ao refletir sobre o conceito de midialivrismo14, percebem-se novas possibilidades na emissão de conteúdos em rede, em distintas plataformas comunicacionais (sites, blogs, Youtube, sites de redes sociais), sendo uma alternativa aos meios de comunicação de massa, e com isso, amplificando sua rede de informação e compartilhamento. Em perspectiva semelhante, pode-se afirmar que os repórteres ninjas (figura 3) exercem aspectos do midialivrismo, ao realizar a cobertura dos

11 Para Lemos (2010), mídias com funções pós-massivas são aquelas sem um controle do “fluxo centralizado da informação” como ocorre com os meios de comunicação de massa. Na perspectiva das mídias com funções pós-massivas “qualquer um pode produzir informação”, ou seja, há uma liberação do pólo de emissão.

12 Mídia Ninja (denominação para Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) é um grupo ativista criado em 2011 e participante do Coletivo Cultural Fora do Eixo. Os ativistas procuram fazer uma cobertura aberta e em contraposição à mídia tradicional. A partir das transmissões ao vivo dos protestos em junho o grupo se consolidou.

13 Entretanto, apesar do termo ser uma contraposição (inclusive ideológica) aos meios de comunicação de massa e sua forma de atuação, acreditamos que o cenário ideal é o composto por uma paisagem midiática em que possa coexistir ambas as esferas: a mídia tradicional e a mídia independente como modelo de democracia. Neste sentido, o público tem a oportunidade de conviver com diferentes fontes de informação e, deste modo, construir sua posição sobre os diferentes temas da atualidade. Neste aspecto, a digitalização e as redes digitais quebraram o monopólio abrindo espaço para a liberação do pólo emissor (LEMOS, 2010) com a participação do cidadão que pode confrontar pontos de vista nesse ambiente.

14 A noção de mídia livre, conforme explorado pelo movimento do Mídia Ninja, já vinha sendo explorado pelo Centro de Mídia Independente (CMI), conhecido também como Indymedia, surgido em 1999 por organizações e ativistas de mídia independente em Seatle que teve papel essencial na cobertura de protestos contra a Organização Mundial do Comércio - OMC. O Intervozes é uma das iniciativas vinculadas ao midialivrismo ou o Occupy Wall Street, além da Primavera Árabe.

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protestos disponibilizando em live streaming em seu canal no Youtube15. Sem dúvida, estamos diante de novas narrativas que precisam ser problematizadas nos estudos do jornalismo.

Figura 3 - Um dos idealizadores do Mídia Ninja, Bruno Torturra, na cobertura dos protestos

Fonte: captura de tela16

A partir das transmissões ao vivo dos protestos pelo Mídia Ninja, as imagens tentam revelar o lado “B” das manifestações, muitas vezes não explorado na mídia massiva, razão pela qual eles declaram praticar um jornalismo nu e cru e divulgar fortemente em seus canais digitais. Neste modelo de ação colaborativa, não há restrições para ser um repórter ninja ou um transmissor, para tal, pode-se munir-se de celulares, estar acompanhando as manifestações e fatos sociais e transmitir ao vivo pelo TwitCasting. A ideia é que mais repórteres-ninja se aglutinem no Mídia Ninja para expandir as transmissões aumentando a capilaridade do movimento em coberturas para uma pulverização comunicacional. Para Malini (2014) emerge o que ele denomina de “nova grande mídia”17 como antagonista aos meios de comunicação de massa dominantes.

15 Canal oficial do Mídia Ninja no YouTube: http://www.youtube.com/user/7VHD

16 Cf. YouTube. Disponível em: <http://migre.me/kczCw>. Acesso em: 02 01.2014

17 Malini (2014) constrói o seu argumento de nova grande mídia a partir de pesquisa empírica de seleção de 300 canais que atuam como divulgadores de ações midialivrista na rede social Facebook. O autor obtem como resultado do cruzamento de dados de que esses 300 canais arregimentam em torno de 15 milhões de usuários. Deste modo, conclui Malini, estaríamos diante de uma nova grande mídia funcionando fora do circuito tradicional de formação da opinião pública. Numa comparação já estabelecida na década de 2000, seria algo como blogosfera e mídiaesfera.

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Essa GRANDE MÍDIA não parece ser dialética, não mais depende de qualquer sistema de comunicação de massa para se constituir. E a rede já possui a cerca de 15 milhões de usuários. Mas deve ser mais, porque se estes usuários compartilharem apenas um post de uma dessas páginas, o alcance se multiplica. As páginas são o núcleo da emissão de mensagens no Facebook. E os perfis individuais, as células que ecoam, por meio do compartilhamento, esses conteúdos. (MALINI, 2014, n/p).

Em entrevista para a Revista Brasileiros18, um dos idealizadores da rede colaborativa do Mídia Ninja, Bruno Torturra, explica que a prática do jornalismo alternativo não diminui a importância da grande mídia na sociedade, e vê com bons olhos quando as imagens dos repórteres-ninja são exibidas na mídia massiva, uma vez que estão contribuindo para “ fazer a diferença” para a cobertura de uma “narrativa ética”. Para Torturra, o objetivo maior não é monetizar o movimento, mas fazer justiça social a partir de sua logística. “O que realmente nos interessa é que um inocente não seja preso, que o policial saia para a rua identificado, que a gente saiba de onde partem os comandos e que o governo se responsabilize pessoalmente ou aponte um culpado quando problemas dessa natureza são revelados”. (TORTURRA, 2013, on line). Além da cobertura em mobilidade e em tempo real praticado pelo Mídia Ninja, através de smartphones com conexões sem fio, a apropriação e sites de redes sociais tem sido um ponto de congruência das manifestações e como espaço conversacionais e divulgação, alterando o panorama midiático contemporâneo.

[...] a metáfora da rede, assim, oferece um modo interessante de compreender fenômenos contemporâneos da comunicação mediada pelo computador, que, sem dúvidas, complexificou em larga escala os fluxos comunicativos de nossa sociedade contemporânea. (RECUERO, 2009)

A apropriação dos sites de redes sociais e das tecnologias móveis tem reverberado a ação da Mídia Ninja, inserindo-a no vigoroso ambiente da cultura da mobilidade. As transmissões são feitas em grande parte por celulares e dispositivos 4G, mais na base do improviso do que de um roteiro predefinido. Se a prática de transmitir atos públicos não é nova, a visibilidade que ela ganhou com o grupo surpreende, chegando a atingir a marca dos 100 mil espectadores. (MAZOTTE, 2013, online). Além do Facebook, que contabiliza 13. 777 curtidas em sua fanpage, o grupo

18 Revista Brasileiros. Entrevista com Bruno Torturra. Disponível: <http://migre.me/kcA3i>. Acesso: 02.03.14

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também mantém penetração pelo Tumblr,19 Google Plus20 e Twitter21, canais em que ampliam-se as informações divulgadas e alargando o capital social por meio das redes digitais (figura 4).

A articulação das movimentações com os dispositivos midiáticos e principalmente as novas tecnologias marcou essa nova fase da sociedade, que une elementos como cultura da convergência (JENKINS, 2009), computação ubíqua, tecnologias portáteis (celulares, iPads, tablets, notebooks) e redes móveis de conexão à internet, redes sociais da internet (RECUERO, 2009), ciberativismo e lutas políticas. (ALMEIDA, 2013, p.85).

Essa combinação entre tecnologias móveis e a apropriação das redes sociais tem imprimido uma marca ao movimento de cobertura engajada e colaborativa. “Cada repórter ninja tem um perfil de atuação, mas todos têm o mesmo objetivo: quebrar a narrativa uníssona da grande imprensa usando a própria mídia como arma” (DINIZ, 2013, online).

Figura 4 - Web-realidade reune os canais online de transmissão ao vivo como os do Mídia Ninja

Fonte: captura de tela.

Além das manifestações de junho de 2013, outros atos ocorreram ao longo do ano de 2013 e 2014 como os protestos denominados #naovaitercopa contra a Copa do Mundo e também as manifestações dos garis do Rio de Janeiro que mobilizou

19 Cf. Mídia Ninja Tumbrl. Disponível em: <http://midianinja.tumblr.com/>. Acesso em: 2 mar de 2014

20 Cf. Mídia Ninja blogspot.com. Google Plus, Disponível em: <http://migre.me/kcAGI>. Acesso em: 02.03.2014

21 Cf. Ninja – Perfil no FaceBook. Disponível em: <http://migre.me/kcATI>. Acesso em: 2 mar de 2014

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a Mídia Ninja e os próprios garis em março de 2014 na utilização das tecnologias móveis para amplificar a greve e suas reivindicações. Bentes (2014) denominou essa articulação de “mídias-redes” e chamou a atenção para a atuação do Mídia Ninja com as transmissões ao vivo e dos próprios garis na contra-guerra de informação.

Formação politica de rua e mídias-redes! E a mídia de mobilização nas redes impulsionou a onda laranja para além das ruas e dos guetos. Depois de uma semana de desqualificação, suspeitas e dissuasão do movimento dos garis, pela mídia corporativa, o Jornal Nacional deu “uma linha” seca e rápida sobre o fim da greve, sem qualquer imagem da vitória dos garis. Nas redes, as imagens e memes dos midialivristas inundaram as timelines. A transmissão ao vivo pela Midia Ninja mostrou o movimento desde o primeiro ato e fez circular fotos lindíssimas. Imagens que dão cara, singularizam e produzem comoção. O ao vivo nas redes traz a experiência de “estar na rua” e é hoje uma ferramenta decisiva para os movimentos populares. Muitos garis compartilharam suas imagens pelos celulares. [...] Viva os garis e a mídia livre e a autônoma varrendo a velha politica, o sindicalismo engessado a velha mídia! Formação politica de rua, “agitprop” e mídias-redes! (BENTES, 2014, online).22

Na contemporaneidade, as percepções são múltiplas sobre o desenvolvimento desencadeado pelas tecnologias móveis e seus processos reconfigurantes. A sociedade em rede defendida por Castells (2009) é, de fato, uma sociedade em rede móvel (CASTELLS et al., 2006) com implicações sociotécnicas e desafios teórico-conceituais para a compreensão das redefinições em jogo em torno dos formatos e narrativas em desenvolvimento dentro do jornalismo tradicional e fora do mainstream.

Conclusões

Neste capítulo discutimos a inserção das tecnologias móveis na cobertura dos protestos em junho de 2013 e outros usos cotidianos com enfoque no trabalho da mídia com funções massivas (como Folha de S.Paulo e Globo News) e da mídia com funções pós-massivas (Mídia Ninja). O antagonismo que verificamos no tocante à discussão sobre a mídia alternativa em relação à mídia tradicional é pertinente como posicionamento dos lugares de fala e dos aspectos de complexidade envolvendo o contexto. Não obstante, o hibridismo dessa relação se configura mais consistente na

22 Cf. FaceBook, perfil Ninja – Mídia de mobilização. Disponível em: <http://migre.me/kcAwq>. Acesso em: 08.09.2013

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atualidade com implicações amplas para a comunicação com os atores humanos e não-humanos como mediadores das controvérsias.

O assunto não se esgota nesse capítulo proposto. Como observamos, o campo do jornalismo torna-se cada vez mais instigante com as lutas pelo poder simbólico que se enxerga entre os emergentes do midialivrismo como o Mídia Ninja e a mídia tradicional de modo a configurar novas relações em torno da “mídia-rede” dos novos protagonistas que emergem estabelecendo novas categorias dentro dos valores jornalísticos. Durante o acompanhamento dos desdobramentos da cobertura jornalística das manifestações, observou-se que a mídia tradicional foi forçada a adotar a mesma estratégia e tecnologias da Mídia Ninja, ou seja, smartphones, Drones e Google Glass como forma de reafirmação do caráter de inovação, mas também, para não ficar para trás tendo em vista o espaço midiático que a Mídia Ninja ocupou com a estética do “ao vivo” e acompanhamento “colado” aos manifestantes. A estratégia também se deu em função dos perigos que a cobertura representou para as equipes, identificadas pelos crachás e veículos de reportagens.

Examinar as mudanças via convergência jornalística e mobilidade pelo viés do conceito-chave do jornalismo móvel, conforme exploramos, permitiu especular sobre os rumos do jornalismo diante de protagonistas emergentes atuando em paralelo.

Num primeiro momento, identificamos que as tecnologias móveis implicam novas funções para as práticas jornalísticas, além das habilidades habituais e exigem um nível de treinamento para operar o fluxo de trabalho baseado em um dispositivo portátil conectado e com aplicativos variados (de captura, de edição e de distribuição ou de transmissão ao vivo).

Num segundo momento, percebemos que o modelo de emissão de conteúdos do campo baseado no celular instaura narrativas diferenciadas, principalmente para televisão que necessita recompor seus valores diante de uma estética fora do padrão tradicional e com qualidade inferior, porém, que indica novos elementos como a contextualização do lugar, a mobilidade expandida no processo e o sentido de presença “viva” direto da cena representada pela participação ativa do repórter como uma espécie de etnógrafo em tempo real.

Concluimos, portanto, que o jornalismo móvel se constitui em uma modalidade de prática jornalística que reposiciona um conjunto de aspectos do jornalismo contemporâneo como o domínio da gramática das tecnologias móveis e seus aplicativos, noção de trabalho multitarefa e multiplataforma em redações integradas ou convergentes. Ao mesmo tempo visualizamos o nascimento de novos atores - o Mídia Ninja - com perfil e valores distintos do estabelecido ao longo do tempo na

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chamada grande mídia. O tensionamento deve perdurar diante das transformações ainda em curso.

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Midiativismo, redes e espaço público autônomo: as novas mídias na redefinição

das relações de poderThiago D’angelo Ribeiro Almeida 1

Claudio Cardoso de Paiva 2

ResumoEste artigo busca observar como as relações midiáticas podem ser redefinidas a partir da “tomada de posse” dos meios de comunicação favorecida pelas novas mídias e tecnologias, abrindo novas possibilidades de usos destas mídias como instrumentos de contrapoder, resistência e contestação dos poderes estabelecidos. Com base nos estudos de Castells (2013), Downing (2004), Kellner (2001), Ramonet (2012) e Malini & Antoun (2013), pretendemos examinar como a relação entre o midiativismo, redes sociais e espaço público está sendo reconfigurada a partir das potencialidades da internet. Por fim, realizamos uma descrição das práticas do grupo Mídia NINJA, referência das mídias alternativas que mescla a ação direta das ruas com a utilização de redes móveis para construir narrativas contra hegemônicas.

Palavras-Chave: Midiativismo. Movimentos em rede. Jornalismo. Mídia NINJA.

1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. E-mail: [email protected].

2 Orientador e professor doutor do Mestrado em Jornalismo Profissional da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. E-mail: [email protected].

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Introdução

A Revolução Industrial reformulou no século XVIII os modelos capitalistas de produção, transformando as estruturas de uma economia movimentada basicamente por produtos manufaturados e relações de trabalho marcadas ainda pelo ambiente familiar das oficinas e as corporações de ofício. Ao retirar da mão do artesão as ferramentas de produção e o produto final do seu trabalho, além de convertê-lo em operário (ou mero desempregado), a industrialização trouxe à sociedade as formas que modelaram paulatinamente o sistema capitalista até os padrões atuais.

O surgimento do computador e posteriormente da internet, por sua vez, desencadeou a revolução digital, que por sua vez impactou as estruturas e os processos dos meios de comunicação de massa3. No ciberespaço, “conjunto das informações que transitam nos servidores e terminais conectados à Internet” (FRAGOSO, 2000, p. 4), novas possibilidades de interação, produção e circulação de informações, de comércio e outros fatores proporcionaram o desenvolvimento e expansão da cibercultura4 ou cultura do acesso, segundo Santaella (2007). Esta, por sua vez, interfere nas formas de se relacionar, consumir, construir e compartilhar conhecimento, alterando as várias dimensões humanas e viabilizando a conversão da rede mundial de computadores em um imenso espaço público autônomo (CASTELLS, 2013) e de difícil controle por parte dos poderes estabelecidos.

A comunicação mediada por computador (CMC) auxiliou na redefinição destes e outros aspectos da vida cotidiana e passou a influenciar os sistemas político, cultural, econômico, midiático etc. A hierarquia, verticalização e unidirecionalidade destes sistemas sociais parecem estar cada vez mais sendo influenciados pelas culturas da autonomia, colaboração, mobilidade, cooperação, participação, convergência e descentralização características da era da conexão (WEINBERGER, 2003 apud LEMOS, 2013).

Neste cenário de midiatização, de novos ambientes sociais constituídos pelas novas mídias (SANTAELLA, 2013) e interconexão social tecnológica (BARRETO,

3 Que não por acaso também seguem modelos de produção de uma indústria: a Indústria Cultural, cuja maior referência conceitual provém do estudo de Max Horkheimer e Theodor Adorno, no início do século XX a partir da obra Dialética do Esclarecimento. Disponível em http://tinyurl.com/97t3ym6. Acesso em 10 de nov. 2013.

4 É importante destacar que “a cultura virtual não brotou diretamente da cultura de massas, mas foi sendo semeada por processos de produção, distribuição e consumo comunicacionais” (SANTAELLA, 2003, p. 24). A estes processos, a pesquisadora Lucia Santaella chama de “cultura das mídias”. Para saber mais, ler Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós-humano. Disponível em http://tinyurl.com/moh8vl9. Acesso em 22.07.2013.

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2013), instrumentos sócio-técnicos como sites de redes sociais na internet, tecnologias móveis e as possibilidades interativas fornecidas pela Web 2.0 provocam ressignificações também no jornalismo, que atualmente atravessa uma crise de modelo/mercado e, enfrenta ainda, segundo Ramonet e Serrano (2013), uma crise de credibilidade, mediação, autoridade e informação5.

As mídias alternativas, independentes ou radicais, como define Downing (2004) também emergem neste cenário e compõem o que Ramonet (2012) classifica como “massa de mídias”. Estas expressões midiáticas se contrapõem à mídia corporativa ou grande mídia6 nas suas produções, podendo atuar como instrumentos contra hegemônicos de informação, abordando os fatos e os movimentos sociais de maneiras subversivas e destoantes do conjunto de práticas que conduzem os veículos tradicionais de comunicação.

Há inúmeras expressões de mídia alternativa, mais tradicionais, como os jornais murais, rádios comunitárias, fanzine, panfletos etc., mas trabalharemos com as cibermídias que se utilizam das novas tecnologias, como smartphones, tablets, notebooks, conexões a redes móveis e comunicação em rede para produzir informação. Este artigo pretende, ainda, apontar caminhos de observação dos processos culturais e práticas da Mídia NINJA (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) na sua cobertura de protestos e movimentos de rua pelo país. Com esse texto, buscamos avançar na análise desta mídia, identificando algumas das suas estratégias comunicativas e novos usos dos meios disponíveis para gerar informação.

A revolução digital e os novos meios de produção de informações

A industrialização exigiu constantes inovações tecnológicas demandadas pelas necessidades capitalistas de acumular mais lucros e se desenvolveu mutuamente com os meios de transporte e de comunicação. Como destaca Briggs, “a tecnologia nunca pode ser separada da economia, e o conceito de revolução industrial precedeu o de revolução da comunicação – longa, contínua e eterna” (2006, p. 109). A imprensa

5 Esta crise teria sido intensificada com o advento da internet e suas possibilidades informativas, a velocidade e efemeridade das informações e notícias, a autoinformação e outros fatores, como a concorrência dos grandes veículos com os milhões de sujeitos “comuns” que, em blogs, sites independentes, perfis em sites de redes sociais, também são hoje produtores de informação. Mais em MORAES, Dênis de. Mídia, Poder e Contrapoder. Da concentração monopólica à democratização da informação. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2013.

6 O conjunto dos grandes veículos de comunicação de massa. No Brasil, integram este grupo, empresas como as organizações Globo, Record, Bandeirantes, Abril, Folha de São Paulo, SBT, para citar alguns.

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logo segue os moldes da indústria, se expande e passa a se concentrar em grandes conglomerados, assumindo o caráter massivo e adquirindo poder e legitimidade perante o público. Daí até o surgimento de novos veículos, como o rádio, a televisão e o computador, passa-se aproximadamente um século.

Os jornalistas se integram ao processo quase fabril de produção das notícias e a empresa (ou fábrica) de comunicação de massa engloba as várias etapas do processo produtivo informacional. Temos, portanto, uma produção dividida por etapas: redação, edição, diagramação etc., regulada a partir dos fatores tempo (deadline) e espaço – no impresso, a quantidade de caracteres, na TV e no rádio, os segundos e minutos. Praticamente todo o século XX foi conduzido por meio dessa esquematização lógica da notícia. O jornalista fornece sua força de trabalho, recebe um salário e, no fim, não é “dono” do produto final do processo, que é vertical. Trata-se do que Wolton (2011) define como lógica da oferta.

Detalhamos este processo apenas para demonstrar as semelhanças entre a produção jornalística e a produção industrial em escala. Trata-se de um processo hierarquizado, vertical e unidirecional no sentido um-todos. A mídia informa, o público se informa, comenta, critica, compartilha a informação, mas não dispõe, neste momento inicial, de muitos canais para interagir ou responder7 ao discurso dos veículos.

Neste primeiro momento, as funções dos profissionais são mais definidas no processo noticioso, havendo uma clara divisão social do trabalho nas redações: uma linha, digamos, mais “fordista” da produção noticiosa.

Atualmente, na era da acumulação flexível do capital (HARVEY, 2011) e do jornalismo líquido, as mídias de função pós-massiva (LEMOS, online) causam uma reestruturação dos modelos capitalistas tradicionais e o controle de posse dos meios de produção. Estas tecnologias possibilitam e estimulam a remodelação do modus operandi informacional, cuja característica principal seria a divisão entre proprietário e trabalhador, dono dos meios de produção e força de trabalho. Esta alteração consiste em permitir que não apenas os empresários possam ser detentores das ferramentas de produção e produtos informacionais, mas, com relativa simplicidade operacional, qualquer internauta com o mínimo de conhecimento sobre estas ferramentas possa ser um emissor, ao publicar em um blog, gravar um vídeo com câmeras digitais ou celulares, criar um podcast etc.

7 Para José Luiz Braga (2006), desde as primeiras interações midiatizadas, a sociedade desenvolve novos objetivos e funções para as tecnologias não especificamente seguindo os processos inicialmente atribuídos a estas tecnologias. O autor afirma que há um terceiro sistema de processos midiáticos além da produção e emissão de informações, que ele classifica como “sistema de resposta social”. Para saber mais, ler BRAGA, José Luiz. A Sociedade Enfrenta sua Mídia. São Paulo: Paulus, 2006.

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A liberação do polo emissor de informações (LEMOS, 2001) e a consequente proliferação de novas tecnologias e meios alternativos de difusão de informações são provas de que as mudanças no trinômio produção-circulação-consumo de informações causam, a princípio, influências em pelo menos dois sentidos básicos:

a) Nas práticas e rotinas jornalísticas, suas ferramentas de trabalho e também na divisão do trabalho nas redações, que é redefinida, ocasionando acúmulos de funções (jornalista multimídia, polivalente ou, sem meios termos, superatarefado), novas relações do jornalista com os fatos e com as fontes, por exemplo, além do surgimento de novas tipologias, como o jornalismo móvel.

b) Em toda a estrutura capitalista de produção informacional, pois ao permitir que jornalistas produzam matérias e as publiquem antes mesmo de chegar à redação, o processo produtivo passa a ser menos rígido, mais fluido. Além disso, há uma influência maior do público, que agora tem acesso fácil a canais de interação (de fato) com as mídias tradicionais e que também produz informações, podendo ser fonte de notícias ou colaborar na modalidade de jornalismo participativo, além de poder construir sua própria mídia.

É sobre esta última questão que iremos nos debruçar. Com as novas mídias de função pós-massiva e seus usos com propostas não só comunicativas, mas potencialmente informativas, podemos falar em uma efetiva tomada dos meios de produção por parte da massa – termo que estabelecem os teóricos da mass media communication research, mas que nós preferimos chamar de “público”, “atores sociais” ou “sujeitos”. Esta revolução tem um impacto importante no campo do jornalismo, pois permite que o público, munido de aparelhos simples como celulares e contas no YouTube, possa fazer usos das mídias sociais em prol de ações subversivas contra o Estado e a polícia, ou mesmo contra o jornalismo corporativo, que mantém sua hegemonia consolidada por meio do controle das relações de poder.

Os cidadãos-repórteres contribuem com seu protagonismo ou ciberprotagonismo midiático para um contexto mais plural e democrático de informações, que descentraliza o polo emissor e multiplica os fluxos de emissão-recepção de conteúdos, com transmissões em tempo real ou postagens de texto, vídeo e áudio nas redes. Este é o contexto perfeito para a fermentação das mídias alternativas, assunto que trataremos brevemente no próximo tópico.

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Midiativismo, movimentos sociais em rede e espaços públicos híbridos

Nos novos movimentos sociais que se desenvolvem interligados às redes telemáticas e que Castells (2013) denomina de movimentos em rede, percebe-se que há uma reconfiguração das formas de sua organização-realização, que passa a ocorrer concomitante entre espaço físico e virtual, de forma descentralizada, sem líderes. Muitos destes movimentos surgem na internet e depois migram para as ruas, como ocorreu no Brasil, inclusive. Estas manifestações seguem uma tendência internacional, como os movimentos Occupy Wall Street, as lutas contra os regimes ditatoriais do Oriente Médio, os protestos contra a crise econômica na Europa: todos estes movimentos parecem seguir a lógica de fragmentação, descentração e pluralização das identidades apontadas por Hall (2006).

Referindo-se às novas ondas de marchas, manifestações e ocupações da contemporaneidade, que Malini e Antoun (2013) nomeiam de revoluções P2P ou revoluções distribuídas, “em que a heterogeneidade da multidão emerge em sinergia com os processos de auto-organização (autopoiesis) das redes” (MALINI, 2013, p.16), Castells (2013) expõe:

Em todos os casos, os movimentos ignoraram partidos políticos, desconfiaram da mídia, não reconheceram nenhuma liderança e rejeitaram toda organização formal, sustentando-se na internet e em assembleias locais para o debate coletivo e a tomada de decisões (CASTELLS, 2013, p. 9).

As novas lutas sociais que Maria da Glória Gohn (2013) afirma integrarem novos campos temáticos de lutas e que vêm construindo uma nova cultura política, intercambiam as experiências diretas, físicas, locais com os espaços autônomos do ciberespaço, como as redes sociais virtuais, a fim de propagarem suas ideias, discutirem as ações e debaterem sobre assuntos correlatos, autocomunicarem-se (CASTELLS, 2013).

A internet funciona, então, como uma esfera pública global (Downing, 2004) anárquica, relativamente livre de controles coercitivos8 e mecanismos repressores.

8 Ao contrário das avaliações de autores como Downing (2004) e Castells (2013), que veem a Internet como um espaço livre de controles, Julian Assange, em debate gravado para o seu canal do YouTube, The World Tomorrow e que originou o livro Cypherpunks, Liberdade e o Futuro da Internet (2013), alerta que a Internet não é tão livre quanto aqueles autores comentam, sendo um espaço de vigilância praticada por Estados, com o aporte de empresas que fornecem todos os dados a respeito dos usuários e os caminhos seguidos por eles na Rede, o que propicia a formação de um cenário de controle, vigilância em massa e espionagem jamais vistos na história. Assange, fundador do site WikiLeaks, criado em

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São, pois, formas combativas e multidimensionais de apropriação do espaço público, seja ele virtual ou físico: indivíduos indignados com uma situação se unem a outros, planejam ações, discutem ideias e, além disso, relatam os eventos em formato textual, em vídeo, áudio ou imagem. Trata-se de uma redefinição não só na maneira de organizar manifestações, mas de discutir política, questionar o status quo e produzir informações, fazer mídias.

Ao ter em mãos o controle de meios de produção de informações e o domínio dos códigos de emissão, os “indivíduos comuns” dispensam intermediários para registrarem os fatos, tendo a condição de interferir o que Sodré (1984) classifica como o monopólio da fala, instituído pelos grandes veículos de comunicação. E assim como na ascensão do movimento punk dos anos 70, a sociedade contemporânea experimenta e cria para o ecossistema midiático uma atmosfera de “faça você mesmo”, ou “faça você mesmo” high tech (ALMEIDA, 2013) que passa a receber injeções informacionais que fluem não apenas de grandes conglomerados comunicativos, mas de várias direções. Downing (2004), por sua vez, entende ser relevante, portanto, dar à internet um enfoque de mídia radical, pois para ele

consiste na participação das pessoas na criação de formas interativas de comunicação que atuam como força de compensação para o fluxo unilateral que é próprio da mídia comercial (DOWNING, 2004, p. 275).

Kellner (2001) ainda reforça que a produção da mídia tem ligações íntimas com as relações de poder e que interesses das forças sociais poderosas são reforçados, “promovendo a dominação ou dando aos indivíduos força para a resistência e a luta” (2001, p. 64). O autor aponta que nossa cultura foi colonizada pela mídia, classificando a cultura contemporânea como cultura da mídia, “o lugar onde se travam batalhas pelo controle da sociedade” (p. 54). Já Serrano destaca que o jornalismo – quarto poder – “é um mero apêndice dos grupos empresariais” (2013, p. 72).

Sendo assim, o ativismo midiático se utiliza dos equipamentos midiáticos para alcançar os objetivos de suas lutas, que estão relacionadas à liberdade de expressão

2006 para divulgar documentos denunciativos contra o governo norte-americano, ao lado de Edward Snowden, ex-funcionário da CIA e da NSA (Agência Nacional de Segurança) americana são as maiores referências atuais de delação de abusos cometidos pelos Estados em guerras, transações comerciais internacionais, espionagem de cidadãos etc. Há, ainda, outras obras que buscam denunciar/alertar para os problemas da hipervisibilidade, como Andrew Keen, com O Culto do Amador (2009) e Vertigem Digital: por que as redes sociais estão nos dividindo e desorientando (2012) e Siva Vaidhyanathan, com A Googlelização de Tudo (e por que devemos nos preocupar): a ameaça do controle total da informação por meio da maior e mais bem-sucedida empresa do mundo virtual (2011).

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e democratização dos meios de comunicação, sendo dividido, segundo Malini e Antoun (2013), em dois formatos básicos. Um deles é o midialivrismo de massa, que de dentro do paradigma da radiodifusão reúne experiências de movimentos sociais que produzem mídias comunitárias e populares antagônicas aos conglomerados ou “oligarquias midiáticas”, na denominação de Ramonet (2012). O outro formato é o midialivrismo ciberativista, cujas experiências se desenvolvem no campo dos dispositivos digitais, tecnologias e processos colaborativos de comunicação em rede.

Ao produzir narrativas que destoam dos modelos mercadológicos das grandes corporações de mídia, o midialivrista é, de acordo com Malini e Antoun, “o hacker das narrativas”. As narrativas hackeadas, portanto, ao circularem no modelo horizontal muitos-muitos (PRIMO, 2011) da internet, possibilita visões múltiplas, novas perspectivas acerca dos fatos e seus possíveis desdobramentos.

É com esse propósito que os midiativistas se lançam em meio aos protestos do Brasil, por exemplo, a fim de relatar à sua maneira as complexidades de uma aglomeração, sua pluralidade, seus conflitos, os jeitos, cartazes, iniciativas, confrontos, a personalidade que a multidão exala a partir de cada indivíduo, demonstrando maneiras de interpretar estas características que não raro são inconvenientes aos formatos de cobertura da mídia oficial, limitada pela rigidez do tempo, espaço e propostas editoriais que regem suas práticas. A Mídia NINJA, assim como toda a biosfera informacional das mídias livres, brota e se desenvolve neste universo, que abordaremos no tópico seguinte.

Mídia NINJA: uma breve descrição das características de produção de informações

Surgida em 2011, a partir de uma iniciativa da PósTV9, projeto midialivrista ligado ao coletivo de fomento à cultura Fora do Eixo10, a Mídia NINJA (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) obteve amplo alcance nacional a partir da cobertura em tempo real dos protestos que eclodiram no mês de junho de 2013 por todo o Brasil, cujos registros foram transmitidos via live streaming11 a partir de smartphones conectados a redes móveis, como 3G e 4G. Nossa intenção é realizar uma breve descrição dos processos produtivos destes midiativistas na cobertura dos protestos.

9 http://canalpostv.blogspot.com.br/

10 http://foradoeixo.org.br/

11 Transmissão de dados em tempo real via rede.

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Quanto à estrutura que os integrantes da NINJA levam às ruas, a matéria da Revista Piauí esclarece bem:

Para as situações de rua, um ninja tem dois kits: o individual e o de equipe. No primeiro, um celular com internet, um laptop funcionando e outros que servem como bateria, todos levados numa mochila. O segundo consiste num carrinho rosa-choque carregado com duas câmeras, mesa de corte, microfones, gerador e caixas de som. Tudo da Apple e comprado coletivamente (menos o carrinho, apropriado de um supermercado), com o dinheiro captado pelo Fora do Eixo nos festivais de música que promove pelo Brasil – e nos editais de cultura de que participam (BRESSANE, PIAUÍ, Julho de 2013, online).

Figura 1 – TwitCasting: página permite exibição e interação.

Fonte: Reprodução.

As transmissões são realizadas diretamente do smartphone para plataformas como TwitCasting12, utilizado com frequência nas coberturas13. A vantagem desta página é que, além do vídeo exibido no canto superior esquerdo da tela, há um espaço

12 http://twitcasting.tv/midianinja

13 É importante destacar que a Mídia NINJA não apenas se dedica à cobertura em tempo real de manifestações e em 2013 organizou de forma colaborativa, ao longo de dois meses, um documentário intitulado Enquanto o Trem não Passa, que aborda a situação das comunidades que sofrem os efeitos da exploração de minério no país e da atuação de grandes empresas internacionais no negócio da mineração. Disponível em http://tinyurl.com/mjrkf2r. Acesso em 12 de nov. 2013.

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de interlocução no qual os espectadores poder fazer login via Facebook ou Twitter e interagir entre si em tempo real e, inclusive, com o repórter que está na rua14, fazendo perguntas ou apontando informações solicitadas por ele.

Imagem pixelizada (com ruídos de imagem), enquadramento de câmera em primeira pessoa, ausência de um repórter no vídeo e proximidade aos acontecimentos são algumas das características destas transmissões, cujo cinegrafista é o narrador/comentarista das realidades que vão se desenrolando na frente da câmera – que possui 5 megapixels de resolução –, atuando como um narrador-personagem dos fatos, pois está integrado à multidão e interage diretamente com os demais indivíduos. Com isso, percebemos que, além de trazer o espectador para muito próximo dos acontecimentos, a NINJA registra os conflitos, negociações, sensações, som e imagem, algo nem sempre possível às equipes dos grandes veículos.

Além destas características, podemos elencar outras, que são possíveis por conta da facilidade operacional de produzir as transmissões via rede, como:

a) Cobertura pulverizada e simultânea: em um mesmo protesto, pode haver dois, três ou mais cinegrafistas-repórteres, localizados em diferentes locais e com a emissão realizada com links diferentes, o que possibilita ao espectador múltiplas visões dos eventos distantes ou mesmo ângulos variados de um mesmo evento. Este é um fator da pulverização: o fator relacionado à possibilidade de dispor de vários repórteres “correspondentes”. O outro se refere à possibilidade de propagar os links pela rede, por meio dos sites de redes sociais, como faz o perfil da Mídia NINJA no Facebook, por exemplo.

b) Ininterruptividade das transmissões: as transmissões não possuem intervalos comerciais ou pausas, exceto nos minutos em que o repórter necessita trocar ou carregar a bateria do celular ou que há algum problema com a conexão à rede

c) Instantaneidade e espontaneidade: fatos são registrados e transmitidos sem edição, cortes ou estipulação rígida dos caminhos a serem seguidos na cobertura. Além disso, elementos como as narrações, ângulos e planos de câmera fogem ao modelo sério e comportado dos modelos de transmissão ao vivo do jornalismo tradicional.

14 Outra vantagem do TwitCasting é que alguns vídeos permanecem gravados no histórico do perfil do repórter, podendo ser acessado posteriormente. Os comentários dos espectadores-participantes também permanecem expostos na caixa de diálogo. Em algumas exibições, o diálogo entre espectadores e repórter é mais intenso, como no exemplo da emissão do movimento Ocupa Câmara Rio, do dia 08 de novembro de 2013. Disponível em http://tinyurl.com/n5qh7vn.

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Figura 2 – Publicação da Ninja no Facebook aponta vários links.

Fonte: Reprodução

Tendo em vista que a Mídia NINJA não se limita apenas a relatar os fatos e busca manter uma relação ativa com as realidades registradas, o que se configura como uma forma de enfrentamento ou intervenção social midiática – marca característica das mídias radicais, que buscam combater as estruturas opressoras e assumem posturas combativas, a fim de transformar estas realidades –, classificamos esta expressão midiativista como mídia participante. O sentido que pretendemos dar a partir desta denominação é de uma mídia que imerge nas lutas por justiça social e contra as relações de dominação; uma mídia que participa das discussões em prol da democracia e pretende interferir na forma como a sociedade enxerga os movimentos sociais ou como a grande mídia os registra (na posição de mídia de registro), além de como o Estado vê estas lutas, se enxerga perante os conflitos e é observado atuando na busca por solução ou repressão.

Considerações Finais

As relações entre público e mídia tradicional estão sendo reconstruídas na era da conexão, autoinformação (RAMONET, 2012) e autocomunicação (CASTELLS, 2013), favorecidas pelas mídias de função pós-massiva aliadas a um novo momento de conscientização e interações em rede. Os sujeitos possuem atualmente mais canais de

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resposta às grandes produções jornalísticas e, com as tecnologias portáteis, conexões a redes móveis e algum conhecimento técnico, estão desenvolvendo diversas mídias alternativas aos grandes veículos de massa, buscando a democracia informacional e que podem funcionar como instrumentos de contrapoder.

Ao receber destaque na cobertura de lutas e movimentos sociais, o midiativismo reestrutura as relações de poder mantidas pela grande mídia por meio de sua influência perante a sociedade. Abordando os fatos de forma contrastante com os enquadramentos do jornalismo convencional, os midialivristas proporcionam múltiplas visões, avaliações, enquadramentos e posicionamentos que nem sempre cabem nos modelos mercadológicos do mainstream midiático.

A Mídia NINJA, portanto, assim como o rol de mídias livres que está se propagando pelo país, se propõe a apresentar narrativas não convencionais e nos protestos que se propagaram no Brasil a partir do mês de junho de 2013, mostrou poderosas possibilidades de usos das novas mídias. Compreendemos a riqueza deste campo de estudos e com este artigo, nos colocamos à frente desta discussão, descrevendo algumas destas práticas midialivristas, a fim de dar pistas para avaliações posteriores.

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A TV Digital interativa e a reconfiguração do processo de produção de notícias

Luciellen Souza Lima1 Sandra Moura2

Resumo Este artigo faz um passeio bibliográfico por algumas das principais teorias do jornalismo identificando quais delas podem ser aplicadas dentro da lógica das mudanças no processo de produção de notícias na TV digital. É certo que as novas tecnologias que surgem revolucionam as rotinas nas redações. Mas os princípios básicos do jornalismo permanecem, independente do meio de veiculação das notícias e dos avanços tecnológicos. É importante entender como o jornalismo foi teorizado por meio de pesquisas feitas em várias partes do mundo, para que os jornalistas de hoje possam se situar dentro do fazer jornalístico atual e ter a base para buscar mudanças. Este trabalho faz parte das reflexões do nosso projeto de pesquisa de mestrado que estuda a transição do sistema analógico de televisão para o digital no Brasil e as mudanças no processo de produção de notícias.

Palavras-chave: TV digital. Telejornalismo. Teorias do jornalismo.

1 Jornalista. Aluna do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPJ) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Marketing pelo Centro de Ensino Superior e Desenvolvimento – CESED e especialista em Mídia e Assessoria de Comunicação pelo Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos. Graduada em Jornalismo, pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

2 Orientadora do trabalho. Professora doutora do Programa de Pós-Graduação Profissional em Jornalismo, PPJ – UFPB.

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Introdução

Com a consolidação da profissão de jornalista e a influência do trabalho desse profissional na sociedade, não demorou muito para que essa área do conhecimento atraísse a atenção de pesquisadores. Rotinas, critérios, regras, meios, objetividade, subjetividade, técnicas e tudo o que faz parte do mundo dos jornalistas foram e são estudados por pesquisadores em todo o mundo desde os primórdios do jornalismo.

A partir desses estudos diversas teorias foram surgindo. Algumas semelhantes, outras adversas e contraditórias. Muitas já foram descartadas pelos pesquisadores atuais. Outras ainda servem de base para novos estudos e para a formulação de novas teorias. Algumas dessas teorias também podem contribuir com o trabalho diário das redações, trazendo conceitos que podem servir como base para mudanças. O certo é que todos esses pensamentos têm contribuído muito com o entendimento do jornalismo e da influência que ele exerce no público.

O que é notícia jornalística? Partindo dessa pergunta podemos consultar vários autores que concordam entre si ao dizer que notícia é uma forma social de conhecimento, não podendo ser confundida com o conhecimento sistêmico, o científico. É assim que dialogam Lipmann (2008), Park (2008) e Genro Filho (apud MEDITSCH, 1992). Cada um desses autores, dentro das suas pesquisas, observou características da notícia. Algumas se assemelham, outras se complementam.

Lipmann (2008) descreve a notícia como um relato de aspectos da sociedade, um ato aberto. Para o autor, seria um relato de algo após sofrer um processo de conformação a um certo estilo e ainda um relato de coisas interessantes. Porém, teve o cuidado de acentuar que a notícia não pode ser vista como um espelho das condições sociais, não sendo, portanto, a mais pura verdade.

De forma semelhante, Park (2008) vê a notícia jornalística não como os fatos históricos em si, mas uma forma de conhecimento interessada no presente. Transitória e efêmera, a notícia seria algo que faz o povo falar, um fato inesperado, incomum.

Já Genro Filho (apud MEDITSCH, 1992) ressalta que a notícia é uma forma de comunicação da realidade cristalizada no singular, diferenciando este do particular e do universal. Desta feita, o singular seria o universo próprio do indivíduo, do conhecimento popular adquirido com pessoas de convívio direto. Já o particular seria o conhecimento compartilhado com a família, os amigos, os colegas de profissão, a comunidade local. E o universal, a interação dos conhecimentos singulares e particulares, que se tornaria um conhecimento mais formal.

Mudando o foco do estudo, McCombs (2009) analisou a influência midiática

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na sociedade. Ele passou a observar o papel da mídia ao definir a agenda das pessoas, a capacidade dos meios de comunicação de influenciar muitos aspectos da agenda política, social, e cultural. Dessa forma dissertou sobre o papel dos meios de comunicação na formação da opinião pública, em “dizer” às audiências sobre o que pensar.

A Teoria da Agenda Setting, como foi denominada a teoria pensada por McCombs (2009), diz que o agendamento do público com base na mídia acontece pela necessidade de orientação dos indivíduos, ou seja, o desejo psicológico de obter pistas e informações acerca de um contexto. Quanto maior essa necessidade de orientação, maior é a influência da mídia perante o público.

Mas como seria definida a agenda da mídia? Para explicar McCombs (2009) faz uma comparação com as camadas de uma cebola. Bem no centro está a agenda midiática, seguida por camadas mais próximas e mais externas, que são: as fontes oficiais, as assessorias de imprensa e as interações e influências de vários veículos de comunicação (agendamento intermídia). Além dessas, existe ainda uma das mais importantes camadas da cebola: as normas e tradições do jornalismo, utilizadas para selecionar os acontecimentos cotidianos e dar forma a eles.

A Teoria da Agenda Setting não foi suficiente para Elisabeth Noelle-Neumann, que desenvolveu a Espiral do Silêncio. “A pesquisadora começava a chamar a atenção para o poder que a mídia possuía, muito especialmente a televisão, para influir sobre o conteúdo do pensamento dos receptores” (HOLHFELDT, 2001, p. 220). Ou seja, a influência exercida pela mídia não seria apenas de agendar os assuntos do público, mas de modificar e formar opinião a respeito da realidade. “Esta influência, ao contrário do que disseram nas últimas décadas, não se limitava ao sobre o quê pensar ou opinar, como afirmava a hipótese da agenda, mas também atingiria o quê pensar ou dizer” (HOLHFELDT, 2001, p. 222).

O ponto central da Teoria do Espiral do Silêncio é a percepção do clima de opinião. Ao perceberem, ou imaginarem, que a maioria tem uma opinião diferente, as pessoas teriam a tendência de silenciar e depois, pelo menos verbalmente, adaptar suas opiniões de acordo com essa maioria. Segundo Holhfeldt (2001), a mídia, para Noelle-Neumann, seria uma transmissora da opinião da maioria, fazendo com que a minoria se calasse e mudasse de opinião.

Diferente de Noelle-Neumann, Wolf (1999) se detém a estudar essa camada mais importante da cebola: os critérios de noticiabilidade intrínsecos nas práticas jornalísticas por meio da Teoria do Newsmaking. Essa teoria aborda sobretudo a cultura profissional dos jornalistas e a organização do trabalho e dos processos produtivos.

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Segundo a teoria, os órgãos de informação devem cumprir três obrigações principais: tornar possível o reconhecimento de um fato desconhecido como acontecimento notável, elaborar formas de relatar os acontecimentos e organizar, temporal e espacialmente, o trabalho de modo que os acontecimentos noticiáveis possam afluir e ser trabalhados de uma forma planificada (WOLF, 1999).

Para dar forma a essas três obrigações, a Teoria do Newsmaking disserta acerca dos critérios de noticiabilidade utilizados pelos jornalistas. Segundo Wolf (1999), a noticiabilidade é formada por critérios, operações e instrumentos que auxiliam os jornalistas a escolherem uma quantidade finita de notícias dentre um número indefinido de fatos cotidianos. Entretanto, o resultado desse processo traz prejuízos à informação, de acordo com Wolf (1999), consistindo num elemento de distorção involuntária na cobertura informativa dos meios de comunicação. O produto informativo é resultado de uma série de negociações feitas pelos jornalistas em função de fatores com diversos graus de importância, em diferentes etapas do processo produtivo.

Já a Teoria do Gatekeeping compara os critérios de noticiabilidade com portões. Para que uma informação se transforme em notícia é necessário que ela passe por todos os portões, representando os filtros responsáveis por reduzir incontáveis informações em um número concreto de notícias diárias. Segundo Shoemaker (2011), esse processo de gatekeeping acaba por determinar o modo como definimos as nossas vidas e o mundo ao nosso redor, afetando a realidade social de todas as pessoas.

As forças que influenciam a abertura ou não de um portão são diversas e não são rígidas, pois dependem de vários fatores. “A metáfora do gatekeeper ofereceu aos primeiros pesquisadores em comunicação um modelo para avaliar a maneira como ocorre a seleção e a razão pela qual alguns itens são escolhidos e outros são rejeitados” (SHOEMAKER, 2011, p. 22). O processo de gatekeeping inicia quando um jornalista transforma uma informação em mensagem. Essa informação pode chegar de diversas maneiras, como através dos profissionais de relações públicas, por meio do jornalismo investigativo, por fontes oficiais ou não. Algumas dessas mensagens se transformam em notícia outras não. A escola do Gatekeeping tenta entender o porque da entrada ou não de uma mensagem pelos vários portões.

Após essa breve explanação acerca de algumas das principais teorias do jornalismo, é notável que elas são importantes para o entendimento e a análise do jornalismo e a influência que este exerce na sociedade. Mas nem todas tratam especificamente sobre os aspectos referentes ao processo de produção de notícias, foco do nosso estudo.

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A ideia deste artigo é mostrar quais dessas teorias podem contribuir com a mudança de postura dos profissionais de telejornalismo diante da chegada da TV digital no Brasil. Novas tecnologias requerem novas ações, novas ideias, novos procedimentos. É preciso saber extrair as potencialidades tecnológicas de forma que contribuam com a missão diária dos jornalistas de informar da melhor maneira à população. Longe de apontar soluções ou modos de fazer ideais, este artigo apenas traz algumas reflexões necessárias neste momento de transição do sistema analógico para o digital de TV no Brasil.

Porém, antes de iniciar a discussão acerca dessas teorias específicas, é importante trazer alguns conceitos a respeito da TV digital para que possamos entender os avanços tecnológicos em comparação com o sistema analógico.

A TV digital

A definição de TV digital é simples. Montez e Becker (2005) afirmam que TV digital nada mais é do que a transmissão digital dos sinais audiovisuais. A transmissão digital é feita por meio de uma sequência de bits, representando os sinais de som e imagem. A analógica é feita por uma onda eletromagnética análoga ao sinal televisivo. O bit faz parte da linguagem binária (de 0 e 1), comum a todos os meios digitais.

[…] a representação numérica não tem ruídos, evitando perdas nessas transformações […] o digital permite a compactação de informações. Dessa forma, muito mais dados podem ser transmitidos, aumentando a qualidade da imagem (permitindo o famoso high definition) ou a multiplicação de canais (CANNITO, 2010, p.75).

O autor ressalta que no Brasil a TV digital em si não é algo novo. Ela já está presente nas TVs (pagas) a cabo, por satélite e por IPTV (Internet Protocol TV). Algumas, além de vários canais e imagem e som em alta definição, já disponibilizam ferramentas diferentes da TV analógica, como a possibilidade de gravar a programação e um guia de canais.

A novidade mesmo está na TV digital terrestre, que utiliza o ar para as transmissões, assim como a TV analógica. Essa é a forma gratuita de TV que abrange toda a população. Por isso depende de decisões governamentais em todo o processo. A primeira discussão foi acerca do sistema que seria adotado no Brasil: o americano, o europeu ou o japonês. Depois de anos de análise a decisão foi criar um sistema próprio, com base no japonês.

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No dia 29 de junho de 2006, o governo assinou o decreto que estabeleceu as diretrizes para a digitalização da TV brasileira de transmissão terrestre. O documento definiu o padrão japonês Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial - ISDB-T como base do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre - SBTVD e determinou que se incorporassem inovações tecnológicas locais.

O Brasil criou um sistema próprio, com ajuda de pesquisas feitas em várias universidades brasileiras. “Entre outras conquistas, o país aperfeiçoou o padrão de modulação e desenvolveu um middleware nacional (o Ginga), compatível com o padrão japonês, além de criar aplicativos inéditos e um projeto de set top box de baixo custo” (CANNITO, 2010, p. 96). Set top box é um conversor digital para TV analógica. Lemos (2010, p. 20) caracteriza como bastante flexível o sistema desenvolvido no Brasil para a TV digital, “[...] a tecnologia oferece suporte para programação com alta definição, multiprogramação, interatividade, transmissão para dispositivos móveis e portáteis”.

A linguagem digital possibilita a convergência com outras mídias com a mesma linguagem, como a internet, trazendo uma série de novas funções para o aparelho de televisão.

Telefonia móvel e fixa, PC, internet, broadcast, TV digital e interativa formarão uma plataforma de comunicação única e interligada. Com a convergência de mídias, filmes podem ser baixados da internet em todas as partes do mundo e em todos os tipos de aparelho; programas de televisão podem ser vistos no PC; compras podem ser feitas pressionando-se um botão no controle remoto; fotos e vídeos podem ser captados e enviados por celulares. O usuário poderá interagir mais, não somente pelo computador, mas também por celular e televisão (CANNITO, 2010, p. 84).

De acordo com o cronograma do Ministério das Comunicações publicado no dia 23 de junho de 2014, estamos há pouco mais de um ano do início do desligamento das transmissões analógicas. O processo está planejado para começar em 2015, com um desligamento piloto na cidade de Rio Verde no estado de Goiás, seguido pelo switch off em algumas das principais cidades brasileiras em 2016. A conclusão do desligamento deve acontecer em 2018.

Até agora pouco se discutiu sobre o conteúdo para a TV digital interativa. Entretanto, a relevância da questão conteudística pode ser mensurada pela importância da televisão para o país, o que ela significa e como participa da vida dos brasileiros. De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a televisão entra em 95,1% dos domicílios.

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TV digital interativa

Segundo Montez e Becker (2005, p. 79), para entender o que é interatividade na TV é necessário primeiro diferenciar o conceito de interação: “[...] a interação pode ocorrer diretamente entre dois ou mais entes atuantes, ao contrário da interatividade, que é necessariamente intermediada por um meio eletrônico (usualmente um computador)”. Para os autores, interatividade é “[...] um processo ou ação pode ser descrita como uma atividade mútua e simultânea da parte dos dois participantes, normalmente trabalhando em direção de um mesmo objetivo” (p. 50).

Sendo assim, Reisman (2002, apud MONTEZ; BECKER, 2005) classifica o conceito de interatividade em três níveis: reativo, quando as opções e realimentações são dirigidas pelo programa, havendo pouco controle do usuário sobre o conteúdo; coativo, que apresenta possibilidades de o usuário controlar a sequência, o ritmo e o estilo; e pró-ativo, quando o usuário pode controlar tanto a estrutura quanto o conteúdo.

Kulezsa (2010) traz um conceito técnico e simples de interatividade e faz uma outra classificação, semelhante à anterior:

É a interação mediada por interfaces ou meios eletrônicos. Os tipos de interatividade são a local, onde a transmissora transmite o conteúdo para o receptor e o usuário pode acessar serviços adicionais, escolher o canal, habilitar ou desabilitar as opções. […] Outro tipo de interatividade é com canal de retorno. O usuário pode responder, ou seja, ele manda dados para a emissora. […] Por exemplo, ele poderia responder uma enquete. E existe a interatividade plena. Além de o usuário responder à emissora, ele sai da rede de TV digital e acessa a rede de Internet como se estivesse num computador. […] Por exemplo, é possível acessar o Youtube e assistir vídeos que eu queira, na hora que eu queira (KULEZSA, 2010, p. 106-107).

Independente da inviabilidade de uma real interatividade com o telespectador na TV analógica, por limitação do próprio aparelho, Cannito (2010, p. 144) afirma que “[...] desde os primórdios a televisão procura a interação com o público: o envio de cartas aos programas, por exemplo, é uma das tradições mais antigas entre telespectadores. Hoje, tais mensagens são mandadas por SMS ou internet”. Redes sociais, e-mails, sites e outras ferramentas da internet estão sendo cada vez mais utilizados para facilitar a comunicação dos espectadores com os produtores de conteúdo. Mas a TV digital interativa tem o potencial de ampliar e muito essas possibilidades.

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O receptor de TV digital, ao sintonizar o canal, recebe um sinal de controle que indica que tem uma aplicação interativa junto com o áudio e o vídeo no canal de TV. A aplicação é então carregada na memória e entra em execução aparecendo na nossa tela. […] Se o conjunto de software associado ao audiovisual não aumentar a audiência em relação ao programa audiovisual, ele não faz sentido na lógica do negócio de televisão. Então a interatividade tem que ser explorada de uma forma que vai prender a atenção das pessoas. […] Agora o que exatamente vai ser explorado vai depender da criatividade e da definição dos produtos que virão (LEMOS, 2010, p. 27).

Lemos (2010) afirma que para viabilizar a interação na TV digital é preciso que todos os receptores entendam os mesmos comandos. Por isso foi necessária a padronização da linguagem desses comandos por meio do Ginga, o middleware criado para o SBTVD.

A finalidade do middleware – ou camada do meio – é oferecer um serviço padronizado para as aplicações (camada de cima), escondendo as peculiaridades e heterogeneidades das camadas inferiores (tecnologias de compressão, de transporte e de modulação). O uso do middleware facilita a portabilidade das aplicações, permitindo que sejam transportadas para qualquer receptor digital (ou set top box) que suporte o middleware adotado. […] Essa camada é fundamental para a TV interativa, pois provê um sistema de gerenciamento e distribuição de componentes, segurança e autenticação, transações, entre outros aspectos (CANNITO, 2010, p. 88).

De acordo com Lemos (2010), a norma Ginga define todos os comandos que o receptor brasileiro tem que entender e executar. Além disso também especifica as formas como no sistema são combinados os comandos, gerando os programas interativos. Segundo Kulezsa (2010), são os comandos padronizados pelo Ginga que permitem a execução das aplicações interativas. Essas interações, de acordo com Cannito (2010), devem acontecer de forma paralela a programação da TV, numa janela ao lado da imagem principal, não interrompendo o fluxo da programação audiovisual.

O espectador, ao ter a possibilidade de interagir, passa a ser considerado usuário por poder fazer escolhas. Para que as respostas do espectador/usuário chegue à emissora de TV é necessário um canal de retorno.

Para que haja canal de retorno são necessárias a associação a outra tecnologia e uma empresa de telecomunicações intermediando

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essa comunicação. […] Sem a existência de um canal de retorno, a interatividade fica restrita a uma navegação do espectador pela área que a emissora lhe transmite. Ele pode, por exemplo, escolher câmeras de vídeo. Pode conseguir informações extras, gravar e assim por diante. Mas não consegue se comunicar diretamente com a emissora. É o canal de retorno que tornará a interatividade plena (CANNITO, 2010, p. 92).

É fácil deduzir que, se o governo não disponibilizar uma forma gratuita de canal de retorno ou não facilitar que as pessoas de baixa renda tenham acesso, muita gente vai ter uma TV digital interativa restrita, como afirma Kulezsa:

Isso leva a crer que a interatividade também não será homogênea, devendo ser personalizada segundo as necessidades do telespectador e respeitando as limitações da tecnologia escolhida para levar a resposta do usuário final. Vários níveis de interatividade deverão conviver nos mesmos programas ou nas mesmas emissoras, para evitar a perda de telespectadores. Para quem não tiver canal de interatividade, o que provavelmente vai representar uma boa parte da população […], poucas alterações devem ocorrer (2010, p. 110).

Com canal de retorno e capacidade de acesso à internet, para Montez e Becker (2010), a TV digital interativa é uma nova mídia, pois quebra duas características essenciais da nossa TV analógica: a unidirecionalidade e a passividade do telespectador. “A TV interativa não é uma simples junção ou convergência da internet com a TV, nem a evolução de nenhuma das duas, é uma nova mídia que engloba ferramentas de várias outras, entre elas a TV como conhecemos hoje e a navegabilidade da internet” (p. 58). Já Cannito diz que, sendo uma nova mídia ou não,

[…] a interatividade da televisão nunca será igual à da internet. A televisão é uma mídia que permite – e promove – a recepção coletiva, enquanto o computador é de uso pessoal. Para dar ‘todo o poder ao usuário’ (lema da internet atual, a Web 2.0), a internet é – e sempre será – superior à televisão (CANNITO, 2010, p. 28).

Compartilhando desse pensamento de Cannito (2010), Lemos vem afirmar que embora exista a convergência de mídias, a internet não pode ser confundida com a televisão:

[…] internet é um serviço pelo qual as pessoas vão buscar informações específicas. No caso da TV, as informações são colocadas no canal

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broadcast e são enviadas para todos. Ou seja, a TV viabiliza a distribuição de um software para todos os receptores em uma determinada área de cobertura (LEMOS, 2010, p. 30).

Cannito (2010) faz uma outra observação importante a respeito da interatividade. Segundo o autor, não podemos considerá-la, em si mesma, um critério de qualidade. A tendência é as pessoas acreditarem que a interatividade é sempre positiva e a passividade sempre negativa. “[…] é necessário ter claro que não se trata de uma questão moral e que o fato de uma obra ser mais interativa não garante a sua qualidade” (p. 19).

A TV digital interativa, o newsmaking e o gatekeeping

Em se tratando das mudanças que podem ocorrer na rotina dos jornalistas de televisão com a implantação do sistema digital de TV, dentre as principais teorias do jornalismo, a do newsmaking e a do gatekeeping podem contribuir com o entendimento desse processo. Ambas trazem reflexões e conceitos acerca das rotinas de produção próprias dos jornalistas que facilitam o trabalho dentro e fora das redações. “Em uma emissora de televisão estas rotinas de produção são, talvez, mais contundentes que em outros meios de comunicação, dado o aparato técnico e tecnológico (notadamente eletrônico) que o fazer notícia implica para este veiculo” (SANTOS, 2009, p. 102).

É certo que todos os envolvidos na produção de notícias para televisão, ao se depararem com a nova tecnologia, terão que desenvolver novos procedimentos que otimizem as capacidades técnicas nascentes. Uma das ações iniciais do trabalho de produzir um telejornal é a de escolher quais informações serão transformadas em notícia. Wolf (1999) explica que a teoria do newsmaking conceitua valores/notícia para entender os critérios utilizados pelos jornalistas na hora de selecionar o que deve ser notícia e o que deve ser descartado. Além disso, contribuem com a escolha do foco e do formato da informação.

São critérios de seleção dos elementos dignos de serem incluídos no produto final, desde o material disponível até a redação. Em segundo lugar, funcionam como linhas-guia para a apresentação do material, sugerindo o que deve ser realçado, o que deve ser omitido, o que deve ser prioritário na preparação das notícias a apresentar ao público. Os valores/notícia são, portanto, regras práticas que abrangem um corpus de conhecimentos profissionais que, implicitamente, e, muitas

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vezes, explicitamente, explicam e guiam os procedimentos operativos redatoriais (WOLF, 1999).

De acordo com o autor, esses valores/notícia têm algumas características: fácil e rapidamente aplicáveis; flexíveis para poderem adaptar-se à variedade de acontecimentos disponíveis; eficientes para causarem o mínimo de desperdício de tempo, esforço e dinheiro. Esses valores/notícia, segundo Wolf (1999), também têm um caráter dinâmico, pois não são fixos, podem mudar ao longo do tempo de acordo com as várias novas realidades encontradas.

Dentro do contexto das mudanças no processo de produção de notícias com a instalação do sistema digital de televisão podemos questionar se com o novo sistema alguns valores/notícia vão mudar. Com uma qualidade melhor visível aos olhos dos telespectadores, as reportagens vão valorizar ainda mais as imagens, privilegiando pautas que sejam imageticamente mais ricas?

Com melhores e mais modernos equipamentos utilizados no sistema digital, existe um desperdício menor de tempo para o material ficar pronto. Então, é possível que informações que não seriam transformadas em notícia pela dificuldade em conseguir finalizar o material a tempo, se tornem notícias viabilizadas pelo sistema digital? A distância do local onde um determinado fato acontece ou aconteceu, pode também ser um impedimento para que o fato se transforme em notícia, pois o tempo excessivo para uma equipe de reportagem ir e voltar pode inviabilizar o material. Porém, com o sistema digital, facilmente a equipe pode mandar parte do material pela internet, sem precisar voltar à redação.

[…] se com relação às mídias tradicionais, ou até mesmo oriundas de matriz eletrônica como a TV, o newsmaking pode ser visto como um forte delimitador da produção (tele)jornalística, a partir do momento em que o SBDTV for paulatinamente agregado às redações, outras rotinas de produção necessitarão ser desenvolvidas. [..] A alta definição da imagem e as potencialidades despertadas pelo sistema digital, certamente, induzirão os profissionais a diferentes parâmetros em busca da demarcação de fronteiras rumo aos valores notícia (SANTOS, 2009, p. 102).

De forma semelhante podemos fazer um paralelo entre a teoria do gatekeeping e as mudanças no processo de produção de notícias na TV digital. Esmiuçando um pouco mais essa teoria, Shoemaker (2011) cita algumas forças que influenciam na abertura ou não dos portões para que determinada informação se transforme

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em notícia. São elas: timing; proximidade; importância; impacto ou consequência; interesse; conflito ou controvérsia; sensacionalismo; proeminência; e novidade, estranheza ou raridade.

Quais forças devem influenciar os portões na TV digital? As características do novo meio vão criar novas forças? Um fator que merece destaque é a interatividade. Com essa ferramenta a audiência ganha mais relevância, vai poder opinar mais e até mesmo influenciar mais naquilo que deve ser notícia ou não. Dessa forma, o público poderá ter mais peso como força que influencia os portões? “A sofisticação dessas regras de gatekeeping é demonstrada pela capacidade do leitor de modelar o conteúdo de acordo com seus próprios interesses” (SHOEMAKER, 2011, p. 20).

Alguns autores vão a fundo nas hipóteses de mudanças visualizadas a partir da implantação do sistema digital de TV. Santos (2009) reflete sobre possíveis transformações no fazer notícia em três funções do telejornalismo: produção, reportagem e edição. Na ponta inicial da linha de montagem de um telejornal estão os produtores. Buscam informações, apuram, checam e dão toda a base para o desenrolar do processo.

E neste esforço em busca da noticiabilidade, duas nuances deverão ser consideradas com atenção pelos profissionais, sendo uma a interatividade prometida pelo formato de difusão digital de alta definição, e a outra a necessidade de ampliação do conteúdo a ser produzido diante da multiplicação dos canais proporcionada pelos novos modos e mecanismos de distribuição do sinal, agora binário. […] Ou seja, os programas telejornalísticos deverão, desde suas pautas, primar pela diversidade na produção de seus conteúdos, visto que a oferta de opções será naturalmente ampliada [...] Logo, prevê-se uma ampliação nos preceitos de noticiabilidade, na quantidade e na maleabilidade dos valores-notícia. (SANTOS, 2009, p. 103-104).

Com relação à equipe de reportagem, o autor chama a atenção para os novos enquadramentos com a ampliação do campo visual, já que a tela passa do formato analógico 4:3 para o digital 16:9. A equipe deve também aguçar mais a sensibilidade para as cores, as texturas, as formas e os detalhes das imagens, pois todos ficam mais evidentes em alta definição. Além disso, Santos prevê novas funções que podem ser agregadas à equipe fora da redação.

Com o SBDTV, grandes são as possibilidades de as equipes de externa ganharem função de pré-editoras, decupando seqüências de imagens com mais esmero, selecionando trechos de sonoras, efeitos

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sonoros gravados no ambiente e, assim, oferecendo aos editores a premissa de atuarem como pós-editores deste material. Assumindo responsabilidades maiores que a coleta e sugestão primeira de montagem das peças, as equipes pré-editariam o conteúdo, possibilitando assim maior empenho criativo por parte dos editores do telejornal (SANTOS, 2009, p. 107).

Ao se referir às funções da edição, Santos (2009) afirma que os editores podem se tornar os grandes reformuladores dos valores-notícia específicos para atender às demandas provenientes da nova tecnologia. A interatividade e o leque mais abrangente de recursos da computação gráfica facilitados pela tecnologia digital, também devem mexer com a rotina de produção dos editores.

Neste processo de confecção do conteúdo noticioso, a manufatura de marca digital confrontará os editores com atribuições de maior monta que as atuais, como por exemplo fazer deles os responsáveis pela concatenação entre o potencial interativo da alta definição, a multiplicidade de abordagens em decorrência da possibilidade de agregação de outros códigos em som, texto e imagem, além da necessidade de encontrar meio termo para o duelo entre manipulação de ferramentas digitais de tratamento de imagens e a criação de peças que casem apelo estético com conteúdo informativo (SANTOS, 2009, p. 109).

Considerações finais

As reflexões trazidas aqui representam algumas das inúmeras hipóteses do que pode vir a ser agregado às rotinas dos jornalistas de TV com a implantação do sistema digital. Os avanços tecnológicos sempre influenciaram no fazer jornalístico, mas a essência do jornalismo continua. As teorias do gatekeeping e do newsmaking, embora tenham sido elaboradas já há algum tempo, permanecem com bagagem suficiente para contribuir com as pesquisas que estudam essa nova realidade da TV digital. Trazem a análise e o entendimento do fazer jornalístico, suas práticas e suas rotinas, num exercício reflexivo analítico, ajudando no melhoramento do produto final elaborado pelos jornalistas: os noticiários.

O importante agora é que os telejornalistas saiam da inércia e busquem novos horizontes. A TV digital interativa traz inúmeras possibilidades, mas é preciso que estas sejam utilizadas de forma que agreguem valor ao bom jornalismo, unindo criatividade e responsabilidade. Buscar novos formatos, possibilidades diferentes de

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contar uma história, agregar informação, tornar mais didático o conteúdo, agilizar o processo de divulgação das notícias, inovar, ousar, crescer, progredir.

Para que a TV digital faça a diferença para quem assiste aos telejornais do outro lado da tela, apenas as novas características tecnológicas não bastam. É preciso o esforço humano para produzir um conteúdo melhor. É hora de esperar o nascimento de um gatekeeping e de um newsmaking próprios do Sistema Brasileiro de TV digital (SANTOS, 2009).

Referências

CANNITO, N. G. A televisão na era digital: interatividade, convergência e novos modelos de negócio. São Paulo: Summus, 2010.

HOLHFELDT, A. Hipóteses contemporâneas da pesquisa em Comunicação. In: MARTINO, L. C.; FRANÇA, V. V. (Orgs), Teorias da comunicação. Conceitos, escolas e tendências. 6ª ed. Petrópolis, Vozes: 2001. p. 187 – 240.

KULEZSA, R. I Fórum Paraibano de TVs Públicas na era digital. Contribuições da sociedade para a construção de uma televisão interativa de qualidade, 2010, João Pessoa. Anais. João Pessoa: Editora UFPB, 2009.

LEMOS, G. I Fórum Paraibano de TVs Públicas na era digital. Contribuições da sociedade para a construção de uma televisão interativa de qualidade, 2010, João Pessoa. Anais. João Pessoa: Editora UFPB, 2009.

LIPMANN, W. A natureza da notícia. In: BERGER, C.; MAROCCO, B. (Orgs). A era glacial do jornalismo: teorias sociais da imprensa, volume 2, Porto Alegre: Sulina, 2008. p. 165-184.

McCOMBS, M. A Teoria da agenda. A mídia e a opinião pública. Petrópolis: Vozes, 2009.

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As rotinas jornalísticas na Era da Rede: um estudo sobre as transformações na produção

da notícia no jornal Correio da ParaíbaAmanda Carvalho de Andrade1

Joana Belarmino2

ResumoO presente estudo busca analisar as transformações na rotina de produção das notícias no jornal impresso Correio da Paraíba que iniciou o processo de informatização na década de 1990 e, posteriormente, implementou em sua rotina de trabalho o uso da internet. Refletimos acerca do modo como as tecnologias vêm mudando a sociabilidade, a forma como as pessoas se comunicam há anos e, a cada modificação, os veículos de comunicação são obrigados a se adequar. Recorremos para embasar o artigo a teóricos como Manuel Castels, Pierre Lévy e Miguel Rodrigo Alsina.

Palavras-chave: Jornalismo impresso. Ambiência jornalística. Midiatização.

1 Jornalista formada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Trabalha como repórter na editoria de Política do jornal Correio da Paraíba, é assessora de imprensa no Governo da Paraíba e é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo na UFPB.

2 Orientadora do trabalho. Professora doutora do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, PPJ – UFPB.

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Introdução

Para quem está de fora, parece que as notícias simplesmente brotam nas redações dos noticiários impresso, radiofônico ou televisivo, com o acontecimento chegando ao grande público da maneira como ocorreu. Mas esta não é a realidade e, para chegar as notícias como a conhecemos, elas passam por diversos processos que vão desde a escolha dos acontecimentos que têm maior valor-notícia à determinação de onde e como elas serão publicizadas. A rotina diária do jornalismo é como uma fábrica e isso é um fator importante na produção da notícia. Porém, ela não é a mesma rotina de quando surgiu a imprensa, há alguns séculos, muito menos há 20 anos, antes da democratização da internet. Este artigo trata dos processos de transformação das rotinas jornalísticas no jornal Correio da Paraíba ocorridas nos últimos 20 anos, marcados pela informatização e, posteriormente, pela produção em rede.

A Paraíba, como de resto todo o Brasil, está vivenciando esse processo de migração de novas formas de sociabilidade. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2003 apenas 6,64% (64 mil) das casas paraibanas tinham pelo menos um computador e, destas, apenas 4,44% (43 mil) tinham acesso à internet. Já em 2012, 31,44% (371 mil) dos domicílios tinham computador e 27,40% (323 mil) tinham acesso à internet. O computador ainda não é um equipamento universal, como acontece com a televisão (98% das casas paraibanas têm o equipamento), mas caminha para este sentido.

Sempre que uma inovação tecnológica desponta, os críticos afirmam que um meio de comunicação irá desaparecer. Foi o que aconteceu com o rádio, no qual afirmava-se que acabaria com os jornais impressos. E, décadas depois, a televisão, que seria o fim do rádio e, também, do jornal impresso. É certo que a cada avanço tecnológico os meios tiveram que se reinventar para realmente não desaparecerem, porém nenhum deles sumiram. O jornal impresso, que pelas previsões já estaria morto e enterrado, ainda resiste as mudanças. A inquietante obra de Bassets (2013), El último que apague la luz, adverte para a iminente morte do jornalismo impresso e sua reinvenção em plataformas digitais. Fausto Neto (2011) acredita que o jornal não vai acabar, porém se tornará uma instituição hibridizada.

Um dos desafios é exatamente buscar a adequação e reinvenção para manter-se relevante à sociedade. Com o paradigma informacional, com novos processos tecnológicos, de fato os jornais impressos têm que se reinventar dentro da nova moldura digital. Hoje, qualquer pessoa com acesso à internet pode ficar sabendo dos últimos acontecimentos em tempo real e em qualquer lugar do mundo, tanto por

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meio dos portais de notícias como pelas redes sociais. Podemos ficar sabendo de um terremoto de grandes proporções no Japão em minutos. Nessa perspectiva, os jornais impressos estão sempre atrasados.

A internet diminuiu as distâncias e o tempo. Nas redações jornalísticas, facilitou a pesquisa, o contato com as fontes e o feedback com os leitores/ouvintes/telespectadores. As pautas chegam as centenas nos e-mails. As mudanças tecnológicas ao longo dos anos vêm modificando o jornalismo e toda a produção noticiosa. Mas como a internet mudou o jornalismo? Este trabalho busca compreender as modificações nas rotinas jornalísticas e na produção da notícia no jornal Correio da Paraíba na Era da Rede, sinônimo de uma enxurrada de informações em tempo real. O artigo busca as bases epistemológicas em autores como Castels, Lévy, Alsina, Fausto Neto, Paiva e Correia. E para ilustrar essa realidade na Paraíba foram entrevistados editores do jornal Correio da Paraíba, profissionais que vivenciaram as rotinas antes e depois da informatização. Assim, nos utilizamos de algumas estratégias da abordagem antropológica (etnográfica) que, segundo Geertz (1988) citado por Lago (2007), é uma descrição de uma cultura a partir do contato do pesquisador com a mesma, uma espécie de trabalho de campo que tem a observação participante como norteadora.

Da Galáxia de Gutemberg à Galáxia de McLuhan

A integração potencial do texto, imagem e som muda de forma fundamental o caráter da comunicação e, como a comunicação molda e determina a cultura, esta também é transformada pelo novo sistema tecnológico e será ainda mais com o passar dos anos. A integração de todos os meios de comunicação, o alcance global e a interação dessa nova rede está mudando para sempre a cultura mundial. Castels (1999) afirma que, a cada mudança de paradigma tecnológico, a sociabilidade se transforma. Antes de investigar a cultura do que ele chamou de virtualidade real, ele analisa as transformações da cultura e das sociedades a partir do advento da televisão, que forçou adaptações dos outros meios dominantes: o rádio perdeu sua centralidade, mas ganhou em penetrabilidade e flexibilidade; os jornais e revistas se especializaram no aprofundamento das notícias ou no enfoque da sua audiência; os filmes buscaram atender a nova demanda, ajustando-se ao novo meio.

Conforme Castels (1999), a televisão representou o fim da Galáxia de Gutemberg (sistema de comunicação tipológica). Apontando Postman, ele explica que a televisão é a ruptura histórica com o espírito

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tipográfico, no qual a impressão favorece a exposição sistemática, enquanto que a televisão é uma conversa informal. Para Castels (1999), A televisão tornou-se o epicentro cultural de nossas sociedades e a modalidade de comunicação da televisão é um meio fundamentalmente novo caracterizado pela sua sedução, estimulação sensorial da realidade e fácil comunicabilidade, na linha do modelo do menor esforço psicológico (CASTELS, 1999, p. 418).

As mudanças tecnológicas mudaram a maneira como as pessoas consomem a mídia, como foi o caso do videocassete, que possibilitou as pessoas gravarem os seus programas e assistirem a qualquer hora, quantas vezes quiser; e o walkman, que permitiu fazer seleção de músicas (fitas cassetes) ou ouvir a estação de rádio favorita em qualquer lugar. As câmeras caseiras de vídeo e foto permitiram a produção familiar de imagens, modificando o fluxo de mão única das imagens e reintegrando a experiência de vida e tela.

Com a globalização e ampliação dos canais de TV, surgiu uma nova forma de consumo da mídia, que determina uma audiência fragmentada, diferenciada, que apesar do volume de espectadores, não é uma audiência de massa em termos de simultaneidade e uniformidade da mensagem recebida. A sociedade de massa evoluiu para uma sociedade fragmentada, resultado das “novas tecnologias de comunicação que enfocam a informação especializada, diversificada, tornando a audiência cada vez mais segmentada por ideologias, valores, gostos e estilos de vida” (CASTELS, 1999, p. 425).

Assim, o autor acredita que, como McLuhan afirmava que o meio era a mensagem, com essa nova tecnologia, a mensagem é o meio, ou seja, as características da mensagem moldarão as características do meio. Essa é a nova cara da televisão, que objetiva a descentralização, diversificação e adequação ao público-alvo, e não massificando toda a audiência num mesmo corpo. “Não estamos vivendo uma aldeia global, mas em domicílios sob medida, globalmente produzidos e localmente distribuídos” (CASTELS, 1999, p. 426).

Apesar da mudança, a televisão continuou uma comunicação de mão-única, com mensagem unidirecional, sem o total feedback da audiência. A televisão continua sendo a extensão da produção em massa, da lógica industrial e não expressa a cultura da Era da Informação, representada pela internet. Com o advento da rede (World Wide Web), qualquer pessoa com acesso à internet tem a possibilidade de criar o seu site e divulgar para o mundo suas ideias, informações, vídeos, fotos etc. A Rede transcende a “distância, a baixo custo, costuma ter natureza assincrônica, combina a

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rápida disseminação da comunicação de massa com a penetração da comunicação pessoa e permite afiliações múltiplas em comunidades parciais” (CASTELS, 1999, p. 446).

A Comunicação Mediada por Computador (CMC) não substituiu outros meios de comunicação nem cria novas redes, mas reforça os padrões sociais preexistentes. Segundo Castels (1999), o impacto mais importante da CMC é o reforço potencial das redes sociais culturalmente dominantes, bem como o aumento de seu cosmopolitismo e de sua globalização. O autor destaca que a multimídia está mantendo um padrão social/cultural, cujas características são, primeiramente:

Diferenciação social e cultural muito difundida levando à segmentação dos usuários/espectadores/leitores/ouvintes. As mensagens não são apenas segmentadas pelos mercados mediantes as estratégias do emissor, mas também são cada vez mais diversificadas pelos usuários da mídia de acordo com seus interesses, por intermédio da exploração das vantagens das capacidades interativas. (...) no novo sistema horário nobre é o meu horário (CASTELS, 1999, p. 457).

A segunda característica é a estratificação social entre os usuários, que divide o mundo multimídia entre duas populações: a interagente e a receptora da interação, ou seja, “aqueles capazes de selecionar seus circuitos multidirecionais de comunicação e os que recebem um número restrito de opções pré-empacotadas” (CASTELS, 1999, p. 458).

A terceira característica seria a integração de todas as mensagens em um padrão cognitivo comum, isto é, os modos de comunicação tendem a trocar códigos entre si, mesclando-se (noticiários construídos como espetáculos). Para Castels, a característica mais importante é que ela capta a maioria das expressões culturais, da mais elitista a popular, criando um supertexto histórico. A multimídia constrói um novo ambiente simbólico.

Para o autor, o novo sistema de comunicação tem como base o espaço de fluxos e o tempo intemporal. Esta cultura transcende e inclui a diversidade dos sistemas de representação: a cultura da virtualidade real, onde o faz-de-conta vai se tornando real.

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Cibercultura e a comunicação de mão-dupla

Lévy (1999) também reforça que as tecnologias são produtos de uma sociedade e cultura, modificando-as. Porém as tecnologias não as determinam, mas as condicionam. Segundo o autor, o ciberespaço “acompanha, traduz e favorece uma evolução geral da civilização” (LÉVY, 1999, p.25). As novas tecnologias transformaram o consumo da mídia e, assim, a produção de notícias. Lévy busca diferenciar as mídias digitais das mídias de massa. A primeira tende à interconexão geral das informações, as máquinas e das pessoas, uma mídia universal sem ser totalizante.

Por outro lado, as mídias de massa produzem as mensagens buscando o denominador comum mental dos seus destinatários, ou seja, massifica os consumidores da mídia. Para o autor, a conjunção do universal e totalizante – características das mídias de massa – emana tensões e contradições que a nova ecologia das mídias polarizadas pelo ciberespaço pode desatar. O ciberespaço desconecta o que Lévy chamou de “operadores sociais”, a universalidade e a totalização.

A causa disso é simples: o ciberespaço dissolve a pragmática da comunicação que, desde a invenção da escrita, havia reunido o universal e a totalidade. Ele nos leva, de fato, à situação existente antes da escrita – mas em outra escala e em outra órbita – na medida em que a interconexão e o dinamismo em tempo real das memórias online tornam novamente possível, para os parceiros da comunicação, compartilhar o mesmo contexto, o mesmo imenso hipertexto vivo (LÉVY, 1999, p. 118).

No virtual, a mensagem está “mergulhada em um banho comunicacional fervilhante de vida” (LÉVY, 1999, p. 118). E nunca estará fora de contexto. Assim, a cibercultura dá forma ao novo universal, no qual se realiza por imersão e não totalizante, mas que conecta pela interação geral. Lévy aponta três princípios da cibercultura: interconexão (tudo está conectado, provocando uma mutação na física da comunicação, no qual todo o espaço se tornaria um canal interativo), as comunidades virtuais (formadas pelas afinidades e interesses comuns, independentes da localização geográfica) e a inteligência coletiva. As três estão interligadas e são condicionantes, sem uma das três a cibercultura não atingiria a sua universalidade. Outra característica da cibercultura é armazenar os saberes de toda uma sociedade, formando uma espécie de memória coletiva, como acontecia nas sociedades antes da invenção da escrita. A qualquer momento, qualquer pessoa pode retomar esses conhecimentos.

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O ciberespaço propõe uma comunicação não-midiática por construção, pois é comunitário, transversal e recíproco. É uma alternativa aos meios de comunicação de massa, pois permite às pessoas encontrarem as informações que lhes interessam e divulgar as suas próprias versões dos fatos com imagens e vídeos sem o intermédio dos jornalistas. Ao contrário das mídias clássicas, que praticam uma comunicação de mão-única na qual os receptores estão isolados uns dos outros, o ciberespaço encoraja uma troca recíproca e comunitária. “Os novos modos de comunicação e de acesso à informação se definem por seu caráter diferenciado e personalizável, sua reciprocidade, um estilo de navegação transversal e hipertextual, a participação de comunidades e mundos virtuais diversos etc” (LÉVY, 1999, p. 193).

Paiva (2006) afirma que a comunicação midiática compartilhada é mais democrática, conciliando os interesses e expectativas sociais. Nela, os receptores não apenas recebem a informação, mas se tornam produtores, fontes e editores das informações. Isso mudou a experiência midiática da sociedade, ou seja, o modelo do fluxo comunicacional unidirecional, no qual de um lado estão os produtores de informação e do outro os receptores. “Eis um exemplo de midiatização comercialmente forte e uma mediação socialmente ainda em desvantagem” (PAIVA, 2006, p. 151).

As rotinas jornalísticas e a construção da notícia

Na década de 70, vários estudiosos da Comunicação buscaram entender as rotinas jornalísticas e como ela afeta a produção dos acontecimentos em material rentável. Um deles, citado por Correia (2011), foi Gans, que na década de 1970 mostrou que as rotinas das redações e as composições organizacionais ajudam a moldar a notícia. Já Tuchman (1978) apresentou a existência de um profissionalismo anônimo, no qual o jornalista é capaz de produzir notícias sobre qualquer tema, independente da empresa que trabalha. “As formas de construção da realidade informativa são o resultado de um conjunto de rotinas profissionais e de práticas organizacionais e discursivas que se institucionalizam” (CORREIA, 2011, p. 89). Conforme Correia (2011), tais estudos contribuíram para o reconhecimento da importância das redes informais entre os jornalistas; a importância das rotinas enquanto elemento crucial na construção da notícia e a importância dos códigos, normas e valores profissionais face aos discursos dominantes.

Alsina (2009) explica que a produção das notícias, além dos condicionamentos internos (rotina jornalística) está inter-relacionada entre as fontes, a mídia e o público. A valorização e a geração de notícias são feitas a partir de três fatores: a audiência, a acessibilidade e a conveniência. A primeira é levada em consideração há muitos anos,

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a partir de quando a notícia se tornou uma mercadoria, que deve ser rentável. Os outros dois fatores podemos dizer que foram modificados pela CMC e pela internet.

A acessibilidade da informação está vinculada às temáticas das fontes e às redes informativas estabelecidas pelos meios de comunicação. A conveniência está ligada às rotinas de produção do meio e suas limitações (técnicas, de pessoal, tempo). Alsina afirma que cada meio de comunicação tem suas particularidades de produção que varia de acordo com as tecnologias que cada um dispõe. Inclusive, o acesso e a conveniência aos acontecimentos são dois valores-notícia que influenciam no processo de escolha do editor/chefe de reportagem. Hoje, com a ampliação da internet, as distâncias diminuíram e, direto da redação, o repórter pode fazer sua entrevista com alguém que está em outro Estado, por telefone, por e-mail e até via videoconferência. Algumas pautas conseguem ultrapassar as fronteiras físicas e imaginárias e são produzidas.

Figaro (2013), citando Dierkes, Hofmann e Marz (2000), afirma que as tecnologias são marcadas pelo contexto no qual são elaboradas e exploradas, dessa forma, os valores que orientam as opções sobre o desenvolvimento e os usos das tecnologias estão imersos no sistema de relações culturais, econômicas e políticas. “O novo na apropriação de uma tecnologia, de um processo produtivo sempre está marcado por um antes, um histórico que o engendrou. O mesmo ocorre com os processos comunicacionais” (FIGARO, 2013, p. 3). Ainda segundo a autora, citando Scolari (2008), as tecnologias digitais oferecem a inovação e transgressão dos modelos tradicionais de relação entre produção e consumo, porém as organizações buscam enquadrar as novidades sem romper com os fundamentos que as estruturam.

A informatização do Correio da Paraíba e a ambiência jornalística

Na década de 1990, a redação do jornal Correio da Paraíba substituiu gradativamente a máquina de datilografia pelo computador, mudando para sempre a ambiência jornalística daquele jornal. Fausto Neto (2011) afirma que a atividade jornalística é aquela que mais tem sido afetada pelo novo bios midiático. “Sua estrutura, ambiência, narratividade, a autoralidade de sua narrativa, a identidade de seus atores e, principalmente, o seu papel mediacional, são submetidas às novas processualidades dinamizadas por novas condições de circulação dos discursos” (FAUSTO NETO, 2011, p. 25).

Para Pavlik, citado por Fausto Neto (2011), com as modificações advindas da informatização, o jornalismo se transforma num novo tipo de objeto. Já

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Ramonet, também citado por Fausto Neto (2011), interpreta esse cenário de forma mais pessimista. Para ele, as novas tecnologias favorecem ao desaparecimento da especificidade do jornalismo e da figura do profissional.

A adoção do computador – e a transformação que aquela ferramenta traria, como apresentou Fausto Neto (2011), Castels (1999) e Lévy (1999) – não foi celebrada por todos os repórteres, que se viram obrigados a mudar toda a sua rotina de produção. Conforme lembra Ferreira (2013), repórter da editoria Esportes, muitos colegas ficaram literalmente doentes com a nova ferramenta e muitos não conseguiram se adequar (estes, aos poucos, saíram do mercado). Novato na redação de um jornal, Ferreira, que começou no rádio em 1985, buscou aprender como melhor usar o computador.

Para Ferreira, o computador facilitou a vida do repórter, dando a possibilidade de corrigir qualquer erro sem precisar escrever todo o texto novamente. Na época da máquina de datilografia, um erro de digitação, concordância ou até uma letra faltando significava digitar tudo de novo.

Tinha um editor geral que, depois de ler o texto, rasgava o papel na nossa frente dizendo que estava ruim e mandava refazer. Naquela época não tinha como corrigir e você tinha que escrever tudo de novo. Por causa disso, a gente já deixava várias matérias guardadas para a edição de domingo. Nas sextas-feiras, o pessoal saia da redação de manhã fechando o caderno de domingo. Depois do computador, mesmo que naquela época ainda não tinha o corretor automático, dava para apagar e corrigir. Facilitou muito (FERREIRA, 2013).

O editor geral Galvão (2013) destaca três aspectos fundamentais das transformações das rotinas e da ambiência jornalística na redação do jornal Correio da Paraíba. O primeiro está relacionado à saúde dos profissionais: os computadores trouxeram melhores condições ambientais, como a redução dos ruídos em mais de 70%; a proibição de fumar dentro da redação para evitar prejudicar os computadores com os detritos da fumaça; e a iluminação e refrigeração que precisavam estar estáveis e o ar sempre refrigerado.

O segundo aspecto tem a ver com o envolvimento dos jornalistas com as tecnologias.

Usar um computador obrigou uma geração de jornalistas a se inteirar a respeito das diferenças e convergências entre softwares e hardware, a se apropriar de ferramentas multiuso, a se inteirar a respeito de uma nova

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arquitetura de informação e sua hierarquização a partir da ‘logística’ de armazenamento das notícias, de documentos, dos registros e anotações da apuração, tudo feito no mesmo espaço (GALVÃO, 2013).

O terceiro fator assinalado por Galvão foi a elevação da qualidade da apuração e narração dos acontecimentos. Em vez de se preocupar com as várias folhas de papel intercaladas por papel-carbono para direcionamento das cópias para oficinas, editorias setoriais e editoria geral, o repórter passou a ter mais tempo para se concentrar e refletir sobre a pauta.

As correções passaram a fluir de forma mais rápida, a lógica de estruturação do texto, as escolhas de abertura, tudo melhorou devido à rapidez de ‘cenarizações’ possíveis, as inserções, os deslocamentos de parágrafo, entre muitos outros aspectos. O computador foi uma revolução no agir técnico-profissional dos jornalistas (GALVÃO, 2013).

A producão de notícias com mais concentração

Conforme apresentou Correia (2011), desde a década de 1970 que os pesquisadores da Comunicação destacaram a importância das rotinas de produção como influência na construção da notícia. Alsina (2009) também afirma que a ambiência jornalística e os constrangimentos organizacionais também influenciam na escolha dos fatos que serão noticiados. A informatização facilitou o trabalho dos jornalistas, tanto no momento da escolha dos fatos (gatekeeping) até na apuração.

No jornal Correio da Paraíba, antes da informatização, cada repórter recebia, em média, seis pautas para cobrir e fazer os textos dentro do horário de trabalho. O trabalho exigia concentração total do repórter (se errasse, tinha que escrever tudo de novo) e criatividade para apurar, pois ainda não tinha telefone celular, e-mail, ou para pesquisar. Conforme o editor de Esportes, Pessoa Júnior (2013): “O repórter era forçado a não ser preguiçoso, tinha que fazer o texto corretamente. Ser repórter exigia mais esforço e mais concentração”.

Antes da internet, a redação recebia os releases e notícias nacionais por meio de fax e telex, terminal que recebia mensagens escritas. Porém, o sistema era lento, exigia digitar todo o conteúdo novamente (o texto chegava todo em caixa alta, sem acentos e pontuação) e, caso faltasse papel, a mensagem precisava ser enviada novamente.

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O editor de Esportes, Pessoa Júnior (2013), que começou no jornal impresso em 1984, lembra que, para terminar uma matéria, o repórter tinha que esperar toda a transmissão do telex acabar. Para facilitar a apuração, os repórteres tinham como principal fonte os programas radiofônicos. “O rádio foi um grande parceiro por vários anos. A gente ouvia os programas, as transmissões dos jogos e pegava as informações. Era mais rápido”.

Lacerda, a editora de Política, começou na redação do jornal em 1995, época que acontecia a transição da máquina de datilografia para o computador e o telex ainda era usado para receber as notícias nacionais. “Eu me lembro de achar aquela máquina o máximo. Nem imaginava que em menos de um ano, talvez um pouco mais, se tornaria completamente obsoleta” (LACERDA, 2013).

A jornalista analisa que, nesse período, os repórteres eram obrigados a serem criativos, a realmente pensar na pauta e no que era a notícia, usando o rádio como fonte e o telefone para apurar. “A expressão tirar leite de pedra´ caberia perfeitamente nessa época. Eu cheguei a usar máquina de datilografia. Entrei naquela fase de transição em que o computador era um bicho papão. Eu prefiro o computador, é facilitador” (LACERDA, 2013).

Em 2013, na avaliação dos editores, a informatização e, principalmente, o acesso à rede, diminuíram a produção diária e acomodou os repórteres. Para Lacerda, a internet é a maior provedora de pautas e, na sua época, ela chegava a pensar uma média de 20 pautas por dia sem pesquisar nos portais de notícias. “Com a internet, sinto que a ‘produção’ caiu. A verdade, é que não dá mais para ficar sem a internet, o que não podemos é deixar que ela se torne um ‘vício’. Deveria ser usada como coadjuvante e não como a protagonista que é hoje” (LACERDA, 2013).

Segundo Pessoa Júnior e Ferreira (2013), à medida que facilitou a apuração, a internet tornou o repórter preguiçoso, sem a energia de apurar e investigar as pautas, além de descuidarem do texto.

Internet e as rotinas de produção

Depois da informatização, o passo natural foi conectar as máquinas à Rede Mundial de Computadores, a internet. Entretanto, inicialmente era uma ferramenta cara, lenta e que nem todos tinham acesso. Na época, o próprio jornal criou um provedor próprio, mas se tornou um empreendimento dispendioso e sem retorno financeiro. Daí a redação passou a usar o provedor Tecnet, que alguns anos mais tarde

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se tornou o Terra. Pessoa Júnior (2013) comentou que, naquela época, a internet era apenas para os editores. “A gente achava que era o máximo, mas depois pudemos notar o quanto era lenta, caía direto e até atrapalhava um pouco o processo”.

A internet diminuiu distâncias e aproximou as pessoas de toda a parte do mundo, facilitou a troca e o envio de informações. Os dispositivos, cada vez mais tecnológicos, modernos e sempre conectados à rede, são ferramentas de comunicação e possibilitaram qualquer pessoa a se tornar um ator no processo comunicacional. Carvalho e Lage (2012) afirmam que a midiatização diluiu as fronteiras entre jornalistas, meios de comunicação e o público. O processo de produção das notícias pelos meios de comunicação, que antes eram obscuros para o público, está sendo apresentado e até ensinado, incentivando a participação dos leitores/ouvintes/telespectadores na construção do noticiário.

A notícia não ficou apenas sob responsabilidade dos jornalistas e dos meios de comunicação. Apesar de a função de mediador social enfraquecer, segundo afirma Fausto Neto (2011), o contrato pragmático fiduciário dos meios de comunicação ainda existe. Conforme explica Alsina (2009), o público acredita que o jornalismo é fonte de informação confiável e crível, graças a construção da credibilidade no decorrer dos anos. Dessa forma, o jornalista tem a função de separar os boatos, as informações desencontradas e esclarecer os fatos.

Para Lacerda (2013), o acesso à rede trouxe pontos positivos e negativos às redações dos jornais. Ao mesmo tempo em que tornou a informação acessível, também provocou o que ela chama de “imprecisão da notícia”, assim como uma inércia na mídia impressa no que se refere a trazer novas informações, pensar coisas novas. Ela afirma que a internet deu a rapidez da informação, porém elas não são precisas e isso pode prejudicar o trabalho do repórter. Lacerda acredita que, por causa dessas imprecisões, o repórter perde muitas horas em busca da informação concreta e, também, daquele algo a mais que os portais de notícias não deram.

O desaparecimento das rotinas tradicionais

Muitas das rotinas do trabalho jornalístico que eram tradicionais na década de 1990 desapareceram completamente com a informatização. O editor da editoria de Esportes do jornal Correio da Paraíba, Pessoa Júnior, por exemplo, começou na mídia impressa no setor de retoque, função já extinta. Além desta, algumas funções que deixaram de existir foram de revisor, digitador e redator. O primeiro revisava todos os

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textos produzidos do dia a procura de erros. O segundo pegava os textos revisados e digitava para dar o formato adequado

para o processo de diagramação (que era manual, cortando os textos e fotografias com estilete, medindo o espaço com régua e calculando o espaço). O último dava a versão final ao texto do repórter, uma espécie de especialista em texto jornalístico. Nomes conhecidos da imprensa paraibana tiveram a função de redator, como Walter Galvão e Rubens Nóbrega.

Fausto Neto (2011) afirma que o novo bios midiático reformula o propósito do jornalista de mediador. Conforme ele, com a midiatização, a participação do público na construção da notícia aumenta, não apenas sugerindo pautas ou comentando a edição, mas produzindo conteúdo, como fotografias, vídeos e até textos. Ou seja, o consumidor de notícias passa a ser, também, um enunciador. Entretanto, a midiatização não vai acabar com o papel do jornalista. “O jornal não desaparece, mas se torna uma outra instituição hibridizada pelas injunções de novas formas de tecnologias e de linguagens” (FAUSTO NETO, 2011, p. 29).

Considerações finais

O presente artigo procurou debater as transformações das rotinas jornalísticas na Era da Informação, trazendo o problema para a Paraíba, especificamente ao jornal Correio da Paraíba. A informatização e a internet estão modificando o jornalismo tradicional e tirando a centralidade do jornalista como mediador. As rotinas tradicionais não são as mesmas, muitas funções desapareceram e o repórter hoje é multitarefa. Apesar das facilidades que a tecnologia proporcionou, o trabalho do jornalista ainda é precarizado. Para um próximo debate, deixamos a avaliação de Bassets de que o jornalismo impresso está em vias de desaparecer, se não for repensado nas novas plataformas, acompanhando o desenvolvimento tecnológico.

O jornalismo tradicional tem como sustentação a publicidade, mas o mercado vem se movimentando mais rápido que as empresas jornalísticas e adotando os meios digitais. Assim, o jornalismo impresso vem perdendo anunciantes e, consequentemente boa parte de sua renda. As redações se transformaram com a informatização, mas a venda continua a mesma e é preciso repensar este conceito. O artigo não explorou este tema, mas é importante ressaltar que, na Paraíba, muitos postos de trabalho foram fechados, inclusive um meio impresso acabou, tendo sua última edição em 2012. A Era da Informática democratizou a comunicação, porém os meios tradicionais de

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massa precisam acompanhar essa mudança para não perecerem, principalmente o meio impresso que, na corrida pelo furo, quase sempre chega atrasado em relação aos meios digitais.

As transformações estão longe de acabar e as mídias ainda não usam toda a potencialidade da Rede a seu favor, permanecendo uma comunicação de mão-única com os produtores e receptores em cada uma das pontas. Os jornalistas também estão em processo de adequação, buscando o equilíbrio entre a velocidade de divulgar a informação, a credibilidade e o papel fundamental do jornalismo em informar e participar da construção da realidade social.

Referências

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As rotinas jornalísticas na Era da Rede

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Telejornalismo colaborativo: o uso de materiais da internet e de novas plataformas no JPB da Rede Globo

Roberta Matias1

ResumoO artigo em questão visa discutir o uso de plataformas tecnológicas, informações, imagens da internet e redes sociais no telejornal de meio-dia da afiliada da Rede Globo em João Pessoa, a TV Cabo Branco. O texto faz parte de uma pesquisa, em estado inicial, que estamos realizando no curso de pós-graduação em Jornalismo Profissional da Universidade Federal da Paraíba. Os processos de produção e edição do jornalismo televisivo vêm passando por uma série de transformações em decorrência da convergência tecnológica e cultural entre a TV e a World Wide Web. O que se observa é que, com o barateamento e acessibilidade aos equipamentos de comunicação, advento da internet e das mídias sociais, os telespectadores e/ou internautas tornam-se partícipes do telejornal que está sendo pensado e definido pelos editores de texto e suas equipes.

Palavras-chave: jornalismo participativo; redes sociais; convergência.

1 Discente do Programa de Pós-graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), jornalista formada pela UFPB e Editora de Jornalismo da TV Cabo Branco, afiliada da Rede Globo na Paraíba.

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Introdução

A sociedade vive hoje sob o fenômeno da midiatização. Para Verón (1997), a midiatização corresponde ao desenvolvimento de processos crescentes e complexos de tecnologias convertidas em meios e em operações tecnodiscursivas, através de processos de produção e de recepção de discurso que afetam a sociedade, no âmbito da prática das instituições e dos atores sociais, gerando novas e complexas formas de contato e de interações.

Pavlik (2006, apud FAUSTO NETO, 2011, p. 23) aponta ressonâncias desse fenômeno sobre o jornalismo. Para ele, os novos meios estão transformando o jornalismo de quatro maneiras: para começar, o caráter do conteúdo das notícias está mudando inexoravelmente, como consequência das tecnologias dos novos meios que estão surgindo; em segundo lugar, na era digital, o modo de trabalho dos jornalistas é reorganizado; em terceiro, a estrutura da redação e da indústria informativa sofre uma transformação radical; por fim, os novos meios estão provocando uma redefinição das relações entre empresas informativas, jornalistas e seus diversos usuários.

Nesse processo de mudança do conteúdo da notícia citado por Pavlik, apontamos como um dos componentes a participação do telespectador no fazer notícia que nos últimos anos tem sido denominada de várias formas: jornalismo participativo, jornalismo colaborativo e jornalismo do cidadão são alguns desses exemplos. Para Bowman e Willis (2003), jornalismo participativo é aquele em que um cidadão ou grupo de cidadãos tem um papel ativo no processo de colher, analisar, produzir e distribuir informações.

Gillmor (2005) defende a importância de dar espaço ao cidadão que quase não se fazia ouvir, o que passou a ser possível pelo fato de qualquer um produzir e publicar informação, o que o autor considera como uma maneira de aprender. Existem outros entendimentos, mas consideramos aqui jornalismo participativo como aquele em que o cidadão de alguma forma consegue interferir e participar do fazer notícia com fotos, imagens ou informações iniciais, que podem surgir na rede social, ser enviadas via e-mail e, a partir de então, ser apuradas pelo telejornalista, entrando no telejornal.

Na verdade, o processo de edição do jornalismo televisivo vem passando por uma série de adequações nos últimos anos. Esse fato está relacionado, principalmente, ao surgimento de novas tecnologias, da internet e às mudanças de comportamento do telespectador. Nos anos 90, os computadores estavam chegando às redações das grandes emissoras de rádio, jornal e televisão e Paternostro (1999, p. 115) registrou bem esse momento, dando pistas do que iria acontecer com o trabalho dos jornalistas:

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Embora as redes de televisão ainda demorem alguns anos para adotar o sistema digital em suas produções - nos equipamentos de captação, edição e exibição -, a tecnologia de informação já chegou [...]. A redação informatizada permite total comunicação entre os vários terminais colocados nas bancadas, nos mesmos locais onde anteriormente existiam as antigas máquinas de escrever.

Certamente, ela não imaginava que essa tecnologia de informação fosse sofrer mudanças tão rapidamente e modificar completamente a rotina das redações e que, em tão pouco tempo, isso fosse facilitar a comunicação não só dos colegas no espaço de trabalho, mas dos jornalistas com os cidadãos e de todos nós, em todas as partes do mundo. Hoje vivemos às voltas com caixas de e-mails superlotadas, redes sociais de todos os tipos e mensagens que não param de chegar a nossos computadores, telefones e tablets.

Com o advento da internet e das mídias sociais, o telespectador/cidadão/internauta está mais próximo das redações e, de certa forma, tornaram-no partícipe do telejornal que está sendo pensado e definido pelos editores de texto e suas equipes. Nos tempos atuais, o cidadão comum que tem acesso à World Wide Web pode desencadear o processo de construção de uma notícia de forma rápida e com alcance inimaginável, forçando o jornalista a correr atrás da informação com mais velocidade. Até pouco, a mesma informação só chegaria a uma redação por meio de carta ou telefonema e, quem sabe, um ou dois dias depois, após um longo processo de “checagem” e “rechecagem”, estaria no jornal ou telejornal.

A comunicação de uma informação nos tempos atuais não se resume mais ao processo tradicional em que o fluxo e a conexão da mensagem eram apenas do emissor para o receptor. Os sujeitos envolvidos passaram a se interligar de uma forma em que há mais interação, há um relacionamento entre as partes. De acordo com Fausto Neto (2011), já não são somente os processos internos ao âmbito jornalístico que definem os padrões de tipificação dos acontecimentos e os processos que vão nortear o trabalho da noticialidade.

Assim, a maior utilização da internet e das novas mídias pelo cidadão vem fazendo com que os jornalistas modifiquem suas rotinas de trabalho, de apuração dos fatos, de acompanhamento das notícias e o relacionamento com as fontes. Pelo que vemos no dia-a-dia, a lógica operacional até então utilizada pelos jornalistas agora conta com a participação de outros atores. O leitor deixou de ser simplesmente receptor. Ele agora, muitas vezes, inicia o processo de comunicação, ou seja, passou a ser produtor de conteúdos informativos.

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Com o processo de midiatização pelo qual a sociedade vem passando, as empresas (públicas ou privadas) também precisaram modificar a forma de comunicar seus conteúdos de interesse à sociedade. Elas estão mais atuantes e, no momento em que desejam informar algo ao cidadão, não esperam mais pelos grandes veículos, não aguardam mais a atenção do jornalista de televisão, rádio ou jornal. Simplesmente usam as novas mídias para informar o que querem.

Dessa forma, a maior utilização da internet e das novas mídias pelo cidadão/internauta vem forçando os jornalistas a modificarem suas rotinas produtivas de trabalho e de apuração dos fatos, o relacionamento com as fontes, o acompanhamento das notícias e, no caso da televisão, a forma de levar a notícia aos telejornais. Além disso, o jornalista passou a conviver com a convergência de mídias. As primeiras observações dos acadêmicos sobre esse fenômeno surgiram no fim dos anos 1970, quando autores como Negroponte (1979, apud SALAVERRÍA, 2007, p.6) começaram a se referir ao fenômeno da digitalização e suas consequências na difusão e combinação de linguagens textuais e audiovisuais. Um pouco depois, o cientista político Ithiel de Sola Pool, em seu Tecnologies off Freedom (1983, apud JENKINS, 2009, p.37), delineou o conceito de convergência como um poder de transformação dentro das indústrias midiáticas.

Um processo chamado ‘convergência de modos’ está tornando imprecisas as fronteiras entre os meios de comunicação, mesmo entre as comunicações ponto a ponto, como correio, o telefone e o telégrafo e as comunicações de massa, como a imprensa, o rádio e a televisão.

Essa convergência também pode ser observada entre TV e internet e de forma cada vez mais frequente. Agora, a imagem da televisão vai à internet e os vídeos da grande rede são exibidos na televisão, em programas de variedades e nos telejornais. São culturas e tecnologias diferentes, mas que se misturam e, algumas vezes, se completam. Esse processo de convergência de mídias também mexeu com o dia-a-dia das redações de telejornais.

A descoberta da internet pelo JPB Primeira Edição

Todas essas mudanças, contudo, começaram de forma lenta nos veículos de comunicação da Paraíba. Os registros apontam que a emissora de televisão do maior

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sistema de comunicação do Estado nos anos 1990, a Rede Paraíba de Comunicação2, iniciou seus passos no mundo da internet depois do ano 2000. Realizamos uma pesquisa dentro dos arquivos da emissora para identificar momentos que marcaram essa relação com o mundo da grande rede de computadores e é o que apontaremos a partir de agora.

Passamos um mês pesquisando os arquivos da TV Cabo Branco, afiliada da Rede Globo em João Pessoa, que faz parte da Rede Paraíba de Comunicação, para tentarmos recuperar a gênese do processo de inserção da emissora e, mais especificamente do JPB Primeira Edição – telejornal do meio-dia da emissora e que, a partir de agora, passaremos a tratar como JPB –, no mundo da internet. Nossa busca pelos registros das primeiras inserções, do uso de palavras, imagens e plataformas que normalmente não eram utilizadas nas reportagens antes da grande rede de computadores ser criada foi feita no EasyNews3.

Procuramos localizar registros que apontassem quando os materiais chegaram à redação, a data da edição na qual foram utilizados e como eles foram aproveitados no processo de construção do telejornal, ou seja, como foram ajustados aos rituais, lógicas e linguagens do jornalismo televisivo. No entanto, fomos alertados pelos técnicos da emissora de que, como o sistema em questão passou por uma atualização recente, durante esse processo, alguma informação pode ter sido perdida. Porém, o EasyNews é o único arquivo virtual com condições de ao menos apontar os caminhos procurados por nós dentro da emissora.

De acordo com o que encontramos no sistema de arquivo da TV Cabo Branco, os telejornais da emissora passaram a usar a palavra internet em 17 de setembro de 2002. A notícia era sobre o novo mapa da Paraíba, que seria lançado no World Wide Web em dezembro do mesmo ano, pelo Sistema Geológico do Brasil, em parceria com a Universidade Federal da Paraíba. Essa informação noticiada no jornal da noite da emissora certamente foi útil para o público dessa área e marcou, na emissora, a apresentação da “nova forma” de buscar informações no mundo em rede.

2 A Rede Paraíba de Comunicação reúne duas emissoras de televisão: a TV Cabo Branco, que funciona em João Pessoa (capital da Paraíba) e a TV Paraíba, em Campina Grande. As emissoras são afiliadas da Rede Globo na Paraíba. Além delas o grupo tem ainda duas emissoras de rádio, um jornal impresso e um portal de notícias.

3EasyNews é o sistema utilizado pelas emissoras de televisão da Rede Paraíba para cadastrar todos os processos de texto realizados pelos jornalistas envolvidos nos telejornais e onde ficam arquivadas todas as ações realizadas nos telejornais.

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O jornal do meio-dia só passou a divulgar a internet para seus telespectadores sete dias depois, em 24 de setembro. A nota seca, com caracteres em rodapé4 falava sobre as eleições estaduais e divulgava serviços oferecidos ao eleitor pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em um site criado pela Justiça Eleitoral para facilitar a localização das seções de votação (Figura 1).

Figura 1 Página/script do JPB1 de 24 de setembro de 2002, encontrada no arquivo da TV Cabo Branco

O que se observa, a partir desse momento e durante o ano de 2003, é a divulgação pelo JPB e por outros jornais da emissora de sites de serviço que podem ajudar o telespectador de alguma forma, como o do Tribunal Regional Eleitoral e

4 Nota seca com caracteres em rodapé é um texto lido pelo apresentador do telejornal, com informações de texto que são exibidas pelo gerador de caracteres na parte baixa do vídeo da TV.

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o da Prefeitura de João Pessoa, entre outros. Nos dois anos seguintes, o telejornal segue divulgando sites sobre curiosidades e amenidades, que podem ser de interesse do telespectador, e passa a fazer reportagens de rua sobre o uso da internet.

Em 2005, a TV Cabo Branco passou a divulgar o endereço de uma página na internet onde o telespectador poderia, por exemplo, escolher o cartão postal de João Pessoa. Ocorre, então, um primeiro sinal da convergência tratada por Jenkins (2009), com o telespectador sendo levado da televisão para a rede mundial de computadores.

Entretanto, só em julho de 2007, o site www.cabobranco.tv.br é lançado oficialmente e surge nos scripts de forma clara, como um novo espaço onde o telespectador vai poder se comunicar com a emissora, rever reportagens exibidas nos telejornais, votar em enquetes e sugerir temas para os próximos telejornais (figura 2).

Figura 2 – Página/script do JPB1 de 06/07/2007, divulgando o endereço eletrônico das TVs Cabo Branco e Paraíba

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A partir desse momento, observa-se o primeiro chamado do telespectador para participar dos telejornais sugerindo temas. Em 2008, a comunicação do JPB com o telespectador/internauta mostra sinais de ampliação. Passam a ser oferecidos no site da empresa fotos dos bastidores de quadros específicos do telejornal do meio-dia, como o Moda & Design5. Os entrevistados em estúdio, geralmente médicos, começam a participar de chats no site da TV. Ao final da conversa, no espaço da televisão, o apresentador instiga o telespectador a ir para o site e falar diretamente com o convidado, na internet, logo após o encerramento do JPB.

Encontramos, nesse período 2007/2008, outros sinais de convergência de mídia, dentro da visão de Jenkins (2009, p 27), com conteúdos do telejornal sendo levados para a Web, materiais adicionais à disposição do telespectador/internauta no site da emissora e, de forma clara, o telespectador sendo convidado a ir ao site para buscar mais informações sobre o tema que estava sendo tratado no estúdio:

O fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam.

Nos scripts de 2008, chama a atenção uma campanha desencadeada pelo JPB para homenagear as mães dos telespectadores. Nela, o cidadão é incentivado a enviar fotos com sua mãe via e-mail para serem exibidas no JPB. Para essa promoção, a equipe solicitou ao departamento de informática a criação de um e-mail específico, o [email protected]. A participação do público foi muito grande e surpreendeu profissionais que estavam na emissora nessa época.

A ideia inicial era exibir o material no JPB, mais próximo do Dia das Mães, mas, em decorrência da grande quantidade de fotos enviadas, as imagens começaram a ser divulgadas uma semana antes da data comemorativa. Nesse momento, observamos um movimento de mão dupla. A TV incentiva a participação e o telespectador envia pela internet fotos que passam a ser exibidas no telejornal.

A figura 3 mostra como o público foi atraído para participar da promoção. O apelo no texto e a novidade dentro do telejornal podem ter incentivado o telespectador, que já usava a internet naquela época a querer se ver na televisão.

5 O quadro Moda & Design falava sobre esses temas com profissionais dessas duas áreas, indo a casas e lojas e trazendo dicas para quem queria se vestir bem ou decorar a casa de forma atraente.

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Figura 3 Página/script do JPB1 de 01 de maio de 2008

Com o crescimento do número de acessos à internet, o que se observa nos textos dos editores é um movimento maior em busca dos internautas que, até pouco tempo, eram apenas telespectadores dos telejornais. O relato de uma jornalista que nessa época, ano de 2009, estava na emissora aponta para uma preocupação: “Passamos a observar que estávamos perdendo alguns telespectadores para a internet”. Nos textos dos scripts, identificamos narrativas que incentivam a participação do telespectador/internauta dentro do telejornal, convidando-o a fazer parte do JPB, enviando fotos e sugestões de pautas.

Em 2009, um quadro chamou nossa atenção nos scripts: o É da Família. Nele, o texto do editor incentiva o telespectador a enviar fotos de seus animais de estimação,

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imagens feitas pelo telespectador com câmeras fotográficas eletrônicas ou com celular, que passaram a ser exibidas rotineiramente no telejornal. A participação sempre foi tão grande que, até hoje, o quadro permanece no JPB, às sextas-feiras.

O primeiro registro de imagens em movimento feitas e enviadas por um telespectador e exibidas dentro do JPB também são de 2009. No dia 11 de setembro, um telespectador enviou imagens de desrespeito às leis de trânsito que foram ao ar dentro do telejornal. Ainda em 2009, a Rede Paraíba de Comunicação cria o Portal Paraíba1 de Notícias. No ano seguinte, 2010, identificamos as primeiras citações do JPB às redes sociais e divulgação do endereço do Twitter da emissora, o @cabobrancotv. Os telejornais não têm endereços próprios nas redes sociais até hoje. Nesse mesmo período, localizamos nos scritps textos que divulgavam o e-mail do JPB, o [email protected]. Trata-se de um passo a mais objetivando atrair o telespectador/internauta para o telejornal de forma específica e mais um espaço aberto para contato entre os jornalistas e esse público. Observa-se aí um sinal mais claro do telejornal de incentivo ao jornalismo participativo. Até hoje, ele escreve e recebe uma resposta de um produtor ou editor do telejornal. Mas não existe na redação um profissional específico para fazer esse trabalho.

Em 2010, o grupo realiza um seminário sobre mídias digitais e inicia uma série de reportagens sobre o tema em todos os telejornais. No mesmo período, localizamos nos scripts do JPB uma promoção que atraiu mais de três mil telespectadores/internautas. Todos os telejornais passaram a convidar fotógrafos amadores, profissionais e o cidadão comum a enviar fotos da cidade para um site criado especificamente para a promoção. Essas fotos passaram por uma seleção e, ao final, o telespectador/internauta voltou ao site para escolher as imagens que ele queria ver nos novos cenários dos telejornais da Rede Paraíba. Um sinal de que as ações de aproximação e atração do telespectador/internauta estavam tomando outra proporção dentro da empresa e dos telejornais do grupo.

Redes sociais e jornalismo colaborativo no JPB nos últimos três anos

Em agosto de 2011, a Rede Paraíba de Comunicação começou a investir de forma mais forte em produtos e conteúdos para a internet e isso também mexeu com a produção dos telejornais da TV Cabo Branco. O grupo passou a fazer parte do G1, o portal de notícias da Rede Globo, adquirindo um pacote de serviços oferecido às afiliadas. A partir de então, todos os conteúdos jornalísticos das emissoras de

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televisão da Rede Paraíba de Comunicação passaram a ser disponibilizados dentro do G1/Paraíba. O site www.cabobranco.tv.br mudou o conteúdo e hoje divulga a programação da emissora com chamadas para conteúdos e eventos futuros. Nesse período, a Rede Paraíba também criou um núcleo específico para trabalhar com novas mídias e internet.

A partir de 2011, o JPB intensifica o convite ao telespectador/internauta para participar do telejornal com o envio de fotos, imagens em movimento e sugestões de pautas e o público aceita o convite. O que encontramos então são registros de uso mais frequente no telejornal desses materiais enviados com maior espaço para temas, como: trânsito, protestos, vazamento de água e outros problemas da comunidade. O texto lido pelo apresentador destaca sempre o nome do telespectador que enviou as imagens e, muitas vezes, aproveita para orientar outros telespectadores. A figura 4 é um exemplo:

Figura 4 – Script do JPB de 08/04/ 2011

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Ainda em 2011, o JPB passou a trabalhar com outro quadro que incentiva a participação do telespectador/internauta: o Calendário JPB. Ele existe até hoje e para participar, o cidadão precisa enviar uma mensagem para o e-mail do quadro calendá[email protected] dizendo quais os problemas da sua comunidade que não estão sendo solucionados pelas autoridades. Quando selecionada, a história é exibida no telejornal e a comunidade vai marcando datas em um calendário físico até que a autoridade resolva o problema.

A partir de 2012, observamos nos textos um incentivo cada vez maior à participação do cidadão no telejornal. O apresentador do programa alimenta e responde aos recados nas redes sociais. Ao vivo, o jornalista se dirige aos telespectadores/internautas e os convida a opinar sobre o que está sendo exibido no telejornal em tempo real. Os comentários vão sendo lidos pelo apresentador durante o JPB, ou seja, ao mesmo tempo em que assistem à TV, alguns telespectadores/internautas usam as redes sociais para mandar mensagem ao apresentador do programa.

Os scripts mostram que, ainda em 2012, o JPB criou mais um quadro para atrair o telespectador: o Qual é a Boa?. O material permanece em exibição e é destinado à área de cultura. O telespectador pode enviar vídeos para o e-mail do JPB sobre atividades que vão acontecer em teatros, casas de eventos, praças e outras áreas da cidade. Já em 2013, localizamos registros de mais um quadro que remete ao jornalismo com participação do telespectador: o JPB Móvel. Nele, o cidadão conta histórias positivas de pessoas ou do bairro onde vive. Todo o material é gravado com um tablet e uma câmera fotográfica eletrônica, com o auxílio de um editor e um produtor do JPB. Nesse caso, o cidadão vira ator da informação e faz às vezes do repórter, construindo o texto junto com a equipe e contando a história que deseja dentro do JPB.

Considerações finais

Durante o mês de observação e pesquisas dentro do arquivo EasyNews da TV Cabo Branco, foi possível identificar que os scripts disponíveis apontam, que houve uma lenta inserção dos telejornais na internet, assim como também foram lentos os processos de aproximação com o telespectador/internauta. O JPB, produto pesquisado em maior profundidade, só começou a falar sobre internet em 2002, mesmo assim, sem uma freqüência regular e aparentemente sem um planejamento mais elaborado.

O processo parece ter continuado de forma pouco planejada até meados de 2009, quando a internet e o telespectador que usa esse novo meio de comunicação

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passam a ser mais citados dentro dos telejornais. Aparentemente, é quando o JPB inicia um processo de atração desse telespectador de maneira mais focada.

Apenas em 2011, localizamos sinais mais evidentes do telespectador/internauta sendo visto, pelos profissionais que fazem o JPB, como um colaborador do telejornal. Fato que sinaliza para um lento processo de aproximação e abertura para participação do telespectador. Nesse momento, as páginas dos scripts sinalizam uma inclusão maior de materiais enviados pelo público no JPB. O cidadão passa a indicar pautas, enviar imagens que são exibidas e a dizer o que quer ver no telejornal. Um processo que se intensifica nos dois anos seguintes.

Pelo que observamos na redação do JPB, há uma participação da equipe de jornalistas responsáveis pelo programa em todos os quadros e nas novas rotinas produtivas exigidas por cada mudança feita nos últimos tempos. A presença popular através de e-mail e redes sociais exige uma atenção maior e uma verificação frequente das caixas de mensagens e dos canais de comunicação abertos com o telespectador/internauta. Todos se envolvem de alguma forma no processo de comunicação: produtores, editores, repórteres e apresentadores.

Hoje, as principais notícias do JPB são disponibilizadas no G1/Paraíba dentro de um espaço próprio para o telejornal. Os temas de maior relevância são encontrados em destaque no portal e alguns assuntos são ampliados com reportagens preparadas por profissionais do G1/Paraíba.

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Ética e resistência jornalística

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50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise do jornalismo de resistência na Paraíba

Sandra Moura1 Emília Barreto2

ResumoEsta pesquisa apresenta um mapeamento das características e tendências dos jornais alternativos no Estado da Paraíba, localizado na região Nordeste do Brasil. Mais especificamente, a investigação recai sob dois periódicos: Edição Extra e O Furo. O principal objetivo é identificar o legado desses jornais paraibanos - dentro do cenário do chamado jornalismo de resistência - que no período da ditadura militar instalada no país atuaram como alternativa ao pensamento hegemônico, a voz única da grande imprensa que naquele período ditatorial enveredava cada vez mais no rumo da monopolização da informação e na defesa do sistema vigente. Do ponto de vista aqui defendido, não se pode entender as características específicas do período histórico do regime militar – que no Brasil vigora de 1964 a 1985 – se não se levar em conta a produção jornalística liderada pela imprensa alternativa. As análises propostas para este artigo vão se voltar para os recursos jornalísticos empregados pelos dois periódicos pesquisados, a partir de capas, títulos e dos gêneros notícia e editorial.

1 Doutora em Comunicação e Semiótica, PUC-SP, professora do Mestrado Profissional em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba, Pesquisadora do TECJOR–Laboratório de Tecnologias e Linguagens Jornalísticas PPJ/UFPB/CNPq. E-mail: [email protected].

2 Professora da Universidade Federal da Paraíba, Mestre em Comunicação e Desenvolvimento Local pela Université Fraçois Rabelais, Pesquisadora do TECJOR–Laboratório de Tecnologias e Linguagens Jornalísticas PPJ/UFPB/CNPq. E-mail: [email protected].

50 Anos do golpe militar no Brasil: uma análise do jornalismo de resistência na Paraíba

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O princípio da pesquisa

Assim como ocorreu nos demais estados brasileiros, a Paraíba, mesmo com o endurecimento da repressão política, buscou alternativas para oferecer ao leitor de jornal publicações de resistência às formas de autoritarismo do regime vigente e ao jornalismo praticado pelos grandes veículos de comunicação.

Ocorre que essas publicações, no caso de Edição Extra e O Furo, embora com todo seu valor histórico e jornalístico, não tinham, até a presente iniciativa, se tornado objeto de estudo acadêmico. No levantamento bibliográfico realizado pelas autoras deste trabalho não foram localizadas fontes bibliográficas, tais como livros impressos e/ou digitais, monografias, dissertações e teses, que analisassem esses periódicos.

Antes de passarmos para as referências e análises dos jornais aqui pesquisados, julgamos pertinente apresentar como vem se construindo o percurso deste trabalho. A ideia de pesquisar esses jornais se deu há quase duas décadas, mais especificamente quando uma das autoras, ao ministrar para estudantes de Jornalismo a disciplina “Imprensa Alternativa” no curso de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba, se deparou com a ausência de bibliografia sobre jornais alternativos paraibanos.

Na ocasião, existiam, em livro ,estudos e pesquisas sobre jornais alternativos brasileiros, mas que não incluíam a Paraíba como um estado onde jornalistas tinham criado, ainda no período da ditadura militar, publicações alternativas ao chamado jornalismo da grande imprensa.

As publicações bibliográficas acessíveis à disciplina “Imprensa alternativa”, naquele momento, giravam em torno das produções jornalísticas alternativas já conhecidas, como O Pasquim, O Pif-Paf, Opinião, Movimento, Bondinho, periódicos esses que se concentraram na região Sudeste do país, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo.

A partir daí, vieram os questionamentos da professora e alunos na disciplina sobre a repercussão da imprensa alternativa na Paraíba à época da ditadura militar. As perguntas iniciais eram: “Assim como houve na política, nas artes, nas universidades paraibanas, formas de resistência ao sistema ditatorial, o jornalismo teria também combatido esse regime?”, “Quais foram as alternativas apresentadas pelos jornalistas paraibanos à chamada grande imprensa?”, “Quais as publicações e quem delas participou?”.

O passo inicial foi localizar os participantes desses jornais e tentar obter informações sobre a imprensa alternativa nesse período, além de acessar as edições desses periódicos. Promoveram-se na disciplina debates e entrevistas com três desses

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profissionais, dois deles atuaram no jornal O Furo e um no jornal Edição Extra. Com eles, veio a memória desses jornais, contada pelas lembranças que esses jornalistas mantinham do período em que ainda muito jovens protagonizaram as transformações que propunham e a busca por espaços alternativos à grande imprensa.

No entanto, não foi dessa vez que tivemos acesso às edições desses jornais. Nenhum dos entrevistados guardava em seus arquivos, pelo menos até aquele momento, exemplares dessas publicações como registro desse período.

Concluída a disciplina e diante das dificuldades encontradas para o resgate dessa história da imprensa alternativa na Paraíba, chegou-se a elaborar um projeto de pesquisa sobre o assunto, mas que não foi posto em execução.

Passadas quase duas décadas do surgimento da ideia de investigar a imprensa alternativa na Paraíba, e neste ano de 2014 em que no Brasil se registram os 50 anos do Golpe Militar, retomamos o interesse pela presente pesquisa. Dessa vez, duas docentes pesquisadoras uniram os seus interesses acadêmicos para a elaboração de um projeto que investigasse a origem desses jornais, sua forma de organização, seu método de apuração e levantamento das informações, suas características e modos de construção dos gêneros jornalísticos.

Para isso, já não mais seriam suficientes apenas os depoimentos dos ex-editores, repórteres, colunistas e responsáveis pela criação dos jornais, mas se tornou fundamental o acesso às edições dos jornais.

Nessa fase, a busca se volta para a localização de pesquisas – concluídas ou em andamento – sobre os jornais Edição Extra e O Furo. Foram várias tentativas em páginas na internet, consulta a arquivos da Biblioteca da Universidade Federal da Paraíba sem êxito. Quase duas décadas depois da primeira consulta sobre essa temática observamos que continuava a lacuna nos estudos sobre esses periódicos. Apenas localizamos uma reportagem, escrita em 2010, com características informativas.

A ausência de estudos acadêmicos sobre esses jornais tornou ainda mais instigante o interesse pela pesquisa. As pesquisadoras passaram a procurar em acervos nas universidades edições desses periódicos e, paralelamente, efetuaram contatos com jornalistas, chargistas e publicitários que fizeram parte desses dois jornais. Foram quase dois meses de busca até encontrar dois deles dispunham dos periódicos em seus acervos e os disponibilizaram para o presente estudo.

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Sobre os jornais Edição Extra e O Furo

Os jornais nos foram entregues para estudo de duas formas. Edição Extra com suas edições encadernadas. O Furo com suas edições soltas, sem encadernação. O jornal Edição Extra se apresenta em formato tablóide, off-set, em 12 edições impressas, com 20 páginas cada uma, com fotos, charges e anúncios publicitários, com periodicidade semanal. O primeiro número traz em seu expediente uma equipe formada por Valdez Juval da Silva (Diretor presidente), Henriette Maria Lemos da Silva (Diretora gerente), Luiz Andrade (Redator chefe), Alarico Correia (Secretário), Anco Márcio (Editor de Humor), Gilvan de Brito (Editor Político), Júlio Vieira (Editor da Cidade), Luzardo Alves (Editor de Arte), Atelier Esquema (Diagramação).

Edição Extra tem como slogan “Um jornal diferente”. O primeiro número saiu sem data da edição. O segundo número vem datado de 9 a 16 de agosto de 1971. E o último número, referente à edição 11, é datado de 11 a 17 de outubro de 1971.

O jornal O Furo é composto por cinco edições, em formato tablóide, off-set, com 24 páginas, com periodicidade quinzenal. O primeiro número é datado de 16 a 31 de dezembro de 1979. O último número refere-se apenas ao mês marco de 1980. O expediente do jornal na sua edição de estréia apresenta em seus quadros Alberto Arcela e Marcos Pires (Diretores-responsáveis); Richard Muniz (Editor responsável), Marcos Nicolau (Secretário de Redação e Arte), Walter Galvão, Alberto Arcela, Nonato Guedes, Maria Naélia, Marcos Tavares, Anco Márcio, Marta Kristine, Antonio Augusto Arroxelas, João Manoel de Carvalho, Bruno Steinbach, Hilton Lima, Luzardo, Antônio Barreto Neto (Colaboradores).

Ao catalogar as publicações da imprensa alternativa, o Centro de Imprensa Alternativa e Cultura Popular do RIOARTE, conceitua essas produções como alternativas com base nas seguintes classificações:

Os periódicos que contestavam diretamente o regime de exceção imposto a partir de 1964 e os que constituíam veículos de movimentos de movimentos e correntes de esquerda; os que não possuíam meios de comunicação de massa, que pensavam de forma independente, que não estavam ligados a esquemas governamentais ou econômicos e que não aceitavam o autoritarismo dominante não só na política, mas nos costumes, no comportamento, na linguagem, nos valores, propondo novos conteúdos e uma diagramação arrojada para época. (CATÁLOGO DA IMPRENSA ALTERNATIVA, 2014).

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Das classificações propostas, diríamos que nos jornais Edição Extra e O Furo predomina a segunda, ou seja, são periódicos não ligados a meios de comunicação de massa, que atuavam de forma independente e que não aceitavam o autoritarismo dominante não só na política, mas nos costumes, no comportamento, na linguagem, nos valores, propondo novos conteúdos e uma diagramação criativa para o cenário jornalístico da época.

Assim, o período histórico inaugurado no Brasil pelo regime militar não produziu somente mudanças econômicas e políticas, mas também uma mudança no modo pelo qual uma parcela de jornalistas tratou a informação jornalística. Das publicações nacionais alternativas da época, O Pasquim é o jornal que influenciou os jornais Edição Extra e O Furo na forma de abordar os fatos, com uma linguagem coloquial, aproximando-se da conversa informal e impregnada pelo humor.

Após as referências históricas sobre os jornais pesquisados, como origem e equipe, passaremos às análises dos recursos jornalísticos empregados pelos dois periódicos, a partir de capas, títulos e dos gêneros notícia e editorial. Cabe ressaltar que as observações e comentários aqui são próprios de uma pesquisa que se inicia, lembrando que este trabalho ainda terá um grande percurso pela frente.

O que é notícia no jornal alternativo?

Na vigência da ditadura militar, os braços da censura alcançavam as expressões artísticas, culturais e, de modo contundente, o jornalismo. Em tempos de empresas jornalísticas amordaçadas, os jornais da chamada imprensa alternativa constituíam o espaço privilegiado de resistência. Marcondes Filho afirma que

Torna-se notícia o que é “anormal”, mas cuja anormalidade interessa aos jornais como porta-vozes de correntes políticas. [...] O jornal, assim, arranja, acomoda o extraordinário na sua argumentação diária contra setores ou grupos sociais. O extraordinário, na imprensa “séria”, só vira notícia quando pode ser utilizado como arma no combate ideológico (MARCONDES FILHO, 1989, p. 13).

Num contexto de cerceamento à liberdade de expressão, os jornais analisados se propunham não a noticiar o fato tal como aparecia na grande imprensa mas em possibilitar outras versões deste. A burla da censura era o grande desafio. Eles exerciam o papel do mediador que busca revelar o que era apagado, proibido. A estratégia usada

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por estes jornais alternativos para “indução do leitor” (FAUSTO NETO, 2013) consistia na capacidade maior ou menor de despistar as antenas da censura usando artifícios de linguagem como ironia, duplo sentido, metáforas, humor, recursos imagéticos, além de amplificar a fala de quem não tinha espaço na grande imprensa. Entrevistas com figuras emblemáticas da esquerda como o arcebispo da Paraíba D. José Maria Pires, o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes e o líder camponês Gregório Bezerra, O arcebispo de Recife e Olinda D. Helder Câmara, são exemplos significativos (figuras 2, 4, 6 e 10) dessa estratégia. No caso específico do Edição Extra observamos um excessivo apelo à erotização com o uso de mulheres seminuas (figuras 1, 5 e 9).

Figura 1 Figura 2

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Figura 3

Figura 5

Figura 4

Figura 6

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Figura 7

Figura 9

Figura 8

Figura 10

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Capas, chamadas e títulos: enquadrando o acontecimento

Os elementos gráficos (textuais e imagéticos) são utilizados como atrativos ao leitor na capa dos jornais: em O Furo e Edição Extra não era diferente. Ambos, cada um ao seu modo e no seu contexto lançaram mão destes elementos para criar suas identidades visuais e discursivas. Mostravam-se como espaço de fala desvinculada da lógica capitalista e ideologia dominante, como espaço alternativo ao pensamento hegemônico da ditadura e como estratégia para driblar a censura vigente. O nome do jornal Edição Extra sugere a existência deste fato extraordinário, merecedor de ser noticiado com uma tiragem extra do jornal. O mesmo apelo encontramos no título do jornal O Furo, expressão que designa a notícia trazida ao leitor em primeira mão, em exclusividade.

O caráter de noticiabilidade da capa nos dois jornais oscilava entre uma linha mais crítica e politizada, no caso de O Furo, e outra mesclada com apelos de erotização com o uso predominante da figura de mulher associada a frases de duplo sentido contendo insinuações como no caso de Edição Extra, com as seguintes chamadas: “Este jornal é amigo do peito” (figura 1), “Bom mesmo vai ser no quarto” (figura 4), “ No quarto com Marcia de Windsor” (figura 7) e “Boa mesmo é a entrevista com o computador na página 4” (figura 9). Este fato pode denotar um certo viés machista, como um recurso para a captura deste leitor, mas pode ser interpretado também como uma camuflagem que não permitisse revelar de forma completa o conteúdo político subjacente, um artifício para driblar a censura.

As capas buscam sintetizar o espírito de cada um desses jornais, seus principais conteúdos, os pontos de ancoragem sobre os quais se assentava um presumível contrato de leitura que se desejava estabelecer com o leitor lançando mão de uma estética que contrariava os padrões vigentes, à época, na chamada grande imprensa. Esta irreverência ou transgressão na forma de construir as capas criou um estilo híbrido que se aproximava mais das capas de revistas do que de jornais. Esta nova linguagem foi introduzida por jornais alternativos como O Pasquim, Coojornal, Opinião, entre outros.

Os títulos são considerados por Cremilda Medina (1978, p.118-119) como um dos apelos verbais trabalhados de maneira consciente na mensagem jornalística para “chamar a atenção e conquistar o leitor para o produto”. Segundo a autora, os apelos da mensagem conquistaram um estilo próprio que os equipara à “embalagem no produto publicitário”. Entendemos que na capa dos jornais este caráter sedutor atribuído ao título se revela ainda mais contundente e que a concepção das capas se forja na junção,

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no diálogo, entre a parte textual das chamadas e o apelo visual que lhes é transferido pela intervenção do desing gráfico, incluindo obviamente, as ilustrações.

Os títulos trazidos nas capas do Edição Extra e O Furo anunciavam as notícias, enquadravam a perspectiva editorial, resumiam o espírito de cada jornal. No Edição Extra as capas são econômicas com poucos elementos verbais e imagéticos. Vemos a imagem de uma mulher que começa discreta (figura 1) e aos poucos vai dominando a cena (figuras 5, 7 e 9). Os títulos são “apagados” visualmente, como que a despistar o conteúdo político ao qual estavam associados (figuras 5 e 9). É importante dizer que o Edição Extra foi lançado em 1971 e, portanto, teve sua breve vida durante os anos duros de ditadura, enquanto que O Furo apareceu em 1979, quando a força da ditadura já esmaecia e iniciava-se o processo de abertura política.

As capas de O Furo constituem um ambiente visual mais atraente, lúdico, por vezes se aproximando de uma charge com desenhos que mesclam humor e crítica. As chamadas de suas capas se constituíam em uma “mensagem- consumo”, como diria Medina (1978, p. 119) a demandar “título de apelo forte, bem nutrido de emoções, surpresas lúdicas, jogos visuais, artifícios lingüísticos”, podendo ser equiparado a um anúncio publicitário.

O Furo soube utilizar a mescla destes elementos para construir capas dinâmicas, atraentes e que sintetizavam a linha crítica do jornal. Exemplo do que dissemos é visível na figura 2, onde temos uma ilustração do nome do jornal aparecendo como uma pichação de muro, numa alusão ao que acontecia na realidade, quando os muros foram pichados pelos militantes de esquerda com mensagens de resistência e “subversão” ao regime ditatorial.

Outro exemplo relevante está na figura 10 onde vemos vários homens fazendo uma força colossal para “puxar o saco” de um gigante deitado, numa alusão aos inimigos do povo que adotavam posição de subalternidade em relação à ditadura, em detrimento do interesse coletivo.

As capas de O Furo explicitavam com clareza os propósitos editoriais do jornal. Ficava clara a posição contrária ao regime militar, mesmo nas chamadas de capa sem a relevância das anteriores mas que traziam à tona temas polêmicos como aborto ilegal, prostituição, ocupação de terras e as manobras dos latifundiários para intervir no movimento social das Ligas Camponesas pela interferência na direção do Centro de Defesa dos Direitos Humanos3 (figura 10).

3 Segundo o jornal, agentes do governo infiltrados na igreja estariam incitando lideranças camponesas do município de Alhandra a se voltarem contra a instituição, numa campanha da direita para “desmoralizar” a CDDH. Wanderley Caixe, paulista, foi convidado por D. José Maria Pires para dirigir

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Os editoriais

É de se notar que a linguagem coloquial, aproximando-se de uma conversa informal, é utilizada nos editoriais dos dois jornais. No caso de Edição extra, o coloquialismo da linguagem surge em expressões como: “Tá bom”, “E tamo aqui pra isso mesmo”, “não tá nem doida”, “tamos mais para...”. O jornal chega a empregar também cacoetes verbais, como no trecho abaixo: “A gente percebe que os distintos estão falando em termos ecológicos urbanos, né?”.

Outro aspecto a se observar nos editoriais do jornal Edição Extra é o uso da metalinguagem, isto é, o periódico fala de si mesmo, faz uma leitura relacional, onde as referências apontam para si próprias. Como podemos notar no editorial número 1, intitulado “Falei”, em que o jornal informa qual o seu público, ou seja, para quem se dirige:

Para usar de sinceridade, não pretendemos inovar muita coisa, não. Temos a intenção, isto sim, de contribuir para ajudar as pessoas a participarem mais da atividade vivencial em comum, tomando conhecimento das coisas que acontecem em nosso redor que apresentadas no conjunto das informações padronizadas, passam mais das vezes, desapercebidas ou não são assimiladas inteiramente. Imaginamos um jornal para consumo geral, num estilo ameno e enxuto, dosado de algum humor, sem deformar a informação, evidentemente (Edição Extra, 1971, no. 1, p.3).

Nesse mesmo editorial, é utilizado o recurso metalingüístico para informar que não há um engajamento político-partidário do jornal, como podemos verificar no parágrafo seguinte:

Evitaremos como a peste, as posições unilaterais, as opiniões partidárias, a vinculação com esquemas, grupos ou pessoas para aceitar de bom grado o compromisso de editar um semanário descontraído no modo de colocar as questões, de ver e comentar as coisas mil. Correremos as léguas para evitar os assuntos trágicos, sensacionalistas, lixo branco da sociedade, produto de fácil aceitação e bastante rentável. Garantimos estar mais para colibri do que para urubu (Edição Extra, 1971, no. 1, p.3).

o Centro. D. José Maria na ocasião era o arcebispo de João Pessoa e reconhecido por sua atuação progressista.

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O editorial do jornal O Furo, em sua edição número 5, enfatiza a existência de problemas sociais. Adota perante essas questões sociais, uma postura crítica que se apresenta logo no início no título “Para onde vais?” e “Sair para onde?”. Dessa forma, o periódico anuncia para quem dirige a sua indagação:

A pergunta vale para ti, misero nordestino que se deixa enganar pela maquiavélica máquina da cidade grande que a tudo e a todos devora, sem piedade. Que deixa as terras do sertão e do brejo pra morrer ao despencar dos andaimes e dormir em favelas, entre as balas enganosas da polícia. E por que não ficas aqui mesmo? (O Furo, 1980, no. 5, p. 3).

No parágrafo seguinte, o editorial esclarece o objetivo da pergunta:

Pois a pergunta é assim como uma introdução para um hino rebelde de estímulo à luta pacífica para a fixação do homem nordestino à terta, que ele aprendeu a amar e desejar como uma mãe deseja o filho, seja ele assassino, traidor ou seu próprio algoz (O Furo, 1980, no. 5, p. 3).

O editorial refere-se diretamente ao processo migratório gerado nos períodos de seca pela falta de chuva na região Nordeste e que força a migração de famílias nordestinas. Esse êxodo historicamente tem levado trabalhadores dessa região do país a tentarem a sobrevivência em outros estados do país, em especial em São Paulo. As condições em que são transportados esses nordestinos que majoritariamente saem de sua terra natal em caminhão de pau de arara, geram preconceito e discriminação, como se verifica na crítica manifestada pelo editorial:

Principalmente por que esse rótulo infame de “pau de arara” já pesa muito na cabeça de todos, e o comodismo nunca foi bom pra ninguém, nem mesmo para os opressores que usam de garra e força de vontade para explorar melhor e enriquecer ainda mais (O Furo, 1980, no. 5, p. 3).

O editorialista conduz a sua argumentação no sentido de estimular o nordestino a se fixar na sua terra natal e, de imediato, desistir de migrar para região Sudeste, no caso para a cidade de São Paulo. Para isso, usa como recurso argumentativo o preconceito e a exploração da mão de obra dos trabalhadores vindos da região Nordeste do Brasil. Como se pode verificar no trecho seguinte:

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Para o inferno que queima a resistência da maior força produtiva desse país? Para uma São Paulo que insiste em não te ver como pessoa humana, digna do mesmo amor transferido para os entes queridos, da mesma compaixão para os parentes e amigos que morrem subitamente e não passam pela lenta agonia que conduz a morte, os teus? (O Furo, 1980, no. 5, p. 3).

A crítica do editorial se reveste de tom persuasivo e insiste na permanência do nordestino na sua região. E se utiliza de próximos do universo do nordestino para tentar convencê-lo a se fixar na terra natal.

Não, não deves sair. Nem agora, nem nunca mais. Muito embora desconheças o que te espera do outro lado da cerca, pois tua ilusão avassaladora como que ofusca a visão da melhor solução que está tão próxima que chega a se confundir com os pássaros e mandacarus que te cercam (O Furo, 1980, no. 5, p. 3).

Considerações

Nesses momentos iniciais da pesquisa, já podemos vislumbrar a contribuição que esses jornais Edição Extra e O Furo propuseram para o jornalismo paraibano, com transformações inspiradas em periódicos como O Pasquim quanto à linguagem, a sua forma de estruturação dos gêneros jornalísticos. Como é o caso da notícia em que a sua construção se dá a partir de elementos discursivos que não interessavam ao regime ditatorial vigente e, consequentemente, não eram também de interesse da chamada grande imprensa.

Personagens como Gregório Bezerra, D. José Maria Pires, que foram trazidos para as páginas de destaque dos jornais Edição Extra e O Furo, como as de entrevista, não eram consideradas fontes jornalísticas “confiáveis” para a chamada grande imprensa.

Nesse sentido, um enfoque crítico da realidade sócio-político cultural dos anos de autoritarismo passa inevitavelmente pelo estudo também dessas produções jornalísticas surgidas na Paraíba.

Cabe ressaltar que a adoção de uma linguagem impregnada de humor, de coloquialismo, de críticas, de recurso metalingüístico, já nos possibilita, nessa fase embrionária da nossa pesquisa, empreender que esses jornais buscavam as transformações não apenas no sistema autoritário vigente, mas também na própria forma de escrever notícias, editoriais e elaborar entrevistas.

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Referências

FAUSTO NETO, Antônio, SGORLA, Fabiane. Zona em construção: acesso e mobilidade da recepção na ambiência jornalística. Anais Compós 2013, http://compos.org.br/data/biblioteca_2110.pdf, acessado em 20/01/2014.

CATÁLOGO DA IMPRENSA ALTERNATIVA. Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4203404/4101358/catalogo_imprensa_alternativa.pdf. Acesso em: 20/01/2014.

EDIÇÃO EXTRA. João Pessoa, Ano I, no. 1, s/d.

_____________. João Pessoa, 16 a 23 ago. 1971, ano I, no. 3.

_____________. João Pessoa, 23 a 30 ago. 1971, ano I, no. 4.

_____________. João Pessoa, 30 de ago. a 5 set. 1971, ano I, no. 5.

KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários. São Paul: Edusp, 2003.

MEZAROBBA, Glenda. Um acerto de contas com o futuro. A anistia e suas conseqüências: um estudo do caso brasileiro. São Paulo: Associação Humanitária Humanitas; Fapesp, 2006.

MEDINA, Cremilda. Notícia, um produto à venda. São Paulo: Summus, 1988.

MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da notícia. São Paulo: Editora Ática, 1989.

O FURO. João Pessoa, 16 a 31 dez. 1971, ano I, no. 1.

_______. João Pessoa, 01 a 15 jan. 1980, ano I, no. 2.

_______. João Pessoa, 16 a 31 jan. 1980, ano I, n. 3

_______. João Pessoa, 15 a 29 fev. 1980, ano I, no. 4

_______. João Pessoa, mar. 1980, ano I, no. 5.

VILELA, Gileide et alli. Os baianos que rugem. Salvador: Edufba, 1996.

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Ética jornalística sob uma perspectiva bucciniana: The Newsroom, o fantasma da

manipulação midiática e o jornalismo idealSinaldo de Luna Barbosa1

ResumoNo livro Sobre ética e imprensa (2000), o jornalista e pesquisador Eugênio Bucci faz levantamentos acerca de questionamentos que permeiam o universo da ética no jornalismo e para ilustrar as ideias por ele levantadas no capítulo O Vício e a Virtude buscaremos brevemente destacar e analisar alguns trechos do seriado americano de televisão The Newsroom, que versa sobre o dia-dia de um telejornal estadunidense, em meio às mudanças de equipe e constantes problemas de audiência, que aborda em seus dez episódios da primeira temporada lembretes e ensinamentos aos profissionais do jornalismo. O seriado nos servirá de corpus de estudo sob uma perspectiva bucciniana e elementos defendidos por Walter Lippmann para destacar alguns vícios jornalísticos que põem em debate a ética da profissão.

Palavras-chave: Ética no jornalismo. The Newsroom. Opinião Pública. Manipulação.

1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB, onde é investigador do grupo de pesquisa Laboratório de Estudo dos Meios – LEME, e Bacharel em Comunicação Social, habilitação em jornalismo, pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, onde atualmente é investigador do grupo de pesquisa em Jornalismo e Mobilidade – MOBJOR.

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Introdução

Em O vício e a virtude, capítulo do livro Sobre ética e imprensa (2000), o jornalista e pesquisador Eugênio Bucci discorre sobre o que considera importantes temas de debate acerca da ética profissional jornalística. No texto, o autor traz ainda sete erros, ou vícios, que foram elencados pelo jornalista americano Paul Johnson, os chamados sete pecados capitais do jornalismo.

Segundo Bucci, a lista organizada por Johnson é uma importante ferramenta para início dos questionamentos éticos da profissão. “A lista é arbitrária, mas é um bom ponto de partida” (BUCCI, 2000, p. 131). Dentre os pontos elencados como pecados, destacaremos a “distorção” e o “abuso de poder”, em meio ao processo de construção da notícia em uma redação para um telejornal.

Abordaremos trechos da série The Newsroom, onde a exibição das matérias acontece de maneira mais analítica e de maneira a provocar discussões mais profundas no telespectador, como ilustração das ideias buccinianas dos principais questionamentos levantados em “O vício e a virtude”, em especial do que ele chama de fantasma da manipulação.

The Newsroom

De autoria de Aaron Sorkin, premiado com o Oscar de Melhor Roteiro Original por A Rede Social, a série de televisão americana The Newsroom, da HBO, leva à sua trama o dia-dia dos bastidores de uma equipe de jornalistas em meio ao processo de construção das matérias a serem levadas ao ar por um telejornal de TV a cabo estadunidense, um telejornal que, como é enfaticamente dito em seus episódios, é comprometido unicamente com a verdade noticiosa e busca libertar-se das amarras da audiência para ser livre ao que de fato julga dever ser noticiado e sem barganhar ou ter medo de personalidades poderosas. Transmitir o que é de interesse público.

Por trazer em cada um de seus dez episódios na primeira temporada uma série de lembretes e ensinamentos à prática jornalística, mesclando a ficção de sua trama a acontecimentos reais que foram pautas de destaque nos jornais americanos e do mundo todo, como captura e morte do terrorista Osama Bin Laden, o acidente nuclear em Fukushima e a corrida presidencial americana, The Newsroom, talvez, seja uma obra-manual de como fazer um bom telejornal, ideal ao jornalismo. O próprio editorial ditado pela produtora executiva do telejornal ratifica os objetivos

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do programa: reivindicar o quarto poder. Reivindicar o jornalismo como profissão honrosa. Um telejornal noturno que exibe um debate digno de uma grande nação. Civilidade, respeito e retorno ao que é importante... Um lugar onde todos estaremos juntos.

Nos aspectos técnicos, a série se aproxima bastante do que chega a ser uma redação de telejornal graças à técnica de roteiro adotada por Sorkin, o chamado “walk and talk”, que consiste no diálogo dos personagens enquanto eles andam, reproduzindo a correria das redações.

Apesar de considerada utópica e divergente da realidade de uma redação de telejornal, no que tange ao conteúdo e trama explorados, a série é um celeiro de debates sobre a prática jornalística e dá margem a discussões do modelo comunicacional empregado pelas empresas midiáticas, fazendo uma ode ao jornalismo ideal e mostrando possibilidades, por mais que sejam ousadas, de mudar esse atual paradigma informacional pré-moldado nos grilhões econômicos.

O jornalismo ideal: uma perspectiva bucciniana

Talvez, uma das premissas mais consagradas do jornalismo e a principal em The Newsroom, transmitir o que é de interesse público, seja um tema debatido mais a fundo desde a década de 20, quando o jornalista Walter Lippmann, defendeu em Opinião Pública (1922) que a conduta da sociedade estava diretamente ligada ao que era veiculado pelo jornalismo, muitas vezes gerando concepções erradas sobre determinados fatos e acontecimentos, dando direcionamentos e formando opinião nessa sociedade, a opinião pública.

Para Bucci (2000), o centro dos questionamentos que permeiam o universo no ideal jornalístico está exatamente no conceito de opinião pública proposto por Lippmann, “que subjaz como origem de tudo e, ao mesmo tempo, como instância suprema da sabedoria democrática: a fonte da verdade” (BUCCI, 2000, p. 155). O jornalista e pesquisador defende ainda que nos dias atuais tal conceito é tido como mito. Talvez, no surgimento da imprensa, defende o autor, o jornalismo fosse a voz da opinião pública e a soberania popular estava acima de tudo e era em torno dela que as transformações surgiam.

Todavia, com as mudanças acontecidas tanto na sociedade quanto na política organizacional midiática, onde a informação caminha com o sistema econômico, não é mais possível associar integralmente a opinião pública do agendamento dos veículos

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de comunicação. “Atualmente, a ideia de opinião pública perdura como lembrança longínqua: foi englobada pelo mercado de consumo, e a velha sabedoria democrática, cidadã por definição, parece dar lugar a manifestações dos desejos dos consumidores” (BUCCI, 2000, p. 167).

Numa breve passagem pela história da mídia, Eugênio Bucci lembra que

Os conglomerados da mídia concentram tanto dinheiro quanto os bancos, a mídia está entre os maiores negócios da atualidade, envolvendo cifras comparáveis às da indústria automobilística e das companhias fabricantes de softwares. Dois séculos de história e uma montanha de dólares separam o jornalismo atual dos jornais que buscavam realizar os ideais iluministas no calor da Revolução Francesa. Não obstante, aqueles mesmos princípios, de cidadania e direitos humanos, ainda sevem de norte para os jornalistas. É justo que seja assim, mas as coisas já não são o que costumavam ser. Há um quê de anacronismo no ar quando um repórter invoca o conceito de opinião pública para fazer isso ou aquilo (BUCCI, 2000, p. 167).

Corroborando com a breve análise de Bucci, Lippmann já defendia que o agendamento da mídia deveria partir dos anseios da opinião pública, e não o contrário, fato que acontece na atualidade. Diz o autor:

Minha conclusão é que, para serem adequadas, as opiniões públicas precisam ser organizadas para a imprensa e não pela imprensa, como é o caso hoje. Esta organização eu conheço e concebo como sendo em primeira instância a função da ciência política que ganhou seu próprio lugar como formuladora, previamente à real decisão, em vez de apologista, crítica, ou reportando após a decisão ter sido tomada (LIPPMANN, 2008, p.41).

De acordo com Lippmann, o jornalismo de sua época não estava fundamentado em fatos, mas puramente nas ideologias, conceito compreendido como conjunto de ideias que orientam a visão de mundo de um indivíduo. “A forma como o mundo é imaginado determina num momento particular o que os homens farão. Não determinará o que alcançarão” (LIPPMANN, 2008, p. 39). Assim concorda Eugênio Bucci, ao defender que o jornalista deve ir além do que estabelece a opinião pública. “Esperar que a opinião pública seja o termômetro do que é certo ou errado na imprensa e acreditar cegamente nos seus julgamentos são esperanças temerárias” (BUCCI, 2000, p. 174).

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Faz-se necessário, então, que o jornalismo volte a fazer as pazes com a sociedade, agendando aquilo que é de interesse da opinião pública, e não levando a ela ideias fundadas, muitas vezes, pelos pecados capitais jornalísticos, e nesse ponto deve ser ponderado com aquilo que Bucci diferencia entre interesse público e interesse perverso do público, assim como deve-se diferenciar legitimidade de popularidade. Para o autor, deve prevalecer a ideia do bom senso, onde um dono de emissora, por exemplo, poderia ser comparado a um pai que sabe o que é salutar para que entre em sua casa e seja assistido por seu filho. “O jornalismo, por definição, deve continuar a trabalhar para o público – e isso é bom. Mas não deve confundir o público-cidadão com o público articulado em torno das demandas de consumo” (BUCCI, 2000, p. 174).

O fantasma da manipulação e a Indústria Cultural

Para Bucci, em meio aos problemas pelos quais passa o jornalismo e o questionamento da legitimidade da opinião pública diante de julgar o certo e o errado para agendar a mídia, que por sua vez já pode ter incrustado na sociedade informações distorcidas e/ou manipuladas, é preciso que o jornalismo de qualidade encontre balizas mais eficazes informar e orientar (BUCCI, 2000, p. 175). E essa discussão é o ponto de partida para os questionamentos da ética profissional jornalística.

Sobre a manipulação recorrente nas matérias jornalísticas, Bucci a entende como sendo um dos sete pecados capitais do jornalismo, o da distorção deliberada, e, podemos assim, colocá-la próxima também de outro pecado, o do abuso de poder. “Movidos por interesses escusos, há donos de meios de comunicação e funcionários da cúpula das empresas que patrocinam mentiras para atingir objetivos particulares” (BUCCI, 2000, p. 176). Todavia, de acordo com o jornalista, a manipulação está longe de ser um fantasma tão poderoso quanto imaginam, pois, segundo essa ideia, a sociedade agiria como apenas um “curral dominado por capatazes maquiavélicos” (BUCCI, 2000, p. 177). Diz o autor:

Para que não restem mal-entendidos, vale repetir: a manipulação acontece e precisa ser combatida. Há manchetes maliciosas, enfoques tendenciosos, além das omissões deliberadas. Mas, além da manipulação, há um processo industrial que promove a identificação entre editores e consumidores sob a égide de mecanismos de mercado que automatizam os efeitos ideológicos da imprensa. Ao contrário do que supõem as teorias da conspiração permanente, esses efeitos

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se produzem sem a necessidade de interferências diretas de supostos agentes das classes dominantes infiltrados nas redações e sem que os jornalistas precisem se investir no papel de agentes do patronato. Basta que sejam agentes do mercado. A ideologia é o negócio, como diriam Adorno e Horkeimer – e, hoje, o negócio produz uma nova ideologia. De tal forma que, perseguindo as demandas de consumo de seus públicos, os próprios jornalistas se tornam os promotores (os intelectuais orgânicos cibernéticos) não mais dos interesses dos patrões, tampouco do público entendido como opinião pública, mas da ideologia desse negócio, que é a ideologia que idolatra o consumidor (BUCCI, 2000, p. 184).

Sendo assim, há, de certa forma, um processo provocado pelo sistema político e econômico que tende a transformar em homogêneo o agendamento e enfoque das principais pautas midiáticas.

Há dois séculos, quando o modelo do jornalismo era o da imprensa de opinião. Ou seja, quando os jornais nasciam para interferir na esfera pública segundo uma visão programática particular, havia tantos títulos quantas eram as correntes que disputavam politicamente a influência na sociedade. Agora, engolidos pelos conglomerados da mídia, os modelos jornalísticos de sucesso se tornam cada vez mais parecidos ideologicamente, ainda que numerosos e repletos de diferenciação de estilo. São homogeneizados pelo mercado (BUCCI 2000, p. 183).

Em Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer asseguram que a ideologia não é um sistema unidirecional que vai montando um cerco do dominador contra o dominado, mas de uma relação que também incorpora as demandas do dominado. De acordo com esses autores,

O consumidor torna-se a ideologia da indústria da diversão. Ou seja, sua ideologia não é o conjunto de ideários das ‘classes dominantes’, nem seus valores, nem sua etiqueta, mas a condição de consumidor de que a indústria cultural reveste o homem comum; não é o homem comum em si, mas o consumidor que nele se implanta. O problema todo, enfim, é que o consumidor convertido em uma nova ideologia é a negação reiterada da antiga ideologia de emancipação pela soberania popular. Antes, o sonho iluminista fazia crer que o povo soberano construiria o caminho da liberdade, sepultando as tiranias. Com a Escola de Frankfurt, percebe-se que o consumidor da indústria cultural não tem mais qualquer perspectiva de emancipação. No limite, a indústria cultural não é aquilo que a cidadania precisa – mas é aquilo que o consumidor deseja (sem saber que deseja e por que deseja) (BUCCI, 2000, p. 181).

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Antes de Bucci, Lippmann já alertava para o fato de que o processo de construção da notícia, assim como a transmissão de um acontecimento dá-se por meio da análise e da bagagem informacional que o jornalista possui. “Os fatos que vemos dependem de onde estamos posicionados e dos hábitos de nossos olhos” (LIPPMANN, 2008, p. 83).

De acordo com a teoria conspiratória do fantasma da manipulação, defende Bucci, com base na formatação da mídia contemporânea, onde a lógica do desejo está voltada para o consumo, como já dizia Adorno, a sociedade muitas vezes supõe que o jornalista é um mero serviçal de uma “classe dominante”, atendendo cegamente as ordens impostas pelos donos da mídia e com único interesse em conseguir o que apenas lhe interessa, impondo opiniões ao público que, muitas vezes, não estão a serviço dessa sociedade. Todavia, Bucci discorda dessa ideia. Segundo ele “o jornalista, se for um serviçal, é antes o criado dos desejos de consumo; ele encarna mais os desejos do consumidor do que os estratagemas do patrão” (BUCCI, 2000, p. 182).

Em meio aos questionamentos explicitados acerca do mito da manipulação jornalística e o ideal de jornalismo proposto por Eugênio Bucci, veremos como ilustração a proposta deixada pela série de televisão americana The Newsroom, que, assim como a ideia de Bucci, defende um jornalismo que lida com a verdade factual e deve promover a busca da verdade forma equilibrada e crítica.

The Newsroom e o mito do ideal jornalístico

Diversas produções já tentaram retratar o mundo do jornalismo, algumas de forma séria e dramática, como nos filmes A Montanha dos Sete Abutres (1951) e Todos os Homens do Presidente (1976), outras com uma veia mais cômica, como em  Nos Bastidores da Notícia (1987) e O Jornal (1994).

Tal qual o jornalismo do cunho ideal proposto numa perspectiva bucciniana, The Newsroom objetiva transmitir ao público apenas a verdade dos fatos, o que é de interesse público, independente dos interesses dos que forem afetados por suas matérias.

Lippmann defendia que a opinião pública, baseada estritamente nas ideologias, estaria longe da esfera do conhecimento científico. De maneira semelhante, com base nos pressupostos da construção da notícia elencados por Nelson Traquina e Rodrigo Alsina, o jornalismo também é necessariamente ideológico, pois a partir do jornalista e sua análise dos fatos, julga-se o que é ou não relevante. O acontecimento, em si, pode

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não dizer nada ou gerar qualquer repercussão na esfera pública. O que movimenta o jornalismo e a opinião pública é exatamente a forma pela qual tal acontecimento será transmitido, a interpretação dele por parte do jornalista.

A forma pela qual uma notícia será dada e quais os argumentos serão levantados é uma das principais preocupações do telejornal exibido na série The Newsroom, destacando especialmente a preocupação em levar ao público a verdade, não interessando a quem possa interferir, mesmo que sejam os principais financiadores do canal que exibe o telejornal.

Longe de querer fazer apologia ao jornalismo direto, objetivo e sem comentários, devemos esclarecer e derrubar também o mito da imparcialidade jornalística. Supõem alguns que o jornalismo puramente informativo é imparcial, enquanto que aquele arraigado de comentários e análises é tendencioso. Todavia, faz-se necessário lembrar que todo e qualquer processo de investigação de acontecimento até a sua transmissão é carregada de critérios subjetivos. Não devendo, necessariamente, ao modo de exibição o seu caráter tendencioso, por vezes malicioso.

Em suma, informar é interpretar e representar um fato acontecido. Jornalismo sem interpretação é um jornalismo vazio e o questionamento da manipulação é bem mais coerente do que ainda acreditar no mito da imparcialidade. A esse questionamento é que devemos levantar a principal função do jornalismo como centro de serviço ao debate democrático e utilidade à sociedade.

Sob essa égide de noticiar o que é de interesse público independente de quem possa afetar, a série americana é considerada um tanto utópica e aquém das redações de telejornal onde, livre das amarras do sistema político-econômico, os jornalistas pensam qual a forma mais correta e mais honesta de informar o público, não importando a opinião dos detentores do poder midiático. A notícia que provoca debate na sociedade americana é sempre mais importante.

“Bullies”: Saberemos pelo resto da vida que mentimos

Em Bullies, episódio seis da primeira temporada de The Newsroom, podemos refletir um pouco sobre importantes aspetos no que tange a prática jornalística. A questão da Ética e Deontologia, mais especificamente a importância das fontes e confidencialidade; o impacto das novas formas de comunicação no jornalismo; e a hierarquia organizacional da redação são muito bem analisados, retratando o cotidiano dos jornalistas e toda a pressão que envolve a profissão.

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Nessa seara, através de trechos contidos no supracitado episódio, podemos ilustrar bem a carga que recai sobre o jornalista em meio à construção da notícia sob a responsabilidade da honestidade e que as atitudes de cada um desses profissionais acarretará consequências talvez não calculadas quando da efervescência e imediatismo para transmissão da notícia. 

O surgimento e aperfeiçoamento de novas tecnologias que enriquecem as práticas comunicacionais, proporcionando uma sociedade em que a mídia de massa deixou de ser a forma básica de comunicação, faz com que o jornalismo passe por profundas mudanças, onde por um lado grupos comemoram que a internet tem dado passos para a real democratização da notícia, enquanto que por outro lado, grupos defendem que o turbilhão de ferramentas comunicacionais tem gerado uma forte crise no campo midiático.

No universo em que todos ganham direito à voz através das plataformas, como blogs e redes sociais, a informação circula a uma velocidade vertiginosa e isso acarreta consequências talvez ainda não tangíveis aos limites da pesquisa em jornalismo. De acordo com Fernando Firmino da Silva,

A comunicação móvel emerge como uma das principais discussões no cenário contemporâneo. O desenvolvimento de um ambiente móvel de produção centrado em tecnologias móveis digitais e conexões sem fio desencadeou novos processos comunicacionais. Junta-se a este fenômeno a expansão de práticas associadas ao conceito de mobilidade como o jornalismo móvel, jornalismo locativo e jornalismo em redes sociais móveis. Entende-se que o jornalismo está diante de novas interfaces relacionadas às suas condições de produção no processo de apuração, produção e emissão conectadas essencialmente à rotina produtiva do repórter em campo. Pensar tipologicamente este cenário pode nos ajudar a enquadrar e identificar de forma mais consistente as metamorfoses pelas quais passa o jornalismo na atualidade, apontando, assim, as possíveis consequências, potencialidades e desafios para a prática no século XXI (SILVA, 2012, p. 149).

Outras características provindas dos novos processos de comunicação podem ser identificadas através de dois fenômenos: a convergência e a descentralização da produção, como afirma Ben-Hur Correia:

A convergência vem mostrar novas plataformas para a circulação do produto, novos modos de fazer com que essa etapa, compreendida através do seu envio, seu processamento no meio social e seu retorno, seja efetivamente realizada, e saber o posicionamento profissional

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frente a essa nova realidade. A descentralização propõe a apropriação do produto jornalístico pelo público para que esse seja parte atuante dos mecanismos de circulação, modificando ou não o conteúdo em si, mas sempre se manifestando para a propagação desse conteúdo (CORREIA, 2012, p. 58).

Sobre esse choque de universos e modos de fazer jornalismo, The Newsroom parece transitar entre esses meios e gerar importantes reflexões, quando um telejornal de TV a cabo americano decide que é necessária uma reformulação completa do seu tratamento às matérias e como cada uma delas será apresentada ao público, assim como defende Bucci. “Se o jornalismo aceita os paradigmas de classificação do mundo dados pelo consumismo, ele foi engolido pela lógica do consumismo” (BUCCI, 2000, p. 134).

Na série, a cena em que o protagonista, e âncora do telejornal, Will McAvoy, fica aborrecido pelos comentários em seu website é um exemplo disso. Faz-nos questionar sobre o fim do jornalista como gatekeeper, e que este profissional não é mais encarado como portador da única versão verdadeira dos fatos. Ele pode sim ser questionado e não é dono da verdade. Neste cenário, o jornalista não é mais protagonista do monopólio informático.

O debate em torno da adaptação à metodologia que a internet oferece pra prática jornalística é ainda mais evidente nessa cena do seriado quando o jornalista McAvoy é ameaçado de morte através de comentário postado em seu website e que a informação disponível a qualquer indivíduo, bem como a descentralização, seja do público alvo, seja da produção da notícia, pode ser algo perigoso, tendo em vista ser uma novidade que antes mesmo de construir-se por completo e ser explorada pelo universo da pesquisa, já sofre grandes mutações e reinventa-se diariamente.

Apesar da válida e profunda reflexão sobre a questão levantada, o maior destaque de caráter ético do episódio gira em torno da busca e manutenção da honestidade na transmissão da notícia e as relações de hierarquia dentro de uma redação, além da responsabilidade do jornalista para com a fonte e o respeito à sua confidencialidade.

No episódio, baseado no acidente nuclear em Fukushima, no Japão, a jornalista Sloan vê-se diante de uma situação delicada em que recebe notícia de uma fonte que está no local do acidente, mas que devido à sua função profissional estabelece uma relação de confidencialidade, dando uma informação “em off” tendo em vista ser tal informação alarmante à população japonesa.

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O off, de onde deriva o offismo, é um termo usado no glossário de jargões jornalísticos. De acordo com Eugênio Bucci, o termo tem origem na expressão inglesa off the record, que designa aquilo que se diz a um jornalista confidencialmente, isto é, algo que se diz para não ser registrado. Segundo o Código Deontológico, o jornalista não deve revelar as suas fontes nem desrespeitar os compromissos assumidos. “O que a fonte declara em off, rigorosamente é algo que não deve ser publicado nem mesmo quando ela, fonte, não é mencionada na reportagem” (BUCCI, 2000, p. 132).

No episódio, Sloan, que recebeu uma notícia alarmante e não oficial precipitou-se, tornando essa informação pública, acabando por expor a sua fonte e afetando a sua credibilidade enquanto jornalista. Se não bastasse, ainda colocou em risco o emprego de sua fonte. Após a transmissão da informação, a jornalista é bombardeada pela responsabilidade da atitude que acabara de ter.

De acordo com Machado (2006), “contemporaneamente, a circulação pode ser vista além das estruturas que possibilitam o contato entre o público e o produto jornalístico, mas também através dos fluxos criados por essas estruturas” (MACHADO, 2006, p. 58).

Ben-Hur diz ainda que a informação jornalística no ciberespaço é a última etapa do processo de produção jornalística e consegue ser apropriada pelo público para customização e redistribuição, além de contribuir para uma retro-alimentação do fluxo de informação iniciado na produção (CORREIA, 2012, p. 60).

Sobre a celeridade em que a notícia é produzida, e ilustrando como a cena da série americana, Bucci nos lembra que

[...] a pressa é obrigatória no jornalismo. Ela faz parte do ideal de perfeição. Quanto mais rapidamente a notícia vai para o público, melhor. O que acontece é que o jornalista se vê entre dois imperativos de origens distintas: um é o da agilidade e o outro o da precisão [...]. A pressa é boa e necessária – mas, quando assumida como um valor ético equiparável à correção, pode ser o atalho para o erro [...]. Acima das exigências de velocidade do mercado, deve estar o compromisso com a verdade (BUCCI, 2000, p. 140).

No programa de TV americano, a jornalista vê-se refém do desencadeamento vertiginoso da informação dada e de imediato passa a sofrer as consequências de ter exposto uma fonte devido o fetiche dar a informação inédita. Pela linha editorial do telejornal do seriado, é mais fácil acreditarmos que a informação dada pela jornalista envolvida no episódio apresenta realmente relevante utilidade à população, que até então, estava sendo enganada pelo governo japonês, mas a atitude da jornalista Sloan

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acabou por gerar um problema de grande proporção quando a fonte é ameaçada de perder o emprego e ela afastada da redação, a pedido do chefe do canal.

Em meio à situação, remetemo-nos ao que assegura Bucci no que define como ideal jornalístico:

E é aqui que se funda a particularidade do jornalismo em relação aos meios de comunicação em geral: ele lida com a verdade factual e deve promover a busca da verdade de forma equilibrada e crítica, enquanto os meios de comunicação prestam-se a qualquer tipo de conteúdo [...]. A ética da imprensa é específica e assim deve ser, para benefício público (BUCCI, 2000, p. 186).

Ainda, Bucci diz que a ética é essencial para proteção do jornalismo. Ela deve cuidar de orientá-lo e atender o consumidor de forma crítica, sem se restringir às demandas do mercado.

A ética certamente condena qualquer tentativa de manipular informações, mas não para aí. Procura estabelecer um norte para que, no afã de servir ao consumidor, o jornalista não se desvie de sua função social. A ética ajuda o jornalista a se afastar da idolatria do consumo, e o convida ao atendimento das exigências de diversidade e pluralidade que a democracia impõe (BUCCI, 2000, p. 185).

Buscando atender a função social de servir a população, onde nos remetemos ao conceito de responsabilidade social do jornalista trazido por Alsina (2009), a jornalista Sloan, em meio à linha editorial do telejornal em que trabalha e a real possibilidade de descrédito profissional, além de poder ocasionar a perda de emprego de sua fonte, vê-se diante de uma alternativa encontrada pelo seu chefe, o diretor do canal televisivo, para solucionar o problema.

Para reparar o problema, o chefe sugere que Sloan, fluente na língua japonesa, cometeu um erro de pronúncia, mesmo quando a informação dada pela jornalista já havia sido confirmada. Sloan havia contemplado o público do telejornal com uma informação exata, mas a estabilidade de sua profissão e o emprego de sua fonte estavam prestes a serem arruinados.

Atitudes intempestivas e independentes podem trazer consequências graves. A responsabilidade do jornalista é muito grande e está ambientada num lugar onde não há espaço para erros. Toda informação tem que ser fundamentada posto que se repercute em pessoas, em vidas.

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Para apaziguar a situação, Sloan é obrigada a mentir no telejornal, afirmando ter cometido erro de pronúncia, contribuindo para manutenção do emprego de sua fonte, apesar de manchada a credibilidade da jornalista. Restou aos bastidores da redação aprisionar a arquitetura fajuta do que foi levado ao público e a esconder a verdade.

O peso da responsabilidade que um jornalista detém ao relacionar-se com a fonte e levar ao público uma informação manipulada, distorcida de maneira deliberada, nos é apresentada ainda no episódio de The Newsroom pelo protagonista do seriado ao afirmar que a equipe do telejornal é a notícia e eles saberão pelo resto da vida que mentiram, carregando assim o seu peso.

Na mesma linha, sobre o peso da responsabilidade da informação dada e o relacionamento com a fonte, lembramo-nos do caso de Truman Capote em A Sangue Frio e do filme A Montanha dos Sete Abutres, em que o jornalista foi responsável por grande parte do desenvolvimento da história e, até mesmo, seu desfecho. Um questionamento de cunho ético profundo e demasiadamente relevante à prática jornalística nos dias atuais.

Considerações finais

The Newsroom é só um programa de TV americano, mas traz em cada episódio, quase que a cada cena, questionamentos pertinentes à esfera da profissão jornalística: os “portões” pelos quais a notícia deve passar antes de chegar ao público, o grau de disposição dos jornalistas para enfrentar as forças que são aplicadas pelos padrões mercadológicos, os objetivos dos anunciantes das empresas midiáticas e, por fim, se o jornalismo, em especial o telejornalismo, suporta informar toda a verdade.

A série é uma ode ao jornalismo ideal do ponto de vista da responsabilidade em informar ao público a verdade dos fatos, sua responsabilidade social em incomodar e provocar o debate. Em suas abordagens, o seriado ilustra exatamente o jornalismo ideal proposto por Eugênio Bucci.

Apesar das críticas de ser uma prática utópica, o jornalismo de The Newsroom é um universo de ensinamentos aos profissionais e pesquisadores da comunicação. Talvez, por ser só uma série, não seja capaz de mudar a prática jornalística nas redações americanas ou de qualquer parte do planeta mas, ao menos, fomenta o debate em torno das principais questões éticas da profissão.

Todavia, faz-se necessário lembrar também que Aaron Sorkin, nos anos 90, reinventou o drama na TV americana com a série The West Wing, que representava

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uma Casa Branca idealista e foi responsável por inspirar diversos jovens a entrar na política. Se The Newsroom trilhar pelo mesmo caminho, a sociedade americana terá futuros jornalistas mais inquietos com a ética e a moral jornalísticas.

A conduta dos jornalistas do seriado, em especial do âncora, pode servir de estudo para outro trabalho, ou aprofundamento deste, sobre a ética profissional no relacionamento direto com a fonte. Fonte esta que muitas vezes no ato da entrevista é colocada contra a parede, até mesmo hostilizada sob a alegação de que é necessário arrancar a verdade, que deve ser, a todo custo, apresentada ao público.

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BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

CORREIA, B. A. Circulação da informação no Jornalismo em bases de dados: delimitações iniciais sobre o objeto de estudo. Florianópolis: Insular, 2010.

COSTA, Caio Túlio. Ética, jornalismo e uma nova mídia: uma moral provisória. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

LIPPMANN, Walter. Opinião Pública. Tradução e Prefácio: Jacques A. Wainberg. Editora Vozes: Petrópolis, 2008.

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SCHWINGEL, Carla. Produção e colaboração no jornalismo digital. Florianópolis: Insular, 2010.

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TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: por que as notícias são como são. V. 1. Florianópolis: Insular, 2004.

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Fotografia em sites de redes sociais: análise de imagens de uma manifestação popular

Raul Augusto Ramalho1 Luiz Custódio da Silva2

Resumo Este artigo tem o objetivo de analisar a midiatização de uma manifestação popular realizada na cidade de Campina Grande, estado da Paraíba, no Nordeste do Brasil, no dia 20 de junho de 2013. Analisar-se-á, através de conceitos semióticos e de linguagem fotográfica, o formato, a qualidade, os possíveis significados e intencionalidades de fotografias, relativas ao dia do protesto, postadas nos sites de redes sociais facebook e twitter. Será feita uma abordagem teórica sobre o fotojornalismo, relacionando-a às novas possibilidades tecnológicas de produção e circulação de conteúdos. Conclui-se que, no ambiente virtual, há uma clara receptividade às imagens com uma estética diferenciada do que é produzido pelos meios jornalísticos tradicionais. Estética essa marcada pelo descompromisso com a contextualização e a arrumação que são características dos ambientes profissionais de disseminação de informação fotográfica.

Palavras-chave: sites de redes sociais. Fotografia. Fotojornalismo. Manifestação.

1 Jornalista com experiência em telejornalismo e assessoria de comunicação. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Mídia e Assessoria de Comunicação pelo Centro Superior de Ensino Reinaldo Ramos (Cesrei). E-mail: [email protected].

2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e professor da Universidade Estadual da Paraíba (UFPB). Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). E-mail: [email protected].

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Introdução

Brasil, junho de 2013. Centenas de manifestações varreram o país de Norte a Sul, de Leste a Oeste. O motivo primário dos protestos foi o aumento de R$ 0,20 no preço da passagem do transporte coletivo na cidade de São Paulo, a maior da nação. A truculência com que o Estado tratou os manifestantes - além de outros fatores, como a agressão a diversos jornalistas, o que fez com que a grande mídia, que se colocava em ampla maioria contra os movimentos, “mudasse de lado” e passasse a apoiar fortemente as mobilizações (SÔLHA, 2013) – ajudou a inflamar ainda mais os protestos. Os motivos já não eram baseados apenas no preço da passagem do transporte coletivo, mas em uma gama de reivindicações que tratavam de temas os mais gerais, como educação, saúde, segurança e etc.

A mobilização e o intenso acompanhamento, através de fotografias, vídeos (ao vivo e gravados), textos, comentários, conversações nos sites de redes sociais, foram notáveis em praticamente todos os atos. Modo parecido de mobilização e cobertura pela internet é discutida por Malini e Antoun (2013), os quais explanam a força das redes sociais online em um protesto realizado em Vitória, no Espírito Santo, no ano de 2011, além de darem exemplos de mobilizações através do meio virtual em outros lugares do mundo.

Nas coberturas colaborativas das redes, os perfis agem como se estivessem dentro do fato, reportando de modo enunciativo os detalhes do acontecimento. Mas seus relatos são permeados por anúncios, denúncias, opiniões e mensagens, que demonstram, como dizem os americanos, uma “self expression”. Os exemplos trazidos revelam como a Internet tem aberto, nos últimos 20 anos, novas práticas de liberdade no terreno da produção de informação. (MALINI; ANTOUN, 2013, p. 248).

A exemplo do que acontecia em todo o Brasil, no dia 20 de junho de 2013, a cidade de Campina Grande, com cerca de 385 mil habitantes (segundo o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE -), situada no interior da Paraíba, a aproximadamente 130 quilômetros da capital João Pessoa, no Nordeste do Brasil, foi cenário de uma manifestação, em que cerca de 20 mil pessoas, segundo as autoridades policiais, caminharam pacificamente pelas principais ruas do Centro da cidade.

Apesar da tranquililidade do “protesto”, essa mobilização seguiu os padrões nacionais no que diz respeito ao uso dos sites de redes sociais para a postagem de

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fotos, vídeos e textos sobre o evento. Tais postagens se configuraram como verdadeiras formas de coberturas extra - jornalísticas da manifestação.

Dentro desse contexto, no qual os sites de redes sociais foram fortes espaços para o acompanhamento dessa manifestação, o objetivo deste artigo é analisar especificamente postagens de fotografias relativas ao evento. Analisaremos duas postagens (uma no facebook e uma no twitter – com ligação ao instagram). Basearemo-nos nas concepções semióticas de Santaella e Nöth (2001) e Fidalgo (2008) que revisitam clássicos da área, a exemplo de Barthes e Peirce, além de Joly (2002) que trata da interpretação da imagem. Apoiaremo-nos também na visão de linguagem fotográfica de Juchem (2009) que se utiliza de acepções relativas à morfologia, sintaxe e semântica para descobrir os significados das fotos, bem como as intencionalidades de quem as tira. Apesar de serem materiais amadores, partimos do pressuposto de que quem usou o meio tecnológico para fotografar, e depois postar nos sites de redes sociais, teve alguma intencionalidade, quis passar alguma mensagem.

Discutiremos, também, a possível guinada estética que estamos observando na atualidade, já que os frequentadores do mundo virtual parecem estar cada vez mais susceptíveis a apreciarem (e compartilharem) materiais midiáticos publicados sem os cuidados técnicos comuns em ambientes profissionais, como os jornais impressos ou os telejornais. Para discutir essa situação, utilizaremos, como método, a abordagem teórica das duas realidades (amadora x profissional) para que possamos criar um parâmetro de comparação.

Perspectivas teórico-metodológicas

De início, é importante diferenciar o termo “redes sociais” do termo “sites de redes sociais”, já que estamos tratando dos ambientes nos quais repousam os objetos para nossa análise. Vejamos:

Redes sociais na Internet são constituídas de representações dos atores sociais e de suas conexões. Essas representações são, geralmente, individualizadas e personalizadas. Podem ser constituídas, por exemplo, de um perfil no Orkut, um weblog ou mesmo um fotolog. As conexões, por outro lado, são os elementos que vão criar a estrutura na qual as representações formam as redes sociais. Essas conexões, na mediação da Internet, podem ser de tipos variados, construídas pelos atores através da interação, mas mantidas pelos sistemas online. Por conta disso, essas redes são estruturas diferenciadas. Ora, é apenas

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por conta desta mediação específica que é possível a um ator ter, por exemplo, centenas ou, até mesmo, milhares de conexões, que são mantidas apenas com o auxílio das ferramentas técnicas. Assim, redes sociais na Internet podem ser muito maiores e mais amplas que as redes offline, com um potencial de informação que está presente nessas conexões. [...] As redes sociais também devem ser diferenciadas dos sites que as suportam. Enquanto a rede social é uma metáfora utilizada para o estudo do grupo que se apropria de um determinado sistema, o sistema, em si, não é uma rede social, embora possa compreender várias delas. Os sites que suportam redes sociais são conhecidos como “sites de redes sociais” (RECUERO, 2009, p. 40-41).

Nota-se, então, uma forte potencialidade no alcance das interações nos sites de redes sociais. Tais interações (configuradas através de vídeos, fotos, gravuras, simples comentários e etc.) diversas vezes suprem lacunas jornalísticas, na transmissão de acontecimentos. De acordo com Recuero (2009) as redes sociais podem complementar a prática jornalística, atuar como fontes e nesses espaços “é possível encontrar especialistas que podem auxiliar na construção de pautas, bem como informações em primeira mão” (RECUERO, 2009, p. 46). Porém, a mesma autora, reconhecendo as dificuldades de contextualização nos sites de redes sociais, diz que “as informações difundidas pelas redes sociais não precisam, necessariamente, ter um valor-notícia ou um compromisso social, como teoricamente, as jornalísticas (ou aquelas produzidas pelos veículos) precisam” (RECUERO, 2009, p. 50).

Os sites de redes sociais, na verdade, fazem parte de um contexto bem mais amplo propiciado pelo avanço da tecnologia e pela expansão da internet. Hoje, o meio virtual é uma extensão da vida real, uma forma de vida, um bios midiático, como define Sodré (2009). Várias características emergem dessa realidade norteada pela tecnologia e pelas interações através dos meios virtuais. No que tange ao interesse deste artigo, vamos discutir os impactos dessa realidade intensamente midiatizada na área da comunicação, seja ela jornalística ou não. Nesse sentido, Ramonet (2012, p. 27) coloca que:

Nós passamos da era das mídias de massa para a era da massa de mídias. Antes, as “mídias-sol”, no centro do sistema, determinavam a gravitação universal da comunicação e da informação em torno delas. Agora, “mídias-poeira”, espalhadas pelo conjunto do sistema, são capazes de se aglutinar para constituir, em certas ocasiões, superplataformas midiáticas gigantescas...

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O autor aborda ainda a atuação dos usuários da rede dentro do ambiente virtual. Para ele, o aumento de possibilidades é bastante positivo para a abertura de canais comunicacionais:

Nós saímos de um sistema mídia-cêntrico para um sistema eu-cêntrico, em que cada internauta possui o poder de comunicar sons, textos, imagens, de trocar informações, de redistribuí-las, de misturá-las a diversos documentos, de realizar suas próprias fotos ou vídeos e de colocá-los na rede, onde massas de pessoas vão vê-las e, por sua vez, participar, discutir, contribuir, fazer circular. O desenvolvimento das redes sociais renova, assim, o projeto de uma democratização da informação (RAMONET, 2012, p. 28, grifo do autor).

Tratando também de questões relacionadas às mudanças ocasionadas pelo desenvolvimento da internet e pela expansão dos meios interativos, Malini e Antoun (2013) convergem com Ramonet (2012) no que diz respeito à liberação do polo emissor. Defendem que a mídia tradicional, não mais detentora do poder unilateral de informar, sucumbe às irradiações do ambiente virtual.

Nessa perspectiva, as mudanças causadas pelo crescimento das relações nos ambientes virtuais expandem-se vertiginosamente. Uma das alterações passa pelo sentido estético do que se torna apreciável pelas pessoas. Segundo Fernandes (2011, p. 329), “[...] o teor estético de qualquer manancial sígnico consiste em sua capacidade de alterar o animus do leitor, porque o leva a experimentar certas sensações que transcendem o mundo da realidade concreta e imediata” (grifo do autor). O mesmo autor destaca ainda a forma como somos abalados pela experiência estética, o que segundo ele, é algo subjetivo: “[...] as estratégias estéticas passam despercebidas à consciência do leitor comum, onde quer que ocorram, porque ela não é da origem do cálculo e da racionalidade, mas do fascínio, do sentir e do reagir ao sentimento” (FERNANDES, 2011, p. 340). Assim, o leitor experimentaria sensações emanadas de categorias que vão, entre outras, do belo ao grotesco, do bonito ao trágico, do sublime ao cômico (SOURIAU, 1973 apud FERNANDES, 2011).

Mas, mesmo aceitando a experiência estética como algo subjetivo, entendemos que as pessoas são expostas, de diversas formas, a certos padrões estéticos, com objetivos os mais variados possíveis. Segundo Hauser (1984), citado por FERNANDES (2011, p.329), “[...] os mecanismos estéticos se integram e se compõem com as orientações ideológicas”. Diante disso, depreendemos que mesmo com uma suposta liberdade, existe um direcionamento que leva as pessoas a criarem suas categorias estéticas.

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Trazendo essa discussão para a proposta desse estudo, cabe colocar que o jornalismo criou uma forma de passar a informação esteticamente moldada para que os consumidores de notícias possam absorver de forma mais eficaz o que é publicado. Sobre o fotojornalismo, vejamos o que diz Barthes (1980, p. 130 apud SANTAELLA; NÖTH, 2001, p. 112): “[...] uma foto de imprensa é trabalhada, escolhida, produzida, construída e editada de acordo com normas profissionais, estéticas e ideológicas, que contém fatores conotativos”.

Persichetti (2006) defende, em uma visão bem radical, que o fotojornalismo morreu. Para a autora, desde a década de 90, o fotojornalismo vive o culto da arrumação técnica, da pouca preocupação em informar, da foto ilustrativa e da “dramaticidade construída por uma estética vazia” (PERSICHETTI, 2006, p. 184).

Estamos frente sim a uma revolução visual, a uma nova modalidade de produzir e consumir imagens, mas a morte do fotojornalismo não pode ser creditada à tecnologia e sim à falta de interesse de editores e fotógrafos em sair do convencional, do fotografável, do “óbvio eficiente” [...] (PERSICHETTI, 2006, p. 182 grifo da autora).

Dentro desse contexto, o suposto declínio do fotojornalismo e, principalmente, o avanço tecnológico, potencializam as possibilidades de que conteúdos fotográficos não-jornalísticos ou produzidos por não-jornalistas possam circular com mais facilidade, atingindo um número maior de pessoas. Inclusive, com os jornais impressos e online se apropriando de fotos amadoras, como forma de se aproximar mais da sua audiência (PERSICHETTI, 2006).

Segundo Ramonet (2012, p. 25) “a criação profissional coexiste com a amadora”:

Vemos surgir um novo tipo de indivíduo: o pro-am (profissional-amador). Ele desenvolve suas atividades amadoras, segundo padrões profissionais. Ele deseja, no âmbito de lazeres ativos, solidários ou coletivos, reconquistar completamente partes da atividade social como as artes, a ciência e a política, que tradicionalmente são dominadas pelos profissionais (FLICHY apud RAMONET, 2012, p. 25-26, grifo do autor).

Há quase 30 anos, Flusser (1985) citado por Santaella e Nöth, (2006, p. 124) já discorria sobre as facilidades do ato fotográfico:

Fotógrafo amador apenas obedece a modos de usar, cada vez mais simples, inscritos ao lado externo do aparelho. Democracia é isto. De maneira que quem fotografa como amador não pode decifrar fotografias (grifo do autor).

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É bem verdade que o fotógrafo amador pode ser incapaz de decifrar uma fotografia, mas ao tirar uma foto, a exemplo de um profissional, ele quer passar uma mensagem. Assim defende Juchem (2009, p. 328), que considera a “fotografia como meio de comunicação emitido por um remetente a um destinatário”.

Nesse contexto, consideramos que mesmo as fotografias amadoras têm um significado. Juchem (2009, p. 327) propõe um método de análise (o qual vai ser utilizado neste artigo, como já foi colocado) que procura aliar a forma e o conteúdo da fotografia, os quais unidos propiciariam o entendimento da mensagem repassada pelo fotógrafo.

[...] busca-se considerar a fotografia como passível de três níveis de linguagem, quais sejam morfologia, sintaxe e semântica. Neste sentido, enquanto os níveis morfológico e sintático aproximam-se mais das questões da forma, o nível semântico aparece mais relacionado ao conteúdo da mensagem em si.

Aprofundando a proposta de análise, Juchem (2009, p. 332) explica:

Em primeiro lugar será considerada a morfologia da imagem como aspectos relativos à forma da fotografia, ou seja, sua aparência externa, priorizando suas questões concretas e físicas. Num segundo momento a sintaxe deve ser analisada a partir da organização visual dos elementos, bem como coordenadas de tempo e espaço que, em algumas imagens específicas, serão fundamentais. Estes dois aspectos inicias irão culminar na semântica fotográfica, ou seja, no significado da imagem, no conteúdo da mensagem fotográfica.

Para realizar esse estudo das imagens, realizaremos, basicamente, um trabalho interpretativo. Partindo justamente da discussão do que é interpretação, adentramos no campo da semiótica.

Referindo-se às imagens, Santaella e Nöth (2001, p.141), afirmam que “a semiótica tem, como a ciência geral dos signos, a tarefa de desenvolver instrumentos de análise desses produtos prototípicos do comportamento sígnico humano”. Na mesma direção, Prado Coelho (1987) citado por Fidalgo (1998, p.17), explica que, segundo o pensamento de Charles Sanders Peirce, a compreensão de um signo “exige a intervenção de uma personagem: o intérprete”.

Definindo interpretação, Joly (2002, p. 13), apoiando-se em estudos de Rastier (2001), explica que

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[...] a interpretação é uma operação mental que consiste em conferir um sentido a um passo ou a um texto, seja ele qual for. [...] a interpretação de mensagens, e das mensagens visuais ou audiovisuais em particular, é também decifrar, explicar, a fim de compreender e/ou fazer compreender (grifo do autor).

Porém, a interpretação não é algo objetivo, Joly (2002, p. 12) defende que “nenhuma mensagem seja ela qual for, se pode arrogar uma interpretação unívoca”.

Abordando algumas formas de interpretar um signo, Hébert (2001 apud JOLY, 2002, p. 14) exemplifica duas formas de interpretação:

A interpretação intrínseca (...) e a interpretação extrínseca (...). A primeira salienta os elementos presentes no texto ou na mensagem: a segunda, que pressupõe evidentemente a primeira, produz significados não presentes no texto ou na mensagem.

Essas duas formas de interpretação convergem com a proposta de interpretação da imagem evidenciada por Juchem (2009), a qual considera também elementos externos ao texto visual. Inclusive, o contexto institucional, as condições de produção e de difusão das imagens devem ser levadas em consideração para se interpretar uma imagem (Joly, 2002).

Outro fator a ser levado em consideração ao interpretar um signo visual é uma possível dependência linguística para o entendimento da imagem. Barthes (1964 apud SANTAELLA; NÖTH, 2001, p. 42) explica os seguintes argumentos a favor do entendimento da imagem através da mediação da linguagem, tendo como referência as fotos de imprensa e propaganda:

Imagens [...] podem significar [...] mas isso nunca acontece de forma autônoma. Cada sistema semiológico tem sua própria estrutura lingüística. Onde existe uma substância visual, por exemplo, seu significado é confirmado pelo fato de que ele é duplicado por uma mensagem visual de tal forma que, no mínimo, uma parte da mensagem icônica seja redundante ou aproveitada de um sistema lingüístico.

Na mesma linha de pensamento, Veras (2009 apud JUCHEM, 2009) entende que mesmo em uma sociedade imagética como a nossa, as pessoas não estão preparadas para fazer leituras de imagens e para isso é necessário um apoio linguístico.

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[...] dificilmente um conjunto de fotografias consegue embasar-se unicamente em imagens quando busca o desenvolvimento de uma narrativa. Mesmo no jornal impresso, onde texto e imagem não raro somam-se para uma comunicação mais clara e eficiente, e muito embora a linguagem jornalística, tanto visual quanto textual, tenha suas peculiaridades, é fácil percebermos que uma imagem não se sustenta sozinha, exigindo ao menos uma legenda explicativa (JUCHEM, 2009, p. 330).

Ora, nosso objeto de estudo está fora da prática jornalística, mas o apoio linguístico às imagens nos sites de redes sociais é notável, basta percebermos as descrições e os comentários, os quais tornam-se elementos facilitadores da compreensão do material sígnico apresentado.

Necessário também, como forma de análise, utilizarmos o sistema categorial triádico de Peirce, essencial para a compreensão da sua semiótica. Fernandes (2011) apoiou-se nesta categorização para interpretar uma fotografia de guerra, que mostrava toda a miséria de uma região da África. Santaella e Nöth (2001, p.143), assim sintetizaram essa ordenação Peirciana:

A categoria primeiridade é, segundo Pierce, “a forma de ser daquilo que é como é, positivamente e sem nenhuma referência a qualquer outra coisa” (CP 8.328). Ela é a categoria da presença imediata, do sentimento irrefletido, da mera possibilidade, da liberdade, da imediaticidade, da qualidade não diferenciada e da independência (cf. CP 1.302-303, 1.328, 1.531). A categoria da secundidade baseia-se na relação de um primeiro a um segundo (CP 1.356-359). Ela é a categoria do confronto, da experiência no tempo e no espaço, do factual, da realidade, da surpresa: “Somos confrontados com ela em fatos tais como o outro, a relação, a coerção, o efeito, a dependência, a independência, a negação, o acontecimento, a realidade, o resultado”. A categoria da terceiridade põe um segundo em relação a um terceiro (CP 1.337). Ela é a categoria da mediação, do hábito, da lembrança, da continuidade, da síntese, da comunicação e da semiose, da representação ou dos signos. (grifo do autor)

Colocadas essas propostas teórico-metodológicas de interpretação passamos agora a analisar o material visual e audiovisual colhido nos sites de redes sociais.

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Análise: linguagem fotográfica e relações semióticas

Adotaremos a perspectiva da linguagem fotográfica proposta por Juchem (2009) para analisarmos a primeira imagem (ver figura 1).

Figura 1: Foto da multidão na manifestação no Centro de Campina Grande, postada no facebook

Fonte: http://goo.gl/PVImUr

Nesta fotografia, postada no facebook do dia 20 de junho, a morfologia pode ser abordada a partir dos elementos externos à foto. O equipamento técnico digital usado para colher o material, provavelmente um aparelho de telefone celular, a colocação do fotógrafo (em um ponto superior aos manifestantes que estão na rua), o ambiente virtual – site de rede social – utilizado como elemento para fixação do material, o comentário abaixo da foto, a própria data da foto, tirada à noite, são elementos que ajudam a interpretar o contexto de produção e difusão do material.

Com relação à sintaxe (elementos internos da foto) encontramos a multidão amontoada, os cartazes levantados, a foto escura, a falta de luz, o enquadramento da foto, que privilegia a sensação de muita gente na mobilização.

Nessa relação de forma e conteúdo, chegamos à mensagem que possivelmente o fotógrafo quis passar ao capturar e divulgar essa imagem: a semântica. Numa percepção mais óbvia, até mesmo pelo comentário da foto, notamos que a intenção foi enfatizar que a manifestação foi um sucesso, uma multidão compareceu. Porém, em uma interpretação mais livre, podemos inferir que o fotógrafo quis mostrar que o povo de Campina Grande está mais consciente e quis reivindicar seus direitos. Além

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disso, o fotógrafo quis registrar sua participação no evento, postando uma foto em um site de rede social.

Feita essa primeira análise, passemos agora a interpretar outra postagem segundo as categorias de primeiridade, secundidade e terceiridade de Peirce.

Antes de adentramos a análise em si, interessante salientar essa convergência nos sites de redes sociais que potencializam as relações nesses ambientes. Na figura 2, observamos uma postagem no twitter, onde @gutengergueluna cita @dannybb. No link, somos encaminhados a outro site de rede social: o instagram. Nessa ambiência temos a foto (figura 3) a ser decifrada de acordo com o modelo de Peirce.

Figura 2: Postagem no twitter

Fonte: https://twitter.com/gutenbergueluna

Figura 3: Montagem de fotos postada no Instagram

Fonte: http://instagram.com/p/azKiWvgUxu/

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Na primeiridade, reparamos as cores, os tons, as palavras do comentário, o local onde a foto está inserida. São as qualidades que saltam a nossa primeira vista presentes no material.

Em seguida, começamos a identificar os elementos. Uma postagem no instagran, no dia 20 de junho. Uma imagem, apesar de amadora, com um tratamento que a deixa com uma qualidade comparável a fotos profissionais. Logo, se entende que o material representa uma montagem de várias fotos. Cada uma com uma característica diferente, mas conectadas pelo fato de fazerem parte de um mesmo evento. Observamos a multidão em uma das fotos, os cartazes, o texto desses cartazes, o texto do comentário da responsável pela postagem parabenizando quem compareceu à manifestação. As hashtags, novos tipos de links (MALINI; ANTOUN, 2013), #ogiganteacordou e #vemprarua situando o observante no acontecimento referenciado. Essa é a secundidade.

Por fim, chegamos à terceiridade. É o “valor simbólico” (FERNANDES, 2011) do material. Os significados, as relações depreendidas. Na imagem, notamos a multidão presente, a diversidade de registros através dos cartazes: a falta de água no açude que abastece a cidade, a comemoração pelo fato de as pessoas terem coragem de ir às ruas e sair do ambiente virtual, a relação com o movimento ciberativista anonimous. Podemos fazer também relações mais subjetivas e amplificadas, como o momento intenso de manifestações que o Brasil viveu em junho de 2013, o orgulho de ter vivido esse momento, cristalizado no comentário, os diversos problemas que precisam ser corrigidos no país e na cidade.

Portanto, mostramos que as fotografias passaram uma mensagem, tiveram significados. Chegou-se a uma conclusão, embora esta não seja taxativa. Pelo contrário, as possibilidades interpretativas são bastante abertas.

Considerações finais

No dia 20 de junho de 2013, os sites de redes sociais foram verdadeiras extensões das ruas no que diz respeito ao acontecimento da manifestação que reuniu uma multidão em Campina Grande. Quem possuía um computador ou um aparelho celular com acesso à internet e aos sites de redes sociais pôde acompanhar os fatos relacionados à manifestação em tempo real, através das fotos, dos vídeos e dos comentários postados por quem estava dentro e quem estava fora da mobilização.

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Porém, percebe-se uma fragmentação do conteúdo postado. A contextualização nos ambientes de sites de redes sociais teve que ser feita pelo observante. O conteúdo não foi organizado de forma que ele por si só seja entendível à primeira vista, como acontece, por exemplo, com o que é divulgado pelos meios jornalísticos. Porém, a circulação, cada vez maior, de “informação em estado bruto” (RAMONET, 2012, p.17) é uma característica da atualidade.

A movimentação dos sites de redes sociais durante a manifestação do dia 20 de junho mostrou que, pelo menos para os frequentadores destes ambientes, as categorias estéticas estão mais maleáveis. Ou seja, as pessoas aceitam o menos arrumado, o menos preparado, o menos contextualizado, em contraponto ao que encontram em meios jornalísticos e publicitários, por exemplo. A definição do que é bonito ou feio, poético ou dramático, nobre ou caricatural - mais uma vez remetendo às categorias de Souriau (1973 apud FERNANDES, 2011) – é cada vez mais movediça nos sites de redes sociais. Embora a tecnologia facilite a ação do amador, deixando o conteúdo com cara de profissional, o que se encontra é um desejo de compartilhar conteúdos, de emitir mensagens, sejam elas quais forem. A preocupação final não é com a qualidade, ou mesmo com a veracidade, mas sim com a possibilidade de divulgar e ter acesso a determinado conteúdo e daí tirar considerações a respeito.

Referências

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FIDALGO, A. Semiótica: a lógica da comunicação. Covilhã, PT : Universidade da Beira do Interior, Laboratório de Comunicação Online (LabCom), 1998.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍTICAS (IBGE). Censo 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/tabelas_pdf/total_populacao_paraiba.pdf. Acesso em: 28 de agosto de 2013.

JOLY, M. A imagem e a sua interpretação. Lisboa, PT : Edições 70, 2002.

JUCHEM, M. Linguagem fotográfica: uma possibilidade de leitura de fotografias. Linguagens - Revista de Letras, Artes e Comunicação, Blumenal, v. 3, n. 3, p. 325-347, set./dez. 2009.

Fotografia em sites de redes sociais: análise de imagens de uma manifestação popular

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MALINI, F.; ANTOUN, H. @ internet e #rua: ciberativismo e mobilização nas redes sociais. Porto Alegre : Sulina, 2013.

PERSICHETTI, S. A encruzilhada do fotojornalismo. Discursos fotográficos, Londrina, v.2, n.2, p.179-190, 2006. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/discursosfotograficos/article/view/1484/1230. Acesso em: 28 de agosto de 2013.

RAMONET, I. A explosão do jornalismo: das mídias de massa à massa de mídias. São Paulo: Publisher Brasil, 2012.

RECUERO, R. Redes Sociais na internet, difusão de informação e jornalismo: elementos para discussão.  In: SOSTER, D. A.; FIRMINO, F. (Orgs.). Metamorfoses jornalísticas 2: a reconfiguração da forma. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2009. p. 39-55.

SANTAELLA, L.; NÖTH, W. Imagem: cognição, semiótica, mídia. 3. Ed. São Paulo: Iluminuras, 2001.

SODRÉ, M. Antropológica do Espelho: uma teoria da comunicação linear em rede. 4. Ed. – Petrópolis: Vozes, 2009.

SÔLHA, H. L. ‘Media’ e as manifestações de junho: controle e disputa. Observatório da Imprensa. Projor: Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo. São Paulo, ano 17, n. 769, out. 2013. Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed769_mediae_as_manifestacoes_de_junho__controle_e_disputa. Acesso em: 23 de outubro de 2013.

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Cultura da mídia, corpo e recepção telejornalística

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Midiatização, convergência e circulação: apontamentos para os estudos de recepção em telejornalismo

Virgínia Sá Barreto1

ResumoO presente trabalho tem como objetivo analisar questões relativas à recepção de produtos culturais televisuais, especialmente, telejornalísticos face aos processos de midiatização da sociedade provocados pela convergência tecnológica e cultural entre TV e web. O texto é constituído por dois momentos precisos. No primeiro realiza-se uma reflexão teórica a respeito das transformações ocorridas no modelo de comunicação televisual, nos regimes do “ver”, nos mecanismos de interlocução discursiva e nos processos de recepção/interação. No segundo operacionaliza-se o conceito de “zona de contato”, tomando como objeto de observação alguns resultados obtidos no espaço de circulação da pesquisa “Processos de Produção, Circulação e Consumo em Telejornalismo”. Por último, chama-se a atenção para a complexidade dos estudos de recepção na atualidade, frente às diversas modalidades de receber/apreender/produzir e circular conteúdos televisuais em contextos de múltiplas ambiências do “eu” produtor com o “outro” receptor.

1 Professora da graduação do Departamento de Comunicação e do Mestrado Profissional em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba. Doutora em Ciências da Comunicação, concentração em processos midiáticos, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Pesquisadora do TECJOR–Laboratório de Tecnologias e Linguagens Jornalísticas PPJ/UFPB/CNPq; Processos comunicacionais: epistemologia, midiatização, mediações e recepção/PROCESSOCOM/CNPq/UNISINOS e da Rede AMLAT - Comunicação, Cidadania, Educação e Integração na América Latina PROSUL/CNPq/UNISINOS.

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Introdução

Originalmente a televisão foi planejada dentro de um modelo econômico industrial de entretenimento que favoreceu o processo de verticalização da relação entre “produtores ativos” e “receptores passivos”, por não haver na ocasião recursos técnicos para um modelo de TV formatado dentro da perspectiva de um retorno imediato do processo comunicativo entre o campo da produção e da recepção. Esse modelo top-down beneficiou os agentes da indústria de entretenimento televisivo, os produtores dos programas nos modos de organizar os conteúdos e os seus financiadores, pela via da apropriação dos espaços televisivos às suas publicidades. (SILVA, 2009). A predominância do caráter massivo dos conteúdos de televisão é, em parte, resultante dessa estrutura tecnológica do meio que favorece o “monopólio da fala” desses agentes, como diria Sodré (1977).

Com efeito, trata-se de um modelo técnico que forja uma comunicação “entre ausentes”. Parafraseando Thompson (1998), o receptor vê apenas o espectro da imagem do sujeito que fala na TV e, por sua vez, este não recebe as respostas daquele de imediato. Para preencher essa “incompletude entre ausentes”, os produtores propõem uma interlocução discursiva através de um contrato de comunicação. Por meio desse instrumento simbólico, fundamentalmente, o produtor pode romper essa incomunicabilidade, a ausência entre sujeitos de fato pela presença de sujeitos discursivos. Noutras palavras, os produtores podem propor um lugar para serem vistos e um lugar para o receptor se ver na tela da TV.

Nesse modelo, de imediato, à recepção cabia no máximo interpretar de forma ativa os discursos e as proposições simbólicas dos produtores. Os papeis dos sujeitos de fato da produção e da recepção eram distantes. A aproximação era apenas de ordem discursiva, simbólica, com possível “identificação imaginária”, para usar uma expressão lacaniana.

Contrato de comunicação ou proposta de pactos simbólicos

Há que se entender a natureza dialógica do discurso. Assim, pode-se dizer que o dialógico é a característica essencial da linguagem e o princípio constitutivo do discurso, ou seja, da própria condição do sentido do discurso, no qual o “índice substancial (constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o destinatário.” (BAKHTIN, 2000, p.320). Por conseguinte, o “eu” não se encontra isolado

Midiatização, convergência e circulação

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nos atos enunciativos, mas em relação constante com o “outro”, por meios de jogos e outros recursos enunciativos; dialogismo sendo entendido “como o espaço interacional entre o eu e o tu, entre o eu e o outro, no texto.” (BARROS, 1994, p.3).

Existe um sujeito sociológico, o “receptor real” dos programas televisivos, e o “sujeito discursivo” que é uma criação enunciativa do proponente da comunicação, o outro para quem ele imagina falar ou “receptor construído”. Esses sujeitos não são dissociados, tem vínculos; :um “real”, o telespectador, outro “fictício”, elaborado discursivamente com base em um modelo imaginado de realidade do primeiro. Apesar de pertencerem a dimensões distintas, essas dimensões dialogam e deixam marcas nos textos midiáticos.

A base da nossa compreensão das relações entre “sujeitos reais” e “sujeitos discursivos” na comunicação televisiva encontra respaldo no entendimento da linguagem como prática social (BAKTHIN, 1979), pois, “todo o discurso constrói em si mesmo a situação comunicativa que o constitui ao plasmar no seu interior as condições de produção e as de sua apreensão” (OLIVEIRA, 2008, p.27), apesar da separação dos contextos de produção e de recepção, dos “sujeitos reais” e as consequentes assimetrias estruturais dessa relação.

Nesse sentido, os significados dos telejornais podem ser percebidos como resultado das injunções de uma abordagem que privilegia o contexto sociocultural desses programas sem negligenciar as suas formas simbólicas com Geertz (1989), quando este propõe uma interpretação semiótica dos textos culturais de modo a entender as conexões de sentidos de suas “teias”.

Recepção, circulação e interação telejornalística

A partir dos anos 80, com o advento das novas tecnologias que se estendem como próteses tecnológicas à TV, a exemplo do controle remoto, vídeo cassete, câmara de vídeo, videogame, DVD, sistema de televisão a cabo com uma oferta maior de conteúdos televisivos, a cultura de massa televisiva ganha dimensão de “cultura midiática” (MATA, 1999). Em verdade, a partir dessa década, há formação de uma “cultura das mídias”, resultante da convergência entre linguagens e meios, numa estrutura multiplicadora de mídias, fotocopiadoras, aparelhos para gravação de vídeos, equipamentos como walkman, indústrias de videoclips e videogames, indústria de filmes em vídeos alugados em locadoras, TV a cabo etc, propiciando um consumo mais individualizado em contraposição a um consumo massivo.( SANTAELLA, 2003)

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Além disto, o mito da passividade dos telespectadores se esvai com os resultados dos estudos de recepção dos anos 80, dentro da perspectiva das “mediações culturais” de Martín-Barbero (1991) e de outros estudiosos latino-americanos, inspirados nos estudos dos ingleses dos anos 50 e 60 em torno do Center for Contemporary Studies de Birmingham. Investigações essas com forte tendência em analisar as problemáticas de comunicação de forma a articulá-las às “estruturas sociais e contexto histórico enquanto fatores essenciais para se compreender as ações dos mass media.” (WOLF, 1994, p.96).

A compreensão das transformações ocorridas com os processos de globalização e interconexão universal dos circuitos via satélite e seus consequentes rebatimentos na América Latina, para Martín-Barbero (1991) redimensiona os modos de ver o paradigma de comunicação de transmissão dos efeitos. Por conseguinte, tais mudanças passaram a exigir desses teóricos latinos uma reelaboração dos estudos de recepção de tal forma a desconstruir a problemática do “sujeito passivo” dominante nas análises funcionalistas e frankfurtianas. Muitos estudos realizados dentro daquela perspectiva desmistificam o mito da passividade do receptor televisivo.

Na contemporaneidade, as pesquisas de recepção na perspectiva das interações sociais2, assim como já era preconizado pela perspectiva das mediações culturais, se opõem aos estudos funcionalistas da comunicação que entendem que “comunicar é fazer chegar uma informação, um significado já pronto, já construído de um pólo a outro” (MARTÍN-BARBERO, 1995, p.40). Em contraposição a essa concepção, a perspectiva interacional valoriza o “entre”, a “reciprocidade” e a “interdependência” das partes constitutivas do processo da comunicação.

A discussão a respeito dos processos interacionais entre produtores e telespectadores ganha força com a redefinição do modelo televisivo de analógico para digital3 e do modelo de comunicação de convergência entre TV e internet, em razão da necessidade daquela em se aproximar das linguagens do ciberespaço, de suas potencialidades interativas e interacionais e da sua forte presença na sociedade.

2 PRIMO, Alex. Perspectivas interacionistas de comunicação: alguns antecedentes. In:PRIMO, Alex et al (orgs.). Comunicação e interações. Livro da COMPÓS 2008. Porto Alegre: Sulina, 2008, p.13. Sobre os antecedentes dos estudos de interação ler também: FRANÇA, Vera V. Interações comunicativas: a matriz conceitual de G.H. MEAD. In: PRIMO, Alex et al. (Orgs.). Comunicação e interações. Livro da COMPÓS 2008. Porto Alegre: Sulina, 2008, p. 71-91.

3 “No Brasil, o sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) foi criado oficialmente em 26 de novembro de 2003, através do decreto presidencial nº 4.901, com os parâmetros de implantação publicados em 20 de junho de 2006 através do decreto nº 5.820. [...] O novo aparelho de TV digital está mais próximo de um computador (com chips, linguagem binária, software, middleware, hardware, algoritmos de programação, etc.) do que de um aparelho convencional de TV ( com circuitos eletrônicos analógicos, transistors convencionais, tubo e receptor de ondas eletromagnéticas de linguagem não binária).” In: SILVA, Sivaldo Pereira. TV digital, democracia e interatividade. (2009), p. 13-29.

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Quanto à mudança de analógico para o digital, o velho modelo de serviços televisivos é alterado em vários países4 de acordo com as especificidades dos seus contextos socioeconômicos, políticos e culturais. Com efeito, proporcionam aos receptores alguns ganhos, a exemplo da qualidade das imagens, multiplicação do número de canais, diversificação dos conteúdos e possibilidades interativas.

No tocante aos processos de midiatização da sociedade, especialmente aqueles provocados pela convergência das tecnologias de comunicação, podemos dizer que eles afetam e reconfiguram os regimes do “ver” dos telespectadores e de “serem vistos” dos produtores de telejornais. Se, anteriormente, os espaços de circulação entre o campo da produção e da recepção eram “invisíveis”, como nos dizia Verón (1996) em seu texto “La Semiosis Social”, hoje, “descortinam-se”, “revelam-se” nos processos de convergência digital.

Falamos da circulação em sua perspectiva relacional, de interação entre produtores e receptores possibilitada pela convergência da TV com outros meios tecnológicos e não da circulação em sua perspectiva econômica, a dos processos de disponibilização da produção e do acesso ao consumo. A circulação é entendida por nós como um novo lugar para os estudos dos processos comunicativos midiáticos que deve ser percebida em suas interligações, “interpenetrações”, como sugere Luhmann (2005), e em suas particularidades. Afinal, trata-se de outro lugar comunicativo, quando a conversação televisual se conforma entre “sujeitos presentes”, com poder de respostas imediatas. Esse lugar deve ser pensado de acordo com a natureza do meio utilizado como suporte, no sentido de que as tecnologias não são instrumentais, elas produzem sentidos que afetam e reconfiguram os processos de produção e de recepção.

A circulação se materializa “entre” a produção e a recepção, em seu caráter produtivo, em sites institucionais das emissoras de TV, blogs e redes sociais. Nesse ponto, propomos com outros autores a exemplo de Cogo (2010) a perspectiva das interações para os estudos de recepção, entendendo a circulação como o espaço atual privilegiado para os pesquisadores realizarem os seus estudos de recepção.

Fundamentalmente, os produtores enviam informações aos receptores do que vai acontecer nos telejornais, guardando as devidas proporções, como fala

4 “O período de simulcast está sendo adotado na maioria dos países com o intuito de marcar a passagem para o sistema digital de TV e rádio. Trata-se do espaço de tempo onde o sinal analógico de televisão conviverá com o sinal digital simultaneamente, até ser definitivamente extinto. No Brasil, o período de simulcast já está em curso, devendo durar 10 anos, com data prevista para acabar em julho de 2016 (podendo ter prorrogação). Após tal período de transição, haverá apenas o sinal digital disponível e os aparelhos analógicos só funcionarão mediante um codificador digital ( o que vem sendo chamado de set-top Box).” Ibidem, p. 27.

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Jost (2004) sobre gêneros, como uma “promessa”, como estímulos a participação, a trocas, a interações nesses suportes e no próprio programa. Em outras palavras, busca aproximar-se desse “receptor ausente” de que falávamos anteriormente e capturar o sujeito errático que navega em diversos suportes das tecnologias digitais.

Trata-se de uma “circulação de captura”. A televisão, como não pode concorrer com essas diversas tecnologias, tenta encontrar um ponto de interseção ou de alcance entre ela e esses suportes que favoreça a aproximação. Nesse ponto, ela busca incorporar a linguagem da web, falando como eles falam, de modo a passar por eles, estimulando aos internautas a “navegarem na tela da TV”. Na busca de vínculos, de fidelização, a TV disponibiliza em seus produtos culturais, mecanismos de participação nos quais o internauta não precise abandonar os seus suportes tecnológicos. Dessa forma, pode-se dizer que esse espaço circulatório é utilizado para que os internautas sejam telespectadores o máximo de tempo possível. Nesse sentido, não podemos deixar de considerar que esses processos afetam os modos de produção.

Os dispositivos digitais, que permitem aos internautas conversarem em “tempo real” com a TV, materializam as interações entre receptores e produtores. Esse lugar dá visibilidade às conversações entre internautas, telespectadores e possíveis telespectadores. Trata-se, recorrentemente, de interações difusas, no mais das vezes não passam de “burburinhos”, entretanto, são bem vindas aos produtores porque servem para reverberar os seus discursos no espaço na web, em que pesem poderem contrariar aos seus interesses. Como se sabe, isso é facilmente resolvido com o apagamento ou o manuseio da opção “excluir” existente nessas plataformas.

Percebe-se em meio às interações difusas, erráticas entre os receptores e os produtores, a bem da verdade em menor escala no espaço da circulação, respostas críticas dos internautas ou “sistemas de respostas” a respeito dos diversos problemas da sociedade. (BRAGA, 2006). Pode-se dizer que a circulação viabilizada pela convergência transmidiática cria condições favoráveis para o exercício de uma “cidadania comunicativa” (MATA, 2009), rompendo com o “silêncio” da comunicação televisiva.

Além disto, se anteriormente o produtor apenas idealizava o telespectador com base em resultados de pesquisas ou vivências pessoais, em certa medida, essa idealização ganha um espectro concreto na medida em que um contingente de telespectadores manifesta seus desejos no ciberespaço. Assim, a convergência digital permitiu a TV falar, sair de si, estender-se para usar uma expressão de Mcluhan e receber mais diretamente informações dos seus telespectadores e da sociedade como todo. Nesse processo, há uma hibridização de mídias e de suas linguagens, na medida em que umas afetam as outras.

Midiatização, convergência e circulação

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Ressalvemos que esses processos circulatórios ganham forma nas ambiências da sociedade midiatizada. Digamos que, atualmente, haja uma “cultura da convergência” como nos fala Jenkins (2008). O autor enfatiza a natureza cultural do seu conceito, procurando refletir a respeito das transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais ocorridas na sociedade contemporânea.

O receptor televisivo em tempos de múltiplos suportes e mercados digitais torna-se errático, migra constantemente de um suporte a outro para obter informação e entretenimento, tornando-se, em muitos casos, produtor de conteúdos de diversas modalidades discursivas. Os conteúdos da TV perpassam esses suportes, construindo uma massa de informação que dificulta estabelecer papeis rígidos de produtores ou de receptores. Fato que exige que se repense as práticas jornalísticas na “sociedade em vias de midiatização”, requerendo estudos que considerem a dimensão de feixe de interações, de semioses, de interpenetrações e de redes de significação dessa sociedade.

Circulação, “zonas de contato” e telejornalismo

Considerando às dinâmicas da circulação entre produtores e receptores de telejornais, tomamos emprestado de Fausto Neto (2013) seu conceito de “zona de contato” aqui entendido como uma zona de acesso e mobilidade da recepção telejornalística “guiada” pelas estratégias discursivas de regulação dos contratos de comunicação propostos pelos produtores nos textos jornalísticos. Para tanto, como exercício, utilizamos alguns resultados obtidos na pesquisa “Processos de Produção, circulação e consumo em telejornalismo: estratégias de comunicabilidade – gêneros, corporalidades e pactos simbólicos”5 no tocante à página do telejornal SBT Brasil na rede social facebook.

Nessa investigação, na tentativa de observar as inter-relações entre produtores e receptores, foram feitos registros das postagens feitas na página desse telejornal antes, durante e após a exibição da edição do telejornal SBT Brasil através de printscreens e anotações no período de uma semana, com vistas a capturar os mecanismos de agendamento propostos e as conversações geradas com os telespectadores/internautas. Com base nessas informações, foram elaboradas tabelas e gráficos de modo a visualizar

5 A pesquisa se desenvolveu no período de 13 a 18 de maio de 2013 no âmbito do Programa Institucional de Iniciação Cientifica PIBIC/UFPB/CNPq, vigência 2012 a 2013, com a participação dos discentes de Jornalismo Luis de Sousa, Melissa Fontenele e Elthon Cunha. Nela, foram feitas observações e análises do telejornal SBT Brasil em suas páginas do facebook e do twitter, procurando entender processos de produção, circulação e consumo de forma interligada.

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os processos de hierarquização das temáticas e notícias e a construção dessas “zonas de contato” do telejornal na web. Nessa zona de interlocução, percebeu-se que os produtores priorizavam as notícias da editoria de cidades e policial, as mesmas que o programa enfatiza.

No tocante aos processos de interação dos internautas, esses gráficos revelaram claramente que a opção “curtir” supera de forma expressiva a de “compartilhamentos” e “comentários”. Pudemos constatar que a instância de produção não conseguiu estabelecer um nível significativo de interação. Esse descompasso interacional em sua página do facebook pode ser justificado pelo pouco tempo de existência da página no período da pesquisa ou pelo fato dos telespectadores/internautas não terem interesse em interagir com o telejornal nesse espaço da web. Enfim, talvez sejam, em outras palavras, tipicamente telespectadores tradicionais da TV, que querem continuar a ver o telejornal apenas na TV, dentro da lógica do modelo original da TV, de “sujeitos produtores ativos” e “sujeitos telespectadores passivos”.

Além dessas alternativas de explicação, podemos ainda inferir que essa “zona de contato” é regulada pela produção, logo, os comentários podem ser apagados, ocultados. Essa inferência ganha reforço quando observamos que no Youtube, espaço da web no qual o telejornal não tem uma conta, onde se observa o maior número de comentários favoráveis e desfavoráveis ao telejornal. Será que esses internautas não querem se utilizar de um espaço definido pelo telejornal para conversação? No Youtube, especialmente, se pode constatar que a maioria dos comentários elogiosos ou jocosos são destinados à âncora do telejornal SBT Brasil, Rachel Sheherazade.

A jornalista personifica o telejornal, com os seus comentários enfáticos elaborados com a empáfia do poder que lhe é concedido como “mediadora”, em que pese estarmos em tempos nos quais, como sabemos, fragiliza-se esse poder no jornalismo. ( FAUSTO NETO, 2013). Ela exerce essa mediação com base na doxa moralista, com recursos de teatralização corporal, nos moldes goffmanianos, de quem fala com o direito de representar um segmento social do qual ela faz parte e que obviamente, corresponde aos interesses mercadológicos da emissora. Esses comentários são tecidos sem evocar vozes de especialistas e de pessoas ou instituições envolvidas nos fatos relatados, portanto, contraria princípios caros do jornalismo, a exemplo da “imparcialidade”. Contudo, são eles que geram o maior número de comentários favoráveis e desfavoráveis e de compartilhamentos. Talvez, tal fato possa ser compreendido pelo nosso pressuposto de que a âncora é a representação ou personificação do telejornal, logo, quando se emite elogios ou críticas a respeito da jornalista se estaria remetendo ao telejornal como todo.

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Essa breve conexão de dados obtidos na pesquisa com o conceito de “zona de contato” como uma zona de circulação dos processos de recepção dos telejornais nos leva a perceber as dificuldades da empreitada dos estudos de recepção em telejornalismo na atualidade. Hoje coexiste a tradicional recepção televisual, resultante do modo de assistir TV “passivamente”, sem plasmar interpretações em outros meios, e a recepção que se estende por outras plataformas digitais e, ainda, aquelas dos que não vêm TV, apenas replicam comentários de audiências televisivas nas redes sociais. Logo, diversas modalidades de receber/apreender/produzir e circular conteúdos televisuais, fato que complexifica os estudos de interação/circulação/recepção em contextos de múltiplas ambiências do “eu” produtor com o “outro” receptor.

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Jornalismo e cultura da mídia: contribuição de Douglas Kellner na abordagem

analítica dos produtos jornalísticosThiago Soares1

ResumoEste artigo é uma primeira reflexão sobre uma pesquisa mais ampla que visa traçar aproximações entre as Teorias do Jornalismo e os Estudos Culturais. Como primeiro autor delimitado para revisão crítica da obra, trouxemos à tona o pensamento do autor norte-americano Douglas Kellner, responsável pela disseminação do termo “cultura da mídia”. A tentativa aqui é traçar esboços teóricos que tentem aproximar a lógica do jornalismo circunscrita na chamada cultura da mídia. Verdade, interesses sociais, ordem pública são fatores agenciadores da prática do jornalismo que passam a ser repensados e ressignificados dentro de novas ordens de mercado. Produtos jornalísticos são regidos por ordenamentos mercadológicos e nos valemos da reflexão em torno da influência da cultura da mídia no jornalismo atual.

Palavras-chave: Jornalismo. Cultura. Mídia. Estudos Culturais.

1 Professor do Programa de Pós-Praduação em Comunicação (PPGC) e do Mestrado Profissional em Jornalismo (MPJ) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Autor do livro A Estética do Videoclipe (2013). Email: [email protected]

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Este artigo visa discutir algumas aproximações entre o jornalismo e os Estudos Culturais, a partir da revisão crítica da obra de um dos pensadores desta corrente teórica, o autor norte-americano Douglas Kellner. Como aporte de um ponto inicial, optamos por trazer à tona conceitos presentes na obra “Cultura da Mídia”, de Douglas Kellner. Os Estudos Culturais são um campo do conhecimento marcado pela multidisciplinaridade. Dessa forma, distintos aspectos que integram a sociedade, como a economia, a política e as instituições sociais, se entrelaçam e servem de base para a análise das manifestações culturais e suas influências sobre a produção midiática. Pensar o jornalismo nesta perspectiva significa reconhecer que o campo de produção jornalístico está intimamente ligado a dinâmicas políticas e ingerências econômicas. Dessa forma, o fazer jornalístico não é, somente, guiado pelo que se convencionou chamar de interesse público, mas, principalmente, pelas aproximações entre informação, economia e políticas organizacionais.

Para entender melhor os Estudos Culturais, é preciso discutir a chamada Teoria Crítica, cuja base foi desenvolvida na Escola de Frankfurt. A Escola de Frankfurt, uma das principais correntes teóricas da Comunicação, lançou as bases para a análise da comunicação em massa. O conceito de indústria cultural, introduzido pelos pensadores dessa escola, em especial Adorno e Horkheimer, foi amplamente discutido. A ideia de que a cultura produzida para as massas teria as mesmas características de outros produtos fabricados em série é um dos pontos cruciais de debate da Escola de Frankfurt. O jornalismo, sob o prisma do rótulo frankfurtiano, seria também um produto circunscritos sob as demandas da indústria cultural.

Mas também é preciso romper com as limitações dessas análises e não determinar negativamente, apenas, a preocupação do retorno econômico dos meios de comunicação. Nesse sentido, com um olhar mais aprofundado, não se pode deixar de lado que o que nos é transmitido faz parte de nossa cultura, do que construímos, do que vivenciamos. Esse debate também é fundamental para compreender a corrente teórica dos Estudos Culturais. Durante a década de 60, na Inglaterra, um grupo de intelectuais passou a dar atenção à cultura veiculada pela mídia e ao modo como ela está implicada nos processos de dominação e resistência (KELLNER, 2001). Iniciados no Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies, os Estudos Culturais levam em consideração a mutiplicidade de contextos, analisando de que modo determinados textos e tipos de cultura afetam os textos, as linguagens e os públicos e quais reais efeitos os produtos da mídia exercem. Mídia e sociedade interagem, a cultura - e sua diversidade - é a base do posicionamento do indivíduo diante dos produtos da indústria cultural. A política, a economia e os fatos sociais estão intimamente ligados

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ao que é produzido e veiculado pelos meios de comunicação. A economia, o Estado, a sociedade e a cultura se relacionam e estruturam o contexto. Como esses são itens que estão sempre em constante mutação, o contexto também passa por variações. Essas variações têm sua parcela de influência na mídia e, consequentemente, na cultura que ela nos transmite.

O legado da Escola de Frankfurt

A Escola de Frankfurt inaugurou os estudos críticos de comunicação e cultura de massa e desenvolveu um primeiro modelo de estudo cultural. Já nos anos 1930, as teorias abarcadas pela escola combinou a economia política dos meios de comunicação, análise cultural dos textos e estudos de recepção do público dos efeitos sociais e ideológicos da cultura e das comunicações de massa. Foi, a partir de escritos frankfurtianos, que se cunhou a expressão “indústria cultural”, definida por Kellner como “o processo de industrialização da cultura produzida para a massa e os imperativos comerciais que impeliam o sistema” (KELLNER, 2001, p. 33). Os teóricos críticos analisavam todas as produções culturais de massa no contexto da produção industrial, em que os produtos da indústria cultural apresentavam as mesmas características dos outros produtos fabricados em massa:

1. Transformação em mercadoria;2. Padronização;3. Massificação.

O principal legado da Escola de Frankfurt para os Estudos Culturais está no fato de que foram os teóricos frankfurtianos os primeiros, a partir da análise da indústria cultural, a analisar sistematicamente e a criticar a cultura e as comunicações de massa no âmbito da teoria crítica da sociedade. Dessa forma, as teorias da Escola de Frankfurt sinalizaram uma prática que seria recorrente entre os teóricos dos Estudos Culturais: a combinação da teoria social, a análise cultural, história, filosofia e intervenções políticas específicas. Os frankfurtianos também apontaram para uma problemática que seria bastante utilizada pelos estudiosos culturais: a procura por saber como determinado texto se encaixava nos sistemas de produção textual e de que forma estes textos faziam parte de sistemas de gêneros ou de construções intertextuais. Neste sentido, a Escola de Frankfurt avança na perspectiva de delimitações de limites

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entre texto e contexto, pois, na visão dos teóricos frankfurtianos, os textos já faziam parte de complexos e circulações culturais e sociais. Kellner, no entanto, faz uma série de críticas às abordagens frankfurtianas. As principais são elas:

A dicotomia da Escola de Frankfurt entre cultura superior e inferior é problemática e deve ser substituída por um modelo que tome a cultura como um espectro e aplique semelhantes métodos críticos a todas as produções culturais que vão desde a ópera até à música popular, desde a literatura modernista até às novelas. (...) É extremamente problemático o modelo de cultura de massa monolítica da Escola de Frankfurt em contraste com um ideal de ‘arte autêntica’, modelo este que limita os momentos críticos, subversivos e emancipatórios a certas produções privilegiadas da cultura superior. (...) A posição da Escola de Frankfurt de que toda cultura de massa é ideológica e aviltada, tendo como efeito engodar uma massa passiva de consumidores, é também questionável. (...) Devemos ver momentos críticos e ideológicos em todo o espectro da cultura e não limitar os momentos críticos à cultura superior, identificando como ideológicos e manipuladores, todos os da cultura inferior. (KELLNER, 2001, p. 45)

Dessa forma, o autor vê a possibilidade “de se detectarem momentos críticos e subversivos nas produções da indústria cultural” (KELLNER, 2001, p. 46)– coisa que, para os teóricos da Escola de Frankfurt, era inimaginável. Embora pareça parcial e unilateral, a abordagem da Escola de Frankfurt fornece instrumental para criticar as formas ideológicas e aviltadas da cultura da mídia e indica os modos como ela reforça as ideologias que legitimam as formas de opressão. A Escola de Frankfurt possibilitou se pensar em subáreas para os estudos da mídia, criando um elo entre as abordagens textuais e culturais, bem como, demonstrou a inadequação de métodos quantitativos para estabelecer relações qualitativas, produzindo, assim, métodos de análises mais complexas das relações entre textos, públicos e contextos. A relação entre indústrias da mídia, Estado e economias capitalistas também foram articulados pelos frankfurtianos. O avanço na abordagem frankfurtiana, bem como, o apontamento das relações com os Estudos Culturais, segundo Kellner, se daria:

1. Na análise mais concreta da economia política da mídia e dos processos de produção da cultura;

2. na investigação mais empírica e histórica da construção da indústria da mídia;

3. na percepção da interação entre a mídia e outras instituições sociais;

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4. na proliferação de estudos de recepção por parte do público e dos efeitos da mídia;

5. da incorporação de novas teorias e métodos culturais na teoria crítica da cultura e da mídia.

Os Estudos Culturais

A Escola de Frankfurt desenvolveu seu modelo de indústria cultural entre as décadas de 1930 e 1950 e, desde então, segundo Kellner, não trouxe mais nenhuma abordagem significativamente nova ou inovadora para a cultura da mídia. Os Estudos Culturais britânicos surgiram nos anos 1960 como um projeto de abordagem da cultura a partir de perspectivas críticas e multidisciplinares. Foi instituído na Inglaterra pelo Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies. Os Estudos Culturais britânicos situam a cultura no âmbito de uma teoria da produção e reprodução social, especificando os modos como as formas culturais servem para aumentar a dominação social ou para possibilitar a resistência e a luta contra tal dominação. “A sociedade é concebida como um conjunto hierárquico e antagonista de relações sociais caracterizados pela opressão das classes, sexos, raças, etnias e estratos nacionais subalternos” (KELLNER, 2001, p. 47). Referindo-se a Gramsci, Kellner pontua:

as sociedades mantêm a estabilidade por meio de uma combinação de força e hegemonia, em que algumas instituições e grupos exercem violentamente o poder para conservar intactas as fronteiras sociais (ou seja, polícia, forças militares, grupos de vigilância, etc), enquanto outras instituições (como religião, escola ou a mídia) servem para induzir anuência à ordem dominante, estabelecendo a hegemonia, ou o domínio ideológico de determinado tipo de ordem social. (KELLNER, 2001, p. 48)

Dessa forma, os Estudos Culturais britânicos foram vinculados a um projeto político de transformação social em que a localização de formas de dominação e resistência ajudariam o processo de luta política. O ponto-chave, para Kellner, seria a percepção de como os Estudos Culturais focalizariam as suas “lutas” contra a dominação e a subordinação, sem falar nas relações estruturais de desigualdade e opressão muitas vezes encenada na sociedade.

Os Estudos Culturais, assim como a teoria crítica da Escola de Frankfurt, desenvolvem modelos teóricos a partir do “relacionamento” entre a economia, o

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Estado, a sociedade, a cultura e a vida diária, dependendo das problemáticas da teoria social contemporânea. Da teoria pós-moderna, os Estudos Culturais “bebem na fonte” de subversão da distinção entre cultura inferior e superior (diferentemente da Escola de Frankfurt) e, assim, valorizam formas culturais como o cinema, a televisão e a música popular, deixadas de lado pelas abordagens anteriores que tendiam a utilizar a teoria literária para analisar as formas culturais, focalizando aspectos, apenas, nas produções da cultura superior. A importância dos Estudos Culturais britânicos está no fato de destacar a relevância da cultura da mídia e do modo como ela está implicada nos processos de dominação e resistência.

Alguns termos acabaram sendo repensados pelos teóricos culturais britânicos. Como a rejeição à terminologia “cultura de massa”, uma vez que, a referência, na opinião de Raymond Williams, “tende a ser elitista, criando uma oposição binária entre alto e baixo, oposição essa que despreza ‘as massas’ e sua cultura” (WILLIAMS, 2000, p. 23). O termo, na visão de Kellner, seria “monolítico e homogêneo e, portanto, neutraliza contradições culturais e dissolve práticas e grupos oposicionistas num conceito neutro de ‘massa’”. (KELLNER, 2001, p. 50) Outra terminologia rejeitada pelos estudiosos culturais britânicos é o de “cultura popular”, uma vez que teríamos o uso bastante associado às manifestações culturais que emanam do povo, ligada às imagens do regionalismo, etc. Para uma abordagem dos produtos da mídia, adota-se, portanto, o termo “cultura da mídia”, pois ela teria “a vantagem de designar tanto a natureza quanto a forma das produções da indústria cultural (ou seja, a cultura) e seu modo de produção e distribuição (tecnologias e indústria das mídias). Com isso, se chama atenção para o circuito de produção, distribuição e recepção por meio do qual a cultura da mídia é produzida, distribuída e consumida”. (KELLNER, 2001, p. 52). Os Estudos Culturais britânicos apresentam uma abordagem que nos permite evitar dividir o campo da mídia/cultura/comunicações em alto e baixo, popular e elite, e nos possibilita enxergar todas as formas de cultura da mídia e de comunicação como dignas de exame e crítica.

Definindo o conceito de Cultura da Mídia

Cabe perceber as linhas de abordagens do trabalho acadêmico de Douglas Kellner: a ferramenta dos Estudos Culturais como percepção de nuances identitárias e políticas na esfera social. Como autor vinculado à corrente dos Estudos Culturais, Kellner é, portanto, um intelectual “político”, no sentido de tentar estabelecer

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conexões entre os textos –os textos midiáticos – e a abordagem política - com que linha de pensamento político alguns textos dialogam, como certas imagens servem de instrumento de manipulação/dominação, de que forma podemos entender que as dinâmicas de linguagem da mídia dizem respeito a jogos-de-forças de grupos que detêm o que podemos chamar de hegemonia. Assim, Kellner parece estar preocupado, como a máxima das correntes dos Estudos Culturais, na radiografia de um entorno, de como determinados textos engendram uma lógica na sociedade que perpassa pela manutenção de certos status sociais.

Para Kellner, “há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade. O rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente.” (KELLNER, 2001, p. 9)

Neste sentido, podemos nos referir a uma gama de bens de consumo culturais que definem o que é bom ou mal, positivo ou negativo, moral ou imoral. De acordo com o autor, as narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem símbolos, mitos e recursos que ajudam a construir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo. A constituição da “cultura da mídia” pode ser apreendida a partir:

1. dos sistemas de rádio e reprodução de som (discos, fitas, CDs e seus instrumentos de disseminação, como aparelhos de rádio, gravadores, CD players, etc);

2. de filmes e seus modos de distribuição (cinemas, videocassetes, apresentação pela TV);

3. da imprensa (jornais, revistas, internet e televisão, na opinião do autor, a TV é quem está no cerne da cultura da mídia).

A cultura da mídia é dotada de um caráter industrial, organiza-se com base no modelo de produção de massa e é produzida para a massa de acordo com tipos (gêneros), segundo fórmulas, códigos e normas convencionais. “A cultura da mídia almeja a grande audiência, por isso, deve ser eco de assuntos e preocupações atuais, sendo extremamente tópica e apresentando dados da vida social contemporânea.” (KELLNER, 2001, p. 9) A cultura da mídia seria, portanto, aquela que tem no alicerce a tecnologia, as novas formas de produção, podendo também ser entendida a partir

Jornalismo e cultura da mídia

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da nomenclatura de tecnocultura. O ponto de partida das reflexões de Kellner é o político. Ou seja, o autor

vislumbra a cultura da mídia como um terreno de disputa no qual grupos sociais importantes e ideologias políticas “lutam” e que os indivíduos vivenciam essas lutas por meio de imagens, discursos, mitos e espetáculos veiculados cotidianamente.

Os espetáculos da mídia demonstram quem tem ou não poder, quem pode exercer força e violência, e quem não. Dramatizam e legitimam as forças vigentes e mostram que (...) numa cultura contemporânea dominada pela mídia, os meios de informação e entretenimento são uma fonte profunda e muitas vezes não percebida de pedagogia cultural: contribuem para nos ensinar como nos comportar e o que pensar e sentir, em que acreditar, o que temer e desejar. (KELLNER, 2001, p. 10-11)

O autor se posiciona como aquele que quer instrumentalizar o leitor a estudar, analisar, interpretar e criticar os textos da cultura da mídia e avaliar seus efeitos, bem como examinar as interseções entre tais textos e as lutas político-sociais. Para ele, sociedade e cultura são terrenos de disputa e as produções culturais nascem e produzem efeito em determinados contextos. Analisar os produtos deste imbricamento diz respeito a elucidar contornos e tendências dentro de um contexto sociopolítico mais amplo. O foco de atenção de Kellner é a mídia norte-americana e sua cultura, uma vez que, segundo ele, a cultura dos EUA é cada vez mais exportada para outros países do mundo, gerando novas matrizes para se pensar o regional e o global ou sutis formas de dominação.

Um autor contra o conservadorismo

Os escritos de Kellner foram elaborados no contexto histórico de ascensão do conservadorismo americano e na maioria das democracias capitalistas ocidentais, fonte de entendimento das relações entre centro-e-periferia, global-e-local, nacional-e-regional, por exemplo. O autor faz um levantamento das razões que o levaram a se ater a determinados produtos de consumo (filmes, revistas, jornais, séries de TV, quadrinhos, desenhos animados) que, a princípio, poderiam ser considerados “lixo” numa cadeia hierárquica do que seria ou não “nobre” de ser estudado. Dessa forma, Kellner propõe revelar a complexidade de se estudar fenômenos tão enraizados na vivência contemporânea, uma vez que eles fazem parte de uma esfera que, muitas

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vezes, não diz respeito a um distanciamento acadêmico necessário.

O entretenimento oferecido pela mídia é agradabilíssimo e utiliza de instrumentos visuais e auditivos, usando o espetáculo para seduzir o público e levá-lo a identificar-se com certas opiniões, atitudes, sentimentos e disposições. A cultura de consumo oferece um deslumbrante conjunto de bens e serviços que induzem os indivíduos a participar de um sistema de gratificação comercial. As culturas da mídia e de consumo atuam de mãos dadas no sentido de gerar pensamentos e comportamentos ajustados ao valores, às instituições e às crenças e às práticas vigentes. (KELLNER, 2001, p. 12)

O autor chega a considerar a cultura da mídia

um entrave para a democracia quando reproduz discursos reacionários, promovendo o racismo, o preconceito de sexo, idade, classe e outras naturezas, mas também pode propiciar o avanço dos interesses dos grupos oprimidos quando ataca coisas como as formas de segregação racial ou sexual, ou quando, pelo menos, as enfraquece com representações mais positivas de raça e sexo. (KELLNER, 2001, p. 13)

Kellner defende que a melhor forma de desenvolver teorias sobre a cultura da mídia é a partir de estudos específicos dos fenômenos concretos e contextualizados na sociedade e na história contemporâneas. Notamos, portanto, uma necessidade, por parte do autor, de uma materialidade na sua discussão, no estudo de caso e na especificidade de um objeto como condição de uma discussão que abarque o contexto de forma mais sistematizada. A partir de uma materialidade, propõe um cruzamento de linhas teóricas que dêem conta da complexidade do processo que envolve os produtos da cultura da mídia. Assim, para entender a produção, natureza e efeitos desses bens, o autor lança mão de teorias sociológicas com o fim de contextualizar, interpretar e analisar os efeitos da cultura da mídia, bem como as bases dos Estudos Culturais.

Emerge a questão da Indústria Cultural

Antes de, propriamente, discorrer sobre as teorias e métodos empreendidos nas suas análises, Kellner vai realizar um breve panorama do contexto histórico de onde emanaram alguns princípios teóricos por ele defendidos. Segundo o autor, foi na

Jornalismo e cultura da mídia

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década de 60 que tiveram início as chamadas “guerras culturais”, através de movimentos sociais que tumultuaram e questionaram a ordem vigente. Liberais, conservadores e radicais passaram a ser “delineados” e é no esteio destes acontecimentos que movimentações como a Contracultura e as formas alternativas de vida passam a interrogar os parâmetros da sociedade. Na década de 70, assistimos a uma recessão da economia mundial abarcada pela promessa de frutos da “pós-escassez” do fim da Segunda Guerra Mundial e uma reorganização da economia, apontando para a abertura de mercados capitalistas como uma forma de negociação dos “escombros” econômicos de então. Nos anos 80, os Estados Unidos viviam uma época de cortes de programas de bem-estar social, de expansão militar e apoio a guerrilhas localizadas.

Nos países do chamado Terceiro Mundo, nota-se uma abertura política e um diálogo entre forças locais de direita e o poder norte-americano. A Guerra Fria põe um mundo em suspense: com um monstruoso potencial bélico, países como os Estados Unidos e União Soviética polarizam as atenções e dividem o globo em seus aliados. O colapso do Comunismo e a queda do Muro de Berlim deram vazão a novas formas de organizações social, econômica e política, acarretando novos êxodos, novas formas de migração e fazendo o mundo assistir ao que Douglas Kellner vai chamar de uma “confusão cultural”. Guerras nacionalistas, conflitos civis e religiosos acentuam tais aspectos da vida política no globo.

Nesta configuração, as novas tecnologias criam e alteram padrões de vida e reestruturam as relações entre trabalho e lazer. Novas tecnologias, como o computador doméstico, para o autor, demonstram novas possibilidades: de escolhas, de autonomias, de diversidades, mas também de controle, manipulação e dominação. A vigilância passa a ser uma das configurações apreendidas pelas novas tecnologias. Para Kellner,

embora as novas formas de indústria cultural descritas por Horkheimer e Adorno nos anos 1940 – constituídas por cinema, rádio, revistas, histórias em quadrinho, propaganda e imprensa – tenham começado a colonizar o lazer e a ocupar o centro do sistema da cultura e comunicação nos Estados Unidos e em outras democracias capitalistas, foi só com o advento da televisão, no pós-guerra, que a mídia se transformou em força dominante na cultura, na socialização, na política e na vida social. (KELLNER, 2001, p. 26)

A partir de então, a TV a cabo e por satélite, o videocassete e outras formas de entretenimento doméstico, além do computador pessoal – mais recentemente – aceleraram a disseminação e o aumento do poder da cultura veiculada pela mídia.

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Nos Estados Unidos e na maioria dos países capitalistas, a mídia veicula uma forma comercial de cultura, “produzida por lucro e divulgada à maneira de mercadoria”. A comercialização e a transformação da cultura em mercadoria trazem conseqüências assim elencadas pelo autor:

1. A produção com vistas ao lucro significa que os executivos da indústria cultural tentam produzir artefatos que sejam populares, que vendam ou que – como ocorrem no rádio e na televisão – atraiam audiência das massas.

2. A necessidade de vender significa que as produções da indústria cultural devem ser o eco da vivência social, atrair grande público e, portanto, oferecer produtos atraentes que talvez choquem, transgridam convenções e contenham crítica social numa medida não excessiva.

3. Mesmo integrando interesses de conglomerados de meios de comunicação, há produtos que sintetizam e integram os conflitos sociais de grupos concorrentes e veiculam posições conflitantes, promovendo às vezes, forças de resistência e progresso.

É por isso que Kellner ressalta que a cultura da mídia não pode ser simplesmente rejeitada como um instrumento banal de ideologia dominante, mas deve ser interpretada e contextualizada de modos diferentes dentro das matrizes dos discursos e das forças sociais concorrentes que a constituem. No entanto, o autor pondera:

a cultura da mídia é a cultura dominante hoje em dia, substituiu as formas de cultura elevada como foco da atenção e de impacto para grande número de pessoas (...) suas imagens e celebridades substituem a família, a escola e a Igreja como árbitros do gosto, valor e pensamento, produzindo novos modelos de identificação e imagens vibrantes de estilo, moda e comportamento. (KELLNER, 2001, p. 27).

A cultura da mídia, portanto:

1. Insere o sujeito num novo mundo de entretenimento, informação, sexo e política;

2. Reordena percepções de espaço e tempo;3. Anula distinções entre realidade e imagem;4. Produz novos modos de experiência e subjetividade;

Jornalismo e cultura da mídia

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Jornalismo e Estudos Culturais: Aproximações

Pensar no jornalismo, então, dentro dessa relação entre a mídia e a cultura, com base nos conceitos de Kellner, traz à tona implicações interessantes para questões referentes ao exercício jornalístico e às suas formas de circulação. Um dos autores que pensa o jornalismo a partir de uma perspectiva mais econômica e mercadológica é Marshall (2003), em seu livro “O Jornalismo na Era da Publicidade”. Para o autor,

O jornalismo atual divorciou-se do modo clássico de fazer jornal. Em crise de identidade, o jornalismo contemporâneo perde as suas referências e torna-se um misto de linguagem, ideologia, estética, consumo, marketing e publicidade. (MARSHALL, 2003, p. 44)

A busca pela verdade, contemplando os interesses sociais, poderia ser definida como um conceito geral do jornalismo, uma idéia do que é o jornalismo e qual a sua função. O real, o concreto, porém, vão muito mais além. A verdade e os interesses sociais, discutidos nas bases do jornalismo, não são os únicos compromissos. O caráter mercadológico é evidente. Quando analisamos o que é veiculado pela mídia, nos deparamos com o interesse de ordem mercadológica, notadamente, no aumento das vendagens e de quantitativo de publicidade nos veículos de comunicação de massa.

A intenção é chamar a atenção do maior número de pessoas, para que as vendas sejam significativas e atendam aos interesses dos anunciantes e dos empresários do ramo. Dessa forma, são consideradas atrativas as notícias de acontecimentos incomuns, tratadas com sensacionalismo e que cumprem o seu papel de intrigar e prender os receptores. Mas o interesse nessas notícias só dura enquanto houver resposta positiva - em números - do público. “A imprensa vive o paradoxo de ser um elemento-chave do processo industrial capitalista e ter de desempenhar sua missão de apresentar a verdade e defender o interesse público.” (MARSHALL, 2003, p. 47)

Vizeu (2000) relaciona o nascimento e desenvolvimento do jornalismo ao próprio processo de desenvolvimento do capitalismo. Não apenas na Europa e nos Estados Unidos, mas foi um fenômeno acompanhado com semelhantes conseqüências também aqui no Brasil.

As grandes transformações que aconteceram no país, desde os fins do século – o fim do escravismo e o advento da República principalmente –, corresponderam ao avanço das relações capitalistas no Brasil e, como conseqüência, o avanço progressivo da burguesia. É dentro desse contexto que se situa a passagem da imprensa artesanal à imprensa industrial, da pequena à grande imprensa. (VIZEU, 2000, p. 45)

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O jornal, então, passa a ser uma empresa capitalista. E essa íntima relação, intensificada ao longo dos anos, contribuiu para a caracterização do jornalismo como o conhecemos hoje. Como exemplo, podemos perceber que no jornalismo, assim como no modo de produção capitalista, o capital é fundamental para a sua consolidação e expansão. A influência da economia é sentida na maneira como as notícias veiculadas são escolhidas: a partir do interesse em quais receberão mais atenção dos leitores, dando, assim, retorno econômico para as empresas jornalísticas.

Nessa lógica de mercado, vale a reflexão em torno da influência da cultura da mídia veiculada pelo jornalismo atual. Afinal, ao jornalismo são creditados méritos essenciais para o amadurecimento das sociedades modernas: grande responsável por fomentar debates políticos, econômicos, sociais e ideológicos, oferecendo assim espaços para a formação da opinião pública e um instrumento para a vocalização de pensamentos diversos. Além disso, a cultura da mídia ajuda a modelar comportamentos e opiniões, e ainda participa efetivamente da construção de identidades. Então, seria impossível não questionar a qualidade dessa influência, tendo em vista que a mídia se volta totalmente para a obtenção de lucro.

Referências bibliográficas

ADORNO, T. Indústria cultural. São Paulo: Paz e Terra, 1989.

DUARTE, R. Teoria crítica na indústria cultural. Belo Horizonte: Editoria da UFMG, 2003.

EDGAR, A.; SEDGWICK, P. Teoria cultural de A a Z. São Paulo: Contexto, 2006.

KELLNER, D. Cultural politics - Issue 1. New York: Pelgrave, 2005.

_____. Cultura da mídia. Bauru: EDUSC, 2001.

_____. Tecnologia, Guerra e fascismo. São Paulo: Unesp, 1999.

_____. The persian Gulf TV War. New York: Perseus Books, 1992.

_____. Camera politica. Indiana: Indiana University Press, 1990.

MARSHALL, L. O jornalismo na era da publicidade. São Paulo: Summus, 2003.

VIZEU, A. E. Decidindo o que é notícia: os bastidores do telejornalismo. Porto Alegre:

Jornalismo e cultura da mídia

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EDIPUCRS, 2000.

WILLIAMS, R. Cultura. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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Corpo e discurso no movimento “Passe Livre”: Patrícia Poeta, estratégias enunciativas

do JN e críticas nas redes sociaisAmanda Falcão Evangelista1

Virgínia Sá Barreto2

ResumoPesquisas a respeito dos processos de significação do corpo dos apresentadores no telejornalismo são relevantes na medida em que a corporalidade é constitutiva e constituinte das lógicas televisivas e jornalísticas. Essa relação de sentido de lógicas torna-se ainda mais significativa em uma cobertura jornalística densa, pautada por um acontecimento impactante, a exemplo do Movimento “Passe Livre”, ocorrido em quase todos os estados do Brasil. Nesse sentido, analisa-se aqui os significados do corpo televisivo e dos enunciados de Patrícia Poeta na edição do Jornal Nacional do dia 17 de junho, ocasião na qual a apresentadora “incorpora”, de forma particularmente estratégica, um editorial da Rede Globo de Televisão em resposta às fortes críticas que a emissora vinha recebendo na internet e nas ruas face à cobertura desse movimento social por esse telejornal.

Palavras-chave: Processos de Significação; Corpo Televisivo; Patrícia Poeta; Movimento “Passe Livre”, JN.

1 Formada em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), especialista em Telejornalismo e mestranda no Programa de Pós-graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atua como pesquisadora do projeto Sistema Brasileiro de Cinema Digital (SBCD) desenvolvido pelo Lavid (Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital) da UFPB. E-mail: [email protected].

2 Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos; Professora do Mestrado Profissional em Jornalismo da UFPB; Coordenadora na UFPB da Rede AMLAT/PROSUL/Unisinos; Autora do livro “Comunidades Simbólicas: Identificação imaginária, pactos e vínculos em telejornalismo”. E-mail: [email protected].

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre”

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Introdução

Dentre todas as teorias desenvolvidas para tentar explicar o produto noticioso, atualmente a Teoria do Espelho é a mais contestada, tanto pelos pesquisadores quanto pelos profissionais de jornalismo. Sabe-se hoje que é praticamente impossível – para não se dizer impossível - dissociar a prática jornalística da subjetividade. Em que pesem todos os ângulos da notícia serem hipoteticamente abordados, as práticas jornalísticas são contingenciadas pelo contexto de uma macroestrutura social, política e econômica e por questões relativas à microestrutura da organização produtora, a exemplo da linha editorial, interesses políticos e econômicos, constrangimentos organizacionais, condições tecnológicas de produção e competência da equipe produtora, entre outras. O fato é que uma noticia nunca será um “espelho” de uma realidade e sim um processo de construção social dessa realidade. Como lembra Mouillaud (1997) apud Sá Barreto (2013, p.13) os acontecimentos são reconstruídos por códigos e linguagens, e é o jornalismo que “elege o que a sociedade ‘vai ver’ e ‘como vai ver’”.

No jornalismo televisivo, em razão da natureza da cultura televisiva, regida pela lógica do contato e da emoção, particularmente, os modos de produção da noticia são afetados pelos “modos de dizer” dos apresentadores, tais como: gestualidades, expressões faciais, posturas e tom de voz da persona que incorpora todos esses aspectos. Isso tudo em conjunção de sentido com os processos propriamente jornalísticos, no que se refere aos usos dos códigos e das linguagens jornalísticas. Na verdade, os produtos da ambiência televisiva e jornalística podem agregar sentidos ao sujeito enunciador como um todo. No telejornalismo, tão importante quanto saber “o que dizer”, é saber “como dizer”.

Com efeito, as funções jornalísticas que têm uma maior expressividade são aquelas que conseguem obter uma maior visibilidade, ou seja, aquelas que se “deixam ver” aos telespectadores e ou internautas, como a dos apresentadores e repórteres, identificados por Verón (2003) como “Guardiães de Contato”. Cabe a esses “guardiães” o papel performativo de estabelecer “contato”, de gerar mecanismos de sedução e identificação com os telespectadores. Enfim, de exercer mecanismos estratégicos de comunicabilidade no jornalismo. Tudo isto através de técnicas de atorização (FAUSTO NETO, 2012) que personificam a notícia, deixando-a mais atraente, - pois como lembra Medina (1988) a notícia segue a lógica da mercadoria.

No jornalismo televisivo, repórteres e apresentadores agregam ao cargo de mediadores de informação os processos de encenação, de atorização. Diferente de outras plataformas, o profissional da comunicação televisiva tem a liberdade de

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personificar a notícia através de imagens, falas (discurso), gestos, entonações, além dos usos dos recursos imagéticos do cenário e da moda.

De certa forma, pode-se dizer que há profundas alterações nos processos enunciativos, inclusive no tocante ao uso do teleprompter. Hoje, os apresentadores e repórteres procuram construir os seus efeitos de enunciação adotando um modo particular, “apenas seu” de contar um fato, que possa simular uma conversação informal, natural, espontânea. Com efeito, cada vez mais os jornalistas precisam entender seu texto, saber “o que dizer” e “como dizer”. Contudo:

O interesse pela performance dos atores não se constitui um abandono pelo trabalho dos meios jornalísticos em si. Pelo contrário, enseja a emergência de um complexificação do trabalho de produção de sentido realizado no âmbito da comunicação midiática, e na qual a atividade enunciativa dos atores, e suas próprias identidades, sofrem mutações muito complexas. (FAUSTO NETO, 1988, p. 265)

O que significa dizer que as lógicas jornalísticas não deixam de ser relevantes, apenas elas são pensadas de forma indissociável às lógicas da comunicação midiática. Nesse contexto, algumas dessas lógicas decorrem com o advento da TV digital. A ideia é simular o real com uma precisão ainda maior, pois se o telespectador não acreditar no que está vendo, também não receberá com confiança as informações absorvidas. É o que Ihde (2002) apud Santaella (2004) classifica como terceira dimensão do corpo: a das relações tecnológicas, das simbioses entre o corpo e as tecnologias. Não obstante, estes avanços tecnológicos, atrelados aos corpos, podem causar confusões sobre a delimitação da fronteira entre real e o fictício:

O que as novas tecnologias colocam em movimento, o que elas transformam são as “fronteiras do humano”. Essa transformação se revela sob vários pontos de vista: os limites que definem o que é propriamente humano e o que os diferencia dos não-humanos (natureza / artifício, orgânico / inorgânico); “os limites que o habitam e o constituem (matéria / espírito) e os limites que diferenciam a experiência imediata e suportada por sua corporeidade biológica, natural e territorial e a experiência mediada por artefatos tecnológicos (presença / ausência, real / simulacro, próximo / longíquo)”. (BRUNO, 1999, apud SANTAELLA, 2004, p. 29)

Na verdade, a comunicação midiática procura “apagar” a fronteira entre o real e o fictício valendo-se dos artifícios tecnológicos para assim obter verossimilhança.

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre”

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Logo, a performance não como recurso isolado e sim como um modo constitutivo do jornalismo, contribuindo para configurar a “fidelidade” do acontecimento, o compromisso com a informação, a idoneidade, etc. Mecanismos de emoção, de sedução, logo de ordem televisiva, midiática, nos modos de configurar os códigos jornalísticos e os seus princípios.

O noticiário da atualidade constrói pequenas novelas diárias ou semanais cujos protagonistas são tipos de vida real absorvidos por uma narrativa que funciona como se fosse ficção. Programas jornalísticos na televisão desenvolvem-se como se fossem filmes – de ação, de suspense, de romance de horror. O telejornalismo disputa mercado não apenas com outros veículos informativos, mas também com opções de lazer. Precisa ser envolvente, divertido, leve, colorido, ou perde o público sedento de novas sensações. [...] A realidade que interessa, para um (jornalismo com base nos fatos) e para outro (entretenimento com base na ficção), é a realidade espetacular, uma realidade que se confecciona para seduzir e emocionar a platéia. (BUCCI, 2000, p. 142)

Entretanto, a composição do ator não se limita apenas ao físico. As operações enunciativas compõem as narrativas midiáticas e dão sentido à notícia. Uma entonação usada de forma incorreta pode trazer um significado totalmente diferente do que se pretendia. Não se pode noticiar uma enchente com ares de alegria, como quem informa que o Brasil goleou a seleção da Argentina na final da Copa do Mundo. O “tom” da enunciação da notícia é um dos elementos primordiais na construção dos sentidos. O fato é que os jornalistas atuam como dispositivo de operação de sentidos (FAUSTO NETO, 2012). O corpo do enunciador atribui sentido “ao que se quer dizer” . Noutras palavras, são meios de construção dos contratos de comunicação dos telejornais.

Com base nessa perspectiva epistemológica de telejornalismo, analisa-se aqui a corporeidade discursiva de Patrícia Poeta na edição do Jornal Nacional do dia 17 de junho, após a emissora ser alvo de crítica dos manifestantes que participavam do protesto “Passe Livre”. Na verdade, a cobertura desse telejornal sofreu “duras” críticas dos manifestantes e ou internautas, que a classificaram como “manipuladora”. Campanhas como “#AGloboNãoMeRepresenta” e “#AbaixoARedeGlobo” entraram para o Trend Topics do twitter, e ganharam “likes” nas fanpages do Facebook. Após ganhar espaço na web, a onda de fúria migrou para as ruas, passando a ocupar cartazes no ambiente físico das ruas brasileiras.

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O dia em que Patrícia Poeta “incorpora” a Rede Globo

De toda a cobertura que a Globo fez dos protestos pelo Brasil, o do dia 17 de junho, segunda-feira, foi o mais significativo, principalmente no que se refere à programação do Jornal Nacional. A apresentadora deste telejornal, Patrícia Poeta entrou no ar já no início da noite, logo após “Malhação”, no “Globo Notícia” e seguiu até o horário habitual do JN. Nesse dia, a emissora “quebrou” o seu padrão de qualidade, no que se refere ao cumprimento da grade de programação. Além de não exibir o jogo da Espanha x Taiti, pela Copa das Confederações, a Globo cancelou os capítulos das novelas “Flor do Caribe” e “Sangue Bom”. Os jornais locais das afiliadas da Rede também foram cancelados. Os relatos sobre os protestos locais elaborados por essas emissoras foram apenas veiculados no dia posterior. Essas mudanças causaram estranheza no telespectador acostumado com o padrão da empresa. Evidentemente que se tratava de um momento muito especial.

O fato é que a edição do Jornal Nacional do dia 17 de junho dedicou um pouco mais de 51 minutos de seu noticiário para a cobertura das manifestações. Dos 22 VTs exibidos, 11 abordavam os protestos espalhados pelo país, os outros traziam informações sobre a Copa das Confederações, Guerra Civil na Síria, SISU, dentre outros temas - a maioria sobre protestos fora do país. Além disso, a edição extrapolou na quantidade de “ao vivo”. Ao todo, foram feitos 22 links, um número bem acima do que tradicionalmente acontece nas suas edições. Todos os “vivos” traziam informações sobre os protestos e aconteciam no cenário das manifestações. Sabe-se que “a gravação ao vivo, a transmissão direta, em tempo real, sempre funcionam como garantia [...] dos efeitos de autenticidade e veracidade” (DUARTE, 2007, p.13)

A duração das matérias exibidas também quebrou o padrão jornalístico do Jornal Nacional. Alguns VTs chegaram a ter cerca de 3 minutos, quando o habitual é 1 minuto e meio, no máximo 2 minutos. A exaustão na cobertura do “Passe Livre” foi tal, que Patrícia Poeta parecia estar perdida diante de tantas informações sobre o mesmo tema. O Editor chefe e apresentador do telejornal, Willian Bonner demonstrava visível desconforto por estar longe da “bancada”, acompanhando tudo de Fortaleza, onde entrava “ao vivo” trazendo informações sobre a Copa das Confederações. Diante do cenário de efervescência reivindicativa, a Globo se sentiu obrigada a trazer de volta o âncora para a bancada do JN. No dia seguinte, 18 de junho, terça-feira, Bonner abria o Jornal Nacional trazendo mais informações sobre a manifestação em São Paulo.

Segundo levantamento feito pela empresa Controle de Concorrência3, entre

3 Empresa que monitora inserções comerciais na TV para o mercado publicitário.

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre”

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os dias 17 e 26 de junho, o JN exibiu oito horas de reportagens e transmissões dos protestos. Das 140 horas de exibição, somando as transmissões de todas as emissoras abertas, 34 horas foram produzidas pela TV Globo.4

O foco da cobertura das manifestações se encontrava no eixo Rio - São Paulo, além da capital Brasília. Porém, a edição do dia 17 de junho trouxe uma nota coberta fazendo um aparato geral dos protestos em outras cidades, como: Curitiba, Belém, Porto Alegre, Fortaleza, Maceió e Vitória.

#AGloboNãoMeRepresenta: Críticas nas redes sociais

Em artigo publicado no site Observatório da Imprensa5, Sylvia Moretzsohn escreveu: “tanto os jornais paulistas quanto O Globo e as redes de televisão carregavam nas tintas contra os atos de vandalismo praticados por uma minoria que sempre se infiltra em manifestações desse tipo”. O pensamento da jornalista reflete bem o motivo de sentimento de revolta que os manifestantes sentiram ao ouvir inúmeras vezes nos noticiários a palavra “vandalismo”, em especial no Jornal Nacional.

Durante a cobertura das manifestações no país, os noticiários em sua maioria hostilizavam os participantes em sua totalidade, devido às ações de vandalismo praticadas por uma minoria. Além disso, em seus discursos, repórteres e apresentadores deixavam claro que a violência se dava unilateralmente, e a polícia tentava apenas “manter a ordem”.

Essa situação causou revolta nos manifestantes, que demostraram sua indignação dificultando o trabalho dos repórteres de rua, levantando cartazes contra as emissoras e, principalmente, disseminando na internet a imparcialidade das empresas jornalísticas.

A revolta maior se deu contra a TV Globo, que foi considerada como um “símbolo” da cobertura distorcida dos movimentos sociais de junho no país, ao privilegiar o discurso de que o movimento era constituído por “ vândalos”. Ao longo de sua história a emissora acumula registros de situações claras de distorção da informação6, ou seja, cobertura sem uma maior contextualização e com o

4 VER: http://outrocanal.blogfolha.uol.com.br/2013/07/01/tv-aberta-exibiu-140-horas-de-protestos-em-dez-dias/

5 VER: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/muito_alem_dos_20_centavos

6 Para aprofundamentos, ver “A Síndrome da Antena Parabólica: Ética no Jornalismo Brasileiro”(Kucinsk, 1998).

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uso do recurso discursivo de escamotear as múltiplas faces do acontecimento, interesses e vozes envolvidas, a exemplo do Movimento das Diretas Já” nos anos 80. O movimento de repúdio à TV Globo, diante das manifestações que ocorriam, começou nas redes sociais, principalmente no Twitter7e no Facebook8. As hashtags #AGloboNãoMeRepresenta e #AbaixoARedeGlobo ficaram comuns nas twittadas de quem não concordava com a cobertura da emissora. O mesmo aconteceu no facebook, em que fanpages adjetivavam a Rede Globo como “manipuladora”.

Figura 1: Taxonomia no Twitter: #AGloboNãoMeRepresenta / FanPage “Anti Globo” tiveram quase cinco mil curtidas no facebook

Como ressalta Primo (2013, p.17) “não se pode ignorar a força dos movimentos espontâneos em rede, cujos efeitos não eram possíveis em uma sociedade caracterizada pela mídia de massa”. Sendo assim, as manifestações contra a TV Globo indexadas através das taxonomias nas redes sociais migraram para o cotidiano, ocupando cartazes de manifestantes que iam às ruas contestar a cobertura da emissora. A atualização contínua das “postagens” nas redes sociais, como propõe Correia (2010), potencializava a circulação no ciberespaço, circulação esta que se transporta do campo virtual para o real.

A onda de revolta contra a emissora se espalhou também para outras empresas de comunicação, que tiveram carros queimados, repórteres impedidos de fazer a livre cobertura, prédios depredados, etc. Mas o foco das manifestações se voltou especificamente para a TV Globo, que ganhou a alcunha de “manipuladora”. Nas ruas, cartazes com inúmeras mensagens “anti-globo” traziam um desafio ainda maior para os cinegrafistas que, além de se preocuparem com a troca de munições entre polícia e civis, tinham que evitar mostrar imagens abertas com mensagens que “denegriam” a emissora.

7 VER: http://www.twitter.com

8 VER: http://www.facebook.com

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre”

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Figura 2: Nas ruas, cartazes mostravam insatisfação com a cobertura da TV Globo. / Manifestantes depredam o prédio da emissora no Rio de Janeiro no dia 17 de julho.

A revolta com a cobertura que a Globo estava fazendo das manifestações tomou proporções cada vez maiores. Se para a imprensa a violência entre manifestantes e policiais dificultava o trabalho, a revolta do povo contra jornalistas praticamente os impedia de trabalhar. Fazer links “ao vivo” durante os protestos, no meio da multidão, era um ato de coragem.

No Jornal Nacional a cobertura foi feita, na maior parte do tempo, longe da multidão, a bordo do GloboCop - helicóptero da emissora dedicado à grandes coberturas. Em terra, repórteres faziam passagens em locais distantes do aglomerado, e quando arriscavam em descer e manter contato com o povo, retiravam a canopla do microfone, evitando assim, mostrar o símbolo da emissora a que estavam a serviço.

Figura 3: Para preservar a integridade de profissionais, repórteres fazem cobertura à distância da multidão e sem canopla. O uso do helicóptero da emissora, o GloboCop, ajudou

nos links ao vivo.

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A Globo se defende

“As palavras de ordem” - como foram adjetivados os gritos de repúdio dos manifestantes pelos funcionários da empresa - eram cada vez mais frequentes, elas se disseminavam com tal força e rapidez que barreira alguma poderia impedir. Impossibilitada de “calar a boca” dos manifestantes, a estratégia da TV Globo foi colocar no principal telejornal do país, o JN, uma nota de esclarecimento que, em defesa dos interesses da empresa, tomou características de editorial. O texto, lido por Patrícia Poeta durou pouco mais de 20 segundos, tentou esclarecer para a população que existia um “mal-entendido” por parte dos manifestantes e que a Globo estava apenas “cumprindo seu papel”, o de informar. Quem estabeleceu o “gancho” para que o editorial entrasse no ar, foi um repórter, durante uma tomada “ao vivo”, a bordo do “Globocop” na cidade de São Paulo.

Repórter

“[...] Um outro grupo que saiu do Largo da Batata, por volta das 5 horas da tarde, percorreu a Avenida Faria Lima e nesse caminho eles seguiram até a Avenida Luiz Carlos Berrini, que fica muito perto da TV Globo, e nesse caminho foram gritando palavras de ordem contra a TV Globo. Patrícia.”

Patrícia Poeta

“Olha, a TV Globo vem fazendo reportagens sobre as manifestações desde seu início e sem nada a esconder: os excessos da polícia, as reivindicações do “Movimento Passe Livre”, o caráter pacífico dos protestos e quando houve depredações e destruição de ônibus. É nossa obrigação e dela nós não nos afastaremos. O direito de protestar e de se manifestar pacificamente é um direito dos cidadãos”.

Patrícia Poeta leu o editorial com ar de seriedade, e ao citar os diversos ângulos abordados no telejornal pontuou nos dedos a contagem dos temas, reforçando o sentido de “diversificação” trazida pelo JN.

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre”

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Figura 4: Durante editorial em defesa da Globo, Patrícia Poeta pontua nos dedos os diversos ângulos abordados no telejornal durante a cobertura do “Movimento Passe Livre”

Ao usar a interjeição “olha”, no início do editorial, a apresentadora tenta agir sobre o espectador, o convidando para a “conversa”, que – como mostra o seu linguajar – seria mais informal, por isto, ele poderia ficar à vontade para escutá-la.

Patrícia Poeta também se vale dos movimentos do corpo em outros momentos do editorial, com o objetivo de reiterar seu discurso. Ao falar do compromisso da emissora com a informação - “É nossa obrigação e dela nós não nos afastaremos” - a apresentadora gesticula negativamente com a cabeça, ao tempo em que pronuncia enfaticamente a palavra “não”, reafirmando que a TV Globo não deixará de informar os cidadãos, mesmo diante da pressão do público. Logo, reafirma o discurso de ser “Guardiã de Contato” da emissora.

Isso tudo nos moldes da apresentação mais formal adotada pelo Jornal Nacional, qual seja, compondo um discurso de “naturalidade” no tocante aos modos de dizer típico do telejornal, como quem diz: “Esse é o telejornal que vocês conhecem. Nada mudou. Somos o jornal que diz a verdade e não muda diante de fatos”. Desta forma, a apresentadora articula o enunciado “da defesa” dito por um corpo que fala “como sempre” para os telespectadores, ou seja, como eles estão acostumados:

A arma do apresentador é a encenação da naturalidade, a simulação do - falso - imprevisto: que o faz parecer surpreso, agir como se não soubesse o que vai acontecer, fingir que improvisa falas e parentar intimidade com seus convidados. (ROSÁRIO; AGUIAR, 2005, p. 3)

As estratégias corporais do discurso de Patrícia Poeta tentam reconstruir

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a postura da emissora diante da cobertura distorcida. A ênfase antes atribuída às palavras como “vandalismo” e “confronto” é substituída por palavras como “pacífico”. A palavra “vandalismo” desaparece. Não é explicado o motivo, o contexto do seu uso. Pela primeira vez, o telejornal fala dos “excessos da polícia”. Contudo, no início do texto, a apresentadora informa que a Globo não tem “nada a esconder”, e acentua a informação ao dar destaque à palavra “nada”. Então, pode-se dizer que o discurso corporal e enunciativo reforça a ideia de que não houve mudança na cobertura dos movimentos sociais. Há uma substituição de palavras de sentidos totalmente opostos, mas com apagamento da ideia de “mudança”, com isto, o telejornal reforça a ideia de “estabilidade”, de “credibilidade cotidiana”. O Jornal “não erra”, entretanto, se explica para a sociedade no “seu dever de informar”. O discurso é reconstruído sem vestígios enunciativos da cobertura anterior. O editorial lido no dia 17 de junho se não cala as criticas ao menos as ameniza. Trata-se de um discurso “novo” ancorado no “pacto jornalístico” do telejornal: “o mais importante e crível” da televisão brasileira.

Patrícia Poeta ao citar os diversos ângulos trazidos no noticiário menciona em primeiro lugar os “excessos da polícia”, algo que não fora divulgado em outras edições e que ganha ênfase na fala da apresentadora. Só após essa informação, ela cita as reivindicações do movimento e o “caráter pacífico dos protestos”, usado de maneira exaustiva nesta edição, contradizendo o que se mostrara anteriormente ao atrelar os manifestantes a atos de “vandalismo” e em confronto com a polícia.

Assim, apenas após pronunciar de maneira enfática “os excessos da polícia” e o “caráter pacífico dos protestos”, é que Patrícia afirma também ter noticiado no JN “depredações e destruição de ônibus”, porém, de maneira bem mais sutil, sem alterações na voz, e por isso, sem dar destaque a este fragmento de texto.

A apresentadora finaliza o editorial dizendo que “o direito de protestar e de se manifestar pacificamente é um direito dos cidadãos”, mostrando que a Globo reconhece os direitos dos manifestantes, e que em contrapartida, esses mesmos manifestantes devem entender que a emissora também tem o direito de se manifestar livremente, porém, - mais uma vez – ambos devem agir “pacificamente”.

A locução tem que emitir uma impressão compatível com os conteúdos do que está sendo dito. Nesse ponto, os personagens recorrem a recursos teatrais, máscaras, modos de ser empáticos com o outro que lhes vê e ouve. Para tanto, há o recurso do uso da voz, da impostação, da dicção, da entonação e das pausas conjugadas à mímica facial e gestual. (SÁ BARRETO, 2011, p. 246)

Corpo e discurso no movimento “Passe Livre”

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Após ler o editorial, Patrícia Poeta lê a “cabeça” de outra matéria sobre o movimento “Passe Livre” e mais uma vez traz o caráter pacífico do movimento. Porém, ao falar sobre a violência, destaca que esta ação diz respeito a um grupo específico de manifestantes, não generalizando os participantes dos protestos como em edições anteriores do telejornal.

Patrícia Poeta

“[...] segundo especialistas [a manifestação] reuniu 100 mil pessoas. No fim do protesto um pequeno grupo agiu com violência e atacou a assembleia legislativa do estado.”

Para a TV Globo, possivelmente, quanto mais o seu principal telejornal

tentasse amenizar a discórdia com o público, através de estratégias de reconstrução da imagem dirigida aos manifestantes, melhor seria para a imagem da empresa, e assim, talvez acalmasse os ânimos dos que repudiavam a emissora.

Além de trazer de modo excessivo a palavra “pacificamente”, a edição do JN do dia 17 de junho ouviu pela primeira vez os manifestantes, abrindo espaços no noticiário para entrevistas com os líderes do movimento. O JN também se valeu de falas “amigáveis” aos protestos para mudar o seu discurso, a exemplo do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que na edição do dia 12 de junho - já mostrada neste trabalho - afirmou que os manifestantes deveriam arcar com as despesas das violações ao patrimônio público e privado. Já na edição do dia 17 de junho, o JN traz uma entrevista com a mesma fonte, onde o governador faz elogios aos manifestantes.

Sonora de Geraldo Alckmin

“Quero aqui publicamente elogiar também as lideranças do movimento, a policia militar e a segurança pública.”

Assim sendo, após ser hostilizada pelo público como “manipuladora”, a TV Globo, através de seu principal telejornal, cria estratégias que fortalecem a ideia de idoneidade.

Considerações

Verificamos durante a pesquisa que o noticiário se estrutura, em sua dinâmica discursiva, a partir de encadeamentos de dispositivos (FAUSTO NETO, 2012), sejam estes físicos (gestos, vestes, cores, expressões faciais, etc.) ou abstratos (o que se diz e como se diz).

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As construções tecno-discursivas assumem um papel primordial na composição da linha editorial de um telejornal. E foi se valendo dessas construções que a TV Globo, através do JN, em especial na figura de Patrícia Poeta – enunciadora aqui pesquisada – criou estratégias de comunicação para mudar o composer de seu discurso que, antes da pressão popular, mostrava em sua cobertura noticiosa os vandalismos generalizados ligados ao Movimento “Passe Livre”.

Após uma onda de protestos surgida nas redes sociais, em especial no Facebook e Twitter, que migraram dessas taxonomias virtuais para o cotidiano, tornando-se conteúdos de diversos cartazes nas ruas, a TV Globo se viu obrigada a esclarecer para o público que sua cobertura estava pautada na imparcialidade. Nesse sentido, Patrícia Poeta se vale do recurso da “atorização” e das estratégias enunciativas para mudar os sentidos de palavras como “vândalos” por “movimentos pacíficos”, de modo a demonstrar que não houve mudanças no pacto jornalístico desse telejornal.

Por fim, pode-se dizer que as palavras-chave na leitura da construção discursiva do editorial são: “estabilidade”, “verdade”. O Jornal Nacional “não se intimida” na sua “função de informar”. Não obstante o conteúdo do discurso tenha mudado, palavras como “vandalismo”, “baderna” e “confronto”, usadas com exaustão durante edições anteriores ao dia 17 de junho – dia em que o editorial foi ao ar -, serem substituídas por “protesto pacifico” e por frases tais como “um pequeno grupo agiu com brutalidade”. A disponibilização do discurso dos entrevistados também ajudou a emissora nas estratégias de conciliação com o público em sua reafirmação do pacto jornalístico com os telespectadores.

Convém frisar que nesse dia foram divulgadas as primeiras entrevistas dos líderes do movimento. Antes dessa ocasião a cobertura não dera aos manifestantes o poder de “voz”. O princípio caro do jornalismo de ter que permitir espaço a todos os envolvidos nos acontecimentos noticiados não estava sendo cumprido. Com efeito, verifica-se, no caso em estudo, que as pressões exercidas pelos indivíduos nos espaços virtuais e físicos obrigaram ao telejornal cumprir esse princípio jornalístico.

O ciberativismo dos manifestantes e simpatizantes na internet, nesse episódio, teve o papel histórico de obrigar ao Jornal Nacional a incluí-los como vozes ativas na constituição de sua cobertura jornalística. Em que pese, para tanto, o telejornal ter apagado os vestígios dos discursos anteriores sem uma retratação explícita. Todo esse processo foi construído com as injunções das lógicas televisivas, jornalísticas e nesse contexto, o corpo teve um papel relevante, fato que nos instiga a novas reflexões que articulem corpo, enunciados e internet nos modos de produção de sentido no telejornalismo.

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Referências

BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo, Companhia das Letras, 2000.

CORREIA, Ben-Hur. A circulação da informação jornalística no ciberespaço: conceitos e proposta de classificação de estruturas. In: SCHWINGLE, Carla; ZANOTTI, Carlos ( Orgs.) A.Produção e colaboração no Jornalismo Digital. Florianópolis: Ed. Insular, 2010.

DUARTE, Elizabeth Bastos; CASTRO, Maria Lilia Dias de (Orgs.) Comunicação Audiovisual: gêneros e formatos. Porto Alegre: Sulina, 2007.

FAUSTO NETO, Antônio. Cap. XIII – Transformações nos discursos jornalísticos – a atorização do acontecimento. In: MOULLIAUD, Maurice. O Jornal: da forma ao sentido. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2012.

MORETZSOHN, Sylvia DEBOSSAN. Muito Além dos 20 centavos. In: Observatório da Imprensa. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/muito_alem_dos_20_centavos. Acesso em: 19 de junho de 2013.

FUTEMA, Fabiana. TV aberta exibiu 140 horas de protestos em dez dias. In : Blog Folha. Disponível em: http://outrocanal.blogfolha.uol.com.br/2013/07/01/tv-aberta-exibiu-140-horas-de-protestos-em-dez-dias/ Acesso em: 25 de junho de 2013.

MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão: A vida pelo vídeo. São Paulo, Editora Moderna, 1988.

PRIMO, Alex ( Org.) Interações em rede. Porto Alegre, Editora Sulina, 2013.

ROSÁRIO, Nísia Martins; AGUIAR, Lisiane Machado. Corpos televisivos: artifício e naturalidade na compensação de sentidos entre o masculino e o feminino. In: Anais do XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação- Itercom, Rio de Janeiro, 2005.

SÁ BARRETO, Virgínia A encenação no telejornalismo: Jornalista ou ator? In: FAUSTO NETO, A. et. All. (Orgs.) Interfaces Jornalísticas: Ambientes, tecnologias e linguagens. João Pessoa: Editora da UFPB, 2011.

SANTAELLA, Lúcia. Corpo e comunicação: Sintoma de cultura. São Paulo, Paulus, 2004.

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Midiatização, teoria da experiência e políticas públicas de comunicação

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A natureza mediática da experiênciaAdriano D. Rodrigues1

Adriana A. Braga2

ResumoCom este texto pretendemos, num primeiro momento, lembrar que a experiência humana do mundo sempre dependeu da invenção de dispositivos mediáticos e que esta dependência, ao contrário daquilo que muitos estudos da comunicação parecem pressupor, não é uma característica exclusiva do nosso tempo. Apoiaremos esta afirmação sobretudo nas pesquisas antropológicas sobre o processo de hominização. Num segundo momento, procuraremos mostrar que a invenção dos mais recentes dispositivos mediáticos e a sua rápida assimilação nas sociedades atuais, ao contrário do que apontam algumas teorias a que se costuma dar o nome de pós-modernas, não produz propriamente novas modalidades de experiência, mas artefatos que tornam possível a realização ou a reificação técnica de simulacros das modalidades da experiência que desde sempre e em todas as sociedades foram vivenciadas pelos seres humanos. Em outras palavras, pretendemos sublinhar, com este texto, que os dispositivos mediáticos, por mais extraordinários que pareçam ser à primeira vista as suas realizações no nosso tempo, só podem realizar aquilo que já estava desde sempre presente na experiência do mundo dos seres humanos.

Palavras-chave: comunicação; dispositivo mediático; experiência.

1 Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa.

2 Programa de Pós Graduação em Comunicação- PUC-Rio de Janeiro/CNPq.

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Introdução

O ponto de partida da nossa reflexão é bem conhecido e está acessível à observação de qualquer pessoa: ao contrário das outras espécies, os seres humanos,ao virem ao mundo, passam por todo um conjunto de processos biológicos que fazem com que nasçam em estado fetal, isto é, em estado biologicamente imaturo. Os seres humanos não são evidentemente os únicos; os outros antropoides têm também esta característica, mas de todos os antropoides são aqueles em que estes processos são mais profundos, o que faz com que sejam também os que levam mais tempo a atingir a maturidade. São estes processos biológicos que temos que começar por entender se queremos ter uma compreensão daquilo que é a experiência humana ou, se preferirmos, daquilo que vai distinguir a maneira de estar no mundo dos seres humanos da maneira como os outros seres vivos estão nos seus ecossistemas3.A evolução tecnológica é contígua à evolução biológica (LEVINSON, 1998). Nesta perspectiva, a tecnologia difere-se do modo biológico principalmente por ser um meio de alterar, transformar o ambiente buscando a adaptação da espécie ao invés da alteração da espécie para adaptar-se ao ambiente. Dito de outro modo, enquanto os demais seres vivos adaptam seus corpos às vicissitudes do meio ambiente, do ecossistemaem que vivem, os seres humanos adaptam os ambientes para receberem seus próprios corpos, constituindo assim o seu mundo próprio.

Podemos caracterizar os processos biológicos que sofrem os seres humanos ao virem ao mundo como processos regressivos ou de involução dos dispositivos naturais que os habilitam a adotar os comportamentos apropriados para sobreviverem, num determinado nicho ecológico, tanto enquanto indivíduos, como enquanto membros da sua espécie. Este processo começa ainda no estado intrauterino e prolonga-se ao longo das primeiras horas depois do parto. Quem observar com atenção o que se passa nas primeiras horas de vida de um recém-nascido pode facilmente verificar que ele consegue ainda adotar os comportamentos próprios da sua espécie, tais como, por exemplo, nadar, mamar, andar, mas que, depois de algumas horas, deixa de poder adotá-los, devendo depois seguir todo um processo de aprendizagem que depende da imitação da maneira como os outros seres humanos se comportam, aprendizagem que decorre ao longo dos dois primeiros anos de vida. É a este processo de aprendizagem que se costuma dar o nome de socialização primária (BERGER & LUCKMAN, 2010).

3 A distinção entre ecossistema e mundo decorre do fato de, nos seres humanos, a interação dos seus dispositivos naturais não se dar imediatamente com o meio ambiente, mas com o mundo que eles criam, ao contrário das outras espécies, que estão fechadas no meio ambiente para o qual os seus dispositivos naturais estão imediatamente predispostos e biologicamente programados. Era por isso que Heidegger dizia que aquilo que caracteriza o ser humano, o Dasein, é a abertura, o ser-no mundo (HEIDEGGER, 1986, p. 86 e ss.).

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A linguagem: a mídia constitutiva de toda a experiência possível

Se definirmos ideologia como um conjunto de pressuposições de que somos pouco conscientes, mas que no entanto dirige os nossos esforços para dar forma e coerência ao mundo, então o nosso mais poderoso instrumento ideológico é a própria tecnologia da linguagem. A linguagem é pura ideologia. Instrui-nos nos nomes das coisas, mas, mais importante, em que é que as coisas podem ser nomeadas. Divide o mundo em sujeitos e objetos. Denota que eventos são encarados como processos e que eventos são encarados como coisas. Instrui-nos acerca do tempo, do espaço e do número, e forma as nossas ideias de como nos situamos em relação à natureza e na relação que estabelecemos uns com os outros. (POSTMAN, 1993, p.123)

A linguagem é a primeira e mais importante tecnologia, o mais importante dispositivo mediático. É com a aquisição da linguagem que nos tornamos seres abertos ao mundo, que adquirimos a nossa condição e nos autonomizamos das coações do meio ambiente, em que as outras espécies estão fechadas (AGAMBEN, 2011). Para os seres humanos só são possíveis os mundosque têm na linguagem não só a sua tradução, mas sobretudo a sua constituição. Podemos assim considerar que a criança, no momento em que adquire o domínio da linguagem, com o domínio das categorias que ela constitui e que lhe permitem ter a percepção do mundo, dar forma e coerência às coisas, termina a socialização primária. A partir desse momento, toda a experiência possível ficainevitavelmentedependente da mediatização do dispositivo da linguagem.

A linguagem poderia ser definida como o método humano, não-instintivo, de comunicar ideias e emoções, bem como processar, armazenar e organizar informações através de significados de um sistema de símbolos produzidos de modo voluntário, ou seja, um sistema essencialmente para comunicação, produto de educação e cognição. Esta posição confronta grandes nomes da teoria da linguagem, como Chomsky, que entende a linguagem como um sistema formal autocontido, usado mais ou menos incidentalmente para comunicação, resultado de uma estrutura humana inata. A considerar o aspecto ideológico da própria linguagem – entendida como tecnologia –, é possível dizer que a estrutura da linguagem caracteriza em grande parte o modo como as pessoas organizam informações e desenvolvem ideias, funcionando ao mesmo tempo como meio de comunicação e como sistema de processamento de informação (LOGAN, 2000).

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Utensílios, instrumentos, máquinas, dispositivos

Os dispositivos mediáticos são modalidades de objetos técnicos de que os seres humanos estão equipados, distintos dos utensílios, dos instrumentos e das máquinas. Enquanto objetos técnicos, são artefactos inventados para a realização das atividades humanas, mas distinguem-se das outras modalidades de objetos técnicos pelo fato de estarem incorporados no organismo dos seres humanos.Isso os dispõe não só a interagir com o mundo em que estão inseridos, mas também a provocar reação por parte de outros organismos.

Os utensílios e os instrumentos caracterizam-se pelo fato de a sua natureza técnica residir na materialização e na exteriorização da sua tecnicidade e de a sua funcionalidade técnica depender da sua manipulação ou da sua acoplagem ao corpo. Assim, por exemplo, o martelo e o microscópio ótico mostram explicitamente, na sua configuração material, a sua natureza instrumental, e só realizam as suas funções técnicas quando são,respectivamente, manipulados e acoplados aos olhos.

As máquinas caracterizam-se pelo fato de a sua natureza técnica também residir na materialização e na exteriorização da sua tecnicidade, mas, ao contrário dos instrumentos e dos utensílios, a sua funcionalidade técnica não depende da sua acoplagem ao corpo, uma vez que se trata de artefatos que adquirem individualidade ou relativa autonomia em relação à sua manipulação. A individualidade relativa das máquinas decorre do fato de incorporarem, na sua estrutura, elementos técnicos que desempenham as funções dos órgãos dos seres vivos e de funcionarem por isso de acordo com princípios análogos aos que regulam o funcionamento do organismo. Portanto, a sua invenção só se tornou possível depois da descoberta das leis que a regulam e a que obedece o comportamento humano (em particular, as leis da termodinâmica), e da invenção de artefactos que tornam possível a sua realização técnica.

Os dispositivos técnicos distinguem-se tanto dos utensílios e dos instrumentos como das máquinas, pelo fato de a sua natureza técnica não ser exteriorizada e de a sua funcionalidade técnica não depender da sua acoplagem ao corpo, mas da sua incorporação no organismo. Podemos considerar que, em geral, os objetos técnicos tendem a tornar-se dispositivos técnicos, à medida que vão se concretizando e adquirindo a sua individualidade técnica, ao longo do processo sociogenético, e vão sendo assim integrados na própria experiência humana do mundo. Ao atingirem um nível elevado de incorporação no organismo humano, os dispositivos técnicos não passam apenas a constituir a experiência, mas a fazer parte da própria experiência

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que os seres humanos têm do mundo. É por isso que, quando estamos envolvidos no processo de desencadeamento das reações aos estímulos que recebemos do mundo, não nos damos propriamente conta da sua estrutura e do seu funcionamento. Assim, quando estamos interagindo com o mundo e uns com os outros, não nos damos conta da linguagem que estamos utilizando, por estarmos precisamente a ser por ela dirigidos para adotar os comportamentos linguísticos adequados à interação em que estamos envolvidos, obedecendo assim aos dispositivos linguísticos que interiorizamos ao longo da socialização primária. É por isso que é só pela reflexão, quando tomamos distância em relação aos comportamentos desencadeados pelos dispositivos da linguagem e procuramos, deste modo, objetivá-los simbolicamente, falando deles, que podemos dar conta da sua natureza e do seu funcionamento.

Refletir a natureza e o funcionamento do dispositivo da linguagem é, no entanto, uma atividade que só podemos realizar continuando a obedecer-lhe. É este paradoxo que caracteriza qualquer tentativa de estudo das mídias e que faz com que este empreendimento seja, no limite, impossível de realizar completamente. A linguagem é, assim, o dispositivo que constitui o nosso mundo e, por isso, nos permite, ao mesmo tempo, interagir com o mundo que ele constitui e dar conta dos dispositivos que o constituem.

Para uma antropologia da experiência técnica

A experiência técnica está relacionada com o próprio processo de hominização, em especial com a aquisição da postura ereta, decorrente da liberação dos órgãos de relação situados, de maneira especial, no fácies e nos membros superiores, onde estão localizados os dispositivos naturais encarregados de assegurar, tanto as funções da locomoção, da captação e da manipulação dos alimentos, como a interação com o mundo e as interações inter e intraespecíficas. É o que fazia dizer a Leroi-Gourhan:

O homem fabrica utensílios concretos e símbolos, uns e outros dependendo do mesmo processo ou, antes, recorrendo no cérebro ao mesmo equipamento fundamental. Isto levou a considerar não só que a linguagem é tão característica do homem como o utensílio, mas que não é senão a expressão da mesma propriedade do homem. (LEROI-GOURHAN, 1964, p.162-163).

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É por isso que, por mais que recuemos no tempo, não encontramos vestígios da presença humana que não estejam acompanhados de vestígios de artefatos reveladores da sua experiência técnica, indicadora da necessidade de constituição do seu mundo próprio. Daí também que observemos, desde as épocas mais recuadas, o processo de invenção de técnicas destinadas tanto a perpetuar a linguagem no tempo, como a alargar a sua ressonância no espaço.

A experiência técnica parece, assim, estar desde a sua origem intimamente associada à consciência do tempo e, em particular, da mortalidade, uma vez que é nos monumentos funerários que encontramos os vestígios de utensílios e de documentos gráficos. Deste modo, é nos seus artefatos que os seres humanos parecem pretender perpetuar-se a si próprios e ao seu mundo para além da efemeridade da sua existência mortal.

A lógica da invenção técnica

Gilbert Simondon definiu a lógica da invenção técnica considerando-a como um processo sociogenético de progressiva concretização dos objetos técnicos. Partindo de uma origem em que precisam da intervenção humana para concretizarem a sua tecnicidade, os objetos técnicos tendem a ser progressivamente concretizados, ao longo de um processo que os autonomizam relativamente à intervenção humana, adquirindo assim a sua própria individualidade técnica (SIMONDON, 1989). Este processo consiste, segundo este autor, na progressiva invenção de soluções para as incompatibilidades das exigências dos seus diferentes componentes, fazendo com que progressivamente cada um deles deixe de realizar apenas uma tarefa e de exigir a intervenção humana para resolver pontualmente essas incompatibilidades. Ao longo do processo sociogenético da invenção técnica, todos e cada um dos seus componentes passam assim a funcionar em conjunto e a assegurar diretamente a função comum do objeto técnico considerado como um todo. Vemos assim que, para este autor, o conceito de interação sinergética é o conceito chave da lógica a que obedece o processo sociogenético de invenção técnica:

É essencialmente a descoberta das sinergias funcionais que caracteriza o progresso no desenvolvimento do objeto técnico (SIMONDON, 1999, p.37).

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Por sua vez, Michael Tomasello utiliza a metáfora da catraca, chamando a atenção para a natureza sociogenética deste processo, que explora “as potencialidades plásticas intencionais dos artefatos” (Tosamello, 2003, p.50-55), mostrando que a sociogênese prossegue um trabalho de elaboração de artefatos cada vez mais complexos pertencentes a uma mesma linhagem técnica:

Algumas tradições culturais acumulam as modificações feitas por diferentes indivíduos no transcurso do tempo de modo que elas se tornam mais complexas, abrangendo um espectro mais amplo de funções adaptativas – o que pode ser chamado de evolução cultural cumulativa ou de “efeito catraca” (TOSAMELLO, 2003, p.117-121).

Semelhante perspectiva parece ser a de McLuhan, ao formular as hipóteses teóricas contidas nas noções rear-viewmirror (espelho retrovisor), segundo as quais o funcionamento da cultura é encarado como o de um espelho retrovisor, devido à propriedade que tem uma nova mídia de tornar a anterior obsoleta ao mesmo tempo em que absorve seu conteúdo4.

Para Logan (2005), embora a fala, a escrita, a matemática, a ciência, a informática e a Internet sejam seis linguagens únicas em seus próprios vocabulários e gramáticas, elas estão relacionadas por formarem uma corrente evolutiva de linguagens, isto é, distintas e interdependentes. Cada nova forma de linguagem emerge pela necessidade de lidar com a quantidade de informação excedente, impossível de ser expressa pela forma anterior. Sendo assim, a linguagem mais recente seria derivada e conteria elementos das formas anteriores.

Levinson (1999) introduziu a noção de remedial media para denominar as tecnologias inventadas visando solucionar problemas criados por tecnologias anteriores. Nesse sentido, ver Bolter&Gruisin (2000).

As diferentes modalidades de dispositivos mediáticos

Gostaríamos agora de chamar a atenção para a existência de duas categorias de dispositivos mediáticos: as próteses e as órteses. As próteses são dispositivos mediáticos utilizados sobretudo em medicina e que se destinam, respectivamente, a substituir órgãos inexistentes ou a tornar mais eficiente o funcionamento de órgãos deficientes. Pertencem a esta categoria os órgãos artificiais utilizados nos

4 Para melhor compreensão da abordagem ecológica das mídias, ver Braga, 2007.

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transplantes e nos implantes. As órteses são, por exemplo, os óculos, os relógios de pulso5, os pacemakers ou marcapassos, dispositivos mediáticos que são incorporados na experiência humana para intervirem, respectivamente, na percepção visual, na percepção do tempo e no funcionamento do coração.

Mas existe uma outra categoria de dispositivos mediáticos, a que é formada pelo conjunto dos artefatos que são interiorizados pelo dispositivo natural da enunciação e que se destinam a intervir no desencadeamento das interações discursivas. Damos o nome de dispositivos da enunciação a esta segunda categoria de dispositivos. Para entendermos a sua natureza e o seu modo de funcionamento, temos evidentemente que ter presentes a natureza e o funcionamento do dispositivo natural da enunciação, que desencadeia as interações discursivas.

Uma das características dos dispositivos mediáticos é o fato de só nos apercebermos do seu funcionamento quando deixam de funcionar, quando falham, quando o seu funcionamento é deficiente. Esta característica distingue-os evidentemente das outras modalidades de objetos técnicos e decorre do fato de serem dispositivos técnicos, isto é, de serem artefatos incorporados, de estarem interiorizados no organismo.

A escrita, considerada como tecnologização da palavra, por estar tão incorporada ao próprio pensamento humano, tem sua forma e organização tomadas como óbvias, dadas. Para Ong (1998), uma das diferenças operadas pelo surgimento da escrita com relação à cultura oral foi a introdução de um tipo de reflexão analítica até então inexistente. Livre da obrigatoriedade da presença física do outro e da concomitante necessidade do improviso demandada pela cultura oral, a cultura escrita permite tempo para reflexão, para escolher as melhores palavras. Com isso, ganha-se em precisão verbal, mas perde-se em espontaneidade. Em nossa época de oralidade secundária – oralidade pós-tecnologia da escrita –, a promoção da espontaneidade se dá através da reflexão analítica operada pela escrita: decide-se que é conveniente ser espontâneo (ONG, 1998, p.155). Sendo assim, os acontecimentos são cuidadosamente planejados visando garantir a espontaneidade.

Os estudos de comunicação que pretendem ter as mídias como objeto, mas que ignoram esta característica, por conseguinte, não têm os dispositivos mediáticos como objeto de estudo, mas outras questões, a maior parte das quais é impossível de responder, tais como as que relacionadas à influência ou o poder dos meios de

5 O galo anuncia pontualmente com o seu canto a alvorada do novo dia. Os seres humanos também podem adotar comportamentos semelhantes, mas para isso estão dependentes do relógio que tiveram que inventar.

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comunicação, uma vez que pressupõem erradamente uma reificação ou coisificação dos dispositivos mediáticos, como se fosse uma realidade exterior à própria experiência do mundo. De fato, os dispositivos mediáticos da enunciação têm influência sobre os nossos comportamentos e poder que escapam à nossa percepção e que, por isso, somos incapazes de discernir, uma vez que coincide com a nossa própria experiência do mundo.

Os dispositivos da enunciação

Os seres humanos, ao contrário dos outros seres vivos, são dotados de dispositivos naturais da enunciação que lhes permitem interagir uns com os outros, utilizando o dispositivo da linguagem. Os outros seres vivos também são dotados de dispositivos de interação, mas não utilizam a linguagem, pelo menos no mesmo sentido que damos à linguagem humana.

Os dispositivos que os outros animais utilizam não são dotados da reflexividade que possuem nos seres humanos e que torna os comportamentos humanos “símbolos significantes”, para empregarmos a terminologia de George Herbert Mead (1967, p.71-72; 190-191; 268-269).

Uma característica fundamental do dispositivo natural da enunciação é a de exigir a aprendizagem de dispositivos mediáticos específicos de uma determinada cultura para poderem funcionar, em particular a interiorização do dispositivo mediático da língua materna.

Para entendermos os dispositivos mediáticos da enunciação temos que ter em conta o quadro (frame)6em que eles desencadeiam nos seres humanos a atividade enunciativa.

Ao longo da socialização primária, em particular nos dois primeiros anos de vida, a criança aprende a correspondência ou a natureza apropriada dos enunciados às diferentes situações interacionais em que pode estar envolvida. Damos o nome de apropriedade a esta correspondência. Pelo fato de já estar interiorizada no momento em que a criança começa a falar, a apropriedade é habitualmente considerada como natural e indiscutível, embora seja culturalmente instituída, variando, por conseguinte, de cultura para cultura. Podemos facilmente verificar a natureza instituída desta característica, observando que as pessoas que pertencem a diferentes culturas,quando interagem em situações idênticas, adotam maneiras diferentes de interagir.

6 Para melhor compreensão da noção de quadro ou frame, ver Goffman (1974).

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A enunciação não é uma realidade existente no mundo, mas um acontecimento ou um processo desencadeado pelos dispositivos de que são dotados os seres humanos e que fazem existir no mundo objetos específicos, os enunciados,quando os seres humanos se encontram entre si e interagem uns com os outros. Os enunciados são componentes discursivos distintos das frases e das proposições, uma vez que não se exprimem apenas em unidades verbais, mas se manifestam igualmente em comportamentos ou em atividades para-verbais e extra-verbais, constituindo e pondo em cena instâncias enunciativas, tais como as pessoas, os tempos e os espaços enunciativos7.

Os comportamentos ou as atividades verbais como as para-verbais ou prosódicas resultam do funcionamento dos órgãos da fala, ao passo que as extra-verbais resultam dos comportamentos mimo-gestuais desencadeados pelos dispositivos enunciativos.

As instâncias pessoais, temporais e espaciais são as entidades que não só definem ou delimitam o quadro enunciativo no seio do qual a enunciação ocorre e que lhe confere a sua natureza de acontecimento, mas também constitui os/as participantes no processo enunciativo como sujeitos da enunciação.

A existência da atividade enunciativa é efêmera, uma vez que desaparece no próprio momento em que acontece, e só pode ser observada no lugar e no momento em que ocorre. É precisamente para que as limitações inerentes à natureza efêmera do acontecimento e do quadro enunciativo possam ser ultrapassadas que, ao longo do processo sociogenético de invenção técnica, as sociedades humanas foram inventando dispositivos mediáticos da enunciação, tais como as representações gráficas da linguagem, em particular a escrita alfabética, a prensa de tipos móveis, o telégrafo, o telefone, os dispositivos de registro e de transmissão do som e da imagem, tais como a radiodifusão e a televisão, assim como os mais recentes dispositivos cibernéticos.

Tais dispositivos, cada um a seu modo e a seu tempo, parecem obsolescer aqueles imediatamente anteriores e dominantes, com a promessa de aperfeiçoar suas limitações, alterando práticas sociais, promovendo aspectos da cultura, recuperando outros e se transformando em novos dispositivos mediáticos de enunciação. Marshall McLuhan descreve as leis das mídias, os quatro efeitos provenientes da introdução de um novo dispositivo técnico no contexto social: a promoção de alguns aspectos da sociedade; o envelhecimento (obsolescência) de mídias dominantes antes da emergência da nova mídia; a recuperação de mídias tornadas obsoletas previamente; e a revitalização da nova mídia em consequência do pleno desenvolvimento seu do potencial (MCLUHAN&MCLUHAN, 1988, p.129).

7 Ver a este propósito a noção de indexicalidade definida por Harold Garfinkel (1967).

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Mídia e experiência

O processo sociogenético de invenção técnica parece ter desde sempre provocado atitudes reativas, a julgar pelos testemunhos históricos que chegaram até nós. Como exemplo destas atitudes reativas recordarei a narrativa bíblica da Torre de Babel, onde encontramos narrado de forma dramática o resultado provocado pelo orgulho desmedido da descoberta do fogo e das novas técnicas de construção que esta descoberta tornou possível (GÊNESIS, 11, 1-9). Encontramos o mesmo efeito dramático da invenção técnica no mito grego de Prometeu, que narra o destino trágico a que ele foi votado por ter ensinado aos seres humanos a descoberta do fogo, da escrita, da geometria e de toda a espécie de artes (ÉSQUILO, 1990, p.107-137). No fim do diálogo com Fedro, Platão retoma este mesmo confronto entre os adeptos e os críticos dos inventos técnicos, em geral, e da escrita, em particular, para fazer ver que não é por ter escrito e decorado o discurso do sofista Lísias, que tinha estado a ouvir nessa manhã, que passará a ser mais conhecedor das questões do amor, que nele são tratadas, e a descobrir a verdade acerca dessas questões (PLATÃO, 2011, p.274b-278b). Podemos encontrar muitos outros exemplos do confronto entre as atitudes a que Simondon (1989) dava o nome de tecnoclastas e as atitudes tecnólatras, isto é, entre os defensores e os inimigos incondicionais dos novos inventos técnicos. Os primeiros encarando-os como a solução para os problemas dos seres humanos e os segundos vendo neles a fonte de todas as infelicidades da humanidade. Outros autores já desenharam oposições semelhantes, como os ‘apocalípticos’ e os ‘integrados’, de Umberto Eco (1964) ou os ‘tecnófobos’ e ‘tecnófilos’ de Neil Postman (1993). É nossa convicção de que tanto a primeira atitude como a segunda decorrem da dificuldade que os seres humanos têm de aceitar a sua condição. Aqueles a que Simondon dava o nome de tecnoclastas esquecem que os seres humanos dependem inevitavelmente dos objetos técnicos que os habilitam a constituir o mundo da sua experiência, continuando deste modo a nostalgia do mito do paraíso perdido, em que supostamente viveriam para sempre felizes, no estado de natureza. Os tecnólatras esquecem que os objetos técnicos são inventos humanos e que a experiência do mundo não depende do seu funcionamento, mas de opções feitas, individual e coletivamente, pelos seres humanos. São essas opções que explicam a invenção, a adoção e o funcionamento dos objetos técnicos ao longo do processo sociogenético.

Não é de admirar que os mais recentes inventos técnicos provoquem hoje o confronto entre essas duas posições e alimentem assim uma abordagem dicotômica e ingênua das mídias. As consequências desta abordagem estão particularmente

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presentes em muitas publicações acadêmicas que pensam que podem compreender os processos comunicacionais a partir do estudo dos processos mediáticos.

É verdade que a viragem cibernética da tecnicidade, decorrente do paradigma sistêmico, é ainda relativamente recente e, como não foi ainda suficientemente assimilada pelo mundo contemporâneo, ainda não é objeto de suficiente recuo e distância. A sua natureza sistêmica também faz com que a percepção da sua tecnicidade seja ainda difícil e exija uma cultura técnica ainda incipiente. Daí a visão distorcida da relação das mídias e dos dispositivos mediáticos da enunciação, com a experiência. O alto grau de performatividade atingido atualmente pelas mídias tende a criar a ilusão de que os dispositivos mediáticos constituem hoje a experiência, substituindo, deste modo, os comportamentos e as atividades dos seres humanos. É verdade que os promotores dos dispositivos mediáticos alimentam esta ilusão, que tem também expressão em obras de ficção literárias e cinematográficas. Esta ilusão está intimamente relacionada como a noção de automação e com alguns projetos recorrentes de interação da robótica com a pesquisa em biologia, como a neurociência, por exemplo.

É frequente a publicação de estudos de comunicação que denunciam a relação dos recentes dispositivos mediáticos com os mecanismos de dominação e as estratégias do poder, esquecendo que esta relação não está propriamente relacionada com os dispositivos mediáticos, mas com o dispositivo da linguagem que é inevitavelmente mecanismo de poder e de dominação. As sociedades humanas são politicamente instituídas pelo fato de se apropriarem, inevitavelmente, de maneira desigual, das categorias da linguagem e de a atividade enunciativa instituir lugares diferenciados de fala.

O que caracteriza especificamente os dispositivos mediáticos é o fato de jogarem tecnicamente com o quadro enunciativo e com cada um dos seus componentes, dispensando assim as pessoas do trabalho de os constituir. É para ultrapassar as limitações do espaço e do tempo da atividade enunciativa que foram inventados os dispositivos gráficos, em geral, e a escrita alfabética em particular, deste modo tornando possível interagir fora do espaço e do tempo da percepção da enunciação, como muito bem tinha visto Platão no Fedro. É para jogarem com a constituição dos/as protagonistas da enunciação que foram inventados o telégrafo, o telefone, a radiodifusão sonora e televisiva, assim como os dispositivos cibernéticos, tornando possível alargar indefinidamente o número de participantes da atividade enunciativa. Deste modo, é pela ultrapassagem dos constrangimentos e das limitações da atividade enunciativa, das coações inerentes à sua efemeridade e à sua localização espacial,

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assim como à ultrapassagem das limitações do seu endereçamento que foram sendo inventados os dispositivos mediáticos, ao longo do processo da sociogênese técnica. Se quisermos entender o papel das mídias na experiência é este jogo com o quadro enunciativo que temos, antes de mais, de equacionar e de aprofundar.

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Processo midiático e o vínculo entre parte e todoPedro Benevides1

ResumoO artigo procura fazer uma leitura cruzada de três autores que se debruçaram sobre a midiatização – Braga, Fausto Neto e Miège – para buscar componentes substanciais que permitam caracterizar o processo midiático a partir de análises maduras. Apresenta-se uma periodização, que combina mudanças no campo midiático e seu vínculo com dimensões sociais mais profundas. Expõem-se também as características mais abrangentes do processo midiático em sua etapa de campo instaurado, delineada com base nos três autores citados, a partir dos quais se buscam interseções que provoquem outros ângulos. Distinguem-se, por fim, alguns limites de construção de objeto, como reducionismo, isolamento, exterioridade, entre outros, cujo apontamento demanda caminhos que articulem parte e todo.

1 Pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos. Esta pesquisa se realiza no âmbito do Projeto “Afetações da Midiatização sobre o Ofício Jornalístico”, coordenado por Antonio Fausto Neto, e conta com bolsa CNPq.

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Introdução

Na etapa histórica passada, era possível atribuir ao jornalismo um papel mediador, realizado por “peritos”, traduzindo para leigos as lógicas de outros campos (FAUSTO NETO, 2010c, p. 4). Essas formulações se alinham à ideia de Giddens, de 1991, de meios de comunicação como tradutores de problemáticas para os indivíduos, um trabalho mediador, construtor de elos de confiança e de segurança (FAUSTO NETO, 2008b, p. 90). Nesse sentido, Fausto Neto recupera dois autores que se dedicaram à definição deste estatuto do jornalismo: Darnton demarca as possibilidades de construção da notícia nos limites da cultura jornalística, enquanto Mouillaud pensa a produção da notícia como uma matriz que impõe sentido aos textos. Ambos compartilham a noção de “jornalismo como uma prática social regida por certos postulados internos à cultura dessa matriz de produção de sentido” (FAUSTO NETO, 2007a, p. 80).

Sabemos que aquele papel e estes postulados se encontram em transformação similar às mudanças de um conjunto maior, que pode ser chamado de processo midiático. O objetivo deste artigo é enfocar as inflexões sofridas por este conjunto, como contribuição para a construção de um quadro que permita situar o jornalismo.

Nos anos 1990 e início dos 2000, a noção de centralidade da mídia ganha atenção de pesquisadores em comunicação, e são demandadas novas categorias gerais, como campo midiático. Ocorre um entrelaçamento entre condições internas e externas ou, dito de outro modo, uma nova capacidade institucional de investigação se encontra com um objeto diferenciado, que impele a pesquisa à atualização de formulações. O resultado mais proeminente deste encontro talvez seja a ramificação da epistemologia da comunicação como grupo específico de pesquisa e debate.

A construção de referências abrangentes para o estudo daquilo que nos aparece como mídia pode ser um instrumento auxiliar para nos situarmos num terreno à primeira vista confuso em que canais se multiplicam, públicos se pulverizam, aparelhos se interligam etc. Esse quadro pode ser eficaz também para aproveitar alguns dos estudos mais adensados disponíveis sem recair nos compartimentos disciplinares nos quais a pesquisa em comunicação no Brasil tradicionalmente se divide e se dispersa. Este artigo visa então contribuir com a prospecção de ângulos através da composição de um quadro de componentes substanciais do processo midiático.

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Passagem do processo midiático

A periodização pode ser um primeiro passo para compor este quadro, já que a comparação entre presente e passado é frequente nas caracterizações das atuais mudanças da mídia. Do ângulo aqui considerado, trata-se de definir uma passagem entre duas etapas do processo midiático.

A etapa considerada anterior foi chamada por Fausto Neto de “sociedade dos meios” e a atual de “sociedade em vias de midiatização”. Os termos podem variar, pois são categorias em plena gestação. A primeira fase pode ser também chamada de “sociedade midiática”, porém é assim que Lasch (2005) se refere à segunda etapa, de modo que o termo “sociedade dos meios” (FAUSTO NETO, 2008b, p. 93) pode evitar essa confusão. A segunda etapa pode ser chamada de “sociedade midiatizada” (FAUSTO NETO, 2010d) ou “sociedade da midiatização” (FAUSTO NETO, 2008c, p. 126), mas o termo “em vias de” tem a vantagem de destacar o andamento, assim como as expressões “sociedade em midiatização” (BRAGA, 2011a, p. 68; BRAGA, 2012b, p. 50) e “sociedad de mediatización creciente” (BRAGA, 2012b, p. 47) sublinham a emergência de mudanças que se implantam e predominam ainda que incompletas (BRAGA, 2007).

Com todas as variações, a constante é a indicação de uma transformação ampla e profunda, envolvendo processo midiático e processo social, sem que necessariamente se referende noções possivelmente precipitadas sobre uma “nova era digital” ou rompimentos similares.

A percepção dessa transformação amadurece em meados dos anos 2000, e se manifesta em termos como “bios midiático”, de Muniz Sodré (2004), e “nova ambiência”, de Pedro Gomes (2006), entre outros dos quais Fausto Neto se alimenta para explicitar em 2008 a “emergência da midiatização”, que envolve certas mudanças basilares (FAUSTO NETO, 2008, pp. 92-94): – conversão de tecnologias em meios: a convergência de fatores sócio-tecnológicos, nas três últimas décadas, transformando certas tecnologias em meios de produção, circulação e recepção de discursos; – atravessamento e capilarização: a perda de ênfase da centralidade, autonomia relativa e distinção dos meios de comunicação como especialistas no trabalho de intermediação dos campos sociais, em favor de que pressupostos e operações midiáticas atravessem e permeiem práticas, interações e campos sociais, gerando zonas de afetação em vários níveis sociais, envolvendo inclusive os grandes produtores, que se encontram com os consumidores em novos fluxos;

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– para além dos campos, a própria organização social se faz tomando como referência as lógicas e operações midiáticas; em outras palavras, a lógica midiática se torna “uma referência engendradora no modo de ser da própria sociedade” (FAUSTO NETO, 2008b, p. 93).

Fica assim subentendida uma periodização, englobando pelo menos 30 anos. Uma perspectiva mais longa é apresentada em 2007 por José Luiz Braga, que sobrepõe duas periodizações. A primeira é uma espécie de sequência de três grandes referências interacionais, a oralidade, a escrita e a midiatização, com esta ganhando primazia hoje. A segunda periodização é especificamente midiática e distingue três etapas, num trajeto de autonomização: meios de comunicação são criados para serem usados como instrumentos para atingir fins externos; esses meios passam a desenvolver operações, métodos e estrutura visando objetivos próprios; por fim, esses meios geram lógicas midiáticas inerentes que se autoalimentam. Ao longo dessas fases que culminam na geração interna de lógicas midiáticas, emerge a midiatização como um direcionador na construção da realidade social. O autor aponta, em termos gerais, que essa virada se dá ao longo do século XX, como etapa posterior à consolidação da cultura escrita na Europa da instauração burguesa (BRAGA, 2007, p. 145).

Considerada a variedade de elementos compreendidos nestas formulações, podemos distinguir uma passagem fundamental, em que o processo midiático se dinamiza em duas trilhas: de um lado, ele se dá atravessando campos, numa dinâmica que desloca o campo midiático; de outro lado, a lógica midiática teria superado o campo midiático que lhe deu origem e atuaria num grau superior aos campos, incidindo sobre dinâmicas mais profundas do processo social. A caracterização desta passagem interessa antes de mais nada por colocar a exigência de perspectiva histórica e atenuar a forte inclinação das pesquisas para a análise de curto prazo. Além disso, a concepção dessa transição exige relacionar indivíduos, campos e estruturas sociais. Por fim, a ideia de passagem pode contribuir para colocar em questão uma travessia que normalmente é tida como dada, como um resultado natural de avanços econômicos e tecnológicos.

A ideia de processo midiático

A passagem que vimos carrega explicitamente a opção pela ideia de processo midiático, que não decorre de constatação imediata mas de um raciocínio que relaciona ângulo e fenômeno. Seguindo José Luiz Braga (2011a), podemos encontrar a

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combinação entre a objetivação de um espaço de preocupações (a pesquisa acadêmica em comunicação) e a incontornável incidência de um poderoso aparato midiático sobre as relações sociais. De um lado, o espaço de pesquisa se constitui, sem eliminar a dispersão de perspectivas, de acordo com o autor. De outro, diz ele, a presença midiática se reforça na sociedade, incitando a percepção de “centralidade” da mídia, como veremos mais adiante. O que interessa enfatizar aqui é que a relação entre constituição de espaço de pesquisa e centralidade midiática se dá sob a intermediação de quatro ângulos problemáticos vigentes no início dos anos 2000.

Um deles pode ser chamado de holismo: a comunicação estaria presente em todas as dimensões humanas, sendo tão ampla que se torna inapreensível – “tudo é comunicação” (BRAGA, 2011a, p. 65). Um segundo ângulo, muito debatido em fins de 1990, é o da interdisciplinaridade, termo que frequentemente designa um terreno vazio onde todas as ciências humanas teriam algo a dizer (ibidem, pp. 63-64). Braga valoriza os estudos de interface, nos quais percebe potencial para conhecimento, ao passo que o acolhimento indiscriminado da diversidade estimula a postura “interdisciplinarista frouxa” (ibidem, p. 74). O terceiro ângulo é aquele que enquadra a comunicação a partir de disciplinas das ciências humanas e sociais, que tendem a negligenciar especificidades midiáticas em favor de categorias já consolidadas na disciplina original (ibidem, p. 69). O quarto ângulo é chamado por Braga de reducionista: trata-se do recorte de “objetos específicos identificadores da área”, numa segmentação do objeto em questões tecnológicas, jurídico-políticas, expressivo-interpretativas, profissionais-produtivas, relativas à recepção, entre outras escolhidas a partir da especialidade ou da preferência do pesquisador (ibidem, pp. 65-69). Nesse caso, mesmo que sejam reunidos múltiplos enfoques, “fica uma certa sensação de que outros processos sociais, que não comparecem em relação de contiguidade imediata com a mídia, estariam nos escapando à observação e portanto ao trabalho do conhecimento” (ibidem, p. 65).

Alertando contra a tendência precipitada de tomar os “meios de comunicação diretamente como objeto do Campo”, Braga afirma que estes não constituem objeto de pesquisa, sendo eles “apenas o fenômeno empírico – e como tal não correspondem propriamente a um ângulo ou preocupação de busca de conhecimento” (ibidem, p. 69). Mais ainda, o problema da definição de objeto não se resolve pelo recorte dos meios de comunicação em termos de política, economia, administração, tecnologia, produção profissional, discursos ou recepção. Tais enfoques, se exclusivos, tendem a isolar fragmentos, “seja de sua realidade social, seja de sua substância significativa, seja das suas condições de existência e produção” (ibidem, p. 69). Cabe fixar essa noção de um triplo isolamento como marcante dos estudos de mídia. Essa noção

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não implica o veto à observação de fenômeno recortado. A questão pertinente seria como se contrapor ao triplo isolamento, referido ao contexto social geral, ao contexto mais próximo das condições de produção e à substância significativa (que o autor não define). Abstraindo a preferência de Braga pelas interações, a questão que ele coloca em 2001 é “examinar o fragmento sem destacá-lo das relações que entretém” (ibidem, p. 69).

Se não me engano, essa sugestão de exame corresponde à orientação de apreender vínculos entre processo midiático e processo social. A meu ver, o termo processo midiático é um operador de método: incorpora o senso comum (a noção prosaica de mídia), se refere a um fenômeno atual que mobiliza preocupações e deste se distancia ao mesmo tempo, estimulando percepção mais ampla e dinâmica. O termo não explica – ele pede explicação, já oferecendo certa orientação. Comentando as formulações acima, Braga reitera 10 anos depois: o termo “mídia” leva a equívocos ao sublinhar aspectos temáticos (os recortes já mencionados), enquanto que a expressão “midiatização” implica processos comunicacionais e suas lógicas internas, articulados a processos de comunicação não diretamente midiatizados mas inscritos no fluxo comunicacional (ibidem, p. 70). A ênfase no processo, com alusão à pesquisa acumulada, é compartilhada por Fausto Neto, segundo quem a midiatização “transcende aos meios e as mediações, [estando] no interior de processualidades” (FAUSTO NETO, 2006b, p. 10). O que se destaca aqui é que a ideia de processo midiático pressupõe a relação necessária entre parte e todo, sem a qual o objeto recortado não só se isola do contexto mas de sua própria substância.

Miège e a dupla mediação

A reflexão sobre o vínculo entre parte e todo se coloca no chamado enraizamento das técnicas de informação – comunicação (TIC), segundo Bernard Miège, com o qual cabe uma aproximação. Situar o fragmento num conjunto de relações externas e internalizadas é justamente um modo de compreender as TIC, o que põe Miège em diálogo com a ideia de processo midiático.

Segundo este autor, a técnica é constituída de uma “dupla mediação”, o que designa a introjeção de um vínculo mutuamente determinado entre técnica e sociedade (MIEGE, 2009a, pp. 18; 46-47). A relação da técnica com o social é interna, pois as determinações sociais se cristalizam como técnica (ibidem: 62); e é simultaneamente externa, uma vez que a técnica reincide sobre práticas, após ter sido gestada pelos

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laboratórios dirigidos por atores estratégicos (ibidem: 47; 62; 219). As esferas técnica e social estabelecem múltiplos vínculos, de modo que a dupla determinação apresenta graus variados de dinamismo, o que elimina a possibilidade de determinismo, sem rejeitar a força das hierarquias (ibidem: 49; 89; 90; 220).

É dentro deste raciocínio que o termo enraizamento é empregado, em contraposição ao termo inserção, equivocado por “colocar a esfera da técnica numa posição de exterioridade e mesmo de conquista em relação ao social” (ibidem: 55-56; cf. também p. 22). Estamos diante de preocupação correlata à de Braga, com a problematização dos quatro ângulos que vimos acima. Mais ainda, trata-se de se distanciar de elaborações atreladas a termos como difusão, papel, efeitos, impacto, entre tantos outros tão disseminados na pesquisa acadêmica em comunicação e que carregam o fardo das relações dicotômicas entre fenômenos comunicacionais e sociedade. A problematização do isolamento, por Braga, e da exterioridade, por Miège, traz implícita o questionamento dos termos cibernéticos e funcionalistas.

A corrente funcionalista, desde seus cinco Qs até o ajuste de 1973 acerca de o que as pessoas fazem com a mídia, sempre pressupõe uma “ligação em que a mídia tem uma relação de exterioridade aos grupos sociais” (MIEGE, 2009b, p. 10). Na cibernética, que assume o modelo emissor–receptor e o adapta à noção de efeito de retroação (ibidem, p. 11), encontra-se uma exterioridade similar. Para além destes dois modelos, a compartimentação dos objetos da pesquisa em comunicação – empresa, rotina, produto, discurso, recepção etc. – tende a se bastar em termos cada vez mais especializados, avançando dentro de sua fronteira a despeito de que reincida em problemas semelhantes àqueles que se colocam na preocupação com efeitos, impactos, funções e assim por diante. Assim, seria preciso se perguntar se tais correntes e ângulos possuem, por si mesmos, categorias capazes de estabelecer concepção do conjunto do fenômeno midiático.

A posição de Miège tem limites, que ele mesmo explicita em termos positivos:

as posições generalistas não me interessam e continuo a dizer que o que deve ser colocado na informação–comunicação são as problemáticas transversais e parciais. Transversais, como já disse, porque atravessam diferentes campos sociais. Parciais porque é um erro querer ter um ponto de vista global sobre comunicação. A complexidade é muito importante (ibidem, p. 15).

Optar pelo médio prazo pode ser posição legítima, mas por que confundir abrangência com generalismo? É curiosa a postura de quem afirma a parcialidade

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sem se sentir inclinado a justificar a posição. Assim, é tomado como líquido e certo o alinhamento entre a noção de complexidade e o abandono da perspectiva de conjunto. Numa palestra na Faculdade Cásper Líbero em 2009, Miège trata de “desafios” que congregam harmoniosamente problemas de mercado e de cidadania, apontando inclusive um “déficit de criatividade”, ficando a reflexão confinada às fronteiras da regulamentação e da deontologia (ibidem, p. 15; a posição se confirma no livro: cf. MIEGE, 2009a, p. 61). A elaboração de Miège é densa e cuidadosa, mas a ponderação teórica se torna comedimento perante o estado crítico do contexto, do qual fica visivelmente deslocado. Assim, se a pertinência da análise de Miège é rara e deve ser aproveitada, fica em aberto definir qual seria a chave deste aproveitamento, condizente com a gravidade da situação contemporânea.

Institucionalização e dispersão

Foi mencionada acima a constituição de um espaço de preocupações. Braga se refere a ela como a “objetivação de um espaço de estudos, reflexões e pesquisa percebidos largamente como relevantes” (BRAGA, 2011a, p. 63). Esse espaço vem sendo chamado de “Comunicação”, “Comunicação Social” ou – como passou a ser chamado em fins da década de 1990 – “Campo da Comunicação”. A designação é entendida por todos os que nele realizam pesquisa acadêmica, sem que isso acarrete consenso sobre a definição de seus contornos (ibidem, p. 63).

A ideia de que “a Comunicação é uma encruzilhada por onde muitos passam e poucos permanecem” (ibidem, p. 63), que Braga toma de Wilbur Schramm para caracterizar provocativamente este campo em 2001, pode talvez ser melhor aplicada a um período em que tal objetivação estava em estágio anterior, quando havia poucos Programas de Pós-Graduação e eram reduzidos os espaços de intercâmbio. A consolidação da Intercom e da Compós, assim como a criação de novos PPGs em comunicação no Brasil, podem ser entendidas como marcos de um estágio novo de objetivação, que também pode ser entendida como institucionalização. Assim, uma vez instituído o campo, do modo como vimos nos anos 1990 e nos anos 2000, a permanência se normaliza, no sentido de que passa a existir um corpo continuado de pesquisadores.

Isso não elimina o problema da dispersão, que acompanha a diversidade de objetos, abordagens e referenciais teóricos que compõem aquele campo. A dispersão é “decorrente do fato de que essa diversidade não se interroga, não produz

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tensionamento mútuo, não se desafia por perguntas e interpretações concorrentes que exijam reflexão cruzada” (BRAGA, 2011b, p. 3). Escrevendo em 2010, Braga aponta que o debate sobre a pesquisa em comunicação se concentra entre as opções disciplina e campo, que implicam respectivamente teoria e objeto formalizados em termos positivistas de um lado e interdisciplinaridade de outro. A refutação do autor para ambas alternativas levanta um panorama desolador, constatado, mas carente de explicação. A primeira possibilidade está eliminada pelo fato de que, “desde os anos 1990, não se manifestam grandes teorias que tenham a pretensão de ‘dizer o comunicacional’ de modo abrangente. As teorizações produzidas parecem se voltar para avanços setoriais de conhecimento” (BRAGA, 2010, pp. 19-20). A segunda possibilidade implicaria aceitar a dispersão, entendida como uma indiferença letárgica pela ausência de sistematização e debate amplos (ibidem, p. 22). Braga vê potencial para articulação e tensionamento, mas não a sua realização: “Para ser levado a sério, o argumento interdisciplinar implicaria uma busca de aproximação, de diálogo entre os diferentes aportes (...). Uma verdadeira interdisciplinaridade seria um processo construtor e não dispersor. Mas não vemos defensores dessa postura desenvolverem esse esforço articulador” (ibidem, p. 23).

Instauração do campo midiático

A percepção da ampliação do fenômeno midiático e de sua penetração social ensejou o termo “centralidade da mídia”, que Braga explica em termos de um vasto aparato especializado presente nas interações sociais e as modificando, uma vez que estas se ajustam àquele. A “forte presença do mediático nas interações sociais contemporâneas” se manifesta em propriedades específicas, como a inclusividade (capacidade de incluir e captar conteúdos e práticas) e a penetrabilidade (capacidade de se inserir em práticas e ser acolhido por elas), impondo alterações e adaptações das práticas e conteúdos incluídos e penetrados (BRAGA, 2011a, p. 69). Para o autor, seriam esses “fatores que nos permitem afirmar que hoje [em 2001] vivemos em uma ‘sociedade de comunicação’ ou ‘sociedade mediática’ ” (ibidem, p. 69).

Denominações como essas indicam a aceitação de que os meios de comunicação estão em nova etapa. Coloca-se a percepção de um novo grau de coesão entre os chamados meios de comunicação e um novo grau de capilarização destes na sociedade, o que exige novos termos gerais, dos quais talvez o mais difundido seja a própria noção de “mídia”, incorporada pelo senso comum desde os anos 1990. Interessa

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destacar essas novas caracterizações e decompor os fatores que as viabilizaram. Uma delas é a apropriação da ideia de campo social para os estudos de mídia.

Braga resgata Bourdieu e Adriano Rodrigues para tratar do chamado campo midiático. Segundo o argumento assim recuperado, os campos sociais são marcados por uma autonomia relativa, manifesta na capacidade de refração de demandas externas, e por uma coexistência mútua que coloca exigências de legitimidade e visibilidade entre eles. A mediação que cada campo exerce para se relacionar com os demais se autonomiza e é delegada a um campo específico, o da mídia, que passa então a executar a mediação geral daquela coexistência entre campos sociais. A legitimidade do campo da mídia depende da qualidade dessa execução. Assim se daria “a instauração do ‘campo dos media’ na sociedade”, colocação “pertinente para o que se percebia ao final da década dos 80” (BRAGA, 2012a, p. 42).

Fausto Neto também se apoia na caracterização do “campo dos médias” feita por Rodrigues, que identifica protocolos comunicacionais organizados por um campo específico, que assim ganha papel regulatório em relação aos demais campos. Essa tarefa organizadora e reguladora é que concede à mídia uma relativa centralidade, enquanto campo mediador, um ponto de articulação entre segmentos sociais, exercendo a uma espécie de superintendência de outros campos (FAUSTO NETO, 2008b, pp. 90-91). Seriam assim traços típicos da sociedade midiática o poder mediador da mídia e a sua capacidade de tematização pública e de publicização do debate entre especialistas (FAUSTO NETO, 2006b, p. 7).

Bernard Miège também se preocupou em delinear a mídia em etapas passadas, para melhor entender a contemporânea, mais especificamente as técnicas de informação – comunicação. Ele usou a categoria de modelo comunicacional, que pode ser entendido como um conjunto de características midiáticas substanciais. Tomando como eixo o que ele chama de imprensa generalista de massa e mídias audiovisuais de massa, Miège atribui os seguintes componentes definidores à mídia: dispositivo técnico específico para certo tipo de recepção (não se assiste a programas de TV em aparelhos de rádio); regularidade na emissão e recepção de conteúdos; modelo econômico diferenciado; organização produtiva específica; programação, cuja dupla finalidade é forjar e consolar espectadores, visando oferecê-los a anunciantes; estabilização de públicos (MIEGE, 2009a, pp. 110 e 118-123).

Em 2007, Braga também se ocupa dessa caracterização geral, elencando ângulos de prospecção da midiatização, que podem ser abstraídos do quadro interacional que preocupa prioritariamente o autor para então serem tomados como indicação prospectiva de seis1características distintivas do processo midiático

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(BRAGA, 2007, pp. 150-156). A primeira seriam as dinâmicas diferidas e difusas, distintas dos “espaços de especialidade” (BRAGA, 2007, p. 150). Mensagens, respostas e interações entram nessa dinâmica, o que implica abrangência, rapidez, diversidade na produção, na circulação, no consumo e em todas as relações que envolvem mídia. A segunda característica indicativa é a abreviação do tempo de circulação, tanto no sentido econômico, de circulação de mercadorias, quanto no sentido interacional, de retomadas sucessivas. A terceira é a tendência à descontextualização, ou seja, o desprendimento das relações contingentes, específicas, locais e interpessoais nas quais foi elaborada a mensagem, que ganha anonimato e tipificação suficientes para serem reproduzidas em diferentes contextos, onde o produto será reinscrito pelo usuário. Em quarto lugar, o tratamento em comum de diferentes contextos, sub-universos ou campos sociais, com a consequente relativização das diversas dimensões sociais. O quinto traço prospectivo seria a tradução de padrões e nomenclaturas especializados para termos acessíveis a um público leigo, o que implica uma tendência a certo deslocamento ou deslegitimação da reserva de conhecimentos e dos modos de autoexposição que seriam propriedade exclusiva de cada área especializada, de modo que esta se vê obrigada a uma exposição generalizada e permanente a um olhar externo, independentemente do exercício de crítica, vigilância ou fiscalização por parte da mídia. O sexto é a prioridade à recepção, em detrimento da expressão, ou seja, a compreensão de um conteúdo por parte de leigos é requisito decisivo da elaboração de produtos, que assim pressupõem um público não especializado, sem formação prévia e desobrigado de competência específica.

Temos assim, um conjunto de traços fortes, que não se resumem a constatações descritivas ligadas aos meios de comunicação nem se alinham a categorias tradicionais de correntes da pesquisa em comunicação. São características levantadas a partir de análise detida sobre fenômenos midiáticos e que oferecem uma percepção mais nítida acerca da instauração de um conjunto social peculiar, com coesão interna e incidência específica na sociedade. Essa percepção, por sua vez, coloca a exigência de reflexão sobre traços midiáticos profundos e perenes.

Observações finais

Lidando com condições novas baseadas em institucionalização do campo de pesquisa e centralidade da mídia, e assumindo exigências daquele campo, Braga problematiza quatro ângulos frequentes na pesquisa em comunicação, percebendo no

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prosaico procedimento de recorte de objeto uma grave implicação, aqui chamada de triplo isolamento. Desta perspectiva, aquilo que nos aparece como mídia não passa de fenômeno que tende a ser convertido em objeto pela força centrípeta daqueles ângulos problemáticos. Assim, Braga sugere concepção em termos processuais. Fausto Neto, por outros caminhos, oferece orientação semelhante.

Aos olhos de Braga, para ser construído de modo consistente, o objeto deve ser situado em relação ao contexto, à substância significativa e às condições de produção, o que é um modo de perseguir vínculos entre processo midiático e processo social. Um problema similar está colocado no estudo de Miège sobre as TIC: o vínculo social é introjetado na técnica, que também reincide sobre a sociedade a partir da cristalização do social como técnica. Essa é a relação abstrata que se extrai de incontáveis relações concretas entre inúmeros componentes técnicos e segmentos sociais. Este autor busca assim se contrapor a noções de vínculo que exprimem uma relação de exterioridade, assim como Braga expõe a segmentação reducionista dos objetos recortados. Em comum, temos implícita a preocupação com a relação entre parte e todo.

A indicação de Braga de que o recorte reducionista de objeto leva a um isolamento de sua própria substância pode ser alinhada à compreensão de Miège de técnica como cristalização de determinações sociais. Em outras palavras, a substância de um objeto pode ser também – ainda que não só – composta pela introjeção de dinâmicas externas, o que é um modo de ver por dentro do objeto uma relação externa a ele.

Curiosamente, este reducionismo pode ser reencontrado nos traços que Miège atribui à mídia (da unicidade de dispositivo técnico até a estabilização de públicos, como vimos acima). Tais traços e fatores não seriam concebidos em relação de exterioridade com a sociedade? E isso não os aproxima dos limites da cibernética e do funcionalismo? A bem da verdade, essas são definições secundárias no livro de Miège sobre as TIC, que se concentra sobre a técnica. Mesmo assim, elas expõem a amplitude das dificuldades de pesquisa, que por sua vez podem ser a incorporação de obstáculos epistêmicos maiores relacionados à interdição de uma perspectiva de conjunto. É justamente esta amplitude que o ângulo midiático processual convida a investigar.

Nota

1. Duas características – acervo e interatividade – não são aqui resgatadas por estarem mais ligadas à etapa atual, posterior à instauração do campo midiático.

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Mensagem ao Congresso Nacional: democracia e diálogo no governo Lula

Ana Paula Costa de Lucena1 Heitor Costa Lima da Rocha2

Patrícia Rakel de Castro Sena3

ResumoEsse trabalho pretende contribuir com a reflexão sobre a política pública de comunicação através da análise da relação do Governo Lula com o Poder Legislativo, especialmente quanto à questão do compromisso com a democracia e o diálogo. No desenvolvimento deste projeto, foram analisados os documentos Mensagens ao Congresso Nacional dos anos 2004, 2006, 2008 e 2010, a partir das concepções teóricas de autores como Paulo Freire, Jürgen Habermas, Marilena Chaui, Noberto Bobbio, entre outros. A metodologia aplicada seguiu a linha da pesquisa qualitativa e, desta maneira, permitiu a constatação do entendimento da comunicação como forma de atingir um “diálogo responsável e qualificado”, com o objetivo de construir consensos e equacionar conflitos, se constituindo em meio essencial para governar com maior participação democrática, aproximando a democracia representativa da democracia participativa.

Palavras-chave: Democracia. Diálogo. Governo Lula. Participação.

1 Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Gestão Pública pela UFPE, pós-graduada em Marketing Estratégico pela UFPE, graduada em Administração pela Universidade Católica de Pernambuco. E-mail: [email protected].

2 Professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: [email protected].

3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: [email protected].

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Introdução O presente artigo analisa as Mensagens do Governo Lula ao Congresso

Nacional nos anos 2004, 2006, 2008 e 2010, detendo-se especificamente ao capítulo Democracia e Diálogo, dividindo-se em três partes principais. Primeiro, uma descrição com base nas leis e nos decretos a respeito da estrutura comunicacional de governo, destacando a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Em seguida, uma discussão teórica sobre democracia e diálogo com os autores Paulo Freire, Habermas, Marilena Chaui, Noberto Bobbio, entre outros, para fundamentar a análise dos documentos. A terceira parte apresenta as análises que revelam as concepções mantidas pelo governo Lula sobre o tema democracia e diálogo.

Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) e a Co-municação de Governo.

A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) foi criada com o nome de Secretaria de Comunicação Social, no governo do então presidente João Figueiredo, que governou o Brasil de 1979 a 1985. A Lei Nº 6.650, de 23 de maio de 1979 instituiu a Secretaria como um dos órgãos de assessoramento imediato do Presidente da República. Na lei o Art. 2º define que os assuntos de sua competência são: “I - política de Comunicação Social; II - divulgação de atividades e realizações governamentais; e III - outras atividades de comunicação social” (BRASIL, 1979).

A Secom faz parte da estrutura organizacional da Presidência da República e assim foi determinada em 28 de maio de 2003 na Lei nº 10.683. Portanto, compete a esta secretaria assistir ao Presidente da República no desempenho das seguintes atividades:

Art. 2º-B. I - na formulação e implementação da política de comunicação e divulgação social  do Governo;  II - na implantação de programas informativos; III - na organização e desenvolvimento de sistemas de informação e pesquisa de  opinião pública;  IV - na coordenação da comunicação interministerial e das ações de informação e difusão das políticas de governo; V - na coordenação, normatização, supervisão e controle da publicidade e de patrocínios dos órgãos e das entidades da administração pública federal, direta e indireta, e de sociedades sob controle da União; VI - na convocação de redes obrigatórias de rádio e televisão; e VII - na coordenação e consolidação da implantação do sistema brasileiro de televisão pública (BRASIL, 2003a).

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No parágrafo primeiro do Art. 2º-B, a Lei acrescenta que cabe a Secom assistir à Presidência da República nas atividades de comunicação com a sociedade para divulgar os atos do presidente bem como esclarecer os programas e políticas de governo. É importante observar, que nesta norma legal, a secretaria não tem como responsabilidade a criação e o fortalecimento de espaços públicos que garantam a participação social, o diálogo e democracia. Contudo, apesar da Lei  10.683/03 não fazer referência a esta atividade, o governo Lula assumiu o compromisso democrático de governar com o povo. 

Em 2006, a Secom passou a integrar a estrutura organizacional da Secretaria-Geral da Presidência da República com o nome de Subsecretaria de Comunicação Institucional (BRASIL, 2006). No ano seguinte, a Lei 11.497/07 altera a Lei 10.683 retornando o órgão ao nome inicial, ou seja, Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (BRASIL, 2007). Nesta mesma Lei são transferidas à SECOM as competências concernentes à “política de comunicação e divulgação social do Governo e de implantação de programas informativos, e a convocação de redes obrigatórias de rádio e televisão” (BRASIL, 2007). Mediante estas mudanças, fica compreendido que a Presidência da República passa a ser constituída dos órgãos: Casa Civil, Secretaria-Geral, Secretaria de Relações Institucionais, Secretaria de Comunicação Social, Gabinete Pessoal, Gabinete de Segurança Institucional e Núcleo de Assuntos Estratégicos (BRASIL, 2007).

Sobre a comunicação de governo do Poder Executivo Federal, o decreto nº 4.799, de 4 de agosto de 2003, define a forma de execução e seus objetivos. No Art. 1º, incisos I a VI, o decreto aponta os objetivos que devem fazer parte da dinâmica comunicacional do governo executivo federal. Assim descreve:

I  -  disseminar informações sobre assuntos de interesse dos mais diferentes segmentos sociais; II  -  estimular a sociedade a participar do debate e da definição de políticas públicas essenciais para o desenvolvimento do País; III - realizar ampla difusão dos direitos do cidadão e dos serviços colocados à sua disposição; IV  -  explicar os projetos e políticas de governo propostos pelo Poder Executivo Federal nas principais áreas de interesse da sociedade; V - promover o Brasil no exterior; VI  -  atender às necessidades de informação de clientes e usuários das entidades integrantes do Poder Executivo Federal (BRASIL, 2003b).

É importante observar que a comunicação é convidada a viver uma experiência democrática e participativa, pelo menos no âmbito do executivo. Assim, está determinado que todos os esforços de comunicação da Secom devem levar a

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informação para os diversos segmentos sociais, contemplando uma divulgação ampla dos direitos do cidadão e dos projetos do governo, além de estimular a participação do cidadão no debate e na definição de políticas públicas.

As ações de comunicação de governo são orientadas pelo Plano de Comunicação de Governo (PCG) e pelos Planos Anuais de Comunicação (PAC) e abrangem as áreas de imprensa, relações públicas e publicidade. Particularmente sobre o aspecto publicitário, o decreto é bastante criterioso porque deixa claro o caráter de utilidade pública e não privado. A respeito, lê-se: “é vedada a publicidade que, direta ou indiretamente, caracterize promoção pessoal de autoridade ou de servidor público” (BRASIL, 2003b). Assim, em todos os esforços de comunicação de governo deverão ser contempladas:

I - a sobriedade e a transparência dos procedimentos; II - a eficiência e a racionalidade na aplicação dos recursos; III  -  a adequação das mensagens ao universo cultural dos segmentos de público com os quais se pretenda comunicar; IV  -  a diversidade étnica nacional; V - a regionalização da comunicação; VI - a avaliação sistemática dos resultados (BRASIL, 2003b).

Encontro entre a democracia e o diálogo

O homem, desde muito cedo, faz uso da função comunicar - até porque é inerente à sua natureza – mas apesar do exercício desde tenra idade, compreende pouco sobre a essência da comunicação voltada para o próprio crescimento e para o desenvolvimento da sociedade. A questão se complica ainda mais quando solicitado a pensar a respeito do que é informação e diálogo. Martín-Barbero faz algumas reflexões sobre o papel que a comunicação exerce na sociedade:

Falar de comunicação significa reconhecer que estamos em uma sociedade na qual o conhecimento e a informação têm ocupado um papel primordial, tanto nos processos de desenvolvimento econômico, como nos processos de democratização política e social. (MARTÍN-BARBERO, apud MARTÍN-BARBERO, REY & RINCON, 2000, p.65)

Informação e Comunicação devem ser entendidas como bens públicos, necessários ao exercício da cidadania, e, o diálogo, uma realidade prática possível de ouvir e ser ouvido sem distinções de qualquer natureza.

O que é comunicação para o cidadão brasileiro? O povo a entende como uma

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política pública? Direito Humano? A sociedade civil compreende que a comunicação é fundamental para o processo de desenvolvimento, mas por outro lado observa-se pouco esforço do Estado (municipal, estadual e federal) em exercê-la voltada para o viés público.

Quando a comunicação for reconhecida como um direito humano, consequentemente será tema de “discussão e ação enquanto política pública essencial, tal como políticas públicas para os segmentos de saúde, alimentação, saneamento, trabalho, segurança, entre outros” (RAMOS, 2005, p. 250). Essas garantias dependem do Estado reconhecer publicamente o que já é sabido por ele, ou seja, a comunicação como direito de todos, e desenvolver instrumentos garantidores dessa prática. Portanto, o Estado é personagem legitimador de políticas públicas como também legitimado pela legislação brasileira para tal exercício. Por isso, “O Estado é o ‘poder público’. Ele deve o atributo de ser público à sua tarefa de promover o bem público, o bem comum a todos os cidadãos” (HABERMAS, 2003, p. 14).

A sociedade é palco da complexidade e simplicidade da prática de comunicar. O homem-cidadão, sendo ser-pensante, é instigado a participar do contexto social pelo movimento da fala e da escuta. A combinação dessas partes terá sentido, quando se valerem da informação e do diálogo, sendo este último o exercício mais aprofundado da comunicação. A informação, neste ínterim, representa o combustível da construção de novas ideias e atitudes, ou seja, “transcende ali a solidão fundamental de todo ser humano: o pensamento se faz informação e a informação se faz conhecimento” (BARRETO, 2001). Esse saber será renovado e enraizado quando propagado através do diálogo pelos pares, díspares, não importa o sujeito. O que vale é fazer uso do direito de “ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se descomprometidamente dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar” (FREIRE, 1977, p. 43).

Se fosse possível resumir, numa equação matemática, as três palavras aqui discutidas, seriam referenciadas da seguinte maneira: Informação + Comunicação + Diálogo = Participação. Assim, conclui-se que são facilitadores de uma relação mais democrática entre o Poder Público e o Cidadão.

A comunicação de governo, sem os princípios democráticos e dialógicos, não garante aos brasileiros o acesso às informações de interesse público, tão pouco propicia a discussão e o questionamento sobre os projetos governamentais. Democracia requer cidadãos com liberdade para participar, comunicar dialogicamente nas esferas públicas e construir novas políticas, que visem o desenvolvimento da sociedade, juntamente com o governo. É impossível conceber uma democracia distante da experiência de

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viver a vida política. Na esfera pública é possível ouvir as expressões e pressões da sociedade quanto aos problemas sociais, porém as “estruturas de uma esfera pública encampada pelo poder excluem discussões fecundas e esclarecedoras” (HABERMAS, 1997, p. 94).

Segundo o autor alemão, a sua formulação inicial de esfera pública seguia a linha dos tipos ideais weberianos, personalizando este espaço como um círculo de “burgueses”, e, por isso, não se prestava a uma aplicação na realidade empírica, ao contrário da abordagem elaborada 30 anos depois, que passou a destacar o funcionamento comunicativo.

A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomada de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. (HABERMAS, 1997, p. 92)

As opiniões públicas precisam nascer de bases plurais, ecoando as vozes dos Brasis para trazer a tona os problemas que precisam ser discutidos e solucionados. O silenciamento das opiniões de indivíduos, sobretudo aqueles dos movimentos sociais e da periferia da estrutura de poder, impossibilita a existência de um governo democrático. Quanto mais prejudicada a socialização do agir comunicativo, mais sufocados ficam os atores sociais, pois “mais fácil se torna formar uma massa de atores isolados entre si, fiscalizáveis e mobilizáveis plebiscitariamente” (HABERMAS, 1997, p. 102). Portanto, percebe-se que, sem o exercício de uma comunicação democrática, a sociedade se enfraquece e se desarticula perdendo, assim, a sua força de legitimação política.

Definir democracia parece mais fácil quando a sua ausência se manifesta. Afinal, como entendê-la? Segundo Noberto Bobbio, da época clássica até os dias atuais, compreende-se como uma das formas de governo e acrescenta: “especificamente, designa a forma de governo na qual o poder político é exercido pelo povo” (BOBBIO, 1987, p. 135).

Para a filósofa Marilena Chaui (2008), definir democracia apenas como um regime político eficaz, organizado em partidos políticos que se manifesta em épocas eleitorais e que possibilita resolver problemas econômicas e sociais, é reduzir o seu significado. A filósofa defende que a democracia deve transcender a ideia de regime político, procurando identificá-la não somente como uma forma do governo, mas como forma geral de uma sociedade. Assim, Chaui considera a democracia como uma

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forma sócio-política definida pelo princípio da isonomia (igualdade dos cidadãos perante a lei) e da isegoria (direito de todos para expor em público suas opiniões, vê-las discutidas, aceitas ou recusadas em público), tendo como base a afirmação de que todos são iguais porque livres, isto é, ninguém está sob o poder de um outro porque todos obedecem às mesmas leis das quais todos são autores (autores diretamente, numa democracia participativa; indiretamente, numa democracia representativa) (CHAUI, 2008, p. 67).

O pensamento da autora reforça a ideia de que a democracia está intrinsecamente relacionada com a comunicação, pois o direito de expor opiniões, em público, é direito de todos. Um governo democrático abre espaços de relacionamento dialógico com o cidadão, aumentando o lastro da sua participação política. Segundo Mill, a discussão política possibilita ao cidadão estabelecer relações com os demais jurisconsortes para tornar-se um membro consciente de uma comunidade (MILL, 1997, p. 470).

John Stuart Mill divide os cidadãos em ativos e passivos. Ele esclarece que os governantes tem preferência pelos segundos porque é mais fácil de dominar súditos dóceis ou indiferentes, embora a democracia necessite dos primeiros. Stuart esclarece que se predominassem cidadãos passivos, os governantes estariam satisfeitos, pois transformariam os seus súditos num bando de ovelhas dedicadas a pastar de um lado para o outro.

Nos dias atuais, nota-se ainda o empenho e a dedicação, por parte de alguns governantes, na formação do ‘cidadão ovelha dedicada’. Este sempre pronto a servir (pastar) na labuta dos interesses particulares do político, colocando para o escanteio a democracia e enaltecendo a relação de servidão. Manter o governo democrático exige vigilância e coragem porque se está suscetível às guerras e às agitações intestinas.

É sobretudo nessa constituição que o cidadão deve armar-se de força e constância, e ter presente no coração, todos os dias da vida, o que dizia um palatino virtuoso na dieta da Polônia: Prefiro a liberdade perigosa à tranquila servidão (ROUSSEAU, 1973, p. 91).

Não existe democracia sem que o indivíduo possa sair da condição de súdito. Sobre isso acrescenta Bobbio que

(...) o único modo de fazer com que um súdito se transforme em cidadão é o de lhe atribuir aqueles direitos que os escritores de direito público do século passado tinham chamado de activae civitatis; com

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isso, a educação para a democracia surgiria no próprio exercício da pratica democrática (BOBBIO, 2000, p. 43).

De acordo com Bobbio, a definição mínima de democracia exige três aspectos. Primeiro, atribuir aos cidadãos o direito de participar direta ou indiretamente da tomada de decisão coletiva. Segundo, a existência do procedimento de decisão que pode ser por maioria ou por unanimidade. Terceiro, que os convocados a decidir tenham diante deles alternativas concretas além de condição de escolha. Porém, para que estas condições venham a se concretizar, “é necessário que aos chamados a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão das próprias opiniões, de reunião, de associação, etc. (...)” (BOBBIO, 2000, p. 32). Chaui também ressalva as exigências da democracia, quando afirma que as representações pela participação e os procedimentos precisam ser ampliados (CHAUI, 2008, p. 69).

Para Habermas (1995), existem três modelos de democracia que são o liberal, o republicano e o da democracia deliberativa, que se apoia nas condições de comunicação. No liberal, o Estado é programado para atender à sociedade concebida como um conjunto de indivíduos cujos interesses particulares precisam ser garantidos e preservados, o que lhe confere uma dimensão de direito negativo e restrito à metáfora da competição de mercado, que transforma o cidadão em consumidor, isolado, atomizado e fragmentado em sua consciência.

Na concepção republicana, a política não se limita ao papel de mediadora de disputas de interesses particulares, vislumbrando a dimensão coletiva da soberania popular e do autogoverno da sociedade, o que pressupõe a superação aproximativa da dicotomia governantes (representantes) e governados (representados). “Ela é um elemento constitutivo do processo de formação da sociedade como um todo” (HABERMAS, 1995, p. 39). O modelo republicado, no entanto, restringe-se a uma ênfase excessivamente ética ao atribuir o maior ou menor desenvolvimento da democracia às virtudes ou vícios dos cidadãos.

O terceiro modelo de democracia deliberativa está apoiado nos procedimentos comunicativos sob a expectativa que “o processo político pode ter a seu favor a presunção de gerar resultados racionais, porque nele o modo e o estilo da política deliberativa realizam-se em toda a sua amplitude” (HABERMAS, 1995, p. 44). Dessa forma, o terceiro modelo está vinculado a uma política radicalmente democrática galgada na comunicação pública e, portanto, consubstanciada na possibilidade de deliberações construídas sob condições de uma discussão ética, justa, igualitária,

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mesmo que limitada pelo falibilismo humano que coloca a universalização como uma busca sempre inconclusa, aproximativa, mas imprescindível para a conquista de patamares cada vez mais de acordo com o tribunal da nossa consciência e com os sentidos compartilhados intersubjetivamente, portanto, capazes de combater os potenciais de conflito e violência e conferir mais representatividade e legitimidade à ordem institucional.

Nesse sentido, observa-se que nos últimos dez anos o governo brasileiro parece esforçar-se para alcançar a democracia-isegoria4 que significa garantir ao cidadão a liberdade de expor opiniões e discuti-las no exercício do poder político. Contudo, esse formato ainda está longe de ser alcançado, pois a democracia precisa se encontrar com a comunicação (diálogo); caminharem juntas e se firmarem como política pública dentro e fora do governo. Sem este elo será inconcebível a democracia-isegoria, quiçá sua prática. Pois a atualidade revela que, quanto mais afastado está o cidadão dos grandes centros, mais difícil é o seu exercício político. Ou seja, a desinformação e a concentração do poder, ainda presentes no Brasil, impedem a participação e a manifestação da cidadania para além do voto. Por conseguinte, vale ressaltar que o exercício político faz da sociedade um ator relevante para decidir os rumos do país.

Do ponto de vista das decisões políticas, o indivíduo pode deliberar diretamente ou através de representação, sendo assim denominadas, respectivamente, de democracia direta e democracia representativa. Na primeira “o indivíduo participa ele mesmo nas deliberações que lhe dizem respeito, é preciso que entre os indivíduos deliberantes e a deliberação que lhes diz respeito não exista nenhum intermediário” (BOBBIO, 2000, p. 63). A representativa significa dizer que as decisões coletivas “são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade” (BOBBIO, 2000, p. 56).

Espera-se que o poder popular acorde mais vezes, melhor, mantenha-se desperto a exemplo do que ocorreu nas manifestações ‘O Brasil Acordou’, nos meses de junho e julho de 2013 em todo o país. Da Democracia espera-se a garantia da soberania dos sujeitos políticos numa dinâmica comunicacional frente a um governo transparente e voltado a governar ouvindo o povo. “Se é isso a democracia, podemos avaliar quão longe dela nos encontramos, pois vivemos numa sociedade oligárquica, hierárquica, violenta e autoritária” (CHAUI, 2008, p. 70).

4 A palavra Isegoria significa: “Todos os cidadãos têm igual direito de manifestar sua opinião política para todos os outros. A palavra de dois homens têm igual valor perante a sociedade. Quando as opiniões divergem, é preciso que se discuta a questão. Através do discurso, da fala, os cidadãos têm o direito de convencer os outros sobre seu ponto de vista” (PRINCÍPIOS..., 2013).

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Democracia e diálogo no governo Lula

Todos os anos, o Presidente da República encaminha para a sessão de abertura dos trabalhos do Poder Legislativo um documento chamado Mensagem ao Congresso Nacional5 que é elaborado pela Secretaria-Geral da Presidência da República e esta disponível na página da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). Este documento tem por objetivo prestar contas das ações do Poder Executivo no ano anterior e apresentar os novos planos e expectativas para o ano que se inicia.

As Mensagens ao Congresso Nacional que foram analisadas compreendem os anos de 2004, 2006, 2008 e 2010, durante o Governo Lula, detendo-se, especificamente, no capítulo “Democracia e Diálogo”. A escolha do período teve como critério analisar dois anos de cada mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva6, sendo um no começo e o outro no final. Vale ressaltar que este capítulo começou a integrar as Mensagens a partir da publicação do ano de 2004.

O governo Lula trouxe para a sua gestão os alicerces: diálogo, democracia e participação, posicionando esses princípios como pilares da gestão pública e fez da sociedade uma interlocutora estratégica. Essas marcas começam a ser notadas na leitura da Mensagem ao Congresso Nacional de 2004, quando o governo afirmou ter ampliado e aprofundado o diálogo com a sociedade para governar com maior participação democrática (MENSAGEM..., 2004).

Quando o governo fala em interlocução, remete a dois entendimentos que se completam. Primeiro, a dinâmica da escuta e da fala com os atores da sociedade para dialogar assuntos de interesse público. O segundo ponto diz respeito à ampliação da expressão e da manifestação de opiniões na condição de ator-cidadão-político. Portanto, percebe-se que a lógica estratégica, seguida no governo Lula, atuava com diálogo, participação e democracia.

O capítulo Democracia e Diálogo, na Mensagem de 2004, menciona o diálogo como um meio essencial para governar com maior participação democrática. Pois, havia uma preocupação em consolidar os novos espaços públicos para promover a interlocução entre Estado e sociedade. A redação também chama atenção para a necessidade do governo federal estabelecer diálogo com os estados e municípios. Por conseguinte, realizou diversas reuniões, participou de fóruns de articulação dos

5 Art. 84 Inciso XXIV da Constituição Federal do Brasil. “Compete privativamente ao Presidente da República: prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior” (BRASIL, 1995).

6 O Presidente Lula governou o Brasil nos anos de 2003 a 2010.

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secretários estaduais para discutir temas de interesse comum e criou “um novo canal de diálogo entre os estados e o Governo Federal, por intermédio das Representações de Governos de Estados em Brasília” (MENSAGEM..., 2004, p. 219).

No documento de 2006, a palavra diálogo vem com um sentido mais ampliado, certamente mais amadurecido. Destarte, denomina-se ‘diálogo responsável e qualificado’ que tem por objetivo construir consensos e equacionar conflitos. “Essa interlocução permanente e qualificada permite que a sociedade passe a ser protagonista na formulação de políticas públicas, e não apenas instância consultiva, opinativa ou de fiscalização” (MENSAGEM..., 2006, p. 191). Observa-se que a expressão, agora composta, motiva o cidadão a se apropriar do exercício político da fala, da escuta, do pensar em novas políticas públicas. As sugestões da sociedade passaram a ser ouvidas e incorporadas pelo governo, que, neste sentido, asseverou que “o processo de diálogo social iniciado pelo Governo Lula gerou frutos importantes que comprovam seu processo de amadurecimento (...)” (MENSAGEM.., 2006, p. 195).

Na mensagem de 2008, o termo ‘diálogo responsável e qualificado’ é entendido como um instrumento fundamental para o fortalecimento da democracia, pois equaciona conflitos e constrói soluções para os problemas do país. Neste documento, o diálogo vinculou-se definitivamente como peça essencial para fortalecer a democracia, pois, com a interlocução, é possível resolver divergências e criar alternativas para dificuldades enfrentadas. O governo entende que a prática do diálogo social fortalece a democracia e promove o desenvolvimento (MENSAGEM..., 2008, p. 213).

Desse modo, sabe-se que sem informação fica difícil dialogar para apontar novos caminhos. De acordo com o documento de 2008, houve esforços de comunicação no governo Lula que se preocuparam em informar e esclarecer os brasileiros a respeito dos programas e ações do Governo. Embora afirmem que os esforços para informar foram feitos, notou-se e nota-se, até hoje, a dificuldade que é para as informações governamentais chegarem à população. Sobre isso, vale ressaltar que a implantação e o aperfeiçoamento dos programas e das políticas públicas dependem das sugestões ouvidas da população diretamente beneficiada (MENSAGEM..., 2008, p. 214). Assim compreende-se que o governo Lula considera “o diálogo social como elemento importante para o desenvolvimento nacional e para a superação de conflitos” (MENSAGEM..., 2006, p. 195).

O processo dialógico entre o governo e os movimentos sociais possibilitou aos vários atores a expressão das opiniões, das ideias, nos espaços públicos. Logo, é condição para a democracia participativa que o cidadão tenha a garantia de poder discutir e formular políticas públicas (MENSAGEM..., 2008, p. 209). Dentro desse

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contexto, a palavra democracia ganha uma compreensão que se estende à participação social e à democratização da gestão do Estado. A democracia no governo Lula ganha forma nos vários espaços públicos de participação social. “Esse amplo processo de participação criou um ambiente de corresponsabilidade nas decisões governamentais, que tem sido essencial para o exercício da democracia no País” (MENSAGEM..., 2010, p. 323).

Democracia no governo Lula significa construir e trabalhar junto com a sociedade, estimulando o exercício da democracia participativa. Na Mensagem de 2004, o governo destaca que “a adoção de uma gestão pública participativa foi incorporada como um elemento-chave de nossa forma de governar” (MENSAGEM..., 2004, p. 217). A partir desse posicionamento, “houve uma ação deliberada de constituição de novas esferas públicas democráticas, voltadas à co-gestão pública, à partilha de poder público, à articulação entre democracia representativa e democracia participativa” (MENSAGEM..., 2004, p. 217).

O governo Lula resgata o sentido da palavra democracia nos âmbitos do viver, sentir e atuar na condição de co-gestor das definições das políticas públicas do país. Sendo possível ao cidadão, a partir desse entendimento, participar das fases de elaboração, acompanhamento, avaliação e revisão (em alguns casos) (MENSAGEM..., 2010, p. 323). Dessa forma, “a ampliação dos espaços republicanos e democráticos de diálogo tem dado consequência prática ao princípio constitucional da democracia participativa” (MENSAGEM..., 2008, p. 09).

Nos estudos realizados no capítulo Democracia e Diálogo das Mensagens ao Congresso Nacional, conclui-se que o governo Lula desempenhava o seu mandato no viés da democracia participativa. Essa postura inspirou a todos sair do lugar comum, que leva a maioria dos brasileiros a relacionar democracia com o momento do voto, ou a lembrar que trata de uma forma política. De acordo com a pesquisadora Marilena Chauí (2008, p. 67), é possível “caracterizar a democracia como ultrapassando a simples ideia de um regime político identificado à forma do governo, tomando-a como forma geral de uma sociedade”. Assim, a democracia na era Lula tomou a forma de diálogo-participação-ação que se materializavam nas esferas públicas: conselhos, conferências, fóruns, câmaras setoriais, ouvidorias, comissão e comitê nacionais. Como visto, a sociedade brasileira foi posicionada no governo Lula como sujeito ativo da transformação do Brasil. Quiçá da sua própria história política.

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Considerações Finais

O governo Lula deu notoriedade ao diálogo, à democracia e à participação. Essas palavras estão imbricadas nas quatro Mensagens analisadas e percebe-se que elas foram os pilares estratégicos da articulação política com os vários atores da sociedade. Apesar de a pesquisa ter se restringido apenas a compreender o entendimento do diálogo e da democracia, a participação esteve presente como uma das bases da gestão.

No começo do governo, a palavra diálogo era empregada como interlocução. Depois se observa o uso do termo diálogo de forma mais veemente e constante. Mais tarde, perto do fim do primeiro mandato, o sentido amplia-se para ‘diálogo responsável e qualificado’ que tem por objetivo construir consensos e equacionar conflitos. Sendo assim, o diálogo é entendido como um meio essencial para governar com a maior participação democrática.

A acepção da democracia internaliza-se na Mensagem ao Congresso Nacional como condição sine qua non da gestão. Descobriu-se que a democracia ganha um significado que se estende à participação social e à democratização da gestão do Estado. Dessa forma, o sentido ganha lastro porque a sociedade passa a ser co-gestora das definições das políticas públicas do país. Portanto, a democracia na era Lula coligou a democracia representativa e a democracia participativa.

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