Minayo (1994)

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    A Violncia Social sob a Perspectiva da Sade Pblica

    Social Violence from a Public Health PerspectiveMaria Ceclia de S. Minayo1

    MINAYO, M. C. S. Social Violence from a Public Health Perspective. Cad. Sade Pbl., Rio de

    Janeiro, 10 (supplement 1): 07-18, 1994.

    This article introduces the reader to the issue of social violence from a public health

    perspective. It analyzes the topic within society, in the field of health, as expressed by mortality

    and morbidity. It concludes with a focus on possible proposals by and between sectors, between

    professional fields, and through articulation with society and social movements.

    Key words:Violence; Health Policies; Public Health

    INTRODUO

    Colocao do Problema

    A violncia um dos eternos problemas dateoria social e da prtica poltica e relacional dahumanidade. No se conhece nenhuma socieda-de onde a violncia no tenha estado presente.Pelo contrrio, a dialtica do desenvolvimentosocial traz tona os problemas mais vitais eangustiantes do ser humano, levando filsofos,como Engels, a afirmar que a histria ,talvez, a mais cruel das deusas que arrasta sua

    carruagem triunfal sobre montes de cadveres,

    tanto durante as guerras como em perodo de

    desenvolvimento pacfico (Engels, 1981: 187).Desde tempos imemoriais existe uma preocu-

    pao do ser humano em entender a essncia dofenmeno da violncia, sua natureza, suasorigens e meios apropriados, a fim de atenu-la,preveni-la e elimin-la da convivncia social. Onvel de conhecimento atingido, seja no mbitofilosfico, seja no mbito das Cincias Huma-

    nas, permite inferir, no entanto, alguns elemen-tos consensuais sobre o tema e, ao mesmotempo, compreender o quanto este contro-verso, em quase todos os seus aspectos.

    , hoje, praticamente unnime, por exemplo,a idia de que a violncia no faz parte da natu-

    reza humana e que a mesma no tem razesbiolgicas. Trata-se de um complexo e din-mico fenmeno biopsicossocial, mas seu espaode criao e desenvolvimento a vida emsociedade. Portanto, para entend-la, h que seapelar para a especificidade histrica. Da seconclui, tambm, que na configurao da vio-lncia se cruzam problemas da poltica, daeconomia, da moral, do Direito, da Psicologia,das relaes humanas e institucionais, e doplano individual.

    Na sua dialtica de interioridade/exterioridadea violncia integra no s a racionalidade dahistria, mas a origem da prpria conscincia,por isso mesmo no podendo ser tratada deforma fatalista: sempre um caminho possvelem contraposio tolerncia, ao dilogo, aoreconhecimento e civilizao, como o mos-tram Hegel (l980), Freud (l974), Habermas (l980), Sartre (l980), entre outros. Na suacomplexidade, a violncia deve ser analisada emrede, como adverte Domenach (1981: 40):

    Suas formas mais atrozes e mais condenveisgeralmente ocultam outras situaes menos

    es-candalosas por se encontrarem

    prolongadas no tempo e protegidas por

    ideologias ou instituies de aparncia

    respeitvel. A violncia dos indivduos e

    grupos tem que ser relacionada com a do

    Estado. A dos conflitos com a da ordem

    Dito de outra forma, se a violncia faz parteda prpria condio humana, ela aparece de

    1 Departamento de Cincias Sociais da Escola Nacional

    de Sade Pblica. Rua Leopoldo Bulhes 1480 , 9

    andar, Rio de Janeiro, RJ, 21041-210, Brasil.

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    ARTIGO / ARTICLE

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    forma peculiar (e captvel nas suas expressesmais visveis) em sociedades especficas, tra-

    zendo para o debate pblico Questes Fun-damentais, em Formas Particulares, e Ques-tes Sociais, vivenciadas indidualmente , umavez que somos, enquanto cidados, ao mesmotempo sujeitos e objetos deste fenmeno.

    Num esforo de trazer o tema para a reflexocientfica, consegue-se hoje apresentar umaclassificao bastante geral, mas que permite,pelo menos, no reduzi-lo ao mundo da delin-qncia, conforme mostrado a seguir.

    Violncia Estrutural

    Entende-se como aquela que oferece ummarco violncia do comportamento e se aplicatanto s estruturas organizadas e institucio-nalizadas da famlia como aos sistemas econ-micos, culturais e polticos que conduzem opresso de grupos, classes, naes e indiv-duos, aos quais so negadas conquistas dasociedade, tornando-os mais vulnerveis queoutros ao sofrimento e morte. Conformeassinala Boulding (l981), essas estruturas influ-enciam profundamente as prticas de socializa-o, levando os indivduos a aceitar ou a infli-

    gir sofrimentos, segundo o papel que lhescorresponda, de forma naturalizada.

    Violncia de Resistncia

    Constitui-se das diferentes formas de respostados grupos, classes, naes e indivduos oprimi-dos violncia estrutural. Esta categoria depensamento e ao geralmente no natu-ralizada; pelo contrrio, objeto de contes-tao e represso por parte dos detentores dopoder poltico, econmico e/ou cultural. tambm objeto de controvrsia entre filsofos,

    socilogos, polticos e, na opinio do homemcomum, justificaria responder violncia commais violncia? Seria melhor a prtica da no-violncia? Haveria uma forma de mudar aopresso estrutural, profundamente enraizada naeconomia, na poltica e na cultura (e perene-mente reatualizada nas instituies), atravs dodilogo, do entendimento e do reconhecimento?Tais dificuldades advm do fato de a fonte daideologia da justia, da mesma forma que qual-quer outra ideologia, estar em relao dinmica

    com as relaes sociais e com as condiesmateriais. Na realidade social, a violncia e a

    justia se encontram numa complexa unidadedialtica e, segundo as circunstncias, pode-sefalar de uma violncia que pisoteia a justia oude uma violncia que restabelece e defende ajustia (Denisov, 1986).

    Violncia da Delinqncia

    aquela que se revela nas aes fora da leisocialmente reconhecida. A anlise deste tipode ao necessita passar pela compreenso daviolncia estrutural, que no s confronta osindivduos uns com os outros, mas tambm oscorrompe e impulsiona ao delito. A desigual-dade, a alienao do trabalho e nas relaes,o menosprezo de valores e normas em funodo lucro, o consumismo, o culto fora e omachismo so alguns dos fatores que contri-buem para a expanso da delinqncia. Portan-to, sadismos, seqestros, guerras entre qua-drilhas, delitos sob a ao do lcool e dedrogas, roubos e furtos devem ser compreen-didos dentro do marco referencial da violn-cia estrutural, dentro de especificidades his-tricas.

    Contribuindo para a reflexo acadmica sobreo tema, Da Matta (1982) recomenda a seguintepostura metodolgica relacional e dialtica:

    a. em primeiro lugar, adotar uma perspectivahistrica na anlise, isto , especificar a suadinmica no tempo e no espao, correla-cionando-a com outros fatores, sem aban-donar o seu carter de universalidade eabrangncia;

    b. evitar uma discusso de vis valorativo enormativo, ou seja, um discurso a favor oucontra, que dificulta o entendimento do fe-

    nmeno. Assim, como todo fenmeno so-cial, a violncia um desafio para a socie-dade, e no apenas um mal. Ela pode serelemento de mudanas;

    c. relacionar o crime norma; o desvio regra; o conflito solidariedade; a ordem desordem; o cinismo conscincia e aosociais. Porque o crime e o castigo, a ordeme a desordem, a violncia e a concrdiarevelam, tambm, as formas de propriedadee de governo, bem como as leis do mercado.

    Minayo, M.C.S.

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    A VIOLNCIA SOCIAL SOBA PERSPECTIVA DA SADE PBLICA

    Como se viu na primeira parte deste trabalho,a violncia no um problema especfico darea da sade. No entanto, ela afeta a sade.Como afirma Agudelo (1990), ela representaum risco maior para a realizao do processo

    vital humano: ameaa a vida, altera a sade,

    produz enfermidade e provoca a morte como

    realidade ou como possibilidade prxima. Oucomo analisa a Organizao Pan-Americana daSade (Opas) em seu ltimo documento sobreo tema: a violncia, pelo nmero de vtimas e

    a magnitude de seqelas orgnicas e emocio-nais que produz, adquiriu um carter endmico

    e se converteu num problema de sade pblica

    em vrios pases (...) O setor sade constituia encruzilhada para onde confluem todos os

    corolrios da violncia, pela presso que exer-

    cem suas vtimas sobre os servios de urgncia,

    de ateno especializada, de reabilitao fsica,

    psicolgica e de assistncia social (Opas, l993:01).

    Apesar da afirmao de William Forge, Dire-tor Executivo do Centro Carter, no New En-gland Journal of Medicine em l987, citada na

    revista Salud Mundial (1993), de que desdetempos imemoriais as doenas infecciosas e a

    violncia so as principais causas de morta-

    lidade permatura, a violncia, enquanto tema,s encontra espao na agenda da Sade Pbli-ca no final dos anos 80. Sua incluso comoproblema de sade fundamenta-se no fato de asmortes e traumas ocorridos por causas violentasvirem aumentando a passos alarmantes naregio das Amricas, contribuindo para anospotenciais de vida perdidos e demandandorespostas do sistema.

    Na dcada de 90, a preocupao com o temaganha prioridade nas agendas das organizaesinternacionais do setor. Em l993, o Dia Mundialda Sade teve como mote para sua comemora-o a Preveno de Acidentes e Traumatis-mos. Na revista Salud Mundial de janeiro efevereiro de l993, Hiroshi Nakajima, DiretorGeral da Organizao Mundial de Sade (OMS)abriu o Editorial dizendo: a vida frgil,rechacemos a violncia e a negligncia (Naka-jima, l993: 03). Em junho de l993, a Opas, na

    sua XXXVII Reunio do Conselho Diretor,decidiu instar aos governos membros que esta-

    tabeleam polticas e planos nacionais de pre-veno e controle da violncia, com a colabora-o de todos os setores sociais envolvidos. Eml994, a Opas elaborou um plano de ao regi-onal, dando prioridade a este tema em sua atua-o.

    No Brasil, h vrios anos vm sendo realiza-das pesquisas sobre problemticas especficas eregionais. Citam-se aqui apenas alguns exem-plos: Yunes & Primo (1983); Szwarcwald,(1985); Santos et al. (1985); Mendes (1976);Medrado Faria (1983); Laurenti et al. (1972);

    Koifmam et al. (1983); Cassorla (1984); Barros,(1984); e Cohn (1986). Mas tambm no finaldos anos 80 que se iniciam estudos mais in-tegrados, articulando reflexes da Filosofia, dasCincias Humanas e da Epidemiologia. Hoje,ainda que informalmente, h uma rede de co-municao e de informao que potencializa aspesquisas e descobertas na rea da sade. H,contudo, muito a ser implementado, tanto noque concerne a investigaes como a propostasde ao e de interveno nos servios. Damesma forma que na regio das Amricas comoum todo, aqui, no Brasil, a focalizao sobre a

    rea da violncia vem do impacto cada vezmaior que ela representa na vida da populao,bem como, por extenso, no setor sade.

    Tradicionalmente, a violncia vem sendotratada nas investigaes atravs dos estudos deMortalidade, sendo muito precrios ou quaseinexistentes os sistemas de informao sobreMorbidade. Apesar, porm, da falta de in-tegrao e da escassez dos dados, o que j sepossui permite inferir hipteses; avanar con-cluses, ainda que provisrias; apontar tendn-cias; e, a partir da, propor aes. Neste artigo

    busca-se mapear o estado da arte, ora citandodados sobre o pas, ora pedindo auxlio litera-tura internacional.

    Consideraes sobre Dados

    de Mortalidade

    As mortes por violncia esto includas, naClassificao Internacional de Doenas (CID),no grande grupo das Causas Externas (E800-E999). Esta categoria, para o estudo da violn-

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    Violncia Social

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    cia, muito limitada. Primeiro, porque, comoexplica Mello Jorge (l989), sua operacionaliza-

    o se faz apenas atravs dos efeitos que seapresentam sobre as pessoas atingidas porleses e mortes. Em conseqncia, a denomi-nao causas externas carrega uma supostaassepsia, na medida em que no expressa oscontedos essenciais dos conceitos j melhorconstrudos pela Filosofia e pelas CinciasHumanas sobre a violncia. Por exemplo, elatraz problemas quando se trata de decidir ocarter de acidentalidade ou direcionalidade dosatos, a legalidade ou a arbitrariedade das aes.Ademais, a categoria causas externas pouco rigorosa, porque compreende, em seu

    interior, uma amplitude excessiva de eventos eprocessos. A esto includos todos os tipos deacidentes (E800-E949); suicdios (E950-E959);homicdios e leses intencionalmente infligidas(E960-969); intervenes legais (E970-E978);leses resultantes de operaes de guerra(E990-E999); e leses que se ignora se foramacidental ou intencionalmente infligidas(E980-E989). A complexidade das manifes-taes da violncia, por outro lado, no permiteuma classificao muito precisa e, ao mesmotempo, compreensiva. Tal impreciso fica aindamais clara quando se trata da classificao demorbidade, fazendo que, nesta classificao, ofenmeno ao mesmo tempo se singularize, seconfunda e se exclua. Por exemplo, num aci-dente de trnsito pode-se ter uma tentativa dehomicdio ou de suicdio associada, acompa-nhar-se de feridas corto-contusas, quedas,agresso, fraturas ou traumas. A morte de umacriana de 0 a 4 anos, cuja causa registrada noatestado de bito , por exemplo, queda, podeesconder um homicdio, como o assinala MelloJorge (1988), e assim por diante.

    Este reparo inicial tem a finalidade de deixar

    muito claro que os dados sobre violncia sopor natureza problemticos, provisrios e ten-tativos, no podendo os mesmos pretendertraduzir a verdade. Haver em relao a elessempre um campo de controvrsias necessrias,porque, como diz Denisov (1986: 38) existemmultides de fatores os mais diversos que

    incidem simultaneamente sobre a conduta

    humana e todos os motivos do comportamento

    e da ao violenta passam pela mente. Noentanto, no se pode, definitivamente, menos-prezar a colaborao dos estudos epidemiolgi-

    cos, que permitem apontar a magnitude dofenmeno e suas tendncias, compondo, assim,

    um quadro diagnstico para a ao. nestesentido que se resumem, a seguir, algumasindicaes sobre o caso do Brasil, onde aviolncia passou a ocupar um lugar de destaquena agenda da Sade Pblica.

    De 2% no total da mortalidade geral em1930 (Prata, 1992), a violncia subiu para10,5% em 1980; 12,3% em 1988 (Minayo &Souza, 1993); e 15,3% em 1989 (Souza &Minayo, 1994), correspondendo, no final dadcada, segunda causa de bitos no pas,abaixo apenas das doenas cardiovasculares.

    O perfil da mortalidade por causas externas

    no Brasil segue a tendncia mundial, em termosde maior incidncia sobre o sexo masculino efaixas etrias jovens, estando mais concentradaem regies metropolitanas. Em 1989, num totalde 101.889 bitos (excluindo-se 111 de sexoignorado), 82,9% das vtimas eram homens e17,1% mulheres, numa razo de quase cincobitos masculinos para cada bito feminino.Esta relao varia conforme as faixas etrias ecausas especficas. Por exemplo, no caso doshomicdios, a razo de 10 mortes masculinaspara cada bito feminino.

    No entanto, necessrio chamar a atenopara as peculiaridades do quadro brasileiro. Emprimeiro lugar, o perfil aqui configurado,majoritariamente, pelos acidentes de trnsito epelos homicdios. No que tange ao primeiro,diferentemente dos pases chamados desenvolvi-dos, onde a maioria das mortes motivada porcolises de veculos, no Brasil as vtimas soprincipalmente pedestres e morrem por atrope-lamento. Os homicdios, com baixas taxas nospases europeus (e em crescimento na Amricado Norte), representam aqui, dentre as causasque conformam a classificao da violncia, a

    que mais se elevou nos ltimos anos, liderandoa tendncia crescente das causas externas namortalidade geral, como pode-se notar pelosdados de Souza & Minayo (1994) para a dcadade 80, apresentados a seguir:a. no amplo perodo de 5 a 49 anos de idade,

    as mortes violentas ocupam o primeirolugar, respondendo por 47% na faixa de 5 a9 anos; 54,6%, de 10 a 14 anos; 70,8%, de15 a 19 anos; 65,9%, de 20 a 29 anos;41,1%, de 30 a 39 anos; e 20,6%, de 40 a49 anos;

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    b. h um deslocamento, na dcada, da incidn-cia de homicdios para faixas etrias mais

    jovens, apesar de a maior proporo encon-trar-se no grupo de 20 a 29 anos, tanto napopulao em geral como em ambos ossexos. No total da populao houve umincremento proporcional de 79,5% na faixade 10 a 14 anos de idade nos dados de 1989em relao aos de 1980, sendo o mesmo45,3% no grupo de 15 a 19 anos. Observan-do-se este fenmeno por sexo, o crescimentoproporcional foi de 93,3% entre homens ede 43,9% entre mulheres de 10 a 14 anos;

    c. os dados indicam tambm uma elevadaproporo de mortes violentas entre mulhe-res acima de 60 anos, provavelmente vtimasde quedas e acidentes de trnsito, e um cres-cimento proporcional de 65,2% no percen-tual de bitos por violncia na faixa etriade 0 a 4 anos entre o incio e o final da d-cada, grupo onde o nmero maior de vtimastambm so mulheres.

    No Brasil, como j se assinalou, as RegiesMetropolitanas so as que concentram a maiorproporo da mortalidade por violncia emtodas as causas especficas (homicdios, aciden-

    tes e suicdios) e em todas as faixas etrias. neste espao humano-social que se observamtambm as maiores propores de crescimentodos bitos por causas externas, lideradas, duran-te a dcada, por Recife, Salvador e So Paulo,nesta ordem. No Rio de Janeiro, a mortalidadepor violncia permanece com taxas elevadasdurante todos os anos da dcada de 80, apresen-tando a particularidade de ter os homicdioscomo a principal causa especfica no conjuntodos bitos tambm durante toda a dcada,passando de 33,4%, em 1980 (em contraposioaos 30,45% dos acidentes), para 45,19%, no

    final de 1988 (contra 31,21% dos acidentes).Esta persistente supremacia dos homicdios, noperfil das mortes violentas no Rio de Janeiro,difere do que se observa nos dados para oBrasil, onde, no mesmo ano, os bitos porviolncia no trnsito corresponderam a 29,3%;os homicdios, a 24,1%, e as outras violncias,a 15,4%.

    Na dcada de 80, as mdias das propor-es por causas especficas foram as seguin-tes: acidentes de trnsito, 28,3%; homicdios,

    22,3%; outras violncias, 16,2%; afogamen-tos/sufocaes, 8,5%; suicdios, 5,3%; quedas,

    3%; acidentes por fogo e chamas, 1,7%.Considerando-se os homicdios como a causa

    especfica com maior tendncia ao crescimento,convm observar que, como em outros pases,este fenmeno est associado ao incremento douso de armas de fogo, apontadas em 47,3% doscasos notificados. Este incremento, visvel nadcada, interfere em todos os dados de mor-talidade por causas externas, ou seja, nos homi-cdios, suicdios e acidentes. Em 1980 foramnotificadas 2.515 mortes nas capitais das Regi-es Metropolitanas envolvendo armas de fogo,o que representava 14,5% dos 17.305 bitos porcausas externas. Em 1989 houve 6.265 mortespor este meio, significando 26% dos 24.095bitos por violncia. As capitais onde estecrescimento foi mais intenso so, pela ordem, oRio de Janeiro, que passou de 28,5% (mortespor armas de fogo), em 1980, para 46,8%, em1989; Recife, onde a proporo se elevou de19,7% para 38,2%; Salvador, que saltou de7,2% para 23,5%; e Porto Alegre, que subiu de11,1% para 26,4%.

    As indicaes acima, que sero amplamenteanalisadas no conjunto de textos deste nmero

    temtico, padecem de um problema crnicoespecfico da mortalidade por violncia, almde todos os outros j assinalados: a subnotifi-cao. Por envolver aspectos conflitivos nasrelaes sociais entre beligerantes, bem comoimplicaes legais relacionadas s informaespoliciais e mdicas, uma grande parte dos dadoscai num buraco negro de outras violncias ouleses que se ignora se foram acidental ouintencionalmente infligidas. Uma parcela no-desprezvel dos homicdios, porm, no nemmesmo notificada, sobretudo nos casos deextermnio, onde desaparecem, sem vestgios

    dos corpos, as vtimas fatais.

    Morbidade por Violncia

    Se dificl apresentar dados conclusivossobre a mortalidade, muito mais problem-tico ainda dimensionar a morbidade por vio-lncia.

    O cuidado em dissertar sobre o tema temvrias razes, das quais se mencionam algumas.Em primeiro lugar, existe uma escassez total de

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    Violncia Social

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    estudos, muito maior que no caso da morta-lidade. Apenas alguns temas como a violn-

    cia contra a criana e, ultimamente, contra amulher, bem como seu impacto sobre a sade tm sido estudados, embora de forma inicial.Em segundo lugar, mesmo quando h pesqui-sas, fundamentadas em notificaes dos sis-temas de sade e policial, nem todos os lesadosrecorrem ao servio pblico. Alm disso, ostraumas fsicos, psicolgicos, morais e relaci-onais so muito mais amplos e complexos doque as notificaes conseguem captar. MelloJorge (1979) e Yunes (1993) citam Wheatley,segundo o qual, para cada morte atribuvel aum acidente, ocorrem 200 casos de leses no-mortais geradoras de seqelas e incapacidadesprematuras. Em terceiro lugar, da mesma formaque nos casos de mortalidade, mas com maisjustificativas e maior freqncia, existem nego-ciaes e presses, por parte das vtimas eparentes e/ou interessados, no sentido de evitarnotificaes que tragam possveis transtornoslegais. Por ltimo, mas no menos importante,um caso de morbidade quase nunca pode sercontido em apenas uma rubrica. Por exemplo,um trauma provocado por violncia no trnsitopode ser uma tentativa de homicdio ou suic-

    dio, pode ter implicado em queda, trazer seqe-las psicolgicas, etc. Da mesma forma, umacidente de trabalho pode representar fraturasvrias, queimaduras, quedas, leses fsicas epsicolgicas. Assim, a classificao que supos-tamente permitiria dimensionar a morbidade insuficiente na prtica, porque ela ao mesmotempo contm e inibe, revela e mascara acompreenso do fenmeno, como mostra em-piricamente o trabalho de Skaba (1993).

    De qualquer maneira, h como, em largostraos, identificar fenomenicamente os efeitosda violncia social atravs do mapeamento da

    morbidade, e isso que se tenta aqui. Algunsitens que compem o quadro gerador da morbi-dade por violncia podem ser mencionados:violncia das guerras e aquela provocada porseus efeitos; violncia interpessoal; brigas pormotivos passionais; conflitos entre gangues equadrilhas; tentativas de suicdio; acidentes detrnsito; conflitos intrafamiliares, atingindosobretudo as crianas, os adolescentes, asmulheres e os idosos; acidentes de trabalho;violncia contra a populao que vive nas ruas;

    acidentes e negligncias, provocando leses eenvenenamentos, sobretudo no lar. Sobre a

    maioria desses temas ainda no h estudosnacionais, embora seus efeitos sobrecarregem osservios de sade. Situam-se aqui apenas algu-mas informaes ilustrativas:

    1. Jurgensen (1993) estima que, para 10.000pessoas que morrem no trnsito, 50.000resistem com seqelas, cujos custos de trata-mento e reabilitao so elevadssimos;

    2. Mohan (1993) estima que 1 em cada 10trabalhadores, nos chamados pases desen-volvidos, so vtimas de leses nos ambien-tes de trabalho, as quais os incapacitam pelomenos por 1 dia, enquanto Machado &Minayo Gomez (1994), utilizando-se dedados da Previdncia Social brasileira, es-timam que, para cerca de 5.000 acidentesfatais, h 1 milho de acidentados (includosno sistema) que requerem algum cuidadomdico e reabilitao;

    3. Marques (1993), estudando acidentes porenvenenamento humano no Brasil de 1987 a1991, mostra que o maior percentual deeventos mrbidos exige a ateno dos ser-vios de sade e proveniente de intoxi-

    cao por medicamentos (38,5%) e produtosde limpeza (6,4%), sendo que 52% dasocorrncias atingem crianas de 1 a 5 anos;

    4. A Associao Brasileira de Crianas Abusa-das e Negligenciadas informa que, em 1992,no Brasil, houve cerca de 4,5 milhes decrianas vtimas de violncia. Estudos deAssis (1991) e Deslandes (1993) mostram,em abordagens espacialmente localizadas,que 33% das crianas e adolescentes relatamo padecimento de atos violentos nas suasrelaes com os pais. Agudelo (1989) co-menta um estudo realizado num hospital de

    Cali, na Colmbia, que aponta 41/1.000 dospacientes peditricos atendidos com diag-nstico de problemas de maus-tratos. Oautor relata tambm uma pesquisa realizadanum hospital de Medelln, na Colmbia,para os anos de 1987 e 1988, onde foi cons-tatado que 73,8% das crianas maltratadasque recorreram aos servios pertencem afamlias vivendo com menos de um salriomnimo, juntando-se, assim, a violnciaestrutural e a violncia domstica;

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    5. Heise (1993), num estudo sobre violnciacontra as mulheres e sade, informa que

    35% das mulheres que recorrem aos hospi-tais nos Estados Unidos apresentam indciosde maus-tratos. Acrescenta, tambm, que es-tudos realizados neste pas demonstram queas mulheres maltratadas esto quatro a cincovezes mais expostas a tentativas de suicdio,depresso, dores crnicas e uso de lcool oudrogas. Os maus-tratos propiciam gravideze maternidade com risco, e duplicam o riscode aborto e de nascimento com baixo peso;

    6. Wolf (1994), numa reviso de vrias pesqui-sas canadenses sobre violncia contra osidosos, estima que, naquele pas, de 4% a10% destes sofrem uma ou mais formas deabuso, sendo as mais freqentes de origemfinanceira (12,5%), verbal (1,4%) ou fsica(0,5%). Atravs da sntese dos dados de 30investigaes, o Congresso Americano tam-bm conclui que cerca de 4% da populaode idosos do pas (mais de 1 milho de pes-soas) so atropelados fsica, emocional efinanceiramente por familiares e conhecidos.No Brasil, a ausncia de estudos no tolhepensar sobre a situao, utilizando-se osdados de mortalidade da populao de mais

    de 60 anos, onde as altas taxas de causasexternas esto vinculadas a atropelamentose quedas. A situao do servio pblico desade e a proporo dos que recebem umsalrio mnimo de aposentadoria (73%) su-gerem a dimenso da tragdia;

    7. Minayo e pesquisadores do Claves (1993)analisam a situao de famlias e crianasque vivem nas ruas como uma expresso daviolncia estrutural, combinada com a exa-cerbao de conflitos familiares. Do pontode vista mais restrito da sade, relatam aelevada freqncia de invalidez entre ho-

    mens, resultantes de ferimentos por armasde fogo e arma branca, durante agressesem brigas de rua, alm de seqelas de enfer-midades como poliomelite e diabetes. Cin-qenta por cento dos adultos e crianas en-trevistados referem-se ao uso do lcool,associado a comportamentos violentos. Amaioria menciona problemas mentais, desejoe tentativas de suicdio, bem como consumode substncias txicas, relacionados suasituao de vida miservel. Num total de 63

    famlias ouvidas houve relato de 14 homi-cdios de famliares (22%), sendo 9 (14,3%)

    referentes a menores de 18 anos.

    O mapeamento das questes acima revela aamplitude da agenda que a violncia colocapara a Sade Pblica. Em sntese, alm dosefeitos diretos e indiretos, fsicos e simblicos,sobre a populao, os problemas classificadosna rubrica causas externas congestionamservios de sade, aumentam os custos globaisda ateno e afetam a qualidade da cobertura. Oatendimento imediato s vtimas e todo o esfor-o de reabilitao e readaptao representam,hoje, em pases como o Brasil, uma sobrecargados servios de emergncia dos hospitais gerais,dos centros especializados e dos institutos m-dico-legais, indicando a necessidade de ade-quao de recursos humanos e de equipamentosao crescimento da demanda.

    No se pode omitir, tambm, um efeito porvezes difuso, por vezes direto, que a violnciaprovoca sobre a estrutura e o funcionamentodos servios de sade, sobretudo quando osconflitos por eles atendidos afetam os profissio-nais, pelo amedrontamento, pelas ameaas,pelos danos fsicos e/ou psicolgicos. Tais

    situaes so hoje freqentes nos hospitais deemergncia, nos servios de emergncia doshospitais gerais e, at, nos centros de sade.

    O PAPEL DO SETOR SADEFRENTE VIOLNCIA

    A rea da sade tem, tradicionalmente, con-centrado seus esforos em atender os efeitos daviolncia: a reparao dos traumas e lesesfsicas nos servios de emergncia, na atenoespecializada, nos processos de reabilitao, nosaspectos mdico-legais e nos registros de infor-

    maes. Ultimamente, sobretudo em relao aalguns agravos, como violncia contra a crianae a mulher, comea a haver uma abordagemque inclui aspectos psicossociais e psicolgicos,tanto em relao ao impacto sobre as vtimas.Como no tocante aos fatores ambientais e caracterizao dos agressores (Vethencourt,1990; Costa, 1986).

    Mas existe hoje, uma conscincia e um im-pulso da Sade Pblica para, alm de ade-quar-se, no que se refere a equipamentos e

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    recursos humanos, demanda crescente dosservios de ateno, voltar sua ateno para o

    campo da Preveno. Pases como os EstadosUnidos e o Canad h uma dcada esto atuan-do nesta direo, levados pelo reconhecimentode que, na regio das Amricas, a violncia ,hoje, a principal causa de mortes prematuras,leses, traumas e incapacitaes (Opas, 1994;Mercy, 1993; Souza & Assis, 1989), comaltssimos custos financeiros e sociais.

    A preveno da violncia da Sade Pblica,de um lado, capitaliza toda a experincia dosetor nas tentativas de erradicar doenas (Mer-cy, 1993); por outro lado, no pode seguir sim-plesmente o mesmo modelo de atuao. sobreesta segunda condio que recaem as principaiscrticas atuais s tentativas americanas depreveno (Moore, 1993). A complexidade realda experincia e do fenmeno da violncia exigea ultrapassagem de simplificaes e aabertura para integrar esforos e pontos de vistade vrias disciplinas, setores, organizaes ecomunidades. Exige, tambm, que as pesquisascientficas forneam informaes essenciaispara a implementao de polticas, estratgiasde preveno e mtodos capazes de criar dadosmais fidedignos, e avaliao da efetividade das

    aes.Ora, tais condies demandam a compreen-so de que os fatores de risco e, em conseqn-cia, as estratgias de preveno esto ligados acausalidades especficas e, ao mesmo tempo, afatores gerais dinmicos e potencializadores, dedifcil dimensionamento, como se tenta explici-tar a seguir:

    1. Tomando-se a causa especfica de mortali-dade em maior crescimento hoje no Brasil os homicdios como preveni-los ? Correndoo perigo de no ser exaustiva e abrangente,

    pode-se, pelos diagnsticos j existentes, deter-minar o principal grupo de risco: a populaojovem, de baixa renda, baixa qualificaoprofissional e sem perspectivas no mercado detrabalho formal, vivendo nas Regies Metropo-litanas. So membros das camadas sociais emtotal excluso, que conforme cita Vethencourt(1990), nunca teriam se exposto delinqnciase tivessem outras opes mais atraentes parasuas vidas. As causas esto associadas s extre-mas desigualdades sociais, que se aprofundaram

    ainda mais a partir da dcada de 80; (Minayo,1993); existncia de um estado omisso e

    ineficiente na dotao de polticas sociais bsi-cas; s contradies urbanas e de polticas nocampo; em sntese, ausncia de um projetonacional capaz de integrar o grande grupo derisco. Esta situao estrutural agravada, con-junturalmente, pela organizao do crime emtorno do narcotrfico e do uso de drogas nosgrandes centros urbanos, fenmeno que, almde atrair grandes contingentes de jovens, en-volve autoridades pblicas e empresrios,penetrando em todas as camadas sociais. A pre-veno dos homicdios, portanto, passa poruma mudana mais profunda do estado e dasociedade, sobretudo por um processo de demo-cratizao poltica, social, econmica e cultural,onde o setor sade entra como comparsa de umprojeto de nao capaz de avanar na cidadaniae na eqidade.

    2. A violncia no trnsito o ponto negro maisdestacado nas estatsticas de causas externas noBrasil. Os grupos de maior risco so tambm osjovens de 20 a 29 anos, mas chama a ateno aincidncia sobre a faixa de 5 a 14 anos, idadeescolar, onde a primeira causa de morte, e

    sobre os idosos de mais de 60 anos. Diferente-mente dos homicdios, que demandam aescomplexas de ordem estrutural e conjuntural, aquesto do trnsito muito mais passvel depreveno, exigindo, obviamente, vontadepoltica e atuao coordenada. A ateno a esteproblema tem de articular, conjuntamente, (a)controle dos desenhos dos carros, buscandouma segurana cada vez maior; (b) controle develocidade e da propaganda de velocidade,erroneamente considerada como valor positivodos carros e dos usurios; (c) controle, atravsde dispositivos, das estradas e das ruas, nos

    pontos que oferecem maior risco; (d) conser-vao das estradas e das ruas; (e) controle epunio dos motoristas em relao ingesto debebidas alcolicas e excesso de velocidade; e(f) orientao e educao para o trnsito. Vriospases do mundo (Mercy, 1993; Got, 1993) tmempreendido verdadeiras cruzadas preventivas(com resultados imediatos sobre o perfil demorbi-mortalidade), articulando a Sade Pbli-ca, a Engenharia, a Educao, a seguranapblica, as empresas e as organizaes civis.

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    3. Outro item preocupante no tema em pauta aviolncia intrafamiliar, que tambm tem

    causado mortes, incapacitaes e infinitasimplicaes sobre o incremento da violncia(Flitcraft, 1993; Assis, 1991; Minayo & Assis,1993; Mello Jorge, 1988), bem como outras deordem emocional, social e cultural. Os gruposde maior risco so, pela ordem, as crianas e osadolescentes, as mulheres, e os idosos. Dada alonga experincia da Sade Pblica na interven-o comunitria, este um mbito onde elapode lograr xito, caso se articule ao serviosocial e de orientao familiar, como tambmaos profissionais de sade mental, em suaatuao de preveno em todos os nveis, comose v no trabalho de Olds (1986). Os dados quese tem hoje, no pas, sobre este tipo de violn-cia so escassos e pobres, por se tratar de umproblema onde a preveno tem que atuar, emprimeiro lugar, na sensibilizao e no avanoda conscincia social. Os mtodos e tcnicaspara os profissionais de sade, junto com outrossetores e com as comunidades locais, tm serevelado eficazes quando avaliados (Deslandes,1993), sobretudo na quebra do ciclo repetitivo,que contribui para alimentar a violncia socialem geral (Widom, 1986).

    4. A violncia no trabalho, que tem baixa inci-dncia nas estatsticas de mortalidade, mas quecontribui, atravs da morbidade, para incalcul-veis custos econmicos e sociais na rea dasade, tambm pode ser prevenida, modifican-do-se seu perfil. As populaes de risco ostrabalhadores ativos , atravs de suas organi-zaes, so os principais protagonistas da pre-veno. A luta por mudanas nos processos detrabalho e nas relaes de produo, bem comopor salrios capazes de garantir a sobrevivnciae a qualidade de vida, garantias fundamentais

    da sade e da segurana, pode no entanto, serimpulsionada pelo setor sade.A atuao mais eficaz concentra-se, hoje, na

    realizao de estudos-diagnsticos sobre situa-es especficas e no estabelecimento da vigi-lncia e do monitoramento de mudanas deprocessos e ambientes, articulando sanitaristas,trabalhadores, empresrios e autoridades pbli-cas.

    5. A Opas, em seu documento Resoluo XIX:

    Violncia y Salud (Opas, 1993), chama a aten-o para alguns fatores de risco que devem ser

    objetos de preveno primria: armas de fogo,abuso do lcool e de outras substncias, e ateleviso.

    No primeiro caso, a situao do Brasil preocupante, porque os dados mostram o cres-cimento em mais de 90%, do incio para o fimda dcada, do uso de armas de fogo na mor-talidade geral por violncia. A posse de armaspela populao fornece uma falsa sensao desegurana, segundo estudos realizados com apopulao norte-americana (Taubes, 1992;Kallermann & Reay, 1986). Essas pesquisasrevelam que, para cada vez que uma arma usada em defesa prpria, ela o 43 vezes paracometer homicdios, suicdios ou atingir alvosno-intencionais, (Mercy, 1993). Da mesmaforma, se uma arma de fogo usada em confli-tos domsticos, a chance de uma ou maispessoas morrerem 12 vezes maior que porqualquer outro tipo de armas (Mercy, 1993).

    O abuso do lcool e de outras substncias um fator fundamental associado aos homicdios(Opas, 1993; Minayo, 1993), violncia notrnsito (Got, 1993), violncia interpessoal edomstica (Assis, 1991; Deslandes, 1993;

    Windom, 1986; Lusk, 1989) e violncia emgeral (Fagan, 1993). Os crimes relacionados aouso de drogas como cocana, crack e heronarevestem-se de propores alarmantes, sejapelos efeitos provocados pelo uso destas subs-tncias, seja pela dinmica ampliada de violn-cia que se desenvolve por parte dos dependen-tes, ligando-os, freqentemente, a assassinatos,suicdios, seqestros, roubos e furtos, no sentidode alimentarem o vcio.

    A influncia dos programas de televiso queveiculam e, por vezes, fazem o elogio violn-cia tem sido objeto de estudos, condenao e

    controvrsias, (Ramos, 1994; Canterwall, 1989).No entanto, hoje, chegou-se a um consensosobretudo quanto ao papel que tais programasexercem na banalizao das relaes sociais, dosofrimento, da vida e da morte (Opas, 1994).

    CONSIDERAES FINAIS

    A proposta de preveno da violncia trazpara o setor sade algumas indicaes bsicas:

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    1. Em primeiro lugar, que suas energias tmque ser encaminhadas para o pleno exerccio

    da democracia e para a luta por justiasocial, buscando, ao mesmo tempo, atuarsobre as causas da violncia e as causas dapobreza e misria do pas, como recomendaHein (1993), na anlise da situao da Co-lmbia;

    2. Em segundo lugar, consensual, hoje, quequalquer ao para superar a violncia passapor uma articulao intersetorial, interdis-ciplinar, multiprofissional e com organiza-es da sociedade civil e comunitrias quemilitam por direitos e cidadania. Sobretudo,h que atuar com uma viso ampla do fen-meno, mas em nveis locais e especficos;

    3. Em terceiro lugar, quando se trata da contri-buio peculiar da rea, alguns desafios socolocados: estabelecimento de instncias que orientem

    e definam melhor as aes do setor emrelao demanda;

    intensificao de estudos estratgicos,planejamento e destinao de recursos,para atuar na preveno e nos agravos;

    reorganizao ou realocao de servios,para atender s novas necessidades;

    formao profissional e introduo datemtica na formao continuada da equipede sade, tanto para a sensibilizao comopara o desenvolvimento de uma filosofia,mtodos, tcnicas e habilidade de atendi-mento.

    A mensagem mais importante que se podedar a partir do setor sade que, na sua mai-oria, os eventos violentos e os traumatismos

    no so acidentais, no so fatalidades, no

    so falta de sorte: eles podem ser enfrentados,prevenidos e evitados.

    RESUMO

    MINAYO, M. C. S. A Violncia Social sob aPerspectiva da Sade Pblica. Cad. SadePbl., Rio de Janeiro, 10 (suplemento 1): 07-18, 1994.

    Este artigo tem a finalidade de introduzir oleitor na temtica da violncia social, sob aperspectiva da Sade Pblica. Desenvolve-seanalisando o tema no mbito da sociedade, nocampo da sade expressa na mortalidade emorbidade. Termina refletindo sobre aspropostas possveis, setoriais, intersetoriais,interprofissionais e articuladas com a

    sociedade e os movimentos sociais.Palavras-Chave:Violncia; Polticas deSade; Sade Pblica

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