73
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 10ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Porto Alegre: APENSAMENTO DE AUTOS E APROVEITAMENTO DAS PROVAS CONTIDAS NA AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS 001/1.12.0111605-9 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, através de sua Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre, com sede à Rua Santana, nº 440, 5º andar, Bairro Santana, nesta Capital, por meio dos Promotores signatários, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de TUTELA ANTECIPADA LIMINAR DE REMOÇÃO DE ILÍCITO em face de OAS ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A. (“OASP”), incorporadora da sociedade empresária NOVO HUMAITÁ EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S.A., também denominada OAS S.A., pessoa jurídica de Rua Santana n.º 440/5º, andar Bairro Santana CEP 90040-371- Porto Alegre/RS Fone (51) 3295-8855 e 3295-8856; Fax (51) 3295-8931 “e-mail”: [email protected]

Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul · Web viewEm verdade, o ato administrativo arbitrário e ilegal do Município feriu o due process ambiental e usurpou a esfera

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

MINISTÉRIO PÚBLICO

PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA

PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 10ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Porto Alegre:

APENSAMENTO DE AUTOS E APROVEITAMENTO DAS PROVAS CONTIDAS NA AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS Nº 001/1.12.0111605-9

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, através de sua Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre, com sede à Rua Santana, nº 440, 5º andar, Bairro Santana, nesta Capital, por meio dos Promotores signatários, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de TUTELA ANTECIPADA LIMINAR DE REMOÇÃO DE ILÍCITO

em face de

OAS ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A. (“OASP”), incorporadora da sociedade empresária NOVO HUMAITÁ EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S.A., também denominada OAS S.A., pessoa jurídica de direito privado, sociedade anônima devidamente inscrita no CNPJ/MF sob o nº 14.811.848/0001-05, (10.938.993/0001-77), com Estatuto Social registrado na Junta Comercial do Estado de São Paulo sob nº 35.3.0038001-1, representada na forma prevista em seu Estatuto Social, com sede na Rua Mostardeiro, nº 366, sala 802, Ed. Corporate, Bairro Moinhos de Vento, nesta Capital (tel. 3028-3601, fax 3028-7519); e

MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, pessoa jurídica de direito público interno, representada pelo Sr. Prefeito Municipal, com sede na Praça Montevidéo, nº 10, Bairro Centro Histórico, nesta Capital, dizendo e requerendo o que segue:

1 - Resumo da Demanda

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou a Ação Cautelar de Produção Antecipada de Provas distribuída sob número 001/1.12.0111605-9, em apenso, que tramitou junto a esta 10ª Vara da Fazenda Pública, com objetivo de realização de prova pericial por equipe técnica multidisciplinar, consistente em vistoria ad perpetuam rei memoriam para avaliação (auditoria) dos dados e critérios utilizados como Valor de Referência (VR) - Somatório dos Custos Totais dos Investimentos (diretos e indiretos) e Grau de Impacto Ambiental (GI) do empreendimento para fins de chegar à fixação do valor da Compensação Ambiental ex ante (exigível com amparo no art. 36 da Lei nº 9.985/00) para implantação do “Projeto Arena Esportiva”, novo estádio do clube de futebol do Grêmio de Porto Alegre e Complexo imobiliário de natureza privada.

Esse MM. Juízo, após oportunizar resposta aos demandados, foi convencido pelos argumentos suscitados e decidiu que houve carência da ação cautelar proposta, por ausência de interesse processual na preparação de prova a ser produzida antecipadamente (art. 267, VI, CPC), determinando o julgamento definitivo de extinção do processo sem resolução do mérito. Fundamentou o MM. Juiz de Direito, Dr. Eugênio Couto Terra, resumidamente, que todos os questionamentos suscitados na ação cautelar poderiam ser formulados na instrução processual de ação própria com o mesmo objetivo – processo de conhecimento com cognição plena onde os indícios e inconsistências poderiam ser reavivados.

Embora o Ministério Público do RS discorde radicalmente desse posicionamento jurisdicional, por questão pragmática e computando-se o ingrediente do tempo irrazoável que, de praxe, tem demorado a tramitação processual na fase recursal, optou-se pela nova propositura da quaestio juris em processo com tramitação sob o rito ordinário.

Some-se aos objetivos urgentes que determinaram o ajuizamento da presente demanda, o de estancar os desvios de finalidade protagonizados pelo Poder Público Municipal, verificados por ocasião da audiência de tentativa conciliatória, determinada pelo Juízo (Ação Cautelar nº 001/1.12.0111605-9), quando brotou de forma mais intensa a necessidade de medidas judiciais para conter a modificação realizada pelo Município de Porto Alegre (SMAM) e OAS S.A. acerca da nova destinação da compensação ambiental e pela assunção, pela Administração Pública, das obrigações privadas consistentes na execução das obras de mobilidade e circulação no entorno dos Complexos imobiliários, cujos custos seriam de inteira responsabilidade do empreendedor.

Para surpresa do Ministério Público, denotando, sem dúvida, falta de lealdade processual tanto do Município de Porto Alegre como da OAS S.A. (art. 14, II, CPC), porque nenhum deles noticiou o fato jurídico aos autos do Inquérito Civil nº 00833.00045/2010, não obstante plenamente cientes dos objetivos da investigação e tenham participado ativamente dos atos de sua tramitação, na audiência de tentativa conciliatória determinada por esse Juízo, em 08 de agosto de 2012, foi revelado pela Procuradoria-Geral do Município a celebração de “Termo de Compromisso para a implantação do Empreendimento denominado Arena Esportiva do Grêmio” (processo administrativo nº 22613580017880), onde ambas as partes acertaram a alteração da destinação da Compensação Ambiental ex ante, desviando os já ínfimos valores que deveriam ser destinados ao apoio e implantação da Unidade de Conservação do Grupo de Proteção Integral do Parque Estadual Delta do Jacuí, para aplicá-los na construção de uma Unidade de Triagem destinada a reciclagem de resíduos sólidos no continente, em área urbana da cidade de Porto Alegre, valendo consultar as cláusulas desse acordo espúrio:

Também constou nesse Termo de Compromisso a inaceitável e imoral assunção, pelos Poderes Públicos municipal e federal, dos custos para a execução das obras de Mobilidade/Acessibilidade e Circulação Urbanísticas (contraprestações públicas decorrentes de obras de natureza privada), que deveriam ser suportadas exclusivamente pela OAS S.A., em contrapartida aos impactos negativos (externalidades) causados pelos empreendimentos imobiliários de significativa degradação ambiental implantados na zona de amortecimento do PEDJ, patrocinado por interesses exclusivamente privados. As obrigações de implantação das obras públicas de mobilidade e circulação no entorno dos Complexos Empresarial, Residencial e Multiuso (esportivo) seriam contraprestações públicas de inteira responsabilidade do empreendedor, propostas e prometidas no procedimento de aprovação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental - EIA-RIMA, em razão de obras privadas e aprovadas em procedimento formal de licenciamento ambiental, situação essa que será questionada em outra ação coletiva autônoma com objeto litigioso mais amplo, a ser distribuída paralelamente à presente demanda.

Visa a presente ação civil pública, portanto, à desconstituição judicial do ato negocial administrativo instrumentado pelo Termo de Compromisso celebrado em sigilo entre o Município de Porto Alegre e a OAS S.A para dar cumprimento aos dispositivos da legislação ambiental (Art. 36 da Lei nº 9.985/00 e Resolução do CONAMA nº 371/2006, art. 5º, § 2º). O vício nulificante se deve às partes ajustarem pacto superveniente à Licença de Instalação nº 011535/2010, de forma surpreendente, fraudando a expectativa, confiança e boa-fé objetiva da população em ver o cumprimento efetivo do que foi estabelecido no EIA/RIMA, no procedimento de licenciamento ambiental e nas Leis de regência. A causa de pedir consiste no desvio, abusivamente, da finalidade original da destinação dos valores oriundos da Compensação Ambiental (CA) prévia prevista no art. 36 e §§ da Lei nº 9.985/2000 – Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, devido em razão da aprovação do licenciamento ambiental para implantação do Projeto Arena Esportiva.

2 - Histórico dos Fatos

2.1 - O Licenciamento Ambiental e o eia-rima.

O Grupo OAS e a associação civil de futebol do Grêmio de Porto Alegre estão realizando, em parceria, um empreendimento imobiliário que envolve a construção de Complexos Residencial e Comercial Multiuso de titularidade daquele e a mudança da sede deste da Azenha para o Bairro Humaitá, na Av. Padre Leopoldo Brentano, 700, em local abrangido pela Zona de Amortecimento da Unidade de Conservação da Natureza do grupo de Proteção Integral do Parque Estadual Delta do Jacuí – UC PEDJ, o que se efetivou com a inauguração do estádio no dia 08 de dezembro de 2012.

Consulte-se o EIA/RIMA, Tomo I, p. 144-5:

Por conta desse empreendimento, numa área de 38 hectares (Licença Prévia nº 011343/2010, fl. 199, IC), de responsabilidade das sociedades empresárias do Grupo OAS (OAS ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES LTDA. (incorporadora de NOVO HUMAITÁ EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S.A.) e respectivas pessoas jurídicas adquirentes de quotas do empreendimento abaixo mencionadas, OAS CONSTRUÇÕES S.A. e ARENA PORTO-ALEGRENSE S.A., serão edificados 655.446,36 m2, assim distribuídos:

1) Estádio de Futebol (Arena Esportiva) – 9ha e/ou 19ha e área total construída de 190.000m2, com estacionamento para 2.330 veículos – Matrícula 157.918 do Registro de Imóveis da 4ª Zona. Destaque-se que a Licença de Instalação nº 011535/2010 anuncia a construção em 19,40ha, diferentemente do que constou do EVU (fl. 205 do IC); (Na arena – estádio de futebol – têm-se as empresas KARAGOUNIS PARTICIPAÇÕES S.A. e OAS 26 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA., como coproprietárias do grande terreno que abarca o setor de entretenimento do complexo). 2) Complexo Multiuso – 8,5ha - complexo empresarial constituído por: a) hotel, com torre de 58m de altura e 235 apartamentos; b) shopping center com torre de 18m de altura e 30.000m2; c) centro de eventos (convenções) com 18m de altura e 14.000m2; d) centro empresarial com 2 torres de 58m de altura (19 pavimentos), 448 salas e um edifício garagem com 3.500 vagas – Matrícula 157.919, do Registro de Imóveis da 4ª Zona de Porto Alegre; (Nos empreendimentos comerciais e hoteleiros o domínio foi passado para a empresa OAS 26 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA, que se tornou proprietária do grande terreno que abrangerá o setor comercial do complexo.) 3) Complexo Residencial com 6,3ha onde serão implantados 20 torres de edifícios residenciais com altura de 58 a 67m – 19 a 22 pavimentos, para construção de 2.130 apartamentos e 2.300 vagas de estacionamento (Matrícula nº 157.920 do Registro de Imóveis da 4ª Zona de Porto Alegre) e estacionamentos com 2.596 vagas. (Esse empreendimento residencial passou à propriedade das empresas KARAGOUNIS PARTICIPAÇÕES S.A. e ALBIZIA EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA. tendo havido o fracionamento da matrícula e seu desdobramento em 03 terrenos alienados aos referidos titulares, que compõe o setor residencial do complexo (matrículas nºs 165.774, 165.775 e 165.776 do Registro de Imóveis da 4ª Zona de Porto Alegre). Deve ser destacado o comportamento de indiferença da OAS, que não comunicou aos autos do Inquérito Civil nenhuma dessas transações imobiliárias, em que pese tivesse pleno conhecimento do objeto da investigação e das consequências civis que uma demanda procedente pudesse resultar em relação às novas pessoas jurídicas que assumiram o objeto litigioso da lide.

O licenciamento foi antecedido do Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental, além do Estudo de Viabilidade Urbanística – EVU, exigência imposta pelo Município de Porto Alegre. Tais documentos foram apresentados ao órgão licenciador competente, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAM), a qual, com base nas informações unilateralmente prestadas pelo empreendedor, nos moldes do § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000 e da fórmula dada pelo Decreto regulamentador, definiu o valor da Compensação Ambiental (CA) no percentual de 0,2214% (zero vírgula dois mil duzentos e quatorze por cento) sobre o valor total do empreendimento, estimado em R$ 613.564.000,00 (seiscentos e treze milhões, quinhentos e sessenta e quatro mil reais). Assim, a compensação corresponderia a quantia de R$ 1.358.427,31 (um milhão, trezentos e cinquenta e oito mil, quatrocentos e vinte e sete reais e trinta e um centavos), destinada ao apoio e implantação do Parque Estadual Delta do Jacuí (ata de audiência da fl. 155 e Parecer Técnico da fl. 180, ambas do IC).

Foi concedida a Licença Prévia nº 11.343, em 24 de junho de 2010 (fl. 199 do IC), com a autorização do Departamento Estadual de Florestas e Áreas Protegidas (DEFAP), Órgão Florestal da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), conforme preceitua o art. 36, § 3º da Lei nº 9.985/2000, uma vez que se vincula àquele órgão o gestor responsável pela administração e conservação do Parque Estadual Delta do Jacuí e o empreendimento afeta a zona de amortecimento daquela Unidade de Conservação.

Assim, à sociedade civil restou a crença no adimplemento da obrigação ambiental prometida pelos demandados na Audiência Pública do dia 22 de abril de 2010, realizada na Escola Técnica Santo Inácio, momento em que se comprometeram os empreendedores com o pagamento de Compensação Ambiental (CA) de 0,5% do custo total previsto para a obra (fl. 183 do IC que acompanha a Ação Cautelar). A Administração Pública não respondeu a todos os questionamentos da população na Audiência Pública realizada. A Audiência Pública Ambiental deveria ser instrumento de contribuição para alcançar a democratização dos atos administrativos praticados para criar, modificar ou extinguir direitos no procedimento de licenciamento. Trata-se de instrumento previsto como parte do procedimento na lei do processo administrativo federal (Lei 9.784/1999), estando regulamentada pela Resolução CONAMA nº 09/87 e arts. 84 e 85 do Código Estadual do Meio Ambiente, Lei Estadual nº 11.520/2000.

As obras civis, serviços e atividades que ali serão desenvolvidos, importarão na modificação de toda a microrregião geográfica do Bairro Humaitá e afetarão áreas prioritárias para conservação da biodiversidade em Unidade de Conservação, na Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba. Centenas de milhares de pessoas circularão pela área com seus automóveis, caminhões para o abastecimento de serviços, deslocamentos para utilização dos transportes públicos, etc. Há grande aflição relativamente ao atraso nas obras de mobilidade urbana. Os custos para tanto são altíssimos e foram transferidos ao Município de Porto Alegre e aos Governos Federal e Estadual, matéria que será abordada em outra ação civil pública a ser ajuizada conjuntamente com a presente.

3- Do Direito

3.1 - Da Compensação Ambiental Prévia – Ex ante.

A exigência da Compensação Ambiental ex ante vem alicerçada no princípio do usuário-pagador, fundamentada na responsabilidade ambiental objetiva prevista no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, e impõe-se ao empreendedor para compensar financeiramente o uso privado de recursos ambientais que são apropriados em confisco aos direitos da coletividade ao meio ambiente sadio e equilibrado. Embora não tenha caráter reparatório de danos ambientais pretéritos, busca uma retribuição antecipando possíveis cobranças para os impactos negativos, que serão inevitavelmente causados pelo empreendimento e impossíveis de serem mitigados ou eliminados: trata-se de uma reparação antecipada (ex ante), de danos ambientais futuros, certos quanto a sua existência, irreversíveis e inevitáveis.

A Compensação Ambiental prévia (CA) caracteriza-se como uma espécie distinta do gênero reparação, devida em razão de danos não mitigáveis/não evitáveis, que são identificados antes mesmo de sua ocorrência concreta. Com acerto, assinala ERIKA BECHARA que:

“Quando, em direito Ambiental, fala-se em compensação de danos, vem à mente, de imediato, a ocorrência de uma lesão irreversível ao meio ambiente, que não permitirá a reparação in natura ou o retorno ao status quo ante e que, por isso mesmo, dará lugar à reparação por equivalente, mediante o oferecimento de bens e/ou serviços que representem algum benefício ao entorno, ou à reparação pecuniária mediante o pagamento de valor em dinheiro (ao Fundo Federal ou aos fundos estaduais de defesa dos direitos difusos).

A compensação ambiental prevista na Lei do SNUC não está tão distante desta compensação de danos, já que, igualmente, tem por escopo minorar os efeitos de uma perda ecossistêmica importante com um ganho ecossistêmico diverso (já que o que foi ‘perdido’ não será mais ‘reconquistado’), mas nem por isso menos relevante.

A mais sensível diferença entre estas duas ‘compensações’ é temporal: a compensação de danos ‘clássica’ é exigida do poluidor ou degradador quando o meio ambiente já sofreu um impacto irreversível – ela se dá, por conseguinte, posteriormente ao dano – e a compensação ambiental da Lei 9.985/2000 é exigida do empreendedor quando ele estiver prestes a causar um impacto irreversível e inevitável, verificando-se, dessa forma, anteriormente ao dano. Em suma, uma é exigida quando o ambiente já foi impactado, a outra quando ele estiver prestes a sê-lo. No primeiro caso, a compensação sucede o dano ambiental e, no segundo, a compensação o precede.”

Cumpre distinguir a Compensação Ambiental ex ante das Medidas Mitigadoras, as quais convivem perfeitamente quando se trata de atividades que causam alterações drásticas e nocivas à qualidade ambiental e ao bem-estar da população. As duas contrapartidas são devidas pelo empreendedor e exigidas em razão das externalidades negativas que a comunidade como um todo suportará:

Exatamente por isso, com base nos estudos ambientais se identificarão os impactos a serem gerados pela respectiva atividade, e, a par disso, o poder público ambiental, em franco contraditório no processo de licenciamento ambiental, definirá medidas a serem tomadas pelo empreendedor para que mitigue (preferencialmente) ou então repare/compense as lesões ambientais a serem causadas pela impactação pré-vista.

As medidas mitigatórias neutralizam o dano ambiental que adviria do referido empreendimento. Já as medidas compensatórias são aquelas que, diante da impossibilidade de evitar o dano, servem para oferecer à coletividade um resultado compensatório pelos prejuízos que certamente serão causados pela atividade. Logo, as técnicas reparatórias ofertam um ressarcimento in natura ou in pecunia, sendo que a escolha sempre deverá recair sobre a primeira,pois, em matéria ambiental, é mais importante um resultado que restaure ou reconstitua, com a maior proximidade possível, a situação anterior. Caso nem isso seja possível, servirá a indenização pecuniária como forma subsidiária e residual de reparação pelos danos ambientais.

3.1.1. Origem do Instituto.

No direito brasileiro o instituto da Compensação Ambiental ex ante tem sua origem no art. 1º da Resolução do CONAMA 10/87, onde ficou estabelecida a contrapartida para recompensar ou equilibrar as perdas ambientais com a destruição de florestas e outros ecossistemas, nos casos de licenciamentos de atividades e obras de grande porte, deveria o empreendedor implantar uma estação ecológica, preferencialmente junto à área de impacto e o valor da área a ser utilizada e das benfeitorias a serem feitas não poderia ser inferior a 0,5% dos custos totais previstos para a implantação dos empreendimentos (art. 2º). A finalidade do instituto seria a reparação dos impactos não mitigáveis gerados pelos empreendimentos de grande porte.

Depois disso, a Resolução do CONAMA 002/96 trouxe alterações importantes em relação à Resolução do CONAMA 10/87, passando a dispensar a necessidade de que a aplicação da compensação ambiental se destinasse a estação ecológica, mas deveria ser em área de domínio público e, preferencialmente, de uso indireto.

Com objetivo de regulamentar o artigo 225, § 1º, incisos I (processos ecológicos essenciais), II (diversidade biológica), III e IV (Poder Público deve definir espaços territoriais a serem especialmente protegidos), da CF/88, foi editada a Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000 – que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – Lei do SNUC – estabelecendo “espaços territoriais e seus recursos ambientais, inclusive as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (art. 1º, inc. I).

A Lei do SNUC definiu, em seu art. 36, a obrigatoriedade de, em casos de empreendimentos de significativo impacto ambiental, o empreendedor apoiar a implementação e manutenção de unidade de conservação através do pagamento de uma compensação ambiental prévia. Essa compensação deveria ser imposta como condicionante da emissão da Licença de Instalação nº 11.535 de 17.09.2010, conforme prevê a regra do art. 5º, § 2º da Resolução CONAMA 371, de 05.04.2006. Esse dispositivo não foi cumprido no processo de aprovação do EIA/RIMA e licenciamento ambiental do empreendimento do Projeto Arena Esportiva, onde a obra foi iniciada sem observância desse requisito normativo, ou seja, a construção já havia iniciado em ritmo acelerado muito antes de ter sido tomado o Termo de Compromisso do proponente do Projeto, o qual somente veio a ser assinado em 16 de abril de 2012 e ressente-se de um plexo de irregularidades que o invalidam, nesse ponto, como veremos.

3.1.2. FINALIDADE DA LEI DO SNUC. CONCRETIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Prevê o mencionado art. 36 da Lei nº 9.985/2000 que o empreendedor tem o dever legal de apoiar a implementação e manutenção de Unidade de Conservação do Grupo de Proteção Integral através do pagamento da compensação ambiental prévia, valendo conferir o texto legal:

Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.(Regulamento)

§ 1o O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento. 

§ 2o Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação.

§ 3o Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo.

Prossegue a Lei nº 9.985/2000, especificando os objetivos da Compensação Ambiental ex ante para destinação às unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral:

Art. 7o As unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas:

I - Unidades de Proteção Integral;

II - Unidades de Uso Sustentável.

§ 1o O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei.

§ 2o O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.

(...)

Art. 11. O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

§ 1o O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei.

§ 2o A visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento.

§ 3o A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento.

§ 4o As unidades dessa categoria, quando criadas pelo Estado ou Município, serão denominadas, respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural Municipal.

Estão claríssimas, na legislação citada, as finalidades em função das quais está indissociavelmente vinculada a aplicação dos recursos da compensação ambiental: a) apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral; b) o órgão ambiental licenciador (SMAM) é quem definirá a Unidade de Conservação, examinando proposta formulada no EIA-RIMA pelo empreendedor; c) o objetivo básico do Parque Estadual (unidade escolhida) é a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica; d) a finalidade prioritária é a regularização fundiária e demarcação dos limites do Parque Estadual (compra de áreas com vegetação nativa, cercamento e colocação de marcos nas divisas e reassentamento de ocupações irregulares).

E o escopo primordial de incrementar a proteção da diversidade biológica foi percebido por Édis Milaré:

De fato, a compensação ambiental, conforme prevista no art. 36, § 1º, da Lei 9.985/2000, visa, em suma, à arrecadação de valor monetário por parte do Poder Público, que se destina a custear a implementação da Política Nacional de Biodiversidade, cujo substrato estrutural materializa-se na criação e manutenção de unidades de conservação.

Vale destacar, por oportuno, a ordem de prioridades para aplicação dos recursos antecipados pelo proponente do projeto, prevista no artigo 33 do mencionado Decreto Federal regulamentador, com as posteriores modificações do Decreto 6.848/09, nelas não se incluindo a construção de galpões de reciclagem, conforme se mancomunaram os réus:

Art. 33.  A aplicação dos recursos da compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985, de 2000, nas unidades de conservação, existentes ou a serem criadas, deve obedecer à seguinte ordem de prioridade:

I - regularização fundiária e demarcação das terras;

II - elaboração, revisão ou implantação de plano de manejo;

III - aquisição de bens e serviços necessários à implantação, gestão, monitoramento e proteção da unidade, compreendendo sua área de amortecimento;

IV - desenvolvimento de estudos necessários à criação de nova unidade de conservação; e

V - desenvolvimento de pesquisas necessárias para o manejo da unidade de conservação e área de amortecimento.

Parágrafo único.  Nos casos de Reserva Particular do Patrimônio Natural, Monumento Natural, Refúgio de Vida Silvestre, Área de Relevante Interesse Ecológico e Área de Proteção Ambiental, quando a posse e o domínio não sejam do Poder Público, os recursos da compensação somente poderão ser aplicados para custear as seguintes atividades:

I - elaboração do Plano de Manejo ou nas atividades de proteção da unidade;

II - realização das pesquisas necessárias para o manejo da unidade, sendo vedada a aquisição de bens e equipamentos permanentes;

III - implantação de programas de educação ambiental; e

IV - financiamento de estudos de viabilidade econômica para uso sustentável dos recursos naturais da unidade afetada.

A destinação do recurso para construção de uma Unidade de Triagem de Resíduos Sólidos na Av. Frederico Mentz, 1167, em área conexa ao Centro de Triagem já existente, subverte, completamente, os objetivos legais referidos, revelando distanciamento do escopo preservacionista buscado pelos comandos normativos. Em vão o esforço da ré OAS de sustentar que o Termo de Compromisso beneficiaria a Unidade de Conservação do PEDJ e atenderia, portanto, na ótica empresarial, a finalidade exigida pelo Órgão ambiental, quando da análise dos conteúdos do EIA/RIMA para respaldar a decisão de concessão das licenças ambientais.

Calha analisar as justificativas apresentadas pela OAS para essa mudança de rumo no cumprimento dos conteúdos do Estudo de Impacto Ambiental inicialmente aprovado no procedimento administrativo de licenciamento. Aqui, é o agente econômico quem dita as regras e dá a motivação ao ato administrativo, quando essa tarefa deveria ser do Município:

“Por meio desse termo, o empreendedor comprometeu-se a construir um Centro de Triagem, no bairro Humaitá, que servirá para diminuir o carregamento de resíduos sólidos e domésticos às ilhas que fazem parte do Parque Estadual Delta do Jacuí, resíduos, estes, provenientes da atividade dos catadores de lixo moradores daquelas áreas.

Ou seja, comprometeu-se o empreendedor a reduzir o impacto que o lixo coletado pelos catadores impõe para a área de conservação. Assim, mantendo sua atividade externa à UC (com o centro de triagem em área próxima à Ponte do Guaíba), reduzem-se os impactos da atividade. Ademais, a construção do centro reduzirá os riscos e consequências oriundas do transporte de materiais, por meio de carroças, até as ilhas do Guaíba (aos carroceiros e aos demais usuários da rodovia).

Ocorre que o valor da Compensação Ambiental fixado era inferior ao valor da construção no Centro. Como não havia recursos da Prefeitura Municipal para apoio dos valores excedentes à implementação, construiu-se a possibilidade de inserção dessa parcela faltante na rubrica das medidas compensatórias e mitigatórias previstas para o empreendimento.

Ou seja, como forma de viabilizar a construção do centro, de evidente utilidade para a área do Parque, o empreendedor apoiará 95% do valor da Compensação Ambiental (CA) do SNUC para a sua implementação. O restante dos valores necessários à construção será arcado a título de medida compensatória, viabilizando-se, assim, a conclusão da Unidade de Triagem, que inclusive foi prevista como medida a ser tomada pelo Plano de Ações Emergenciais da Área de Proteção Ambiental Delta do Jacuí e do Parque Estadual Delta do Jacuí (PORTARIA SEMA Nº 007, 03 de fevereiro de 2010).” (fl. 219, contestação na Ação Cautelar 001/1.12.0111605-9, apensa).

Embora as razões possam sugerir, sob o aspecto extrínseco, que a destinação dos recursos da CA atenderia à normatividade e requisitos dos dispositivos legais aplicáveis à espécie, em realidade, o ato jurídico desvia da verdadeira intentio legis contida no arcabouço de normas voltadas à preservação e conservação da natureza. Ocorre que, intrinsecamente, a construção de um galpão de reciclagem (Unidade de Triagem - UT) não tem o mesmo significado ecológico (qualitativa e quantitativamente) nem a mesma funcionalidade ambiental que a implantação e manutenção de uma Unidade de Conservação de Proteção Integral representa para o patrimônio natural da Cidade. A propósito, os objetivos de uma UC dessa categoria são incompatíveis com a atividade de depósito e separação de lixo para reciclo, tarefa que compete a outra modalidade de política pública ambiental a ser desenvolvida pela Prefeitura e que não podem ser objeto de compensação ambiental, já que não previstas na lei. As políticas públicas sociais e de direitos humanos a serem executadas para resgatar a cidadania de indivíduos catadores, papeleiros, carroceiros e carrinheiros, não podem ser confundidas com a necessidade legal de implementação dos espaços territoriais constitucionais de proteção da natureza a serem garantidos para o mínimo bem estar existencial das gerações presentes e futuras.

No uso de sua competência normativa prevista no artigo 8º da Lei nº 6.938/81 e Decreto regulamentador nº 99.274/90, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, considerando a obrigação do empreendedor de apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral (art. 36, da Lei 9.985/2000); considerando a necessidade de estabelecer diretrizes gerais claras e objetivas que orientem os procedimentos para aplicação da compensação ambiental, segundo a ordem de prioridades do art. 33 do Decreto 4.430, de 22 de agosto de 2002; considerando o Princípio da Participação consagrado na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Princípio 10); considerando que o montante dos recursos que o empreendedor, obrigatoriamente, deve destinar para apoiar a implantação e manutenção de unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral e não pode ser inferior a 0,5%, editou a Resolução nº 371, de 05 de abril de 2006, destacando-se os seguintes artigos:

Art. 1º Esta resolução estabelece diretrizes para cálculo, cobrança, aplicação, aprovação e controle de gastos de recursos financeiros advindos da compensação ambiental decorrente dos impactos causados pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em Estudos de Impacto Ambiental-EIA e Relatório de Impacto Ambiental-RIMA, conforme o art. 36 da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, e no art. 31 do Decreto no 4.340, de 22 de agosto de 2002.

 Art. 2º O órgão ambiental licenciador estabelecerá o grau de impacto ambiental causado pela implantação de cada empreendimento, fundamentado em base técnica específica que possa avaliar os impactos negativos e não mitigáveis aos recursos ambientais identificados no processo de licenciamento, de acordo com o EIA/RIMA, e respeitado o princípio da publicidade.

§ 1º Para estabelecimento do grau de impacto ambiental serão considerados somente os impactos ambientais causados aos recursos ambientais, nos termos do art. 2o, inciso IV da Lei no 9.985, de 2000, excluindo riscos da operação do empreendimento, não podendo haver redundância de critérios.

§ 2º Para o cálculo do percentual, o órgão ambiental licenciador deverá elaborar instrumento específico com base técnica, observado o disposto no caput deste artigo. 

Art. 3º Para o cálculo da compensação ambiental serão considerados os custos totais previstos para implantação do empreendimento e a metodologia de gradação de impacto ambiental definida pelo órgão ambiental competente.

§ 1º Os investimentos destinados à melhoria da qualidade ambiental e à mitigação dos impactos causados pelo empreendimento, exigidos pela legislação ambiental, integrarão os seus custos totais para efeito do cálculo da compensação ambiental.

§ 2º Os investimentos destinados à elaboração e implementação dos planos, programas e ações, não exigidos pela legislação ambiental, mas estabelecidos no processo de licenciamento ambiental para mitigação e melhoria da qualidade ambiental, não integrarão os custos totais para efeito do cálculo da compensação ambiental. 

§ 3º Os custos referidos no parágrafo anterior deverão ser apresentados e justificados pelo empreendedor e aprovados pelo órgão ambiental licenciador. 

Art. 4º Para efeito do cálculo da compensação ambiental, os empreendedores deverão apresentar a previsão do custo total de implantação do empreendimento antes da emissão da Licença de Instalação, garantidas as formas de sigilo previstas na legislação vigente. 

Art. 5º O percentual estabelecido para a compensação ambiental de novos empreendimentos deverá ser definido no processo de licenciamento, quando da emissão da Licença Prévia, ou quando esta não for exigível, da Licença de Instalação.

§ 1º Não será exigido o desembolso da compensação ambiental antes da emissão da Licença de Instalação.

§ 2º A fixação do montante da compensação ambiental e a celebração do termo de compromisso correspondente deverão ocorrer no momento da emissão da Licença de Instalação. 

§ 3º O termo de compromisso referido no parágrafo anterior deverá prever mecanismo de atualização dos valores dos desembolsos.

(...)

Art. 9º. O órgão ambiental licenciador, ao definir as unidades de conservação a serem beneficiadas pelos recursos oriundos da compensação ambiental, respeitados os critérios previstos no art. 36 da Lei nº 9.985 de 2000 e a ordem de prioridades estabelecidas no art. 33 do Decreto 4.340 de 2002, deverá observar:

I – existindo uma ou mais unidades de conservação ou zonas de amortecimento afetadas diretamente pelo empreendimento ou atividade a ser licenciada, independentemente do grupo a que pertençam, deverão estas ser beneficiárias com recursos da compensação ambiental, considerado, entre outros, os critérios de proximidade, dimensão, vulnerabilidade e infra-estrutura existente; e

II – inexistindo unidade de conservação ou zona de amortecimento afetada, parte dos recursos oriundos da compensação ambiental deverá ser destinado à criação, implantação ou manutenção da unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral localizada preferencialmente no mesmo bioma e na mesma bacia hidrográfica do empreendimento ou atividade licenciada, considerando as Áreas Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade, identificadas conforme o disposto no Decreto nº 5.092, de 21 de maio de 2004, bem como as propostas apresentadas no EIA/RIMA.

Parágrafo Único. O montante de recursos que não forem destinados na forma dos incisos I e II deste artigo deverá ser empregado na criação, implantação ou manutenção de outras unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral em observância ao disposto no SNUC.

A compensação deve ser calculada pelo órgão ambiental competente para o licenciamento, com base no EIA/RIMA apresentado pelo empreendedor e na fórmula dada pelo Decreto nº 4.340/02 (vide art. 10º, Resolução CONAMA 371/2006).

Como referido antes, a Constituição de 1988 impôs ao Poder Público o dever de definir, em todas as unidades da Federação, sob regime jurídico de especial proteção, áreas representativas de ecossistemas, cujo interesse público em sua conservação decorre da relevância dos atributos naturais que se revestem, sendo assim denominados os espaços territoriais especialmente protegidos. As Unidades de Conservação podem ser consideradas como espécies características desses espaços ambientais e seus componentes. No plano das Constituições Federal e do Estado, estabelecem os arts. 225, § 1º, incisos I, II e III e 251, § 1º, inciso II, que cabe a todos exigir do Poder Público Estadual a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais aludindo à necessidade de proteção dos espaços territoriais e da diversidade biológica. A justificativa constitucional para criação das Unidades de Conservação da Natureza é a implantação da concepção de que deve haver a retirada de espaços do modo de apropriação individualista e exclusivista da propriedade privada até então dominantes na sociedade, garantindo-se que os atributos excepcionais da Natureza sejam mantidos para as futuras gerações humanas (princípio da solidariedade intergeracional). Esses espaços territoriais protegidos consagrariam o planejamento territorial, com o zoneamento de corredores de proteção de grandes áreas com características naturais relevantes, baseadas na extensão delimitada de cada Unidade de Conservação. Portanto, são espaços técnico-científicos, sob regime especial de proteção e administração, onde devem ser contemplados reservatórios de riquezas biológicas ou bancos genéticos destinados a manutenção dos recursos presentes na diversidade biológica. É inarredável a necessidade de preservação da biodiversidade no interior da APAEDJ e do PEDJ, bem como das comunidades biológicas de aves aquáticas, peixes, invertebrados bentônicos, fitoplâncton, zooplâncton e demais espécie da flora e fauna (biota) que se encontram distribuídos nos limites de sua Área de Entorno ou Área Circundante (art. 55, parágrafo único, do Código Estadual do Meio Ambiente, Lei Estadual nº 11.520/2010), que nada mais significa senão a própria Zona de Amortecimento prevista na Lei nº 9.985/00 e art. 9º, incisos I e II, da Resolução CONAMA 371/2006, onde se situam todos os Complexos imobiliários impactantes.

A categoria da Área de Proteção Ambiental é um dos tipos de unidades de conservação da natureza que constitui o grupo das Unidades de Uso Sustentável, nos termos do artigo 7º, inciso II, combinado com o artigo 14, inciso I, ambos, da Lei n.º 9.985/2000, tendo sua definição jurídica incorporada pelo artigo 15 da Lei mencionada, a qual foi absorvida pela legislação estadual, sendo caracterizada como: (...) uma área em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais (grifo nosso). A seu turno, a categoria dos Parques Naturais é um tipo de unidade de conservação que constitui o grupo das Unidades de Proteção Integral, nos termos do artigo 7º, § 1º, combinado com o 8°, inciso V, da Lei nº 9.985/2000, tendo sua definição jurídica no artigo 13, da mesma Lei, tendo como objetivo: (...) proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória.

A seu turno, a Lei Estadual nº 12.371, de 11 de novembro de 2005, que cria a Área de Proteção Ambiental - APA - Estadual Delta do Jacuí e o Parque Estadual Delta do Jacuí - PEDJ, estabelece os objetivos da Unidade de Conservação de Proteção Integral:

Art. 4º - A Unidade de Proteção Integral da APA - Estadual Delta do Jacuí será constituída pelo Parque Estadual Delta do Jacuí, com área total de 14.242,05ha (quatorze mil duzentos e quarenta e dois hectares e cinco ares), que terá como objetivos básicos a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

O Decreto Estadual nº 44.516, de 29.06.2006, que regulamenta a Lei Estadual nº 12.371/2005 especifica a finalidade da UC de Proteção Integral do Parque Estadual Delta do Jacuí.

Art. 4º - A Unidade de Proteção Integral da APA - Estadual Delta do Jacuí será constituída pelo Parque Estadual Delta do Jacuí, com área total definida pela LEI Nº 12.371/05, terá como objetivos básicos a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

Art. 7º - Compete ao Conselho Deliberativo da Área de Proteção Ambiental:

I - elaborar o seu regimento interno, no prazo de noventa dias, contados da sua instalação;

II - acompanhar e aprovar a elaboração, implementação e revisão do Plano de Manejo da unidade de conservação;

III - buscar a integração da unidade de conservação com as demais unidades e espaços territoriais especialmente protegidos e com o seu entorno; IV - esforçar-se para compatibilizar os interesses dos diversos segmentos sociais relacionados com a unidade;

V - avaliar o orçamento da unidade e o relatório financeiro anual elaborado pelo órgão executor em relação aos objetivos da unidade de conservação;

VI - ratificar a contratação e os dispositivos do termo de parceria com Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), na forma da Lei Federal nº 9.790. de 23 de março de 1999, na hipótese de gestão compartilhada da unidade, quando for o caso; VII - acompanhar a gestão por OSCIP e recomendar a rescisão do termo de parceria, se for o caso, quando constatada irregularidade; 

VIII - manifestar-se sobre obra ou atividade potencialmente causadora de impacto na unidade de conservação, em sua zona de amortecimento, mosaicos ou corredores ecológicos, quando for o caso; IX - propor diretrizes e ações para compatibilizar, integrar e otimizar a relação com a população do entorno ou do interior da unidade, conforme o caso;

X - gerir os recursos do Fundo de Proteção Ambiental, criado pela Lei nº 12371/05, destinados exclusivamente à implantação, gestão e manutenção das Unidades de Conservação de que trata este Decreto;

XI - eleger Vice-Presidente e Secretário-Geral, para o mandato de 2 (dois) anos, podendo haver recondução. 

Os dispositivos antes citados ratificam a pretensão esboçada na presente ação civil pública e corroboram a postura hermenêutica que deveria ser adotada pela Administração Pública Municipal, quanto à aplicação dos recursos oriundos da Compensação Ambiental, que não poderia ser outra senão aquela que foi aprovada na motivação exposta nas justificativas do EIA/RIMA: Apoio à implantação e manutenção de área em Unidade de Conservação de Proteção Integral.

A finalidade prevista na Lei do SNUC coincide com os objetivos das Unidades de Conservação estabelecidos pela Lei Estadual nº 12.371/2006 e Decreto Estadual nº 44.516/2006 que a regulamenta, em consequência, não havia liberdade de escolha para a Administração Pública mudar o que já havia sido aprovado em procedimento de licenciamento ambiental.

Deverá ser adotada uma interpretação sistêmico-constitucional onde a supremacia do interesse público revelada pelos comandos legais e constitucionais supracitados, vinculam os atos negociais da Administração Pública e dos particulares, determinando-lhes a prioridade de aplicação das verbas provenientes da Compensação Ambiental ex ante na regularização fundiária do Parque Estadual administrado pelo DEFAP/DUC/SEMA, na delimitação e demarcação dos espaços livres de conservação da vegetação nativa e na sinalização indicativa dos limites do Parque Estadual.

A função discricionária de bem administrar vincula-se ao interesse público específico, e este, por sua vez, está explícito ou implícito em um sistema jurídico-normativo uniforme, com unidade lógico-axiomática ou hierárquica de valores emanados das regras legais e princípios constitucionais fundamentais (direitos fundamentais ambientais) da Teoria Constitucional, do Direito do Ambiente e do Direito Administrativo aplicáveis à espécie - as normas jurídicas infraconstitucionais federais e estaduais antes citadas que concretizam os microbens ambientais enumerados nos incisos do § 1º do artigo 225, da CF.

A finalidade legal, que não poderia ter sido desviada, é resumida por MARCELO ABELHA RODRIGUES:

O que se quer dizer é que o próprio legislador já definiu qual deve ser o papel da compensação ambiental, qual seja, o de apoiar a criação e manutenção de unidades de conservação de proteção integral. Este é fim almejado pelo legislador. O preço a ser fixado deve ser suficiente para implantar e manter um número de unidades de conservação que ‘compensem’ a degradação do meio ambiente; isto é, tanto o órgão ambiental quanto o empreendedor deveriam ter em conta que a compensação de um prejuízo ambiental deve ser ‘pago’ com benefícios ambientais tais como a criação e manutenção de unidades de conservação de proteção integral. Deve haver uma equivalência entre o prejuízo e as vantagens ambientais hauridas com a criação e manutenção desses espaços ambientais especialmente protegidos. Este é que deveria ser o norte na fixação do montante a ser destinados pelo empreendedor. (grifamos)

De todas as possibilidades discricionárias legais que o Município dispunha para proteger a Unidade de Conservação do PEDJ, arbitrariamente, relegou a todas que tinham prioridade, preferindo aplicar em obra de construção civil e financiar atividades fora das ilhas do Delta do Jacuí, na área urbana continental de Porto Alegre, ignorando completamente as decisões motivadas do EIA/RIMA – com sustentação solidificada na teoria dos motivos determinantes - e as imposições contidas nos comandos normativos acima elencados. A doutrina qualifica os atos administrativos ambientais incluindo, ao lado dos atos administrativos unilaterais, os contratos administrativos, que seriam atos jurídicos bilaterais (a exemplo do Termo de Compromisso ora impugnado), e aponta como elementos constitutivos tradicionais: o agente competente, o objeto, a forma, o motivo e o fim. Logo, a motivação do ato administrativo ambiental é seu elemento constitutivo essencial, qualificando-o como apto a produzir efeitos jurídicos quando seu objeto seja a restrição do exercício de direitos e atividades em matéria de uso ou apropriação de recursos naturais, bem como daqueles atos administrativos que apliquem sanções ambientais, imponham sujeições, anulem ou revoguem uma determinada decisão. O administrador, portanto, está vinculado aos motivos postos como fundamento para a prática do ato administrativo, no caso, apoio à implantação e manutenção do Parque Estadual Delta do Jacuí. Não há como separar o motivo da finalidade e a Administração estava vinculada a essa motivação, configurando, portanto, vício de legalidade – justificando-se o controle ora buscado com a invocação da tutela jurisdicional do Poder Judiciário.

Faltou adequação lógica entre as razões expostas no EIA/RIMA, a decisão administrativa de aprovação baseada no procedimento de licenciamento ambiental e o resultado alcançado (construção de Unidade de Triagem de Resíduos), em atenção à teoria dos motivos determinantes.

Na lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato”

No mesmo sentido, HELLY LOPES MEIRELLES dissertou que “a teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e se sujeitam ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados”.

Acontece que a Lei demarca as condições de fato para o agir da Administração Pública e supõe a realização do interesse apenas quando, ocorridas certas circunstâncias, pratica-se o ato que satisfaz o escopo pré-indicado, lembrando-se a lição, ainda, de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO que “ausentes as condições ou desvirtuada a finalidade que deve presidir o comportamento administrativo, ipso facto, não se preenche a relação de adequação necessária entre o ato e a lei, resultando invalidade indiscutível. A final, ter-se-á configurado, em ultima ratio, incompetência material do agente, pois haverá agido fora do âmbito de poderes que in concreto lhe assistiam.”

A doutrina publicista moderna, com base nos princípios da publicidade e motivação (art. 37, caput, e 93, inc. IX, da CF/88), sustenta que há atualmente um dever constitucional de fundamentação dos atos administrativos. O próprio artigo 2º da Lei 9.784/99 traz como um dos seus princípios o da motivação. A omissão, portanto, milita em favor do dever de motivação, sendo dispensada esta apenas quando haja previsão legal adequada à Constituição Federal. Aliás, a motivação, por integrar a forma do ato administrativo, é requisito de validade deste. Acaso omitida, importa na nulidade do ato.

Nessa esteira, por fundamentos diversos, as lições de Lucia Valle Figueiredo e Di Pietro, respectivamente:

(...) É o ponto fulcral dos princípios constitucionais da função administrativa, algo que nos parece da maior relevância, mormente em face da Constituição. Assinale-se que é imprescindível a motivação da atividade administrativa (embora muitos autores neguem, asseverando, equivocadamente, ser a motivação obrigatória, apenas e tão-somente, quando texto de lei expressamente a previr). Não se concebe possa a Administração permitir a alguns o que nega a outros, sem qualquer motivação. Tal proceder não é abrigado pelo ordenamento jurídico. Muito pelo contrário: é rejeitado. E só pode ser assim mesmo, em face da já antes afirmada possibilidade de controle judicial da atividade administrativa. A motivação, como forma de controle da atividade administrativa, é de extrema importância. Aqui lembro frase feliz de Bentham, citada por Michelle Taruffo: ‘good decisions are such decisions for wich good reasons can be given’ (‘boas decisões são aquelas decisões para as quais boas razões podem ser dadas’). Quer se trate de motivação de atos administrativos, quer seja de atos judiciais, como se poderia fazer controle de decisões desmotivadas? Aduz-se, como reforço, que a necessidade de motivação é expressa no texto constitucional. É o que se colhe do art. 93, inciso X, que obriga sejam as decisões administrativas do Judiciário motivadas. Ora, se quando o Judiciário exerce função atípica – a administrativa – deve motivar, como conceber esteja o administrador desobrigado da mesma conduta? [...]. A motivação atende às duas faces do due process of law: a formal – porque está expressa no texto constitucional básico; e a substancial – sem a motivação não há possibilidade de aferição da legalidade ou ilegalidade, da justiça ou da injustiça de uma decisão administrativa

O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.

O magistrado paulista, ÁLVARO LUIZ VALERY MIRRA faz uma colocação cirúrgica que se adapta totalmente ao caso analisado, relativamente às opções discricionárias do administrador em matéria que envolve estudo de impacto ambiental e a vinculação que produz em relação à decisão administrativa para o licenciamento ambiental:

Por via de consequência, se na sua utilização o licenciamento acabar levando a uma solução contrária à proteção do meio ambiente, ele estará divorciado de sua finalidade básica definida em lei. Haverá, nessa circunstância, desvio de finalidade e inafastável ilegalidade da obra ou empreendimento, já que, como leciona Celso Antonio Bandeira de Mello, “Quem desatende o fim legal, desatende a própria lei”.

Em segundo lugar, cumpre lembrar, uma vez mais, com Celso Antonio Bandeira de Mello, que mesmo quando a lei regula discricionariamente uma dada situação, ela dá ao administrador um leque de soluções, todas abstratamente admitidas como válidas pela norma, para que, no caso concreto, o administrador escolha aquela que melhor atenda à finalidade da lei. Não se atribui, então, ao administrador, no exercício de competência discricionária, a faculdade de optar por qualquer uma das soluções possíveis. Diversamente, ele tem o dever de escolher a melhor solução.

No caso do licenciamento ambiental, elaborado o EIA, o órgão público tem o dever de decidir pela melhor alternativa, tendo em vista a finalidade legal do licenciamento: a proteção do meio ambiente. E a melhor solução, normalmente, vai ser aquela apontada no estudo, se este for elaborado corretamente. Solução essa que somente não será adotada se o administrador concluir e justificar exaustivamente que ela não e a melhor para a defesa do meio ambiente na hipótese em exame. (grifamos)

O comportamento da Administração Pública ao aprovar o EIA/RIMA e expedir as Licenças Prévia e de Instalação, em face da motivação contida nos estudos ambientais, gera legítima expectativa nos jurisdicionados e na população (direito subjetivo público), não podendo ser depois cassado esse direito à correta aplicação dos recursos da Compensação Ambiental (CA) ex ante, porque isso seria, no mínimo, prestigiar a torpeza vulnerando-se, assim, aos princípios da confiança e da boa-fé objetiva do grupo social, ambos, corolários do princípio da moralidade.

Conforme o administrativista HARTMUT MAURER, referindo-se ao direito alemão, mas inteiramente servível entre nós, o Princípio da Proteção da Confiança no Direito Público se aplica quando “está dado um tipo de confiança que é idôneo para fundamentar confiança na existência de uma decisão estatal ou na consequência da conduta estatal”, a esse tipo de atitude de confiança do cidadão nas decisões estatais se aplica a proteção fundamentada no princípio do Estado de Direito e ancorado jurídico-constitucionalmente com o princípio deste resultante, da certeza jurídica, lealdade e boa-fé.

Nessas condições, ilegal, inadequado, insustentável e eticamente repreensível que o Município de Porto Alegre (SMAM) tenha tomado Termo de Compromisso em conluio com a OAS, desviando a destinação que havia sido maturada e deliberada previamente no EIA/RIMA, instrumento com vocação de motivar decisão ambiental proferida em regular procedimento administrativo de licenciamento - due process ambiental –, para carrear os recursos da compensação ambiental à construção de uma obra civil de Unidade de Triagem de Resíduos.

As justificativas acima apresentadas pelo Grupo OAS (contestação da Ação Cautelar) para a retirada dos recursos que deveriam ser destinados à implantação do PEDJ não seduzem.

Sucede que a obrigação de implantar galpões de reciclagem, embora tenha matiz ecológico, cabe, exclusivamente, às ações de governo do Município de Porto Alegre – políticas públicas de saneamento básico, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, associadas à inclusão social, que devem estar previstas no Plano Plurianual e na Lei Orçamentária Anual, por serem obras consideradas despesas de capital. Ninguém desconhece que a Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010, Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Lei nº 11.445, de 2007, Lei da Política Nacional de Saneamento, estabelecem prazos inarredáveis para que os municípios formulem seus Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, com cronologia definida para agosto de 2012 (arts. 2º, X;18; 19; 33; 42; 55, etc.), ou a elaboração integrada desse Plano com o Plano de Saneamento Básico, com prazo final de execução previsto para dezembro de 2013. Os Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos deverão prever conteúdos mínimos, como a eliminação de lixões e metas para a coleta seletiva, com a capacitação técnica dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, organizando-os em cooperativas, para sua inclusão social e emancipação econômica (arts. 18 e 19). Caso o município não cumpra com os cronogramas e metas determinados na lei nacional, estará alijado do recebimento de recursos da União para suas ações e programas nessa matéria.

Parece óbvio, então, que o Município aproveitou a oportunidade para canalizar os recursos que seriam do PEDJ, para solucionar o seu problema gerencial de adaptação aos diplomas legislativos acima mencionados. Some-se a necessidade de ações político-sociais que demandam a construção de Centros de Triagem de Resíduos, que deverão estar em pleno funcionamento quando os prazos legais para elaboração e execução dos Planos (resíduos e saneamento) se vencerem. É um escárnio o argumento de que a construção de uma Unidade de Triagem na Rua Frederico Mentz diminuirá o trânsito de carroças e carrinhos até as ilhas do Delta do Jacuí. Muito bem sabem os empreendedores do Grupo OAS da existência da Lei das Carroças (VTA e VTH), Lei Municipal nº 10.531/2008, a qual prevê um prazo de 8 anos para o Município fazer a gradativa retirada dos Veículos de Tração Animal e de Tração Humana das vias urbanas de Porto Alegre, inclusive as que transitam sobre a ponte do Guaíba, e determina ações da Prefeitura para assegurar alternativas de renda aos atuais catadores. Existem mais de 18 Unidades de Triagem de Resíduos Sólidos na Cidade e uma das maiores, direcionada a 600 carroceiros que residem na região da Ilhas, situa-se na Rua Frederico Mentz, exatamente o local para onde foram desviados os recursos da Lei do SNUC. Trata-se de um problema socioeconômico que demanda uma política pública planejada e específica para seu enfrentamento – por certo a solução desse macroproblema social e político (inclusão social e econômica dos catadores e carroceiros) não será alcançada com os parcos recursos que a OAS deveria alcançar ao Parque Natural Estadual. A reciclagem passou a ser uma atividade econômica que produz renda, enquanto que a preservação ecossistêmica tem valor inestimável economicamente, dois valores qualitativamente diversos. É um abuso a OAS manejar um discurso pseudoecológico em favor dos catadores, quando a verdadeira intenção do desvio da verba foi solucionar o problema da Administração Pública em relação à implantação dos Planos Integrados de Resíduos Sólidos e de Saneamento Básico da Cidade.

Outro argumento lançado seria o de que o desvio da verba para implantação do PEDJ se justificaria porque os catadores não levarão mais lixo ao PEDJ, e passarão a depositá-lo ao lado da ponte do Guaíba (no Galpão de Reciclagem). Nada mais vil. Parece que o Município de Porto Alegre olvidou-se de que foi chamado a dar suporte jurídico em defesa da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Estadual, no processo nº 001/1.08.0084738-9 (CNJ 0847381-31.2008.8.21.0001), com dedução de pedido mediato de obrigação de fazer: “5.3.9. providenciar a remoção do lixo e dos entulhos depositados irregularmente nas áreas da APAEDJ e PEDJ; 5.3.10. apresentar e implementar políticas públicas que impeçam a continuidade de deposição de resíduos sólidos nas áreas que integram o PEDJ, bem como o depósito clandestino realizado nas áreas da APAEDJ, estabelecendo, ainda, critérios efetivos de controle e fiscalização dos depósitos de resíduos sólidos realizados nas ilhas do Delta do Jacuí. 5.3.12. realizar todas as providências necessárias à incorporação da área do Parque Estadual Delta do Jacuí ao patrimônio do Estado do Rio Grande do Sul ( vide cópia de termo de audiência, fls. 376 a 378, do IC, que instrui a Ação Cautelar apensa). Quer dizer, nenhuma consistência tem o argumento empresarial, porque supõe a permanência ou continuidade de uma atividade proibida (reciclagem) dentro do Parque Natural Estadual, quando existe pretensão de tutela coletiva incompatível com a premissa que abastece o silogismo da justificativa apresentada. Mais claramente, não se sustenta a explicação de que o galpão impedirá que os catadores continuem levando resíduos às ilhas, porque a implantação do PEDJ é inconciliável com a hipótese do depósito dos resíduos dentro de seus limites. Sem galpões de reciclagem, não há falar em transporte de resíduos para a área protegida. O benefício alegado, além disso, seria temporário, pois a execução do futuro Plano de Manejo do PEDJ não admite a permanência de galpão de reciclagem nos seus domínios. Vazio, portanto, o argumento manejado.

Os agentes políticos utilizaram-se de seu poder discricionário para burlar, injustificadamente, a aplicação da medida compensatória, que deveria ser destinada à conservação da biodiversidade e à preservação dos processos ecológicos essenciais de Unidade de Conservação do Grupo de Proteção Integral (Parque Estadual Delta do Jacuí). Ambos os réus, solidariamente, investiram os valores da Compensação Ambiental ex ante (CA), reforçando o caixa único do Município para enfrentar despesas públicas ordinárias da Prefeitura, as quais deveriam estar previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (art. 165, § 2º, da CF e art. 4º, da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, Lei Complementar nº 101/2000), nos relatórios de execução orçamentária (art. 8º, LRF) e relatórios de gestão fiscal, combinada com a Lei Orçamentária Anual (art. 165, III, CF e art. 11, da LRF). A construção de obra civil não prevista na Lei Orçamentária, destinada ao atendimento de obrigatório dever legal de implantar a Política Municipal de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos (vide diretrizes da Lei 11.445/2007, Lei do Saneamento Básico, art. 19 e Lei dos Resíduos Sólidos, Lei nº 12.305/2010) é ação governamental que deveria contar com rubricas orçamentárias específicas para execução de políticas públicas de saneamento básico, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, de acordo com a gestão fiscal da LRF, não, porém, aproveitando recursos extraorçamentários inapropriadamente.

Portanto, a argumentação de que a verba compensatória serviria para a retirada das carroças e dos papeleiros das vias públicas de Porto Alegre contraria, flagrantemente, disposições expressas em Lei federal e estadual desvirtuando a finalidade normativa, cujo objetivo básico, repita-se, é a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica

Deve ser assentada a premissa de que o Princípio Constitucional Conservacionista incide no âmbito da responsabilidade civil ambiental para justa distribuição do ônus de compensar os riscos e reparar os danos ambientais com o balizamento da conservação e manutenção do bem protegido. Também orienta a sistemática da compensação ambiental e controle dos riscos ambientais, influenciando para que o objetivo primordial seja o de recuperar ou substituir o bem ambiental especificamente atingido. As medidas de compensação devem buscar o reequilíbrio na dinâmica dos biomas afetados pelas atividades humanas, relevando notar que o empreendimento afeta direta e indiretamente a zona de amortecimento do PEDJ, bem ambiental especificamente atingido e que deveria ser o destinatário dos valores compensatórios, seguindo-se as prioridades do art. 33 do Decreto n.º 4.340/02.

3.2. DO DESVIO DE FINALIDADE E DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS.

Existe uma interdependência absoluta, no sistema brasileiro, entre licenciamento ambiental e EIA-RIMA, sendo que a aprovação deste é pressuposto indeclinável para o licenciamento, influindo no mérito da decisão administrativa concessiva da Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação, já que leva em conta, como motivação: i) a identificação das implicações negativas do projeto e suas alternativas; ii) a avaliação dos benefícios e custos ambientais; iii) a sugestão de medidas mitigadoras; iv) a informação de setores interessados; e v) a informação do público de maneira geral e influência no processo decisório administrativo com o suprimento de informações úteis. O objetivo final do EIA-RIMA é evitar que um projeto (construção ou atividade), justificável no plano econômico ou em relação aos interesses imediatos de seu proponente, venha, posteriormente, a se revelar nefasto ou catastrófico ao meio ambiente. Ensina BENJAMIN que, no plano teórico, são quatro os principais objetivos do EIA/RIMA: a) prevenção do dano ambiental; b) transparência administrativa quanto aos efeitos ambientais de um determinado projeto; c) consulta aos interessados; e d) decisões administrativas informadas e motivadas. Acrescenta o autor que:

É, em síntese, um instrumento de grande conteúdo democrático, que atinge seus objetivos no instante em que provoca – pela ótica do cidadão – efetiva participação e fiscalização da atividade administrativa.

Se qualquer desses objetivos ficar sem atendimento, o EIA está maculado e se descaracteriza. Não há como se falar em EIA sem espírito preventivo, carente de transparência, sem consulta multidisciplinar e abrangente e em que se deixe de fundamentar a opção administrativa eventualmente eleita.

O exercício de função administrativa pelo Prefeito Municipal ocorre por meio da edição de atos administrativos destinados a executar, cumprir, ou fazer cumprir Leis que regem relações jurídicas qualificadas pela presença do Estado-administração. Contudo, o comando das Leis e normas ambientais de regência, federais e estaduais não foram observados com a assinatura do Termo de Compromisso, ora combatido, que determinou a retirada aplicação de 95% dos recursos da Compensação Ambiental ex ante para a implantação do Parque Estadual Delta do Jacuí, desviando-os para a construção de um Centro de Triagem de Resíduos Sólidos com área de 3.500 m2 , para reciclagem de resíduos sólidos urbanos na rua Frederico Mentz, fora do manancial ecológico das ilhas do Delta do Jacuí. Em última análise, os empreendedores privados da construção civil (todas do Grupo OAS) estariam, indiretamente, substituindo-se em tarefas governamentais e despesas de capital cuja responsabilidade de suportar incumbem às relações administrativas orçamentárias do Gestor Público.

No caso do Termo de Compromisso firmado com a OAS, destinado a dar realização concreta ao conteúdo do EIA/RIMA e cumprir dever jurídico (obrigação ambiental prevista no artigo 36 da Lei 9.985/2000), inarredável, está eivado de ilegalidade, na medida em que permitiu a modificação da destinação da compensação ambiental (CA) e praticou abuso em relação a todos os compromissos que haviam sido assumidos pelo empreendedor perante comunidade em Audiência Pública Ambiental, desgarrando-se do Parecer Técnico da SMAM, da Lei do SNUC, arts. 36, § 3º, 7º, § 1º e 11; do Decreto Federal 4.340/2002, art. 33, inc. I; da Resolução do CONAMA 371, art. 9º, inc. I; da Lei Estadual 12.371/2005, art. 4º e do Decreto Estadual 44.516/2006, arts. 4º e 7º, inc. V, excedendo-se quanto à finalidade normativa prevista no ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional.

Além do Princípio da Legalidade formal e material, outro elemento balizador do Direito Ambiental é o Princípio da Participação Democrática, onde todo cidadão tem o direito pleno de participar da elaboração das políticas públicas ambientais, sendo materializado por meio dos direitos à informação (art. 5º, XXXIII, CF) e à participação, (art. 14, CF), bem como na esfera administrativa é assegurado novamente o direito de informação e de petição (art. 5º, XXXIV, CF), o que está sendo negado à população do Município de Porto Alegre e comunidades tradicionais que habitam as ilhas do Delta do Jacuí, os quais estão destituídos de um sistema de controle social, transparente, público e rigoroso, quanto às deliberações da SMAM, deixando de consultar, pelo menos, o Conselho Deliberativo da Área de Proteção Ambiental do Delta do Jacuí, sobre a modificação do destino dos recursos adiantados a título de Compensação Ambiental (CA).

Os réus também deixaram de observar, ao assinarem o Termo de Compromisso, a necessidade de obtenção de prévia autorização /anuência Órgão Gestor da APAEDJ para construção da Unidade de Triagem da Frederico Mentz. E note-se que o maior esmero nas respostas à Ação Cautelar extinta foi suscitar e decantar as questões de formalidades atinentes ao processo civil individual tradicional. Seria necessário procedimento administrativo junto ao DEFAP/DUC/SEMA para obtenção de “prévia” consulta à instância colegiada do Conselho Deliberativo da APAEDJ, haja vista que esta APA, nos termos do art. 4º da Lei Estadual 12.371/205 e arts. 4º e 7º, VIII, do Decreto Estadual 44.516/2006, é constituída e abrange a Unidade de Proteção Integral do Parque Estadual Delta do Jacuí (o PEDJ nem mesmo tem criado seu Conselho Consultivo), o que demanda invalidação do Termo, também em razão dessa omissão pela SMAM. Conforme estabelece o art. 2º, inciso XVIII, da Lei nº 9.985/00, a zona de amortecimento deve ser entendida como “o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade”. Da mesma forma, dispõe o art. 27 do Decreto Federal n° 99.274/1990, que regulamenta a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, o seguinte: “Nas áreas circundantes das Unidades de Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota ficará subordinada às normas editadas pelo CONAMA”, destacando-se que o Decreto regulamentador não distingue entre categorias de unidades de conservação, sejam do grupo com características específicas das de uso sustentável ou das de proteção integral. O ato normativo que regulamenta a Política Nacional do Meio Ambiente assegura que a faixa de amortecimento ou de entorno das unidades conservacionistas, não importa o grupo a que pertençam, será sempre de 10 km (dez quilômetros). E o artigo 55, parágrafo único, do Código Estadual do Meio Ambiente, Lei Estadual nº 11.520/2000, prevê a obrigatoriedade de autorização prévia do Órgão Gestor da UC em licenciamentos situados nos limites de sua Área Circundante ou Zona de Amortecimento, para obras e atividades consideradas efetivas ou potencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, e que dependam de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis. No caso do Centro de Triagem de Resíduos Sólidos, além de ser atividade que depende de licença ambiental, também causa potencial degradação ao meio ambiente, haja vista a quantidade de rejeitos descartada que deve ser removida das Unidades, não sendo aproveitada como material reciclável ou reutilizável. Na mesma esteira, versa a Portaria SEMA n° 07 de 03.02.2010, alterada pela Portaria SEMA n° 016/2010, que “toda e qualquer solicitação de licenciamento tem que ter anuência/autorização da gestão da Unidade de Conservação”, e que “toda e qualquer atividade a ser realizada nestas Unidades que impliquem a intervenção no ambiente natural ficará condicionada à anuência/autorização da Secretaria do Meio Ambiente, através do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas/Divisão de Unidades de Conservação”.

Vale elucidar, a seu turno, que além da exigência inarredável da anuência/autorização prévia do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas/Divisão de Unidades de Conservação – DEFAP/DUC, essa manifestação também deverá ser precedida da oitiva dos Conselhos Deliberativo ou Consultivo da Unidade de Conservação, para atividades potencialmente causadoras de danos ambientais aos recursos naturais protegidos, nos termos do artigo 15, § 5º, da Lei 9.985/2000, que densifica a forte nota do princípio constitucional da democracia participativa (Princípio 10 da Declaração do Rio), ou seja: “Art. 15 (...); § 5º - A Área de Proteção Ambiental disporá de um Conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes dos órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente, conforme se dispuser no regulamento desta Lei”; exigindo a ouvida prévia do Conselho da UC, mesmo em se tratando de zona de amortecimento, é o que retrata a redação do artigo 20, inciso VIII, do Decreto Federal nº 4.340/2002, a saber: “Art. 20. Compete ao conselho de unidade de conservação: (...); VIII – manifestar-se sobre obra ou atividade potencialmente causadora de impacto na unidade de conservação, em sua zona de amortecimento, mosaicos ou corredores ecológicos”. Em sentido idêntico, a previsão normativa do artigo 26 do mesmo Decreto Federal: “A partir da publicação deste Decreto, novas autorizações para a exploração comercial de produtos, sub-produtos ou serviços em unidade de conservação de domínio público só serão permitidas se previstas no Plano de Manejo, mediante decisão do órgão executor, ouvido o conselho da unidade de conservação” e o artigo 29, logo a seguir, diz: “A autorização para exploração comercial de produto, sub-produto ou serviço de unidade de conservação deve estar fundamentada em estudos de viabilidade econômica e investimentos elaborados pelo órgão executor, ouvido o conselho da unidade”.

Ademais, cumpre ressaltar que o próprio ato normativo que regulamenta, internamente, a atuação do Conselho Deliberativo da APAEDJ (o PEDJ ainda não possui Conselho Consultivo instalado), o Regimento Interno do Conselho Deliberativo da Área de Proteção Ambiental Estadual Delta do Jacuí estatui, no art. 3º, inciso VIII, que compete ao Conselho Deliberativo da APAEDJ manifestar-se em todos os casos onde exista EIA-RIMA e nos casos que gerem impacto na UC, consulte-se: “Art. 3º (...); VIII – Manifestar-se sobre obras ou atividades potencialmente causadora de impacto na unidade de conservação, mosaicos ou corredores ecológicos, quando for o caso e sempre que houver EIA-RIMA”. E o art. 7º, incisos. V e VIII, do Decreto Estadual nº 44.516/2006, que regulamenta a Lei Estadual nº 12.371/2005, estabelece a competência administrativa do Conselho Deliberativo da APABG para avaliar o orçamento da unidade e a situação financeira da Unidade de Conservação e manifestar-se sobre obra ou atividade potencialmente causadora de impacto ambiental na UC ou em sua zona de amortecimento, dispositivos importantes, uma vez que, ao ser expedida a Licença de Instalação do Projeto Arena, automaticamente, passou a gestão da Unidade de Conservação a planejar ações contando com os recursos da Compensação Ambiental.

O Conselho Deliberativo da APA Estadual Delta do Jacuí, por oportuno, manifestou no Ofício nº 06/2012, que instrui a presente ação coletiva, seu inconformismo com a mudança de destinação dos recursos da Compensação Ambiental e com o procedimento que suprimiu o exercício da competência administrativa do órgão florestal estadual do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas – DEFAP, para anuência do empreendimento do Projeto Arena Esportiva. O Colegiado de representação da sociedade impactada postula ao Ministério Público a suspensão da Anuência/Autorização nº 316/09, de 14 de dezembro de 2009, no processo nº 014319-05.67/09-0, porque não respeitados os requisitos e condições estabelecidos pelo Órgão Licenciador para liberação do empreendimento imobiliário na zona de amortecimento do PEDJ. O pleito de suspensão da Anuência/Autorização nº 316/09 possui total fundamento jurídico-administrativo e é dotado de razoabilidade que deverá ser sopesada quando do exame da tutela de urgência no final deduzida.

Cumpre anotar que o fato de ainda não estar instalado o Conselho Consultivo no PEDJ, conforme alegado em contestação pelo Grupo OAS, na Ação Cautelar de Produção Antecipada de Provas extinta (autos do processo embasam o presente pedido), não é motivo bastante para autorizar seja o órgão de participação popular ignorado quanto à tomada de decisões que envolvam o Parque Estadual e não exime o Estado do Rio Grande do Sul de providenciar a regularização e implantação deste Conselho, com a máxima celeridade possível, se necessário, com determinação judicial nesse sentido, tudo sem prejuízo da prévia ouvida do Conselho Deliberativo da APAEDJ, como afirmado antes.

O ato de vontade administrativa do Prefeito Municipal e dos Secretários Municipais que representam a SPM, SMAM, Governança Local, SMGAE, SECOPA e o próprio Procurador-Geral do Município- PGM, sem qualquer obediência a procedimento organizacional administrativo interno, contrariou o interesse público primário ao subverter os benefícios ao PEDJ, sem ouvir o Conselho Deliberativo do APAEDJ, autorizando a substituição da conservação da natureza/biodiversidade (art. 225, § 1º, III) para priorizar a construção de um galpão de reciclagem. O Município de Porto Alegre desbordou da base legal que regulamenta a matéria. O Chefe do Poder Executivo Municipal exerceu atividade discricionária de forma ilegítima e desviante das finalidades legais. Da mesma forma como os servidores agem com excesso ou desvio de poder, o Município também presta proteção insuficiente em seu dever de zelar pelos microbens ecológicos (Princípio da Proibição de Insuficiência), desviando recursos que deveriam ser destinados, basicamente, à preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico (art. 4º da Lei Estadual nº 17.371/2005 e art. 4º, Decreto Estadual nº 44.515/2006). A preservação e conservação de biodiversidade característica do estuário do Delta do Jacuí é mínimo existencial de bem-estar da população a ser garantido para as gerações presentes e futuras – essa a finalidade da criação do Parque Estadual Delta do Jacuí pela Lei Estadual nº 12.371/2005 (Princípio de direito fundamental ambiental-constitucional da Equidade/Solidariedade Intergeracional, art. 225, caput,in fine, CF – Estado Sustentável).

A medida de substituição da destinação dos recursos da compensação ambiental para apoio da Unidade de Conservação do Grupo de Proteção Integral para uma Unidade de Triagem (galpão de reciclagem) foi desviada em sua finalidade originariamente deliberada e debatida em Audiência Pública, analisada em Parecer Técnico do Órgão Licenciador (SMAM). A prestação jurídico-reparatória positiva, prometida quando da elaboração do projeto no EIA/RIMA, não poderia ser desviada sem motivação justificada porque, diante do modelo procedimental ambiental de licenciamento baseado nos conteúdos do EIA/RIMA, convolou-se em impositiva e indisponível obrigação ambiental pública, tratando-se, portanto, de dever jurídico vinculativo da instância administrativa, cuja subversão confronta, direta e frontalmente, o Princípio da Legalidade Ambiental-Constitucional (arts. 5º, inc. II, 37, caput, e 225, caput, e §§, todos, da CF).

A Compensação Ambiental ex ante deveria ser aplicada, exclusivamente, no apoio para implantação e manutenção do PEDJ, valendo lembrar que existem glebas livres, com titulação regular, interesse dos proprietários em alienar e passíveis de serem adquiridas em nome do Poder Público Estadual, a exemplo da propriedade na ilha do Pavão (matrícula nº 167.572, Cartório da 1ª Zona de Porto Alegre), que já foi vistoriada pelo Órgão Gestor do PEDJ e possui protocolo para incorporação nº 005424-05.00/08-2 (fls. 252 a 257, do IC anexado à Ação Cautelar) ou a área no lugar denominado Granja da Volta Grande e Moretinho, zona rural, distrito de Passo Raso (matrícula 6.378, registrada no Cartório de Triunfo), com processo de avaliação de área para regularização fundiária do PEDJ nº 5559-0500/10-1, indicada pelo Órgão Gestor do PEDJ (fls. 369 a 375, do IC que instrui a Ação Cautelar apensa). Existe uma lista de áreas localizadas na região de continente dentro dos limites do PEDJ que aguardam regularização fundiária e poderiam facilmente ser adquiridas por escritura pública para pagamento da Compensação Ambiental prévia (CA) pelos empreendedores, mas estes optaram pela conivência com a ilegalidade (vide fls. 654 a 462, Ação Cautelar, Anexo II, apensa a esta ação). Bastaria a avaliação da Fazenda Estadual e a realização de escritura pública de compra e venda em nome do Estado do Rio Grande do Sul, para incorporação dessas áreas nativas situadas dentro dos limites do Parque, com garantias de conservação significativa da diversidade biológica (art. 225, § 1º, III, CF) e preservando-se vegetação e fauna característica do estuário do Delta do Jacuí (processos ecológicos essenciais, art. 225, § 1º, I, CF).

No MEMO nº 169/2012-DUC, subscrito pela Chefe da Divisão de Unidades de Conservação – DUC, do Departamento de Florestas e Áreas Protegidas – DEFAP (cópia anexa), está bem retratada a posição do Estado do Rio Grande do Sul, que teve sua competência administrativa praticamente usurpada pelos agentes políticos do Município de Porto Alegre, sem contar a desconsideração aos interesses geridos pelos órgãos de gestão florestal vinculados ao ente político estadual, ignorados pelo Termo de Compromisso ora insurgido:

Com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente não fora firmado nenhum termo de compromisso quanto à destinação da medida compensatória para compra de áreas a serem regularizadas no Parque Delta do Jacuí em Ata de reunião no Ministério Público referente ao Inquérito Civil nº 045/2010. Encaminhamos cópia em anexo.

O Conselho Gestor que vem acompanhando as ações no território do Delta do Jacuí é o Conselho da APA Delta do Jacuí, tendo em vista que esta abrange toda a área do Parque, facilitando a amplitude das discussões de gestão.

A destinação que o município está propondo para a medida compensatória de fato não está adequada com o artigo 36 do SNUC, carecendo indicação de Unidade de Conservação de Proteção Integral. (grifamos)

Portanto, não se afirme que a Administração Municipal não dispunha de alternativas fáticas (motivação fática) para o correto cumprimento da finalidade normativa (motivação legal).

Observe-se o que SOLANGE TELES DA SILVA assenta a respeito do princípio conservacionista, reforçando a argumentação aqui sustentada, de que a compensação ambiental ex ante, no caso examinado, somente poderia ser aplicada na conservação da diversidade biológica, com a implantação de unidades de conservação da natureza e não em outro objeto com finalidade diversa, conforme operou abusivamente o Município:

A inserção de deveres ambientais, de mitigação e de compensação, realizada anteriormente ao exercício da atividade, acrescenta os caracteres do princípio da prevenção e precaução à realização de empreendimentos, permite que a conservação do meio ambiente faça parte do processo produtivo e cria para o agente econômico a preocupação em produzir o menor grau de prejuízo ao meio ambiente. Destaca-se, assim, que a importância da integridade do bem protegido e a dificuldade em se estabelecer me