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FUNDEB Avanços na universalização da educação básica

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FUNDEB

Avanços na universalizaçãoda educação básica

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Brasília | Inep | Fevereiro 2006

OrganizaçãoMaria José Rocha Lima

Vital Didonet

FUNDEBFundo de Manutenção e Desenvolvimento da EducaçãoBásica e de Valorização dos Profissionais da Educação

Avanços na universalizaçãoda educação básica

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Coordenadora-Geral de Linha Editorial e PublicaçõesLia Scholze

Coordenadora de Produção EditorialRosa dos Anjos Oliveira

Coordenadora de Programação VisualMárcia Terezinha dos Reis

Editor ExecutivoJair Santana Moraes

RevisãoMarli de Sousa ChagasMiguel Lucena FilhoVital Didonet

Projeto gráfico e diagramaçãoElton Mark

CapaMenino pulando carniçaCândido Portinari

Tiragem1.000 exemplares

EDITORIAInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, 4º Andar, Sala 418CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFones: (61) 2104-8438, (61) 2104-8042Fax: (61) [email protected]

DISTRIBUIÇÃOInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 414CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFone: (61) [email protected]://www.inep.gov.br/pesquisa/publicacoes

A exatidão das informações e os conceitos e opiniões emitidos são de exclusivaresponsabilidade dos autores.

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP)

Fundeb: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e deValorização dos Profissionais da Educação : avanços na universalização da educaçãobásica / Organização Maria José Rocha Lima e Vital Didonet. – Brasília : InstitutoNacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2006.180 p. : il.

1. Financiamento da educação básica – Brasil. 2. Escolarização – Brasil I. Fundo deManutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionaisda Educação (Fundeb). II. Lima, Maria José Rocha. III. Didonet, Vital.

CDU 37.046.12.05(81)

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Agradecimentos

A João Cândido Portinari, que tão gentilmen-te autorizou ilustrarmos a capa com a linda e ex-pressiva pintura de seu pai, Cândido Portinari. Elenos disse que via, no quadro Menino pulandocarniça, um salto para um mundo no qual todasas crianças possam brincar e aprender.

Os Organizadores

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PREFÁCIO -------------------------------------------------- 09Eliezer Pacheco

APRESENTAÇÃO ------------------------------------------ 13Maria José Rocha LimaVital Didonet

PARTE 1 - O que pensam os especialistas

CAPÍTULO 1 ------------------------------------------------ 21Origem dos fundos para a educação: breve histórico

Maria José Rocha Lima

CAPÍTULO 2 ------------------------------------------------ 31A educação infantil na educação básica e o Fundeb

Vital Didonet

CAPÍTULO 3 ------------------------------------------------ 49Financiamento da educação básica: critérios, conceitos e diretrizes

Paulo de Sena Martins

CAPÍTULO 4 ------------------------------------------------ 71Política de fundos na educação: duas posições

Lisete Arelaro, Juca Gil

SUMÁRIO

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CAPÍTULO 5 ---------------------------------------------- 89Requisitos para a construção do Fundeb

José Marcelino de Rezende Pinto

CAPÍTULO 6 ---------------------------------------------- 105Insuficiente, mas necessário!

Luiz Araújo

CAPÍTULO 7 ---------------------------------------------- 117Sobre a viabilidade financeira do Fundeb

João Antônio Cabral Monlevade, Renato Friedmann

CAPÍTULO 8 ---------------------------------------------- 145Do Fundef ao Fundeb: mudança e avanço

Francisco das Chagas Fernandes

PARTE 2 – Anexos

I – Proposta de Emenda Constitucional nº 112/1999 -------- 153II – Proposta de Emenda Constitucional – PEC 415/2005 --- 159III– Exposição de motivos do ministro Tarso Genroà Proposta de Emenda Constitucional – PEC 415/2005 ----- 163IV –Projeto de Lei Complementar nº 40/95 ----------------- 177

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PREFÁCIO

Eliezer Pacheco*

Esta publicação sobre o Fundo de Manutenção e de Desenvolvi-mento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Edu-cação é da maior importância para substanciar o debate sobre a propos-ta mais avançada no rumo da universalização da educação básica.

A obra, organizada pelos professores Maria José Rocha Lima eVital Didonet, constitui-se em valiosos subsídios para professores eespecialistas e todos os que, de uma maneira ou de outra , trabalharãopara que o Fundeb alcance o nobre objetivo de ampliar a escolarizaçãodo povo brasileiro.

É muito interessante que a obra reúna artigos de especialistas deposições políticas diferenciadas, às vezes divergentes, fazendo comque rememoremos os vários momentos da discussão, os dilemas, asmuitas expectativas, até o resultado conquistado com o envio ao Con-gresso Nacional, pelo Ministério da Educação, de uma Proposta deEmenda Constitucional (PEC-415) que cria o Fundo de Manuten-ção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e de valoriza-ção dos profissionais da Educação.

* Secretário da Educação - Profissional e Tecnológica do MEC

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O Fundeb será o instrumento adequado para enfrentarmos o de-safio de cumprir a tarefa gigantesca de assegurar os três níveis daeducação básica com qualidade neste século, tarefa já realizada pelospaíses desenvolvidos nos séculos XIX e XX. Isto porque queremostornar realidade, no Brasil, um projeto nacional de inclusão social, oque só será possível com o acesso de todos os brasileiros à educaçãobásica com um padrão adequado de qualidade.

No que pesem os avanços realizados no ensino fundamental, queatende, hoje, 97% das crianças entre 7 e 14 anos, não podemos con-viver com situações de exclusão educacional como o fato de62.391.980 de jovens e adultos de 15 anos ou mais não terem com-pletado o ensino fundamental e apenas 7.438.315 de crianças serematendidas na Educação Infantil, quando a demanda é de 23.141.413.Portanto, a taxa de atendimento na educação infantil equivale a 32,1%.

Com relação ao ensino médio, a população de 15 a 17 anos é de10.702.499. Destas, 3.563.932 são atendidas, representando 33,3%do total.

Em relação à permanência das crianças e jovens na escola e à apren-dizagem, os desafios ainda são maiores. Os índices de repetência e aqualidade da educação ainda são preocupantes.

Este Fundo representará avanços para a educação brasileira pormuitas razões, entre elas: amplia a escolaridade a partir da educaçãoinfantil, alcançando os jovens do Ensino Médio; age no sentido deuniversalizar a educação básica; rompe com a tradição brasileira deconcorrência entre os entes federativos, alcançando todos os municí-pios, estados e DF, criando condições para fortalecer um Sistema Na-cional de Educação; efetiva uma política de valorização do magistérioe corrige uma distorção histórica, que é o não-atendimento da educa-ção de jovens e adultos no âmbito do Fundo de Manutenção e De-senvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magitério(Fundef ).

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A criação do Fundeb representará uma verdadeira Reforma de Basepara a Educação. Será um grande pacto com os estados, municípios ecom o Distrito Federal, buscando a superação desse atraso histórico,que é a exclusão de amplas parcelas da população do acesso à educação.

A aplicação de R$ 4,3 bilhões no Fundeb, nos próximos quatroanos, possibilitará a ampliação da escolaridade do brasileiro, atenden-do às crianças na educação infantil; aos jovens no ensino médio egarantindo a universalização do ensino fundamental ao incluir mi-lhões de jovens e adultos que não concluíram esse nível de ensino.

Como o Fundeb prevê mais investimentos, fixação de custo-aluno,melhoria salarial e melhor formação dos professores, acredito estarmosdando mais um passo para o avanço de qualidade na educação.

O Fundeb poderá concretizar o sonho de acesso à educação dequalidade para todos os brasileiros.

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Maria José Rocha LimaVital Didonet

Esta é a primeira publicação sobre o Fundo de Manutenção e De-senvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Ela é extremamenteoportuna, em vista do crescente interesse despertado na discussãodessa proposta de criação de um novo modelo de financiamento daeducação nos níveis infantil, fundamental e médio.

A reunião de análises de especialistas, parlamentares, administra-dores de sistemas de ensino e militantes cria a possibilidade de umarara interlocução numa mesma obra.

O primeiro capítulo faz uma revelação surpreendente para alguns:a idéia de fundo para a educação é bem antiga. Anísio Teixeira a for-mulou nos idos de 1947, e, mais incisivamente, em 1961. O resgatede sua proposta é um dever histórico.

Na seqüência, são apresentadas análises, críticas, sugestões, aler-tas e recomendações de estudiosos do ambiente acadêmico e dirigen-tes dos sistemas de ensino.

A segunda parte contém a PEC 112/1999 e a 415/2005. Inclui,também, o Projeto de Lei Complementar nº 40/95, apresentado jáem 1995, pela então deputada estadual Maria José Rocha, na As-sembléia Legislativa da Bahia. A sua precedência sobre as iniciativas

APRESENTAÇÃO

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de proposição de fundos para a educação o credencia a fazer parte doregistro dessa trajetória de propostas de fundos para a educação.

Os textos foram escritos em diferentes momentos do debate sobreo Fundeb. Alguns autores comentam questões que acabaram sofren-do modificações ao longo desse processo, como é o caso da exclusãoou inclusão das crianças de creches no financiamento da educaçãobásica; do percentual de recursos de manutenção e desenvolvimento do ensi-no (MDE) alocados no Fundeb (a totalidade determinada pelo art.212 da Constituição Federal ou um percentual do percentual, comoestá na Proposta atual do Governo); da destinação de 80% dos recur-sos do Fundo para o pagamento dos trabalhadores em educação, por-tanto envolvendo professores, dirigentes, especialistas e auxiliares, ou60% para pagamento dos professores, como é atualmente no Fundef;da hipótese de três fundos, um para cada etapa da educação básica ouum fundo único para sua totalidade; do estabelecimento de prazo de-finido para a vigência do fundo, como tem o Fundef, situando-se nasdisposições constitucionais transitórias ou sua criação por tempoindeterminado, entrando no corpo da Constituição.

Essa característica do livro lhe dá o vigor da atualidade - registra osdiversos momentos de um processo que vem amadurecendo e emque nenhuma alternativa está, ainda, descartada. É possível que o ca-lor dos debates faça ressurgir idéias e argumentos com força de ocu-par novamente o espaço. Isso não significa retrocesso, mas possibili-dade de produzir o melhor modelo de financiamento da educaçãobásica.

A primeira Proposta de Emenda Constitucional que institui oFundeb (PEC nº 112/1999) e a Proposta de iniciativa do Poder Exe-cutivo foram incluídas neste livro para que o leitor pudesse confrontá-las com suas próprias concepções e com a dos autores que aqui regis-tram suas análises e opiniões. Com referência à PEC do governo, éimportante que a versão atual, que expressa os acordos ou o resultadodos debates e negociações desenvolvidos em 2004, esteja à mão doleitor. Por não ter sido, ainda, encaminhada ao Congresso Nacional,

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está sujeita a modificações no âmbito do Poder Executivo. E se alinão sofrer mais alterações, possivelmente naquela Casa Legislativavai receber emendas, uma vez que todos os Partidos políticos têmsuas concepções de como o problema do financiamento da educaçãobásica deva ser equacionado no sistema federativo.

É certo que cada Partido poderá usar sua força de argumentação nadefesa de suas concepções teóricas ou práticas sobre essa questão, maso que certamente predominará é a percepção de quanto e como o mo-delo de financiamento proposto "beneficiará" ou "prejudicará" os dife-rentes entes federados e que repercussão ele terá sobre o caixa da edu-cação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

No Congresso Nacional, também, os vários grupos e organiza-ções da sociedade têm espaço - ou se empenham em consegui-lo -para expressar e pressionar em defesa de seus pontos de vista e expec-tativas. Esses grupos e organizações estarão menos preocupados como "caixa" dos diferentes entes federados e mais com o impacto daEmenda Constitucional sobre os diferentes níveis e modalidades deeducação no que diz respeito à possibilidade de universalização doatendimento e à melhoria da qualidade, que o Fundeb deverá ensejar.

Mais do que a força de pressão sustentada pelo poder econômicodos diferentes atores, deve prevalecer a coerência com os princípios edeterminações da Constituição Federal, especialmente das responsabi-lidades e competências quanto à educação em geral e em cada nível deensino, da autonomia dos entes federados e do regime de colaboraçãoentre eles.

Trata-se de um modelo de financiamento que altera profundamen-te a sistemática atual, talvez não na profundidade que Luiz Araújo gos-taria (cap. 6), nem envolva decisões sobre questões que deveriam ante-ceder a discussão sobre o(s) Fundo(s), tais como ensino obrigatório,isonomia, valor mínimo, equilíbrio federativo, como Paulo Sena sugere(cap. 3), mas vale a pena perguntar-se se esse modelo ficaria no nívelformal e externo de uma nova "engenharia de financiamento" ou esta-beleceria novos compromissos e novas possibilidades de implementar

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uma concepção de educação básica, da educação infantil ao ensinomédio, para todos com a qualidade requerida hoje*. Iara Bernardi en-contra uma fórmula intermediária, talvez mediadora, dessas diferentesexpectativas: o Fundeb não é um plano pedagógico nem um simplesplano administrativo ou contábil, mas um plano de descentralizaçãodas responsabilidades para com a educação básica para todos. Numponto, todos os autores estão de acordo: trata-se de construir um novomodelo de financiamento de qualidade da educação básica para todosnum sistema federativo, formado por entes autônomos, com recursospróprios e recursos partilhados.

Vale, também, rever os argumentos que antecedem a discussãosobre a forma de dispor o(s) fundo(s): a própria idéia de fundo derecursos para financiar a educação. Lisete Arelaro e Juca Gil (cap. 4)aduzem argumentos, respectivamente, sobre o risco dos fundos e suaimportância como instrumento organizador do financiamento daeducação.

A existência, nesta coletânea, de diferentes visões e entendimen-tos sobre a mesma questão favorece a reflexão e a tomada de posi-ções, induzindo a que mais pessoas e instituições se envolvam e fa-çam parte da decisão do "formato" final. Esse debate é frutífero tantoporque força a análise cuidadosa da matéria, quanto porque estimulaà participação e, conseqüentemente, encaminha ao compromisso. Esseé o objetivo desta publicação.

Finalmente, cabe anotar que grande parte das discussões levanta-das neste livro se refere a questões que não figuram na Emenda Cons-titucional. Elas serão resolvidas na regulamentação desta. É oportu-no, no entanto, estarem aqui suscitando reflexões e decisões, pois aemenda que for promulgada terá que receber imediato desdobramen-to prático, por meio de regulamento. Em última análise, trata-se deum mesmo bloco de idéias e proposições em dois níveis: constitucio-nal e infra-constitucional. Ao se definir os dispositivos no texto da

* cap. 2, de Vital Didonet e cap. 8, de Francisco das Chagas Fernandes. Maria José Rocha Lima (cap.1)

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Constituição, já se deverá ter bastante claro o que eles implicarão ecomo se desdobrarão na gestão dos recursos, no ano seguinte à suapromulgação. E a obrigação, agora, é não incorrer nos erros relativosao Fundef, mas acertar, uma vez que temos a experiência acumuladana sua implementação e o envolvimento de um número maior depessoas na formulação do Fundeb, por mais tempo.

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PARTE 1O que pensam os especialistas

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Maria José Rocha Lima*

Falar sobre a criação do Fundo para a Manutenção e Desenvolvi-mento da Educação Básica (Fundeb) significa reconstruir a trajetóriada luta em defesa da escola pública, laica, gratuita e de qualidade noBrasil. Os Fundos para a educação se inscrevem entre as formulaçõesmais relevantes do Manifesto dos Pioneiros da Educação, de 1932,(1)

particularmente do educador Anísio Teixeira. Em 1930, Menotti Del Pichia, em artigo publicado no Jornal da

Manhã, afirmava que um grupo de professores dos mais ilustres dopaís acabara de elaborar um documento de cardeal importância para areorganização da nossa nacionalidade, sugerindo uma reconstrução

CAPÍTULO 1

ORIGEM DOS FUNDOS PARA

A EDUCAÇÃO: BREVE HISTÓRICO

* Mestre em Educação, deputada estadual (PT/BA) de 1991a 1998 Secretária–Substituta SETEC MEC1 O Manifesto dos Pioneiros foi redigido por Fernando de Azevedo e assinado por: Afrânio Peixoto, Sampaio Dória, Anísio

S. Teixeira, Lourenço Filho, Roquete Pinto, Frota Pessoa, Júlio Mesquita Filho, Raul Briquet, Mario Casassanta, Delgadode Carvalho, Almeida Junior, Roldão Lopes de Barros, Noemy M. da Silveira , Hermes Lima, Attilio Vivacqua, EdgarSussekind,Francisco Venâncio Filho, Paulo Maranhão, Cecília Meireles, Álvaro Alberto, Garcia Rezende, Nóbrega daCunha, Paschoal Leme e Raul Gomes.

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educacional. O artista dizia que a educação se ressentia da ausênciade um mecanismo articulado dentro de um plano global que atingis-se as várias “etapas instrucionais”, reclamando que o estudo em etapasdesarticuladas dava como resultado uma formação artificial e não um“thesouro nacional de cultura”. E prosseguia comentando que, pelaprimeira vez, um dos nossos problemas cardeais seria visto, não por umângulo restricto, mas pelo seu único e justo ponto de perspectiva: deconjunto. Para ele, “os nossos males resultam da falta de enquadramentodas soluções apontadas a um problema num plano geral, uma vez queos problemas de uma nacionalidade têm todos uma íntima conexão,uma fatal interdependência. Resolvê-los por aspecto lateral é, o maisdas vezes , deformar ainda mais o conjunto”. (2)

E vaticinava que a publicação do Manifesto dos Pioneiros assinala-va “um dia novo no nosso calendário feito de tantas decepções”. Maisde setenta anos se passaram e constatamos que as elaborações maisdecisivas da educação brasileira se inspiraram e continuam se inspi-rando no Manifesto dos Pioneiros, nas idéias de Anísio Teixeira.

É no Manifesto, de bandeiras de conteúdo liberal, pautado pela defesada escola pública, obrigatória, laica e gratuita e pelos princípiospedagógicos renovados, inspirados nas teorias de Dewey e Kilpatrickque vamos encontrar as idéias mais fecundas para a educação do Brasilcontemporâneo.

O documento de 1932 deu origem a todas as leis mais fundamen-tais da educação nacional, nos últimos setenta anos: os capítulos so-bre educação nas Constituições de 1934, 1946 e de 1988; as Leis deDiretrizes e Bases da Educação Nacional: a Lei 4.024/61 e a Lei9.394/96; o Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento do Ensi-no Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef ); criado pelaLei 9.424/96; o Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pelaLei 10.172/2001 e atualmente nos inspira na elaboração do Fundode Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

2 Menotti Del Picchia, Folha da Manhã de São Paulo, 23 de março de 1930.

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Na Constituição de 1934, o que tem de inovador vem desseseducadores; na Constituição de 1946: a instituição da autonomiada educação nos estados e as percentagens instituídas para a educa-ção nacional, para a União, os Estados e os Municípios tiveram amão dos pioneiros; em 1988, mereceram destaques, durante asdiscussões da Assembléia Nacional Constituinte, as teses defendidaspor Anísio Teixeira: a gratuidade do ensino, como princípioigualitário que torna a educação, em qualquer dos seus graus, acessívelnão a uma minoria, por um privilégio econômico, mas a todos oscidadãos que tenham vontade e estejam em condição de recebê-la;a articulação entre educação e trabalho; a constituição de fundospara a instrução pública; a defesa da formação de nível superiorpara os professores, para acentuar-lhes o espírito de formaçãocientífica; a extensão do tempo da escola primária, o aumento donúmero de dias do ano letivo; as discussões acerca do sistemanacional de educação, entre outras.

Além do manifesto ser uma matriz para as leis de diretrizes e basesda educação nacional, são marcantes as influências das idéias deAnísio e demais pioneiros na elaboração dessas leis, tanto na de nº4.024, de 1961, que Anísio proclamou como uma meia vitória dosdefensores da escola pública, como na Lei 9.394, de 1996.

Sobre essa última, em 1992, o deputado Jorge Hage, seu relator,comentou que o impressionava a atualidade e contemporaneidadedas idéias de Anísio, retomadas durante a elaboração da lei, e que opreocupava à frente do nosso tempo.

Também Florestan Fernandes destacou em Anísio, a permanên-cia do educador mais do que seu conteúdo teórico e suas realizações.Para ele, Anísio é educador militante. É o educador que compreendeuque a mudança na área de educação não é mera retórica, é ação etransformação social. Para Florestan, Anísio compreendeu que arevolução no Brasil tinha de ser, principalmente, uma revolução daeducação.

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Acerca da defesa dos recursos para aeducação e a constituição dos fundos

No Manifesto de 1932, estava inscrito que a autonomia econômicada educação não se realizaria “a não ser pela instituição de um fundoespecial ou escolar que constituído de patrimônios, impostos e rendaspróprias, fosse administrado e aplicado exclusivamente no desenvol-vimento da obra educacional, pelos órgãos de ensino, incumbidos desua direção”.

Para Anísio, esses fundos deveriam ficar não só ao abrigo das con-tingências orçamentárias normais, como também deveriam permitiracréscimos sucessivos, independentemente das oscilações de critériopolítico de nossos administradores.

Em 1947, na Assembléia Legislativa da Bahia, Anísio continuavadefendendo a criação de Fundos para a educação. Já em 1961, lem-brava aos brasileiros a grandeza da tarefa educacional que tínhamospela frente, sublinhando que na evolução da educação entre os paísesdesenvolvidos podiam-se perceber, claramente, três períodos: séculoXIX – ensino primário para todos; século XX – a partir da I GuerraMundial, ensino secundário para todos; século XX, a partir da II GuerraMundial, ensino universitário em alta expansão.

Cada um desses períodos correspondia à reestruturação da educa-ção: Século XIX – educação prática e universal, primária e seletiva etécnica para poucos; século XX – a partir de 1914, educação universale prática secundária para todos; século XX – a partir de 1945,reestruturação e expansão do ensino superior, pelo reconhecimentode interdependência entre ciências e sociedade e educação comosupremo instrumento. E Anísio prosseguia afirmando que o Brasilteria de realizá-las “nestas próximas décadas do século XX”.

Estamos no século XXI e não realizamos a tarefa de universalizaro ensino fundamental. No que pesem os seus esforços em defesa doFundo para a Educação, quando da apresentação do relatório do Plano

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Nacional ao Conselho Federal em 1961, somente 35 anos depois foicriado o Fundo de Manutenção e de Desenvolvimento do EnsinoFundamental e de Valorização do Magistério(Fundef ).

Anísio detalha as idéias do Fundo para a Educação

O fundo proposto em 1932, discutido na Bahia em 1947, édetalhado em 1961.

No relatório sobre o PNE, em 1961, o educador afirma que asidéias de Fundo e Plano, adotadas pela Lei de Diretrizes e Bases,“apontam em considerar especiais os serviços públicos de ensino e,deste modo, sujeitos a tratamento diverso daqueles que recebem osserviços públicos normais”.

Ali, Anísio, com muita sutileza, advertia as autoridades no sentidode que adotassem para a educação um plano especial como fora oplano rodoviário do País, insistindo para que a educação passasse amerecer tratamento diferenciado entre as diversas políticas.

E falava da oportunidade que o Fundo oferecia, indicando a formapela qual os três governos poderiam coordenar os seus esforços para aconsecução dos objetivos previstos na Constituição e na Lei deDiretrizes e Bases.

Para Anísio, o Fundo seria criado visando à especificação das ver-bas que devem ser incluídas no Orçamento Geral do Estado, de suasdespesas, no sentido de assegurar o rigor e a perfeita fiscalização des-ta aplicação e a inviolabilidade desses recursos de exclusiva destinaçãoà obra da educação.

Os argumentos fundamentais e conclusões do educador acerca darelação entre educação e democracia, particularmente sobre a pro-posta de Fundo, podem ser extraídos dos textos publicados na obraEducação é um Direito, em 1996, ele argumentava que a formademocrática implica um desenvolvimento social e político, que tempor base a educabilidade humana, que as relações entre o Estado

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Democrático e a Educação são intrínsecas, no sentido de que a edu-cação é condição sine qua non da existência do Estado Democrático eque o direito à educação passou a ser um dos direitos constitucionaisdo cidadão brasileiro; para a efetivação desse direito, de natureza cons-titucional, o Estado assume plena responsabilidade, nos termos dedispositivos expressos na Constituição; essa responsabilidade, emvirtude do caráter federativo do Estado, é solidária, obrigandosimultânea e completamente as três ordens de Poder Público: a União,os Estados e os Municípios; tal obrigação solidária, a ser exercidaconjuntamente e de modo mutuamente complementar, torna indis-pensável um mínimo de ação coordenada e uniforme em que, acimade tudo, se fixem as responsabilidades de financiamento e do esforçocomum de educação de todos os brasileiros.

Sobre a constituição de fundos, Anísio elaborou, detalhadamente,uma proposta, que, como podemos verificar, serviu de base para aelaboração do Fundef, 35 anos depois. Com a criação do Fundo, Aní-sio visava à aplicação dos recursos mínimos constitucionais e à defi-nição da escolaridade mínima obrigatória, sem se descuidar da garan-tia da gestão colegiada, como vemos a seguir:

Os recursos mínimos, previstos na Constituição, para tais ser-viços, passariam a ser considerados Fundos de Educação a seremadministrados pelos Conselhos; nesse empreendimento comum, omínimo obrigatório de educação a ser oferecido a todos os brasileiros- ou seja, a escola primária - constituiria dever prioritário, não sepodendo dos recursos educacionais previstos como mínimos pela Cons-tituição despender, para a extensão dos serviços educativos acimada escola primária compulsória, senão o que venha a sobrar daque-les recursos, depois de atendida a obrigação fundamental da escolaprimária.

Vejamos como Anísio pensou a composição do Fundo:

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Os planos de financiamento obedecerão às seguintes normas: osorçamentos serão baseados no custo individual do aluno; esse custoserá calculado pela forma prevista de salário do professor (70%), dedespesas materiais de manutenção e administração (20%) e de despe-sas do prédio e sua conservação (10%); e os 10% desse custo doaluno (municipal e estadual), junto com os 10% do auxílio federal,constituirão o fundo para empréstimos, tornando possível a negoci-ação dos mesmos em bases nacionais e internacionais.

Ainda sobre a distribuição dos recursos, ele sugeriu:

Para cumprimento dessa obrigação, o município despenderia ototal de seus recursos mínimos para a educação, isto é, 20% de suareceita tributária, salvo quando se tratasse de município tão ricoque essa percentagem excedesse as necessidades do ensino primário;os Estados despenderiam, no ensino primário propriamente dito,no mínimo 14% de sua receita tributária, reservando 6% para osseus outros deveres indiretamente relacionadas com a educação po-pular e primária; e a União despenderia de sua percentagem de10% da receita tributária quanto fosse necessário para completar oorçamento da educação primária para todos os brasileiros.

Quanto ao padrão, ele propôs que o custo dessa educação fossefixado na base do salário mínimo regional, mediante a fórmulaapresentada no texto, ou outra equivalente, constituindo este o custo-padrão do ensino primário, para efeito do cálculo das respectivas quotasmunicipais, estaduais e federal; para esse “custo-padrão” contribuiriamcom efeito, as três quotas: a municipal, correspondente ao resultadoda divisão dos 20% da sua receita tributária pelas crianças escolarizáveis,em virtude da obrigatoriedade escolar; a estadual, correspondente aoresultado da divisão de 14% de sua receita tributária por esse mesmonúmero de crianças; e a da União, correspondente ao que faltasse

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para complementar o total do custo-padrão do aluno–ano, no serviçocomum do ensino.

Ressaltava que os planos relativos ao Fundo de Educação deveriamconsistir em assistência técnica e instituições supletivas, ou seja, osistema federal de ensino. E destacava que o ideal seria que o brasileiro,independente do estado ou município em que vivesse, tivesse educaçãosubstancialmente equivalente a de todos os outros, com professoresigualmente competentes e igualmente pagos e as demais despesas econdições de escola apreciavelmente idênticas.

O educador conclui o documento, afirmando que daquele modo“o sistema parecia corresponder às verdadeiras condições federativasdo Estado Brasileiro e deveria proporcionar um clima de formação doespírito profissional na condução do maior serviço público de umademocracia: a educação.”

A criação do Fundef

Inspirados em Anísio, desde o final da década de 80, militantes doMovimento de Professores concorreram para a criação da FundaçãoAnísio Teixeira, do Movimento Anísio Teixeira, na Bahia, e para o resgatedas propostas de Anísio na Constituinte, no Fórum Nacional em Defesada Escola Pública e particularmente nas Comissões de Trabalho naConfederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).Assim, propuseram a criação de fundo para a educação, o financiamentoda educação a partir do cálculo do custo-aluno. Em 1994, comoDeputada Estadual da Bahia, apresentamos a proposta de criação deum Fundo Estadual de Educação, assessorada pelo saudoso reitor daUniversidade Federal da Bahia, Professor Felipe Serpa.

No governo Itamar Franco, estudos foram realizados no FórumPermanente pela Valorização do Magistério e elaboradas planilhas queapontavam para uma política de financiamento da educação a partir docálculo do custo–aluno e da fixação de piso nacional para o magistério.

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No governo FHC, foi sancionada a Lei 9.424/96, que cria o Fun-do de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e deValorização do Magistério, elaborado, praticamente, a partir de umamatriz que reproduzia parcialmente a proposta de fundo apresentadapor Anísio Teixeira em 1932, reapresentado em 1947, na AssembléiaLegislativa da Bahia e ao Conselho Federal de Educação, no relatórioao Plano Nacional de Educação, em 1961. Mas, diferentemente doFundef, criado no Governo Fernando Henrique Cardoso, o Fundoproposto por Anísio Teixeira deveria reunir todos os recursos destinadosà educação e não apenas uma parcela. E enquanto aquele tem carátertransitório, este seria permanente.

A criação do Fundeb

Em 1932, os Pioneiros propunham :

... o ensino obrigatório deveria estender-se progressivamente atéuma idade conciliável com o trabalho produtor, isto é, até aos 18anos, porque a obrigatoriedade do ensino é mais necessária aindana sociedade moderna em que o industrialismo e o desejo daexploração humana sacrificam e violentam a criança e o jovem, cujaformação é freqüentemente impedida ou mutilada pela ignorânciados pais ou responsáveis e pelas contingências econômicas.

Em 1999, os parlamentares do Núcleo de Educação, Cultura eDesporto do Partido dos Trabalhadores no Congresso Nacionalapresentaram uma Proposta de Emenda Constitucional – a PEC 112/1999, visando ao resgate das propostas de universalização eintegralidade da educação básica de qualidade para todos.

A Proposta de Emenda Constitucional ganhou o apoio de setoresimportantes da educação. Ela representava o enfrentamento de pro-blemas cruciais do Fundef, como o veto à educação de jovens e adultos,

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no âmbito do Fundef, o desestímulo em relação à educação infantil eà falta de recursos para o atendimento aos jovens no ensino médio.

Durante a elaboração do Programa de Governo Lula, essa foi umadas discussões que ganharam relevância no Partido, tendo sidoincorporada ao Programa Por uma Escola do Tamanho do Brasil.

Enfim, o desafio é garantir a educação básica para todos osbrasileiros e as brasileiras. E isto representa a batalha que é colocar naescola de qualidade todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos,desde a educação infantil, o ensino fundamental, ao ensino médio.

Setenta e dois anos após o lançamento do Manifesto dos Pioneiros,como afirmou Antonio Houaiss, somos devedores a Anísio Teixeirade que o seu ideal está inteiramente por ser cumprido ainda. Ele pos-tulou um ensino de qualidade que fosse extensivo a todos os brasileiros.

Paguemos a nossa dívida a Anísio, construindo o Fundeb para que ademocracia efetive o seu supremo dever e o Estado cumpra a sua supremafunção que é a educação.

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CAPÍTULO 2

A EDUCAÇÃO INFANTIL NA

EDUCAÇÃO BÁSICA E O FUNDEB

Vital Didonet *

A educação infantil está tendo uma oportunidade histórica: apossibilidade de tornar-se, na prática, integrante da educação básica.Legalmente, ela já o é desde 1996. A LDB a define como primeiraetapa da educação básica. Mas essa concepção ainda está longe demoldar um processo educacional seqüenciado e integrado do nasci-mento até os 17 anos. O que temos, efetivamente, são três diferentessegmentos, senão quatro: a educação infantil, com uma divisória ain-da bastante marcada entre a creche e a pré-escola, o ensino funda-mental e o ensino médio. Dos três, o fundamental é o rei. O médio, opríncipe. E a educação infantil, o vassalo.

A legislação contribui, em parte, para essa segmentação e essa hierar-quia, pois define o ensino fundamental como obrigatório e gratuito, edireito público subjetivo. O médio, como progressivamente obrigatório.

* Professor; consultor legislativo da Câmara dos Deputados, aposentado; especialista em educação infantil.

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E a educação infantil, apenas como direito da criança e da família. Emdecorrência, a educação básica é vista como tendo um núcleo prioritário,antecedido por uma fase ancilar ou preparatória, e seguido por outra,conclusiva ou propedêutica da universidade. Figurativamente, é comose a educação básica seguisse uma Curva de Gauss, seccionada em trêsmomentos. A educação infantil marca os primeiros passos, o ensinofundamental ocupa o topo da curva e o ensino médio faz a parte des-cendente, representando o término do estudo ou a preparação para ou-tra etapa, que são os estudos superiores.

Essa estrutura se deve a circunstâncias históricas, que hoje nãoexistem mais. Até o final do século XIX aprender a ler, escrever econtar e quatro anos de estudo eram suficientes para a maioria daspessoas participar da vida social e econômica, com possibilidades devivência da cidadania. Instituiu-se, assim, o ensino primário, comodireito universal e obrigatório. Em meados do século XX, percebeu-se que seriam necessários oito anos de escolaridade e a Lei 5.692, em1971, incluiu os quatro anos de ginásio na obrigatoriedade,renomeando os dois blocos (primário e ginásio) de ensino fundamen-tal. O ensino médio era raro, tanto na oferta quanto na procura e nãoconstituía uma condição essencial para o trabalho e a compreensãoda complexidade do mundo da época. E a educação infantil era en-tendida pelo poder público como necessidade restrita às famílias cujamãe trabalhava fora de casa (5). O período inicial da vida fora objetode estudo de algumas ciências, mas pouco se sabia sobre a formaçãoda inteligência nos primeiros anos de vida. Desconhecia-se a supre-macia do período infantil na formação das estruturas cognitivas, soci-ais e afetivas. À família era atribuída a função de cuidar, educar e soci-alizar a criança até, pelo menos, seu ingresso na escola obrigatória.Caminhando para o final do século, esse ensino e só ele foi declarado

5 Em 1942, a CLT determinou que as empresas em que trabalhassem trinta ou mais mulheres deviam manter um lugar “paraa guarda” das crianças no período da amamentação e a mulher tinha direto a dois períodos de interrupção do trabalho, devinte minutos, para amamentar seus filhos.

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direito público subjetivo. O ensino médio ganhou força como pro-gressivamente obrigatório, mas ainda sem a importância conferidaaos oito anos do fundamental.

A lentidão das mudanças das estruturas sociais contrasta com aevolução do conhecimento e das necessidades da sociedade. O siste-ma de ensino ainda mantém a organização da educação própria daprimeira metade do século passado. As sinalizações que a Constitui-ção Brasileira faz, o avanço conceitual e as indicações legais presen-tes na LDB na direção da Educação Básica são luzes para orientar asnecessárias mudanças da educação. A proposta do Fundo de Manu-tenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) caminhanessa direção.

Por que é necessário mudar aestrutura de financiamento do ensino?

Se o ensino fundamental é o único obrigatório, tanto para a crian-ça quanto para o Estado, a prioridade política, o investimento técni-co, os recursos financeiros e as maiores cobranças de resultados sevoltam para ele.

A construção do Fundef comprova esse entendimento. Sessentapor cento dos recursos públicos vinculados à manutenção e desen-volvimento do ensino foram apropriados, por emenda constitucional,a esse nível de ensino. Desenhou-se e se implantou um modelo definanciamento próprio, com regras claras e rígidas, que assegurassemnão só a prioridade legal, mas também a prevalência e a permanênciade um núcleo privilegiado. O conceito de educação básica, portanto,não esteve presente na formulação do Fundef. Tampouco este contri-buiu para a implementação dessa nova concepção de educação, quepassou a ser necessária para todos, no mundo moderno.

É difícil, portanto, implementar a educação básica mantendo essaforma de ver o processo educacional da criança e do adolescente. Todos

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os elogios e reconhecimentos creditados ao Fundef – transparência naaplicação dos recursos, prioridade efetiva da etapa obrigatória do ensi-no, elevação do salário de grande parte dos professores, avanço rumo àuniversalização – são expressos com os olhos voltados apenas para aeducação entre 7 e 14 anos de idade, ou 6 a 15. O que passou a aconte-cer com os dez por cento dos recursos vinculados à manutenção e desenvol-vimento do ensino (MDE), no Município e no Estado, não foi objeto deanálise. Dizia-se que deveriam ser aplicados prioritariamente, peloMunicípio, na educação infantil e, pelo Estado, no ensino médio. Noprocesso legislativo do Plano Nacional de Educação houve uma reda-ção preliminar do capítulo de educação infantil que determinava a apli-cação daqueles dez por cento por parte do Município na educação in-fantil. Importantes órgãos normativos e administrativos do sistema deensino pediram para acrescentar o advérbio “prioritariamente”. Por que?A resposta parece óbvia: para que não fosse obrigatória e, portanto,pudesse ser usada em outros níveis, inclusive no ensino fundamental.

A compreensão do conceito de educação básica, que vem sendoconstruído desde a Constituinte (1987/1988), que se formalizou noprojeto de lei de diretrizes e bases da educação nacional, na década de80 e foi consagrado em lei em meados da década de 90, pressupõe (a) oreconhecimento de que a educação é direito de todos e (b) que cadamomento do processo educacional da pessoa tem significado, conteú-do e finalidade próprios e, simultaneamente, um sentido de seqüência,de continuidade e, por isso, também de sustentação do seguinte.

Exploremos o alcance desses dois supostos.O reconhecimento de que a educação é um direito de todos decorre

do entendimento de que a pessoa não nasce pronta, que sua personali-dade resulta de um processo de personificação, que as estruturasconstitutivas do ser humano se constroem ao longo da vida, ou seja, apessoa se constitui pessoa, ser social, cidadão, a partir do nascimento nainteração social, bem como com a apropriação da cultura, a participa-ção ativa e a busca do conhecimento, no esforço de dominar os desafi-os do meio físico e social. Pode-se dizer que, ao nascermos, não temos

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uma personalidade mas, que nos personalizamos pelo fato de existir-mos em relação com as demais pessoas e a cultura. A educação é oconjunto dos processos que fazem alguém se tornar pessoa, conquistara cidadania, formar-se homem ou mulher. A natureza lhe dá equipa-mentos básicos, genéticos, biológicos, tendências, ou seja, constitui a“vocação”, o chamamento para constituir a humanidade em si, e a edu-cação é o diálogo construtivo entre essa pessoa e as demais que a aco-lhem, protegem, ajudam, ensinam, provocam. Trata-se, portanto, de umarelação dialógica de construção da pessoa.

Ora, sem educação a pessoa não se realiza como ser humano, nãoresponde a sua vocação, não corresponde à expectativa da humanida-de em relação a si mesma. Portanto, também não contribui com oprogresso da sociedade, em conhecimento, em trabalho ou em in-venção. Privar alguém de educação é privá-lo de seu projeto de vida,de sua vocação humana, de seu destino histórico. É tirar-lhe a histó-ria. Excluí-lo da marcha evolutiva da humanidade.

Por essa razão, o direito à educação não pode começar aos 7 anos deidade e nem terminar na 8ª série do ensino fundamental. Pois antes edepois deste período existe uma trajetória a ser feita. Uma personalida-de a ser formada. Uma inteligência a ser edificada. Um conhecimentoa ser reconstruído. Valores a serem entendidos, apropriados e vivenciadoscomo elementos personificadores. Esse mesmo entendimento diz por-que a educação de jovens e adultos é um direito tão sagrado; porque oanalfabetismo é uma “des-humanidade” além de uma injustiça; porqueum tempo mínimo de educação é necessário para a pessoa. Que tempoé esse? A partir de 1996, com a LDB, passou a ser a educação básica, ouseja, do nascimento ao término do ensino médio.

A educação infantil na educação básica

Pode-se encontrar, ainda, resquícios do argumento, mas cada vezmais raros, de que até os 6 ou 7 anos, a responsabilidade pela educa-ção é da família e que o Estado não pode substitui-la num processo

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educacional em que predominam os laços afetivos sobre os conheci-mentos; a transmissão assistemática e lúdica de informações, orienta-ções e normas sobre o estudo formal de conteúdos de aprendizagem.Seria um respeito à criança pequena e à sua forma de desenvolver-se eaprender, mantê-la no abrigo doméstico, preservando-a da formalidadeda instituição escolar, que trata a pessoa como aluno, sujeito de apren-dizagem, responsável pela aquisição de conteúdos de conhecimento...

A família é a primeira e mais importante instituição de cuidado eeducação da criança pequena. Mas o Estado e a sociedade não po-dem deixá-la sozinha nessa função, seja porque a própria família se vêlimitada no cumprimento de sua tarefa educacional (o trabalho é arazão mais evidente, mas há outras), seja porque a aprendizagem e odesenvolvimento na infância já constituem um campo específico dasciências da educação, existindo uma pedagogia para essa idade, comprofissionais especializados. Família e Estado formam uma dupla nessatarefa, agindo complementarmente. Assim está definido pela Confe-rência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien, no ano 1990:“A aprendizagem começa com o nascimento. Isso implica cuidadosbásicos e educação inicial na infância, proporcionados por estratégiasque envolvam as famílias e comunidades, ou por programasinstitucionais, como for mais apropriado”.

E pela LDB:

“A educação infantil, primeira etapa da educação básica, temcomo finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anosde idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,complementando a ação da família e da comunidade” (art. 29).

O argumento de que competia à família educar seus filhos até oingresso na escola obrigatória foi se relativizando na medida que asciências iam descobrindo o potencial de aprendizagem nos primeirosanos de vida, a importância de a criança mover-se em ambienteestimulador, heurístico e de que sua atividade seja mediatizada por

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profissionais que entendem do processo de aprendizagem e desen-volvimento. Influiu também a prática pedagógica de construção deuma “pré-escola” própria à idade infantil, ambientada pela atividadelúdica e organizada segundo o interesse das crianças e que visa aodesenvolvimento de sua auto-expressão, em vez da apropriação for-mal de determinados conteúdos curriculares.

O fato de a criança não estar obrigada a freqüentar a educaçãoinfantil inviabiliza a educação básica a partir do nascimento? Enten-demos que não. Efetivamente, não se pode obrigar uma criança de 3meses ou de 3 ou 4 anos a freqüentar uma instituição educacional,mesmo que se lhe dê nome afetuoso como Parque Encantado, Mun-do Feliz, Jardim da Infância. Mas alguém – a família, a sociedade e oEstado – tem a obrigação de garantir-lhe os meios que lhe possibili-tem viver, aprender e desenvolver-se o mais plenamente possível. AConstituição é clara: a criança tem o direito (não a obrigação) defreqüentar uma instituição de educação infantil; o Estado tem o de-ver de atender a esse direito.

Direito é uma coisa. Obrigatoriedade é outra. A legislação brasilei-ra é sábia em não decretar a compulsoriedade da educação infantil.Durante a Constituinte e nos anos de debate do projeto de LDB,havia quem defendesse que a educação infantil devia ser obrigatória,para forçar o Estado a oferecê-la a todos. Venceu o argumento deque, sendo um direito de todas as crianças e um dever do Estado, esteé obrigado a atender aquelas que procuram por esse serviço. A obri-gação do Estado está explícita no art. 208 da Constituição Federal:“O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garan-tia de...IV – atendimento em creches e pré-escolas às crianças dezero a seis anos de idade”. A evidência desse princípio tem levado oMinistério Público, em alguns lugares, a intimar a secretaria munici-pal de educação a matricular crianças que, querendo e precisando,não conseguem vaga na creche ou na pré-escola.

Se alguma alteração couber na legislação, será a introdução daexigibilidade da oferta da educação infantil por parte do Estado, como

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tem o ensino fundamental, uma vez que o direito público subjetivorepousa sobre o direito da pessoa e o dever do poder público frente aele e não sobre a obrigação da criança em freqüentar a escola.

O segundo suposto da educação básica, mencionado acima, é osignificado que a educação tem em cada momento da vida. A educa-ção infantil tem um valor em si mesma. Ela vale, em primeiro lugar,porque faz a criança ser ela mesma, porque a edifica como pessoa deum ano, de dois anos, e assim sucessivamente. Cada fase da vida temuma beleza própria, um conteúdo existencial irrepetível e intransferível.Tem seu charme, seu encanto, sua finalidade própria. Se a infância éo tempo das silenciosas preparações, como disse Péguy, é, também otempo das grandes descobertas, das fantásticas construções interio-res. Em nenhuma outra época da vida a pessoa aprende tanto e tãoimportantes coisas quanto nos primeiros anos de vida. Tudo, ali, éprofundo. Tem a dimensão das coisas que permanecem.

Além desse significado próprio, ela tem uma sentido de funda-mentação, seqüência e continuidade no processo de aprendizagem eautoformação. Por isso, deve ter estreitos vínculos com o ensino fun-damental, assim como este deve tê-los com o ensino médio. Estabe-lecer vínculos não significa eliminar as particularidades nem recusarobjetivos próprios, mas ligar conteúdos específicos e metodologiasdistintas. Seu objetivo é assegurar a coerência de um processo em quea mesma pessoa transita de um estágio para outro. As três etapas daeducação básica devem estar, portanto, essencial e operacionalmentearticuladas.

Podemos, agora, voltar ao conceito de educação básica. O proces-so de constituição de sujeito, de formação da personalidade, de prepa-ração para o exercício da cidadania, de desenvolvimento das estrutu-ras de aprendizagem, de construção e reconstrução do conhecimentoinicia no nascimento e se prolonga ininterruptamente até os 17 anos.Essa é a educação necessária, que estabelece a base da formação dapessoa, que a coloca na sociedade para usufruir e contribuir. Coeren-temente com esse conceito, está a definição constitucional da idade

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em que se pode iniciar o trabalho. Até os 16 anos, ele é proibido. Dos16 aos 18, permitido como aprendizagem. Somente daí em diantedeve acontecer a inserção produtiva no mundo do trabalho.

O Fundef e a educação infantil

Como dissemos acima, o Fundef não contribuiu com o conceitode educação básica. Foi estratégico para (quase) universalizar a escolaobrigatória, mas, por ter reforçado um núcleo privilegiado de oito anosno conjunto dos dezessete dessa educação de base, postergou aimplementação dessa nova concepção. E, assim, contribuiu para man-ter a hierarquia entre as três etapas.

A educação infantil, particularmente, sofreu um revés nos primei-ros anos do Fundef. As matrículas retrocederam na pré-escola. Cre-ches foram fechadas e crianças mandadas embora, porque os municí-pios que investiam nessas instituições, ao verem retidos no Fundoestadual do ensino fundamental 15% de seus recursos de FPM e dorepasse de ICMS, ficaram sem dinheiro para manter a educação in-fantil (2 ). Aos poucos, foram encontradas formas de equilibrar o orça-mento e as matrículas voltaram a crescer. Mas não no ritmo da pro-cura. Creches e pré-escolas públicas que fazem lista de interessadosregistram um número tão grande de pessoas aguardando uma vaga,que seria necessário dobrar sua capacidade de atendimento.

O PNE estabeleceu a meta de aplicar prioritariamente na educa-ção infantil os 10% de MDE não incluídos no Fundef (Metas 21, docapítulo. sobre a Educação Infantil e 8, do Financiamento). Mas apresença do advérbio não é decorativa. Está aí para dizer: se não der,se outro motivo se apresentar, está dispensado. E esse motivo surge

2 Segundo dados do MEC/INEP Sinopse Estatística da Educação Básica. Brasília, 1999, em 1998 a redução de matrículasfoi de 200 mil crianças na pré-escola e de 159 mil, em 1999. Não foram levantados dados gerais sobre a creche. Informaçõescolhidas, na época, junto a algumas prefeituras, e reportagens em noticiários da televisão levaram a supor que a situação nacreche foi dramática.

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com freqüência. Basta fazer o seguinte raciocínio: 60% dos valores doFundef devem ser, obrigatoriamente, aplicados no pagamento dosprofessores. (O Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, tomandoo texto da EC 14, exige que seja exclusivamente na remuneração dosprofessores em efetivo exercício em sala de aula. Os que ocupam car-go de direção, orientação, supervisão não podem ser pagos com essesrecursos. Outros TCE aceitam o pagamento do pessoal de magisté-rio, conforme está dito na Lei nº 9.424/96). Os restantes 40% teriamque dar conta das despesas de manutenção da escola, serviços de se-cretaria, outros serviços, pagamento do pessoal técnico e auxiliar edos aposentados do magistério. Os valores não alcançam as necessi-dades. Recorrer aos 10% que não entraram no Fundo é a primeirasaída. Com isso, a educação infantil, entendida como importante, mas(equivocadamente) como não obrigatória, acaba cedendo.

Ou se reformula esses modelo de financiamento ou se renuncia àimplementação da educação básica. Como a meta de uma educação ex-tensiva da infância ao fim da adolescência é uma tendência mundial, estáinserida formalmente em nossa legislação educacional e constitui umavanço na formação da cidadania e nas condições de inserção produtivados indivíduos na sociedade, deve-se abrir o caminho que a torne possí-vel. Não há dúvida de que essa é a vontade do governo federal e dossistemas de ensino dos estados e dos municípios. Um modelo de finan-ciamento é a forma e a condição mais eficaz para isso, pois as leis queregulam o uso dos recursos canalizam intenções e prioridades políticas,enquanto os recursos financeiros assim aplicados as consolidam.

Novas formas de financiamento da educação básica

Que caminhos estão sendo sugeridos? As várias alternativas po-dem ser reunidas em quatro propostas:

(a) manter e aperfeiçoar o Fundef, assegurando que os 10% dosrecursos da receita líquida de impostos vinculados à MDE não

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incluídos no Fundo sejam aplicados pelos Estados no ensinomédio e, pelos Municípios, na educação infantil;

(b) criar três fundos: um para a educação infantil – Fundei; umpara o ensino fundamental – Fundef e outro para o médio –Fundem;

(c) criar dois fundos: um para a creche, de 0 a 3 anos, e outro paraa educação infantil a partir dos 4 anos, o ensino fundamentale o ensino médio;

(d) criar um fundo único e geral para toda a educação básica –Fundeb.

Comentemos as quatro.A primeira não traz novidade e perpetua os problemas que pesam

sobre os dois segmentos que circundam o ensino fundamental, comoestá dito acima. Continuar com um núcleo privilegiado, como se fossea grande necessidade e a grande solução da escolarização do cidadãobrasileiro – um ensino dos 7 aos 14 anos de idade – equivale, na prática,a renunciar à idéia de educação básica como direito e necessidade.

Essa é uma questão conceitual. Mas há outra, financeira, que a re-força: enquanto aplicar 60% dos recursos de MDE no ensino funda-mental obedece a uma norma constitucional (transitória – art. 60 doADCT), apenas uma meta de um plano – o PNE (se bem que aprova-do pela Lei nº 10.172/2001) determina a aplicação prioritária dos res-tantes 40% nos segmentos anterior e posterior ao ensino fundamental.É possível que os Estados, que repassam progressivamente o ensinofundamental para os Municípios e deixam de ter encargos com profes-sores e manutenção de escolas dessa etapa, não tenham que fazer usodos seus 10% de MDE nesse ensino. Mas os Municípios, que absor-vem ano a ano mais alunos no ensino fundamental, passam a ter des-pesas cada vez maiores naquelas rubricas já referidas. Na medida que seavançar na definição e implementação do custo/aluno/qualidade, osinvestimentos deverão aumentar. Novamente o ensino obrigatório

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carreará maior volume de recursos. E a educação infantil ficará refémdessas pressões.

Que é preciso corrigir falhas e fazer ajustes no Fundef, está claro. Massó isso não basta para resolver o financiamento da educação básica.

A constituição de três fundos (dois novos e correções no que jáexiste para o ensino fundamental) se apresenta com boas credenciais.Paulo Sena (3 ) argumenta em defesa de três fundos e aponta proble-mas de um fundo único:

(a) o Fundef já está constitucionalizado, podendo receber os ajus-tes e correções por lei ou por decreto;

(b) para a criação dos dois fundos específicos, a União teria, decada vez, apenas uma esfera federada como interlocutora: osestados, para o ensino médio e os municípios, para a educaçãoinfantil. Não se encontrariam interesses conflitantes numa mes-ma negociação para aprovar a emenda constitucional;

(c) manter-se-iam separados os recursos de entes federadosdiferentes para competências diferentes, evitando-se possíveisconflitos nos quais, entes mais fortes (estados) sobrepujariamos mais fracos (municípios);

(d) a burocracia seria menor, porque o Fundei envolveria apenasa União e os municípios enquanto o Fundem, a União e osestados;

(e) a negociação sobre o valor mínimo ano seria feita em separa-do, com possibilidades de ganhos para a educação infantil;

(f ) três fundos implicariam três conselhos de controle social, por-tanto, com mais representatividade em cada nível;

(g) melhor possibilidade de composição de fontes de recursos: porexemplo, a educação infantil poderia agregar recursos da saú-de e da assistência social para o atendimento das crianças de

3 SENA, Paulo. Financiamento da Educação Infantil: o Fundeb é a solução? Texto apresentado no Seminário NacionalFinanciamento da Educação Infantil, Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, setembro de 2003.

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zero a seis anos enquanto o ensino médio poderia receberaportes da área do trabalho, o que ficaria mais difícil se houverum único fundo.

Os argumentos de Paulo Sena são consistentes e respeitáveis. Masé preciso lembrar que uma “Tripartite” da educação básica tambémgera problemas. Entre eles:

(a) o ensino fundamental continuará na intersecção dos âmbitosde responsabilidade do estado e dos municípios e terá que con-tar com recursos de ambos os sistemas, independente de quemmantém as matrículas. Dificilmente se aceitará mudança cons-titucional para exclusivisar a competência dessa etapa aos mu-nicípios. Existindo três fundos, estariam os estados dispostosa renunciar à parte dos seus 25% para depositar num fundoque não seria mais de sua competência?

(b) a educação infantil ficará sob a responsabilidade exclusiva dosmunicípios. Em muitos deles, ainda não existem condiçõesfinanceiras nem técnicas de assumir sozinhos a oferta comqualidade de uma educação que, por incidir numa fase da vidadecisiva no desenvolvimento e na formação da pessoa, exigegrande competência profissional. A educação infantil muni-cipal carece de cooperação técnica dos estados. Com recursosde que fundo eles atenderiam a essa tarefa?

(c) a mesma dificuldade operacional que haveria em carrear par-cela dos impostos municipais para o Fundeb haverá em recolhê-los ao Fundei, como também de exercer controle sobre eles,uma vez que ambos os fundos devem ser estaduais para fazeralguma equalização dentro do estado (4 ).

4 O fundo para o ensino médio teria que ser nacional para fazer alguma equalização entre Estados e o Distrito Federal, a menosque só a União faça o papel de equalizadora, complementando os Estados cujo valor médio por aluno/ano esteja abaixo damédia nacional.

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A terceira proposta tem aspectos positivos e negativos. Aidéia de instituir fundos municipais para a creche com umaparcela dos impostos locais é interessante sob o ponto de vistafinanceiro:

(a) haveria garantia de recursos para o atendimento dos três pri-meiros anos de vida. Os municípios sentiriam a pressão dasfamílias e organizações da sociedade para atenderem a demandapor creches, as quais poderiam fiscalizar o orçamento e as apli-cações financeiras;

(b) contorna a dificuldade de arrecadar as contribuições dos im-postos municipais a um fundo estadual;

(c) resta saber a que ente federado caberia aportar recursos para osmunicípios sem arrecadação ou com ínfimos valores de im-postos próprios.

Em que pesem as vantagens, essa proposta fere a unidade daeducação infantil e retrocede ao tempo pré-constituinte. O avanço,nos últimos 15 anos, consistiu em integrar as instituições e formasde atendimento às crianças de 0 a 6 anos num único conceito deeducação e cuidado, sob a ótica e a responsabilidade do sistema deensino. Duas vezes a Constituição Federal menciona o atendimen-to do nascimento aos 6 anos (art. 7º, XXV e 208, IV), isto é, comoum período ininterrupto quanto ao direito à educação. O legisladordas diretrizes e bases da educação nacional determinou que a cre-che passasse ao sistema de ensino (LDB, art. 89) exatamente porcaptar a mensagem das ciências que se debruçaram sobre a criançae seus processos de desenvolvimento e aprendizagem. São anos de-cisivos na formação da pessoa e na construção das estruturascognitivas, que iniciam e sustentam as aprendizagens ao longo davida. Separar a creche do sistema geral de financiamento da educa-ção básica pode provocar uma rachadura, devolvendo o atendimen-to dos três primeiros anos de vida à esfera da assistência social e à

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perda de seu caráter essencialmente educativo. Os educadores nãoestarão dispostos a aceitar tal retrocesso (5 ).

A opção por um fundo único para toda a educação básica – quedeverá encarar as dificuldades mencionadas acima – pode aduzir aseu favor o argumento de que expressa coerência com o conceito deeducação integrada do nascimento ao ensino médio como responsa-bilidade comum e solidária de todos os entes da Federação: todos vãobuscar, em conjunto, uma solução para o desafio de garantir essa edu-cação a todos os brasileiros.

Regras claras e instrumentos eficientes e eficazes de controle, re-sultantes de um pacto político nacional pela educação terão que serestabelecidos. As margens para jogos de poder, barganha ou pressãodos mais fortes sobre os mais fracos ficam bastante restritas. Chegara tais regras e definir a mais equânime partilha dos recursos para aeducação é a principal dificuldade a vencer.

Composição dos recursos para o(s) Fundo(s)

Em qualquer das opções, há necessidade de aumentar os recursosfinanceiros. Além do montante necessário para a complementação daUnião ao ensino fundamental, com vistas a aproximar da média nacio-nal o disponível em estados e municípios que estão abaixo dela, surgiráa necessidade de complementar o valor mínimo criança/ano na educa-ção infantil e aluno/ano no ensino médio. Esse é um princípio essenci-al do Fundef e deverá sê-lo nas três etapas da educação básica. De ondea União tirará os recursos? A proposta inserida na PEC 112/99 – elevarde 18% para 20% o mínimo em MDE – não é suficiente. A União jágasta 20% ou mais. A exclusão da educação da desvinculação dos re-cursos da União (DRU) é uma alternativa excelente e necessária. Isso

5 Deve-se ressalvar que muitas creches de iniciativa e responsabilidade da assistência social eram instituições de cuidado eeducação, com proposta pedagógica e atividades condizentes com as mais modernas orientações das ciências da educação.

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acarretaria uma disponibilidade maior de R$ 3,6 bilhões por ano. Essevalor, no entanto, é apenas suficiente para a complementação no ensi-no fundamental, se for aplicada a fórmula determinada pelo art. 6º daLei nº 9.424/96.

A Reforma da Previdência foi a grande ocasião (perdida) para definir a fonte de recursos para os proventos de aposentadorias e pensõesda educação. Enquanto esses pagamentos continuarem saindo dosmínimos estabelecidos pelo art. 212 da Constituição Federal para ma-nutenção e desenvolvimento do ensino, a disponibilidade para a educação será cada vez menor. Eles estão na MDE não por uma questãode lógica, mas de caixa. Aposentados e pensionistas não mantém nemdesenvolvem o ensino; já o fizeram quando estavam na ativa. Portanto,têm que receber seus proventos de outra fonte que não aquela que tempor função “desenvolver” e “manter” o ensino. Resolvendo essa ques-tão, alguns sistemas de ensino terão um volume de recursos para oensino de até 40 ou 50% superior ao disponível atualmente.

O estudo do Inep/Ipea/MEC/Presidência da República/SenadoFederal (6 ) sobre os recursos financeiros necessários para atender àsmetas do PNE e dotar o ensino dos critérios de custo/aluno/qualidade indica as seguintes fontes possíveis:

(a) elevação do percentual de impostos para MDE, nos estados,DF e municípios, de 25 para 30%, ocasionando um crescimento de 0,7% dos gastos em educação em relação ao PIB;

(b) exclusão da educação da desvinculação dos recursos da União(DRU), gerando um aporte de R$ 3,6 bilhões anuais no orça-mento da educação;

(c) vinculação de um percentual da CPMF para a educação. Com20%, elevar-se-ia o percentual de gastos com educação, emrelação ao PIB, em 1,5%;

6 Estudo publicado no Site do INPE em 21 de agosto de 2003

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(d) redução de subsídios e da renúncia fiscal: juntos, hoje, sãoresponsáveis por um volume de recursos equivalente a 5% doPIB.

Concluindo

A educação infantil tem que ser considerada no conjunto da edu-cação básica. Não como segmento à parte nem fracionada na suaintegralidade de zero a seis anos. A educação básica tem que ser en-carada como responsabilidade comum e solidária de todos os Entesda Federação.Juntos, a União, os estados, o Distrito Federal e os mu-nicípios devem construir o caminho para tornar a educação básica dequalidade possível para todos. É condição importante, sob o ponto devista político e técnico, que o(s) fundo(s) de financiamento da educa-ção básica seja(m) desenhado(s) num amplo processo de construçãocoletiva, envolvendo o governo e a sociedade civil. Os acertos e tam-bém as falhas do Fundef constituem uma experiência importante paradefinir o novo modelo.

Em todas as discussões sobre esse assunto, constata-se que a educa-ção infantil não é mais entendida como educação de importânciamenor. Ela ganhou espaço político, afirmou-se tecnicamente e en-contra defensores em todos os âmbitos da sociedade. Está na idadeda maturidade. Por isso, pode-se confiar que estará presente no Fun-do de manutenção da educação básica em igualdade de condiçõescom as etapas seguintes do processo educacional.

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CAPÍTULO 3

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA:CRITÉRIOS, CONCEITOS E DIRETRIZES

Paulo de Sena Martins *

1. Introdução

Ao iniciar o primeiro colóquio, realizado em Brasília, para expor aproposta de um fundo único para a Educação Básica (Fundeb), a representação do MEC convocou-nos a fazer uma discussão conceitual.A preocupação é com os ruídos que a proximidade do processo eleitoralmunicipal possa causar no debate. Há uma sugestão de despartidarizaro debate. Embora seja louvável a intenção, trata-se em nossa opinião,não de despartidarizar, mas de suprapartidarizar, e mais que isso, celebrar um acordo federativo, isto é, pactuar uma proposta na qual aEducação figure como prioridade e executá-la. Com o apoio do maiornúmero possível de partidos políticos e entes federativos.

* Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados, área de Educação, Cultura e Desporto.

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O fato de a questão educacional aparecer nos programas dos can-didatos não é negativo – o presidente Lula o fez ao comprometer-secom o Fundeb, embora sem definir a proposta. O cidadão tem o direi-to de saber a opinião dos candidatos sobre as políticas públicas edu-cacionais e suas conseqüências para o País e para o Município. Ade-mais, as divergências no que se refere ao financiamento da Educaçãopassarão, menos pelo corte partidário e mais pela verificação do im-pacto imediato, positivo ou negativo, no caixa municipal ou estadual.

Portanto, a proposta do MEC de fazer um debate conceitual éoportuna.

Além dos conceitos é preciso definir critérios.Entretanto, os colóquios estaduais realizados na seqüência não se

detiveram em alguns conceitos e critérios importantes. Seus relatóriosindicam propostas, freqüentemente antagônicas – é o caso da discussãorecorrente acerca da adoção de um ou três fundos.

Para contribuir com o debate gostaríamos de apresentar nossasapreensões quanto à pouca discussão sobre a definição de algunsconceitos – ensino obrigatório, isonomia, valor mínimo,complementação da União, equilíbrio federativo, distribuição, e adoçãode alguns critérios – sobre distribuição, recebimento decomplementação da União, indicação de fontes e percentuais.

2. Critérios

A distribuição de recursos requer a definição de critérios.O critério geral adotado pelo Fundef é o repasse proporcional ao

número de matrículas. Agregado a este, há a adoção dos dados doano anterior.

O primeiro critério relaciona-se com os fins do fundo, o segundo,a questões operacionais (maior complexidade técnica de fazer aapuração no decorrer do ano letivo em curso, e, no caso da implantaçãoinicial do fundo ou fundos, atuar como válvula reguladora de umaindesejável explosão de matrículas somente para atrair recursos).

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O critério das matrículas parece-nos o mais apropriado para o en-sino fundamental, que é obrigatório, funcionando como um indutorde matrículas. Relaciona-se com o objetivo da universalização.

Mas não é o único critério possível. Pode ser adotado o número dealunos matriculados ou o de freqüentantes (apurada a freqüênciamédia). A própria Constituição Federal (art. 208, § 3º) determina queo poder público faça a chamada no ensino fundamental e zele, juntoaos pais, pela freqüência. Entre as diretrizes do MEC para o Fundeb,figura a questão da certificação da freqüência, que pode recolocar estaquestão no debate.

Este é o critério indicado, por exemplo, pelo art. 75, § 3º da LDBpara distribuição direta de recursos da União para os estabelecimentosde ensino. Prevaleceu, entretanto, o critério do Fundef (matrículas).Nos Estados Unidos, onde é generalizado o estabelecimento defórmulas para distribuição de recursos, há partidários de uma e outraposição. A vantagem de distribuir recursos segundo a freqüência écomprometer os gestores com a efetiva presença do aluno na sala deaula. Por outro lado, a margem obtida pelo critério de matrículas podesignificar os recursos necessários para atrair os matriculados com baixafreqüência. A questão é complexa. De qualquer forma, numa fase deimplantação entendemos que o critério da matrícula é mais apropriado.

No caso das etapas de ensino que não são obrigatórias, a situaçãodifere daquela do ensino fundamental, onde todos os entes estavammais próximos da universalização quando da implantação do Fundef.É razoável supor que os Municípios mais ricos possuam mais matrículasna Educação Infantil que os mais pobres. Daí a necessidade decombinar esse critério com outros como o IDH, o número de criançasfora da escola, para que não se congelem desequilíbrios federativos,afastando-se o objetivo da eqüidade.

A determinação de quais os fundos de âmbito estadual que devemreceber recursos da União e quais os valores, utilizou como critério ofato de atingirem ou não, o valor mínimo nacional – conceito quediscutiremos a seguir – com a União aportando os recursos necessários

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para alcançar o mínimo. O critério proposto poderia ser outro:complementar fundos no âmbito de Estados com determinado pata-mar de IDH, que estejam mais distantes das metas fixadas no PNE,etc. O montante poderia ser um valor fixo por aluno, etc. Mais umavez entendemos que o critério do Fundef (como previsto na lei, nãocomo praticado) é um bom critério – adota o aluno como medida, e adistância que separa o per capita de cada fundo da média nacionalcomo o volume de recursos a serem aportados pela União.

De qualquer forma, a proposta do governo deve se manifestar sobreesses critérios.

Cabe ainda a definição de critérios sobre quais as fontes dos trêsfundos ou do fundo. Num desenho de fundo único as tensõesfederativas afloraram já em alguns debates nos colóquios realizados,em que cada ente se comporta mais ou menos, segundo o princípiode retirar do fundo seus impostos e as matrículas dos outros. Nasdiretrizes do MEC, o Fundeb propõe excluir os impostos administradospelas receitas municipais. Trata-se de decisão acertada em nossaopinião, uma vez que evita conflitos jurídicos acerca daconstitucionalidade de sua apropriação pelo fundo. Ademais, dáalguma flexibilidade à gestão municipal. O mesmo raciocínio deveriaser estendido aos recursos próprios estaduais, sendo mantida, portanto,a cesta de fontes do Fundef, apenas alterando o percentual. Mais umavez cabe definir o critério para tanto. Uma das diretrizes do MECpropõe repartir os recursos pelas matrículas na Educação Básica, masautorizando o gasto com a universidade. A situação seria análoga àque ocorre atualmente com o supletivo no Fundef, isto é, as matrículasnão contariam para a base de cálculo, mas poderiam ser efetuados osgastos. Não faz sentido. Neste caso, estaria criado o Fundebs. Seriamais lógico arbitrar um patamar inferior a 25%, e deixar uma margempara o financiamento das universidades estaduais, que contariam comos recursos de impostos próprios estaduais, que não entrariam noFundeb ou nos fundos do ensino fundamental e médio, na hipótesede três fundos e, vá lá, se necessário os “outros 10%” referentes à

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compensação recebida em virtude da Lei Kandir (15% voltam para oFundef, não em virtude da Emenda nº 14, mas por previsão, “no grito”,na Lei do Fundef. Mas não há clareza se os 10% têm sido dirigidos àMDE. O destino destes recursos deve ser expressamente indicado:como fonte dos fundos ou fundo, ou para atender a esta necessidadedas universidades estaduais).

3.Conceitos

Para que se tenha clareza de como funcionará o financiamento daEducação Básica, o governo, o Congresso Nacional e a comunidadeeducacional em geral devem se entender acerca de alguns conceitos.Indicamos a seguir alguns deles.

3.1. Ensino obrigatório

O primeiro conceito importante para a discussão do financiamen-to parece-nos ser o de ensino obrigatório. Faz sentido que haja umensino obrigatório, e que este corresponda à etapa do ensino funda-mental? Ou a adoção do novo modelo de financiamento estaria fa-zendo uma revisão deste conceito? A validade ou não deste conceitotem, evidentemente, repercussões no que se refere ao financiamento.

O ensino obrigatório não precisa, necessariamente, correspondera apenas uma etapa. Pode incluir outras, como no Chile, onde a esco-laridade obrigatória é de doze anos, abrangendo o nível médio ou oúltimo ano da etapa inicial (educação infantil), como o fizeram Ar-gentina e Uruguai.

No caso do Brasil, o dilema é optar entre a extensão, a curto prazo, doperíodo de obrigatoriedade ou a concentração dos esforços na melhoriada qualidade do ensino obrigatório “regular” e garantia de acesso e quali-dade na modalidade de jovens e adultos nesta etapa. Eventualmente,

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tem-se comemorado o deslocamento da bolha demográfica, da faixa etáriado fundamental para a correspondente ao médio, como se estivesse “so-brando dinheiro” no nível fundamental. Isto não corresponde à realida-de, se levados em consideração os desafios mencionados.

A Emenda nº 14/96 e a Lei do Fundef priorizaram o ensino fun-damental no que se refere ao financiamento, ao subvincular 60% dosrecursos para esta etapa, além de criar o Fundef. Não inovaram nesteaspecto. Seguiram a trilha do constituinte que fez inscrever na CartaMagna:

“Art.212..........................................................................................

§ 3º A distribuição de recursos públicos assegurará prioridade aoatendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do planonacional de educação. ”

O MEC apresentou, nos colóquios, uma simulação com dados daFundap, referentes à estrutura de custos das diferentes etapas daEducação Básica no Município de São Paulo, tomando por base oano de 2002. Conforme indicaram os representantes do MEC, esteera apenas um exemplo:

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De qualquer maneira, foi o exemplo apresentado, e portanto, me-rece alguns comentários. O primeiro refere-se ao fato de que, toman-do como referência o valor de R$ 418 praticado no ano de 2002, parao ensino de 1ª a 4ª séries, verifica-se que a tabela da Fundap apontaum valor de R$ 435,79 para o de 5ª a 8ª séries – valor este poucomenor que os R$ 438,90 considerados como mínimo para estasubetapa (a diferença cai de 5% para 4%). Mas, o mais importantenão é isto. Cabe observar que os pólos de atração de recursos e induçãode matrículas estarão localizados na creche e, sobretudo, no ensinomédio (considerando o peso e o número de matrículas). Cabe indagarse não pode ser criada uma situação de “desfinanciamento” do ensinoobrigatório. Com os três fundos cai a subvinculação de 60% para oensino fundamental, prevista no caput do art. 60 do ADCT. O ingressodas matrículas do ensino médio, com o maior valor por aluno devedirecionar recursos dos Municípios para os Estados. Em termos deetapa, o perdedor do Fundeb será o ensino fundamental obrigatório,cujos planos de carreira municipais poderão, em alguns casos, terdificuldade de ser mantidos.

3.2. Isonomia

A segunda questão importante a ser tratada é a da isonomia oueqüidade (o governo atual tem utilizado a palavra de origem gregaenquanto o passado adotava a latina. Os conceitos relacionam-se como que os operadores do direito denominam igualdade material).

Para sustentar a tese da superioridade de um fundo único sobre aadoção de três fundos, o MEC tem adotado o conceito de isonomia“entre etapas de ensino”. Cabem algumas considerações: A isonomiaconsiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.Ela se dá entre pessoas (ou grupos de pessoas) e não entre etapas. Háisonomia se a criança que estava na Educação Infantil encontrar asmesmas condições da geração que a precedeu quando ingressar no

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ensino fundamental. O princípio da igualdade, previsto no art. 5º daConstituição Federal inaugura o capítulo dos direitos individuais ecoletivos. Titulares de direitos são pessoas, não etapas.

Ao tentar aplicar a isonomia entre etapas, a proposta não conside-ra que estas são desiguais. Fazem parte exatamente das especificidadesque devem ser consideradas na eqüidade. E que, portanto, cabe tratá-las diferentemente .

Esta discriminação positiva, quem a faz é a Constituição Federal.Ela diferenciou a etapa do ensino fundamental. Elevou-a à condiçãode ensino obrigatório (art. 208, I). Expressamente qualificou-a dedireito público subjetivo (art. 208, § 1º). Mandou priorizar seu finan-ciamento (art. 212, § 3º).

Para Celso Bastos ‘o problema da isonomia só pode ser resolvido apartir do binômio elemento discriminador-finalidade da norma” (Bas-tos, 1989:168).

Vicente Ráo lembra que para realização da eqüidade “por igual mododevem ser tratadas as cousas iguais e desigualmente as desiguais” deven-do ser considerados todos os elementos relevantes (Ráo, 1976:56).Ora, se a Constituição optou por selecionar uma determinada etapa econsiderá-la obrigatória, já que esta seria o mínimo necessário paraque seja exercida plenamente a cidadania, este dado é relevante e nãopode ser ignorado. É possível, evidentemente, fazer uma revisão dessesconceitos. Mas será desejável?

3.3. Equilíbrio Federativo

Um terceiro conceito importante é o de equilíbrio federativo. AFederação caracteriza-se pela distribuição de competências entre osentes. Na lição de Dallari (1982:228), “dar-se competência é o mesmoque atribuir encargos”, sendo indispensável, “portanto, que se assegure aquem tem os encargos uma fonte de rendas suficientes”. O Fundef, aoestabelecer o fluxo de recursos segundo a matrícula, parece-nos tercontribuído para administrar a distribuição de recursos e encargos no

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plano intra-estadual. Não teve sucesso no plano interestadual, masem grande parte, pelo descumprimento da lei, pela prática de valormínimo abaixo da média. O Fundef opera uma redistribuição entre osentes, misturando seus recursos numa situação em que a competên-cia é comum. Misturar recursos em situação em que a competência,como função própria, é específica de um ou outro ente pode gerardesequilíbrios e conflitos. Uma proposta que seja francamente favo-rável ao caixa estadual em detrimento do municipal ou vice-versa,pode gerar desequilíbrio federativo, sobretudo se a União não assu-mir, ao lado do papel de arbitrar conflitos, o de exercer com recursossubstanciais sua função supletiva. Cabe verificar se a adoção de umfundo único não incide nesta hipótese. Sem meias palavras, conside-ramos que o Fundeb, sem aporte significativo de recursos federais“beneficia” os Estados reduzindo o fluxo de recursos que se dirigemaos Municípios – e ao ensino fundamental – com o Fundef. Essesmesmos Estados, entretanto, receberão os alunos que vierem de umensino fundamental subfinanciado.

3.4. Valor mínimo

Um conceito central para a eqüidade /isonomia é o de valor míni-mo. Um sistema de financiamento pode adotar um valor mínimo re-gional (que não nos parece o mais eqüitativo, porque congela desi-gualdades) ou nacional.

O valor mínimo pode ser, como tem ocorrido, à margem da lei,arbitrado ano a ano, segundo aquilo que a área econômica consideradisponibilidade de caixa, ou obedecer a alguns parâmetros. Estes po-dem ser expressos em fórmulas.

A lei do Fundef estabelece um conceito normativo de valor míni-mo, expresso de forma clara no art. 6º, caput e § 1º, que preceitua:

“Art. 6º A União complementará os recursos do fundo a que serefere o art. 1º sempre que, no âmbito de cada estado e do Distrito

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Federal, seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacio-nalmente.

§ 1º O valor mínimo anual por aluno, ressalvado o disposto no§ 4º, será fixado por ato do Presidente da República e nunca seráinferior à razão entre a previsão da receita total para o fundo e amatrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescidado total estimado de novas matrículas, observado o disposto noart. 2º, § 12º, incisos I e II. ”

Claro, pois, que o valor mínimo é nacional, e que são conside-radas a receita e a matrícula total. O art. 60, § 3º do ADCT dispõe:

“Art. 60....................................................................................................................................................................................

§ 3º A União complementará os recursos dos fundos a que se refereo § 1º, sempre que, em cada Estado e no Distrito Federal, seu valorpor aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente. ”

O Fundef, aprovado em 1996, somente entrou em pleno funciona-mento em 1998, em virtude das complexas negociações federativasque levaram à sua adoção automática a partir daquele ano. Somente oEstado do Pará antecipou a implantação do fundo para 1997, valendoentão a regra do art. 6º, § 4º, isto é o valor mínimo de 300 reais. Noano seguinte foi estabelecido o valor de 315 reais, congelado para1999. Até então, o governo não tinha elaborado sua interpretação dalei que procura negar o que nela está escrito. Há requerimentos deinformação, à época, de parlamentares, como o deputado Pedro Wil-son e o Senador Pedro Simon, questionando o congelamento do va-lor, sem que o governo esboçasse a tese que passou a defender poste-riormente, inclusive em suas defesas judiciais e que se mantém nonovo governo. Segundo esta interpretação, construída num segundo

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momento, sendo cada fundo de âmbito estadual, o valor mínimo adviriada razão entre a receita estimada e o número de alunos do Estado emque esta conta resultar no quociente mais baixo – obtido no Estadodo Maranhão. Este resultado seria o valor mínimo.

Esta interpretação não tem a menor sustentação sob qualquerângulo.

Do ponto de vista jurídico está expresso que, ainda queoperacionalmente existam 27 fundos de âmbito estadual, o valormínimo é nacional. E a Carta Magna determina que a lei disponhasobre a forma de cálculo do valor mínimo nacional (art. 60, § 7º,ADCT). O Fundef é um programa nacional. Pode-se escolher ométodo hermenêutico-gramatical, histórico, teleológico – não hácontorcionismo exegético que possa negar que a Constituição defi-niu que o valor mínimo é nacional. Mesmo uma abordagem na li-nha da “reserva do possível” seria inadequada, porque em termos deEducação, discute-se aqui o mínimo básico, o ensino obrigatório.

Do ponto de vista da história da proposta, isto fica claro. Ao pro-por o Fundef, em 1995, com a discussão conduzida por Barjas Negri,o governo trabalhava com a média nacional como referência. Propu-nha que o valor fosse o equivalente a 90% da média. Esta informaçãopode ser recuperada nos arquivos da PEC 233. Além das planilhas daépoca, de audiência pública em que foi distribuído documento nestesentido, do testemunho de quantos acompanharam o processo, háresposta escrita do então ministro da Educação, a requerimento diri-gido pelo então deputado Elias Abrahão, presidente da ComissãoEspecial, e que se refere a 90% da média. No momento subseqüente,por iniciativa do deputado Maurício Requião, o Congresso adotou100%, e não 90%. Esta é a história. Documentada. Contra fatos nãohá argumentos.

Do ponto de vista lógico a tese é muito frágil. Ora, se prosperassea interpretação dos governos, passado e atual – a do menor quociente

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– todos os Estados, por definição, teriam atingido imediatamente ovalor mínimo. Neste caso não haveria que se falar em complementaçãopara atingi-lo, como prevê a Constituição. E o art. 60, § 3º do ADCTnão faria o menor sentido. A Constituição não contém dispositivosociosos e tampouco impropriedades lógicas.

Este valor, sem dúvida, implicaria um esforço financeiro significa-tivo da União. Se se chegar à conclusão de que, como costumamdizer os integrantes da área econômica, “não há espaço fiscal paratanto”, talvez seja o caso de rever o critério, ou estabelecê-lo comouma meta a ser atingida num determinado prazo, mais longo. Estapoderia ser uma inserção a ser feita no Plano Nacional de Educação(PNE).

O que não é possível é manter um critério que não se cumpre. Sefor para alterá-lo, que se abra o debate para tanto. É melhor ter algumcritério que deixar que o valor seja arbitrado pelo executivo anual-mente, sem qualquer parâmetro.

Entretanto, é preciso esclarecer que a adoção da média nacionalnão foi um critério inventado, sem fundamento. A média é o desejá-vel, porque atua em favor da eqüidade. Ajusta-se perfeitamente, comoveremos a seguir, ao disposto no art. 211, § 1º da Carta Magna.

A questão da adoção da média como parâmetro está colocada nodebate internacional acerca do financiamento. Ao discutir a políti-ca de financiamento para os Estados Unidos, Allan Odden (1998)aponta:

As previously discussed, to achieve the new education reformgoal may require setting the adequate base spending level at thenational or state median, whichever is higher. However, in stateswhere median spending is below the national median, outside re-sources will probably be necessary to bring spending up to an ad-equate level. Odden and Busch (1998) suggest that this implies anew federal fiscal role in education: providing funds to raise spending

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in all districts across the country at least up to the national medianor to some defined, minimum nationally adequate level. ( 1 ).

A questão é: o fundo ou os fundos devem definir o conceito devalor mínimo? Em caso afirmativo, este deve ser a média nacional,ser construído a partir de um determinado esforço financeiro de todosos entes (critério que pode ser alternativo à média), inclusive e sobretudo(no contexto, porque este seria o dado novo) da União, ou ser deter-minado a partir de outro critério?

3.5. Complementação da União

A União, nos termos do art. 211, § 1º da Constituição Federaldeve exercer, no que se refere à Educação, a função supletiva, de for-ma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrãomínimo de qualidade do ensino. Portanto, é decorrência lógica destedispositivo, que o sistema de financiamento conte com umacomplementação da União. Esta pode se dar:

a) para atingir um valor mínimo;b) para atingir um padrão de qualidade; c) como expressão de um determinado esforço financeiro da União,

negociado no pacto federativo.

Vincular a complementação da União a um valor mínimo equiva-lente à média nacional, embora seja o critério que melhor atenda aoobjetivo da eqüidade, revelou-se um caminho muito difícil de ser assi-milado, numa negociação federativa, por qualquer governo da União.

1 Numa tradução livre: “Como discutido previamente, alcançar a meta da nova reforma da educação pode requerer oestabelecimento do nível base adequado de gasto na média nacional ou estadual – aquela que for maior. Entretanto, nosestados em que o gasto médio situa-se abaixo da média nacional, recursos de fora serão provavelmente necessários para trazero gasto a um patamar adequado. Odden e Busch (1998) sugerem que isto implica novo papel fiscal federal em educação:prover fundos para elevar o gasto em todos os distritos do País para, pelo menos, a média nacional ou algum nível mínimonacional definido, que seja adequado.”

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A adoção de valor equivalente ao padrão de qualidade é um cami-nho apontado pela legislação. A LDB dispõe que o Estado deve garan-tir padrões mínimos de qualidade do ensino (art. 4º, IX), definidoscomo a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos in-dispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendiza-gem. O Plano Nacional de Educação estabelece como meta a reali-zação de Conferência Nacional de Educação para definir padrõesmínimos de qualidade de aprendizagem na Educação básica(11.3.2.41). A Emenda nº 14/96 ensaiou a introdução de uma con-cepção de custo-qualidade, ao prever o ajuste progressivo, no prazo decinco anos (2001) das contribuições dos entes federados ao fundo, demodo a garantir um valor, por aluno, correspondente a um padrãomínimo de qualidade do ensino, definido nacionalmente. Estedispositivo restou ignorado. A Lei do Fundef introduziu (art. 2º, § 2º)a questão da diferenciação de custos, tomando como referência de 1ªa 4ª séries, 5ª a 8ª séries, estabelecimentos de educação especial eescola rural.

Este caminho, embora desejável, também envolve pesquisascomplexas (2) e, mesmo, certo grau de arbitrariedade. Implica arealização de estudos de custo.

Enfim, deve-se continuar buscando uma melhor definição docusto-aluno-qualidade, sem que necessariamente, este seja, nestemomento, o critério que defina a complementação da União.

Propomos que se discuta a complementação da União a partir deum esforço financeiro, isto é, o compromisso com um percentual dopróprio fundo. Monlevade (2004) lembra que, por ocasião dos debatesda PEC 233, o Executivo fez circular no Congresso Nacional planilhaque indicava uma complementação de 871 milhões de reais (sendobeneficiados 15 Estados), e “isto significava um aporte da União dequase 10% da receita total do fundo”.

2 O INEP iniciou alguns estudos nesta direção

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Nos Estados Unidos o aporte de recursos do governo federal parao programa K-12 (do jardim da infância até o 12º grau, equivalenteao último ano do ensino médio) correspondem a cerca de 8,2%,segundo o U. S. Department of Education, (2004). Estudo do BancoMundial mostra que a participação da União no esforço de gasto comEducação (incluindo o nível superior) vem caindo, de 24,9% em 1995para 17,9% em 2000.

A determinação de que a União sustente 10% das despesas dosfundos da Educação Básica pode ser uma alternativa. Se aplicada aregra considerando os valores de 2004 para o Fundef, cujo valor totalcorresponde a cerca de 28 bilhões de reais, a União entraria com 2,8bilhões de reais. Se o valor fosse de 8%, representaria 2,24 bilhões dereais como complementação (ao Fundef ). Não seriam os atuais 379milhões de reais, nem os mais de cinco bilhões de reais requeridoscaso fosse aplicada a regra da lei do Fundef. Não seria o ideal, masseria um grande passo. Esta regra poderia valer para o fundo único oupara os três fundos a serem criados.

Seja qual for o critério adotado, contribuiria para dar transparênciaao compromisso do governo a inserção do valor proposto para acomplementação do Fundeb, no Plano Plurianual (PPA) 2004-2007.Atualmente o PPA prevê, para complementação ao Fundef, cerca de2,25 bilhões de reais para quatro anos. Simultaneamente ao envio daPEC do Fundeb, o governo poderia encaminhar a revisão do PPA nes-te aspecto, determinando os valores da dotação para a complementação.

3.6. Distribuição X Fragmentação

Uma objeção que os defensores de um fundo único fazem aos trêsfundos baseia-se no argumento de que esta forma de organizar o financiamento “fragmentaria” a Educação Básica. Há uma confusãoentre meios (e lei de meios – que é a lei do financiamento) e fins,estes representados entre outros documentos pelo Plano Nacional de

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Educação (PNE) e planos de Educação dos entes subnacionais. Cabeaos mesmos realizar a integração das metas.

Um fundo único é, por definição, competitivo – promove afragmentação de interesses.

Qualquer que seja o modelo de financiamento adotado, os recur-sos devem ser distribuídos de acordo com algum critério. Distribuiçãonão é fragmentação.

Pode-se fazer uma analogia com o Fundo de Participação dos Esta-dos (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que distri-buem recursos para cada esfera federativa. Raciocínio análogo subjacentea esta crítica dos defensores do fundo único aos três fundos implicariasupor que um “fundo federativo único” que somasse os recursos de FPMe FPE seria uma forma melhor de organizar a distribuição de recursosfederativos. Internamente seriam definidos os critérios. Nossa hipótese éque uma tal organização traria um conflito federativo latente.

4. Diretrizes

O Plano Nacional de Educação estabeleceu as diretrizes geraispara o financiamento da Educação, que podem ser resumidas em:

– Vinculação de recursos;– gestão de recursos por meio de fundos de natureza contábil e

contas específicas;– Alocação de recursos segundo as necessidades e compromissos

de cada sistema, expresso pelo número de matrículas;– Eqüidade;– Adequação a um padrão mínimo de qualidade;– Promoção do autêntico federalismo em matéria educacional;– Aprimoramento contínuo do regime de colaboração;– Transparência;– Sistemas de informação e avaliação;– Desburocratização e descentralização da gestão financeira;

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– Gestão democrática.Essas diretrizes valem para um ou três fundos.Das dez diretrizes fixadas pelo MEC para a adoção do Fundeb,

cinco referem-se especificamente à proposta (1, 2, 3, 4, 8). Três refe-rem-se ao financiamento da Educação em geral e podem ser adotadascom um ou três fundos (5, 6, 7). Uma refere-se a débito do Fundef eoutra a controle da efetividade do gasto, por meio de certificação dafreqüência, que pode se dar com um ou três fundos.

Seguem comentários às diretrizes divulgadas pelo MEC (indicadasem itálico):

1. Um fundo único para cada unidade da federação

A adoção de um fundo único acabou sendo dogmatizada pelo go-verno. As vantagens do fundo único, segundo seus defensores, seri-am: evitar a fragmentação, concorrer para uma maior isonomia (entreetapas), facilitar o piso salarial e a unificação da carreira.

Como procuramos demonstrar, três fundos não levam à fragmenta-ção, tratando-se de uma forma de organizar a distribuição, que procuraevitar disputas federativas e exacerbar a fragmentação de interesses. Umamaior isonomia pode se dar com um ou três fundos e é, em grandeparte, dependente do compromisso da União com um maior volumede recursos. Piso salarial é, como o salário mínimo, uma decisão política,dentro de uma margem de viabilidade orçamentária, com um ou trêsfundos. Os planos de carreira do pessoal do magistério municipal, im-plantadas a partir dos recursos do Fundef, podem ter dificuldade de sesustentar em alguns Municípios, que perderão recursos com o Fundeb.

2. Exclui impostos administrados pelas receitas municipais (inclui,portanto, o IPVA).

É positiva a indicação de que as receitas próprias dos Municípios nãoconstituirão o fundo, sendo reservadas a outras despesas de manutenção

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e desenvolvimento do ensino (MDE). Esta posição preserva alguma fle-xibilidade para os Municípios, e é mais coerente com o respeito à auto-nomia deste ente federativo, além de evitar demandas judiciais.

3. Inclui os 25% dos impostos estaduais, mais os do Fundeb (Fundo deParticipação dos Município e dos Estados, etc.).

O princípio expresso na diretriz nº 2 deveria se estender tambémàs receitas próprias dos Estados, como o IPVA. Este seria um trata-mento isonômico entre Estados e Municípios. Por outro lado, os “ou-tros 10%” provenientes da compensação financeira referente àdesoneração prevista na Lei Kandir devem expressamente constituiro fundo. É necessário, ainda, que se estude qual o percentual desubvinculação compatível com uma margem de financiamento doensino superior estadual.

4. Reparte por matrícula no ensino básico, diferenciando por etapa (in-fantil, fundamental, médio) e especificidade (educação de jovens e adul-tos, especial, rural, etc), mas autoriza o gasto com universidade. Asmatrículas em creches seriam consideradas, mas com corte de renda.

A autorização de gasto com a universidade, dentro do fundo daEducação Básica, parece conceitualmente incorreta, além de,possivelmente, gerar alguma confusão. É preferível, como propostono item anterior, que se deixe uma margem, através de subvinculaçãomenor que os 25%. Desta forma estaria atendido o princípio apresen-tado de não punir quem cumpriu a lei anterior. Caso contrário, estariacriado o Fundebs. O princípio referido deve ser atendido também noque se refere aos Municípios que, cumprindo a lei do Fundef,municipalizaram matrículas, implantaram planos de carreira e talveztenham dificuldade de sustentá-lo ao perder recursos com o Fundeb.

Com relação à creche, de fato é preciso discutir se é desejável in-duzir a demanda a ponto de universalizar a matrícula na faixa etária

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correspondente. O governo apresenta uma forma de regular o cresci-mento, através do corte de renda. A alternativa que propomos, nocaso do fundo da Educação Infantil é agregar o IDH como um doselementos (ao lado da matrícula) a compor o critério de distribuição.Monlevade destacou, ao referir-se ao Fundeb, em palestra no ConselhoNacional de Educação, que a matrícula do ano anterior já é uma formade regular o crescimento, opinando que o critério de renda da pessoa/família não é adequado.

5. Exclui os inativos de forma progressiva

A exclusão dos inativos de forma progressiva é um princípioimportante que vem sendo defendido pela comunidade educacional,desde a CPI da Emenda Calmon. Trata-se de uma das metas (11.3.13)do Plano Nacional de Educação (PNE) que recebeu veto do governoanterior, veto não derrubado pela maioria governista atual (não foiapreciado). É importante que o MEC tenha se comprometido com aproposta. Cabe verificar a posição da Fazenda. Entretanto, a meraindicação do princípio não é suficiente. A Proposta de EmendaConstitucional deve prever expressamente prazos e ritmos dessaprogressividade.

6. Revincula de forma progressiva, recursos da educação desvinculados(Desvinculação de Receitas da União-DRU), parte dos quais destinar-se-á a complementar o per capita dos estados mais pobres.

Se para outras esferas de atuação do poder público vale, comoprincípio, a não-vinculação, (art. 167, IV, CF), para a Educação éexatamente o contrário. Trata-se de exceção expressa ao menciona-do dispositivo constitucional. De acordo com o PNE, a vinculaçãoé a “primeira diretriz básica para o financiamento da Educação”. Arevinculação de recursos da DRU é desejável. Será uma vitória, se aPEC do Fundeb ou três fundos, contiver dispositivo acerca da ques-

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tão, estabelecendo o ritmo e os prazos da desvinculação. É importanteque o MEC tenha assumido publicamente esta posição. Entretan-to, há setores do alto escalão da área econômica do governo quetêm publicamente defendido a desvinculação no plano federal, oque gera ainda um efeito cascata ao incitar os defensores desta po-sição nos demais níveis federativos. Desta forma, é necessária umasinalização mais firme, não do MEC, mas do governo, acerca dadefesa da proposta;

7. Reformula o salário-educação, admitindo o gasto em todo ensinobásico

A utilização dos recursos do salário-educação deve ser debatidaespecificamente, uma vez que não constitui receita típica do Fundef(embora atualmente a União possa utilizá-la, em parte, paracomplementação). Em se tratando de fonte que financia o ensinoobrigatório, deve estar inserida ou não, no debate acerca da priorização– como atualmente indica o art. 212, § 3º, de alocação de recursosnesta etapa.

8. Estabelece como piso para o ensino fundamental o per capita vigenteà época da promulgação da emenda constitucional que cria o Fundeb

O estabelecimento de um piso para o ensino fundamental, equiva-lente ao per capita vigente à época das promulgação da Emenda Cons-titucional que criaria o Fundeb, indica que provavelmente as simula-ções do governo apontaram uma queda no valor do ensino fundamen-tal, gerando a necessidade de um fator de correção para mitigar o enfra-quecimento desta etapa como pólo de atração de recursos. Embora sejapositiva a existência desta salvaguarda, isso indica que o modelo podenão estar dedicando a atenção necessária à etapa de ensino que é aobrigatória. Ademais, ficaria congelado o valor num patamar que temsido considerado insuficiente pelos analistas do Fundef.

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9. Recursos adicionais da União servem de contrapartida, além desaldar eventual débito do Fundef

Os recursos da União não constituem propriamente contrapartida,mas exercício da função supletiva. Isto não significa que os entessubnacionais não tenham obrigações. Ao contrário, devem cumprir alei, responsabilizar-se pela oferta de Educação Básica e submeter-se àeventual perda de recursos em virtude das regras do fundo ou fundos.

Os débitos da União, discutidos na Justiça, se reconhecidos comotal, são débitos. Eles não tem relação com os recursos futuros neces-sários à complementação do Fundeb ou três fundos nos próximosexercícios. O pagamento de débito não é um recurso adicional, mas,se assim reconhecido, uma reposição de recursos que não foram –mas deveriam ter sido – alocados.

10. controle da efetividade do gasto por meio de certificação universalde freqüência e qualidade

O controle da efetividade do gasto e a verificação da freqüência eda qualidade constituem um objetivo de qualquer modelo e devemser feitos, com um fundo ou três fundos. Estão entre as diretrizesindicadas pelo PNE. O Inep, desde o período do governo passado,efetua controles estatísticos e auditorias para verificação das matrícu-las. Com relação à qualidade, o Saeb representa o instrumento deaferição. Sempre é possível aperfeiçoar estes controles e instrumentosde avaliação. No governo atual, a ação da Controladoria Geral daUnião tem sido importante para este objetivo.

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Referências Bibliográficas

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BASTOS, Celso Ribeiro . Curso de Direito Constitucional. 11ªedição, 1989. Ed. Saraiva

MONLEVADE, João . Algumas Reflexões sobre a transição FUNDEF-FUNDEB – www. mec. gov. br/sef/fundeb

ODDEN, Allan . Creating School Finance that facilitate neal goals,in Policy Briefs. Consortium for Policy Research in Education-CPRE, September, 1998.

RÁO, Vicente . O Direito e a vida dos Direitos, vol. I, Tomo I. EditoraResenha Universitária, São Paulo, 1976.

U. S. Department of Education . 10 Facts about K-12 EducationFunding, in www. ed. gov/about/overview/fed

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CAPÍTULO 4

POLÍTICA DE FUNDOS NA EDUCAÇÃO:DUAS POSIÇÕES

Lisete Arelaro *Juca Gil **

A discussão sobre o financiamento da Educação exige necessaria-mente que nos posicionemos pelo menos sobre três aspectos: a ne-cessidade de mais recursos financeiros para a Educação, a política devinculação de recursos e a política de fundos. Os autores deste artigopossuem posições convergentes acerca dos dois primeiros e absoluta-mente divergentes sobre o último. Assim, a intenção deste trabalho écontribuir para o debate atual relativo aos recursos financeiros afetosao setor educacional público, em específico no que tange à necessi-dade ou não da existência de fundos para a sua gestão.

Uma das dificuldades para se discutir este assunto no Brasil é:seja qual for nossa posição em relação à política educacional atual,

* Profa. Fac. de Educação/USP** Prof. Fac. de Educação/USP e UNITAU

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esbarramos num impasse quase insolúvel: num país desigual comoo nosso, as propostas vigentes apresentam, exclusivamente formasinsuficientes de fazer “render” mais os mesmos recursos. Em nenhummomento, discute-se, de forma consistente, a necessidade inadiávelde uma contraproposta à política econômica e, especialmente emrelação à manutenção do quase intocável equilíbrio fiscal, em detri-mento à priorização das políticas sociais.

Por isso, é necessário muita cautela para que um dos pontos quehistoricamente representou um avanço nos gastos sociais,notadamente na Educação – a vinculação constitucional de recursos– não seja abolida das proposições governamentais, uma vez que esta,de certa maneira e em certo grau, garante a prioridade de investimen-to em Educação. Estudos comparativos demonstram que estavinculação tem sido positiva, mesmo considerado, os eventuais desvi-os de aplicação cometidos nas diferentes esferas públicas, e vem repre-sentando investimento diferenciado na área educacional.

Não por acaso, apesar da resistência de setores significativos daárea financeira das esferas públicas, a área da saúde “brigou”, nofinal do século passado, por essa vinculação e a obteve, 12% dosorçamentos anuais, quase doze anos depois da promulgação da Cons-tituição Cidadã de 1988. No entanto esse ganho corre o risco de serdissipado pelas negociações pouco cidadãs que os Governos Esta-duais vêm fazendo com o Governo Federal em relação às propostas“pobres” da reforma tributária ora em pauta. Leia-se, a este respeito,reportagem no jornal Folha de S.Paulo, de 27/7/03, onde Elio Gasparidenuncia que 7 bilhões de reais da Educação e da Saúde poderiam“sumir”, em função das negociações dos governadores com oGoverno Federal sobre a reformulação dos cálculos da aplicação dosrecursos na área social, no projeto de reforma tributária, quando entãoestes cálculos passariam a ser feitos após o desconto do percentualdo pagamento da dívida de seus Estados, estimada normalmenteem 13% dos seus orçamentos.

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Temos que admitir, de uma vez por todas, que não haverá ensinode qualidade para todos, em todas as regiões do Brasil, nas zonas ur-banas e rurais, em estados ricos e pobres se não ampliarmos os recur-sos hoje disponíveis para o setor educacional. Ou seja, compreende-mos que a problemática do financiamento da educação no país nãose resolve apenas com um aperfeiçoamento de aspectos gerenciais oucom a diminuição / eliminação de desvios: é imprescindível o aportede novos recursos.

Essa situação ficou mascarada com a implementação do FundefFundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental eValorização do Magistério, pois com a bandeira da descentralização/municipalização do ensino fundamental iludiu prefeitos e comunida-des sobre a sua pseudo democratização, sobre a universalização do aten-dimento educacional obrigatório e sua qualificação, com aumento subs-tantivo de seus recursos. A fórmula foi a mais simples possível: numpasse de mágica, os recursos de cada estado e seus municípios foramcolocados numa cartola, “balançados” bem e...surpresa!! está estabelecidaa igualdade e a fraternidade solidária na Educação. Eu, governo federal,“produzi” o espetáculo e depois sentei para contemplá-lo. Se a “cena”,no caso, precisasse de retoques, a complementação mínima de recursosfinanceiros federais seria feita, a menor possível, para não ficar clarodemais e falsear totalmente o discurso. E foi o que aconteceu. Não poracaso, a mesma “revolução” não sofreu – nem ao menos no primeiroano de sua implantação – uma atualização de valor anual minimamen-te compatível com a inflação do período.

Até pouco tempo, os 25% vinculados à Educação eram considera-dos, do ponto de vista jurídico, e para que não se comprometesse aautonomia dos entes federativos, a máxima vinculação constitucio-nal possível. Ou seja, definida a prioridade nacional – a Educação –como direito de todos, por suposto os 25% reservados deveriam seraplicados, sob a ótica do interesse maior da população, conforme asnecessidades específicas, e a critério de cada uma das três esferas pú-blicas: União/ Estado/ Município.

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A partir da Emenda Constitucional 14/96, que criou o Fundef,um “passa moleque” na Lei foi dado pois, apesar do “tempo certo”(dezembro de 2006) de sua duração – é esta a razão para este Fundoter sido criado no corpo das “Disposições Transitórias” e não nocorpo da Constituição – o Fundef estabelece uma subvinculação de15% para o ensino fundamental, ou seja, 60% do total dos 25% jávinculados constitucionalmente para a “ manutenção e desenvolvi-mento do ensino” (art. 212 – CF/88).

Acreditamos que esta subvinculação seja inconstitucional, namedida em que considera parte dos entes públicos, em especial osmunicípios, como “infantis” ou “imaturos” para cumprir com dig-nidade e competência as suas responsabilidades públicas com aEducação. Ou seja, sem condições de definir de forma cidadã ejusta, o bom uso dos recursos de e para sua comunidade, ficamobrigados a seguir determinação federal que impõe, com petulân-cia ainda que com acerto, a possibilidade de intervenção nos esta-dos e municípios, caso a norma não seja cumprida. Em compen-sação, não existe na Lei Maior, nenhuma disposição legal queobrigue este mesmo cumprimento pelo Governo Federal, razãopela qual as quase quinze ações judiciais lideradas pelos partidosde oposição da época e os sindicatos e associações nacionais quereúnem profissionais de educação, propostas desde fevereiro de1997, só foram julgadas, no mérito, no último trimestre de 2002,considerando-se esta subvinculação “legal”, fundamentalmentepara não se deixar “a descoberto”, do ponto de vista da Lei, asatividades dos municípios e estados, nos seis anos de vigência doFundef.

Os dois autores tem acordo em suas posições até aqui. Porém, “a”autora não acredita na necessidade/pertinência da existência de Fun-dos no setor educacional enquanto “o” autor, sim. Desta forma, aseguir apresentamos os argumentos favoráveis aos Fundos, que re-presentam as idéias do segundo autor, para em seguida, expormosos pontos de vista da primeira autora, contrária aos Fundos.

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Em defesa dos Fundos

Anteriormente à existência do Fundef, criado em 1996, pela estri-ta lógica federativa, os municípios e estados pobres permaneciam lar-gados à sua própria sorte ou dependendo da boa vontade do governofederal. Por terem uma baixa arrecadação teriam que contentar-se comuma educação mais pobre do que a de municípios e estados vizinhos.

Pela atual mecânica, a redistribuição e equalização de recursos, pormeio do Fundef, é maior no âmbito de cada estado e seus respectivosmunicípios. Assim, por exemplo, São Paulo não repassa verbas para oPiauí, sendo papel do governo federal, em tese, repassar recursosadicionais para aqueles que mais necessitam, com seus próprios re-cursos orçamentários. Um estudante paulista não pode continuar a“valer” três vezes o que “custa” um estudante piauiense. Por outrolado, acredita-se que a questão educacional é uma problemáticanacional e assim deve ser tratada. Se se defende uma escola “unitária”,não podemos esperar que isto surja da ação isolada de 5.500 municípiose 27 estados, como em diversos aspectos ocorre hoje. Isso vem setraduzindo em “livre mercado” onde os mais “aptos” sobrevivem; paranós, mais do que sobreviverem, todos têm o direito de fazê-lo comqualidade, o que exige outros mecanismos de busca da igualdade.

Acredita-se que os fundos podem servir justamente para criar for-mas de redistribuição de recursos e para novos modelos de gestão.Assim, são potenciais alternativas para gerir melhor os recursos e nãonecessariamente gerar mais dinheiro.

Não há dúvidas de que políticas de financiamento têm o poder deinduzir e até definir políticas sociais. O Banco Mundial e o FMIexistem para provar isto: “ou fazem do jeito que nós queremos ou nãotem dinheiro”. O governo federal, por meio do Fundef, fez exatamenteo mesmo: “ou você (estado e município) tem aluno de ensino funda-mental regular em sua rede ou fica sem os recursos”. Daí a correriaatrás dos alunos de 7 a 14 anos (gerando municipalização e/ou

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estadualização de matrículas por simples lógica financeira), daí a in-clusão oportunista de crianças de 6 anos ao ensino fundamental emvárias cidades, daí o abandono da educação infantil, da educação dejovens e adultos, da educação especial...

Entende-se porém que a indução, em si, não é ruim. O problema équem decide o caminho a ser trilhado e como o faz. Acredita-se nademocracia, em especial quando esta incorpora forte participaçãopopular na elaboração, implementação, fiscalização e avaliação depolíticas. Tem-se a convicção de que as melhores alternativas nãosurgirão da cabeça de alguns ‘iluminados’ (de direita ou de esquerda) esim da elaboração coletiva, onde os ditos “especialistas” dialoguem,ensinem e aprendam com a população.

Os fundos, geridos por meio dos Planos de Educação (estaduais,municipais e, desejamos, nacional), podem e devem induzir açõesmenos desiguais. Não se almeja aqui a uniformidade, mas o estabele-cimento de padrões mínimos definidos em conjunto com os cida-dãos. Não é possível a existência de municípios que não possuamnenhum atendimento público em creche ou educação especial, comoacontece em algumas cidades paulistas, segundo dados de 2002!

Os fundos, como o Fundef ou o Fundeb Fundo de Manutenção eDesenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissi-onais da Educação, forçam a discussão conjunta entre a União, osEstados e os Municípios sobre quais são os valores considerados su-ficientes, necessários e/ou possíveis de serem investidos em educa-ção. Essas discussões, em si mesmas, são democratizadoras, pois te-mos melhores condições de saber como funcionam os mecanismosde captação, distribuição e gasto dos recursos educacionais. Nestesentido, sustentam esta argumentação os posicionamentos da Uniãodos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do ConsedConselho de Secretários de Estado da Educação (Consed) com forteteor crítico em relação ao Fundef.

A proposta de Fundeb, elaborada pela bancada federal do PT, em1999 (Proposta de Emenda Constitucional nº 112 – PEC 112/99), é

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imperfeita, deixando algumas lacunas. Isso se dá pelo fato de sua ela-boração ter ocorrido com pouca discussão, em especial junto aosmovimentos organizados. Porém, o Fundeb supera a lógica do Fundef,aponta formas e cria mecanismos para o surgimento de uma novaconcepção de gestão educacional. Defende-se o Fundeb tendo porpressuposto que nenhuma mudança substantiva ocorre pela simplesinércia advinda de alterações legais; acredita-se na mobilização soci-al, na disputa e em diversos mecanismos de luta, ora sendo vistoscomo formas “ultrapassadas” de ação.

Com a tabela a seguir, busca-se traçar as principais diferençasentre o Fundef e a proposta original do Fundeb

Inicialmente, a proposta ataca o principal problema do financia-mento educacional no país: a falta de recursos. Ao determinar o au-mento da vinculação federal de 18% para 20%, ela traria algo em tor-no de um bilhão de reais para a educação (quase o dobro do que ogoverno federal aplicou no Fundef em alguns anos). Isto não equacionaa falta de recursos, mas põe por terra a premissa estruturante do Fundef,qual seja, a de que os problemas de financiamento localizavam-seexclusivamente no gerenciamento incompetente das verbas e não emsua escassez.

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O segundo aspecto a favor do Fundeb é o fato de não ser, em suaraiz, uma política de curto prazo, como o Fundef foi originalmenteconcebido. A vida curta do Fundef, vigorando por apenas 10 anos,inviabiliza aos gestores e à população buscarem políticas de longoprazo, afinal, em dezembro de 2006, tudo pode ser diferente: recursosque chegavam deixariam de vir e... o caos estaria instalado! Aquelesmunicípios que criaram redes inteiras não receberiam mais os recur-sos que garantiam a manutenção destas novas incumbências. OFundeb seria perene, até nova reformulação constitucional.

O terceiro aspecto diz respeito à responsabilização da União paracom a educação básica. O papel atribuído ao governo federal deixade ser o de mero “manda-chuva” que dita regras e distribui migalhas,ficando na cômoda posição de espectador das venturas e desventu-ras de estados e municípios. Ele passa a ser co-responsável pela edu-cação básica, o que é oposto à direção tomada por Collor e FernandoHenrique Cardoso, em especial no que diz respeito à “grana” daeducação.

O quarto aspecto é uma grande inovação da gestão educacional.Atualmente as definições dos valores mínimos a serem aplicados noFundef ocorrem através de decretos federais, sem consulta a ninguéme desrespeitando até o débil dispositivo legal para sua aferição. A pro-posta do Fundeb vincula estas definições a Planos Estaduais e Muni-cipais de Educação, neste sentido induzindo a articulação entre apolítica de financiamento educacional com os rumos geraisconstruídos com a participação de amplos setores sociais.

O quinto ponto destacado no projeto do Fundeb é o resgate daconcepção de educação básica, conquistada pelos trabalhadores emeducação na LDB (9394/96). O Fundef manteve e aprofundou anefasta segregação entre níveis e modalidades de ensino, acirrando acompetição por recursos entre eles, privilegiando o ensino fundamentalem detrimento dos demais. Ao reunir toda a educação básica afirma-mos o direito a um conjunto maior de formas e tipos de açõeseducativas, apontamos para a identidade e não para a diferença e

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favorecemos a socialização de problemas e soluções e não a disputafratricida.

O sexto quesito a ser destacado significaria uma fenomenal con-quista, em especial para os movimentos sociais que historicamentebuscam melhores condições para a educação: o piso salarial nacional.O Estado brasileiro vem se esquivando desta definição, permitindo aexistência de condições indignas para milhares de educadores. OFundef não tocou nesta questão e, apesar do discurso do governofederal quando da tramitação desta lei no congresso indicar um pata-mar mínimo (na época, R$ 300), a balela não consta da legislação enem tornou-se realidade. O mais importante seria a indução para aexistência de “subpisos” estaduais e municipais, obviamente em valo-res superiores aos nacionais.

A sétima alteração viria de uma dupla mudança: quantitativa equalitativa. A subvinculação mínima em gastos com pessoal passariade 60% para 80% e não somente os docentes seriam beneficiados,mas o conjunto dos (as) trabalhadores (as) em educação. É primordi-al lembrar que o Fundef gerou a bizarra situação em que apenas pro-fessores do ensino fundamental regular obtivessem certas vantagensenquanto colegas de educação infantil, ensino médio e educação dejovens e adultos, nas mesmas redes, com atribuições similares, viven-do os mesmos problemas, ficassem de mãos abanando.

A oitava e última modificação prevista é conseqüência e pré-re-quisito para a “factibilidade” de todas as demais: o Fundeb abarcaria atotalidade dos recursos vinculados e não apenas 60% de alguns im-postos, como ocorre no Fundef. Para promover todas as alteraçõescitadas anteriormente, o Fundeb precisaria ser “vitaminado” e valori-zado, chamando para si, além de maiores responsabilidades, meiosequivalentes. Sabemos que estes, hoje, seriam insuficientes (e o Fundebnão busca solucionar isto!) e estaríamos lidando apenas com os re-cursos disponíveis. Mas inclusive isto facilitaria o trabalho se aferirmoso quanto ainda falta para alcançarmos melhores patamares.

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Como vemos, as alterações propostas pelo Fundeb vão muito alémda simples troca da letrinha final. No entanto, vale reafirmar, conside-ra-se este mecanismo insuficiente para sanar a totalidade dos proble-mas de financiamento e/ou gestão educacional e, ainda, imperfeita.Quanto às imperfeições, citaria três: a ausência de integração com aeducação superior, a utilização dos 20% de recursos vinculados do go-verno federal (seriam usados para bolsas? Bolsinhas e similares? Paraalfabetização ‘express’ em 90 dias?) e a exeqüibilidade e pertinência davinculação da totalidade (100%) dos recursos. Dito isso, acredita-se quemesmo assim, as características do Fundeb superam a simples vinculaçãoconstitucional e guarda pouca relação com a essência política do Fundef.

Considera-se, desta forma, uma proposta instigante que deve serdebatida em profundidade e implementada sem pretensões salvadoras,exigindo diversas medidas complementares para uma mudança maisprofunda na educação brasileira.

Aspectos discutíveis da Política de Fundos

Historicamente, a criação de Fundos Especiais – lembremo-nosdos Fundos previstos na primeira LDB, a de 1961 – Lei 4024/61 -,em que os Fundo de Ensino Primário e de Ensino Secundário cons-tituíram-se fontes preciosas de complementação dos recursos finan-ceiros para a expansão destes níveis de ensino.

O primeiro Plano Nacional de Educação (1963), que propunhaque, em 1970, 100% das crianças brasileiras estivessem matriculadasno ensino primário de então (1ª a 4ª série do atual Ensino Funda-mental), contava com a participação desses recursos no “ bolo” orça-mentário para poder realizar, de forma ousada, a meta que havia sidodefinida. Ou seja, os Fundos Especiais tinham como objetivo princi-pal ajudar a viabilizar a diretriz educacional definida, em prazo certo,no caso, o direito de todos, e o conseqüente dever do Estado ao ensi-no obrigatório.

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Não se cogitava que estes Fundos substituíssem os planejamentosespecíficos e particulares de cada um dos Estados e seus Municípios.Este sentido de complementaridade da disponibilidade financeira dosentes públicos precisa ser ressaltada na atual conjuntura.

Se não, vejamos: a Saúde, enquanto direito social à semelhança daEducação, tem como objeto de preocupação o conjunto da popula-ção brasileira. Na Constituinte de 1987-1988, a área da Saúde, a partirde algumas experiências pioneiras de gestão descentralizada, em es-pecial com uma expressiva participação popular – e inédita, pois en-volvia o próprio usuário – propôs o Sistema Único de Saúde (SUS),como ficou conhecido – que estabelecia o atendimento universaliza-do da população e, em conseqüência, um custo unitário por exame/consulta realizado no Brasil, envolvendo inclusive a rede privada ecomunitária médico–hospitalar, para a consecução solidária dauniversalização do atendimento em Saúde.

Estabelece-se, no Brasil, de forma sutil, pela primeira vez, a idéiade custo/unidade de atendimento ou custo/cidadão atendido. Sobreeste número geral de atendimento (quantidade de cidadãos atendi-dos) é que a idéia de “reserva de verbas orçamentárias” para o setorSaúde foi se configurando.

E o resultado, hoje, para a população? Atrás de um discurso pseuda-mente democrático e progressista de gestão descentralizada, com par-ticipação popular – a proposta envolvia a criação de Conselhos Popu-lares de Saúde – e custo unitário nacional do atendimento básico emsaúde conseguiu-se, além dos elogios do Banco Mundial, uma es-candalosa privatização do atendimento em saúde no Brasil.

Perguntamos: que segmento social, médio ou pobre, com empre-go fixo – excluamos os mais ricos pela obviedade da sua opção – nãopossui, ainda que com muita dificuldade para o seu orçamento men-sal, plano de saúde privado, mesmo que quase ridículo pela precarie-dade do atendimento? Quem freqüenta as (intermináveis) filas doSUS? Que segmentos da população vêm morrendo, sistematicamente,

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por falta de UTIs/ falta de vagas para internação em geral/ precáriahigiene hospitalar/ falta de remédios nos Postos de Saúde?

A certeza da desqualificação do atendimento médico hospitalarlevou operários, professores, profissionais liberais e os próprios profis-sionais da saúde – nem os sindicatos ficaram de fora – à descrença deum atendimento “público” – agora, reconceituado e, portanto, nãonecessariamente estatal – de qualidade. O que temos hoje? Um aten-dimento “universalizado” ruim, destinado à populaçãomajoritariamente muito pobre do País.

É verdade, e é importante destacar isto, que os atendimentos e osprocedimentos técnicos dos hospitais e unidades de saúde estataissão ainda (felizmente!) melhores que os dos hospitais privados queatendem o SUS. Mas não é verdade, que mesmo com esta propostaradical de redistribuição de recursos financeiros públicos, conseguiu-se a desejável expansão e qualidade de atendimento em saúde. Foi avinculação constitucional de recursos para a área que estancou, semdúvida, o investimento. E para isso, não foi necessária a “intervenção”em Municípios e Estados, como o Fundef fez – e o Fundeb pretende.A partir dessa vinculação legal, o Governo Federal não conseguiu“empurrar” às outras esferas públicas a sua co-responsabilidade naimplementação desse direito social.

Por que os educadores têm que fazer estas reflexões? Porque emuma área social muito próxima a nós – a Saúde – a política pública do“foco” que tanto temíamos já está em plena execução no Brasil. Ouseja, na área da Saúde já admitimos, na prática, que não há condiçõesdo atendimento universal e, em conseqüência, já nos “privatizamos”.A saúde pública já não é mais destinada a todos, mas sim a quem nãotiver nenhuma condição de pagar pelo atendimento. E portanto, dese mobilizar para “brigar” por um atendimento de melhor qualidade(ou minimamente digno e respeitoso).

O Fundef, considerado pelo Governo FHC exemplo inovador depolítica social que, nos termos de documento do MEC, articula os trêsníveis de Governo, incentiva a participação da sociedade na fiscalização dos

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recursos e define prioridades para que sejam atingidos os objetivos estratégicosde: promover a justiça social, promover uma política nacional de equidade,promover a efetiva descentralização e promover a melhoria da qualidade daEducação e a valorização do magistério público, não passou de competenteestratégia para transferir aos Municípios responsabilidades até entãoda União e dos Estados e manter, ao custo mais baixo que for tolerávelpara as crianças pobres – e só para elas – uma escola pobre. O velholema que os cínicos (pré/pós) liberais pregavam em políticas públicas:“aos pobres, a pobreza” vê-se consolidado através do Fundef. Nunca oGoverno Federal gastou, de forma tão competente, tão pouco noensino fundamental...

As condições para que este fenômeno fosse realizado no Brasilsão bem conhecidas: 1º) um excelente trabalho na mídia, que con-fundiu a população brasileira (a revolução na Educação /a escola já estádiferente / acompanhe os recursos que todos os dias chegam na escola de seufilho / os amigos da escola, etc...; 2º) foi impedida, legalmente, a utilizaçãode recursos do Fundef na educação de jovens e adultos, mesmo emcursos presenciais, para não haver um “excesso de pressão dedemanda”, nos termos do então Ministro da Educação ; 3º) a Educa-ção Infantil, o mais novo direito das crianças pequenas, em especialas de zero a três anos de idade, que “engatinhava” na sua implantaçãono Brasil, a partir da CF/88, como responsabilidade primeira – e nobre– dos Municípios, e que redesenhava o atendimento público, diretoem creches, tem sua curva ascendente de atendimento e expansão de1988 a 1997 interrompida.

O Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica)-apresentado como Proposta de Emenda Constitucional em 1999,pelo Partido dos Trabalhadores, e incorporado no Plano de Gover-no dos Partidos da Coligação que elegeu o Governo Lula, comosolução definitiva e radical (quase mágica!) para garantir “igualdadede oportunidades” a todos os estudantes brasileiros apresenta, tam-bém, vícios de origem que o colocam numa plataforma de fantasiaeducacional.

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Proposto como mecanismo definitivo, pretendendo-se que o mes-mo seja incluído no corpo da Constituição e não mais nas Disposi-ções Transitórias, o mesmo se constituiria em processo substitutivoaos procedimentos em vigor de elaboração dos orçamentos públicos.Ou seja, a vinculação dos 25%, já não mais se constituiria em estraté-gia para que cada município e governo estadual, a partir de esforçoreal e necessário, que traduzisse a concepção de “colaboração entre asesferas”, consideradas e respeitadas a história, a cultura, as condiçõesfinanceiras e as especificidades locais e regionais, construíssem umplano comum e solidário de atuação.

Ao propor a vinculação ao Fundeb de 100% dos recursos vincula-dos à Educação, limita-se ou impede-se qualquer autonomia munici-pal ou estadual para definir seus rumos. Acaba-se com a história daeducação nas cidades e nos Estados, pretendendo-se estabelecer – denovo por decreto! – sem uma verdadeira revolução – e nos garante ahistória política, as vitoriosas sempre foram fruto de luta armada –que 1/4 de tudo que for arrecadado “será dividido” entre todos. Per-gunta-se: um Município de porte médio, que possui um Estatuto doMagistério, que vem sendo cumprido e que prevê benefícios gradativose permanentes aos seus profissionais de educação, e que, portanto,oferece um patamar de remuneração e ganhos trabalhistas superior àmédia da maioria dos municípios ou estados, ficará impossibilitadode manter esta diferença? Hoje, ainda que com dificuldades, mas comos supostos impostos e contribuições que não compuseram o Fundef,Municípios e Estados podem manter esta diferença, por sinal consti-tucional. Não se estaria anulando a noção de autonomia político-administrativa da República Federativa? Ele (o prefeito) poderia pa-gar “a menor” aos trabalhadores, em nome da solidariedade? E só naárea da educação? Nas outras áreas sociais, a diferença (e a desigual-dade) pode permanecer?

E o Plano de Obras discutido e aprovado pela população? Sofre-ria cortes porque o custo de cada unidade escolar ou o padrão (umpouco mais bonito) de construção não pode mais ser mantido, em

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função da extravagante “socialização” imposta às esferas públicas,sem nenhuma alteração do modelo de projeto político-econômicoadotado no País?

Que prefeito municipal, só para lembrarmos um aspecto, cobrariaum IPTU progressivo de seus munícipes, se os outros municípiosque o rodeiam – por possuírem menor atividade industrial e comerci-al ou por pura inércia ou conveniência de seus governantes – deixamde fazê-lo ou o fazem com custo simbólico?

Acredito que, a partir de planos municipais e estaduais de Educa-ção elaborados com a participação da população e dos profissionaisda área, poderíamos ter boas propostas de políticas educacionaisexeqüíveis e que melhor atendessem aos interesses das diferentes co-munidades e da Nação. Para isso, não precisamos financiar a Educa-ção por meio de “Fundos”.

Uma boa reforma tributária, que efetivamente exija uma contri-buição mais significativa do Capital Financeiro, é o que viabiliza aação – insubstituível – de redistribuição de renda e superação das de-sigualdades regionais e da pobreza pelos governos estaduais e federal,numa República verdadeiramente federativa.

Pondere-se também que o estabelecimento de custo/gasto únicopara aluno atendido, em todo o Brasil ou para cada Estado, não rebai-xa as expectativas de investimento na área de Educação, como o pró-prio Fundef sobejamente demonstra. Que secretário de Fazenda ouFinanças, após o estabelecimento do custo mínimo, vai determinarmaiores investimentos na área educacional que aumentem o valor(pouco ou muito) de cada um dos alunos matriculados na rede deensino?

Insistimos: não há experiência histórica na área de políticas soci-ais, de implementação de políticas ousadas e universalizantes, depoisque um custo per capita estadual ou nacional tenha sido estabelecido.

A ingenuidade da PEC sobre o Fundeb não incorpora o ensinosuperior nos gastos estaduais e nacional da Educação porque não“sobrou”, nas suas contas, recursos financeiros para tanto. Mesmo

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o aumento proposto da vinculação constitucional, em nível federal,dos atuais 18% para 20%, não prevê a manutenção e a expansão daeducação superior pública no Brasil.

Pretende-se, com o Fundeb, resolver questões de ordem quantitati-vas e qualitativas de toda a Educação Básica, argumentando-se que avinculação total dos recursos seria a melhor (única?) alternativa paraviabilizar a escola de qualidade para todos, em toda a Educação Básica.É evidente que esta é uma simplificação grosseira da questão da igual-dade e eqüidade educacional pois, num passe de mágica, teríamos esta-belecido por decreto a suspensão da República Federativa, das respon-sabilidades específicas dos entes públicos e das especificidades regio-nais e locais. Não se considerou, como não se considera, em nenhumdos projetos apresentados da Reforma Tributária, condições de cons-truir estruturalmente uma utopia que realize, a cada dia, uma sociedademais justa e menos desigual.

Pretende-se, repetindo a História e a fase do nacional-desenvolvimentismo, fazer da Educação o mote exclusivo “da revolu-ção” a ser desencadeada no País, e não um dos direitos sociais que, apartir de um projeto mais global, gere um desenvolvimento pessoal e daNação.

A discussão sobre o eventual aporte de 1 bilhão de reais, que adiferença de 18 para 20% dos recursos federais vinculados traria –caso, eventualmente, conseguisse ser aprovado este aumento davinculação federal – representa quase o dobro do que o Governo FHCinvestiu na complementação de recursos para os oito Estados (todosos da Região Nordeste, menos o Rio Grande do Norte e mais o Esta-do do Pará/ Região Norte), que não possuíam condições para o paga-mento do mínimo a ser investido no ensino fundamental. Comple-mentação esta da ordem de R$ 486,6 milhões, em 1998; R$ 579,9milhões, em 1999; R$ 634,2 milhões, em 2000, conforme relatóriodo próprio MEC. Só a “dívida” social e financeira do Governo Fede-ral em relação ao que deveria ter sido investido no ensino fundamen-tal já consome esse bilhão.

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Neste caso, não se pode pretender que um eventual novo – esimplista – pacto social dê conta desta nova proposta de gestão edu-cacional.

Algumas conclusões provisórias

Os autores concordam que é urgente a necessidade de se buscarnovas fontes de recursos financeiros para a Educação, seja com acriação de salário creche – para dar conta do direito social das crian-ças pequenas a um atendimento educacional – seja por meio devinculação de percentual das loterias, do Finsocial, do Imposto SobreGrandes Fortunas (IGF). O aperfeiçoamento dos mecanismos degestão democrática também se impõe como condição da qualidadeeducacional.

Assim, propomos avaliação anual do Plano Nacional de Educa-ção e dos estaduais e municipais que forem sendo aprovados, nosquais os aspectos do financiamento da Educação sejam discutidos deforma mais exaustiva, e por diferentes segmentos da população. Al-guns aspectos, particularmente os que se referem à publicização deinformações financeiro/contábeis que viabilizem a elaboração de es-tudos para subsidiar a definição de valores do custo-aluno-qualidade,entendidos enquanto montantes financeiros necessários para a con-secução de uma educação com qualidade, socialmente pactuada, pre-cisam e podem ser colocados em prática, com urgência.

Propõe-se, também, a unificação dos Conselhos de Educação, decaráter deliberativo, normativo e/ou consultivo (municipais, estadu-ais e nacional) com os Conselhos Gestores (hoje, o do Fundef ), e osde Alimentação Escolar, para evitar discussão pulverizada da questãoeducacional, facilitando uma melhor avaliação das políticas educaci-onais implementadas. Nesse sentido, faz-se urgente a criação de me-canismos legais que impeçam que os representantes do Poder Execu-tivo presidam aqueles conselhos, uma vez que eles têm que, entre

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suas atribuições, fiscalizar a atuação daquele Poder, como é o caso dosConselhos de Educação (municipal, estadual), do Fundef, de Alimen-tação Escolar... São providências simples que podem incentivar eprestigiar uma autonomia crescente dos conselhos e, nesta condição,expressarem, de fato, uma gestão democrática.

No entanto, a política educacional adotada pelo novo Governonão tem caminhado nesta direção. Ao contrário, nela tem predomi-nado uma visão “compensatória” para a utilização dos recursos federais.Até hoje, o Governo Lula possui – criou ou manteve – sete tipo deBolsas: da Bolsa Escola (R$ 30 para cada filho, até três, na família) àBolsa Primeira Infância (esta, com valor de R$ 50 por criança).

Essa atuação da esfera federal nas políticas públicas dificultasobremaneira a possibilidade de se exigir das outras esferas umcomportamento substantivamente diferente. É claro que é mais inte-ressante distribuir, de forma pulverizada, mas direta, recursos públi-cos, pois o fisiologismo político nos ensina que esta dinâmica de dis-tribuição sempre rende bons dividendos. Mas, para o futuro do País,que se pretende justo e solidário, ela é desastrosa.

É por isso mesmo que a adoção ou não de uma Política de “Fundos”deve ser alvo de amplo debate junto à sociedade, utilizando nossasexperiências, regionais e nacionais, como subsídios para oaprofundamento das análises e das propostas, de tal forma que o velho– e mais que nunca necessário – compromisso com o direito de todos auma educação de qualidade possa ser realizado neste inédito momentohistórico de um governo que se pretende popular e democrático.

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CAPÍTULO 5

REQUISITOS PARA A CONSTRUÇÃO DO FUNDEB *

Jose Marcelino de Rezende Pinto **

Quando analisamos o modelo de financiamento da educação noBrasil, o que mais chama a atenção é o peso muito reduzido do gover-no federal no financiamento da educação básica (educação infantil,ensino fundamental e médio). Assim, tendo por base os dados doINEP (1 ), constata-se que, em 1999, o último ano para o qual exis-tem dados consolidados, a contribuição do governo federal nos gas-tos com educação básica foi de apenas 3% do total. Por outro lado,considerando agora a participação da União no total de recursos doFundef, em 2003, vamos chegar ao mesmo índice (3%).

Dessa forma, conclui-se que estados e municípios são os principaisresponsáveis pelo financiamento da educação básica no Brasil. Esse

* Texto Publicado na revista Educação: Teoria e Prática do Departamento de Educação do Instituto de Biociências da Unesp,campus de Rio Claro.

** Professor da FFCLRP-USP e ex-diretor do Inep. Email: jmrpinto@ffclrp. usp.br1 www. inep. gov. br/estatisticas/gastoseducacao

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fato pode não representar um problema se duas condições ocorrerem: 1– os recursos desses dois níveis de governo disponíveis para aplicar emeducação são suficientes e, 2 – não há grandes disparidades nos recur-sos disponíveis por aluno entre os diferentes estados da Federação.

Neste texto avaliaremos então a disponibilidade de recursos para aeducação no Brasil tendo em vista estas duas condições e faremos,em seguida, algumas simulações sobre o aporte necessário de recur-sos da União, tendo como meta um valor de gasto por aluno queassegure um padrão mínimo de qualidade do ensino no país, comodetermina a LDB:

Art 75. A ação supletiva e redistributiva da União e dos Esta-dos será exercida de modo a corrigir, progressivamente, asdisparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade deensino. (caput)

A Tabela 1a seguir, apresenta os recursos disponíveis por alunoda Educação Básica, considerando a aplicação de 25% da ReceitaLíquida de Impostos do Estados e Municípios.

Os dados apresentados nesta tabela indicam, em primeiro lugar,uma grande discrepância no valor disponível por aluno entre os dife-rentes estados da federação. Assim, para uma média, em 2002, deR$ 933 por aluno, a razão entre o maior valor (Roraima) e o menor(Maranhão) é de 4,3 vezes, com um desvio padrão bastante elevado(35%). Estes dados mostram que, sem a participação da União, é im-possível assegurar um tratamento mais equânime nos gastos por alu-no no país. Mesmo a introdução do Fundef pouco alterou este qua-dro. Dados do relatório do Fundef de 2003 (2 ) indicam uma razão de3,6 vezes entre o estado de maior valor (RR) e o de menor (MA).

A segunda questão a ser avaliada é: qual o valor adequado paragarantir um padrão mínimo de qualidade. Este tema pode ser abordado

2 Disponível em www. stn. fazenda. gov. br

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de duas formas. A primeira, pela realização de estudos empíricos decusto em escolas consideradas de qualidade tendo em vista umconjunto de critérios (infra-estrutura e equipamentos, opinião de es-pecialistas, desempenho dos alunos etc.). O Inep, por meio de convê-nios com nove estados, realizou um estudo dessa natureza em 2003.Outra maneira é construir uma escola fictícia a partir de indicadoresde custo de seus diferentes insumos. Tendo em vista a carência aindade dados de campo sobre os custos de uma escola (ou de escolas) dequalidade, e apenas com o objetivo de simular a necessidade de recur-sos, optaremos, aqui, por esta segunda metodologia, que tem a vanta-gem de ser simples e permitir desenhar diferentes cenários com bas-tante rapidez (3) . Considerando ainda que o principal elemento decomposição no custo aluno são os gastos com pessoal, a partir dadefinição dos salários médios do profissionais que trabalham na es-cola, em especial dos professores, e na definição do número de alunospor turma, esta metodologia permite que obtenhamos valores bemrealistas e que propiciem avaliar os impactos financeiros nos sistemasde ensino.

Assim, foi construída a escola mostrada na Tabela 2, a seguir quepossui 600 alunos, cujos professores recebem um salário médio de R$1.600, que dispõe de biblioteca com dois bibliotecários, um estagiárioremunerado para cada classe. A escola dispõe ainda de um diretor, doiscoordenadores pedagógicos, dois supervisores de recreio (que podemser estagiários do curso de educação física), quatro funcionários delimpeza, dois vigilantes, duas secretárias e duas merendeiras. Tambémestão previstos recursos para conservação e manutenção do prédio eequipamentos, para aquisição de material didático e reposição deequipamentos, além dos gastos de supervisão da escola (consideradoscomo 5% do total), encargos sociais (considerados como 20% dos gastoscom pessoal) e uma pequena provisão para cursos de capacitação docente(R$ 200 por professor). Como se constata, o gasto/aluno-ano obtido

3 Para conhecer um pouco mais desta metodologia visite o end.: www. Custo-aluno. inep. gov. br

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foi de R$ 1.678. Cabe ressaltar que não estão contabilizados os custosde construção e de implantação da escola, pois são feitos uma únicavez, mas pode-se estimar o custo de uma escola desta em cerca de R$800 mil, o que mostra que manter uma escola é muito mais caro queconstruí-la; na verdade, mantê-la é o equivalente a construí-lanovamente a cada ano. Por isso, é comum governos estaduais que sepropõem a construir uma escola e doá-la para o município.

Confrontando os dados da Tabela 2 com os valores disponíveisdos estados e municípios apresentados na Tabela 1, percebe-se queestes estão distantes de propiciar a manutenção de uma escola compadrões apenas razoáveis de qualidade. Assim, constata-se que so-mente os estados de São Paulo e de Roraima apresentariam recursospróximos aos R$ 1.678 obtidos na simulação, os quais representam1,8 vezes a média do país (R$ 933). E não cabe argumentar que setrata de um valor alto, pois ele é inferior aos cerca de R$ 2 mil que aReceita Federal permite descontar por cada dependente que freqüentaa rede privada de ensino. Além disso, basta atentar também para ofato de que este valor anual corresponde a cerca de R$ 140/mês, men-salidade menor que a da maioria das escolas privadas.

Portanto, os dados apresentados até aqui mostram que se preten-demos construir no país uma escola básica que assegure padrões mí-nimos de qualidade e que não apresente tantas disparidades regionaiscomo as atualmente existentes, a ação supletiva da União é impres-cindível. Mas antes de aquilatarmos qual deve ser a contribuição dogoverno central no financiamento da educação básica é importanteque comparemos as principais diferenças entre o Fundef e o Fundeb.Como é sabido, o primeiro fundo é composto por apenas parte dasreceitas constitucionalmente vinculadas à manutenção e desenvolvi-mento do ensino, a saber, 15% do ICMS + FPM + FPE + IPI-exportação + LC 97/96 e se destina apenas e tão-somente aos alunosmatriculados no ensino fundamental regular.

Os Gráficos 1 e 2 mostram os principais impactos da implantação doFundef. Em primeiro lugar, constata-se que as matrículas na pré-escola

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que vinham em um ritmo de forte crescimento praticamente se estabilizamcom a implantação do fundo. Em segundo lugar, observando-se ainda oGráfico 1, constata-se que o fundo levou a certo inchaço nas matrículasdo ensino fundamental que, mesmo com a queda a partir de 1999, aindaera de 35 milhões em 2002 para uma população de 7 a 14 anos de 27milhões. Estes números de matrícula no ensino fundamental sãomantidos elevados basicamente pela inclusão das crianças de 5 e 6anos na primeira série deste nível de ensino e pela fraude. A terceiraconseqüência da implantação do Fundef foi a de fomentar umprocesso de municipalização jamais visto no país. Este processo égrave, pois, enquanto as matrículas na rede municipal de EducaçãoBásica ultrapassaram, em 2002, pela primeira vez na nossa história, asmatrículas da rede estadual, os recursos disponíveis dos municípioscorrespondem a apenas 60% daqueles que se encontram nas mãosdos estados. Dessa forma, com o fim do Fundef, previsto para 31/12/2006, desenha-se um colapso no sistema de financiamento, pois osmunicípios não terão como arcar com os alunos sob suaresponsabilidade. Os estados, por sua vez, ficarão numa situaçãoextremamente confortável.

Apresentadas como uma forma de pôr um fim a estes problemas,surgem as várias propostas do Fundeb em discussão no MEC e noCongresso Nacional. A idéia central dessas propostas é destinar o con-junto dos recursos vinculados à educação (ou a maioria destes) ao totalde alunos matriculados na Educação Básica e não apenas ao ensinofundamental, como ocorre hoje com o Fundef. Com isso, pretende-seestimular os municípios a voltar a investir na educação infantil, de umlado e, de outro, assegurar os recursos necessários para as demandascrescentes do ensino médio, cujas matrículas ainda crescem somenteporque muitos estados contabilizam os gastos com o pessoal que atuaneste nível de ensino como se fossem realizados no ensino fundamen-tal. É comum ouvir-se também o argumento de que com o Fundeb osrecursos disponíveis aumentarão, pois nele estarão inclusos todos osrecursos destinados constitucionalmente ao ensino.

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Vejamos, pois, o que dizem os números apresentados no Gráfico3, que compara, para a situação de 2002, os recursos do Fundef comaqueles que seriam disponibilizados pelo Fundeb se neste estivessemincluídos todos os recursos vinculados dos estados e municípios.

Em primeiro lugar, ao comentar os dados do Gráfico 3, devemosnos lembrar que tanto o Fundef quanto o Fundeb não implicam

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inclusão de novos recursos para a educação por parte dos estados emunicípios, visto que ambos possuem como limite os percentuais jávinculados à educação pela Constituição Federal. A diferença é queo valor per capita do Fundef refere-se apenas ao ensino fundamentalregular, enquanto o equivalente do Fundeb inclui, além deste nívelde ensino, a educação infantil e o ensino médio.

Portanto o que os dados do Gráfico 3 apontam é que com umFundeb composto com 25% da receita líquida de impostos dos esta-dos e municípios haveria um aumento no valor per capita médio dopaís, na situação de 2002, de 33%, saindo de R$ 716 para R$ 933, umvalor que está ainda muito aquém do custo de uma escola com umpadrão mínimo de qualidade, ainda mais se considerarmos que, tantoas creches como o ensino médio possuem um custo mais elevado queo ensino fundamental.

Um dos pontos mais polêmicos na discussão sobre o Fundeb refe-re-se à inclusão, ou não, dos recursos provenientes da receita de im-postos próprios dos municípios (IPTU, ISS e ITBI). Os contrários aesta inclusão, entre os quais eu me alinho, alegam que ela penaliza osmunicípios com maior esforço e seriedade fiscal, é de difícil fiscaliza-ção (o Brasil possui mais de 5.500 municípios) e possui pequeno im-pacto financeiro. Neste sentido, levantamento feito pelo autor, para oano de 2002, indica que a não-inclusão destes impostos representariauma redução média de apenas 8,86% dos recursos do fundo.

Constatado, portanto, que para cumprir os princípios da eqüidadeentre as diferentes regiões e um gasto por aluno que garanta um padrãomínimo de qualidade, conforme estabelecido no art. 75 da LDB, opapel da União é imprescindível, resta saber então qual o montantedos recursos envolvidos. As simulações destes valores é apresentadana Tabela 3, considerando duas situações: na primeira trabalha-se comum valor mínimo nacional para o Fundeb igual a R$ 1.000 que seriaum valor um pouco acima da média nacional que foi o critério adotadona formulação do Fundef (Lei 9.424/96, art. 6°, § 1°) e que, tendo emvista o seu descumprimento pelo governo federal desde o governo

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Fernando Henrique Cardoso e continuado na gestão de Luis InácioLula da Silva, resultou em um prejuízo de R$ 19 bilhões para o ensinofundamental nos últimos seis anos. Na outra hipótese, trabalha-secom o valor mínimo de R$ 1.700 que seria aquele considerado comosuficiente para garantir o ensino com um padrão mínimo de qualidade(Tabela 2).

Pelos dados da Tabela 3 observa-se que para garantir um mínimonacional de R$ 1.000/aluno-ano, na situação fiscal de 2002 e consi-derando um fundo composto com 25% da receita líquida de impostosdos estados e municípios, a contribuição da União seria de R$ 9,6bilhões e não receberiam repasses federais os estado do Acre, Roraima,Amapá, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, SantaCatarina e Rio Grande do Sul. Já para um mínimo de R$ 1.700/alu-no-ano o complemento da União seria de R$ 36,6 bilhões e todos osestados da federação teriam direito à complementação. Para termosuma idéia do esforço que representaria para a União esta contrapartida,vamos compará-la com o PIB e com o total de despesas correntes daUnião (do qual estão excluídos os gastos de capital). Assim, na pri-meira situação (mínimo de R$ 1.000) a contrapartida representaria0,7% do PIB ou 3,5% das despesas correntes. Já no segundo cenário(mínimo de R$ 1.700) esta complementação representaria 2,7% doPIB e 13,3% das despesas correntes.

Estas comparações mostram que, se no curto prazo, ainda é difícilgarantirmos a todos os brasileiros que hoje estão matriculados (e aquiainda não falamos dos que estão fora da escola) o ensino com umpadrão mínimo de qualidade, é plenamente possível iniciarmos estemovimento garantindo, desde já, um piso nacional que seja menosvergonhoso que o atual, sem que isto signifique “quebrar” o governofederal ou deixar de pagar a dívida externa. Estudos do Inep (4) mos-tram que os gastos com educação no Brasil, excluídas as aposentado-rias do pessoal da educação, representam cerca de 4,3% do PIB. Em

4 www. inep. gov. br/estatisticas/gastoseducacao

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contrapartida, os encargos financeiros da União (EFU) com juros eamortização das dívidas interna e externa representam cerca de 10%do PIB. Isto mostra que uma redução de 27% nos EFU (esta divin-dade bem mais perigosa e concreta que o Exu) permitiria, em umprazo razoável, dotar o país de uma escola pública digna.

Antes de concluir este artigo restam ainda três pontos a seremconsiderados. O primeiro refere-se ao fato de que, ao se criar um fun-do que englobe toda a educação básica deverá ocorrer um aumentona oferta de matrícula tanto na educação infantil quanto no ensinomédio, fato não contemplado no cálculo que fizemos sobre o com-plemento da União que considerou apenas a matrícula atual. Contu-do, estudo feito pelo Inep (5 ), no qual se leva em conta uma progres-siva melhora no padrão de gasto por aluno associada a um aumentonas matrículas de forma a atender as metas do Plano Nacional deEducação (Lei 10.172/2001) indica a necessidade de recursos da or-dem de 6,5% do PIB, até 2011 para atingir as metas do plano para aeducação básica (incluindo a educação de jovens e adultos) umpercentual que, embora elevado, está dentro das disponibilidades dopaís, desde que o Governo Lula cumpra os princípios norteadores doprograma de governo eleito.

Um segundo subproduto do Fundeb deve ser também uma ampli-ação nas fraudes com a inclusão de novos alunos “fantasmas” a exem-plo do que já ocorre no Ensino Fundamental com o Fundef. Umapossível solução seria o governo federal criar o cadastro individual detodos os alunos do país a exemplo do que já fazem alguns sistemasestaduais e municipais. Esta medida, trabalhosa em um primeiromomento, facilitaria o trabalho de coleta pelo Censo Escolar além depermitir uma integração mais eficaz com outros programas do gover-no federal, como aqueles da área da saúde e da assistência social, alémde facilitar os processos de avaliação e monitoramento.

5 Relatório do Grupo de Trabalho sobre financiamento da educação. In Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 82, n.200/201/202, p. 117-136. Brasília, INEP. (o download pode ser feito em www. inep. gov. br/estatisticas/gastoseducacao).

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O último ponto que merece consideração caso o governo federalresolva, de fato, viabilizar o Fundeb refere-se à gestão dos recursos.Com a criação do Fundo com valor mínimo da ordem de, pelo me-nos, R$ 1.000/aluno, os recursos que passarão a ser administradospor muitas secretarias municipais de educação serão, em muitos ca-sos, superiores ao próprio orçamento dos municípios. E, para contro-lar estes recursos, a atual estrutura definida pela Lei 9.424/96 para osConselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundef é cla-ramente insuficiente. Na verdade, seria fundamental alterar não só acomposição como também as atribuições do Conselho. Em primeirolugar, este Conselho deveria assumir as funções de Conselho Gestordo Fundeb. Isso significa que lhe caberia a tarefa de aprovar o orça-mento referente aos recursos do Fundo (que depois seria encaminha-do ao Legislativo), acompanhar e zelar pela sua execução e, por fim,aprovar o seu balanço. Entendo também que caberia ao ConselhoMunicipal do Fundeb zelar não apenas pelos alunos da rede munici-pal, mas também por aqueles que freqüentam o sistema estadual deensino, cabendo ao Conselho Estadual do Fundeb apenas a supervi-são geral. Do ponto de vista de sua composição, entendo que precisaser alterado o modelo atual, que conta com representantes de catego-rias e onde o Poder Executivo geralmente garante a maioria das ca-deiras e a hegemonia na diretoria. Um exemplo interessante poderiaser retirado do EUA, onde os membros do Conselho de Educação(School Board) são eleitos diretamente pela comunidade e o equiva-lente ao nosso Secretário Municipal é contratado por este conselho.Uma exigência interessante para pleitear cargos nestes conselhospoderia ser a condição de pai de aluno, professor, funcionário ou alu-no de escola pública, já que o fundo administra recursos do sistemapúblico de ensino. O Conselho deveria dispor também de umpercentual da ordem de 1% a 2% para poder compor uma equipe deapoio técnico com a exigência de que sejam funcionários contratadospor concurso público. Isto é importante porque, hoje, boa parte dosconselhos carece de qualquer estrutura e depende da boa vontade do

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Executivo, que é a instância de poder que deveria fiscalizar. Essesconselhos, assim constituídos, inclusive dispensariam a existência deum Conselho Municipal de Educação, cujas atribuições poderiamser por ele encampadas para evitar a dualidade absurda hoje existente.

Bem, é bom parar por aqui, pois como fica evidente neste últimoparágrafo já comecei a entrar em devaneios utópicos. Infelizmente,no Brasil de hoje o medo (do FMI, do BIRD, dos credores privados...até dos importadores argentinos) jogou a esperança no fundo do poço.Mas nós temos a corda e a caçamba e sabemos onde fica o poço;assim, da mesma forma que fizemos com os militares e com todosaqueles que rasgaram, depois de eleitos, as promessas de campanha,nós sabemos como agir.

O que os dados aqui apresentados mostram é que: 1º – só vai exis-tir Fundeb se o governo federal decidir investir de fato em educação;e, 2º – é plenamente possível fazer uma revolução na qualidade daescola brasileira, mas para isso é preciso haver um grande esforço, nãodiferente daquele que foi feito, por exemplo, para acabar com ahiperinflação no país, ou para construir a Petrobrás ou para viabilizaro Pró-Álcool. Este talvez seja um dos poucos desafios coletivos queainda una toda a nação.

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CAPÍTULO 6

INSUFICIENTE, MAS NECESSÁRIO!

Luiz Araújo *

Para discutir a proposta do Fundeb é necessário encontrar as ori-gens da política recente de fundos, assim como o arcabouço teóricoda focalização da política educacional em determinados níveis deensino nos países periféricos.

A proposta de criação de um fundo educacional é sempre associa-da ao processo de negociação ocorrida entre os trabalhadores em edu-cação (representados pela CNTE) e o Ministério da Educação nogoverno Itamar Franco (1994). Porém, as origens e pressupostos doque veio a se constituir enquanto Fundef podem ser encontrados emmomentos anteriores, especialmente nos documentos dos organis-mos internacionais, com destaque para os do Banco Mundial, elabo-rados como diretrizes para os acordos internacionais de empréstimosque viabilizaram o Projeto Nordeste II e III, os quais datam de 1991.

* Professor, ex-Secretário Municipal de Educação de Belém (1997/2002), ex-Dirigente Nacional da União Nacional dosDirigentes Municipais de Educação, ex-Presidente do INEP e atualmente Assessor da UNDIME Nacional.

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No período correspondente aos governos Collor, Itamar e FHC,houve uma crescente influência das idéias do Banco Mundial. Noque diz respeito às políticas sociais, a visão passou a ser de que asmesmas faziam parte dos instrumentos viabilizadores dos pressupos-tos da política econômica, passando a ter como objetivo manter coe-rência com os esforços de reestruturação do Estado Nacional, aju-dando a introduzir o ethos da competitividade nos serviços públicos,descentralizando a gestão e repassando parte dos serviços para o setorprivado.

Há um esforço por hegemonizar uma visão focalista de políticassociais, o que representou um abandono das teses universalistas oriun-das do Estado de Bem-Estar Social. A focalização das políticas pú-blicas nas camadas mais pobres da população está embasada no objetivode promover o uso mais produtivo do recurso mais abundante entreos pobres – o trabalho, ao mesmo tempo em que lhes fornece umpacote de serviços que viabilize a sua sobrevivência. Dessa visão deri-va um conjunto de diretrizes educacionais defendidas pelo BancoMundial e que foram progressivamente assimiladas pelo governo bra-sileiro e executadas enquanto políticas públicas. Podemos destacar adescentralização dos sistemas educacionais (municipalização), a con-centração dos recursos públicos no ensino primário e secundário in-ferior (ensino fundamental), realocação de recursos do ensino superi-or para a educação básica (diminuição de investimentos federais nocaso brasileiro), contrapartida financeira por parte dos setores médiosdos serviços educacionais (devido à resistência isso não foi plena-mente efetivado, mas por outro lado o congelamento das vagas nasuniversidades públicas e a liberalização na abertura de faculdades par-ticulares tiveram efeito semelhante) e criação de sistemas demonitoramento de avaliação de aprendizagem dos alunos (plenamentedesenvolvidos) como formas de incentivar a competição a partir dapropaganda negativa.

Com isso fica mais fácil compreender que a Emenda Constitucio-nal nº 14 e a Lei º 9424/96 que criou o Fundef representam vitória

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inconteste da visão descrita acima. Não tanto por um processo deimposição de condicionantes para empréstimos internacionais, masprincipalmente pela adesão voluntária e incondicional dos governantesde plantão no período acima citado. É nesse cenário que deve serentendida a reelaboração conservadora da proposta de fundo nacio-nal atrelado à criação de um piso salarial nacional para os trabalhado-res em educação. Aproveitou-se a idéia de um fundo (o qual era naci-onal e tornou-se 27 fundos estaduais) como elemento viabilizador dafocalização no ensino fundamental e como elemento incentivadorda política de descentralização do sistema educacional.

A visão focalista de política pública incorre em vários problemas,dentre eles a dificuldade de diferenciar serviços que possuem caracte-rísticas de cobertura total, a oscilação na chamada linha de pobreza,muitas vezes provocada pela inserção nos próprios programas que acombatem e a existência subjacente de um modelo dual, ou seja, re-presenta uma redistribuição de recursos dos setores médios da socie-dade para os setores pobres, sem representar nenhuma mudança dosmarcos da política de distribuição de renda do país. Isso tudo acom-panhado de uma progressiva redução da qualidade dos serviçosofertados pelo poder público.

Muito já foi escrito sobre o Fundef, portanto basta enumerar algu-mas características e efeitos que sejam importantes para o debate so-bre a criação de um novo Fundo Educacional.

Em primeiro lugar, a existência de fundos estaduais e não de umfundo nacional estabeleceu um limitador ao enfrentamento de umdos principais problemas educacionais: a desigualdade regional. Comuma distribuição de renda absurdamente concentrada nas mãos depoucos, nosso país também distribui de forma desigual as riquezasproduzidas dentre suas regiões. Isso tem reflexo na capacidade de cadaunidade da Federação, especialmente de cada município em proveros serviços básicos. Além disso, o fundo público, derivado da coletados impostos e contribuições está desigualmente distribuído entre os

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entes federados. A União contribui com menos recursos para a edu-cação do que os municípios, apesar da sua capacidade de mobilizarrecursos ser muito maior, isso porque a maior parte de suas receitasadvém das contribuições sociais e econômicas (13% do PIB), dasoperações de crédito, (quase 30% do PIB), e da Desvinculação dasReceitas da União (DRU), que fica com cerca de 20% das receitas deimpostos e contribuições.

Em segundo lugar, concentrando os recursos no ensino funda-mental e recompensando os estados e municípios de acordo com asmatrículas existentes, o Fundef provocou uma aceleração da cobertu-ra educacional neste nível de ensino. Porém, como os recursoscirculantes no Fundo são basicamente provenientes de umaredistribuição dentre estados e municípios, isso significou umarealocação de recursos, migrando de outras áreas que ficaram desco-bertas ou tiveram seu ritmo de crescimento desacelerado. Assim, pre-senciamos a renúncia dos estados em oferecer a educação infantil e aincapacidade dos municípios de assumir sozinhos tamanha carga deresponsabilidade.

Em terceiro, serviu como viabilizador do processo demunicipalização do ensino. Os estados rapidamente repassaram par-te de sua rede de ensino para a gerência municipal, repassando tam-bém os recursos vinculados ao Fundo (vinculados à matrícula). Mui-tas pesquisas foram produzidas em nosso país mostrando os efeitosperversos desse processo de prefeiturização, pois não foi acompanha-do de reformas na distribuição geral dos recursos, os quais continua-ram concentrados na União, e na maior parte dos casos representouuma precarização dos serviços oferecidos. Essa política teve um efei-to colateral importante para o debate atual do Fundeb: houve umaprogressiva migração de matrículas e de recursos estaduais para a es-fera municipal, provocando desequilíbrios orçamentários na esferaestadual.

Em quarto lugar, o Fundef representou a legalização da política deomissão da União com o financiamento da educação básica. Mesmo

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na prioridade escolhida para focalizar a política educacional, sua par-ticipação foi irrisória, variando de 1% a 3% do total de recursos cons-tituintes do Fundo. A ausência de participação significativa do prin-cipal ente federado agiu como limitador de qualquer combate às desi-gualdades regionais e impossibilitou que fosse praticado um custo-aluno menos humilhante no último período.

Em quinto e último lugar deste breve resumo, temos o frágil con-trole social instituído pelo Fundef. É verdade que o novo fundo pro-porcionou um aumento do conhecimento do financiamento educa-cional por parte dos gestores e educadores, mas as estruturas forma-das para fiscalizar sua real utilização podem ser avaliadas negativa-mente.

Uma lição importante desses anos de Fundef é que a sinalizaçãodada pelo Estado na sua política educacional tem ressonância imedi-ata quando os recursos estão vinculados às matrículas. Podemos de-monstrar essa afirmação com dois exemplos emblemáticos.

O primeiro, do comportamento das matrículas da educação infan-til que teve, durante o Fundef, dois momentos: um primeiro de redu-ção com a postura dos estados em não oferecer os serviços e pelo fato

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de estas matrículas não receberem recursos do novo fundo, e umsegundo momento, quando começou a ser discutida a incorporaçãodas crianças de seis anos no ensino fundamental.

O segundo é o comportamento das matrículas da educação dejovens e adultos, as quais voltaram a crescer com o estabelecimentopara algumas regiões de um financiamento paliativo, menor do que ocusto-aluno do ensino fundamental, o que provocou uma retomadado seu crescimento.

Nas regiões contempladas por este financiamento, a taxa de cres-cimento da EJA foi maior, como podemos verificar no Gráfico repre-sentativo da região Nordeste, onde foi verificado um salto de matrí-culas com a constituição da medida paliativa.

A proposta de criação de um Fundo mais amplo que o atual Fundefestá inscrito no programa de governo do atual Presidente e já haviasido proposta por parlamentares federais do Partido dos Trabalhado-res desde 1999. É necessário entender as motivações que são apre-sentadas e perguntar se a atual proposta representa uma continuidade

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ou uma ruptura com os pressupostos que motivaram o Fundef, quepossuem forte influência das teses do Banco Mundial.

As principais razões apresentadas são baseadas no saneamentodas deficiências do atual Fundef, especialmente a falta de formas vin-culadas de financiamento para níveis e modalidades da educação bá-sica, com destaque para a educação infantil e ensino médio. A criaçãode um Fundo que englobasse todos os níveis e modalidades da edu-cação básica resolveria este problema e permitiria o cumprimento dasmetas estabelecidas no Plano Nacional de Educação, aprovado peloCongresso Nacional em 2001. Também são apresentadas razões re-lativas à possibilidade de elevação da participação da União no mon-tante de recursos do novo Fundo e de melhoria do controle socialsobre os recursos.

Tendo como parâmetro a proposta de emenda constitucional quefoi apresentada pelo MEC aos demais entes federados, no segundosemestre de 2004, o Fundeb manterá a lógica anterior e será constituídode 27 fundos estaduais e nesses estarão vinculados 20% da totalidadedos recursos vinculados à educação nos estados e municípios,

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excetuando os impostos próprios dos municípios. A participação daUnião continuará com o caráter suplementar, mas estará vinculada auma participação percentual no total de recursos projetados para oFundo a cada ano, iniciando com 5% em 2005 e chegando, em 2008,a 10%. Os recursos que viabilizarão o crescimento da participação daUnião virão da devolução gradual dos recursos desvinculadosatualmente pela DRU. O valor do custo-aluno nacional deixará deser calculado pelos parâmetros atuais do Fundef (aliás, nuncacumpridos pela própria União) e estará vinculado ao montante derecursos alocados pela União para complementar os fundos estaduaisdeficitários. A diferenciação entre cada nível e modalidades obedecerá,como princípio, ao estabelecimento de intervalos máximos e à ne-cessidade de equilíbrio financeiro dos entes federados.

No debate realizado entre União, estados e municípios ficou nítidaa concordância do MEC quanto ao estabelecimento de mecanismosinibidores de um crescimento acelerado das matrículas nos níveis emodalidades com menor cobertura, pois tal crescimento resultaria emdesequilíbrio financeiro, sendo que o alvo principal das preocupaçõesdos estados e do MEC era a possibilidade de uma explosão dematrículas em creches mantidas pelos municípios, o que provocariamigração mais acentuada de recursos estaduais.

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Em todo o debate realizado e nos documentos elaborados, pelomenos duas questões essenciais do modelo de financiamento queorientou o Fundef não são rediscutidas claramente. A primeira dizrespeito à revisão da política focalizada no ensino fundamental (nosmais pobres) e o retorno a uma política universalista, a qual deveriaestar ancorada nas metas e diretrizes do Plano Nacional de Educação.Pelo contrário, o que tem presidido o debate em relação ao Fundeb é aótica da governabilidade, ou seja, da necessidade de acordos possíveiscom os estados, o que poderia viabilizar a aprovação de uma EmendaConstitucional no Congresso Nacional. Não é possível afirmar qual avisão do governo no que tange à primeira questão, mas os indícios sãode que não existe uma disposição firme de rever a política focal. Casosejam utilizadas como critério de julgamento as demais ações desen-volvidas pelo governo na área social, fica clara a permanência da visãofocalista de políticas sociais. A benevolência do MEC, diante das pres-sões pela exclusão das crianças de zero a três anos do financiamento dofuturo Fundo (ou a proposta que chegou a ser feita e depois retirada decontemplar apenas as crianças pobres), é sintomático da prevalênciadas teses vigentes em governos anteriores no atual governo.

A segunda é quanto ao papel da União no novo modelo de finan-ciamento. O ponto de partida não é a necessidade de um maior aportefinanceiro para que as metas do Plano Nacional de Educação sejamcumpridas, o que exigiria esforço conjunto e combinado de todos osentes federados. O eixo do debate é quanto de recursos suplementa-res é possível retirar do montante destinado à política de ajuste fiscalem vigor e que pode ser disponibilizado para constituir o novo Fundo.O estabelecimento de percentuais fixos, aceito pelo MEC e semgarantias de sê-lo pelo restante do governo, só foi possível diante demuita pressão dos outros entes federados, que guardam muita des-confiança no cumprimento da palavra por parte da União. Em outraspalavras, foi aceito por que fazia parte da governabilidade necessáriapara aprovação da proposta e não por uma mudança de postura go-vernamental sobre o papel da União no financiamento educacional.

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Um novo Fundo só se justifica se as questões acima forem devidae coerentemente enfrentadas. É preciso rever a visão de educaçãoenquanto instrumento auxiliar da política de ajuste estrutural do Es-tado, recuperando seu papel de indutor de outro modelo de desenvol-vimento do país. Para isso, o papel da União como principalviabilizadora deste novo modelo é fundamental, sendo necessário umnovo patamar de participação no montante dos recursos envolvidosno novo Fundo, pois isso será um instrumento de diminuição dasdesigualdades regionais e de elevação do custo-aluno efetivamentedisponibilizado pelo fundo público nacional para a educação básicados seus habitantes.

A presença de mecanismos inibidores da elevação das matrículasé contraditório com a própria motivação para a constituição do novoFundo e com os compromissos assumidos por nosso país quando daaprovação do PNE. O novo Fundo, necessariamente, precisará darmaior atenção aos níveis e modalidades mais descobertos e a experi-ência anterior demonstrou que a melhor forma de realizar esta tarefaé remunerar de forma atrativa aqueles segmentos que o Estado pre-tende mais rapidamente, incluir na escolarização e não o inverso. Docontrário, existe o risco da montanha parir um rato, ou seja, aprevalência da governabilidade conseguirá aprovar um novo Fundoque pouco impacto provocará na educação do país.

A constituição do novo Fundo possibilita o aprofundamento deinstrumentos de controle social, os quais ajudarão a desprivatizar oEstado Brasileiro e a estabelecer uma cultura de democracia direta,tão necessária para a superação das características patrimoniais aindapersistentes em nosso país. Um caminho seria o fortalecimento dosConselhos Municipais, unificando em torno destes, os conselhossetoriais atualmente existentes, aumentando o seu poder fiscalizador.

Portanto, um novo Fundo é necessário. Este deve englobar toda aeducação básica; deve representar um maior aporte de recursos e umnovo papel da União no financiamento da educação básica; estabele-cer uma diferenciação entre níveis e modalidades que induza à elevação

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mais acelerada das matrículas dos que estão mais descobertos e nasregiões e segmentos sociais mais excluídos; estabelecer, também, umcusto-aluno baseado em patamares desejáveis de qualidade educacio-nal e de potencialidades econômicas de nosso país. Um novo Fundoque aprofunde a democratização da gestão pública por meio de ummaior controle da sociedade sobre a gestão dos recursos do fundopúblico.

Porém, o novo Fundo será insuficiente, caso a sua criação não sejaacompanhada de uma profunda mudança nos rumos da políticaeconômica conservadora do atual governo. O principal inibidor emvigor ao cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação é apersistência do ajuste estrutural do Estado Brasileiro, inclusive comsuas políticas focais derivadas da concepção emanada dos organis-mos internacionais e, até agora, não revistas pelo novo governo. Umexemplo desta limitação é que os recursos estaduais e municipais vin-culados ao novo Fundo permitiriam um custo-aluno nacional médiopara 2005 de R$ 945, mas para isso, a União precisaria disponibilizarperto de R$ 7 bilhões. Esse valor é maior do que a devolução da DRUde maneira integral, mas muito pouco diante dos encargos pagos coma dívida externa e diante do valor economizado pela política de superávitfiscal. Contudo, os frutos de um investimento deste porte seriam maissignificativos que os conseguidos com o sacrifício do crescimentoeconômico e da melhoria de vida dos brasileiros, para que nosso paíspossa honrar os compromissos assumidos com os grandes bancosinternacionais.

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CAPÍTULO 7

SOBRE A VIABILIDADE FINANCEIRA DO FUNDEB

João Antonio Cabral de MonlevadeRenato Friedmann*

1. Introdução

Em 4 de novembro do corrente ano de 2002, por meio da STC200203734, a senadora Marina Silva solicitou da ConsultoriaLegislativa um Estudo Técnico sobre os impactos financeiros para aUnião, decorrentes da possível aprovação da Proposta de EmendaConstitucional nº 112/99, subscrita pelo Deputado Padre Roque eoutros.

Entendendo-se que o estudo comportava duas vertentes de análi-se – a da previsão das receitas públicas destinadas aos Fundos Esta-duais de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e a daprojeção de matrículas nas etapas e modalidades da educação básica

* Consultores legislativos.

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– o estudo foi confiado a dois consultores, para pesquisa e posteriorcompatibilização.

No decorrer do trabalho, diante de sua complexidade crescente,foram necessários tanto um diálogo freqüente entre os dois consulto-res, para afinar seus instrumentos de análise e captar todas as formasde tributos vinculados à educação nos Estados e Municípios, comosucessivos contatos com o gabinete da senadora, para serem acerta-dos os critérios para projeção das matrículas, que dependem não so-mente de dispositivos legais já estabelecidos, como também de deci-sões políticas que influenciam no ritmo dos impactos financeiros.Acertada a metodologia da pesquisa, reunimo-nos para planejar aestrutura do texto que relataria o estudo. Combinamos que cada umdos consultores ficaria responsável pela redação de sua parte e que, aofinal, revisaríamos o texto no sentido de lhe dar a necessária unidade.

2. O que é o Fundeb, segundo a PEC 112, de 1999

Para compreendermos o Fundeb, é preciso atentar ao esquema definanciamento da educação básica pública estabelecido na Consti-tuição Federal de 1988, modificado pela Emenda Constitucional nº14, de 12 de setembro de 1996, e regulamentado pelas Leis nºs 9.394,de 20 de dezembro de 1996 (LDB) e 9.424, de 24 de dezembro de1996.

Conforme o art. 212 da Constituição Federal e o art. 69 da LDB,do montante arrecadado de impostos, incluídas as transferências, osEstados, o Distrito Federal e os Municípios devem destinar no mínimo25% para a “manutenção e desenvolvimento do ensino público”. Já oart. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em vigordesde 12 de setembro de 1996, dispõe que, durante dez anos, 60%destes 25% devem se destinar, obrigatoriamente, ao ensino funda-mental. Além disto, a maior parte desses 60%, constituída da receita

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oriunda do Fundo de Participação dos Estados (FPE), do Fundo deParticipação dos Municípios (FPM), do Imposto sobre ProdutosIndustrializados referente a produtos semi-elaborados destinados àexportação (IPI-Exportação), do Imposto sobre a Circulação de Mer-cadorias e Serviços (ICMS) e dos recursos da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) constitui, no âmbito de cada Estado, o Fundo deManutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valori-zação do Magistério (Fundef ), que é redistribuído para cada uma dasredes, estadual e municipal, de acordo com o número de alunos nelasmatriculados.

Assim, nos Municípios, restam de sua receita de impostos, 40% dos25% para um gasto adicional com ensino fundamental ou para a edu-cação infantil, em creches e pré-escolas. Já nos Estados, os 40% restan-tes podem complementar as despesas com o ensino fundamental eeducação infantil, ou serem investidos no ensino médio e superior.

Este esquema está em funcionamento pleno desde 1º de janeirode 1998. No agregado Brasil, aproximadamente metade dos recursosoriundos de impostos têm composto a cesta do Fundef e a outra me-tade integra os caixas do Distrito Federal, dos 26 Estados e 5.561Municípios. Em 2001, o total de receita do Fundef em todos os Esta-dos e Municípios atingiu R$ 19,6 bilhões. E os impostos vinculadosà manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) que não inte-graram o Fundef chegaram a aproximadamente R$ 20 bilhões.

A Emenda Constitucional 14/96 previu também que os Estadosonde o custo médio anual por aluno do Fundef estivesse abaixo deum valor mínimo definido nacionalmente teriam umacomplementação da União, que garantiria este mínimo, o qual, porsua vez, se constituía em referência de um salário-médio digno paraos professores.

Embora o Fundef tenha obtido aprovação parlamentar e respaldopor grande parte dos educadores, ele criou dois efeitos colateraisindesejáveis:

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a) desestimulou os prefeitos a investir na expansão das vagas emcreches e pré-escolas públicas, uma vez que suas matrículas nãogeravam recursos correspondentes para o Município;

b) obrigou os governadores a financiar suas redes de ensino médioe superior, pressionadas por uma crescente demanda, com me-nos recursos estaduais, uma vez que 60% dos 25% de seus im-postos destinados à MDE tinham que ser gastos necessaria-mente com o ensino fundamental.

Além disso, a União não cumpriu a sua parte, fixando o Valor Mí-nimo Anual por Aluno cada vez mais abaixo do que prescreve a Leinº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, que regulamenta o Fundef. Oresultado foi que, ano a ano, a diferença entre o custo médio anualpor aluno dos Estados que mais arrecadam e o dos de menor receita,em vez de diminuir, como pretendia a lei, aumentou. Observem-se osextremos: no acumulado de janeiro a novembro de 2002, o de Roraimaé de R$ 1.418,20 e o do Maranhão, R$ 379,40; o do Amapá, R$ 1.108,90 e o do Pará, R$ 382.60; o de São Paulo, R$ 1.063,90 e oda Bahia, R$ 390,70.

A eqüidade nos serviços educacionais públicos, objetivo do Fundef,ficou comprometida. Mais grave: os Estados de pouca arrecadação,depois de seis anos da EC 14/96, não têm como sustentar os saláriosdos professores, valorizados pelo MEC em 1997 e 1998.

Para superar essas e outras imperfeições e garantir uma qualidadecrescente para a educação escolar básica pública, foi elaborada a PEC112/99. (Consta do Anexo deste livro. Sua leitura facilita a compre-ensão da análise desenvolvida a seguir.

O presente estudo quer, de um lado, levantar, Estado por Estado,incluindo o Distrito Federal, as receitas potenciais que compõem oFundeb, de 2003 até 2007; de outro, quantificar as despesas, multi-plicando as matrículas previstas em cada etapa e modalidade da edu-cação básica pelos respectivos Custos-Aluno-Qualidade. Compa-rando a receita e a despesa potenciais em cada um deles, obteremos

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os valores da respectiva complementação da União. Caso a receitado Estado, num determinado ano, ultrapasse a despesa, não haveránecessidade de complementação. Ora, é exatamente o valor totaldas complementações da União que centraliza o interesse daSenadora, pois irá indicar a viabilidade econômica e política da PEC112/99 e do Fundeb. Esta complementação ou suplementaçãoprovirá dos 20% de impostos federais vinculados à MDE a que aludea PEC e de outras fontes, como contribuições sociais que atualmentejá são destinadas a programas sócio-educativos e de desenvolvimentoda educação, cujos valores forçosamente terão que se elevar por contadas metas de atendimento do Plano Nacional de Educação – Leinº 10.172, de 10 de janeiro de 2001.

3. O que é o Custo-Aluno-Qualidade (CAQ)

A Constituição Federal, do artigo 205 ao 214, se refere várias ve-zes à qualidade do ensino. A LDB, no art. 3º, coloca a “garantia depadrão de qualidade” como princípio do ensino e a define no art. 4º,IX : “variedade e quantidade mínimas por aluno, de insumos indispen-sáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”.

Nos arts. 74 e 75, estabelece que a suplementação da União se faráde forma a suprir a capacidade de atendimento de cada ente federado,referente à oferta do ensino dentro de um padrão mínimo de qualida-de definido nacionalmente.

É mister, portanto, que a União estabeleça estes “Custos-Aluno-Qualidade” (CAQ), que supomos diferenciados por etapa e modali-dade de ensino, uma vez que os insumos em cada processo são dife-rentes e de custos igualmente distintos. É óbvio, por exemplo, que oCAQ de uma creche onde a criança fica 10 horas por dia e a profes-sora cuida de grupos menores, será maior que de uma escola funda-mental onde um professor trabalha numa classe de 30 alunos, so-mente 4 horas diárias.

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O valor de cada CAQ, em tese, deve derivar de um estudo doscomponentes ou insumos que garantem a qualidade do ensino-apren-dizagem, à luz dos preços médios vigentes no mercado. Entretanto,ele não pode estar desatrelado da potencialidade de financiamento decada Estado. Daí a expressão padrão mínimo de qualidade.

O presente estudo aproveitou o resultado de alguns ensaios reali-zados na UFMT, com alunos do Curso de Especialização em Gestãoe Financiamento da Educação ali realizado em janeiro de 2002,registrados em suas monografias, e arbitrou os seguintes CAQ:

1. Creche = R$ 2.500 dos quais R$ 2.000 financiados peloFundeb e R$ 500 a cargo das funções saúde e ação social.

2. Pré-Escola = R$ 1.7003. Ensino Fundamental = R$ 1.5004. Educação Especial no E. Fundamental = R$ 3.000, dos quais R$

2.000 do Fundeb e o restante das funções saúde e ação social.5. Ensino Médio = R$ 1.7006. Educação de Jovens e Adultos = R$ 1.500 dos quais R$ 800

do Fundeb e R$ 700 da educação profissional.Os resultados do presente estudo servirão como guias para testar a

capacidade do País, como um todo, e do Governo Federal, como res-ponsável último da garantia à educação básica de qualidade, de finan-ciar a presente e as futuras demandas nos marcos dos Custos-Aluno-Qualidade propostos. Do mesmo estudo derivarão as decisões de ca-librar o ritmo de universalização do atendimento nas etapas e moda-lidades da educação básica, e de propor medidas de progressividadena adoção dos valores dos custos-qualidade.

Neste sentido apresenta-se também um conjunto de planilhas comuma proposta de gradatividade de implantação dos valores propostosde CAQ, conforme orientação do Gabinete da Senadora: em 2003,70% dos CAQ; 2004, 75%; 2005, 80%; 2006, 90%; 2007, 100%.

Esta segunda proposta considera que somente em 2007 os CAQacima fixados estariam em vigor. Obedecer-se-ia, portanto, aos valo-res da Tabela 1:

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Por último, vale lembrar que não consideramos custos diferenci-ados na oferta de educação básica rural e indígena, por entender-seque os fixados são compatíveis com as pequenas variaçõesatualmente praticadas ou reivindicadas pelos movimentos sociais.

4. Critérios para projeção de matrículas para o Fundeb

O primeiro trabalho deste estudo foi o de determinar os prováveisquadros de matrícula por Estado de 2003 a 2007.

Os dados básicos foram os do Censo Escolar do INEP, publicadosno Diário Oficial da União de 28 de novembro de 2002. Como existeuma correlação entre a população por grupos de idade e as matrículas,usaram-se também o Censo de 2000 como referência inicial e asprojeções do sítio do IBGE na internet, obedecidas as mesmas pro-porções dos grupos de idade.

Restava uma tarefa difícil – a de determinar as projeções de matrícu-las, fugindo do padrão da evolução histórica recente, uma vez que aSenadora e técnicos de seu gabinete acreditam que tanto as metas doPlano Nacional de Educação (PNE) como a plataforma do candidatoeleito à Presidência da República apontam para uma grande aceleração

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nos percentuais de atendimento, principalmente na educação infantile na de jovens e adultos.

Chegou-se então aos seguintes critérios, que foram aplicados aoquadro de população e matrículas de 2002:

Creche: Considerando-se a distribuição das matrículas de 2002 nosEstados entre as redes pública e particular, e que o PNE prevê para2005 uma cobertura de 30% e em 2010 de 50% das crianças em todasas redes, inclusive na comunitária, propõe-se:

a) Em 2003, 7% da população até 3 anos matriculada na rede pú-blica;

b) Em 2004 = 10% da população até 3 anos matriculada na redepública;

c) Em 2005 = 13% da população até 3 anos matriculada na redepública;

d) Em 2006 = 16% da população até 3 anos matriculada na redepública;

e) Em 2007 = 20% da população até 3 anos matriculada na redepública.

Quando o Estado estiver acima do percentual previsto para o res-pectivo ano, aplicam-se 5% de aumento sobre as matrículas para oano subseqüente.Pré-escola: Considerando-se os índices e distribui-ção das matrículas de 2002 nos Estados e que o PNE prevê para 2005uma cobertura de 60% e em 2010 de 80% das crianças de 4 a 6 anosem todas as redes, propõe-se:

a) Em 2003, 30% da população de 4 a 6 anos matriculada na redepública;

b) Em 2004, 35% da população de 4 a 6 anos matriculada na redepública;

c) Em 2005, 40% da população de 4 a 6 anos matriculada na redepública;

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d) Em 2006, 45% da população de 4 a 6 anos matriculada na redepública;

e) Em 2007, 50% da população de 4 a 6 anos matriculada na redepública;

Quando o Estado estiver acima do percentual previsto para o res-pectivo ano, aplicam-se 5% de aumento sobre as matrículas para oano subseqüente.

Ensino Fundamental: Considerando-se que o PNE prevê auniversalização da matrícula entre 7 e 14 anos, até 2010, sabendo-seque a média de cobertura nesta idade nos Estados está entre 94 e98%, sendo de 8 a 12% o atendimento privado, e considerando-seque os alunos com 15 anos em diante terão progressivamente o fi-nanciamento do Fundeb pelo Custo-Aluno-Qualidade da Educaçãode Jovens e Adultos (EJA), propõe-se :

a) Em 2003, 87% da população de 7 a 14 anos matriculada na redepública;

b) Em 2004, 88% da população de 7 a 14 anos matriculada na redepública;

c) Em 2005, 89% da população de 7 a 14 anos matriculada na redepública;

d) Em 2006, 90% da população de 7 a 14 anos matriculada na redepública;

e) Em 2007, 91% da população de 7 a 14 anos matriculada na redepública;

Quando as matrículas do Estado estiverem acima do percentualdo respectivo ano, aplicam-se 5% de decréscimo sobre as matrículaspara o ano subseqüente.

Educação Especial no Ensino Fundamental: considerando-se asmatrículas de 2002 e que a meta do PNE é generalizar até 2010 o

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atendimento à clientela de educação especial, e sabendo-se que o atualpercentual de atendimento na rede pública é muito baixo, tanto pelaconcorrência de oferta de serviços privados e comunitários, como pelosproblemas de financiamento, propõe-se:

a) Em 2003, estabelecimento de um piso mínimo de atendimentoigual ao da média nacional dos Estados em 2002, que é de0,288%;

b) De 2004 a 2007, um crescimento de 10% sobre o atendimentode 2003.

Quando o Estado estiver acima do piso anual, aplica-se um au-mento de 10% sobre as matrículas para o ano seguinte.

Ensino Médio: Considerando-se que a LDB prevê a progressivauniversalização e obrigatoriedade do ensino médio de três anos paraos adolescentes de 15 a 17 anos, e que as atuais matrículas no ensinoregular atingem de 40 a 60% desta clientela e muitos alunos comatraso de escolaridade (que serão considerados da EJA no financia-mento do Fundeb), e sabendo-se que de 10 a 15% da demanda éatendida pelas escolas privadas, propõe-se:

a) Em 2003, 50% da população de 15 a 17 anos na rede pública;b) Em 2004, 55% da população de 15 a 17 anos na rede pública;c) Em 2005, 60% da população de 15 a 17 anos na rede pública;d) Em 2006, 65% da população de 15 a 17 anos na rede pública;e) Em 2007, 70% da população de 15 a 17 anos na rede pública.

Quando o Estado estiver acima do percentual, aplica-se 1% deaumento sobre as matrículas para o próximo ano.

Educação Fundamental de Jovens e Adultos: Considerando-seque o PNE prevê a escolarização de 10 milhões de analfabetos com

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mais de 15 anos até 2005 e de todo o restante, 7 milhões, até 2010;de 50% dos jovens e adultos com menos de 4 anos de estudo até2005, e de 100% até 2010; de 50% dos jovens e adultos com mais de4 e menos de 7 anos de escolaridade até 2005, e de 100% até 2010;sabendo-se das taxas de escolarização por Estado nestas faixas, in-clusive no ensino regular com atraso de escolaridade, e que é residuala atuação da rede privada; considerando-se que dos 120 milhões debrasileiros com mais de 15 anos, a metade não concluiu o ensinofundamental; levando-se finalmente em conta que o percurso daEJA é mais rápido que o do ensino regular e que a médio prazo seespera uma redução dessa demanda, propõe-se:

a) Em 2003, absorção na rede pública de 6% da população commais de 15 anos;

b) Em 2004, 9%;c) Em 2005, 12%;d) Em 2006 e 2007, 15%.

Educação Média de Jovens e Adultos: considerando-se que oPNE prevê em cinco anos, ou seja, até 2005, que se dobre a capaci-dade de atendimento nos cursos de nível médio para jovens e adul-tos e que em dez anos se quadruplique este número e sabendo-sedas taxas de escolarização por Estado, inclusive no ensino regularcom atraso de escolaridade; considerando-se que a rede privada e osexames supletivos têm historicamente absorvido cerca de 30% des-sa demanda, propõe-se:

a) Em 2003, a escolarização na rede pública de 70% dos concluintesdo ensino fundamental no ano anterior com mais de 17 anos,mais 10% dos remanescentes (residentes com mais de 18 anose de 8 a 10 anos de escolaridade) – o que corresponde a 3% dasmatrículas de Ensino Fundamental (EF) do mesmo ano;

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b) Em 2004, 75% dos concluintes do ensino fundamental mais20% dos remanescentes – o que corresponde a 6% das matrícu-las de EF;

c) Em 2005, 80% dos concluintes do ensino fundamental mais30% dos remanescentes – o que corresponde a 9% das matrícu-las de EF;

d) Em 2006, 85% dos concluintes do ensino fundamental mais40% dos remanescentes – o que corresponde a 12% das matrí-culas de EF;

e) Em 2007, 90% dos concluintes do ensino fundamental mais50% dos remanescentes – o que corresponde a 15% das matrí-culas de EF.

A Educação Profissional, embora esteja prevista como acoplada àEJA, não consta especificamente deste estudo.

5. Composição dos quadros de população, matrículas e custos

Da aplicação desses critérios à tabela de população e matrículareferente ao ano de 2002, derivam as tabelas de 2003, 2004, 2005,2006 e 2007 que serão a base de dados para se obter os gastos previs-tos por cada estado e seus respectivos municípios na oferta de educa-ção básica pública.

A tabela de 2002 foi composta com as projeções de populaçãodo IBGE por estado, baseada no intervalo censitário de 1991-2000,e para os grupos de idade se aplicou a todos as seguintes percenta-gens, derivadas do Censo de 2000:

a) De 0 a 3 anos, 7,7%.b) De 4 a 6 anos, 5,9%.c) De 7 a 14 anos, 16,2%.d) De 15-17 anos, 6,2%.

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e) Acima de 18 anos, 64 %.

Observa-se que tal procedimento ignora as diferenças de dis-tribuição pelos grupos de idade entre os estados e as possíveis mo-dificações ao longo dos seis anos considerados. Entretanto, comoos Custos-Aluno-Qualidade não apresentam diferenças tão sig-nificativas e como se observa uma tendência de equalização daestrutura etária entre as diversas regiões do país pela pre-ponderância do fenômeno da urbanização, crê-se que prováveisdistorções não afetam a essência das previsões.

Elaborados os quadros de população e matrícula de 2002 a 2007,passa-se a compor as tabelas de despesas por etapa e modalidade,discriminadas por estado, que resultam no gasto derivado do pro-duto entre suas matrículas nas diferentes etapas e modalidades daeducação básica e os respectivos CAQ.

6. Metodologia para quantificaros recursos do Fundeb de cada Estado

Em cada estado, são reunidas as matrículas de cada etapa ou modali-dade de 2003 a 2007 e seu respectivo custo – obtido pela multiplicaçãodelas pelo respectivo CAQ, expresso em reais de 1º de janeiro de 2002. Asoma das sete colunas (creche, pré-escola, ensino fundamental, educa-ção especial, ensino médio, EJA-fundamental e EJA-médio) resulta naprevisão do gasto total do Fundeb do respectivo estado. Esse gasto totalprevisto será então comparado com a arrecadação total prevista para oFundeb estadual, derivada da segunda parte do presente estudo, que ana-lisa as receitas de impostos vinculados à educação. Somente então have-rá condições de se estabelecer o montante de suplementação necessáriapara cada estado por parte da União, que terá como fonte de recursos nãosomente a derivada dos 20% de impostos federais vinculados à MDE,como de outros tributos cuja indicação caberá à lei complementar previs-ta na Proposta de Emenda Constitucional 112/99.

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Desnecessário dizer que o presente estudo, devidamente aperfei-çoado pelas contribuições que advirão da discussão parlamentar, seráfonte de informações para a elaboração da lei complementar, que daráà PEC 112/99 a necessária operacionalidade.

Observe-se que o ano de 2003 é um tempo de ajuste, com tenta-tiva de certa equalização que prepara a implantação do Fundeb, pre-vista para 2004.

7. Metodologia empregada na previsão de receitas

A previsão das receitas de impostos e transferências vinculados aoFundeb seguiu a metodologia econométrica tradicional. Podemos re-sumir o procedimento em cinco etapas sucessivas. Relatamos a se-guir o procedimento adotado em cada uma dessas etapas, bem comoos resultados obtidos.

7.1. Coleta dos dadosA primeira etapa consiste na coleta dos dados disponíveis, que, no

caso presente, compreendem todos os impostos arrecadados (ICMS,ITCD e IPVA no caso dos estados; IPTU, ISS e ITBI, no caso dosmunicípios) e as transferências líquidas recebidas por estados e mu-nicípios (FPE, FPM, IPI-Exportação, ITR, IOF-Ouro, Lei Com-plementar 87/96 e IRRF de servidores estaduais e municipais).Coletamos os dados de sítios oficiais de órgãos públicos na internet.

Do sítio da Secretaria do Tesouro Nacional obtivemos os dadosrelativos ao FPE, ao FPM, ao IPI-exportação, ao IOF-Ouro e aosrepasses relativos à Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir). Como setrata de informações provenientes diretamente do órgão que repassaos recursos, há segurança a respeito dos valores. Certamente não hádiferença de critérios nem há lacunas de dados por falta de coopera-ção dos entes. A única correção necessária era a reposição dos valores

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descontados para o Fundef, que, em muitos casos, já haviam sido de-duzidos dos dados brutos.

O sítio da Secretaria do Tesouro Nacional também traz tabelascom o recolhimento de impostos municipais. No entanto, esses da-dos são muito mais problemáticos, como apontamos na seção 7.3logo adiante.

O sítio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), in-cluído no sítio do Ministério da Fazenda, traz os dados de ICMS, IPVAe ITCD para cada Estado da Federação e para o Distrito Federal. Noentanto, buscamos os dados relativos aos impostos do Distrito Federaljunto à Secretaria de Fazenda do Governo do Distrito Federal.

As informações recolhidas foram relativas ao período compreen-dido entre janeiro de 1997 e junho de 2002. O critério utilizado paraisso foi o da disponibilidade, em fonte segura, de dados sobre o con-junto de impostos e transferências em questão. O sítio do Confaz,por exemplo, não apresenta o recolhimento de impostos estaduaispara anos anteriores a 1997.

7.2. Disposição dos dadosA segunda etapa é a disposição dos dados em uma base organiza-

da, para que se possa dispensar a eles o tratamento econométrico ade-quado. É a parte operacionalmente mais trabalhosa. Reunimos maisde 20 mil informações, que dispusemos em tabelas do Microsoft Excel.

7.3. Crítica dos dadosA terceira etapa – a crítica dos dados – é um pouco mais exigente.

Nela procuramos detectar lacunas de dados e informações suspeitasde incorreção. O objetivo é eliminar ou corrigir dados equivocados ecompletar os que faltam. Muitas vezes, um dado falho é passível decorreção, bastando, para tanto, completá-lo ou corrigi-lo através docotejamento das informações recebidas com outras fontes ou deadoção de critérios de aproximação.

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No caso dos impostos estaduais, foi necessário corrigir os dados derecolhimento de IPVA para alguns estados (por exemplo, Roraima),processo que não criou grandes dificuldades, pois se tratava, em geral,de um erro de registro que inflou os dados. No entanto, as informa-ções sobre impostos municipais representaram um obstáculo signifi-cativamente mais resistente. A inconsistência dos dados era facil-mente identificável, mas sua correção não era óbvia, impondo a adoçãode um procedimento de correção adequado.

Ao nos debruçarmos mais detidamente sobre os impostos municipais,notamos que seu problema mais grave era a falta de dados de inúmerosmunicípios, que ora contribuíam com as informações, ora as omitiam. Porexemplo, o caso dos impostos municipais do estado do Rio de Janeiro eraum dos mais graves, pois a cidade do Rio, responsável pelo recolhimentode mais de 80% dos impostos municipais no Estado, nada informava nobiênio 1998-1999. Para contornar essa espécie de problema, foi necessárioempregar um critério de recomposição das informações faltantes.

A base de dados utilizada – FINBRA, disponível no sítio da Se-cretaria do Tesouro Nacional – contém as tabelas de recolhimento deimpostos em duas versões. A primeira é a tabela resumida por Unida-de da Federação. A segunda tem os mesmos dados, mas apresentadospara cada um dos mais de 5.500 municípios do País. Como podemosperceber pela segunda tabela, uma proporção significativa dos muni-cípios deixava lacunas na apresentação de dados, especialmente nosanos de 1998 e 1999. Em 2000, a lacuna era bem menor.

A solução adotada consistiu nos passos a seguir. Selecionamos em cadaestado da Federação, os municípios que dispunham de dados para os anosde 2000 e de 2001 e somamos suas receitas, obtendo um montante para oconjunto em cada ano. Esses montantes se referiam a um conjunto demunicípios que disponibilizavam seus dados. Pela comparação do total de2001 com o de 2000, obtivemos uma taxa de crescimento média para oconjunto de municípios, adotada então como válida para os que não apre-sentavam dados. Tomamos então, os dados desses municípios para o anode 2001 e, a partir desses dados, inferimos os valores que faltavam em 2000

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pela aplicação da mesma taxa de crescimento de receita que o agregado.Adotamos o mesmo procedimento para inferir, a partir das informaçõesestimadas para 2000, os dados faltantes para 1999, e assim por diante, emordem reversa no tempo. Os resultados obtidos por essa complementaçãodas informações foram muito mais confiáveis do que os originais. Mesmoassim, apenas os dados anuais estavam disponíveis, e tivemos que adotarum critério para convertê-los em dados mensais. Para isso, simplesmentedistribuímos os dados anuais igualmente entre os doze meses do ano.

Finalmente, o último passo na correção dos dados consistiu naeliminação do efeito da inflação. O índice escolhido para esse fim foio IGP-M, que é o índice utilizado em todos os trabalhos de naturezaorçamentária. Uma vez obtida a série histórica dos dados de cada re-ceita tributária ou transferência, calculamos o total para cada estadoreferente a cada mês, ao longo dos cinco anos e meio de observaçõesutilizadas e os deflacionamos, de forma a trabalhar, a partir desse ins-tante e inclusive nas etapas subseqüentes de estimação e previsão,exclusivamente com valores constantes de janeiro de 2002. É im-portante notar que todos os valores das tabelas em que constam osresultados da estimação e da previsão estão calibrados para coincidircom os níveis de preços vigentes no início do ano de 2002.

7.4. Emprego de técnicas de regressão para obter os parâmetros para aprevisão

O objetivo da etapa de estimação foi obter uma taxa de crescimento real(isto é, descontados os efeitos da inflação) para as receitas vinculadas aoFundef em cada estado, no período entre janeiro de 1997 e junho de 2002.

A análise dos dados revelou uma forte estacionalidade para o mês dejaneiro de cada ano. Para estimar com maior precisão a taxa de cresci-mento das receitas e eliminar uma fonte de viés, inserimos uma variávelindicadora para captar o efeito sazonal. O método empregado foi a esti-mação, através do método dos mínimos quadrados, da seguinte equação:

Yt = a. exp{lt + bd},

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onde Yt são as receitas dos impostos vinculados, a é uma constante, lé a taxa de crescimento instantânea, t é o tempo, mensurado em me-ses, d é uma variável indicadora com valor unitário para o mês dejaneiro de cada ano e nulo nos demais meses e b é o coeficiente desensibilidade das receitas ao elemento sazonal.

Os resultados obtidos para cada estado da Federação divergem entresi, mas a média de crescimento estimada para as receitas vinculadasao Fundef no agregado nacional é de 2,33% ao ano, compatível como desempenho recente da economia (ver Tabela 2).

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7.5. Previsão e crítica dos resultadosA etapa final foi a da previsão do desempenho futuro da arrecada-

ção do Fundeb e a crítica dos resultados obtidos. Resumimos a previ-são à aplicação dos parâmetros obtidos através da estimação da taxade crescimento passada aos períodos futuros. Esse procedimento adotacomo hipótese que o futuro repetirá, aproximadamente, o ocorrido nopassado recente. Apesar da mudança na condução da políticaeconômica a partir de janeiro de 2003, não parece óbvio, nesse mo-mento, que essa mudança será radical, a ponto de afastar os resulta-dos futuros dos obtidos até o presente.

7.6. Resultados obtidosÉ necessário tomar os resultados de um experimento dessa natureza

com certa reserva. A incerteza decorre, em parte, da baixa qualidade dealguns dados recolhidos (que são, muitas vezes, os únicos disponíveis).No entanto, os dados de menor qualidade utilizados são os impostosmunicipais, que respondem por cerca de 12% dos recursos vinculadosao Fundeb – nada que modifique significativamente os resultados.

Além disso, as previsões são feitas a partir do comportamento pas-sado da série. Nada garante que o futuro repetirá esse passado, emboranão nos reste alternativa, senão usar os dados passados, que são os úni-cos de que dispomos.

Uma advertência necessária é que a incerteza é tão maior quantomais distante no tempo estiver a previsão feita. Isso por duas razões:À medida que nos distanciamos dos dados atuais e procuramos pre-ver um futuro mais distante, estamos nos distanciando também darealidade que gerou esses dados e que pode ser diferente dentro dealguns anos. Foi este o caso do Plano Real, que, em sua inauguração,modificou consideravelmente a situação da economia brasileira. Ini-ciada uma nova etapa para a economia, os dados anteriores estarãorefletindo uma economia que já não existe mais. Se, por exemplo, onovo Governo conseguir levar a cabo suas promessas de retomada docrescimento (supondo que não o faça através de isenções fiscais), as

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receitas de impostos poderão ter uma ascensão mais acentuada, redu-zindo a necessidade de complementação federal. Por outro lado, umaeventual deterioração das condições econômicas pode gerar o efeitooposto.Em segundo lugar, as previsões são baseadas em uma taxa decrescimento das receitas que é fruto do tratamento econométrico aci-ma descrito – com suas virtudes e falhas. Uma avaliação mais alta oumais baixa dessa taxa de crescimento tende a gerar pequenas distorçõesem períodos próximos à época da estimação, mas essas pequenas dife-renças acumulam-se com o tempo, podendo gerar distorções maiselevadas no final da série.

8. Análise dos resultados

A solicitação da Senadora refere-se a dois grupos de dados:

a) Previsão das matrículas, custos, receitas e necessidade de complemen-tação da União no âmbito do Fundeb em cada estado da Federação;

b) Impacto financeiro total, resultante da implantação do Fundebpara a União, em virtude da obrigação legal de suplementar osestados cuja receita vinculada anual por aluno não atinja o Cus-to-Aluno-Qualidade.

Quanto ao primeiro grupo de dados, que são os mais ricos e inéditos,não nos cabe analisá-los em pormenor, porque se trata de interesse dasautoridades educacionais de cada estado. Para tanto, disponibilizamos,nas tabelas VII e VIII em anexo, as informações referentes às matrículas,às receitas, aos custos e ao déficit previstos para o qüinqüênio de 2003 a2007. É um rico repositório para planejamento da educação nos estados.Por meio delas, descobrimos dados surpreendentes, como por exemplo,que os estados do Rio Grande do Norte e Ceará são campeões de cober-tura nas matrículas em creches públicas, enquanto o Distrito Federal,muito mais urbanizado e com mais recursos, está em último lugar.

Cumpre-nos também assinalar que existem substanciais diferen-ças na evolução tanto da matrícula, como das receitas das Unidades

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Federadas. Um caso que salta aos olhos é o de São Paulo, onde ocrescimento da receita vinculada ao Fundeb é discrepante da tendên-cia dos outros estados, fazendo baixar sensivelmente a média nacio-nal. Aparentemente, o fator determinante para esse resultado é o com-portamento do ICMS, que representa quase 70% do total, e que pra-ticamente não tem aumentado em termos reais nos últimos anos.

Outra observação, que absorve parcialmente o que registramos aci-ma sobre matrículas em creches, diz respeito às diferenças depercentuais de atendimento entre os estados quanto à educação in-fantil: em um primeiro grupo, a média desses percentuais é quase trêsvezes maior do que em um segundo grupo, o que levou à necessidadede um nivelamento inicial em 2003 para tornar eqüitativa a previsãonos anos seguintes.

O segundo grupo de dados é o que mais interessa, segundo a soli-citação da senadora, e diz respeito ao impacto do Fundeb nas finan-ças da União.

Atentemos aos quatro conjuntos de informações – recursos do Fundeb,custos, e complementação da União em R$ e como percentual do custo.Escolhemos um estado de cada região do País para apresentar na tabela.No caso do Acre, por exemplo, em 2003 os impostos vinculados ao Fundebimportam em R$ 251 milhões. Já os seus custos, resultantes da multiplicaçãodas matrículas pelo Custo-Aluno-Qualidade, montariam a R$ 307 milhões.Dessa diferença resulta a necessidade de complementação da União nomontante de R$ 56 milhões, isto é, 18,5% do custo.

Se somarmos estes quatro dados referentes aos vinte e sete entesfederados, obteremos o agregado nacional: R$ 44,7 bilhões de impos-tos vinculados, R$ 75,2 bilhões de custos e R$ 30,5 bilhões de necessi-dade de complementação da União.

Convém notar que a complementação da União pode ser obtida,para cada Estado, simplesmente verificando-se a diferença, se positiva,entre os custos e as receitas vinculadas. O mesmo no entanto, não éverdade para a União. Isso ocorre porque um excesso de receita sobreos custos em um estado da Federação não é compensado com uma

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eventual insuficiência em outro. Portanto, a complementação da Uniãoserá sempre menor ou igual à diferença entre o somatório dos custos eo somatório das receitas vinculadas.

Com efeito, o resultado de R$ 30,5 bilhões de complementação daUnião, já em 2003, e que cresce até R$ 41,1 bilhões em 2007, podeparecer insuportável, dadas as atuais condições orçamentárias da União,bem como o histórico recente do financiamento da educação.

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Por isso, pareceu-nos conveniente trabalhar com uma segunda hi-pótese, consoante a qual os resultados são computados a partir da utili-zação de um percentual, crescente no tempo, do Custo-Aluno-Quali-dade. Foram convencionados os valores referidos amteriormente.

De acordo com essa nova abordagem, obtemos os resultados queconstam na tabela 5.

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Pode-se perceber, por exemplo, que os custos do Fundeb do Acreserão de R$ 215,5 milhões em 2003, dispensando complementaçãopor parte da União. O mesmo fenômeno acontece com outros esta-dos – Amapá, São Paulo, Rio de Janeiro, Roraima, Espírito Santo eDistrito Federal.

Já em 2004 os estados do Espírito Santo, do Rio de Janeiro, além doDistrito Federal, passarão a receber complementação federal, tendên-cia que se confirma nos anos seguintes, até que, em 2006, somenteRoraima não receberá a complementação.

Examinemos agora os dados referentes ao total do País. Em 2003,os recursos do Fundeb importam em R$ 44,7 bilhões e seus custos,em R$ 52,6 bilhões, bem menores do que na alternativa do Custo-Aluno-Qualidade integral. A complementação da União, conseqüen-temente, será menor: R$ 11,3 bilhões. A partir de 2004, os custos doFundeb aumentam e, conseqüentemente, cresce o valor dacomplementação da União, tornando mais suportável o impacto fi-nanceiro do Fundeb.

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Na seção das conclusões tentaremos adicionar algumas variáveisde interpretação que contextualizam o impacto do Fundeb não so-mente nas finanças da União, como no conjunto das políticaseconômicas e sociais do País.

9. Conclusões

1. A primeira conclusão deste estudo é a revelação dos desafios emnúmero de matrículas e em exigência de recursos derivados dos direitosda população à educação escolar básica. O maior deles é o provocadopela abertura das comportas às populações que não tiveram acesso àeducação escolar: as crianças até 3 anos e os jovens e adultos que nãocompletaram, no tempo adequado, o ensino fundamental. Pelas tabelasde projeção de matrículas, confirmamos que o ensino fundamental e oensino médio públicos quase já esgotaram sua capacidade de cresci-mento.

2. A segunda conclusão é a verificação das desigualdades entre osestados quanto à educação básica. Existem significativas disparidadesentre os índices de cobertura de matrículas nas creches, no ensino mé-dio e na educação de jovens e adultos. Com exceção do ensino médio,cujos índices maiores refletem o grau de desenvolvimento de algunsestados, a diferença entre coeficientes deriva de outros fatores de natu-reza política e não econômica ou demográfica. Já no ensino funda-mental e no pré-escolar a tendência é uma cobertura cada vez maiseqüitativa. A grande desigualdade se encontra na distribuição de recur-sos financeiros, motivada não somente por graus diferentes de desen-volvimento econômico (que se refletem, por exemplo, nas desiguaisarrecadações de ICMS, responsável por 60% do financiamento da edu-cação no país), como também pelos desequilíbrios de alocação dosfundos de participação. Assim, alguns estados, já em 2003, teriam umadisponibilidade-aluno-ano de somente R$ 300 enquanto outrosatingiriam R$ 1.300 – o que reforça a necessidade de um mecanismo

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de equalização semelhante ao Valor Mínimo do Fundef, que na PEC112/96 é o Custo-Aluno-Qualidade.

3. A terceira conclusão é que o impacto financeiro da implantaçãodo Fundeb para a União é muito alto em relação ao que ela tem desti-nado à sua função supletiva, e mesmo ao que teria disponível na cota de20% de seus impostos líquidos. Na primeira hipótese, com a adoçãodos CAQ plenos, a suplementação chegaria a R$ 30,5 bilhões em 2004,de um total de R$ 75,2 bilhões das despesas com educação básica pú-blica. Na segunda hipótese, com a adoção de CAQ com valoresgradativos correspondendo a 75% dos CAQ plenos em 2004, asuplementação chegaria a cerca de R$ 11,4 bilhões. Esta quantia degasto da União, à primeira vista, parece inviável: 5% dos impostos fede-rais líquidos hoje somariam cerca de R$ 3 bilhões. Mas a PEC prevêoutras fontes de recursos, provavelmente oriundos de contribuiçõessociais. É bom lembrar que somente a CPMF, com alíquota de 0,38%sobre as movimentações financeiras, levanta quase R$ 20 bilhões anu-ais, em parte gastos com a saúde. E nós já temos a CSLL, a Cofins, osalário-educação e outras. Ademais, o cálculo das receitas do Fundebneste estudo se baseia numa matriz tributária que tem apresentado umcrescimento real inferior ao crescimento previsto dos custos da educa-ção básica, pelo menos no horizonte desse estudo.

4. De qualquer forma, este estudo preliminar não aprofunda as hi-póteses de alternativas de receita, sejam federais, estaduais ou munici-pais. A carga tributária é considerada pesada, mas muitas pessoas, físi-cas e jurídicas, dela se aliviam por meio de isenções e até mesmo pelasonegação. Por outro lado, há indícios de que vários impostos não atin-gem seu pleno potencial de arrecadação, como o Imposto TerritorialRural (ITR), o Imposto sobre a Transmissão de Bens e Direitos CausaMortis (ITCD) e o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

5. Além disso, as projeções de receita levaram em conta os últimoscinco anos, quando a média de crescimento do PIB foi ligeiramentesuperior à da população. Se o país entrar num período de maior de-senvolvimento econômico, ele refletirá em maior crescimento real de

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arrecadação, principalmente do IPI, do IR e do ICMS – querespondem por quase 80% dos recursos de impostos da cesta doFundeb. Por outro lado, se ocorrer o contrário, e o País entrar em umperíodo de estagnação, as dificuldades serão ainda maiores.

6. Finalmente, o presente estudo não fez a análise dos gastos queestariam embutidos nos CAQ, muitos dos quais já estão sendo efetuadoscom receitas de outra origem que não a dos impostos aqui citados. Éurgente, portanto, criar outros cenários de políticas educacionais ousócioeducativas que são afetadas pela criação do Fundeb: com efeito,hoje o gasto anual por aluno praticado na educação básica com recursospróprios de impostos varia, nos estados, de R$ 300 a R$ 1.300. Incluindooutros recursos, passa para R$ 500 a R$ 1.500. Seria útil analisar anatureza dos recursos e das despesas, no sentido de evoluir parapatamares superiores de racionalidade, eficiência e eficácia. O Fundebnos parece contribuir para que esta massa de informações se tornetransparente, na medida em que trata a educação básica na perspectivada totalidade e da eqüidade.

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CAPÍTULO 8

DO FUNDEF AO FUNDEB: MUDANÇA E AVANÇO

Francisco das Chagas Fernandes *

A educação nacional, oferecida pelos estados, Distrito Federal emunicípios, especialmente a Educação Básica, constitui um dos gran-des desafios a ser enfrentado no contexto das políticas de inclusão so-cial que norteiam as ações do atual governo. A ampliação do alcancedo Fundef – o mais importante mecanismo de redistribuição de recur-sos vinculados à educação - é a principal medida a ser implementadano conjunto das prioridades educacionais presentes, por promover aimediata e efetiva redistribuição dos recursos da educação.

A implantação do Fundef a partir de 1998 contribuiu para a am-pliação do atendimento apenas no âmbito do ensino fundamental,deixando, porém, à margem do processo de inclusão as crianças em

* Secretário de Educação Básica do Ministério da Educação

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idade escolarizável na educação infantil e os jovens que anualmentebatem às portas do ensino médio, numa escala crescente de demanda.O impulso que o Fundef promoveu no segmento do ensinofundamental público é uma das razões desse fenômeno. Edesconsiderou a demanda de quase 50 milhões de jovens e adultosque não têm o ensino fundamental completo.

Na Educação Infantil, apenas 18,5% da população de zero a seisanos são atendidas nas escolas públicas estaduais e municipais; noensino fundamental 97% das crianças de 7 a 14 anos estãomatriculadas e no ensino médio cerca de 40% dos jovens de 15 a 17anos são atendidos. O descompasso existente no atendimento dostrês níveis de ensino que compõem a educação básica decorre daausência de uma política que concorra para a indistinta universalizaçãodo atendimento, sustentada por mecanismos que assegurem melhoriaqualitativa do ensino oferecido, com valorização dos profissionais daeducação. O Fundeb vem preencher essa lacuna como mecanismoque incentiva, democratiza e assegura o acesso à Educação Básica.

Responsabilidade da União, dos estados e dos municípios

A Constituição Federal atribui à União uma responsabilidade diretana garantia do ensino superior, ficando a cargo dos estados, DistritoFederal e municípios o oferecimento da Educação Básica, contudo,sob a ação normativa, supletiva e redistributiva da União, que asseguraassistência técnica e financeira a esses entes federados, concorrendo,dessa forma, para a redução das acentuadas desigualdades existentese para a universalização do ensino, com melhoria qualitativa. É urgentea promoção da eqüidade no tratamento dado a todos os segmentosdo ensino que compõem a educação básica, assegurando aos governosestaduais e municipais, pela via da redistribuição dos recursos e peloaporte de verbas federais suplementares, igualdade na capacidadefinanceira de promoção do atendimento em todos os níveis de ensino

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que oferecem e, conseqüentemente, garantindo a todas as crianças ejovens brasileiros igualdade de oportunidades de acesso à educação,independentemente da localização geográfica de suas residências edo ente governamental a que se encontram vinculadas as escolas pú-blicas que irão atendê-los.

A atuação dos estados e municípios ocorre de forma diferenciada.Recai sobre os Municípios a quase totalidade do atendimento nascreches (98%), pré-escolas (92%) e 1ª a 4ª série do ensino fundamen-tal (71%). A atuação dos estados concentra-se no ensino médio (97%),5ª a 8ª série do ensino fundamental (64%) e educação especial (57%).Verifica-se um certo equilíbrio apenas na educação de jovens e adul-tos, em que municípios e estados atendem, respectivamente, a 48% e52% dos alunos matriculados, conforme dados do Censo Escolar de2002.

Essa diferenciação de participação no atendimento decorre da di-visão de responsabilidades dos entes federados, estabelecida pela Cons-tituição Federal. A proposta de criação do Fundeb mantém essa dife-renciação de responsabilidades, nos aspectos estruturais,organizacionais e de gestão dos respectivos sistemas de ensino, po-rém, promove uma ampla redistribuição dos recursos financeiros vin-culados à educação básica, adotando como critério o número de alu-nos matriculados por nível de ensino no âmbito de cada rede (estadu-al ou municipal) e a garantia de um investimento mínimo por aluno/ano, a ser fixado anualmente, que assegure efetivas condições de sealcançar um adequado padrão de qualidade do ensino.

Aspectos físico-financeiros

Atualmente são atendidos pelo Fundef 32 milhões de alunos. Coma criação do Fundeb, serão atendidos mais de 47 milhões de alunosna educação infantil, no ensino fundamental e médio das redes esta-duais e municipais, em todas as modalidades de ensino, inclusive na

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educação de jovens e adultos, não consideradas na redistribuição dosrecursos do atual Fundef.

Para viabilizar o atendimento desse contingente, no projeto de cri-ação do Fundeb devem ser asseguradas:

(a) a composição do Fundo com os recursos vinculados à educa-ção no âmbito dos Estados, Distrito Federal e Municípios;

(b) uma maior participação financeira da União na sua composi-ção, como complementação;

(c) a fixação, no âmbito de cada estado e do Distrito Federal, deum valor por aluno/ano diferenciado por nível e modalidadede ensino, associada à garantia de um valor nacional mínimode investimento que assegure qualidade do ensino.

A equalização financeira promovida pelo Fundo, em razão das di-ferenças, tanto nas participações no atendimento, quanto na compo-sição de custos por nível de ensino, provocará diferenciados impactosfinanceiros junto aos estados e municípios, em função do grau departicipação de cada ente governamental no atendimento do seg-mento do ensino em que atua de forma predominante. Entretanto, éimportante destacar que serão beneficiados aqueles governos que, porum lado, contam com uma reduzida capacidade de financiamento daeducação e, por outro, atuam com significativa participação no aten-dimento aos alunos da Educação Básica.

Esse efeito financeiro que se verifica no atual Fundef, e que sepropõe também para o Fundeb, decorre da aplicação do mecanismoredistributivo, baseado na transferência dos recursos pelo númerode alunos atendidos. A equalização promovida em cada estado, pelaredistribuição apenas dos recursos do Governo Estadual e dos seusmunicípios, entretanto, não é suficiente para promover a necessáriaredução das desigualdades existentes e a melhoria qualitativa do ensi-no. Por isso, é fundamental que a União participe financeiramentede forma significativa, em caráter complementar. Recursos adicionais

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são necessários para alavancar a melhoria e a universalização doatendimento na Educação Básica e minimizar os efeitos da reduçãode receitas dos entes governamentais “transferidores” de recursosdo Fundo.

Fundeb – Instrumento de valorização dos trabalhadores emeducação

A educação é um setor intensivo em mão-de-obra, fazendo comque os custos com pagamento de pessoal representem cerca de 70%dos custos do ensino oferecido pelo poder público. Essa situação háde perdurar por muito tempo, em que pese a evolução tecnológicaque, de forma célere, tem contribuído para a introdução de novos re-cursos didáticos e o aperfeiçoamento dos métodos e técnicas utiliza-das no processo ensino-aprendizagem.

A presença do professor na sala de aula não apenas continuaránecessária, como exigirá dele uma atuação interativa, participativa eatualizada em relação aos avanços e conhecimentos tecnológicos. Alémdisso, um adequado nível de formação acadêmica, consoante dispõe aLei de Diretrizes e Bases da Educação, ao estabelecer como metaqualitativa para o docente a formação superior para todos aqueles quevierem a ingressar na carreira do magistério.

De outro lado, a crescente complexidade das escolas exige outrosprofissionais habilitados para a educação alimentar, a administraçãoescolar, a manutenção de infra-estruturas operacionais e o manuseiopedagógico de novos recursos tecnológicos.

O Governo Federal não assume a responsabilidade de discipli-nar a carreira, nem a remuneração dos profissionais da educaçãonos Estados e Municípios. Entretanto, estabelecer diretrizes é de-ver da União, em parte já contemplado pelo art. 67 da LDB. Maisainda: criar condições e referenciais mínimos a serem observadoscontribuirá para a concretização das medidas que assegurarão a

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necessária valorização do magistério, particularmente tornando con-digna sua remuneração.

A legislação do atual Fundef prevê que pelo menos 60% dos recur-sos do Fundo sejam aplicados na remuneração do magistério em efetivoexercício no ensino fundamental. Essa parcela de recursos permitiuque houvesse, sobretudo no âmbito dos municípios, uma real evolu-ção dos aviltantes e inadmissíveis níveis salariais praticados no passa-do. Contudo, com a experiência desse Fundo, pode-se constatar quea questão salarial do magistério não logrou êxito com a simples ga-rantia de um limite mínimo de recursos financeiros que assegure acobertura e a melhoria da remuneração praticada pelos estados, Dis-trito Federal e municípios. É necessário que, além do limite mínimode recursos, seja garantido um piso salarial para a categoria, assegu-rando importante componente da valorização do magistério.

O Fundeb deverá prever que pelo menos 80% dos seus recursossejam destinados à valorização dos professores e demais profissionaisda educação, criando condições de propiciar a todos uma formaçãosólida de nível médio ou superior e uma efetiva elevação da remune-ração, pela garantia de piso salarial nacional, a ser regulamentado emLei específica.

Medidas para criação do Fundeb

Para criação e implantação do Fundeb faz-se necessário aprova-ção de Emenda Constitucional, seguida de regulamentação por meiode legislação infraconstitucional. O correspondente projeto deEmenda encontra-se em fase de análise e conclusão no âmbito doGoverno, por um Grupo de Trabalho Interministerial criado porDecreto de 21/10/2003, formado por representantes dos Ministéri-os da Educação, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Ges-tão e Casa Civil.

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PARTE 2Anexos

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I – PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL

Nº 112/1999

Autor: Deputado Padre Roque e outros

Art. 1º - É dada nova redação ao inciso IV, do art. 208, da Cons-tituição Federal:

“Art. 208 . .......................................................................................................

IV – progressiva universalização da educação infantil, especialmen-te da pré-escola, com atendimento em creche e pré-escola às criançasde zero a seis anos de idade;”

Art. 2º É dada nova redação ao art. 211 e seus parágrafos daConstituição Federal:

“Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípiosorganizarão o sistema de ensino em regime de colaboração.

§ 1º - A União organizará e financiará o sistema federal de ensinoe o dos Territórios, cabendo-lhe oferecer prioritariamente o ensino

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superior e a educação profissional tecnológica, além de exercer fun-ção redistributiva e supletiva em relação aos demais entes da federa-ção, de forma a garantir através de assistência técnica e transferênciade recursos financeiros a equalização de oportunidades de acesso àeducação e padrão mínimo de qualidade da educação.

§ 2º - Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente noensino fundamental e médio.

§ 3º - Os Municípios atuarão prioritariamente na educação in-fantil e no ensino fundamental.

§ 4º - As disposições dos parágrafos 3º e 4º deste artigo se aplicamao Distrito Federal.

§ 5º - O sistema de ensino da educação básica será organizadoem colaboração entre os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,de modo a assegurar a universalização da educação básica e a garantiado ensino obrigatório.

§ 6º - A distribuição de responsabilidades e recursos financeirosem educação básica entre a União, os Estados e Municípios, na for-ma do disposto neste artigo, tomará por base a população de zero adezessete anos de idade mais a população de jovens e adultos que nãoteve acesso à educação em idade própria, as matrículas iniciais, a per-manência do aluno na escola e as receitas de impostos, nos termos aserem definidos em lei complementar e nos Planos Municipais,Estaduais e Nacional de Educação.

§ 7º - A assistência financeira da União referida no § 1º desteartigo será feita aos Estados e ao Distrito Federal de acordo com anecessidade de suplementação e equalização dos custos-aluno-quali-dade de modo a garantir o padrão mínimo de qualidade.

§ 8º - As diretrizes para o padrão mínimo de qualidade e para oscustos-aluno-qualidade serão definidas na forma da lei complemen-tar prevista no § 6º deste artigo.

§ 9º - A totalidade dos recursos dos Estados, do Distrito Federal edos Municípios prevista no caput do art. 212, assim como asuplementação destinada ao cumprimento das responsabilidades

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previstas neste artigo, constituirão Fundos de Manutenção e Desen-volvimento da Educação Básica Pública e de Valorização dos Profis-sionais da Educação, de natureza contábil.

§ 10º - Dos Fundos previstos no parágrafo anterior, oitenta porcento deverão ser aplicados na valorização dos profissionais da edu-cação, de acordo com o que estabelece o inciso V do art. 206 da Cons-tituição Federal.

§ 11º - Os Fundos previstos no § 9º deste artigo serão geridos porConselhos Gestores formados por representação do poder executivoestadual e municipal e da sociedade civil, na forma da lei comple-mentar a que se refere o § 6º deste artigo.”

Art. 3º - É dada nova redação ao caput do art. 212 da ConstituiçãoFederal:

“Art. 212 - A União aplicará, anualmente, nunca menos de vintepor cento, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, nunca menosde vinte e cinco por cento, da receita resultante de impostos, compre-endida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvi-mento do ensino. ”

Art. 4º - É dada nova redação ao art. 60 do Ato das DisposiçõesConstitucionais Transitórias:

“Art. 60 - Nos dez primeiros anos da promulgação desta EmendaConstitucional, os Fundos previstos no § 9º do art. 211 da Constitui-ção Federal, com o aporte de outras fontes além daquela estabelecidano caput do art. 212 da Constituição Federal, deverão garantir a eli-minação do analfabetismo, a universalização da educação básica e doensino obrigatório e a garantia da permanência na escola.

§ 1º - Em igual prazo, as universidades públicas descentralizarãoe interiorizarão suas atividades, tendo em vista a expansão de suasvagas.

§ 2º - Os Estados e Municípios que mantiverem ensino superior,no prazo máximo de cinco anos, somente poderão financiar este ní-vel de ensino com recursos que excederem o previsto no caput doartigo 212. ”

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Justificação

O Projeto de Emenda Constitucional que ora apresentamos criaos Fundos Estaduais de Manutenção e Desenvolvimento da Educa-ção Básica Pública e de Valorização dos Profissionais da EducaçãoBásica (Fundeb) visando assegurar a todos os brasileiros o direito àcidadania, corrigindo uma grave distorção na atual política de finan-ciamento da educação brasileira.

O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-mental e de Valorização do Magistério (Fundef ) criado pela EmendaConstitucional 14 financia apenas o ensino fundamental. distribuindoos recursos entre os estados e seus municípios, na proporção do númerode matrículas oferecidas no ensino fundamental, nas respectivas redede ensino.

Inúmeros municípios vinham oferecendo crescentemente o ensi-no infantil e a educação de jovens e adultos. A partir da implantaçãodo Fundef não tiveram outra opção, a não ser a oferta do ensino fun-damental, em detrimento daqueles níveis de ensino, sob pena de per-der recursos para o Fundo.

Tem sido generalizada a grita por parte de estados e municípiospor uma distribuição de recursos mais adequada, de forma a cobrir asnecessidades de atendimento da educação infantil, de jovens e adul-tos e do ensino médio.

Considerando a importância da educação infantil na formação edesenvolvimento da criança, possibilitando um melhor aproveitamen-to do ensino fundamental e seguramente evitando a evasão e arepetência, nossa proposta prevê a progressiva universalização destenível da educação básica, em especial da educação pré-escolar.

Para evitar a dispersão de esforços e garantir o fortalecimento dosistema educacional brasileiro, propomos a organização do sistemade ensino de forma solidária entre a União, os Estados, o DistritoFederal e os Municípios. Esta proposta implica na existência de umSistema Nacional de Educação que contemple as diversidades

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regionais e ao mesmo tempo garanta a integralidade de um projetonacional para a educação brasileira.

Nossa proposta prevê, também, a ampliação dos recursos federaispara a educação, além de propiciar uma justa distribuição de recursosentre estados e municípios com gestão compartilhada entre estes entesda federação, de tal modo a atender as necessidades de toda a educa-ção básica. Assim, torna-se possível o planejamento em função darealidade regional permitindo atender as diferentes necessidades exis-tentes e eliminar as desigualdades presentes nos estados, além de evi-tar a competição entre os estados e seus municípios na disputa porrecursos traduzidos na oferta de matrículas.

A União ficará responsável pela suplementação financeira doFundeb para garantir a equalização dos “custos-aluno-qualidade” demodo a garantir o padrão mínimo de qualidade a ser definido em leicomplementar. A proposta se refere a “custos-aluno-qualidade”, noplural, na medida em que se faz necessário o atendimento das dife-rentes necessidades de financiamento segundo os diferentes níveisda educação básica.

Com a criação do Fundef, ficaram excluídos os professores de edu-cação infantil, do ensino especial e médio e da educação dos jovens eadultos, além dos servidores não docentes da área de educação, umavez que tal fundo só prevê recursos para pagamento dos professoresdo ensino fundamental. Nossa proposta pretende resgatar a valoriza-ção de todos os professores da educação básica e dos profissionaisnão docentes, entendendo que sua exclusão é prejudicial à educação.

Finalmente, a criação dos Fundos de Desenvolvimento da Educa-ção Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação vem res-gatar o princípio constitucional da educação, que visa ao pleno de-senvolvimento da pessoa. seu preparo para o exercício da cidadania esua qualificação para o trabalho.

Essa Proposta de Emenda Constitucional contempla, também, aquestão da ampliação das vagas nas universidades públicas federais esua interiorização, no sentido de responder a necessidade premente

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do ensino superior público e gratuito para que possa atender a cres-cente demanda.

Acreditamos que com esta Proposta de Emenda Constitucionalestaremos propiciando respostas aos grandes desafios que a educaçãobrasileira enseja.

Sala das Sessões, em 02 de setembro de 1999.

Avenzoar ArrudaGilmar MachadoBabá Maria do CarmoBem-Hur Ferreira Padre RoqueEsther Grossi Pedro WilsonFernando Marroni Professor LuizinhoIara Bernardi

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II – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO -PEC 415/2005

Dá nova redação ao § 5o do art. 212 da Constituição Federal e ao art.60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Art. 1º O § 5o do art. 212 da Constituição Federal passa a vigorarcom a seguinte redação:

“§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicional definanciamento a contribuição social do salário-educação, recolhidapelas empresas, na forma da lei.” (NR)

Art. 2º O art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transi-tórias passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 60. Até 31 de dezembro de 2019, o Distrito Federal, os Es-tados e os seus Municípios destinarão parte dos recursos a que serefere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e aodesenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dostrabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições:

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I - a distribuição de responsabilidades e recursos entre o DistritoFederal, os Estados e os seus Municípios, a ser concretizada com par-te dos recursos definidos neste artigo, na forma do disposto no art.211 da Constituição Federal, é assegurada mediante a criação, noâmbito do Distrito Federal e de cada Estado, de um Fundo de Manu-tenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dosProfissionais da Educação - Fundeb, de natureza contábil;

II - os Fundos referidos no inciso I serão constituídos por vintepor cento dos recursos a que se referem os arts. 155, incisos I, II e III;157, incisos I e II; 158, incisos I, II, III e IV; e 159, inciso I, alíneas “a”e “b”, e inciso II, da Constituição Federal, e distribuídos entre o Dis-trito Federal, cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente aonúmero de alunos das diversas etapas e modalidades da educação bá-sica, matriculados nas respectivas redes de educação básica;

III - a lei disporá sobre a organização dos Fundos, a distribuiçãoproporcional de seus recursos, as diferenças e ponderações quanto aovalor anual por aluno entre etapas e modalidades da educação básicae tipos de estabelecimento de ensino, a fiscalização e o controle dosFundos, bem como quanto à forma de cálculo do valor anual mínimopor aluno, observadas as garantias estabelecidas nos incisos I, II e IIIdo art. 208 da Constituição Federal e as metas de universalizaçãopara a educação básica estabelecidas no plano nacional de educação;

IV - a União complementará os recursos dos Fundos a que serefere o inciso II, sempre que, no Distrito Federal e em cada Estado,o valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente;

V - a complementação de que trata o inciso IV será de R$4.300.000.000,00 (quatro bilhões e trezentos milhões de reais), a par-tir do quarto ano de vigência dos Fundos, observados, nos três pri-meiros anos, os critérios estabelecidos na lei de que trata o inciso III;

VI - a vinculação de recursos para manutenção e desenvolvimentodo ensino estabelecida no art. 212 da Constituição Federal suportará,no máximo, trinta por cento da complementação da União, conside-rando-se, para os fins deste inciso, o valor previsto no inciso V; e

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VII - proporção não inferior a sessenta por cento dos recursos decada Fundo referido no inciso I será destinada ao pagamento dosprofissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício.

§ 1º Para efeito da distribuição de recursos dos Fundos a que serefere o inciso II do caput, levar-se-á em conta a totalidade das matrí-culas no ensino fundamental e considerar-se-á, para a pré-escola, parao ensino médio e para a educação de jovens e adultos, um quarto dasmatrículas no primeiro ano de vigência dos Fundos, metade das ma-trículas no segundo ano, três quartos das matrículas no terceiro ano ea totalidade das matrículas a partir do quarto ano.

§ 2º A porcentagem dos recursos de constituição dos Fundos,conforme o inciso II do caput, será alcançada gradativamente nosprimeiros quatro anos de vigência dos Fundos, da seguinte forma:

I - no caso dos impostos e transferências constantes dos arts. 155,inciso II; 158, inciso IV; 159, inciso I, alíneas “a” e “b”, e inciso II, daConstituição Federal:

a) dezesseis inteiros e vinte e cinco centésimos por cento, no pri-meiro ano;

b) dezessete inteiros e cinco décimos por cento, no segundo ano;c) dezoito inteiros e setenta e cinco centésimos por cento, no ter-

ceiro ano; ed) vinte por cento, a partir do quarto ano; II - no caso dos impostos e transferências constantes dos arts.

155, incisos I e III; 157, incisos I e II; 158, incisos I, II e III, daConstituição Federal:

a) cinco por cento, no primeiro ano;b) dez por cento, no segundo ano;c) quinze por cento, no terceiro ano; ed) vinte por cento, a partir do quarto ano.§ 3º A complementação da União será realizada mediante redu-

ção permanente de outras despesas, inclusive redução de despesas decusteio, observadas as metas fiscais e os limites de despesas correntesfixados na lei de diretrizes orçamentárias.

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§ 4º Ato do Poder Executivo disporá sobre a correção anual dovalor a que se refere o inciso V do caput, de forma a preservar o valorreal da complementação da União.” (NR)

Art. 3º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data desua promulgação, mantidos os efeitos do art. 60 do Ato das Disposi-ções Constitucionais Transitórias conforme estabelecido pela EmendaConstitucional no 14, de 1996, até o início da vigência dos Fundosnos termos desta Emenda Constitucional.

E.M. Nº 019/2005-MECBrasília.

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III – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO MINISTRO

TARSO GENRO À PROPOSTA DE EMENDA

CONSTITUCIONAL(PEC) 415

Brasília, 12 de maio de 2005.

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Ex-celência a anexa minuta de Proposta de Emenda à Constituição Fe-deral de 1988 prevendo a criação do Fundo de Manutenção e Desen-volvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionaisda Educação - Fundeb, em substituição ao atual Fundo de Manuten-ção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização doMagistério - Fundef.

I. Importância e Prioridade do Fundeb1. A questão da educação nacional oferecida pelos Estados, pelo

Distrito Federal e pelos Municípios, especialmente a educação básica,

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constitui um dos grandes desafios a ser enfrentado no contexto dapolítica de inclusão social que norteia as ações do atual Governo. Aampliação do alcance do Fundeb - o mais importante mecanismo deredistribuição de recursos vinculados à educação - representa a prin-cipal medida a ser implementada no conjunto das prioridades educa-cionais presentes, por constituir-se em instrumento de imediata, efe-tiva e ampla redistribuição dos recursos disponíveis destinados ao fi-nanciamento da educação básica no País.

2. A implantação do Fundef a partir de 1998 visou apenas ao ensi-no fundamental, deixando à margem do processo de inclusão educa-cional os jovens e adultos que não tiveram acesso à escola na idadeprópria, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio, bemcomo as crianças em idade para a educação infantil e todos os jovensque anualmente batem às portas do ensino médio, em uma demandade escala crescente nos últimos anos - como reflexo da política, posi-tiva, porém segmentada e incompleta, representada pelo Fundef.

II. Educação Básica: Diagnóstico Presente3. Os indicadores educacionais do país revelam que muito se ca-

minhou desde 1988, quando a Constituição Federal definiu a educa-ção básica como um dever do Estado e um direito do cidadão. Verifi-ca-se que, no período de 1988 a 2002, na rede pública de ensino, asmatrículas cresceram 59% na pré-escola; 37% no ensino fundamen-tal; 232% no ensino médio; e 80% na educação superior. Não obstanteesses avanços, os desafios que se colocam são ainda maiores quandose pensa em assegurar aos brasileiros uma educação com padrõesmínimos de qualidade, que ofereça condições igualitárias de acesso epermanência, independentemente da etnia e da classe social do cida-dão, da vinculação administrativa da escola e da região, cidade oubairro que tenha escolhido para morar.

4. No ano 2002, o país apresentava uma taxa de analfabetismo de11,8% na faixa etária de jovens acima de 15 anos, quando esse índiceé de 3,2% na Argentina; 4,2% no Chile e 8,8% no México.

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Considerando os diferentes segmentos da população, as desigualda-des se acentuam e verificamos que a taxa de analfabetismo entre ne-gros e pardos é duas vezes superior à dos brancos; entre os que mo-ram na zona rural é três vezes maior que a verificada na populaçãourbana e, finalmente, entre os que ganham até um salário mínimo, ataxa é vinte vezes maior que entre os que ganham mais de dez salári-os mínimos. Além disso, constata-se que 35% dos analfabetos brasi-leiros já freqüentaram a escola e não puderam nela permanecer.

5. Outro grande problema da educação brasileira se refere ao aces-so. Apenas 9,4% das crianças de até 3 anos de idade possuem atendi-mento escolar (quando o Plano Nacional de Educação - PNE, apro-vado pela Lei no 10.172, de 9 de janeiro de 2001, aponta para umatendimento de 50% em 10 anos) e, na faixa de 4 a 6 anos, este índiceé de 61,4%. Mesmo na faixa etária obrigatória (de 7 a 14 anos), temosainda cerca de 1 milhão de crianças fora da escola. Na faixa de 15 a 17anos, cuja meta é a universalização, a taxa de atendimento é de 83%.

6. Além do desafio do acesso, há o da permanência. De cada 100alunos que ingressam no ensino fundamental a expectativa é queapenas 57 concluam este nível de ensino. Aqui, mais uma vez, verifi-cam-se as disparidades existentes no sistema educacional, pois consi-derando a população ocupada, enquanto os brancos concluem emmédia 8 séries de estudo, este número é de apenas 5,7 séries conclu-ídas por negros e pardos.

7. Quanto à infra-estrutura dos estabelecimentos de ensino, cons-tata-se que nas escolas do ensino fundamental, em 2003, apenas 54%possuíam biblioteca, 16% laboratório de ciências, 26% laboratório deinformática e 29% acesso à internet. Na rede privada estes índicessão, respectivamente, 87%, 58%, 75% e 76%, mostrando, de um lado,a disparidade entre as duas redes e, de outro, que as escolas públicasdeixam a desejar no que se refere às condições de infra-estrutura.

8. Nos aspectos qualitativos, a presença de professores habilitadose motivados é condição básica para um ensino de qualidade. Nestesentido o Brasil conseguiu avançar na redução do número de professores

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sem a habilitação legal mínima para lecionar, porém ainda prevaleceuma situação de difícil aceitação. O percentual de professores leigos,em 2002, foi de 5,7% para os que atuam entre a 1ª e a 4ª série daeducação básica, e de 32% para os que lecionam de 5ª à 8ª série. Regi-onalmente são grandes as disparidades existentes, pois enquanto oíndice de professores de 5ª à 8ª série com licenciatura é de 83% naregião Sudeste, no Norte é a metade.

9. Relativamente aos salários, apesar dos recentes avanços, parti-cularmente nas regiões mais carentes, pouco há que se comemorar.Pesquisa feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa-cionais Anísio Teixeira - Inep, com base nos dados da PNAD doIBGE de 2001, mostra que um professor que atua no nível médioganha, em média, R$ 866,00, valor que representa 57% da remunera-ção de um policial civil; 34% do que ganha um delegado, ou um advo-gado e 10% do que ganha em média um juiz de direito. Tambémnessa questão, ainda são grandes as disparidades regionais, visto queum professor de 1ª à 4ª série do Nordeste ganha, em média, R$ 293,00,a metade do que recebe seu colega do Sudeste.

10. Quanto às condições de trabalho, observa-se um dado agra-vante: na rede municipal, que hoje atende mais da metade dos alunosdo ensino fundamental, a relação de alunos por turma saltou, entre1994 e 2002, de 25,4 para 27,1.

11. Quando se observa o desempenho dos alunos, os números tam-bém são preocupantes, ante a constatação de que apenas 4,8% dosalunos da 4ª série obtiveram, no SAEB de 2003, estágio de proficiên-cia considerado adequado; 18,7% obtiveram um desempenho consi-derado muito crítico (sem habilidade de leitura); e 37% crítico (lêemde forma truncada, apenas frases simples). Tem-se também que, em2003, 33,9% dos alunos do ensino fundamental e 49,3%, do ensinomédio estão fora da série considerada adequada para sua idade.

12. Diante desse quadro absolutamente alarmante, é preciso ir alémdo Fundef, buscando eliminar os problemas existentes e odescompasso verificado no atendimento dos três níveis de ensino que

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compõem a educação básica. Tal descompasso decorre da ausênciade uma política que promova a universalização indistinta do atendi-mento, sustentada por mecanismos que assegurem a melhoria quali-tativa do ensino oferecido, com valorização dos profissionais da edu-cação. O Fundeb vem preencher essa lacuna como mecanismo queincentiva, democratiza e assegura o acesso à educação básica.

III. Responsabilidade da União, dos Estados e dos Municípios13. A Constituição Federal atribui à União responsabilidade direta

pela garantia do ensino superior, ficando a cargo dos Estados, do Dis-trito Federal e dos Municípios assegurar a educação básica - sob, con-tudo, a ação normativa, supletiva e redistributiva da União, que asse-gura assistência técnica e financeira aos entes federados. Dessa for-ma, todas as unidades federadas concorrem para a universalização doensino com melhoria qualitativa e para a redução das acentuadas de-sigualdades existentes. É urgente, pois, a promoção da eqüidade notratamento dado a todos os segmentos do ensino que compõem aeducação básica, assegurando aos Governos Estaduais e Municipais,pela via da redistribuição dos recursos e pelo incremento do aporte derecursos federais suplementares, igualdade na capacidade financeirade promoção do atendimento à educação básica e, conseqüentemen-te, garantindo a todas as crianças e jovens brasileiros, igualdade deoportunidades de acesso à educação, independentemente de locali-zação geográfica e do ente governamental a que se vinculam as esco-las públicas que irão atendê-los.

14. É importante destacar que a atuação dos Estados e Municípi-os, no âmbito da educação básica, ocorre de forma diferenciada, ca-bendo aos Municípios a predominância do atendimento nas creches(98%), pré-escolas (93%) e de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental(73%); enquanto a atuação dos Estados é concentrada no ensinomédio (98%), de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental (61%) e educa-ção especial (55%); ocorrendo um certo equilíbrio apenas na educa-ção de jovens e adultos, em que Municípios e Estados atendem,

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respectivamente, 47% e 53% dos alunos matriculados, conforme da-dos do Censo Escolar de 2003.

15. Essa diferenciação no atendimento decorre da própria divisão deresponsabilidades dos entes federados imposta pela Constituição Fe-deral. A proposta que ora encaminhamos não altera essa distribuiçãode responsabilidades precípuas, no que diz respeito aos aspectosorganizacionais e de gestão dos respectivos sistemas de ensino, maspromove, porém, uma ampla redistribuição dos recursos financeiros vin-culados à educação básica, adotando como critério, o número de alunosmatriculados por nível de ensino no âmbito de cada rede (estadual oumunicipal) e a garantia de um investimento mínimo por aluno/ano porparte da União, a ser fixado anualmente, que assegure condições de sealcançar um adequado padrão de qualidade do ensino.

16. É importante destacar que as receitas provenientes de impostosarrecadados, geridos e aplicados pelos Municípios, por não se constitu-írem receitas compartilhadas com os Estados, continuarão vinculadosà educação, com aplicação em favor da educação básica oferecida pelosrespectivos Municípios, porém sem trânsito pelo Fundeb. O montantedas receitas dos impostos municipais (IPTU, ISS e ITBI) apresentauma grande concentração da sua arrecadação nos Municípios de mé-dio e grande porte, de sorte que dos R$19 bilhões arrecadados em 2003,cerca de R$9 bilhões (49%) foram arrecadados pelos Municípios dascapitais e R$ 4 bilhões (21%) somente pelo Município de São Paulo.

17. Não é por outra razão que, de um lado, tais impostos não cons-tituem fonte de recursos do Fundeb e, de outro lado, a distribuiçãodos recursos pretende contemplar apenas a pré-escola. Consoante osdados do Inep, 75% das matrículas em creches estão concentradosem apenas 25% dos Municípios - sua inclusão, sem contrapartida definanciamento municipal, acarretaria uma inevitável distorção na re-partição de competências federativas. Não obstante, à medida em queos impostos municipais não integrarão o Fundeb, remanescendo, nes-sa medida, para aplicação exclusiva em âmbito local, os Municípiosque mantêm creches sob sua gestão não terão prejuízo algum.

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18. Com a excessiva concentração tributária, a inclusão das recei-tas municipais no Fundeb provocaria um indesejável movimento derecursos dos Municípios mais organizados e empenhados na geraçãodessas receitas, para os Municípios que, por razões variadas (inclusivepor falta de iniciativas e de esforço), apresentam baixa ou nenhumageração de recursos próprios. Ou seja, os entes governamentais quenão se empenham em arrecadar, não apenas seriam incentivados amanterem tal postura como seriam financiados por aqueles que seesforçam e arrecadam os impostos que pela Constituição Federal lhescompetem arrecadar.

19. Não obstante, a lei de regulamentação do Fundeb deverá pre-ver, após os primeiros quatro anos de vigência do novo Fundo (umperíodo de transição, como explicado logo mais), a realização de umFórum Nacional da Educação Básica, pelo Ministério da Educação,com representantes de todas as esferas da federação, a fim de avaliar,dentre outros temas, a vinculação dos impostos municipais ao Fundoa fim de financiar o atendimento nas creches.

20. Nesse sentido, o Fundeb, na forma consubstanciada na anexaProposta de Emenda Constitucional, será composto por 20% (vintepor cento) das receitas de impostos e transferências dos Estados e deDistrito Federal e por uma complementação por parte da União, as-segurada quando, no âmbito de cada Estado, o valor mínimo por alu-no/ano não alcançar o valor mínimo definido nacionalmente, cujadefinição será objeto de oportuna regulamentação na legislação infra-constitucional e fixação com periodicidade anual.

21. Com essa participação dos entes governamentais na formaçãodo Fundo, calcula-se que o montante da contribuição dos Estados eDistrito Federal alcançará cerca de R$ 38,5 bilhões em 2005 e a dosMunicípios R$ 18,0 bilhões, totalizando R$ 56,5 bilhões. Para que aUnião, por sua vez, possa assegurar sua participação nos recursosnecessários ao Fundo, sua complementação será definida constitu-cionalmente no montante de R$ 4,3 bilhões de reais, alcançados

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gradualmente, em quatro anos. Com isso, inverte-se a atual lógicarestritiva do Fundef conforme a qual se condiciona a complementaçãoda União à definição do mínimo nacional - pressionada sempre parabaixo. Assegurada a complementação da União, o valor mínimo na-cional será então fixado - o que impulsionará o valor mínimo poraluno para um patamar superior.

22. Isso permitirá significativo aporte anual, pela União, no finan-ciamento de programas e projetos educacionais e da assistência fi-nanceira a Estados, Distrito Federal e Municípios, a título decomplementação ao Fundeb, aumentando tanto quantitativamentequanto qualitativamente o fluxo de recursos destinados à educaçãobásica, atendendo a uma demanda histórica do País.

IV. Efeitos Físico-Financeiros junto aos Estados e aos Municípios23. Esse mecanismo de equalização financeira, em razão das dife-

renças - tanto nas participações no atendimento quanto na composi-ção dos custos por nível de ensino - provoca diversificados impactosfinanceiros junto aos Estados e aos Municípios, em função do graude participação de cada ente governamental no atendimento do seg-mento do ensino em que atua de forma predominante. Entretanto, éimportante destacar que serão beneficiados aqueles Governos que,por um lado, contam com uma reduzida capacidade de financiamen-to da educação e, por outro, apresentam uma elevada participação noatendimento dos alunos da educação básica no âmbito do Estado aque pertencem.

24. Esse imediato e positivo efeito financeiro decorrerá da aplica-ção do mecanismo redistributivo baseado na transferência dos recur-sos em função do número efetivo de matrículas. A equalização pro-movida em cada Estado, pela redistribuição apenas dos recursos dosGovernos Estaduais e de seus Municípios, entretanto, não é sufici-ente para promover a necessária redução das desigualdades regionaise a melhoria qualitativa da educação básica. Por isso é de fundamen-tal importância a garantia de um investimento mínimo por aluno que

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assegure padrão de qualidade do ensino, para o que é determinante aparticipação financeira da União em caráter complementar ao Fun-do, impondo que sejam aportados recursos adicionais para alavancara melhoria e a universalização do atendimento na educação básica,minimizando os efeitos da redução de receitas dos entes governa-mentais (principalmente estaduais) “transferidores” de recursos.

25. A criação do Fundeb, contemplando toda a educação básica,fará com que os efeitos negativos representados pelas reduções dereceitas, sobretudo dos Governos Estaduais, sejam atenuados: (1) pelainclusão dos alunos da educação infantil e do ensino médio, comreflexo direto na redistribuição dos recursos; (2) pela inclusão, no Fun-do, de 20% de impostos e transferências dos Estados; e (3) pela ga-rantia de um investimento mínimo nacional por aluno/ano que asse-gure qualidade no ensino em conseqüência de significativacomplementação dos recursos do Fundo com novos aportes da União.

26. Essa nova dimensão financeira alcançada pelo Fundeb seráacompanhada de um crescimento de 53% do contingente debeneficiários, que passarão dos atuais 31 milhões de alunos do ensinofundamental para 48 milhões de matrículas na educação básica (da-dos de 2003). É importante destacar que esse novo universo do Fundebdesenha um cenário com favoráveis perspectivas em favor da melhoriado atendimento, com significativos avanços nas taxas de escolarização,a curto e médio prazo, principalmente no segmento da educação in-fantil e do ensino médio. Pelas projeções realizadas, tomando-se comoreferência o comportamento das matrículas nos últimos exercícios,associado às tendências e metas de evolução futuras, haverá um cres-cimento no número de alunos da educação básica, entre 2003 e 2007,da ordem de 16%, com evolução mais acentuada nas matrículas dossegmentos não alcançados pelo atual Fundef, com destaque para acreche e a educação de jovens e adultos - que têm perspectiva decrescimento acima de 100% no período. Na educação especial e noensino médio, a previsão supera os 40% de crescimento nas matrículas.A seu turno, para o ensino fundamental, a perspectiva é de redução da

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ordem de 25% no segmento da 1ª a 4ª série acompanhada de umcrescimento aproximado de 15% entre a 5ª e a 8ª série.

V. Aplicação dos Recursos do Fundeb27. A educação é um setor intensivo em mão-de-obra, fazendo

com que os custos com pagamento de pessoal representem mais dametade dos custos do ensino oferecido pelo poder público. Essa situ-ação há de perdurar por muito tempo, em que pese a evoluçãotecnológica que, de forma célere, tem contribuído para a introduçãode novos recursos didáticos e o aperfeiçoamento dos métodos e téc-nicas utilizadas no processo ensino-aprendizagem.

28. A presença do professor em sala de aula não apenas continua-rá a ser necessária, como exigirá desse profissional uma atuação tantomais interativa e participativa quanto mais atualizada em relação aosavanços e conhecimentos tecnológicos, além de um adequado nívelde formação acadêmica, consoante dispõe a Lei de Diretrizes e Basesda Educação, ao estabelecer como meta qualitativa para o docente aformação superior para todos aqueles que vierem a ingressar na car-reira do magistério.

29. O Governo Federal não assume a responsabilidade de discipli-nar a carreira, nem a remuneração dos profissionais da educação nosEstados e Municípios. Entretanto, estabelecer diretrizes é dever daUnião, em parte já contemplado pelo art. 67 da LDB. Mais ainda:criar condições e referenciais mínimos a serem observados contribui-rá para a concretização das medidas que assegurarão a necessária va-lorização do magistério, particularmente tornando condigna sua re-muneração.

30. O restante dos recursos deverá ser aplicado pelos Estados eMunicípios em ações variadas de manutenção e desenvolvimentoda educação básica, de conformidade com as diretrizes, políticas eprioridades educacionais de cada ente governamental. Consideran-do, entretanto, que parte das despesas com educação são realizadaspelos Governos Estaduais na manutenção de instituições de ensino

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superior, a proposta ora apresentada atrela a distribuição dos recur-sos do Fundeb ao número de alunos da educação básica, de formacompatível com a responsabilidade de atuação delineada para osEstados e Distrito Federal, na forma do disposto no art. 211, § 3o,da Constituição Federal.

VI. Valor Mínimo por Aluno/Ano31. O Fundeb promoverá um novo realinhamento nas finanças

públicas dos Estados, Distrito Federal e Municípios, a partir de umaampla redistribuição dos recursos vinculados à educação, permitindoa esses entes federados condições de assegurar universalização do aten-dimento em todos os segmentos da educação básica, mediante ga-rantia de um investimento mínimo por aluno, por nível de ensino,que permita a necessária elevação do padrão de qualidade do ensinooferecido.

32. Os parâmetros a serem considerados para definição do valormínimo nacional por aluno/ano serão estabelecidos em lei. Entre-tanto, obedecerão a um critério que estabeleça as necessárias diferen-ciações entre as etapas ou modalidades da educação básica, em fun-ção dos diferenciados custos existentes, constituindo-se num instru-mento de incentivo e priorização de atendimento de um ou outrosegmento desse nível de ensino, em função das metas e objetivospretendidos.

33. É importante mencionar que para o primeiro ano de vigênciadesse novo Fundo, será fixado um valor mínimo nacional poraluno/ano, que assegure, em relação ao ensino fundamental, um ganhoreal significativo em relação ao valor mínimo praticado no atual Fundef.De forma idêntica, para os Estados onde o valor per capita seja supe-rior ao valor mínimo, o mesmo tratamento será observado, fazendocom que o marco inicial do Fundeb tenha como referência os avan-ços e melhorias que foram asseguradas pelo atual Fundef, incorpo-rando-os e dando início a um novo e importante passo, desta feitaprivilegiando todo o ensino básico.

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34. Para os anos seguintes à implantação do Fundo, o valor míni-mo nacional será objeto de definição a partir de estudos técnicos decusto aluno, a ser periodicamente realizado pelo MEC, com o objeti-vo de identificar e atualizar as reais diferenças de valores a serem con-sideradas na sua fixação.

VII. Implantação Gradual do Fundeb35. Em função da significativa mudança quantitativa e qualitativa

na cesta de recursos que comporão o Fundeb, sua implementação égradual, progressiva nos primeiros quatro anos de vigência do Fundo.É possível apontar três grandes mudanças do Fundeb em relação aoatual Fundef: (1) a primeira diz respeito ao repasse de recursos vincu-lados às matrículas, como já mencionado; (2) a segunda diz respeitoao incremento tanto da cesta de impostos que compõem o Fundebquanto da porcentagem dessa cesta destinada ao Fundo (de 15% para20% de uma cesta de impostos muito mais abrangente); e, finalmen-te, (3) a significativa mudança nos parâmetros de orientação dacomplementação dos recursos do Fundo pela União.

36. Justamente pelo impacto financeiro de tais medidas, a anexaminuta de Proposta de Emenda à Constituição traz “regras deimplementação gradual”, por assim dizer. A primeira delas, previstano § 1o do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitó-rias - ADCT, estabelece que, afora o ensino fundamental regular, to-dos os outros níveis de ensino da educação básica, inclusive a moda-lidade de educação de jovens e adultos, serão considerados gradual-mente, à razão de um quarto das matrículas ao ano.

37. De outro lado, tanto o aumento dos impostos a serem vertidosao Fundeb, bem como o aumento da porcentagem de composição doFundo, sugerem uma implementação gradual, como previsto no § 2odesse mesmo artigo do (ADCT): a passagem dos 15% dos recursosdo atual Fundef para os 20% do Fundeb (abrangendo mais impostose transferências), é, outrossim, atingida em quatro anos: de um lado,com relação aos impostos e transferências que atualmente compõem

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o Fundef, o incremento será alcançado com um aumento anual àrazão de 1,25%; e, de outro lado, com relação aos impostos e transfe-rências adicionais, o incremento será realizado à razão de 5% ao ano.Isso permite que Estados e Municípios tenham quatro anos para con-ciliar suas matrículas em educação básica com os recursos destinadosao Fundeb a fim de que um aumento na demanda seja acompanhadopor um aumento no financiamento.

38. Por fim, o aumento de financiamento para a educação básicagarantido pela complementação da União será igualmente atingidoem quatro anos (ADCT, art. 60, V): a complementação da Uniãoserá de R$ 4.300.000,00 (quatro bilhões e trezentos milhões de reais)a partir do quarto ano de vigência do Fundo. A lei prevista no incisoIII definirá o escalonamento para a complementação da União, queserá de R$ 1.900.000.000,00 (um bilhão e novecentos milhões dereais) no primeiro ano, R$ 2.700.000,00 (dois bilhões e setecentosmilhões de reais) no segundo ano, R$ 3.500.000,00 (três bilhões equinhentos milhões de reais) no terceiro ano, alcançando seu valortotal a partir do quarto ano de vigência do Fundo.

39. Vale ressaltar, ainda, que no máximo 30% (trinta por cento)dessa complementação da União poderá ser suportado pela vinculaçãoconstitucional de recursos para manutenção e desenvolvimento doensino prevista no art. 212 da Constituição Federal. O compromissode complementação pela União obrigará ainda a oportuna revisão deoutras vinculações de receita ou obrigações de gasto de forma a abrirespaço fiscal para a parcela da complementação da União que nãoserá suportada pela vinculação constitucional para a educação.

40. Com isso, pretende-se ampliar enormemente o número dematrículas a serem consideradas, bem como os recursos para o finan-ciamento - quer por parte dos entes federados, quer por parte da União.As regras transitórias asseguram uma passagem controlada do Fundefao Fundeb, de maneira a equalizar o sistema nacional de financia-mento da educação básica no Brasil.

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Estas, Senhor Presidente, são as razões que justificam o encami-nhamento da presente minuta de Proposta de Emenda à Constituição,que ora submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência.

Respeitosamente,Tarso Fernando Herz Genro

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IV– PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº 40/95

A Assembléia Legislativa

Decreta:

Art. 1º - O Fundo Estadual de Educação - FEE -, instituído peloArt. 260 da Constituição do Estado da Bahia, tem por finalidade pro-ver recursos para o fortalecimento das ações do Estado na área deeducação, abrangendo;

I - manutenção e expansão do sistema público estadual de ensino;II - capacitação de recursos humanos para área de Educação;Art. 2º - Constituem recursos do FEE:I - Cota-parte da contribuição social do salário-educação destina-

da ao Estado da Bahia;II - 10% (dez por cento) dos recursos definidos pelo Art. 212 da

Constituição Federal, receita resultante de impostos e transferências;III - O produto da alienação dos bens imóveis do Estado, que

reverterá, como receita, ao FEE;IV - 40% (quarenta por cento) da receita oriunda da alienação dos

bens imóveis do Estado;

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V - Dotação orçamentária consignada, anualmente, no Orçamentodo Estado, a título de integralização do FEE, em montante corres-pondente ao mínimo de 10% (dez por cento) da despesa orçada comPessoal e Encargos Sociais da Secretaria de Educação;

VI - Os recursos oriundos das agências do Governo Federal e deentidades internacionais ou estrangeiras com destinação à Educação;

VII - Doações, subvenções, legados e contribuições ou quaisqueroutras transferências de pessoas físicas ou jurídicas do direito públicoou privado;

VIII - receitas de valores mobiliários;IX - recursos de outras fontes.§1º - A Secretaria da Fazenda efetuará, mensalmente, o depósito

das quantias correspondentes aos recursos previstos neste artigo emconta bancária especial sob a denominação " FUNDO ESTADUALDE EDUCAÇÃO ", no Baneb – Banco do Estado da Bahia S/A.

§2º - Os recursos do FEE serão destinados, exclusivamente, pararepasses às unidades executoras dos Projetos/Atividades da área deEducação, na forma definida pelo Art. 1o.

§3º - Fica vedada a utilização de recursos oriundos do FEE para atenderàs despesas com Pessoal e Encargos Sociais da Secretaria de Educação eàs destinadas à manutenção de suas unidades administrativas.

Art. 3º - O FEE terá contabilidade própria.Art. 4º - O saldo positivo do FEE, apurado em balanço, em cada

exercício financeiro, será transferido para o exercício seguinte a crédi-to do mesmo Fundo.

Art. 5º - Da aplicação dos recursos do FEE, serão prestadas con-tas ao Tribunal de Contas do Estado, conforme dispõe a legislaçãoespecífica.

Art. 6º - O FEE será administrado por um Conselho Deliberativoe por um secretário executivo.

Art. 7º - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a criar ocargo de Secretário Executivo do FEE, Símbolo NH-3, integrantedo quadro da Secretaria de Educação.

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Art. 8º - O Poder Executivo regulamentará a presente lei, no prazode 30 (trinta) dias.

Art. 9º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação,revogadas as disposições em contrário.

Sala das Sessões, 20 de fevereiro de 1995.

Deputada Maria José Rocha.

Justificação

A necessidade de regulamentação e funcionamento do FEE -Fundo Estadual da Educação - tem sido objeto de discussão em todosos fóruns de reformas educacionais. Criado pela Constituição baianade 1989, Art. 260, o FEE se encontra com letra morta, à espera deuma decisão do Poder Executivo no sentido de regulamentá-lo e, àfalta dessa iniciativa, achamos por bem levar à frente, essa bandeira,não obstante sabermos dos argumentos contrários que podem serarticulados a cerca de inconstitucionalidades relativas ao impedimentodo Parlamento de legislar sobre matéria financeira que sirva, pelomenos, de alerta ao Governo do Estado, que tem a obrigação de tomarpara si o presente projeto e colocar a educação no lugar que merece: aprioridade número um de uma sociedade.

O presente projeto é fruto do trabalho do grupo que elaborouPlandeba - Plano Decenal de Educação -, cujo objetivo é erradicar oanalfabetismo em 10 anos, desenvolver o ensino de 1o e 2o graus evalorizar os profissionais de educação. Esse trabalho foi publicadopela Fundação João de Souza Góes, no número 11 do Caderno deAssuntos Municipais. O FEE tem por finalidade garantir o fortaleci-mento das ações educacionais, abrangendo a manutenção e expan-são do Sistema Público Estadual de Ensino, e as ações de capacitaçãode recursos humanos. A regulamentação do FEE visa estabelecer, naBahia, uma política própria de financiamento do investimento em

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educação, tonando-o independente de repasses Federais e emprésti-mos bancários, como assinala a publicação da Fundação João de SouzaGóes.

Durante a elaboração da Constituição de 1989, retomamos as idéiasdo grande educador Anísio Teixeira, que dizia, em certo momento:"Essa nova escola pública - menina dos olhos de todas as verdadeirasdemocracias - não poderá existir no Brasil se não mudarmos a nossaorientação a respeito dos orçamentos do ensino público." E acres-centa: "Precisamos constituir fundos para a instrução pública que es-tejam não só ao abrigo das contingências orçamentárias normais,como também permitam acréscimos sucessivos, independentementedas oscilações de critério político de nossos administradores."

Assim, o estabelecimento do Fundo Estadual visará à racionaliza-ção na aplicação dos recursos destinados à Educação, evitando os des-vios de qualquer natureza. Além da proteção às verbas, o FEE possibi-litará a redistribuição justa dos recursos aos municípios baianos, obede-cendo a critérios de demanda de vagas, índice de analfabetismo, custo-aluno etc. E atenderá a mais nova exigência do Governo Federal: orepasse criterioso e direto dos recursos educacionais às escolas, garan-tindo autonomia financeira às unidades de ensino e evitando desvios eperda de verbas na máquina burocrática.

A regulamentação e o funcionamento do FEE contribuirão para agestão democrática da educação, a partir da transparência na aplicaçãodos recursos e direção colegiada do mesmo.

É necessário destacar que o FEE, tão almejado pelos educadoresbrasileiros, passa a ser uma imposição objetiva da atual política do Mi-nistério da Educação e da nova LDB - Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional, que propõe a gestão democrática da educação.

Sala das Sessões, 20 de fevereiro de 1995.

Deputada Maria José Rocha.