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Epidemiologia e Serviços de Saúde R E V I S TA D O S I S T E M A Ú N I C O D E S A Ú D E D O B R A S I L | Volume 12 - Nº 4 - outubro / dezembro de 2003 | ISSN 1679-4974 4

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» Saúde e Vigilância Ambiental:um tema em construção

Lia Giraldo da Silva Augusto

» Tipos de estudos epidemiológicos:conceitos básicos e aplicações na área do envelhecimento

Maria Fernanda Lima-Costa e Sandhi Maria Barreto

» A subnotificação de mortes por acidentes de trabalho: estudo de três bancos de dados

Paulo Roberto Lopes Correa e Ada Ávila Assunção

» Vigilância epidemiológica no processo demunicipalização da Saúde de Feira de Santana-BA

Erenilde Marques de Cerqueira, Marluce Maria Araújo Assis,Tereza Cristina Scatena Villa e Juliana Alves Leite

artigos neste número

Epidemiologiae Serviços de SaúdeR E V I S T A D O S I S T E M A Ú N I C O D E S A Ú D E D O B R A S I L

| Volume 12 - Nº 4 - outubro / dezembro de 2003 |

ISSN 1679-4974

4

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Epidemiologiae Serviços de Saúde

A revista Epidemiologia e Serviços de Saúde do SUS

é distribuída gratuitamente. Para recebê-la, escreva à

Secretaria de Vigilância em Saúde - SVS

Ministério da Saúde

Esplanada dos Ministérios, Bloco G, edifício-sede, 1o andar, sala 119

Brasília-DF. CEP: 70.058-900,

ou para o endereço eletrônico

[email protected]

A versão eletrônica da revista está disponível na Internet:

http://www.saude.gov.br/svs/pub/pub00.htm

Indexação: LILACS, ADSaúde e Free Medical Journal

| Vo l u me 12 - No 4 - out/dez de 200 3 |

I S S N 1679- 4974

R E V I S T A D O S I S T E M A Ú N I C O D E S A Ú D E D O B R A S I L

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© 2003. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde.Os artigos publicados são de responsabilidade dos autores.É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.

Editor GeralJarbas Barbosa da Silva Júnior - SVS/MS

Editores ExecutivosMaria Regina Fernandes de Oliveira - SVS/MSAna Maria Johnson de Assis - SVS/MSErmenegyldo Munhoz Junior - SVS/MSMargarida Maria Paes Alves Freire - SVS/MSMaria Margarita Urdaneta Gutierrez - SVS/MSPaula Mendes Werneck da Rocha - SVS/MS

Comitê EditorialJosé Cássio de Moraes - CVE/SES/SPMaria Cecília de Souza Minayo - FIOCRUZ/RJMarilisa Berti de Azevedo Barros - FCM/UNICAMPMaurício Lima Barreto - ISC/UFBA/BAMoisés Goldbaum - FM/USP/SPPaulo Chagastelles Sabroza - ENSP/FIOCRUZ/RJPedro Luiz Tauil - DSC/UNB/DF

ConsultoresElisabeth Carmen Duarte - SVS/MSNereu Henrique Mansano - SVS/MSSandhi Barreto - SVS/MSExpedito José de Albuquerque Luna - SVS/MSEduardo Hage Carmo - SVS/MSMaria de Lourdes Souza Maia - SVS/MSMaria Cândida de Souza Dantas - SVS/MSGerusa Maria Figueiredo - SVS/MSJoseney Raimundo Pires dos Santos - SVS/MS

Fabiano Geraldo Pimenta Junior - SVS/MSGiovanini Evelin Coelho - SVS/MSJosé Lázaro de Brito Ladislau - SVS/MSRegina Lourdes de Souza Nascimento - SVS/MSGuilherme Franco Neto - SVS/MSDouglas Hatch - CDC/EUALenita Nicoletti - FIOCRUZ/MSMárcia Furquim de Almeida - FSP/USP/SPMaria da Glória Teixeira - UFBA/BAMaria Lúcia Penna - UFRJ/RJ

Projeto EditorialAndré FalcãoTatiana Portela

Projeto Gráfico e CapaFabiano Camilo e Silva

Revisão de TextoWaldir Rodrigues Pereira

Normalização BibliográficaRaquel Machado Santos

Editoração EletrônicaEdite Damásio da Silva

Tiragem25.000 exemplares

ISSN 1679-4974

Epidemiologia e Serviços de Saúde / Secretariade Vigilância em Saúde. - Brasília : Ministérioda Saúde, 1992-

Trimestral

ISSN 1679-4974ISSN 0104-1673

Continuação do Informe Epidemiológicodo SUS.A partir do volume 12 número 1, passa adenominar-se Epidemiologia e Serviços deSaúde

1. Epidemiologia.

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Sumário

177

189

203

213

225

Editorial

Saúde e Vigilância Ambiental: um tema em construçãoHealth and Environmental Surveillance: Building the Theme

Lia Giraldo da Silva Augusto

Tipos de estudos epidemiológicos:conceitos básicos e aplicações na área do envelhecimentoTypes of Epidemiologic Studies: Basic Concepts and Uses in the Area of Aging

Maria Fernanda Lima-Costa e Sandhi Maria Barreto

A subnotificação de mortes poracidentes de trabalho: estudo de três bancos de dadosSub-notification of Deaths due to Occupational Accidents: a Study of Three Databases

Paulo Roberto Lopes Correa e Ada Ávila Assunção

Vigilância epidemiológica no processo demunicipalização do Sistema de Saúde em Feira de Santana-BAEpidemiological Surveillance in the Process of Municipalization of the Health System in Feira de Santana-BA

Erenilde Marques de Cerqueira, Marluce Maria Araújo Assis, Tereza Cristina Scatena Villa e Juliana Alves Leite

Normas para publicação

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sta edição da Epidemiologia e Serviços de Saúde reúne quatro artigos inéditos. Os três primeiros enfatizamo crescente interesse da epidemiologia de serviço, no Brasil, pela caracterização da importância dosefeitos para a saúde humana relacionados com a exposição aos contaminantes ambientais,1 ao processo

de envelhecimento da população brasileira2 e ao ambiente de trabalho.3 São textos que explicitam a necessidadepremente de o Sistema Nacional de Vigilância em Saúde avançar na sua capacidade de adaptação às atuais exigênciasdo perfil epidemiológico da população brasileira. Entre essas exigências, também se encontram as de “vigiar”, nocontexto da vigilância em saúde, as doenças crônico-degenerativas prevalentes em nosso país e que afetam,principalmente, a população idosa; bem como os acidentes de trabalho, cuja vigilância (conforme demonstra oartigo de Correa & Assunção) exige uma redefinição da gestão de suas informações; e introduzir, no âmbito doSistema Único de Saúde (SUS), mecanismos que possibilitem a monitoração dos diversos fatores de risco individuais,sociais, ambientais e econômicos que determinam a saúde.

Finalmente, o quarto trabalho publicado nesta edição é um estudo qualitativo exploratório que situa o estadoda arte da vigilância epidemiológica em Feira de Santana, Bahia, sob a ótica da descentralização das ações desaúde impulsionada pela habilitação do Município na Gestão Plena da Atenção Básica.4

Vigilância ambiental: um tema em construção

O manuscrito assinado por Lia Giraldo é uma síntese do enorme esforço que se realiza no âmbito da saúdee da vigilância ambiental, na atualidade. O artigo identifica as bases teóricas, conceituais, metodológicas einstitucionais que estão sendo “engendradas”, para que se faça cumprir o estabelecido para a Saúde na Lei doSUS, notadamente sobre a necessidade e atribuição do setor governamental competente: agir em favor de ummeio ambiente saudável, promovendo a saúde e prevenindo contra a doença.

No Brasil, a experiência de construção coletiva da vigilância ambiental em saúde tem sido bastante rica,protagonizada por cinco instituições principais: 1) Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância emSaúde, que define a competência da Coordenação-Geral de Vigilância Ambiental em Saúde (CGVAM) na gestãodo Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde (Sinvas), responsabilidade esta compartilhada com asSecretarias de Estado e Municipais de Saúde, de acordo com a IN Nº 01/01, da Funasa; 2) Fundação OswaldoCruz (Fiocruz), por meio da Vice-Presidência de Ambiente e Serviços de Referência, que tem estabelecido linhasde investigação, capacitação e cooperação técnica de acordo com as diretrizes e prioridades definidas pelaCGVAM; 3) Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), por meio do Grupo de Trabalhode Saúde e Ambiente, que tem coordenado o processo de construção dos eixos teóricos, conceituais emetodológicos da Vigilância Ambiental em Saúde (conforme o manuscrito supracitado, ora publicado); 4)Universidade Federal do Rio de Janeiro, por meio do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC/UFRJ), que vemestabelecendo parcerias na formulação e aplicação de cursos, metodologias de avaliação de risco e produçãocientífica; e 5) Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que, ao longo das últimas duas décadas, temoferecido apoio técnico-científico ao Ministério da Saúde, estimulando a instituição e o fortalecimento da saúdeambiental no âmbito do SUS.

A produção técnico-científica nacional sobre a temática da saúde ambiental, apesar de emergente, já podeser considerada significativa, se tomarmos por base os períodos anteriores e as publicações recentes e mais relevantes,dignas de destaque.5-14 Acrescenta-se a esta produção escrita um conjunto importante de seminários, cursos e,mais recentemente, os corredores temáticos de saúde ambiental promovidos durante os congressos de saúdecoletiva e de epidemiologia da Abrasco.

A vigilância ambiental e a epidemiologia de serviço

Editorial

E

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Essa produção científica, à qual se soma o artigo de Lia Giraldo, parte de alguns pressupostos, diretrizes eeixos de investigação que se manifestam em duas práticas complementares do setor Saúde, não concorrentes: 1)a estruturação, como já vem acontecendo, de um forte Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde,capaz de monitorar os riscos e condições ambientais mediatas (condicionantes e determinantes) e imediatas(efeitos e causas), que seja integrado à Vigilância em Saúde, considerando ações sinérgicas e complementarescom a vigilância epidemiológica, a vigilância sanitária e a vigilância à saúde do trabalhador, com clara definiçãodas atribuições federal, estadual e municipal no âmbito do SUS; e 2) a introdução, na formulação de políticas ediretrizes da Saúde, do conjunto de conceitos derivados do Desenvolvimento Sustentável, tais como “Cidades,Municípios e Ambientes Saudáveis”, expressos na construção da Agenda 21 global e nacional, bem como dosconceitos relacionados à Promoção da Saúde, possibilitando a construção de parcerias intersetoriais e estratégicas,capazes de realizar ações que se anteponham à fragmentação das políticas públicas com a construção de eixosque agreguem novas políticas, sustentáveis.

Mesmo considerando que o processo de identificação das bases teóricas, conceituais e metodológicas davigilância ambiental em saúde e da saúde ambiental encontra-se inconcluso, o momento é oportuno para aproposição de uma política pública sistematizada. Resulta daí a necessidade de que essa construção seja pactuadacom – e legitimada entre – todos os setores potencialmente envolvidos nesse processo, inclusive a sociedadecivil organizada. A sua expressão é a elaboração da Política Nacional de Saúde Ambiental, tarefa a ser cumpridaainda este ano.

Referências bibliográficas

1. Augusto LGS. Saúde e Vigilância Ambiental: um tema em construção. Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; (12) 4:177-187.

2. Lima-Costa MF, Barreto SM. Tipos de estudos epidemiológicos: conceitos básicos e aplicações na área do envelhecimento.Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; (12) 4: 189-201

3. Correa PRL, Assunção AA. A subnotificação de mortes por acidentes de trabalho: estudo de três bancos de dados.Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; (12) 4: 203-212.

4. Cerqueira EM, Assis MMA, Villa TCS, Leite JA. Vigilância epidemiológica no processo de municipalização da Saúde de Feirade Santana-BA. Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; (12) 4: 213-223.

5. Ministério da Saúde. Plano Nacional de Saúde e Ambiente no Desenvolvimento Sustentável: diretrizes para aimplementação. Contribuição do Brasil à Conferência Nacional de Saúde e Ambiente no Desenvolvimento HumanoSustentável. Brasília: MS; 1995.

6. Câncer ambiental e ocupacional na América Latina. Cadernos de Saúde Pública 1998;14(supl.3).

7. Fundação Oswaldo Cruz. I Seminário Nacional Saúde e Ambiente no Processo de Desenvolvimento. Rio de Janeiro:Fiocruz; 2000.

8. Revista Brasileira de Epidemiologia 2003;6(2).

9. Saúde e Meio Ambiente. Ciência & Ambiente 2002;25.

10. Ambientes saudáveis: promoção da saúde, qualidade de vida e bem estar. Revista da Saúde 2003;4(4).

11. Ciência & Saúde Coletiva 2003;8(4).

12. Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Integrando Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental: Observatório das Américas.Rio de Janeiro; Abrasco; 2003.

13. Informe Epidemiológico do SUS 2002;11(3).

14. Minayo MCS, Miranda AC, organizadores. Saúde e ambiente sustentável: estreitando nós. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2002.

Guilheme Franco NettoCoordenador-Geral de Vigilância AmbientalMembro do Comitê Editorial

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Saúde e Vigilância Ambiental: um tema em construção

Resumo

A evolução do perfil epidemiológico brasileiro, com a incorporação crescente de novos agravos à saúde decorrentesda industrialização e urbanização tardia e acelerada, exige um novo modelo de vigilância à saúde com ênfase nosaspectos de promoção e prevenção. O presente artigo procura abordar alguns conceitos fundamentais para o entendimentoda Vigilância em Saúde Ambiental como um campo da Saúde Coletiva, e oferecer subsídios à construção de ações parao Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, foi destacada a importância da integração disciplinar ao processo decompreensão global das problemáticas socioambientais, na perspectiva da interdisciplinaridade. O tema foi desenvolvidonos marcos da Saúde Coletiva que, para a compreensão do processo saúde-doença, relaciona os elementos sociais,ambientais e produtivos no estudo da causalidade em saúde, na perspectiva da complexidade. Uma bibliografia recenteserviu para introduzir elementos críticos aos conceitos usualmente adotados, tais como Ambiente, DesenvolvimentoSustentável, Risco, Causa, Contexto e Interdisciplinariedade. A construção de um sistema de Vigilância Ambiental para a SaúdePública requer um modelo de compreensão da realidade que seja capaz de organizar as ações de promoção e prevenção, paramelhorar a qualidade dos serviços como um todo e, ainda, oferecer subsídios às políticas de desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: vigilância ambiental; risco; interdisciplinariedade; desenvolvimento sustentável.

Summary

The evolution of the epidemiological patterns in Brazil, with increasing incorporation of new diseases resultingfrom industrialization and urbanization, demands a new model of monitoring with emphasis on health promotionand prevention. This article discusses some basic concepts related to Environmental Health Surveillance in the field ofCollective Health, and offers support to build actions in the scope of the Brazilian National Unified Health System(SUS). The importance of the distinct disciplines to the process of global understanding of the problematic socialenvironment relationship in the way of interdisciplinarity is emphasized. The subject was developed in landmarkaccomplishments of Collective Health, mainly when relating the social, environment and productive elements in thesystems of study of causality in health in relation to a complex system. A recent bibliography served to introducecritical elements to the usually accepted concepts, such as Environment, Sustainable Development, Risk, Cause,Context and Interdisciplinarity. The construction of an Environmental Health Surveillance system requires anothercapable model to organize the actions of health promotion and prevention, to improve the quality of health services asa whole and to offer subsidies for sustainable development policies.

Key words: environmental surveillance; risk; interdisciplinarity; sustainable development.

Lia Giraldo da Silva AugustoDepartamento de Estudos em Saúde Coletiva, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fiocruz, Recife-PE

Endereço para correspondência:Rua Ministro Nelson Hungria, 266, apto. 201, Boa Viagem, Recife-PE. CEP: 51021-100E-mail: [email protected]

[Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; 12(4) : 177 - 187] 177

ENSAIO

Health and Environmental Surveillance: Building the Theme

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178 ● Volume 12 - Nº 4 - out/dez de 2003 ● Epidemiologia e Serviços de Saúde

Natureza, sociedade e desenvolvimento

O pensamento hegemônico de que a natureza é infi-nitamente pródiga de recursos materiais e energéticos,com capacidade reparadora ilimitada, fez com que associedades humanas utilizassem e abandonassem opróprio habitat (echo). Esse processo afetou profunda-mente a qualidade do ambiente e de vida de suas popula-ções. O particular modo de apropriação e de dominaçãodos recursos naturais das sociedades industriais eviden-cia-se, hoje, nos conflitos ou problemas relacionais emer-gentes, comuns a toda a humanidade. São problemas queafetam fortemente as relações entre os seres humanos(diferenças culturais, econômicas, étnicas, religiosas), dassociedades entre si (países do Norte sobre os do Sul) edas sociedades com a natureza (exploração dos recur-sos naturais).1

autoritária e centralizada – de exercício das políticaspúblicas.

A visão simplificada dos processos socioambi-entais, efetivamente complexos, torna impossível oreconhecimento dos fatos de maneira global e umavisão mais ampla dos fenômenos e dos conflitos emjogo, que permitiriam abordar o problema na suaintegralidade.

O reconhecimento das multicausas e da importân-cia dos contextos socioambientais e culturais, em queos problemas da vida humana são conformados, éfundamental para, efetivamente, transformar asnocividades geradas pela ação do homem no ambien-te e, assim, melhorar a qualidade de vida.2

É uma questão-chave: o entendimento de que acomplexidade é dada pelas relações entre as partes eo todo, que, por sua vez, é diferente da simples somadelas.3 Esse novo modo de compreensão das relaçõesdo homem com a natureza permite construir estraté-gias para a Sustentabilidade – também uma teseconstruída no campo da Saúde Coletiva enquanto pen-samento contra-hegemônico.

A Ecologia é um conceito e deve ser entendidacomo uma ciência de relações e não apenas centradanos aspectos biológicos, em detrimento dossocioculturais.4 Assim como a Saúde, ela atravessa di-versos campos disciplinares e é fundamental para for-talecer o conceito mais amplo (de Saúde) cunhadona Reforma Sanitária Brasileira.5

A Sustentabilidade, por sua vez, é um conceito novoe que serve para traduzir um tipo de desenvolvimentosob um real Estado de Direito, sem iniqüidades, base-ado na concepção de mundo como um conjunto de “sis-temas inter-relacionados (complexos), do qual fa-zemos parte como seres culturais por natureza e na-turais por cultura”;3 e que precisa ser interna-lizado,mediante políticas públicas setoriais, para não ser re-duzido à retórica macroeconômica.

O conceito de Sustentabilidade tem sido utilizadopara caracterizar o tipo de desenvolvimento “que nãoesgota mas conserva e realimenta sua fonte de re-cursos naturais, que não inviabiliza a sociedade maspromove a repartição justa dos benefícios alcança-dos, que não é movido apenas por interessesimediatistas mas sim baseado no planejamento desua trajetória e que, por estas razões, é capaz de man-ter-se no espaço e no tempo”.4

Saúde e Vigilância Ambiental

Os conflitos gerados no processo de produção, his-toricamente relacionado aos sistemas de cada socie-dade, aos quais estão ligados, são decorrentes da ex-ploração e da dominação e revelam que “tanto se ex-plora a natureza como também o homem que tra-balha; contamina-se o ar como também o traba-lhador da indústria contaminante; contamina-se osolo com agrotóxicos como também o trabalhadorrural que os aplica”.1 O modelo científico positivista,unificador do conhecimento e homogeneizador domundo, deu sustentação a uma racionalidadeeconomicista e instrumental, impregnando a práticadas instituições com seus critérios de dominação eexploração.1

A mesma racionalidade observa-se na estruturaçãoburocrática dos serviços públicos, sua forma verticale compartimentada, estanque e com poucas relaçõeshorizontais, que apenas serve para obedecer, funcio-nalmente, ao poder instituído que reproduz sua históriaoficial e sua unidirecionalidade. O projeto de transfor-mação que se caracteriza pela diversidade, comple-xidade da realidade, construção coletiva e participa-tiva, ainda tem pouco lugar na forma tradicional –

A Ecologia atravessa diversoscampos disciplinares e éfundamental para a ampliação e ofortalecimento do conceito de Saúde.

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 4 - out/dez de 2003 ● 179

O discurso do Desenvolvimento Sustentável não éhomogêneo, está marcado e é diferenciado em fun-ção dos interesses ambientais de diversos setores so-ciais, políticos e econômicos envolvidos no processode desenvolvimento. Esse processo não se pode tra-duzir apenas em um conjunto de metas, como, porexemplo, a Agenda 21. Na realidade, implica modifi-cações econômicas e sociais profundas.2

Implicações para a Saúde Pública

Se, então, o novo paradigma é o desenvolvimentosustentável, a busca da saúde e de melhor qualidadede vida tem, para ele, um valor estratégico. As políticaspúblicas em saúde podem servir de eixo estruturadorpara esse objetivo.

Há certo consenso de que uma importante estraté-gia para promover a sustentabilidade é dada pela im-portância da participação local e pela revisão da for-ma como as pessoas vivem e trabalham.

A busca da sustentabilidade alicerça-se em doisprincípios ou diretrizes gerais. O primeiro, de que odesenvolvimento seja orientado para a transformaçãodas realidades e fundamentado no equilíbrio entre anatureza e a cultura, superando a ruptura entre o su-jeito e o objeto.1 As problemáticas reais locais, regio-nais, nacionais e internacionais, incluindo aí os confli-tos cotidianos, devem ser tratadas sob uma ótica glo-bal. O segundo é o de privilegiar as intervenções ou aspesquisas que utilizem práticas ou métodosparticipativos e interdisciplinares.

Traduzindo esses dois princípios ou diretrizes paraa Saúde Pública, propõe-se que, na construçãocoletiva, promovida e desenvolvida entre as equipesde saúde, colaboradores e membros das comunida-des mobilizados, sejam valorizados os aportes, as in-terpretações e os saberes de todos. Assim, os cami-nhos da cooperação serão buscados com uma atitu-de essencialmente participativa, crítica e solidária.

A apropriação efetiva da realidade, reconhecendosituações problemáticas vivenciadas, refletidas eobjeto de intervenção, permite que todos os partici-pantes transformem-se em sujeitos e promotores dacompreensão da realidade e das mudanças necessá-rias ao desenvolvimento sustentável. Os profissionaisde saúde são, igualmente, educadores; como tais, “con-firmam o mundo que vivem ao serem educados noeducar”.1

As ações de educação e pedagogia para o desenvol-vimento sustentável são aquelas que têm como missãodesenvolver vínculos, animar a reflexão crítica con-junta, valorizar as diferenças, a formação e a defesa deidéias. São ações cuja expressão deve reforçar a auto-estima, a busca de identidade, o fortalecimento da lutapela sustentação da dignidade e a solução pacífica edemocrática dos conflitos humanos.5

O processo de evolução do quadro epidemiológico,com a incorporação crescente de novos agravos à saú-de decorrentes da industrialização e urbanização tar-dia e acelerada, exige um novo modelo de vigilânciaem saúde com ênfase na promoção e na prevençãode riscos.

Evolução conceitual do ambientena perspectiva da saúde humana

Os sinais da crise ambiental no âmbito global (efei-to estufa; aquecimento dos mares; comprometimentoda camada de ozônio) e na saúde individual (intoxica-ções químicas; câncer; malformação congênita; doen-ças neurológicas, imunológicas e respiratórias; estresse;dependência de drogas; violência) são evidentes e re-conhecidos amplamente.

A saúde das populações também sofre os efeitos des-ses desequilíbrios e desigualdades, refletidos nos perfisepidemiológicos. Por exemplo: o aumento da violênciaurbana e rural; a fome; a infância desamparada; o tra-balho infantil; os acidentes de trânsito e de trabalho; e apoluição ambiental e a degradação dos espaços urba-nos e solos cultiváveis, bem como a contaminação dosmananciais utilizados para abastecimento de água.5

Todas essas condições fazem com que a qualidadede vida diminua e coloque em risco a própria sobre-vivência no planeta, tirando das futuras gerações a opor-tunidade de acessar os recursos naturais que a Terranos oferta.6

Nos últimos 20 anos, dado o quadro de riscosambientais para a saúde em nível mundial, vem-se de-senvolvendo, no campo das Ciências da Saúde, a de-nominada Saúde Ambiental (Environmental Health),de caráter multidisciplinar.4

Até pouco tempo atrás, no setor Saúde, a dimensãode ambiente era compreendida pelo homem como ex-terna a ele, traduzida pelas expressões “ambiente físi-co”, “ecossistema” ou “espaço geográfico”. Mais re-centemente, o tema foi ganhando relevância no Sistema

Lia Giraldo da Silva Augusto

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Único de Saúde (SUS), que incorporou a VigilânciaAmbiental ao Sistema Nacional de VigilânciaEpidemiológica e Ambiental em Saúde (SNVA).6 Hoje,no âmbito do SUS, amplia-se a compreensão de quehá um ambiente maior e relacional, em que as açõesde promoção da saúde devem ser implementadas le-vando-se em consideração o ambiente onde as pesso-as residem e trabalham.

A teoria dos sistemas tem sido proposta como umaalternativa de maior força explicativa para a compre-ensão do processo saúde-doença, concebido comoum complexo heterogêneo de elementos que se rela-cionam, são interdependentes e historicamente deter-minados.

Esse processo dinâmico de interdependência criauma estrutura e define o que é interno (o que está orde-nado e é passível de controle) e o que é externo ao sis-tema (não ordenado, fora de controle). Assim, pode-secompreender o ambiente enquanto algo externo econsiderá-lo como tudo aquilo que importa, mas nãose pode controlar.2

Resumindo: para que os riscos ambientais sejamtratados como um problema para a Saúde, isto é, pas-sível de solução ou controle, o ambiente deve ser inter-nalizado à política, ao diagnóstico, ao planejamento eàs ações de saúde.

O sistema, por sua vez, tem que deixar de ser vistocomo fechado (ou mecânico) e sim aberto, interagindocom o meio que dele faz parte e que é conformado pelocontexto. Para atender a essa nova abordagem, os mode-los explicativos tradicionais de tipo causa-efeito não sãosuficientes.2 Segundo Garcia,4 o sistema tem suas regraslógicas. Destacamos as seguintes: “o todo (sistema) édiferente da soma de suas partes”; “o caráter de umsistema é dado pelas relações de suas partes”; e “oambiente é uma entidade centrada em um sistema”.Essa compreensão de sistema pode responder a uma vi-são científica e holística – não cartesiana – dos proble-mas ambientais, fundamental para a compreensão da Saú-de Coletiva.

Vigilância em Saúde Ambiental

O termo Vigilância, nas questões de saúde, temsua origem nas ações de isolamento e quarentena.5

Após a II Guerra Mundial, especialmente nos Esta-dos Unidos da América (EUA) do período da GuerraFria, o conceito de Vigilância esteve associado à idéia

de “inteligência”, em razão dos riscos de guerra quí-mica e ou biológica.7 Hoje, assistimos à retomadadesse discurso, principalmente diante das ameaçasdo chamado bioterrorismo.5

Nos EUA, a vigilância evoluiu, passando a significara ação coordenada para controle de doenças na popu-lação, constituída de monitoramento, avaliação, pesquisae intervenção.8 No Brasil, até a década de 50 do séculopassado, o conceito de Vigilância era compreendidocomo o conjunto de ações de observação sistemáticasobre as doenças na comunidade, voltadas para me-didas de controle. Somente a partir da década de 60,essas ações ganham uma estruturação de programa,incorporando as medidas de intervenção.7

Desde então, essas ações foram estendidas ao con-trole da produção, do consumo de produtos e da fisca-lização de serviços de saúde, sob a denominação de Vi-gilância Sanitária. Posteriormente, evoluiu-se para umsistema de vigilância capaz de identificar os dadosepidemiológicos e os fatores que os condicionam.8

Saúde e Vigilância Ambiental

Por recomendação da 5ª Conferência Nacional deSaúde de 1975, a Lei No 6.259/75 e o Decreto No 78.231de 1976 instituíram o Sistema Nacional de VigilânciaEpidemiológica (SNVE),6 com atribuição de controle efiscalização dos padrões de interesse sanitário de por-tos, aeroportos e fronteiras, medicamentos, cosméticos,alimentos, saneantes e bens.8

As ações de controle sobre o meio ambiente relacio-nadas à saúde – como a vigilância da qualidade da águapara o consumo humano5 – embora restritas, estiveram,até o final da década de 90, subordinadas à VigilânciaSanitária.

As ações de vigilância foram agrupadas em Vigi-lância Epidemiológica e Vigilância Sanitária, ambascom praticamente os mesmos objetivos: prevenir econtrolar os riscos e agravos à saúde.6

A Vigilância Epidemiológica, segundo a Lei Orgâni-ca de Saúde – Lei No 8.080, de 1990 – 9, é “o conjuntode ações que proporcionam o conhecimento, adetecção e a prevenção de qualquer mudança nosfatores determinantes e condicionantes da saúde in-

O ambiente deve ser internalizado àpolítica, ao diagnóstico, aoplanejamento e às ações de saúde.

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dividual ou coletiva, com a finalidade de recomen-dar e adotar as medidas de prevenção e controle dasdoenças ou agravos”.

A Vigilância Sanitária, segundo a mesma Lei, refere-se “ao conjunto de ações capaz de eliminar, dimi-nuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos pro-blemas sanitários decorrentes do meio ambiente, daprodução e circulação de bens e da prestação de ser-viços de interesse da saúde”. As ações dessas duas vi-gilâncias têm caráter complementar e devem ser prati-cadas em conjunto.

Foi apenas na década de 80 que “a vigilância pas-sou a ser apresentada mais claramente sob o pontode vista de articulação com outras ações de saúde”.7

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dosEstados Unidos (CDC),7 por exemplo, definiram essenovo sistema onde “as ações referentes aos dadoscoletados (coleta, análise e interpretação) se articu-lam à informação periódica como instrumento daprevenção”, o que implica uma ação de controle sobreos riscos ambientais para a saúde.

Também no Brasil, somente em meados da déca-da de 80 é que são promovidas iniciativas para se ins-tituir, no âmbito do setor Saúde, ações de Vigilânciada Saúde do Trabalhador e do Meio Ambiente, de acor-do com a Constituição de 1988 e a Lei Orgânica deSaúde de 1990. Mas é a partir do ano 2000 que oMinistério da Saúde formula a denominada Vigilân-cia Ambiental,10 onde “a vigilância ambiental emsaúde se configura como um conjunto de ações queproporcionam o conhecimento e a detecção de qual-quer mudança nos fatores determinantes econdicionantes do meio ambiente que interferemna saúde humana, com a finalidade de recomen-dar e adotar as medidas de prevenção e controledos fatores de riscos e das doenças ou agravos rela-cionados à variável ambiental”.

Atualmente, encontra-se constituído o Sistema Na-cional de Vigilância Ambiental em Saúde, SNVA, que“prioriza a informação no campo da vigilânciaambiental, de fatores biológicos (vetores, hospedei-ros, reservatórios, animais peçonhentos), qualida-de da água para consumo humano, contaminantesambientais químicos e físicos que possam interfe-rir na qualidade da água, ar e solo, e os riscos de-correntes de desastres naturais e de acidentes comprodutos perigosos” (Decreto n° 3.450, de 10 de maiode 2000).10

O processo de transição epidemiológica em cursoexigiu de todos os países uma atuação sobre os riscosde acontecer um evento não desejável e não apenas atuarsobre ele – o que se denomina Prevenção e implica,necessariamente, deslocamento do foco da doença parao da saúde. A abordagem inicial, centrada no nível indi-vidual, passa, conseqüentemente, a dar maior impor-tância ao coletivo, onde se encontram os desafios deum novo tempo para a Saúde.

O novo enfoque

A necessidade de monitorar o ambiente é decor-rente do reconhecimento de que ele não é dado,mas está em permanente construção e transforma-ção pela ação do homem e da própria natureza. Nossetores ambientais e do trabalho, adota-se o termoMonitorar, para o qual são utilizados indicadoresquantitativos, geralmente.

Entretanto, para a Vigilância em Saúde, sob a óticada Saúde Coletiva, monitorar é mais do que um ato demedição instrumental. Aqui, a monitoração tem porobjetivo qualificar as condições de contexto e elemen-tos diretamente envolvidos no processo de causalidade,para atuar de forma permanente na sucessão de esta-dos que conformam o processo saúde-doença. Nessesentido, também é necessário incorporar dados quali-tativos e utilizar a triangulação metodológica para sealcançar maior aproximação com a realidade.11

Em Vigilância Ambiental, a prevenção é a preo-cupação central. Prevenção, aqui, é utilizada com osignificado de ação antecedente, algo ligado ao cursodo tempo.7

O conceito de História Natural das Doenças, que sepropunha a criticar a teoria monocausal oriunda dabacteriologia, introduziu a noção de multicausalidade.Levell e Clark12 foram os autores desse modelo,conceituando a História Natural da Doença como o“conjunto de processos interativos que cria o estí-mulo patológico no meio ambiente, ou em qualqueroutro lugar, passando pela resposta do homem aoestímulo, até às alterações que levam a um defeito,invalidez, recuperação ou morte”.

Nesse modelo, são evidentes dois campos inde-pendentes de determinação da doença: o meio exter-no ou meio ambiente, onde estão os fatores causais; eo meio interno, onde se desenvolve a doença – o ho-mem.7 Os fatores externos são classificados como de na-tureza biológica, física, química, social, cultural e políti-

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ca. Esse modelo propõe uma evolução do processo dadoença, que vai do período pré-patogênico ao patogênico.Baseando-se nessa evolução, os autores propuserammedidas de prevenção em três níveis: primário (pré-patogênico), secundário e terciário. Os dois últimoscorrespondem ao período patogênico, cujo enfoque estáno indivíduo, enquanto, no primeiro, o enfoque é tantoindividual como coletivo. Foi essa construção teórica queconsagrou o termo Prevenção.7

O modelo da História Natural da Doença significouum avanço sobre o modelo monocausal, mas não per-mitiu uma compreensão da complexidade do processosaúde-doença, com as inter-relações e interdependênciasdos elementos que o compõem. Ao contrário, seu foco éa causa imediata. Os elementos do processo são coloca-dos em um mesmo nível hierárquico, onde o ambiente écolocado como algo externo, portanto, fora de controle.Como conseqüência, a atitude para com o ambiente pas-sa a ser fatalista, o que imobiliza as ações de controle dosriscos ambientais para a saúde.

Uma nova compreensão da causalidade

Com a crescente importância de eventos e doençasnão relacionadas com agentes biológicos transmissíveis,houve a exigência de agregar-se mais um nível de pre-venção, ditado pelas condições social, econômica e cul-tural das populações que não podem mais ser reduzi-das a um único agente causal. Para o qual, aliás, nãohaveria uma vacina ou antibiótico capaz de prevenir oucurar. Então, o foco das ações passou, obrigatoriamen-te, para as condições determinantes.

Fica evidente a importância de se distinguir a dife-rença entre Risco e Causa, e desta com o Contexto:7

“Causa é o que produz. Contexto são as condiçõesque, por si, não levam ao acontecido (evento, efei-to), mas que sem ele o evento não ocorre. A causapode ser removida, pode desaparecer pela adoção,por exemplo, de medidas técnicas, enquanto o con-texto é mais perene, para modificá-lo é necessária aintervenção de processos sociais e culturais maiscomplexos, e não meramente pontuais”.

Para ilustrar essa importante diferença conceitual,podemos dar os seguintes exemplos:• Na investigação de um acidente de trabalho, o con-

texto é conformado pelas características do pro-cesso produtivo, política de recursos humanos,condições de vida do trabalhador; a causa, de-

pendendo do tipo de acidente, pode ser uma prensasem mecanismo protetor, a falta de manutençãode uma máquina, o vazamento de uma tubulação,um curto circuito, o piso irregular, o rompimentode um cabo etc.

• Se investigássemos um determinado incêndio, ocontexto poderia ser a área inadequada paraarmazenamento de produtos inflamáveis ou a faltade treinamento contra incêndio; e a causa, um cur-to circuito ou uma faísca, possivelmente.7

O conceito de Risco Ambiental é fundamental e gozade uma polissemia. A compreensão comum associa ris-co a eventos negativos, embora, na sua conotação pri-mitiva, tenha uma origem ligada a um conceito de Se-guro.7 O uso da palavra Risco tem conotação de incer-teza, azar, probabilidade; o que implica, originalmente,na possibilidade de se optar. Risco, portanto, “não éapenas um conceito técnico, mas um conceito soci-al e cultural”, e, por isso, “não é um conceito neu-tro” na “construção de uma parte da realidade”.7

A perspectiva de um evento ou situação é relativa,está ligada à probabilidade de ocorrência do risco. Quan-do damos aos eventos uma perspectiva sociocultural,estamos considerando valores sociais e estilos de vidana análise de sua determinação ou de seu condiciona-mento, cuja dimensão subjetiva impede sua redução asimples valores numéricos.

A utilização do conceito de Risco, por si, já é umarecusa ao determinismo causal, posto que implica no aca-so, aleatório.2 Assim, risco é a probabilidade de ocorrên-cia de um evento e está ligado à causa e ao contexto.7

Os fatores de risco podem ter pesos diferentes,mas, para que o evento ocorra, há necessidade deuma interação entre eles. Isoladamente, nenhum fatorde risco promove o fenômeno.2 “Assim entendido, acausa (o porquê?) é pouco relevante para as medi-das de prevenção, o mais importante é a interven-ção no contexto (o como). A compreensão da distin-ção entre causa e contexto é importante, pois. O co-tidiano, as questões de fundo, são parte do fenôme-

Saúde e Vigilância Ambiental

O conceito de História Natural dasDoenças introduziu a noção demulticausalidade em oposição àteoria monocausal oriunda dabacteriologia.

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no deflagrado pelo acidental ou excepcional. Poroutro lado, limitar-se ao contexto sem pesquisar acausa (o desconhecido, o inusitado, o acidental) éimpossibilitar a ampliação do conhecimento sobreo fenômeno.”2

O campo da Saúde Coletivae a Vigilância em Saúde Ambiental

A Saúde Coletiva “... é como um campo de prá-ticas teóricas e de intervenções concretas na rea-lidade que tem como objeto o processo saúde-do-ença nas coletividades” Assim, há duas funções prin-cipais da Saúde Coletiva.13 A primeira, para o enten-dimento de que “a produção de conhecimento e detecnologias sobre a saúde e a doença e seusdeterminantes em termos das populações” deve sercompreendida “com base na sua natureza comple-xa, pois integra as dimensões ecológica, biológi-ca, social, psíquica, as quais são interdependentese interdefiníveis”, que não podem, por isso, serdesmembradas, e “articulam as vivências e as ex-periências coletivas do acontecimento” (a doen-ça). E a segunda, para compreender que “a inter-venção concreta na coletividade, no indivíduo ouem qualquer elemento do contexto” (complexo dedeterminantes e condicionantes dos processos desaúde-doença) “tem por base um dado fenômenoem particular”.

Conforme Tambelline e Câmara,13 a “compreensãoda saúde a partir da Saúde Coletiva é mais ampla”,pois leva em consideração “as dimensões biológicas,sociais, psíquicas e ecológicas, articulando assim oindividual” (a doença) “com o coletivo” (o processosaúde-doença).

O processo saúde-doença deve ser, portanto,categorizado e analisado em seus determinantes econdicionantes históricos, genéticos e estruturais(biopsíquicos, sociais e ecológicos/ambientais). Ainteração desses elementos é que determina a sua par-ticularização, isto é, a ocorrência do dano ou da do-ença no indivíduo ou na coletividade.2

Tambeline e Câmara13 referem a saúde como umbem em si, como um valor humano desejado, que estáalém das contingências do ambiente ou do sistema so-cial. “Trata-se de um ideal a ser alcançado sempre”.Isso faz com que não sucumbamos ao conformismo. Sea história é construída pelos homens, então, pode ser

mudada, como também podem ser mudados os con-textos socioambientais.

A questão da saúde tem relações com a produção eo ambiente. O ambiente “está dado em função da ar-ticulação entre duas lógicas: a lógica da natureza ea lógica da sociedade”. Por meio da técnica (proces-sos produtivos), dá-se a “desnaturalização da nature-za” conformando o ambiente como um espaço socialonde se dá o desenvolvimento humano.13

A Saúde Coletiva trouxe um novo enfoque para oentendimento do processo saúde-doença, visto como“algo em permanente transformação e que a (cuja)ação se dá num meio que não é só reativo, mas so-bretudo transformável.”13

A construção de um sistema de vigilância ambientalde interesse para a saúde requer que o contexto sejadevidamente valorizado. Para tanto, não só as bases dedados oriundas de monitoramentos quantitativos sãonecessárias, como também devem ser integradas técni-cas de avaliação de risco que incluam dados qualitativos.

A dimensão territorial passa a ser uma estratégiainteressante para a Vigilância Ambiental, bem como aproposta de se utilizar o sítio sentinela como unidadede análise.14

O Princípio da Precaução15 é outro conceito quedeve servir de guia para a ação em vigilância ambiental,isto é, não se deve priorizar a ação apenas pela ocor-rência de doenças e desastres ou acidentes, mas ante-cipar esses eventos pelo reconhecimento, anterior, dosriscos e dos contextos nocivos à saúde.

O Princípio da Precaução foi desenvolvido na Ale-manha, para justificar a intervenção regulamentadorae de restrição das descargas de poluição marinha –na ausência de provas consensuais quanto aos seusefeitos e danos ambientais.

Esse princípio tem sido tomado como referênciaem outras áreas e caracteriza-se por requerer que asdecisões acerca de processos industriais e produtosperigosos sejam deslocadas da ponta final do proces-so para a ponta inicial.

Por essa razão, a promoção e a prevenção terão,necessariamente, que prevalecer no enfoque da vigi-lância ambiental.

A proposição de um novo modelo gerencial de ris-co e também de explicação teórica do processo de ado-ecer, que vem sendo divulgado pela Organização Mun-dial da Saúde (OMS) e tem origem em uma proposta da

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Organization for Economic Co-operation andDevelopment (OECD), é uma tentativa de atuar naglobalidade dos fenômenos, incluindo toda a cadeia decausalidade.16

Esse modelo apresenta a vantagem de possibilitar aidentificação, em cada nível, das condições e dos fato-res de risco envolvidos no problema de saúde ambiental.E indicar ações para cada nível. Assim, o problema nãoserá visto apenas no nível do efeito, mas na sua totalida-de, permitindo não só efetivar ações na causa imediata(exposição), conforme a tradição da Saúde Pública.

Nesse sentido, categorias de análise conformadasem uma “matriz de dados”17 devem comportar níveishierárquicos que possibilitem a compreensão daglobalidade do problema e intervenções nos seus di-ferentes níveis.

O modelo da OMS coloca em evidência toda a cau-salidade e possibilita o gerenciamento em todos os ní-veis de intervenção. Mesmo quando a ação está fora doalcance do gestor municipal, reconhecer a sua necessi-dade representa um fator auxiliar na organização dasdemandas, na abertura de possibilidade de negocia-ções e de condições políticas para a resolução dos pro-blemas em outras esferas de governo. O que fica de foradeve ser explicitado, para que a consciência coletivacompreenda a globalidade das questões.

Nesse modelo, há um conjunto de indicadoreshierarquizados que conformam uma matriz de indi-cadores.18 Os principais indicadores são: de ForçasMotrizes, que representam atividades humanascoletivas e organizadas na sociedade, que imprimemprocessos e padrões ao desenvolvimento; de Pressão,que apontam diretamente para as causas dos proble-mas; de Situação, que indicam a condição atual doambiente e podem servir a um primeiro diagnóstico desituação; de Exposição, considerados apenas para si-tuações nas quais as populações estão envolvidas emalguma condição de risco; de Efeito, para demonstraros efeitos resultantes da exposição aos riscos ambientais.Esses indicadores podem variar segundo o tipo, a in-tensidade e a magnitude.

Por fim, há os indicadores de Ação para cada umdos níveis hierárquicos acima propostos. Eles servem àmonitoração das medidas tomadas para cada estrato damatriz e deixam evidentes as possibilidades da gestão in-tervir no processo, segundo o arcabouço institucional, ecriar novas possibilidades de resposta e de alianças.

O modelo difundido pela OMS permite a contex-tualização dos problemas, sendo particularmente útil àhierarquização dos fenômenos e das possibilidades deintervenção.

Complexidade dosproblemas socioambientais

As situações às quais aplicamos a expressão pro-blemas ambientais, sendo um amplo espectro de ele-mentos, têm, em um de seus extremos, os problemaspontuais circunscritos; e, em outro, as situações queenvolvem desafios como as condições da deterioraçãodo meio físico e da qualidade de vida de extensasregiões e populações.

As problemáticas em que estão envolvidos “o meiobiofísico, a produção, a tecnologia, a organizaçãosocial, a economia, a cultura, são consideradas com-plexas”.3 Os elementos socioambientais, que conformamos sistemas de estudo e de intervenção na área da Saú-de Ambiental, caracterizam-se como um sistema com-plexo apenas quando se deseja conhecer a globalidadede uma dada situação que seja a mais próxima da reali-dade, e sobre ela intervir. O modelo cartesiano-positivistade ciência, por seu caráter compartimentado,monocausal, controlado e autoritário, não permite aanálise global da realidade, mas apenas atua em frag-mentos dela.19

Ao inserir a Saúde Ambiental no campo da SaúdeColetiva, está-se partindo de um referencial teórico-conceitual que incorpora ao método, além daquelestradicionais estudos quantitativos, os aspectos qualitati-vos emanados das relações psicossociais e ambientais.20

A Saúde Ambiental, assim proposta, integra as di-mensões histórica, espacial e coletiva das situações, apartir de um compromisso ético com a qualidade devida das populações e dos ecossistemas em jogo.

O estudo de um sistema complexo busca compre-ender o funcionamento da sua totalidade e só pode serexecutado por uma equipe que compartilhe os marcosteóricos, conceituais e metodológicos. Essa asserção éum princípio básico da abordagem interdisciplinar.3

Há consenso de que, para abordar os problemasambientais, é necessário alcançar uma verdadeira arti-culação das diversas disciplinas e obter um estudo inte-grado. Porém, o consenso não é suficiente se não fo-rem alcançadas as bases conceituais e metodológicasque orientam as ações.

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dados disponíveis em bancos de dados e qual a suarepresentatividade?

• Quais são os possíveis erros de diagnóstico e análi-se efetuados?

• Como o sistema de saúde está organizado?• Qual é a percepção e o conhecimento que os sujei-

tos expostos têm sobre esses problemas?• Quais são as condições políticas, econômicas e

tecnológicas existentes para se proceder a mudan-ças de curto, médio e longo prazos no sentido deimplementar medidas de prevenção?Esse sistema complexo, portanto, vai necessitar de

diversas disciplinas a serem requisitadas para o estu-do. Mas não basta que cada uma forneça os seus da-dos isoladamente. Para que sejam integrados, essesdados deverão ser gerados e analisados à luz de ummarco conceitual e de uma hipótese (ou pressupos-to) comuns; e, ainda, responder a uma ou mais per-guntas condutoras, igualmente comuns.

É esse compartilhamento teórico-metodológico quepermite o processo de integração do conhecimento,originalmente diferenciado por distintas disciplinas, dan-do como resultado uma característica interdisciplinare permitindo a compreensão da totalidade da situaçãoe a escolha das melhores estratégias de intervenção.Tão-somente com essa prática é que se pode falar, efetiva-mente, em uma ação interdisciplinar.

Resumindo: a interdisciplinaridade só acontece emum processo de estudo e intervenção que objetiva oconhecimento e a ação na globalidade do sistema,complexo por definição. No mundo real, as questõessão transdisciplinares, isto é, existem independente-mente das disciplinas, do conhecimento teórico emetodológico que historicamente acumularam.

Com esse entendimento, fica claro que a interven-ção em saúde ambiental exige uma articulaçãointersetorial, pois o arcabouço institucional respon-sável pelas políticas públicas e privadas está organiza-do por setores mais ou menos especializados, que têmobjetivos distintos mas complementares entre si.

A intersetorialidade – como a interdisciplinaridade –exige uma relação que não é de subordinação entre aspartes, mas sim de cooperação entre os especialistas dasdiferentes instituições requeridas no processo de ação.

O importante é definir o objetivo comum para en-frentar um problema que deve ser visto com pressupos-tos e perguntas condutoras consensuais. O que requer,obviamente, uma permanente negociação.

A Vigilância em Saúde Ambiental, como vimos, é umcampo relativamente novo do conhecimento, que tratada compreensão e da análise dos condicionantesambientais que afetam a saúde humana.

Há que se ter claro, outrossim, que nem todos osproblemas ambientais ou de saúde requerem a inter-disciplinaridade na sua abordagem. Por exemplo, se fos-se necessário caracterizar, apenas do ponto de vista físi-co-químico, a poluição atmosférica gerada em uma de-terminada fábrica de fertilizantes, bastaria que semonitorassem as fontes de emissão de particulados e deoutras substâncias. Nesse caso, interessa apenas saber oresultado das análises laboratoriais, realizadas com amaior competência profissional possível e utilizando pro-cedimentos técnico-analíticos apropriados, para garan-tir a boa sensibilidade e especificidade dos resultadosconstatados por um bom especialista em química.

Entretanto, simples medições não bastam, por me-lhor que sejam feitas, quando desejamos saber se de-terminados agravos à saúde, observados na popula-ção do entorno da fábrica poluidora ou nos trabalha-dores, estão relacionados com a poluição oriunda deum determinado processo produtivo; ou, ainda, quan-do a questão é: Como introduzir mudanças nos pro-cessos geradores de nocividade?

Aqui, estarão envolvidos múltiplos elementosrelacionados entre si, interdependentes, constituindoum sistema complexo. Para os objetivos definidos,dever-se-á responder às seguintes questões:18

• Como se dá o processo produtivo dessa fábrica?• Qual é o modo de exposição e os efeitos na saúde?• Por que se emprega este ou aquele padrão

tecnológico?• Que fatores econômicos estão em jogo? Como o tra-

balho se organiza?• Quais são os métodos disponíveis para estudar os

poluentes?• Quais são os limites desses métodos?• Como são gerados, processados e atualizados os

A intersetorialidade e ainterdisciplinariedade exigem umarelação que não é de subordinação,mas sim de cooperação entre asdiferentes instituições requeridas noprocesso de ação.

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Saúde e Vigilância Ambiental

O processo de diferenciação das ações por setoresou do conhecimento especializado por disciplinas deve-se transformar em um processo de integração, para apre-sentar os resultados e a compreensão do fenômeno nasua totalidade.

ais dos expostos (susceptibilidade, idade, sexo), dobiorritmo, da quantidade de esforço físico despendidae das condições gerais do ambiente (ventilação,exaustão, iluminação, etc.). Mas, também – e funda-mentalmente –, depende dos contextos em que essesprocessos ocorrem. A determinação da exposição e doefeito sobre o indivíduo e as populações expostas não éum tema simples. Nele, estão envolvidos múltiplos fato-res que interagem e são interdependentes. A complexi-dade dessa situação deve ser levada em consideração,sempre, para que se tenha uma leitura mais apropriadada realidade. As abordagens simplistas, ainda dominan-tes, de relações monocausais entre exposição-efeito,devem ser substituídas por uma compreensão-explica-ção que reporte o problema à globalidade dos proces-sos de saúde. E isso tem que ser ensinado, daí a impor-tância de uma nova educação.20

Devemos nos manter conscientes de que a saúde écondição humana, dinâmica e complexa, não poden-do estar subordinada a níveis de complexidade inferi-or, como vemos ocorrer, com freqüência, quando seadotam limites de tolerância para determinados agen-tes químicos aquém das garantias de total segurançade exposição.

Os limites de segurança são indicadores quantita-tivos oriundos da química inorgânica (concentração=massa/volume) e estão no nível mais elementar dosistema, enquanto a saúde é um indicador biopsíquicoe socioambiental, no topo da hierarquia do sistema.21

Assim, subordinar a saúde aos indicadores de exposi-ção e efeito de maneira isolada, mecanicamente, cons-titui um erro freqüente nas práticas de saúde, princi-palmente quando se trata de estabelecer limites deexposição humana para ambientes poluídos por pro-cessos antrópicos.

A construção de um Sistema de Vigilância em Saú-de Ambiental requer um modelo de compreensãoholística, capaz de organizar as ações de prevençãoem saúde, melhorar a qualidade dos serviços comoum todo e colaborar com as políticas de desenvolvi-mento sustentável.

O ponto de partida deve ser o entendimento (a vi-são) e a definição de objetivos (perguntas) comuns.É no processo de intervenção ou de investigação que seconstrói o modelo explicativo, que não levará à verdademas aproximar-se-á, o quanto possível, da realidade. Fi-nalmente, ensejará novas perguntas (para velhos pro-blemas), dentro de um processo aberto, dinâmico e de-mocrático.

Como vimos, a intersetorialidade é importante requi-sito para as ações integradas em vigilância ambiental.Devemos considerar tanto os setores governamentaiscomo as denominadas organizações não-governa-mentais(ONG), redes ou movimentos sociais.

Reconhecemos que há um descompasso entre aspolíticas de saúde, meio ambiente, saneamento, recur-sos hídricos, agricultura, desenvolvimento urbano, ha-bitação e trabalho. Cabe aos técnicos de cada um des-ses setores a sua parcela de responsabilidade para asuperação desse quadro.

Considerações finais

À guisa de conclusão, pode-se dizer que o efeito danocividade ambiental depende não só da natureza deseus elementos (tipo), do tempo de exposição, da con-centração, da dispersão, das características individu-

A Vigilância Ambiental é um camporelativamente novo doconhecimento, que trata dacompreensão e da análisedos condicionantes ambientaisque afetam a saúde humana.

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Resumo

Os idosos constituem o segmento que mais cresce na população brasileira. Estudos epidemiológicos sobre ascondições e determinantes da saúde do idoso são fundamentais para subsidiar políticas de saúde voltadas a essa população.No presente trabalho, são expostos alguns conceitos básicos da epidemiologia, os principais delineamentos de estudosobservacionais e suas aplicações na área de envelhecimento. Os estudos descritivos e analíticos (ecológico, seccional, caso-controle e coorte) são apresentados e exemplificados com trabalhos realizados no Brasil. São discutidas as principais fontesde vieses em estudos epidemiológicos sobre envelhecimento, tais como uso de respondentes próximos, exclusão de idososinstitucionalizados e o efeito de viés de sobrevivência e alguns cuidados necessários ao planejamento, condução, análise einterpretação dos resultados desses estudos.

Palavras-chave: epidemiologia; envelhecimento; delineamento de estudos; vieses.

Summary

Older adults are a population group that is increasing most rapidly in Brazil. Epidemiological studies of healthconditions and determinants in the elderly are essential to help develop health policies for this population. In this workwe present some basic concepts in epidemiology, the main design of observational studies, and their application in thefield of aging. Descriptive and analytical studies (ecological, cross-sectional, case-control and cohort) are presentedusing examples of research projects carried out in Brazil. The main sources of bias, such as the use of proxy respondent,exclusion of institutionalized persons and survival bias are discussed, and some considerations are presented thatmust be taken into account the design, conduction, analysis and interpretation of results from these studies.

Key words: epidemiology; aging; study design; bias.

Types of Epidemiologic Studies: Basic Concepts and Uses in the Area of Aging

Maria Fernanda Lima-CostaNúcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento/Fiocruz, Belo Horizonte-MGDepartamento de Medicina Preventiva e Social/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG

Sandhi Maria BarretoNúcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento/Fiocruz, Belo Horizonte-MGDepartamento de Medicina Preventiva e Social/Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG

Endereço para correspondência:Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento/Fiocruz, Av. Augusto de Lima, 1715, Belo Horizonte-MG. CEP: 30190-002.E-mail: [email protected]

Tipos de estudos epidemiológicos:conceitos básicos e aplicações na área do envelhecimento

[Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; 12(4) : 189 - 201] 189

ARTIGO

DE REVISÃO

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190 ● Volume 12 - Nº 4 - out/dez de 2003 ● Epidemiologia e Serviços de Saúde

Introdução

Os idosos, particularmente os mais velhos,constituem o segmento que mais cresce na populaçãobrasileira. Entre 1991 e 2000, o número de habitantescom 60-69, 70-79 e 80+ anos de idade cresceu duasa quatro vezes mais (28, 42 e 62%, respectivamente)do que o resto da população brasileira (14%).1,2

Uma das conseqüências do crescimento dapopulação idosa é o aumento da demanda por serviçosmédicos e sociais. A análise das informações existentessobre internações hospitalares no âmbito do SistemaÚnico de Saúde (SUS) mostra que o envelhecimentoda população não pode ser encarado somente emtermos do número absoluto ou relativo da populaçãoidosa, ou das repercussões desse aumento para aprevidência social. As demandas dessa população porassistência médica são tão expressivas que o seuatendimento já responde por 23% dos gastos públicoscom internações hospitalares do tipo I, no país.3

Estudos epidemiológicos têm mostrado quedoenças e limitações não são conseqüências inevitáveisdo envelhecimento, e que o uso de serviços preventivos,eliminação de fatores de risco e adoção de hábitos devida saudáveis são importantes determinantes doenvelhecimento saudável.4,5 Como pode ser visto naTabela 1, parte expressiva das causas de mortalidade

entre idosos no Brasil poderia ser reduzida com aimplementação de programas de prevenção etratamento adequados. As doenças cardiovascularesconstituem o principal grupo de causas de mortalidadeentre idosos, em países como os Estados Unidos daAmérica e o Brasil.3,5 Fatores de risco modificáveis,que são responsáveis pela morte prematura atribuídaa doenças cardiovasculares entre idosos, incluemtabagismo, consumo excessivo de álcool, inatividadefísica, obesidade, dislipidemia e controle inadequadoda hipertensão e do diabetes.5-10 A redução do riscocardiovascular tem-se mostrado custo-efetiva e deveriaser enfatizada ao longo da vida, da infância à velhice.5

Pneumonia e influenza são importantes causas dehospitalização e morte entre a população idosa. Todosos idosos deveriam receber, anualmente, vacinaçãocontra a gripe e vacinação contra pneumonia – ou, pelomenos, uma vez na vida.5 A morbidade e a mortalidadeassociadas a diferentes tipos de câncer aumentam coma idade. Os cânceres de mama e da próstata são os maisfreqüentes entre mulheres e homens idosos,respectivamente. A prevenção secundária, por meio dadetecção precoce, é a melhor forma de redução damortalidade associada a esses cânceres.11 O uso decigarro está associado a várias das principais causasde morte entre os idosos brasileiros, tais como asneoplasias malignas da traquéia, brônquios e pulmões,

Estudos epidemiológicos e envelhecimento

Tabela 1 - Principais causas de mortalidade entre homens e mulheres idosos (60+) segundo o capítulo da CID-10* eas duas causas mais freqüentes em cada capítulo (CID 3 dígitos). Brasil, 1996

Causas

Capítulo IX: Doenças cardiovascularesI60 a I69 - Doenças cerebrovascularesI20 a I25 - Doenças isquêmicas do coração

Capítulo II: NeoplasiasC33 a C34 - Maligna da traquéia, brônquios e pulmõesC61 - Maligna da próstataC50 - Maligna da mamaC16 - Maligna do estomago

Capítulo X: Doenças do aparelho respiratórioJ40 a J44 - Doenças pulmonares obstrutivas crônicasJ12 a J18 - Pneumonia

90.44729.30628.479

35.7876.3465.655

--

32.05815.481

9.211

* Capítulos da Classificação Internacional de Doenças (10a revisão)

Fonte: SIM-Datasus, 1998a (adaptado de Lima-Costa e colaboradores, 2000a)

1.599,1518,1503,5

632,7112,2100,0

--

854,6273.4162.8

90.97529.41024.650

27.760--

3.3792.510

27.0299.3369.601

1349,3436,2365,6

411,7--

50,137,2

400,9138,5142,4

Homens Mulheres

No de óbitos Taxa por 100.000No de óbitos Taxa por 100.000

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 4 - out/dez de 2003 ● 191

e as doenças pulmonares obstrutivas crônicas. Dietasricas em frutas e verduras/legumes frescos, que contêmfibras, nutrientes essenciais e vitaminas, reduzem o riscode doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer.Do ponto de vista da Saúde Pública, a meta é a ingestãodiária de cinco ou mais porções de frutas e verduras/legumes frescos.12

Estudo inclui vigilância, observação, pesquisaanalítica e experimento. Distribuição refere-se àanálise por tempo, local e características dos indiví-duos. Determinantes são todos os fatores físicos,biológicos, sociais, culturais e comportamentais queinfluenciam a saúde. Condições relacionadas àsaúde incluem doenças, causas de mortalidade, hábitosde vida (como tabagismo, dieta, atividades físicas, etc.),provisão e uso de serviços de saúde e de medicamentos.Populações especificadas são aquelas comcaracterísticas identificadas, como, por exemplo,determinada faixa etária em uma dada população.21

Normalmente, os estudos epidemiológicos na áreado envelhecimento centram-se nos seguintes temas:investigação dos determinantes da longevidade e dastransições demográfica e epidemiológica; avaliação deserviços de saúde; e investigações da etiologia e histórianatural das doenças/condições relacionadas à saúdecomuns entre idosos.22

Tipos de estudos epidemiológicos

Os estudos epidemiológicos podem ser classificadosem observacionais e experimentais. Os estudosexperimentais fogem ao escopo deste trabalho e não serãocomentados. De uma maneira geral, os estudosepidemiológicos observacionais podem ser classificadosem descritivos e analíticos.

Estudos descritivos

Os estudos descritivos têm por objetivo determinara distribuição de doenças ou condições relacionadasà saúde, segundo o tempo, o lugar e/ou ascaracterísticas dos indivíduos. Ou seja, responderà pergunta: quando, onde e quem adoece? Aepidemiologia descritiva pode fazer uso de dadossecundários (dados pré-existentes de mortalidade ehospitalizações, por exemplo) e primários (dadoscoletados para o desenvolvimento do estudo).

A epidemiologia descritiva examina como aincidência (casos novos) ou a prevalência (casosexistentes) de uma doença ou condição relacionada àsaúde varia de acordo com determinadas características,como sexo, idade, escolaridade e renda, entre outras.Quando a ocorrência da doença/condição relacionadaà saúde difere segundo o tempo, lugar ou pessoa, oepidemiologista é capaz não apenas de identificar gruposde alto risco para fins de prevenção (por exemplo: na

Maria Fernanda Lima-Costa e Sandhi Maria Barreto

Informações sobre as condições de saúde dos idosose seus determinantes, assim como suas demandas epadrões de uso de serviços de saúde, são fundamentaispara orientar políticas de saúde voltadas a essa população.Estudos epidemiológicos de base populacional, ou seja,aqueles que investigam idosos residentes na comunidade,fornecem esse tipo de informação, mas ainda são rarosno Brasil. Pelo nosso conhecimento, estudos com basepopulacional da saúde do idosos foram ou estão sendodesenvolvidos somente no Rio Grande do Sul,13 em trêsgrandes cidades das regiões Sudeste e Nordeste (SãoPaulo,14-16 Rio de Janeiro17 e Fortaleza18) e em duaspequenas cidades no interior do país (Bambuí, em MinasGerais;19 e Veranópolis, no Rio Grande do Sul 20). Existe,portanto, uma evidente carência de informações sobreas condições de saúde da nossa população idosa.

No presente trabalho, serão apresentados algunsconceitos básicos da epidemiologia, suas aplicações eparticularidades para o estudo dessa população e seráfeita uma introdução aos principais delineamentos deestudos epidemiológicos, utilizando-se exemplos depesquisas realizadas no país.

Epidemiologia: definição e objetivos

A Epidemiologia é definida como o estudo dadistribuição e dos determinantes das doenças oucondições relacionadas à saúde em populaçõesespecificadas. Mais recentemente, foi incorporada àdefinição de Epidemiologia a “aplicação dessesestudos para controlar problemas de saúde”.21

Uso de serviços preventivos,eliminação de fatores de risco eadoção de hábitos de vida salutaressão importantes determinantesdo envelhecimento saudável.

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cidade de Bambuí, verificou-se que idosos com rendafamiliar inferior a três salários mínimos ingeriam menosfrutas e legumes frescos e praticavam menos exercíciosfísicos do que aqueles com renda familiar mais alta23),mas também gerar hipóteses etiológicas parainvestigações futuras.24

No Brasil, existem importantes bancos de dadossecundários com abrangência nacional – como oSistema de Informações sobre Mortalidade (SIM-SUS),o Sistema de Informações sobre Autorizações deInternações Hospitalares (SIH-SUS)25-28 e a PesquisaNacional de Amostra Domiciliar (PNAD, 1998)29 – quepodem ser usados em estudos epidemiológicos. Osresultados apresentados na Tabela 1 constituemexemplo de um estudo descritivo utilizando dados doSIM-SUS. Outro exemplo do uso de dados secundáriospara estudo epidemiológico descritivo pode ser vistona Tabela 2. Nessa tabela, verifica-se que a mortalidadepor doença de Chagas no Brasil vem diminuindoprogressivamente, em quase todas as faixas etárias(exceto na de 70+ anos) e que o pico da mortalidadesitua-se na sexta década de vida. Resultadossemelhantes são encontrados quando as taxas demortalidade são analisadas segundo coortes denascimento. As maiores taxas de mortalidade entre as

coortes mais velhas são, possivelmente, reflexo dosucesso do programa de controle da doença de Chagasno país, representando a redução da transmissão dainfecção pelo Trypanosoma cruzi entre as coortesmais jovens.30

Dados secundários também têm sido utilizados paramonitorar a qualidade da assistência hospitalarprestada ao idoso. Na Figura 1, pode-se verificar que aalta mortalidade entre idosos internados em uma clínicado Rio de Janeiro (que levou ao seu fechamentotemporário, a partir de denúncias divulgadas pelaimprensa em 1996), já vinha ocorrendo desde 1993,sendo maior que a observada em hospitais dereferência em vários dos meses estudados. Esseresultado mostra que a análise adequada de dadossecundários de internações hospitalares poderia terantecipado a identificação do problema pelos órgãoscompetentes, evitando o excesso de mortalidade sóidentificado em meados de 1996.31

Na Figura 2, são apresentados os resultados de umestudo descritivo usando dados primários. Nesseestudo, cerca de 1.700 idosos e uma amostrarepresentativa de indivíduos mais jovens foramentrevistados para determinadas características, entreelas o hábito de fumar. Os resultados mostram que a

Estudos epidemiológicos e envelhecimento

Tabela 2 - Taxas de mortalidade (por milhão) por doença de Chagas segundo o ano, com as coortes de nascimentoassinaladas. Brasil, 1980, 1985, 1990 e 1995

Faixa etária(em anos)

Ano denascimento

0-4

5-9

10-14

15-19

20-24

25-29

30-34

35-39

40-44

45-49

50-54

55-59

60-64

65-69

> 70

Anos

1980 1985 1990 1995

1986-90

1981-85

1976-80

1971-75

1966-70

1961-65

1956-60

1951-55

1946-50

1941-45

1936-40

1931-35

1926-30

1931-35

1926-30

0,4

0,3

1,2

5,0

10,9

23,5

45,4

77,9

111,5

143,3

171,3

228,3

249,4

272,6

59,0

0,7

0,1

0,9

3,6

6,8

18,0

32,6

50,4

82,2

120,1

151,4

176,2

243,6

257,4

74,3

0,1

0,1

0,4

1,3

4,0

8,3

22,0

35,4

58,2

86,5

129,9

168,3

192,2

233,4

89,8

0,1

0,1

0,3

0,9

3,3

6,2

13,5

24,3

40,1

63,8

103,5

126,4

169,0

200,7

88,6

Fonte: Adaptado de Lima-Costa e colaboradores, 2002.

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 4 - out/dez de 2003 ● 193

Maria Fernanda Lima-Costa e Sandhi Maria Barreto

Figura 1 - Taxa de mortalidade por 1.000 entre idosos (60+) internados na Clínica Santa Genoveva, Rio de Janeiro-RJ,e entre os pacientes dos hospitais de referência. Rio de Janeiro, 1993-maio de 1996

160

140

120

100

8 0

6 0

4 0

2 0

0

Jan

MarMai

Jul

SetNov Ja

nMar

MaiJu

lSet

Nov Jan

MarMai

Jul

SetNov Ja

nMar

Mai

1993 1994 1995 1996

Mês/ano

Santa Genoveva Hospitais de referência

Taxa

/1.0

00

Fonte: Guerra e colaboradores, 2000

Figura 2 - Prevalência do hábito de fumar segundo o sexo e a faixa etária em Bambuí-MG. Projeto Bambuí, 1996-1997

9 0

8 0

7 0

6 0

5 0

4 0

3 0

2 0

1 0

018-29 30-39 40-49 50-59 60-69 70-79 80+

Faixa etária (anos)Fonte: Lima-Costa e colaboradores, 2001b

%

Homens Mulheres

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Estudos epidemiológicos e envelhecimento

prevalência de fumantes diminui com a idade, de formaconsistente, em homens e mulheres. A redução dohábito de fumar entre pessoas mais velhas, tambémobservada em outros trabalhos,12 é conseqüência depelo menos um dos seguintes fatores: a) redução dohábito de fumar em virtude do aumento da idade; b)efeito de coorte (alteração nos hábitos em geraçõesdiferentes); e c) viés de sobrevivência (menorsobrevivência dos fumantes).32

Estudos analíticos

Estudos analíticos são aqueles delineados paraexaminar a existência de associação entre umaexposição e uma doença ou condição relacionadaà saúde. Os principais delineamentos de estudosanalíticos são: a) ecológico; b) seccional (transver-sal); c) caso-controle (caso-referência); e d)coorte (prospectivo). Nos estudos ecológicos, tantoa exposição quanto a ocorrência da doença sãodeterminadas para grupos de indivíduos. Nosdemais delineamentos, tanto a exposição quanto aocorrência da doença ou evento de interesse sãodeterminados para o indiv íduo, permi t indoinferências de associações nesse nível. As principaisdiferenças entre os estudos seccionais, caso-controle e de coorte residem na forma de seleçãode participantes para o estudo e na capacidade demensuração da exposição no passado, como serávisto a seguir.

Estudos ecológicos

Nos estudos ecológicos, compara-se a ocorrênciada doença/condição relacionada à saúde e a exposiçãode interesse entre agregados de indivíduos(populações de países, regiões ou municípios, porexemplo) para verificar a possível existência deassociação entre elas. Em um estudo ecológico típico,medidas de agregados da exposição e da doença sãocomparadas. Nesse tipo de estudo, não existeminformações sobre a doença e exposição do indivíduo,mas do grupo populacional como um todo. Uma dassuas vantagens é a possibilidade de examinarassociações entre exposição e doença/condiçãorelacionada na coletividade. Isso é particularmenteimportante quando se considera que a expressãocoletiva de um fenômeno pode diferir da soma daspartes do mesmo fenômeno. Por outro lado, embora

uma associação ecológica possa refletir, corretamente,uma associação causal entre a exposição e a doença/condição relacionada à saúde, a possibilidade do viésecológico é sempre lembrada como uma limitaçãopara o uso de correlações ecológicas. O viés ecológico– ou falácia ecológica – é possível porque umaassociação observada entre agregados não significa,obrigatoriamente, que a mesma associação ocorra emnível de indivíduos.24,33

Na Figura 3, é apresentada a distribuição daproporção de óbitos por causas mal definidas entreidosos e a taxa de pobreza (proporção da populaçãocom renda per capita inferior a meio salário mínimo),segundo a macrorregião brasileira. Sabe-se que, parao conjunto da população idosa brasileira, cerca de65% dos óbitos sem causa básica conhecida ocorremsem assistência médica.3 Assim, a maior proporçãode mortes por causas mal definidas nas regiões commaior proporção de habitantes com renda familiar percapita inferior a meio salário mínimo sugere que afalta da assistência médica ao idoso está associada àpobreza.

Estudos seccionais

Nos estudos seccionais, a exposição e a condiçãode saúde do participante são determinadas simulta-neamente. Em geral, esse tipo de investigação começacom um estudo para determinar a prevalência de umadoença ou condição relacionada à saúde de umapopulação especificada (por exemplo, habitantesidosos de uma cidade). As características dosindivíduos classificados como doentes são comparadasàs daqueles classificados como não doentes.

Um exemplo de estudo seccional foi desenvolvidona cidade de Bambuí, situada no interior de MinasGerais, para determinar a prevalência e os fatoressociodemográficos associados à depressão.34 Umquestionário foi aplicado para identificar os indivíduoscom depressão em uma amostra representativa dapopulação da cidade com 18+ anos de idade (1.041participantes). Os episódios depressivos atuais estavamassociados ao sexo (maior prevalência no sexofeminino, em comparação ao sexo masculino), à idade(maior prevalência nos mais velhos, em comparaçãoaos mais jovens) e à condição atual de trabalho (maiorprevalência entre aqueles que não estavam traba-lhando, em comparação aos que estavam), conforme

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 4 - out/dez de 2003 ● 195

Maria Fernanda Lima-Costa e Sandhi Maria Barreto

Tabela 3 - Fatores sociodemográficos, independentemente associados à depressão nos últimos 30 dias determinadapelo Composite International Diagnostic Interview (CIDI). Projeto Bambuí, 1996-1997

Características

SexoMasculinoFeminino

Faixa etária (anos)18-2930-4445-5960+

Situação atual de trabalhoTrabalhandoNão trabalhando

21,278,8

12,917,736,532,9

28,271,8

45,454,5

30,033,722,613,7

58,741,3

1,02,4 (1,3-4,2)

1,01,2 (0,6-2,8)3,5 (1,7-7,2)4,0 (1,9-8,5)

1,02,1 (1,2-3,6)

Depressão

OR (IC95%)Presente(n=85)%

Ausente(n=956)%

Fonte: Adaptado de Vorcaro e colaboradores, 2001* OR (IC95%): Odds Ratio e Intervalo de Confiança ao nível de 95%, ajustado pelas variáveis listadas na tabela, segundo o método de regressão logística. Essa é uma

medida da força de associação entre variáveis (quanto maior o seu valor, maior a força da associação) (ver Tabela 4)

Figura 3 - Proporção de óbitos por causas mal definidas entre idosos (60+) e taxa de pobreza segundo a macrorregiãobrasileira, 1997

60

50

40

30

20

10

0Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Fonte: Ministério da Saúde, Brasil, 1997 a,b

Perc

enta

gem

Causas mal definidas de óbitoTaxa de pobreza

discriminação na Tabela 3. Saliente-se que as deter-minações do episódio depressivo atual e da ocupaçãoforam feitas simultaneamente, ou seja, não foi possívelsaber se a ausência de trabalho foi anterior ouposterior ao surgimento do episódio depressivo.

Esta é a característica fundamental de um estudoseccional: não é possível saber se a exposição antecedeou é conseqüência da doença/condição relacionada àsaúde. Portanto, esse delineamento é fraco paradeterminar associações do tipo causa-efeito, mas

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adequado para identificar pessoas e característicaspassíveis de intervenção e gerar hipóteses de causas dedoenças. Em relação ao estudo de Bambuí, os resultadosmostraram que a depressão é um importante problemade saúde na comunidade, especialmente entre mulheres,pessoas mais velhas e aqueles que não estãotrabalhando. O resultado do estudo também gerou umahipótese sobre a influência da ausência de trabalho nodesenvolvimento do episódio depressivo.

Estudos caso-controle

Os estudos caso-controle e os estudos de coortepodem ser utilizados para investigar a etiologia dedoenças ou de condições relacionadas à saúde entreidosos, determinantes da longevidade; e para avaliarações e serviços de saúde. Os estudos de coortetambém podem ser utilizados para investigar a histórianatural das doenças.

Nos estudos caso-controle, primeiramente,identificam-se indivíduos com a doença (casos) e,para efeito de comparação, indivíduos sem a doença(controles) (Tabela 4). Depois, determina-se(mediante entrevista ou consulta a prontuários,por exemplo) qual é a Odds da exposição entre casos(a / c) e controles (b / d). Se existir associação entrea exposição e a doença, espera-se que a Odds daexposição entre casos seja maior que a observadaentre controles, além da variação esperada devida aoacaso.

Os estudos caso-controle, ao contrário dos estudos decoorte (ver a seguir), partem do efeito (doença) para ainvestigação da causa (exposição). Nesse artifício, residemas forças e as fraquezas desse tipo de estudo epidemiológico.Entre as vantagens, podemos mencionar: a) tempo maiscurto para o desenvolvimento do estudo, uma vez que aseleção de participantes é feita após o surgimento dadoença; b) custo mais baixo da pesquisa; c) maior eficiênciapara o estudo de doenças raras; d) ausência de riscos paraos participantes; e) possibilidade de investigação simultâneade diferentes hipóteses etiológicas. Por outro lado, osestudos caso-controle estão sujeitos a dois principais tiposde vieses (erro sistemático no estudo): de seleção (casos econtroles podem diferir sistematicamente, devido a um errona seleção de participantes); e de memória (casos econtroles podem diferir sistematicamente, na suacapacidade de lembrar a história da exposição). Essaslimitações podem ser contornadas no delineamento econdução cuidadosos de um estudo caso-controle.35

Um estudo caso-controle para investigar aassociação de quedas entre idosos e uso de medica-mentos está sendo desenvolvido no Município do Riode Janeiro. Os casos são pessoas com 60+ anos de idade,internadas em seis hospitais do município por fraturadecorrente de queda. Os controles são pacientes dosmesmos hospitais internados por outras causas. Até omomento, os resultados sugerem um maior risco dequedas e fraturas entre aqueles que fazem uso debenzodia-zepínicos (Odds Ratio-OR=1,9; Intervalo deConfiança-IC em nível de 95%=1,0-3,8) e miorrelaxantes(OR=1,9; IC95%=1,0-4,0).36

Estudos de coorte

Nos estudos de coorte, primeiramente ,identifica-se a população de estudo e os participantessão classificados em expostos e não expostos a umdeterminado fator de interesse (Tabela 5). Depois,os indivíduos dos dois grupos são acompanhadospara verificar a incidência da doença/condiçãorelacionada à saúde entre expostos (a / a + d) e nãoexpostos (c / c + d). Se a exposição estiver associadaà doença, espera-se que a incidência entre expostosseja maior do que entre não expostos, além davariação esperada devida ao acaso. Nesse tipo deestudo, a mensuração da exposição antecede odesenvolvimento da doença, não sendo sujeita ao viés

Estudos epidemiológicos e envelhecimento

Tabela 4 - Delineamento de um estudo caso-controle

Primeiramente, selecionam-se

Depois, verifica-se a

ocorrência da

exposição no passado

Presente

Ausente

Total

a

c

a + c

b

d

b + d

Doentes

(casos)

Não doentes

(controles)

A força da associação, nesse tipo de estudo, é dada pelo Odds Ratio (OR), queé definido como a Razão de Odds – número de casos expostos sobre númerode casos não expostos, dividido pelo número de controles expostos sobre onúmero de controles não expostos.

A fórmula para o cálculo do Odds Ratio nesta tabela é: ac

bd

adbc

=/

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de memória como nos estudos caso-controle. Alémdisso, os que desenvolveram a doença e os que nãodesenvolveram não são selecionados, mas simidentificados dentro das coortes de expostos e nãoexpostos, não existindo o viés de seleção de casos econtroles. Os estudos de coorte permitem determinara incidência da doença entre expostos e não expostose conhecer a sua história natural.

A principal limitação para o desenvolvimento de umestudo de coorte, além do seu custo financeiro, é a perdade participantes ao longo do seguimento por conta derecusas para continuar participando do estudo, mudançasde endereços ou emigração. Os custos e as dificuldades deexecução podem comprometer o desenvolvimento deestudos de coorte, sobretudo quando é necessário umgrande número de participantes ou longo tempo deseguimento para acumular um número de doentes ou deeventos que permita estabelecer associações entreexposição e doença.37

Por essas razões, são poucos os estudos de coortecom base populacional desenvolvidos entre idososbrasileiros. Um desses estudos (Epidoso) está sendodesenvolvido na cidade de São Paulo, onde cerca de1.700 pessoas com 65+ anos estão sendoacompanhadas.16 Um outro estudo (Projeto Bambuí)está sendo desenvolvido na cidade de Bambuí, MinasGerais, onde estão sendo acompanhados todos osresidentes na comunidade com 60+ anos de idade(cerca de 1.700 pessoas).19 De uma maneira geral,os principais objetivos de um estudo prospectivoconsistem em determinar a incidência de condiçõesadversas à saúde e investigar determinantes dessascondições.

O delineamento básico do estudo de coorte de Bambuíestá apresentado na Figura 4. Inicialmente, foi conduzidoum censo para identificar todos os residentes na cidade.Em seguida, aqueles com 60+ anos de idade foramconvidados a participar do estudo. Os que aceitaramparticipar foram incluídos na linha de base do estudo esubmetidos a entrevista, exame físico e diversos exameslaboratoriais. A entrevista foi realizada com a utilizaçãode um questionário estruturado e pré-codificado,contendo informações sobre característicassociodemográficas, morbidade auto-referida, uso demedicação, uso de serviços de saúde e fontes decuidados, hábitos de vida, aspectos psicossociais, históriareprodutiva, função física e saúde mental. Foi constituídauma soroteca e um banco de DNA para investigaçõesfuturas. As informações obtidas na linha de base doestudo são denominadas variáveis exploratórias(exposição) e a sua associação com condições adversasde saúde (variáveis de desfecho) serão investigadas,comparando-se as incidências dessas condições aolongo do tempo, entre expostos e não expostos. Asprincipais variáveis de desfecho investigadas nesseestudo são: morte; internações hospitalares; declíniofísico e cognitivo; acidentes; episódios depressivos; euso de medicamentos e de serviços de saúde. A adesãoao estudo foi alta, tanto na linha de base (dos 1.742idosos selecionados, 92% foram entrevistados e 86%examinados) quanto no primeiro seguimento (somente1,7% foram perdidos para acompanhamento). Essesresultados mostram que a escolha da cidade e a formade abordagem da comunidade foram adequadas paragarantir a adesão ao estudo na linha de base e a pequenaperda de acompanhamento, condição essencial para osucesso de um estudo de coorte.19

Nas últimas décadas, importantes estudos decoorte com base populacional de idosos vêm sendorealizados em países desenvolvidos.38-46 Os resultadosdessas pesquisas têm sido fundamentais para subsidiarprogramas de prevenção e promoção da saúde dessaspopulações. Não se sabe, entretanto, se essesresultados são generalizáveis para países emdesenvolvimento. Estudos de coorte com basepopulacional da população idosa nesses países sãoimportantes para, entre outras razões: a) determinara incidência de eventos adversos de saúde entre idosos,orientando estratégias de prevenção adequadas àrealidade nacional; b) contribuir para o entendimentoda etiologia de algumas doenças; e c) estudar fatores

Maria Fernanda Lima-Costa e Sandhi Maria Barreto

Tabela 5 - Delineamento de um estudo de coorte

Depois, verifica-se a incidência da doençaPrimeiramente,

verifica-se a ocorrência

da exposição

Exposto

Não exposto

Desenvolveu a

doença

Não

desenvolveu a

doença

A força da associação, nesse tipo de estudo, é dada pelo risco relativo que édefinido como a razão de incidências entre expostos e não expostos.

A fórmula para o cálculo do risco relativo nesta tabela é: a / a + b

a

c

b

d

Total

a + b

c + d

c / c + d

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culturais, comportamentos e estilos de vida que podemvariar entre comunidades e países, associados a esseseventos.19

Vieses e variáveis de confusão

Além dos aspectos gerais da pesquisa epide-miológica, os estudos sobre envelhecimento requeremalguns cuidados ou estratégias especiais a seremlevados em conta, tanto no planejamento quanto nacondução, análise e interpretação dos resultados.22,47

Entre esses aspectos, destaca-se o uso de respondentespróximos. Alguns idosos mais velhos podem estarmuito doentes ou apresentar déficit cognitivo queimpeça a sua participação na pesquisa. Nesse caso,pode-se recorrer a uma pessoa próxima para se obteralguma informação e assegurar a validade interna do

estudo. É fundamental, entretanto, que o uso derespondente próximo seja considerado na análise(mediante estratificação ou ajustamento, por exemplo)e na interpretação dos resultados da pesquisa.48

Uma dificuldade dos estudos epidemiológicossobre envelhecimento é a definição da população-alvo.Isso é particularmente importante quando o estudoinclui idosos mais velhos, porque a institucionalizaçãocresce de forma marcante com a idade. Estudos epide-miológicos de idosos residentes na comunidade, queexcluem idosos institucionalizados, podem subestimara prevalência de incapacidade na população. Esse viésserá mais acentuado em comunidades com maior graude institucionalização.

O viés de seleção sempre deve ser lembrado emestudos do tipo caso-controle da população idosa. Eleocorre quando casos e controles diferem entre si

> 60 anos

1.742 habitantes

Sim : 1.606/1.742

(92,2%)

Não: 136/1.742

(7,8%)

1o Seguimento - 1.579/1.606

Perdas = 1,7%

2o Seguimento

3o Seguimento

4o Seguimento

10o Seguimento

Identificação dos participantes (censo)

Linha de base do estudo

Seguimentos

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2007

Fonte: adaptado de Lima-Costa e colaboradores, 2000b

Figura 4 - Delineamento do estudo de coorte de Bambuí-MG. Projeto Bambuí, 1996-2007

Estudos epidemiológicos e envelhecimento

Participantes

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sistematicamente, devido à forma de seleção. Orecruta-mento de casos entre pacientes hospitalizados(ou institucionalizados) é particularmente sujeito aoviés de seleção, porque os fatores que levam à hospi-talização – por exemplo: gravidade da doença,tabagismo e maior idade – também estão associadosa muitos fatores de risco.22

O viés de sobrevivência, igualmente, deve serconsiderado em estudos sobre a saúde do idoso. Osparticipantes idosos de estudos epidemiológicos sãosobreviventes porque aqueles expostos a fatores derisco têm maior probabilidade de morte prematura.Esse viés tende a reduzir a magnitude das associaçõesencontradas entre fatores de risco e doença/condiçãorelacionada à saúde entre idosos.19

Para finalizar, também é importante considerar oefeito de variáveis de confusão nos estudos epide-miológicos sobre envelhecimento, ou seja, de fatoresque podem ser uma explicação alternativa para aassociação encontrada.24,35,37 O fator de confusão estápresente quando duas variáveis são associadas, masparte da associação – ou toda ela – é decorrente deuma associação independente com uma terceiravariável (de confusão). Por exemplo, as quedas podemestar associadas ao uso de diuréticos, sugerindo umefeito causal. A insuficiência cardíaca, entretanto,confunde esta associação porque o uso de diuréticosfaz parte do seu tratamento e a insuficiência cardíaca étambém um fator de risco para quedas.22 O efeito deconfusão pode ser controlado mediante estratificaçãoou ajustamento na análise dos dados.

A idade é um fator potencial de confusão de muitasassociações porque, freqüentemente, está associadaà exposição e à doença/condição em diferentessituações. O efeito da idade pode ser controladomediante pareamento, estratificação ou ajustamentona análise. Quando o estudo inclui idosos mais velhos,recomenda-se o ajustamento pela idade com intervalosmais curtos (ou como variável contínua), em lugar deintervalos mais amplos (cinco em cinco ou dez emdez anos, por exemplo).22

Conclusões

Este trabalho apresenta, de forma sucinta, algunsconceitos básicos da epidemiologia e os delineamentos

de estudos epidemiológicos observacionais que podemser utilizados para a investigação de doenças e fatoresassociados a elas na população idosa. Além dos aspectosabordados, é importante lembrar que o desenvolvimentode um estudo epidemiológico envolve, pelo menos, seisetapas:1. definição dos objetivos;2. escolha do delineamento adequado, segundo a

viabilidade do estudo e os recursos disponíveis;3. identificação da população de estudo;4. planejamento e condução da pesquisa;5. coleta, análise e interpretação dos dados; e6. divulgação dos resultados.

A qualidade de um estudo epidemiológicodepende, entre outros fatores, da representatividadedos participantes, da qualidade da informação sobrea exposição e a doença/condição relacionada àsaúde, da ausência de vieses e do controle adequadodas variáveis de confusão. Portanto, antes de iniciaruma pesquisa, é preciso definir, cuidadosamente, apopulação de estudo, o tamanho da amostra(quando for o caso) e o método de seleção dosparticipantes. Os instrumentos de coleta de dadosdevem ser desenvolvidos e pré-testados, tendo emvista o conjunto de informações ou medidas que sedeseja obter.

Para o desenvolvimento de um estudo epide-miológico, é preciso considerar as questões éticaspertinentes. No Brasil, aprovou-se, recentemente, umconjunto de normas éticas a serem observadas nacondução de estudos envolvendo seres humanos.49

Por exigência dessas normas, os protocolos paradesenvolvimento de estudos epidemiológicosutilizando dados primários devem ser aprovados porum comitê de ética credenciado.

O envelhecimento das populações é um dos maisimportantes desafios para a Saúde Pública contem-porânea, especialmente nos países em desenvol-vimento, onde o envelhecimento ocorre em umambiente de pobreza e grande desigualdade social.Estudos epidemiológicos de boa qualidade edelineados de forma a contemplar essas especifi-cidades são essenciais para subsidiar o desenvol-vimento de políticas de saúde adequadas à realidadeda população de idosos nesses países, para queenvelheçam com saúde.

Maria Fernanda Lima-Costa e Sandhi Maria Barreto

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Estudos epidemiológicos e envelhecimento

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Maria Fernanda Lima-Costa e Sandhi Maria Barreto

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Resumo

O objetivo do presente estudo é comparar três sistemas oficiais de registros de eventos relacionados à saúde do trabalha-dor, cruzando as informações existentes dos óbitos por acidentes de trabalho no ano de 1999 e as discrepâncias entre osregistros nos bancos consultados. Foi realizado um estudo em três bancos: Sistema de Informação em Mortalidade (SIM), daSecretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte; Sistema de Informação em Acidentes de Trabalho, do SUS de Belo Horizonte(SIAT-SUS/BH); e Sistema de Comunicação de Acidente de Trabalho, do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).Selecionaram-se as declarações de óbito (DO) registradas no SIM, referentes a residentes do Município de Belo Horizontefalecidos no ano de 1999, e estudados os acidentes de trabalho fatais registrados no SIAT-SUS/BH. Finalmente, obteve-seuma lista de benefícios referentes às pensões por morte ocasionada por acidente de trabalho, concedidos pelo INSS. Osresultados do estudo evidenciam uma subnotificação de mortes por acidentes de trabalho. Viu-se que, para uma mudançana situação de saúde dos trabalhadores do país, seria necessário definir o fluxo sistemático das informações entre osórgãos oficiais que agregam esses dados vitais.

Palavras-chave: acidente de trabalho; informação; óbito.

Summary

The objective of this study is to compare three official database systems with information about worker´s health,matching data of deaths due to occupational accidents in 1999 and the discrepancies between the three registrationsystems. The study was performed using the following databases: The Mortalitiy Information System (SIM) at theMunicipal Health Department of Belo Horizonte City, the Occupational Accident Information System of Belo Hori-zonte (SIAT-SUS/BH) and the Occupational Accident Communication System of the National Institute of Social Security(INSS). The analysis included the death certificates (DO) of Belo Horizonte residents in 1999 registered in SIM, thefatal occupational accidents registered in SIAT-SUS/BH, and a list of indemnification payed by INSS for deaths causedby occupational accidents. The results indicate a sub-notification of deaths due to occupational accidents. It wasobserved that, to change the situation of workers health in Brazil, it would be necessary to define a systematicinformation flow among the official instituitions where these relevant data are compiled.

Key words: occupational healths; injuries; information; death.

Sub-notification of Deaths due to Occupational Accidents: a Study of Three Databases

Paulo Roberto Lopes CorreaFaculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG

Ada Ávila AssunçãoFaculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG

Endereço para correspondência:Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Alfredo Balena,190, 8o andar, Belo Horizonte-MG. CEP: 30180-100.E-mail: [email protected]

A subnotificação de mortes poracidentes de trabalho: estudo de três bancos de dados

[Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; 12(4) : 203 - 212] 203

ARTIGO

ORIGINAL

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Introdução

No Brasil, são escassos os dados diretos que permi-tem a construção de indicadores gerais e específicos dascondições de trabalho e saúde da população.1,2

O número dos acidentes de trabalho fatais permitequantificar e construir alguns indicadores, sendo umadas fontes fidedignas para estimar o potencial de gravi-dade desses eventos que acometem os trabalhadores.Entre eles, estão os coeficientes de mortalidade, a taxade letalidade e os riscos potenciais de acidentes gravesem determinado ramo de atividade ou empresa.

Os indicadores de saúde dos trabalhadores, baseadosnos acidentes de trabalho, permitem uma avaliação dasrelações entre o homem e o ambiente onde ele exerce oseu trabalho, seu equilíbrio e grande deterioração.São indicadores de fácil identificação e mensuração,desde que o fluxo das informações pertinentes seja bemdefinido, abrangente e sistemático.

Apesar de os acidentes de trabalho fatais serem in-dicadores de gravidade de eventos heterogêneos e ocor-ridos em diferentes momentos do processo de trabalho,eles permitem levantar hipóteses causais de associaçãocom as condições de risco existentes e a sua ocorrênciaserve para avaliar as medidas adotadas.

Atualmente, é difícil estimar a magnitude dos aciden-tes fatais ocorridos em situação de trabalho, visto que al-gumas fontes de informações limitam seus dados a popu-lações circunscritas de trabalhadores. Além disso, nosambientes de trabalho, a comunicação do acidente sofreas restrições dos contratos de trabalho fragilizados, noscasos da mão-de-obra terceirizada e outros.

Os profissionais da área, incluindo os auditores fis-cais e os profissionais da vigilância em saúde do tra-balhador, enfrentam dificuldades para avaliar osambientes de trabalho e acessar os arquivos dasempresas.3-5

Soma-se aos fatores citados a parcela significativade trabalhadores descoberta pela Previdência Social enão contemplada nas estatísticas oficiais de acidentesde trabalho. Ora, os acidentes de trabalho podem atin-gir tanto a população previdenciária (vinculada aoINSS) quanto a não previdenciária. Portanto, subesti-ma-se o número de acidentes fatais de trabalho ao seanalisarem apenas os dados disponibilizados pelos ór-gãos oficiais.

Não se pode negar que a própria estrutura do siste-ma de vigilância epidemiológica é muito mais

direcionada às doenças infecto-contagiosas, o que con-tribui para a manutenção da dificuldade em construirinformações sobre a situação de saúde dos trabalhado-res no Brasil. No conjunto, a mão-de-obra sem cober-tura de proteção social e o sub-registro colocam sobsuspeita a qualidade, a fidedignidade e a cobertura dosdados oficiais sobre acidentes de trabalho.

Uma alternativa para a busca de informação sobremortes ocorridas em situação de trabalho, objeto desteartigo, é a consulta combinada de dados armazenadosem bancos construídos com objetivos distintos entre sie não diretamente voltados para os indicadores de saú-de da população trabalhadora.

A utilização de diferentes fontes de dados paracompor indicadores de saúde é uma das estratégiasvisando aprimorar o conhecimento técnico-científicoe possibilitar o planejamento e a avaliação das açõesem Saúde Pública.

Para a construção desses indicadores, vários ins-trumentos e fontes de dados podem ser utilizados, cadaum com suas limitações e abrangências. Entre eles,citam-se:a) o instrumento oficial de registro de acidentes de tra-

balho no Brasil, denominado Comunicação de Aci-dente de Trabalho (CAT), e os benefícios que ela podegerar, uma vez reconhecida pelo Instituto Nacio-nal do Seguro Social (INSS). No conjunto, a CAT eos benefícios dela decorrentes são registrados nobanco de dados da Empresa de Processamentode Dados da Previdência Social (Dataprev), per-mitindo a elaboração de relatório dos registroscompilados no Boletim Estatístico de Acidentes deTrabalho (até 1995) e no Anuário Estatístico daPrevidência Social (após 1996); 6,7

b) o banco de dados do Sistema de Informação emMortalidade (SIM) do Ministério da Saúde; 8

c) os estudos descritivos originados nos setores devigilância à saúde do trabalhador do Sistema Úni-co de Saúde (SUS) de secretarias municipaisou de Estado da Saúde. Por exemplo, o Sistemade Informação de Acidentes de Trabalho da Se-cretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte(SIAT-SUS/BH),1,4 que utiliza a cópia da CAT en-viada pelos postos do INSS; e

d) os estudos que realizam cruzamentos de dadosregistrados nas CAT e nas Declarações de Óbitos(DO).9-12

Subnotificação de mortes por acidentes de trabalho

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 4 - out/dez de 2003 ● 205

As Comunicações deAcidentes de Trabalho-CAT

O Sistema de Comunicação de Acidente do Traba-lho, desenvolvido pela Empresa de Tecnologia e Infor-mações da Previdência Social (Dataprev), tem o obje-tivo de processar e armazenar as informações conti-das na CAT. Ele supõe um processo de alimentação deinformações obrigatório por parte do setor de pesso-al da empresa ou empregador, que as envia aos pos-tos de benefícios do INSS para proceder à sua entradano sistema.

A utilização da CAT com objetivo de estimar a mag-nitude dos acidentes fatais no Brasil encontra algumaslimitações. Entre elas, o fato de os dados restringirem-se aos trabalhadores inseridos na força de trabalhoformal, sendo excluídos os funcionários públicos ci-vis e militares das três esferas governamentais, os tra-balhadores autônomos, domésticos, liberais, dirigen-tes de micro, pequenas, médias e grandes empresasque, apesar de terem vínculo previdenciário, não pos-suem cobertura do seguro social. Assim, a CAT, criadacom o propósito de registro legal do trabalhador aci-dentado, necessita ser aprimorada para cumprir umduplo papel: contribuir como base legal do acidenta-do; e servir aos objetivos dos sistemas de informação evigilância em saúde.9,11,13

Lembre-se de que sistemas como o SIAT-SUS/BH,que alimenta o seu próprio banco a partir de cópiasdas CAT enviadas ao INSS, sofrem os efeitos dos limitescitados, existentes na própria fonte do dado. E quetambém há problemas nas informações reunidas pelaDataprev, pois, além de estarem atreladas à lógicacontábil da Previdência Social,3 apresentam falhas deatualização e a subnotificação já é amplamente reco-nhecida.

O Sistema de Informação em Mortalidade-SIM

Quanto ao SIM, trata-se de um sistema de informa-ção para mortalidade de abrangência nacional, desen-volvido pelo Departamento de Informática do SistemaÚnico de Saúde (Datasus). Ele consolida todas as de-clarações de óbito (DO) emitidas pelos profissionaisde serviços de saúde e por cartórios de registro civil.

Além de seu caráter jurídico-civil, a DO é um instru-mento oficial importante para a quantificação dos agra-vos fatais na população,9-11 que, recentemente, vem-setornando uma fonte ágil para enumerar e quantificar

os acidentes relacionados ao trabalho, identificar ris-cos e subsidiar os serviços que trabalham com Vigi-lância em Saúde do Trabalhador.

Outras fontes

Outras fontes de informação são os inquéritos e le-vantamentos populacionais, na sua maioria realizadospor instituições de pesquisa envolvendo análises con-juntas dos dados do INSS e do SIM, associados ou não àinvestigação individual ou amostral dos eventos; ou, ain-da, a busca ativa de dados em arquivos ou prontuári-os médicos, entrevistas com trabalhadores, familiaresou empregadores, entre outros.

Paulo Roberto Lopes Correa e Ada Ávila Assunção

O presente estudo tem o objetivo de comparar trêssistemas oficiais de registros de eventos relacionadosà saúde do trabalhador, cruzando informações exis-tentes nos registros de benefícios de pensão por mor-te decorrente de acidente de trabalho do INSS, no SIMe no SIAT-SUS/BH, quantificando os óbitos por aci-dentes de trabalho e identificando as coerências e aspossíveis discrepâncias existentes entre eles.

Metodologia

Foi realizado um estudo descritivo mediante o cru-zamento das informações disponíveis em três bancos dedados oficiais: Sistema de Comunicação de Acidente deTrabalho do INSS, por meio do cadastro de benefíciosconcedidos por morte por acidente de trabalho; Siste-ma de Informação em Mortalidade (SIM); e Sistema deInformação de Acidentes de Trabalho da SecretariaMunicipal de Saúde de Belo Horizonte (SIAT-SUS/BH).

Para construção da base de dados do estudo,obteve-se uma lista de benefícios de espécie B93(codificação do INSS) referentes às pensões pormorte ocasionada por acidente de trabalho, conce-didas em 1999. Essa base de dados foi colocada à

A utilização de diferentes fontes dedados para compor indicadores desaúde é uma estratégia paraaprimorar o conhecimentotécnico-científico e possibilitaro planejamento e a avaliação das ações.

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disposição pela Dataprev do Município do Rio deJaneiro, haja vista que, nos registros dos postos doINSS de Belo Horizonte, não havia o nome doprevidenciário que gerou o processo de pensão pormorte no trabalho (instituidor). Foram excluídosos pedidos de pensão deferidos pelo INSS em 1999,referentes a instituidores que faleceram em anosanteriores.

Quanto ao SIM, selecionaram-se as declarações deóbito registradas no referido banco e que diziam res-peito aos residentes do Município de Belo Horizonte,falecidos no ano de 1999.

Finalmente, foram selecionados os acidentes de tra-balho fatais do ano de 1999 registrados no SIAT-SUS/BH, a partir das cópias das CAT enviadas pelos postosdo INSS à Secretaria Municipal de Saúde.

Adotou-se a seguinte metodologia para cruzamentodos três bancos de dados:a) a lista de benefícios de pensão por acidentes de tra-

balho (B93) continha o nome do instituidor, a datado óbito e do nascimento do trabalhador, o nomeda mãe e os registros de identidade civil. Foi reali-zado o cruzamento dessa lista com os óbitos exis-tentes no SIM e no SIAT-SUS/BH, utilizando as se-guintes variáveis: nome do instituidor/falecido –validados pelas data de nascimento e de óbito – enome da mãe, presentes nas três fontes de dadospesquisadas;

b) reciprocamente, realizou-se o cruzamento dos óbi-tos existentes no SIM com os dados dos outros doisbancos; e

c) os registros do SIAT-SUS/BH foram cruzados com osdados do SIM e da lista de benefícios B93 do INSS.

Resultados

Análise dos dados disponíveis no SIM

Em 1999, no Município de Belo Horizonte, ocorre-ram 13.010 óbitos (excluídos os óbitos fetais), sendo7.099 (55%) no sexo masculino e 5.904 (45%) no fe-minino (excluídos sete óbitos com sexo ignorado).

Desse total de óbitos, 5.719 (44%) ocorreram nafaixa etária de 15 a 64 anos de idade, sendo 3.671 (64%)no sexo masculino e 2.048 (36%) no feminino – umarazão homem:mulher de 1,8:1.

Entre as causas básicas de mortalidade, tendo porreferência a classificação da Décima Revisão da Classi-ficação Estatística Internacional de Doenças e Proble-

mas Relacionados à Saúde,14 as causas externas foramresponsáveis por 1.445 (11%) do total de óbitos.Considerando a faixa etária de 15 a 64 anos, ocorre-ram 1.167 (20%) óbitos por causas externas. Emapenas 134 (2%) das DO correspondentes a essa fai-xa etária, o campo acidente de trabalho estava pre-enchido.

Subnotificação de mortes por acidentes de trabalho

Dos 29 óbitos relacionados ao trabalho registradosno INSS ou no SIAT-SUS/BH, encontrou-se, no SIM, ocampo acidente de trabalho da DO em branco para21 casos. Para os 8 restantes, em 2 casos, o campo es-tava preenchido como causa ignorada; em 3 casos, ocampo estava preenchido com causa não relaciona-da ao trabalho; e em apenas 3 casos, o campo regis-trava causa relacionada ao trabalho (Tabela 1).

Observou-se que 4 óbitos causados por acidentesde trabalho, registrados no campo acidente de tra-balho do SIM, não foram encontrados nos outros ban-cos estudados.

Análise dos dadosdisponíveis no SIAT-SUS/BH

No banco do SIAT-SUS/BH, encontrou-se o registrode 3.940 acidentes de trabalho ocorridos entreresidentes do Município no ano de 1999, sendo 6registrados como fatais. Entre eles, apenas 2 estavamregistrados no banco do INSS.

A discrepância pode ser explicada pela própriabase de alimentação do SIAT-SUS/BH. Utilizado pelaSecretaria Municipal de Saúde, esse sistema éalimentado com dados fornecidos pelas CAT, infor-malmente e sem periodicidade definida. Registram-se, portanto, os acidentes de trabalho comunicados,não implicando, necessariamente, que tenham sidoreconhecidos pelo INSS. Ou seja, nem sempre aemissão da CAT é garantia da pensão por morterelacionada ao trabalho; e, em não havendo concessãodo benefício, o dado não aparece no relatório do INSS,mas pode aparecer no banco do SIAT-SUS/BH. Por

A declaração de óbito (DO) é uminstrumento oficial importantepara a quantificação dos agravosfatais na população.

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outro lado, o estudo chamou atenção para o registro,no SIAT-SUS-BH (Tabela 2), de apenas 2 entre os 25óbitos causados por acidentes de trabalho segundo orelatório do INSS.

Quanto ao SIM, não foi encontrado, nesse sistema,qualquer dos 6 óbitos causados por acidente detrabalho registrados no SIAT-SUS/BH, dos quais, em 5DOs, o campo acidente de trabalho encontrava-se embranco; e na outra DO, o campo estava preenchido comocausa não relacionada ao trabalho. A incoerênciatorna-se mais evidente quando se verifica que nenhumadas 7 mortes por acidentes de trabalho, segundo registra

o campo da declaração de óbito do SIM, havia sidodeclarada no SIAT-SUS/BH.

Análise dos dados disponíveis no INSS

Entre 20 óbitos por acidentes de trabalhoregistrados no SIM ou no SIAT-SUS/BH, 8 não foramencontrados no banco do INSS (Tabela 3).

Em 1999, a relação de pensões deferidas pelo INSSem Belo Horizonte pode estar subestimada pela não-incorporação daqueles instituidores com direito apensão por acidentes de trabalho, mas que fizeram asolicitação em anos posteriores, apesar de o óbito ter

Tabela 1 - Registros no SIM dos óbitos por acidentes de trabalho encontrados em outros bancos como relacionadosao trabalho, segundo idade e sexo. Belo Horizonte-MG, Brasil, 1999

Nome Sexo

DXSCAFRBFJNCAMRPGELFRGASFSMASARSAJPJADVARSMJODBSJBGBMCJCMGSRBMCJGNLMRESDJACRFMMMSLOWLDRNPMS

Idade (anos) Campo da DO*

MMMMMFMMMMMMMMMMFFMMMMMMMMMMM

1621252830333737384042424243454547474748732431203546202736

Em brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoEm brancoPreenchido/causa ignoradaPreenchido/causa ignoradaPreenchido/causa não relacionada ao trabalhoPreenchido/causa não relacionada ao trabalhoPreenchido/causa não relacionada ao trabalhoPreenchido/causa relacionada ao trabalhoPreenchido/causa relacionada ao trabalhoPreenchido/causa relacionada ao trabalho

Fonte: Sistema de Informação em Mortalidade (SIM), Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA/BH)

* Declaração de óbito

M - Sexo MasculinoF - Sexo Feminino

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Tabela 2 - Registros no SIAT-SUS/BH de acidentes de trabalho fatais encontrados no banco do INSS segundo idade,sexo e fonte oficial dos dados. Belo Horizonte-MG, Brasil, 1999

Iniciais

DXSCAFRBFJNCAMRPGELFRGASFSMASARSAJPVARSMJODBSJBGBMGSRBMCJGNESDJACRFMSLOWLDRNPMS

SIAT-SUS/BH

16212528303337373840424243454547474824312046202736

Fonte: Sistema de Informação de Acidentes de Trabalho (SIAT) do SUS em Belo Horizonte, Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA/BH)

M - Sexo MasculinoF - Sexo Feminino

MMMMMFMMMMMMMMMFMMMMMMMMM

Subnotificação de mortes por acidentes de trabalho

NãoNãoNãoNãoSimNãoNãoNãoNãoNãoNãoNãoSimNãoNãoNãoNãoNãoNãoNãoNãoNãoNãoNãoNão

Sexo Idade (anos)

Tabela 3 - Registros dos óbitos por acidentes de trabalho segundo idade, sexo e fonte oficial dos dados.Belo Horizonte-MG, Brasil, 1999

Iniciais

JADMCJCLMRMMVMVJEVBRSSMMO

SIAT-SUS/BH**

4247733519222849

MFMMMMMF

BrancoBrancoBranco

NãoSimSimSimSim

Sexo Idade (anos)

NãoNãoNãoNãoNãoNãoNãoNão

SimSimSimSimNãoNãoNãoNão

Fonte: Sistema de Informação em Mortalidade (SIM), Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA/BH)Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em Belo Horizonte

* Declaração de óbito** Sistema de Informação de Acidentes de Trabalho (SIAT) do SUS em Belo Horizonte, Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA/BH)

M - Sexo MasculinoF - Sexo Feminino

Campo da DO* INSS

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ocorrido naquele ano. Além disso, é possível que aconcessão do benefício solicitado em 1999 não tenhasido deferida no mesmo ano.

Ainda é importante ressaltar a possibilidade de oinstituidor da pensão, efetivamente, ser domiciliadoem Belo Horizonte, mas o responsável pela suasolicitação (cônjuge, filhos, etc.) residir ou ter mudadopara outro município – o que, igualmente, acarretauma perda de informação no banco do INSS, vistoque a entrada do processo dá-se pelo local deresidência do solicitante. O inverso também podeocorrer: o instituidor residir noutro município e osolicitante à pensão morar em Belo Horizonte,existindo o registro no banco do INSS no municípioem tela, porém ausente no SIM.

Partindo das 25 pensões de instituidores quefaleceram e receberam o benefício por acidente detrabalho em 1999, foi observado, no banco do SIM:em apenas 3, o campo da DO referente a acidente detrabalho confirmava causa relacionada aotrabalho; em 18, o mesmo campo encontrava-se embranco; em 2, havia sido preenchido como sendoignorado; e em outras 2, lia-se causa nãorelacionada ao trabalho.

Lembre-se que, no banco do SIAT-SUS/BH, estavamreproduzidos apenas 2 entre os 25 registrosencontrados no banco do INSS.

Análise combinadados três bancos de dados

Na Tabela 4, foram agrupados os 33 acidentes fataisencontrados em pelo menos um dos 3 bancosconsultados. Após o cruzamento, vê-se que nenhumacidente fatal identificado na pesquisa foi encontradoregistrado, concomitantemente, nos três bancosoficiais pesquisados (Tabela 4). Quatro acidentes fataisforam identificados exclusivamente no SIM, 4 só foramencontrados no SIAT-SUS/BH e 20 tiveram o seuregistro apenas no INSS. Dois óbitos por acidentes detrabalho foram registrados, simultaneamente, no SIMe no SIAT-SUS/BH; e outros 3, no SIM e no INSS.

Discussão

Apesar de a declaração de óbito ser um instrumen-to de alta sensibilidade para detectar os eventos fataisna população de trabalhadores,9,10,12 os dados analisa-dos por este estudo mostraram a incoerência entre os

pedidos de pensão por acidentes de trabalho deferidospelo INSS e os registros nas DO como sendo mortesrelacionadas ao trabalho, podendo refletir tanto um des-conhecimento do nexo causal entre a atividade exercidae o evento fatal quanto a pouca importância atribuída aessa informação no momento da coleta dos dados. Essahipótese é confirmada pelo fato de haverem sido en-contradas apenas 134 (11,5%) das DO referentes aosóbitos por causas externas – na faixa de 15 a 64 anos –com o campo acidente de trabalho preenchido.

A análise de pensões concedidas para os autoresdos requerimentos solicitados ao órgão, naquele ano,abrangendo somente a população previdenciária, iden-tificou que apenas 3 dos 25 óbitos que geraram pen-são por morte constavam no SIM como relacionadosao trabalho.

A subnotificação identificada é, provavelmente,muito maior. No banco do INSS, ainda não foram in-corporadas as pensões solicitadas após 1999 refe-rentes a instituidores que faleceram naquele ano.

No SIM de Belo Horizonte, para o mesmo período,foram registrados 7 óbitos por acidentes relaciona-dos ao trabalho, 4 destes não encontrados em outrobanco. É importante comentar que todos os 33 óbitosrelacionados a trabalho, encontrados após o cruza-mento dos três bancos de dados pesquisados, tiveramcausas externas de óbito notificadas pelo SIM. O queé relevante, visto que, em algumas situações – nãodetectadas por este estudo –, a causa do óbito podeser outra doença ou evento que não se encontra nocapítulo de causas externas de mortalidade da Classi-ficação Internacional das Doenças.14 Entre essas cau-sas, citam-se aquelas relacionadas a algumas doençasagravadas pelo trabalho, as causas mal definidas ouignoradas e aquelas doenças ou lesões relacionadasao trabalho desencadeadoras de outros processos quelevaram diretamente à morte. Essas causas, entretan-to, foram desconsideradas no preenchimento da de-claração de óbito.

Os resultados descritos são coerentes com os acha-dos de pesquisas que utilizaram estratégias semelhan-tes, driblando a ausência de informações para permitiro dimensionamento da situação dos acidentes fatais detrabalho no país. Oliveira e Mendes,9 avaliando as DOdo Município de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, comoinstrumento de registro dos óbitos relacionados ao tra-balho, utilizaram metodologia que incluiu uma amos-tra sistemática de óbitos devidos a causa externa (apro-

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Subnotificação de mortes por acidentes de trabalho

ximadamente 19,35% dos óbitos por causas externasocorridos entre abril de 1992 e março de 1993). Pormeio de visitas domiciliares e entrevistas semi-estruturadas com familiares, amigos ou testemunhaspróximas dos casos investigados, reconstituíram a his-tória de ocorrência, o diagnóstico da causa da morte eoutras informações consideradas relevantes (técnica de

necropsia verbal). Identificaram 31 óbitos relaciona-dos ao trabalho, enquanto os dados do INSS, para omesmo período da amostra, registraram apenas 28 ca-sos; como a amostra estudada atingiu apenas a quintaparte dos óbitos por causa externa, os autores estima-ram que teriam ocorrido aproximadamente 155 mor-tes por acidentes de trabalho em Porto Alegre.

Tabela 4 - Registros dos óbitos por acidentes de trabalho segundo idade, sexo e fonte oficial dos dados.Belo Horizonte-MG, Brasil, 1999

Iniciais

DXSCAFRBFJNCAMRPGELFRGASFSMASARSAJPJADVARSMJODBSJBGBMCJCMGSRBMCJGNLMRESDJACRFMMMSLOVMVWLDJEVBRNPRSSMSMMO

SIAT**

162125283033373738404242424345454747474873243120354619202227283649

MMMMMFMMMMMMMMMMFFMMMMMMMMMMMMMMF

BrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBrancoBranco

IgnoradoIgnorado

NãoNãoNãoSimSimSimSimSimSimSim

Sexo Idade (anos)

SimSimSimSimSimSimSimSimSimSimSimNãoSimSimSimSimNãoSimSimSimNãoSimSimSimNãoSimNãoSimNãoSimNãoSimNão

NãoNãoNãoNãoSimNãoNãoNãoNãoNãoNãoSimNãoSimNãoNãoSimNãoNãoNãoSimNãoNãoNãoSimNãoNãoNãoNãoNãoNãoNãoNão

Fonte: Sistema de Informação em Mortalidade (SIM), Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA/BH)Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em Belo Horizonte

* Declaração de óbito** Sistema de Informação de Acidentes de Trabalho (SIAT) do SUS em Belo Horizonte, Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA/BH)

M - Sexo MasculinoF - Sexo Feminino

Campo da DO* INSS

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Note-se que a ausência de preenchimento do cam-po acidente de trabalho, identificada por esta pes-quisa em Belo Horizonte, também foi encontrada porOliveira e Mendes (op. cit). Os autores mostraramque apenas 2 entre as 31 DO investigadas apresentamo campo referente a relação do óbito com o trabalhopreenchido.

As discordâncias entre os dados registrados naCAT e na DO também foram referidas por outros auto-res, como Beraldo e Lee Bok,8,10 quando compara-ram os registros entre as duas fontes de informaçãopara os acidentes de trabalho fatais.

Uma explicação para o fato seria o local de mo-radia do instituidor não ser o mesmo daquele dosolicitante da pensão, justificando as discordânciasdos registros do banco do SIM, quando compara-dos àqueles do INSS.

O SIM é um banco de dados oficial de grande po-tencial para análise de políticas e vigilância em saúde dotrabalhador, devendo ser incorporado às demais fon-tes de informação existentes no país. Entretanto, a DOtambém apresenta problemas de cobertura e fidedigni-dade, que devem ser analisados e quantificados para asua utilização como fonte de informações sobre os even-tos que incidem na saúde da população. Em relação àsituação específica dos acidentes de trabalho fatais, ci-tam-se: erros de registro e falta de preenchimento devários campos do instrumento, principalmente daque-le reservado à informação sobre a associação do óbitoocorrido com o trabalho (campo acidente de traba-lho); a forte subnotificação de óbitos em algumas regi-ões do país; a incoerência entre o registro da causabásica do óbito e as circunstâncias do acidente ou vio-lência que produziram a lesão fatal; e, finalmente, a difi-culdade do médico legista em identificar a causa exter-na da lesão que conduziu ao óbito.9,11 A sua plena utili-zação e confiabilidade, no que se refere aos acidentesrelacionados ao trabalho (típico, de trajeto ou de doen-ças do trabalho), implicaria uma política agressiva quetivesse por objetivo preparar os profissionais responsá-veis pelo preenchimento da DO.

As 5 pensões que não foram concedidas peloINSS em 1999, apesar de os óbitos constarem nobanco de dados do SIAT-SUS/BH como acidente detrabalho fatal, podem decorrer de não-solicita-ção de pensão pelos familiares, da inexistência defamiliares, de indeferimento ou de análise ainda nãoconcluída pelo órgão oficial de processo. São fato-res que alertam para a fragilidade de pesquisas ba-seadas apenas nos registros das pensões deferidaspelo INSS.

Estudos sistemáticos de morbimortalidade po-derão fomentar e aprimorar as informações indis-pensáveis à avaliação e análise das políticas de in-tervenção em curso, bem como à proposição demedidas preventivas contra eventos ocupacionaisindesejados. Entretanto, os resultados aqui apre-sentados confirmam a fragilidade do sistema de vi-gilância em acidentes e doenças do trabalho noBrasil, que tende a provocar uma distorção na aná-lise do perfil de adoecimento e morte dos seus tra-balhadores.

A dificuldade de obtenção de dados relativos àmorbimortalidade dos trabalhadores pode ser atri-buída, em parte, à falta de integração entre os ór-gãos oficiais, que mantêm centralizadas as informa-ções pertinentes.13,15

A divulgação de dados qualitativos relativos aosacidentes contribuiria para a mudança do quadro deprecariedade das informações, visto que os dadosquantitativos limitam o próprio desencadeamento deações preventivas por parte dos trabalhadores e pro-fissionais envolvidos com essas ocorrências.2,11

Reduzir a subnotificação dos eventos de saúdeque atingem a população trabalhadora, melhorar aqualidade de preenchimento dos instrumentos de no-tificação dos agravos fatais, definir o fluxo sistemáti-co entre os órgão oficiais que agregam os dados vi-tais e, finalmente, devolver a informação aos gestorese à sociedade são elementos importantes à mudan-ça, para melhor, na situação de saúde dos trabalha-dores do país.

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Subnotificação de mortes por acidentes de trabalho

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Epidemiological Surveillance in the Process ofMunicipalization of the Health System in Feira de Santana-BA

Erenilde Marques de CerqueiraUniversidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana-BA

Marluce Maria Araújo AssisUniversidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana-BA

Endereço para correspondência:Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana, Rua C, 121, Conj. ACM, Mangabeira, Feira de Santana-BA.CEP: 44036-000.E-mail: [email protected]

Vigilância Epidemiológica no processo demunicipalização do Sistema de Saúde em Feira de Santana-BA

Resumo

Estudo qualitativo do tipo exploratório, este trabalho tem por objetivo analisar a organização da VigilânciaEpidemiológica (VE) da Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana, Bahia, no processo de municipalização da saúde.Os dados empíricos foram obtidos mediante entrevista livre com informantes-chave e a observação da prática local em VE. Ossujeitos da pesquisa foram escolhidos de forma intencional, a partir de suas experiências enquanto atores sociais participantesdo processo de implementação da VE no município. Foram entrevistados: equipe da VE; gestores; e enfermeiros. O estudorevela que, em Feira de Santana, o processo de municipalização da Saúde só tomou impulso em 1997, com a habilitaçãodo Município na Gestão Plena da Atenção Básica. Nesse novo contexto, o gestor municipal passa a se responsabilizar pelasaúde dos seus munícipes e as ações da VE são desconcentradas do nível estadual para o município, não havendo, entre-tanto, investimentos necessários à estruturação da VE para o desenvolvimento pleno de suas funções. Conclui-se que a VEse caracteriza como um setor fragmentado, desarticulado e com sérios problemas de ordem estrutural no que diz respeito àdisponibilidade de materiais, equipamentos, alocação e capacitação de recursos humanos, o que vem, sobremaneira, dificul-tando o pleno desenvolvimento das ações.

Palavras-chave: vigilância epidemiológica; municipalização da Saúde; sistema local de saúde.

Summary

The present study is a qualitative research of the exploratory type with an objective to analyze the epidemiologicalsurveillance at the local health care provider in Feira de Santana, Bahia State, during the process of municipalizationof the health system. The empirical data have been collected through open interviews with key informants, andpractical observations. The research professionals have been chosen intentionaly considering their experiences whilesocial participant actors in the implementation of epidemiological surveillance in the city. The following wereinterviewed: epidemiological surveillance team; managers of the local health care provider; and nurses. The studyshows that the process of municipalization of the health system in Feira de Santana was only increased in 1997 withthe qualification of the Municipality in the Basic Care Full Management. In this context, the municipal manageraccepts responsibility for the citizen´s health and the epidemiological surveillance actions are transferred from thestate level to the local health system before, however, making the necessary investments in infrastructure. In conclusion,epidemiological surveillance is characterized as being fragmented, inarticulated and showing problems in its structureco-respecting the availability of materials, equipment, allocation and qualification of human resources, which makesthe full development of action difficult.

Key words: epidemiological surveillance; municipalization of Health; local health system.

Tereza Cristina Scatena VillaEscola de Enfermagem de Ribeirão Preto/Universidade deSão Paulo, Ribeirão Preto-SP

Juliana Alves LeiteSecretaria Municipal de Saúde de Caldas de Cipó-BA

[Epidemiologia e Serviços de Saúde 2003; 12(4) : 213 - 223] 213

ARTIGO

ORIGINAL

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Introdução

O estudo tem por objetivo analisar a organização daVigilância Epidemiológica (VE) da Secretaria Municipalde Saúde (SMS) de Feira de Santana, Bahia, no proces-so local de municipalização da Saúde. Justifica-se noentendimento da VE como um instrumento importantepara a transformação do modelo de saúde vigente, ondea clínica é dissociada da epidemiologia, privilegia a do-ença e valoriza a assistência médica individual – do in-divíduo considerado apenas sob o ponto de vista pato-lógico, de seus sintomas e queixas –, sem ter em contaa gama de problemas sociais, ou até mesmo familiares,que interferem na sua saúde e são determinantes dorisco de adoecer e morrer.

Na construção da Epidemiologia como disciplinacientífica, várias correntes teóricas foram importantes.A convivência atual com o recrudescimento de antigasdoenças e o surgimento de novos fantasmas que assus-tam as populações do mundo inteiro, exigem que serepense a prática da epidemiologia como ferramentaprincipal no estabelecimento de uma forte relação en-tre saúde e sociedade.

A Lei Orgânica da Saúde (Lei No 8.808/90)3 am-plia o seu leque de atuação, enfocando os fatorescondicionantes e determinantes das doenças e agra-vos. Nessa perspectiva, a VE é entendida como “umconjunto de ações que proporciona o conhecimen-to, a detecção ou prevenção de qualquer mudançanos fatores determinantes e condicionantes de saú-de individual ou coletiva, com a finalidade de reco-mendar e adotar as medidas de prevenção e contro-le das doenças ou agravos”.4 Ressalte-se que a VEprevê a integralidade das ações de saúde, pretenden-do superar a dicotomia entre as ações preventivas eas assistenciais.

Nesse contexto, para a construção de um sistemade saúde universal, integral e equânime, estabelece-se como prioridade, na reorientação dos serviçosde saúde, o fortalecimento dos sistemas municipaisde vigilância epidemiológica, um desafio para a Saú-de Pública.5

Portanto, a VE pode trazer grandes contribuições,uma vez que as suas práticas envolvem um conjuntode orientações de caráter clínico-individual, epide-miológico-coletivo e administrativo. O individual aten-de à demanda espontânea, fundamentada naracionalidade clínica. O coletivo abrange saberes etécnicas que compõem a VE, tais como indicadoresde prevalência, de incidência e distribuição dos ris-cos sociais e de grupo, assim como indicadores dequalidade de vida e de desigualdade social. E o ad-ministrativo engloba um conjunto de procedimentosque envolvem coordenação e supervisão de recur-sos humanos, distribuição das atividades entre aequipe da VE – e desta com a equipe de saúde –,gerenciamento de programas, controle e supervisãode ações padronizadas, preenchimento, recebimen-to e análise de fichas, gerenciamento do fluxo deinformações, bem como registro de dados.

Embora a VE seja uma das práticas mais antigas daepidemiologia nos serviços de saúde, somente com oavanço do processo de municipalização essas práti-cas começam a ser descentralizadas para os municí-pios, que passam a incorporá-las, cada vez mais, nocotidiano das suas unidades de saúde.

Em Feira de Santana, a VE foi implantada no anode 1993 e teve como objetivo cumprir o disposto naLei Orgânica da Saúde, onde fica estabelecido que aomunicípio cabe executar as ações de vigilânciaepidemiológica.2

Vigilância epidemiológica em Feira de Santana-BA

Os sistemas locais de vigilânciaepidemiológica (VE) devem-seestruturar para a intervenção nosfatores de risco e no controle dedoenças em tempo hábil.

O crescente aumento populacional e a grande fa-cilidade de deslocamento tornam cada vez mais ne-cessária a implantação de medidas de vigilância dosespaços e das pessoas. O termo Vigilância, segundo odicionário Houaiss,1 “estado de quem age com pre-caução para não correr risco”, foi usado, mais am-plamente, a partir da segunda metade do século pas-sado. Significava, então, o acompanhamento sistemá-tico das doenças nas comunidades e o estabelecimen-to das medidas de controle em tempo hábil.2 Aatividade de vigilância buscava manter o indivíduo sus-peito sob quarentena ou isolamento. A VE consolida-se internacionalmente na década de 60 e suas práti-cas são dirigidas, quase exclusivamente, ao grupo dasdoenças transmissíveis.

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Os sistemas locais de VE devem-se estruturar paradar respostas aos problemas de saúde da população,no que diz respeito à intervenção nos fatores de risco, eà implementação de medidas de controle das doençasem tempo hábil. Ações nesse sentido vêm sendo adotadaspelo governo federal, a exemplo da Portaria No 1.399,de 15/12/99, que regulamenta a área de Epidemiologiae Controle de Doenças e prevê, no seu Capítulo II, que“as ações de Epidemiologia e Controle das Doenças se-rão desenvolvidas de acordo com uma ProgramaçãoPactuada Integrada de Epidemiologia e Controle deDoenças/PPI-ECD”.6

Dessa forma, todos os municípios brasileiros deve-rão solicitar a certificação da gestão das ações deepidemiologia e controle das doenças. As ações e metassão definidas pelo nível central; porém, cada municípiodeve adequá-las ao perfil epidemiológico da sua realida-de, em uma perspectiva de mudança do modelo atual deatenção à saúde para uma nova prática sanitária que res-ponda às demandas da população local. Essa prática,denominada de Vigilância da Saúde,7 visa à transforma-ção da atenção à saúde por meio da organização doprocesso de trabalho, configurando uma prática onde asestratégias de intervenção de caráter intersetorial resul-tem em ações de promoção da saúde, prevenção dasdoenças e acidentes e atenção curativa. Compreende-se,assim, todos os níveis de complexidade da atenção à saú-de, transcendendo os espaços institucionais e abrangen-do outras áreas do conhecimento, sempre contando como suporte do processo de descentralização e reorganiza-ção dos serviços e das práticas de saúde em nível local.

Metodologia

Optou-se, no presente estudo, por uma metodologiade abordagem qualitativa do tipo exploratória, em quese procurou captar e compreender a representação dossujeitos envolvidos no processo de implantação eimplementação das ações de VE no município; e obser-var a prática desses sujeitos, estabelecendo-se relaçõesentre o pensar e o agir.

O campo de estudo delimitado na investigação é aDivisão de Controle Epidemiológico da SMS do Muni-cípio de Feira de Santana, que possui uma área geo-gráfica de 1.338,1 km2 e dista 108 km da capital doEstado da Bahia, Salvador. É a segunda cidade do Es-tado em população, com 480.692 habitantes: 251,183mulheres e 229.509 homens.8

O Município, habilitado na Gestão Plena da AtençãoBásica, possui uma rede composta por 37 unidadesbásicas de saúde (UBS) e conta com um hospital espe-cializado na atenção à saúde da mulher.

A entrevista, semi-estruturada, foi organizada emdois roteiros: um para a equipe da VE e enfermeirasdas UBS; e outro para os gestores. O primeiro rotei-ro abordava os seguintes pontos: práticas realizadaspela equipe, identificando as atividades desenvolvidasno que diz respeito à organização, execução, instru-mentos e meios utilizados nas atividades; compreen-são da equipe sobre VE; articulação entre os mem-bros da VE, gestores da SMS e equipes das unidadesde saúde; e dificuldades e facilidades no desenvolvi-mento do trabalho da VE. O segundo roteiro tratavado processo de implantação da VE no período em queo entrevistado atuou como dirigente, facilidades e di-ficuldades encontradas e o entendimento sobre o pa-pel da VE no desenvolvimento de ações, programas eserviços de saúde.

Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos de formaintencional, a partir de suas experiências enquanto atoressociais participantes do processo de implantação eimplementação da VE no Município. Foram entrevista-dos: equipe da VE (1 auxiliar administrativa e 2 enfer-meiras), gestores (2 ex-secretários municipais de Saú-de e o chefe da VE em exercício do cargo) e 2 enfermei-ras que atuam nas UBS, totalizando 8 entrevistados. Onúmero de pessoas incluídas no estudo foi determinadopelo critério de exaustão e repetição do conteúdo dosdepoimentos.

As entrevistas, com duração média de 40 minutos,foram gravadas com a anuência dos entrevistados,sendo-lhes assegurado o anonimato e o sigilo absolu-to sobre as declarações prestadas, conforme a Porta-ria No 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Minis-tério da Saúde.9 Foram realizadas no período de maioa agosto de 2000, por uma das autoras do trabalho.

Utilizamos o método de análise de conteúdo,10

operacionalizado em três etapas: ordenação, classifi-cação e análise final dos dados.

Na ordenação, procedemos à transcrição imedia-ta das entrevistas após a sua realização. Em seguida,era feita a leitura geral do material transcrito procu-rando, já neste momento, identificar as unidades desentido contidas nas falas dos sujeitos.

A classificação foi realizada em duas etapas. Na 1a

etapa, realizamos a leitura exaustiva dos textos das en-

Erenilde Marques de Cerqueira e colaboradores

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trevistas procurando destacar elementos para os seguin-tes núcleos de sentido: organização da VE, destacando osaspectos da estrutura física, recursos humanos e materi-ais, ações, programas e serviços; e articulação intra einterinstitucional da VE. A partir daí, foram elaboradostrês quadros esquemáticos: um representando as falasdo grupo I (equipe da VE); outro representando as falasdo grupo II (gestores da SMS); e um terceiro represen-tando as falas do grupo III (enfermeiras das UBS). Na 2a

etapa, redefinimos os núcleos de sentido a partir dasestruturas de relevância presentes nas falas dos entrevis-tados, a saber: implantação da vigilância epidemiológica;ações da VE para controlar as epidemias de cólera e den-gue; ampliação das ações da VE; e condições de funcio-namento da VE.

Na análise final, os dados foram cruzados everificadas as convergências e divergências dos fatosrelatados pelos sujeitos entrevistados, procurando es-tabelecer articulação entre os planos empírico e teóri-co. Os depoimentos foram transcritos literalmente, en-contrando-se identificados no final da citação, sendocada entrevista numerada pela ordem de realização.Após o número da entrevista, segue o grupo ao qual oentrevistado pertence. Exemplo: Ent. nº 1, Grupo I.

Análise e discussão dos resultados

A implantação da Vigilância Epidemiológica

A implantação da VE em Feira de Santana articula-se com o período em que, no cenário nacional, ocorreum avanço no processo de efetivação do Sistema Únicode Saúde (SUS), com a edição da Norma OperacionalBásica de 1993.11 A NOB-SUS 1993 desencadeou o pro-cesso de municipalização, habilitando os municípios nascondições de Gestão Incipiente, Parcial e Semiplena,respectivamente.

A fala de um dos entrevistados retrata uma das preocu-pações com a implantação da VE no Município:

“o processo de implantação da VE foi uma coisa importante... no período em que atuei como gestor... se iniciou esse pro-cesso em 93 na gestão do ex-prefeito João Durval Carneiro ena minha como secretário... porque o que Feira de Santanaestava precisando era avançar nessas questões, principal-mente nas questões de ações básicas de saúde e na questãoda VE...”(Entrevista nº 6, Grupo II)Em Feira de Santana, a evolução dos serviços de

saúde, no período de 1993 a 2002 (ainda que não

seja objeto de investigação do presente trabalho), podeser visualizada na Tabela 1,12-14 sendo possível obser-var a ampla diversidade da rede de atenção à saúde.Ao comparar o quantitativo de instituições públicas(municipal e estadual) e privadas (lucrativas e filan-trópicas) nos três períodos estudados, percebe-se que,em 1993, o setor privado predomina sobre o público,com 69% do total de 113 instituições de saúde (públi-cas e privadas).

No ano de 1997, Feira de Santana disponibilizava160 serviços de saúde. As instituições públicas deti-nham apenas 23,7% da capacidade instalada, enquan-to os serviços privados respondiam por 76,3%, ouseja, tinham em suas mãos a administração de gran-de parte dos serviços. Naquele mesmo ano, a redepública, responsável pela atenção básica, reservava89,5% dos seus serviços a esse nível de atendimentoque envolvia 21% do total de instituições existentesem Feira de Santana.

Observa-se que, de 1997 a 2002, não houve am-pliação significativa da rede pública de atendimento.Essa realidade contrapõe-se aos princípios do SUS, seconsiderarmos que ao Estado compete o dever de or-ganizar os serviços de acordo com diretrizes que ofe-reçam à maioria da população acesso garantido emtodos os níveis de complexidade do sistema. As insti-tuições privadas representam parcela significativa dototal de serviços existentes no Município: as policlíni-cas representam 59%; e os Centros de Saúde, 18% dototal de serviços de saúde (públicos e privados) deFeira de Santana, em 2002. Percebe-se que o modelode atenção à saúde adotado no Município privilegia omodelo médico-centrado e a valorização da oferta deserviço em policlínicas.

O Município habilita-se na Gestão Incipiente em1995, passando a ter uma atuação prioritária nas açõesbásicas de saúde, implantando diversos programas –a exemplo do Programa de Prevenção e Controle daHipertensão Arterial e do Diabetes; e do Programa deSaúde Bucal e Imunização em Creches e Pré-escolas–, ampliando o Programa de Planejamento Familiar econtratando recursos humanos para a realização devigilância epidemiológica e sanitária.

Na verdade, todo o processo foi-se conformandode forma gradativa, realmente “incipiente”, de acordocom a sugestiva denominação dada pelo governo fe-deral à condição inicial dos municípios no processode municipalização.11

Vigilância epidemiológica em Feira de Santana-BA

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Tabela 1 - Evolução dos serviços de saúde públicos e privados de Feira de Santana-BA, 1993 a 2002*

Serviços públicos

1993

Postos de saúdeCentros de saúdePAM / policlínicaHospital geralHospital especializadoLaboratório

Subtotal

Privados

PoliclínicasPronto-socorroHospital geralHospital especializadoLaboratórios

Subtotal

TOTAL GERAL

Públicos e Privados

529112-

57111-

-22--1-

523

412-

54311-

-19

1-

1-

Erenilde Marques de Cerqueira e colaboradores

Os recursos repassados ao Fundo Municipal deSaúde não foram suficientes para custear todas asações e serviços que cabiam ao Município executar.Havia uma forte centralização da distribuição dosrecursos pelo governo estadual, que, naquele mo-mento, ainda exercia controle sobre a execução dasações de saúde no Município e tentava manter essepoder, o que representou um óbice a mais para osprojetos de ampliação do SUS em Feira de Santana.

As dificuldades são expressas de forma contun-dente, ainda na fala do entrevistado nº 6:

“... as dificuldades foram enormes, ... principalmente por fal-ta de verba... e também da resistência que as pessoas tinhamna época, principalmente do governo estadual, da resistênciade descentralizar, porque eles imaginavam e acho que aindaimaginam que descentralizar as ações de saúde para o Muni-cípio seria perda de poder...”(Entrevista nº 6, Grupo II)A Secretaria de Estado de Saúde, por intermédio

da 2ª Diretoria Regional de Saúde (2ª DIRES), tevepapel importante na execução das práticasepidemiológicas no Município. Sempre coube à 2ª

DIRES a execução das ações de saúde, como os progra-mas de imunização, os programas de prevenção e con-trole de doenças transmissíveis e, principalmente, aexecução das ações de vigilância epidemiológica e sa-n i t á r i a .

Com o processo de descentralização das ações parao Município, cria-se um certo receio quanto ao futurodas regionais e do seu papel no processo. Nessa fase detransição, os municípios vão assumindo, a cada dia, maisresponsabilidade na condução do sistema de saúde lo-cal. O que implica, para a esfera estadual, perda dopoder decisório, de execução e de comando das açõese serviços de saúde no nível municipal.

É importante observar que a implementação dasações básicas de saúde no período teve contribui-ção relevante da DVE municipal, sinalizando para odesenvolvimento das ações nas zonas urbana e ruraldo Município e explicitando, entre seus objetivos:coletar, processar, analisar e interpretar dados; to-mar decisões e recomendar a implementação dasações de controle das doenças; divulgar informa-ções; criar programas de acordo com as priorida-

M E Subtotal %

14,266,011,3

2,85,7

-

1997

M E Subtotal %

2002

M E Subtotal %

43146

18

72

93

13,276,3

2,62,65,3

-

-36--11

-2-11-

-38-121

-90,5

-2,44,72,4

5-

1--

6

20

48156

18

78

113

61,51,36,47,7

23,1

100,0

7315

1126

116

139

5-

1--

6

21

7816

1126

122

160

64,00,84,99,0

21,3

100,0

117232

26

150

188

71216

17

21

124353

32

167

209

74,31,83,01,8

19,1

100,0

L F Subtotal % L F Subtotal % L F Subtotal %

21 14 35 100,0 23 15 38 100,0 38 04 42 100,0

Fonte: Assis, 1998;12 Assis, 1998;13 Martins e Assis, 200214

* Excluídos consultórios médico-odontológicos particularesPAM = Pronto Atendimento Médico

M = MunicipalE = Estadual

L = LucrativoF= Filantrópico

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Vigilância epidemiológica em Feira de Santana-BA

des de saúde da população; e avaliar o impacto dasações, serviços e programas desenvolvidos.15

Apesar de os seus objetivos encontrarem-se defini-dos, a DVE passou a funcionar com as suas ações limi-tadas à geração e coleta de dados das UBS da redepública municipal, repassados, semanalmente, à 2ªDIRES. A esta coube executar as atividades de investiga-ção dos casos suspeitos e de implementação das medi-das de controle, sem a participação da VE municipal.

Essa situação permaneceu por dois anos, de 1993a 1995: um desempenho insatisfatório do setor, noque diz respeito ao cumprimento parcial dos seus pro-pósitos, como, por exemplo, o processamento, análi-se e interpretação de dados.

As ações da Vigilância Epidemiológicapara controlar as epidemias de cólera e dengue

Ainda em 1993, a VE teve papel de destaque, con-tribuindo de maneira relevante à elaboração, implan-tação e execução de programas de ações básicas desaúde, balizadas no perfil epidemiológico da popula-ção. No mesmo ano, o Município enfrentou uma epi-demia de cólera em que a atuação da VE foi decisivano tratamento dos doentes e na adoção de medidaspara evitar a disseminação da doença e diminuir onúmero de óbitos.

É interessante observar, naquele momento, os pri-meiros sinais de articulação da VE com outros setorespara controlar a cólera em Feira de Santana. As açõesde controle foram vivenciadas por uma das autorasdo trabalho, que, no período de 1993-1996, atuoucomo chefe da vigilância epidemiológica local. Asatividades desenvolvidas contaram com a participa-ção ativa do Programa de Agentes Comunitários deSaúde (PACS), bem como de grupos específicos dacomunidade, a exemplo dos entregadores de gás decozinha, dos agentes distritais e de bairros, dos vende-dores ambulantes de alimentos e feirantes. Os gruposeram capacitados no conhecimento sobre a doença(transmissão, sintomatologia, meios de prevenção etratamento), preparo e uso do soro de reidrataçãooral (SRO). Esses grupos tinham por missão dissemi-nar os conhecimentos aprendidos, distribuir o SRO efolhetos educativos.

A experiência trouxe impacto e pôde ser repetida naepidemia de dengue do ano de 1995, com a inclusão deprofessores e escolares da rede pública, diversos pro-

prietários e funcionários das borracharias existentes noMunicípio.

Ao analisar a questão do envolvimento de gruposda comunidade no enfrentamento dos problemasde saúde, reporta-se a Mendes7 quando afirma que“a gerência social, centrada na idéia de interse-torialidade, vai estar baseada na articulação das açõesde governo sobre problemas concretos, de pessoasconcretas, identificados em territórios concretos etransformados em demandas políticas”. Ainda segun-do o autor, esse deve ser o papel central da Vigilân-cia da Saúde.

A ampliação das açõesda Vigilância Epidemiológica

Em 1995, o Município passa por mais uma refor-ma administrativa, quando o Decreto No 5.913, de 6de novembro de 1995, no seu art. 1º, aprova o novoRegimento Interno da Secretaria Municipal deSaúde.15

Na nova estrutura, a Vigilância Epidemiológica pas-sa a ser a Divisão de Controle Epidemiológico, subor-dinada, como anteriormente, ao Departamento de Saú-de, mas com a seguinte conformação: Seção de Vigi-lância Alimentar e Nutricional; Seção de Coleta e Aná-lise de Dados; e Seção de Programas de Saúde. Para anova Divisão de Controle Epidemiológico, foram estabe-lecidas as seguintes competências: “elaborar normassobre profilaxia de moléstias endêmicas; dirigir, coor-denar, supervisionar e avaliar os programas, projetose atividades de vigilância epidemiológica; elaborar, co-ordenar e executar programas de imunização e parti-cipar das campanhas de vacinação; analisar e inter-pretar a participação dos fatores condicionantes domeio biológico; participar do controle e fiscalizaçãode substâncias tóxicas e radioativas; preparar infor-mes epidemiológicos de rotina, conseqüentes a inves-tigações e inquéritos epidemiológicos; instituir preco-cemente as medidas de prevenção e controle de sur-tos e epidemias; promover, no âmbito do município,investigação epidemiológica; executar outras atividadescorrelatas”.15

Observa-se que o elenco de competências da novaVE estava fortemente enfocado no controle e preven-ção das doenças transmissíveis, fato que não causaestranheza, até porque esta tem sido a compreensãode todas as VE do Brasil.16

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Erenilde Marques de Cerqueira e colaboradores

Nas últimas décadas, as VE têm desenvolvido açõesde erradicação, controle e prevenção das doenças in-fecciosas e parasitárias, excluindo do âmbito de suasações as doenças não transmissíveis. Embora o termoVigilância Epidemiológica, tenha sido, historicamente,vinculado ao controle de doenças transmissíveis e epi-demias, a legislação que instituiu o sistema de VE noBrasil já apontava para a superação dessa limitação.17

Apesar de os municípios terem conquistado a au-tonomia técnico-gerencial para a resolução dos seusproblemas de saúde, e, no âmbito da VE, a legislaçãosinalizar, inclusive, a ampliação da lista de agravosnotificáveis para além das doenças transmissíveis,18,19

em Feira de Santana, não se tem conseguido avançarmuito nesse sentido, limitando-se ao cumprimento dalista de Doenças de Notificação Compulsória.

A valorização de ações dirigidas às doençastransmissíveis é ressaltada a seguir, nos depoimentos dosentrevistados, em que se percebe que a incorporaçãoda concepção da teoria dos germes e os problemas desaúde podem ser explicados por uma relação agente/hospedeiro, enfrentados com a quebra na cadeia decausa e efeito:

“ Eu entendo que as funções da Vigilância são controlar as do-enças para que elas não se alastrem... a gente sabe que temas investigações justamente pra gente conter as doenças, nocaso hepatite, meningite. Então a função da Vigilância é essa”.(Entrevista No 1, Grupo I)“ A VE serve para você ter um retrato do que está acontecendonessas doenças... como também para se traçar metas de co-bertura é... por exemplo, cobertura vacinal, pra se prevenirdoenças como o que está acontecendo agora com meningite,calazar... essas doenças infecto-contagiosas”.(Entrevista No 6, Grupo II)Mendes20 afirma que, segundo essa concepção,

“a saúde é entendida ou representada como ausênciade doença e a organização dos serviços é medica-mente definida e tem como objetivo colocar à disposi-ção da população serviços preventivos e curativo-reabilitadores”.

O referido autor aponta, também como uma daslimitações da concepção microbiana, a não-integralidade das ações de saúde – se considerarmosque as doenças transmissíveis vêm perdendo impor-tância relativa com o aumento da expectativa de vida ea entrada em cena das doenças crônico-degenerativase das de causas externas como principais doenças damodernidade.

As condições de funcionamentoda Vigilância Epidemiológica

Observa-se que não se tem conseguido manter umaestrutura que assegure ao setor as condições neces-sárias e suficientes para o desenvolvimento das açõesinerentes ao seu dia-a-dia.

Do ponto de vista da estrutura física, a VE não contacom uma sede própria, tendo, várias vezes, mudado oseu local de funcionamento, a exemplo da própria SMS,que, durante o período estudado, já funcionou em cin-co endereços diferentes.

Ainda em relação aos recursos materiais e aos equi-pamentos, um dos grandes pontos críticos é a falta deum veículo específico para a VE, o que deixa a equipequase sempre impossibilitada de estabelecer, em tem-po hábil, as medidas de controle das doenças.

As enfermeiras da VE evidenciam a situação nos seusdepoimentos:

“... manter um transporte próprio, depender de uma central detransporte, de sim ou não, dos horários disponíveis dos veículos.Tudo isso são dificuldades grandes”.(Entrevista No 3, Grupo I)“... nós sabemos hoje que é necessário, que é indispensável praum município de 500 mil habitantes, que a gente tenha doistransportes e hoje a realidade nossa é que não dispomos denenhum... se tiver carro a gente sai, se não tiver não tem comoa gente fazer o nosso trabalho”.(Entrevista No 5, Grupo I) Vale salientar que a VE possuía um veículo pró-

prio (utilitário do tipo van, modelo “Besta”), retiradodo serviço pelo último secretário de Saúde por esteentender que nenhum setor poderia dispor de veícu-lo exclusivo. Não foi levada em consideração a carac-terística específica do trabalho da VE – talvez pelogestor municipal não haver priorizado essas atividadesdentro do conjunto das ações e serviços de saúde doMunicípio.

Sem um veículo próprio para realizar as atividadesde campo (investigações epidemiológicas, visitas do-

A descentralização da vigilânciaepidemiológica em Feira deSantana não se conformougradativamente.Ela se deu de forma abrupta.

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miciliares a pacientes faltosos aos tratamentos, buscaativa de casos, entre outras), é preciso quase “implo-rar” ao setor de transporte a disponibilidade de umveículo para o deslocamento da equipe.

Durante todo o período de observação, consta-tou-se essa dificuldade. Por diversas vezes, assisti-mos a reuniões do chefe da VE com a sua equipepara discutir e encaminhar soluções sobre a ques-tão. Até o fim da coleta de dados, entretanto, aindanão havia sido encontrada uma solução para o pro-blema.

Essa situação remete à interferência político-par-tidária na administração pública. Os secretários sãoescolhidos pelo critério da vinculação partidária como prefeito, vereadores alinhados ao executivo ou de-mais grupos políticos e econômicos ligados ao vence-dor do pleito eleitoral. Não se levam em consideraçãoas capacidades técnica, científica e administrativa dapessoa indicada ao cargo. Os interesses “individuais”ou particulares desses grupos sobrepõem-se aos inte-resses da coletividade. Nesse sentido, concordamoscom Assis,13 quando afirma que é “... necessário umamudança de comportamento na administração públi-ca brasileira, com conscientização e capacitação dosdirigentes e trabalhadores de saúde no exercício docomando...”

O quadro de pessoal lotado na VE vem sofrendoconstantes modificações ao longo do período de estu-do, sem que tenha havido designação específica detrabalhadores para o setor. O que ocorre, quase sem-pre, é que alguém, descontente com o trabalho emalgum outro setor da municipalidade, procure abrigona VE, até porque, no imaginário de parte dos profis-sionais, o trabalho na VE é mais leve. Segundo comen-tários observados pelos pesquisadores, bem como nassolicitações de funcionários interessados em trocar otrabalho nas UBS pelo trabalho da VE, alegava-se queaí se trabalhava menos. A surpresa, para muitos deles,é perceber que ocorre justamente o contrário. Na VE,o ritmo das atividades é constante, envolvendo toda aequipe; embora os papéis sejam diferenciados, todostêm a responsabilidade de dar conta das tarefas com aeficiência de quem vigia e zela pela saúde de toda acoletividade feirense.

A carência de recursos humanos é apontada pe-los entrevistados como sendo um dos grandes nós aprejudicar o desempenho e a efetividade da VE:

“... nós tínhamos uma quantidade de pessoal muito pequena,nós não tínhamos pessoal qualificado, o quadro de pessoal erareduzido e na área específica de VE nós contávamos com pou-cas pessoas habilitadas para o serviço ...”(Entrevista No 2, Grupo II)“... nós contamos com apenas dois técnicos efetivamente, ... agente contava com outros profissionais e esses profissionaistiveram que sair por conta de encerrar o contrato(de trabalho temporário) ...”(Entrevista No 4, Grupo II)Quando perguntamos aos entrevistados quais as

facilidades no desenvolvimento das atividades, a mai-oria referiu o compromisso e a dedicação da equipecomo sendo a mola propulsora para fazer acontecero trabalho da VE.

Eis os depoimentos:“... nós temos a boa vontade dos profissionais que estão jun-tos na Vigilância, a gente percebe assim que, de certa forma,existe um“ vestir a camisa”, tanto dos técnicos quanto do nívelmédio, então a gente percebe que existe boa vontade, a dispo-nibilidade da gente buscar um no outro esse elo, esse apoio...”(Entrevista No 3, Grupo I)“... a única coisa de facilidade que eu vejo é o compromissodas pessoas com o trabalho da VE. Eu acho que eu conto comapenas duas, mas duas pessoas que são extremamente envol-vidas com esse processo da prática da VE”.(Entrevista No 4, Grupo II)“... as facilidades que nós encontramos foi a boa vontade, oprofissionalismo e a capacidade daqueles que compunham aVE da Secretaria, foi isto que conseguiu que nós levássemosadiante esse processo da Vigilância”.(Entrevista No 2, Grupo II)Isso remete à questão da atuação profissional pau-

tada no compromisso pessoal, nas relações de traba-lho das instituições públicas. A situação reflete a au-sência de um projeto que abranja, claramente, as com-petências dos executores da Vigilância Epidemiológica.É como se o setor funcionasse de forma isolada,desvinculada dos demais serviços da SMS.

Conforme se pôde observar, os programas de con-trole de doenças vinculados à VE, tais como o Progra-ma de Controle da Tuberculose, o Programa de Pre-venção e Controle das DST e Aids, o Programa de Vigi-lância Alimentar e Nutricional, o Programa de Contro-le da Hanseníase e o Programa de Controle dasEndemias funcionam desarticulados da VE, tanto emrelação às questões técnicas quanto às de ordem ad-ministrativa. Os centros administrativos desses progra-mas encontram-se instalados em diferentes prédios e

Vigilância epidemiológica em Feira de Santana-BA

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os seus profissionais não se integram à equipe da VE,não realizando, inclusive, as ações de vigilânciaepidemiológica dos agravos sob a sua responsabilidadetécnica.

As falas dos entrevistados que representam a equi-pe da VE revelam a insatisfação do grupo com essadesarticulação intra-institucional:

“... ainda existe uma desarticulação, não existe esse vínculo,esse feedback que deveria existir e também com o secretário eoutras chefias ... dentro da própria Vigilância o que deveria,os programas que deveriam estar na Vigilância estão desarti-culados, como por exemplo, o Centro de Endemias ... eu nãoentendo, são programas ligados à VE e, no entanto, andam to-talmente desarticulados ... a minha impressão é de que a gentetrabalha numa secretaria independente, é como se a VE hojecaminhasse sozinha”.(Entrevista No 3, Grupo I)“... hoje a gente não consegue se articular com as própriasações da VE ... porque se desmembrou, se desintegrou as açõesa tal ponto, até mesmo em termos de estrutura física, quer di-zer... tem vários serviços ligados à Vigilância funcionando emvários locais diferentes, de forma isolada ... é como se fossecada um por si e Deus por todos”.(Entrevista No 5, Grupo I)Como já foi dito no item anterior, a habilitação do

Município na Gestão Plena da Atenção Básica ampliou oraio de ação da Vigilância Epidemiológica com o pro-cesso de descentralização desencadeado no Estado daBahia, a partir de meados de 1997.

É importante observar que a descentralização não seconformou gradativamente. Não houve, por parte dos su-jeitos envolvidos no processo, uma preparação para o re-passe das responsabilidades de vigilância epidemiológicaao Município. Ela se deu de forma abrupta. De um dia parao outro, as atividades que eram realizadas pela 2ª DIRESpassaram a ser de responsabilidade total da SMS, inclusiveaquelas que são de responsabilidade da VE.

De imediato, a VE municipal teve que assumir o re-colhimento das notificações compulsórias em todos osserviços de saúde; e realizar todas as investigaçõesepidemiológicas.

A principal ferramenta de trabalho da VE é a infor-mação. É com base na informação que as ações sãodesencadeadas. Por esse motivo, a VE é caracterizadapelo tripé Informação-Decisão-Ação.

A adequada coleta de dados é fundamental paragarantir a qualidade da informação. Os dados sãogerados nas diversas unidades de Saúde Pública,privadas e filantrópicas (ambulatórios, clínicas, hos-pitais, UBS, consultórios), onde ocorre o evento sa-nitário. Uma das principais fontes para o forneci-mento de dados é a notificação compulsória medi-ante formulário do Sistema Nacional de Agravos deNotificação (Sinan).

Todas as segundas-feiras, um trabalhador da VE per-corre as unidades de saúde recolhendo as notifica-ções, que são classificadas em positivas e negativas. Ainexistência de um veículo de uso exclusivo da VE limitao recolhimento das notificações, que, geralmente feitocom atraso, às vezes deixa de ser realizado por maisde uma semana. Esse fato traz conseqüências negati-vas à prática da VE, uma vez que gera descontinuidadeno repasse dos dados necessários à implementaçãodas medidas de intervenção, além de causardesestímulo ao ato de notificar.

Na maioria das unidades notificantes, as notifica-ções são preenchidas de forma incorreta, com dadosincompletos, principalmente no que diz respeito aosaspectos de identificação do caso notificado (endere-ço, ponto de referência, telefone) e outras informa-ções importantes sobre a dimensão geográfica do Mu-nicípio, que facilitam a localização dos domicílios noato da investigação epidemiológica, dos bloqueiosvacinais e das visitas domiciliares.

Ao longo de todo o processo de implementaçãoda VE na SMS de Feira de Santana, não se tem conse-guido que os profissionais das unidades básicas desaúde incorporem a prática da vigilância epide-miológica em suas atividades. Limitam-se a notificar asdoenças com a ressalva de que somente os enfermei-ros realizam a notificação.

Várias tentativas foram feitas no sentido de descen-tralizar as ações de VE para as UBS, principalmente asinvestigações epidemiológicas, os bloqueios vacinais eas investigações de eventos adversos por vacinação, in-clusive com a realização de curso de capacitação paratodos os enfermeiros lotados no Município.

Contudo, até dezembro de 2000, todas as açõescontinuam sendo realizadas pelos enfermeiros do nível

Erenilde Marques de Cerqueira e colaboradores

A denominada Vigilância da Saúdevisa transformar a atenção à saúdemediante a organização do processode trabalho, a prevenção de doenças eacidentes, a ação curativa e apromoção da saúde.

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central da VE sem que os profissionais das UBS tomemconhecimento das atividades realizadas e dos resulta-dos produzidos.

Considerações finais

Em Feira de Santana, o processo de descen-tralização político-administrativa do setor Saúde to-mou impulso em 1997, com a habilitação do Municí-pio na Gestão Plena da Atenção Básica, contexto noqual o gestor municipal passou a se responsabilizarpela saúde dos seus munícipes. Ressalta-se, porém,que não foram percebidos avanços significativos,traduzidos em melhorias para a população do Mu-nicípio.

Nesse contexto, as ações de vigilância epide-miológica são desconcentradas do nível intermediá-rio (DIRES) para o Município, não havendo, entre-tanto, os investimentos necessários à estruturação daVE para o desenvolvimento pleno de suas funções.

As ações são centralizadas mas não há participa-ção efetiva dos profissionais que atuam nas UBS. Asenfermeiras realizam a notificação compulsória derotina – uma prática burocrática – sem a devida pre-ocupação com a valorização da informação produzi-da, capaz de desencadear medidas de controle e sub-sidiar o planejamento de ações de promoção da saú-de e prevenção de doenças na área de abrangênciada unidade básica de saúde.

O conjunto dos depoimentos revela um setor frag-mentado, desarticulado e com sérios problemas deordem estrutural quanto à disponibilidade de materi-ais e equipamentos, alocação e capacitação de recur-sos humanos, o que vem dificultando, sobremaneira,o pleno desenvolvimento das ações.

As desarticulações de ordem intra e interinsti-tucional são referidas nos depoimentos como o prin-cipal nó a ser desatado para a solução dos problemascotidianos da VE.

Não obstante tudo isso, ao finalizar o estudo, reno-vam-se os nossos sentimentos de esperança. Ainda hátempo para promover as mudanças necessárias, naperspectiva da construção de um sistema de saúde aces-sível a todos, equânime, humanizado e resolutivo.

Em relação à organização da VE, entende-se que sedeva adequar a infra-estrutura obedecendo às determi-nações acordadas na Programação Pactuada Integradade Epidemiologia e Controle de Doenças (PPI/ECD), quecontempla, entre outras exigências, a definição da es-trutura e composição de uma equipe de VE mais ade-quada à escala populacional do Município.

É necessário, igualmente, além de garantir a conti-nuidade e a qualidade das ações de controle de doen-ças e agravos já existentes, ampliar o escopo da VE paraalém das doenças de notificação compulsória, implan-tando a vigilância de doenças não transmissíveis e avigilância das causas externas de morbimortalidade.

Quanto à desarticulação intra e interinstitucional, acre-dita-se que algumas medidas de superação poderiamtrazer resultados de curto prazo, como, por exemplo:integração com a Vigilância Sanitária, baseada no enfoquedo risco; e integração com a Divisão de Informação emSaúde, visando à produção de dados desagregados paraos serviços de saúde, capacitação de pessoal paraprocessamento e análise de dados, e criação de instru-mentos de divulgação das informações epidemiológicas,entre outros benefícios. A integração com as unidadesbásicas de saúde dar-se-ia a partir da implantação denúcleos de VE nas UBS, hospitais e clínicas da cidade.

Referências bibliográficas

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Vigilância epidemiológica em Feira de Santana-BA

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 4 - out/dez de 2003 ● 223

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18. Brasil. Ministério da Saúde. Decreto No 78.231, de 12de agosto de 1976. Regulamenta a Lei No 6.259, de 30de outubro de 1975, que dispõe sobre a organizaçãodas ações de Vigilância Epidemiológica e dá outrasprovidências. Diário Oficial da União, Brasília, n.155,p.10731, 13 ago 1976. Seção 1.

19. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria No 1.943, de 18 deoutubro de 2001. Define a relação de doenças denotificação compulsória para todo o territórionacional. Diário Oficial da União, Brasília, v.138,n.204, p.35, 24 out 2001. Seção 1.

20. Mendes EV, organizador. Distrito sanitário. O processosocial de mudança das práticas sanitárias do SistemaÚnico de Saúde. 2a ed. São Paulo, Rio de Janeiro:Hucitec, Abrasco; 1994.

Erenilde Marques de Cerqueira e colaboradores

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Epidemiologia e Serviços de Saúde ● Volume 12 - Nº 4 - out/dez de 2003 ● 225

Normas para publicação

Introdução

A Epidemiologia e Serviços de Saúde é uma publi-cação trimestral de caráter técnico-científico,prioritariamente destinada aos profissionais dos servi-ços de saúde. Editado pela Coordenação-Geral de De-senvolvimento da Epidemiologia em Serviços da Secre-taria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde(CGDEP/SVS/MS), o periódico tem a missão de difundiro conhecimento epidemiológico visando ao aprimora-mento dos serviços oferecidos pelo Sistema Único deSaúde (SUS), além de divulgar portarias, regimentos eresoluções do Ministério da Saúde, bem como normastécnicas relativas aos programas de controle.

Modelos de trabalhos

A revista recebe trabalhos candidatos a publicaçãonas seguintes modalidades: (1) Artigos originais nasseguintes linhas temáticas: avaliação de situação de saú-de; estudos etiológicos; avaliação epidemiológica deserviços; programas e tecnologias; e avaliação da vigi-lância epidemiológica (número máximo de 20 laudas);(2) Artigos de revisão crítica sobre tema relevantepara a Saúde Pública ou de atualização em um temacontroverso ou emergente (número máximo de 30laudas); (3) Ensaios, interpretações formais, sistema-tizadas, bem desenvolvidas e concludentes de dados econceitos sobre assuntos de domínio público, aindapouco explorados (número máximo de 15 laudas); (4)Publicação secundária, adaptada ou não, autorizadapelos editores originais e fiel aos dados e interpreta-ções da primeira publicação (número máximo de 20laudas); (5) Relatórios de reuniões ou oficinas detrabalho realizadas para discutir temas relevantes àSaúde Pública – suas conclusões e recomendações (nú-mero máximo de 25 laudas); (6) Comentários ou ar-tigos de opinião curtos, abordando temas específicos; e(7) Notas prévias.

Apresentação dos trabalhos

Cada trabalho proposto para publicação deveráser elaborado de acordo com os “Requisitos Unifor-mes para Manuscritos Submetidos a Periódicos

Biomédicos” [Informe Epidemiológico do SUS1999;8(2):5-16 disponível em: http://www.funasa.gov.br/pub/Iesus/ies00.htm] e anexado a uma carta deapresentação dirigida ao Corpo Editorial daEpidemiologia e Serviços de Saúde. Para artigos origi-nais, artigos de revisão e comentários, os autores res-ponsabilizar-se-ão pela veracidade e ineditismo do tra-balho apresentado. Na carta de encaminhamento, deveráconstar que: a) o manuscrito ou trabalho semelhante nãofoi publicado, parcial ou integralmente, nem submetidoa publicação em outros periódicos; b) nenhum autor temassociação comercial que possa configurar conflito deinteresses com o manuscrito; e c) todos os autores parti-ciparam na elaboração do seu conteúdo intelectual –desenho e execução do projeto, análise e interpretaçãodos dados, redação ou revisão crítica, e aprovação daversão final. A carta deverá ser assinada por todos os au-tores do manuscrito.

Formato de um trabalho para publicação

O trabalho deverá ser digitado em português, em espa-ço duplo, fonte Times New Roman tamanho 12, no for-mato RTF (Rich Text Format); impresso em folha-pa-drão A4 com margem de 3 cm à esquerda; e remetidoem três vias, ademais de gravação magnética em disquetede 31/2, por correio. As tabelas e figuras poderão serelaboradas em programas do tipo Microsoft Office,Corel Draw ou Harvard Grafics, nos formatos BMP(Bitmap do Windows) ou TIFF, no modo de cor CMYK.Todas as páginas deverão ser numeradas, inclusive asdas tabelas e figuras. Não serão aceitas notas de textode pé de página. Cada trabalho deverá ser enviado com:PÁGINA DE ROSTO – título completo e resumido, nomedos autores e instituições por extenso, rodapé –; RESU-MO e SUMMARY (versão do RESUMO em inglês); e fi-nalmente, o ARTIGO completo – INTRODUÇÃO;METODOLOGIA, RESULTADOS, DISCUSSÃO, AGRADECI-MENTOS e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS; e TABELASe FIGURAS, anexas –, nesta ordem:

Página de rostoA página de rosto é composta do título do artigo – em

português e inglês, em letras maiúsculas – seguido donome completo do(s) autor(es) e da(s) instituição(ções)

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a que pertence(m), em letras minúsculas. É fundamentala indicação do título resumido, para referência no cabe-çalho das páginas da publicação. No rodapé, constam oendereço completo, telefone, fax e e-mail de pelo menoso autor principal, para contato, e do órgão financiadorda pesquisa.

ResumoColocado no início do texto, redigido em português

e com um número máximo de 150 palavras, o resumodeve conter descrição sucinta a clara do objetivo,metodologia, resultados e conclusão do artigo. Apóso resumo, o autor deve listar três ou quatro palavras-chave de acesso, contempladas na lista de Descritoresde Saúde definida pelo Centro Latino-Americano e doCaribe de Informação em Ciências da Saúde da Orga-nização Pan-Americana de Saúde(Bireme/OPAS).

SummaryCorresponde à tradução em inglês do RESU-

MO, seguido pelas palavras-chave, igualmente em in-glês (Key words).

IntroduçãoApresentação do problema, justificativa e objetivo

do estudo.

MetodologiaDescrição precisa da metodologia adotada e, quan-

do necessário, dos procedimentos analíticos utiliza-dos. Considerações éticas do estudo devem ser men-cionadas ao final deste apartado, com menção às co-missões éticas que aprovaram o projeto original – des-de que o fato seja pertinente ao artigo.

ResultadosExposição dos resultados alcançados, podendo

considerar – anexas ao artigo – tabelas e figuras auto-explicativas, se necessárias (ver o item TABELAS e FI-GURAS).

DiscussãoRelação dos resultados observados, incluindo suas

implicações e limitações, e a sua comparação com ou-tros estudos relevantes para o tema e objetivos do estudo.

AgradecimentosEm havendo, devem-se limitar ao mínimo indis-

pensável, localizando-se após a DISCUSSÃO.

Referências bibliográficasListadas após a DISCUSSÃO ou AGRADECIMENTOS

e numeradas em algarismos arábicos, na mesma or-dem de citação no artigo. O número de cada referên-cia deve corresponder ao número sobrescrito (semparênteses) imediatamente após a respectiva citaçãono texto. Títulos de periódicos, livros e editoras devemser colocados por extenso. A quantidade de citaçõesbibliográficas deve-se limitar a 30, preferencialmente.Artigos de revisão sistemática e metanálise não têmlimite de citações. As referências também devem obe-decer aos “Requisitos Uniformes para ManuscritosSubmetidos a Periódicos Biomédicos”. Exemplos:

Anais de congresso:1. Wunsch Filho V, Setimi MM, Carmo JC. Vigilância

em Saúde do Trabalhador. In: Anais do III Con-gresso Brasileiro de Saúde Coletiva; 1992; PortoAlegre, Brasil. Rio de Janeiro: Abrasco; 1992.

Artigos de periódicos:2. Monteiro GTR, Koifman RJ, Koifman S.

Confiabilidade e validade dos atestados de óbitopor neoplasias. II. Validação do câncer de estôma-go como causa básica dos atestados de óbito noMunicípio do Rio de Janeiro. Cadernos de SaúdePública 1997;13:53-65.

Autoria institucional:3. Fundação Nacional de Saúde. Plano Nacional de

Controle da Tuberculose. Brasília: Ministério daSaúde; 1999.

Livros:4. Fletcher RH, Fletcher SW, Wagner EH. Clinical

Epidemiology. 2a ed. Baltimore: Williams & Wilkins;1988.

Livros, capítulos de:5. Opromolla DV. Hanseníase. In: Meira DA. Clínica

de doenças tropicais e infecciosas. 1ª ed. Rio deJaneiro: Interlivros; 1991. p. 227-250.

Material não publicado:6. Leshner AI. Molecular mechanisms of cocaine

addiction. New England Journal of Medicine. Noprelo, 1996.

Portarias e leis:7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistên-

cia à Saúde. Portaria n. 212, de 11 de maio de 1999.Altera a AIH e inclui o campo IH. Diário Oficial daUnião, Brasília, p.61, 12 mai. 1999. Seção 1.

Normas para publicação

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8. Brasil. Lei n. 9.431, de 6 de janeiro de 1997. Decreta aobrigatoriedade do Programa de Controle de InfecçãoHospitalar em todos os hospitais brasileiros. DiárioOficial da União, Brasília, p.165, 7 jan. 1997. Seção 1.

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Teses:11.Waldman EA. Vigilância Epidemiológica como prá-

tica de saúde pública [Tese de Doutorado]. SãoPaulo (SP): Universidade de São Paulo; 1991.

Tabelas e figurasDispostas em folhas separadas – para cada uma –,

numeradas em algarismos arábicos e agrupadas, ao fi-nal da apresentação do artigo, segundo a sua ordem decitação no texto. As tabelas e figuras devem apresentartítulo conciso e, se possível, evitar o uso de abreviaturasno seu conteúdo; quando estas forem indispensáveis,serão traduzidas em legendas ao pé da própria tabela.

Análise e aceitação dos trabalhos

Os trabalhos serão submetidos à revisão de pelo me-nos dois pareceristas externos (revisão por pares). E se-rão aceitos para publicação desde que, também, sejamaprovados pelo Comitê Editorial da Epidemiologia e Ser-viços de Saúde.

Endereço para correspondência

Solicitações de informação e propostas de manuscritospara publicação devem ser encaminhadas para:

Coordenação-Geral de Desenvolvimentoda Epidemiologia em Serviços-CGDEP/SVS/MS

Epidemiologia e Serviços de Saúde:revista do Sistema Único de Saúde do Brasil

Esplanada dos MinistériosBloco G, edifício-sede, 1º andar, sala 119Brasília-DF. CEP: 70058-900Telefones: (61) 315.3653 / 3654 / 3655Fax: (61) 226.4002

E para comunicação por e-mail com os editores daEpidemiologia e Serviços de Saúde, o leitor deve escreverpara [email protected]

Normas para publicação

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