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LICENCIATURA EM HISTÓRIA HISTÓRIA DO PENSAMENTO POLÍTICO

Módulo. História Do Pensamento Político

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HISTÓRIA

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BÁRBARA MARIA SANTOS CALDEIRA

EDUNEBSalvador

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Caro (a) Cursista

Estamos começando uma nova etapa de trabalho e para auxiliá-lo no desenvolvimento da sua aprendizagem estruturamos este material didático que atenderá ao Curso de Licenciatura na modalidade de Educação a Distância (EaD).O componente curricular que agora lhe apresentamos foi preparado por profissionais habilitados, especialistas da área, pesquisadores, docentes que tiveram a preocupação em alinhar o conhecimento teórico e prático de maneira contextualizada, fazendo uso de uma linguagem motivacional, capaz de aprofundar o conhecimento prévio dos envolvidos com a disciplina em questão. Cabe salientar, porém, que esse não deve ser o único material a ser utilizado na disciplina, além dele, o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), as atividades propostas pelo Professor Formador e pelo Tutor, as atividades complementares, os horários destinados aos estudos individuais, tudo isso somado compõe os estudos relacionados à EaD.É importante também que vocês estejam sempre atentos às caixas de diálogos e ícones específicos que aparecem durante todo o texto apresentando informações complementares ao conteúdo. A ideia é mediar junto ao leitor, uma forma de dialogar questões para o aprofundamento dos assuntos, a fim de que o mesmo se torne interlocutor ativo desse material.

São objetivos dos ícones em destaque:

VOCÊ SABIA?– convida o leitor a conhecer outros aspectos daquele tema/

conteúdo. São curiosidades ou informações relevantes que podem ser associadas à discussão proposta.

SAIBA MAIS– apresenta notas, textos para aprofundamento de assuntos

diversos e desenvolvimento da argumentação, conceitos, fatos, biografias, enfim, elementos que o auxiliam a compreender melhor o conteúdo abordado.

INDICAÇÃO DE LEITURA – neste campo, você encontrará sugestões de livros, sites,

vídeos. A partir deles, você poderá aprofundar seu estudo, conhecer melhor determinadas perspectivas teóricas ou outros olhares e interpretações sobre determinado tema.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE – consiste num conjunto de atividades para você realizar autonomamente em seu processo de autoestudo. Estas atividades podem (ou não) ser aproveitadas pelo professor-formador como instrumentos de avaliação, mas o objetivo principal é o de provocá-lo, desafiá-lo em seu processo de autoaprendizagem.

Sua postura será essencial para o aproveitamento completo desta disciplina. Contamos com seu empenho e entusiasmo para juntos desenvolvermos uma prática pedagógica significativa.

Setor de Material DidáticoCoordenação UAB/UNEB

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APRESENTAÇÃO Historiar a natureza e a estrutura ideológica das Ciências Políticas significa que temos que enveredar pela análise do poder e suas interfaces com as diversas dimensões da condição humana e da sua relação com o Estado ao longo dos tempos. A estrutura do módulo foi desenhada por meio da experiência da autora com a disciplina. O que esperar de um módulo de História do Pensamento Político?

Nos limites desse trabalho fizemos escolhas conteudistas e conceituais; optamos por elencar os principais teóricos e autores clássicos do pensamento político e, sobretudo, àqueles que trouxeram contribuição singular para os estudos sobre a Política, o Estado, as ideologias, as formas de governo e as instituições sociais. O primeiro capítulo traz como objetivo explorar as transações que envolvem o significado clássico e moderno de Política, com a (utópica) proposta de realizar liberdade com justiça social à luz das contribuições de Heródoto, Platão, Aristóteles e Políbio. No segundo capítulo procuramos entender o papel histórico de Nicolau Maquiavel para a Teoria Política em plena formação dos

Estados Nacionais modernos na Europa.

O terceiro capítulo objetiva analisar a natureza e a estrutura histórica das Ciências Políticas em relação às formas de Poder, além de caracterizar as Sociedades por meio das leituras de clássicos como Karl Marx, F. Engels e George Luckács. O quarto capítulo aborda as ideologias políticas modernas e seus papéis ao longo da história moderna e contemporânea, registrando o papel do Estado ao longo da História, à luz de suas distintas matizes ideológicas (Socialismo, Liberalismo, Anarquismo etc.). Finalmente, o quinto e último capítulo caminha pela análise das questões contemporâneas atuais acerca da relação Estado, instituições e ideologias à luz de uma sub-área que vem ganhando espaço no imaginário político:

as Políticas Públicas.

Espero que o presente material alcance seu principal objetivo, apoiar a formação de vocês, futuros professores de História, e que as leituras e horas dedicadas à disciplina permitam a construção de espaços plurais e promotores de debates que venham a incentivar a reflexão de temáticas contemporâneas, através da interdisciplinariedade e da valorização da História como produção

humana.

Boa leitura!

Professora Bárbara Maria Santos Caldeira

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Anotações

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................................. 11

CAPÍTULO 1 – A TEORIA DAS FORMAS DE GOVERNO: A CONTRIBUIÇÃO DE PLATÃO E ARISTÓTELES ..................................... 17

1.1 As distinções entre formas de governo e formas de estado .............................................................................................. 191.2 As tipologias das formas de governo, a constituição e suas implicações recorrentes no desenvolvimento das

ciências sociais ..................................................................................................................................................................... 201.3 De heródoto a políbio, o tema fundamental em política e o papel da estabilidade são perspectivas de cunho platônico? .... 221.4 O aprendizado da virtude como elemento-chave para realização de justiça social com liberdade: o dilema aristotélico ...... 24

CAPÍTULO 2 – EM BUSCA DO ESTADO IDEAL OU DA VERDADE EFETIVA? UMA “PITADA” DE MAQUIAVEL NO CALDO PLATÔNICO .................................................................................................................................................................... 27

2.1 Estados intermediários ou governos mistos? O “admirável mundo novo” da república democrática .................................. 302.2 A relação entre a virtude e a fortuna: O Príncipe, de Maquiavel ......................................................................................... 34

CAPÍTULO 3 – A CONCEPÇÃO DE ESTADO EM HEGEL, MARX E ENGELS ................................................................................... 39

3.1 A contribuição de Hegel: o reino patriarcal, o estado livre e a monarquia moderna ............................................................ 413.2 O estado como instituição: uma leitura das “obras históricas” de Karl Marx e Friedrich Engels .......................................... 453.3 O individualismo como fetiche para um debate sobre o liberalismo e o socialismo por caminhos adversos ....................... 48

CAPÍTULO 4 – IDEOLOGIAS POLÍTICAS MODERNAS .................................................................................................................. 55

4.1 Socialismo: as origens do pensamento socialista e as várias tipologias ao longo da história ............................................. 574.2 A ética anarquista: breve história de suas ideias ............................................................................................................... 614.3 O liberalismo e suas interfaces com o estado .................................................................................................................. 65

CAPÍTULO 5 – QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS DO ESTADO: TRAJETÓRIA HISTÓRICO-SOCIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS..... 67

5.1 Uma breve trajetória histórico-social das políticas públicas .............................................................................................. 695.2 Política de transferência de renda direta com condicionalidade: estratégia de redução da pobreza e da desigualdade ........ 73

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................................... 79

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................................................ 81

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Anotações

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INTRODUÇÃO

A análise do processo de desenvolvimento e as ações específicas da História do Pensamento Político no século XX implicam o reconhecimento da relevância conquistada por tal disciplina pelas instituições de ensino e pesquisa, principalmente quando destacamos o ramo da história intelectual e sua relação progressiva com atividades transdisciplinares, uma vez que tais procedimentos proporcionaram enriquecimento teórico e ampla produção textual no meio acadêmico.

Mas qual o marco do início da História do Pensamento Político ou, como também é conhecida, da História das Ideias Políticas como disciplina? Podemos afirmar que, desde o nascimento do “breve século XX”, tal categoria se configura como área de conhecimento da historiografia, ainda que tenha apresentado posição subalterna, ou melhor, como disciplina suporte para a Filosofia Política. Sua tarefa primordial era introduzir os estudiosos à historiografia dos grandes pensadores políticos, com cronologia bem definida: Antiguidade, História Moderna, História Contemporânea...

Somente na década de 1930, a História do Pensamento Político inaugura sua característica de autonomia, fato que, desde então, não fugiu mais à sua estrutura, inclusive por deixar bem claras e definidas as fronteiras e seus objetos de estudo específicos no âmbito universitário e no mundo da política. No entanto, ainda que sua atuação figure em países como Alemanha, Itália, Estados Unidos, Canadá e França, por exemplo, apenas após os anos 1920 a História do Pensamento Político foi incluída nos currículos universitários. Tal prática se devia, sobretudo, ao fato de que o ensino clássico voltava-se ao conhecimento da literatura geral. Como destaca o francês Michel Winock (1996, p. 273-275), em meados da primeira metade do século XX, a

[...] literatura política só era considerada ocasionalmente,

quase acessoriamente, e menos por si mesma que sob o

ângulo puramente literário. Montesquieu e Jean-Jacques

Rousseau, por exemplo, eram antes de tudo vistos como

escritores, do ponto de vista do estilo, da composição, e, no

caso do segundo, da sensibilidade, e não como tendo escrito

sobre a política, e por isso mesmo tendo exercido uma

atividade ao mesmo tempo em que construíam uma obra.

[...] a concepção da história das ideias estava marcada por

uma finalidade pedagógica.

Na Europa, a disciplina passou por processos diferenciados: na Alemanha, notou-se um imenso retrocesso, marcado pela política hitleriana, que trouxe consigo um grande período de esterilidade, como afirma Maurice Duverger (1962), à medida que a maioria dos especialistas buscou refúgio nos Estados Unidos. Na Inglaterra, ao contrário, pode-se afirmar que houve progressos, uma vez que, logo nas primeiras décadas do século em questão, se verifica o surgimento de duas grandes mutações, como assegura Harold Laski (1980): primeiro, o estabelecimento de fronteiras entre a filosofia política e a história política; segundo, o próprio reconhecimento institucional da História do Pensamento Político, com a criação de cátedras no quadro educacional.

Para além desse contexto, há que se considerar outro aspecto importante: a separação dos estudos políticos dos estudos jurídicos, econômicos, históricos, sociológicos e psicológicos, configurando assim uma verdadeira “liber tação” da história do pensamento político, termo utilizado pelo historiador inglês Preston King (1980) para designar tal acontecimento.

VOCÊ SABIA?

Em 1968, o historiador britânico W. H. Greenleaf (1980, p. 207), em conferência sobre O Mundo da Política, ressaltou, ao elaborar uma síntese histórica sobre o papel da História do Pensamento Político, os seguintes aspectos que permeavam tal disciplina:

[...] eu não desejaria de maneira alguma abraçar a causa do que é frequentemente ensinado sob este título, a história das ideias políticas. Um mero catálogo cronológico de opiniões e de doutrinas políticas, sem qualquer tentativa para conseguir uma referência contextual e coerência temática, é um travesti do que o estudo desta história deveria ser. A análise detalhada dos conceitos e argumentos de uns tantos “grandes livros” selecionados arbitrariamente não é história, mas apenas o que eu chamei de teoria política sob outra forma.

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No mesmo recorte temporal, pode-se afirmar que houve uma ascensão da chamada história das ideias: ao lado da difusão de conhecimentos relativos à natureza e ao valor de tal disciplina, tal área passou a conquistar outros espaços no mundo científico. Segundo Peter Burke (1995), os Estados Unidos saíram à frente de tal prática, uma vez que atribuíram à categoria a função direta de formação cívica dos sujeitos. Em contraposição, na França, a Escola dos Annales, apesar do domínio exercido nas mentalidades da época, não se opôs à produção de tais ideias. Entretanto, apenas poucos especialistas se debruçaram sobre as atividades de tal área. Nesse contexto, falar de tal temática é afirmar que a mesma é caracterizada pela grande diversidade dos estudos sobre as ideias, como contempla Roger Chartier (1988, p. 30):

Às certezas lexicais de outras histórias (econômica, social,

política), a história intelectual opõe, portanto, uma dupla

incerteza respeitante ao vocabulário que a designa: cada

historiografia nacional possui sua própria conceptualidade

e, em cada uma delas, entram em competição diferentes

noções, mal diferenciadas umas das outras.

Isso quer dizer que não é possível afirmar que haja realmente algum problema comum que consiga reunir o trabalho dos historiadores das ideias, tampouco metodologias, estratagemas conceituais ou conteúdos que sejam priorizados por grande par te desses profissionais. Para Robert Darton (1995, p.188):

Num dos extremos, eles analisam os sistemas dos filósofos;

no outro, examinam os rituais dos iletrados. Mas suas

perspectivas podem ser classificadas de ‘cima para baixo’,

e poderíamos imaginar um espectro vertical onde os temas

se transformam gradualmente entre si, passando por quatro

categorias principais: a história das ideias (o estudo do

pensamento sistemático, geralmente em tratados filosóficos),

a história intelectual propriamente dita (o estudo do

pensamento informal, os climas de opinião e os movimentos

literários), a história social das ideias (o estudo das ideologias

e da difusão das ideias) e a história cultural (o estudo da

cultura no sentido antropológico, incluindo concepções de

mundo e mentalités coletivas).

A análise classificatória de Darton com certeza não é a única possível de se realizar; no entanto, os estudos do historiador francês são referências para compreendermos o caráter plural da História das Ideias,

sobretudo quando destacamos as diferentes correntes e contextos sociais desenvolvidos e experienciados pelos pesquisadores, como defende o professor Marco Antonio Lopes (2002, p. 26):

Por esse ângulo, as ideias políticas possuiriam quase que

meramente uma existência abstrata, sem conexões de várias

naturezas com o mundo histórico que as gerou. História como

desencarnação da ideia, como diria Lucien Febvre, legitimada

pelo fato inegável de que há na tradição do pensamento

político determinados problemas que, ao serem abordados

por autores do calibre de um Aristóteles, de um Maquiavel

e de um Hobbes, por exemplo, continuam a fazer sentido

em outros contextos históricos, e a iluminar a realidade em

diferentes épocas.

Mas a História das Ideias, no período posterior à Segunda Guerra Mundial, sofreria uma mudança significativa no que toca à questão estrutural e metodológica: vimos o surgimento de uma corrente defensora dos estudos clássicos como caminho para redimensionar e ampliar os estudos sobre o tempo presente. Tal corrente se propunha a destacar a relevância das grandes obras, ou seja, dos clássicos da literatura historiográfica e política, de forma que tais reflexões

[...] eram sumamente relevantes porque formulavam

problemas e desenvolveram questões capazes de iluminar

o passado remoto e recente, e muito mais ainda: ofereciam

importantes instrumentos para abordar e esclarecer as

incertezas das sociedades do século XX, marcadas por

grandes tropeços da civilização, por ‘cadeias de catástrofes’,

que era necessário compreender, de modo reflexivo e

preventivamente, sob pena de recair na barbárie dos sistemas

totalitários e dos grandes conflitos militares. (LOPES, 2002,

p. 37-38)

Hannah Arendt, uma das autoras mais importantes do século XX, como veremos no capítulo referente à Maquiavel, foi um dos nomes que se dedicaram a esse tipo de crítica reflexiva acerca do papel das ideias políticas, uma vez que objetivava entender os caminhos e descaminhos da História que desembocaram nos eventos atrozes da guerra e do holocausto.

No entanto, apesar da incrível contribuição de Arendt e de tantos outros, a citar Leo Strauss, Sheldon Wolin e Eric Voegelin, seus escritos não escaparam às duras críticas e acusações de suas abordagens que questionavam a

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metodologia baseada na interpretação contínua, linear e ininterrupta, direcionada por problemas em comum, em realidade, denotava uma preocupação com os fatos do tempo presente. Mas o que isso quer dizer? Lopes (2002, p. 41) aponta que, nos trabalhos dos autores acima, houve uma forte inclinação ao

[...] estabelecimento de conexões diretas e indiretas, como se

houvesse um diálogo contínuo e ininterrupto entre Maquiavel

e Platão, Montesquieu e Aristóteles. A existência desse

diálogo tornaria possível ler a história das ideias políticas

por seqüências regulares, distinguindo então uma lógica

com um começo, um desenvolvimento e um epílogo bem

pronunciados.

Tal engajamento não tomaria conta apenas dos intelectuais estrangeiros pós-regimes totalitários e ditatoriais; no Brasil, Vavy Pacheco Borges (1996, p. 151) declarava sua preocupação com o destino da História Política na academia nacional:

A discussão conceitual do que se entende por história

política ou história do político está longe de estar feita e

é bastante necessária, pois leva a uma discussão mais

ampla. No momento historiográfico que vivemos, há uma

grande aceitação da história como um conhecimento

construído, como um discurso criador do passado; vivemos

presentemente, como tem sido apontado de sobejo, uma crise

dos paradigmas, um momento de rupturas historiográficas; a

história é apresentada como que ‘em migalhas’, Mas será que

é possível deixar de haver uma referência à totalidade? E aí,

qual seria o espaço do político?

Seria então, diante de tal questionamento, necessário refletir sobre a seguinte conclusão: é possível encontrarmos inteligibilidade na História sem referência ao mundo político? Retomando a Escola dos Annales, acreditamos encontrar uma resposta coerente com tal perspectiva: mesmo que não tenha desfrutado de grande prestígio entre os historiadores de maior produção nos anos 1930-1960, como nos lembra Francisco Falcon (1997, p. 92), mesmo autores como Bloch, Lefebvre, Goubert, Duby e Mandrou não abandonaram a dimensão política em suas investigações.

Como disciplina histórica, a história das ideias, apesar de sua

imponente longevidade e prestígio, teve contra si dois grandes

adversários: a tradição marxista e a historiografia francesa dos

Annales. A má vontade desta, talvez a mais difundida entre

nós, foi sintetizada desde sempre por Lucien Febvre ao se

referir a uma ‘história das ideias descarnadas’. Além dessas

inimizades bastante conhecidas, a história das ideias luta

contra a ubiqüidade de seu próprio objeto — as ideias — que,

em termos acadêmico-disciplinares, é reivindicado também

pela história da filosofia e por diversas outras disciplinas das

ciências humanas.

Em paralelo, identificou-se uma reação de caráter atemporal fornecido ao âmbito das ideias, contextualizado ao mesmo tempo pela revalorização da História Política e do Estado Moderno como objeto de estudo. Nesse conjunto, destacam-se as pesquisas dedicadas aos conflitos sociais que serviam como panos de fundo para a compreensão das relações entre as classes sociais que formavam as monarquias do Antigo Regime, e, sobretudo, foram lançados olhares sobre as cerimônias e rituais que serviam ao projeto de legitimação da realeza haja vista que reforçavam a imagem de uma instituição milenar. A famosa investigação de Ernst Kantorowicz mostra que, de um lado, estavam o imperador e seus dois corpos – o material e o divino. Do outro, grupos sociais que também desejavam participar de tais esferas heterogêneas, ainda que por curtos espaços de tempo.

FIGURA 1. Hannah Arendt em uma ilustração de Aretz para o selo da série Mulheres da História Alemã, 1987.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/. Acesso em 24/08/2011.

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E as festividades eram o momento ideal para exercer tal papel na conjuntura da formação dos estados nacionais modernos e das grandes monarquias:

A conjugação de duas esferas aparentemente heterogêneas,

contudo, exercia uma atração peculiar em uma era ávida de

reconciliar a dualidade deste mundo e do além, das coisas

temporais e eternas seculares e espirituais. (KANTOROWICZ,

1998, p.24)

Para Lopes (2002, p. 33), historiadores como Peter Burke e Sarah Hanley Madden perceberam o campo frutífero ofertado por essa temática, uma vez que “[...] as cerimônias reais, por longo tempo abandonadas pelos especialistas como aspectos pouco relevantes do folclore monárquico do Antigo Regime, estavam carregadas de funções políticas importantes”. O autor ressalva que “[...] elas teriam elaborado a linguagem política do Estado, conquistando assentimento, a adesão social, além de se prestarem com a fachada cênica da monarquia, como os elementos mais explícitos de seu marketing”. (LOPES, 2002, p. 33)

Em movimento contrário à estratégia metodológica atemporal de Arendt e Voegelin, historiadores como Quentin Skinner (1996) enveredaram pela busca por realizar uma História Política fundamentada pela analogia texto/contexto, uma vez que buscavam entender a História por meio da interpretação do momento em que os sujeitos viveram. Ora, de forma alguma tal método inaugurava um modelo novo de análise; os estudos platônicos há muito indicavam tal perspectiva como ideal para uma análise histórica.

Como toda corrente teórica, Skinner e seus companheiros sofreram ataques incisivos, à medida que profissionais de outras áreas, a exemplo da Filosofia e da Semiótica, defendiam o princípio de que é impossível um historiador recuperar o sentido mais verídico de uma obra por meio da exclusão de preconceitos e juízos de valores do pesquisador. Tais elementos poderiam, em alguns casos, contribuir para uma melhor compreensão do processo histórico, ao passo que os valores próprios da história do tempo presente trazem um conjunto de costumes, sentimentos, percepções e perspectivas que incentivam o reconhecimento da diferença, assegura o filósofo Hans-Georg Gadamer (2004).

Diante de tais conflitos e elementos diversos, é válido ressaltar que não apenas a História do

Pensamento Político sofreu transformações conceituais e metodológicas; sabemos que a História Temática, por exemplo, foi alvo de inúmeras críticas e questionamentos, assim como a História em Migalhas.

A própria História passa a ser vinculada a outros conceitos que tiveram uma revisão do seu significado, a exemplo da memória que modifica seu papel, não mais sendo um recurso da tradicionalista metodologia de ensino que é utilizada como “educação bancária, decorativa”:

Uma vez que tudo tem direito à história, podemos entender,

hoje, por que ela está em migalhas [...]. A passagem da

memória à história impôs a cada grupo a obrigação de

redefinir a sua identidade para revitalização de sua própria

história. O dever da memória faz de cada um o historiador de

si. (DECCA,1992, p. 132-133)

Um dos grandes problemas que enfrenta a historiografia atual é o surgimento de paradigmas entre a História Total e a História Nova. Jacques Le Goff (1990, p. 12) atenta para o fato da periodização da história temática:

Consagrar, como me dizem que se faz, um ano inteiro de

História, numa classe, a um tema histórico, é levar as crianças

a não compreenderem nada de História. É substituir um saber

histórico arcaico por absolutamente nenhum saber. Repare,

por exemplo, na História dos Transportes, do segundo ano.

De certo modo, estamos bastante satisfeitos, porque esse é

o tipo de História que tentamos promover, mas esquece-se de

que, ainda que a História Nova seja uma História em migalhas,

como o dissemos talvez um pouco apressadamente, ela

continua a pretender ser uma História total. A História Nova

em fatias é a pior das Histórias.

Philippe Ariès (1989) (apud LE GOFF, 1990, p. 12) demonstra sua preocupação com o fato da tentativa de se eliminar a cronologia da metodologia de ensino diante da necessidade do aluno de ter alguma linguagem ou como ele próprio classifica “um sistema de referências”. Segundo ele, “[...] se os alunos não tiverem já nenhum conhecimento do mais elementar sistema cronológico, nem sequer poderão compreender uma visita a um museu ou mesmo uma visita a um antiquário”.

Os questionamentos acima apresentados nos mostram que não é possível estabelecermos pontos de vista singulares. Le Goff (1990) nos leva a pensar que o

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cerne da discussão não fica por conta da afirmação da História Temática nem da negação da História Cronológica e, nos limites desse material didático, da História Política, mas sim, de que forma elas são analisadas e utilizadas na prática de ensino-aprendizagem em trabalho individual ou conjunto.

Par tindo desta premissa, pode-se conduzir uma discussão sobre o papel do currículo, de forma que o conceito de ensino se identifique com o de construção: há uma necessidade de o professor aliar o conhecimento histórico ao pedagógico, buscando a criação do espaço (sala de aula) onde possa orientar o aluno e ajudá-lo através de questionamentos presentes nos conteúdos a elaborar um posicionamento crítico do contexto e conjuntura, além de fazer relações e leituras sobre passado e presente, bem como associações com o seu cotidiano.

Seguindo este princípio, Mário Carretero (1997), em Construir e Ensinar As Ciências Sociais e a História, salienta a importância de o professor distinguir, sobretudo, o conhecimento histórico do sociológico ou, como ele explica, fazer com que o aluno não apenas compreenda conceitos e características de determinada sociedade em referida época, mas, principalmente, estabeleça relações entre os aspectos temporais de diversas culturas, ou seja, com a historicidade de cada espaço.

Mas porque levantamos essas questões? A História do Pensamento Político consagra-se como uma das disciplinas mais complexas do currículo escolar e, por isso, ressaltamos a necessidade de deixar claro que o professor que está em sala de aula precisa compreender que “[...] as transformações que os conteúdos históricos e sociais sofrem, são de acordo com as influências ideológicas e políticas” e “nas disciplinas histórico-sociais não há fatos puros. Os fatos são selecionados de acordo com as teorias sustentadas pelo historiador ou pelo cientista social” (CARRETERO, 1997, p. 17).

Por exemplo, para compreender a noção de democracia

defendida pela Revolução Francesa diante do Antigo Regime

é essencial que os alunos compreendam a estrutura básica

das democracias atuais. Dessa forma, será possível para

eles entender em que sentido as ideias do Iluminismo

eram revolucionárias. (CARRETERO, 1997, p. 18)

É nessa perspectiva que o presente material didático foi elaborado: como instrumento de apoio aos futuros

professores em processo de formação. Os próximos capítulos possibilitarão o exercício contínuo da reflexão política sobre as principais ideologias modernas e questões contemporâneas.

Todas as formas de governo são apropriadas à situação

histórica concreta que as produziram (com a ressalva de que

não poderiam produzir uma outra diferente (BOBBIO, 1988,

p.18).

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Anotações

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CAPÍTULO 1

A TEORIA DAS FORMAS DE

GOVERNO: A CONTRIBUIÇÃO DE

PLATÃO E ARISTÓTELES

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Anotações

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1 A TEORIA DAS FORMAS DE GOVERNO: A CONTRIBUIÇÃO DE PLATÃO E ARISTÓTELES

A expressão política “formas de governo” (formes de Gouverment ou Stattsform) remete-se às diversas maneiras de organização de um Estado ou do exercício do poder. Historicamente, Estado e Governo se confundiram, revestindo formas diversas como a autocracia, a monarquia, a república, a democracia e a ditadura. A Sociologia Política estuda os diversos fatores que caracterizam o Estado, existindo uma ordem ou conjunto de elementos materiais e sociais que intervêm na consideração das instituições políticas. A Ciência Política estuda a estrutura ou o sistema dos órgãos fundamentais do Estado, o processo político e jurídico que os cria, e ademais, define e caracteriza as relações que mantêm com os elementos do Estado.

O Estado aparece como uma pessoa jurídica, muitas vezes assumindo a metáfora de “comunicador” de direitos e obrigações, de ação interna e de ação internacional e que se apresenta em outra fase, como uma organização constituída por um conjunto de órgãos. Existem discrepâncias entre os autores para determinar o conceito de governo e de formas de governo. É necessário distinguir o conceito de Estado, em sua mais ampla acepção do conceito de governo. A partir desse princípio, o Estado aparece como a totalidade da ordem jurídica sobre um território determinado, na unidade de todos seus poderes e como elemento do direito de soberania.

A prerrogativa inicial da determinação, expressão ou configuração externa dos atos políticos, entre outros termos, é a disposição, estrutura ou modo como se manifestam os ditos atos. A forma política é a configuração do exercício e a organização do poder político segundo sua interpretação ideológica em sua estrutura social. O governo é a encarnação pessoal do Estado, que se manifesta pela ação executiva dos órgãos. Na maioria das vezes, o governo se refere ao funcionamento geral do Estado ou ao conjunto de atividades de todos os poderes. Em particular, o governo

se concretiza nos indivíduos e órgãos que assumem a ação do Estado, seja o chefe do Executivo ou os seus órgãos auxiliares. Deve distinguir-se governo de forma de governo. Um governo como conjunto dos órgãos estatais pode mudar sem que se altere a forma de governo. Uma revolução pode derrocar um governo e assumir a mesma forma política.

1.1 AS DISTINÇÕES ENTRE FORMAS DE GOVERNO E FORMAS DE ESTADO

As formas de Governo e as formas de Estado respondem a conceitos diferentes, ainda que alguns autores tratem de unificá-las sob uma denominação comum. O conceito de forma afeta os diferentes graus da realidade, com todo seu complexo institucional e ideológico, configurando o regime político. A forma interfere na estrutura da organização política, determinando então a forma do Estado e, por último, limita-se a qualificar as relações entre as instituições políticas, termina por definir o sistema de governo.

Pelo que se refere ao governo, é possível reconhecer sua presença nos diversos poderes e órgãos encaminhados à execução das leis, a realizar os atributos fundamentais do Estado. O Estado representa o todo, sua unidade e sua organização referente às noções ou princípios diversos do Governo. Este último faz alusão a uma parte do Estado, ao que lhe corresponde à realização de seus fins. É a entidade a que se confere a faculdade de direção.

A forma de governo, diz Bidart Campos (1977, p. 25),

É a forma de um dos elementos do Estado, a maneira de

organizar e distribuir as estruturas e concorrências dos órgãos

que compõem o governo. É o problema de quem exerce o

poder, ou de quem são os repartidores do regime político.

Em mudança, a forma de Estado já não é a de um de seus

elementos, senão da instituição mesma, do próprio Estado.

Se o Estado é, na ordem da realidade, um regime dentro do

qual se realiza uma partilha, a forma de Estado é a maneira

de realizar essa mesma partilha; atentem, pois, ao problema

de como se exerce o poder. Assim, Groppali distingue as

formas de governo como modos de formação dos órgãos

do Estado, seus poderes e relações, e as formas de Estado

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como estrutura do Estado e relação entre o povo, o território

e a soberania.

O governo, como conjunto dos poderes públicos ou das instituições públicas, objetiva concretizar os princípios jurídicos e convertê-los em atos particulares, em medida que “a soberania se traduz em ato”, continua Campos (1977) ao comentar sobre o governo como elemento que se refere ao órgão ou órgãos que assumem a direção do Estado.

Nós chamaremos formas de governo à estrutura que podem adotar, num país, os órgãos encarregados de exercer as funções soberanas e o mútuo enlace com que devem estar tratados e relacionados entre si. Em mudança, nós chamaremos formas de Estado às diferentes formas que uma nação pode adotar, não pela diversa estrutura e engrenagem de seus órgãos soberanos, também conhecidos pela divisão ou deslocamento de concorrências. Nesse aspecto, as formas de Estado fazem referência à estrutura total e geral da organização política de um país.

Enfatizando estes conceitos, o professor Campos (1977, p. 14) assegura-nos:

As formas de governo, portanto, consideram os modos de

formação dos órgãos essenciais do Estado, seus poderes e

suas relações, enquanto as formas de Estado são dadas pela

estrutura destes e se referem às relações que se estabelecem

entre povo, território e soberania, segundo sua concentração

e de acordo com sua fusão em um ordenamento estatal único

ou estejam descentralizadas nas variadas ordens estatais de

que resultam constituídas.

SUGESTÃO DE FILME

Uma estratégia eficiente para se trabalhar a historiografia da História Antiga é o uso de filmes. Veja algumas sugestões que já se tornaram clássicos para os professores de História:A ODISSÉIA. Direção: Andrei Konchalovsky. Elenco: Isabella Rosselini, Armand Assante, Eric Roberts, Greta Scacchi, Geraldine Chaplin, Christopher Lee, Irene Papas. [S.l.]: Alpha Filmes. 1997. (150 min.)

FÚRIA DE TITÃS. Direção: Louis Leterrier. Elenco: Sam Worthington, Pete Postlethwaite, Mads Mikkelsen, Gemma Arterton, Alexa Davalos, Ralph Fiennes, Liam Neeson. [S.l.]: Warner Bros, 2010. (118 min.)

Ainda que mantenham estreitas vinculações, as formas de governo podem-se mostrar independentes das formas de Estado e obedecer a um desenvolvimento diverso.

O ideal das formas puras de governo é realizar o interesse geral, o bem público ou o bem comum de uma sociedade. Ainda que tenham existido formas monárquicas, até a data não se realizou nenhuma forma de governo, como a republicana, em que os povos encontraram seus melhores ideais.

1.2 AS TIPOLOGIAS DAS FORMAS DE GOVERNO, A CONSTITUIÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES RECORRENTES NO DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Tradicionalmente, a melhor das formas puras de governo é a democracia ou política, que olha com maior perfeição o bem da comunidade. O problema relativo às formas de governo e às formas de Estado foi entrevisto em suas generalidades pelo pensamento helênico, tanto na descrição das formas políticas existentes naquela época, como na especulação realizadas pelo pensamento filosófico, na obra histórica de Heródoto, Os nove livros da História, assim como em Platão, em sua obra exemplar A República vimos que, de forma geral, podemos classificar as formas de Governo em três categorias: monarquia, democracia e aristocracia.

Ao iniciar a ‘História’, Heródoto declara a razão que o levou a

escrevê-la, dizendo que tratará de grandes feitos dos gregos

e dos bárbaros que merecem ser conservados na memória

e que falará igualmente dos dois lados adversários, porque

a Fortuna gira com justiça sua roda e os grandes, de hoje,

serão por ela diminuídos amanhã, os vencedores de agora

serão os vencidos do porvir. É, pois, a grandeza dos feitos que

os torna memoráveis, e é a roda da fortuna que recomenda

à prudência não esquecer que a grandeza esteve dos dois

lados das ações. Por seu turno, ao iniciar a ‘História da Guerra

do Peloponeso’, Tucídides retoma o ‘topos’ de Heródoto,

declarando que narrará a guerra, ainda em curso, por se tratar

do maior movimento jamais realizado pelos helenos. Há, no

entanto, dois aspectos novos na narrativa de Tucídides, se

comparada à de Heródoto: em primeiro lugar, não só é ele

testemunha ocular da guerra, mas também tem dela uma

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visão pessimista, pois a vitória de qualquer um dos lados

significa a derrota da própria Hélade; em segundo lugar,

e sobretudo, Tucídides introduz a ideia de que é preciso

encontrar as causas da guerra, perceber seus sinais muito

antes que ela começasse e, portanto, será preciso mostrar

que a guerra estava inscrita desde o momento em que se

inicia o imperialismo de Atenas. Dessa maneira, embora o

historiador narre o que é memorável, sua narrativa não se

detém nos fatos imediatos da guerra, mas percorre o passado

para nele ler uma guerra que virá (CHAUÍ, 2000, p.1).

Esse trecho extraído do texto O mito fundador do Brasil, da professora Marilena Chauí (2000) nos remete a refletir sobre as palavras iniciais que inauguraram esta seção: as de que, a partir da teoria da filosofia relativista e da prerrogativa historicista, todas as formas de governo são espelhos da polis (cidade-estado) e (aqui buscamos apoio no pensamento platônico), portanto, testemunham a história, a historicidade de cada tempo e espaço que lhes são próprias.

Há que se considerar, dessa forma, as exposições genéricas que Bobbio (1998) destaca, logo no capítulo de introdução da Teoria das Formas de Governo: primeiro, todas as teorias relativas às formas de governo possuem dois aspectos: o descritivo e o prescritivo. O aspecto descritivo apresenta a função de levar o estudo/análise das formas de governo a uma tipologia. Tal tipologia, por sua vez, parte de uma classificação dos vários tipos de constituição política que são apresentadas “[...] à consideração do observador de fato, isto é, na experiência histórica”. (BOBBIO, 1998, p. 34)

O método descritivo serviu às primeiras classificações das formas de governo do caldo platônico e dos estudos aristotélicos: o ponto de partida de tais estudos é definido pela determinação das afinidades e peculiaridades de cada forma, do mesmo modo que a base de análise é caracterizada pelos elementos extraídos da observação histórica, ou, fazendo referência à observação de Platão, a partir do espelho das formas de organização da pólis (cidade-estado grega).

A função prescritiva, por sua vez, tem como função exprimir julgamentos de valor, orientando a escolha por parte dos outros; para que a prescrição seja efetivada, alguns elementos são fundamentais ao cientista político: os juízos de valor, a formação social e o comportamento político. Por sua vez, à medida que tais elementos sofrem

sistematização, podemos afirmar que a teoria está pronta para a determinação das preferências.

As funções descritiva e prescritiva não se configuravam como etapas únicas no processo de teorizar sobre as formas de governo: as ações dos modelos sistemáticos e axiológicos são as fases essenciais para a delimitação do objeto de investigação do cientista social. O modelo sistemático é aquele baseado no ordenamento dos elementos das formas de governo reunidos a partir da hierarquia entre eles, ou seja, a organização de tais aspectos pela sua ordem de importância.

No que tange ao modelo axiológico, há que se considerar a determinação das ordens de preferência entre os tipos ou classes estabelecidas de forma sistemática. Tal modo, portanto, objetiva induzir nos sujeitos atitudes de aprovação ou desaprovação com vistas às escolhas. Mas o que difere tais modelos? Que comparação podemos estabelecer entre o cientista natural e o social? Para Bobbio (1998), o cientista natural “não pretende influir sobre as transformações da natureza”, enquanto o cientista social fundamenta suas ideias na crença e no poder de interferir de forma direta nas transformações da sociedade.

Ao se debruçar sobre o modelo axiológico, os estudos políticos construíram a tese de que ele é composto de três possibilidades para a teoria das formas de governo: a) todas as formas existentes de governo são boas; b) todas são más; e c) algumas são boas, outras são más. Nesse contexto, devemos então lembrar que o modelo axiológico sofre influências da teoria relativista e historicista em que Bobbio (1998) comenta: “Todas as formas de governo são apropriadas à situação histórica concreta que as produziram (com a ressalva de que não poderiam produzir uma outra diferente”. (BOBBIO, 1988, p. 36) Contudo, vale ressaltar que o sistema axiológico apresenta alguns condicionantes: não se limita à distinção do que é bom ou mau (absoluto), está à mercê do Julgamento Comparativo, dos Juízos de Valor e dos Modelos de Estado.

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1.3 DE HERÓDOTO A POLÍBIO, O TEMA FUNDAMENTAL EM POLÍTICA E O PAPEL DA ESTABILIDADE SÃO PERSPECTIVAS DE CUNHO PLATÔNICO?

Em A República, Platão procura as diversas formas de governo, que passam das que considera as mais perfeitas, como a aristocracia ou governo dos filósofos, até aquelas em decadência política em formas tais como a timocracia e a oligarquia, que surge quando os proprietários assumem o poder político, e a democracia ou governo das massas – sistema criticado por Platão (2006, p. 32) –, até a tirania:

Até que os filósofos sejam reis ou os reis e príncipes deste

mundo tenham o espírito e o poder da filosofia e até que a

grandeza e sabedoria política se juntem num... as cidades

descansassem de seus males.

A obra A República é a descrição da república ideal, que busca a justiça – atribuição a cada um da obrigação que lhe cabe, de acordo com as próprias aptidões. Trata-se de um Estado utópico onde os homens conviveriam harmonicamente. Os Estados verdadeiros (reais) são naturalmente corrompidos, de formas diversas, uma vez que não são perfeitos (perfeição existe uma só). Por conseguinte, o diálogo platônico trata todas as formas de governo como más, embora diferentemente ruins. (BOBBIO, 1998)

O método utilizado por Platão é o diálogo cuja temática abordada é a descrição da república ideal, com o objetivo de se buscar a “a realização da justiça entendida como a constituição a cada um da obrigação que lhe cabe, de acordo com as próprias aptidões”, considerando a prerrogativa do “estado que nunca existiu”, de modo que os “estados reais são todos corrompidos”.

Nesse âmbito, só existe um Estado perfeito, porque só pode haver uma constituição perfeita. Devemos considerar, portanto, que a ética platônica, ou melhor, o ethos, a morada do homem, está vinculada à sua concepção metafísica (caracterizada pelo dualismo do mundo sensível e do mundo das ideias permanentes, eternas, per feitas e imutáveis, que constituem a verdadeira realidade e têm como cume a Ideia do Bem, divindade, artífice ou demiurgo do mundo) e à doutrina da alma (princípio que anima ou move o homem e consta

de três partes: razão, vontade ou ânimo, e apetite; a razão que contempla e quer racionalmente é a parte superior, e o apetite, relacionado com as necessidades corporais, é a inferior).

Por meio da tese de que existem duas realidades diferentes que, por sua vez, englobam a esfera humana em sua totalidade, o Mundo das Ideias e o Mundo das Sombras ou dos Sentidos, o primeiro mundo se refere à alma, imortal e imaterial, sede da razão humana, ao passo que o segundo se aproxima do corpo físico. O caldo platônico envereda pelo pensamento de que como o indivíduo por si só não pode aproximar-se da perfeição, torna-se necessário o Estado ou Comunidade política. Ao mesmo tempo, o homem somente é bom como cidadão quando se afirma a ideia de que ele se realiza somente na comunidade e, consequentemente, a ética deságua necessariamente na política.

Um dos principais aspectos da teoria platônica é o desprezo, característico da antiguidade, pelo trabalho físico e, por isto, os artesãos ocupavam um degrau social inferior, ao passo que se exaltavam as classes dedicadas às atividades superiores (a contemplação, a política e a guerra), não havendo lugar algum no Estado ideal para os escravos, porque são desprovidos de virtudes morais e de direitos cívicos. Nessa perspectiva, o homem se forma espiritualmente somente no Estado e mediante a subordinação do indivíduo à comunidade. Ao partilhar dessa concepção, Platão desenhou a composição da tipologia dos homens estruturada em três categoriais:

A) Os Governantes-Filósofos (sabedoria e razão);B) Os Guerreiros (coragem e vontade);C) Aqueles que se dedicam aos trabalhos produtivos

(desejo e busca pela temperança).

Vale destacar que tal teoria ocupou-se de defender a imagem de que “todas as formas são más justamente porque não se ajustam à constituição ideal” uma vez que “só se sucedem historicamente formas más”. Em resumo, os aspectos mais relevantes de Platão são: passado com benevolência; futuro com espanto; concepção pessimista da história. (PLATÃO, 2006, p. 67)

As constituições corrompidas de Platão vão apresentar um elemento central para toda a sistematização das formas de governo: a timocracia, ou como também é

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conhecida, o “governo dos ricos”. Na Grécia Antiga, a timocracia, timé, que significa honra, é um modelo introduzido por Platão para denominar o processo de transição entre a constituição ideal e as três formas más tradicionais (oligarquia, democracia e tirania). Na obra A República, Platão faz o seguinte questionamento: “não é esta (a timocracia) talvez uma forma de governo situada entre a aristocracia e a oligarquia?” (BOBBIO, 1998, p. 48)

As constituições a que me refiro, que têm um nome especial,

são: antes de mais nada, a que é louvada por muitos – a de

Creta e de Esparta (a forma timocrática); em segundo lugar,

também louvada, a chamada oligarquia, governo pleno de

infinitas dificuldades; em seguida, oposta à forma precedente,

a democracia; por fim, a nobilíssima tirania, superior a todas

as demais, quarta e máxima gangrena do Estado. (PLATÃO,

1949 apud BOBBIO, 1998, p. 47)

A proposta de Platão conduz a um modelo aristocrático de poder. Mas, como vimos, não se trata de uma aristocracia da riqueza, mas da inteligência, em que o poder é confiado aos melhores. Esse estado de coisa pode degenerar e, de sua decadência, aparecem outras formas de governo: a timocracia, quando o culto da virtude é substituído pela norma guerreira; a oligarquia, quando prevalece o gosto pelas riquezas, e o senso é

SUGESTÃO DE ATIVIDADE

A prática da leitura, principalmente de documentos e textos específicos da área de História não é tarefa fácil. Com o intuito de colaborar com os professores de História, as pesquisadoras Maria Auxiliadora Schimidt e a Marlene Cainelli, que se dedicam às investigações sobre o Ensino de História, construíram um instrumento didático que permite ao estudante e aos futuros historiadores desenvolver com ordenamento, sistematização e análise de ideias seus estudos e materiais de consulta. Nessa perspectiva, a presente sugestão de atividade tem como objetivo incentivar à prática de leitura e interpretação dos textos de referência em qualquer momento da formação de vocês, professores. Vamos tentar?

Indicação de Bibliografia: FINLEY, Moses I. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

Observação: Deverá ser produzida uma ficha de leitura para cada capítulo analisado pelo leitor.1ª Etapa – Leia o texto e decomponha seus elementos:• Identifique as palavras cujo significado pareça difícil, ou seja, desconhecido (sublinhe-as ou reescreva-as);• Identifique os nomes próprios;• Pesquise o significado das palavras-chave ou das que você considere importantes;• Identifique alusões a acontecimentos ou personagens;• Resuma as ideias essenciais de cada frase ou parágrafo.

2ª Etapa – Analise o documento:• Quando – o texto é contemporâneo do fato reportado? Qual a situação do momento apresentado no texto?• Onde – de qual espaço fala o texto?• Quem – quem é o autor? Seu testemunho é direto ou indireto? Qual a situação de vida do autor?• De quem – de quais personagens fala o texto?• Qual a natureza do texto – o texto é destinado a uso público? Se for, qual tipo de documento é: jurídico (lei, relatório, decreto ou constituição), literário (romance ou poema), político (discurso, memória, relato de viagem, entrevista), artigo de imprensa ou anúncio publicitário? Ou o texto é destinado a uso pessoal ou privado? Se for, de qual tipo é (diário pessoal, carta, relatório secreto ou outro tipo de documento familiar)?

3ª Etapa – Opine sobre o documento:• Procure estabelecer relações entre o conteúdo do texto e seus conhecimentos históricos. Organize sua opinião em duas partes: uma para as ideias do texto e outra para seus conhecimentos e suas opiniões;• Evite copiar frases ou parágrafos do texto ou fazer resumo;• Procure evitar a armadilha de opiniões sem fundamento ou sem relação com as ideias expressas no documento.

Adaptado de: SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar História. São Paulo: Scipione, 2004. p.108.

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a medida de capacidade para o exercício do poder; e, finalmente, a democracia, quando o poder pertence ao povo, que, sendo incapaz de conhecer a ciência política, facilita, através da demagogia, o aparecimento da tirania, considerada a pior forma de governo, exercido por um homem só através da força.

A troca de uma forma pela outra ocorre, sobretudo, com

mudanças na sociedade e alternância de gerações. Essas

costumam ser rápidas e inevitáveis e iniciam com a perda

de velhos e a incorporação de novos valores à cultura. A

partir daí, a mudança torna-se inevitável. E como ocorre

a corrupção? Essencialmente pela discórdia. Existem,

basicamente, dois tipos dela (discórdia): a entre os dirigentes

e entre as classes (governantes e governados). Na passagem

da aristocracia para a timocracia, por exemplo, ocorre o

primeiro tipo, enquanto na da oligarquia para a democracia, a

segunda. (BOBBIO, 1998, p. 51)

Para caracterizar cada governo, o filósofo distingue os homens de cada governo (quem governa). Assim, a partir dos vícios e virtudes, temos: o homem timocrático, que sabe liderar, é honroso e educado; o homem oligárquico, cujo acúmulo de capital o faz corromper-se, perdendo valores; o homem democrático, que tem liberdade de palavra e licença para fazer o que quiser, e o homem tirânico, que lidera com violência.

Para além das contribuições de Platão, detemo-nos em Aristóteles que, servindo-se do método indutivo, fez um surpreendente estudo de mais de 158 constituições, descrevendo-as e ajuizando-as nos princípios comuns que as dominavam, tomando em conta a titularidade do poder.

1.4 O APRENDIZADO DA VIRTUDE COMO ELEMENTO-CHAVE PARA REALIZAÇÃO DE JUSTIÇA SOCIAL COM LIBERDADE: O DILEMA ARISTOTÉLICO

A teoria do cidadão e da classificação das Constituições é a grande experimentação de Aristóteles. O filósofo de Estagira, cidade grega, emprega um duplo critério para classificar as formas de Governo: o de caráter numérico, segundo o qual o governo da cidade está em mãos de uma pessoa, de variadas ou de uma multidão e o de caráter qualitativo que atende ao interesse público.

Aristóteles classifica as formas de governo em dois grupos:

1) as formas puras ou perfeitas destinadas a realizar o bem da comunidade;

2) as formas puras ou perfeitas e que praticam rigorosamente justiça.

Na segunda forma, tem-se: a) monarquia, que é o governo exercido por uma só pessoa; b) aristocracia, que é o governo exercido por uma minoria seleta; e c) democracia, que é o governo exercido pela multidão ou pela maioria dos cidadãos.

Aristóteles (1974, p. 23) expressa assim sua concepção:

Monarquia é aquele Estado em que o poder dirigido ao

interesse comum não corresponde, mas a um só; aristocracia,

aquele em que se confia a mais de um e a democracia, aquele

em que a multidão governa para a utilidade pública. Estas três

formas podem degenerar: o reino em tirania; a aristocracia,

em oligarquia; a democracia em demagogia.

As formas impuras, degeneradas ou corrompidas, que só tomam em conta o interesse dos governantes, por sua vez, são consideradas aquelas formas de governo que desvirtuam suas finalidades, servindo interesses ou propósitos par ticulares. O governante esquece ou perver te sua missão e faz do poder público um instrumento de seus interesses egoístas. Estas formas impuras são: a) a tirania, que não é considerada outra coisa que a degeneração da monarquia; b) a oligarquia, ou forma corrompida da aristocracia; e c) a demagogia, que também se chama oclocracia, uma degeneração da democracia.

O pensamento de Aristóteles foi mais longe ao considerar formas de governos mistas, que já tinham sido analisadas pelo pensamento político de sua época e que se encarregou de sistematizar. À classificação de Aristóteles foram feitas numerosas críticas, assinalando outras formas de governo, mas que não coincidem os elementos que as definem. O que vale destacar é que sua preocupação se manifesta na determinação do número de pessoas que deverá exercer o poder. Na monarquia, o poder se concentra numa só pessoa; no regime oligárquico, em várias pessoas; e na democracia,

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no povo. (BOBBIO, 1998)Como considerações finais a respeito do pensamento

aristotélico e outros pensadores do seu período, cabe-nos a sistematização, sobretudo, do governo misto de Políbio e outros autores acerca da influência das instituições políticas helênicas, manifestada no pensamento romano. Com seu sentido da realidade, os romanos praticaram uma forma de governo misto e o poder se dividia entre o povo e o monarca ou entre uma aristocracia e o povo, num processo de mudanças políticas em que a Constituição passaria do reino da tirania, à democracia e à oclocracia e, posteriormente, à monarquia, para, deste modo continuar o mesmo desenvolvimento.

O pensamento de Aristóteles influenciou notavelmente o pensamento político de Roma, assinalando-se que tanto Políbio como Cícero admitiram a classificação e os caracteres das formas de governo misto. Políbio é o expositor do governo misto ou forma constitucional que combina o poder monárquico, o aristocrático e o poder democrático, representados pelo consulado, o senado e as eleições. O governo misto, que é a amálgama dos demais, é considerado o ideal e evita os prejuízos das outras formas de governo. Na teoria do governo misto esboça-se um regime de coordenação de funções, sem preeminências de um sobre outro, coordenando suas atividades sobre a base de equilíbrio e de igualdade.

INDICAÇÃO DE LEITURA

ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo. Porto Alegre: Afrontamento, 1982.ARIÉS, Philippe; DUBBY, Georges. História da vida privada. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. v. 1.AUSTIN, Michel; VIDAL-NAQUET, Pierre. Economia e sociedade na Grécia Antiga. Lisboa: Edições 70, [19--].AZEVEDO, Antonio. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.CHILDE, Goldon. O que aconteceu na História. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.CROUZET, Maurice (Org). História geral das civilizações. São Paulo: DIFEL, [19--]. v. 1 e 2.FINLEY, Moses. História Antiga. São Paulo: Martins Fontes, 1994.______. Escravidão antiga e ideologia moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1991.______. Os gregos antigos. Lisboa: Edições 70, 1986.______. O legado da Grécia. Brasília: UnB, 1998.FLORENZANO, Maria Beatriz. O mundo antigo: economia e sociedade. São Paulo: Brasiliense, 1982.FUNARI, Pedro Paulo. Antiguidade Clássica: a história e a cultura a partir dos documentos. Campinas: Unicamp, 2003.

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Anotações

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CAPÍTULO 2

EM BUSCA DO ESTADO IDEAL

OU DA VERDADE EFETIVA? UMA

“PITADA” DE MAQUIAVEL NO CALDO

PLATÔNICO

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Anotações

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2 EM BUSCA DO ESTADO IDEAL OU DA VERDADE EFETIVA? UMA “PITADA” DE MAQUIAVEL NO CALDO PLATÔNICO

No capítulo anterior, vimos a impor tância de compreendermos as formas de governo como algo que é fruto das diferentes e diversas organizações da vida política dos grupos sociais, além de aprendermos que, para a teoria clássica das formas de governo, estas seguem fases ou modos numerosos e sucessivos, encadeados e que seguem uma descendência. O Estado moderno trouxe à civilização ocidental diversos autores que se tornaram clássicos para a História do Pensamento Político. Sem dúvida, o florentino Nicolau Maquiavel iniciou sua consagração no mundo das ideias políticas quando da criação de uma nova classificação das formas de governo após o período que Bobbio (1998) considera como intervalo – a passagem da Antiguidade para o período Moderno. As principais obras de Maquiavel que tratam de assuntos políticos possuem uma diferença essencial: enquanto em O Príncipe (1513) o florentino aborda a política militante, em Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio – os Discursos (1512/1517) Maquiavel discorre sobre a teoria política e dessa forma, terminou por afastar-se dos acontecimentos da época em que viveu.

SAIBA MAIS

Nicolau Maquiavel (em italiano Niccolò Machiavelli) nasceu em 3 de maio de 1469 na cidade italiana de Florença e veio falecer em 21 de junho de 1527. É considerado como um dos fundadores da Ciência Política Moderna.

Diante de tais elementos, há que se considerar a relevância de sintetizarmos os principais aspectos da formação dos Estados Nacionais na Europa: as progressivas centralizações do poder, atreladas ao for talecimento do princípio da territorialidade; a impessoalidade da obrigação e do comando político;

a transição processual de um sistema policêntrico e complexo dos senhores feudais para um Estado concentrado e agora de caráter unitário, com o objetivo de racionalizar a gestão do poder e organizar a política; ademais, o próprio conceito de Estado (status) como modelo de condicionante do ordenamento social, material e político do país.

SUGESTÃO DE FILME

A produção cinematográfica internacional é uma das aliadas do exercício historiográfico. Veja os filmes que retratam o movimento renascentista e o nascimento do Estado Moderno na Europa:A OUTRA. Direção: Justin Chadwick. Elenco: Natalie Portman, Scarlett Johansson e Eric Bana. [S.l: s.n.], 2008. 115 min.SHAKESPEARE APAIXONADO. Direção: John Madden. Elenco: Gwyneth Paltrow e Joseph Fiennes. . [S.l: s.n.], 1998. 123 min.GIORDANO BRUNO. Direção: Guiliano Montaldo. Elenco: Gian Maria Volonté e Charlotte Rampling. . [S.l: s.n.], 1973. 123 min.

FIGURA 2. NICOLAU MAQUIAVEL. PINTURA DE SANTI DI TITO

Fonte: http://pt.wikipedia.org/. Acesso em 24/08/2011.

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O Príncipe, obra que consagrou Maquiavel como autor clássico do mundo político, traz aspectos que a distinguem de todas as produções políticas anteriores: em primeiro lugar, traz a Política com ontologia própria, ou seja, a política como conhecimento do ser; ofereceu-nos uma visão realista da Teoria Política e, por intermédio deste último elemento, levantou questionamentos acerca da ideia de uma cidade homogênea e indivisa, herança dos gregos; ora, se as pessoas são heterogêneas, têm interesses próprios e isto as divide, segundo o argumento maquiavelino.

Nessa conjuntura, a política aparece como uma atividade autônoma, com características específicas que a distinguem tanto da ética, quanto da economia, do direito ou da religião, ao mesmo tempo em que começa a se formar o conceito de Razão de Estado (que ganhará fôlego com os racionalistas franceses e com os autores do séc. XIX) e é nessa confluência de pensamentos e reflexões que Maquiavel construiu uma de suas máximas para a teoria das formas de governo: “Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre repúblicas ou monarquias”.

SAIBA MAIS

Autor clássico é aquele que é sempre atual, de modo que cada época ou cada geração sinta a necessidade de relê-lo e, com isso, reinterpretá-lo. Além disso, ser clássico é ser intérprete de seu tempo, construindo teorias-modelo das quais nos servimos continuadamente para compreender a realidade, tornando-se, ao longo do tempo, verdadeiras categorias mentais.

2.1 ESTADOS INTERMEDIÁRIOS OU GOVERNOS MISTOS? O “ADMIRÁVEL MUNDO NOVO” DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA

Os estudos maquiavelianos, como anota Bobbio (1998), podem ser caracterizados pelos seguintes pontos de vista:

1) Maquiavel pode ser considerado como um dos primeiros teóricos a usar o conceito de Estado – que perdura até os dias atuais para nomear o que os gregos denominavam de polis e os romanos de res publica.

2) Maquiavel substituiu a classificação tripar tite clássica (democracia, monarquia e aristocracia) de origem aristotélica-polibiana por uma bipar tição, passando então de três a duas: principados e repúblicas.

3) Os principados correspondem aos reinos, ao passo que a república corresponde ao mesmo tempo à aristocracia e à democracia (nesse caso, Bobbio chama atenção para um diferencial na teoria maquiaveliana: a distinção entre as duas formas de governo acima é de caráter quantitativo, no entanto, não se limita a esse valor: os Estados são governados ou por uma só pessoa ou por muitos.

4) Finalmente, a essência da ideia de Maquiavel reside na assertiva de que ou o poder reside na vontade de um só (é o caso do principado) ou numa vontade coletiva, que se manifesta em colegiado ou assembleia.

Qualquer que ela seja, a vontade coletiva tem necessidade,

para sua formação, de que sejam respeitadas determinadas

regras de procedimento (como, por exemplo, a da maioria),

as quais não se aplicam à formação da vontade singular do

príncipe, que é a vontade de uma pessoa física. É preciso

não esquecer, portanto, que mesmo no que dizia respeito à

história, o campo das reflexões de Maquiavel não foi o das

cidades gregas, mas sim o da república romana – história

secular e gloriosa que parecia especialmente apta, pela sua

divisão entre uma república e uma monarquia (excetuados os

primeiros séculos), para confirmar a tese de que os Estados

são sempre ou repúblicas ou principados, como se queria

demonstrar. (BOBBIO, 1988, p. 84-85)

Ao elaborarmos um quadro das principais características presentes na distinção e tipologia dos principados, é possível fazer as seguintes classificações (ver Quadro 1):

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VOCÊ SABIA?

A figura do ministro ganhou papel fundamental na história política do período moderno a partir do século XVII. O personagem do ministro-valido ou, também como é conhecido, ministro-favorito, ficou conhecido como o construtor do Estado moderno, ou, como analisa o historiador John Elliot, construtores de Estados embrionários, como os ministros-privados que não eram incuravelmente frívolos ou irremediavelmente corruptos e que entraram para a historiografia do século XX. Na Espanha Moderna, o ministro-favorito mais famoso foi o conhecido Conde Duque de Olivares que dedicou sua via à corte de Felipe IV:

O Conde Duque de Olivares tentou construir uma

vida cultural brilhante levou o tribunal e para este fim,

foi acompanhado, a grande tradição de mecenato

aristocrático, de poetas mais excelentes, que dedicaram

as suas obras e prestados homenagem ao novo rei e seu

ministro. Assim, não é difícil entender por que, embora

não sejam expostos abertamente no trabalho que

levou à humanista valenciano homenagem à família do

Conde Duque, com a composição de sua Libri Quinque

Gusmoneidos (ROMERO, 1999, p. 241).

INDICAÇÃO DE LEITURA

LAGUNA ROMERO, Francisco Bravo de. Elogio al Conde-Duque de Olivares en el Libro 1 de los Gusmaneidos Libri Quinque de Vicente Mariner. Cuad. Filol. Clás. Estudios Latinos, 1999. Disponível em: < http://www.ucm.es/BUCM/revistas/fll/11319062/articulos/CFCL9999220239A.PDF>. Acesso em: 26 out. 2011.CALDEIRA, Bárbara Maria Santos Caldeira. De todos los validos, el favorito: el Conde Duque de Olivares y el elogio a la virtud y a la fidelidad. Hispanista, 2007. p. 1-10. v. VIII. Disponível em: <http://www.hispanista.com.br/>. Acesso em: 26 out. 2011. ELLIOTT, John. La España Imperial: 1469-1716. Barcelona: Vicens-Vives, 1984.SANTAELLA STELLA, Roseli. O Domínio Espanhol no Brasil durante a Monarquia dos Felipes: 1580-1640. São Paulo: Unibero, Cenaun, 2000.

Diante de tais comentários, podemos entender que na obra de Maquiavel não há lugar para os Estados intermediários, tema bastante debatido pelos gregos e, somente por esse caminho, é possível alcançar a estabilidade, elemento essencial do Estado Moderno. Maquiavel defendeu os governos mistos e repudiou os Estados intermediários, em uma tentativa de construir “combinações” que atendessem ao pensamento da melhor forma de governo. Tal posicionamento provocou reações póstumas a seus escritos, haja vista os questionamentos dos críticos que giraram em

Quadro 1 - Principados, Tipologias e Divisões na obra O Príncipe, de Nicolau Maquiavel

TIPO DO PRINCIPADO QUANTO AO USO DO PODER QUANTO ÀS FORMAS DE GOVERNO E SUA GESTÃO

DIFERENÇAS

HEREDITÁRIO O poder é transmitido com base numa lei constitucional de sucessão.

O poder é exercido por um príncipe e vários barões, cujas posições não se explicam por um favor do soberano, mas pela antiguidade da própria família.

Há príncipes que governam com a intermediação da nobreza, cujo poder é original, não depende do rei.

NOVO O poder é conquistado por quem ainda não era um “príncipe”. Esses serão os objetos de estudo e preferência de Maquiavel cuja ideia estava em torno do desejo de ser ter um “novo príncipe”, responsável pela remissão da Itália do “domínio bárbaro”. O príncipe seria então o “redentor” do Estado.

O poder é exercido por um príncipe e seus assistentes que, na qualidade de ministros, o ajudam a administrar o país, atuando por sua graça e licença.

Há príncipes que governam sem intermediários, seus poderes são absolutos, com a consequência de que os súditos são seus servos – mesmo os que, por concessão soberana, o ajudam como ministros.

Fonte: Adaptado de BOBBIO, 1988.

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torno do seguinte argumento: não teria sido Maquiavel contraditório em desejar distinguir Estados de mesmo caráter? Bobbio (1988, p. 86) ajuda-nos a esclarecer melhor esse debate:

Pode-se sustentar, de fato, que nem todas as combinações

entre diferentes formas de governo são boas – quer dizer,

são governos mistos propriamente. Não basta combinar uma

forma de governo com outra para chegar a um governo misto.

Há combinações que funcionam e outras que não. Uma

combinação pode constituir uma síntese feliz de constituições

opostas, sendo assim superior às constituições que não se

ajustam entre si, sendo assim inferior a uma constituição

simples. [...] o governo misto que Maquiavel identifica no

Estado romano é uma república compósita, complexa, formada

por diversas partes que mantêm relações de concordância

contrastantes entre si. O Estado intermediário que ele critica

deriva não de uma fusão de diversas partes, num todo que

as transcende, mas da conciliação provisória entre duas

partes que conflitam, que não chegaram a encontrar uma

constituição unitária que as abranja, superando-as a ambas.

Em linhas gerais, este capítulo objetiva apresentar como e por que as ideias republicanas de Maquiavel, expressas especialmente nos Discursos sobre a Pri-meira Década de Tito Lívio, estão numa relação de tensão com as recomendações que o mesmo Maquiavel oferece a um governante único em O Príncipe. Não obstante, argumenta-se que o que pode ser considerado como a contribuição mais original de Maquiavel, se mantém constante e consistente através de toda sua obra: Maquiavel reclama, em termos que deliberadamente provocam escândalo, uma especificidade ética própria do político que deve permitir atos de engano e crueldade.

Para Maquiavel, o uso do mal não é só um fato, nem só uma necessidade do político, senão que é recomendável para o bom funcionamento do Estado. O autor buscou demonstrar que esta concepção da ética política se remete a um valor último eminentemente político: a glória. É possível argumentar, entretanto, que a constatação da glória como valor último, que abarca a todo regime, não torna comensuráveis, ou seja, não admite medidas comuns, os princípios republicanos e os objetivos de um principado. De tal maneira, a tensão entre os textos principais de Maquiavel se mantém ao mesmo tempo em que seus termos se esclarecem.

Por seu atrevimento e brutal franqueza, Maquiavel nos obriga a enfrentar os dilemas morais mais frios do político. Possivelmente, nenhum autor convida tão impavidamente seus leitores a pôr em questão alguns de seus princípios éticos mais preciosos. Isto não resulta tanto de seus comentários de natureza empírica, nos quais descreve sem cerimônias, às vezes em termos bastante chocantes e ousados, à verdade real das práticas políticas, usando tantos exemplos contemporâneos como históricos para este propósito. É verdadeiro que, para Maquiavel, a observação clara, livre de preconceitos, historicamente informada e fundada na experiência direta do acionar humano em política, obriga ao reconhecimento de que a paixão predominante neste âmbito é a obtenção e retenção do poder.

FIGURA 3. Retrato do Conde-duque de Olivares por Diego Valázquez.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/. Acesso em 24/08/2011.

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SUGESTÃO DE ATIVIDADE

Que tal exercitar as diferentes linguagens que um professor de história costuma usar em sala de aula? A partir da análise de um filme de cunho histórico que aborde períodos da história política européia, responda as seguintes questões propostas pelo roteiro abaixo:SUGESTÃO DE FILME: 300. Direção: Zack Snyder. Produção: Deborah Snyder, Frank Miller e Graig J. Flores. Roteiro: Zack Snyder, Kurt Johnstad e Michael B. Gordon. Intérpretes: Gerard Butler, Lena Headey, Rodrigo Santoro, Dominic West, David Wenham, Vincent Regan et al. [S.l.]: Warner Home Video, 2006. 108 min.

ROTEIRO DIDÁTICO DE LEITURA FÍLMICA

1. ANÁLISE DA LINGUAGEMQue história é contada (reconstrução da história); Como é contada essa história; O que lhe chamou a atenção visualmente;O que destacaria nos diálogos e na música;Que ideias passa claramente o programa (o que diz claramente esta história);O que contam e representam os personagens;Modelo de sociedade apresentado;Ideologia trabalhada pelo filme;Mensagens não questionadas (pressupostos ou hipóteses aceitos de antemão, sem discussão); Valores e instituições afirmados e negados pelo filme (como são apresentados a justiça, o Estado, o trabalho, a sociedade e conceitos específicos dos autores políticos estudados).

2. ANÁLISE CONCENTRADAEscolher, depois da exibição, cenas marcantes. Revê-las uma ou mais vezes. Registrar (oralmente ou por escrito):- O que chama mais a atenção (imagem/som/palavra)- O que dizem as cenas (significados)- Consequências, aplicações (para a nossa vida, para a formação docente)

REFERÊNCIABABIN, Pierre; KOPULOUMDJIAN, Marie-France. Os novos modos de compreender - a geração do audiovisual e do computador. São Paulo: Paulinas, 1989.

A contribuição mais original de Maquiavel, entretanto, não se remete a seus comentários empíricos ou, menos ainda, a uma suposta inauguração da noção moderna da “ciência do político” ou, como se conhece hoje como “ciência política”. A originalidade de Maquiavel, efetivamente, não reside em sua crua descrição dos mecanismos e práticas de poder, senão na avaliação

normativa que oferece destas circunstâncias empíricas. Maquiavel não só mostra que no político se faz e se

fez o mal, senão que, e mais radicalmente, argumenta decididamente que no político se deve fazer o mal. Este é evidentemente um argumento normativo que nada tem a ver com uma ciência do político, imparcial, asséptica e que aspira à objetividade. O que interessa, portanto, é determinar qual princípio ou valor é considerado por Maquiavel como o suficientemente enaltecido para justificar o uso do mal no âmbito do político, ou seja, o valor último do político ao que Maquiavel apela é a glória (ou grandeza), e que é este valor o que se sobrepõe a qualquer outra consideração na avaliação dos atos no âmbito do político.

Como observou Hannah Arendt em A Condição Humana (2010, p. 82),

O critério de Maquiavel para a ação política era a glória, o

mesmo que na antigüidade clássica, e a maldade não pode

brilhar mais gloriosa do que a bondade. Portanto, todos os

métodos que levem a ganhar mais poder que glória são maus.

Para Maquiavel, esta é uma observação tanto empírica como normativa, isto é, a história demonstra que, em último caso, o que é valorizado, além do mero poder, é a glória, e, ademais, a glória é o que todo agente do político deveria valorizar. Em parte, sua admiração pela antiguidade, em particular a antiguidade romana, remete-se à glória que percebeu em sua vida política. De maneira similar, seu generalizado desdém pelos políticos de sua época se deve precisamente ao sentimento de que suas ações estão desprovidas de todo sentido de glória. Esta noção de que a glória ocupa o primeiro lugar em sua hierarquia de valores políticos permite dar conta de, ainda que quiçá não resolva completamente, certas dificuldades típicas na exegese de sua obra.

Múltiplas e variadas foram as tentativas de evitar esta contradição, mas há uma que destaca por sua generalizada aceitação e pela aparente solidez de seu sustento argumentativo e textual. Quentin Skinner (1996) se refere à interpretação que reconhece a preferência permanente de nosso autor por um regime republicano, mas que alega que Maquiavel teria sustentado a necessidade de um governo forte e autocrático para ordenar e estabelecer as bases de uma institucionalidade republicana, isto é, um principado. Assim, O Príncipe e Os Discursos conformariam um argumento contínuo em

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duas fases: O Príncipe estabeleceria os mecanismos através dos quais um indivíduo conseguiria concentrar em si mesmo a autoridade necessária para reorganizar um sistema político, permitindo assim a construção de instituições republicanas; Os Discursos, por sua vez, conteriam a exposição do funcionamento de uma república bem ordenada, suas fortalezas e debilidades, e as bases normativas que justificariam a qualificação da república como o regime preferido.

Há que se considerar, ainda que este caminho argumentativo para estabelecer coerência entre os dois textos principais da obra de Maquiavel goze de bastante aceitação, que o mesmo contém sérias debilidades que o fazem insustentável, e uma leitura fiel desses textos nos obriga a reconhecer que a relação entre ambos é parcialmente contraditória. Isto se manifesta à medida que se leva em conta que a análise política de Maquiavel incorpora o que anacronicamente poderíamos denominar “cultura” política. Isto é, o enfoque analítico de Maquiavel procura iluminar a importância de elementos culturais no entendimento do político e do exercício do poder. Comumente estes elementos culturais são ignorados ou tratados insuficientemente nos estudos mais tradicionais do pensamento do florentino. Uma muito significativa exceção é Antonio Gramsci, que é, ademais, sub-valorado na interpretação dos estudos de Maquiavel. (SKINNER, 1996)

2.2 A RELAÇÃO ENTRE A VIRTUDE E FORTUNA: O PRÍNCIPE, DE MAQUIAVEL

É necessário deixar claro que não podemos negar que o trabalho de Maquiavel, como um todo – incluindo entre suas principais obras, além de O Príncipe e Os Discursos, A Arte da Guerra e Histórias Florentinas – é, principalmente, consistente, e suas noções centrais do poder político e seu exercício de virtudes públicas e prática são, inquestionavelmente, a mesma coisa. De fato, um dos paradigmas do pensamento de Maquiavel aparece de forma consistente em seu trabalho. Referimo-nos, é claro, à defesa do uso de métodos “extraordinários” no campo da política. Para Maquiavel, é um pecado e ingenuidade não reconhecer que, no campo da política, é necessário realizar atos que não seriam justificáveis em outras áreas da vida humana. Assim, para Maquiavel, o

político tem uma ética de comportamento própria, distinta da que corresponde ao resto das atividades humanas, e isto tanto no contexto de um principado quanto no contexto de uma república. Maquiavel reivindica, no âmbito do político, o uso da crueldade, do engano, da mentira, da injustiça, da violência e de um conjunto de métodos “extraordinários”, que, precisamente, só se justificam na vida política. Parte importante do significado de sua obra é uma releitura dos conceitos da virtude política que contrasta fortemente com a versão mais tradicional e cristã das virtudes.

SUGESTÃO DE ATIVIDADE

Exercer a comparação e estabelecer analogias (semelhanças entre as coisas, as ideias) é tarefa fundamental do historiador. Diante de tantos aspectos e elementos apresentados por Nicolau Maquiavel, que tal aceitar o desafio de analisar trechos da obra maquiavelina? Considerando os trechos a seguir, relacione as mensagens e posicionamentos políticos do autor, estabelecendo relações entre os elementos centrais: Estado, Sociedade, Povo e Política.a) “[...] a diferença reside no uso adequado ou não da crueldade. No primeiro caso, estão aqueles que a usaram bem (se é que se pode qualificar um mal com a palavra bem), uma vez só, com o objetivo de se garantir, e que depois não persistiram nela, mas ao contrário a substituíram por medidas tão benéficas a seus súditos quanto possível. As crueldades mal-empregadas são as que, sendo a princípio poucas, crescem com o tempo, em vez de diminuir. Os que aplicam o primeiro método podem remediar de alguma forma sua condição, diante de Deus e dos homens...quanto aos outros, não conseguem se manter” (MAQUIAVEL, 2006, p.56). b) Liberdade “é a afirmação de um modo de coexistência, em certas fronteiras, de tal sorte que ninguém tem autoridade para decidir assuntos que dizem respeito a todos, isto é, para ocupar o lugar do poder. A coisa pública não pode ser a coisa de um só ou de uma minoria” (MAQUIAVEL, 2007, p. 8). c) “A melhor defesa do que se possui é o ataque: o desejo de conservar é sempre um desejo de conquistar. Dessa maneira, o desejo de conservar em sua posse algo de forma durável é desejar possuir tudo, isto é, realizar a faculdade natural de desejar da qual fala Maquiavel: “a natureza criou os homens de maneira que podem desejar tudo” (MAQUIAVEL, 2007, p. 37).

Esta concepção dos meios permissíveis em política se emoldura dentro do combate entre a virtù e a fortuna que ocupa um lugar central na concepção política de Maquiavel. A fortuna é, para Maquiavel, tudo aquilo que está fora do controle dos seres humanos, mais

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especificamente, dos homens. A virtù, em mudança, é a força própria, a capacidade inerente de uma ou mais pessoas para imbuir a realidade com a vontade em forma independente. Daí o contraste com a riqueza e “armas alheias”: a virtù carrega a capacidade de dirigir as circunstâncias usando as “próprias armas”. “Armas próprias” são, literalmente, os exércitos e o aparelho militar, mas, ao mesmo tempo, e de maneira metafórica, são todas as forças – materiais, intelectuais ou espirituais – que não dependem de outros.

A fortuna, figura feminina, é caracterizada ao vivo contraste como uma força independente, seguindo a tradição latina que lhe atribui uma natureza divina. Maquiavel utiliza esta imagem da deusa fortuna para representar os embates azarentos do destino. O homem virtuoso é aquele que é capaz de combater à deusa Fortuna e limitar ao máximo sua ingerência sobre as coisas humanas. A força da fortuna, no entanto, é só parcialmente contida; está sempre acessível, sempre à espera de uma opor tunidade para descarrilar os projetos humanos, inclusive aqueles dos homens mais precavidos. O pessimismo de Maquiavel é neste sentido profundo, ainda que não abjetamente desconsolador. Vale a pena citar a conhecida passagem em que Maquiavel (2006, p. 103) dá conta da potência da fortuna:

Não obstante, já que nosso livre arbítrio não se extinguiu,creio

que quiçá é verdade que a fortuna é árbitra da metade

de nossas ações, mas também é verdade que nos deixa

governar a outra metade, ou quase, a nós. E a comparo a um

desses rios impetuosos que quando se enfurecem inundam

as planícies, destroçam árvores e edifícios, levam-se terra

de aqui para deixá-la lá; todos lhes fogem, todos cedem a

sua fúria sem poder por lhes resistência alguma. E ainda

que seja assim, nada impede que os homens, em tempos de

bonança, possam tomar precauções, ou com diques ou com

margens, de maneira que em crescidas posteriores ou bem

seguissem por um canal ou bem seu impulso não fora nem

tão desenfreado nem tão perigoso. O mesmo ocorre com a

fortuna que demonstra sua força ali onde não há uma virtude

preparada capaz de resistir-se; e assim dirige seus impulsos

para onde sabe que não se fizeram nem margens nem diques

que possam contê-la.

A virtù, portanto, é também a capacidade de prever os infortúnios da fortuna e preparar-se para superá-los, isto é, uma peculiar versão de uma das virtudes mais

tradicionais: a prudência. De fato, como anota Skinner (1996, p.37):

A Fortuna se sente impelida à ira e ao ódio, sobretudo pela

falta de virtù. O mesmo que a presença da virtù atua como

um dique frente a sua investida, do mesmo modo que sempre

dirige seus ímpetos para onde sabe que não se fizeram nem

margens nem diques que possam contê-la.

Ou seja, a for tuna favorece aos homens que expressam sua virtù precisamente no tributo que lhe rendem e na consideração que lhe oferecem à deusa, na forma de uma prevenção rija e agressiva.

Desta maneira, Maquiavel recomenda uma forma de prudência quase literalmente viril, isto é, própria do estereótipo do homem, que submete à figura feminina (não menos estereotípica) da fortuna, que se deixa vencer pelo macho dominador. Este é prudente, porque antecipa com margens e diques os embates da fortuna, mas é viril à medida que agencia seu domínio proativamente. Na metaforização de fantasias masculinas de dominação e senhorio, persegue-se o objetivo de impor os agentes do político a uma sorte de heroísmo patriótico, ao que se dá expressão precisamente no capítulo que segue depois da caracterização da fortuna, o famoso capítulo 26, de difícil interpretação, com o que Maquiavel finaliza O Príncipe: “Exortação a liderar Itália e liberá-la dos bárbaros”. (MAQUIAVEL, 2006, p. 101).

Levando a termo a capacidade para estar preparado para tudo aquilo que a for tuna ocasione, Maquiavel oferece uma das sugestões mais perspicazes de toda a sua obra. O homem totalmente virtuoso, e que faz gala de seu virtuosismo, é aquele que é inclusive capaz de alterar seu caráter de acordo às circunstâncias, ainda que Maquiavel (2006, p. 104-105) seja profundamente cético quanto à possibilidade de que tal pessoa possa existir.

Daí que, como disse, dois homens atuando de maneira

diferente consigam o mesmo resultado, e que em mudança

outros dois que atuam do mesmo modo, um consiga seu

propósito e o outro não. Disso depende também a variedade

de resultados; porque se um se comporta com cautela e

paciência, e os tempos e as coisas vão de maneira que sua

forma de governar seja boa, tem sucesso; mas se os tempos

e as coisas mudam, arruína-se porque não muda sua maneira

de proceder; não existe homem tão prudente que saiba

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adaptar-se a esta norma, já seja porque não possa desviar-se

daquilo ao que lhe inclina sua própria natureza, já seja porque

tendo triunfado avançando sempre por um mesmo caminho,

não pode agora persuadir-se a si mesmo da conveniência de

afastar-se dele. E assim o homem cauteloso quando é hora de

proceder com impulso não sabe fazê-lo e fracassa; enquanto

se modificasse sua natureza de acordo com os tempos e com

as coisas não alteraria sua fortuna.

Maquiavel (2006, p. 108) concorda com a conhecida máxima de Heráclito, “o caráter de um homem é seu destino”, identificando, com isso, uma debilidade intrínseca a todo regime que depende da vontade de um só homem. Isto é, todo regime em que se concentra a autoridade numa só pessoa tende, a longo prazo, a ser menos efetivo no combate contra a fortuna, já que seu sucesso depende diretamente de que se dê a casualidade de que o caráter do líder coincida com os requerimentos de sua época. Isto rara vez ocorre, e quando se dá se deve simplesmente à boa fortuna e não à virtù. E é a partir dessa prerrogativa que Maquiavel (2007, p. 109) prefere os regimes republicanos.

Por isso uma república tem uma vida mais longa e conserva

por mais tempo sua boa sorte do que um principado, porque

pode adaptar-se melhor à diversidade das circunstâncias,

porque também são diferentes os cidadãos que há nela, e

isto é impossível num príncipe, porque um homem que está

acostumado a fazer de uma maneira, não muda nunca, como

dizia, e necessariamente fracassará quando os tempos não

sejam conformes com seu modo de atuar.

As repúblicas, portanto, levavam vantagem, e por muito, em relação aos principados quanto à sua capacidade para manter-se no tempo. Este elemento é de vital importância, já que, para Maquiavel, o critério de avaliação do sucesso de um regime é precisamente sua capacidade para manter-se durante longo tempo. Assim se explica, em parte, a profunda admiração de Maquiavel por Roma e por Esparta. Como diz Hannah Arendt (1988, p. 11):

O interesse principal de Maquiavel pelas inumeráveis

mutações, variações e alterações que abundam em sua obra

e que poderiam levar a interpretar erroneamente sua doutrina

como uma ‘teoria da mudança política’, era precisamente

conseqüência de seu interesse pelo imutável, o invariável e o

inalterável, isto é, o permanente e o perdurável. Foi o primeiro

que meditou sobre a possibilidade de fundar um corpo político

permanente, duradouro e perdurável.

A institucionalização própria de uma república, em distinção a um principado que se sustenta primordialmente na vontade do governante, facilita a projeção no tempo do regime, porque permite a participação de cidadãos com diversos caracteres que se adéquam às mutantes contingências próprias do devir histórico, político e, inclusive, militar. Assim, existe uma drástica cisão entre um principado e uma república, que Maquiavel sublinha explicitamente em função de sua capacidade para permanecer no tempo. É característico das repúblicas bem ordenadas aumentarem sua riqueza e domínio, suscitando segurança e, crucialmente, grandeza. Ademais, é próprio de uma república assegurar a vida livre, o viver liberto, o que, por sua vez, favorece a diversidade de formas de vida que acompanha à multiplicidade de características que cobiça tal regime.

As vantagens da organização republicana são facilmente reconhecíveis. Por um lado, aumentam a riqueza e o domínio − isto é, a grandeza − da comunidade, e, por outro, assegura-se a liberdade pessoal, que compreende a ausência de restrições para perseguir fins próprios. Aqui se vêem imbricadas as liberdades da república como um todo e a liberdade cidadã, ambas entendidas como a ausência de dominação: uma república é livre à medida que não está submetida a potências estrangeiras, e um cidadão é livre à medida que não se encontre numa situação de servilismo e dependência pessoal. Mais ainda, a defesa da liberdade da comunidade como um todo vai da mão da defasada liberdade pessoal. Em outras palavras, numa república bem ordenada, o que se faz pelo bem comum favorece os cidadãos em sua particularidade.

Finalmente, a conexão entre esta concepção de liberdade e à virtù é evidente: é próprio dos virtuosos não depender dos outros e serem livres de qualquer dependência pessoal ou coletiva. Para manter seu poder, um príncipe deve, na medida do possível, usar somente “suas próprias armas” e solidificar sua posição de forma independente. O príncipe virtuoso se liberta de toda dependência, seja ela estrangeira ou referente aos seus súditos; uma república é um regime virtuoso por assegurar a independência da comunidade política e, além disso, contempla a virtù cidadã ao manter e promover sua vida livre e não servil, tampouco dependente dos

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cidadãos comuns e que, de fato, podemos considerar como um suporte para a liberdade compartilhada.

INDICAÇÃO DE LEITURA

ARENDT, Hannah. O que é a Política?. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.BEVIR, Mark. A lógica da história das ideias. São Paulo: Edusc, 2008.FINLEY, Moses I. Democracia antiga e moderna. Rio de Janeiro, Graal, 1988.GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988.GRAZIA, Sebastian de. Maquiavel no inferno. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.

ARTIGOS CIENTÍFICOSAMES, José Luiz. Liberdade e Conflito – o confronto dos desejos como fundamento de ideia de liberdade em Maquiavel. Kriterion, Belo Horizonte, n. 119, jun. 2009, p. 179-196. SILVA, Ricardo. Maquiavel e o conceito de liberdade em três vertentes do novo republicanismo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 25, n. 72 fev. 2010.

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Anotações

EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

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EaDUNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

CAPÍTULO

A CONCEPÇÃO DE ESTADO EM HEGEL,

MARX E ENGELS

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Anotações

EaD UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

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41LICENCIATURA EM HISTÓRIA

3 A CONCEPÇÃO DE ESTADO EM HEGEL, MARX E ENGELS

As várias formas de governo não são apenas modos

diversos de organizar a vida política de um grupo social,

mas também fases ou modos diversos e sucessivos,

geralmente concatenados, um descendendo do outro, pelo

seu desenvolvimento interno, dentro do processo histórico.

(BOBBIO, 1988, p. 36)

Uma abordagem histórico-científica do capitalismo atual não pode deixar-se desaperceber dos movimentos sociais e das relações existentes entre a prática e a teoria presentes nos antagonismos das atitudes e pensamentos das classes burguesa e operária. Para tanto, uma discussão acerca dos elementos formadores do capitalismo faz-se necessária e inevitável, pelas consequências trazidas por ele, em especial, no século XIX, quando sofre o processo de ascensão de seu estágio industrial.

O monopólio, a livre concorrência, a ação do Estado e a intensificação da iniciativa privada já faziam parte, na virada do século XVIII para o XIX, do jogo de interesses que almejavam a mundialização do mercado e, ao mesmo tempo, enraizava o interesse nacional do pensamento da classe burguesa que se encontrava “sustentada ou defendida pelos Estados; suportada pelos trabalhadores desses países e pelos povos submetidos ou dominados por todo o mundo”. (BEAUD, 1987, p. 123)

A proposta deste capítulo se define pela intenção de discutir as consequências da Revolução Industrial, destacando os problemas enfrentados pela sociedade, e de forma mais precisa, pela classe trabalhadora que sofreu na pele os resultados que o desenvolvimento tecnológico e a produção de riqueza em maior escala tiveram ou não na melhoria das condições de vida dos assalariados ao longo do período oitocentista. O fetiche do individualismo que se relaciona com o fetiche da mercadoria surge como uma perspectiva na tentativa de abordar a funcionalidade desses elementos no cotidiano das duas classes protagonistas em todo o curso do processo: a burguesia e o operariado europeu, seja por

situarem-se no “limite entre o material e o social”, ou pela ambiguidade que confere à sua existência. (SILVA, 2003, p. 72)

No entanto, antes de iniciarmos nosso debate, é necessário estabelecer algumas considerações conceituais que estiveram presentes no pensamento político e econômico da Europa no século XIX. De forma geral, três pensadores clássicos permearam os estudos sobre Estado e Sociedade no referido período: Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770/1831), Karl Marx (1818/1883) e Friedrich Engels (1820/1895).

3.1 A CONTRIBUIÇÃO DE HEGEL: O REINO PATRIARCAL, O ESTADO LIVRE E A MONARQUIA MODERNA

As ideias hegelianas (termo empregado para designar o pensamento de Hegel) foram difundidas após um intervalo temporal que ficou conhecido por despotismo (lembremos que se trata de uma forma de governo em que o poder é centralizado nas mãos de somente um governante), classificação lembrada por Bobbio (1998). A obra hegeliana foi marcada pela convergência de duas concepções fundamentais já vivenciadas anteriormente em Vico e Montesquieu, respectivamente: a predominância de uma ideia histórica das formas de governo e o conhecimento geográfico espacial. Hegel adotou ambas as percepções que atuaram de forma decisiva para a formação de um sistema abrangente e complexo, herdeiro de quase dois milênios de reflexão filosófica.

Em uma de suas principais obras, Lições de Filosofia da História, de 1821, Hegel apresenta o momento final da evolução de suas ideias, de sua teoria política, quando dedica um capítulo introdutório às reflexões sobre “a base geográfica da história mundial”, que teve como foco central a explicação de que a história mundial pode ser dividida em três fases. Tais fases serão caracterizadas, logicamente, por tipologias diversas de caráter geográfico:

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1) O altiplano, caracterizado por suas extensas estepes e planuras, uma paisagem comum à Ásia central e que tipifica a origem das comunidades nômades, com destaque para as pastoris;

2) A planície fluvial, elemento típico das terras do Indus, do Ganges, do Tigre e do Eufrates que se estende até o Rio Nilo, região em que a terra cuja fertilidade apresenta altos índices favoráveis à prática da agricultura;

3) Finalmente, toda a zona costeira cujo maior aspecto é a tendência para o desenvolvimento do comércio e para a formação de novas riquezas e circunstâncias para o progresso civil.

Esses elementos ficam mais ilustrativos nas próprias palavras de Hegel (1817 apud BOBBIO, 1988, p. 146):

De modo geral, o mar dá origem a um tipo especial de

existência. O elemento indeterminado nos dá a ideia do

ilimitado e infinito; sentindo-se nessa infinitude, o homem

adquire coragem para superar o limitado. O próprio mar é

infinito, e não aceita demarcações pacíficas de Estados,

como a terra firme. A terra, a planície fluvial, fixa o homem ao

solo; sua liberdade é restringida assim por imenso complexo

de vínculos. O mar, porém, o leva à conquista, mas também

ao ganho e à aquisição.

Ao relacionar as características ambientais do pensamento de Hegel com uma perspectiva econômica, ou como diria Montesquieu, a partir do ponto de vista

do “modo de subsistência”, podemos considerar que sua teoria fundamenta-se na analogia (entendida como relação de semelhanças entre objetos diferentes) entre as atividades pastoril, agrícola e comercial, representantes das “três fases do desenvolvimento da sociedade humana” que, por sua vez, correspondem às regiões de maior dimensão da Terra: a natureza do solo irá determinar assim a diferença social entre os grupos de homens.

Em outras palavras, Hegel se utiliza da comparação para identificar as três fases da civilização às três distintas zonas terrenas por meio da demonstração de que a

[...] evolução das sociedades não ocorre apenas em

momentos sucessivos do tempo, como se acreditava, e no

mesmo espaço (como se viu com o espaço de Vico que,

salvo o ocupado por povos selvagens, é essencialmente a

Europa), mas sim mediante um deslocamento de área em

área. (BOBBIO, 1988, p. 146)

VOCÊ SABIA?

Os processos de independência na América Latina são alvos constantes de análise pelos pesquisadores americanistas da História do Pensamento Político. Tais estudos, em geral, trabalham com o consenso de que há que se considerar que tais processos são vistos como o momento da ruptura de dominação política exercida pela metrópole e dos nascimentos dos Estados Nacionais na América Latina e de forma análoga. Outras perspectivas defendem a prerrogativa de que essas análises foram marcadas por paixões políticas e ideológicas / oficialistas e ufanistas.

Para conhecer mais: PRADO, Maria Ligia Coelho. Esperança radical e desencanto conservador na Independência da América Espanhola. História, Paris, v. 22, n. 2, p. 15-34, 2003.

Tais afirmações nos levam a compreender que Hegel acreditava que uma variação temporal equivale também a uma variação de tempo no espaço, com direção própria: do Oriente para o Ocidente, ou seja, tais variações acompanham o sentido do sol. Mas o que esse pensamento traz de relevante para o pensamento político? Em outras palavras, a perspectiva de que a civilização, ao alcançar seu estágio maior de maturidade no continente europeu, deverá iniciar sua próxima fase de desenvolvimento na América, que, no século XIX,

Figura 4 - Georg Wilhelm Friedrich Hegel por Jakob Schlesinger, 1831.

Fonte SCHLESINGER, 1831. SCHLESINGER, Jakob. Bildnis des Philosophen Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Berlin 1831. Disponível em: < http://it.wikipedia.org/wiki/File:Hegel_portrait_by_Schlesinger_1831.

jpg>. Acesso em 24/08/2011.

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passava por processos de independência colonial, ganhando, dessa forma, uma previsão hegeliana de que esse espaço seria o seguinte destinatário do rápido “progresso econômico e demográfico”, em quase uma ação de profetizar, como afirma Bobbio (1988, p. 146), que a América “é o continente do futuro”, “para o qual se inclinará o interesse da história universal, nos tempos futuros...”.

Não podemos esquecer-nos da influência do pensamento de Montesquieu que, sobretudo, transpõe a idealização geográfica do desenvolvimento histórico e que se estabelece principalmente na definição da teoria hegeliana sobre as formas de governo, elemento central da história do pensamento político. Para Hegel, a tipologia das formas de governo e sua sucessão são marcadas ao longo da história por três modelos: o despotismo (oriental – era infantil da história), a república (antiga) e a monarquia (moderna). Ademais, Hegel trabalhou com o conceito de Constituição entendido como “a porta pela qual o momento abstrato do Estado penetra na vida e na realidade”, ou seja, o que define a transição da “ideia abstrata de Estado à sua forma concreta e histórica” é a “diferença entre quem governa e quem é governado”. (BOBBIO, 1988, p. 147) Tal prerrogativa fica mais clara por meio do trecho a seguir:

Com razão, portanto, as constituições têm sido classificadas

universalmente nas categorias de monarquia, aristocracia e

democracia. É preciso, porém observar, em primeiro lugar,

que a própria monarquia pode ser distinguida em despotismo

e em monarquia como tal [...]. (HEGEL, 1817 apud BOBBIO,

1988, p.147).

Logo após defender a divisão entre os conceitos de monarquia e de despotismo que derivam do mesmo gênero, Hegel (1817 apud BOBBIO, 1988) analisa, à luz da concepção de liberdade e de como ela é estendida à sociedade, o lugar de tais constituições na história universal:

A história universal é o processo mediante o qual se dá a

educação do homem, que passa da fase desenfreada da

vontade natural à universal, e à liberdade subjetiva. O Oriente

sabia e sabe que um só é livre; o mundo grego e romano,

que alguns são livres; o mundo germânico, que todos são

livres. Por isso, a primeira forma que encontramos na história

universal é o despotismo, a segunda é a democracia e a

aristocracia, a terceira é a monarquia.

Ao interpretar o comentário hegeliano, percebemos que o autor se remete às distinções das constituições por meio de como a forma de governo irá se apresentar na totalidade da vida do Estado. Na primeira forma, encontramos as seguintes características: primeiro, a totalidade do Estado não sofreu evolução e suas representações peculiares não atingiram o status de autonomia; na segunda, tais representações e com elas os sujeitos, se transformam em seres livres; e finalmente, na terceira, o espaço em que os indivíduos são livres efetivamente e adotam um modo de produção voltado à universalização.

Ao estabelecer analogias com as considerações elaboradas anteriormente neste capítulo quando da comparação hegeliana acerca das três fases da Terra e de sua evolução civilizatória, podemos afirmar que visualizamos, em cada Estado, os tipos de reino, quais sejam: patriarcal, pacífico e guerreiro, como justifica Bobbio (1988, p. 148):

Esta primeira manifestação (patriarcal) do Estado é despótica

e instintiva. Mas, mesmo na obediência e na violência, no

medo de um dominador, ela é já um complexo da vontade.

Mas tarde se manifesta a particularidade: são aristocratas,

esferas singulares, órgãos democráticos, indivíduos que

dominam. Nesses indivíduos se cristaliza uma aristocracia

acidental, e ela se transforma em novo reino, em monarquia.

O fim, portanto, é a sujeição dessas particularidades a um

FIGURA 5. Simón Bolívar, libertador de seis países latino-americanos: Bolívia, Colômbia, Equador, Panamá, Peru e Venezuela.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Engels. Acesso em 24/08/2011.

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poder tal que fora dele necessariamente as diversas esferas

tenham sua autonomia – é o monárquico. É preciso distinguir,

assim, entre um primeiro e um segundo tipo de poder real.

O Quadro 2, a seguir, ilustra de forma resumida a explicação das formas históricas de constituição hegeliana:

Quadro 2 - Formas Históricas de Constituição Hegeliana.

Formas históricas de Constituição

Categorias Políticas Contexto Formas de Sociedade

Reino Patriarcal Despotismo Violência, Medo e Dominação Indiferenciada e inarticulada. As esferas privadas próprias a uma sociedade evoluída (ordens, classes ou grupos) ainda não se elevaram a partir da unidade inicial (como acontece na família, um todo que ainda não se compõe de partes relativamente autônomas).

Estado Livre República Aristocrática e Democrática

Liberdade com características particulares e não genéricas

Surgimento das esferas particulares, mas que ainda não alcançaram a dimensão total de autonomia, caracterizando-se pela unidade desagregada e não recomposta.

Definida pela negação das condições patriarcal e despótica

Monarquia O rei governa uma sociedade articulada em representações relativamente autônomas.Pode ser definida como Monarquia Moderna ou Constitucional.

Recomposição da unidade por meio da articulação das diferentes partes: identificamos nesse quadro a unidade e diferenciação em que a primeira é compatível com a liberdade das partes. A autonomia é elemento condicionante para sua funcionalidade.

Fonte: Adaptado de Bobbio (1988).

“O sistema Hegeliano” será retomado por Bobbio (1988) ao debater a categoria de sociedade civil contida na última fase de seu pensamento, nas Lições de Filosofia da História, de 1821. Neste sentido, Hegel propõe, no momento intermediário da eticidade (conceito do Direito aplicado à ética) posto entre a família e o Estado, o esquema triádico que se contrapõe aos dois modelos diádicos: o Aristotélico – família/Estado (societas domestica/societas civilis, civilis de civitas, correspondente a politikós, de polis); e o jusnaturalista – estado da natureza/estado civil.

Bobbio (1988) ainda ressalta que alguns estudiosos chegaram a considerar que, na construção da seção dedicada à sociedade civil, esta foi concebida como uma espécie de categoria residual. Tentando esclarecer a concepção da sociedade civil em Hegel, Bobbio (1988, p. 155) assegura que a

[...] sociedade civil hegeliana representa o primeiro momento

de formação do Estado, o Estado jurídico-administrativo

que tinha como tarefa regular relações externas, enquanto

o Estado propriamente dito representa o momento ético-

político, cuja tarefa é realizar a adesão íntima do cidadão à

totalidade de que faz parte, tanto que poderia ser chamado de

Estado interno ou interior.

Em outras palavras,

Mais que uma sucessão entre fase pré-estatal e fase estatal

de eticidade, a distinção hegeliana entre sociedade civil e

Estado representa a distinção entre um Estado inferior e um

superior. Enquanto o último é caracterizado pelos poderes

constitucionais, o primeiro opera através de dois poderes

jurídicos subordinados – o poder judiciário e o poder

administrativo. [...] as categorias hegelianas têm sempre,

além de uma função sistemática, também uma dimensão

histórica: são ao mesmo tempo partes interligadas de uma

concepção global da realidade e figuras históricas. (BOBBIO,

2005, p. 32)

No entanto, para Hegel, a sociedade civil não compreende mais o Estado na sua globalidade, mas apenas um momento no processo de formação do Estado. Hegel restabelece plenamente a distinção entre Estado e sociedade civil, mas põe o Estado como fundamento da sociedade civil e da família, é o Estado que funda o povo em oposição à concepção democrática. É o Estado que triunfa sobre a sociedade civil, absorvendo-a, em clara oposição a Rousseau. Para ele, o Estado é personificado pelo monarca, havendo uma continuidade com o velho absolutismo, amenizado pela visão da monarquia constitucional. Finalmente,

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Hegel propõe o Estado neutro e racional – uma entidade racional em si mesma à qual a sociedade civil estaria subordinada. Contrário a Rousseau, que propõe o Estado liberal e o contrato social, Hegel não acredita que o Estado nasça de um simples contrato social, mas de um longo processo histórico em que os interesses de classe são fundamentais.

3.2 O ESTADO COMO INSTITUIÇÃO: UMA LEITURA DAS “OBRAS HISTÓRICAS” DE KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS

Contemporâneos do Hegel, Marx e Engels (1848), ao contrário das ideias hegelianas que se preocuparam em teorizar sobre a tipologia das formas de governo por meio de revisão de clássicos, Marx, mais do que Engels, nunca se preocupou em debater tal tipologia, mas sim em construir o que ele denominou de “crítica da política” (MARX; ENGELS, 1848, p. 3), apropriando-se da derivação da expressão sociedade civil hegeliana como tema inexoravelmente ligado ao Estado ou ao sistema político. Assim, Marx, redefinindo Hegel, fez da sociedade civil o lugar das relações econômicas, ou seja, das relações que constituem “a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política” e, por isso, sua anatomia deveria ser buscada na economia política. A sociedade civil seria o conjunto de relações interindividuais (entre indivíduos) que estão fora, ou antes, do Estado e desta forma pré-estatal, assim como os escritores do direito natural.

Entretanto, Bobbio ressalta que, na tradição jusnaturalista, a sociedade civil se identifica com o próprio Estado, ou seja, a entidade antitética ao estado de natureza. Para o autor, a transposição do significado da expressão “estado da natureza” para a tradicionalmente a ela contraposta “sociedade civil” se configura quando o significado desta se refere à sociedade burguesa, tendo por sujeito histórico a burguesia, classe que se emancipou do Estado absolutista e colocou em oposição ao Estado tradicional os direitos do homem e do cidadão. Esquematicamente, pode-se representar, de um lado, a tradição jusnaturalista, um estado de natureza hipotético (sociedade natural versus sociedade civil); do outro lado, Marx – estado da realidade histórica da sociedade burguesa – sociedade civil versus Estado. Em comum, identificamos a figura do homem egoísta como sujeito.

Marx e Engels (1848) optaram por analisar o conceito de Estado por meio do desenvolvimento da concepção liberal e democrática-burguesa de tal elemento. Marx e Engels consideravam o Estado moderno, a maior organização política que a humanidade conhece unitário dotado de um poder próprio independente de quaisquer outros poderes. Tal poder é exercido sobre um território e um conjunto demográfico. Três características diferem esse Estado dos Estados do passado:

1) Plena soberania, que não permite que sua

FIGURA 6. Karl Heinrich Marx. Autor desconhecido.

Fonte: WIKIPÉDIA, 2006.24/08/2011.

Figura 7. Friedrich Engels em selo da União Soviética, 1970.

Fonte: WIKIPÉDIA, 2011.

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autoridade dependa de nenhuma outra autoridade; 2) Distinção entre Estado e sociedade civil;3) Identificação absoluta entre o Estado e o monarca.

A essência do pensamento de Marx (1848) reside no fato de que O Estado compreende dois aspectos distintos analiticamente e situados em níveis diferentes de abstração: ele é, de um ponto de vista mais geral e abstrato, uma estrutura de poder que concentra, resume e põe em movimento a força política da classe dominante. A teoria marxista da política implica, portanto, numa rejeição categórica de uma determinada concepção, segundo a qual o Estado seria o agente da “sociedade como um todo” e do “interesse nacional”. Bobbio (1988) traz alguns elementos centrais para o debate acerca da “teoria marxista do Estado”:

1) Bobbio chamou a atenção para a ausência, no interior do pensamento político de Marx, de um tratamento mais aprofundado do “problema das instituições”;

2) Ao insistir na natureza de classe do poder de Estado, os clássicos do marxismo não tematizaram os diversos “modos” pelos quais esse poder pode ser exercido;

3) Essa forma de abordagem teve repercussões negativas sobre sua “teoria das formas de governo”, já que eles sempre estiveram preocupados com o “quem” da dominação política e não com o “como”: numa sociedade dividida e estratificada em classes, o governo, qualquer governo, sob qualquer “forma” (seja “democrática”, seja “ditatorial”), estaria sempre voltado a cumprir os interesses gerais da classe dominante.

Segundo Bobbio (1988), os atrasos, lacunas e contradições da ciência política marxista, nesse particular, tornaram mesmo difícil o desenvolvimento de uma reflexão mais articulada a respeito da forma de organização do Estado socialista − a “ditadura do proletariado” − e de suas instituições específicas. Ao contrário, o que se pode encontrar nas suas obras principais são:

1) Ou conceitos no “estado prático”, isto é, presentes em toda argumentação mas não teoricamente elaborados (pois foram pensados para dirigir a atividade política

revolucionária numa conjuntura concreta); 2) Ou elementos de conhecimento teórico da práxis

política e da superestrutura do Estado não inseridos, entretanto, num discurso ordenado;

3) Ou, ainda, uma concepção implícita do lugar e da função da estrutura política na problemática marxista − mas não um tratamento “orgânico” do problema do Estado.

Isso, contudo, não impediu que, a partir do conjunto dos trabalhos de Marx − sejam os textos sobre a economia capitalista, os textos de luta ideológica ou os textos políticos propriamente ditos (de análise ou de combate) − se pudesse elaborar e construir uma “teoria do Estado capitalista”. Bobbio (1988, p. 164) discorre sobre a concepção negativa do Estado em Marx fundamentada em dois elementos:

a) Consideração do Estado como pura e simples superestrutura

que reflete o estado das relações sociais determinadas pela

base econômica;

b) A identificação do Estado como aparelho de que se serve

a classe dominante para manter seu domínio, motivo pelo

qual o fim do Estado não é um fim nobre, como a justiça,

a liberdade ou o bem-estar, mas pura e simplesmente o

interesse específico de uma parte da sociedade; não é o bem

comum, mas o bem da classe dominante, o bem particular

de quem governa - o que, como vimos, fez com que se

considerasse sempre o Estado que o manifesta como uma

forma corrompida.

Para Marx, a sociedade política, o Estado, é expressão da sociedade civil, isto é, das relações de produção nelas instalada, em contraposição à Hegel, afirma que é a sociedade civil, entendida como o conjunto das relações econômicas, que explica o surgimento do Estado, seu caráter, a natureza de suas leis, e assim sucessivamente.

A sociedade civil vive no quadro de um Estado determinado, à medida que ele garante aquelas relações econômicas. Falta a Marx uma elaboração orgânica do problema do Estado, enquanto Engels mostra a conexão histórica entre família, propriedade e Estado, identificando a origem do Estado, partindo do conhecimento do Estado capitalista para buscar sua origem e gênese. A formação da sociedade e da família são duas coisas que marcham juntas. Na sociedade originária, a propriedade privada era

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inexistente e a descendência era por linha materna, ela surge em decorrência da caça e da criação de gado. A partir daí forma-se a propriedade privada, o patriarcado e a subordinação da mulher.

INDICAÇÃO DE LEITURA

ENGELS, F. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. São Paulo: Expressão, 2010.

Com o desenvolvimento da economia, surgem diferenciações econômicas, de classes, na descendência familiar, então a família entra em crise e surge a organização do Estado, o qual tende a dominar a sociedade. O Estado torna-se uma necessidade a partir de um determinado grau de desenvolvimento econômico, ligado à divisão da sociedade em classes, quando ocorre a diferenciação dos homens nas relações de produção.

O Estado é a expressão da dominação de uma classe, regulando juridicamente a luta de classes. Ele nasce da sociedade, das classes, sendo a expressão da luta de classes e da dominação de uma delas, tornando-se sempre mais estranho para a sociedade. A contribuição maior de Engels foi desvendar a natureza de classes do Estado, mas ainda falta uma análise específica à sua obra.

Marx observa que, apesar da existência de leis econômicas gerais que devem ser levadas em consideração, elas não explicam por si sós nenhum sistema econômico determinado; que existem preceitos comuns a todos os níveis de produção, apenas abstrações, que não explicam nenhuma etapa histórica concreta da produção. Marx adver te que é preciso cuidado com as leis gerais e identificar leis específicas, advertência essa que é válida também para a teoria do Estado.

Mesmo com a afirmação de que o Estado é a expressão da dominação da classe economicamente mais forte sobre a sociedade, falta ainda um estudo orgânico do Estado burguês. Na sociedade feudal, por exemplo, existia uma correlação entre posição econômica e política, não havendo, por tanto, a distinção entre sociedade civil e sociedade política.

Numa democracia burguesa, em termos jurídicos, todos os cidadãos são iguais, o que Marx refuta como

sendo uma abstração, uma vez que a diversidade substancial é a diversidade nas relações de produção, o cidadão é uma hipótese jurídica. Faz-se necessário, após uma revolução política, proceder-se a outra, visando o estabelecimento da igualdade econômico-social, e passar do cidadão ao companheiro.

Para a classe operária a conquista da democracia passa pela sua elevação à classe dominante, arrancando, gradualmente, das mãos da burguesia todo o capital e concentrando-o nas mãos do Estado, e quando essas diferenças de classes tiverem desaparecido e a propriedade dos meios de produção estiver concentrada nas mãos da comunidade, o poder político perderá seu caráter político. O Estado extingue-se já que é o poder organizado de uma classe para oprimir outra. Com a destruição das condições dos antagonismos de classe e com a socialização dos meios de produção, elimina-se a razão última de existência do Estado, e será alcançada a liberdade plena e o pleno desenvolvimento da personalidade.

INDICAÇÃO DE LEITURA

Trabalhos de pesquisadores brasileiros sobre a teoria marxista.

CERQUEIRA, Hugo E. A. da Gama. David Riazanov e a edição das obras de Marx e Engels. Belo Horizonte: Cedeplar/UFMG, 2009.PAULA, João Antonio de. O “Outubro” de Marx. Nova Economia, v. 18, 2008.VAISMAN, Ester. Marx e a Filosofia: elementos para a discussão ainda necessária. Nova Economia, v. 16, 2006.BORGES NETO, João Machado. As várias dimensões da lei do valor. Nova Economia, v. 14, 2004.SECCO, Lincoln. Notas para a história editorial de O Capital. Revista Novos Rumos, v. 37, 2002.PAULA, João Antonio de. A dialética valores e preços. Revista de Economia Política, v. 20, 2000.SAAD FILHO, Alfredo. Re-reading both Hegel and Marx: the “new dialectics” and the method of capital. Revista de Economia Política, v. 17, 1997.PAULANI, Leda Maria. Sobre dinheiro e valor: uma crítica as posições de Brunhoff e Mollo. Revista de Economia Política, v. 14, 1994.MOLLO, Maria de Lourdes Rollemberg.Valor e moeda em Marx: crítica da crítica. Revista de Economia Política, v. 13, 1993.MOLLO, Maria de Lourdes Rollemberg. A relação entre moeda e valor em Marx. Revista de Economia Política, v. 11, 1991.PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Tendência declinante da taxa de lucro e progresso técnico. Revista de Economia Política, v. 6, 1986.

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Até ser alcançado o estágio acima, deve-se atravessar uma fase de transição dirigida pelo poder estatal do proletariado. Marx salienta que, apesar da derrota do proletariado na França em 1848, o caráter de classe do Estado burguês capitalista que emergiu foi desmascarado, passando o poder político do Estado moderno a ser um comitê para administrar os negócios comuns da classe burguesa. O Estado burguês era uma ditadura que deveria sofrer a oposição de outra, a ditadura revolucionária. A noção de ditadura revolucionária provê a própria burguesia, como resultado de suas revoluções burguesas que foram sempre sucedidas de uma ditadura.

A novidade em Marx foi afirmar que as classes não existiram desde sempre, que a luta entre elas conduz à ditadura do proletariado e que esta é uma fase transitória para uma sociedade sem classes.

3.3 O INDIVIDUALISMO COMO FETICHE PARA UM DEBATE SOBRE O LIBERALISMO E O SOCIALISMO POR CAMINHOS ADVERSOS

A Revolução Industrial, juntamente com o liberalismo econômico e com a planificação totalitária socialista, vem de encontro com o fomento da acumulação de capital fixo na Europa e na Inglaterra, trazendo consigo consequências do ponto de vista social, de caráter laborioso e degradante para maioria da população que estava em condições de trabalhadores assalariados. Para Maurice Niveau (1986, p. 131),

Ninguém precisa ser ‘marxista’ para pintar o quadro dos

sofrimentos suportados pelo povo nas primeiras fases da

industrialização capitalista. Evocar a miséria operária no fim

do século XVIII e no princípio do XIX - ou mesmo mais tarde -

transformou-se em lugar comum.

Ainda nos remetendo a Niveau, pode-se afirmar que a miséria corporificou-se nas representações concretas do dia a dia no trabalho feminino e infantil, nas condições de trabalho, no movimento operário que irá originar a formação dos sindicatos e nos direitos do trabalho que se tornam objetos de legitimação dos movimentos sociais, sejam eles espontâneos ou organizados em sua estrutura, eclodidos na Europa, a citar o ludismo e o cartismo.

Dentre os aspectos que podem ser levantados no interior do conjunto de consequências da industrialização, o confronto estabelecido entre o fetiche do individualismo burguês e do operariado abre espaço para uma discussão sobre a repressão da ação individual sobre o outro, a supressão de um individualismo por outro significando e também a transformação na vida cotidiana de cada classe e de suas contradições.

VOCÊ SABIA?

O Liberalismo é talvez a mais complexa das ideologias que trabalha com as suposições de individualismo, tolerância e progresso. De forma simples, o liberalismo se define pela ideologia do bem-estar e liberdade individual. Em um contexto econômico, o liberalismo é visto como ideologia do capitalismo, em que a propriedade privada tende a figurar, de forma preeminente, no panteão liberal dos valores. Segundo o professor de política Andrew Vincent (1987, p. 33),

O emprego mais antigo da palavra liberal denota um tipo de educação. Desde a Idade Média, ela implica duas coisas: primeiro, uma educação ampla e abrangente; segundo, a educação de um cavalheiro e de um homem livre (líber). O primeiro sentido não se perdeu, embora pareça cair periodicamente em desgraça nos círculos educacionais e políticos. A noção de educação liberal está, atualmente, fortemente ligada às disciplinas das humanidades. A partir do fim do século XVI, surgiu outro sentido que era oprobrioso, isto é, liberal implicava libertinagem. Em Otelo, de William Shakespeare (1603), quando Desdêmona se refere a Iago como o conselheiro mais profano e liberal é de se supor que não o estivesse elogiando. Esse sentido oprobrioso, mas injurioso, de liberal continua em uso atualmente.

VINCENT, Andrew. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

Michael Löwy (1998), em As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen, dedica um capítulo de sua obra ao marxismo historicista (corrente metodológica no seio do pensamento marxista que se distingue pela importância central atribuída à historicidade – dialeticamente concebida – dos fatos sociais e pela disposição em aplicar o materialismo histórico a si mesma), fazendo uma análise do pensamento de Lucáks, que trabalha com possibilidades cognitivas distintas entre burguesia e proletariado.

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O conhecimento social está relacionado com a consciência de classe de uma específica camada da sociedade; a ambiguidade da ideologia burguesa é sustentada pelos problemas e divergências que nascem em sua estrutura e passam a extrapolar o domínio capitalista, a exemplo das crises em seu desenvolvimento. Com isso, a burguesia limita seu conhecimento aos fatos econômicos decorrentes de seu próprio sistema e afirma sua posição contraditória ao fazê-lo:

O ideal epistemológico das ciências da natureza que, aplicado

à natureza, não faz senão servir ao progresso da ciência

aparece, quando é aplicado à evolução da sociedade, como

um instrumento de combate da burguesia. Para esta última é

uma questão vital ... conceber sua própria ordem de produção

como constituída por categorias válidas de uma maneira

intemporal e destinadas a existir eternamente graças às leis

eternas da natureza e da razão... (LUCÁKS, 1962 apud LÖWY,

1998, p. 129)

VOCÊ SABIA?

Löwy estabeleceu uma metáfora com um dos grandes personagens do século XVIII: Karl Friedrich Hieronymus von Münchhausen, militar e senhor rural alemão que ficou conhecido pelos relatos de suas aventuras, compiladas por Rudolph Erich Raspe e publicadas em Londres em 1785. São histórias fantásticas que estão no limiar entre realidade e fantasia. O Barão de Münchhausen atolado num pântano, com seu cavalo, e vendo que não contava com a ajuda de ninguém para salvá-lo, o barão agarrou seus próprios cabelos e, por meio deles, puxou-se para cima, saiu da lama, trazendo também seu cavalo, entre as pernas, tirando-o do atoleiro. Tal metáfora retrata a tentativa dos positivistas de fundar a sociologia do conhecimento sobre fatos e dados, de tratar as realidades humanas com a mesma objetividade e isenção na observação das coisas.

A metodologia de Lukács fundamenta-se na teoria de cognição (entendida como a função da inteligência ao adquirir conhecimento) das classes. Para Löwy (1998, p. 129), essa teoria é talvez “inovadora [...], por esboçar uma sociologia (historicista) diferencial do conhecimento”. Sua metodologia (Lukács) limita-se simplesmente às ciências da sociedade e, sendo assim, plausíveis para a discussão presente. Tomaremos como empréstimo o pensamento de Lukács, firmado na capacidade de compreensão intelectual burguesa e proletariada para guiar as considerações aqui feitas.

A dialética marxista presume que o entendimento da realidade depende do ponto de vista, da dimensão que o proletariado vislumbra sobre a prática de lutas.

Ciência e consciência coincidem para o proletariado porque

ele é, ao mesmo tempo, o sujeito e o objeto do conhecimento:

o conhecimento de si significa ao mesmo tempo o

conhecimento correto de toda a sociedade. (LUKÁCS, 1962

apud LÖWY, 1998, p. 130)

Lukács vai mais longe: a luta de classes precisa ser sentida sob os elementos históricos que afetam todos; só assim a consciência torna-se racional e objetiva dentro do contexto social. Conclui-se, por conseguinte, que o conhecimento cognitivo do operariado é maior por ser construído a partir de uma questão de sobrevivência. A cognição do grupo social irá, portanto, influenciar suas decisões e fomentar o desejo presente no fetichismo das relações sociais.

O fetiche burguês caminha lado a lado com as desigualdades econômicas e sociais refletidas nas condições de sobrevivência, delineando seu contorno no conflito de interesses incompatíveis da burguesia e do proletariado:

Toda riqueza, na sociedade civilizada, é o produto da indústria

humana. Ser rico é essencialmente possuir uma carta patente

que autoriza um homem a dispor do produto da indústria

Figura 8 - Retrato do Barão de Münchhausen

Fonte: BRUCKNER, 1752. BRUCKNER, G. Portrait of Karl Friedrich Hieronymus Freiherr von Münchhausen. 1752. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bruckner_-_M%C3%BCnchhausen.jpg>.

Acesso em: 24 ago. 2011.

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de outro homem [...]. A parte dominante e governante da

comunidade é como o leão que caça com os animais mais

fracos [...]. Qualquer homem pode calcular, em cada copo de

vinho que bebe, em cada ornamento que põe em sua pessoa,

quantos indivíduos foram condenados à escravidão e ao suor,

a uma incessante labuta, a uma insuficiente alimentação, a

um trabalho sem tréguas, a uma deplorável ignorância e a

uma brutal insensibilidade, para que ele tenha esses objetos

de luxo [...]. (GODWIN apud BEAUD, 1987, p. 125-126)

Tomando como empréstimo o pensamento de Niveau (1986), a lógica social do processo de acumulação capitalista se torna clara pelas relações de atuação da burguesia, que opta por submeter os trabalhadores (salvo lembrar que estamos falando da maior parte da população) a um regimento de escassez e aumento do montante capital dos empregadores em detrimento do bem-estar coletivo.

De fato, foi precisamente essa desigualdade na distribuição

da riqueza que possibilitou a vasta acumulação de capital

fixo e o progresso técnico que marcaram a época. Está aí a

justificação essencial do regime capitalista. (KEYNES, 1951

apud NIVEAU, 1986, p. 135)

Eric Hobsbawm (1995), em A Era do Capital: 1848-1875, abre seu trabalho com um resumo das revoluções que acometeram o século XIX e o delimita para sua análise segundo o próprio título. O ano de 1848 é, para o autor, um marco das muitas agitações nacionais que perfizeram um cenário político europeu. O período anterior a 1848 foi caracterizado por turbulências sociais em favor das nacionalidades e, de modo geral, nas primeiras décadas, os movimentos possuíam caráter liberal. 1830 inicia o levante de movimentos ligados aos ideais democráticos, lutando por liberdade e, em alguns casos, pela soberania popular. As revoluções de 1848 vêm reunir esses ideais. No entanto, a sua rápida derrota provocada em parte pela imaturidade e espontaneidade de sua organização termina por separar o aspecto de nacionalismo dos ideais democráticos. Apesar disso, “[...] 1848 foi a primeira revolução potencialmente global, cuja influencia direta pode ser detectada na insurreição de 1848 em Pernambuco e poucos anos depois na remota Colômbia”. (HOBSBAWM, 1995, p. 30)

O movimento car tista inglês (primeira grande organização política operária) de 1840 define-se como popular e independente, talvez o seu maior mérito,

de acordo com George Rudé (1991). A diversidade e as contradições deixaram registradas no movimento reformista as atitudes de projeção do passado no presente. Tal projeção se fazia como resposta à fome, à absurda e desumana jornada de trabalho e aos altos preços dos alimentos que assombravam como fantasmas a Grã-Bretanha industrial. Rudé (1991, p. 196), designa a Carta como “[...] antes um meio do que um fim: o meio de encher barrigas famintas e reparar males sociais, como a Lei dos Pobres [...]”. Em contrapartida, essa arma fermentada pela insatisfação popular ganha um contorno

[...] rico e multifacetado , herdeiro de uma tradição política

radical [...]. Como tal, voltava-se tanto para as realidades do

passado como para as do presente em busca de soluções,

e suas formas de ação e expressão, como seus lideres

e os divergentes elementos sociais que o compunham,

combinavam o velho e o novo. (RUDÉ, 1991, p. 200)

Apesar de atingir os objetivos específicos em geral, tal movimento não alcançou posição na lista dos movimentos revolucionários, seja na práxis ou teoria.

As revoluções de 1848 deixaram claro que a classe média,

liberalismo, democracia política, nacionalismo e mesmo as

classes trabalhadoras eram, daquele momento em diante,

presenças permanentes no panorama político (HOBSBAWM,

1995, p. 46).

O Manifesto do Partido Comunista germinou num contexto preparado pelas experiências e resultados dos movimentos nacionalistas e sociais que precedem o ano de 1848.

O documento de 1848 parece, aos olhos do leitor do século XIX, um convite à classe assalariada para reagir, transformar sua história, a história de todos pela revolução, e extinguir a propriedade privada: “a mudança histórica mediante a práxis social, mediante a ação coletiva, está no seu cerne” (HOBSBAWM, 2003, p. 308).

Karl Marx e Friedrich Engels enfatizam o caráter democrático e livre que precisa caracterizar as relações sociais permitida apenas pela supremacia do proletariado, que

[...] fará com que tais demarcações e antagonismos

desapareçam ainda mais depressa. A ação comum do

proletariado, pelo menos nos países civilizados, é uma

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das primeiras condições para sua emancipação. Suprimi

a exploração do homem pelo homem e tereis suprimido

exploração de uma nação por outra. (MARX; ENGELS, 1848,

p. 16

O conceito de partido no Manifesto se aproxima, para Hobsbawm (2003, p. 299), quando se remete a

[...] essencialmente uma tendência ou corrente de opinião

ou política, embora Marx e Engels reconhecessem que

quando essa corrente encontrava em movimento de classe,

desenvolvia algum tipo de organização.

Ainda com a comunicação acima, essa análise possibilita uma alusão aos partidos cartistas ingleses e ao movimento agrário norte-americano. A burguesia via-se cada vez mais fascinada com os resultados do progresso industrial e arrastava consor te o desenvolvimento científico e tecnológico do período, não só em relação à pesquisa aplicada, mas também aos ousados avanços no campo do conhecimento, proeminentes da aquisição cada vez maior do capital industrial.

Já em meados do século XIX, era possível constatar que a ciência nunca fora tão vitoriosa, o conhecimento nunca fora tão difundido. Mais de 4.000 jornais informavam os cidadãos do mundo, e o número de livros publicados anualmente na Grã-Bretanha, França, Alemanha e Estados Unidos chegava à casa do milhar. Desenvolvera-se a lâmpada a gás, em substituição à iluminação a óleo, criada a partir de grandes laboratórios conhecidos como fábricas de gás, e que logo estaria iluminado as indústrias e cidades da Europa.

Já se planejava ligar a Inglaterra e a França através de um telégrafo submarino; o navio a vapor desenvolvido por Rober t Fulton (inventor e engenheiro nor te-americano que ficou conhecido por suas investigações sobre submarinos no século XIX) substituíra o navio à vela, e foram criados serviços regulares entre a Europa e os demais continentes. Milhares de pessoas utilizaram as ferrovias no Reino Unido no ano de 1845; nos Estados Unidos, em 1850, já estavam instalados aproximadamente nove mil milhas de trilhos, servindo o trem como instrumento de integração regional.

A partir de 1840, com o início da Segunda Revolução Industrial, a ciência passou a se beneficiar dos estímulos e desenvolvimento da fase anterior, estando voltada a essa altura para auxiliar o desenvolvimento econômico.

As inovações científicas serviam de apoio para a continuação da Revolução Industrial, e esta, por sua vez, ajudava a consolidar o processo de acumulação capitalista. (BERNAL, 1971)

Uma observação sobre a distribuição e acessibilidade igualitária desses recursos à grande fatia da população dispensa comentários, pois a burguesia não estava disposta a renunciar à posição hegemônica e privilegiada conquistada até o momento.

Par timos do pressuposto de que o fetiche do individualismo socialista trilha por estradas nas quais o homem procura sua personalidade na individualidade, no mérito de identificar suas características na sua própria essência. O homem deixaria de viver para os demais, tomando consciência de si, de seu trabalho, de sua importância. Somente assim, o indivíduo estaria preparado para conviver socialmente, repar tindo das ideias e sentimentos políticos da coletividade. A consciência do sofrimento individual, dos anseios e das necessidades físicas norteia a vitória dos trabalhadores, a luta contra a privatização, enfim, “[...] são apenas a expressão geral das condições reais de uma luta de classe existente, de um movimento histórico que se desenvolve sob os nossos olhos”. (MARXS; ENGELS, 1848, p. 18)

A grande interpretação errônea do individualismo foi construída pela propriedade privada que o tornou confuso ao determinar a condição do homem àquilo que possui; ele termina, portanto, sendo relegado à condição de mercadoria, de coisa:

A primeira vista, uma mercadoria parece uma coisa trivial

e que se compreende por si mesma. Pela nossa análise

mostramos que, pelo contrário, é uma coisa muito complexa,

cheia de subtilezas metafísicas e de argúcias teológicas.

Enquanto valor-de-uso, nada de misterioso existe nela,

quer satisfaça pelas suas propriedades as necessidades do

homem, quer as suas propriedades sejam produto do trabalho

humano. É evidente que a atividade do homem transforma as

matérias que a natureza fornece de modo a torná-las úteis.

Por exemplo, a forma da madeira é alterada, ao fazer-se dela

uma mesa. Contudo, a mesa continua a ser madeira, uma

coisa vulgar, material. Mas a partir do momento em que

surge como mercadoria, as coisas mudam completamente

de figura: transforma-se numa coisa a um tempo palpável e

impalpável. Não se limita a ter os pés no chão; face a todas as

outras mercadorias, apresenta-se, por assim dizer, de cabeça

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para baixo, e da sua cabeça de madeira saem caprichos mais

fantásticos do que se ela começasse a dançar. O caráter

místico da mercadoria não provém, pois, do seu valor-de-uso.

Não provém tão pouco dos fatores determinantes do valor.

Com efeito, em primeiro lugar, por mais variados que sejam

os trabalhos úteis ou as atividades produtivas, é uma verdade

fisiológica que eles são, antes de tudo, funções do organismo

humano e que toda a função semelhante, quaisquer que

sejam o seu conteúdo e a sua forma, é essencialmente um

dispêndio de cérebro, de nervos, de músculos, de órgãos,

de sentidos, etc., do homem. Em segundo lugar, no que

respeita àquilo que determina a grandeza do valor - isto é, a

duração daquele dispêndio ou a quantidade de trabalho -, não

se pode negar que essa quantidade de trabalho se distingue

claramente da sua qualidade. Em todas as épocas sociais,

o tempo necessário para produzir os meios de subsistência

interessou necessariamente os homens, embora de modo

desigual, de acordo com o estádio de desenvolvimento da

civilização. Enfim, desde que os homens trabalham uns para

os outros, independentemente da forma como o fazem, o seu

trabalho adquire também uma forma social. (MARX, 2002,

p. 34)

O que se esquece, o que se esconde no fetichismo da

mercadoria é que o mercado é uma criação humana e

que o valor de troca da mercadoria é resultado de trabalho

humano. Estão envolvidos, no fetichismo da mercadoria,

dois movimentos inversos de transfiguração: uma relação

originalmente social, entre pessoas, manifesta-se como

relação entre coisas; essa relação entre coisas, por sua vez,

apresenta-se como se fosse uma relação entre pessoas, uma

relação social. (SILVA, 2003, p. 82)

O fetiche se apresenta como abstração das relações de troca, quando não mais assume uma funcionalidade que lhe dê sentido, que preencha uma necessidade ou corresponda a saciação de um desejo; ele se torna sem importância ou significação. O fetiche do consumismo burguês firma sua dominação frente à deficiência cognitiva do operariado:

Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos

nacionais, nascem novas necessidades, que reclamam para

sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas e dos

climas mais diversos. (MARX; ENGELS, 1848, p. 28)

O trabalhador se percebe, quando ocorre, apenas como mero “[...] apêndice da máquina e só se requer dele a operação mais simples, mais monótona, mais

fácil de aprender”. (MARX; ENGELS, 1848, p. 29) O fetiche do individualismo para o operariado ainda era uma vislumbração futura; o do burguês já se achava assentado no consumo, no acúmulo de riquezas. Ao trabalhador, bastava a certeza da sobrevivência, conforme trecho colhido de um dos relatórios médicos da cidade de Nantes acerca do trabalhador:

[...] viver, para ele, é não morrer. Além do pedaço de pão que

deve alimentá-lo e a sua família, além da garrafa de vinho que

deve lhe tirar a consciência de suas dores por um instante, ele

nada pretende nada espera [...]. O proletário entra no quarto

miserável onde o vento assobia através das frestas; e após ter

suado no trabalho depois de uma jornada de catorze horas,

ele não mudava de roupa ao voltar para casa porque não tinha

outra. (GUÉPIN apud BEAUD, 1987, p. 153)

O século XIX se desenvolvia, ao mesmo tempo, entre o confor to instruído burguês e a ignorância desesperada; o poder e a autonomia, o luxo e a pobreza. A filantropia torna-se lugar comum no cotidiano dos industriais; a burguesia precisa da caridade para dar abrigo ao altruísmo que lhe forma a alma; a bondade e a mendicância fascinam aqueles que precisam da miséria alheia para satisfazer e aliviar sua consciência:

O rico às vezes é benfazedor, e ele deixa seu palácio para

visitar a choupana do pobre, enfrentando a sujeira horrorosa,

a doença contagiosa e, quando ele descobre esse gozo novo,

ele fica apaixonado, saboreia-o e não pode se separar dele.

(CHATELAIN, 1979 apud BEAUD, 1987, p. 167)

SUGESTÃO DE FILME

Assista ao filme Germinal que retrata o processo de gestação e maturação de movimentos grevistas e de uma atitude mais ofensiva por parte dos trabalhadores das minas de carvão do século 19 na França em relação à exploração de seus patrões.

GERMINAL. Direção: Claude Berri. Roteiro: Émile Zola. Intérpretes: Gérard Depardieu, Renauld, Miou-Miou, Jean Carmet, Jean-Roger Milo, Judith Henr, Laurent Terzieff, Jean-Pierre Bisson, Bernard Fresson, Jacques Dacqmine, Anny Duperey. Paris: AMLF Produtora, 1993. 170 min.

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A Igreja mergulha na onda do não-reformismo e passa a repetir em missas ou cultos, a pregação da caridade e da solidariedade para aqueles mais necessitados, insuflando a permanência da desigualdade social para justificar e dar continuidade à obra de Deus.

Preocupadas em aliviar o fardo da assistência financiada por

impostos, as paróquias assinaram contratos de “aluguel”

com os fabricantes interessados no emprego de crianças, às

quais pagavam pouquíssimo. (NIVEAU, 1986, p.139)

A tomada de consciência e de resistência envolve a proposta criada pelo comunismo como uma porta aberta às melhores condições de vida, uma vida baseada na igualdade, na justiça, e por que não no individualismo? Mas não no individualismo burguês que oprime, que nega e degreda a imagem e a alma do homem, e sim no individualismo socialista, que tem por princípio “[...] abolir a individualidade burguesa, a independência burguesa, a liberdade burguesa” (MARX ; ENGELS, 1848, p. 24).

Os literatos ingleses e franceses contemporâneos a esse período se tornam reflexo do contexto histórico e assumem em alguns casos, posturas contrárias ou de apoio às ideias que florescem no seio de disputas sociais, com o propósito de registrar sua indignação ou desejos acerca de mudanças num futuro próximo:

O socialismo, o comunismo, ou como quer que chamemos

o fato de converter a propriedade privada em pública,

substituindo a competição pela colaboração, restabelecerá

a sociedade em seu verdadeiro estado de organismo são

e assegurará o bem-estar material de cada membro da

coletividade. [...] Mas para que a vida alcance seu mais alto

grau de perfeição, será preciso ainda algo mais. Será preciso

o individualismo. (WILDE, 1961, p.1166)

Em linhas gerais, a diferença crucial entre o sentimento do individualismo burguês e do operariado reside na significação e dimensão que cada grupo determina e conceitua. Os caminhos percorridos pelas ideologias burguesa e proletária se definem constantemente por escolhas opostas, por símbolos e representações incompatíveis, sendo o fetiche um elemento viabilizador para a prática e o discurso histórico, deslocando a investigação e a reflexão teórico-metodológica para uma leitura subjetiva e mais próxima da realidade cotidiana das duas classes com sua lógica social, tendo como suporte a incerteza presente no corpo do fetiche, enquanto se faz “conceito e coisa, matéria e espírito, autônomo e dependente”. (SILVA, 2003, p. 71)

Figura 9 - Émile Zola por Edouard Manet, 1868.

Fonte: MANET, 1868. MANET, E. Porträt des Émile Zola. 1868. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Edouard_Manet_049.jpg>.

Acesso em: 24 ago. 2011.

FIGURA 10 - Oscar Wilde, 1882.

Fonte: SARONY, 1882. SARONY, N. Oscar Wilde in his favourite coat. New York, 1882. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/

Ficheiro:Oscar_Wilde.jpg>. Acesso em: 24 ago. 2011.

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SUGESTÃO DE FILME

Vários romancistas europeus dedicaram suas obras à análise histórico-social dos movimentos revolucionários do século XIX. Dentre eles, destacam-se o Frances Victor Hugo e seu principal romance, Les Misérables (Os Miseráveis), de 1862. A obra denuncia a miséria econômica e social que acometia a maior classe desse período: o proletariado. O desenrolar da história gira em torno de dois grandes fatos históricos: a Batalha de Waterloo (1815) e os motins franceses de junho de 1832. Cogita-se a possibilidade de Hugo ter sofrido influência da pintura A Liberdade guiando o povo, de Eugène Delacroix (1830), artista francês contemporâneo.

Para conhecer mais, vale a pena assistir ao filme baseado na obra de Hugo, com mesmo título: OS MISERÁVEIS. Direção: Billie August. Intérpretes: Liam Neeson, Geoffrey Rush, Uma Thurman, Claire Danes. [S.l: s.n.], 1998. 131 min.

Figura 11 - Retrato de “Cosette” na pousada Thénardier por Émile Bayard, da edição original de Les Misérables, 1862.

Fonte: BAYARD, 2007. BAYARD, E. Cosette. 2007. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Ebcosette.jpg>.

Acesso em: 24 ago. 2011.

Figura 12 - A Liberdade guiando o povo - Quadro de Delacroix (1830) que provavelmente inspirou Victor Hugo.

Fonte: DELACROIX, 1830. DELACROIX, E. Liberty Leading the People. 1830. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Eug%C3%A8ne_Delacroix_-_La_libert%C3%A9_guidant_le_peuple.jpg>. Acesso em: 24 ago. 2011.

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CAPÍTULO

IDEOLOGIAS POLÍTICAS MODERNAS

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Anotações

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4 IDEOLOGIAS POLÍTICAS MODERNAS

O presente capítulo tem por objetivo debater o papel histórico-político de duas ideologias modernas e suas relações com os principais elementos políticos do Estado que há muito caracterizam a História do Pensamento Político: o Socialismo e o Anarquismo, ideologias políticas modernas que se cruzam constantemente com os conceitos de liberdade e igualdade.

4.1 SOCIALISMO: AS ORIGENS DO PENSAMENTO SOCIALISTA E AS VÁRIAS TIPOLOGIAS AO LONGO DA HISTÓRIA

Iniciaremos esta seção com uma pergunta conceitual: o que é socialismo?

A primeira consideração que temos que fazer refere-se às várias e diversas ideias que circulam ao redor desse termo tão usual e presente nas Humanidades, principalmente no rol de categorias ideológicas da História do Pensamento Político. Entretanto, as literaturas, tanto no âmbito estrangeiro quanto nacional concordam que deve haver um elemento comum entre tais opiniões. Historicamente, a palavra socialismo transita no imaginário político há mais de um século, pelo menos na França e na Inglaterra; não se sabe ao certo qual o país de origem, ainda que, aparentemente, tenha sido empregada pela primeira vez aproximadamente na segunda década do século XIX, e a partir de então ter seu uso generalizado nas descrições de algumas teorias ou mesmo de sistemas de organização social, como aponta Cole (1981).

No período citado, socialistas “eram as pessoas que defendiam essas teorias ou sistemas. Alternativamente, essas pessoas foram chamadas de owenistas ou fourieristas ou Saint-Simonianos” (COLE, 1981, p. 69), (ver quadro Saiba Mais). A etimologia da palavra “socialismo” tem raiz no latim sociare, que significa combinar ou compar tilhar. No direito romano e, posteriormente, na época medieval, o termo técnico era definido pela palavra societas, que poderia corresponder

tanto à ação de companheirismo ou camaradagem quanto à ideia legalista da efetivação de um contrato legal e consensual entre homens livres. Ao longo dos tempos, podemos encontrar outros dois sentidos diferentes para a palavra “social”: a) poderia atribuir-se a uma relação de contrato legalista formal entre os cidadãos livres e b) relativo ao modelo de relacionamento afetivo entre amigos ou camaradas. (VINCENT, 1995)

SAIBA MAIS

As expressões utilizadas comumente para designar os adeptos das categorias do socialismo têm em seus expoentes a origem de suas ideias. Os owenistas foram a categoria criada para definir os adeptos e debatedores da teoria de Robert Owen (1771-1858), escocês fundador do socialismo e do cooperativismo. Criador da colônia norte-americana socialista de New Harmony (Nova Harmonia) que se baseava no aspecto humanista para as relações trabalhistas, estabelecendo relação direta entre qualidade de vida dos trabalhadores e a produtividade da indústria.Claude-Henri de Rouvroy, mais conhecido como Conde de Saint-Simon (1760-1825) foi um teórico francês, filosofo e economista, um dos fundadores do socialismo moderno e posteriormente do socialismo utópico. Ofertou ao mundo do pensamento político a criação de um novo regime político-econômico, fundamentado no progresso científico e industrial, por meio da divisão igualitária dos interesses humanos e que os indivíduos recebessem adequadamente pelo seu trabalho.

Figura 13 - Conde de Saint-Simon

Fonte: WIKIPÉDIA, 2005.

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Alguns teóricos defendiam o pensamento de que o uso mais legalista e contratual do termo envolvia questões que se distanciavam e se diferenciavam do Estado e, dessa forma, da própria política em termos gerais. Ora, se os sujeitos estabelecem contratos e com isso assumem obrigações, reforçam dessa forma a distinção comum entre uma “sociedade” de pessoas livres para consolidar contratos e a formação de um “Estado” legal. Esse posicionamento baseado na noção de contrato é o fundamento principal da tradição liberal contratualista iniciada por John Locke e seus contemporâneos até pensadores como John Rawls, que atuou como professor de Filosofia Política e é autor de uma das obras mais impor tantes: Uma Teoria da Justiça de 1971 para interpretar o conjunto moral de nossas obrigações e a natureza da autoridade. Mas não apenas os “socialistas” fizeram uso de tal teoria: os anarquistas, a exemplo de Pierre-Joseph Proudhon, a defenderam como mecanismo de oposição ao Estado.

SAIBA MAIS

John Rawls (1921-2002), professor norte-americano de Filosofia Política durante anos na Universidade de Harvard é autor de uma das obras mais importantes do século XX na área da História do Pensamento Político. Suas ideias influenciaram os estudos e práticas de políticas públicas em vários países, assim como na área jurídica quando da sua divisão clássica do Direito em gerações e seus três grandes grupos correspondentes: 1ª Geração: Direitos Civis2ª Geração: Direitos Políticos3ª Geração: Direitos Sociais. Para o caso brasileiro, a inversão dessas gerações é considerada pelo fraco desenvolvimento político do país: primeiro, priorizamos o político, em segundo, o social e por fim, o civil. Recentemente, o ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998, com tese sobre a relação entre a teoria da decisão social e o welfare state, “estado de bem-estar social”, o economista indiano Amartya Sen lançou sua última obra em que revisita a teoria de Rawls e propõe um debate contemporâneo sobre a ideia de justiça, elemento principal da História Política: A ideia de justiça, de 2010, editorado pela Livraria Almedina. Sen se propõe a questionar se a justiça é um ideal que está muito além do nosso alcance ou se seria um elemento que, de fato, pode orientar nossas ações reais e trazer melhorias às nossas vidas, à nossa condição de sujeito. O livro ainda analisa as exigências da justiça, as formas de sua racionalidade, os materiais da justiça, assim como a argumentação pública e a democracia. Mais uma vez o pesquisador nos presenteia com uma obra-prima, principalmente para aqueles dedicados aos estudos relativos à pluralidade social e jurídica, igualdade e liberdade, Direitos Humanos e Imperativos Globais. Uma ótima leitura para nossa formação humanística! O capítulo de Introdução e o Capítulo I foram disponibilizados pela Editora Almedina no link abaixo:

SEM, Amartya. A ideia de justiça. Coimbra: Almedina, 2010. Disponível em: <http://www.almedina.net/catalog/Livros/prefacios/9789724043241introducaoecapitulo1.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2011.

Boa leitura!

Como explica Andrew Vincent (1995), o modelo contratual está, do mesmo modo, atrelado às oposições entre a revolução política e social, desde o início do período oitocentista. Vejamos o que Vincent (1995, p. 93) relata como exemplo dessas oposições:

Alguns autores afirmaram que o fracasso da Revolução

Francesa, assim como seu colapso na ditadura napoleônica,

deveu-se ao fato de ela ter sido apenas uma revolução política

no nível do aparelho de Estado. Não foi uma revolução social

Figura 14 - Estatua de Robert Owen, Manchester, 2005.

Fonte: WIKIPÉDIA, 2005.

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(no sentido socialista) das pessoas e de suas atitudes de

modos de existência. Essa foi basicamente a interpretação

de Marx da revolução como um ato da política burguesa. Tal

crítica, com muitos outros adendos, tem persistido, no século

XX, nas avaliações socialistas e anarquistas da revolução.

O conceito de “sociedade civil”, por exemplo, também com raiz no pensamento contratual, tem sua aplicação inicial pela economia política européia, mais precisamente em escolas ideológicas, como o liberalismo clássico. No entanto, há que se afirmar que tal noção provocou fortes influências, tanto no socialismo quanto no anarquismo. Podemos citar a concepção de sociedade do anarquista Proudhon: suas ideias estavam fortemente firmadas nos princípios contratualistas; contudo, em termos gerais, a sociedade civil se transformou em elemento de oposição ao significado da palavra social, ou seja, enveredou na contramão do companheirismo e da comunidade.

Em outras palavras, a sociedade, como instituição e em condições de companheirismo sofreu contraste com a negação do individualismo (incorporado por apenas um sentido da sociedade civil). Atualmente, a “distinção é mais bem reconhecida sob a rubrica de oposição entre socialismo e individualismo, ou coletivismo versus individualismo” (VINCENT, 1995, p. 94), aspecto que se tornou popular na Europa desde os 1800, como vimos no capítulo 3.

Mas é possível ainda estabelecer outras implicações para o uso dessa palavra como companheirismo e comunidade: identifica-se a associação da mesma com a ideia de populus (povo soberano). Essa concepção trabalha na perspectiva de que, se identificássemos a sociedade como sendo toda a comunidade, poderíamos considerá-la como sendo algo legítimo e equivalente ao povo. Nesse sentido, como explica Vincent (1995, p. 94):

[...] vontade social podia implicar vontade geral ou popular.

Posse social era posse pelo povo. Propriedade socializada

era propriedade possuída pelo povo. A previdência social

ou a medicina socializada estaria disponível para todas as

pessoas. A participação social no governo era participação

popular.

A par tir dessa prerrogativa, percebe-se que o conceito de social viria a ser definitivamente relacionado às concepções de democracia e soberania popular. Ademais, como, na maioria das vezes, se atribuiu um

sentido moral à vontade popular democrática, a palavra social passou da mesma forma a assumir um caráter moral.

Apesar de possuir definições bem delimitadas, o socialismo vem mantendo analogias bastante diversificadas e conturbadas com outros conceitos, a citar o coletivismo, o comunismo e a social-democracia. O coletivismo, termo francês de fins do século XIX, é caracterizado até os dias atuais pela ação do Estado e do aparelho governamental com vias ao controle, comando e regulação dos setores econômicos e da própria sociedade civil, além de assumir a condição de estratégia eficiente à política pública e que, na maioria dos casos, ocasiona em diversos âmbitos, um “planejamento centralizado do Estado”:

A partir do fim do século XIX, a noção de coletivismo tem

sido quase sempre associada a socialismo. Entretanto, tal

definição apresenta muitos problemas. Primeiro, apesar de

vários socialistas terem usado o coletivismo na prática, um

número considerável ainda o ignora ou repudia. Em segundo

lugar, várias ideologias, como o conservadorismo e o

liberalismo foram preparadas para usar métodos coletivistas.

Por último, deve-se salientar que coletivismo refere-se à

natureza e à igualdade humanas, como se esperaria encontrar

no socialismo. Desse modo, o coletivismo em si é muito mais

restrito, formal e processual do que o socialismo. (VINCENT,

1995, p. 94)

Não podemos esquecer de que outros termos foram associados ao socialismo: Émile Durkheim (1959), em Socialism and Saint-Simon, define o comunismo como um sistema de organização anterior e de origem mais primitiva do que o próprio socialismo, já que se trata de um elemento de regulação do consumo dos homens de forma igualitária, praticado por antigas comunidades monásticas (prática da abdicação dos objetivos comuns dos homens em prol da prática religiosa), assim como por algumas tribos primitivas. Já o socialismo seria “[...] um mecanismo moderno das sociedades industrializadas que regula as relações produtivas”. (VINCENT, 1995, p. 95)

Por outro lado, o comunismo, quando da correspondência à política consciente, precede o socialismo em apenas alguns anos. Marx, em seus primeiros textos, tratou o comunismo como um modelo primitivo de socialismo. Contudo, como vimos

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anteriormente, em 1848 surge, com o Manifesto Comunista, um consistente contraste entre o “comunismo revolucionário” e o “socialismo utópico” (aqui vale fazer uma ressalva de que, nesse período, tanto Marx quanto Engels ainda sofriam influências de Lewis Morgan, antropólogo que trabalhou com a ideia de comunismo primitivo). Aos poucos, os estudos de Marx criaram cer ta antipatia, ou melhor, uma insatisfação pela palavra socialismo que, aos seus olhos, se debruçava cada vez mais sobre uma “doutrina mais flexível, sem classes, utópica – em suma, burguesa”. Vamos ver uma passagem dos comentários de Vincent (1995, p. 96) sobre o trabalho de Marx e Engels:

Apesar disso, Engels refere-se a O manifesto comunista, em

seu último prefácio de 1888, como ‘literatura socialista’. A

antipatia de Marx reaparece em 1917 em alguns bolcheviques

que viam o comunismo como uma fase histórica mais

madura que o socialismo. Na Grã-Bretanha, William Morris

e H.M.Hyndman (fundador do primeiro grupo marxista

britânico) também prefeririam não usar a denotação

socialista, associando-a ao socialismo reformista Fabiano.

Apesar desses circunlóquios, é difícil fixar uma barreira

definitiva entre os termos. Fervor revolucionário certamente

não é critério ou padrão. Se compararmos as perspectivas

profundamente constitucionais de vários eurocomunistas

dos anos 60 e 70 com os múltiplos grupos revolucionários

dissidentes do mesmo período que chamavam a si mesmos

‘socialistas’, então o termo ‘revolucionário’ parece ligar-se

mais intimamente ao socialismo que ao comunismo.

SUGESTÃO DE FILME

Vários são os filmes que buscaram retratar as diferentes ideologias políticas modernas. Um dos grandes destaques é a produção de Robert Edwards, de 2006, conhecido no Brasil como Terra de Cegos (Land of the blind). Outra indicação é Cidade Perdida (The lost city), dirigido e estrelado por Andy Garcia em 2006. O filme retrata a ditadura de Fulgencio Batista em Cuba.

TERRA de Cegos. Direção: Robert Edwards. Elenco: Ralph Fiennes, Donald Sutherland, Lara Flynn Boyle, Tom Hollander. EUA; Inglaterra: 2006. 110 min.

CIDADE Perdida. Direção: Andy Garcia. Elenco: Andy Garcia, Inés Sastre, Tomas Milian, Richard Bradford. EUA, 2006. 143 min.

Nesse mesmo contexto, há que se destacar o termo “social-democracia”: conceito caracterizado pela mesma ambivalência que o socialismo-comunismo; a social-democracia terminou enveredando pelo mesmo caminho, apresentando, na maioria das vezes, equivalência ao marxismo organizado pelos seus seguidores, a exemplo de Hyndamn, citado anteriormente:

O aspecto teórico do marxismo como social-democrata

compara-se ao socialismo revisionista de Eduard Bernstein.

Depois da dissolução da Segunda Internacional, com a

deflagração da Primeira Guerra Mundial, a União Soviética

começou a se assumir como a intérprete central do marxismo.

Os bolcheviques mudaram o nome do Partido Trabalhista

Social-Democrata para Partido Comunista da União Soviética.

Por causa da sua predominância na Terceira Internacional,

tornou-se essencial que o termo comunista substituísse

social-democracia em todos os grupos que quisessem

participar da Internacional. Antes da Primeira Guerra Mundial

as ambivalências já se insinuavam nos socialistas éticos

e nos social-liberais ou neo-liberais, com o nome social-

democracia sendo assumido por alguns revisionistas. De

1920 até hoje, o termo social-democrata tem mantido fortes

laços com o socialismo reformista de Estado e a tradição

social-liberal. Nesse sentido, a fundação do Partido Social-

Democrata na Grã-Bretanha, no início dos anos 80, não foi tão

original ou expressiva. (VINCENT, 1995, p. 96)

Os comentários e texto acima nos recomendam cautela quando delegarmos parâmetros e definições ao socialismo, seja para concluir que todos os socialistas são adeptos do coletivismo, seja para afirmar que o comunismo se define pela sua distinção do próprio socialismo, ou ainda que a social-democracia pode ser denotada como uma tradição não socialista. Finalmente, há que se considerar que todos esses julgamentos “[...] são históricos e ideologicamente enganosos. Há uma superposição complexa de discursos entre os diversos elementos”. (VINCENT, 1995, p. 96)

O Quadro 3 apresenta uma síntese conceitual dos principais aspectos sobre as diferentes naturezas do socialismo, propondo o seguinte questionamento: os socialismos deveriam ser identificados por convicções, valores ou estratégias políticas? Para Vincent, o socialismo “[...] é um corpo rico de argumentos formais e valores que são interpretados de maneiras diferentes pelas diversas escolas”. (VINCENT, 1995, p. 99)

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4.2 A ÉTICA ANARQUISTA: BREVE HISTÓRIA DE SUAS IDEIAS

A primeira característica fundamental do anarquismo é o repúdio ao normativo, ao processo de normatização. De forma geral, os anarquistas são inimigos de toda e

qualquer norma e, a princípio, de todo valor – o direito, a moral, as convenções sociais e a religião, para citar apenas as instituições mais tradicionais do convívio humano, que aparecem, aos seus olhos, como exigências arbitrárias, ou seja, como aquelas nascidas do medo, da maldade e da ignorância. Para os partidários de tal

Quadro 3 - Tipologias do Socialismo

TIPOLOGIAS DO SOCIALISMO

DEFINIÇÃO PRINCIPAIS TEÓRICOS

SOCIALISMO CIENTÍFICO REVOLUCIONÁRIO

Teoria que sofreu principalmente influência do marxismo. Fundamentada na articulação crítica-reflexiva do materialismo iluminista, do idealismo hegeliano, da economia política liberal e do socialismo utópico. A mais importante distinção do marxismo é o uso da interpretação histórica das sociedades. Elementos essenciais: superestrutura, relações de produção, luta de classes, confronto entre proletários e capitalistas burgueses.

Karl Marx (1818-1883) e F. Engels (1820-1895)Antonio Gramsci (1891-1937)Georg Lukács (1885-1971)Louis Althusser (1918-1990)

SOCIALISMO UTÓPICO Mais conhecido como a fase primitiva que gerou o marxismo. No entanto, sua definição vai para além desse aspecto: seu principal aspecto é seu desejo de descrever minimamente, a constituição de uma possível forma de vida social que corresponderia à verdadeira natureza humana, desde a reprodução, organização familiar, alimentação, até as formas de vestimenta da comunidade.

Charles Fourier (1772-1837)Saint-Simon (1760-1825)

SOCIALISMO REFORMISTA

Categoria de ordem abrangente, que incorpora o uso da definição de coletivismo como sinônimo do socialismo e se aproxima da tradição do social-liberalismo. Tentou repudiar o marxismo e ao mesmo tempo reexaminá-lo. Defendeu a partir dos anos 1980 a democracia gradual e a reforma constitucional como estrada para o socialismo, aceitando a ideia de livre mercado em contexto de uma economia mista, ademais de aprovar o uso do Estado para conquistar objetivos de maior eficiência, igualdade, justiça social e direitos. O exemplo mais clássico desse tipo de socialismo é o desenvolvimento do Estado previdenciário na Europa.

Eduard Bernstein (1850-1932)

SOCIALISMO ÉTICO Vincula-se diretamente ao Socialista Reformista de Estado, mas difere-se quando fundamenta sua base na dimensão ética, referindo-se a valores corretos ou verdadeiros. Considera o capitalismo eticamente deficiente e não economicamente ineficiente. A garantia do estabelecimento dos direitos materiais (saúde, educação, assistência social) não vem a constituir o socialismo genuíno, mas sim a mudança moral dos cidadãos que precede a mudança política adequada. Em linhas gerais, define o Estado por meio de funções éticas.

R.H. Tawney (1880-1962)L.T.Hobhouse (1864-1929)Charles Dickens (1812-1870)

SOCIALISMO PLURALISTA

Basicamente se define pelo fato do Estado não ser considerado como mecanismo para a introdução ou incremento do socialismo. Este último só pode se realizar por meio de uma pluralidade de grupos ou trabalhadores organizados: associações de produtores que assumirão de forma gradual todas as funções administrativas e de previdência.

Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865)Antonio Gramsci (1891-1937)

SOCIALISMO DE MERCADO

Fenômeno bastante recente, data dos anos 80 (século XX) e fundamenta-se no fracasso das ideias do socialismo reformista do século XX. Baseia-se na noção de que a economia de mercado pode ser separada do capitalismo. Seus seguidores tendem a desconfiar do Estado e defendem decisões descentralizadas, ancoradas na atividade do mercado.

David Miller (1973-)

Fonte: Adaptado de Vincent (1995).

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concepção, as leis humanas se configuravam como elementos injustificados e injustificáveis à medida que, para tal grupo, não é possível admitir outra lei que não seja seu próprio arbítrio.

Nessa perspectiva, as regras éticas, os dogmas religiosos e os preceitos jurídicos são extremamente artificiais; propõem oposição à natureza, único valor considerado autêntico e pretendem desviar sua ação, em um processo de desnaturalização. Vincent (1995, p. 121) afirma que a etimologia da palavra

É composta por duas palavras gregas, an e arkhê, e significa,

literalmente, ausência de governo e de regras. O termo ‘estado’

(em vez de governo ou regras) foi, em geral, empregado ao

longo dos séculos XIX e XX. Insinua-se aqui uma ambigüidade

que pode prejudicar a clara compreensão da ideologia. A ideia

de ‘não ter Estado ou governo’ pode introduzir-se na noção de

‘não ter autoridade e regras’, que por sua vez pode tornar-se,

por um deslize de linguagem, equivalente a desordem, caos e

confusão. Reconhecemos esses dois sentidos na linguagem

comum, isto é, anarquia referindo-se a um modo de vida

sem Estado ou, mais comumente, denotando uma desordem

total. Este último é às vezes personificado e parodiado em

caricaturas do anarquista prestes a lançar uma bomba de

fumaça.

Nesse contexto, os anarquistas desenvolvem objeções aos equívocos cometidos pela linguagem. No entanto, ainda há uma resistência no imaginário político de que a ideologia anárquica representa destruição e desordem. Vincent (1995) lembra que durante muito tempo o humor e o sarcasmo estiveram presentes nas caricaturas do movimento anarquista: “[...] os livros do fim do século XIX e início do século XX que retratavam os anarquistas, tais como The Secret Agent, de Joseph Conrad, e Germinal, de Emile Zola, certamente se aproveitam dessa ambiguidade”. (VINCENT, 1995, p. 121)

As teorias anarquistas, para além de justificar-se, demonstram que não podem, sem cair em contradição, colocar em oposição uma legislação convencional à uma legislação da natureza. Tal ação implica o reconhecimento de um critério de valoração e, dessa forma, de aceitação de valores e deveres. Outro aspecto essencial da estrutura fundamental do anarquismo é a tendência ao egoísmo. Diante de tal crítica, é válido questionar: a concepção de inexistência de Estado denotaria consequentemente a ausência de governo? A teoria anarquista precede a ideia de rejeição de toda e qualquer autoridade, ou faz

a distinção entre “dominação autoritária” e “autoridade moral”? (VINCENT, 1995, p. 122).

Se o Estado, e possivelmente o governo, está ausente, será

que permanece alguma forma de identidade coletiva, como a

sociedade? A sociedade seria simplesmente um agregado de

indivíduos ou uma unidade orgânica?

Assim como o socialismo e as demais ideologias, o termo anarquia tem origem recente e foi introduzido na linguagem cotidiana em fins do século XIX. Seu primeiro registro aparece na obra de Proudhon (1840), Que é propriedade? Uma investigação sobre o princípio de direito e governo. Proudhon não somente deixou para os vestígios históricos a memorável frase “toda propriedade é roubo” como também assinalou o compromisso e a defesa da luta anarquista a partir da declaração de que

Figura 15 - Pierre-Joseph Proudhon fotografado por Tournachon em 1862.

Fonte: TOURNACHON, 1862. TOURNACHON, G. Photography of Pierre-Joseph Proudhon. 1862. Disponível em: < http://

pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Portrait_Pierre-Joseph_Proudhon.jpg>. Acesso em: 24 ago. 2011.

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“assim como o homem busca justiça na igualdade, a sociedade busca a ordem na anarquia. Anarquia – forma de governo de que nos aproximamos a cada dia”. Tal testemunho reconhece outra ideia: a de que o anarquismo pode ser definido também como “a ausência de um mestre, de um soberano”, tema central da teoria das formas de governo, representada pela figura de um chefe de estado, o que garantiu a Proudhon o título de “pai do anarquismo”. (VINCENT, 1995, p. 122)

Anterior à teoria de Proudhon, o termo anarquia possuiu uma conotação mais ofensiva e, na maioria das vezes, significa desordem. Até a Primeira Internacional, o termo manteve a conotação de insulto ao governo e ao Estado; somente a partir de 1860, Bakunin começou a utilizar a definição de “coletivista” numa tentativa de negar qualquer ligação com os discípulos de Proudhon, no entanto, os coletivistas não necessariamente adotaram uma postura anti-estado, característica que desestabilizou os adeptos de Bakunin.

Marx, por outro lado, empregou a palavra “anarquista”

como um insulto, indicando não somente a impraticabilidade

utópica, como também os indivíduos que, a seu ver, queriam

destruir a Internacional. Seu alvo era quase sempre Bakunin,

que por conseqüência, tentou de início distanciar-se do

termo. Posteriormente, a nomenclatura “anarquia” seguiu

uma história atormentada e tortuosa nos congressos e

debates veementes da Internacional, ao longo de década de

1870. Somente a partir de década de 1880 é que começou

a ser mais usada na Europa e Estados Unidos para denotar

um movimento abrangente e uma posição ideológica distinta.

(VINCENT, 1995, p. 122)

Para o anarquismo moderno, há que se considerar a distinção de dois tipos diferentes e opostos para o âmbito teórico: o anarquismo individualista e o anarquismo comunista ou libertário. Por sua vez, esses dois grupos coincidem em dois pontos capitais: primeiro, fazem da liberdade absoluta a aspiração suprema do indivíduo e, segundo, defendem a prerrogativa de que toda organização política da sociedade deve desaparecer por ser contrária às exigências da natureza. Tais pressupostos, por sua vez, derivam da mesma acepção: somente tem

Figura 16 - Mikhail Bakunin por Gaspard-Félix Tournachon

Fonte: TOURNACHON, 2008. TOURNACHON, G. Mikhail Bakunin. 2008. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bakunin_Nadar.

jpg>. Acesso em: 24 ago. 2011.

Figura 17 - Proclamação da comuna de Lyon coo-redigida por Bakunin, por Koroesu, 1870.

Fonte: WIKIPÉDIA, 2008.

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valor aquilo que não contraria às tendências e impulsos naturais. A ordem jurídica, como organização social de modelo coercitivo, opõe-se à liberdade e representa, logo, um mal que precisa ser combatido.

Contudo, os anarquistas não concordam com os métodos que devem estruturar a luta contra o Estado. Os defensores do primeiro grupo acreditam que a transformação do regime estatal à livre organização, não política dos indivíduos, deve ser fruto do progresso lento e gradual da razão ou do processo de racionalidade. Já o segundo grupo, composto pelos partidários do anarquismo comunista, consideram lícita a violência, caso esteja atrelada à busca pelo restabelecimento da verdadeira liberdade.

Outra questão que se destaca nas análises sobre tal ideologia é a divergência muito próxima da incoerência referente à propriedade privada. Tomando por referência a natureza, não parece se justificar a atribuição de um bem qualquer a um indivíduo atrelada à exclusão dos outros por meio da assertiva “tudo pertence a todos”. Em outras palavras, nada pertence, exclusivamente, a ninguém. Há que se lutar pela conquista da plena liberdade e igualdade social. O ideal comum é a convivência dos homens à margem de toda organização de uma ação cooperação espontânea, em que se trata a cada um de acordo com suas necessidades e se considerem as diversas atitudes. (VINCENT, 1995) Para Piotr Alexeyevich Kropotkin (1842, 1921), um dos principais pensadores do anarquismo em fins do século XIX e fundador do anarco-comunismo, tal ideal comum seria “o mais completo desenvolvimento da individualidade unido ao desenvolvimento mais completo do sentimento de associação”. (KROPOTKIN, 1968 apud VINCENT, 1995, p. 127)

Os seguidores do anarquismo individualista, ao oporem-se mais uma vez ao comunismo liber tário, declaram que a liberdade e a associação são incompatíveis, assim como o egoísmo e o altruísmo, o individualismo e o socialismo. Finalmente, longe de negar a propriedade privada, creem que todos devem ser proprietários; a livre associação de egoístas é seu ideal. Tal assertiva, acreditamos, resulta em uma forma ininteligível se trabalharmos com a ideia de ignorância da significação que os anarquistas atribuem ao conceito de liberdade. Percebe-se que a liberdade aspirada por tais sujeitos não é a liberdade jurídica, senão sua negação.

Juridicamente, é-se livre para fazer tudo aquilo o que

não está proibido, muito menos obrigatório. Trata-se, portanto, de um direito cujo conteúdo está delimitado pela lei; a liberdade de que falam os grandes pensadores da teoria política é, em contrapartida, uma suposta liberdade natural, absolutamente alheia a toda regulação. Quando B. Espinosa afirmou que no estado da natureza o direito de cada homem chega até onde alcança seu poder, consentiu ao termo direito o mesmo significado. A teoria do pacto social pretendeu especificamente uma conciliação entre os dois conceitos. (DELEUZE, 2002)

No que tange à relação entre liberdade e igualdade, sendo esta última compreendida como “[...] valor supremo de uma convivência ordenada, feliz e civilizada – e, portanto, por um lado, como aspiração perene dos homens vivendo em sociedade, e, por outro, como tema constante das ideologias e teorias políticas”, há que se afirmar que os dois termos estão constantemente relacionados. (BOBBIO, 1997, p. 11)

Sem dúvida, a igualdade, da mesma forma que a liberdade, configura-se como um conceito dotado de significado positivo na política, ademais de emotivo, designando algo que se deseja, apesar de não faltarem ideologias e doutrinas que caminham pela estrada do autoritarismo, valorizando mais o poder da autoridade do que a liberdade, do mesmo modo que algumas ideologias não igualitárias “[...] valorizam mais a desigualdade do que a igualdade” (BOBBIO, 1997, p.11).

Para a liberdade, Bobbio (1997) aponta uma dificuldade central: o desafio de se lhe estabelecer um significado descritivo, “[...] sobretudo, em sua ambigüidade, já que esse termo tem, na linguagem política, pelo menos dois significados diversos” (BOBBIO, 1997, p. 10). No caso da igualdade, a dificuldade reside no próprio fator de sua indeterminação à medida que “[...] dois entes são iguais sem nenhuma outra determinação nada significativa na linguagem política” (BOBBIO, 1997, p. 11).

[...] a igualdade é um modo de estabelecer um determinado

tipo de relação entre os entes de uma totalidade, mesmo

quando a única característica comum entre esses entes seja

o fato de serem livres. O único nexo [ligação] social entre

liberdade e igualdade é considerada como aquilo que [...] os

membros de um determinado grupo social são ou devem ser

iguais, do que resulta a característica dos membros desse

grupo de serem igualmente livres ou iguais na liberdade.

(BOBBIO, 1997, p. 13)

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Finalmente, para os anarquistas, o grande obstáculo da liberdade individual inserida em uma comunidade pode ser delimitado pelas tentativas de conviver com “o crime, a punição, a ociosidade e o desvio social”, e, na maioria das vezes, as respostas às estes questionamentos sociais beiram a ingenuidade.

4.3 O LIBERALISMO E SUAS INTERFACES COM O ESTADO

O pensamento liberal radical convencional sobre o capitalismo, em que se entende que o Estado é um corpo estranho ao sistema econômico capitalista e se reconhece a função do mercado como coordenador das empresas privadas, é um dos temas mais vigentes na teoria contemporânea sobre o liberalismo/neoliberalismo. Neste pensamento, a função do Estado limita-se a garantir os direitos de propriedade. Pereira (2005), economista brasileiro, opõe a este pensamento a teoria de Marx, na qual o papel do Estado é fundamental para o capitalismo, mesmo se pensarmos em um capitalismo puro, como vimos no capítulo 3.

O autor afirma a importância do papel do Estado, argumentando que “[...] não há capitalismo, nem mercado capitalista sem um Estado que o regulamente e o coordene”. O papel do Estado seria de intervir social, econômica e ambientalmente, além de criar condições para a produção capitalista, através da instituição do sistema legal com poder de coerção e de uma moeda nacional. (PEREIRA, 2005, p. 24) Assim, Pereira conceitua o Estado sob três aspectos, demonstrando as correntes de pensamento (lógico-dedutivo e histórico-indutivo) sobre o assunto, assim como as convergências entre estes:

a) o Estado é uma parte da sociedade ao mesmo tempo em que a ela se sobrepõe.

b) o Estado é o espaço da coisa pública – república res publica (defesa contra corrupção e nepotismo que o distingue da res principis (coisa privada).

c) o Estado surge da divisão de classes (apropriação do excedente).

Pereira (2005, p. 25) convoca o pensamento de Engels para explicar a origem ao mesmo tempo em

que conceitua (histórico-indutivo) o Estado como um poder para mediar as contradições da sociedade – é uma criação da sociedade quando esta se enreda num grau de contradições e se divide em antagonismos irreconciliáveis - “[...] é um poder colocado acima da sociedade, chamado a amortecer o choque e mantê-lo dentro dos limites da ordem” e cada vez mais aumenta-se a distância entre a sociedade civil e o Estado. Visa, portanto, a manter o sistema de classes vigentes.

Numa visão lógico-dedutiva: “[...] o Estado é o resultado político-institucional de um contrato social através do qual homens cedem uma par te da sua liberdade a esse Estado para que possa manter a ordem ou garantir os direitos de propriedade e a execução dos contratos” (PEREIRA, 2005, p. 24) – duas visões claramente complementares.

Nas duas visões, o Estado é uma estrutura política (que permite que a classe econômica dominante torne-se a classe dirigente, para garantir a apropriação do excedente econômico) constituída de governo (normalmente recrutado na classe dominante); burocracia ou tecnoburocracia pública (ocupado da administração); e força policial e militar (para a defesa do país, assegurando o cumprimento das leis e manutenção da ordem, de modo que o Estado acaba por deter o monopólio da violência institucionalizada – poder de estabelecer um sistema legal e tributário, além da moeda); ordenamento jurídico impositivo (poder extroverso).

Verifica-se que apenas o Estado tem poder extroverso – que extrapola os próprios limites organizacionais, tornando-o maior que um simples aparelho do Estado. Esquematicamente, é possível deduzirmos que o Aparelho de Estado é composto por: elite governamental, burocracia e força militar; o Estado é, todavia, maior que o aparelho, pois inclui o sistema constitucional-legal que regula a população e que se torna povo ao mesmo tempo em que detém o direito da cidadania e se organiza como sociedade civil (esta, somada ao Estado, constitui o Estado-nação).

Há que se considerar que, sendo a classe dominante detentora de meios de produção e de comunicação, ela controla o Estado (classe dirigente). Porém, com a evolução e complexificação das sociedades capitalistas, houve a indução progressiva do Estado à negação de sua condição de instrumento das classes dominantes, até porque não é mais tão nítida a distinção entre as classes.

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Daí o Estado passaria a ter o papel de redistribuir o excedente, além de apenas garantir os direitos à propriedade. O filósofo Poulantzas (1936, 1979) nos lembra: “As políticas do Estado deixam de refletir apenas os interesses dos poderosos para se tornarem o resultado da condensação da luta de classes”. (PEREIRA, 2005, p. 30)

Para explicar a relação e os conceitos de Estado e Sociedade Civil, Bresser-Pereira busca a definição de sociedade civil iniciando a conceituação de elementos, tais como: povo é o conjunto de cidadãos com direitos políticos efetiva e teoricamente iguais. O povo é elemento constituidor do Estado e, a depender do grau de democratização, quando organizado e ponderado, poderá constituir-se em sociedade civil.

Outro conceito diz que sociedade civil, para o pensamento liberal, é a sociedade organizada pelo mercado. Ou que a sociedade civil é o próprio mercado. Pereira (2005) não concorda com estes conceitos, pois defende que a vida familiar é regulada pelo Estado (através do direito civil) e pela vida produtiva regulada pelo mercado.

A sociedade civil engloba todas as relações sociais. Para Marx (1848), “[...] há correspondência entre a sociedade civil e a estrutura econômica”, já que a classe dominante terá maior poder na sociedade civil. A sociedade civil exerce poder sobre o Estado. A sociedade civil impõe limites ao exercício de poder. Nesse âmbito, o liberalismo e seus pensadores atuais voltam-se às questões de justiça, liberdade e direitos, e desenvolvem ações direcionadas a entender as várias faces e natureza de tal ideologia, uma vez que precisão se debruçar sobre a nova diagramação que o século XX trouxe: a figura do Estado como regulador e participativo nas inter-relações entre as três esferas que compõem a teoria política hoje:

1) O Estado e suas relações com a convivência social, legislação e políticas públicas;

2) A Sociedade composta pelo espaço público, escola e comunidade;

3) As instituições privadas, representadas pela família (entre outras instituições), espaço privado dos laços de pertença e afetividade, tema do capítulo final do presente módulo.

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CAPÍTULO

QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS

DO ESTADO: TRAJETÓRIA

HISTÓRICO-SOCIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

5

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Anotações

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69LICENCIATURA EM HISTÓRIA

5 QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS DO ESTADO: TRAJETÓRIA HISTÓRICO-SOCIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Como professores e futuros historiadores do tempo presente, não podemos nos furtar a conhecer e a refletir sobre questões contemporâneas e atuais do papel do Estado e de suas instituições a partir do breve século XX. De forma geral, as políticas públicas, tema central dos regimes democráticos pós II Guerra Mundial, não se incorporam diretamente à ementa da disciplina História do Pensamento Político. Esta, porém, como disciplina que tem sua origem atrelada à Ciência Política, é testemunha das transformações dos estudos historiográficos acerca da política e seus elementos: liberdade, igualdade e justiça. Faz-nos oportuno, dessa forma, historiar a trajetória social das políticas públicas em tempo e espaço, uma vez que, nos principais espaços de convivência, público ou privado, tais políticas estão presente no imaginário das decisões político-partidárias, na área jurídica e, principalmente, no âmbito da garantia de direitos sociais.

5.1 UMA BREVE TRAJETÓRIA HISTÓRICO-SOCIAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Na sociedade contemporânea, em específico, a partir da segunda metade do século XX, o desenvolvimento das ações voltadas para a capacidade de atuação dos poderes públicos, sobretudo, para os governos das sociedades mais avançadas, forçou a Ciência Política a agregar um novo campo de reflexão e a construir um original conjunto de instrumentos que permitissem analisar o que acontece na esfera de adoção e implementação das decisões governamentais.

No primeiro momento posterior à criação de tal aparato instrumental, as análises das políticas públicas surgem como um agrupamento de ferramentas conceituais. Não se construíram a partir desse fato, pressupostos

de caráter unitário ou racional, mas sim conforme os processos de levantamentos analíticos fragmentados ou mesmo mediante as mudanças sofridas pelo contexto político socioeconômico.

Dentro das contribuições acadêmicas que vêm surgindo nas últimas décadas, o trabalho do economista indiano Amartya Sen (2000) nos permite considerar que políticas públicas devem atender às afirmações e valores sociais, na tentativa de promover uma discussão política, o que seria um passo para a garantia da liberdade política dos indivíduos, tão difícil de conquistar na sociedade contemporânea. Esse processo ocorreria através do incentivo à autonomia econômica e educacional, por exemplo, na ação de políticas direcionadas ao “desenvolvimento como liberdade”.

Caminhando pelos estudos de Sen (2000), debruçamo-nos sobre o panorama geral desenhado pelo economista acerca da situação atual enfrentada pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento: o grupo de aspectos positivos apresenta alguns elementos que caracterizam as sociedades atuais, como abundância nunca vista; governos democráticos e participativos; direitos humanos e liberdade política no discurso dominante; esperança de vida elevada e grande interação entre as diferentes zonas do globo. (SEN, 2000)

Figura 18 - Amartya Sen, 2006.

Fonte: USAID, 2006. USAID - United States Agency for International Development. Amartya Sem. 2006. Disponível em: < http://pt.wikipedia.

org/wiki/Ficheiro:Amartya_Sen.jpg>. Acesso em: 24 ago. 2011.

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Para o grupo de aspectos negativos, encontramos elementos que contradizem o quadro acima exposto, tais como persistência da pobreza e necessidades elementares insatisfeitas; fome e subnutrição; violações das liberdades políticas e das liberdades básicas; desprezo pelos interesses e atividades das mulheres e, finalmente, ameaças ao ambiente e à sustentabilidade da nossa vida econômica e social.

A liberdade, por tanto, tem função instrumental na promoção de outras liberdades: as liberdades básicas – econômicas e políticas – e as liberdades complementares, como saúde e educação, abordadas como principais elementos do desenvolvimento. Para tanto, o dito desenvolvimento consiste na superação das restrições ou de pontos negativos à expansão das liberdades individuais e à oferta de oportunidades sociais e econômicas. A expansão da liberdade é, ao mesmo tempo, o fim e o meio do desenvolvimento.

Para isso, as políticas públicas devem atender afirmações e valores sociais, na tentativa de promover uma discussão política, o que seria um passo para a garantia da liberdade política dos indivíduos, tão difícil de conquistar na sociedade moderna. Esse processo se daria através do incentivo à autonomia econômica e educacional, por exemplo. Por outro lado, as liberdades cruciais, como as opor tunidades econômicas, as liberdades políticas, serviços sociais, garantias de transparência e segurança pública, devem acompanhar a liberdade política e a qualidade de vida, com o objetivo de assegurar que a eficiência de tais elementos promova o desenvolvimento econômico. (SEN, 2000)

Neste sentido, o economista advoga a favor do argumento de que a superação destes problemas é condição central para a garantia do exercício do desenvolvimento, ao passo que a ação individual é fundamental neste contexto, apesar do fato de que sua liberdade de agir está condicionada às oportunidades sociais, políticas e econômicas. Não de forma excludente, mas sim de complementaridade, a ação individual deve ser atrelada aos agentes sociais. (SEN, 2000)

Alberto Cimadamore (2004) ressalta um aspecto comum às políticas que visam à redução de desigualdades sociais ou combate à pobreza: elas terminam muitas vezes por cometer confusões relacionadas às posições normativas ou às visualizações políticas que estão presentes na determinação do papel do Estado-governo-

sociedade para referidas ações. Além disso, muitas vezes se fala de sociedade civil como oposta ao Estado, sem levar em conta que o conceito clássico de Estado inclui a sociedade como um de seus componentes, juntamente com a ordem jurídico-constitucional, o território e o próprio governo.

Em estudos acerca do Bem-Estar Social e suas relações com governos locais, os pesquisadores Quim Brugué e Ricard Gomà (1998) apontam que o campo teórico das políticas públicas se estruturou, para a maior parte dos países, em torno de dois aspectos tradicionais com poucos aspectos em comum. As duas dimensões encarregadas de organizar tais políticas adotaram, por um lado, a configuração de “um enfoque racional, prescritivo, com fortes tendências à formalização e de caráter dedutivo” (p. 26). Por outro lado, “[...] foi sendo cristalizado um enfoque pós-racional, crítico, menos modelador e muito mais indutivo”. (BRUGUÉ; GOMÀ, 1998, p. 26)

De forma crítica, os autores espanhóis chamam a atenção para o fato de que a primeira dimensão terminou por se transformar em uma caixa de técnicas a serviço da melhoria dos rendimentos do poder, “seja qual seja esse poder”. Partindo desse princípio, a primeira tradição buscou se situar em uma lógica da racionalidade instrumental, com próprio referencial, “[...] à margem de qualquer consideração sobre as grandes questões da ciência política”. (BRUGUÉ; GOMÀ, 1998, p. 26)

A segunda tradição, por sua vez, veio ao longo da segunda metade do século XX construindo um espaço conceitual que permite, desde então, a crescente análise relativa às questões-chave da ciência política (estrutura de recursos, distribuição social de ganhadores e perdedores, relações de poder, hegemonias culturais e simbólicas) que se identificam e se resolvem pelo processo de elaboração de tais políticas, “[...] já seja no conflito pela definição de problemas, na tomada de decisões, ou na articulação de estilos de gestão alternativos”. (BRUGUÉ; GOMÀ, 1998, p. 26)

Os norte-americanos, seguidores da primeira tradição, passam a se preocupar com a produção dos governos, elemento que marca a tendência de sua atuação. Em resumo comparativo, podemos afirmar que o histórico europeu é marcado pelos estudos e trabalhos sobre o Estado e uma de suas principais instituições, o governo (produtor, por excelência, de políticas públicas); o norte-

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americano, por sua vez, é caracterizado pela atenção dispensada à ação governamental.

Ao caminhar pela leitura bibliográfica produzida na América Latina e na Europa, encontramos algumas referências para abordar o tema políticas públicas e desenvolvimento regional, a exemplo das reflexões dos pesquisadores já citados Gomà e Brugué (1998), Celina Souza (2006), Carlos Aurélio Pimenta de Faria (2003), dentre outros. Gomà e Brugué (1998) trazem contribuições para avaliarmos políticas públicas locais e suas respectivas agendas complexas: respostas atreladas à efetivação de uma oferta mais complexa de políticas, a adoção de novos instrumentos estratégicos e o emergente nascimento de novos estilos de governo, levando em consideração o impacto das mudanças da macroeconomia e seus principais reflexos sobre as políticas públicas.

Para o quadro brasileiro, entendemos que políticas públicas podem ser entendidas como ação de governo, através da implantação de novos projetos, seja por meio de programas ou ações direcionadas a setores e grupos com perfil bem definido. De fato, desde a década de 1980, várias pesquisas surgem no meio científico como prova de que tais políticas podem surgir de tal meio, assim como são passíveis de análise independente, afirma Celina Souza (2006).

Faria (2003) chama a atenção para a importância de considerarmos as reflexões de que uma política pública é uma unidade de análise da ciência política, em que encontramos novas perspectivas acerca dos estudos sobre a interação entre os autores públicos e privados no processo de produção de tais políticas. Ao mesmo tempo, destaca como complicadores para o avanço da área, a incapacidade dos modelos tradicionais de interpretar mecanismos como o corporativismo, condição relevante para o entendimento da participação de novos atores sociais: ONGs, transnacionais e redes de especialistas, contribuição à interligação dos temários maiores da gestão pública com as políticas, em uma ação de privilegiar o desenvolvimento local.

Tal qual Faria (2003), referenciamos aqui o trabalho de Souza (2006), que afirma ser inquestionável o crescimento da área de políticas públicas na pesquisa acadêmica, porém, essa área apresenta alguns problemas que precisam ser superados. O primeiro é a escassa acumulação de conhecimento sobre o tema, apesar de

iniciativas como a criação de fóruns e a informatização de periódicos. O segundo problema levantado pela autora diz respeito à expansão horizontal desse conhecimento em detrimento da falta de fortalecimento vertical, girando as pesquisas em torno de áreas temáticas. O terceiro é a proximidade com os órgãos governamentais e organismos multilaterais. Há que se observar também a farta produção de pesquisas sobre determinados temas específicos, deixando de lado temas importantes que ficam ao largo da agenda de pesquisa.

De forma complementar, acreditamos que a pesquisa do professor Klaus Frey (2002) acerca das três abordagens de acordo com os problemas de investigação levantados pela ciência política, mostra-nos a importância de se questionar os reais fatores que dizem quando um país tem, de fato, uma democracia consolidada a partir da análise de suas políticas. São elas: questionamento clássico da ciência política (pergunta pela ordem política certa ou verdadeira); questionamento político (análise das forças políticas no processo decisório); questionamento dos resultados que um dado sistema político vem produzindo – contribuição que cer tas estratégias podem trazer para a solução de problemas específicos (econômicos, financeiros, (sociais ou ambientais).

Tipologicamente, as políticas são classificadas de acordo com os seguintes modelos: grupo teórico que partilha das ideias de Lowi (distributivas, reguladoras, redistributivas e constitucionais). O outro grupo é caracterizado por modelos direcionados ao crescimento e à geração de riquezas e de redistribuição baseados no segundo enfoque descrito acima. As ideias que construíram os primeiros princípios dessa área do conhecimento estão baseadas no pensamento de que, “[...] em democracias estáveis, aquilo que o governo faz ou deixa de fazer é passível de ser (a) formulado cientificamente e (b) analisado por pesquisadores independentes”. (SOUZA, 2006, p. 3)

Encontramos, em pleno século XX, o trabalho de Paine e Tocqueville (1969), defensores das organizações sociais e de sua função cívica de promover o “bom governo”. E segue definindo Souza (2006, p. 3): “o terceiro caminho foi o das políticas públicas como um ramo da ciência política para entender como e por que os governos optam por determinadas ações”.

Dentro do quadro teórico de conceitos acerca do termo, buscamos estudos e pesquisas elaborados por

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quatro cientistas que são considerados os fundadores da área: H. Laswell (1936), H. Simon (1957), C. Lindblom (1959) e D. Easton (1965), que pretendemos abordar na revisão bibliográfica do projeto de dissertação. (SOUZA, 2006)

Podemos entender nesse quadro delineado pelos programas sociais brasileiros que políticas públicas são como a ação do Estado, ou melhor, o exercício de implantação de novos projetos, seja por meios de programas ou ações voltadas para setores e grupos determinados da sociedade. Devemos levar em conta, dentro dessa perspectiva, que não pode haver uma redução do Estado à mera burocracia pública, aos seus organismos que seriam os responsáveis pela construção e aplicação dessas políticas.

O que antes era uma tarefa dos governos passou a ser

visto como uma obrigação de todos. A consciência da

necessidade de eliminar do mundo a mancha da fome, da

falta de acesso à educação, à saúde e à garantia dos direitos

humanos básicos é, hoje, generalizada. Com certeza, no

Brasil, existe disposição para não mais se aceitar a enorme

desigualdade que, tradicionalmente, vem marcando nossa

sociedade. A mobilização de todos os setores é grande e os

veículos de comunicação informam, constantemente, tanto

sobre a persistência da pobreza quanto sobre a necessidade

de combatê-la. Entretanto, apesar da presença constante

do tema na mídia impressa e falada, estes veículos não

têm apresentado análises e avaliações (que existem) sobre

o fracasso de soluções apresentadas como milagrosas,

ou sobre a inoperância de programas com longa trajetória.

(CARDOSO, 2004, p. 42)

Pensamos então que polít icas públicas são responsabilidades do Estado e, dessa forma, um “[...] processo de tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade relacionados à política implantada. Neste sentido, políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais”. (HÖFLING, 2001, p. 31) As políticas sociais precisam ser compreendidas como instrumentos que avaliam a rede de proteção social do Estado, a princípio debruçadas no trabalho de redistribuição de serviços que beneficiam socialmente os sujeitos, diminuindo as desigualdades promovidas pela economia do país.

Destarte, como defende a pesquisadora Maria das Graças Rua (1998), “[...] as políticas públicas são

públicas – e não privadas ou apenas coletivas. Sua dimensão pública é dada não pelo tamanho do agregado social sobre o qual incidem, mas pelo seu caráter imperativo”. (RUA, 1998, p. 232) Isso que dizer que um dos cernes das políticas públicas é a constatação de que as mesmas se constituem como decisões e ações compostas pela autoridade soberana do poder público.

Do mesmo modo, tais políticas surgem a partir dos inputs e withinputs traduzidos pelas demandas e apoios nascidos no interior dos sistemas políticos. As demandas seriam então aspirações, desejos e necessidades expressadas de forma organizada ou não, em que por sua vez se referem a extensos setores sociais ou grupos de menor dimensão.

De certo, o processo de definir o que é uma política pública para uma sociedade implica reconhecer que a mesma serve como um espelho dos conflitos e dos interesses dos diversos grupos envolvidos, bem como os jogos de poder delineados pelos Estados e pela própria sociedade em geral. Além disso, devemos respeitar a posição que os elementos culturais assumem na construção do histórico das representações (mentalidades), posturas de aceite ou de rejeição aos programas, necessidades específicas àqueles períodos históricos, ao que conclui Eloísa de Mattos Höfling (2001, p. 39):

Indiscutivelmente, as formas de organização, o poder de

pressão e articulação de diferentes grupos sociais no

processo de estabelecimento a medida que a reivindicação de

demandas são fatores fundamentais na conquista de novos

e mais amplos diretos sociais, incorporados ao exercício da

cidadania.

Nos limites deste trabalho, destaca-se a relação entre política pública e ideias, políticas e comunidades epistêmicas e aprendizado, numa tentativa de apreender o pensamento de Faria (2003) acerca das cinco vertentes de maior relevância para a área, que é dividida em: institucional, a da percepção dos modelos de atuação e do “impacto” provocado nas redes e grupos, a que enfatiza no processo de produção das políticas os condicionantes socioeconômicos, a linha baseada na teoria racional e, finalmente, a que prioriza as contribuições das ideias e do conhecimento.

Todas as cinco vertentes caminham pelo discurso da frágil institucionalização da área, em especial no caso

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brasileiro, o que é reforçado pela “debilidade” da atuação da administração pública e dos projetos de investigação que se propõem a estudá-la. Tal fato alia-se da mesma forma ao problema tecnicista presente na formulação e gestão das políticas, marcado principalmente pela influência dos atores internacionais. Por outro lado, Faria (2003) observa que as variáveis cognitivas, a exemplo das ideias e do conhecimento, estão atreladas à dimensão temporal e condicionante na formulação das políticas: é essencial considerar “se” há independência nos papéis de tais variáveis e “quando” isso ocorre.

Um breve resumo mostra a percepção do autor acerca dos pontos aqui citados e de que maneira se intercruzam, como política, uma disputa entre a forma de discurso baseada na luta pelo poder e a busca de significados. Para tanto, nesse espaço, surgem as ideias, ou seja, a afirmação de valores que podem especificar relações causais, soluções para problemas públicos, símbolos e imagens que expressam identidades entre o público e o privado, concepções de mundo e ideologias, em que o mais saudável é unir ideias aos interesses, na possibilidade de aliviar os problemas de cooperação ao oferecer soluções. Em terceiro, as comunidades epistêmicas seriam as redes de profissionais com competência reconhecida em um domínio específico para acompanhar ditas políticas públicas e então, o quarto aspecto, o aprendizado, processo que tem a ver mais com política que com ciência, o que transforma o estudo do processo político em uma questão relacionada a quem aprende o quê, quando, para o benefício de quem e por que.

A par tir do exposto acima, percebe-se que a trajetória histórico-social das políticas públicas no Brasil caminha lentamente no que diz respeito à concretização de programas e ações que atendam aos critérios estabelecidos pela estrutura social e de gestão dos agentes sociais. Ressalta-se, sobretudo, a própria confusão relativa à definição e aplicabilidade de conceitos, a exemplo de política pública (dimensão macro) e política social (dimensão micro) em que pese o uso da segunda para definir a segmentação da condição pública. Neste sentido, é válido frisar que tais políticas devem ser caracterizadas e analisadas conforme as formas de governo, contexto sociopolítico e, sobretudo, por meio das estratégias de redução da pobreza e da desigualdade, protagonizadas pelas políticas de transferência de renda direta com condicionalidades.

5.2 POLÍTICA DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA DIRETA COM CONDICIONALIDADE: ESTRATÉGIA DE REDUÇÃO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE

As políticas de transferência de renda direta com condicionalidade apresentam, entre seus precedentes históricos, o nascimento de políticas sociais que previssem, em meados de década de 1990, a garantia de uma renda mínima para grupos de parte da população no contexto da América Latina. Tais políticas assumiram caráter específico, haja vista o objetivo principal que norteia seus propósitos: combater a pobreza e erradicar a fome nos países afetados historicamente e socialmente por esses dois fenômenos. Os estudos de L. Lavinas (2000) e R. Varsano (1998), ambos publicados pelo IPEA, apresentam a cronologia e os países pioneiros na criação e implementação de tais políticas, a exemplo da Dinamarca, em 1933; da Inglaterra, em 1948; da Alemanha, em 1961; da Holanda, em 1963; da Bélgica, em 1974; da Irlanda, em 1977; de Luxemburgo, no ano de 1986 e, finalmente, na França, em 1998.

Considerando o intervalo de tempo entre a implantação de programas entre os países acima, é relevante destacar que, apesar de possuírem elementos particulares que os diferenciam, há um conjunto em comum caracterizado pelos seguintes aspectos:

a) São programas que se destinam aos grupos que apresentam renda mínima insuficiente para a manutenção da sobrevivência que se vinculam, portanto, ao princípio da universalidade;

b) A determinação do benefício a ser transferido é estipulada pela demanda declarada do próprio beneficiário;

c) São orientados a par tir do cumprimento de algumas prerrogativas e contrapartidas, vistas aqui como condicionalidades;

d) O valor do benefício é calculado a par tir da somatória das demais prestações sociais e pela renda do indivíduo ou da família daquele que a solicita. (LAVINAS; VARSANO, 1998)

Além dos elementos que o caracterizam, existem os

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pilares que estruturam os debates acerca da funcionalidade desses tipos de programa: o primeiro, denominado incondicionalidade forte, defende que a transferência de renda destinada à subsistência não seja precedida por diferenças e pressuposições condicionantes; o segundo, conhecido como incondicionalidade débil, está baseado na previsão de um imposto de renda negativo somente para os sujeitos que não possuem renda mínima para viver de forma digna; o terceiro, o workfare, baseia-se na ideia de que o benefício deve estar condicionado ao desenvolvimento de atividades laborais por aqueles que estejam em condição para, estabelecendo contrapartidas, o ingresso e manutenção do recurso.

Para o caso brasileiro, observa-se que, ao longo das mudanças de governo, principalmente para as gestões dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, houve uma manutenção do predomínio de políticas de caráter focalizado em detrimento de programas e ações universalizantes. Vê-se que a crise sofrida pelo Welfare State e pela reestruturação do mercado de trabalho trouxe a urgência de se rever o debate acerca das relações entre a proteção social e o trabalho, retomando o enfoque nos desafios da inserção social, em que se pese, nesse sentido, o redimensionamento da noção tradicional de direito social. De um lado, temos o fortalecimento da implementação de experiências de transferência de renda orientadas pela condicionalidade; do outro, a intensificação da polêmica em torno da cobrança de contrapartidas dos beneficiários dessas políticas.

Para o exemplo latino-americano, em especial, o caso brasileiro, impera a “lógica da cobrança” de condicionalidades/contrapar tidas, com o objetivo de inserir seus beneficiários nos serviços de saúde, educação e, em casos esporádicos, na assistência social, visando à ampliação do acesso a tais direitos sociais. No entanto, não há a busca de inserção dos sujeitos no mercado de trabalho .

Dentro desse quadro, resta-nos questionar o paradoxo em torno ao debate entre renda mínima X direito ao trabalho/direitos sociais X condicionalidades, em que paire sob as cabeças de tais políticas os polêmicos questionamentos: considerando o proeminente conjunto de transformações societárias, “os programas de transferência monetária contribuem para aprofundar os direitos de cidadania, ou, ao contrário, concorrem para

sua negação e regressão?” (MONNERAT et al., 2007, p. 1456)

Os debates mais recorrentes na literatura e nas decisões econômicas perpassam pelo dilema da necessidade de se adotar ou não políticas de renda sustentadas pelo modelo incondicional, destacando-se, sobretudo, “os critérios de justiça” apontados por Simone Diniz (2007).

Diniz (2007) trabalha com a mesma teoria que Lavinas (2000, p. 1) quando parte do princípio que políticas sociais e Estado de Bem-estar social assumem o mesmo entendimento, ou seja,

[...] um regime específico de transferências sociais, de base

fiscal, cujo objetivo é promover o bem-estar dos indivíduos

mediante uma redistribuição de renda e da riqueza (ativos)

comprometida com a ideia de justiça.

Partilha-se então da compreensão de que a ideia de justiça deveria estar atrelada ao elemento distributivo, em que as dotações de recursos que se destinam à garantia da subsistência dos pobres podem, potencialmente, oferecer condições para que estes se tornem titulares efetivos de direitos sociais. Os direitos sociais são determinantes para conceder às famílias e às jovens mulheres do programa capacidades mínimas que fomentem a constituição de sujeitos políticos demandantes de recursos públicos para atender às várias necessidades da vida.

Ao compararmos os estudos dos autores acima citados concluímos que o elemento de interseção entre os dois argumentos é o compromisso com a ideia de justiça, uma ideia presente em diversos trabalhos acerca da temática. Um dos principais defensores da incondicionalidade forte, Philippe Van Parijs (1994), trabalha com a visão de que a renda incondicional é entendida como uma política social que ultrapassa o modelo do “Estado de bem-estar social”. O professor acredita não se tratar de uma fragmentação do conjunto de ações e intervenções características do welfare state, mas de uma nova feição da intervenção do Estado, formada por padrões de ética distintos dos tradicionais.

Interessante destacar que a literatura nacional em muitos momentos se deixa desaperceber de alguns elementos teóricos, considerados por essa investigação como relevantes para o entendimento sócio-histórico das políticas de transferências de renda e de sua gestão:

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a tipologia e as metodologias construídas a partir das experiências do século XIX. Atualmente, trabalha-se com três tipos de welfare: a) Bismarkiano – baseado em um sistema de seguros sociais, de cunho obrigatório; b) Beveridgeano – baseado na concepção de solidariedade e nas transferências ex-ante; e, c) Paineano – assentado na noção de equidade, materializado na permissão de uma renda básica que seja incondicional. (VAN PARIJS, 1995)

Ao optar pela abordagem de justiça, nor te de seus argumentos a favor da adoção de renda básica incondicional, Van Parijs precisou recorrer aos filósofos-economistas do século XIX, para mostrar que o conceito utilitarista necessitou aos poucos fazer revisões do seu discurso original para sustentar o argumento da “distribuição justa dos níveis de vida” atrelada à noção de liberdade, haja vista que o método utilitarista baseia-se nas escolhas individuais, ou seja, as escolhas que produzirem maior utilidade são as mais justas, trazendo à tona as comparações entre as preferências dos sujeitos. Para o aspecto da distribuição, Van Parijs (1997, p. 141) observa que:

[...] tratava-se de maximizar o bem-estar coletivo, definido

como a soma dos níveis de bem-estar coletivo dos indivíduos

que compunham a sociedade considerada. A maneira como

os níveis de vida são distribuídos não importa como tal.

Importa somente seu impacto sobre esse agregado que é o

bem-estar coletivo.

Apesar de bem construída teoricamente, ao longo dos tempos, provou-se a ineficiência de tal método com a experiência empírica, já que seria impossível a “comparação interpessoal das utilidades”, como aponta Diniz (2007). Seria necessário responder a algumas questões de caráter qualitativo, a exemplo de: “a dimensão populacional dever ser tomada como variável?” ou “quem são indivíduos cuja utilidade deve ser considerada quando comparamos a soma das utilidades correspondentes às diversas opções?” (DINIZ, 2007, p. 106)

Diante dos dilemas de ordem inviável descritos acima, Van Parijs (1997) decide então defender a adoção de aspectos distributivistas, ao invés de exigir a eficiência de tais processos, ao passo que se preocupa com o princípio da igualdade imbricado no princípio da equidade. Como observa Diniz (2007, p. 107), tal princípio “[...] assume que os indivíduos são diferentes

entre si, portanto, merecem tratamento diferenciado, que elimine ou reduza a desigualdade”.

Tais conclusões estão marcadas pela teoria de Rawls que defende a ideia de que todo “[...] tratamento desigual é justo quando beneficia o indivíduo mais necessitado”. (DINIZ, 2007, p. 107) Para as questões que se apresentam neste estudo, interessa-nos investigar os elementos do princípio da diferença de Rawls, princípio este que propõe à articulação entre a igualdade e eficiência, em que pese a eventual possibilidade de “[...] justificar as fórmulas concretas de distribuição que diferem de um contexto a outro”. (VAN PARIJS, 1997, p. 146)

Em tempos voltados para o discurso da “justiça social”, o trabalho de Rawls intitulado Uma Teoria da Justiça possibilita-nos visualizar as dimensões passíveis de debate: de um lado, o estabelecimento de um “sistema igual de liberdade para todos” fundamentado na ideia de que:

[...] cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso

sistema de liberdades básicas que seja compatível com um

sistema de liberdades idêntico para as outras; o segundo

determina sob quais condições sociais essas liberdades

devem ser distribuídas de forma a que, simultaneamente: a)

se possa razoavelmente esperar que elas sejam em benefício

de todos; b) decorram de posições e funções às quais todos

têm acesso. (VAN PARIJS, 1993, p. 68)

Por sua vez, o “princípio da diferença” se relaciona de forma direta à segunda concepção que acabamos de apresentar: na interpretação de Diniz (2007, p. 107), referência para nossos argumentos, “[...] trata-se de maximizar as oportunidades de renda, poder, bem-estar etc. dos mais desfavorecidos, pois, desigualdades sociais só são legítimas se contribuem para melhorar a sorte dos mais desfavorecidos”.

À primeira vista, é possível identificar que tal princípio está presente nas disposições legais e diretrizes do PBF em que pondere, acima de tudo, não a prioridade do conceito de utilidade ou bem-estar, mas sim em termos que Rawls chama de “bens sociais primários”, ou seja, são os meios, as condições intermediárias que possibilitam os indivíduos perseguirem a realização de uma condição boa de vida. Consideramos, nesse tempo, para as abordagens aqui propostas, “os bens sociais” e suas categorias de observação social (RAWLS, 2000, p. 228):

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1) “Direitos e liberdades fundamentais, que também

constituem uma lista”;

2) “Liberdade de movimento e de livre escolha de ocupação

num contexto de oportunidades diversificadas”;

3) “Poderes e prerrogativas de cargos e posições de

responsabilidade nas instituições políticas e econômicas da

estrutura básica”;

4) “Renda e riqueza”;

5) “Bases sociais do auto-respeito”.

Partindo destes pressupostos, a posição “libertariana” se aproximaria das primeiras noções das políticas sociais brasileiras, quando do precedente de que a liberdade (entendida pela normativa do programa como autonomia) assume posição central, em que, como direito, não é suficiente, de todos os modos, uma vez que é necessário ter os meios para alcançá-la. Há que se considerar, para além disso, a máxima de tais liberdades, exigência da “[...] igualdade eqüitativa de oportunidades e a maximização dos benefícios dos mais desfavorecidos, ou para qualquer outro princípio de justiça distributiva”. (DINIZ, 2007, p. 108)

Ademais, percebe-se a forte relação entre a “liberdade real” e os “bens sociais primários” existentes no princípio da diferença de Rawls (2000):

O ‘princípio da diferença’ poderia ser a ‘justificação para

o sistema de renda mínima garantida, pois no rol dos

‘bens primários’ estão as bases sociais do auto-respeito’

necessárias para dar à pessoa um sentido firme de seu próprio

valor e a confiança em si necessária para a perseguição de

seus fins. Para que isto ocorra é necessário que o benefício

seja distribuído de uma maneira que não estigmatize os

beneficiários e que essa distribuição se faça em particular,

sem controle dos recursos e sem controle da vida privada.

(DINIZ, 2007, p. 108)

Seria então,

[...] (uma) renda concedida de modo incondicional a cada

cidadão (ou residente permanente), quer tenha ou não

emprego, quer pense ou não em ter um, qualquer que seja sua

condição conjugal e qualquer que sejam os seus rendimentos

provenientes de outras fontes. (VAN PARIJS, 1997, p. 177-

179)

Para além dos condicionantes para a garantia da liberdade e da diferença haveria de se destacar o princípio universalista – argumento que não abriria precedentes

para as “arbitrariedades morais” (uma espécie de loteria, talentos, recursos materiais), garantindo desta forma, um sistema institucional incondicional para qualquer cidadão e sua subsistência. (GARGARELLA, 1995, p. 236)

Entretanto, a adoção de uma renda universal básica não se aplica às sociedades classificadas como pobres. Ainda que adote uma forte tendência para a aplicação da renda básica universal e incondicional, Van Parijs admite que apenas as sociedades que não possuem a fome como fenômeno social, “ou que podem fazê-lo sem violação à propriedade de si mesmo, é que vale a pena falar em renda básica”. (DINIZ, 2007, p. 108)

Há que se examinar atentamente que políticas distributivas de renda enfrentam dois problemas: o excessivo quantitativo de beneficiários e poucos recursos a serem destinados pelos governos. Esse determinante, por sua vez, provoca uma problemática de ordem política extremamente grave: como organizar ações efetivas com a finalidade de distribuição entre os beneficiários em condições institucionais apresentadas por cada país? (GARGARELLA, 1995)

Para o caso brasileiro, o histórico-social das políticas sociais é caracterizado pela predominância do modelo bismarckiano; tais políticas iniciaram sua institucionalização entre os anos de 1930 e 1970. Entre as décadas de 30 e 40 vê-se que a legislação se preocupava quase unicamente com aspectos previdenciários e trabalhistas, com a finalidade de assegurar a proteção dos trabalhadores nas áreas urbanas, haja vista as baixas aposentadorias e pensões.

De acordo com S. Draibe (1989), as demais áreas reuniram-se em um só bloco: saúde, educação, assistência social e habitação, que caminharam rumo ao modelo institucional a partir de 45, alcançando maior espaço, finalmente, em 1964.

Já o ano constituinte de 1988 trouxe a esperança de nascimento de novos paradigmas que valorizassem padrões de justiça social. O período conhecido como Nova República trouxe o crescimento do número de programas para assistência social, sem base contributiva, em que se destacam os de “[...] distribuição gratuita de bens in natura à população pobre”. (DINIZ, 2007, p. 108)

Neste mesmo contexto foram rascunhados os primeiros debates e propostas para a descentralização, em especial, na área da saúde. A Constituição Federal incitou também uma intensa modificação para o

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sistema previdenciário rural, em que se frisa o acesso das mulheres às aposentadorias e pensões de forma independente, ou seja, autonomia frente à condição do cônjuge ser ou não beneficiário, como observa H. Schwarzer (2000). No entanto, após o entusiasmo de 1988, outro debate

[...] começou a estruturar-se em torno da busca de soluções

contra o fraco desempenho econômico, os desequilíbrios

financeiros e o processo inflacionário. A base de sustentação

dos antigos modelos de welfare state começava a ruir.

Alterações no ‘mundo do trabalho’ (terceirização, mudanças

tecnológicas, dispensa de trabalhadores, etc.) colocaram na

‘ordem do dia’ a necessidade de se repensar o modelo de

políticas sociais. (DINIZ, 2007, p. 109)

Os programas de renda mínima no Brasil, ao longo dos anos e das transições de formas de governo, se apresentam e se organizam a partir de três argumentos, conforme pontua C. A. Ramos (1998):

1) O de que um programa deste tipo viria a terminar com a história e já divulgada prática política baseada na intermediação feita pelos políticos em mandato, dos benefícios sociais de ordem do Estado;

2) A oportunidade para aquelas pessoas que estão fora do mercado formal de trabalho de ter acesso a uma renda mínima;

3) Tal renda, por sua vez, se configurava em um possível instrumento de distribuição de renda.

Dos três pontos apresentados, o que nos parece apropriado para um dos debates que permeiam o Bolsa Família é o primeiro, por se tratar de algo relacionado ao cunho político e eleitoral do programa. Ademais, o histórico das políticas de transferência de renda com condicionalidade mostra que as diretrizes legais da política trazem complicadores referentes ao próprio conceito de família utilizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome para caracterizar os grupos beneficiários, não esquecendo que os programas e normativas da assistência social apresentam, cada um de seu modo particular, diferentes definições para o termo família, primeira incoerência detectada haja vista que atualmente todos os programas são integrados e tem como fator central de proteção social a mesma família, além de identificarmos o não-alinhamento com pesquisas e conselhos nacionais que possuem mesmo público-alvo.

Como exemplo, podemos fazer uma comparação entre o Bolsa Família, o Benefício da Prestação Continuada (BPC) e o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar, política pública deliberada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA):

• BPC: O conjunto de pessoas que vivem sob o mesmo teto, assim entendido, o requerente, o cônjuge, a companheira, o companheiro, o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido, os pais, e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido (BRASIL, 2007);

• PBF: unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantêm pela contribuição de seus membros (BRASIL, 2004);

• SUAS: núcleo básico de sustentação afetiva, biológica e relacional. A defesa do direito à convivência familiar na proteção de assistência social supera o conceito de família como unidade econômica, mera referência de cálculo de rendimento per capita e a entende como núcleo afetivo, vinculada por laços consangüíneos, de aliança ou afinidade, onde os vínculos circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero (NOB/SUAS, 2005, p. 16);

• CONANDA: todo grupo de pessoas com laços de consangüinidade, de aliança, de afetividade ou de solidariedade, cujos vínculos circunscrevem obrigações recíprocas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero. Arranjos familiares diversos devem ser respeitados e reconhecidos como potencialmente capazes de realizar as funções de proteção e de socialização de suas crianças e adolescentes. (CONANDA, 2006, p. 3)

O PBF traz como prioridade para as intervenções propostas pela política o modelo nuclear de família, em que a inclusão ou adaptação de conceitos contemporâneos somente surgem em situações eventuais, permitindo, portanto, ampliar sua definição ao domicílio ou unidade de moradia que abriguem, seja por laço de sangue ou afinidade, o grupo familiar. No entanto, essa ampliação está condicionada à comprovação de vínculos a partir da documentação civil de seus integrantes e não apenas

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por declaração do responsável pelo Cadastramento Único (CADUNICO).

O CONANDA, por sua vez, trabalha com a noção de arranjos familiares em que pese o reconhecimento os novos modelos − monoparentais, estendidas ou recompostas, não como exceções ou eventualidades, mas como elementos do cotidiano da maioria das famílias brasileiras. Ademais, o CONANDA defende mudanças no paradigma do atendimento às famílias, por meio da ênfase nas funções de proteção e socialização dos indivíduos.

O BPC caminha pela perspectiva inicial do PBF da família nuclear, mas não incorpora a possibilidade de adaptação da definição do grupo como este. Já o SUAS advoga a favor da superação da família como unidade econômica e da criação de políticas com base em seleção das famílias beneficiárias quase sempre à base da renda per capita. Valorizam-se então, os laços e a relação de afinidade socioafetivas, atendendo, de certa forma, às demandas das novas configurações atuais.

Nessa perspectiva, vê-se a impor tância de compreendermos com maior profundidade a proposta das políticas de transferência direta de renda com condicionalidades. A ex-Secretária Nacional de Renda e Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Rosani Cunha (2008) lembra que as transferências de renda no Brasil como estratégia de redução da pobreza e da desigualdade passam a partir da década de 90, a assumir o caráter de “escolhas” pelo poder público como estratagemas do conjunto de ações para tais objetivos. De modo geral, Cunha (2008) resgata o debate acerca das três matrizes principais que permeiam as diretrizes desses programas:

1) A reunião das teorias defensoras da universalização (compreendida como direito de todos os cidadãos), da autonomia e do poder de escolha que teriam em comum o “compar tilhamento da riqueza produzida por todos e fortaleceria o sentimento de solidariedade e de per tencimento dos cidadãos” (CUNHA, 2008, p. 3). Como objetivo tem-se o alcance de princípios da igualdade, isonomia, sem focalização e como metodologia faz-se opção pela redistribuição de renda assegurada por políticas tributárias progressivas.

2) A compreensão de que políticas públicas (renda) possuem relevância para a garantia da sobrevivência das famílias ou dos indivíduos em casos específicos,

mas precisam ter natureza residual. Isso significa que devem ser restritos à população (parte dela) em condição de extrema pobreza ou de incapacidade de manter sua própria sobrevivência. São características marcantes: atuação residual do Estado, ofer ta de “pacotes” básicos de serviços e desenhos de focalização bastante restritivos.

3) A concepção de que tais políticas são “opções do Poder Público em privilegiar os mais pobres” (CUNHA, 2008, p. 3). Em linhas gerais, fundamenta-se em: tratamento diferenciado, justiça distributiva e mecanismos de focalização.

Segundo Cunha (2008), a terceira estratégia apresentada é a base que fundamenta as diretrizes e os objetivos do Programa Bolsa Família, por exemplo. De forma geral, os aspectos aqui levantados foram agrupados ao longo dos governos nas últimas duas décadas, resultando na unificação de alguns programas das áreas prioritárias: saúde, educação e assistência social. Atualmente, identificam-se as políticas públicas brasileiras com dois grandes elementos centrais: o princípio da universalidade e as ações afirmativas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Historiar o desenvolvimento do pensamento político não se constitui tarefa fácil, muito menos perigosa. Selecionar os principais temas e autores é um dever ingrato e injusto, uma vez que em um trabalho como esse, o autor precisa abrir mão de algumas contribuições que, sem dúvida, são essenciais à dimensão dos estudos historiográficos da História do Pensamento Político. Da Antiguidade, caminhando pela modernidade e, finalmente, chegando à época contemporânea, seja pelo século XIX ou pela história do tempo presente, este material teve como objetivo ilustrar, de forma concisa e crítica, os principais dilemas e questões construídas durante milênios acerca da teoria das formas de governo e, sobretudo, da sua relação com o Estado e suas instituições.

Esperamos que a leitura, as indicações bibliográficas, as atividades e as informações trazidas pela presente escrita provoquem questionamentos e incentivem o espírito do historiador em vocês: o de desvelar anseios e expectativas de nossa condição humana, tornando-se professores do tempo presente e formando-se como educadores que aprenderam que o ato de ver não é coisa natural. Ele precisa ser aprendido.

Forte abraço,Professora Bárbara Maria Santos Caldeira

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Anotações

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