178
O Pensamento Político de Getúlio Vargas 1 O Pensamento Político de Getúlio Vargas

O Pensamento Político de

  • Upload
    others

  • View
    5

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 1

O Pensamento Político de

Getúlio Vargas

Page 2: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 2

Vargas, GetúlioO Pensamento Político de Getúlio Vargas.Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sule Museu Julio de Castilhos, realizadores. Porto Alegre/RS, 2004. 237 p. il. (O Pensamento Político).1.Política: Rio Cirande do Sul. 2. Vargas, Getúlio (1882-1954), Político, Estadista. 3.Coleção: O PensamentoPolítico, v.2.CDU : 32 (816.5)

Realização:Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do SulInstituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do SulMuseu Julio de Castilhos

Coordenação:Escola do Legislativo "Deputado Romildo Bolzan"

Pesquisa:Hstoriógrafas do Museu Julio de CastilhosLiana Bach MartinsMareia Eckert Miranda

Estagiários do Museu Julio de Castilhos:Luis Armando Peretti (ULBRA)Muriel Rodrigues de Freitas (UNISINOS)Viane Otto da Silva (ULBRA)

Bibliotecários:Mareia Piova - CRB10/1557Carlos Laerte Moraes - CRB 10/867

Revisão:Nádia GalhoDiretora do Departamento de Taquigrafia AL/RS

Editoração:Juçara Campagna – CORAG

Capa:Sid Monza – CORAG

A coleção "O Pensamento Político" faz parte do projeto realizado pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio Cirande doSul, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e o Museu Julio de Castilhos, com coordenação da Escola doLegislativo "Deputado Romildo Bolzan", que tem por objetivo destacar e homenagear personagens da História política doRio Cirande do Sul.

Luís Antônio Costa da SilvaDiretor da Escola do Legislativo"Deputado Romildo Bolzan"

Page 3: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 3

MESA DIRETORA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA2004

Deputado Vieira da CunhaPresidente

Deputado João Fischer1 °-Vice-Presidente

Deputado Manoel Maria2o-Vice-Presidente

Deputado Luís FernandoSchmidt l°-Secretário

Deputado Márcio Biolchi2°-Secretário

Deputado Sanchotene Felice3°-Secretário

Deputado Cézar Busatto4°-Secretário

Page 4: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 4

ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoAssembléia Legislativa

do Rio Grande do Sul

aríssimos são os homens públicos que, largo tempo após seu desaparecimento, continuamvivos na memória do povo a que serviram, com a energia e o entusiasmo ditados por seu

patriotismo. E precisamente o que se dá com a figura invulgar de Getúlio Vargas, que hámeio século, deu o primeiro passo no caminho da eternidade, saindo da vida para entrar na

História. Eis por que lhe dedica a Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul este segundo volumeda série Pensamento Político, em colaboração com o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande doSul e o Museu Júlio de Castilhos.Neste volume se recolhem, para a posteridade, a síntese das mais caras convicções de um estadista,desde seus verdes anos como acadêmico de Direito à trágica culminância de uma trajetória toda eladevotada aos mais altos e legítimos interesses do Brasil.Artífice da unidade e comandante dos adversários de 23, que se reuniriam para a jornada vitoriosa de30, Getúlio Dornelles Vargas notabilizou-se como extraordinário reformador político, pondo termo aoimpério da ata falsa e das eleições fraudadas, como criador de uma legislação trabalhista eprevidenciária sem paralelo em sua época, como formulador e implementador de diretrizes dedesenvolvimento econômico fundado na justiça social, como fiador da unidade do País durante a maiordas guerras que já ensangüentaram a humanidade, como promotor da participação brasileira no teatrode operações bélicas da Europa, como batalhador da criação da Aliança Atlântica e da Organização dasNações Unidas.Esses e outros feitos lhe valeram, após deixar o poder em 1945, triunfante retorno em 1950, emeleições que o consagraram como um dos grandes líderes democráticos de seu tempo. Empreendianovamente governo exemplar quando o ódio, as infâmias e as calúnias pretenderam atingi-lo em suahonra. Desambicioso, sem conhecer outro senhor que o povo, a 24 de agosto de 1954 o estadista queoferecera aos brasileiros sua vida, lutando de peito aberto contra a reação e o vilipêndio, entregou-lhessua alma, no gesto extremo do suicídio."Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meusangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência.Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória.Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna.", escreveu Getúlio Vargas em sua famosaCarta - Testamento, cujo texto, passado meio século, é de uma impressionante atualidade.E esse extraordinário vulto que ora a Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sulhomenageia, certa de ecoar o sentimento de toda uma nação.

Porto Alegre, agosto de 2004.

Deputado VIEIRA DA CUNHAPresidente da Assembléia Legislativa do RS

Page 5: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 5

ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoInstituto Histórico

"Não basta viver, é preciso um destino, e sem esperar pela morte"Albert Camus

publicação do segundo volume do Pensamento Político, resultante do Protocolo de Intençõesentre a Assembléia Legislativa e o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, é o

testemunho de que os projetos generosos são férteis. Aqui está o pensamento político deGetúlio Vargas que conduzido pelas circunstâncias - viveu e agiu nelas, sem ser, contudo, por elasabsolutamente orientado. Pelo contrário, aproveitou-as com criatividade. O Pensamento Político deGetúlio Vargas reflete todas as circunstâncias como homem histórico e as suas respostas como homemde ação, perseguindo a concretização de um projeto: a construção e a unidade da Nação. Foi umpensamento complexo na medida em que foi dinâmico e conflituoso entre o passado e a execução deseu projeto, entre os movimentos do mundo e da sociedade brasileira.

Transformou - no exercício do poder - a sociedade brasileira. Incorporou a massa no projetonacional.

Getúlio Vargas não foi indiferente a ninguém porque não foi um homem medíocre e por issose incorporou indelevelmente à nossa História. Saiu da vida quando quis, numa decisão certamenteorgulhosa e simbólica, para não se subjugar às circunstâncias.

Os fragmentos do pensamento político de Getúlio Vargas, aqui selecionados, objetivamprovocar reflexões não só sobre um homem, mas sobre a Era Vargas, para a construção do Brasilcontemporâneo, numa época em que o sentido de nação está ameaçado pelas circunstâncias daglobalização.

Associados aos funcionários da Assembléia Legislativa e do Museu Julio de Castilhos,idealizamos esse trabalho de resgate do pensamento que construiu a História.

Gervásio Rodrigo NevesPresidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul

Page 6: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 6

ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoMuseo Julio de Castilhos

O Museu Julio de Castilhos é a mais antiga instituição museológica do Rio Grande do Sul. Asua criação, em 1903, representou o passo inaugural no surgimento das primeiras estruturasresponsáveis pelo resgate sistemático da memória política e social do nosso Pastado. No ano em quecomemoramos o cinqüentenário da morte de Getúlio Vargas, o Museu Julio, no cumprimento de seupapel de mantenedor da memória gaúcha, chama para si a importante tarefa de homenagear este que,indiscutivelmente, foi o político de maior relevância no cenário republicano.

O Museu Julio de Castilhos, em parceria com o Instituto Histórico e Geográfico do RioGrande do Sul e a Assembléia Legislativa do Estado, lança o livro "O Pensamento Político de GetúlioVargas". A publicação contém textos de diferentes períodos de sua vida pública - a Faculdade deDireito de Porto Alegre, o Governo do Estado, a campanha da Aliança Liberal, o governo provisório, afase constitucional e o período do Estado Novo, a campanha presidencial de 1950 e o períodoconstitucional, até a carta testamento.

Pautamos nossa homenagem na perspectiva de uma ação que estimulasse a reflexão e osbalanços críticos em torno deste gaúcho, cuja trajetória se entrelaça com momentos cruciais da políticabrasileira, ultrapassando, significativamente, as fronteiras dos acontecimentos regionais.

Nara Machado MunesDiretora do Museu Julio de Castilhos

Page 7: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 7

Apresentação TécnicaApresentação TécnicaApresentação TécnicaApresentação Técnica

livro "O Pensamento Político de Getúlio Vargas" é o segundo volume da coleção "OPensamento Político", iniciativa da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul,do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e do Museu Julio de Castilhos, com

coordenação da Escola do Legislativo "Deputado Romildo Bolzan". Getúlio Vargas foi escolhido comopersonagem desta obra, pois como político representou um marco na história do Brasil, tendo iniciadosua vida pública como deputado estadual, chegando ao posto máximo da República.

A obra reúne discursos e escritos de Getúlio Vargas, relativos aos diferentes períodos de suavida política. Ela inicia com a oração fúnebre em homenagem a Julio de Castilhos, quando Vargas,ainda, freqüentava a Faculdade de Direito de Porto Alegre. Seguem os pronunciamentos lidos durante asua passagem pelo Governo do Estado (1928-1929), os proferidos por ocasião da Plataforma daAliança Liberal, quando concorreu à Presidência da República (1930), e os manifestos em defesa domovimento revolucionário de 1930.

Do período do Governo Provisório, selecionou-se textos que relatam a nova organizaçãoadministrativa do País, a convocação da Constituinte e a revolução de 1932. O período ditatorial foicontemplado pelos primeiros discursos, de 1936, contra o comunismo e justificando a implantação doEstado Novo. Os demais, do período 1938-1945, colocam o posicionamento de Vargas frente aquestões vitais para a modernização do País: trabalho, nacionalidade, infra-estrutura, funcionalismopúblico, a entrada do Brasil na 2a Guerra, até o seu manifesto à Nação, renunciando à Presidência,pressionado pelos militares.

Do período constitucional (1950-1954) foram escolhidos discursos da Campanha Presidencial,suas mensagens ao Congresso e discursos propondo a criação da Petrobrás, da Eletrobrás e de outrasobras de infra-estrutura, além de textos, de profundo caráter emocional, em que, no final do mandato,denuncia a crise que se avizinha, terminando com a carta testamento.

As fontes utilizadas para essa seleção foram o jornal A Federação e as coletâneas de discursosde Vargas, publicadas pela Editora José Olympio, entre 1938 e 1969, com os títulos A Nova Política doBrasil (vol. I a XII) e A Política Trabalhista do Brasil (vol. I a IV). Foi realizada a atualizaçãoortográfica, segundo os padrões atuais da língua portuguesa.

As coleções de jornais foram consultadas no Museu de Comunicação Social Hipólito José daCosta. O acervo bibliográfico pertence ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, àBiblioteca da ULBRA, à Biblioteca Pública do Pastado, à Biblioteca do Museu Julio de Castilhos e aoacervo particular do Prof. Dr. Pedro Cezar Dutra Fonseca, ao qual agrademos a cooperação

Liana Bach MartinsVice-Diretora do Museu Julio de Castilhos

Page 8: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 8

SumárioSumárioSumárioSumário

1. Discurso pronunciado na Sessão Fúnebre realizada na noite de 31 de Outubro de 1903 .................. 172. O discurso do Dr. Getúlio Vargas (A Federação, 10 e 12 de dezembro de 1927) ............................. 203. Discurso preferido no banquete oferecido aos jornalistas, congressistas e políticos que vieram

prestigiar a posse do governador do Estado (A Federação, 27/01/1928) .......................................... 284. Discurso proferido no 2o Congresso de Criadores (A Federação, 26 de Abril de 1928) .................. 305. Plataforma da Aliança Liberal, Explanada do Castelo, 02 de Janeiro de 1930 ................................. 376. Rio Grande de pé pelo Brasil, discurso pronunciado em Porto Alegre, 04 de Outubro de 1930 ...... 597. A Nova Organização Administrativa do País, discurso de posse na Chefia do Governo Provisório,

em 03 de novembro de 1930 ............................................................................................................. 628. A Imprensa e a Convocação da Constituinte, discurso pronunciado na Associação Brasileira de

Imprensa, 20 de setembro de 1931 .................................................................................................... 669. A Volta do País ao regime constitucional, discurso aos representantes do Club 3 de Outubro, no dia 4

de março de 1932, em Petrópolis ...................................................................................................... 7010. Manifesto ao Povo de São Paulo, 20 de Setembro de 1932 ............................................................. 7211. As Classes Trabalhadoras e o Governo da Revolução, discurso pronunciado em 29 de outubro de

1932 ................................................................................................................................................... 7912. A Instrução Profissional e a Educação Moral, Cívica e Agrícola, discurso pronunciado na Bahia,

em 18 de Agosto de 1933 .................................................................................................................. 8013. O Levante Comunista de 27 de novembro de 1935, saudação ao povo em 01 de Janeiro de 1936 . 8714. Necessidade e Dever de Repressão ao Comunismo, resposta à manifestação popular recebida no

Rio de Janeiro, a 10 de maio de 1936 ................................................................................................ 9215. Proclamação ao Povo Brasileiro, lida no Palácio da Guanabara e irradiada para todo o País, na noite

de 10 de novembro de 1937 .............................................................................................................. 9616. Orientação Nacional do Ensino, discurso pronunciado na ocasião do Centenário da Fundação do

Colégio Pedro II, 02 de dezembro de 1937 ..................................................................................... 10417. No Limiar do ano de 1938, saudação aos brasileiros, pronunciado no Palácio Guanabara e irradiada

para todo o País, à meia-noite de 31 de dezembro de 1937 ............................................................ 10718. A Solidariedade dos Rio-grandenses e a Libertação do Rio Grande, discurso pronunciado no

Palácio do Governo do Rio Cirande do Sul, em Porto Alegre, 07 de Janeiro de 1938 ................... 11219. O Funcionário Público e o Serviço da Nação, discurso pronunciado no Palácio Tiradentes, ao

comemorar-se o "Dia do Funcionário Público", a 08 de dezembro de 1938 .................................. 11420. O Plano Rodoviário do Governo, discurso pronunciado em Areias, ao ser entregue ao tráfego a

estrada de rodagem Rio-Bahia, a 11 de abril de 1939 ..................................................................... 11621. O Dia do Trabalho, discurso, em resposta a saudação do Ministro do Trabalho, intérprete das

classes trabalhadoras, no dia 01 de maio de 1939 ........................................................................... 11922. O Sentimento de Nacionalidade em Blumenau, discurso pronunciado nessa cidade em 10 de março

de 1940 ............................................................................................................................................ 121

Page 9: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 9

23. A Posição do Brasil na América, discurso pronunciado na Ilha do Viana, ao realizar-se homenagemda Federação dos Marítimos, em 29 de junho de 1940 ................................................................... 124

24. A Eficiência do Funcionário e o Aperfeiçoamento do Serviço Público, discurso no AutomóvelClube do Rio de Janeiro a 28 de outubro de 1941 ........................................................................... 127

25. O Brasil agredido reage dignamente, discurso pronunciado no Estádio do Vasco da Gama, em 07 desetembro de 1942 ............................................................................................................................. 130

26. O Primeiro Lustro do Estado Nacional, discurso pronunciado no Teatro Municipal, a 10 denovembro de 1942 ........................................................................................................................... 134

27. As Forças Armadas em torno do Chefe do Governo e a preparação militar do País, discursopronunciado no Aeroporto Santos Dumont, a 31 de dezembro de 1942 ......................................... 138

28. Volta Redonda e a Capacidade Construtiva dos Brasileiros, discurso pronunciado em VoltaRedonda, 7 de março de 1943 ......................................................................................................... 141

29. O Patriotismo do Trabalhador Brasileiro e a Política Trabalhista do Governo, discurso pronunciadono Estádio Vasco da Gama, em 01 de maio de 1943 ...................................................................... 147

30. O Brasil e as suas Forças Armadas nas Tarefas Árduas da Guerra, discurso pronunciado em 31 dedezembro de 1943 ........................................................................................................................... 151

31. A Preparação c o Patriotismo do Corpo Expedicionário, improviso agradecendo a saudação doGeneral Mascarenhas de Morais, 20 de maio de 1944 .................................................................... 153

32. Planejamento Econômico, discurso pronunciado no Catete, em 03 de outubro de 1944 15533. A jornada da recomposição democrática, discurso pronunciado no Palácio Guanabara em 3 de

outubro de 1945 ............................................................................................................................... 15834. Manifesto ao renunciar ao governo, 30 de outubro de 1945 .......................................................... 16035. Carta-manifesto ao Senador Salgado Filho, em São Borja, 07 de junho de 1950 ......................... 16136. Mensagem dirigida ao povo brasileiro no encerramento da Campanha Presidencial, São Borja, 30

de setembro de 1950 ........................................................................................................................ 16337. Mensagem ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da Sessão Legislativa de 1951 ......... 16638. Mensagem ao Congresso Nacional propondo o Programa do Petróleo Nacional e a Criação da

Petrobrás, em 8 de dezembro de 1951 ............................................................................................. 17339. Discurso pronunciado na solenidade da assinatura do Decreto sobre Reaparelhamento e Ampliação

dos Portos Nacionais e da Navegação em 21 de dezembro de 1951 ............................................... 18740. Discurso pronunciado em almoço com as Forças Armadas, cm 05 de janeiro de 1952 ................ 19041. Mensagem aos Convencionais do Partido Trabalhista Brasileiro cm 21 de maio de 1952 ........... 19542. Discurso pronunciado em Belo Horizonte, em 31 de maio de 1952 .............................................. 19743. Discurso pronunciado em Candeias, Bahia, a 23 de junho de 1952 .............................................. 20244. Discurso na solenidade da "Hora da Independência", em 7 de setembro de 1953 ........................ 20945. Mensagem ao Congresso Nacional, enviando Projeto sobre a Lei de Lucros Extraordinários, em 20

de novembro de 1953 ...................................................................................................................... 21246. Discurso de Ano Novo Transmitido Pela "Voz do Brasil." na noite de 31 de dezembro de 1953 .21547. Discurso cm Caxias, na inauguração do Monumento ao Imigrante, em 28 de fevereiro de 1954 . 22048. Mensagem ao Congresso Nacional, propondo a criação da Eletrobrás, em 10 de abril de 1954 .. 22449. Discurso ao Exército Nacional, quando foi por este homenageado, no Rio de Janeiro, em 19 de

junho de 1954 .................................................................................................................................. 22850. Discurso em Belo Horizonte, na inauguração das Usinas Siderúrgicas Mannesmann, em 11 de

agosto de 1954 ................................................................................................................................. 23151. Carta-Testamento, deixada no dia de sua morte, em 24 de agosto de 1954 .................................. 236Fontes de Referência c Documentação ................................................................................................ 238

Page 10: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 10

Discurso Pronunciado na Sessão FúnebreDiscurso Pronunciado na Sessão FúnebreDiscurso Pronunciado na Sessão FúnebreDiscurso Pronunciado na Sessão FúnebreRealizada na Noite de 31 de Outubro de 1903Realizada na Noite de 31 de Outubro de 1903Realizada na Noite de 31 de Outubro de 1903Realizada na Noite de 31 de Outubro de 1903

Senhores:Eu não venho salientar os feitos deste grande homem nem os seus dotes morais porque eles são

bem conhecidos de todos; eu venho somente lamentar convosco a queda do roble gigantesco que tinhaas raízes no coração da República.

Faz, hoje, oito dias que a morte insaciável e voraz arrebatou com a garra adunca das antigasFúrias o espírito genial, o espírito translúcido, através do qual avistava-se a verdade e a ciência, aintrepidez e a calma, a pureza c o amor, concretizados no cérebro dum homem que era o farol de umpovo.

Cada dia que passa, o punhal terrível da realidade vai cicatrizando esta ferida c, em lugar da dorpungente e intensa que nos deixou numa apatia desoladora e atroz, vai-se acentuando a saudade, nafrase de Garret: "o doce pungir de acerbo espinho".

As lágrimas, partindo da vista que c o espelho da alma, partem da alma que mentalmenteatravessa o espaço e vai ajoelhar-se junto à lousa marmórea que encerra os despojos sagrados daqueleque em vida chamou-se Júlio de Castilhos e que depois de morto será orgulho de uma Pátria, o símbolode um povo - auréola que circunda a fronte do Rio Grande.

Quando o terror invade um povo, transforma muitas vezes um fraco num forte, um pusilânimenum herói e os espíritos que são fortes por natureza transformam-se em rochedos vivos escudos de umanacionalidade.

O perigo que ameaçava a Pátria, na Grécia, formou um Leônidas, em Roma, um MúcioScevola, na França, um Danton, no Brasil, um Floriano Peixoto e um Júlio de Castilhos.

O gládio pontiagudo da dor que rasga os corações, transforma um cético num crente, umhomem num santo e a dor conturbando o espírito o esmaga num círculo de ferro, fazendo jorrar oeterno manancial das lágrimas, lágrimas puras, das quais deve-se ter orgulho porque são filhas dasinceridade, porque são derramadas por um pedaço da Pátria!

Rio Grande querido, o cérebro deste teu filho era o cofre sagrado que continha todas as tuasvirtudes, toda a fecundidade ubérrima de teu solo. Tinha a calma impávida do nauta que sorri diante daonda convulsa abrindo as faces para tragá-lo.

Tinha a bravura indômita dos heróis de 35 que percorriam as campinas onduladas e verdejantesao sopro rijo do pampeiro, montados no corcel fogoso c bravio que parecia adquirir a força dosvendavais, c nas pontas aguçadas das lanças levavam de vencida a opressão e a tirania.

Espírito de águia, pulso de atleta, convicção de mártir.Sim, águia altiva, que desferindo o remigio soberbo, bracejou para a luz em busca da liberdade.

Lutou, vencendo todos os obstáculos e qual novo Prometheu arrancou das regiões siderais o fogosagrado e, nos animando com essa luz, ensinou-nos a lutar por um ideal.

Então, o Brasil o encarou deslumbrado e cheio de assombro! Ele foi chamado O homem puro daRepública, o evangelizador de um povo e o seu berço a Jerusalém dos eleitos!

Page 11: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 11

A morte arrebatou-o de nosso seio, porém a sua memória pertence à posteridade; Julio deCastilhos só desapareceu objetivamente. Senhores, correi a vista pelo mundo e o vereis sob um prismabem diverso e honroso para nós.

Enquanto essas nações que se dizem grandes e civilizadas, que possuem exércitos colossais eesquadras gigantescas, transformam o gládio da Justiça em espada de Dámocles pendente sobre acabeça dos fracos, o Brasil, colosso generoso, ajoelha soluçando junto à tumba do condor altaneiro, quepairava nos píncaros da glória.

Júlio de Castilhos para o Rio Grande é um santo. E santo porque é puro, é puro porque é grande,é grande porque é sábio, é sábio porque, quando o Brasil inteiro debate-se na noite trevosa da dúvida eda incerteza, quando outros Estados cobertos de andrajos com as finanças desmanteladas, batem àsportas da bancarrota, o Rio Grande é o timoneiro da Pátria, é o santelmo brilhante, espargindo luz parao futuro.

Tudo isso devemos ao cérebro genial desse homem.Os seus correligionários devem-lhe a orientação política; os seus coetâneoso exemplo de perseverança na luta por um ideal; a mocidade deve-lhe a instrução que está

fruindo c a humanidade deve-lhe o exemplo de pureza e de honradez de caráter.Identificando-se com uma doutrina sã, soube melhor do que ninguém moldá-la aos costumes e

às necessidades de seu povo.Senhores. Resta-me uma satisfação: é que ele não semeou em terra safara, c os belos

ensinamentos que nos deixou serão continuados por aqueles que o seguiram e compreenderam.Teve a magnanimidade dum Graccho, teve coração generoso e bom dum Paulo de Tarso.Ser-lhe-á erguida uma estátua, porque, apesar de ter um pedestal em cada coração, é preciso que

a posteridade saiba o quanto ele foi querido e respeitado por seus contemporâneos.18 -0 Pensamento Político de Getúlio VargasNós, que pranteamos a memória, sigamos o exemplo desse homem que, no passado, foi um

lutador, no presente um organizador c, no futuro, será um símbolo de glória.Os raios ardentes do astro-rei crestarão as frondes verdejantes das árvores e a força impetuosa

dos vendavais jogará as folhas secas no torvelhinho do nada; a mão inexorável do tempo cerceará osalicerces de monumentos gigantes, porém a memória de Júlio de Castilhos será eterna, porque eledeixou de ser um homem para tomar-se o ideal da República, ao redor do qual se agruparão os levitasdo futuro.

Page 12: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 12

O Discurso do Dr. Getúlio VargasO Discurso do Dr. Getúlio VargasO Discurso do Dr. Getúlio VargasO Discurso do Dr. Getúlio Vargas(A Federação, 10 e 12 de Dezembro de 1927)(A Federação, 10 e 12 de Dezembro de 1927)(A Federação, 10 e 12 de Dezembro de 1927)(A Federação, 10 e 12 de Dezembro de 1927)

Agradecendo o banquete que lhe será servido,o Dr. Getúlio Vargas pronunciará o seguinte discurso:

"Meus Senhores, é com grande júbilo cívico e íntimo desvanecimento, que aqui vejo reunidasem torno do futuro Presidente do Rio Grande do Sul, a convite não só dos meus correligionários doSenado e da Câmara, como de membros proeminentes da colônia gaúcha desta capital, tantas e tãonotáveis personalidades representativas de nossa política, da alta administração nacional e das forçaseconômicas do País. Tenho compreensão nítida da significação dessa festa fraternal e ela constitui umahomenagem não a mim, mas ao meu Estado.

Há precisamente um ano, a iniciativa de meus amigos solenizava com um banquete orepresentante do Rio Grande do Sul, a quem a confiança do Presidente da República distinguia para ocargo de Ministro da Fazenda. Hoje, despedem-se do ministro, comemorando sua elevação àPresidência do Rio Grande do Sul. Tanto para um, tanto para o outro posto, atuou um conjunto decircunstâncias inteiramente estranhas à vontade e ao conhecimento da pessoa a quem o destino veiobrindar com o desfecho das ocorrências. Se merecimento não explicava estas elevações, o esforço embem desempenhá-las em obediência aos compromissos inerentes às próprias forças que a determinarampoderá justificá-las.

Vossos sentimentos de sadio patriotismo e benevolente expectativa não podiam encontrar maisbrilhante intérprete do que a palavra eloqüente e generosa de meu prezado amigo, o DeputadoLindolpho Collor, que é hoje uma das culminâncias do jornalismo político do Brasil.

Permitam-me Senhores, que, como é de uso, eu aproveite esta oportunidade para expor em suaslinhas gerais meu plano de ação administrativa, meus projetos e aspirações.

Um dos maiores males da administração pública - e que se verifica de preferência nos paísesonde não existe corretivo duma opinião pública orgânica e esclarecida - é a falta de continuidadepolítica e administrativa. O plano geral de um governo de grandes reformas em sua administração,quando realizadas, não podem produzir todos os frutos num curto limite duma investidura eleitoral. Sãonecessários vários períodos, para que os novos serviços, pelo esforço repetido, pela experiência e pelacontínua adaptação possam alcançar os fins colimados. Se a pressa é inimiga da perfeição, osfreqüentes avanços e recuos das improvisações precipitadas e das iniciativas fecundas dum períodogovernamental, abandonadas noutro, geram balbúrdia, confusão e desânimo.

Felizmente, no Rio Cirande do Sul, uma orientação segura, clara e definitiva, um conjunto denormas e praxes moralizadoras, mantidas com firmeza através de sucessivos mandatos presidenciaislibertaram-se desse mal. Um límpido programa de governo, uma política, enfim, baseada em rígidosprincípios, tem permitido essa salutar continuidade, sob cuja inovação sou chamado a governar. Essacontinuidade republicana se manteve por um conjunto de idéias sociais, de princípios políticos, denormas de condutas, de praxes administrativos, cimentadas numa tradição conservadora e dinâmica.

Como representantes dessa tradição republicana, interpretes autorizados do pensamentopartidário, aparecem duas figuras preponderantes, sobranceando todas as outras.

Page 13: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 13

A primeira, foi a de Julio de Castilhos, a mais tenaz, lúcida e orientada energia demolidora damonarquia que se transmuda, subitamente, no novo regime, em gênio condutor, organizandorepublicanamente sua terra e fundindo esse formidável bloco partidário que tem resistido ao embate detodas as forças de destruição.

A segunda, é a de Borges de Medeiros, continuador da obra do mestre, homem de preclarasvirtudes cívicas e privadas, chefe de um grande partido, aureolado por serviços inestimáveis à causapública, que deixa o poder cercado pela estima e consideração de seus concidadãos. Quem o substituirnão poderá pressentir dos seus ensinamentos e da sua experiência, nem deixar de se apoiar ao grandeprestígio moral do seu nome.

Eleito Presidente do Rio Grande do Sul, como candidato de um partido político de tradicionaisresponsabilidades no regime, não poderia ter outra orientação que não fosse a da continuidade política eadministrativa, dentro das grandes linhas gerais de seu programa.

O Brasil cristalizou em suas leis as mais amplas conquistas liberais que agitaram a almainquieta do século que passou.

O Rio Grande do Sul, parte integrante da Federação, acompanhou a corrente, e excedendo-semesmo, às vezes, na interpretação lógica dos textos constitucionais ao conceder certas franquias.

O cumprimento sereno destas leis, o reconhecimento completo de todos os direitos, aobediência integral a todos os deveres, seriam bastante para satisfazer os espíritos mais exigentes. Nadahaveria, pois, a modificar.

Mas, a amplitude dessas linhas gerais, num programa de partido, sempre permite a infiltraçãodo espírito renovador, inspirado no lema "conservar, melhorando". Nem poderia ter outro sentido.Imutabilidade é retrocesso.

O governante não pode paralisar o surto de idéias, nem plasmar o mundo à sua semelhança. Aocontrário, ele reflete as necessidades do ambiente para se orientar e satisfazê-las no sentido do interessepúblico.

As exigências deste, apoiadas pela maioria da opinião, impõe ao governo o dever das reformas.Não deve faltar ao governante a necessária agilidade mental, uma contínua capacidade de

adaptação às exigências incoercíveis do progresso. Somos simples refletores da evolução econômica,moral e política das sociedades. E, aos homens do governo, corre o dever de aproveitar os elementos aoseu alcance, no momento que passa, para realizar o que exige o interesse da comunidade.

Sem intuitos de censura ou louvaminhas, mas como simples observadores dos evidentesfenômenos de desequilíbrio na organização social contemporânea, ninguém poderá negar queatravessamos, conforme denominação de um sociólogo, um período de crise de autoridade.

As velhas fórmulas já não satisfazem e se vai operando a transformação inevitável. Ascomplexibilidades crescentes da vida social, entrelaçamento maior dos fenômenos e contínuarepercussão de uns sobre os outros, absorvem, cada vez mais, o surto do individualismo na tela dosinteresses coletivos.

Como conseqüência dessa marcha alarga-se o poder de expansão do Estado,o poder da polícia, sua intervenção no domínio da liberdade industrial, para restringi-la no

sentido da conservação social.O Estado não pode limitar-se ao conceito de Spencer de mantedor da ordem e distribuidor de

justiça. E, todos lhe reconhecem o papel preponderante de interventor, protegendo a saúde daspopulações pelas medidas sanitárias, amparando as indústrias, fomentando as riquezas, estimulando acultura, regulando o trabalho, ordenando todas as energias na aspiração comum da grandeza da pátria.Ao revés da Declaração dos Direitos do Homem, com que a Revolução Francesa consagrou a vitória doindividualismo, terá de sobrevir, como já foi predito por pensadores ilustres a declaração dos direitosda sociedade. E , ou esta se organiza e se afirma como garantia da autoridade dentro da lei, ou naordem material, correrá o risco de seguir os destinos vários, impostos pela força aleatória docaudilhismo civil ou militar.

Page 14: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 14

O Rio Grande do Sul formou-se à sombra de acampamentos, disputando palmo a palmo seuterritório, sempre sofrendo o primeiro embate nas lutas desencadeadas pelas rivalidades históricas,herdadas das metrópoles de além mar e hoje, felizmente, desaparecidas pelo assentamento definitivodos limites da soberania.

Mas, o Estado, que representa o extremo meridional de nossa pátria, exatamente pelaspeculiaridades de sua formação histórica, do seu meio físico, de sua produção e de sua riqueza, temcomo outras unidades a Federação entre si, característicos destinos, inconfundíveis.

No regime da República, houve por bem garantir a indissolubilidade da pátria brasileira,instituindo a forma federativa, que mantém as antigas províncias unidas por um vínculo de amor c nãopor uma imposição de violência. Essa possibilidade da gestão dos próprios negócios, assegurada pelaCarta Magna é a melhor garantia da unidade nacional, contra a qual não há motivo de temor. Cumpra-se a Consumição, isto é, respeite-se a União c a autonomia dos Estados e desdobrem estes, nos limitesdessa autonomia, a capacidade administrativa dos negócios que lhe são privativos, e teremos bemcompreendido o sentido da Federação.

Politicamente, deseja, ainda, o futuro Presidente do Rio Cirande do Sul, que seu Estadomantenha uma solidariedade e uma cooperação cada vez maiores e mais eficazes com o governofederal, reforçando sempre a grande autoridade moral que deve ter o Presidente da República, parafalar em nome de todos os brasileiros.

Não disputei, nem mesmo pretendia, o cargo para o qual sou indicado. Tampouco, devo aescolha do meu nome a qualquer sugestão do governo federal.

Só quem não conhece a elevada compreensão que, do regime federativo, tem o Presidente daRepública seu respeito pela autonomia dos Estados, poderia admitir que, sem receber qualquersolicitação, e não a houve, pretendesse ele intervir no direito que tem o Rio Grande do Sul de escolhero seu candidato.

Quando S. Exa. teve conhecimento, conforme correspondência já publicada na convenção doPartido Republicano gaúcho, de que o meu nome seria indicado à Presidência do Rio Cirande do Sul, asua atitude foi de quase constrangimento por ver afastar-se o seu devotado auxiliar.

E eu, que certo da minha insignificância, sempre suspeitava que o esforço e a atividadedesenvolvida na administração da fazenda não bastassem para corresponder às exigências do cargo quedesempenhava, tive, nessa atitude do chefe da nação, a mais cativante recompensa que poderia aspirar.Isso não ocorreria se ele fosse o paladino da minha candidatura à Presidência do Estado.

Ademais, a candidatura, imposta pelo poder central, seria no Rio Cirande do Sul, umacandidatura perdida na consciência pública. Se a apresentação do meu nome é uma provação ou umadádiva, que a censura ou o merecimento recaiam sobre os seus responsáveis: a indicação expontânea doSr. Borges de Medeiros e a aceitação unânime do partido por ele chefiado.

Só as pessoas estranhas ao meio gaúcho poderiam de boa fé acreditar nessas balelas, tecidaspelos habituais exploradores de intrigas ou vislumbradas pelos espíritos ladinos, que, blasonandorefletir a verdade, ou idéias e opiniões da sociedade em que vivem, projetam apenas na tela o azedumepróprio do temperamento sempre inclinado para o mal pensar e o mal julgar.

A aceitação generalizada do meu nome pelo povo rio-grandense é para mim, antes, um motivode inquietação do que de alegria pelo receio de não corresponder à tão generosa expectativa. Se istoacontecer, resta-me a consolação de que nunca me julguei capaz para tão alta investidura. Não asolicitei, nem a desejei. Nem um movimento fiz como intuito de a alcançar.

Será dessa generosa confiança num candidato que não merecia a honra desses sufrágios.Bem sei que as boas intenções não me servirão de excusa porque, quando se faz balanço de uma

administração, não se indaga pensamento ou das intenções do homem de governo, mas do que eleproduziu, do que realizou na ordem prática dos fenômenos e do que ele, pela resistência, impediu quese fizesse, em prejuízo da coletividade. Uma vez que, não posso recusar a meu Estado, os serviços quede mim exige, dir-lhe-ei quais são os meus propósitos de governo na crença de que, se fizer boa

Page 15: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 15

administração, terei feito uma boa política para amparar a produção, estimular a indústria, organizar otrabalho, desenvolver a circulação c a riqueza, disseminar a instrução, alargar o campo às culturas,cuidar do saneamento rural e urbano, prestigiar a lei, respeitar todos os direitos, ser exigente comigomesmo, no cumprimento dos deveres, fazer uma política de tolerância, de benignidade e de justiça -trabalhar - tais são os propósitos que me levam ao governo do Rio Grande do Sul.

Tudo isso, está no programa do Partido Republicano, que apresenta a minha candidatura, e nosintuitos dos homens que têm governado o Estado. A benemérita administração do Rio Grande do Sulmuito tem feito pelo desenvolvimento cultural do Estado, pelo aumento da sua riqueza, pela propulsãode suas forças econômicas e pela facilidade da circulação de seus produtos.

Continuando essa orientação e facultando-lhe o aparelhamento, os nossos esforços seacentuarão no sentido de facilitar a solução de alguns de seus problemas capitais.

A questão primordial a defrontar e a resolver para o amparo das classes produtoras, que já têmsido o objeto das cogitações da administração rio-grandense, c que se impõe com a força de umimperativo categórico para o desenvolvimento da produção nacional, é o crédito rural.

Grandes capitais, de que dispõem os fazendeiros e agricultores, precisam ser mobilizados,através de institutos de crédito e amparados contra as flutuações dos mercados consumidores, porémdevemos organizar no trabalho um fator indispensável da produção que c a riqueza, porque o dinheiro,sem trabalho, sem aparelhamento econômico, de nada vale.

E um conceito vulgar que se impõe como um aforismo. Todo desenvolvimento econômico deveter por objetivo tornar a riqueza abundante pelo trabalho e ensinar o homem a usar dessa riqueza pelacultura. Mas, se o dinheiro metálico é a medida dos valores, ele, no conceito corrente dos economistas,pela escassez de seu volume e pelas dificuldades de sua condição física, não satisfaz à exigência doprogresso econômico.

Como imposição da própria necessidade, surgiu um elemento imaterial destinado a atingir oslimites da flexibilidade, que é o crédito. Este se expressa por um estado de confiança e de segurançaeconômica.

A relação mercantil, diz um financista moderno, criou a operação sem dinheiro pela simplespromessa do pagamento que, por sua vez, se converte em riqueza, estimulando o trabalho c setransmudando em novos valores. A estabilização realizada pelo governo atual constitui um importantefator para a criação deste instituto de crédito. Em se tratando de letras pagáveis, cm ouro, a oscilaçãocambial traria, no caso de alta, a desvalorização das propriedades hipotecadas e, no caso de baixa, adiminuição do ativo no banco pela elevação do preço do resgate.

Para a fundação deste estabelecimento crédito, muito contarei com a valiosíssima cooperaçãodas poderosas e tradicionais instituições bancárias do Rio Grande do Sul, a que não faltará o apoio docapital estrangeiro e a garantia subsidiária do Estado. O plano de uma instituição nacional desse gêneronão me parece que tenha, no momento, as condições de viabilidade, em um vasto País como o nosso,de povoamento ganglionar, sem a necessária articulação, e com diferenças profundas, quanto ao valordo solo, natureza da produção e exigências do consumo.

Será mais fácil, de um controle mais eficaz, a solução de um crédito rural, hipotecário e agrícolacomo problemas locais, que irão aos poucos, distendendo suas zonas de influência e articulando-se comas instituições congêneres, destinadas a construir associações bancárias de muita cooperação e grandesconcentrações capitais.

O Rio Grande do Sul, pelo valor de suas terras, pelo volume de sua riqueza c pela solidez desuas instituições bancárias, tem as possibilidades necessárias para defrontar e resolver o problema docrédito rural dentro de suas fronteiras. E será esse um dos maiores serviços que se poderá prestar àsduas principais riquezas do Estado - pastoril e agrícola.

Deve merecer especial atenção do futuro governo, o problema dos transportes que, no conceitodo preclaro Presidente do Estado, em uma de suas mensagens, condena e expressa todos os outros. ORio Grande do Sul, pela amenidade de seu clima, pela fertilidade de seu solo, pela abundância de seu

Page 16: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 16

sistema hidrográfico e pela variedade de sua produção é um manancial de riquezas. Torna-se necessáriorasgar novos caminhos, construir estradas, abrir canais, esforçar-se pela terminação dos trechosferroviários, que há vários anos tiveram sua construção suspensa pelo governo federal; que funcionecomo um sistema arterial, fazendo circular, através do corpo pletórico, toda a exuberante seiva de suariqueza.

Muito têm feito as anteriores administrações e muito há por fazer, e reconheço que não será umperíodo governamental suficiente para realizar este plano. Urge, porém, intensificar este trabalho,criando mesmo novos recursos e instituindo-se, talvez, um fundo especial, a ser aplicado unicamentenesse serviço.

O desenvolvimento dos meios de transporte, intensificando a circulação das riquezas, trará paraessas, como para acionar a força mecânica das indústrias, maiores exigências de combustível. É precisoestimular a produção do carvão de nossas minas adquirindo aparelhos apropriados ao seuaproveitamento, nas condições que puder oferecer ao mercado ou exigindo uma maior purificação, masgarantido-lhe o consumo integral.

Deve preocupar-nos um esforço para um completo entendimento com os poderes públicosfederais, no sentido de um trabalho de mútua cooperação, para o desenvolvimento da cultura do trigoque, em épocas passadas já foi uma indústria florescente no Rio Grande do Sul. Intensificando a culturado trigo, e a produção do carvão rio-grandense, terão prestado grande serviço a todo o País.

Ainda no ano passado, importamos 177.185.881.771.858 toneladas de carvão, 221.356.312quilos de farinha de trigo e 5.426.579.284.950 quilos de trigo em grão, que nos custaram a bela somade 518.610:148$000. Anualmente, a economia brasileira sofre uma formidável sangria de mais de meiomilhão de contos, a fim de adquirir para as nossas máquinas um combustível que possuí-mos emabundância em nosso solo e compramos alimentos que estamos em excelentes condições de produzir.

É ouro que migra e vai fortalecer a economia de outros países, contribuindo para o desequilíbrioda balança comercial. Só um país que extravia do seu solo carvão para se locomover e pão para sealimentar poderá ser verdadeiramente independente.

Embora as fronteiras do Rio Grande do Sul continuem abertas às correntes imigratórias que,espontaneamente, procuram as suas terras, não nos parece aconselhável subvencionar a colonizaçãoestrangeira. Há mais de um século que o Estado recebe imigrantes da Europa, localizando no centro enorte do seu território. Esse elemento tenaz e laborioso constitui um fator preponderante de nossoprogresso agrícola e industrial. Raças vigorosas proliferam, já integradas na nossa formação social,formando um poderoso núcleo de populações coloniais, calculada em 950.000.

O Estado, possuindo poucas terras devolutas, precisa aproveitar os descendentes destes núcleosde colonizadores nacionalizados, novas colmeias humanas que se destacam continuamente e precisamser fixadas ao solo para que não emigrem em busca de outras terras além de nossas fronteiras.

O aproveitamento do colono nacional nas restantes terras devolutas tem sido a acertadaorientação seguida pela administração rio-grandense e que precisa, apenas, ser intensificada. Para essefim, como para dar desenvolvimento à produção agrícola, será, talvez, necessário ampliar o serviço deterras e colonização da Secretaria de Obras Públicas, dando-lhe maior eficiência, ou mesmo criandouma nova secretaria.

A instrução pública merecerá especial carinho da administração. Muito já se tem feito no RioGrande do Sul pela instrução da juventude, bastando assinalar que é um dos Estados onde há menorporcentagem em analfabetos. Precisamos arejar os métodos de instrução c aperfeiçoar os que jáexistem, introduzindo processos mais aconselháveis, pela experiência triunfante indispensável instruir eeducar, no sentido de uma orientação útil à vida social. Não modelar os espíritos jovens pelo estalãocomum de fórmulas rigidamente preestabelecidas, mas despertar-lhes a personalidade latente,norteando-lhes o sentimento e a inteligência para uma finalidade social útil.

Num país novo, de grandes correntes imigratórias, verdadeiro cadinho onde se processa afermentação obscendita (sic) da alma da raça, a educação cívica tem uma elevada função

Page 17: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 17

nacionalizadora, que ao Estado cumpre tornar coercitiva. Daí, a nobre missão do mestre escolar:acrisolar as virtudes elementares necessárias à formação do ser humano como elemento integrador dasociedade e vincar-lhe o espírito na compreensão e na prática dos deveres de cidadão brasileiro. E, paraque se coloquem os ministradores da instrução elementar ao nível de sua elevada função educadora,torna-se necessária a criação de novos núcleos para a formação de professores que serão os pioneirosdessa cruzada cm todos os recantos do Estado.

Sou por ela. Embora nas idéias que enunciei, julguei-me integrado nesse programa, não vosposso garantir que realizarei tudo quanto disse, nem se iniciarei novas medidas que forem impostas eaqui não referidas. Apontei-vos, de passagem, propósitos de administração, problemas que exigemsolução e projetos com virtualidade para despertar a ação construtora do governo rio-grandense.

Temperamento avesso aos exageros e propenso à serenidade, à firmeza e ao equilíbrio, a faltade sinceridade é uma das atitudes mais chocantes ao meu espírito. Devo, pois, confessar-vos que venhode dizer aqui um programa. Como candidato de um partido, repito, governarei com este, sem que oscompromissos partidários me façam, entretanto, esquecer a dignidade de Presidente do Rio Cirande doSul.

Vão tomando conta dos postos de direção nos negócios públicos representantes de uma geraçãoque já foi educada no regime republicano. As gerações passadas, que prepararam a República, que ainstituíram e organizaram, deixaram-nos em legado uma grande obra e também a experiência de errosde demasias ou condescendências, acumuladas em períodos de adaptação a uma nova ordem de coisas.As ideologias que acendem a chama das grandes conquistas liberais, vencedoras, desempenharam o seupapel histórico. Estamos agora numa fase de grandes realizações, de progresso material, em que oBrasil transforma todas as suas possibilidades inorgânicas e tumultuarias no fiat maravilhoso, decoadjuvação, de cooperação e de riquezas, em soberba arrancada para um futuro de força organizada etriunfante.

Meus Senhores! Se o obscuro orgulho destas homenagens não estiver no nível das esperançasnela deposta, que, ao menos o calor destas generosas simpatias lhe sirva de estímulo ante asdificuldades que se lhe deparem. Como meus melhores agradecimentos e unidos todos por umsentimento comum, eu vos convido a erguermos as nossas taças pela grandeza de nossa pátria, pela suaprosperidade e pela sua glória."

Page 18: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 18

Discurso Proferido no Banquete Oferecido aos Jornalistas,Discurso Proferido no Banquete Oferecido aos Jornalistas,Discurso Proferido no Banquete Oferecido aos Jornalistas,Discurso Proferido no Banquete Oferecido aos Jornalistas,Congressistas e Políticos que Viram Prestigiar a Posse doCongressistas e Políticos que Viram Prestigiar a Posse doCongressistas e Políticos que Viram Prestigiar a Posse doCongressistas e Políticos que Viram Prestigiar a Posse doGovernador do Estado (A Federação, 27/01/1928)Governador do Estado (A Federação, 27/01/1928)Governador do Estado (A Federação, 27/01/1928)Governador do Estado (A Federação, 27/01/1928)

"Meus Senhores: não podemos calar a nossa satisfação e desvanecimento pela presença ao atode transmissão do governo rio-grandense, de tão ilustres hóspedes, pelo brilhantismo e prestígio que lhederam com o seu comparecimento.

O Sr. Presidente do Uruguai deu-nos uma honrosa demonstração de alta cortesia, com abrilhante representação que nos enviou e que muito apreciamos. Depois, a presença dos patríciosnossos de outros Pastados, pela sua alta significação na vida nacional, constitui uma eloqüente prova decordialidade e de afetuosa simpatia.

Vejo aqui, em nítido relevo, neste cenário gaúcho, o que de mais representativo existe napolítica, no comércio, na indústria, nas artes, na imprensa como expressão de força orgânica, deriqueza, de inteligência e de cultura.

Um vasto País como o nosso, de população esparsa e ganglionar que se vai aos poucosarticulando, através de comunicações ainda deficientes, a presença dos representantes de quase todos osEstados da União no Extremo Sul do Brasil, constitui uma das mais eloqüentes demonstrações dacoesão dos laços morais que nos unem pelo amor da pátria comum. Sinto-me feliz por ter sido o motivoocasional da vossa presença. Ocasional, digo eu, pois não alimento a vaidade de supor que a minhapessoa é o que vos trouxe aqui. Viestes trazidos pelo espírito de cordialidade, pelo prisma de irradiantesimpatia, de inteligente curiosidade, de fascinação que sobre vossos espíritos exercia o nome do RioGrande do Sul. Assim, melhor compreendo a vossa presença, maior é a minha satisfação e o meuorgulho pela honra de presidir a um tal Estado.

Mas o Rio Grande do Sul que ides ver, e já o sabeis, não é o Rio Grande do Sul dos arremessose dos "entreveros", das lutas ásperas e das juntas cavalheirescas. A atividade dos guerrilheiros deantanho, embora alguns surtos esporádicos, derivou com a mesma energia de outros tempos, para aexploração pacífica das riquezas do solo, para o amanho da terra, para a criação das indústrias, para oestudo dos problemas que interessam à civilização.

E a terra exuberante recompensou largamente o trabalho do homem: a indústria floresceu, ocomércio avolumou-se.

O Rio Grande é, hoje, uma grande oficina de trabalho, um riquíssimo centro de produção. Coma carne, a banha, o vinho e os cereais, ele é o celeiro do País.

Se fortes e perenes são os vínculos morais, políticos e jurídicos que nos prendem pelos laços daFederação à Pátria brasileira, não menos fortes e duradouros são os vínculos econômicos.

Economicamente, o Brasil precisa do Rio Cirande, porque tem nele um dos maiores produtoresdos gêneros alimentícios de 1ª necessidade, mas o Rio Grande precisa do resto do Brasil, porqueencontra nele o seu melhor mercado de consumo.

O Rio Grande não disputa supremacia, não se quer impor como padrão, nem blasonaisuperioridades chocantes â mentalidade dos nossos irmãos federados, cujos pensamentos, práticas eidéias são tão respeitáveis quanto os nossos.

Page 19: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 19

Se em algumas coisas preponderamos, em muitas outras temos de lhes reconhecer asuperioridade e todos possuem valor, patriotismo, abnegação até o sacrifício e capacidade para otrabalho.

Entre os Estados da Federação, as diferenças do meio físico e da composição étnica determinama diversidade de aptidões e refletem-se nas desigualdades da vida. A curiosa avidez da inteligência, ocalor da irradiação simpática, o melhor conhecimento dessas desigualdades e das necessidades de cadaEstado, resultantes de tais visitas, acarretam uma maior aproximação de todos, suprindo-semutuamente, penetrando-se, completando-se para a integração da unidade nacional, que é o ideal dapátria comum.

E para bem correspondermos à afetuosa significação desta visita precisamos ser moderados nojulgamento das próprias qualidades, mas constantes, firmes e leais nas nossas atitudes, para inspirarmosa confiança e a tranqüilidade que nesta se baseia e mantermos o traço de harmonia e de amizade emque a mesma se deve traduzir.

Agradecendo a cativante gentileza do vosso comparecimento ao Rio Grande do Sul, eu bebopela felicidade pessoal do Sr. Presidente da Nação Uruguaia, pela completa felicidade de cada um devós e pela grandeza do Brasil."

Page 20: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 20

Discurso Proferido no 2º Congresso de CriadoresDiscurso Proferido no 2º Congresso de CriadoresDiscurso Proferido no 2º Congresso de CriadoresDiscurso Proferido no 2º Congresso de Criadores( A Federação, 26 de abril de 1928)( A Federação, 26 de abril de 1928)( A Federação, 26 de abril de 1928)( A Federação, 26 de abril de 1928)

Meus Senhores:O Congresso dos Criadores que ora se realiza, por iniciativa da Federação das Associações

Rurais, não pode deixar de merecer o mais franco e decidido apoio do Governo do Fitado.São os representantes de uma classe cuja vida, no desdobramento de sua atuação moral e

material, através dos tempos, constitui um dos fatores preponderantes da formação social do RioGrande do Sul e reflete os traços característicos do seu povo.

Todas as formas da atividade febricitante da vida pastoril, estilizada nos rodeios, nos apartes,nas marcações, no reponte das tropas, mais adestravam os ágeis cavalheiros que passavam erepassavam no dorso das cochilhas as grandes cavalgadas de guerra, traçando a epopéia gauchesca deque está cheia a nossa história.

Hoje tudo mudou. Os tempos são outros. A ação transformadora da civilização alterou oshábitos ancestrais.

As estradas, a via férrea, os automóveis, a ação mecânica do aparelhamento da indústria, oconforto moderno modificaram os sistemas de trabalho e poliram a rudez dos antigos costumes.

As novas exigências da civilização, a complexidade crescente da vida social, a sensibilidade dosfenômenos econômicos pela contínua repercussão de uns sobre os outros, a massa dos capitaisempregados, quase não permitem que os grandes empreendimentos sejam realizados só pelo esforçoindividual.

Daí a necessidade da forma associativa que tomam essas empresas e da tendência generalizadapara o reagrupamento social de classes, conforme a profissão ou atividade econômica de cada uma paraque melhor se compreendam e orientem os fenômenos coletivos. O desenvolvimento do espíritoassociativo é uma das causas mais importantes do progresso econômico.

Ao Estado, cabe estimular o surgimento dessa mentalidade associativa, exercendo um certo"controle" para evitar os excessos.

A associação de classes, a cooperação de atividades convergentes para a defesa de interessescomuns têm uma vantagem: para os associados à União torna-os mais fortes e eficientes; para osgovernos o trato direto com os dirigentes da classe facilita, pelo entendimento com poucos, a satisfaçãodo interesse de muitos.

Os agricultores, os criadores, os industriais, os comerciantes agrupados na conformidade deseus interesses coletivos, facilitam a atuação dos poderes públicos e devem ser por estes apoiados eestimulados em sua formação.

Corre aos governos o dever elementar, como auxílio à cooperação das classes produtoras, delhes facilitar também os meios de transporte para ativar a circulação da riqueza móvel.

Como remate lógico dessa eurritmia de movimentos, é preciso mobilizar a propriedade imóvelpela organização do crédito rural.

Cooperação, circulação, mobilização - teremos aí as principais forças propulsoras dodesenvolvimento econômico do Estado moderno.

Page 21: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 21

Se acharem que isso é uma intuição clara do senso comum, tanto melhor para quem nãopretende a patente de invenção para qualquer originalidade.

E quando uma associação de classe avulta como a Federação Rural, representando o capitalexpresso por um rebanho bovino superior a 10 milhões de cabeças, que se eleva a um total superior a 1milhão de contos e contribui com grande parte da arrecadação total do Estado, é, sem dúvida, um fatorimportante na balança dos nossos valores.

E, ante estes, vem de longa data sendo reclamada pelas classes criadoras e ainda o ano passadofoi objeto de acurado estudo por parte do Congresso daquela classe: a instituição de um banco decrédito rural, hipotecário e agrícola.

E esta a pedra de toque para o desdobramento das energias produtoras, num país novo, semcapitais disponíveis, vivendo entre as aperturas do numerário escasso e fornecido a juros de onzenário.

Impunha-se a criação do banco, como meio de, pela organização do crédito, permitir ofornecimento, aos proprietários rurais, de numerários a juros módicos e largos prazos.

Não percamos a colheita do fruto que amadurece na árvore. As possibilidades econômicas doRio Grande constituem um lastro formidável para o alargamento do seu crédito.

E preciso facilitar a exploração das terras, desenvolver a agricultura, melhorar a pecuária,auxiliar a defesa da produção, pela antecipação do numerário, criar indústrias, amparar as energiasprodutoras, desbravar o caminho para a marca do Rio Grande do Sul, no sentido da sua finalidadecivilizadora - a organização do trabalho e a formação da riqueza.

Por maior que fosse o empenho e a atividade dos criadores, é pouco provável que a simplesiniciativa particular lhes permitisse a formação do capital necessário à criação de um banco destinado afornecer-lhes o numerário de que carecem para o desdobramento dos seus negócios.

Não era de esperar que outras classes e instituições fossem desviar seus capitais de umaatividade altamente remuneradora, para criar um banco que, possivelmente, lhes diminuiria a margemdos lucros ate então recebidos.

Só o poder público, com largas disponibilidades de crédito, poderia tomar aos ombros estatarefa.

Mas o poder público federal, de cuja iniciativa muitos esperavam, dificilmente se abalançaria atal empreendimento que se apresentava demasiadamente complexo.

O poder econômico e, conseqüentemente, o do crédito destinado a resolvê-lo, varia de Estado aEstado, conforme a riqueza do solo, a natureza da produção, o clima, o meio físico e até as aptidõesindividuais.

Assim, compreendendo a solução do caso, lançamos a idéia de instituir o banco de crédito ruralcomo um problema local, que o Rio Grande do Sul deveria resolver, contando consigo mesmo, comofez São Paulo, servindo-se do crédito próprio, lançando mão de seus recursos financeiros, prevendo assuas possibilidades de expansão econômica.

Eis a promessa que está próxima de se realizar. Outro dos grandes problemas que vivamentedevem interessar à Federação Rural é a velha e debatida questão de todos os tempos - o contrabando.

Sempre que, entre as classes rurais, surge discussão sobre o contrabando de gado nas nossasfronteiras, os ânimos se exaltam, as paixões se exacerbam, novas medidas são propostas e o formidávelimpasse continua, porque nos contenta-mos com palavras, ficamos nos bons propósitos e não entramosno terreno dos fatos, adotando um critério prático para a solução do problema.

Quando, no decorrer do ano passado, se reuniu o Congresso dos Criadores, cujos trabalhosacompanhei com interesse, ainda no exercício do cargo de Ministro da Fazenda, providenciando, comome cumpria, para a eficiência de um serviço federal, pendente de minha administração, destaquei doisfuncionários idôneos, para que estudassem "in loco" o problema de contrabando nos Estados de MatoGrosso e Rio Grande do Sul.

São estes os dois únicos Estados em que os produtos da indústria pastoril transitam por territórioestrangeiro antes de chegarem ao Brasil.

Page 22: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 22

Daí o motivo da preferência.O funcionário destacado para Mato Grosso fez obra escrupulosa de metódica investigação,

chegando a resultados imprevistos. Levantou um documentado trabalho de estatística referente àprodução, transporte e exportação fluvial e terrestre dos produtos da indústria pastoril.

Desse trabalho derivaram duas importantes conclusões:1. que o charque produzido no Estado de Mato Grosso é realmente destinado à praça do Rio de

Janeiro, mesmo quando faturado em charqueadas distante da via férrea e próximo da via fluvial, ésempre despachado pela estrada de ferro Noroeste;

2. que o charque exportado por via fluvial é contrabandeado na praça de Montevidéu, medianteo tráfego de guias: ou seguem do Brasil simplesmente guias desacompanhadas do charque, para serempreenchidas com a mercadoria platina, ou vai com elas o charque de refugo mato-grossense,vulgarmente denominado "patos", e em Montevidéu se realiza a troca - pois dali é o charque gordoplatino remetido para a praça do Rio de Janeiro, acompanhando a guia de procedência brasileira, e ocharque magro do Brasil é expedido para Cuba, como de procedência Uruguaia.

E isto que ocorre em Mato Grosso, verifica-se igualmente quanto ao Rio Grande do Sul.A vantagem de possuirmos um mercado próprio de consumo para o nosso principal produto de

exportação é destruída pela concorrência fraudulenta da mercadoria estranha.Para a prática desta fraude, lesando o fisco e prejudicando a produção nacional, conluiam-se

elementos localizados no Brasil com outros fixados nos países platinos, ligados pelo interesse donegócio, pouco importando a nacionalidade.

O funcionário destacado para inspecionar o Rio Grande do Sul foi Dr. Rezende Silva,conferente da alfândega do Rio de janeiro, competente e íntegro, hábil rastreador das fraudes fiscais econhecido de quase todos vós. Ele percorreu toda região fronteiriça do Rio Grande do Sul - examinou,investigou, ouviu os criadores, fez conferências c apresentou seu relatório, bem como um projeto dereforma do serviço de repressão do contrabando. Esse relatório, porém, só me foi entregue poucos diasantes de deixar o ministério. Nada mais pude fazer.

Devo, porém, declarar-vos que acho pouca probabilidade na adoção imediata duma reforma doserviço de regressão do contrabando, que cria cargos novos e traz aumento de gastos, contrário aoregime de compressão de despesas, criteriosamente adotado pelo Governo Federal. As leis fiscaisexistentes serão bastantes, desde que bem aplicadas, isto é, com lisura e honestidade.

A questão não é, propriamente, da quantidade de funcionários, mas da qualidade destes. Háduas espécies de contrabando: a do produto manufaturado e a do gado em pé.

Diante destes informes que vos transmito, penso que o único meio viável, eficaz e definitivopara extinguir o contrabando de charque será o que vulgarmente chamamos a desnacionalização doproduto, isto é, a promulgação duma lei considerando como de procedência estrangeira todo o charqueque não transitar somente pelo território nacional.

Quanto ao Estado do Mato Grosso, já vistes que essa lei nenhum prejuízo lhe causaria.Sobre o Rio Grande do Sul, o anterior Congresso dos Criadores opinou que se deve aguardar a

terminação dos ramais férreos.A construção dos ramais férreos foi suspensa em 1916, conseguintemente, há cerca de 12 anos.

Já decorreram sobre este trato de tempo 3 períodos governamentais. Não sabemos quando o atualgoverno da República retomará esses serviços, dada a sua política de redução das despesas, para obter oequilíbrio orçamentário.

O Governo do Estado empenha-se pela solução do problema. Mas, que poderá ele garantirquando a solução não depende apenas de sua boa vontade?

Sobre a repressão do contrabando do charque era o que tinha a dizer. Esboço a questão eapresento-vos as soluções que me parecem práticas, entre as várias faces discutíveis e entregues aovosso critério e experiência.

Tratemos do contrabando do gado em pé, que tão justamente alarma os nossos criadores.

Page 23: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 23

E fácil a espíritos sôfregos e que encaram superficialmente o assunto censurar o Governo doEstado, porque existe contrabando. Pondo de parte outros aspectos do complicado problema, basta estaconsideração preliminar de que não se pode culpar aquele pela ineficácia dum serviço que não está aseu cargo. Trata-se de um serviço federal, entregue a autoridades federais e a quem o Governo doEstado poderá apenas prestar auxílio quando este for aceito ou solicitado, pelas autoridadescompetentes.

Por que existe o contrabando de carro? Porque os lucros do negócio permitem aoscontrabandistas reparti-los, para corromper os agentes fiscais da repressão e porque há funcionários dofisco que se deixam corromper.

Coibir o contrabando, não depende das leis; depende de funcionários que fraudam a lei e ficamimpunes. Não há impossibilidade nessa repressão. O gado de contrabando ou atravessa a fronteiraaparentemente legalizado por guias fornecidas pelas autoridades fiscais incumbidas da arrecadação dosimpostos ou vem desacompanhado dessas guias e, em tal caso, deverá ser apreendido nas charqueadas,as quais se destina, pelos funcionários ali insumidos de fazer a conferência das guias.

Que poderia fazer o Governo do Estado? Atuar junto aos interessados pela repressão docontrabando. Foi o que fiz. Procurei entender-me primeiramente com o delegado fiscal, funcionário quesempre encontrei disposto ao cumprimento dos deveres do seu cargo. Fiz-lhe sentir que o Governo doEstado interessava-se vivamente pela repressão do contrabando, que tanto prejudica aos criadores doEstado; dar-lhe-ia nesse sentido todo o apoio moral e material que fosse possível.

Pondo em execução as promessas feitas espontaneamente, coloquei à sua disposição oscontingentes da força pública estadual, por ele solicitados. Em seguida, pedi o comparecimento emPalácio do Dr. Ricardo Machado, ilustre Presidente da Federação Rural, comuniquei-lhe que o governoestava empenhado em auxiliar os esforços da Federação nesse sentido. Pedi-lhe mais que se entendessecom todas as associações rurais do Estado, principalmente as localizadas nos municípios da fronteira,para que estas exercessem severa vigilância, denunciando qualquer contrabando de que tivessemconhecimento, a fim de que o governo pudesse agir.

Sei que o S. Exa. tomou essas providências. O governo, porém, não recebeu informe algumpositivo que permitisse tomar uma providência direta.

Os criadores residem nas localidades, conhecem as pessoas avezadas na prática do contrabando,sabem quais funcionários que fornecem guias fraudulentas, quais os estabelecimentos saladeris querecebem tropas contrabandeadas. Não basta dizer que estão passando contrabando: é preciso indicar osnomes, os fatos, para que o Governo do Pastado possa intervir amistosamente junto ao GovernoFederal, solicitando o afastamento dos funcionários coniventes na fraude.

Torna-se necessário que os criadores saibam também defender os próprios interesses, exercendouma vigilância contínua, solidarizando-se com o Governo do Estado na obra de saneamento,denunciando os conspurcadores da lei.

Em se tratando de um serviço que não está a cargo do Governo do Estado, este não poderáfiscalizá-lo, senão indiretamente, isto é, através dos próprios prejudicados com a fraude.

A instituição do registro de marcas, evitando as duplicatas, seria outro serviço de monta,prestado no sentido da repressão do contrabando de gado. Cabe à Federação Rural tomar qualqueriniciativa neste sentido.

Vários outros assuntos de grande interesse do rio-grandense constam no programa desteCongresso. Por certo seus consórcios elucidarão essas teses, com as luzes da sua inteligência e aobservação dos fatos. Entre esses, destacarei a polícia sanitária local, o abastecimento de água, aregulamentação e uso das mesmas pastagens artificiais, constituição de sindicatos para a defesa daprodução, adubos, silos, ensino técnico, etc... a respeito dos quais o governo, na medida de suaspossibilidades, estará pronto a prestar todo concurso, como também não negará às iniciativas tendentesà multiplicar as exposições-feiras estaduais.

Page 24: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 24

De várias formas poderá manifestar-se o concurso do Estado, que não se concretiza somente noauxílio material, mas no amparo legal, na conjugação de esforços, no exemplo e no estímulo. E essavossa proverbial tenacidade, agindo até há pouco de uma forma esparsa, apenas na esfera de cadaatividade individual, procura agora condensar-se numa vontade coletiva orgânica.

Srs. Congressistas! Se insistirdes na tentativa, repetindo-a cada vez com maior êxito,terminareis triunfando. O nosso Estado, colhendo as velas do seu romantismo político, bemcompreenderá a necessidade de não consumir-se no ardor das paixões partidárias.

E tempo de moderá-las, para absorver mais o espírito coletivo, na solução dos problemaspráticos do seu progresso material e na expansão da sua cultura.

As ideologias políticas que não tiveram por base de sua organização a solução de problemaseconômicos, dificilmente poderão subsistir.

Dessangrado por 4 revoltas no período de 4 anos, abrasado pelo fogo das paixões partidárias, oRio Grande do Sul estaca nas encruzilhadas, sacode a poeira das lutas e procura orientar-se no rumodefinitivo dos seus destinos.

É preciso que ele cada vez mais se consagre ao trabalho, às atividades práticas e produtivas,(ilegível) a abundância, o conforto, a riqueza e a cultura.

Page 25: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 25

Plataforma da Aliança LiberalPlataforma da Aliança LiberalPlataforma da Aliança LiberalPlataforma da Aliança LiberalExplanada do Castelo, 02 de Janeiro de 1930Explanada do Castelo, 02 de Janeiro de 1930Explanada do Castelo, 02 de Janeiro de 1930Explanada do Castelo, 02 de Janeiro de 1930

O Manifesto lido na memorável Convenção de 20 de setembro último, não só condensou esistematizou as idéias e tendências da corrente liberal, externadas na Imprensa, na tribuna parlamentar enos comícios populares, como examinou, superiormente, os principais e mais urgentes problemasbrasileiros, com visão ampla dos fenômenos sociais, políticos e econômicos.

A esse notável documento não pode deixar de se submeter, por isso mesmo, em suas linhasfundamentais, a plataforma do candidato da Aliança Liberal à Presidência da República.

Subordina-se, assim, igualmente, aos anelos e exigências da coletividade, que anseia por umarenovação, como nós a preconizamos, capaz de colocar as leis e os métodos de Governo ao nível dacultura e das aspirações nacionais.

O programa é, portanto, mais do povo que do candidato.Apesar de nem sempre terem dos fatos uma visão de conjunto, são, realmente, as classes

populares, sem ligações oficiais, as que sentem com mais nitidez, em toda a extensão, por instinto epelo reflexo da situação geral do País sobre as suas condições de vida, a necessidade de modificaçãodos processos políticos e administrativos.

Vivemos num regime de insinceridade; o que se diz c apregoa não é o que se pensa e pratica.A "realidade brasileira", tão exaltada pelos louvaminheiros do atual estado de coisas, reduz-se

aos fenômenos materiais da produção da riqueza, adstritos, as mais das vezes, a censuráveis privilégiose monopólios.

Embevecidos nessas miragens materialistas, esquecem-se dos grandes problemas cívicos emorais. Nada ou quase nada se faz no sentido de valorização do homem pela educação e pela higiene.Burlam-se, pela falta de garantia, os mais comezinhos direitos assegurados na Constituição.

A campanha de reação liberal - não é de mais insistir - exprime uma generalizada e vigorosatentativa de renovação dos costumes políticos e de restauração das práticas da democracia, dentro daordem e do regime.

Seu êxito dependerá do voto popular e, também, em parte, da cultura cívica e do patriotismo dosgovernantes, isto é, da compreensão que tenham dos seus altos deveres constitucionais.

Não visamos pessoas. Estas recomendar-se-ão pela conduta que observarem e fizerem observarno pleito.

Se as urnas forem conspurcadas pela lama da fraude, acabará de esfrangalhar-se a lei eleitoralvigente, que não poderá prevalecer sem aniquilar o próprio regi-me republicano.

Anistia

"A convicção da imperiosa necessidade da decretação da anistia está, hoje, mais do que nunca,arraigada na consciência nacional. Não é, apenas, esta ou aquela parcialidade partidária que a solicita.E o País que a reclama. Trata-se, com efeito, de uma aspiração que saturou todo o ambiente.

Page 26: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 26

A Aliança Liberal, pelos seus leaders, pelos seus candidatos, pelos seus órgãos no Congresso ena Imprensa, já se pronunciou, reiterada e solenemente, sobre esse relevante e inadiável problema,concretizando o seu pensamento em projeto que foi submetido à consideração do Senado.

A anistia constitui uma das suas mais veementes razões de ser. Queremo-la, por isso mesmo,plena, geral e absoluta, ressalvados, tão somente, os direitos adquiridos dos militares do quadro".

As leis congressoras

Pode-se asseverar, sem temor de contradita, que a anistia será de providencia incompleta, sem arevogação das leis compressoras da liberdade do pensamento.

É que estas, tanto quanto a ausência daquela, concorrem também para manter nos espíritos aintranqüilidade e o fermento revolucionário. Conjugam-se, assim, nos seus efeitos deploráveis.

Não contesto, é lógico, a conveniência e oportunidade das leis de defesa social. As quepossuímos, entretanto, sob esse rótulo não se recomendam, nem pelo espírito nem pela letra.

Somos, pois, pela sua substituição por outras, que se inspirem nas necessidades reais do País enão se afastem dos princípios sadios de liberalismo e justiça.

Se doutro modo procedêssemos, teria falhado ao seu destino, traído os seus compromissos, oformidável movimento de opinião que suscitou e ampara as candidaturas liberais.

Não são, aliás, as garantias individuais as únicas necessitadas de ampliação e fortalecimento.Cumpre tornar também mais eficientes as que asseguram a autonomia dos Estados, sobretudo emmatéria administrativa.

Legislação eleitoral

É uma dolorosa verdade, sabida de todos, que o voto e, portanto, a representação política,condições elementares da existência constitucional dos povos civilizados, não passam de burla,geralmente, entre nós.

Em grande parte do Brasil, as minorias políticas, por mais vigorosas que sejam, não conseguemeleger seus representantes nos conselhos municipais, nas câmaras legislativas estaduais nem noCongresso Federal.

Quando se trata deste último, para aparentar cumprimento do princípio da lista incompleta da leieleitoral, algumas das situações dominantes nos Estados destacam um ou mais nomes que fazem deoposição, mas, em realidade, tendo a mesma origem, são tão governistas como os demais.

Noutros Estados, a representação das minorias, em vez da conquista de um direito, é um ato damunificência dos governos, uma outorga, um favor humilhante.

Alega-se que as minorias políticas só não se fazem representar nas assembléias legislativasquando não constituem forças ponderáveis de opinião. Raramente é isso exato. Muito mais freqüente éo caso de núcleos fortes de oposição, com inegável capacidade de irradiação e proselitismo, nãoconseguirem, sequer, pleitear seus direitos nas urnas, porque são triturados pela máquina oficial, pelaviolência, pela compressão, pela ameaça, obrigados à submissão ou à fuga, quando impermeáveis àsedução ou ao suborno.

Se, por milagre, chegam, às vezes, a escapar a todos esses fatores conjugados, acabam vencidos,afinal, pela fraude.

Não exagero nas tintas da paisagem política do País.Em muitos Estados, excetuadas as capitais e algumas cidades mais importantes, não se fazem

eleições.Dias antes dos pleitos, os livros eleitorais percorrem a circunscrição, recebendo as assinaturas

dos eleitores "amigos". De acordo com essa coleta, lavram-se as correspondentes atas, que sãoencaminhadas, após, com todas as exteriores formalidades oficiais. No dia do pleito, ao se

Page 27: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 27

apresentarem, os eleitores oposicionistas e os fiscais dos respectivos candidatos não encontram nem osmesários nem um oficial público, ao menos, para o efeito dos votos em cartório ou lavratura deprotestos.

Quarenta anos de regime republicano radicaram, com efeito, em muitas localidades e nãoapenas nos sertões, a fraude sistematizada, em nome da qual falam os representantes da Nação, querecebem do Centro a força e o apoio indispensáveis à sua permanência nas posições, do mesmo passoque, por sua vez, emprestam ao Centro a solidariedade absoluta de que o mesmo não pode prescindir.

A troca recíproca de favores, que constitui o caciquismo, o monopólio das posições políticas; apermuta de ardilosos auxílios, que calafetam todas as frestas por onde pode passar um sopro salutar derenovação - eis o regime vigorante, frondosamente, no Brasil.

Existem, é certo, auspiciosas exceções, cuja enumeração se torna desnecessária, tão evidentessão elas. O voto secreto, medida salutar, aconselhável para assegurar a independência do eleitor, não ébastante para evitar a prática das tranquibérnias políticas.

É preciso que a presidência das mesas eleitorais seja entregue a magistrados, cujas funções seexerçam cercadas de completas garantias, de ordem moral e material, inacessíveis, assim, ao arbítriodos mandões do momento.

Com o voto secreto, institua-se, pois, o alistamento compulsório de todo cidadão brasileiroalfabetizado e entregue-se a direção das mesas eleitorais à Magistratura federal togada. É este oconjunto de providências que julgo indispensáveis à genuína representação popular. Impedir-se-á, pormeio delas, a fraude no alistamento, na votação e no reconhecimento.

Só assim a opinião pública ficará tranqüilizada quanto ao livre exercício do direito de voto. Sóassim alcançaremos o saneamento das nossas praxes políticas e a restauração das normas dademocracia.

Justiça Federal

A ninguém escapa, hoje, a compreensão da necessidade de se reorganizar a Justiça Federal, cujalentidão é conseqüência, geralmente, de dispositivos arcaicos, incompatíveis com a nossa extensãoterritorial e a nossa densidade demográfica.

Uma providência sobre cuja oportunidade, há muito, todos estão de acordo é a criação dostribunais regionais.

Não obstante, até agora nada se fez nesse sentido. Convém abreviar a decretação, não só dessamedida, como de outras, já apontadas por autoridades na matéria, tendentes a aperfeiçoar o mecanismointerno da Justiça da União.

Além disso, a reforma deve ter, igualmente, em vista os requisitos e condições que foremdeterminados pela alteração, nos termos que propus, da lei eleitoral, cuja aplicação ficará compreendidana órbita das atribuições dos juizes federais e seus suplentes, todos togados e de nomeação sujeita aexigências e garantias acauteladoras.

Ensino secundário e superior - liberdade didática e administrativa

Tanto o ensino secundário quanto o superior reclamam alterações que lhes arejem e atualizemos métodos e disciplinas. Essa reforma é das que não comportam adiamento.

Como bem assinalou o Manifesto da Convenção Liberal, referindo-se ao ensino superior, "oscursos de especialização, praticamente, não existem entre nós" e "as ciências econômicas, as disciplinasfinanceiras e administrativas, os cursos de literatura, de higiene, para só citarmos alguns, diluem-se, nonosso sistema universitário, em cursos gerais, pragmáticos e de alcance reduzido".

Page 28: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 28

É de lamentar-se, especialmente, que tão parcos tenhamos sido, até agora, no tocante àinstituição de cursos técnico-profissionais, cujas vantagens ninguém mais contesta. Os excelentesresultados já obtidos nos poucos Estados onde eles funcionam bem demonstram, iniludivelmente, anecessidade de os difundir.

A conveniência da emancipação do ensino superior é, hoje, também, indiscutível. Reclama-se, ecom razão, para os institutos onde é ministrado, a liberdade didática e a liberdade administrativa, semprejuízo da unidade do ensino.

Julgo recomendável, por exemplo, o regime das universidades autônomas, tal como se estáensaiando, com êxito, em Minas Gerais.

De qualquer forma, o que não parece lícito é persistirmos na atitude, entre receosa c displicente,ditada por um mal-entendido conservantismo, diante do que se nos afigura novidade temerária e, noentanto, é já uma velha conquista noutros países.

Autonomia do Distrito Federai

A experiência, que diz sempre, em todos os assuntos a última palavra, demonstrou já, e desobejo, os inconvenientes do regime misto a que está subordinado o Distrito Federal.

Opinamos pela autonomia na Capital da República. Seria tempo, aliás, de se lhe reconhecer amaioridade política e administrativa, quando mais não fosse, pela imprestabilidade da curatela que selhe deu.

Outras razões, porém, que estão no conhecimento de todos, concorrem para tornar oportuna,agora, essa fundamental modificação.

Escolhendo, por iniciativa própria, os seus governadores, poderá o Distrito tomar-lhes contasdiretamente, fiscalizá-los com eficiência, como é da essência das instituições republicanas.

Não é justo nem é lógico, afinal, que se continue a deixar de reconhecer à maior e maisadiantada das capitais do Brasil a elementar capacidade administrativa atribuída, indiscutivelmente, atodos 'os componentes da Federação, ainda os menos prósperos e cultos'.

Questão social

Não se pode negar a existência da questão social no Brasil, como um dos problemas que terãode ser encarados com seriedade pelos poderes públicos.

O pouco que possuímos, em matéria de legislação social, não é aplicado ou só o é em partemínima, esporadicamente, apesar dos compromissos que assumi-mos, a respeito, como signatários doTratado de Versalhes, e das responsabilidades que nos advêm da nossa posição de membros do"Bureau Internacional do Trabalho", cujas convenções c conclusões não observamos.

Se o nosso protecionismo favorece os industriais, em proveito da fortuna privada, corre-nos,também, o dever de acudir ao proletário com medidas que lhe assegurem relativo conforto eestabilidade e o amparem nas doenças, como na velhice.

A atividade das mulheres e dos menores, nas fábricas e estabelecimentos comerciais, está, emtodas as nações cultas, subordinada a condições especiais que, entre nós, até agora, infelizmente, sedesconhecem.

Urge uma coordenação de esforços entre o Governo Central e os dos Estados, para o estudo eadoção de providências de conjunto, que constituirão o nosso Código do Trabalho. Tanto o proletáriourbano como o rural necessitam de dispositivos tutelares, aplicáveis a ambos, ressalvadas as respectivaspeculiaridades.

Page 29: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 29

Tais medidas devem compreender a instrução, educação, higiene, alimentação, habitação; aproteção às mulheres, às crianças, à invalidez e à velhice; o crédito, o salário e, até, o recreio, como osdesportos e cultura artística.

E tempo de se cogitar da criação de escolas agrárias e técnico-industriais, da higienização dasfábricas e usinas, saneamento dos campos, construção de vilas operárias, aplicação da lei de férias, leido salário mínimo, cooperativas de consumo, etc.

Quanto ao operariado das cidades, uma classe numerosa existe, cuja situação é fácil demelhorar. Refiro-me aos que empregam suas atividades nas empresas telefônicas e nas de iluminação eviação urbanas. Bastará que se lhes estenda naturalmente, dada a similitude das ocupações, o benefíciodas caixas de aposentadorias e pensões dos ferroviários, benefício de que já gozam, igualmente, osportuários.

Idêntica providência deverá abranger, também, os marítimos e os empregados do comércio, deconformidade com os respectivos projetos, que se arrastam nas casas do Congresso. Os poderespúblicos não podem e não devem continuar indiferentes aos apelos dessas duas grandes classes, doutrascom iguais direitos e necessidades, tanto mais quanto a sua melhoria nenhum ônus acarretará aos cofresdo País.

Simultaneamente, é necessário atender à sorte de centenas de milhares de brasileiros que vivemnos sertões, sem instrução, sem higiene, mal alimentados e mal vestidos, tendo contato com os agentesdo poder público, apenas, através dos impostos extorsivos que pagam.

E preciso grupá-los, instituindo colônias agrícolas; investi-los na propriedade da terra,fornecendo-lhes os instrumentos de trabalho, o transporte fácil, para a venda da produção excedente àsnecessidades do seu sustento; despertar-lhes, em suma, o interesse, incutindo-lhes hábitos de atividadee de economia. Tal é a valorização básica, essa sim, que nos cumpre iniciar quanto antes - a valorizaçãodo capital humano, por isso que a medida da utilidade social do homem é dada pela sua capacidade deprodução.

Imigração

Essa política de valorização do homem, ao mesmo tempo que melhorará as condições dos atuaishabitantes do País, facilitará o encaminhamento de correntes imigratórias selecionadas.

Nenhuma atração exercerá, realmente, o Brasil sobre bons operários rurais e urbanos doestrangeiro enquanto a situação do proletariado, entre nós, se mantiver no nível em que se encontra.

Durante muitos anos, encaramos a imigração, exclusivamente, sob os seus aspectos econômicosimediatos. E oportuno entrar a obedecer ao critério étnico, submetendo a solução do problema dopovoamento às conveniências fundamentais da nacionalidade.

Exército e Armada

O instinto de conservação e defesa, aguça-se nos povos à medida que se intensifica o seudesenvolvimento material. A acumulação de riquezas é que, por via de regra, os torna vigilantes ecautelosos, consoante a observação de James Bryce a propósito dos Estados Unidos.

Só as nações pobres são imprevidentes; só se despreocupam da sua segurança os países que,economicamente, pouco têm a perder.

É uma lei histórica inelutável, que dispensa exemplificação.Não se explica, por isso mesmo, o nosso descaso, no tocante às forças armadas, já que é

incontestável, sob muitos aspetos, o progresso material do Brasil.Devemos cogitar de pôr as instituições militares à altura da sua imensa responsabilidade,

harmonizando-as com o crescimento da fortuna pública e privada, de que elas são a garantia natural.

Page 30: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 30

Além disso, o sentimento do dever militar, que, desse modo, ainda mais se enraizará, é um fatorimprescindível ao enrijamento da consciência cívica e do espírito de nacionalidade.

O sorteio militar, como o praticamos, foi um grande passo nesse sentido, porém ainda deixamuito a desejar. Será oportuno reformar a lei do serviço obrigatório, para aperfeiçoá-la, no sentido dese dar inteira solução ao problema da conscrição militar.

Atingida a maioridade, todo brasileiro deve estar obrigado a justificar a sua posição em face doserviço militar, mediante provas de inscrição na reserva ou no alistamento. Essa situação constará deuma caderneta, a qual terá fé pública c servirá de prova de identidade da pessoa c de título de eleitor.

A cidadania será, assim, uma conseqüência do serviço militar, á maneira do que acontecenoutros países.

Um dos maiores males de que sofre o nosso Exército é o regime dos corpos sem efetivos oucom efetivos reduzidíssimos. Tal regime é prejudicial à instrução da tropa, além de enfraquecer oorganismo das unidades e, portanto, a sua eficiência.

Na medida dos recursos do erário, deve-se prover o Exército do material que lhe éindispensável, sobretudo no que se refere à artilharia e à aviação.

Paralelamente, não devemos poupar esforços para desenvolver, entre nós, a indústria militar,com o aperfeiçoamento dos arsenais. Libertando-nos, tanto quanto possível, dos mercados estrangeirosna compra de material bélico, ao mesmo tempo fortaleceremos a nossa capacidade de resistênciamilitar e deixaremos de drenar para o exterior o ouro que tais aquisições, agora, nos exigem.

A rigorosa justiça nos acessos de posto e nas comissões contribuirá, com a dotação dosimprescindíveis recursos técnicos, para estimular a oficialidade nas suas justas aspirações e noexercício de seus árduos deveres.

Atualmente, falta ao Exército uma lei que regule as promoções, garantindo direitos e definindoo merecimento militar, de modo a cada oficial ter conhecimento do seu número na relação geral para osacessos.

Julgo também de salutar efeito o rodízio dos oficiais pelos diferentes Estados, o que lhespermitirá obter conhecimento exato das condições gerais do País; a valorização dos serviços dentro dosregimentos, tomando-se em consideração as localidades onde aquartelarem; a construção de casas pararesidências, nas guarnições longínquas.

Carece de modificações a Justiça Militar, e este é um ponto de inocultável delicadeza, tãoprofundamente interessa ele à disciplina das tropas.

Se o quadro que nos oferece o Exército está longe de ser satisfatório, menos ainda o é o daMarinha de Guerra, privada, como se acha, mais do que aquele, de eficiente aparelhagem material.

A nossa esquadra é quase um anacronismo, tão afastada se encontra ela das condições atuais detécnica naval, em matéria de armamentos e unidades de combate. Não é passível de discussão oudúvida a necessidade da aquisição de novos navios.

Não menor é, também, a conveniência de iniciarmos a fabricação, quer de munições, quer devasos de guerra, embora de pequena tonelagem, como cruzadores ligeiros, contratorpedeiros, etc.Presentemente, seria infantil esperar tudo isso da capacidade dos nossos estaleiros e arsenais. Devemoscomeçar pela remodelação e ampliação desses estabelecimentos.

Convém organizar, desde logo, um programa naval, a que os Governos devem ir dandopaulatina execução, dentro dos recursos disponíveis. Reconstituiremos, assim, metodicamente, a nossaesquadra.

Desprezada a observância das linhas devidamente prefixadas deste programa, nada maisfaremos do que perder tempo e dinheiro cm iniciativas oscilantes e contraditórias, ao sabor dasadministrações que se sucedem, sem espírito de continuidade.

Hoje em dia, os nossos vasos de guerra não se movimentam, ou por falta de verba para o custeiodas viagens de exercício ou porque não satisfazem aos requisitos de franca e segura navegabilidade.Essa é, sem subterfúgios ou inúteis eufemismos, a situação da Marinha de Guerra do Brasil.

Page 31: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 31

A oficialidade adquire nas escolas conhecimentos que não pode aplicar, por falta de material.Burocratiza-se, desse modo, aos poucos, perdendo o estímulo e o gosto pela profissão.

Além da ausência de aparelhamento material, ressente-se, ainda, a esquadra das deficiências dassuas leis e regulamentos, sobretudo no tocante à promoção, rejuvenescimento dos quadros, etc.

Nenhum brasileiro poderá deixar de reconhecer que urge reagir contra essas deploráveiscondições. Tudo quanto a Nação realizar para tornar eficientes as suas forças terrestres e marítimasencontrará nessa mesma eficiência a melhor compensação.

O papel do Exército e da Armada, em todos os acontecimentos culminantes da nossa história,tem sido sempre glorioso e decisivo. Até agora, não assiste ao Brasil direito algum de queixa contra assuas classes militares. O crédito destas sobre a gratidão nacional é largo e duradouro. Elas foram,invariavelmente, guardas da lei, defensoras do Direito e da Justiça. Não se prestaram nunca, nem seprestarão jamais, à função de simples autômato, como instrumento de opressão e de tirania, a serviçodos dominadores ocasionais.

Daí, as hostilidades, surdas ou abertas, que contra elas têm sido desfechadas; daí, a situaçãomaterial a que se acham reduzidas.

Mas, por isso mesmo, também, é tempo de a Nação, afinal, num movimento irreprimível dejustiça, corrigir as desconfianças e preterições que sobre ela pesam, absurda e clamorosamente.

Funcionalismo público

O recente acréscimo de vencimentos dos funcionários da União está longe de corresponder àdifícil situação material em que os mesmos, na sua grande maioria, se debatem.

O problema do funcionalismo, no Brasil, só terá solução quando se proceder à redução dosquadros excessivos, o que será fácil, deixando-se de preencher os cargos iniciais, à medida quevagarem.

Providência indispensável também é a não-decretação de novos postos burocráticos, durantealgum tempo, ainda mesmo que o crescimento natural dos serviços públicos exija a instituição deoutros departamentos, nos quais poderão ser aproveitados os empregados cm excesso nas repartiçõesatuais.

Com a economia resultante, quer dos cortes automáticos, que a ninguém prejudicarão, quer daimpossibilidade de criação de cargos novos, poderá o Governo ir melhorando, paulatinamente, aremuneração dos seus servidores, sem sacrifícios para o erário.

Majorando-lhes, desse modo, os vencimentos e cercando-os de garantias de estabilidade e dejustiça nas promoções e na aplicação dos dispositivos regulamentares, terá o País o direito de exigirmaior rendimento da atividade e aptidões dos respectivos funcionários, que, então, sim, não deixarão dese consagrar exclusivamente ao serviço público, desaparecida a necessidade de exercer outros misteres,fora das horas de expediente, como, agora, não raro, acontece, por força das dificuldades com quelutam.

A carestia da vida e o regime fiscal

A carestia da vida, entre nós, resulta, em boa parte, da desorganização da produção e dosserviços de transporte. O fenômeno mundial é, aqui, consideravelmente agravado por esses doisfatores.

Ao excessivo custo da produção e dos fretes, excesso que a imprevidência atual permite eestimula, entrelaçam-se as exigências ilógicas do fisco, em taxações desordenadas. Efetivamente, aopasso que uns produtos gozam de inexplicáveis benefícios, esgueirando-se através das complexas redesfiscais, sobre outros, de consumo forçado, recaem múltiplas taxas e impostos.

Page 32: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 32

Muitas dessas anomalias decorrem, por certo, da nossa política protecionista; outras devem,antes, ser atribuídas à lacunosa aplicação das leis. A origem de todas, em suma, é a desorientaçãogovernamental.

O que se impõe é a cuidadosa revisão das nossas fontes de renda, algumas das quais já nãopodem dar o que delas inicialmente se exigiu, senão com o duplo sacrifício do produtor e doconsumidor. Em compensação, outras suportam majorações graduais.

Onde a necessidade de revisão se faz sentir mais imperiosamente é nas tarifas aduaneiras. Urgeatualizá-las, pô-las de acordo com as imposições da nossa vida econômica, classificá-las, tornando-as,pela sua simplicidade, acessíveis à compreensão do público.

Nossa legislação alfandegária é antiquada, contraditória, complicadíssima e extravagante.Há tarifas absurdas, quase proibitivas, gravando a entrada de certas mercadorias, sem vantagem

alguma para a nossa produção, em detrimento da arrecadação fiscal e que só incitam à prática docontrabando.

Devemos manter o critério geral, protecionista, para as indústrias que aproveitam a matériaprima nacional; não assim para o surto de indústrias artificiais, que manufaturam a matéria-primaimportada, encarecendo o custo da vida em benefício de empresas privilegiadas.

Sob o fundamento da existência de similar nacional, gravam-se vários artefatos indispensáveisao desenvolvimento de serviços públicos e obras particulares, que ficam sobrecarregados de esdrúxulostributos.

Toda a nossa legislação fiscal acusa os mesmos defeitos de que sofrem as tarifas alfandegárias.Um dos mais deploráveis, pela anarquia a que dá margem, é, sem dúvida, a ausência de clareza nostextos das leis e regulamentos.

Estes e aquelas são diversamente interpretados, com freqüência, nas diferentes repartições.Dentro de cada uma destas, nem sempre é, também, uniforme a jurisprudência, que varia, igualmente,através de decisões das mais altas autoridades da Fazenda.

Esta situação origina contínuos conflitos entre o fisco e os contribuintes. O comércio,sobretudo, é atingido por multas muitas vezes injustas. Para pior, o pronunciamento final do respectivoMinistério, nos recursos dos prejudicados, é difícil e vagaroso, precisamente pelo acúmulo de serviçoque essa balbúrdia determina.

Ao mais leve exame do assunto, forma-se logo a convicção de que o fisco federal contribui paraa carestia das subsistências, não tanto pelo valor dos impostos em si, como pelos processos dearrecadação, pela defeituosa incidência de muitos deles, pela falta de critério econômico, em suma, nadistribuição dos gravames.

Pode-se, pois, atenuar essa concausa do mal-estar das camadas populares sem diminuição dosrecursos do Tesouro, indispensáveis aos compromissos e exigências da administração.

Bastará que se proceda a uma taxação eqüitativa, de acordo com as possibilidades de cadaproduto e às necessidades do seu consumo.

Difícil será essa tarefa, não há dúvida, enquanto prevalecerem os métodos vigentes, orudimentar empirismo legislativo que nos caracteriza. É preciso que O poder competente tenha contatocom a realidade e não se deixe orientar, como, em geral, acontece, por interessados, que mal sedisfarçam quando se trata de criar, reduzir ou suprimir impostos.

Estou certo de que é chegado o momento de encararmos com serenidade, agudeza e patriotismoestes e outros problemas vitais da nacionalidade.

As classes dirigentes, cada vez mais eficientemente fiscalizadas pela opinião pública, na Capitale nos Estados, já devem ter compreendido que é mister corresponder, em toda a amplitude e não apenasparcialmente, por exceção, às suas responsabilidades e à confiança do País.

O plano financeiro

Page 33: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 33

Nada tenho a acrescentar às considerações que, não há muito, expendi, acerca do planofinanceiro. O êxito deste, em última análise, decorrerá da situação geral do País. É um truísmo estaafirmativa. Não me parece, entretanto, supérflua para assinalar a necessidade de enfrentar o problemacom a visão de conjunto e não apenas unilateralmente.

A política do atual Governo da República foi, logicamente, dada à época do seu lançamento,uma política de restauração financeira. Seu plano está ainda na primeira fase, aliás, a mais importante ede mais urgente necessidade: a estabilização do valor da moeda.

Realizada esta, tornava-se necessário um compasso de espera, para que, em torno da nova taxacambial, se processasse o reajustamento da nossa vida econômica.

Após o decurso de um tempo que não pode ser fixado com precisão, porque depende do nossodesenvolvimento econômico, do aumento da nossa capacidade produtora e do estoque ouro da Caixa deEstabilização, é que se poderá atingir a parte final do plano: o resgate do papel inconversível e ainstituição da circulação metálica.

Entendo que o sucessor do eminente Sr. Washington Luiz deve manter e consolidar esse plano,pois muito maiores seriam os prejuízos resultantes do seu abandono do que os benefícios, poucoprováveis, que pudessem ser colhidos com a adoção de outra diretriz.

Só a prática, aliás, fornece a prova decisiva da eficiência de quaisquer planos e sistemas, aindaos de mais sólida e perfeita arquitetura. Por isso mesmo, quando opino, em princípio, pela manutençãoe consolidação da política financeira em vigor, não excluo, é claro, a possibilidade de se lheintroduzirem as modificações e melhoramentos que a experiência aconselhar.

Desenvolvimento econômicoNenhuma política financeira poderá vingar sem a coexistência paralela da política do

desenvolvimento econômico.Para a determinação do rumo a seguir, é mister o acurado exame do ambiente geral da nossa

atividade, mediante o balanço das possibilidades nacionais e o cálculo dos obstáculos a transpor.O problema econômico pode-se resumir numa palavra - produzir, produzir muito e produzir

barato, o maior número aconselhável de artigos, para abastecer os mercados internos e exportar oexcedente das nossas necessidades.

Só assim poderemos dar sólida base econômica ao nosso equilíbrio monetário, libertando-nos,não só dos perigos da monocultura, sujeita a crises espasmódicas, como também das valorizaçõesartificiais, que sobrecarregam o lavrador cm benefício dos intermediários.

A agricultura, embora florescente em muitas zonas, ressente-se por toda parte, da falta deorganização e de método.

Possuímos excelentes condições de clima e de solo para a cultura do trigo; não nos faltam ricasjazidas de carvão. Entretanto, só no carvão e no trigo que importamos, anualmente, despende o Brasilmais de um milhão de contos.

Se a nossa hulha negra não é das melhores, não é, tampouco, imprestável. Cumpre, portanto,aproveitá-la, adaptando as fornalhas à sua queima. E o que já se está fazendo, em larga escala, no RioGrande, cuja viação férrea e cujas indústrias consomem, por ano, mais de 300.000 toneladas do carvãode pedra rio-grandense.

Com a utilização sistemática do carvão nacional, com o aproveitamento gradual das quedasd'água e com o uso do álcool adicionado, em percentagens razoáveis, a óleos que nos faltam, fortalecer-se-á a economia do País, evitando-se, assim, a perda de grande parte do ouro que atualmenteempregamos na compra de combustíveis estrangeiros.

Em não poucas das regiões mais próprias para a agricultura, impera ainda o latifúndio, causacomum do desamparo cm que vive, geralmente, o proletariado rural, reduzido à condição de escravo dagleba.

Nessas regiões, seria conveniente, para os seus possuidores e para a coletividade, subdividir aterra, afim de colonizá-la, fazendo-se concessões de lotes a estrangeiros, como a nacionais, a preços

Page 34: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 34

módicos, mediante pagamento a prestações, além do fornecimento de máquinas agrícolas, mudas esementes.

Para o completo êxito de tal obra, contribuiriam os poderes públicos, disseminando, em pontosconvenientes, aprendizados agrícolas e facilitando os transportes.

Essa iniciativa parece-me bem mais útil e oportuna do que suscitar o aparecimento de indústriasartificiais. O surto industrial só será lógico, entre nós, quando estivermos habilitados a fabricar, senãotodas, á maior parte das máquinas que lhe são indispensáveis.

Daí, a necessidade de não continuarmos a adiar, imprevidentemente, a solução do problemasiderúrgico. Não é só o nosso desenvolvimento industrial que o exige: é, também, a própria segurançanacional, que não deve ficar à mercê de estranhos, na constituição dos seus mais rudimentareselementos de defesa.

Convênios e tratados de comércio

Visando a maior expansão do nosso comércio exportador, é oportuno cogitar de lhe obterfacilidades ou ampliar as de que já goza nos países para os quais se encaminhar ou nos quais possaencontrar probabilidades de boa aceitação.

Somos excelente mercado importador de numerosos produtos oriundos de diferentesnacionalidades. Por isso mesmo, creio, não nos será difícil, numa permuta racional de benefícios,conseguir, em muitas delas, melhor tratamento alfandegário para alguns dos nossos artigos, quermediante a possível revisão dos tratados e convênios existentes, quer promovendo a lavratura de outros.

A diplomacia orienta-se, cada vez mais, no sentido dos problemas econômicos. Entre osserviços que dela exigem as nações, cresce, dia a dia, a parte referente à defesa e propaganda dosprodutos do seu solo e das suas indústrias. E' de justiça assinalar que os representantes do Brasil noexterior, principalmente sob a atual direção, têm dado brilhantes e reiteradas provas dessa compreensãoprática dos seus deveres

Instrução, educação e saneamento

Para atender às exigências destes três problemas imperiosos e conexos, reputo inadiável acriação de uma entidade oficial técnica e autônoma, com o seu raio de ação benéfica estendido aoBrasil todo. A atividade dessa repartição coordenadora exercer-se-á, não só dentro da esfera dasprivativas atribuições constitucionais da União, como, também, junto às administrações dos Estados,com os quais colaborará, mediante convênios, para a conjugação de esforços, provendo de recursos osGovernos regionais cuja situação financeira assim o reclamar.

Quanto ao desenvolvimento da instrução pública, é preciso generalizar, cautelosamente,algumas providências isoladas, que, nesse particular, já se praticam em circunscrições nacionais demais densa população de origem estrangeira, nas quais a União subvenciona regular número de escolas,auxiliando, assim, os Estados respectivos.

Não só o alienígena e seus descendentes, porém, necessitam de instrução efetiva e gratuita. Se aeles se deu preferência, com o intuito de mais rapidamente nacionalizá-los, a verdade é que osinteresses da nacionalidade não são menos exigentes no tocante à alfabetização dos habitantes daszonas do Interior do País, até onde ainda não chegaram quaisquer levas imigratórias.

Pouco será, sempre, tudo quanto se fizer - e, até agora, quase nada se tem feito - no sentido demelhorar as condições dos habitantes do País, sob o tríplice aspecto moral, intelectual e econômico.

Creio mesmo que é chegada a oportunidade da instituição de um novo Ministério, quesistematize e aperfeiçoe os serviços federais, estaduais e municipais existentes com esse objetivo e cuja

Page 35: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 35

eficiência tanto deixa a desejar, por efeito, justamente, em grande parte, da sua desarticulação, isto é, dafalta de contato real e entendimentos práticos.

As obras contra as secas

Uma das decorrências dessa medida fundamental será o imediato exame da situação atual dasobras do Nordeste, contra o flagelo periódico das secas.

Já o disse, em documento que teve larga divulgação, e, agora, repito, com a maior firmeza, quese torna inadiável retomar o plano humanitário de amparo à população e de valorização econômica dosterritórios, de acordo com as idéias do eminente Senador Epitácio Pessoa, que lhes deu execuçãoquando na Presidência da República.

Os trabalhos devem obedecer a um plano rigorosamente técnico, abrangendo o estudo elevantamento do terreno, a cultura das terras, a abertura de estradas, a construção de obras de barragense de irrigação, para a criação de centros produtores permanentes.

Se para a Aliança Liberal esta promessa representa um compromisso de honra, para o seucandidato será o mais grato dos deveres, por isso mesmo que, como afirmei algures, tem raízes fundasna minha sensibilidade de brasileiro e no meu pensamento de homem público a preocupação pela, sortedas populações do Nordeste, cuja fortaleza física e tão grande, que lhes tem permitido resistir, sozinhas,à conjugação dantesca do clima e da nossa inclassificável imprevidência.

Colonização da Amazônia

Outra conseqüência lógica da sistematização e desenvolvimento dos serviços nacionais deinstrução, educação e saneamento será o estudo metódico das possibilidades de colonização daAmazônia.

Este é, sem dúvida, um dos mais graves e complexos problemas da atualidade brasileira. Da suasolução efetiva dependerá a reconquista da nossa posição, que tão relevante foi, nos mercados mundiaisda borracha.

Só as crescentes vantagens que este produto assegura, no globo todo, justificariam a execuçãodo projeto de saneamento da vasta e exuberante Região Amazônica. Nos grandes países industriais, aborracha é, hoje, tão indispensável como o ferro, o carvão e o petróleo.

A mais impressionante demonstração dessa influência vital da borracha, quer na Europa, quernos outros continentes, encontramo-la, sem dúvida, numa série de crônicas sensacionais de viagem dopublicista francês Georges Le Fêvre.

Ao mesmo tempo que revela, através de abundantes dados estatísticos, a fome universal decaoutchouc, o escritor assinala o cuidado, o carinho, os requintes de precauções, enfim, mediante osquais se obtém da cultura da hevea resultado compensador, nas possessões britânicas e holandesas.

O aparelhamento científico de que estas dispõem exige dispêndios formidáveis, com o custeiode laboratórios, sob a direção de verdadeiros sábios. Não obstante, o rendimento das culturas é aindainferior às necessidades do consumo e sê-lo-á cada vez mais, pois diariamente surgem novas formas deutilização da borracha.

Ora, justamente porque, entre nós, a produção se verifica em condições especialíssimas, cominigualável facilidade, o Brasil pode e deve ser, dentro em breve, uma das vozes decisivas nosmercados da borracha, em vez de simples caudatário, como tem sido até hoje.

Para isso, não lhe bastará o produzir na maior escala possível. A simples exportação da matéria-prima, por maior que seja a respectiva tonelagem, não nos dará, com efeito, a chave do problema. Énecessária, também, a industrialização do produto dentro do País.

Page 36: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 36

Não terá, porém, encarado o assunto sob os seus aspectos práticos quem julgar possível aoBrasil influir vigorosamente nas transações universais do caoutchouc antes de sanear e povoar as zonasprodutoras.

Uma das muitas dificuldades em que tropeçamos, agora, na Amazônia, é a escassez de braços.Urge encaminhar para ali correntes imigratórias.

Mas, isso, afinal, será um crime, que comprometerá o êxito da obra e os nossos foros de povocivilizado, se, preliminarmente, não procedermos ao saneamento da região, se esta não forconvenientemente preparada para receber o elemento alienígena.

Por aí devemos começar, tanto mais quanto, assim, conseguiremos melhorar, desde logo, ascondições de milhares de patrícios nossos, a cuja energia e espírito de sacrifícios tanto deve o País.

A medicina e à engenharia, sob a direção do novo Ministério a que acima aludi, caberá funçãopreliminar e decisiva, nesse vasto empreendimento, que não pode ser adiado.

Vias de comunicação

No tocante a vias de comunicação, o que cumpre fazer inicialmente é organizar o plano deviação geral do País, de modo que as estradas de ferro, as rodovias e as linhas de navegação seconjuguem e completem.

Atualmente, observa-se, nesse particular como em tantos outros, a mais lamentáveldesarticulação. E um mal que urge corrigir. Essa falta de correspondência, de entrosagem, agravasobremaneira os efeitos da deficiência do nosso apare-lho de circulação.

Obtida a possível ligação entre si das diferentes redes de comunicação dos Estados, ter-se-áaumentado de maneira considerável o rendimento delas, em proveito das conveniências superiores daNação.

Não me parece difícil atingir a esse objetivo, com a execução de algumas obras suplementares erevisão de outros tantos traçados para abreviar os necessários entroncamentos.

Entre as grandes linhas férreas que a Nação reclama, uma das de maior alcance é a chamada"Tocantins". Refiro-me especialmente a esta, porque é típica.

Iniciadas no Governo Epitácio Pessoa, as obras dessa estrada foram, pouco depois, suspensas.Com a construção de 560 quilômetros, ficará o Porto de São Luiz ligado ao Tocantins, cujos 800quilômetros navegáveis seriam assim convenientemente aproveitados.

Como essa, outras vias férreas, já estudadas ou projetadas, estão a exigir a atenção dosGovernos, visto constituírem obras, por assim dizer, subsidiárias de rios navegáveis cuja utilização,sem elas, é precária, senão impossível.

Para que se possa intensificar, como convém, a cultura do algodão, capaz, por si só, de fazer aprosperidade e a riqueza do Norte do Brasil, impõe-se a ampliação, ali, das rodovias c linhas férreas.

Esse problema, que se engranza no das obras contra as secas, encontrará em mim toda asimpatia para a sua oportuna solução.

A nossa legislação sobre portos é antiquada e deficiente. E preciso revê-la, sobretudo no sentidode dar maior amplitude à liberdade de comércio.

Assunto igualmente de excepcional importância, para a nossa prosperidade econômica eaumento da exportação, é a questão dos fretes marítimos. A elevação destes entrava o desenvolvimentodo comércio e, portanto, a expansão das nossas forças produtoras.

Nada mais justo do que o amparo da nossa legislação à Marinha Mercante nacional. Asvantagens da existência de várias empresas de cabotagem, entretanto, são anuladas pelo truste oficialdos fretes, que torna impossível a livre concorrência.

As companhias beneficiárias da exclusividade no serviço de cabotagem não procuram,infelizmente, melhorar, como é necessário, as condições técnicas de seus navios, de modo a torná-los

Page 37: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 37

menos dispendiosos e aumentar-lhes o rendimento. Daí, as dificuldades com que lutam e para cujaremoção só encontram, invariavelmente, aumento de subvenções ou majoração dos fretes.

A Pecuária

Não se pode negar que a agricultura nacional já atingiu um grau notável de desenvolvimento,sobretudo nos Estados para onde se encaminharam as correntes imigratórias.

Relativamente à pecuária, entretanto, o que se tem feito é pouco, é quase nada. Possuímos, semdúvida, o maior rebanho bovino do mundo. Não obstante, a nossa situação, no comércio de carnes, édestituída de qualquer relevo.

Os Estados Unidos e a maior parte dos países da Europa, até agora, vedam ou sujeitam avexatórias restrições a entrada das carnes procedentes dos frigoríficos brasileiros, sob o fundamento daexistência da febre aftosa endêmica em nossos rebanhos.

A subalternidade deprimente da nossa posição, num comércio em que podemos influirpoderosamente, exige providências radicais.

Não temos necessidade de inventar remédios. Ai está, para nos orientar, o exemplo de outrospaíses de mais ou menos idênticos recursos pastoris.

Os fatos demonstram que, enquanto o consumo da carne aumenta, com o crescimento daspopulações, os estoques de gado, ou diminuem ou não crescem, na mesma proporção, nos países quedetêm o recorde do fornecimento mundial.

O mais rudimentar patriotismo indica, assim, aos dirigentes do Brasil, a conveniência da adoçãode medidas apropriadas a ampliar, nos mercados universais, a nossa contribuição de produtospecuários, como lãs, couros, banhas, conservas, carnes preparadas pelos processos do frio, gado em pé,etc.

Trata-se de uma das nossas mais vigorosas fontes de riqueza, cuja exploração em larga escalaviria contribuir para o equilíbrio da balança comercial da República.

Entre outras providências, seriam de preponderante alcance no desenvolvimento dessaexportação: convênios comerciais, ou entendimentos de consumo; a redução de fretes e oaperfeiçoamento do material e métodos administrativos das nossas empresas de navegação.

Reforma do Banco do Brasil

Na remodelação do Banco do Brasil, tal como a exigem as necessidades da economia nacional,convirá que ele deixe de ser um concorrente comercial dos outros institutos de crédito, a fim de podersobre estes exercer função de controlador, como propulsor do desenvolvimento geral, auxiliando, nessecaráter, a agricultura, amparando o comércio, fazendo redescontos, liderando, em suma, todo o nossosistema bancário, no sentido do contínuo engrandecimento do País.

Atingir-se-á esse objetivo mediante a criação de carteiras especiais para o comércio, para aagricultura, para as indústrias, etc.

Defesa da Produção

Além do café, de que tratarei separadamente, outros produtos estão a reclamar proteção edefesa.

O que ocorre com o açúcar, por exemplo, é típico. O plano de defesa que agora se executa, nãocorresponde, nem aos verdadeiros interesses do País nem às necessidades reais da lavoura e das usinas.Não há muito, em entrevista ao Diário da Manhã, de Recife, tive oportunidade de me pronunciar arespeito. Os fatos posteriores não modificaram, antes confirmaram, a minha opinião. Por isso,

Page 38: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 38

reproduzo-a na íntegra. O plano está falhando, sobretudo, por um erro de organização nos negócios devenda. A chamada quota de sacrifício permite que o açúcar seja vendido, nos mercados exteriores, apreço bastante inferior à taxa fixada para as vendas no interior. Mas, esta medida não poderá darresultados satisfatórios, positivos. Entendo que o problema só terá solução quando for criada no Bancodo Brasil uma carteira agrícola. Esta deverá atender às necessidades do produtor, isto é, facilitar-lhe osrecursos necessários tanto para o desenvolvimento da produção quanto para o aperfeiçoamento doproduto. Resumindo, precisamos amparar o produtor, fornecendo-lhe numerário de acordo com asdisponibilidades de seu credito; melhorar os processos técnicos de cultura para baratear o custo daprodução. Assim valorizaremos o produto, em benefício do agricultor e do usineiro, em vez de formartrustes para enriquecer de intermediários a açambarcadores. A valorização será mantida dentro damargem razoável de lucro, de modo a evitar o encarecimento do produto em prejuízo do consumidor ea injustificável anomalia de comprarmos o nosso açúcar, no País, por preço superior ao da sua venda noestrangeiro.

O que aí se preconiza, em relação, ao açúcar, tem aplicação plena quanto ao algodão, aoscereais em geral, à erva-mate, ao cacau, etc.

E o que se tem feito, no meu Estado, com o charque, com o arroz, a banha e o vinho, mediante aorganização de sindicatos e cooperativas, que não elevaram, absolutamente, o custo desses artigos. NoRio Grande, o Governo intervêm junto aos produtores, apenas, com o adiantamento de numerário,garantido pela produção, e com a fiscalização, por intermédio de seus departamentos sanitários, a defim de firmar a excelência da mercadoria e regularizar a exportação.

O controle assim exercido habilita o poder público a impedir explorações e abusos.

O café

A defesa do café constitui, sem controvérsias, o maior e mais urgente dos problemaseconômicos atuais do Brasil, por isso que esse produto concorre com mais de dois terços do ouronecessário ao equilíbrio da nossa balança comercial. Da sua sorte dependem, assim, o câmbio e aestabilização do valor da moeda.

O plano que agora falhou, sem estrépito, alarmando todo País, visava menos à defesapropriamente dita do custo da produção, do que sua valorização imediata. Esta deve ser alcançada, nãode chofre mas, logicamente, por etapas, em conseqüência daquela. Majorar o preço de determinadamercadoria nem sempre é defendê-la: pode ser prejudicá-la. Se isso ocorre mesmo quando se temexclusividade da sua produção, pois o custo alto restringe o consumo e suscita o aparecimento dossucedâneos, com mais razão se verifica, é claro, quando, como no caso do nosso café, existemconcorrentes, e concorrentes em especiais condições de êxito, pela sua maior proximidade do principalmercado recebedor.

A valorização do café, como se fazia, teve esse tríplice efeito negativo: diminuiu o consumo, fezsugerir sucedâneos e intensificou a concorrência, que, se era precária antes do plano brasileiro, este aconverteu em opulenta fonte de ganho.

Foram, com efeito, os produtores estrangeiros, e não os nossos, paradoxalmente, osbeneficiários da valorização que aqui se pôs em prática. Tal valorização, aliás, dava apenas aosinteressados, entre nós, a ilusão do lucro, pois eles se satisfaziam com o elevado preço de venda, sematentar no custo, cada vez mais exigente, da produção. Pelo barateamento desta, entretanto, é que deviater começado a política de defesa do café. Isto é que seria racional.

Obtidas a redução dos gastos de produção e transporte, a diminuição de impostos e a supressão,tanto quanto possível, dos intermediários, que são os que mais ganham e cuja interferência a açãotutelar do Estado, por meio do Instituto respectivo, tornaria dispensável, o café, embora a preçoseliminadores de qualquer concorrente, proporcionaria aos lavradores lucro, pelo menos, tão

Page 39: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 39

compensador como os auferidos em virtude da valorização artificial e muito mais certo e sólido do queos desta.

Não se sabe o que levou os Governos a optar pela providência oposta. O que ninguém ignora éque dessa experiência colheu o Brasil os piores e mais amargos frutos.

Do que se tem certeza, também, é que, quando se cogitou da adoção do plano atual, nãofaltaram contra ele vozes de grandes autoridades na matéria. A palavra do preclaro e saudosoConselheiro Antônio Prado, por exemplo, fez-se ouvir com ponderações impressionantes, que,infelizmente, não foram dignas de acatamento, nos conselhos deliberativos da administração nacional.

Tratava-se, não obstante, de um dos nossos estadistas mais ilustres, de uma das individualidadesmais úteis, socialmente, com que já contou o Brasil e, além disso tudo, um dos maiores fazendeiros decafé.

A carta do Conselheiro Antônio Prado, dirigida em 1921, ao eminente brasileiro que foi NiloPeçanha, adquiriu, agora, irrecusável oportunidade, depois do desastre determinado pela inobservânciados conselhos da sua capacidade e experiência.

O que se contém nesse documento, em sua crítica ao projeto então apresentado e logo apósconvertido em lei, para valorização do café, resume, admiravelmente, tudo quanto, hoje, se podeindicar no sentido da solução racional, econômica e patriótica do formidável problema. A suatranscrição impõe-se aqui, como homenagem ao notável administrador cuja clarividência poderia terpoupado ao País os dias amargos que está vivendo; exprime, também, um apelo a todos os responsáveispela situação em que nos encontramos, para que se decidam, afinal, a encarar de frente o assunto, sobos seus aspetos basilares.

"Compreende-se - escreveu o Conselheiro Antônio Prado, na citada carta, que teve, então, largapublicidade e acaba de ser reproduzida pelos principais jornais do Rio e dos Estados - compreende-seque, dadas certas circunstâncias, perturbadoras do regular funcionamento da lei da oferta e da procura,seja conveniente a intervenção do Governo no mercado do produto, mais para auxiliar o produtor doque para valorizar o produto, porque, é o mesmo que produz esse efeito. A intervenção, nesses casos, érecomendável e pode ser vantajosa para o produtor; é o caso da recente intervenção; mas, criar umórgão administrativo para regularizar permanentemente o negócio do café e manter o seu preço, semcuidar de diminuir os custos da produção, c desatender às condições dos mercados, é desconhecer porcompleto as leis econômicas que regulam a produção e distribuição.

O produtor está vendendo o café a $25 a arroba, mas faltam-lhe os braços necessários para otrabalho, assim como capital, crédito, transporte barato, ensino profissional, fertilizantes da terra, egeme ao peso de impostos elevados.

Desta situação, resulta que o saldo apurado é insignificante, muitas vezes nulo, em vista dosgastos da produção.

Se a política adotada, em vez de consistir em elevar o preço do produto, fosse diminuir o custoda produção, dando ao produtor braços para o trabalho, capital, crédito, ensino profissional,fertilizantes da terra, transporte barato e alívio do peso dos impostos, o café podia ser vendido pormetade, ou menos, daquele preço, deixando lucro ao produtor, e o comércio seguiria seu cursoordinário; o consumo aumentaria e cessaria o perigo da concorrência dos outros países produtores, quesó podem competir conosco pela elevação de preços."

Nem a distância, no tempo que vai de 1921 a 1929, nem as alternativas registradas durante talperíodo, nem a derrocada final, a que assistimos, prejudicaram as linhas mestras, os pontos definitivosdessa lição. Pelo contrário, a falência do plano oficial, que dela se afastou comprometendoprofundamente a maior riqueza agrícola do País, hoje, ainda mais lhe aviva e amplia a salutarsignificação, visto como, agora, a ruinosa experiência lhe torna as conclusões, também, não sóindiscutíveis, mas irrecusáveis.

Além do que na carta se prescreve, em síntese, afigura-se-me, ainda, indispensável, atenta afundamental influência do café na economia geral do Brasil, tornar mais íntima e efetiva a colaboração

Page 40: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 40

da União, na defesa do produto, para manter a unidade do serviço, velar pelo cumprimento dosconvênios entre os Estados interessados, promover as medidas da alçada federal e intervir com os seusrecursos, em caso de necessidade.

* * *

Eis, Senhores, em solene e definitiva reafirmação, pelo órgão do seu candidato, o pensamentoda Aliança Liberal sobre a atualidade brasileira.

A direção que recomenda, as providências que aconselha, as medidas que se propõe executar,compreendem pontos fundamentais da economia, cultura e civismo da nacionalidade.

Passou a época dos subterfúgios e procrastinações.Politicamente, a impressão que nos dá o Brasil é de um arriéré, ainda que se restrinja o

confronto apenas à América do Sul.Não nos iludamos. Têm sido repudiadas, para as nossas crises políticas, como para as

administrativas, soluções específicas, portanto, inevitáveis, insubstituíveis, que, se não forem, agora,postas em prática sinceramente, voluntariamente, não poderão deixar de o ser à força, mais hoje, maisamanhã.

Daí, a significação, que a ninguém escapa, do vigoroso c profundo movimento de opinião queempolga todas as forças vivas e permanentes do País.

A Aliança Liberal é, com efeito, em síntese, a mais expressiva oportunidade que já se ofereceuao Brasil para realizar, sem abalos, sem sacrifícios, o plano de ação governamental exigido,insistentemente, não só pela maioria consciente da sua população e pelas suas tradições de cultura epatriotismo, como, também, pelo espírito do momento universal.

* * *

Não desejei a indicação de meu nome à Presidência da República. Nenhum gesto fiz, nenhumapalavra pronunciei nesse sentido. Minha candidatura surgiu espontaneamente, apresentada por variascorrentes de opinião, que se solidarizaram em torno de um conjunto harmônico de idéias, de métodosadministrativos, de normas governamentais.

A esse apelo submeti-me, não sem relutância, como a um imperativo cívico do instantehistórico brasileiro. Trata-se, pois, de uma candidatura popular, candidatura do povo brasileiro, semeiva alguma de oficialismo. A mesma política do País acha-se nitidamente definida. Ao povo cabedecidir, na sua incontestável soberania.

Todos os brasileiros têm, não apenas o direito, mas o dever, de se pronunciar por esta ou aquelacandidatura, no terreno eleitoral, exigindo que o seu voto seja integralmente respeitado.

A divergência momentânea, na eleição dos supremos mandatários, divergência que é sinal devitalidade cívica, expressão de espírito democrático e de vigilante patriotismo, não pode e não deve sermotivo para que os elementos discordantes se tratem como inimigos.

Todos desejam a prosperidade, a felicidade da Pátria; todos aspiram à implantação de umGoverno que bem compreenda as verdadeiras necessidades e conveniências do Brasil; todos, por issomesmo, devem esforçar-se para que o pleito se realize serenamente, produzindo o menor abalopossível. Este é o pensamento dos liberais, que, aliás, não poderiam ter outro, visto como se batem peloadvento de uma fase de esquecimento de ódios e prevenções, pela fraternização, enfim, de todos osbrasileiros.

Page 41: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 41

Rio Grande de Pelo Brasil,Rio Grande de Pelo Brasil,Rio Grande de Pelo Brasil,Rio Grande de Pelo Brasil,Discurso Pronunciado em Porto Alegre,Discurso Pronunciado em Porto Alegre,Discurso Pronunciado em Porto Alegre,Discurso Pronunciado em Porto Alegre,04 de Outubro de 193004 de Outubro de 193004 de Outubro de 193004 de Outubro de 1930

Ninguém ignora os persistentes esforços por mim empregados, desde o início da campanha dasucessão presidencial da República, no sentido de que o prélio eleitoral se mantivesse rigorosamente noterreno da ordem e da lei.

Jamais acenei para a Revolução, nem sequer, proferi uma palavra de ameaça.Sempre que as contingências da luta me forçaram a falar ao público, apelei para os sentimentos

de cordialidade e para as inspirações do patriotismo, a fim de que a crescente exaltação dos espíritosnão desencadeasse a desordem material.

Ainda mesmo quando percebi que a hipertrofia do Executivo, inteiramente descomedido,absorvendo os outros poderes, aniquilava o regime e assumia, de maneira ostensiva a direção da pugnaeleitora, em favor da candidatura do meu opositor, tentei uma solução conciliatória.

As violências e perseguições prévias, como atos preparatórios da fraude, deixavam evidenteque, após o pleito eleitoral, viria, com a cumplicidade de um Congresso sem compreensão de seus altosdeveres, o ajuste de contas pelo sacrifício dos direitos líquidos de todos os elementos incorporados àcorrente liberal.

Sempre estive, igualmente, pronto à renúncia de minha candidatura, assumindo aresponsabilidade de todas as acusações que, por certo, recairiam sobre mim, uma vez adotadas medidasque satisfizessem as legítimas aspirações coletivas, com aceitação dos princípios propugnados pelaAliança Liberal e execução de providências que correspondessem aos desejos generalizados do povobrasileiro.

Esforcei-me, também, para que a campanha prosseguisse num regime de garantias e respeitointegrais de todos os direitos consagrados pelo sufrágio eleitoral.

Somente tal conduta permitiria que, após o pleito, pudessem os adversários dar, lealmente, porfinda a luta, reconciliando-se, desde logo, sem ressentimentos.

Estive sempre pronto a assumir, com a renúncia de quaisquer aspirações políticas e da própriaposição que ocupo, a responsabilidade integral dos atos determinantes da luta, a fim de que acoletividade colhesse, assim, algum benefício e não se sacrificassem interesses de terceiros.

Da inutilidade de minha atitude teve o povo brasileiro demonstração fidelíssima na farsaeleitoral de 01 de março.

Nos Estados que apoiaram o Catete, os candidatos a cargos eletivos foram empossados, mercêde uma montanha de atas falsas.

Quanto aos Estados liberais, Paraíba teve toda a sua representação, legitimamente eleita,espoliada de seus direitos. Em Minas Gerais, o Estado de maior coeficiente eleitoral, o povo não pôdevotar, e foi um espécie de loteria o reconhecimento executado pelo Congresso. No Rio Grande do Sul,não houve alquimia capaz de alterar o expressivo resultado das urnas. Não logrando os pseudoscandidatos reacionários obter maioria em uma única seção eleitoral nem os inspiradores da fraude

Page 42: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 42

encontrar apoio na integridade de Junta Apuradora deste Estado, tornou-se impossível qualquerartifício de cálculo que alterasse o verdadeiro resultado das urnas.

Além disso, o Rio Grande e os outros Estados aliancistas foram, pelo Governo Federal, tratadoscomo veros inimigos, negando-se-lhes, até a solução de problemas administrativos de imediatointeresse público, olvidado o dever elementar de colaboração do regime federativo, como se osnegócios oficiais fossem de propriedade privada, dependentes, exclusivamente, da munificência dospoderosos.

Apesar, entretanto, de todos esses desmandos, não devendo ser juiz em causa própria, resolvilançar o manifesto de 01 de maio, cm que se entregava ao povo a solução do momentoso caso.

Na Paraíba, foi ainda amparada e, criminosamente, estimulada pelos poderes públicos a rebeliãodo cangaço, que terminou, como é notório, no miserável assassínio do imortal João Pessoa, candidato àvice-presidência da República, na chapa Liberal.

Grave erro, foi, sem dúvida, supor que o dissídio aberto em torno da sucessão presidencial daRepública se resumia em um simples choque de preferências ou interesses pessoais.

Transformou-se a luta no leito propício e amplo, que nas proximidades do seu estuário, haveriade receber a corrente impetuosa c irresistível das opiniões democráticas do nosso povo e do eloqüenteprotesto nacional contra a deturpação do regime político.

Empenhados na contenda, passaram os homens dos dois partidos a valer apenas pelas idéias querepresentavam, pelas tendências coletivas que neles se resumiam e pelos ideais que propugnavam.

Compreendi, desde o primeiro momento, a magnitude do prélio, que, levado às últimasconseqüências, seria, forçosamente, decisivo para os destinos da República Brasileira.

Por isso mesmo, julguei possível um entendimento, leal e franco, que tivesse por base a própriareconciliação dos brasileiros, pondo de parte quaisquer considerações de ordem pessoal.

Os adversários, porém, não queriam apenas a vitória eleitoral, obtida, embora, à custa de todasas artimanhas e à sombra dos mais impressionantes e condenáveis abusos do poder. Foram ainda maislonge os nossos opositores, no seu intuito de triunfar. Vencida a minha candidatura, pretenderamsubjugar a própria liberdade de consciência, a dignidade do cidadão brasileiro e o direito de pensar eagir dentro da lei.

E quando a nacionalidade inteira, depois da vergonhosa vitória da fraude eleitoral de 01 demarço, esperava que os favorecidos ainda mesmo não ocorrendo outra razão, houvessem, por simples eelementar prudência, de dar ao público demonstrações de comezinho decoro cívico, passamos todos aassistir, constrangidos e humilhados, ao tripúdio mais desenfreado e impudente, ante as vítimas dasanha de um poder que entrava, francamente, na fase final do delírio.

Dados tais acontecimentos, qual a perspectiva que nos desenha e que porvir nos espera, com oprosseguimento do atual estado de coisas? Um infinito Saara moral, privado de sensibilidade e semacústica. O povo oprimido e faminto. O regime representativo golpeado pela morte, pela subversão dosufrágio popular. O predomínio das oligarquias e do profissionalismo político. As Forças Armadas,guardas incorruptíveis da dignidade nacional, constrangidas ao serviço de guarda-costas do caciquismopolítico. A brutalidade, a violência, o suborno, o malbarato dos dinheiros públicos, o relaxamento doscostumes e, coroando este cenário desolador, a advocacia administrativa a campear em todos os ramosda governação pública.

Daí, como conseqüência lógica, a desordem moral, a desorganização econômica, a anarquiafinanceira, o marasmo, a estagnação, o favoritismo, a falência da Justiça.

Entreguei ao povo a decisão da contenda, e este, cansado de sofrer, rebela-se contra os seusopressores. Não poderei deixar de acompanhá-lo, correndo todos os riscos em que a vida será o menordos bens que lhe posso oferecer.

Estamos ante uma contra-revolução para readquirir a liberdade, para restaurar a pureza doregime republicano, para a reconstrução nacional. Trata-se dum movimento generalizado, do povofraternizando com a tropa, desde o Norte valoroso e esquecido dos governos até o Extremo-Sul.

Page 43: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 43

Amparados no apoio da opinião pública, prestigiados pela adesão dos brasileiros, que maiorconfiança inspiram dentro c fora do País, contando com a simpatia das Forças Armadas e a cooperaçãode sua melhor parte, fortes pela justiça e pelas armas, esperamos que a Nação reentre na posse de suasoberania, sem maior oposição dos reacionários, para evitar a perda inútil de vidas e de bens, abreviar avolta do País à normalidade e à instauração de um regime de paz, de harmonia e tranqüilidade, sob aégide da lei.

Não foi em vão que o nosso Estado realizou o milagre da união sagrada.É preciso que cada um dos seus filhos seja um soldado da grande causa.Rio Grande, de pé, pelo Brasil! Não poderás falhar ao teu destino histórico!

Page 44: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 44

A Nova Organização Administrativa do País,A Nova Organização Administrativa do País,A Nova Organização Administrativa do País,A Nova Organização Administrativa do País,Discurso de Posse na Chefia do Governo Provisório,Discurso de Posse na Chefia do Governo Provisório,Discurso de Posse na Chefia do Governo Provisório,Discurso de Posse na Chefia do Governo Provisório,Em 03 de Novembro de 1930Em 03 de Novembro de 1930Em 03 de Novembro de 1930Em 03 de Novembro de 1930

O movimento revolucionário, iniciado, vitoriosamente, a 03 de outubro, no Sul, Centro e Nortedo País, e triunfante a 24, nesta Capital, foi a afirmação mais positiva que, até hoje, tivemos da nossaexistência como nacionalidade. Em toda a nossa história política, não há, sob esse aspecto,acontecimento semelhante. Ele é, efetivamente, a expressão viva e palpitante da vontade do povobrasileiro, afinal senhor de seus destinos e supremo árbitro de suas finalidades coletivas.

No fundo e na forma, a Revolução escapou, por isso mesmo, ao exclusivismo de determinadasclasses. Nem os elementos civis venceram as classes armadas, nem estas impuseram àqueles o fatoconsumado. Todas as categorias sociais, de alto a baixo, sem diferença de idade ou de sexo,comungaram em um idêntico pensamento fraterno e dominador: - a construção de uma Pátria nova,igualmente acolhedora para grandes e pequenos, aberta à colaboração de todos os seus filhos.

O Rio Cirande do Sul, ao transpor as suas fronteiras, rumo a Itararé, já trazia consigo mais dametade do nosso glorioso Exército. Por toda parte, como, mais tarde, na Capital da República, a almapopular confraternizava com os representantes das classes armadas, em admirável unidade desentimentos e aspirações.

Realizamos, pois, um movimento eminentemente nacional.Essa, a nossa maior satisfação, a nossa maior gloria e a base invulnerável sobre que assenta a

confiança de que estamos possuídos para a efetivação dos superiores objetivos da Revolução brasileira.Quando, nesta cidade, as forças armadas e o povo depuseram o Governo Federal, o movimento

regenerador já estava, virtualmente, triunfante cm todo o País. A Nação, em armas, acorria de todos ospontos do território pátrio. No prazo de duas ou três semanas, as legiões do Norte, do Centro e do Sulbateriam às portas da Capital da República.

Não seria difícil prever o desfecho dessa marcha inevitável. A aproximação das forçaslibertadoras, o povo do Rio de Janeiro, de cujos sentimentos revolucionários ninguém poderia duvidar,se levantaria em massa, para bater, no seu último reduto, a prepotência inativa e vacilante.

Mas, era bem possível que o Governo, já em agonia, apegado às posições e teimando em manteruma autoridade inexistente de fato, tentasse sacrificar, nas chamas da luta fratricida, seus escassos cderradeiros amigos.

Compreendestes, Senhores da Junta Governativa, a delicadeza da situação e, com os vossosvalorosos auxiliares, desfechastes, patrioticamente, sobre o simulacro daquela autoridade claudicante ogolpe de graça.

Os resultados benéficos dessa atitude constituem legítima credencial dos vossos sentimentoscívicos: integrastes definitivamente o restante das classes armadas na causa da Revolução; poupastes àPátria sacrifícios maiores de vidas e recursos materiais, e resguardastes esta maravilhosa Capital dedanos incalculáveis.

Justo é proclamar, entretanto, Senhores da Junta Governativa, que não foram somente esses osmotivos que assim vos levaram a proceder. Preponderava sobre eles o impulso superior do vosso

Page 45: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 45

pensamento, já irmanado ao da Revolução. Era vossa também a convicção de que só pelas armas seriapossível restituir a liberdade ao povo brasileiro, sanear o ambiente moral da Pátria, livrando-a dacamarilha que a explorava, arrancar a máscara de legalidade com que se rotulavam os maioresatentados à lei e, à justiça - abater a hipocrisia, a farsa e o embuste. E, finalmente, era vossa também aconvicção de que urgia substituir o regime de ficção democrática, em que vivíamos, por outro, derealidade e confiança.

Passado, agora, o momento das legítimas expansões pela vitória alcançada, precisamos refletirmaduramente sobre a obra de reconstrução que nos cumpre realizar.

Para não defraudarmos a expectativa alentadora do povo brasileiro; para que este continue a nosdar seu apoio e colaboração, devemos estar à altura da missão que nos foi por ele confiada.

Ela é de iniludível responsabilidade.Tenhamos a coragem de levá-la a seu termo definitivo, sem violências desnecessárias mas sem

contemplações de qualquer espécie.O trabalho de reconstrução, que nos espera, não admite medidas contemporizadoras. Implica o

reajustamento social e econômico de todos os rumos até aqui seguidos. Não tenhamos medo à verdade.Precisamos, por atos e não por palavras, cimentar a confiança da opinião pública no regime que seinicia. Comecemos por desmontar a máquina do filhotismo parasitário, com toda a sua descendênciaespúria. Para o exercício das funções públicas, não deve mais prevalecer o critério puramente político.Confiemo-las aos homens capazes e de reconhecida idoneidade moral. A vocação burocrática e a caçaao emprego público, em um país de imensas possibilidades - verdadeiro campo aberto a todas asiniciativas do trabalho - não se justificam. Esse, com o caciquismo eleitoral, são males que têm de sercombatidos tenazmente.

No terreno financeiro e econômico, há toda uma ordem de providências essenciais a executar,desde a restauração do crédito público ao fortalecimento das fontes produtoras, abandonadas às suasdificuldades e asfixiadas sob o peso de tributações de exclusiva finalidade fiscal.

Resumindo as idéias centrais do nosso programa de reconstrução nacional, podemos destacar,como mais oportunas e de imediata utilidade:

1) concessão de anistia; 2) saneamento moral e físico, extirpando ou inutilizando os agentes decorrupção, por todos os meios adequados a uma campanha sistemática de defesa social e educaçãosanitária; 3) difusão intensiva do ensino público, principalmente técnico-profissional, estabelecendo,para isso, um sistema de estímulo e colaboração direta com os Estados. Para ambas as finalidades,justificar-se-ia a criação de um Ministério de Instrução e Saúde Pública, sem aumento de despesas; 4)instituição de um Conselho Consultivo, composto de individualidades eminentes, sinceramenteintegradas na corrente das idéias novas; 5) nomeação de comissões de sindicância, para apurarem aresponsabilidade dos governos depostos e de seus agentes, relativamente ao emprego dos dinheirospúblicos; 6) remodelação do Exército e da Armada, de acordo com as necessidades da defesa nacional;7) reforma do sistema eleitoral, tendo em vista, precipuamente, a garantia do voto; 8) reorganização doaparelho judiciário, no sentido de tornar uma realidade a independência moral e material daMagistratura, que terá competência para conhecer do processo eleitoral em todas as suas fases; 9) feitaa reforma eleitoral, consultar a Nação sobre a escolha de seus representantes, com poderes amplos deconstituintes, a fim de procederem à revisão do Estatuto federal, melhor amparando as liberdadespúblicas e individuais c garantindo a autonomia dos Estados contra as violações do Governo Central;10) consolidação das normas administrativas, com o intuito de simplificar a confusa e complicadalegislação vigorante, bem como de refundir os quadros do funcionalismo, que deverá ser reduzido aoindispensável, suprimindo-se os adidos e excedentes; 11) manter uma administração de rigorosaeconomia, cortando todas as despesas improdutivas e suntuárias - único meio eficiente de restaurar asnossas finanças e conseguir saldos orçamentários reais; 12) reorganização do Ministério da Agricultura,aparelho, atualmente, rígido e inoperante, para adaptá-lo às necessidades do problema agrícolabrasileiro; 13) intensificar a produção pela policultura e adotar uma política internacional de

Page 46: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 46

aproximação econômica, facilitando o escoamento das nossas sobras exportáveis; 14) rever o sistematributário, de modo a amparar a produção nacional, abandonando o protecionismo dispensado àsindústrias artificiais, que não utilizam matéria-prima do País e mais contribuem para encarecer a vida efomentar o contrabando; 15) instituir o Ministério do Trabalho, destinado a superintender a questãosocial, o amparo e a defesa do operariado urbano e rural; 16) promover, sem violência, a extinçãoprogressiva do latifúndio, protegendo a organização da pequena propriedade, mediante a transferênciadireta de lotes de terras de cultura ao trabalhador agrícola, preferentemente ao nacional, estimulando-oa construir com as próprias mãos, em terra própria, o edifício de sua prosperidade; 17) organizar umplano geral, ferroviário e rodoviário, para todo o País, a fim de ser executado gradualmente, segundo asnecessidades públicas e não ao sabor de interesses de ocasião.

Como vedes, temos vasto campo de ação, cujo perímetro pode, ainda, alargar-se em mais de umsentido, se nos for permitido desenvolver o máximo de nossas atividades.

Mas, para que tal aconteça, para que tudo isso se realize, torna-se indispensável, antes de maisnada, trabalhar com fé, ânimo decidido e dedicação.

Quanto aos motivos que atiraram o povo brasileiro à Revolução, supérfluo seria analisá-los,depois de, tão exata c brilhantemente, tê-lo feito, em nome da Junta Governativa, o Sr. General TassoFragoso, homem de pensamento e de ação e que, a par de sua cultura e superioridade moral, podeinvocar o honroso título de discípulo do grande Benjamin Constant.

Através da palavra do ilustre militar, apreende-se a mesma impressão panorâmica dosacontecimentos, que vos desenhei, já, a largos traços: a Revolução foi a marcha incoercível e complexada nacionalidade, a torrente impetuosa da vontade popular, quebrando todas as resistências, arrastandotodos os obstáculos, à procura de um rumo novo, na encruzilhada dos erros do passado.

Senhores da Junta Governativa: Assumo, provisoriamente, o Governo da República, comodelegado da Revolução, em nome do Exército, da Marinha e do povo brasileiro, e agradeço osinesquecíveis serviços que prestastes à Nação, com a vossa nobre e corajosa atitude, correspondendo,assim, aos altos destinos da Pátria.

Page 47: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 47

A imprensa e a Convocação da Constituinte, DiscursoA imprensa e a Convocação da Constituinte, DiscursoA imprensa e a Convocação da Constituinte, DiscursoA imprensa e a Convocação da Constituinte, DiscursoPronunciado na Associação Brasileira de Imprensa,Pronunciado na Associação Brasileira de Imprensa,Pronunciado na Associação Brasileira de Imprensa,Pronunciado na Associação Brasileira de Imprensa,20 de Setembro de 193120 de Setembro de 193120 de Setembro de 193120 de Setembro de 1931

Evidencia o alto espírito patriótico que nesta solenidade vos congrega o fato de procurardesassociar o Chefe do Governo à vossa festa profissional, ainda comemorativa do dia anualmenteconsagrado à Imprensa. O jornalismo no Brasil, já centenário, firmou-se com caráter periódico, nospródromos das lutas pela Independência. Nasceu, pois, sob o influxo de um ideal de liberdade, paraservir a uma grande causa. Criada a Pátria, tem acompanhado o evolver da nacionalidade,ininterruptamente propugnando por todas as nobres reivindicações populares. Para o advento de 7 deabril, primeira reação consciente de brasilidade, jornada que legitimou a Independêncianacionalizando-a, a Imprensa cooperou com bravura. Colaboradora na vitória de todas as nossascruzadas liberais, a ação que desenvolveu na campanha abolicionista teve o efeito de uma catapultairresistível e demolidora precipitando o 13 de maio. Assim foi, também, na Proclamação da República.Assim tem sido sempre, no Brasil, a função do jornal: acompanhando com serenidade as vicissitudes daNação, compartilhando, sem desesperança, da mágoa provoca da pelos dias nefastos e vibrando depatriótico entusiasmo nas ocasiões de glória e de triunfo.

No período histórico atualmente vivido, em que se processou o maior movimento de opiniãopública registrado nos nossos anais, foi culminante o papel do jornalismo nacional no preparo dacampanha de reivindicações hoje triunfante. Com louvável desassombro, a imprensa periódica, noBrasil, clamou contra as injustiças que imperavam e apontou os erros e a incapacidade dos governantes,profligando-lhes os atentados e desmascarando-lhes a hipocrisia. Firme nessa orientação saneadora,transformou-se, aos poucos, em intérprete dos sentimentos cívicos da nacionalidade, na defesa dospaladinos da reação armada, cujo ideal exaltou e propagou apressando a maturidade do movimentorevolucionário. Ao lado da que assim procedia, expressando fielmente os ímpetos populares, parasitavaa imprensa sem opinião própria, subvencionada pelo Governo para agredir ou elogiar, conforme apalavra de ordem recebida. Esta, sem exagero, chamada mercenária, desapareceu com a vitória daRevolução. Hoje, o Governo não subvenciona jornais, não tem imprensa oficiosa. Nenhuma relação dedependência mútua os subordina. Podem ambos, portanto, falar com a maior franqueza. O juízo que umfaça do outro vem isento da eiva de elogio encomendado. Certo ou errôneo, ele reflete opiniãoespontânea e desinteressada.

Reconhecido o valor do trabalho esforçado da boa imprensa pela causa revolucionária, cumpre-lhe, agora, colaborar sinceramente na obra de reconstrução iniciada, fiscalizando-a com superioridadeporém auxiliando-a com esclarecido patriotismo. A agressão pessoal, a intriga e o boato devem serrepudiados, como elementos dissolventes da ação jornalística, e banida, como estéril, a críticapuramente negativa. Obscurecer os benefícios da Revolução ocultando-lhe os resultados profícuos ousilenciando sobre as conquistas realizadas, é atentar contra a verdade dos fatos. Ouso afirmar deconsciência tranqüila e com absoluta serenidade: os homens que a Revolução elevou às altas funçõesdo Governo têm servido ao Brasil com lealdade e desinteresse, pelo exclusivo dever de servi-lo, nada

Page 48: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 48

lhes importando desagradar a indivíduos, pois os grandes problemas nacionais que procuram resolversão, de sua natureza, impessoais.

A lei de Imprensa

O cargo que ocupamos é um mandato da Revolução. Nós o deslustraríamos se procurássemosreincidir nos erros da velha política, visando organizar, em proveito próprio, clientelas partidárias, paravoltarmos ao regime dos conúbios escusos, das trapaças eleitorais, da administração cm família,esquecidos dos nobres objetivos que nos alentaram em momentos de incerteza e dos puros ideais quenos serviram de bandeira. Foi com desvanecimento que atendi ao vosso convite e sinto prazer na vossacompanhia, porque, também eu, em um determinado período da minha vida pública, sem amorprofissional, transformei-me, por julgar a Imprensa meio de ação eficaz, em jornalista de combate. Seisso não fosse suficiente para demonstrar-vos o meu apreço, lembraria, no momento, o interesse comque acolhi o vosso apelo para rever e consolidar, expurgando-a, a legislação vigente sobre delitos deimprensa.

O projeto, elaborado com esse fim, já se acha publicado para receber sugestões. Transformadoem lei, tornará efetiva mais uma conquista do pensamento liberal, que presidiu e orientou a campanhaprecursora do movimento de outubro. Julgo conveniente, mais uma vez, repetir que a Revolução foi,sobretudo, um protesto generalizado contra o abastardamento do regime, contra a mentira oficial,incorrigível propagadora de falsidade e criadora de aparências; contra a requintada hipocrisia políticagerando, fatalmente, a ruína financeira e o descalabro econômico, desastres suficientes para acelerar amarcha do País à inevitável bancarrota; contra, finalmente, os grupos de apaniguados que, usurpando onome de partidos políticos, sobrepunham os seus interesses aos interesses vitais da Pátria. Tarefaingente, que tem absorvido ao Governo Provisório preciosas energias, é a do saneamento moral dasnormas administrativas, dependente da extirpação difícil de perniciosos e inveterados hábitos. Paralevá-la a cabo, não bastam os aparelhos comuns de Justiça. Torna-se necessário manter, emborasimplificados, os tribunais de exceção já instituídos, conferindo-lhes o poder de julgar e executar, como máximo rigor, as medidas de moralização ditadas pelos seus juizes, sobretudo quando se tiver emvista a restituição dos dinheiros públicos criminosamente desviados. As suas decisões serão atossumários, de execução imediata, de natureza especial, mais de ordem administrativa que judiciária, nãocomportando, por isso, as delongas, protelações e incidentes dos processos comuns. O falseamento dovoto, as espoliações praticadas pelos ex-congressistas e todos os atentados puramente eleitorais, aosquais cabe a denominação genérica de delitos políticos, já receberam punição indireta. A Revoluçãopassou sobre eles como flama purificadora e castigo exemplar. Esta grande obra de moralidade social,em que nos empenhamos, tornar-se-á, no entanto, improfícua se não tiver a força de criar umamentalidade nova e sadia, incapaz de amoldar-se, sem resistência e revolta, à pratica renovada dosantigos vícios, dos erros e costumes condenáveis, principais instigadores dos últimos acontecimentos.

Convocação da Constituinte

O senso da oportunidade aconselha-me, também, talar-vos sobre o controvertido assunto daconstitucionalização do País. Tenho mantido, a esse respeito, constante coerência. Repito, agora, o quesempre disse, desde o período inicial da minha ascensão ao Governo: a constitucionalização virá a seutempo, naturalmente, como termo final de uma série de atos preparatórios, que a devem anteceder.Atentai na lógica iniludível dos fatos. Por decreto de 10 de fevereiro, foi nomeada a comissãoencarregada de elaborar o projeto da reforma eleitoral, primeiro passo para a solução do problema.Ressalta, evidentemente: três meses após a instalação do Governo Provisório, aparecia a providênciaprimária indispensável para atingirmos à legalidade.

Page 49: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 49

Essa comissão, consciente das responsabilidades que lhe cabiam, trabalhou durante seis meses,e somente nestes dias, em 8 de setembro, fez entrega do projeto elaborado, por certo, merecedor deencômios mas susceptível de aperfeiçoamento. Pelas disposições de alta relevância que encerra,basilares na organização do novo regime, esse projeto não pode ser transformado em lei antes desubmetido a ampla divulgação, para que nele colabore a opinião pública. Exposto à apreciação popular,necessariamente serão apresentadas sugestões e emendas modificadoras do texto original, convindo,por isso, novamente voltar à comissão que o delineou, onde deverão ser aceitas ou recusadas apósdetido estudo e exame. Só então ficará o Governo habilitado a transformar o projeto em lei. Vigorante alei, seguir-se-á a fase do alistamento dos eleitores. Num País como o nosso, com a sua populaçãodisseminada sobre vasta área territorial, mal servido de vias de comunicação e com imperfeita unidadeadministrativa, esta operação, por sua natureza delicada, certamente será morosa, perdurante por váriosmeses. Daí, a impossibilidade, quando se trata de assunto de tal magnitude, ligado a interesses vitais daNação, de anunciar-se previamente o dia do termo. Todas estas razões demonstram: nem a ditadurapode prolongar-se indefinidamente, nem a constitucionalização pode ser feita numa data prefixada. Emtese, ninguém é contrário à Constituinte, o que seria atitude aberrante, como, tão pouco, ninguém podeexigir que se decrete amanhã a Constituição, o que seria um contra-senso. A Constituinte viránaturalmente, fatalmente, preparada pela própria lógica dos acontecimentos. Enquanto o GovernoProvisório procura desempenhar-se dos compromissos assumidos com a Nação, realizando o programaque se impôs, de saneamento moral da administração pública, de restauração financeira e desoerguimento econômico do País, paralelamente ir-se-á processando a volta ao regime normal. Antefatos de tão convincente clareza, a pouco e pouco hão de se desfazer os equívocos suscitados, diluindo-se a resistência de uns e o açodamento de outros, aguardando, todos, confiantes, a ação honesta doGoverno. Iludem-se os que supõem, por terem preparado e desencadeado um movimentorevolucionário, possuir o poder de enfeixá-lo entre as mãos. Simples detentores de energias populares,valem como expressões momentâneas e passageiras da mentalidade e das aspirações dominantes, e sóenquanto interpretam os ideais e os sentimentos da época mantêm a força e o prestígio capazes dedirigi-la. Agindo sob o impulso de força de velocidade e trajetória fatais, deflagrada a convulsão, ficamimpotentes para determinar-lhe a marcha, desviá-la, detê-la ou enquadrá-la dentro dos limitesprefixados.

Os homens não podem ser guias de acontecimentos de tal magnitude senão quando fieisintérpretes da consciência coletiva, das necessidades ambientes e dos imperativos do momento. Aépoca que atravessamos é de difícil expressão sintética, pela completa subversão de valores e pelafalência de pseudos dogmas infalíveis: em crise, o sistema capitalista; crise econômica, agravada pelasuperprodução, proveniente do tailorismo, da racionalização e do aperfeiçoamento técnico dasindústrias; a noção de propriedade, alterada; a organização do trabalho, modificada nos seus institutostradicionais, procura, sem o apelo à destruição, encontrar nova forma, isenta de tirania, que mantenha oequilíbrio econômico-social, inspirando-se no princípio orgânico e justo da colaboração e dacooperação. Este princípio, para tornar-se eficiente, exige desprezo aos preconceitos, desapego dosbens materiais, em suma, espírito de sacrifício social, tudo isso impondo uma verdadeira transformaçãode mentalidade, para podermos agir utilmente e adquirir o poder de conduzir os acontecimentos. Épossível que a vontade eleitoral, livremente assegurada, em representação perfeita, permita oaparecimento dessa mentalidade nova na direção da vida nacional, encaminhando, pela evoluçãopacífica, o Estado à sua legítima atividade, a política aos seus fins moralizadores e o Brasil aos seusaltos destinos. Mas, para a excelência desse resultado, cabe-vos notável papel, principalmente emevocar o que fomos e no discutir o que devemos ser, fazendo-o sempre com serenidade e espíritoconstrutivo.

Page 50: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 50

A volta do País ao Regime Constitucional,A volta do País ao Regime Constitucional,A volta do País ao Regime Constitucional,A volta do País ao Regime Constitucional,Discursos aos Representantes do Clube 3 de Outubro,Discursos aos Representantes do Clube 3 de Outubro,Discursos aos Representantes do Clube 3 de Outubro,Discursos aos Representantes do Clube 3 de Outubro,no Dia 4 de Março de 1932, em Petrópolisno Dia 4 de Março de 1932, em Petrópolisno Dia 4 de Março de 1932, em Petrópolisno Dia 4 de Março de 1932, em Petrópolis

Recebo a demonstração de solidariedade que me trazeis e bem compreendo seu alcance esignificação. Sois a vibrante mocidade civil e militar, que não quer ver a Revolução afundar-se noatoleiro das transigências, dos acordos, das acomodações entre os falsos pregoeiros da democracia e osreacionários de todos os tempos, ainda impenitentes dos seus erros e arautos de um regionalismoanárquico e dispersivo, contrário aos mais altos interesses da nacionalidade. Sob a aparência de apelo àConstituinte e defesa duma autonomia que sempre violaram, procuram, apenas, voltar ao antigomandonismo e pleiteiam a posse dos cargos para a montagem da máquina eleitoral, veículoindispensável à sua ascensão. Pretendem esses profissionais da política assessorar o Governo instituídopela Revolução, como se este fosse autômato ao sabor de seus caprichos, consoante o pregão habitualde seus asseclas, instalados na Imprensa.

A volta do País ao regime constitucional virá, terá de vir, está na lógica dos acontecimentos.Essa volta processar-se-á, porém, orientada pelo Governo revolucionário, com a colaboração direta dopovo e não em obediência à vontade exclusiva dos políticos, na sua maioria, com o espírito deformadopelas transigências e deturpações impostas a uma Carta constitucional teoricamente perfeita. O regressoao regime constitucional não pode ser, nem será, contudo, uma volta ao passado, sob a batuta dascarpideiras da situação deposta, que exigem, hoje, invocando o princípio da autonomia, um registro denascimento a cada Interventor local, mas que, em plena vigência das garantias institucionais, baterampalmas às violações da autonomia mineira e à espoliação da Paraíba.

Cumpre-nos fazer a reconstrução moral e material da Pátria, realizando o saneamento doscostumes políticos e a reforma da administração, para, assim, conseguirmos a restauração financeira eeconômica do País. Sobre o terreno limpo das ervas daninhas, que o esterilizavam, a futuraConstituinte, eleita pelo povo, delineará os rumos novos de uma organização política adaptada àscondições da comunhão brasileira. Faz-se mister, porém, que os elementos, civis ou militares, quefizeram a Revolução se unam contra a obra de intriga, de derrotismo e de sabotagem dos adversários davéspera. Aceitaremos a colaboração de todos aqueles que, embora não tendo acompanhado omovimento revolucionário, pela ação ou pelo pensamento, estejam dispostos a servir à causa do País,dentro do programa do Governo, que está sendo executado. A tolerância para com os homens é umavirtude, mas a condescendência com os hábitos, os métodos e os processos que conspurcaram o nome eo conceito da República é um crime. Coerente com esse espírito conciliador e construtivo, não posso,também, concordar com a prática de violências de quaisquer origens, pois a ninguém é lícito fazerjustiça pelas próprias mãos sem diminuir a autoridade do Governo e o prestígio da Revolução.

Numa época trabalhada por todos os agentes de dissolução e de anarquia, devemos empenhar osnossos melhores esforços para cumprir o dever elementar de manter a ordem, a confiança e atranqüilidade. É isso que o povo deseja para trabalhar. Só assim poderemos ultimar rapidamente a obrade reconstrução moral e material prometida pela Revolução. Nesse sentido, estou disposto a agir firmee resolutamente, contando com o auxílio e a colaboração de todos os brasileiros, dispostos a servir não

Page 51: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 51

aos seus interesses, mas aos altos destinos da sua Pátria. Não devo perder o ensejo de felicitar-vos pelalouvável iniciativa, que tivestes, de organizar um programa no qual procurastes concretizar o idealismoconstrutor da Revolução, submetendo-o ao exame da opinião pública com o fim de prepará-la para oembate pacifico das urnas. Essa patriótica atitude de trazer à publicidade idéias e princípios,propagando-os pelos meios adequados ao sistema democrático, é merecedora de aplausos. O Governosomente se integrará num regime novo quando este for o reflexo da Nação organizada. Não deverátornar-se, por isso, prisioneiro de qualquer partido, classe ou facção, porque unicamente ao povobrasileiro, juiz definitivo de seus atos, lhe cumpre prestar contas. Prossegui, pois, na propagandapacífica das vossas idéias, que bem poderão transformar-se em flâmula de esperança, capaz deagremiar o pensamento nacional em torno de um programa construtivo c renovador desta grande Pátria,cujos destinos gloriosos exigem de todos os seus filhos sacrifício e desprendimento, espírito deconcórdia e dedicação incessante ao bem público.

Petrópolis, 4 de março de 1932.

Page 52: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 52

Manifesto ao Povo de São Paulo,Manifesto ao Povo de São Paulo,Manifesto ao Povo de São Paulo,Manifesto ao Povo de São Paulo,20 de Setembro de 193220 de Setembro de 193220 de Setembro de 193220 de Setembro de 1932

Já decorreram dois meses de luta fratricida e inglória. São Paulo sangra-se nas suas energias edestrói as suas riquezas. Mais que ninguém, sabem os promotores e diretos responsáveis pela rebeldiaque nenhum objetivo superior determinou o doloroso sacrifício imposto ao grande Estado e à Nação.

Dirijo-me ao povo laborioso de São Paulo. Quero mostrar-lhe a ilegitimidade do movimento emque o atiraram e as intenções subalternas dos seus falsos mentores.

Que bandeira desfraldaram e que pleiteiam?Sob o aspecto dos interesses gerais do País, reclamam a sua volta imediata ao regime

constitucional. Motivo ideológico para uma revolução, este é inteiramente falho e inoportuno, porque oretorno da Nação à legalidade já fora iniciado, e com data prefixada. Com efeito: decretara-se o Códigoeleitoral; marcara-se dia para a eleição dos constituintes; organizaram-se os tribunais eleitorais e suassecretarias; autorizaram-se as despesas necessárias, e adotaram-se todas as providências indispensáveisà execução rápida do alistamento. Diante disso, para alcançar o regime constitucional, só umprocedimento se impunha aos leaders políticos: agremiarem suas hostes, prepararem seus eleitores eacorrerem ao alistamento, confiado à independência e à integridade da Magistratura.

Sob o aspecto dos interesses civis de São Paulo, que pleiteiam? A autonomia do Estado, odireito de governar-se por seus próprios filhos? Mas tudo isso já estava alcançado. Governava-os umInterventor civil e paulista, um secretariado escolhido pela própria Frente Única, e dispunham,livremente, de uma força pública de elevado efetivo e notável eficiência bélica, sob comandoautônomo. Para inteira segurança dessa situação, pediram, por último, novo comandante para a RegiãoMilitar e o afastamento de vários oficiais que taxavam de suspeitos à ordem estabelecida em São Paulo.Em tudo foram atendidos. Através de declarações verbais e escritas, os membros do Governo Paulistafizeram, pessoalmente ou por intermédio de seus delegados, ao Chefe elo Governo, ao Ministro elaFazenda e ao General Góes Monteiro, reiteradas afirmações de seus desejos de cooperação, desolidariedade e - protestos de paz com o Governo Federal. Nada mais tinham a reclamar, nemreclamaram. Marcado o prazo para a Constituinte, as aspirações de ordem nacional estavam satisfeitas,e as de ordem local, implicitamente, já o estavam, com a formação de um governo civil e paulista, tãoconforme à vontade de todos que, deflagrada a sedição, foi mantido integralmente. Não é só. OGoverno da União não alimentava, como ainda não alimenta, quaisquer prevenções contra São Paulo.Quando viu abalada a economia do grande Estado, às portas de uma crise que se avizinhava dabancarrota, procedeu como nenhum outro, a começar pelo do próprio Sr. Washington Luiz. Para salvara riqueza de São Paulo e o patrimônio dos seus filhos, ameaçados pela retenção de um estoque de caféde cerca de 20 milhões de sacas, fruto das valorizações artificiais das administrações passadas, oGoverno Federal lançou mão de recursos excepcionais e, diretamente, primeiro, depois, por intermédiodo Conselho Nacional do Café, incorporou à economia paulista nada menos de 1.200.000:000$!

Os benefícios prestados a São Paulo, na ordem administrativa, também são assinalados.Comprimiram-se as despesas suntuárias dos orçamentos do Estado, e as administrações municipais,igualmente arrasadas pelo desperdício, com déficits alarmantes, sob controle de um departamento

Page 53: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 53

especial, foram corrigidas e saneadas, e quase todas já encerravam com saldos os exercíciosfinanceiros. Criou-se uma aparelhagem apropriada com o fim de atender à circulação de sua redebancária, paralisada, pelo excesso de congelados e imobilizações de toda natureza, o que ameaçava aestabilidade comercial do Estado, principal beneficiário e causa determinante da medida.

Se todos os motivos apontados e analisados improcedem ante a realidade dos acontecimentos,como se explica a revolta de São Paulo? Só uma explicação é possível: a ambição do poder,caracterizada por um movimento de revanche contra o de 1930, visando restaurar o passado, recuperarposições e reaver as prerrogativas que permitiam ser delapidado o erário do povo brasileiro, mediantetodas as formas de corrupção administrativa imagináveis. Mas, se tentaram articular um movimentogeneralizado e fulminante e esse movimento falhou, por falta de elementos decisivos e pela prontareação de todo o País contra propósitos francamente reacionários mascarados numa falsa campanhaconstitucionalista, por que insistiram na luta? Por que não depuseram as armas? Por que persistem noderramamento e inútil sacrifício do sangue irmão? Só duas alternativas lhes restam: ou ambicionamimpor o predomínio de um Estado sobre todos os outros do Brasil, ou querem chegar ao separatismo.Custa aceitar a evidência de semelhantes intenções, qualquer delas crime de lesa-Pátria, atentado aospróprios laços da fraternidade nacional.

Eis a que se reduzem os ideais dos pseudos regeneradores, chefes da sedição desencadeada emnome de São Paulo. O povo paulista deve, porém, procurar ver a situação real. Não lhe custaráenxergar, então, entre os mais exaltados apóstolos improvisados de seus brios, os mesmos dominadoresdecaídos que lhe enxovalharam, impunemente, as tradições de pundonor e altivez.

Preconcebidamente, calculadamente, começaram por incitado a vinditas de ofensas imagináriase prepararam ambiente propício de excitação coletiva, tudo para que, chegado o momento, se servissemdas raras e notáveis energias de São Paulo, atirando-as ao incêndio de uma guerra entre irmãos, abenefício exclusivo de ambições e despeitos pessoais. Reacionários, não perceberam que despeitos eambições passarão e o Brasil continuará a ascender aos seus destinos, impelidos pela energiarenovadora da Revolução triunfante em 1930.

No Brasil renascente, esta revolta constitui a derradeira investida para a restauração da velhamentalidade oligárquica, sustentáculo dos clãs familiares, cujos reprováveis processos políticos setraduziam em conchavos e acordos clandestinos, feitos ao sabor dos apetites e segundo a conveniênciados poderosos do momento - processos que inutilizaram os esforços construtores de várias gerações debrasileiros. As prédicas e fórmulas palavrosas das chamadas frentes únicas, apenas, mascaravam oanseio de restabelecer, pela força material ou pela imposição de ajustes partidários, o predomínioperdido. Os elementos inadaptáveis ao novo estado de coisas, postos à margem da situação pelaincoerência das atitudes e dubiedade de propósitos, congregaram-se, dominados pelo ata interesseiro dereconquistar a antiga ascendência, para se perpetuarem nas posições de mando. Explica-se assim arazão de suas exigências sucessivas e crescentes.

Obtida uma concessão, logo pleiteavam outra e outra, julgando, talvez, o Governo fraco,quando era, somente, tolerante e apaziguador. Ninguém melhor que o General Flores da Cunha, maisde uma vez delegado das frentes únicas, pôde apreciar as disposições harmonizadoras do GovernoProvisório e a sua atitude conciliatória ante as exigências intermináveis dos políticos.

Homem de honra, por isso mesmo, ao compreender quanto se tramara, oculta e escusamente,em nome do Rio Cirande, que não fora ouvido, tomou ele a única atitude que a dignidade do próprioRio Grande lhe impunha, reagindo contra a insídia premeditada e transformando a sua bravura elealdade no anteparo invulnerável em que se apoiou a resistência da Nação, para enfrentar a torrentereacionária e anárquica.

O Governo Federal sente-se militarmente forte e prestigiado pela solidariedade do resto do País.Nesse transe decisivo, representando os princípios vitais da nacionalidade, Exército e Marinha,patrioticamente, atenderam ao apelo da Nação, ameaçada na sua estabilidade orgânica por malinspiradas tendências de um regionalismo exaltado.

Page 54: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 54

A Marinha coube a missão árdua e exaustiva de assegurar as vias de comunicação litorâneas, defazer respeitada a nossa soberania marítima e manter o fechamento dos portos, impossibilitando aosrebeldes o contato com o estrangeiro e, conseqüentemente, a aquisição de armas e aparelhos de guerra.O que representa de esforço, de abnegação, de tenacidade, de bravura, em suma, a vigilânciaininterrupta e ativa das nossas unidades navais, nestes dois meses de luta, vencendo a carência dematerial envelhecido e gasto, enaltece e patenteia o valor da Armada Nacional.

Por sua vez, a espontaneidade com que as forças de terra se mobilizaram, a fim de atacar osrebeldes nos seus redutos, sobrepondo-se, pelos seus melhores elementos, à propaganda subterrânea edissolvente dos empreiteiros de desordem, evidencia a alta e nítida compreensão dos deveres que lhesassistem, na defesa dos magnos interesses da Pátria. Combatendo intrepidamente, com admiráveldenodo e exemplar devotamento, o Exército está solidificando, nas agruras da luta, a sua estruturatécnica e moral. Força coesiva da Federação, esqueceu dissensões e rivalidades íntimas e permaneceuleal ao Governo, batendo-se para salvar o Brasil da preponderância de uma política nefasta, que poderialevá-lo ao desmembramento. Dos combates, a melhor escola do soldado, sairá rejuvenescido ehomogêneo, pelas próprias imposições da guerra, que selecionam as vocações e competênciasmilitares. Os benefícios que lhe advirão dessa prova de resistência à desordem serão incalculáveis.Integrado na disciplina e no respeito hierárquico, afastar-se-á, naturalmente, das competições políticas,para se aperfeiçoar e cumprir a sua nobre e elevada missão de garantia da paz interna e da dignidadenacional.

Secundando as forças armadas, todo o resto do País, unificado por idênticos sentimentos decivismo, apressou-se a trazer ao Governo o valioso concurso dos seus contingentes militares,rapidamente improvisados, por tal forma espontâneos e abundantes, que excluiu, desde logo, anecessidade de convocar reservas, limitando a incorporação ao voluntariado.

Através desse movimento admirável da vontade nacional, reage o Brasil, coeso e consciente dosseus destinos, sobranceiro aos sacrifícios e ao choque das ambições sem freios, cada vez maisfortalecido na sua unidade e soberania.

São Paulo está isolado. Fracassaram todas as tentativas feitas para articular a sedição em outrosEstados. Os exércitos federais fecham, cada dia mais, o cerco da sua ofensiva dentro do territóriopaulista. E, precisamente, a realidade da situação não dizem os interessados em sacrificá-lo. Osdestacamentos federais já ultrapassaram, no vale do Paraíba, as linhas de Piquete e Lorena; na frentemineira, penetraram até Amparo, ameaçando Campinas, e, ao Sul, estão às portas de Itapetininga. Todaresistência contrária à ordem ideal da República Nova, visando a nacionalidade, continuará inútil e nãoimpedirá que, dentro de poucos dias, avançando por dever, as tropas legais ocupem novas posições,decisivas para a ultimação da luta. Apesar, entretanto, de qualquer preponderância militarincontrastável, o Governo Federal, longe de pretender aniquilar ou humilhar São Paulo, aspira, comtodos os Estados da União, trazê-lo de novo ao convívio da comunhão nacional.

Pessoalmente, como Chefe do Governo, não me animam, na luta que nos foi imposta, paixõesou propósitos vingativos. A frente do Governo Provisório, instituído pela Revolução de 1930, nãodefendo posições mas o patrimônio ideológico do irresistível movimento contra o qual se levanta oreacionarismo em armas, tentando galgar o poder, sob o pretexto de um falso programaconstitucionalista, condenado pela opinião pública, segundo proclamavam os próprios agitadores quese fazem, agora, seus arautos e paladinos.

Quando candidato da Aliança Liberal, para salvaguardar a paz da Nação, momento houve emque cheguei a oferecer a desistência da minha candidatura em troca da realização do programa mínimodas reivindicações pleiteadas: anistia e reforma eleitoral. Encontrada uma resistência impermeável atoda idéia generosa, decidiu-se, então, pela luta armada, o dissídio irremediável aberto entre a Nação eos seus governantes. Desencadeou-se o movimento nacional, cujo Governo me coube chefiar,sobranceiro aos embates políticos. Hoje, no exercício de tão alto posto nacional, diante de uma reaçãorebelde, que apresenta, como razão precípua, a volta rápida do País ao regime constitucional, aspiração

Page 55: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 55

a realizar-se, pelas oportunas determinações do Governo, a breve termo, não hesitei, a fim de assegurara pacificação da família brasileira, em oferecer uma Constituição imediata, a vigorar provisoriamenteaté que a futura Constituinte promulgasse o definitivo estatuto político do País. Pois bem, os pseudosconstitucionalistas recusaram a solução pacífica que se lhes oferecia, preferindo insistir na luta inglóriae impatriótica, provocada e assistida sem símile nos anais da nacionalidade. Semelhante recusaequivale a confessar tacitamente que o objetivo do movimento não é implantar a Constituição e, simoutro, oculto, disfarçado - a posse do poder.

O sangue generoso dos brasileiros continua a correr, imolado aos propósitos dos homens que,falando em ideal, a ele não quiseram submeter-se, fazendo questão de permanecer nas posições queocupam depois de haverem traído a confiança de quem lhas entregou. O Governo Provisório tem dadoabundantes provas de suas disposições pacíficas. Nunca se negou a ouvir os apelos de paz. Forte,porém generoso, aos intermediários que lhe pediram condições, declarou sempre, com franqueza, que,depostas as armas pelos rebeldes, além da concessão de uma Constituição provisória e da manutençãode um governo civil e paulista, ao nível da cultura e das aspirações do Estado, a todos trataria combenignidade, de sorte que ninguém sofresse constrangimento e os brasileiros, sem exceções, voltassema viver fraternalmente, num ambiente de ordem e segurança. Os chefes da revolta, civis ou militares,por ela responsáveis, preferiram sempre, à realização dos apregoados imperativos do movimento,manter-se no poder que haviam desonrado pela felonia e pela traição.

A única preocupação orientadora desta atitude serena e conciliatória consiste em evitar oderramamento do sangue de irmãos e os sacrifícios materiais exigidos pela luta armada. Toda políticafinanceira de severa poupança, estabelecida pelo Governo Provisório, ficou ameaçada pela rebelião.Ela consumirá, também, a fortuna particular e lavrará profundas cicatrizes na alma da nacionalidade.

Contrasta com essa maneira patriótica e superior de encarar os acontecimentos a duplicidade deatitudes dos chefes sediciosos - duplicidade que bem demonstra a fé púnica com que corresponderam àconfiança neles depositada. Enquanto recebiam e enviavam emissários de paz, autorizavam outros aagir junto aos elementos de prestígio solidários com o Governo Federal, tentando desviá-los docaminho do dever, mediante promessas falazes e, até, ofertas de lhes entregar o Governo do País, comose este estivesse a leilão. Com gente de tal estofo moral, não é mais possível entendimento. Osprocessos de insídia e fraude, de que se têm utilizado, não cabe descrevê-los, aqui, cm suas minúcias.Para preparar a luta e sustentá-la, todos os meios de felonia e corrupção foram esgotados. Apropaganda pela imprensa e pelo rádio, visando impressionar e captar simpatias, obedece ao critério damentira sistemática e da exaltação demagógica. Esquecidos de que o meio apropriado para conseguir aharmonia nacional consiste, sobretudo, em trabalhar pela ordem, negando apoio aos que a perturbam,audaciosamente instituíram, sob novos moldes, a ofensiva da paz com caráter francamente derrotista, àretaguarda dos nossos Exércitos, com o fito, apenas, de enfraquecer sua eficiência bélica e diminuir seuardor combativo. Para movimentar e manter tão impatriótica campanha, o desperdício do dinheiro deSão Paulo, suor do seu povo, laborioso e honesto, vai aos extremos do suborno e da compra deconsciências, a ponto de tornar suspeita toda e qualquer solidariedade manifestada fora das fronteiraspaulistas. Mercantilizou-se tudo, inclusive as convicções. Este movimento, inspirado em propósitosreprováveis, com o caráter de uma contra-revolução, havia, fatalmente, de fracassar. Não pode vencerquem, para fazer vingar objetivos escusos, não hesita em ameaçar a própria unidade da Pátria.

Mas, felizmente, ainda, a sedição não partiu do povo varonil, ordeiro e honesto de São Paulo.Audaz, sindicato político-militar usurpou-lhe a vontade, jogando o Estado numa aventura sinistra e,receoso de receber, pelo ludibrio praticado, o merecido e inevitável castigo, tudo fará, agora, para lheocultar a verdade. O Governo Federal não considera o povo paulista culpado. Ele é, apenas, a maiorvítima. Os verdadeiros responsáveis hão de encontrar nele, à hora precisa, o juiz inflexível, capaz deditar e executar a sentença que lhe terá de ser imposta.

São Paulo, iludido na sua boa fé, ludibriado, arrastado à ruína e à perda de vidas preciosas,precisa e deve reagir em defesa dos seus sagrados interesses, para evitar maiores e irreparáveis males,

Page 56: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 56

erguendo-se e opondo-se à sanha dos seus algozes, que não trepidaram em atirar à morte as novasgerações bandeirantes, em enlutar e reduzir à miséria lares onde imperava a alegria e reinava aabundância.

Do Governo Federal não receie o laborioso povo paulista qualquer ato de humilhação ehostilidade. Como até aqui, ele continuará a proceder sobranceiro a ódios e com alto espírito demagnanimidade. O seu poder de assistência, mesmo no decorrer da luta, far-se-á sentir, acolhendofraternalmente aqueles que abandonarem as armas e não permitindo que as populações pacíficas soframas vicissitudes comuns à guerra. Ainda agora, informado da escassez de trigo em São Paulo e daconseqüente falta de pão, está disposto o Governo a autorizar a remessa do estoque desse cerealexistente, nesta Capital, que lhe era destinado. O povo paulista não sofrerá necessidades.

O Governo Provisório tudo facilitará para que os gêneros de alimentação lhe não faltem. Osembates da luta fratricida vão-se tornando cada dia mais ásperos e de maiores sacrifícios. É tempoainda de São Paulo recuperar a posse de si mesmo sem consentir no desbarato das suas fontes de vida edas suas riquezas, acumuladas em séculos de trabalho fecundo e modelar. Retorne, pois, às lidespacíficas e ao convívio fraternal dos demais Estados, que sempre se orgulharam do seu progresso ecivilização!

Page 57: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 57

As Classes Trabalhadores e o Governo da Revolução,As Classes Trabalhadores e o Governo da Revolução,As Classes Trabalhadores e o Governo da Revolução,As Classes Trabalhadores e o Governo da Revolução,Discurso Pronunciado em 29 de Outubro de 1932Discurso Pronunciado em 29 de Outubro de 1932Discurso Pronunciado em 29 de Outubro de 1932Discurso Pronunciado em 29 de Outubro de 1932

Agradeço esta expressiva manifestação, cuja espontaneidade e alcance cívico bem, compreendoe aprecio.

Na atuação do Governo Provisório, através dos diversos departamentos de sua atividade, nãohá, nem deve haver, ações isoladas, quase sempre pessoais e dispersivas. Para bem servir ao País,cumpre norteá-la segundo um pensamento único e central, visando, exclusivamente, o interessecoletivo.

As iniciativas realizadas pelo Ministério do Trabalho, que hoje aplaudis, têm esse sentidoconstrutor e predeterminado, que encontra estímulo e finalidade no plano renovador, imposto pelaNação, vitoriosa em 1930.

As leis esboçadas, discutidas, projetadas ou já em execução nesse Ministério, derivam dessepensamento superior e constituem um ideal em marcha, que nenhuma resistência poderá conter.

A organização sindical, a lei de férias, a limitação das horas de trabalho, o salário mínimo, ascomissões de conciliação, as caixas de pensões, o seguro social, as leis de proteção às mulheres e aosmenores realizam velhas aspirações proletárias de solução inevitável.

O individualismo excessivo, que caracterizou o século passado, precisava encontrar limite ecorretivo na preocupação predominante do interesse social. Não há nessa atitude nenhum indício dehostilidade ao capital, que, ao contrário, precisa ser atraído, amparado e garantido pelo poder público.Mas, o melhor meio de garanti-lo está, justamente, em transformar o proletariado numa força orgânicade cooperação com o Estado c não o deixar, pelo abandono da lei, entregue à ação dissolvente deelementos perturbadores, destituídos dos sentimentos de Pátria e de Família.

Faz-se mister, aos que desfrutam os benefícios da riqueza e do conforto - regalias que aospobres parecem um privilégio, mas que a lei transforma em prerrogativas jurídicas - reconhecerem quea essas prerrogativas correspondem deveres, convencendo-se de que rodos quantos cooperam com oseu trabalho para semelhante resultado possuem, também, respeitáveis direitos ao bem-estar, aoscuidados da saúde e às garantias de previsão social contra os acidentes do labutar afanoso. Entramos,definitivamente, num período de ordem, de segurança e de firmeza de ação. Aproveitemo-lo paraconcluir a obra de reconstrução social e política, que consagre, nos nossos anais, o pensamento derenovação triunfante em 1930

Page 58: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 58

A Instrução Profissional e a Educação Moral,A Instrução Profissional e a Educação Moral,A Instrução Profissional e a Educação Moral,A Instrução Profissional e a Educação Moral,Cívica e Agrícola, Discurso Pronunciado na BahiaCívica e Agrícola, Discurso Pronunciado na BahiaCívica e Agrícola, Discurso Pronunciado na BahiaCívica e Agrícola, Discurso Pronunciado na Bahia,Em 18 de Agosto de 1933Em 18 de Agosto de 1933Em 18 de Agosto de 1933Em 18 de Agosto de 1933

Visitando a Bahia, sinto a comoção de abeirar-me, pela primeira vez, do berço da nacionalidade.Antes de conhecê-la, a História fizera-me compreender o seu passado glorioso na formação da

Pátria; aqui, santificando a terra virgem do Brasil, erigiu-se a primeira Cruz, símbolo sagrado, unindo oNovo Mundo, que surgia à civilização cristã renascente; daqui, partiram os exploradores doRecôncavo; aqui, fixaram-se os primeiros descobridores, tirando da terra dadivosa o seu sustento eperpetuando-se na sua descendência; aqui, constituiu-se o núcleo inicial de resistência para amanutenção e posse das terras descobertas; enfim, aqui, foram lançados os alicerces da Nação que hojesomos e da grande Pátria que devemos ser.

No processo da nossa evolução política, a Bahia jamais desmereceu da honra que lhe adveio deantiga metrópole do Brasil. A sua voz alteou-se sempre para prestigiar as grandes causas queempolgaram o País, no Império e na República.

Ao avistá-la por sobre a curva suave da enseada, cuja moldura verdejante se alonga pelaserrania, a cidade de São Salvador relembrava a evocação filial de Rui Barbosa Vendo pendurar-se docéu e estremecer para mim o ninho onde cantou Castro Alves, verde ninho murmuroso de eternapoesia, debruçado entre as ondas e os astros...". Completando a visão, associava no mesmo cultoadmirativo esses dois grandes nomes da Bahia-mater - um, o maior gênio verbal da nossa raça; o outro,poeta e precursor das reivindicações sociais da nacionalidade.

Mas, a Bahia não evoca somente estas glórias: evoca, também, as primeiras lutas do homempara dominar a terra selvagem do Brasil, transformando esse esforço em riqueza que chegou a erguer acapitania nascente, durante muito tempo, à categoria de maior empório comercial da América do Sul.

A exploração da terra instituiu, aqui, o padrão incipiente do nosso regime de trabalho. O falsofundamento que se lhe deu, apoiado no braço escravo, ao tempo, talvez inevitável, não deixou deconcorrer para a prosperidade do Brasil colonial. Prolongado, porém, através do Brasil Império,converteu-se em erro grave e imperdoável.

O fato de perpetuar-se a escravidão no Brasil até 1888 constitui lamentável imprevidência dapolítica e dos homens do Segundo Reinado. Quando todos os povos sul-americanos, vivendo emambiente menos calmo, alicerçavam o progresso nacional na aptidão e no trabalho dos seusconcidadãos, o Brasil mantinha o braço escravo como alavanca propulsora do seu desenvolvimentoeconômico.

A continuidade na conservação do trabalho servil, levado, teimosamente, quase às portas daRepública, entravou a solução de um dos problemas capitais da nossa vida econômica. Feita aAbolição, o novo regime encontrou o trabalho desorganizado, e tão profunda foi a repercussão dessefato que, até hoje, só de forma parcial temos conseguido atenuar-lhe os efeitos nocivos.

A propaganda abolicionista, que constituiu, no Brasil, admirável movimento de patriotismo, aoserviço de nobre ideal, restringiu-se, exclusivamente, à libertação dos cativos, sem cogitar do graveproblema da substituição, pela atividade livre, do trabalho escravo, sobre o qual repousava a nossa

Page 59: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 59

economia. Muitas regiões do País, outrora opulentas, ainda hoje se sentem decadentes, conseqüênciasnefastas dessa desarticulação brusca.

Ao Sul do País, a imigração, em grande parte, renovou, revigorando, a prosperidade antiga; maso Norte continua a sofrer os perturbadores efeitos de tamanha imprevidência.

Zonas florescentes, desbravadas pelo esforço do negro submisso, transformaram-se emcaatingas, onde populações rurais empobrecidas, ao léu das inconstâncias do clima e à mingua derecursos, vegetam desenraizadas, por vezes quase nômades, vivendo, dia por dia, jungidas à voracidadedos novos senhores que lhes exploram o trabalho rude, como se fossem compostas de retardatáriosservos da gleba.

Agravando semelhante desorganização, verificou-se o êxodo dos habitantes do interior, atraídospelas ilusórias facilidades de trabalho abundante e bem recompensado, para os centros urbanos de vidaintensa. O proletariado das cidades aumentou desproporcionadamente, originando o pauperismo etodos os males decorrentes do excesso de atividades sem ocupações fixas.

Isso, quanto aos indivíduos pertencentes às classes pobres. Entre os das mais favorecidas, amiragem das cidades atuou também, fortemente, embora sob outro prisma. Seduzia-os a aristocracia dodiploma ou as vantagens aparentes do emprego público, quando não a vida faustosa dos grandescentros sociais, onde a ilusão dos prazeres fáceis os arrastava à ociosidade dissipadora.

O panorama bosquejado, ainda agora, mantém-se, nas suas linhas gerais e em certos aspectos,talvez ampliadamente. Cumpre-nos incentivar, por todas as formas, a volta ao bom caminho. Os atalhosque nos podem levar a ele são muitos, mas o rumo, um só: o retorno aos campos.

Encontrados os meios capazes de provocar esse retorno, estará resolvido um dos maioresproblemas da atualidade brasileira.

O homem sente-se preso à terra quando ela corresponde generosamente ao seu esforço. Para quetal aconteça, torna-se necessário saber aproveitá-la, escolhendo-a onde seja fértil à semente e saudávelà vida.

A consecução desse objetivo exige, como soluções primárias, educar as populações rurais e, aomesmo tempo, valorizar economicamente o interior, povoando-o e saneando-o.

Balanceando os termos da equação enunciada - educar e povoar - síntese em que se contém osegredo da nossa prosperidade, comecemos por examinar, inicialmente, entre eles, o que diz respeito aoaproveitamento da terra.

Povoar não é somente acumular elementos humanos em determinada região. Sem préviaverificação das condições do meio físico, sob o tríplice aspecto de terra fértil, salubre e de fácilacessibilidade aos escoadouros normais da produção; sem assistência social e auxílios técnicos, não épossível fixar, com segurança de êxito, populações, que apenas dispõem, para progredir, do esforçopróprio e do trabalho rudimentar.

Possuímos extensas faixas territoriais ubérrimas e saudáveis, próximas a centros urbanosflorescentes, quase, completamente incultas e despovoadas. Nelas devemos, de preferência, localizar otrabalhador rural, que aqui e ali vegeta, desarticulado da gleba e sem teto próprio, antes de nospreocuparmos com o saneamento de zonas inóspitas, só utilizáveis mediante obras de custo vultoso evigilância sanitária continuada, quando pequena parte desse dispêndio bastaria para aparelhar, emcondições prósperas, numerosos núcleos coloniais, situados em lugares de fácil e produtiva adaptação.

Não significa isso desconhecimento da necessidade imperiosa de sanear as regiões densamentepovoadas, sujeitas à devastação de endemias que depauperam os seus habitantes, diminuindo-lhes acapacidade de trabalho e aniquilando-lhes a descendência, através de gerações sucessivas.

Para atender ao saneamento rural, o Governo tem fornecido aos Estados apreciáveis recursospecuniários. Trata-se, porém, de esforços parcelados, em benefício de determinados núcleos depopulação. O problema exige, entretanto, providências mais enérgicas e generalizadas. Precisamos pôrem execução um plano completo de saneamento rural e urbano, capaz de revigorar a raça e melhorá-lacomo capital humano aplicável ao aproveitamento inteligente das nossas condições excepcionais de

Page 60: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 60

riqueza. Visando obter, para isso, os necessários recursos, já foi baixado um decreto, criando o selosanitário, sugestão do ilustre Dr. Belisário Pena, utilizada para assegurar a realização progressiva deuma das iniciativas mais úteis que o Brasil exige dos seus governantes.

E verdadeiramente contristador, em país de imigração como o nosso, observar-se o espetáculodoloroso de vastos conglomerados humanos entorpecidos pela malária, corroídos pela sífilis ou a lepra,remissos a qualquer atividade produtiva e condenados a inevitável decadência, por míngua de socorrosdos poderes públicos.

Para assegurar o aproveitamento econômico da terra, povoar e sanear não é tudo. Faz-se mister,também, prender o homem ao solo, o que somente se consegue transmitindo-lhe o direito de domínio.Quem labora e cultiva a terra, nela deposita a sementeira e alicerça a casa - abrigo da família - devepossuí-la como proprietário. Facilitada a aquisição por baixo preço e parceladamente, o povoadorpoderá satisfazê-lo com o produto do próprio trabalho. Outro benefício, daí, ainda adviria. Aos poucos,veríamos desaparecer os tratos incultos e latifundiários, substituídos pela pequena propriedade, devantagens sobejamente conhecidas, como fator poderoso de fartura e enriquecimento.

O aspecto mais relevante do problema fundamental do Brasil não está, porém, compreendidonas considerações que venho de expender.

Todas as grandes nações, assim merecidamente consideradas, atingiram nível superior deprogresso pela educação do povo. Refiro-me à educação, no significado amplo e social do vocábulo:física e moral, eugênica e cívica, industrial e agrícola, tendo por base a instrução primária de letras e atécnica e profissional.

Nesse sentido, até agora, nada temos feito de orgânico e definitivo. Existem iniciativas parciaisem alguns Estados, embora incompletas e sem sistematização. Quanto ao mais, permanecemos nodomínio ideológico das campanhas pró-alfabetização, de resultados falhos, pois o simplesconhecimento do alfabeto não destrói a ignorância nem conforma o caráter.

Há profunda diferença entre ensinar a ler e educar. A leitura é ponto inicial da instrução, e essa,propriamente, só é completa quando se refere â inteligência e à atividade. O raciocínio, força máximada inteligência, deve ser aperfeiçoado, principalmente por sabermos que o trabalho manual também oexige, pronto e arguto. Não deixa de haver certo fundo de verdade na afirmação do psicólogo: "Ohomem que conhece bem um ofício possui, só por esse fato, mais lógica, mais raciocínio e mais aptidãopara refletir do que o mais perfeito dos retóricos".

A instrução que precisamos desenvolver, até ao limite extremo das nossas possibilidades, é aprofissional e técnica. Sem ela, sobretudo na época caracterizada pelo predomínio da máquina, éimpossível trabalho organizado.

A par da instrução, a educação: dar ao sertanejo, quase abandonado a si mesmo, a consciênciados seus direitos e deveres; fortalecer-lhe a alma, convencendo-o de que existe solidariedade humana;enrijar-lhe o físico pela higiene e pelo trabalho, para premiá-lo, enfim, com a alegria de viver,proveniente do conforto conquistado pelas próprias mãos.

No Brasil, o homem rude do sertão, sempre pronto a atender aos reclamos da Pátria nosmomentos de perigo, é matéria-prima excelente e, se vegeta decaído e atrasado, culpemos a nossaincúria e imprevidência. Por vezes, o seu aspecto é miserável, mas, no corpo combalido, aninha-se aalma forte que venceu a natureza amazônica e desbravou o Acre. Em algumas regiões, vemo-loquebrantado pelas moléstias tropicais, enfraquecido pela miséria, mal alimentado, indolente e seminiciativa, como se fosse um autômato. Dai a esse espetro farta alimentação e trabalho compensador;cria-lhe a capacidade de pensar, instruindo-o, educando-o, e rivalizará com os melhores homens domundo. Convençamo-nos de que todo brasileiro poderá ser um homem admirável e um modelarcidadão. Para isso conseguirmos, há um só meio, uma só terapêutica, uma só providência: - é precisoque todos os brasileiros recebam educação.

Relembrai o exemplo do Japão. O Imperador Mutuzahito, certo dia, baixou um éditodeterminando "fosse o saber procurado no mundo, onde quer que existisse, e a instrução difundida de

Page 61: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 61

tal forma que em nenhuma aldeia restasse uma só família ignorante e que os pais e irmãos mais velhostivessem por entendido que lhes cabia o dever de ensinar aos filhos e irmãos mais moços".

O Imperador foi obedecido. O milagre da instrução, em pouco mais de 40 anos, de 1877 a 1919,fez que a exportação e a importação do país centuplicassem; o Japão vencia a Rússia e entrava para orol das grandes potências.

É dever do Governo Provisório interessar no assunto a Nação inteira, obrigando-a a cooperar,nas múltiplas esferas em que o seu poder se manifesta, para a solução deste problema.

Anda em moda afirmar-se que a educação é corolário da riqueza, quando o contrário expressamaior verdade. Exemplificam com o caso dos Estados Unidos, onde a difusão do ensino primárioconsome orçamentos anuais que atingem cerca de 26 milhões de contos da nossa moeda, e concluemque, entre nós, a questão é insolúvel pelo vulto das despesas que exige, incompatível com a nossacarência de recursos. Em resumo, sustentam: - educação completa só pode existir em nações opulentas.A argumentação é sofistica. A nossa vitória, nesse terreno, depende de começarmos como a grandeNação americana começou e prosseguirmos, resolutos e tenazes, até atingir o fastígio a que ela chegou.

A verdade é dura, mas deve ser dita. Nunca, no Brasil, a educação nacional foi encarada defrente, sistematizada, erigida, como deve ser, em legítimo caso de salvação pública.

E é oportuno observar. Aos Estados coube velar pela instrução primária; quase rodos contraíramvultosos empréstimos, acima das suas possibilidades financeiras. Da avalanche de ouro com que muitosabarrotaram as arcas, abusando do crédito, qual o numerário distraído para ampliar ou aperfeiçoar oensino? Esbanjavam-no em obras suntuárias, em organizações pomposas e, às vezes, na manutenção deexércitos policiais, esquecidos de que o mais rendoso emprego de capital é a instrução.

Sem necessidade de vastos planos de soluções absolutas porém impraticáveis na realidade,procuremos assentar em dispositivos eficientes e de aplicação possível todo o nosso aparelhamentoeducador.

A instrução, como a possuímos, é lacunosa. Falha no seu objetivo primordial: preparar ohomem para a vida. Nela devia, portanto, preponderar o ensino que lhe desse o instinto da ação nomeio social em que vive.

Ressalta, evidentemente, que o nosso maior esforço tem de consistir em desenvolver a instruçãoprimária e profissional, pois, em matéria de ensino superior e universitário, nos moldes existentes,possuímo-lo em excesso, quase transformado em caça ao diploma. O doutorado e o bachareladoinstituíram uma espécie de casta privilegiada, única, que se julga com direito ao exercício das funçõespúblicas, relegando para segundo plano a dos agricultores, industriais e comerciantes, todos, enfim, quevivem do trabalho e fazem viver o País.

E óbvio que, para instruir, é preciso criar escolas. Não as criar, porém, segundo modelo rígidoaplicável ao País inteiro. De acordo com as tendências década região e o regime de trabalho dos seushabitantes, devemos adotar os tipos de ensino que lhes convém: nos centros urbanos, populosos eindustriais - o técnico-profissional, em forma de institutos especializados e liceus de artes e ofícios; nointerior - rural e agrícola, em forma de escolas, patronatos e internatos. Em tudo, com o caráter práticoe educativo, dotando cada cidadão de um ofício que o habilite a ganhar, com independência, a vida outransformando-o em um produtor inteligente de riqueza, com hábitos de higiene e de trabalho,consciente do seu valor moral.

Atingimos o ponto onde os pessimistas se habituaram a encontrar dificuldades de toda sorte.Refiro-me aos recursos indispensáveis para organizar e manter semelhante aparelho educativo, cujodesenvolvimento pode ser graduado de acordo com as possibilidades financeiras do País.

Nesse terreno, mais do que em qualquer outro, convém desenvolver o espírito de cooperação,congregando os esforços da União, dos Estados e dos Municípios. Quando todos, abstendo-se de gastossuntuários e improdutivos, destinarem, elevada ao máximo, uma percentagem fixa de seus orçamentospara custear as despesas da instrução, teremos dado grande passo para a solução do problemafundamental da nacionalidade. Comprovando o interesse do Governo Provisório, a respeito, é oportuno

Page 62: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 62

ressaltar que o decreto destinado a regular os poderes e atribuições dos Interventores determina que osEstados empreguem 10%, no mínimo, das respectivas rendas na instrução primária, e estabelece afaculdade de exigirem até 15% das receitas municipais para aplicação nos serviços de segurança, saúdee instrução pública, quando por eles exclusivamente atendidos.

Concertada a cooperação dos poderes públicos federais, estaduais e municipais, restaria, apenas,atribuir à União o direito de organizar e superintender, fiscalizando, todos os serviços de educaçãonacional.

A ação isolada dos governantes não basta para transmudar em realidade fecundaempreendimento de tal alcance e tamanha magnitude. É preciso criar uma atmosfera propícia eacolhedora, permitindo a colaboração de todos os brasileiros nesta obra eminentemente nacional.

O Governo Federal pretende instalar a Universidade Técnica, verdadeira cidade e colméia dosaber humano, de onde sairão as gerações de professores e homens de trabalho, capazes de imprimir àvida nacional o sentido realizador das suas aspirações de expansão intelectual e material.

O jovem Interventor da Bahia, pioneiro convicto do ideal revolucionário, pela sinceridade dassuas atitudes democráticas e espírito de dedicação, já conquistou, merecidamente, o apreço e aconfiança dos filhos desta nobre terra.

Da capacidade mentora e das virtudes cívicas de suas laboriosas populações, constituem provasconcludentes a espontaneidade com que se integraram no movimento regenerador de 1930, o apoio queprestaram à ação construtora do seu atual Governo e a maneira modelar e pacífica como concorreramao alistamento, para colaborarem, eficientemente, na reconstrução política do País. Com a suainteligente compreensão das questões administrativas, o Capitão Juracy Magalhães sabe perfeitamenteque, a par das providências primordiais concernentes à manutenção da ordem, tais como a repressão aocangaceirismo, que assola e sobressalta as laboriosas populações sertanejas, lhe incumbe melhorar acapacidade de trabalho e promover o bem-estar dos habitantes do território baiano, povoando as zonasincultas, saneando as regiões insalubres e disseminando escolas por toda parte.

Tudo isso significa educar - palavra que nos deve servir de lema para uma patriótica e autênticacruzada.

Piso uma terra de brilhantes tradições no domínio do pensamento - força criadora e atributodivino do homem. Daqui, poderão surgir os mais eloqüentes apóstolos dessa nova cruzada, que precisaencontrar em cada brasileiro um paladino devotado e intransigente. Por isso, escolhi a Bahia, berço degrandes homens pela cultura e inteligência e terra de solo ubérrimo a todas as colheitas, para tratar deassunto que considero básico do nosso progresso futuro, por depender dele o enriquecimento do País e,portanto, a conquista da nossa independência econômica.

Educado o povo, o sertanejo rude, feito cidadão consciente, valorizado o homem pela cultura epelo trabalho inteligentemente produtivo, o Brasil, terra maravilhosa por sua beleza natural,transformar-se-á na grande Pátria que os nossos maiores idealizaram e as gerações futuras abençoarão.

Page 63: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 63

O Levante Comunista de 27 de Novembro de 1935,O Levante Comunista de 27 de Novembro de 1935,O Levante Comunista de 27 de Novembro de 1935,O Levante Comunista de 27 de Novembro de 1935,Saudação ao Povo em 01 de Janeiro de 1936Saudação ao Povo em 01 de Janeiro de 1936Saudação ao Povo em 01 de Janeiro de 1936Saudação ao Povo em 01 de Janeiro de 1936

Brasileiros: Em todos os recantos da terra, nesta hora de expansões fraternais, a humanidadeesquece, por alguns momentos, os dissabores e labutas afanosas e ergue-se em espírito e coração para,entre excelsas esperanças e amáveis anelos, proclamar a sua fé num futuro melhor.

Somente palavras de suavidade e conforto deveriam ouvir-se, portanto, reforçando o coro deuniversal aclamação aos sentimentos cristãos dos povos.

Entretanto, para nós, brasileiros, de alma sempre aberta à ternura e aos comovidos anseios depaz e de fraternidade, para nós, serão diversas as vozes desta hora excepcional.

Forças do mal e do ódio campearam sobre a nacionalidade, ensombrando o espírito amorável danossa terra e da nossa gente. Os acontecimentos lutuosos dos últimos dias de novembro permitiram,felizmente, reconhecê-las antes que fosse demasiado tarde para reagirmos em defesa da ordem social edo patrimônio moral da Nação.

Alicerçado no conceito materialista da vida, o comunismo constitui-se o inimigo mais perigosoda civilização cristã. A luz da nossa formação espiritual, só podemos concebê-lo como o aniquilamentoabsoluto de todas as conquistas da cultura ocidental, sob o império dos baixos apetites e das ínfimaspaixões da humanidade - espécie de regresso ao primitivismo, às formas elementares da organizaçãosocial, caracterizadas pelo predomínio do instinto gregário e cujos exemplos típicos são as antigastribos do interior da Ásia.

Em flagrante oposição e inadaptável ao grau de cultura e ao progresso material do nosso tempo,o comunismo está condenado a manter-se em atitude de permanente violência, falha de qualquersentido construtor e orgânico, isto é, subversiva e demolidora, visando, por rodos os meios, implantar esistematizar a desordem, para criar, assim, condições de êxito e oportunidades que lhe permitamempolgar o poder a fim de exercê-lo tiranicamente, em nome e em proveito de um pequeno grupo deilusos, de audazes e de exploradores, contra os interesses e com o sacrifício dos mais sagrados direitosda coletividade.

Nunca poderá vencer, portanto, utilizando a propaganda aberta e franca, feita lealmente e semtemor à verdade, para dominar a vontade das maiorias, pelo exercício do voto livre. Bem diversos, daí,os seus métodos e expedientes de expansão e proselitismo. Pregando ou conspirando, os seus apóstolosjamais confessam o que são, mas, ao contrário, desdizem-se ou se declaram, quando mais corajosos,socialistas avançados ou pacíficos simpatizantes das idéias marxistas. A dissimulação, a mentira, afelonia, constituem as suas armas, chegando, não raro, à audácia e ao cinismo de se proclamaremnacionalistas e de receberem o dinheiro da traição para entregar a Pátria ao domínio estrangeiro.

Sejam quais forem os disfarces e os processos usados, os adeptos do comunismo perseguem,invariavelmente, os mesmos fins. Como por toda parte, também entre nós se distribuem por categoriasde fácil identificação.

Há os conspiradores, partidários da violência, querendo precipitar os acontecimentos pelosgolpes de força e pela técnica da rebelião, certos de que nunca poderão contar com a maioria darepresentação política ou, antes, seguros de que terão de enfrentar sempre a repulsa integral do povo

Page 64: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 64

brasileiro. Esses são, pelo menos, coerentes, porquanto o regime soviético visa, precisamente, instituiro governo das minorias opressoras, escravizando a inconsciência das maiorias.

Há os pregadores, os professores, os doutrinadores do comunismo, disfarçados em marxistas,em ideólogos de nova era social, mistificadores de toda casta, perniciosos e astutos. São os queenvenenam o ambiente, turvam as águas, não praticando mas ensinando o comunismo nas escolas,distribuindo livros sectaristas, propinando o veneno e protestando inocência a cada passo, pois nãoinvocam, na sua lábia, a violência e sim a modificação evolutiva dos valores universais. Tão perigososquanto os outros, definem-se pela pusilanimidade e pela hipocrisia com que se mascaram, adaptando-seàs exigências do meio social onde vivem e de cujo trabalho se mantêm parasitariamente.

Nas promessas abundantes e falazes, os nossos comunistas imitam os apóstolos do bolchevismorusso, evitando, porém, relembrar como conseguiram sovietizar a Rússia.

Também eles se diziam protetores do proletário, e suprimiram a sua liberdade, instituindo otrabalho escravo; prometiam a terra, e despojaram os camponeses das suas lavouras, forçando-os atrabalhar por conta do Estado, sob o jugo de uma ditadura feroz, reduzidos a ainda maior miséria.

Padrão eloqüente e insofismável do que seria o comunismo no Brasil, tivemo-lo nos episódiosde baixa rapina e negro vandalismo de que foram teatro as ruas de Natal e de Recite, durante o surtovergonhoso dos implantadores do credo russo, assim como na rebelião de 27 de novembro, nestaCapital, com o registro de cenas de revoltantes traições e, até de assassínio frio e calculado decompanheiros confiantes e adormecidos.

Os fatos não permitem mais duvidar do perigo que nos ameaça. Felizmente, a Nação sentiu esseperigo e reagiu com todas as suas reservas de energias sãs e construtoras.

A quase unanimidade das forças políticas do País, integradas todas na opinião pública,mobilizou-se a fim de fortalecer o Governo na adoção das medidas necessárias para agir dentro da lei edar maior eficiência às suas decisões repressivas.

Confortador, sob todos os aspectos, foi esse movimento da opinião nacional, através dos órgãosmais autorizados de todas as atividades políticas, econômicas e sociais do País.

O Poder Legislativo colocou-se à altura das responsabilidades do momento, demonstrando quea estrutura democrática do regime possui flexibilidade bastante para sobrepor-se aos assaltos doextremismo subversivo e demolidor.

A rápida e vigorosa ação das forças armadas, repelindo e dominando, nesse lance lamentável, asambições e o desnorteamento de alguns maus militares, foi exemplarmente patriótica. Evidenciando-lhes o espírito de lealdade e civismo, serviu para demonstrar, ao mesmo tempo, a conveniência de seconservarem afastados e à margem das lutas políticas, para melhor se consagrarem ao tirocínio dasatividades profissionais, ao culto da disciplina e da obediência aos poderes constituídos, aodevotamento pela segurança pública e pela integridade da soberania nacional.

Outra reação ex-emplificante, no combate ao surto extremista, foi a do trabalhador brasileiro,que de modo explícito negou solidariedade aos empreiteiros da desordem.

O programa apregoado pelos sectários do comunismo no Brasil, ignorantes do que vai pelo Paíse vazios de idéias válidas, incluía, como aspiração do proletariado nacional, reformas já executadas eem pleno vigor. O nosso operário nada teria a lucrar com o regime soviético. Perderia, pelo contrário,as conquistas obtidas como concessão espontânea dos poderes instituídos, em troca da submissão aotrabalho forçado e coletivo. Basta referir, para tanto, os direitos e os benefícios assegurados aos nossostrabalhadores desde 1930, como sejam a organização sindical, a lei de 8 horas, a regulamentação dotrabalho das mulheres e das crianças, a lei chamada dos 2/3 obrigando o aproveitamento de dois terçosde nacionais em todos os estabelecimentos do comércio e da indústria, a aplicação da lei de férias, arepresentação de classe e, finalmente, a instituição de grande numero de institutos de previdênciasocial, garantidores da subsistência na velhice ou na invalidez, amparando o futuro das famílias, nadesgraça ou na orfandade, para os comerciários, bancários, empregados de empresas de transporte,marítimos, estivadores e demais colaboradores da riqueza e do bem-estar coletivo.

Page 65: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 65

A punição dos culpados e responsáveis pelos acontecimentos de novembro impõe-se como ato deestrita justiça e de reparação, como exercício legítimo do direito de defesa da sociedade, em face daatividade criminosa e organicamente anti-social dos seus inimigos declarados, e reconhecidos. Impõe-se, ainda mais, pelo dever, que o Estado tem, de salvaguardar a nacionalidade atacada e ameaçada peladecomposição bolchevista.O comunismo, encarado como força desintegradora e agente provocador de sérias perturbações,constitui, no Brasil, pela sua profunda e extensa infiltração, já comprovada mas desconhecida ainda dopúblico, perigo muito maior do que se possa supor.O fermento das doutrinas exóticas e subversivas facilmente se propaga, quando encontra meioadequado e propício. Servem-lhe de caldo de cultura o relaxamento dos vínculos morais e apassividade, o egoísmo comodista dos elementos responsáveis pelo equilíbrio da vida social.Colaboram também indiretamente na nefasta expansão dessas doutrinas todos os que, peloindiferentismo, pela descrença, pela ociosidade, pela pobreza de senso moral, vivem à margem da vidapública, atuando como força de inércia ou de ação negativa na marcha das atividades construtivas doPaís.

Compreende-se, assim, que não basta punir os que pretenderem, usando de violência e detraição, abater o regime.

Torna-se indispensável, também, fazer obra preventiva e de saneamento, desintoxicando oambiente, limpando a atmosfera moral e evitando, principalmente, que a mocidade, tão generosa nosseus impulsos e tão impressionável nas suas aptidões de percepção e de inteligência, se contamine e sedesvie do bom caminho ao influxo e sob o exemplo dos maus e dos falsos condutores, em geral,mesquinhos, perversos e pedantes.

Essa obra deve começar dentro da própria administração pública, pelo afastamento de todos osque, exercendo funções remuneradas pelo Estado, servem ao credo comunista, pregando-o, protegendo-o, abalando, ao mesmo tempo, o princípio de autoridade e enfraquecendo a sua ascendênciadisciplinadora.

Parece chegado o momento de reunir e solidarizar todos os espíritos bem formados numacampanha tenaz e vigorosa em prol do levantamento do nível mental e das reservas de patriotismo dopovo brasileiro, colocando as suas aspirações e as suas necessidades no mesmo plano e direção em quese processa o engrandecimento da nacionalidade.

Não esqueçamos que, ao lado das nossas possibilidades de riqueza, o homem brasileiro oferece,pelas virtudes do seu caráter e pela capacidade para adaptar-se, possibilidades ainda maiores, do pontode vista educativo e de preparação para a vida. Merece, por isso, ser tratado como material precioso,capaz de amoldar-se a um tipo ideal forte de corpo e de espírito, dinâmico pela força do braço edominador pela penetração da inteligência.

Mas, para chegar lá, precisa, a par de educação, de assistência e de trabalho, uma diretriz moralque o eleve sobre as preocupações exclusivamente materiais da vida.

As seduções do comunismo, como doutrina e falso remédio para curar males políticos, serãomínimas ou deixarão de existir no dia em que pudermos opor-lhes a resistência de convicções próprias,seguras e claramente conformadas, com projeções definidas no campo social e econômico e, mesmo,no das artes e da filosofia.

O comunismo trata o homem como instrumento, como simples fator de trabalho; escraviza-lheo esforço, materializando-o. Diverso deve ser o nosso objetivo. Cumpre prepará-lo para ser útil a simesmo e à sociedade e para que, vivendo em comum com os outros homens, se compraza em amá-lossem egoísmo e sem preconceitos de superioridade de classe ou de raça.

O poder público, posto a serviço dos interesses vitais da nacionalidade, cuja estrutura assentasobre a família e o sentimento de religião e de pátria, poderá refletir salutarmente essas preocupações,

Page 66: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 66

orientando-se no mesmo sentido e concorrendo, na esfera das suas atividades, para a grande obra desalvação nacional que o momento está a exigir e que deve ser iniciada sem tardança.

No desempenho das altas atribuições de Chefe do Governo, não costumo medirresponsabilidades nem conseqüências.

Page 67: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 67

Necessidade e Dever de Repressão ao Comunismo,Necessidade e Dever de Repressão ao Comunismo,Necessidade e Dever de Repressão ao Comunismo,Necessidade e Dever de Repressão ao Comunismo,Resposta à Manifestação Popular Recebida no Rio deResposta à Manifestação Popular Recebida no Rio deResposta à Manifestação Popular Recebida no Rio deResposta à Manifestação Popular Recebida no Rio deJaneiro, a 10 de Maio de 1936Janeiro, a 10 de Maio de 1936Janeiro, a 10 de Maio de 1936Janeiro, a 10 de Maio de 1936

Brasileiros: Experimento sincero júbilo patriótico ao receber as expressivas manifestações comque quisestes assinalar o meu regresso à Capital da República. Partidas do povo, sempre espontâneo egeneroso nas suas expansões de simpatia e solidariedade, essas homenagens confortam-meprofundamente. Agradecendo-as e considerando o que significam como aplauso à conduta que venhomantendo no Governo, sou levado a evocar, naturalmente, os últimos acontecimentos e com eles aspalavras dirigidas ao povo brasileiro por ocasião das comemorações do Ano Novo. Se à justaindignação e às apreensões provocadas pelo insólito golpe de violência e traição sucedeu atranqüilidade confiante, não desaparecem, entretanto, as ameaças que toldavam os claros horizontes daPátria. Em meio aos sobressaltos daquela hora de luta, a minha palavra só podia refletir, como aindaagora acontece, serenidade e confiança, pela certeza de haver cumprido o dever e de contar com avossa decidida solidariedade.

Não me iludia, certamente, ao pensar que a minha voz, transportada a todos os recantos doBrasil, conjugava as vozes de quase cinqüenta milhões de brasileiros, confraternizados para a defesa doque lhes pode ser mais caro - a existência da nacionalidade e, com ela, as instituições básicas da famíliae os princípios cristãos, herança dos nossos antepassados.

Pude, então, dizer-vos, com o calor e a sinceridade que o abalo da luta dá aos mais calmos,quanto eram iminentes e graves os males que nos ameaçavam.

"Tenho deveres a cumprir - deveres amargos ou gratos, que desempenharei com alegria oudoloroso pesar, mas imprescritíveis perante a Nação. Não os sacrificarei jamais aos imperativos daamizade ou do afeto pessoal, porque amigos serão todos os que me seguirem na defesa do Brasil eparentes todos os que pertencem à grande família cristã que o comunismo pretende destruir."

Assim vos falei, resolvido a ir até ao fim, emprestando às minhas declarações sentido direto eclaro, de decisão e aviso, para dissipar dúvidas quanto à conduta inflexível do Governo, chamar àreflexão os iludidos e fortalecer os abnegados servidores da Nação.

Posso, agora, completar as minhas afirmações, com a mesma serena confiança. Cumpri apalavra e hei de continuar a cumpri-la enquanto tiver forças e não me faltar o vosso intransigente apoio.

Bem avaliava os pesares que a espinhosa tarefa me custaria - pesares, certamente, grandes eprofundos. Assim como não medira os riscos da luta, não recuaria, para levá-la a termo, diante, mesmo,do sacrifício de afeições preciosas. Acima de tudo, estava a Pátria, e, na sua defesa, os maiores esforçosdevem parecer mínimos.

Como procedeu o Governo para salvaguardar as instituições, está no conhecimento e namemória de todos: com rigor sem desumanidade, firme sem excessos.

Presos com armas na mão, depois do inglório holocausto de irmãos e companheiros, nem umato de vindita se exerceu sobre os amotinados. Grandes e pequenos responsáveis, autores intelectuais emateriais, permanecem sob a custódia do Estado, aguardando o pronunciamento final da justiça.

Page 68: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 68

Aos acumpliciados com estrangeiros para desfechar tão nefando golpe de felonia e que,conspirando, ocultos na sombra do anonimato ou protegidos pelas garantias excepcionais do regime, aesses também alcançou a ação vigilante das autoridades, que tudo fizeram para identificar os culpados,fossem eles quais fossem.

A intervenção da Justiça começa, agora, a exercer-se, para a punição dos responsáveis.Essa tarefa saneadora ficará, porém, enormemente prejudicada, se, no momento de estabelecer

rigorosa gradação nas responsabilidades, faltarem aos poderes públicos meios prontos e eficazes paraprevenir e coartar as atividades dos elementos subversivos.

Não se cogita, apenas, de julgar os que incidiram deliberadamente nas sanções penais,consagradas nas leis vigentes. É imprescindível fazer o isolamento, a segregação dos focoscontaminadores. Os comunistas reconhecidos e declarados, os pretensos pregoeiros de reformas sociais,os utopistas ingênuos e os agitadores mercenários que pregam idéias subversivas aberta oudisfarçadamente, devem ser afastados do contato da sociedade e recolhidos a colônias agrícolas, ondeos trabalhos da terra lhes aproveitarão como corretivo e educação para a vida honesta e construtora,ensinando-lhes o caminho do bem e o respeito aos direitos alheios.

A ação demolidora do comunismo russo é vária e multiforme. Na sua faina insidiosa de levar aperturbação a todos os povos, engendrou uma técnica especializada do crime contra a ordem social, emnada semelhante aos processos dos conspiradores comuns. É por isso mesmo que o aparelhamentousual de prevenção e repressão, as leis ordinárias de segurança do Estado, se mostram, a cadamomento, falhas e ineficientes para impedir a atividade anti-social dos audazes agitadores adestrados emantidos pela INTERNACIONAL COMUNISTA, instalada em Moscou.

A par dos atentados materiais, que vão do homicídio premeditado ao frio morticínio em massa,os agentes do credo russo utilizam toda espécie de ardis e cavilações, para impressionar os incautos ealiciar os desprevenidos, incitando paixões e cobiças, usando das grandes palavras e dos rótulosideológicos vistosos; simulam atitudes nacionalistas, levam a cizânia aos próprios lares; apelam para ossentimentos altruísticos e nobres, enquanto corrompem pelo ouro as consciências venais; compramcumplicidades e auxílios pelo terror das denúncias e delações, do mesmo modo que exercem a vindita,com requintes de selvagem crueldade.

Viu-se, após a tentativa fracassada, promoverem, no estrangeiro, uma campanha de descréditocontra o Brasil, para apresentá-lo como País tiranizado, vivendo sob um regime de violências e deabsoluta miséria econômica. Chegaram à audácia de pretender oferecer-nos em espetáculo ao mundocivilizado, através de interpelações descabidas, nos parlamentos, e de comissões sensacionalistas deinquérito, recrutadas entre os comparsas e afeiçoados internacionais do credo bolchevista.

Mas, se aos comunistas mobilizados além fronteiras para demolir-nos por todos os meios emodos só podemos opor o protesto dos nossos sentimentos de altivez e de patriótica repulsa, aos quenos afrontam e atacam dentro da nossa própria casa devemos dispensar tratamento bem diverso. Contraos inimigos de portas a dentro, beneficiados, às vezes, pelo regime que procuram solapar, a luta precisaser dura, decidida e constante. Para combatê-los, é indispensável a união dos brasileiros de todas ascamadas sociais e de todos os matizes políticos, antepondo uma muralha intransponível à ondadissolvente que pretende destruir os nossos lares e aniquilar, com o patrimônio material e espiritual dosnossos maiores, o próprio futuro dos nossos filhos.

Posso afirmar-vos que, até agora, todos os detidos são tratados com benignidade, atitude essacontrastante com os processos de violência que eles apregoam e, sistematicamente, praticam. Esseprocedimento magnânimo não traduz fraqueza. Pelo contrário, é próprio dos fortes, que nunca seamesquinham na luta e sabem manter, com igual inteireza, o destemor e o sentimento de justiçahumana.

Quando assim vos falo, não é para concitar-vos a permanecer em guarda, na posição de quem,apenas, se defende.

Page 69: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 69

Num País como o Brasil, de vasto território, de caldeamento complexo, que abre as suas portasa todos os que queiram trabalhar e viver do trabalho, torna-se imperiosa a articulação completa dasforças sociais, dentro de princípios salutares de disciplina que lhe asseguram crescimento pacífico eorgânico.

Nenhuma oportunidade melhor para empreendermos todas as tarefas urgentes de organizaçãosocial e política capazes de fortalecer cada vez mais os laços da unidade nacional, preparando-lherumos seguros e definitivos.

Atravessamos um momento decisivo da nossa história, que não comporta dubiedade de atitudes,bizantinismos jurídicos ou sediços apelos demagógicos. A opinião pública já não se ilude nem seimpressiona com esses processos de fácil popularidade; muito ao contrário, perfeitamente esclarecida ealerta, o que reclama, através de manifestações inequívocas, é uma ação cada vez mais vigilante eenérgica do Governo no sentido de garantir a ordem e a estabilidade das instituições.

Precisamos recompor e estruturar solidamente os princípios básicos da nacionalidade. E isto sóserá possível mediante uma articulação completa e estreita de esforços, solidarizando vontades econsciências, reforçando os vínculos da família, da religião e do Estado, empenhando todos os nossosvalores morais num movimento profundo e convergente de disciplina e educação, capaz de sobrepor-seaos particularismos e dissensões estéreis e de transformar-se numa corrente poderosa de opiniãonacional.

Na luta pela democracia, estacionamento significa estagnação. A continuidade do nosso esforçodeve tender, por isso, ao aperfeiçoamento cada vez maior das instituições, de forma a fazê-lascorresponder às necessidades atuais e progressivas da nossa vida social.

Brasileiros: Confiante no patriotismo e devotamento exemplar das Forças Armadas, fortalecidopela solidariedade da opinião pública, eu vos afirmo que a ordem será mantida e assegurada a defesadas instituições. O povo brasileiro pode ficar tranqüilo e trabalhar ao amparo da lei, desenvolvendo,sem temores, as fontes criadoras da prosperidade e da grandeza da Pátria.

Page 70: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 70

Proclamação ao Povo brasileiro, lida no Palácio daProclamação ao Povo brasileiro, lida no Palácio daProclamação ao Povo brasileiro, lida no Palácio daProclamação ao Povo brasileiro, lida no Palácio daGuanabara e Irradiada Para Todo o País, Na noite de 10 deGuanabara e Irradiada Para Todo o País, Na noite de 10 deGuanabara e Irradiada Para Todo o País, Na noite de 10 deGuanabara e Irradiada Para Todo o País, Na noite de 10 deNovembro de 1937Novembro de 1937Novembro de 1937Novembro de 1937

A Nação

O homem de Estado, quando as circunstâncias impõem uma decisão excepcional, de amplasrepercussões e profundos efeitos na vida do país, acima das deliberações ordinárias da atividadegovernamental, não pode fugir ao dever de tomá-la, assumindo, perante a sua consciência e aconsciência dos seus concidadãos, as responsabilidades inerentes à alta função que lhe foi delegadapela confiança nacional.

A investidura na suprema direção dos negócios públicos não envolve, apenas, a obrigação decuidar e prover as necessidades imediatas e comuns da administração. As exigências do momentohistórico c as solicitações do interesse coletivo reclamam, por vezes, imperiosamente, a adoção demedidas que afetam os pressupostos e convenções do regime, os próprios quadros institucionais, osprocessos e métodos de governo.

Por certo, essa situação especialíssima só se caracteriza sob aspectos graves e decisivos nosperíodos de profunda perturbação política, econômica e social.

A contingência de tal ordem chegamos, infelizmente, como resultante de acontecimentosconhecidos, estranhos à ação governamental, que não os provocou nem dispunha de meios adequadospara evitá-los ou remover-lhes as funestas conseqüências.

Oriundo de um movimento revolucionário de amplitude nacional e mantido pelo poderconstituinte da Nação, o Governo continuou, no período legal, a tarefa encetada de restauraçãoeconômica e financeira e, fiel às convenções do regime, procurou criar, pelo alheiamento àscompetições partidárias, uma atmosfera de serenidade e confiança, propícia ao desenvolvimento dasinstituições democráticas.

Enquanto assim procedia, na esfera estritamente política, aperfeiçoava a obra de justiça social aque se votara desde o seu advento, pondo em prática um programa isento de perturbações e capaz deatender às justas reivindicações das classes trabalhadoras, de preferência as concernentes às garantiaselementares de estabilidade e segurança econômica, sem as quais não pode o indivíduo tornar-se útil àcoletividade e compartilhar dos benefícios da civilização.

Contrastando com as diretrizes governamentais, inspiradas sempre no sentido construtivo epropulsor das atividades gerais, os quadros políticos permaneciam adstritos aos simples processos dealiciamento eleitoral.

Tanto os velhos partidos, como os novos em que os velhos se transformaram sob novos rótulos,nada exprimiam ideologicamente, mantendo-se à sombra de ambições pessoais ou de predomínioslocalistas, a serviço de grupos empenhados na partilha dos despojos e nas combinações oportunistas emtorno de objetivos subalternos.

A verdadeira função dos partidos políticos, que consiste cm dar expressão e reduzir a princípiosde governo as aspirações e necessidades coletivas, orientando e disciplinando as correntes de opinião,

Page 71: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 71

essa, de há muito, não a exercem os nossos agrupamentos partidários tradicionais. O fato é sobremodosintomático, se lembrarmos que da sua atividade depende o bom funcionamento de todo sistemabaseado na livre concorrência de opiniões e interesses.

Para comprovar a pobreza c desorganização da nossa vida política, nos moldes em que se vemprocessando, aí está o problema da sucessão presidencial, transformado em irrisória competição degrupos, obrigados a operar pelo suborno e pelas promessas demagógicas, diante do completodesinteresse e total indiferença das forças vivas da Nação. Chefes de governos locais, capitaneandodesassossegos e oportunismos, transformaram-se, de um dia para outro, à revelia da vontade popular,em centros de decisão política, cada qual decretando uma candidatura, como se a vida do País, na suasignificação coletiva, fosse simples convencionalismo, destinado a legitimar as ambições docaudilhismo provinciano.

Nos períodos de crise, como o que atravessamos, a democracia de partidos, em lugar de oferecersegura oportunidade de crescimento e de progresso, dentro das garantias essenciais à vida e à condiçãohumana, subverte a hierarquia, ameaça a unidade pátria e põe em perigo a existência da Nação,extremando as competições e acendendo o facho da discórdia civil.

Acresce, ainda, notar que, alarmados pela atoarda dos agitadores profissionais e diante dacomplexidade da luta política, os homens que não vivem dela mas do seu trabalho deixam os partidosentregues aos que vivem deles, abstendo-se de participar da vida pública, que só poderia beneficiar-secom a intervenção dos elementos de ordem e de ação construtora.

O sufrágio universal passa, assim, a ser instrumento dos mais audazes c máscara que maldissimula o conluio dos apetites pessoais e de corrilhos. Resulta daí não ser a economia nacionalorganizada que influi ou prepondera nas decisões governamentais, mas as forças econômicas de caráterprivado, insinuadas no poder e dele se servindo em prejuízo dos legítimos interesses da comunidade.

Quando os partidos tinham objetivos de caráter meramente político, com a extensão defranquias constitucionais e reivindicações semelhantes, as suas agitações ainda podiam processar-se àsuperfície da vida social, sem perturbar as atividades do trabalho e da produção. Hoje, porém, quando ainfluência e o controle do Estado sobre a economia tendem a crescer, a competição política tem porobjetivo o domínio das forças econômicas, e a perspectiva da luta civil, que espia, a todo momento, osregimes dependentes das flutuações partidárias, é substituída pela perspectiva incomparavelmente maissombria da luta de classes.

Em tais circunstâncias, a capacidade de resistência do regime desaparece e a disputa pacíficadas urnas é transportada para o campo da turbulência agressiva e dos choques armados.

É dessa situação perigosa que nos vamos aproximando. A inércia do quadro político tradicionale a degenerescência dos partidos em clãs facciosos são fatores que levam, necessariamente, a armar oproblema político, não em termos democráticos, mas em termos de violência c de guerra social.

Os preparativos eleitorais foram substituídos, em alguns Estados, pelos preparativos militares,agravando os prejuízos que já vinha sofrendo a Nação, em conseqüência da incerteza e instabilidadecriadas pela agitação facciosa. O caudilhismo regional, dissimulado sob aparências de organizaçãopartidária, armava-se para impor à Nação as suas decisões, constituindo-se, assim, em ameaçaostensiva à unidade nacional.

Por outro lado, as novas formações partidárias surgidas em todo o mundo, por sua próprianatureza refratárias aos processos democráticos, oferecem perigo imediato para as instituições,exigindo, de maneira urgente e proporcional à virulência dos antagonismos, o reforço do poder central.Isto mesmo já se evidenciou por ocasião do golpe extremista de 1935, quando o Poder Legislativo foicompelido a emendar a Constituição e a instituir o estado de guerra, que, depois de vigorar mais de umano, teve de ser restabelecido por solicitação das Forças Armadas, em virtude do recrudescimento dosurto comunista, favorecido pelo ambiente turvo dos comícios e da caça ao eleitorado.

A consciência das nossas responsabilidades indicava, imperativamente, o dever de restaurar aautoridade nacional, pondo termo a essa condição anômala da nossa existência política, que poderá

Page 72: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 72

conduzir-nos à desintegração, como resultado final dos choques de tendências inconciliáveis e dopredomínio dos particularismos de ordem local.

Colocada entre as ameaças caudilhescas e o perigo das formações partidárias sistematicamenteagressivas, a Nação, embora tenha por si o patriotismo da maioria absoluta dos brasileiros e o amparodecisivo e vigilante das Forças Armadas, não dispõe de meios defensivos eficazes dentro dos quadroslegais, vendo-se obrigada a lançar mão, de modo normal, das medidas excepcionais que caracterizam oestado de risco iminente da soberania nacional e da agressão externa. Essa é a verdade, que precisa serproclamada, acima de temores e subterfúgios.

A organização constitucional de 1934, vazada nos moldes clássicos do liberalismo e do sistemarepresentativo, evidenciara falhas lamentáveis, sob esse e outros aspectos. A Constituição estava,evidentemente, antedatada em relação ao espírito do tempo. Destinava-se a uma realidade que deixarade existir. Conformada em princípios cuja validade não resistira ao abalo da crise mundial, expunha asinstituições por ela mesma criadas à investida dos seus inimigos, com a agravante de enfraquecer camenizar o poder público.

O aparelhamento governamental instituído não se ajustava às exigências da Vida nacional;antes, dificultava-lhe a expansão e inibia-lhe os movimentos. Na distribuição das atribuições legais, nãose colocara, como se devera fazer, cm primeiro plano, o interesse geral; aluíram-se as responsabilidadesentre os diversos poderes de tal sorte que o rendimento do aparelho do Estado ficou reduzido aomínimo e a sua eficiência sofreu danos irreparáveis, continuamente expostos à influência dos interessespersonalistas e das composições políticas eventuais.

Não obstante o esforço feito para evitar os inconvenientes das assembléias exclusivamentepolíticas, o Poder legislativo, no regime da Constituição de 1934, mostrou-se, irremediavelmente,inoperante.

Transformada a Assembléia Nacional Constituinte em Câmara de Deputados, para elaborar, nosprecisos termos do dispositivo constitucional, as leis complementares constantes da Mensagem doChefe do Governo Provisório, de 10 de abril de 1934, não se conseguira, até agora, que qualquer delasfosse ultimada, mau grado o funcionamento quase ininterrupto das respectivas sessões. Nas suas pastase comissões se encontram aguardando deliberação, numerosas iniciativas de inadiável necessidadenacional, como sejam : o Código do Ar, o Código das Águas, o Código de Minas, o Código Penal, oCódigo do Processo, os projetos da Justiça do Trabalho, da criação dos Institutos do Mate e do Trigo,etc. etc. Não deixaram, entretanto, de ter andamento e aprovação as medidas destinadas a favorecerinteresses particulares, algumas, evidentemente, contrárias aos interesses nacionais e que, por issomesmo, receberam veto do Poder Executivo.

Por seu turno, o Senado Federal permanecia no período de definição das suas atribuições, queconstituíam motivo de controvérsia e de contestação entre as duas casas legislativas.

A fase parlamentar da obra governamental se processava, antes como um obstáculo do quecomo uma colaboração digna de ser conservada nos termos em que a estabelecera a Constituição de1934.

Função elementar e, ao mesmo tempo, fundamental, a própria elaboração orçamentária nunca seultimou nos prazos regimentais, com o cuidado que era de exigir. Todos os esforços realizados peloGoverno no sentido de estabelecer o equilíbrio orçamentário se tornavam inúteis, desde que osrepresentantes da Nação agravavam sempre o montante das despesas, muitas vezes, em benefício deiniciativas ou de interesses que nada tinham a ver com o interesse público.

Constitui ato de estrita justiça consignar que em ambas as casas do Poder Legislativo existiamhomens cultos, devotados c patriotas, capazes de prestar esclarecido concurso às mais delicadasfunções públicas, tendo, entretanto, os seus esforços invalidados pelos próprios defeitos de estrutura doórgão a que não conseguiam emprestar as suas altas qualidades pessoais.

A manutenção desse aparelho inadequado e dispendioso era de todo desaconselhável. Conservá-lo seria, evidentemente, obra de espírito acomodatício e displicente, mais interessado pelas

Page 73: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 73

acomodações da clientela política do que pelo sentimento das responsabilidades assumidas. Outros, porcerto, prefeririam transferir aos ombros do Legislativo os ônus e dificuldades que o Executivo terá deenfrentar para resolver diversos problemas de grande relevância e de graves repercussões, vistoafetarem poderosos interesses organizados, interna e externamente. Compreende-se, desde logo, queme refiro, entre outros, aos da produção cafeeira e regularização da nossa dívida externa.

O Governo atual herdou os erros acumulados em cerca de vinte anos de artificialismoeconômico, que produziram o efeito catastrófico de reter estoques e valorizar o café, dando emresultado o surto da produção noutros países, apesar dos esforços empreendidos para equilibrar, pormeio de quotas, a produção e o consumo mundial da nossa mercadoria básica. Procurando neutralizar asituação calamitosa encontrada em 1930, iniciamos uma política de descongestionamento, salvando daruína a lavoura cafeeira c encaminhando os negócios de modo que fosse possível restituir, sem abalos,o mercado do café ás suas condições normais. Para atingir esse objetivo, cumpria aliviar a mercadoriados pesados ônus que a encareciam, o que será feito sem perda de tempo, resolvendo-se o problema daconcorrência no mercado mundial e marchando decisivamente para a liberdade de comércio doproduto.

No concernente à dívida externa, o serviço de amortização e juros constitui questão vital para anossa economia. Enquanto foi possível o sacrifício da exportação de ouro, afim de satisfazer asprestações estabelecidas, o Brasil não se recusou a fazê-lo. É claro, porém, que os pagamentos, noexterior, só podem ser realizados com o saldo da balança comercial. Sob a aparência de moeda, quevela e disfarça a natureza do fenômeno de base nas relações econômicas, o que existe, em últimaanálise, é a permuta de produtos. A transferência de valores destinados a atender a esses compromissospressupõe, naturalmente, um movimento de mercadorias do país devedor para os seus clientes noexterior, em volume suficiente para cobrir as responsabilidades contraídas. Nas circunstâncias atuais,dados os fatores que tendem a criar restrições à livre circulação das riquezas no mercado mundial, aaplicação de recursos em condições de compensar a diferença entre as nossas disponibilidades e asnossas obrigações só pode ser feita mediante o endividamento crescente do País e a debilitação da suaeconomia interna.

Não é demais repetir que os sistemas de quotas, contingentamentos e compensações, limitando,dia a dia, o movimento e volume das trocas internacionais, têm exigido, mesmo nos países de maiorrendimento agrícola e industrial, a revisão das obrigações externas. A situação impõe, no momento, asuspensão do pagamento de juros c amortizações, até que seja possível reajustar os compromissos semdessangrar e empobrecer o nosso organismo econômico. Não podemos, por mais tempo continuar asolver dívidas antigas pelo processo ruinoso de contrair outras mais vultosas, o que nos levaria, dentrode pouco, à dura contingência de adotar solução mais radical. Para fazer face às responsabilidadesdecorrentes dos nossos compromissos externos, lançamos sobre a produção nacional O pesado tributoque consiste no confisco cambial, expresso na cobrança de uma taxa oficial de 35 %, redundando, emúltima análise, em reduzir de igual percentagem os preços, já tão aviltados, das mercadorias deexportação. É imperioso pôr um termo a esse confisco, restituindo o comércio de câmbio às suascondições normais. As nossas disponibilidades no estrangeiro, absorvidas, na sua totalidade, peloserviço da dívida e não bastando, ainda assim, às suas exigências, dão em resultado nada nos sobrarpara a renovação do aparelhamento econômico, do qual depende todo o progresso nacional.

Precisamos equipar as vias férreas do País, de modo a oferecerem transporte econômico aosprodutos das diversas regiões, bem como construir novos traçados e abrir rodovias, prosseguindo naexecução do nosso plano de comunicações, particularmente no que se refere à penetração do hinterlande articulação dos centros de consumo interno com os escoadouros de exportação.

Por outro lado, essas realizações exigem que se instale a grande siderurgia, aproveitando aabundância de minério, num vasto plano de colaboração do Governo com os capitais estrangeiros quepretendam emprego remunerativo, e fundando, de maneira definitiva, as nossas indústrias de base, emcuja dependência se acha o magno problema da defesa nacional.

Page 74: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 74

É necessidade inadiável, também, dotar as Forças Armadas de aparelhamento eficiente, que ashabilite a assegurar a integridade e a independência do País, permitindo-lhe cooperar com as demaisnações do Continente na obra de preservação da paz.

Para reajustar o organismo político às necessidades econômicas do País e garantir as medidasapontadas, não se oferecia outra alternativa além da que foi tomada, instaurando-se um regime forte, depaz, de justiça e de trabalho. Quando os meios de governo não correspondem mais às condições deexistência de um povo, não há outra solução senão mudá-los, estabelecendo outros moldes de ação.

A Constituição hoje promulgada criou uma nova estrutura legal, sem alterar O que se considerasubstancial nos sistemas de opinião: manteve a forma democrática, o processo representativo e aautonomia dos Estados, dentro das linhas tradicionais da Federação orgânica.

Circunstâncias de diversa natureza apressaram o desfecho deste movimento, que constituimanifestação de vitalidade das energias nacionais extra-partidárias. O povo o estimulou e acolheu cominequívocas demonstrações de regozijo, impacientado e saturado pelos lances entristecedores dapolítica profissional; o Exército e a Marinha o reclamaram como imperativo da ordem e da segurançanacional.

Ainda ontem, culminando nos propósitos demagógicos, um dos candidatos presidenciaismandava ler da tribuna da Câmara dos Deputados documento francamente sedicioso e o fazia distribuirnos quartéis das corporações militares, que, num movimento de saudável reação às incursões facciosas,souberam repelir tão aleivosa exploração, discernindo, com admirável clareza, de que lado estavam, nomomento, os legítimo reclamos da consciência brasileira.

Tenho suficiente experiência das asperezas do poder para deixar-me seduzir pelas suasexterioridades e satisfações de caráter pessoal. Jamais concordaria, por isso, em permanecer à frentedos negócios públicos se tivesse de ceder quotidianamente às mesquinhas injunções da acomodaçãopolítica, sem a certeza de poder trabalhar, com real proveito, pelo maior bem da coletividade.

Prestigiado pela confiança das Forças Armadas c correspondendo aos generalizados apelos dosmeus concidadãos, só acedi em sacrificar o justo repouso a que tinha direito, ocupando a posição emque me encontro, com o firme propósito de continuar servindo à Nação.

As decepções que o regime derrogado trouxe ao País não se limitaram ao campo moral epolítico.

A economia nacional, que pretendera participar das responsabilidades do Governo, foi tambémfrustrada nas suas justas aspirações. Cumpre restabelecer, por meio adequado, a eficácia da suaintervenção e colaboração na vida do Estado. Ao invés de pertencer a uma assembléia política, em que,é óbvio, não se encontram os elementos essenciais às suas atividades, a representação profissional deveconstituir um órgão de cooperação na esfera do poder público, em condições de influir na propulsãodas forças econômicas e de resolver o problema do equilíbrio entre o capital c o trabalho.

Considerando de frente e acima dos formalismos jurídicos a lição dos acontecimentos, chega-sea uma conclusão iniludível, a respeito da gênese política das nossas instituições: elas nãocorresponderam, desde 1889, aos fins para que se destinavam.

Um regime que, dentro dos ciclos prefixados de quatro anos, quando se apresentava o problemasucessório presidencial, sofria tremendos abalos, verdadeiros traumatismos mortais, dada a inexistênciade partidos nacionais e de princípios doutrinários que exprimissem as aspirações coletivas, certamentenão valia o que representava e operava, apenas, em sentido negativo.

Numa atmosfera privada de espírito público, como essa cm que temos vivido, onde asinstituições se reduziam às aparências e aos formalismos, não era possível realizar reformas radicaissem a preparação prévia dos diversos fatores da vida social.

Torna-se impossível estabelecer normas sérias e sistematização eficiente à educação, à defesa eaos próprios empreendimentos de ordem material, se o espírito que rege a política geral não estiverconformado em princípios que se ajustem às realidades nacionais.

Page 75: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 75

Se queremos reformar, façamos, desde logo, a reforma política. Todas as outras serãoconsectárias desta, e sem ela não passarão de inconsistentes documentos de teoria política.

Passando do Governo propriamente dito ao processo da sua constituição, verificava-se, ainda,que os meios não correspondiam aos fins. A fase culminante do processo político sempre foi a daescolha de candidato à Presidência da República. Não existia mecanismo constitucional prescrito a esseprocesso. Como a função de escolher pertencia aos partidos e como estes se achavam reduzidos a umaexpressão puramente nominal, encontrávamo-nos em face de uma solução impossível, por falta deinstrumento adequado. Daí, as crises periódicas do regime, pondo, quadrienalmente, em perigo asegurança das instituições. Era indispensável preencher a lacuna, incluindo na própria Constituição oprocesso de escolha dos candidatos á suprema investidura, de maneira a não se reproduzir o espetáculode uni corpo político desorganizado e perplexo, que não sabe, sequer, por onde começar o ato cmvirtude do qual se define e afirma o fato mesmo da sua existência.

A campanha presidencial, de que tivemos, apenas, um tímido ensaio, não podia, assim,encontrar, como efetivamente não encontrou, repercussão no País. Pelo seu silêncio, a sua indiferença,o seu desinteresse, a Nação pronunciou julgamento irrecorrível sobre os artifícios e as manobras a quese habituou a assistir periodicamente, sem qualquer modificação no quadro governamental que seseguia às contendas eleitorais. Todos sentem, de maneira profunda, que o problema de organização doGoverno deve processar-se em plano diferente e que a sua solução transcende os mesquinhos quadrospartidários, improvisados nas vésperas dos pleitos, com o único fim de servir de bandeira a interessestransitoriamente agrupados para a conquista do poder.

A gravidade da situação que acabo de escrever em rápidos traços está na consciência de todosos brasileiros. Era necessário e urgente optar pela continuação desse estado de coisas ou pelacontinuação do Brasil. Entre a existência nacional e a situação de caos, de irresponsabilidade edesordem em que nos encontrávamos, não podia haver meio termo ou contemporização.

Quando as competições políticas ameaçam degenerar em guerra civil, e sinal de que o regimeconstitucional perdeu o seu valor prático, subsistindo, apenas, como abstração. A tanto havia chegado oPaís. A complicada máquina de que dispunha para governar-se não funcionava. Não existiam órgãosapropriados através dos quais pudesse exprimir os pronunciamentos da sua inteligência e os decretos dasua vontade.

Restauremos a Nação na sua autoridade e liberdade de ação: - na sua autoridade, dando-lhe osinstrumentos de poder real e efetivo com que possa sobrepor-se às influências desagregadoras, internasou externas; na sua liberdade, abrindo O plenário do julgamento nacional sobre os meios c os fins doGoverno e deixando-a construir livremente a sua história e o seu destino.

Page 76: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 76

Orientação Nacional do Ensino, Discurso PronunciadoOrientação Nacional do Ensino, Discurso PronunciadoOrientação Nacional do Ensino, Discurso PronunciadoOrientação Nacional do Ensino, Discurso Pronunciadona Ocasião do Centenário da Fundação do Colégio Pedrona Ocasião do Centenário da Fundação do Colégio Pedrona Ocasião do Centenário da Fundação do Colégio Pedrona Ocasião do Centenário da Fundação do Colégio PedroII, 02 de Dezembro de 1937II, 02 de Dezembro de 1937II, 02 de Dezembro de 1937II, 02 de Dezembro de 1937

Senhores: Entre as numerosas solenidades que tenho presidido, nenhuma mais do que estapareceu-me edificante e sugestiva.

O centenário do Colégio Pedro II evoca todo o quadro da evolução política e cultural do Brasil.Do modesto Seminário São Joaquim, dependente da munificência do Bispo D. Antônio de Guadalupe,ao estabelecimento instituído por Bernardo Pereira de Vasconcelos, compendiando as bases do ensinosecundário, até chegarmos à organização atual, longo e acidentado foi o caminho percorrido.

Pelo instituto cuja existência secular comemoramos com esta imponente cerimônia e olançamento da pedra fundamental do seu novo edifício, passaram as figuras marcantes de dois regimes.Nele, os homens do Império e da República receberam os conhecimentos indispensáveis à proveitosaatuação que exerceram, mais tarde, na sociedade civil e na vida política da Nação.

O Colégio Pedro II reflete, ainda, por circunstâncias especiais, o nosso esforço peloaperfeiçoamento e elevação do nível cultural do País. Através das variadas fases da sua existência,podemos reconhecer os elementos de reconstituição da vida nacional, desde os seus primórdios, quandoa Igreja desempenhava, com exclusividade, a função de educar e dirigir os espíritos.

Cumpre assinalar como foi difícil estabelecer os fundamentos dessa obra c quanto foi grande odevotamento dos seus agentes. Na missão árdua c ingente a que se devotaram, orientando o problemada culturação brasileira, os nossos primeiros educadores chegaram aos resultados mais extraordinários.Só o espírito evangelizador e as virtudes da fé podem explicar o milagre de termos conseguidoamalgamar, na sociedade colonial, os fatores dispares e primários da nossa formação - indígenas daidade da pedra, escravos africanos em diversos estágios culturais c imigrantes peninsulares - integradostodos na civilização cristã.

Com o decurso do tempo e a experiência adquirida, é fácil aquilatar quanto se tornou profunda ebenéfica a influência moral desse período, que ainda hoje caracteriza a fisionomia das nossasinstituições.

Vivemos, todos o sentem, uma hora conturbada, de verdadeira subversão de valores.Fala-se, amiúde, com insistência extremada, em perturbações de ordem econômica, oriundas do

desequilíbrio na produção ou repartição das riquezas materiais, como se a vida do homem consistissena mera satisfação das necessidades físicas. Mas, é fora de dúvida que, no fundo dos angustiososproblemas da atualidade, se encontra, também, complicando-lhes a compreensão e dificultando assoluções, o fator de natureza espiritual - a desordem no domínio da inteligência.

Sob qualquer aspecto, menos que os povos da velha civilização, sofremos, certamente, os danosdessas crises conjugadas.

Temos, por isso, o dever de prevenir maiores e mais profundos males, cuidando de organizar edisciplinar as nossas energias espirituais e materiais.

Precisamos reagir em tempo, contra a indiferença pelos princípios morais, contra os hábitos dointelectualismo ocioso e parasitário, contra as tendências desagregadoras, infiltradas, pelas mais

Page 77: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 77

variadas formas, nas inteligências moças, responsáveis pelo futuro da Nação; precisamos com maiorurgência, dar sentido claro, diretrizes construtoras e regras uniformes à política educacional o maispoderoso instrumento a utilizar, no fortalecimento da nossa estrutura moral e econômica.

Dentro dessa orientação se vem processando, precisamente, desde 1930, a atividadegovernamental.

Cuidou-se de ampliar as possibilidades do Estado em todos os graus da instrução e ramos doensino. Houve sempre o propósito deliberado de realizar obra duradoura, na convicção de que educarnão é apenas transmitir conhecimentos ou conferir diplomas de capacidade intelectual. O processoeducativo mais adequado às nossas condições sociais, é o que consiste na preparação equilibrada doespírito e do corpo, transformando cada brasileiro em fator consciente e entusiasta do engrandecimentopátrio.

O dilema teórico, tão debatido pelos doutos - cultura de extensão, alfabetização rápida dasmassas ou alta preparação de elites, destinadas às tarefas de direção - não abarcava a realidade dasnossas circunstâncias. Seria ingênuo pretender, num país escassamente alfabetizado, produzir, apenas,sábios e pesquisadores, como, da mesma forma, acreditar que o saber extensivo seja bastante paraassegurar a reforma dos costumes políticos, a propulsão econômica e o progresso moral.

A obra educativa e cultural encetada pela administração é mais ampla e abrange o problema emtodos os seus aspectos.

A Constituição cm vigor estabelece a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário. Ovolume de iletrados constitui obstáculo ponderável, tanto ao aparelhamento institucional, como para odesenvolvimento das atividades produtivas. E preciso reduzi-lo rapidamente, e nessa campanha devemempenhar-se todos, cm estreita cooperação com o Estado.

O preparo profissional constitui outro aspecto urgente do problema, e foi igualmenteconsiderado nas responsabilidades do novo regime. Cabe aos elementos do trabalho e da produção,agrupados corporativamente, colaborar com o Governo para formar os técnicos de que tantocarecemos.

Especialistas de renome mundial dão à nossa alta cultura lugar de destaque nos centros maisadiantados, e o Governo prove, ampara e impulsiona os seus trabalhos, criando facilidades aodesenvolvimento das pesquisas e dos estudos de ciência pura e aplicada.

Nos moldes do novo regime, o problema educacional recebeu, finalmente, diretrizes definidas.Podemos, agora, trabalhar com decisão e tenacidade sabendo para onde queremos ir e conhecendo osobjetivos que nos conduzem.

Senhores: O magistério brasileiro, na sua mais alta expressão, prestando-me homenagem tãodigna e eloqüente, não pretendeu, por certo, atribuir-lhe exclusivo caráter pessoal. Os meusagradecimentos, como homem e como Chefe de Estado, assumem a significação de um compromissopúblico, ao qual quisestes associar-vos, nobre e espontaneamente, reconhecendo, também, anecessidade deste movimento renovador, capaz de fazer da educação c da cultura instrumentos decivilização brasileira.

Falando aos mestres, numa hora, como esta, de comunhão patriótica, falo aos responsáveis pelasaúde espiritual da nossa mocidade. A palavra do professor não transmite apenas conhecimentos enoções do mundo exterior. Atua, igualmente, pelas sugestões emotivas, inspiradas nos mais elevadossentimentos do coração humano. Desperta nas almas jovens o impulso heróico e a chama dosentusiasmos criadores. Concito-vos, por isso, a utilizá-la no puro e exemplar sentido do apostoladocívico - infundindo o amor à terra, o respeito às tradições e a crença inabalável nos grandes destinos doBrasil.

Page 78: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 78

No limiar do Ano de 1938, Saudação aos Brasileiros,No limiar do Ano de 1938, Saudação aos Brasileiros,No limiar do Ano de 1938, Saudação aos Brasileiros,No limiar do Ano de 1938, Saudação aos Brasileiros,Pronunciado no Palácio Guanabara e Irradiada Para Todo oPronunciado no Palácio Guanabara e Irradiada Para Todo oPronunciado no Palácio Guanabara e Irradiada Para Todo oPronunciado no Palácio Guanabara e Irradiada Para Todo oPaís, à País, à País, à País, à Meia-Noite de 31 de Dezembro de 1937Meia-Noite de 31 de Dezembro de 1937Meia-Noite de 31 de Dezembro de 1937Meia-Noite de 31 de Dezembro de 1937

Brasileiros! No alvorecer do novo ano, quando nas almas e nos corações se acende mais viva ecrepitante a chama das alegrias e das esperanças e sentimos mais forte e dominadora a aspiração devencer, de realizar e progredir, venho comunicar-me convosco e falar, diretamente, a todos, semdistinções de classe, profissão ou hierarquia, para, unidos e confraternizados, erguermos bem alto opensamento, num voto irrevogável pela grandeza e pela felicidade do Brasil.

Tenho recebido do povo brasileiro, em momentos graves e decisivos, inequívocas provas deuma perfeita comunhão de idéias e sentimentos. E por isso mesmo, mais do que antes, julgo-me nodever de transmitir-lhe a minha palavra de fé, tanto mais oportuna e necessária se considerarmos asresponsabilidades decorrentes do regime recém instituído, em que o patriotismo se mede pelossacrifícios e os direitos dos indivíduos têm de subordinar-se aos deveres para com a Nação.

Era imperioso, pelo bem do maior número, mudar de processos e assentar diretrizes de trabalhocondizentes com as nossas realidades e os reclamos do desenvolvimento do País.

A Constituição de 10 de novembro não é um documento de simples ordenação jurídica doEstado, feito de encomenda, segundo figurinos em moda. Adapta-se concretamente aos problemasatuais da vida brasileira, considerada nas suas fontes de formação, definindo, ao mesmo tempo, osrumos do seu progresso e engrandecimento.

Os atos praticados, nestes cinqüenta dias de governo, refletem e confirmam a vontade decisivade agir dentro dos princípios adotados.

Suspendemos o pagamento da dívida externa, por imposição de circunstâncias estranhas à nossavontade. Não significa isso renegar compromissos. Carecemos, apenas, de tempo para solucionardificuldades que não criamos e reajustar a nossa economia, transformando as riquezas potenciais emrecursos efetivos que nos permitam satisfazer, sem sacrifício, as exigências dos prestamistas. Foi-se aépoca em que a escrituração das nossas obrigações se fazia no estrangeiro, confiada a bancos eintermediárias; não mais nos impressiona a falsa atitude filantrópica dos agentes da finançainternacional, sempre prontos a oferecer soluções fáceis e vantajosas. A inversão de capitais imigrantesé, sem dúvida, fator ponderável do nosso progresso, mas não devemos esquecer que ela se opera diantedas reais possibilidades remunerativas aqui encontradas, contrastando com a baixa dos juros nos paísesde origem. Compreende-se, assim, o motivo por que, se não hostilizamos o capital estrangeiro,também, não podemos conceder-lhe outros privilégios além das garantias normais que oferecem ospaíses novos em plena fase de crescimento.

Modificamos a onerosa política seguida em relação ao café e, da mesma forma, o regimecambial que vigorava para as nossas trocas. O monopólio agora atribuído ao Banco do Brasil é simplesmedida de controle, que não chega a afetar os preços de base das nossas utilidades. Livre dos ônus etaxas que o sobrecarregavam, para fazer face às valorizações artificiais, o café poderá reconquistar asua antiga posição nos centros consumidores mundiais, concorrendo vantajosamente com os similares eassegurando aos produtores maiores possibilidades de lucro.

Page 79: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 79

Tudo isto constituía preliminar necessária ao reajustamento orçamentário, que acaba de serfeito, na lei de meios do exercício de 1938.

Ao lado dessas resoluções de caráter econômico e financeiro, figuram outras de não menorsignificação, na esfera político-administrativa. Quero aludir aos atos de extinção dos partidos políticos,de organização da Justiça nacional e regulamentação dos proventos no serviço público civil.

Pelo primeiro, teve-se em vista suprimir a interferência dos interesses facciosos e de grupos nasolução dos problemas de governo. O Estado, segundo a ordem nova, é a Nação, e deve prescindir, porisso, dos intermediários políticos, para manter contato com o povo e consultar as suas aspirações enecessidades. Pelo segundo, criou-se a Justiça nacional, fazendo desaparecer as contradições eanomalias da organização em que tínhamos tantas justiças quantas as unidades federativas existentes. Acodificação do Direito nacional, já iniciada, virá completar essa medida de notável alcance para ofortalecimento dos vínculos de coesão nacional. Assim como uma bandeira única protege,soberanamente, todos os brasileiros, também a lei deve assegurar, de modo uniforme, os direitos docidadão em todo o território nacional. Cabe referir, por último, a lei que proíbe as acumulações doscargos públicos. Por mais de um século, essa providência desafiou os legisladores de boa intenção. Asolução encontrada é, sem dúvida, rigorosa. Acarretará sacrifícios para alguns, mas representa um bempara a coletividade e demonstra, de forma insofismável, o propósito moralizador de extinguir todas assituações de privilégio. Permitindo distribuição mais eqüitativa quanto ao acesso às funções públicasimplicitamente, beneficia maior número e oferece oportunidade para assegurar remuneraçãoequivalente aos serviços prestados.

O ano que se inicia será de trabalho intenso e de realizações fecundas. A ação do Estado não selimitará às tarefas da rotina administrativa. Ajustada ao ritmo do progresso nacional, procurará dar-lhe,direta e indiretamente, estímulos novos e meios adequados de expansão.

A civilização brasileira, mercê dos fatores geográficos, estendeu-se no sentido da longitude,ocupando o vasto litoral, onde se localizaram os centros principais de atividade, riqueza e vida. Mais doque uma simples imagem, é uma realidade urgente e necessária galgar a montanha, transpor osplanaltos e expandir-nos no sentido das latitudes. Retomando a trilha dos pioneiros que plantaram nocoração do Continente, em vigorosa e épica arremetida, os marcos das fronteiras territoriais,precisamos de novo suprimir obstáculos, encurtar distâncias, abrir caminhos e estender as fronteiraseconômicas, consolidando, definitivamente, os alicerces da Nação.

O verdadeiro sentido de brasilidade é a marcha para o Oeste. No século XVIII, de lá jorrou acaudal de ouro que transbordou na Europa e fez da .América o Continente das cobiças e tentativasaventurosas. E lá teremos de ir buscar: - dos vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas efartas; das entranhas da terra, o metal com que forjar os instrumentos da nossa defesa e do nossoprogresso industrial.

Para tanto, empenharemos todas as energias disponíveis. Não será, certamente, obra de umaúnica geração, mas é a que tem de ser feita, e ao seu início queremos, por isso, consagrar o melhor dosnossos esforços.

Persistiremos na disposição de suprimir as barreiras que separam zonas e isolam regiões, desorte que o corpo econômico nacional possa evoluir homogeneamente, e a expansão do mercadointerno se faça sem entraves de nenhuma espécie. Reequipando portos, remodelando o materialferroviário e construindo novas linhas, abrindo rodovias e aparelhando a frota mercante, conseguiremosarticular, em função desse objetivo, os meios de transporte e os escoadouros da produção. Em conexãocom tais empreendimentos, visando, precisamente, facilitar e garantir a sua execução, instalaremos agrande siderurgia, se necessário, por iniciativa do próprio Estado, ativaremos as pesquisas de petróleo econtinuaremos a estimular a utilização, em maior escala, do carvão mineral e do álcool combustível.

No regime da Constituição revogada, não era possível tomar essas iniciativas nem assumir asresponsabilidades de tão pesados encargos. A União fora despojada de recursos e sobrecarregada deobrigações, e o Poder Central, forçado a atender injunções de natureza política, não dispunha de meios

Page 80: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 80

para agir com eficiência e presteza. Assegurada, entretanto, a percepção dos tributos, como vai serdaqui em diante, e feita a sua distribuição para finalidades verdadeiramente reprodutivas, restará,apenas, cuidar da organização do crédito e movimentação dos capitais. Instalar-se-á o Banco Central,como aparelho de controle financeiro, e, nele apoiados, poderemos, finalmente, estabelecer o créditoagrícola e industrial.

Mas, os problemas do Brasil não se reduzem à valorização da terra, â exploração intensiva dasfontes econômicas.

O homem brasileiro, dotado de inteligência viva e plástica, perfeitamente aclimado,transformar-se-á no agente dinâmico do nosso progresso, quando lhe sejam prodigalizados osbenefícios da civilização, sem os quais não poderá adquirir o domínio total do meio físico vasto e ricoque lhe cumpre explorar e defender.

Até bem pouco, o nosso aparelhamento de ensino se limitava às necessidades mínimas dopreparo individual. A instrução, privilégio de poucos, produzindo improvisadores brilhantes, algunsespecialistas de renome mundial e exemplares de alta cultura, deixava a maior parte da populaçãoiletrada e sem aptidões para assimilar os conhecimentos e meios modernos de trabalho. Haviaabundância de doutores e falta de técnicos qualificados; o homem competente no seu ofício era raro; oartesanato decaiu diante da máquina, sem que pudéssemos dispor de trabalhadores industriais.

O Governo Nacional resolveu empreender, a esse respeito, obra decisiva. Além de modernizaros estabelecimentos existentes, ampliando-lhes a capacidade e eficiência, iniciou a construção degrandes escolas profissionais, que deverão constituir uma vasta rede de ensino popular, com irradiaçãopor todo o País. Atenderá, ainda, às iniciativas dos governos locais, mediante auxílios materiais eorientação técnica.

A nova Constituição determina essa tarefa como primeiro dever do Estado, estabelecendo,também, a obrigatoriedade de colaboração por parte das entidades individuais e de fins econômicos.Não esqueçamos que esse dever se estende a todos os que conseguiram, pelo concurso do trabalho demuitas gerações, acumular grandes riquezas. Entre nós, são raros, infelizmente, os homens de fortunaque aplicam no incentivo da educação e da cultura do povo uma parcela, mínima que seja, dos seusfartos rendimentos.

O sentimento de solidariedade humana é uma das mais nobres e altas manifestações do espíritocristão. Quando o Estado toma a iniciativa das obras de assistência econômica e ampara o esforço dotrabalhador, é para atender a um imperativo da justiça social, dando exemplo a ser observado por todos,sem necessidade de coação. Já avançamos bastante em matéria de legislação trabalhista, e estamos,agora, desenvolvendo um plano completo de assistência sanitária, a que não faltam as providênciascomplementares, atinentes ao saneamento de zonas insalubres, às facilidades para a construção de laresconfortáveis e higiênicos e ao barateamento das utilidades e gêneros de consumo imediato.

A multiplicidade de setores em que age o Estado não exclui, antes afirma, um postuladofundamental: - o da segurança para o trabalho e as realizações de interesse geral. A ordem e atranqüilidade públicas serão mantidas sem vacilações. O Governo continua vigilante na repressão doextremismo e vai segregar, em presídios e colônias agrícolas, todos os elementos perturbadores,reconhecidos pelas suas atividades sediciosas ou condenados por crimes políticos. Não consentiremosque o esforço e a dedicação patriótica dos bons brasileiros venham a sofrer inquietações e sobressaltosoriginados pelas ambições personalistas ou desvarios ideológicos de falsos profetas e demagogosvulgares.

Todos os problemas em equação na vida brasileira tendem ao objetivo supremo de coordenar osvalores humanos e os valores econômicos, afim de tornar a Nação cada vez mais forte e mais próspera.Cabe-nos uma missão na América e no mundo. Donos de meio Continente, tendo de mobilizar riquezase criar uma civilização própria, já não podemos permanecer em atitude passiva, deixando indefeso opatrimônio histórico que nos foi legado. As Forças Armadas, para cujo aparelhamento e preparoestamos trabalhando com afinco, representam o núcleo aglutinador dos milhões de brasileiros dispostos

Page 81: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 81

a tudo sacrificar pela integridade pátria. O ambiente de perturbações que atravessa o mundo justifica eimpõe que nos preparemos para fazer face às eventualidades. Fomos e continuamos sendo uma Naçãopacífica, que, em obediência ao ascendente cristão das suas origens, prefere às soluções de força oentendimento amistoso e os proveitos da cooperação construtiva.

Brasileiros! Na hora das expansões e dos bons augúrios, trago-vos a minha saudação amiga.Como vós, creio nos altos destinos da Pátria e, como vós, trabalho para realizá-los. No Estado

Novo, não há lugar para os céticos e os hesitantes, descrentes de si e dos outros. São esses os que, porvezes, interrompem o repouso da vossa jornada honestamente ganha, com o alarme dos seus temores ea atoarda do negativismo malsina dor. De coração confiante e ânimo alevantado, consagrai-vos ao laborquotidiano e aos cuidados do lar, onde haveis guardado as esperanças de felicidade e encontrais oconchego confortador dos entes queridos.

A todos os que vivem sob a proteção luminosa do Cruzeiro do Sul, dou, neste alvorecer do anonovo, os melhores votos de ventura e prosperidade. E de todos vós - brasileiros! - peço e espero, nesteinstante, a solene promessa de bem servir a Pátria e de tudo fazer pelo seu engrandecimento.

Page 82: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 82

A Solidariedade dos A Solidariedade dos A Solidariedade dos A Solidariedade dos Rio-Grandenses e a Libertação do RioRio-Grandenses e a Libertação do RioRio-Grandenses e a Libertação do RioRio-Grandenses e a Libertação do RioGrande, Discurso Pronunciado no Palácio do Governo doGrande, Discurso Pronunciado no Palácio do Governo doGrande, Discurso Pronunciado no Palácio do Governo doGrande, Discurso Pronunciado no Palácio do Governo doRio Do Sul, em Porto Alegre, 07 de Janeiro de 1938Rio Do Sul, em Porto Alegre, 07 de Janeiro de 1938Rio Do Sul, em Porto Alegre, 07 de Janeiro de 1938Rio Do Sul, em Porto Alegre, 07 de Janeiro de 1938

Povo rio-grandense! Brasileiros de todos os recantos da Pátria! Eu não quero retardar por maistempo o prazer de dirigir-vos a palavra e trazer-vos os meus agradecimentos e as minhas saudações poresta demonstração quente de entusiasmo vibrante e calor patriótico com que me acolhe, em meu berço,a população da Capital do meu Estado. Há dois anos e tanto, eu vos visitei, pela penúltima vez, quandofestejávamos o centenário da Revolução Farroupilha, e, nessa ocasião, senti, pela primeira vez, emtorno de mim, a hostilidade oficial, mas nem por um instante duvidei que a população do Rio Grandenão estivesse a meu lado. E foi esta certeza, esta convicção, que me deu a força necessária paraempreender o trabalho da libertação do Rio Grande. Sabia que esse serviço era um dever patriótico, quese me impunha com o intuito exclusivo de propugnar pela prosperidade e pela grandeza do Estado.

Tempos passaram: a ação do povo rio-grandense colocando-se ao lado das Forças Armadas e acompetência e o valor do General Daltro Filho mostraram que aquele que pretendia falar em nome doRio Grande, ameaçar em nome do Rio Grande e violentar em nome do Rio Cirande, estava abandonadopelos seus conterrâneos. E não podia deixar de assim ser, porque não podia falar em nome do RioGrande um governo que não tinha em seu favor a base moral da sua autoridade. Hoje, volto ao vossoseio diante de um novo panorama político que se desenha. Estamos em marcha para a consolidação doEstado Novo, que é uma força que surge, porque lhe cabe, de hoje em diante, a capacidade de orientar,de coordenar e de realizar o progresso do País.

Quando os partidos políticos se dissolveram, não foi apenas por um decreto que determinavasua dissolução, porque, quando foi ele baixado, as agremiações partidárias já não existiam. Os partidoshaviam perdido sua razão de ser, ou porque não tinham programa ou porque os seus programas nãocorrespondiam às realidades palpitantes da vida nacional. Eram formas sem substância. Eram bronzespartidos que haviam perdido a sua sonoridade. Hoje, o Governo não tem mais intermediários entre ele eo povo. Não mais mandatários e partidos. Não há mais representantes de grupos e não há maisrepresentantes de interesses partidários. Há, sim, o povo no seu conjunto e o governante dirigindo-sediretamente a ele, afim de que, auscultando os interesses coletivos, possa ampará-los e realizá-los, demodo que o povo, sentindo-se amparado nas suas aspirações e nas suas convenências, não tenhanecessidade de recorrer a intermediários para chegar ao Chefe do Estado. Eu vos direi, agora, que, paraa consolidação desta obra, precisamos contar com a educação da juventude e com a mocidade quesurge das escolas primárias e elementares, dos ginásios e escolas superiores. E, para isso, todosprecisam ser educados dentro da doutrina do Estado Novo. Desapareceu e tem de desaparecer aexterioridade do livre didatismo. Agora, precisa ser estabelecida a doutrina do Estado, que é a que tempor objetivo o engrandecimento da Pátria. Nunca me desviei desse sentimento de pátria; e vós bemcompreendestes que jamais me teria passado pelo espírito que o fato de haver assumido o Governo doRio Grande, em circunstâncias excepcionais e passageiras, um General do Exército que não era filhodeste Estado pudesse melindrar os rio-grandenses, pois, se um filho do Rio Grande pode governar oBrasil, por que um filho do Brasil não pode governar o Rio Cirande?

Page 83: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 83

Mas, como dizia, todo o nosso esforço tem de ser dirigido no sentido de educar a mocidade, deprepará-la para o futuro: desde a que vive nas praias defrontando o mar, que é um educador deenergias, àquela que vive no interior, lavrando a terra criadora de riquezas, àquela que vive pastoreandoo gado e que é descendente dos antigos centauros do Rio Grande; à mocidade das fábricas, dasindústrias e do comércio; enfim, a rodos aqueles que na juventude vêem com os olhos abertos pelodeslumbramento da vida que recém desponta, a essa mocidade que sacode os braços para o alto comose pretendesse abraçar o Sol. É nela que deposito a minha confiança; é para ela que eu apelo, porque éuma força capaz de consolidar o Estado Novo. E vós, meus concidadãos, que fostes aqueles quejuntamente comigo fizeram a Revolução de 30, deveis acalentar no espírito desta mocidade a forçanova que se conjuga para, num trabalho conjunto, com fito exclusivo e, unidos como um só elemento,tudo fazermos para a grandeza e a prosperidade do Brasil.

Page 84: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 84

O Funcionário Público e o Serviço da Nação, DiscursoO Funcionário Público e o Serviço da Nação, DiscursoO Funcionário Público e o Serviço da Nação, DiscursoO Funcionário Público e o Serviço da Nação, DiscursoPronunciado no Palácio Tiradentes, ao Comemorar-se oPronunciado no Palácio Tiradentes, ao Comemorar-se oPronunciado no Palácio Tiradentes, ao Comemorar-se oPronunciado no Palácio Tiradentes, ao Comemorar-se o“Dia do Funcionário Público”, a 08 de Dezembro de 1938“Dia do Funcionário Público”, a 08 de Dezembro de 1938“Dia do Funcionário Público”, a 08 de Dezembro de 1938“Dia do Funcionário Público”, a 08 de Dezembro de 1938

Senhores: as palavras pronunciadas pelo Ministro do Trabalho resumem, com precisão eclareza, o persistente interesse do Governo no sentido de melhorar e dignificar a situação dosservidores do Estado, e a minha presença entre vós, neste momento, bem documenta a consideraçãoque sempre tributei à classe.

Vencendo resistências rotineiras e preconceitos enraizados, realizamos, como sabeis, aremodelação do nosso aparelho administrativo, em moldes modernos e racionais. Os resultadosbenéficos dessa remodelação começam a aparecer; só o tempo, entretanto, permitirá avaliá-los em todaa sua amplitude e alcance social.

A seleção de capacidades e a independência para pleitear o ingresso no serviço ficam garantidaspor um processo de provas, expurgado de influências pessoais e do clássico apadrinhamento dosparentes e protetores políticos; a justiça das promoções ficou, igualmente, assegurada pela organizaçãodas comissões de eficiência, composta de funcionários de idoneidade reconhecida, sob o controleimparcial do Departamento Administrativo.

Tudo isso revela o decidido e constante empenho de conferir-vos papel saliente nas tarefas daadministração nacional.

O Governo não vê mais no funcionalismo uma clientela eleitoral destinada à exploração do votopara satisfazer ambições políticas, mas uma classe consagrada ao serviço da Nação e beneficiada pelasgarantias legais.

A lei, porém, não institui apenas direitos; impõe, também, deveres que não se limitam aoautomatismo da função, à simples observância dos horários e normas burocráticas.

As obrigações dos agentes do poder público são bem mais amplas e importantes. Cumpre-lhestomar parte ativa na vida do Estado e cuidar do interesse público com zelo exemplar. A tarefa é fácilquando se tem preparo, espírito de colaboração e o desejo sincero de fazer mais e melhor. Trabalharcom dedicação e confiança no esforço comum eqüivale a contribuir para o bem geral; desempenhar asfunções com entusiástico devotamento, a consciência sempre desperta e a preocupação de superar-se noesforço quotidiano é cooperar proveitosamente para a obra de engrandecimento do País.

Não tenho sobre os funcionários públicos juízos preconcebidos. Conheço de perro a capacidadeexemplar de muitos e, de um modo geral, penso que a maioria possui apreciáveis qualidades deinteligência e caráter. Mas, a mentalidade dos servidores do Estado, no regime novo, precisa integrar-senos seus princípios de renovação, de fé patriótica e trabalho construtivo, para não ser uma forçanegativa na marcha do nosso progresso e transformar-se em arma de derrotismo e desordem, custeadapelos próprios cofres públicos.

No momento de consolidarmos, num Estatuto básico, os vossos direitos e obrigações, quero queas minhas palavras, exprimindo o apreço que sempre vos demonstrei, sejam, ao mesmo tempo, umaconvocação para elevardes cada vez mais, em dignidade e eficiência, a função pública.

Page 85: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 85

Esforçai-vos para atingir esse alto objetivo, alcançai-o o mais depressa possível, e o Brasil sóterá de orgulhar-se da capacidade e competência dos seus servidores.

Page 86: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 86

O Plano Rodoviário do Governo, Discurso Pronunciado EmO Plano Rodoviário do Governo, Discurso Pronunciado EmO Plano Rodoviário do Governo, Discurso Pronunciado EmO Plano Rodoviário do Governo, Discurso Pronunciado EmAreias ao Ser Entregue ao Tráfego a Estrada De RodagemAreias ao Ser Entregue ao Tráfego a Estrada De RodagemAreias ao Ser Entregue ao Tráfego a Estrada De RodagemAreias ao Ser Entregue ao Tráfego a Estrada De RodagemRio-Bahia, a 11 de Abril de 1939Rio-Bahia, a 11 de Abril de 1939Rio-Bahia, a 11 de Abril de 1939Rio-Bahia, a 11 de Abril de 1939

Senhores: A estrada hoje aberta ao tráfego comercial e turístico faz parte do plano rodoviárioque o Governo Federal assentou e executa. Interessando à economia de três Estados, de muito erareclamada por núcleos de bons brasileiros, como instrumento indispensável ao seu trabalho, emcondições de favorecer o escoamento de produtos de sua indústria e de proporcionar maioresfacilidades aos viajantes que, necessitados de repouso e de saúde, abandonam temporariamente ascidades, à procura destes climas amenos e das virtudes das águas que nascem do seio destas terrasabençoadas.

Era justo atender a tais desejos e aumentar a prosperidade destas regiões, outrora intensamentepercorridas pelos comboios de mercadorias, através da antiga estrada do Imperador, que ligava ossertões de Minas e de Goiás ao mar. A ferrovia destruiu o velho caminho, desvalorizando as zonas porele cortadas. Agora, parcialmente, o reconstruímos e em condições mais favoráveis, aperfeiçoado pelatécnica moderna, executado segundo estudos mais completos. E o trabalho de aproximar o Brasil dosbrasileiros prosseguirá com as estradas que se rasgam para percorrê-lo em todos os sentidos. Hoje, esta,amanha, outras de igual porte serão entregues à utilidade pública, até conclusão das grandes viasprojetadas, as linhas-tronco Rio-Porto Alegre e Rio-São Salvador. Assim, o Estado Novo, o EstadoBrasileiro, consolidado no regime instituído pela Constituição de 10 de novembro de 1937, irárealizando as aspirações nacionais no tocante ao aparelhamento das vias de comunicação, de tamanhaimportância para o progresso do País.

Mas, não é só nesse setor que a administração pública executa a vontade do povo e respondeaos desejos do Brasil. Devemos esperar que o ano de 1939 - o primeiro do qüinqüênio fixado para aexecução do programa orgânico de reerguimento da Pátria - seja um ano feliz. Os fatos estão ajustificar o augúrio.

Começamos com a descoberta do petróleo, acontecimento de excepcional relevância, capaz, porsi só, de alterar o êxito econômico dum país. Verificada a existência de fator tão decisivo noengrandecimento das nações, aparelhamo-nos para explorá-lo economicamente, para criar ali onde oforam encontrar os órgãos técnicos da administração pública, próximo ao mar, em terras da gloriosaBahia, berço da nacionalidade, um grande centro industrial, onde se abasteça o Brasil do combustívelliquido de que precisa, libertando-se da contingência de importá-lo, o que nos custa soma superior atrezentos mil contos anuais.

Entregue, ainda, ao estudo dos conselhos técnicos, às pesquisas dos laboratórios, àsinvestigações dos economistas, a indústria pesada do ferro, a grande siderurgia, em pouco, serárealidade, e espero vê-la iniciada no correr deste auspicioso 1939, que assistirá, também a criação dafábrica de aviões de Lagoa Santa.

Vitais problemas passam, assim, do terreno das conjeturas e dos planos ao terreno prático, etemos a certeza de conseguir, com ferro e combustível nossos, fabricar arados para lavrar a terra, fundir

Page 87: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 87

canhões que nos defendam, temperar aço que proteja os nossos navios e armar aviões para cobrir oscéus do Brasil, voando com as nossas próprias asas.

Tão ingentes esforços para prover as necessidades da nossa organização econômica não nos têmimpedido de estreitar cada vez mais os vínculos de amizade e cooperação com os nossos tradicionaisamigos do exterior. Os recentes acordos celebrados com os Estados Unidos, se fielmente cumpridos,virão facilitar-nos as atividades comerciais e financeiras e, conseqüentemente, concorrer para acelerar osurto progressista do nosso País.

Nada disso seria possível se não tivéssemos encontrado forma de governo ajustada à nossaíndole, que nos assegura liberdade de trabalho e de iniciativa, em ambiente tranqüilo e de respeito.

Não se dirigem povos contrariando-lhes as tradições, tentando prendê-los a regimes políticosque lhes neguem a história. Foi vão todo o esforço para impor ao Brasil camisas importadas, talhadaspara outras gentes; ideologias c sistemas formulados pela experiência de outras raças. O nossoprofundo sentido nacional soube distinguir e soube agir para repudiar tudo o que não fosse nosso, tudoo que não brotasse das fontes vivas da nacionalidade. Permanecemos brasileiros diante da agitação quelavra por fora e cinde a opinião internacional. Toda tentativa de influir na nossa organização fracassou.E, quando virmos pressurosos agitadores apresentarem-se como arautos da democracia e da liberdade,precisamos observar se, sob disfarces de raposa, não são eles ursos moscovitas, procurando destruir oque temos de mais sagrado, as bases das nossas instituições: a Pátria, a Religião, a Família.

Essa atitude, tão decidida e viril, não implica desejo de isolamento, egoísmo inamistoso, falta desolidariedade humana. Somos, e o mundo inteiro o sabe, um povo tradicionalmente acolhedor. Nãorecusamos porta aos que a ela batem com intenções honestas, animados do desejo de colaboração.Podem entrar os que queiram engrandecer-se conosco, acatando nossas leis, dispostos a aqui aplicarcabedal de experiência e de boa vontade. Temos espaço para esses amigos vindos de outras terras, nasquais a luta pela vida se tornou difícil. Entre nós, ela ainda é fácil: o solo é fértil, os horizontes largos eos corações magnânimos.

O que queremos é que nos ajudem e nos respeitem, pois somos donos destas extensões ricas quenos legaram os nossos maiores: o que queremos é ocupar o lugar que nos cabe entre as grandes naçõesdo Mundo, estimados e admirados pela vontade de concorrer com o nosso trabalho e os nossos recursosnaturais para o bem da coletividade humana.

E daqui, deste interior fecundo, do seio desta gente, que é exemplo de sadio patriotismo, ergo aminha voz, para dizer estas verdades simples, inspiradas em puro amor ao Brasil.

Page 88: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 88

O Dia do Trabalho, Discurso, em Resposta à Saudação doO Dia do Trabalho, Discurso, em Resposta à Saudação doO Dia do Trabalho, Discurso, em Resposta à Saudação doO Dia do Trabalho, Discurso, em Resposta à Saudação doMinistro do Trabalho, Intérprete das Classes Trabalhadoras,Ministro do Trabalho, Intérprete das Classes Trabalhadoras,Ministro do Trabalho, Intérprete das Classes Trabalhadoras,Ministro do Trabalho, Intérprete das Classes Trabalhadoras,no Dia 01 de Maio de 1939no Dia 01 de Maio de 1939no Dia 01 de Maio de 1939no Dia 01 de Maio de 1939

Trabalhadores do Brasil: ouvi com particular agrado a eloqüente e expressiva saudação que oMinistro do Trabalho, em vosso nome e a vosso pedido, acaba de me dirigir. Melhor do que empalavras de agradecimento, testemunho-vos o meu apreço, compartilhando das vossas comemoraçõesdo "Dia do Trabalho", assim reafirmando o sentido de cooperação e confiança mútua que temosmantido, inalteravelmente, na solução dos problemas sociais.

Desde 1930, conservamos a mesma linha de ação, e, sempre que surgiram obstáculos edificuldades, os trabalhadores manifestaram ao Governo Nacional, de modo inequívoco, a suaconfortadora e espontânea solidariedade, numa eficiente atitude de repulsa aos surtos de anarquia e aosgolpes extremistas.

Essa já longa experiência diz bem do acerto dos rumos imprimidos à nossa política trabalhista eimpõe, por conseguinte, a sua manutenção, para continuarmos assegurando ao Brasil ordem e paz, emhora de tamanhas apreensões para a Humanidade.

Elaboramos e executamos, com a cooperação ativa das classes produtoras, a nossa adiantadalegislação social, que, a um tempo, garante os direitos dos trabalhadores e o desenvolvimentoeconômico do País.

Para atingirmos tais resultados, não dividimos os brasileiros, não criamos castas, não cultivamosódios, não abrimos lutas, não tentamos nivelamentos destruidores do valor individual, oriundos dedesvairadas utopias. Fizemos, apenas, o que o bom senso indica: aproximar os homens, e de todosexigir compreensão, colaboração, entendimento, respeito aos deveres sociais.

O que conseguimos realizar já nos satisfaz, surpreende, mesmo, os observadores vindos depaíses mais antigos que o nosso, onde idênticos problemas ainda aguardam solução pacífica eharmônica.

A orientação seguida, isenta de preocupações sectárias, serena e persistente, permitiu-nosauscultar os próprios sentimentos e necessidades, para instituir a ordem brasileira, corporificada naConstituição de 10 de Novembro, cujos objetivos primaciais são: a defesa da nacionalidade, o estímuloe o amparo a todas as energias criadoras da nossa economia, a satisfação e assistência às legítimasaspirações do povo.

Não houve, até aqui, esmorecimentos na execução das tarefas a que nos votamos.Significativamente, reservou-se para o dia de hoje a assinatura das leis, criando a Justiça do Trabalho,os refeitórios populares e as escolas de ofícios nos estabelecimentos industriais.

Podeis compreender facilmente o alcance destas iniciativas.A Justiça Especial encarregada de resolver, por processo rápido e eficiente, os dissídios comuns

nas relações de trabalho, constitui a uma das vossas antigas aspirações. Temo-la agora, completando alegislação trabalhista, como fruto da experiência de alguns anos. A outra providência visa oferecer, nasfábricas, alimentação sadia e barata aos operários, e, nas escolas anexas às empresas, facilitar-lhes oaperfeiçoamento técnico e a educação profissional dos filhos, sob as vistas dos próprios pais. Originou-

Page 89: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 89

se do meu contato pessoal com os trabalhadores, ao verificar, nas visitas feitas a diversosestabelecimentos industriais, as suas necessidades, mais imediatas. Anunciei-a na minha últimaentrevista à Imprensa e, mandando estudar o meio prático da sua execução, dou-lhe, hoje, forma legal.

Não nos deteremos, porém, no terreno conquistado. Novas medidas complementares eaperfeiçoadoras virão completar o nosso aparelho de equilíbrio social, ativando-se, atualmente, asprovidências para determinar, em todo o País, o nível do salário mínimo e tornar efetivos os seusbenefícios.

Trabalhadores: Como vedes, no regime vigente, participais diretamente das atividadesorganizadoras do Estado, em contraste flagrante com a situação anterior a 1930, quando os vossosinteresses e reclamos não eram, sequer, ouvidos e morriam abafados nos recintos estreitos dasdelegacias de polícia. Hoje, tendes, no maior e mais belo edifício público do País, a vossa própria casa,e nela penetrais sem constrangimento.

Comparai, olhai esse passado bem próximo, e regozijai-vos de desempenhar, conscientes dasvossas responsabilidades, o relevante papel da força construtora da nacionalidade, dentro do espírito deordem, que é a garantia do vosso futuro e do engrandecimento do Brasil.

Page 90: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 90

O Sentimento de Nacionalidade, em Blumenau, DiscursoO Sentimento de Nacionalidade, em Blumenau, DiscursoO Sentimento de Nacionalidade, em Blumenau, DiscursoO Sentimento de Nacionalidade, em Blumenau, DiscursoPronunciado Nessa Cidade em 10 de Março de 1940Pronunciado Nessa Cidade em 10 de Março de 1940Pronunciado Nessa Cidade em 10 de Março de 1940Pronunciado Nessa Cidade em 10 de Março de 1940

Não posso deixar de manifestar a minha surpresa e a minha admiração ao penetrar numMunicípio como Blumenau, situado no âmago de região colonial e um daqueles a respeito dos quais sedizia que a língua nacional era desconhecida e os sentimentos de brasilidade jaziam amortecidos.

Tive, aqui, exatamente, a sensação do contrário. Notei, por toda parte, o entusiasmo espontâneo,o sentimento de fraternidade brasileira e de amor à nossa terra, o desejo intenso, em todos, de viver anossa vida, como bons brasileiros. Tal transformação, que a ninguém seria lícito obscurecer,testemunhei por toda parte, demonstrada, quer nos homens adultos e válidos, quer nos moços e nascrianças, sobretudo, nas crianças que me rodeavam em bandos álacres e que tinham, na profundeza dosolhos azuis e nos acenos cheios de carinho, a efusão inequívoca do sentimento que lhes ia n'alma,enquanto suas cabecinhas douradas ao sol pareciam um trigal maduro. Tive a impressão, ao vê-las, deachar-me em face de uma geração nova do Brasil, que se erguia.

Este Município, um dos menores do Estado, com mil e tantos quilômetros quadrados desuperfície, tem mais de 50.000 habitantes, mais de 300 fábricas e uma população operária superior a12.000 pessoas. Esta capacidade de produção e este desenvolvimento progressista demonstram,evidentemente, que as correntes imigratórias selecionadas fortalecem a organização nacional,contribuindo, com a sua colaboração sadia, para o engrandecimento do País. (Palmas)

Há noventa anos passados, chegava no vale do Itajaí a primeira colônia de povoadores alemães.No vale deserto, no meio de imensas florestas, foram deixados ao abandono. Abateram a mata,lavraram a terra, lançaram a semente, construíram suas casas, formaram as lavouras, ergueram oedifício de sua prosperidade.

Dir-se-á que custaram muito a assimilar-se à sociedade nacional, a falar a nossa língua. Mas aculpa não foi deles; a culpa foi dos governos que os deixaram isolados na mata, em grandes núcleos,sem comunicações. Aquilo que os colonos de então pediam era binômio de cuja resultante deveria saira sua prosperidade. Só pediam duas coisas: escolas e estradas, estradas e escolas. (Muito bem! Palmas.)

Estradas para que o produto do seu trabalho pudesse ser transportado para os mercados deconsumo; para terem a certeza e a confiança de que aquilo que produziam não ficaria em abandono.Pediam estradas, a fim de que, através delas, se carreasse a sua riqueza, produto de seu labor. Pediamescolas, a fim de que seus filhos, nascidos no Brasil, que aqui, pela primeira vez, abriram,maravilhados, os olhos à luz, que é o primeiro amor da vida, procurassem, ao mesmo tempo,harmonizar o seu deslumbramento com a natureza que os rodeava, mediante a articulação, que deviaidentificá-los com o meio em que surgiam. No entanto, a população que prosperava isolada, devido,apenas, ao seu próprio esforço, só tinha uma impressão da existência do governo: era quando este seaproximava dela, como algoz para cobrar-lhe impostos, ou, como mendigo, para solicitar-lhe o voto.(Muito bem! Aplausos prolongados.)

O Governo que se aproximava, somente quando precisava dos votos perdia a respeitabilidade,porque vivia de transigências. E, a troco desses, votos não vacilava em desprezar os próprios interessesda nacionalidade. (Palmas.)

Page 91: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 91

Hoje, as coisas mudaram. Os próprios partidos políticos, então simples agremiações regionais,sem finalidade nacional, foram dissolvidos. O Governo já não se aproxima dos colonos para pedir-lhesvotos; o Governo tem por eles sentimentos paternais, e deles só se aproxima para ampará-los, para dar-lhes justiça, para garantir-lhes a trabalho e a tranqüilidade, para desenvolver-lhes a economia, paraaumentar-lhes a riqueza. (Palmas.)

Se o Governo dissolveu os partidos políticos, porque eram forças que encerravam sua atividadenos limites dos Estados, não poderia permitir, também, que elementos estranhos, vindos de fora,procurassem perturbar a tranqüilidade das populações coloniais, tentando arrastá-las e organizá-las parao exercício de atividades contrárias aos interesses da Pátria. Assim como as conveniências da políticaregionalista não podiam prevalecer, por isso que eram impostas contra a vontade do povo, do mesmomodo, os agentes forasteiros não deveriam constranger a população colonial, que, por seus interesses,por suas inclinações e pelas tradições de sua vida, é genuinamente brasileira. (Palmas.)

Hoje, compreendeis perfeitamente o alcance destas medidas. Os países da Europa estão emguerra, e as mais cultas civilizações procuram, mutuamente, se entre-destruir. Nós lamentamos essesacontecimentos, mas, de qualquer forma, não tomamos parte nas lutas ora travadas.

O Brasil não é inglês nem alemão. É um País soberano, que faz respeitar as suas leis e defendeos seus interesses. O Brasil é brasileiro. (Aplausos gerais.)

Agora, esta população, de origem colonial, que há tantos anos exerce a sua atividade no seio danossa terra, constituída de filhos e netos dos primitivos povoadores, é brasileira. Aqui, todos sãobrasileiros, porque nasceram no Brasil, porque no Brasil receberam educação.

O Exército nacional também não pode ser indiferente à educação do elemento de procedênciaestranha. Nos países novos, às forças militares cabe alta função educadora e nacionalizadora. Pelosquartéis, passam, todos os anos, milhares de jovens que aprendem a servir ao Brasil. Por isso, as forçasmilitares estão, com justo título, colaborando eficientemente na grande obra da educação nacional.Porém, ser brasileiro, não é somente respeitar as leis do Brasil e acatar as suas autoridades. Serbrasileiro é amar o Brasil. É possuir o sentimento que permite dizer: "O Brasil nos deu o pão; nós lhedaremos o nosso sangue". (Aplausos.) E cultivar o sentimento de brasilidade, pela dedicação, peloafeto, pelo desejo de concorrer para a realização da grande obra, na qual todos somos chamados acolaborar, porque só assim poderemos, contribuir, na marcha ascensional da prosperidade e dagrandeza da Pátria. (Muito bem! Aplausos.)

Page 92: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 92

A Posição do Brasil na América, Discurso Pronunciado NaA Posição do Brasil na América, Discurso Pronunciado NaA Posição do Brasil na América, Discurso Pronunciado NaA Posição do Brasil na América, Discurso Pronunciado NaIlha do Viana, ao Realizar-se Homenagem da FederaçãoIlha do Viana, ao Realizar-se Homenagem da FederaçãoIlha do Viana, ao Realizar-se Homenagem da FederaçãoIlha do Viana, ao Realizar-se Homenagem da Federaçãodos Marítimos, em 29 de Junho de 1940dos Marítimos, em 29 de Junho de 1940dos Marítimos, em 29 de Junho de 1940dos Marítimos, em 29 de Junho de 1940

Senhores, esta homenagem da Federação dos Marítimos, legítima expressão da vontade de seus100.000 associados, que mourejam no mar, nos estaleiros e serviços portuários, compartilhada poroutros grupos profissionais, muito me reconforta, porque renova a solidariedade que sempre encontreientre os trabalhadores brasileiros, dispostos, agora mais do que nunca, a apoiar o Governo, nummomento de inquietação e apreensões, em que é necessário o máximo de vigilância e a coragem serenade definir os rumos da nacionalidade.

Foi, para mim, grande satisfação verificar que compreendestes as palavras de sinceridade eprevisão patriótica que dirigi à Nação no "Dia da Marinha", emprestando-lhes o sentido que lhes dei -de um toque de alerta em face das duras lições dos dias presentes, que impõem aos povos amobilização de todas as suas energias, para não se deixarem surpreender ou arrastar pelosacontecimentos.

Chamei a atenção dos brasileiros para as transformações que se operam no Mundo e ante asquais não podemos permanecer indiferentes, mais preocupados em lamentar as irremediáveis desgraçasalheias do que em cuidar dos nossos superiores interesses; reafirmei os nossos propósitos decolaboração pacífica e solidariedade com os povos irmãos do Continente, cujos destinos se identificamcom o nosso pelos vínculos de formação histórica e idênticas aspirações de progresso; mostrei anecessidade de fortalecermos o País econômica e militarmente; quis, finalmente, fazer ver, com oexemplo dos fatos, que o regime de 10 de novembro, sendo uma conseqüência do ajustamento eequilíbrio das nossas forças sociais, é, também, o que mais se adapta às circunstâncias da vidacontemporânea.

Foi bem claro, no pensamento e na forma, o meu discurso daquele dia memorável. E não é como comentário falseado e a publicação tendenciosa de frases isoladas que se pode interpretá-lo. Nãovolto atrás, não me retrato de nenhum dos conceitos emitidos. Antes, só tenho motivos para reafirmá-los integralmente. As velhas raposas da politicagem, os boateiros contumazes, os descontentesincorrigíveis, falhos de dignidade cívica, e, mesmo, alguns espíritos de boa fé que pretenderam agitar oambiente, não perceberam, talvez, que se prestavam à exploração dos agentes de perturbaçãointernacional, pagos para fomentar dissídios a serviço de ódios e objetivos inconfessáveis. É fácildescobrir e identificar esses elementos nocivos entre os aproveitadores de todos os tempos, ospreparadores de guerras, os sem pátria, prontos a tudo negociar, e os que, tendo-a, não sabem defendê-la. Muitos deles, indesejáveis noutras partes, infiltraram-se clandestinamente no País, com prejuízo dasatividades honestas dos nacionais, e, abusando da nossa hospitalidade, fazem-se instrumento dasmaquinações e intrigas do financismo cosmopolita, voraz e sem escrúpulos. A esses não me dirigi,certamente. Falei aos brasileiros e aos que se sentem no Brasil como na própria pátria; e tenho a certezade que os acontecimentos se incumbiram de tornar ainda mais evidentes as minhas afirmações.

Responsável direto pelo futuro do nosso povo, não tenho o direito de deixá-lo iludir-se ouinduzi-lo a erros de puro sentimentalismo. Disse um grande pensador que não é possível servir, ao

Page 93: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 93

mesmo tempo, ao dever e à paixão. Quem se deixa dominar pela paixão perde o senso da realidade,obscurece os fatos mais notórios e acaba arrastado aos maiores desvarios. É preciso encarar asimposições da realidade com ânimo sereno e repudiar as opiniões apaixonadas, se quisermossalvaguardar o futuro da Pátria, pois não a servem, não servem ao seu dever, os que pretendam lançá-laà fogueira dos conflitos internacionais. Não há, presentemente, motivos de espécie alguma, de ordemmoral ou material, que nos aconselhem a tomar partido por qualquer dos povos em luta. O que noscumpre é manter estrita neutralidade, - neutralidade ativa e vigilante, na defesa do Brasil. Ninguémpode dominar a consciência alheia, e, em consciência, cada qual pode ter as suas simpatias; mas aobrigação de todo brasileiro patriota é conduzir-se de modo a preservar o Brasil da guerra. Éindispensável ver claro e evitar a triste sorte dos povos que fazem como os avestruzes, que escondem acabeça sob as asas, supondo que, com essa atitude passiva, dominam as tempestades.

Somente pela paz e pela união de todos conseguiremos construir o nosso engrandecimento eformar uma grande e poderosa nação, sem temer e sem dar ás outras nações motivos de receio. Podemos brasileiros continuar entregues às suas atividades, certos de que o Governo manterá a ordem eassegurará a tranqüilidade necessária ao trabalho e ao desenvolvimento das nossas fontes de produçãoe meios de comércio.

Vivemos num continente de civilização jovem, em que a luta mais árdua é ainda a doaproveitamento dos abundantes recursos que a Natureza nos oferece. Habituados a cultivar a paz comodiretriz de convivência internacional, continuaremos fiéis ao ideal de fortalecer, cada vez mais, a uniãodos povos americanos. Com eles estamos solidários para a defesa comum em face de ameaças ouintromissões estranhas, cumprindo, por isso mesmo, abster-nos de intervir em lutas travadas fora doContinente. E essa união, essa solidariedade, para ser firme e duradoura, deve basear-se no mútuorespeito das soberanias nacionais e na liberdade de nos organizarmos, politicamente, segundo aspróprias tendências, interesses e necessidades. Assim entendemos a doutrina de Monroe e assim apraticamos. O nosso pan-americanismo nunca teve em vista a defesa de regimes políticos, pois issoseria atentar contra o direito que tem cada povo de dirigir a sua vida interna e governar-se. Fomos umImpério e somos, hoje, uma República, sem que a mudança de regime nos afastasse dessa política decooperação, que é uma tradição da nossa história.

Trabalhadores: sois elementos de colaboração eficiente na obra de reconstrução a que nosdevotamos. Na paz, juntais o vosso esforço ao de todos os brasileiros, para desenvolver e consolidar oprogresso nacional: na guerra, como reserva das forças militares, tereis o vosso lugar em suas fileiras,quando as circunstâncias exigirem a repulsa, pela força, contra qualquer atentado ao nosso patrimôniomoral e material.

Os homens de trabalho têm no regime vigente uma posição definida e sabem corresponder àsresponsabilidades dessa posição, mantendo-se coesos e repudiando tudo quanto possa comprometer osnossos brios cívicos e ameaçar a segurança da unidade nacional. Tenhamos, portanto, confiança nofuturo, e preparemo-nos, com ânimo varonil, para cumprir o nosso destino de construtores de uma novacivilização, sempre mais irmanados no pensamento e na ação, dispostos a correr os mesmos riscos esofrer as mesmas vicissitudes, porque é um dever e uma honra o sacrifício pela Pátria.

Page 94: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 94

A Eficiência do Funcionário e o Aperfeiçoamento do ServiçoA Eficiência do Funcionário e o Aperfeiçoamento do ServiçoA Eficiência do Funcionário e o Aperfeiçoamento do ServiçoA Eficiência do Funcionário e o Aperfeiçoamento do ServiçoPúblico, Discurso no Automóvel Clube do Rio de Janeiro aPúblico, Discurso no Automóvel Clube do Rio de Janeiro aPúblico, Discurso no Automóvel Clube do Rio de Janeiro aPúblico, Discurso no Automóvel Clube do Rio de Janeiro a28 de Outubro de 194128 de Outubro de 194128 de Outubro de 194128 de Outubro de 1941

Senhores:É justa a vossa satisfação comemorando o aniversário do Estatuto dos Funcionários Civis da União.

Associo-me a ela com a convicção íntima de haver, como Chefe do Governo, contribuído decisivamente para oestabelecimento do nosso código profissional, do conjunto de normas reguladoras das vossas relações com oEstado e com o público, e das vantagens e direitos que decorrem do vosso trabalho.

Desde o início do meu Governo, verifiquei a conveniência de estimular o vosso zelo funcional,selecionando valores e fixando padrões de eficiência, por forma que as dedicações recebessem o merecido prêmio,os erros fossem corrigidos e se elevasse a compreensão dos vossos encargos, como mandatários do poder público.

Está no entendimento comum que a crescente complexidade das tarefas do Estado, chamado a intervirem setores cada vez mais amplos da vida social, não se ajustava às praxes antigas de provimento dos cargospúblicos por mera indicação de simpatia ou influências de prestígio eleitoral. Era inadiável adotar outros métodosde seleção e de aproveitamento, bem como oferecer outros incentivos e exigir preparação mais cuidadosa. Oreconhecimento dessas necessidades impunha a reforma do sistema de recrutamento, substituindo-se o processopolítico pelo de apuração das capacidades, uma disciplina mais firme, remuneração adequada, melhores relaçõescom o público e critério uniforme no controle das responsabilidades. Tudo isto vem sendo realizado, enquantocombatemos, pelos meios próprios, os velhos hábitos de rotina e marasmo. Dentro de alguns anos, se persistirmosnos rumos traçados, o funcionalismo brasileiro terá eliminado alguns dos defeitos considerados clássicos noscorpos burocráticos de quase todos os Estados: a falta de iniciativa, a ausência de responsabilidade, o desamor pelaprofissão, o formalismo desnecessário.

A obra realizada não pode ser perfeita: certamente, há de ter senões, que o tempo e a experiênciacorrigirão; mas é, sem dúvida, obra meritória, feita de boa fé, demonstrando empenho patriótico no serviço daNação. Criticá-la apenas não é o que merece; concorrer para aperfeiçoá-la deve ser o propósito construtivo dofuncionalismo e do público. Da cooperação sem reservas é que depende o êxito de qualquer empreendimentocoletivo. Concito-vos, por conseguinte, a cerrar fileiras em torno dos problemas de melhoria dos serviços, para queeles possam constituir, brevemente, um modelo, do qual se orgulhem todos os brasileiros. A elevação do nível deconhecimentos, a colaboração preciosa que podeis oferecer à máquina do Estado, a economia e rendimento dovosso trabalho, são objetivos práticos fáceis de atingir. O exercício da função pública não é um simples meio deganhar a subsistência, mas uma forma de contribuição direta e pessoal para o progresso da Nação.

As reformas que se vêm executando visam proporcionar benefícios ao Estado e aos seus servidores. Essecritério tem sido sempre seguido, e, agora mesmo, foram assinados três atos importantes, que beneficiam,exclusivamente, a classe: o decreto que concede aposentadoria aos extranumerários, o que regula os proventos daaposentadoria dos funcionários associados de institutos e caixas de seguro social e o Estatuto dos FuncionáriosPúblicos Civis do Distrito Federal.

Já progredimos bastante em pequeno lapso de tempo. Há, ainda, muito que fazer, principalmente no quediz respeito à criação de uma mentalidade nova, de um espírito de corporação cioso dos seus créditos, disposto adar alto exemplo de civismo, de devotamento à causa pública, de desvelo pelas funções. Guardo a certeza de que a

Page 95: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 95

vossa colaboração não faltará ao Governo para o aperfeiçoamento dos serviços, para o seu melhor rendimento eeconomia. Deveis ter firme a convicção de que o vosso trabalho influi no equilíbrio e prosperidade do País, e,quanto maiores sejam os seus resultados, maiores serão as possibilidades da vossa carreira.

Vão longe os tempos em que se tratava com desdém a burocracia. Agora, melhor preparados, livres dasnefastas injunções dos empenhos pessoais e políticos, estais capacitados para apurar as vantagens das reformasfeitas que não provieram da simples necessidade humana de mudar, mas dos novos rumos imprimidos à soluçãodos problemas nacionais. A confiança que inspirardes ao público, a presteza e a competência que revelardes nocumprimento das vossas atribuições serão outros tantos motivos para que sejam considerados como justaremuneração os benefícios que o Governo possa proporcionar-vos.

O Departamento Administrativo do Serviço Público, onde se acham homens dedicados, cheios de fé noseu esforço, confiantes no valor da obra que realizam, continuará sendo o órgão orientador e o laboratório dasnossas experiências sobre os serviços do Estado, no sentido de elevar-lhes o rendimento, de torná-los realmenteeficientes, de aumentar as rendas e comprimir as despesas, pela adoção de métodos de trabalho racionais, práticos,de aplicação própria ou já comprovada nos processos da economia industrial. Os resultados dessa orientação edessas remodelações começam a aparecer e crescerão, no futuro, à medida que a vossa cooperação se faça maisestreita, mais franca e decisiva.

Senhores:A Melhor Demonstração Do Apreço Em Que Tenho A Classe É A Minha Presença Entre Vós,

Nesta Reunião Comemorativa Do "Dia Do Funcionário Público".Agradeço As Vossas Demonstrações E Formulo Votos Pelo Crescente Aperfeiçoamento Dos

Nossos Serviços Públicos, Certo De Que Isso Constituirá Para Vós, Não Somente Uma Fonte DeBenefícios Individuais, Mas, Também, Uma Nobre E Legítima Satisfação Patriótica.

Page 96: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 96

O Brasil Agredido Reage Dignamente, Discurso PronunciadoO Brasil Agredido Reage Dignamente, Discurso PronunciadoO Brasil Agredido Reage Dignamente, Discurso PronunciadoO Brasil Agredido Reage Dignamente, Discurso Pronunciadono Estádio do Vasco da Gama em 07 de Setembro de 1942no Estádio do Vasco da Gama em 07 de Setembro de 1942no Estádio do Vasco da Gama em 07 de Setembro de 1942no Estádio do Vasco da Gama em 07 de Setembro de 1942

Brasileiros:A comemoração do Dia da Independência se teve, nos últimos anos, cunho de puro culto cívico, reveste-

se, hoje, de significação maior, constitui mesmo acontecimento extraordinário na vida nacional.Por um quarto de século, as festividades públicas serviram de ensejo para demonstrarmos os esforços do

Brasil no sentido de progresso pacífico e acolhermos as representações de outros povos que vinham congratular-seconosco e compartilhar da nossa justa alegria.

A Semana da Pátria, neste ano de 1942, assume o caráter de um movimento de mobilização geral dasforças morais e materiais da Nação. Serve para conclamar os brasileiros ao cumprimento de obrigações penosas,impostas por circunstâncias incontroláveis, para as quais não concorremos, mas a que temos de fazer frente comtodas as energias de que possamos dispor.

Cultivando as boas relações com os demais povos, praticando uma política sadia de aproximação econcórdia, fomos, entretanto, surpreendidos com uma agressão brutal e inesperada, por parte de Estados quehaviam, desde tempos, perdido o respeito de si próprios e não podiam, consequentemente, manter o respeito devidoaos outros.

Como todos vós sabeis, em agosto último, navios da marinha mercante brasileira foram torpedeados àvista das nossas costas, por uma ação deliberada e perversa de corsários sob a bandeira das nações de presa quelançaram o mundo no mais sangrento conflito deste século.

O fato não constituía novidade, é certo, desde que países pacíficos e desarmados da Europa viram-setalados pelos carros de guerra e atos nefandos praticavam-se diariamente, em desafio aos princípios de convivênciacivilizada. Opor-se ao arbítrio, observar normas do direito, repelir imposições e restrições violentas à soberania decada nação, era colocar-se sob a ameaça da força bruta, servida pela técnica aprimorada de oprimir e matar.

Tivemos a dignidade de revidar afrontas, guardamos o respeito a nós próprios, defendendo tenazmente anossa forma de viver e os nossos deveres continentais. Por isso mesmo, fomos agredidos, e mais de seiscentaspessoas perderam a vida, numa emboscada marítima executada com requintes, de inaudita crueldade.

A vossa reação, brasileiros, esteve à altura da ofensa.Protestastes com indignação, solicitastes, por todas as formas de expressar a vontade popular, que o

Governo declarasse guerra aos agressores, e assim foi feito.A honra e os interesses mais sagrados da Pátria exigiam, imperativamente, a atitude que tomamos. Agora

nos sentimos de consciência tranqüila, resolutos e dispostos a defender os brios legítimos do nosso povo, que nuncase ajustou às atitudes de servo e há de prosseguir independente e soberano.

A declaração do estado de beligerância colocou-nos na posição de combatentes, e, de acordo com ela, jáassentamos os planos de trabalho e de ação. Militarmente, teremos de completar a mobilização para fazer face àsnecessidades efetivas da guerra. No setor econômico, chefes de empresa e operários cerram fileiras em torno doGoverno; e, estou certo, em benefício coletivo, ninguém poupará esforços ou bens. Os dissídios classistas e oschoques de natureza política não nos farão, felizmente, perder tempo.

Existe, generalizada, a firme compreensão de que precisamos unir-nos e esquecer divergências eparticularismos, para só cuidarmos dos objetivos supremos da defesa da Pátria.

Page 97: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 97

A frente interna coesa e decidida a arrostar, de ânimo viril, qualquer emergência, as Forças Armadasprontas a repelir qualquer golpe, tudo isto constitui o magnífico espetáculo da vida brasileira, neste momento graveda Nacionalidade.

Qualquer inimigo que pise o solo pátrio, sobrevoe as nossas cidades ou infeste o nosso mar territorial,receberá o mesmo castigo infligido aos submarinos que, em prática de pirataria, investiram contra a nossanavegação costeira e foram afundados pelos intrépidos e eficientes pilotos das forças aéreas brasileiras.

Seremos implacáveis no combate aos invasores e aos seus agentes infiltrados, traiçoeiramente, no meiodas nossas populações laboriosas. Não importará isso em quebra do nosso sentimento comprovado dehospitalidade. Os nacionais dos países com os quais estamos em guerra, que aqui vieram e construíram os seuslares de forma regular e honesta, nada devem recear enquanto permanecerem entregues ao trabalho, obedientes àlei e prontos a colaborar nas atividades defensivas do País. De modo bem diverso serão tratados os que, traindo oscompromissos assumidos e ludibriando o nosso acolhimento generoso, auxiliarem de alguma forma os inimigos,com eles mantiverem entendimentos, espionando ou fazendo sabotagem. A esses, aplicaremos, com rigor, as leisde guerra. E, em relação aos semeadores de boatos e derrotistas de qualquer nacionalidade, nenhuma complacênciaexistirá. Serão segregados do meio social, reduzidos à condição de suspeitos e declarados indignos da cidadaniabrasileira.

Povo pacífico, educado nas virtudes cristãs, não cultivamos pendores guerreiros, mas faremos como oscidadãos pacatos e trabalhadores assaltados na própria casa: devolveremos golpe por golpe, resistindo, por todas asformas concebíveis, aos que pretendam oprimir-nos. Nada nos deterá nessa determinação. Ameaças, injúrias ouviolências servirão, apenas, para acrescer a nossa combatividade e tornar mais forte a reação.

As conseqüências da luta em que nos empenhamos, e que decidirá dos destinos do mundo não podemcausar-nos apreensões. Os privilégios de casta, os preconceitos raciais, as desigualdades de fortuna, as opressões declasse, os ódios mesquinhos, rodos os valores aparentemente inconciliáveis da civilização contemporânea hão defundir-se nesse incêndio de vastas proporções em holocausto ao surto de uma nova era. O Brasil, como País jovem,de estrutura social plástica, rico de possibilidades e com uma formação de equilíbrio adaptável a todas astransformações está, naturalmente, projetado para o futuro e nele terá de encontrar a solução definitiva dasequações de seu progresso. Não deve, portanto, temer os dias vindouros e os sacrifícios inevitáveis que lheassegurarão o direito de colaborar nas renovações de ordem política e econômica que resultarem desse tremendochoque de poderios, mentalidades e culturas.

A causa que defendemos desperta o sentimento de justiça das consciências livres, trazendo-nos asolidariedade dos povos do continente, através dos seus governos e homens representativos. Todas as naçõesamericanas compreendem que estão sob a ameaça de idênticos perigos e sujeitas a idênticos atos de brutalidade eviolência. Isolar-se eqüivale a expor-se mais facilmente à cobiça dos conquistadores. A união nacional e a uniãocontinental são os imperativos da hora presente e, por isso, só temos motivos para regozijar-nos diante dasmanifestações de simpatia e apoio recebidas dos outros povos americanos em hora de tamanhas apreensões eresponsabilidades.

Foram os Estados Unidos a primeira nação do Continente a sofrer o golpe da insídia e o ataque armado; ea solidariedade que lhe demos, então, sem hesitações, nós a sentimos retribuída, agora, de forma inequívoca, noapoio fraternal do seu valoroso povo e na colaboração para repelir pelas armas a agressão à nossa soberania. Tudoisso significa a existência de um movimento unânime de repúdio e adesão nos povos americanos. E, aqui mesmo,ao nosso lado, temos a honra e o orgulho de ver, como testemunho direto desse espírito de compreensão fraternal, afigura por tantos títulos respeitável e prestigiosa do General Agustin Justo, nosso hóspede e companheiro de armas,que bem representa, neste momento, com o seu gesto generoso e cavalheiresco, os sentimentos da sua nobre Pátriae a forma ativa dos ideais americanistas.

Brasileiros:Estou certo da vossa lealdade, da vossa coragem, do vosso ânimo para enfrentar a luta.

Page 98: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 98

A exaltação patriótica, a vibração cívica, o calor de brasilidade, postos nestas comemorações do Dia daIndependência, revelam, acima de tudo, o grau de homogeneidade dos nossos sentimentos e das nossas disposiçõesde repetir e reafirmar o sentido heróico da nossa história e a inflexível decisão de vencer.

Combatendo até à vitória decisiva, seremos dignos da América, Continente de homens livres, e do Brasil,Pátria grande e gloriosa, merecedora de todas as renúncias e de todos os sacrifícios.

Page 99: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 99

O Primeiro Lustro do Estado Nacional, DiscursoO Primeiro Lustro do Estado Nacional, DiscursoO Primeiro Lustro do Estado Nacional, DiscursoO Primeiro Lustro do Estado Nacional, DiscursoPronunciado no Teatro Municipal a 10 de Novembro dePronunciado no Teatro Municipal a 10 de Novembro dePronunciado no Teatro Municipal a 10 de Novembro dePronunciado no Teatro Municipal a 10 de Novembro de1942194219421942

Senhores:Depois de falar às Forças Armadas nas comemorações do quinto aniversário da Constituição de 10 de

novembro, cabe-me traçar, perante os representantes da administração civil, das classes produtoras e trabalhistas, oquadro da vida brasileira em face dos acontecimentos de ordem interna e externa.

Em outras oportunidades, mostrei qual era a situação do País anterior à Revolução de 1930 e fiz, semrancores, a crítica do regime que vigorava desde 1889. Não é preciso recapitular o triste espetáculo daadministração retardada e falha, da ausência de iniciativas, da rotina no trato das coisas públicas e do ronceiroconservantismo que presidiam as nossas relações sociais e econômicas, entravando o progresso, desiludindo opovo, criando o pessimismo dissolvente nas camadas cultas e a indiferença passiva nas camadas populares.

Bem conheceis, e parece supérfluo rememorar, o que foi a nossa luta. Primeiro, procuramos conter otrasbordamento da avalanche revolucionária e ajustar as forças que nos permitiriam escolher, nas várias correntesde idéias, as mais acordes com as possibilidades e as que melhor se enquadrassem nos princípios orientadores deuma ação política verdadeiramente construtiva. Depois, tivemos de aceitar, por um período de três anos, aConstituição de 1934, que, sob muitos aspectos, representava um recuo, uma reação, a continuidade do ambienteeleitoral, com os vícios do facciosismo e do personalismo.

Com o reajustamento de 10 de novembro alcançamos, afinal, as premissas efetivas da reconstruçãonecessária.

O Estado Nacional, de cunho centralizador, conforme as linhas da Constituição, transformou a ordenaçãojurídica, afastando-se dos modelos correntes para atender apenas às características brasileiras, às circunstânciasgerais do nosso crescimento interno e da política exterior, tão importante nos últimos tempos em vista dos perigosinternacionais que nos ameaçavam. Pondo de parte as formas clássicas do equilíbrio de poderes, deu apreponderância necessária ao executivo e articulou vários elementos novos de orientação e consulta, nos setoreseconômico e social. Provavelmente, existem falhas a corrigir nas novas instituições, mas é fora de dúvida que elascorrespondem, nas linhas mestras, aos fundamentos da nossa formação histórica e às imposições da épocaconturbada que vivemos. Não alimentamos, certamente, a pretensão de criar modelos para outros povos.Procuramos, apenas, uma solução brasileira para os problemas brasileiros. E estamos seguros, pelos resultadosobtidos até aqui, do acerto patriótico das nossas reformas, tanto no terreno político como no social e econômico.

Consideramos mero bizantinismo indagar se o novo regime é ou não democrático. As oligarquias antigase modernas, os regimes de privilégio, muitas vezes se apelidaram democráticos. E o eram, na verdade, para umaparte da população que lhes usufruía as vantagens. Não devemos, por conseguinte, preocupar-nos com os váriossentidos emprestados à palavra democracia. Para os espíritos retardados, ela é o velho jogo político-eleitoral, comrestrições maiores ou menores; é oposição crônica entre governantes e governados; é o liberalismo degenerandoem licenciosidade. Quanto a nós, com a experiência dos cinco anos decorridos, torna-se fácil verificar quedemocracia é a forma de governar em benefício do povo como um todo, em função dos interesses supremos daPátria, acima das imposições de grupos, de clã ou região. A autoridade baseada nas leis e a segurança no trabalhovêm acelerando o nosso crescimento econômico e fortalecendo os laços da comunidade. O que nos cumpre agora é

Page 100: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 100

aperfeiçoar o aparelho político-administrativo, completando os órgãos constitucionais, preparando o País para asucessão normal dos seus dirigentes dentro das fórmulas da democracia funcional que instituímos.

Iniciando o reajustamento completo dos quadros da vida brasileira, atacamos, simultaneamente, questõesde forma e de essência. Na esfera político-social, tomamos as medidas necessárias à unidade nacional, dissolvendoos partidos políticos e as agremiações estrangeiras, que constituíam focos de dissídio e lutas estéreis; fizemos areforma da educação, de cunho nacionalista, melhorando, a preparação cívica e ampliando as possibilidades dainstrução técnica; unificamos o Direito, com os novos códigos; com a reforma financeira e o lastreamentometálico foi possível substituir o padrão monetário antiquado e preparar o País para fazer face aos compromissosde guerra; prosseguimos na política trabalhista e, mesmo nas circunstâncias atuais, não suspendemos as garantiasdos operários, antes as reforçamos com o pleno funcionamento da Justiça do Trabalho; realizamos obras públicasvultosas, como as da Baixada Fluminense, do Nordeste e do fomento agrícola com a criação de colônias-modelo ea instalação de trabalhadores na Amazônia; construímos rodovias; eletrificamos e prolongamos estradas de ferro,completando a ligação com o Uruguai e prosseguindo na construção dos troncos internacionais da Bolívia e doParaguai; resolvemos o secular problema da siderurgia, com a instalação das usinas de Volta Redonda e aexploração intensiva das reservas de ferro do Vale do Rio Doce. Na esfera da preparação defensiva, aumentamosos efetivos militares e demos elementos materiais às Forças Armadas, sem descuidar o preparo técnico-profissionale o rigoroso aperfeiçoamento dos quadros de especialistas; criamos o Ministério da Aeronáutica; renovamos omaterial de vôo; incrementamos, com a Campanha Nacional de Aviação, a formação de pilotos civis; estimulamosna juventude o interesse pela navegação aérea e instalamos numerosos campos de pouso e aeródromos.Reequipamos portos e aumentamos a frota mercante. Ampliamos instalações hospitalares; desenvolvemossistemática atividade em benefício da saúde, com medidas especiais de assistência à infância, à melhoria do estadosanitário das populações e dos meios de alimentação popular. Iniciamos a renovação da Marinha de Guerra,incorporando à Esquadra dezenas de unidades, construindo e montando outras, reaparelhando arsenais e instalandobases. Nas relações internacionais, continuamos a obra de aproximação continental, incentivando as trocas e acolaboração com os povos americanos. Não houve, portanto, setor de atividade em que se não exercesse açãorápida e propulsiva, criando, aperfeiçoando e melhorando as nossas condições de progresso.

A segunda guerra mundial atingiu-nos em plena fase de reconstrução. Enquanto se limitava a outroscontinentes, foi-nos possível manter a neutralidade e procurar, por todos os meios, evitar que os seus reflexosdiretos perturbassem o ritmo do nosso trabalho. Quando já havíamos reajustado a economia do País àscircunstâncias novas, decorrentes do isolamento da Europa e da perda de mercados, a agressão de que foramvítimas os nossos tradicionais amigos dos Estados Unidos da América do Norte determinou, em face doscompromissos assumidos em reiteradas assembléias, a nossa participação no conflito. A Conferência dosChanceleres realizada em janeiro deste ano teve por conseqüência o rompimento das relações diplomáticas eeconômicas com os países do Eixo, único meio de que dispunhamos para impedir que, à sombra de imunidades eatravés de organizações ilegais, se conseguisse prejudicar os interesses dos povos americanos.

Alguns meses decorridos, sem que houvesse atos de hostilidade da nossa parte, fomos provocados damaneira brutal que todos conhecem. Em legítima defesa da nossa honra, fizemos o que nos cumpria. Declaramos oestado de beligerância com os agressores e nos tornamos aliados das nações que defendem os princípios daliberdade e autodeterminação dos povos contra as que preferem a política de presa, a invasão manu-militari e oassalto organizado às populações pacíficas e laboriosas. Empenhados nas tarefas de desenvolvimento interno, nãodesejávamos a guerra. Tivemo-la, entretanto, e o que agora nos cabe fazer está na consciência de todos osbrasileiros.

Sem descontinuar os esforços para progredir estamos mobilizados e prontos a lutar em duas frentes - aexterna e a interna. Cooperando por todos os meios com a nobre Nação norte-americana, fornecendo-lhe quantocareça para completar a sua preparação, agindo em perfeita colaboração com os supremos dirigentes da guerra nosetor mundial, desempenharemos as nossas missões de forma exemplar. Ainda agora, antes de iniciar-se odesembarque das poderosas forças americanas na África do Norte, recebemos do Presidente Franklin Rooseveltmensagem especial acerca dos propósitos dessa operação, que se desenvolve brilhantemente para as armas aliadas.Demos a iniciativa irrestrito aplauso e solidariedade, por considerá-la antecipação justificada diante dos planos

Page 101: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 101

alemães de ocupação, constituindo, ao mesmo tempo, um reforço da segurança americana especialmente, doBrasil, porque elimina dos nossos mares os obstáculos à navegação e torna mais fácil a cooperação com os nossosaliados, na entrega de materiais estratégicos. Essa atitude não importa em qualquer hostilidade à França, a quemnos ligam tradicionais relações de amizade, nem ao povo francês, cuja sorte acompanhamos com sincera ecomovida simpatia.

Internamente, manteremos o ritmo de trabalho construtivo, desdobrando as atividades, para que nada falteàs nossas populações, nem sofra o seu padrão de vida. As medidas indispensáveis vêm sendo tomadas comfirmeza, e tanto se fazem sentir no setor financeiro como no industrial ou agrário.

Confio que, com o eficiente e pronto auxílio do povo, até agora exemplar no respeito às ordens dasautoridades e na cooperação para o esforço extraordinário, possamos reduzir os sacrifícios e atravessar o conflitofortalecendo-nos, quer pela coesão maior da consciência nacional, quer pela ampliação e diversificação riasculturas agrárias e do parque industrial.

Para a vitória da nossa causa, para fazer sobreviver o mundo que ajudamos a construir, nenhum esforçoserá excessivo. Não nos iludamos. Só se salvam os que se mostram dignos de salvação, os que se esforçam porobtê-la, os que não conhecem obstáculos e não temem perigos. Em momento de tanta significação, falando aosrepresentantes do poder público e das classes produtoras, desejo, também, voltar o pensamento para o PovoBrasileiro, para a massa anônima das cidades e dos campos, e dizer-lhes que estamos empenhados numa lutadecisiva, em que se jogam os destinos da civilização, e devemos confiar na voz profética de Franklin Roosevelt, ogrande leader Continente Americano, certos de que esta guerra não é feita para garantir privilégios e ampararmonopólios, mas para estabelecer a paz com justiça e assegurar a todos uma vida melhor, subordinando asvantagens individuais aos deveres para com a coletividade.

Senhores:Que a nossa reunião comemorativa de hoje valha como um pacto de honra, como um juramento solene,

como a promessa de todos os corações em holocausto à defesa da Pátria.

Page 102: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 102

As Forças Armadas em Torno do Chefe de Governo e aAs Forças Armadas em Torno do Chefe de Governo e aAs Forças Armadas em Torno do Chefe de Governo e aAs Forças Armadas em Torno do Chefe de Governo e aPreparação Militar do País, Discurso Pronunciado noPreparação Militar do País, Discurso Pronunciado noPreparação Militar do País, Discurso Pronunciado noPreparação Militar do País, Discurso Pronunciado noAeroporto Santos Dumont, a 31 de Dezembro de 1942Aeroporto Santos Dumont, a 31 de Dezembro de 1942Aeroporto Santos Dumont, a 31 de Dezembro de 1942Aeroporto Santos Dumont, a 31 de Dezembro de 1942

SenhoresE uma satisfação patriótica presidir a vossa festa de confraternização, que constitui salutar exemplo de

camaradagem franca e cordial.Nas circunstâncias especiais que atravessamos, considero motivo de orgulho poder afirmar à Nação que os

nossos soldados do Exército, da Marinha e da Aeronáutica se acham unidos e congregados, num integraldevotamento ao serviço da Pátria. As virtudes militares da disciplina e da ordem representam a vossa únicapreocupação, e, pela vossa atitude edificante ides criando, em todas as classes e camadas da população, o mesmoespírito vigilante e construtivo, voltado sempre para o bem da coletividade e o estrito cumprimento do dever.

Acabamos de atravessar uma perigosa fase da vida nacional. O ano que, hoje, termina foi, sem dúvida,cheio de acontecimentos significativos, de profundas e graves repercussões. Mas, felizmente, não temos motivospara conclusões pessimistas. Ainda uma vez pudemos verificar como são enérgicas as afirmações da consciênciacoletiva, como é forte o sentimento de unidade nacional e persistente a nossa determinação de enfrentarcorajosamente quaisquer sacrifícios, para maior bem da Pátria.

Quando, em janeiro deste ano, as nações americanas escolheram a nossa Capital para a sua reuniãoconsultiva e deliberativa, sentimos que era chegada a oportunidade de tomar a posição que nos impunham osconvênios, tantas vezes ratificados, e escolher, no profundo conflito em que se resolvem os destinos mundiais, opapel que nos cabia.

A agressão de dezembro de 1941 aos Estados Unidos criara um dilema que exigia imediata solução: oucumprir as obrigações livremente assumidas ou quebrar a continuidade da nossa política continental. Rompendocom as nações do Eixo adotamos atitude lógica, evitando que as infiltrações da espionagem e da propaganda, tãobem preparadas à sombra das próprias representações oficiais, contaminassem o organismo nacional.Acreditávamos que, obviadas essas causas de perturbação da ordem interna e de ameaça à segurança dos paísesamigos, pudéssemos dispor de tempo suficiente para uma preparação adequada às circunstâncias futuras. Mas,poucos meses decorridos, fomos também vítimas de uma agressão igualmente insólita e brutal. As nossas águasterritoriais desrespeitadas, os nossos navios torpedeados, numerosos brasileiros massacrados, constituíam fatos quenão permitiam delongas no revide, desafrontando a dignidade nacional estupidamente ultrajada.

Declaramos o estado de beligerância, apoiados unanimemente pela opinião pública. Felizes os povos e osgovernos que, em ocasiões de tal gravidade, podem agir de acordo com as inspirações do seu sentimento, emperfeita conformidade com os interesses nacionais e as suas tradições de honra.

O Brasil entrou, assim, na guerra, por efeito de uma provocação a que só podia responder pelas armas, enão para atender influências ou solicitações estranhas. O ato de rompimento das relações diplomáticas já fora umamanifestação concreta de solidariedade com os Estados Unidos e, a partir dos lutuosos dias de agosto último, anossa colaboração com as nações aliadas tem sido contínua e eficiente. Não nos limitamos ao fornecimento demateriais estratégicos. A utilização do nosso litoral, base das operações de transporte de armas e homens para osteatros de luta, possibilitou as magníficas jornadas da África do Norte, primeiro passo para a grande vitória. Anossa frota mercante continua cooperando diretamente nos transportes de toda natureza, indispensáveis aos

Page 103: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 103

suprimentos das forças expedicionárias. A Marinha de Guerra escolta comboios, não só no litoral como nanavegação de longo curso, e a Aviação participa ativamente de todas as tarefas de vigilância e proteção, já tendoentrado em combate várias vezes com unidades inimigas. O Exército, por seu turno, apresta-se rapidamente para odesempenho da missão que lhe está confiada na defesa do território nacional e para outras que as eventualidadesvenham a exigir. Comissões mistas do Brasil e dos Estados Unidos, tanto militares como civis, estudam, planejame propõem as medidas julgadas necessárias ao ampliamento da nossa participação no conflito. Nada recusamos, atéao presente, do que foi considerado útil e indispensável ao esforço bélico dos nossos aliados.

Estamos em guerra, correndo os seus riscos e sofrendo as suas provações. Não tem sido pequeno ocociente do nosso tributo em vidas e bens perdidos. Isso, porém, não nos entibia o ânimo; ao contrário, exalta onosso ardor combativo. Cumpriremos até ao fim os nossos compromissos na defesa continental. Não é possívelprever, contudo, o desenvolvimento da luta e até onde poderá levar-nos. Explica-se, por isso, o persistenteempenho de nos aparelharmos para uma intervenção mais ampla, se tanto for necessário. O dever de zelar pela vidados brasileiros obriga-nos a medir as responsabilidades de uma possível ação fora do Continente. De qualquermodo, não deveremos cingir-nos à simples expedição de contingentes simbólicos. Queremos ser eficientes e, paraisso, precisamos dispor de forças completamente treinadas e aparelhadas, aguardando a marcha dosacontecimentos, que determinará a forma e o lugar onde tenham de operar.

As Nações Unidas, e principalmente os nossos aliados americanos, sabem que podem contar conosco; e opróprio significado deste almoço, que demonstra a coesão das Forças Armadas em torno do Chefe do Governo,testemunha as disposições de mantermos efetiva solidariedade em todas as contingências da guerra.

O nosso esforço procura ser completo, para que dele compartilhem os brasileiros de todas as camadassociais, de todas as regiões do País e condições de educação e fortuna. O sacrifício pela Pátria é quinhão comum etanto a servem pobres como ricos, igualmente empenhados em exaltá-la e defendê-la.

O momento, que ainda é de plena luta, não justifica otimismos exagerados. Lembremo-nos, porém, que acompreensão e a mútua confiança são fatores indispensáveis de vitória. A nossa situação interna reflete esseespírito de corajosa decisão, em que todos reclamam uma parcela das responsabilidades e se empenham emconcorrer para o reforçamento econômico e o poderio militar da Nação. Apesar das dificuldades e das restriçõesobrigatórias, conhecidas de todos e resultantes de causas ainda não definidas, mantivemos e ampliamos o ritmo daprodução e das atividades governamentais. Em rápida síntese, podemos apresentar este balanço promissor dosproblemas gerais: indústrias pesadas do aço, do alumínio, do cobre, do zinco e do chumbo; aproveitamento dasreservas de combustível - carvão, petróleo, álcool e turfa; indústrias novas de transformação de matérias-primas;aumento e diversificação do parque industrial; valorização da Amazônia pela colonização sistematizada eaproveitamento científico das suas reservas naturais; intensificação e coordenação dos meios de transportes, atravésde novas ligações férreas, rodoviárias e aéreas; reforma monetária; mobilização financeira, econômica e militar;exploração intensiva das reservas minerais; fomento da produção agrícola; construção naval; fábricas de motores eaviões. Estas e outras iniciativas de evidente alcance social e econômico, vamos realizando em condições deassegurar a nossa eficiência na guerra e o nosso progresso na paz. Sobram-nos, portanto, razões para confiar eesperar dias mais prósperos e felizes.

Soldados do BrasilSobre os vossos ombros, por obrigação contraída perante os quarenta e cinco milhões que compõem a

família brasileira, pesa a responsabilidade da segurança dos nossos lares e da paz para o trabalho.A Nação confia no vosso valor, no vosso critério para evitar a dispersão de esforços e as divergências que

possam enfraquecer a vossa unidade de ação.Levanto a minha taça pela felicidade de cada um de vós, pela maior glória do Exército, da Marinha e da

Aeronáutica - que representam, nesta emergência, as tradições da honra nacional e o próprio futuro da Pátria.

Page 104: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 104

VoltaVoltaVoltaVolta Redonda e a Capacidade Construtiva dos Brasileiros,Redonda e a Capacidade Construtiva dos Brasileiros,Redonda e a Capacidade Construtiva dos Brasileiros,Redonda e a Capacidade Construtiva dos Brasileiros,Discurso Pronunciado em Volta Redonda, 7 de Março deDiscurso Pronunciado em Volta Redonda, 7 de Março deDiscurso Pronunciado em Volta Redonda, 7 de Março deDiscurso Pronunciado em Volta Redonda, 7 de Março de1943.1943.1943.1943.

Senhores:Diante de empreendimento de tamanha magnitude como o que estamos aqui realizando, não posso ocultar

o meu entusiasmo patriótico e a minha confiança na capacidade dos brasileiros.O que representam as instalações da Usina Siderúrgica de Volta Redonda, aos nossos olhos deslumbrados

pelas grandiosas perspectivas de um futuro próximo, e bem o marco definitivo da emancipação econômica do País.Aqui está ele plantado, em cimento e ferro, desafiando cepticismos e desalentos. Admiremo-lo, primeiro, com justoorgulho, para refletirmos, depois, quanto foi difícil lançar os seus fundamentos numa realização vitoriosa. E digodifícil, não só tendo em vista os obstáculos materiais a vencer, como ainda as resistências e omissões de umamentalidade pública que parecia incapacitar-nos para levar ao terreno das soluções práticas o grande problema.

Não será exagero atribuir, historicamente, a nossa conduta de incompreensão e passividade aoprovincialismo que a Constituição de 1891 estabeleceu e ao reclamo dos países industriais interessados em manter-nos na situação de simples fornecedores de matérias-primas e consumidores de produtos manufaturados. Aquelaexpressão – “país essencialmente agrícola”- de uso corrente para caracterizar a economia brasileira, mostra, em boaparte , a responsabilidade do nosso atraso. Durante 32 anos de vida republicana - de 1890 a 1922, - permanecerá oproblema de tal maneira ausente das cogitações governamentais que se poderia considerá-lo inexistente. Reabriu-sea discussão sobre a matéria em 1922, por uma razão clara e simples: a primeira guerra mundial arrastara até nós acrise dos produtos manufaturados e a queda das taxas de juros na Europa de post-guerra trazia-nos um afluxo decapitais inquietos, dispostos a explorações industriais distantes dos centros em que a questão social tomava planode relevo.

A enunciação de um simples nome - Companhia de Ferro Itabira - resumiria uma campanha de 20 anos.Retomado o problema siderúrgico com o famoso contrato de concessão que fez correr rios de tinta, ainda persistiauma parte da opinião voltada para a solução semicolonial: - exportar minério sem possuir usina transformadora.Levemente alterada, a fórmula “país essencialmente agrícola” orientava ainda os nossos atos. E o argumento,freqüente e capcioso, era o mesmo: não dispunhamos de combustível para fabricar aço.

A Revolução de Outubro, de tendências acentuadamente nacionalistas, afastou por algum tempo o risco deentregarmos as nossas jazidas de ferro, a estrada de ferro Vitória-Minas e o Vale do Rio Doce a um monopóliointernacional. Sempre se pretendeu, interessadamente, considerar como partes inseparáveis do problema afundação da grande siderurgia, a exportação de minério e a produção de carvão. Simples fórmula dilatória. Nãoresolvendo tudo, nada era possível resolver. Tínhamos, porém, os homens da Revolução de 30, vistas diferentessobre a questão.

Já o candidato da Aliança Liberal assinalava na sua plataforma: “O surto industrial só será lógico, entrenós, quando estivermos habilitados a fabricar, senão todas, a maior parte das máquinas que nos são indispensáveis.Daí a necessidade de não continuarmos a adiar a solução do problema siderúrgico”. E, um ano depois, em BeloHorizonte, triunfante o movimento, desenvolvia aquele ponto de vista, apenas indicado: “Mas o problema máximo,pode dizer-se básico, da nossa economia é o siderúrgico. Para o Brasil, a idade do ferro marcará o período da suaopulência econômica. No amplo emprego desse metal, sobre todos precioso, se expressa a equação de nosso

Page 105: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 105

progresso. Entravam-no a nossa míngua de transportes e a falta de aparelhamento indispensável à exploração dariqueza material que possuímos imobilizada. Completando, finalmente, o meu pensamento, no tocante à soluçãodo magno problema, julgo oportuno insistir, ainda, e um ponto: a necessidade de ser nacionalizada a exploraçãodas riquezas naturais do País, sobretudo a do ferro. Não sou exclusivista nem cometeria o erro de aconselhar orepúdio do capital estrangeiro a empregar-se no desenvolvimento da indústria brasileira, sob a forma deempréstimos, no arrendamento de serviços, concessões provisórias ou em outras múltiplas aplicações equivalentes.Mas, quando se trata da indústria de ferro, com a qual havemos de forjar toda a aparelhagem dos nossos transportese da nossa defesa; do aproveitamento das quedas d'água, transformadas na energia que nos ilumina e alimenta asindústrias da paz e da guerra; das redes ferroviárias de comunicação interna, por onde se escoa a produção e semovimentam, em casos extremos, os nossos exércitos; quando se trata - repito - da exploração de serviços de talnatureza, de maneira tão íntima ligados ao amplo e complexo problema da defesa nacional, não podemos aliená-los, concedendo-os a estranhos, e cumpre-nos, previdentemente, manter sobre eles o direito de propriedade e dedomínio.”

Colocado o problema nestes termos, tratamos de passar, sem demora, à ação. Pouco depois, nomeávamosgrande Comissão de Estudos, da qual fazia parte o Capitão Edmundo de Macedo Soares e Silva, consideradoautoridade no assunto, por seus estudos especializados e a sua incontestável capacidade. As conclusões do trabalhorealizado foram, então, encaminhadas ao Congresso, na vigência da Constituição de 1934, e aí permaneceram até oseu encerramento, em 1937.

Não era possível, em meio a opiniões saturadas de conservantismo, abolir velhos erros de apreciação. E,verdadeiramente, num grande corpo legislativo, a penetração de influências capazes de eternizar os debates nãopoderia mesmo permitir solução satisfatória.

O Governo, porém, não estava disposto a consentir em protelação maior. O exame do assunto passou a serfeito, em 1938, pela Comissão Técnica do Ministério da Fazenda, e nesta os depoimentos do Major Edmundo deMacedo Soares e Silva e do Dr. Guilherme Guinle fizeram pender a balança das razões para a solução nacionalista.Ao primeiro deu-se logo o encargo de preparar o projeto brasileiro, o qual, concluído em rodas as suasmodalidades, foi submetido ao exame de técnicos americanos, que o aprovaram.

Abordávamos, a um tempo, o problema pelos seus três aspectos capitais, mas sem interdependência: usinasiderúrgica, produção de coque metalúrgico e exportação de minério. Nessa fase de estudo e apreciação doproblema é de justiça salientar a competente e dedicada atuação do Ministro Mendonça Lima. Os trabalhos,tomando ritmo acelerado, passaram depois à Comissão Executiva do Plano Siderúrgico, diretamente subordinadaao Chefe do Governo, que fizera seguir para os Estados Unidos o Major Edmundo de Macedo Soares e Silva, como fim de ultimar os estudos técnicos do plano elaborado, enquanto confiava a inteligente e devotada iniciativa doDr. Guilherme Guinle a organização da Companhia Siderúrgica Nacional. Escolheu-se a localização da usina ecom o apoio financeiro americano, que não nos faltou graças à intervenção amiga do Presidente Roosevelt,iniciamos a compra dos maquinismos e instalações industriais, invertendo nesses fornecimentos o primeiroempréstimo de 20 milhões, concedido pelo Banco de Importação e Exportação. Porque, é oportuno dizer-se, aaplicação dos fundos externos foi exclusivamente reservada á aquisição do material estrangeiro. As demaisinstalações de várias ordens são custeadas pelo capital nacional subscrito pelo Governo e pelo povo. E comdinheiro brasileiro que se pagam os salários de cerca de 8 mil homens que o aqui trabalham, desde os técnicosamericanos e nacionais até ao mais humilde operário. Da mesma fonte provêm os recursos necessários à aquisiçãode 50 mil toneladas de ferro, de 3 milhões de sacos de cimento, de 400 mil metros cúbicos de pedra britada, de 3milhões doe metros quadrados de madeira e 55 quilômetros de vias férreas - materiais aqui empregados emedifícios, levantamento de plataformas para maquinismos, instalações e equipamentos indispensáveis ao trabalhoindustrial. A cidade siderúrgica está pronta para crescer e expandir-se, atingindo a plenitude da sua finalidade.

A solução da premissa fundamental do problema foi também encontrada. Contra os cépticos e a conjura deinteresses estranhos, o Governo, desde 1930, não descontinuou a proteção à bulha nacional. Administraçõesanteriores haviam procurado amparar o nosso combustível mineral, concedendo empréstimos e pequenos favores.A produção incipiente não encontrava, porém, em face da concorrência, condições propicias ao crescimento. Asempresas oneradas pelo serviço de dívida, o consumo sujeito a flutuações derivadas de fatores vários, e quase

Page 106: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 106

restrito, em certa oportunidade, à Viação Férrea do Rio Grande do Sul, consumidora de carvão de baixo teorcalorífico, não permitiam tomar a medida exata das possibilidades internas. O que se alastrava, em face do jogo deinteresses, que iam da propaganda aberta contra o nosso produto aos dumpings e demais processos inconfessáveis,era o desânimo. Somente outras medidas poderiam reanimar os produtores. Em 1931, a lei nº 20.089, de 9 dejunho, criou a obrigatoriedade da quota de 10% do produto nacional em relação ao consumo de hulha estrangeira.As dificuldades que tive de enfrentar, as resistências a vencer, foram enormes e é cedo ainda para relatá-las empúblico.

Mas, o primeiro resultado estava obtido: as empresas brasileiras de extração ampliavam com segurança aprodução. E em breve o Governo aumentava a quota para 20%, elevando-a depois a 30%, de modo geral atingindonalgumas empresas consumidoras, como a Estrada de Ferro Central do Brasil, sob a atual administração, 60% doconsumo total do ano último e 70%, no primeiro quadrimestre deste ano.

Mudou, portanto, o panorama, e a prospecção de novas jazidas interessa aos industriais, que estendem oseu campo de ação, contando com o consumo do produto na siderurgia nacional. Realmente, este grandeempreendimento, com os seus atuais fornos para produzir mil toneladas de coque em 24 horas, dará consumoseguro ao carvão brasileiro e aproveitará os resíduos na fabricação de benzol, toluol, xilol, amoníaco, alcatrão eoutros subprodutos que ainda importamos. As experiências feitas com o carvão de Santa Catarina deram excelentesresultados nos Estados Unidos e pode-se considerar simplificado este importante fator da siderurgia com ainstalação da Usina de Benefício, que se monta em Tubarão, naquele Estado.

O problema básico da nossa economia estará, em breve, sob novo signo. O país semicolonial, agrário,importador de manufaturas e exportador de matérias-primas, poderá arcar com as responsabilidades de uma vidaindustrial autônoma, provendo as suas mais urgentes necessidades de defesa e de aparelhamento. Já não é maisadiável a solução. Mesmo os mais empedernidos conservadores agraristas compreendem que não é possíveldepender da importação de máquinas e ferramentas, quando uma enxada, esse indispensável e primitivoinstrumento agrário, custa ao lavrador 30 cruzeiros, ou seja, na base do salário comum, uma semana de trabalho.

A questão da exportação de minério, resolvida em separado, com a constituição da Companhia Vale doRio Doce, demonstrou perfeitamente como era falso o pressuposto de interdependência em que se procuraracolocar, antes, o problema da exploração mineral no País.

A Usina de Volta Redonda está planejada para aumentar a sua produção até um milhão de toneladas porano. Com a sua coqueria de 35 fornos, a usina de subprodutos e os altos-fornos em instalação, teremos, de início,cerca de 200 mil toneladas de laminados e com o equipamento já adquirido atingiremos 350 mil toneladas anuaisde trilhos, chapas, grandes perfis e barras. Só o primeiro alto-forno tem capacidade para mil toneladas em 24 horas.Tudo o que se está fazendo deixa, entretanto, margem a maior expansão, de acordo com as possibilidades domercado, e não afeta, nem afetará de futuro, a siderurgia de carvão vegetal, tão necessária ao suprimento deespecialidades de aço e à formação da nossa indústria metalúrgica.

Essa transformação básica da nossa produção industrial exige, agora, o trato de uma questão de pessoal. Ea formação de técnicos. O Serviço de Ensino Industrial instituindo escolas de fábrica dará, dentro de pouco tempo,um número avultado de trabalhadores e especializados, e a rede de 200 escolas profissionais irá preparando jovensde 14 a 16 anos para as atividades que o desenvolvimento das indústrias comporta. Deste impulso, em quecolaboram o Governo e as empresas privadas, constitui padrão o Liceu Nacional do Rio de Janeiro. E no grausuperior, a reforma em elaboração cogita de alguns cursos de especialização para engenheiros, sobressaindo os demetalurgia, eletricidade, mecânica e aeronáutica, além da criação de um Instituto de Pesquisas Técnicas, capaz deauxiliar eficazmente a nossa expansão industrial.

A nossa guerra, Senhores, não abrange apenas setores de preparação bélica e adestramento paracampanhas militares. Deve compreender um vasto programa de estruturação para o nosso desenvolvimento futuro,d modo que, ao termo da Segunda Guerra Mundial, possamos empreender, com o aço desta usina, com os braçosdos brasileiros instruídos e capazes e a vontade patriótica de vencer, a remodelação do nosso parque industrialantiquado pelo desgaste.

Sendo a Usina Siderúrgica de Volta Redonda uma das mais importantes realizações do meu Governo,resolvi visitá-la em companhia do Senhor General Higinio Morínigo; preclaro Presidente do Paraguai, por tantos

Page 107: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 107

títulos digno representante do seu heróico povo. Quis, assim, ressaltar, não só a significação excepcional doempreendimento, como também exprimir ao nosso ilustre hóspede a satisfação que a sua presença nosproporciona, declarando-lhe que consideramos esta obra uma conquista da capacidade americana e que osbenefícios dela resultantes, nós os compartilharemos, de bom agrado, com a nobre nação amiga.

Meus SenhoresEu vos felicito pelo que haveis realizado em prol do Brasil. Esta cidade industrial será um marco da nossa

civilização, um monumento a atestar a capacidade de nossa gente, um exemplo com tal poder de evidência queafastara quais quer dúvidas e apreensões sobre o futuro, instituindo no Pais um novo padrão de vida e uma novamentalidade.

A todos vós, construtores, simples trabalhadores, engenheiros - homens animosos que dais o esforço dovosso cérebro e do vosso braço a este empreendimento gigantesco - os meus parabéns e votos de felicidade, quesão mais uma afirmação de fé e confiança nos gloriosos destinos da nossa Pátria.

Page 108: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 108

O Patriotismo do Trabalhador Brasileiro e a PolíticaO Patriotismo do Trabalhador Brasileiro e a PolíticaO Patriotismo do Trabalhador Brasileiro e a PolíticaO Patriotismo do Trabalhador Brasileiro e a PolíticaTrabalhista do Governo, Discurso Pronunciado no EstádioTrabalhista do Governo, Discurso Pronunciado no EstádioTrabalhista do Governo, Discurso Pronunciado no EstádioTrabalhista do Governo, Discurso Pronunciado no EstádioVasco da Gama, em 01 de Maio de 1943Vasco da Gama, em 01 de Maio de 1943Vasco da Gama, em 01 de Maio de 1943Vasco da Gama, em 01 de Maio de 1943

Senhores:Já nos habituamos a compartilhar festivamente as comemorações do DIA DO TRABALHO, e isso

sempre foi para mim motivo de particular satisfação. Ao vosso contato, ao calor das vossas manifestaçõesespontâneas e vibrantes, encontro motivos de júbilo cívico e o reconforto tão necessário às pesadasresponsabilidades dos negócios públicos. No ano passado, um acidente de penosas conseqüências impediu-me deestar ao vosso lado e de associar-me às solenidades da vossa grande data. Mas essa forçada ausência não medistraiu a atenção dos vossos problemas, aspirações e necessidades.

O verdadeiro triunfo do homem público consiste em realizar o bem-estar da coletividade. Nenhumareforma, nenhuma mudança institucional ou substituição de quadros administrativos pode ter justificação foradesse imperativo de ordem política. Os regimes nascidos de grandes e profundos movimentos de opinião trazemcomo signo a necessidade de realizar as suas conquistas e ampliá-las ate se estabilizarem e se consolidarem. Asrevoluções não podem deter-se e estacar na contemplação do passado ou na admiração do presente.

Na fase de reconstrução, de remodelação de processos governativos, como a em que vivemos, asmanifestações desta natureza eqüivalem para o Chefe do Governo a uma espécie de reafirmação da confiançapopular, diretamente expressa.

O trabalhador brasileiro nunca me decepcionou. Diligente, apto a aprender e a executar com enormefacilidade, sabe ser, também, bom patriota. A essas disposições o Governo responde com uma política trabalhistaque não divide, não discrimina, mas, ao contrário, congrega a todos, conciliando interesses no plano superior doengrandecimento nacional. A medida que impulsionamos as forças da produção para favorecer o progresso geral eunificar economicamente o País, organizamos o trabalho, disciplinamo-lo sem compressões inúteis, afastando aluta de classes e estabelecendo as verdadeiras bases da justiça social. A ampliação e o reforçamento das leis deprevidência são, para nós, uma preocupação constante. As nossas realizações em matéria de amparo ao trabalhadorconstituem corpo de normas admiradas e imitadas por outros países que ainda não conseguiram o justo equilíbrioentre os fatores da riqueza pública. Para atingir esse objetivo, não desencadeamos conflitos ideológicos nemtransformamos o Estado em senhor absoluto e o trabalhador em escravo.

A JUSTIÇA DO TRABALHO, abóbada do nosso sistema de legislação trabalhista, tem provado o acertoda sua criação. Instituída em moldes novos, justifica-se pelos bons resultados colhidos e vem demonstrando oespírito de cooperação existente entre empregados e empregadores, que aceitam sem relutância os seus veredictos.Decerto ainda existem falhas a corrigir e disso o Governo cuida ativamente. Aliás, este sentido de aperfeiçoamentose patenteia nas seguintes leis recentemente elaboradas e sujeitas agora à revisão final para promulgação:“Consolidação das leis do trabalho”, “Lei orgânica de previdência social” e “Salário adicional para a indústria”.Todos esses projetos, seguindo inalteráveis diretrizes do meu Governo na solução dos problemas sociais, foramorganizados por comissões técnicas, sob a imediata orientação do Ministro Marcondes Filho; que emprestaatualmente à pasta do Trabalho as luzes da sua culta inteligência e a sua operosidade incansável, servida por umesclarecido e realizador espírito público.

As tarefas de organização promovidas pelo Estado Nacional visam, primordialmente, dar segurançaeconômica ao trabalhador e garantir-lhe a estabilidade do lar. Obedecendo a esse propósito persistente, apesar dascircunstâncias excepcionais do momento, decretamos a regulamentação da Lei do abono familiar, que concede

Page 109: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 109

auxílio às proles numerosas e completa a lei anterior, que proporcionou as mesmas vantagens aos funcionáriospúblicos.

O problema da alimentação está sendo encarado seriamente, através do órgão especial para isso criado - oServiço de Alimentação e Previdência Social. A organização dos restaurantes-modelo, primeiro passo nessacampanha pela nutrição farta e sadia, será ampliada e desenvolvida, de modo a estender os seus benefícios a maiornúmero de trabalhadores, em todas as Regiões do País.

A instituição das escolas de fábrica - iniciativa tentada em vários países e entre nós em plena execução -veio alargar as possibilidades do preparo profissional do trabalhador e da sua prole. É natural em todo larorganizado o desejo de ver os filhos continuarem os pais na sua trajetória de trabalho honesto, repetindo em novoslares as alegrias simples da família. Congregá-los para que tenham amanhã um ofício e possam constituir outrasfamílias atende a um anseio afetivo e a um justo reclamo social. É isso que nos proporcionará o ensino industrial,capacitando os brasileiros a atingirem o ideal da unidade, na diversidade, isto é: o trabalho para todos e asocupações variadas exercidas segundo as próprias tendências e aptidões.

Neste Primeiro de Maio, aproveitando o ensejo de falar-vos diretamente, quero lembrar a necessidade deaumentarmos a inscrição nos sindicatos profissionais. Não se cogita de alterar-lhes a organização, a estrutura ou afinalidade, mas apenas fazer com que o número de sindicalizados se eleve até abranger todos os trabalhadores, deforma que estes, representando a totalidade das profissões, possam influir mais diretamente nas resoluções decaráter econômico, social e político. Não há, aí, apenas um dever patriótico a cumprir. Reclamam-no os interessesgerais e o interesse particular do próprio trabalhador, que falando por si mesmo junto às instâncias da administraçãomais se integra na organização do Estado e se liberta por completo das explorações parasitárias de politiqueiros edemagogos, sempre prontos a prometer o que não podem dar em troca de tudo aquilo a que não têm direito.

Mau grado as sérias apreensões decorrentes da atual situação do mundo não devemos alimentar temores ereceios quanto ao futuro. Sabemos que a guerra é uma escola de sacrifícios e para enfrentá-los não nos faltamcoragem e tenacidade. A fase de reorganização que sobrevirá ao choque dos exércitos não nos encontrarádesprecavidos. Antecipadamente nos preparamos para fazer face aos seus problemas. Identificados com oprograma das nações aliadas, consubstanciado na CARTA DO ATLÂNTICO, cumpriremos até o fim os nossoscompromissos de solidariedade e estreita cooperação na luta militar e econômica, certos de concorrermos para avitória e de compartilharmos, em futuro próximo, de acontecimentos felizes, capazes de aumentar o relevo danossa atuação.

É demasiado cedo para prevermos quais sejam, em última instância, as formas da nossa participação naguerra e na reconstrução do mundo, mas estamos seguros de que poderemos ampliar a nossa contribuição para aluta, onde e quando for necessário. As nações a cujo lado batalhamos reconhecem a eficiência do nosso auxílio.Sem as bases do Nordeste não teria sido possível a ocupação da África do Norte - operação preliminar e ponto deapoio indispensável para o prosseguimento da campanha de libertação dos povos martirizados pelo nazismo. Ofornecimento de materiais estratégicos, a vigilância das nossas costas, a ação persistente e silenciosa da nossavalorosa Marinha e das nossas destemidas forças aéreas já representam considerável esforço bélico. O ExércitoNacional, de tão gloriosas tradições, conclui a sua mobilização, articula-se com a Armada e a Aeronáutica, segundoos planos de cooperação militar com os Estados Unidos, e se apresta para as eventualidades da luta.

Precisamos, todavia, acelerar o ritmo da nossa preparação militar e criar-nos uma mentalidade de guerra.Elevem os corações todos os brasileiros, coloquem-se acima dos interesses transitórios, desprezando intrigas etricas mesquinhas. Onde houver perseguições, propósitos de vingança, desonestidades ou explorações, far-se-ásentir a ação reparadora do poder público. E asseguro-vos que não deixarão de ser tomadas as medidas de justapunição contra os culpados e providências de amparo a possíveis vítimas, desde que cheguem ao meuconhecimento abusos e transgressões.

O povo brasileiro não faltará, por certo, aos seus soldados, aos seus marinheiros e aos seus aviadores, comos elementos de que careçam para atuar mais amplamente. E para que isto aconteça torna-se indispensávelcontinuarmos, com redobrado empenho, a mobilização dos nossos recursos econômicos, diríamos melhor, usandoa linguagem militar: A BATALHA DA PRODUÇÃO. Produzir mais, produzir melhor - nas fabricas, nos campos,nas hortas e nos pomares - é a palavra de ordem que deveremos ter sempre nos ouvidos, alertando-nos e

Page 110: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 110

retemperando-nos a vontade e a decisão de atingir o máximo dentro das nossas possibilidades. Hoje, mais do quenunca, a ociosidade deve ser considerada crime contra o interesse coletivo. Não se pode tolerar a desocupaçãoquando há tantas tarefas urgentes a realizar. Operários nas máquinas, marinheiros nos navios, ferroviários,motoristas, funcionários, diretores de indústria, almirantes nos mares ou generais nos postos de comando - todosestão sob o mesmo imperativo: fazer bem e rapidamente a parte que lhes toca.

Não é demais acentuar quanto, nas circunstâncias especialíssimas desta guerra, representa o coeficiente dotransporte. Pelos caminhos do ar e pelas velhas rotas marítimas transferem-se de continente a continente exércitos ealimentos para países inteiros. Homens do mar, que atravessais oceanos infestados de submarinos e que jáenriquecestes com pesados sacrifícios as tradições do nosso heroísmo; ferroviários e rodoviários que levais aosportos os abastecimentos e materiais, da vossa bravura e do vosso devotamento depende, em boa parte, ocontingente da nossa cooperação para a vitória. O Governo não vos esquecerá, vigilante pela situação vossa e dasvossas famílias. E, principalmente, vigilante para impedir que os espiões, sabotadores e quinta-colunistas de váriasespécies abalem a nossa mútua confiança e perturbem o nosso trabalho com as suas manobras e expedientescriminosos. O boato, a intriga, a calúnia e a maledicência, em épocas como a que atravessamos, são as máscarasfreqüentemente usadas pelos traidores. Ficai alertas e auxiliai a ação das autoridades policiais, que no seu zelo pelasegurança pública encontram, na presente emergência, cooperação espontânea de todos os bons brasileirosempenhados na difícil tarefa de descobrir e reprimir as atividades dos inimigos da Pátria.

Dentro de dez dias terá decorrido um lustro da primeira tentativa feita no Brasil, segundo a inspiração e osmétodos nazistas, para subversão da ordem: o assalto à residência do Chefe do Governo, pela calada da noite, e ocerco aos lares de elementos destacados da administração militar e civil. A conspirata integralista fracassou, mas sóhoje é possível imaginar a que triste condição estaríamos reduzidos se tivesse logrado êxito. Recordemos o fato,extraindo as lições que a sua análise comporta. Há uma falsa maneira de ser patriota: a dos que se arvoram emintérpretes das necessidades e aspirações nacionais, quando, realmente, só pensam nos próprios interesses evaidades.

Trabalhadores do BrasilEstamos em guerra. Isto quer dizer: empenhados numa luta decisiva para os destinos da Pátria. Quem não

estiver conosco está contra nós. Com os homens de trabalho e com todas as forças vivas da nacionalidade sei queposso contar.

Não vacilar; não transigir; não recuar; para a frente: são as vozes de comando da Nação Brasileira a todosos seus filhos.

Page 111: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 111

O Brasil e as suas Forças Armadas nas Tarefas Árduas daO Brasil e as suas Forças Armadas nas Tarefas Árduas daO Brasil e as suas Forças Armadas nas Tarefas Árduas daO Brasil e as suas Forças Armadas nas Tarefas Árduas daGuerra, Discurso Pronunciado em 31 de Dezembro de 1943Guerra, Discurso Pronunciado em 31 de Dezembro de 1943Guerra, Discurso Pronunciado em 31 de Dezembro de 1943Guerra, Discurso Pronunciado em 31 de Dezembro de 1943

Senhores:É uma satisfação que vejo renovada desde o advento do listado Nacional a deste almoço de camaradagem

e confraternização das classes armadas.As circunstâncias extraordinárias que o mundo atravessa, há um quadriénio, refletiram-se pesadamente na

vida individual e coletiva dos brasileiros. A partir de 1939 fazemos ingentes esforços para contrabalançar os fatoresprejudiciais ao ritmo normal do nosso desenvolvimento. Dificuldades de ordem econômica, medidas urgentes desegurança e imperativos de defesa vieram assoberbando as nossas atividades gerais. A tudo acudimos em tempo econgraçados em perfeita união mobilizamos os recursos disponíveis e enfrentamos resolutamente aseventualidades. Sucessivas agressões que não provocamos levaram-nos ao terreno da luta que hoje nos exigecontribuição efetiva em armas e elementos bélicos. Reconforta dizer que, apesar das vicissitudes sofridas, poucospaíses puderam como o nosso comemorar o Natal e chegar a 1944 livres de maiores danos e perturbaçõesgeneralizadas.

O ano próximo virá encontrar-nos empenhados em tarefas árduas e de séria responsabilidade. Pelaprimeira vez soldados brasileiros pisarão o solo de outros continentes para tomar parte em operações de guerra. Aolado dos heróicos combatentes das Nações Unidas, noutros climas e terras diferentes, compartilharemos dos riscosda luta. Os nossos homens de armas, soldados, marinheiros e aviadores, - que tão expressivas demonstrações decoragem já deram, irão pôr a prova o seu preparo, a sua resistência e valor combativo.

Bem compreendeis o que isto significa. E um novo período que se vai abrir na história do Brasil. E digo depropósito “na história, do Brasil” em vez de dizer simplesmente na história militar, porque prefiguro e avalio asprofundas repercussões que a participação direta na guerra trará à vida do povo brasileiro. Contingentes de todos osEstados, irmanados para as agruras da luta, formarão o Corpo Expedicionário - verdadeira imagem da unidade desentimento e de ação do Brasil. Apresenta-se oportunidade excepcional para, estreitando a colaboração com asNações Unidas, revidarmos a agressão de que fomos vítimas e adquirirmos autoridade nos ajustes da paz. Asnossas forças armadas terão igualmente ensejo de adestrar-se nos processos da guerra moderna num vasto campode experiência, onde não lhes faltarão glórias. Além disto, cabe ressaltar que assim procedendo cumprimos asobrigações, livremente assumidas e atendemos ao desejo manifesto dos nossos aliados, honrando ao mesmo tempoa posição única de representantes mais numerosos da cultura latina no grupo das nações vitoriosas. Certamente,teremos de fazer sacrifícios. Mas, que grande causa já triunfou sem sacrifícios, que grande e digno povo jáconseguiu garantir o seu patrimônio de civilização sem por ele lutar? Não é demais, por conseguinte acentuar aimportância da missão interna e externa dos nossos expedicionários e dizer a todos os que servem sob o pavilhãoauriverde - oficiais de carreira, convocados e conscritos - que nos aguardam heróicas e perigosas jornadas. Odestemor dos fortes cresce diante das dificuldades. Estou certo de que combateremos sem esmorecimentos, onde ecomo for preciso.

Dirigindo-vos a palavra neste momento, soldados do Brasil, dirijo-me na verdade à Nação inteira, hojemobilizada, dirijo-me aos que vão para as linhas de frente e aos que dentro do País, nos quartéis, nos navios, nosaeródromos, nas fábricas e nos campos trabalham para aumentar o nosso poderio econômico e militar.

A vitória das Nações Unidas será a nossa vitória e cada dia se torna mais próxima.

Page 112: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 112

Para alcançá-la já contribuímos de forma considerável e o faremos melhor daqui por diante, guerreando,ombro a ombro, com os denodados defensores da civilização.

Soldados do Brasil:Agradecendo as vossas homenagens, hoje mais expressivas do que em qualquer outra ocasião, concito-vos

a não poupar esforços em defesa da honra e da integridade da Pátria.Mantenhamos estreita união; apaguemos dissensões subalternas; porque assim seremos mais fortes na luta

e mais justos na paz.A vós e aos vossos comandados, às vossas famílias e às famílias dos nossos soldados, que atualmente são

todas as famílias brasileiras, apresento, neste último dia do ano de 1943, as minhas saudações amigas e ardentesvotos de melhores e mais tranqüilos dias.

Page 113: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 113

A Preparação e o Patriotismo do Corpo Expedicionário,A Preparação e o Patriotismo do Corpo Expedicionário,A Preparação e o Patriotismo do Corpo Expedicionário,A Preparação e o Patriotismo do Corpo Expedicionário,Improviso Agradecendo a Saudação do GeneralImproviso Agradecendo a Saudação do GeneralImproviso Agradecendo a Saudação do GeneralImproviso Agradecendo a Saudação do GeneralMascarenhas de Morais, 20 de Maio de 1944Mascarenhas de Morais, 20 de Maio de 1944Mascarenhas de Morais, 20 de Maio de 1944Mascarenhas de Morais, 20 de Maio de 1944

Senhores:Agradeço as saudações que me são dirigidas pela brilhante oficialidade da Força Expedicionária Brasileira,

através da palavra autorizada do seu Comandante.A todos vós, Senhores Oficiais, desde o vosso chefe, General Mascarenhas de Morais, profissional

competente, conhecido pela sua austeridade e equilíbrio, aos mais graduados como aos de menor hierarquia, atodos estendo as minhas congratulações, pois todos são dignos de meu maior apreço e consideração.

A preparação moral e material da nossa oficialidade, o seu valor e patriotismo, estão a indicá-la comocapaz de rivalizar com a dos nossos aliados. E, ainda agora, os brilhantes exercícios que acabamos de presenciar,executados sob a imediata direção do General Oswaldo Cordeiro de Farias, bem evidenciaram o alto grau da suaeficiência militar e técnica, apurada em árduos e rigorosos treinamentos.

Estou satisfeito e orgulhoso convosco, como deve estar o Sr. Ministro da Guerra com os resultados da suainfatigável atividade na formação e aparelhamento da Força Expedicionária. Breve demonstrareis a vossaorganização combativa defrontando os exércitos inimigos; e nesse lance vos acompanhará o reconhecimento doPovo Brasileiro, que compreende e aceita varonilmente o dever de lutar nãos para desagravar-se das ofensasrecebidas, como para ganhar o direito de intervir nas decisões da paz.

Embora estejamos cerros de sair vitoriosos é muito cedo para fazer-se a história da atual guerra. Ossegredos militares ainda não permitem que o público tenha conhecimento de muitos fatos cuja revelação causariasurpresa. Uma coisa, porém, desde já podemos afirmar: a vitória só se inclinou decisivamente para os Aliadosquando os Estados Unidos lançaram sobre um dos pratos da balança o peso formidável do potencial de suasindústrias. Aviões, tanques, navios, máquinas de guerra, combustíveis explosivos, munições e viveres foramremetidos aos exércitos combatentes através da África, da Ásia e da Europa, permitindo-lhes resistirvantajosamente à ofensiva dos inimigos enquanto as tropas norte-americanas se aprestavam para entrar de cheionos campos de batalha.

Daí tiramos a nossa primeira lição da atual guerra. Só os países suficientemente industrializados e aptos aproduzir dentro das próprias fronteiras os materiais bélicos de que necessitam podem realmente ser consideradospotências militares. E a propósito convém assinalar que a instalação das indústrias pesadas, com as que lhes sãocomplementares, objetiva precisamente assegurar-nos situação semelhante em futuro próximo, habilitando-nos afabricar as armas e munições indispensáveis à nossa defesa. Estamos apenas na fase inicial desse plano deaparelhamento, mas o que resta fazer será fácil depois de terminada a guerra.

Permiti ainda, Senhores Oficiais, que vos encareça o espírito de coesão - fluido maravilhoso da mútuaconfiança e da afinidade das consciências - que deve existir entre vós e os soldados que ides levar à luta.

Há entre vós e eles uma diferença substancial que não é demais acentuar nesta oportunidade. Fizestesprofissão da carreira militar. Condicionastes, desde moços, vossa existência a uma vocação livremente escolhida:viver para servir à Pátria em todos os instantes; estudar e trabalhar continuamente; aperfeiçoar cada vez mais osconhecimentos especializados; adquirir um máximo de eficiência para dar cabal desempenho às tarefas decisivasda missão de combater e comandar.

Page 114: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 114

A situação dos soldados é bem diversa. Foram convocados por um curto prazo como cidadãos, a fim decumprirem o seu dever para com a Pátria, retornando depois às atividades civis. Tendes sobre eles, além dasuperioridade hierárquica, maior cultura, maior capacidade de ação, maior competência profissional, enfim, maiorcompreensão. Existe em cada oficial um educador - educador não só pelo ensino que ministra aos subordinadoscomo pelo exemplo das suas virtudes, preparo e valor. Uma vez que ides conduzi-los à guerra, correndo osmesmas riscos, é humano, é de toda conveniência que, sem prejuízo do respeito e, da disciplina, vejam em cada umde vós um amigo que se interessa pela sua sorte, pelos seus sofrimentos, pelo seu conforto, pela sua vida. Isso darámaior coesão à tropa, fortalecendo-lhe o espírito de cooperação e reforçando-lhe a combatividade. A convivênciaobrigatória da existência em campanha cria a camaradagem das armas e profundos vínculos de solidariedade moralentre comandantes e comandados - solidariedade que transforma os exércitos em fortalezas invencíveis.

Não vos melindreis porque assim vos fale. Nenhuma intenção de censura empresto a estas considerações,pois estou certo de que elas correspondem às vossas disposições de espírito e aos vossos íntimos sentimentos. Napalavra e no pensamento do Chefe do Governo se refletem também a amizade e a consideração que lhe mereceis.É uma forma de sentimento fraterno de irmão mais velho, que se julga com o direito de dar conselhos a quem sabeouvi-los e compreender. E é justamente este sentimento fraterno que deve unir a todos para maior glória eengrandecimento da Pátria Brasileira.

Page 115: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 115

Planejamento Econômico, Discurso Pronunciado no Catete,Planejamento Econômico, Discurso Pronunciado no Catete,Planejamento Econômico, Discurso Pronunciado no Catete,Planejamento Econômico, Discurso Pronunciado no Catete,em 30 de Outubro de 1944em 30 de Outubro de 1944em 30 de Outubro de 1944em 30 de Outubro de 1944

Senhores:Mais do que em outras ocasiões graves da sua vida o Brasil enfrenta, neste momento, um problema

imperioso: o da organização da economia nacional em bases consistentes, capazes de suportar, sem crisesprofundas, o desenvolvimento das forças produtivas, mantendo o ritmo do progresso com o máximoaproveitamento das suas fontes de riqueza e do seu potencial humano.

Só as mentalidades impermeáveis aos ensinamentos dos fatos podem acreditar ainda na validade dosprincípios do laisser-faire econômico e nos seus corolários políticos. O livre jogo das forças sociais, no estágiode evolução a que atingimos, é a anarquia pura e simples. Esta verdade, cabalmente confirmada pelas imposiçõesda guerra às grandes potências mundiais, torna-se de maior evidência em relação aos povos como o nosso, emplena fase de crescimento e expansão. País novo, no sentido da apropriação dos recursos naturais e sua valorização,o Brasil reclama disciplina e método em todas as atividades criadoras de riqueza.

A Comissão de Planejamento, que ora instalamos, não se destina a intervir compulsivamente naorganização econômica, nem pretende entravar a iniciativa particular, mas, pelo contrário, ampará-la, quando tiverum sentido realizador e orgânico. Deverá agir apenas como instrumento de orientação, ajustando odesenvolvimento geral do País a diretivas racionais e previdentes, evitando desperdícios e perturbações sociais.

Os objetivos a atingir, quaisquer que sejam os esquemas propostos de trabalho, estão compreendidosnestes problemas básicos: - o da exploração produtiva das virtualidades do nosso território e o da melhoria dohomem brasileiro. E esse programa exige, por sua vez, a solução de duas questões preliminares e vitais: aindustrialização e educação técnica.

Sem trabalho científico na exploração da terra continuaremos a “fazer desertos”; sem acompanhar asconquistas técnicas não teremos indústrias verdadeiras, mas apenas extensas manufaturas, utilizando mão-de-obrapor processos rudimentares.

O combate ao colonialismo econômico é precisamente um dos pontos doutrinários em que todos osbrasileiros estão de acordo. Produzir à maneira colonial quer dizer baixo rendimento do capital empregado,operariado sem estímulos, salários ínfimos, subconsumo e, conseqüentemente, superprodução.

Em outra oportunidade, por ocasião da Conferência de Interventores, em 1938, lembrei a conveniência dozoneamento das culturas segundo as determinantes geográficas. A Comissão de Planejamento certamente tomará aseu cargo os estudos para isso necessários. O nosso País, estendido da faixa equatorial até muito abaixo do trópico,exige o aproveitamento máximo das condições naturais. Isto só poderá ser alcançado quando dispusermos deenergia abundante e de custo módico. Para obtê-la possuímos carvão, petróleo e potencial hidráulico. São fontes deenergia que esperam uso largo e intensivo em substituição do esforço braçal.

No setor das indústrias metalúrgicas precisamos progredir o mais rapidamente possível, fabricandomáquinas produtoras de máquinas, que nos encaminharão depois às máquinas das indústrias leves, fornecedoras deutilidades de consumo imediato. Com a instalação da nossa primeira usina siderúrgica, de proporçõesconsideráveis, poderemos, desde logo, iniciar a indústria química autônoma. Máquinas-ferramentas, máquinas-agrárias, combustíveis, transportes - são os elementos primaciais para a ampliação e intensificação das nossasculturas. Ensino técnico generalizado e eficiente, condensação de núcleos demográficos para facilitar a

Page 116: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 116

industrialização, apropriação imediata das zonas mais férteis e sua ligação aos centros distribuidores, representametapas obrigatórias de um programa coerente e construtivo.

A reforma agrária que teremos de empreender não implica redistribuição, porque não temos, como outrospovos, escassez de terras. A tarefa apresenta-se com outros aspectos: - os de técnica agrícola, de aparelhamento eeducação para o trabalho.

Urge mecanizar a lavoura e industrializar os seus produtos, para enfrentarmos as necessidades do crescenteaumento das populações e as exigências da exportação. É processo retrógrado de produção o que despreza ossubprodutos, limitando-se às forças primárias de utilização. Até agora temos trabalhado empiricamente, instalandoindústrias ao sabor das perspectivas eventuais de lucro. Necessitamos, daqui por diante, atender com maior cuidadoàs questões de rendimento e possibilidades de exportar produtos transformados em vez de matérias-primas emgêneros de alimentação. Para atingir tal objetivo impõe-se reequipar as indústrias existentes e criar outras que lhessejam complementares.

Só assim poderemos aumentar a renda nacional, ampliando a produção e o consumo. Quando issohouvermos conseguido os problemas propriamente defensivos encontrarão natural e rápido encaminhamento,porque disporemos dentro do Pais de todos os elementos materiais e humanos indispensáveis ao aparelhamentomilitar.

Programa tão fácil de resumir reclama - bem o reconheço - o melhor das energias nacionais. Elas já estãomobilizadas para a guerra justa aos nossos agressores. Continuemos, pois, neste estado de alerta e de esforço com ofim de solidificar as bases da nossa produção, assegurando ao capital rendimentos satisfatórios e ao trabalhosalários compensadores.

O Brasil, vitorioso juntamente com os seus aliados na luta que está travada, com o crédito fortalecido pelaestabilidade da sua situação financeira, encontrar-se-á, finda a guerra, em condições sobremodo favoráveis paraexpandir-se e acelerar o seu progresso econômico.

Acredito que vos achais compenetrados da seriedade do momento, da importância de todas ascontribuições e da necessidade de trabalhar dedicada e silenciosamente pelo engrandecimento da Pátria.

Não preciso indicar nem ampliar os perigos que nos rodeiam. Os povos fracos, herdeiros de base territorialvasta e rica, são, naturalmente, presa cobiçada. E não é apenas pela invasão manu-militari que podem perder asua independência e sofrer ameaças à sua soberania. Também isso acontece quando pela alienação das indústrias-chave se cedem os materiais estratégicos e se confiam a mãos alheias os fatores capitais da defesa nacional.

A Comissão de Planejamento, com a firme colaboração que estabelecerá entre os elementos militares,preocupados com os problemas de segurança, e os mais amplos setores da atividade privada, vai realizar tarefasque serão verdadeiras provas de seleção patriótica. O novo órgão do Estado saberá, por certo, contrapor-se aospropósitos solenes de especuladores e monopolistas e às influências pessoais ou de grupos, permanecendo fiel aossuperiores interesses da Nação.

Page 117: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 117

A jornada da Recomposição Democrática DiscursoA jornada da Recomposição Democrática DiscursoA jornada da Recomposição Democrática DiscursoA jornada da Recomposição Democrática DiscursoPronunciado no Palácio Guanabara em 3 de Outubro dePronunciado no Palácio Guanabara em 3 de Outubro dePronunciado no Palácio Guanabara em 3 de Outubro dePronunciado no Palácio Guanabara em 3 de Outubro de1945194519451945

Senhores:A data de hoje, a que as vossas demonstrações emprestam cunho renovador de entusiasmo e de luta,

evocam um grande momento da vida brasileira. Em 1930, em todo Brasil se levantavam multidões de patriotasdestemidos, dispostos a dar tudo pela vitória da causa revolucionária e pela reforma política do Brasil. Hoje, comonaquele dia memorável, compreendo os anseios do nosso povo, desejoso de abrir, em meio às incertezas das horasque vivemos, caminho seguro para o seu progresso.

Nos últimos dez meses, exatamente quando se desenhou nítida a vitória da causa comum da II GuerraMundial, iniciamos a jornada da nossa recomposição democrática, estabelecendo as franquias necessárias à livremanifestação da vontade do povo brasileiro: - liberdade ampla de associação e expressão; anistia completa dosdelitos políticos; lei eleitoral; organização de partidos e emenda constitucional fixando as eleições gerais para aescolha do Parlamento e do Presidente da República.

Pela lei constitucional nº 09, a Constituição de 1937 continua em vigor, salvo quanto à matéria reguladapelo referido ato, chamado popularmente adicional.

O futuro Parlamento poderá emendar, modificar ou reformar a Constituição, respeitando as instituiçõesnela estabelecidas, conforme afirmei na minha entrevista de Petrópolis, defendendo aquela lei tão acerbamenteatacada. Alegava-se, nessa oportunidade, que a Constituição de 1937 estava perempta, que a emenda nº 09 erailegal, emanadas uma e outra de um governo também ilegal. Os críticos de ontem já não pensam hoje do mesmomodo. Apresentam-se agora como os defensores intransigentes e acirrados do chamado Ato Adicional,consideram-no a essência da legalidade e não admitem que possa ser modificado. Como se vê, reformaram-se osjuízos, reconhecendo que a Constituição de 37 permanece em vigor e não é tão má como a pintavam. Essamudança de atitude só é para mim motivo de satisfação.

Venho recebendo de todos os recantos do País, através de milhares de telegramas, cartas e notícias decomícios públicos, insistentes apelos, agora reiterados pelo povo da Capital Federal, nesta demonstraçãoimpressionante, para convocar uma Constituinte com poderes expressos para elaborar nova carta básica daorganização política do País, isto e, uma nova Constituição. Sem dúvida, a eleição de uma Constituinte é processogenuinamente democrático, em perfeito acordo com as nossas tradições. Assim se fez em 1891, assim se fez em1934. Não precisamos, para isso, ir buscar exemplos nem lições do estrangeiro. Possuímos também a nossatradição de democracia política, étnica e social.

Mas, para atender a esses reclamos, manifestados na forma direta e espontânea dos verdadeirospronunciamentos populares, o governo teria de modificar a lei constitucional nº 9, e não poderia fazê-lo sem amanifestação favorável dos órgãos autorizados de opinião - os partidos, as entidades de classe, as forçasorganizadas. O meu dever é cumprir a lei. Farei tudo que de mim depender para que o povo escolha livrementeseus candidatos.

Apesar das minhas atitudes públicas sempre claras, insistem em criar um ambiente de suspeitas edesconfianças, propalando que pretendo dar um golpe para continuar no poder. Perante Deus, que é o supremo juizde minha consciência, perante o povo brasileiro com a qual tenho deveres indeclináveis, reafirmo que não sou

Page 118: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 118

candidato e só desejo presidir eleições dignas da nossa educação política, entregando o Governo ao meu substitutopossibilidades de partidos políticos de âmbito nacional e de estrutura ideológica.

Com efeito, a consciência política alcançada pelas grandes massas é a maior segurança para a superação devícios tradicionais legalmente escolhido pela nação.

Mas, se para realizar as aspirações do povo em relação à Constituinte e abrir com a sua convocação novaspossibilidades a uma melhor solução do problema eleitoral, que julgam não estar colocado em bases democráticas,dissipando assim dúvidas e conciliando todos os brasileiros, for necessário o meu afastamento do governo, nãohesitarei em tomar essa resolução espontaneamente, com o ânimo sereno de quem cumpre um dever até o fim.Recolhendo-me ao sossego da vida particular, guardarei no silêncio e na obscuridade, sem amarguras, a mesmaatitude de devoção pela Pátria, de amor pelo seu povo, sempre tão nobre, bravo e generoso.

Devo acrescentar que atravesso um momento dramático da minha vida pública em que preciso falar aopovo com prudência e lealdade. A convocação de uma Constituinte é um ato profundamente democrático que opovo tem o direito de exigir. Quando a vontade do povo não é satisfeita, ficam sempre fermentos de desordem erevolta. E nós precisamos resolver o nosso problema político dentro da ordem e da lei. Devo dizer-vos que háforças reacionárias poderosas, ocultas umas, ostensivas outras, contrárias rodas à convocação de uma Constituinte.Posso afirmar-vos que, naquilo que de mim depender, o povo pode contar comigo. Quero terminar apresentando-vos os meus agradecimentos por esta demonstração cívica de tão alta significação. Ida bem demonstra que o povobrasileiro possui educação cívica, sabe o que quer e sabe para onde vai. Diante desta manifestação, que considerocomo uma delegação da vontade popular, me sinto largamente compensado das agruras que tenho sofrido porservir com devotamento ao povo brasileiro.

Page 119: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 119

Manifesto ao Renunciar ao Governo, 30 de Outubro de 1945Manifesto ao Renunciar ao Governo, 30 de Outubro de 1945Manifesto ao Renunciar ao Governo, 30 de Outubro de 1945Manifesto ao Renunciar ao Governo, 30 de Outubro de 1945

Ao povo brasileiroEm todos os momentos decisivos de minha vida pública sempre procurei pairar acima das paixões e

choques personalistas, pensando somente no bem da Pátria.Não me afastarei ainda agora dessa atitude de serena elevação.Abstenho-me de analisar os graves acontecimentos que me levaram a renunciar ao Governo a fim de evitar

ao País maiores males e abalos irreparáveis.A História e o tempo falarão por mim, discriminando responsabilidades.Ao afastar-me da vida pública quero apenas dizer aos brasileiros palavras de compreensão e de confiança

nos seus juízos definitivos.Não tenho razões de malquerença para com as gloriosas Forças Armadas da minha Pátria, que procurei

sempre prestigiar. Nenhum governo se esforçou mais do que o meu pelo seu fortalecimento. Nenhum outro cuidoutanto da sua preparação profissional, do selecionamento dos seus quadros, do seu aparelhamento material, damelhoria de suas condições de trabalho e conforto.

Ao povo brasileiro procurei servir sempre, defendendo com intransigência as suas aspirações e legítimosinteresses.

Faço votos para que a serenidade volte aos espíritos e todos se compenetrem das tremendasresponsabilidades do momento.

Não guardarei ódios nem prevenções pessoais.Os trabalhadores ,os humildes, aos quais nunca faltei com o meu carinho e assistência - o povo, há de me

compreender. E todos me farão justiça.

Page 120: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 120

Carta Manifesto ao Senador Salgado Filho, em São Borja,Carta Manifesto ao Senador Salgado Filho, em São Borja,Carta Manifesto ao Senador Salgado Filho, em São Borja,Carta Manifesto ao Senador Salgado Filho, em São Borja,07 de Junho de 195007 de Junho de 195007 de Junho de 195007 de Junho de 1950

Eminente amigo Senador Salgado Filho.Constituiu para mim grata satisfação pessoal e cívica receber a visita dos Delegados incumbidos de

transmitir-me a deliberação unânime do Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro, tomada em reuniãoextraordinária de 6 do corrente, para indicar meu nome à Convenção como candidato à Presidência da Repúblicano pleito de 3 de outubro vindouro.

Esse pronunciamento prévio, como era natural, desvaneceu-me profundamente, embora, por haver jáocupado os mais altos postos na carreira pública, sempre tenha e continue a ter o mais vivo desejo de cooperar parao bem geral fora de posições oficiais, como tão reiteradas vezes venho fazendo sentir a todos quantos me honramcom a sua visita nesta morada distante dos centros de agitação política. Estão, entretanto, sempre presentes ao meuespírito os insistentes apelos quotidianamente recebidos de todos os pontos da País, para concorrer à próximaeleição presidencial. Fui dos primeiros a apoiar a democrática sugestão do Governador Walter Jobim para que setentasse o encontro de um candidato comum, capaz de realizar não só os desígnios dos diversos partidos nacionais,como um conjunto de soluções para os prementes problemas da vida política, econômica e administrativa de nossoPaís. Apressei-me mesmo a dar àquela sugestão todo o meu apoio pessoal e a encarecer junto dos nossoscorreligionários a conveniência de nos encaminharmos a favor da generosa tentativa do ilustre governador gaúcho.Não foi, assim, por obra ou imposição nossas, que não se chegou a um entendimento geral. Bem sei que, nestaaltura, a União Democrática Nacional lá sufragou, pelo voto unânime de seus convencionais, o nome do eminentebrasileiro Brigadeiro Eduardo Gomes, assim como o Partido Social Democrático está às vésperas de aprovar aescolha do preclaro compatriota Dr. Cristiano Machado.

Sem me querer furtar à imposição proveniente da direção do Partido Trabalhista Brasileiro, desejara que,antes de qualquer resolução definitiva, V. Exª tomasse a seu cargo a patriótica tarefa de consultar às Direçõessupremas da PSD e da UDN sobre a possibilidade de um reexame da situação.

Não obstante já estarem lançadas duas candidaturas de dois nomes ilustres, dignos em todos os sentidos;não obstante se apresentar agora, como injunção partidária, o meu nome para concorrer nesse pleito, mais uma vezme dirijo a todos. E desta vez o faço solenemente, perante a Nação, num apelo no sentido de pormos de ladocompromissos, injunções, interesses partidários, veemências e anseios de luta, para alcançarmos em comumacordo, entre os expoentes do sentimento nacional, uma solução digna entre nós e digna de nosso povo.

Com esse gesto desejo contribuir para a paz entre os brasileiros e para que todas as forças vivas do Brasildepositem sua confiança nas soluções democráticas.

Se, entretanto, as circunstâncias não permitirem uma solução favorável, por parte das nobres Direções daUnião Democrática Nacional e do Partido Social Democrática, fica V. Exª autorizada a transmitir a todos os nossoscompanheiros de luta e aos trabalhadores em geral minha firme decisão de submeter-me ao desejo deles, aceitandoa candidatura que já também me oferecera o eminente Governador de S. Paulo, Dr. Adhemar de Barros, por ele epelo Partido Social Progressista, na forma do entendimento escrito e firmado por nós ambos para marcharmos decomum acordo na próxima sucessão presidencial.

Caso as urnas confirmem a indicação de meu nome prometo consagrar todos os meus pensamentos eenergias ao serviço da administração do nosso País, dentro dos preceitos do regime vigente e fiel aos ideais de

Page 121: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 121

unidade nacional, paz social e estímulo e amparo a todas as forças da produção e do trabalho.Julgando ter assim correspondido à confiança em mim depositada pela alta Direção do Partido Trabalhista

Brasileiro, tenho a honra de subscrever-me

GETÚLIO VARGAS

Page 122: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 122

Mensagem Dirigida ao Povo Brasileiro no Encerramento daMensagem Dirigida ao Povo Brasileiro no Encerramento daMensagem Dirigida ao Povo Brasileiro no Encerramento daMensagem Dirigida ao Povo Brasileiro no Encerramento daCampanha Presidencial, São Borja, 30 de Setembro deCampanha Presidencial, São Borja, 30 de Setembro deCampanha Presidencial, São Borja, 30 de Setembro deCampanha Presidencial, São Borja, 30 de Setembro de1950195019501950

Povo brasileiro!Trabalhadores do Brasil!Cumprindo a determinação legal, encerro hoje, aqui nesta longínqua cidade missioneira e minha terra

natal, a campanha em que me envolvi por força dos apelos populares, recebidos sem cessar, durante cerca de trêsanos, de todos os recantos do País.

Já agora chegou o momento de correr os olhos sobre esses quase dois meses de jornada e de fazer, perantea Nação, que dentro de poucos dias nos vai politicamente julgar, o balanço das forças que foram ao meu encontrona longa peregrinação cívica iniciada em Porto Alegre a 9 de agosto.

Sem exagero, posso afirmar: tornei a ver o Brasil inteiro na imensa variedade dos acidentes físicos da terra,e ouvi todas as vozes clamando por um dia melhor.

Da vastidão amazônica a estas fronteiras meridionais, das populações de beira-mar às do Brasil Central, opovo me acolheu carinhosamente, e mais me falou dele do que eu de mim, transmitindo-me as suas queixas, asamarguras e dificuldades atuais.

Fiz de público, por toda parte, uma completa prestação de contas de meu Governo e um confrontoimparcial, menos com palavras do que com fatos e documentos, entre o que conseguira fazer e a triste e inerteapatia dos que me sucederam.

O meu testemunho pessoal poderia ser inquinado de suspeito, quanto às estrepitosas manifestações que metributaram, sem descontinuidade, os brasileiros de todas as capitais, cidades e povoações que visitei. Mas agrandiosidade da concorrência e o entusiasmo delirante com que fui recebido estão indelevelmente gravados namemória de todos, desde os que assistiram até os que as ouviram nas transmissões radiodifundidas.

Não disponho de nenhuma parcela de poder: minha campanha resultou de um movimento genuinamentepopular; não tenho os recursos em dinheiro de que dispõe o oficialismo, forçoso, portanto, é concluir pelaespontaneidade daquelas provas de afeto das multidões que me foram abraçar depois de eu me haver, durantequase três anos, recolhido a este retiro, distante das agitações, das intrigas e das cabalas.

Justa é, assim, a expectativa de que esses aplausos se convertam em sufrágios em quantidade mais do quesuficiente para segurança da vitória no pleito de 3 de outubro.

Em tudo quanto de mim dependeu, a campanha presidencial decorreu nos moldes de uma pugnademocrática e civilizada, uma luta entre cavalheiros, sem as agressões pessoais do velho estilo, nem osincitamentos à desordem material e à violação da legalidade.

Não acendi fogueiras de paixões nem faltei, mesmo de leve, às imposições da verdade histórica. E nemaçulei a revolta das massas, empobrecidas pela terrível alta do custo de vida e desfalcadas, acima de tudo, dotesouro das esperanças.

Poupando os homens ao insulto pessoal que não é nem jamais foi do meu feitio, limitei-me a apontar-lhesos erros.

E a todas as classes - as que trabalham e produzem - prometi, para os cinco anos vindouros, um programaao mesmo tempo racional e realista, construtivo e patriótico.

Page 123: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 123

Registrado sob a legenda de dois grandes partidos políticos - o Partido Trabalhista Brasileiro e o PartidoSocial Progressista - com o concurso poderoso de fortes contingentes do Partido Social Democrático, não sou,entretanto, candidato de matiz estritamente partidário, e sim um homem que consentiu em disputar o pleito,atendendo aos apelos formais do povo, sem distinção de classes sociais, nem categorias políticas.

E ao povo brasileiro, portanto, e sobretudo aos trabalhadores, meus dedicados amigos de todas as horas,que dirijo esta mensagem de agradecimento e de garantia de minha fidelidade aos seus anseios e às suasesperanças.

Confiem os eleitores na segurança do voto secreto, e, sem receio de vinditas nem perseguições, depositemnas urnas as cédulas que contenham os nomes de sua meditada preferência. Se elas consagrarem a minhacandidatura, não faltarei jamais ao povo. Juntos governaremos o Brasil.

Resta-me, agora, o dever de advertir os poderes públicos no sentido de que, de hoje até o último dia doGoverno atual, mantenham o País numa atmosfera de paz interna, de respeito aos direitos e garantias individuais,de acatamento às decisões da Justiça Eleitoral, a fim de que as transmissões de mando se operem em favor dos queo povo realmente escolheu pelo voto livre, na União, nos Estados e Municípios.

Esse é o preceito fundamental da democracia: o povo elege e o eleito governa.Os partidários mais categorizados do candidato oficial à Presidência da República, em desespero de causa,

já esboçam tentativas de golpes brancos, como o adiamento das eleições, visando esgotar os recursos doscandidatos populares, que não dispõem das arcas do Banco do Brasil. Projetam-se contra os dois candidatos deoposição, empregam processos de suborno, ameaças e violências, para vencer as eleições. Um entendimento tácitopara a reação é o que resta aos ameaçados da continuidade dessa situação lamentável em que pretendem afundar oBrasil.

De minha parte, tudo foi feito para que o desfecho da luta eleitoral coroe as aspirações de todos osbrasileiros pela vigência efetiva dos preceitos constitucionais. Não transigirei, porém, com qualquer desrespeito àsentença das urnas, que, espero, estarão ao livre acesso dos alistados, serão invioláveis e terão os votos apuradosrigorosamente, de acordo com a lei.

Brasileiros! Trabalhadores do Brasil!Bem sabeis que não costumo fazer promessas vãs. Basta lembrar que o programa de candidato de 1930 foi

superado pelas realizações de meu Governo. Creio ser esta a razão principal da confiança que em mimdepositastes, arrancando-me deste retiro para uma nova jornada de reafirmação patriótica.

Aqui, deste querido solo samborjense que me viu nascer, entre a saudade dos meus antepassados e odesabrochar das esperanças daqueles que nos sucederão, levanto mais uma vez a minha voz para dizer ao povobrasileiro que estou com ele, identificado pelo pensamento e pelo coração, e que as minhas reservas de energia e alonga experiência da minha vida pública, serão consagradas à luta pelo seu bem-estar, se formos, como espero,vitoriosos.

Esta é a minha mensagem de gratidão aos vossos sentimentos de afeto e solidariedade; mensagem deconfiança nas manifestações da vontade popular, que afirmará a 3 de outubro o que me prometeram em todos osrecantos do Brasil, nas praças públicas das capitais, nos pequenos largos das cidades do interior, ao longo dasavenidas mais ricas como das estradas mais abandonadas.

Agora, nestas horas finais, que precedem o embate decisivo das forças partidárias, renovo, perante vós, aminha fé nos postulados cristãos da justiça social e nos gloriosos destinos do Brasil.

Page 124: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 124

Mensagem ao Congresso Nacional Por Ocasião daMensagem ao Congresso Nacional Por Ocasião daMensagem ao Congresso Nacional Por Ocasião daMensagem ao Congresso Nacional Por Ocasião daAbertura da Sessão Legislativa de 1951Abertura da Sessão Legislativa de 1951Abertura da Sessão Legislativa de 1951Abertura da Sessão Legislativa de 1951

Senhores Membros do Congresso Nacional:No início do novo Governo, quando se inauguram os trabalhos da presente legislatura, proporciona-me o

preceito constitucional a almejada oportunidade de vos expor a situação do País e os grandes problemas com quenos defrontamos.

Esta é, também, uma mensagem de cordial colaboração do Poder Executivo, na qual desejo, inicialmente,manifestar a minha inteira confiança no labor objetivo e fecundo do Congresso, no sentido de dotar o País, nomenor tempo, da legislação adequada ao seu desenvolvimento econômico e social, e de prover o Poder Executivocom os recursos legais para uma ação plástica e eficiente nas novas condições externas e internas, bem como para odesempenho pleno e responsável dos seus deveres perante a Nação.

Registrarei os aspectos mais significativos e os fatos relevantes da situação do País, conquanto não fossepossível, nos primeiros dias de Governo, coligir todos os elementos informativos, com a desejável minúcia, poisnão encontrei elaborados os relatórios do ano transato. A administração, no entanto, tem caráter permanente, aindaque variem seus responsáveis ou suas diretrizes políticas. De minha parte, espero poder preservar a continuidadeadministrativa, em tudo o que não for superado pela experiência, pelo pronunciamento das urnas ou pelascondições emergentes da vida nacional e internacional.

E meu desejo amiudar estes contatos com o Poder Legislativo, para que, num espírito de mútuacompreensão e colaboração, possamos acelerar o ritmo de trabalho dos dois poderes, no estudo e solução dosingentes e complexos problemas nacionais, emprestando, assim, à ação governamental presteza e eficácia, como ascircunstâncias estão a exigir.

A cooperação será a atitude constante do Executivo. Podeis contar com a sua solicitude e empenho emfornecer-vos todos os elementos informativos de que dispuser, não só a pedido vosso, mas antecipando-se a ele,por iniciativa própria e prática regular, para o que já estou determinando as necessárias providências. Podeismesmo contar com a sua assistência permanente em tudo aquilo em que dependerdes da administração para operfeito desempenho da vossa missão de representantes do povo.

Confio na ação pronta e eficiente do Congresso, na vossa lúcida interpretação das aspirações populares,traduzidas numa legislação adequada aos imperativos e contingências de nossa época. Pronto estou para pôr emexecução, como me cumpre, os vossos decretos, e sugerir-vos os projetos que pareçam ao Executivo, com aexperiência do Estado em ação, atender às necessidades do País e traduzir os seus anseios.

Fomos todos nós distinguidos pela confiança popular nas eleições de 03 de outubro. Parece-me oportunofixemos de logo o sentido desse acontecimento marcante na história do sistema representativo brasileiro, pois desseesclarecimento advirá melhor compreensão da própria situação do País.

O último pronunciamento das urnas teve um cunho democrático, inédito pela sua força e significação.Mais uma vez cumpre-me ressaltar, como já o fiz em ocasiões anteriores, a lisura com que se fez o pleito e se pôsem execução a lei, o que honra o vigente sistema eleitoral. Este acontecimento revelou a eficácia das nossasinstituições, estabelecidas pelo Governo Provisório de 1930, que me coube chefiar, e baseadas, de um lado, nosufrágio secreto e no uso mais extensivo possível do direito de voto; e, de outro, na segurança e imparcialidade daapuração, processo que se instituiu na Justiça Eleitoral. O regime democrático e republicano, submetido à prova

Page 125: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 125

nesse prélio, dele saiu revigorado e consolidado.Não é pelo aspecto formal, que mais avulta a eleição de outubro. E antes pelo seu significado profundo.

Todavia, do ponto de vista formal, haveria ainda que pensar no aperfeiçoamento dos métodos que, sem prejuízo dasegurança, permitissem acelerar o processo de alistamento, votação e apuração das eleições.

Sem embargo desses inconvenientes, o processo eleitoral permitiu às grandes massas liberarem-se domedo dos controles e sanções, e, assim, da submissão às oligarquias eleitorais e do seu poder arbitrário. Força éreconhecer que não está ainda definitivamente superado o caciquismo e a política de campanário. É preciso tempopara extirpar vícios arraigados. Por outro lado, é necessário que floresçam, em substituição à política de clientelas,quadros de líderes orientados por idéias que conquistem a compreensão e a confiança das massas; e, ainda, éimprescindível a uma completa liberdade eleitoral a libertação do temor e da necessidade, o que se conseguirá poruma substancial elevação dos níveis de vida das mais numerosas camadas do nosso povo. Eis por que tem sidominha preocupação constante a realização da democracia econômica e social, através da proteção ao trabalhador eda melhoria das condições de vida dos humildes.

Embora não tenhamos atingido ainda à plena maturação desse processo evolutivo, é certo que, opronunciamento das urnas demonstra uma reconquista da consciência do povo, uma afirmação das massas, outroraapáticas e submissas, da sua vontade de participar efetivamente do poder. A eleição não veio aprovar um estado decoisas, nem consagrar os grupos dominantes. Veio antes fazer desaparecer o afastamento entre as forças sociais e oEstado.

Num regime em que a afirmação popular legítima não atingia senão limitadas áreas e classes, o voto, comosabemos, era a homologação de oligarquias, e o Estado ficava entregue a minorias privilegiadas, já afastadas dasrealidades sociais. Essa manipulação do Estado por alguns, no jogo dos interesses de grupos e de negóciospersonalistas, divorciava o poder público dos interesses eminentemente nacionais e dos problemas ingentes dopovo. A última eleição veio identificar o Estado com o povo. Foi uma reconquista do Estado pela sociedade viva.Aguçou-se, então, a capacidade de presença do Governo nos sentimentos e nos problemas populares, bem com seacresceram a legitimidade e o vigor das manifestações da soberania nacional.

Sinto-me particularmente feliz de ter sido a expressão da confiança e símbolo dessa afirmação nacional. Seno meu passado de lealdade ininterrupta aos interesses populares, interpretados acima de quaisquer injunções,encontrou o povo a razão para escolher-me, redobrado compromisso assumi para, com ele depois do seu calorosopronunciamento. Convocado novamente para a suprema direção do País, quando já me considerava desobrigadode suportar seus pesados encargos, pouco lhe poderei dar que seja de minhas próprias forças. Conto, porém, parabem desincumbir-me das novas responsabilidades, com as luzes e o patriotismo dos demais poderes, sobretudo doLegislativo, em seu relevante papel, e, ao vosso lado, com o apoio e a inspiração constantes da confiança popular.

A eleição de 03 de outubro revelou o alto nível de consciência política que, atingimos, face aos grandesobjetivos sociais e nacionais. Seus resultados, particularmente os que se registraram nos dois maiores Estados daFederação, demonstraram que foi superada a estreiteza do regionalismo político. Desta forma ficam nitidamentereforçadas as, para o progresso das instituições democráticas e do sistema econômico, e para o próprioaperfeiçoamento da máquina administrativa. Tendo formado na vanguarda de acontecimentos decisivos da nossarecente história política, desfraldando a bandeira da unidade nacional, é-me particularmente grato registrar, namensagem das urnas de 03 de outubro, o acerto da minha orientação, interpretando os anseios populares eprocurando no passado apressar a eliminação de artificiais obstáculos regionalistas que se antepunham aoprogresso econômico e social do País, c que eram cultivados por grupos com interesses nos monopólios deinfluência ou no próprio jogo dos conflitos regionais.

A responsabilidade do Governo, de que juntos partilhamos, é, na hora presente, tanto maior quando seconsidera que não estamos ainda assistidos pela atuação regular de partidos estruturados em consonância com opronunciamento das urnas.

O mandato de que fui investido, com o potencial de confiança de que estou plenamente consciente, impõe-me o dever de contribuir para orientar o poderoso impulso construtivo desse movimento popular, de modo a quepossa atingir seus objetivos no menor tempo.

Não temo a resistência dos pequenos grupos reacionários, em quaisquer setores, nem creio que tentem

Page 126: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 126

vãos esforços de sobrevivência de seus superados padrões de comportamento e de seus interesses anti-sociais. Seique eles carecem de importância, apesar de sua tenacidade, diante da dominante afirmação das forças do progressoe da própria capacidade de adaptação às circunstâncias históricas, que é uma das grandes virtudes da nossa gente.

Haveria, sim, a temer os desvios da energia desgastada nos movimentos populares sem firme direção; asespoliações e os enganos de que o povo tem sido vítima nessas fases de transição, enquanto não se preparam osnovos quadros dirigentes, ou se ajustam os elementos válidos das elites às exigências das novas realidades políticase sociais.

A primeira diretriz das urnas é a do Estado-serviço, com o qual o Governo do povo se exerce tambémcomo o Governo para o povo. Isso impõe a remodelação da administração e a revisão gradual de seus processos emétodos tradicionais, no sentido de implantar uma atitude democrática de serviço público, isto é, de servo do povo,no sentido mais puro da expressão.

Outra diretriz é a efetiva realização da igualdade de oportunidade na competição social. O princípio daigualdade perante a lei, sobre ser incompleto, não foi além de um ideal não realizado. O que havia eram condiçõesextremamente desiguais, conseqüentes das diferenças de fortuna e de nascimento. De fato, a ascensão social dosmais capazes era mínima, apesar de, em nosso meio, não medrarem os fortes preconceitos de cor e de casta, queem outras sociedades impedem a utilização plena das capacidades e aptidões individuais. As dificuldadeseconômicas, porém, persistem, entravando a escalada dos homens de origem humilde. E, enquanto isso, o sistemade educação e a maioria das instituições nacionais não estão ajustados para a democrática e saudável “circulaçãodas elites”.

Esta é uma conquista fundamental de justiça e uma garantia de Governo social, no mais alto sentido,sensível às mutáveis circunstâncias históricas e às reais aspirações populares.

Uma das instituições essenciais à realização desse princípio é o chamado “sistema do mérito”, queprocurei, quando de minha anterior administração, desenvolver no serviço público federal, como uma realizaçãoeminentemente democrática, e que sofreu rude retrocesso no período mais recente, particularmente no últimoexercício, com a lamentável cumplicidade dos próprios representantes do povo.

É preciso promover a realização da igualdade de oportunidades, principalmente pela mais equilibrada econstrutiva redistribuição dos frutos do trabalho e do capital, através do imposto e dos programas do Estado. Será aigualdade pela tributação dos excedentes de poder econômico, aplicados pelo Governo no sentido de dar maioresoportunidades ao maior número. Bem sei das dificuldades de aplicação deste princípio num País novo como oBrasil. Procurarei, contudo, adotá-lo, uma vez preservado o estímulo ao espírito de iniciativa e aos investimentosnecessários ao desenvolvimento geral, e organizado o aparelhamento administrativo para maior eficiênciaeconômica e social na aplicação dos recursos públicos.

A defesa dos padrões de trabalho através do aperfeiçoamento e execução da legislação trabalhista, aprevidência social e a assistência às massas trabalhadoras continuarão a ser um dos instrumentos dessa política, emobediência ao mandamento das urnas. Urge racionalizarmos as atividades assistenciais para melhoria dascondições de vida, tratando sobretudo dos problemas de imediato interesse para a higiene e a elevação daprodutividade - como é o caso da habitação e da alimentação - ainda que tais problemas dependam essencialmente,para solução completa e definitiva, do desenvolvimento econômico geral.

Tendo em vista o importante papel do crédito ao trabalhador, pequeno agricultor, artesão e industrial, seráesse um meio de que o Governo pretende lançar mão para estimular o espírito de empreendimento e de poupança,e para assim favorecer o acesso social dos mais capazes advindos das camadas populares.

É propósito do Governo amparar, através do crédito e da assistência técnica, o homem que trabalha eempreende, procurando criar novas fontes de produção e de emprego. Neste sentido, nenhuma política parece maisimperativa que a de baratear a terra e tornar acessível e estável sua propriedade, na extensão necessária àexploração econômica.

O balanço da situação do País revela que não são fáceis os nossos problemas, sobretudo pela flagrantedesproporção entre as nossas necessidades e as possibilidades atuais.

As justas aspirações do povo por uma vida melhor e mais feliz esbarram nas limitações de nossa realidadeeconômica, e da presente situação financeira. Os anseios e reivindicações dos assalariados crescem em ritmo

Page 127: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 127

superior ao da elevação dos salários e talvez mesmo do próprio crescimento da produção ou dos bens disponíveis.A defesa da economia popular contra a carestia da vida é firme propósito do meu Governo, a cuja

execução já dei início. Mas todos sabemos que os resultados definitivos dessa política só serão alcançados com osaneamento financeiro e o aumento substancial da produção.

A elevação dos níveis de vida, num País como o Brasil, depende, assim, muito menos da justa distribuiçãoda riqueza e do produto nacional, do que do desenvolvimento econômico. A grande verdade é que temos poucoque dividir. Devemos, portanto, por um lado, atender ao problema de justiça, corrigindo os abusos e a ostentaçãode uma minoria, e ainda elevar a produtividade através de melhores níveis de consumo, mas, por outro lado, nãodevemos permitir que uma distribuição insensata venha prejudicar o potencial de capitalização necessário aodesenvolvimento econômico geral, e, assim, à criação de maiores e mais amplas oportunidades de emprego e desalários.

A melhoria dos salários não deve ser medida em cruzeiros desvalorizados, mas no poder de compra demaior quantidade de bens. E para isto é indispensável que aumente a produção nacional.

O progresso social se vinculará solidamente ao desenvolvimento econômico. O Governo não pouparáesforços para favorecer a acumulação de recursos públicos e privados, que se destinem a ampliar a produçãonacional, e assim melhorar, pelo emprego e pela abundância, as condições de vida do nosso povo. Do mesmopasso estaremos procurando alcançar nossa emancipação econômica, na melhor escala compatível com asinexoráveis interdependências internacionais. Não há por que recear essa acumulação de capitais a serviço daNação, com um nítido destino social, e sob o controle de uma ordem política instaurada pelo povo e devotada aseus interesses.

Confio em que o clima de emancipação popular e de responsabilidade das massas na obra do Governo eno progresso do País serão fatores de confiança recíproca e de colaboração nas tarefas da produção, e, portanto, deaumento da produtividade do trabalhador nacional. Para ela também deverão contribuir decisivamente o sistema deeducação e as atividades de assistência ao homem brasileiro. Desta maneira não será absurdo esperar, sem prejuízodo futuro, uma elevação substancial dos níveis de vida, ao mesmo tempo que estaremos preparando bases firmesem que se devam assentar o máximo possível de segurança internacional, e a futura libertação do nosso povo dasnecessidades fundamentais da existência.

Os sacrifícios que nos impôs a última guerra não foram compensados pela utilização oportuna dos saldosreservados para o reequipamento do País. Hoje, quando nem todos os setores públicos se recuperaram, e osprodutores de norte a sul, lutando com a deficiência de crédito, de transporte, de armazenagem e a ausência deesclarecida e firme assistência oficial, mostraram a sua capacidade de iniciativa e de aperfeiçoamento, e venceramsérios obstáculos à expansão da produção - principia a agravar-se a situação econômica mundial, com os conflitosarmados no Oriente e a mobilização industrial do Ocidente.

Não assumiu a Nação consciência da gravidade do novo estado de coisas e de seus tremendos efeitos sobrea nossa economia. Afrouxou-se o controle sobre o emprego das divisas e não se cuidou das importações essenciais.A inflação se agravou, deixando, como uma bomba de ação retardada, os seus efeitos sobre o período que seinaugura, especialmente quanto ao custo da vida.

Neste período cm que a produção enfrentará as maiores dificuldades oriundas da crescente escassez deimportações essenciais, e as finanças públicas federais e estaduais se encontram numa situação de grandedesequilíbrio, tem a Nação que enfrentar não menores, porém maiores encargos.

O Governo sente o dever e a responsabilidade de encarar de frente a situação. Fortalecido pela confiançadas massas trabalhadoras e pela identificação profunda com o sentimento popular, não receia as medidas que sejamnecessárias para vencer os riscos da conjuntura interna e externa, não discrepando de sua linha internacional, edisposto a alcançar, apesar de todas as dificuldades, uma posição de maior segurança e relevo para o Brasil, noconceito das Nações, através do seu desenvolvimento econômico, da elevação da cultura e do progresso social donosso povo.

Page 128: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 128

Mensagem ao Congresso Nacional Propondo o Programa doMensagem ao Congresso Nacional Propondo o Programa doMensagem ao Congresso Nacional Propondo o Programa doMensagem ao Congresso Nacional Propondo o Programa doPetróleo Nacional e a Criação da Petrobrás, em 8 dePetróleo Nacional e a Criação da Petrobrás, em 8 dePetróleo Nacional e a Criação da Petrobrás, em 8 dePetróleo Nacional e a Criação da Petrobrás, em 8 deDezembro de 1951Dezembro de 1951Dezembro de 1951Dezembro de 1951

Senhores Membros do Congresso Nacional:Tenho a honra de submeter à consideração de Vossas Excelências o anexo projeto de lei destinado a criar a

sociedade por ações Petróleo Brasileiro S. A., para levar a efeito a pesquisa, a extração, o refino, o transporte depetróleo e seus derivados, bem como quaisquer atividades correlatas ou afins, através de empreendimentos à alturadas necessidades nacionais de combustíveis líquidos.

Em complemento a esse projeto, submeto separadamente um outro, relativo aos recursos tributáriosessenciais ao programa nacional de combustíveis líquidos e lubrificantes, no qual se asseguram também recursospara a ampliação do Fundo Rodoviário Nacional. Constituem os dois uma unidade, mas ao Governo pareceu debom aviso separá-los, para facilitar o trabalho legislativo, possibilitando, sem risco de dilações na discussão dequestões novas, a aprovação, no menor prazo possível, do projeto que reajusta tributos já existentes e constantes doorçamento.

A análise da situação internacional e de todo o problema do suprimento regular de derivados do petróleo,de que dependem o desenvolvimento econômico e a segurança da Nação, levou o Governo a concluir que seimpõe um grande esforço no sentido de acelerar e ampliar os empreendimentos nacionais, nesse setor de atividade.A base da experiência já adquirida no trato dessa questão e mantendo as linhas mestras da legislação cm vigor,cumpre empreender e levar a termo as tarefas que a política nacional de combustíveis líquidos reclama e aspróprias circunstâncias internacionais tornam inadiáveis.

Ao Poder Executivo afigurou-se imperioso, em face dos interesses nacionais, apelar para os recursosfinanceiros e humanos da Nação, com o fim de reduzir, em prazo relativamente curto, o grau de dependência emque se encontra o País, quanto ao seu suprimento de derivados do petróleo. Esse o objetivo a alcançar com aexecução das leis que ora solicito ao Congresso.

Caracterização do problema

O consumo nacional de derivados do petróleo acusa uma ascensão regular, que traduz o desenvolvimentodas atividades do País, não só quanto ao transporte mas também quanto à indústria.

No entanto, como é ainda incipiente a produção nacional de petróleo, essa ascensão constante do consumoimplica necessariamente num aumento das importações, com dispêndios crescentes de divisas, que poderão serempregadas na compra de outras utilidades estrangeiras, quando o permitir a produção brasileira de óleo mineral. Ocrescimento das importações de derivados de petróleo processa-se, aliás, quanto a volume e valor, em ritmo maisacelerado do que o das outras mercadorias que adquirimos no exterior. A percentagem das divisas despendidascom a sua cobertura tende a aumentar, no tempo, de forma a causar apreensões em relação à regularidade futura desuprimento, ao País, de tais produtos.

De fato, a valor das importações de petróleo e derivados que, em 1939, correspondeu a 7% do valor datotalidade de nossas aquisições externas, em 1946 representou 7,6% e, em 1930, 11,3%.

No ano em curso, essa relação deverá ultrapassar 13%, apesar do aumento considerável das importações

Page 129: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 129

globais, aproximando-se de Cr$ 4,0 bilhões as compras externas do petróleo c derivados. Para todo o qüinqüênio1951-1955, as previsões são de ardem de Cr$ 27 bilhões, à base dos preços atuais.

Em volume, o consumo nacional de derivados do petróleo, quase totalmente suprido através dasimportações, cresceu em média de 6,4% de ano para ano, no decênio de 1931 a 1940. No decênio seguinte, 1941-1950, o crescimento médio anual foi de 11,9%. Desde o término da II Grande Guerra, porém, o aumento doconsumo entrou a acelerar-se, ainda mais, acusando a média de 19,5% de ano para ano, no qüinqüênio 1946-1950.De 1949 para 1950, esse aumento atingiu 22,3%, havendo indício, entretanto, de que se atenuará de forma a situar-se em menos de 20% nos próximos anos. Esse ritmo de aumento de consumo é, por um lado, alarmante, embora,por outro, altamente auspicioso.

O estudo do problema permite prever a duplicação do consumo nacional de derivados do petróleo de 1950para 1955. O consumo, expresso na unidade comumente usada, atingiu no ano passado a cifra de 100 mil barris pordia, devendo alcançar ou ultrapassar 200 mil barris ao findar o qüinqüênio 1951-1955.

Esses algarismos mostram que as refinarias em construção ou concedidas, até agora, não bastarão paraindustrializar sequer 50% do petróleo necessário ao consumo do País em 1955. Quanto à frota de petroleiros, jáadquirida, tem capacidade para suprir, nas distâncias médias em que os transportes deverão processar-se, somentecerca de 20% dos volumes a serem então consumidos. A produção atual do óleo bruto, na única provínciapetrolífera em exploração, corresponde, apenas, a 2,5% do consumo interno, embora sua capacidade seja maior econsiderável sua importância para o nosso suprimento, dada a qualidade do óleo bruto baiano.

É evidente, portanto, que o problema apresenta-se como de suma gravidade, em face das perspectivas deperturbação no comércio internacional de petróleo e da própria limitação da capacidade de pagamento do Brasil,mesmo que haja disponibilidade do produto no exterior. Não podemos desprezar os reflexos da crise anglo-iranianae de toda a conjuntura internacional, sobre o suprimento de combustíveis do nosso País.

Na realidade, portanto, o problema não comporta solução à base exclusiva da importação da matéria-primaem bruto, para ser refinada no País. Já os preços do petróleo bruto, atualmente vigentes no mercado internacional,limitam os lucros da industrialização e, assim, reduzem em pouco o dispêndio de divisas com o refino da matéria-prima importada. Somente a produção interna, em volumes compatíveis com o consumo, permitirá assegurar odesenvolvimento da economia nacional naquilo que dependa dos combustíveis líquidos. Para esse fim torna-seindispensável adotar medidas econômicas de amplitude correspondente à extensão e à complexidade do problema.

Cabe acentuar que o problema nacional do petróleo não se limita ao atendimento da demanda atual ou daprevista, conforme as linhas acima, até 1955: a produção do petróleo, dentro das possibilidades que tivermos, estáentre aquelas produções básicas que, voltadas para as necessidades nacionais, marcarão o compasso do nossodesenvolvimento geral.

Nossa indústria, ainda incipiente quanto às possibilidades a curto prazo, mas já com uma elevada taxa decrescimento, e as condições geográficas do País, que impõem a expansão do tráfego rodoviário e aéreo, além doemprego de combustíveis líquidos em navios e locomotivas, tendem a agravar cada vez mais a nossa dependênciaem relação ao petróleo.

Para podermos acelerar o progresso do País, desenvolvendo os transportes rodoviários, aeroviários, adieselificação das ferrovias, a navegação, a mecanização da agricultura e as indústrias básicas e de consumo, numataxa maior do que se verifica presentemente, o consumo de derivados do petróleo deverá aumentar ainda mais. Asrodovias dependem do petróleo para a pavimentação de suas pistas e para os seus veículos. A solução do próprioproblema da casa popular está intimamente relacionada com a produção de cimento e de outros materiais deconstrução, que implicam em alto consumo de combustíveis. Muitas indústrias de alimentação também dependemem alta escala do petróleo. Poderíamos multiplicar exemplos.

Cabe ainda não esquecer a polimorfa contribuição do petróleo e seus derivados para o desenvolvimento daindústria química e as novas perspectivas abertas pela produção de sintéticos, estreitamente vinculada à técnica daindustrialização do óleo mineral.

Os índices do consumo nacional de petróleo são ainda muito baixos, em comparação com os de outrospaíses. Esse consumo em 1950 foi, per capita, de 0,6 de barril por ano, enquanto, com base nos dados de 1947-1948, esse índice foi na Argentina de 2,9, no Uruguai de 1,5, na média da América do Sul de 1,6 e nos Estados

Page 130: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 130

Unidos de 14 barris. No balanço energético do País, a contribuição do petróleo está em cerca de 100/0, enquantoque a lenha ainda contribui com 80%. Nos Estados Unidos, aquela percentagem é de 42%, ficando 46% para ocarvão mineral.

Dessa forma, é o petróleo um fator básico para a emancipação econômica e o bem-estar social do nossopovo.

Não podemos, portanto, mostrar fraqueza ou retardo na verificação e aproveitamento das nossas jazidas deóleo mineral, em escala compatível com os recursos financeiros e técnicos que pudermos mobilizar, sob perfeitocontrole, e devidamente considerada a expansão dos outros ramos da economia do País. E devemos pensar até naprodução de excedentes para exportação, melhorando assim nossa capacidade de importar outros bens essenciais àprodução e ao consumo. Nessas condições, a produção do petróleo influirá decisivamente na posição internacionaldo Brasil.

Empreendimentos programados

Tendo em vista as necessidades mais urgentes e as possibilidades de captação de recursos financeiros parainversão em empreendimentos relativos ao petróleo, determinei a elaboração de um programa para a atuação dopoder público, de 1952 a 1956, com o fim de lançar essa indústria, através da empresa cuja criação ora é proposta,em bases tais que lhe assegurem condições para se consolidar e desenvolver, em curto prazo e na escala suficiente.

Visa-se, essencialmente, intensificar a pesquisa nas áreas potencialmente petrolíferas, avaliar as jazidas jádescobertas na Bahia, desenvolver a produção nessas jazidas e nas que forem identificadas noutras regiões, comoresultado dos trabalhos de pesquisa; enfim, realizar os empreendimentos necessários à extração do petróleo brutonas áreas reconhecidas como potencialmente produtoras. Os depósitos já identificados na Bahia avaliam-se emcerca de 50 milhões de barris de óleo bruto, ou seja, o equivalente a pouco mais de um ano de consumo atual doPaís. Há necessidade urgente de delimitar e avaliar toda a província petrolífera, para fundamentação da política derefino a ser seguida, à base do óleo parafínico baiano. No Maranhão, na Amazônia e na bacia do Paraná, ostrabalhos de pesquisa mal se iniciaram e precisam adquirir um ritmo capaz de possibilitar a revelação pronta daexistência, ou não, de óleo mineral em quantidades comerciais.

Ao lado desse programa de pesquisa e exploração dos recursos petrolíferos da Nação, é desejável, com ofim de poupar divisas, ampliar a rede de refinarias em construção ou concedidas, para que disponhamos, até fins de1956, de uma capacidade aproximada de refino superior, em cerca de 100 mil barris diários, à prevista atualmente.Dessa forma, as diversas regiões consumidoras irão sendo dotadas de instalações de desdobro do óleo brutoimportado ou produzido no País, encaminhando-se o problema para a solução adequada, à base da exploração dasjazidas nacionais.

A ampliação da frota petroleira, para que se tenha assegurado o transporte de uma parte substancial do óleobruto e dos derivados consumidos no País, é um terceiro ponto do programa elaborado. Caso se inicie e sedesenvolva a produção nacional, reduzir-se-á a expansão necessária na tonelagem marítima em confronto com aque seria reclamada pelo carreamento dos produtos importados do exterior. É de presumir que a própria operaçãodessa frota proporcione recursos para a sua manutenção e ampliação.

Além dos três pontos assinalados, a programação dos empreendimentos relativos a petróleo abrange aintensificação das pesquisas e a industrialização do xisto betuminoso.

Para a progressiva execução do conjunto do programa exposto, irá sendo preparado pessoal técnico denível superior, mediante estágios nos países em que a indústria do petróleo se acha mais desenvolvida, bem comooperariado qualificado nacional.

O trabalhador brasileiro tem revelado, nos trabalhos de campo e de refinação de petróleo, confirmandoaliás o que se tem verificado em outras indústrias, capacidade de apreender rapidamente as técnicas modernas.Promover-se-á ainda a pronta ampliação dos quadros, mediante contrato e fixação de elementos técnicos, o quepermitirá intensificar a preparação do pessoal nacional.

O conjunto desses empreendimentos, para ser levado a efeito, exige recursos financeiros de vulto, que setorna indispensável captar e aplicar, de forma adequada e em tempo hábil.

Page 131: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 131

Inversões necessárias

Numa estimativa preliminar das inversões a serem realizadas, durante os próximos anos, chegou oGoverno à conclusão de que são necessários, pelo menos, Cr$ 8 bilhões de novos recursos líquidos, para osempreendimentos programados e com perfeita possibilidade de execução. Essa estimativa compreende inversõesem refino num montante aproximado de Cr$ 2 bilhões, de cerca, de Cr$ 1 bilhão em equipamentos de transporte ede cerca de Cr$ 5 bilhões em pesquisas e produção, ou seja, para este último setor de atividades, Cr$ 1 bilhão, emmédia anual, de 1952 a 1956.

O programa básico é moderado, face à magnitude e importância do problema, conquanto as cifras globaisse afigurem de grande vulto; é que os dispêndios se estenderão por todo um qüinqüênio, compreendendo mesmo oprimeiro ano do próximo período governamental, de forma a assegurar o pleno desenvolvimento dos planosiniciais e possibilitar a formulação, pelo novo Governo, com tempo suficiente, do programa ulterior. O Governo,porém, se empenhará em ampliar e antecipar a realização do programa, contando com os recursos extraordináriospossíveis e previstos no projeto de lei, inclusive os resultantes das aplicações imediatamente rentáveis.

Evidentemente, a aplicação dos recursos deverá processar-se de maneira flexível, conforme a marcha daexecução do programa, que poderá reclamar a concentração de esforços numa nova província petrolíferadescoberta. Nesse caso, os recursos financeiros mobilizados poderão apresentar-se até mesmo insuficientes; mas talserá o significado econômico da descoberta, que a captação de recursos financeiros adicionais poderá ser levada aefeito em bases diferentes daquelas agora propostas.

Fontes de recursos financeiros

Na busca de fontes onde obter os recursos de que o Brasil necessita, para empreender e levar a cabo oprograma de trabalhos acima expostos, o Governo teve em vista ligar aos empreendimentos estatais referentes apetróleo aquelas atividades econômicas ou parcelas da população que não podem prescindir dos derivados do óleomineral, e, do mesmo passo, recorrer a fontes de financiamento que não impliquem em desviar capitais necessáriosa outros empreendimentos públicos e privados de importância para a economia nacional.

A tarefa da conquista do petróleo pelo nosso povo, sob a direção do Governo nacional, torna indispensávelnão só um considerável esforço técnico, mas um vigoroso esforço financeiro do País.

Os cidadãos são convocados a participar da solução do problema dos combustíveis líquidos minerais,mediante captação tributária e subscrição de títulos da Petróleo Brasileiro S. A. - que será o eficaz instrumento paraenfrentar decisivamente o problema.

Os recursos próprios da Sociedade terão a seguinte origem:1 - bens da União pertinentes a petróleo e incorporados ao capital;2 - receita federal sobre parte do imposto de combustíveis líquidos e sobre a importação e o consumo de

automóveis, cujas taxas deverão ser elevadas, bem como sobre a parte não vinculada ao Fundo Naval do impostovigente sobre remessa de valores para o estrangeiro, destinado ao pagamento de automóveis e acessórios;

3 - indiretamente, do produto de uma taxação sobre artigos de luxo;4 - parte da receita estadual e municipal do imposto sobre combustíveis líquidos, com opção, por essas

entidades, de seu emprego em empresas petrolíferas subsidiárias;5 - tomada compulsória de títulos pelos proprietários de automóveis e afins;6 - subscrição voluntária pelos particulares e entidades públicas.Pretendeu o Governo, na medida do possível, que a participação dos cidadãos se fizesse através de uma

tributação suave e da subscrição voluntária de títulos.Não faltaria para isso a consciência pública da magnitude e urgência do problema. Mas as possibilidades

de tributação são limitadas, num país de economia ainda incipiente, com enormes encargos de desenvolvimento ecom um aparelhamento tributário que muito deixa a desejar. Ao lado disso, a insipiência do mercado de títulos e as

Page 132: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 132

dificuldades práticas desse meio limitariam muito as possibilidades de a subscrição voluntária aglutinar os recursosnecessários.

Participação do público

Assim, embora o Governo apele para a subscrição voluntária de títulos da empresa mista, e apoiefinanceiramente o programa nacional do petróleo, sobretudo no esquema tributário, que é o objeto do programacomplementar, em bases equilibradas, justas e suaves insuscetíveis de causar dano à economia nacional - não podefugir de convocar ainda, à subscrição compulsória de ações ou obrigações, os proprietários de veículos automóveise outros dotados de motores, que têm interesse direto no problema, assegurando assim a participação, na grandeempresa nacional, de uma massa que poderá atingir a centenas de milhares. Realiza-se sua participação através datomada de títulos, embora sob a forma de poupança e investimento compulsórios, como o impõe a urgência doproblema, tão clara na consciência de todos.

Dessa maneira, apesar de alguns inconvenientes práticos imediatos, que seriam afastados pela simplestributação, o Governo associa, como acionista, ao êxito dessa empresa um grande número de cidadãos. Dá-seassim autêntico caráter nacional a esse empreendimento, que não se confunde, pelo seu cunho e envergadura, nemmesmo com os mais audaciosos projetos industriais do Estado noutros setores.

A subscrição de ações da Sociedade não é somente um ato de patriotismo. Para maior garantia dos demaissubscritores do capital, o Governo Federal abre mão da participação nos dividendos, enquanto aqueles nãoauferirem 8% sobre o capital que integralizarem. Dessa maneira, o risco da pesquisa recairá praticamente sobre ocapital integralizado pela União.

A própria pesquisa, num amplo programa distribuído por várias zonas com probabilidades de produziróleo, e utilizando os métodos mais modernos, terá o seu risco específico bastante diminuído. As demais aplicaçõesdeverão produzir lucros consideráveis aos preços atuais.

Dada a expectativa do êxito financeiro da empresa, os títulos constituirão fonte de renda para os seustomadores. Estes poderão, ademais, negociá-los, dentro das limitações estabelecidas no projeto de lei.

A integralização do capital da empresa, pelos particulares, além da subscrição voluntária, deverá processar-se mediante pagamentos parcelados feitos pelos proprietários de veículos a motor, segundo uma tabela progressiva,baseada na capacidade de contribuir.

Estabelece-se, entretanto, limite para a subscrição de ações ordinárias, com voto. Acima desse limite, ossubscritores voluntários, as entidades de direito público e os proprietários de automóveis participarão da formaçãodos recursos da Sociedade mediante a tomada de ações preferenciais sem voto ou de obrigações, estas a juros fixose com prazo certo de resgate. Trata-se, ademais, de títulos negociáveis, nos casos previstos no projeto de lei.

Houve o cuidado de conceder o máximo de opção, entre três títulos diferentes, aos subscritores, voluntáriosou não.

Uma participação adequada na Diretoria e no Conselho Fiscal constitui também um dos traços da novaempresa industrial mista, na qual, embora sob o controle oficial, o Governo deseja imprimir o estilo dasorganizações privadas.

Dessa forma, dentro do sistema elaborado no projeto de lei, fica assegurada a participação do público nogrande empreendimento nacional, possibilitada a obtenção de um complemento importante aos recursos de fontetributária, e preservado, o quanto conveniente, o caráter de empresa privada na organização mista, sem que, de umlado, sejam necessárias as restrições extremas que são essenciais em empresas comuns concessionárias ouautorizadas a operar na produção petroleira, e, de outro, possa prevalecer sequer o receio quanto a controle ouinfluência nociva ou estranha ao interesse nacional.

Participação dos poderes públicos

O Governo Federal deverá deter um mínimo de 51 % das ações com direito a voto.

Page 133: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 133

Os bens pertencentes ao Governo Federal e peculiares à atividade da empresa, como refinarias, petroleiros,oleodutos, material de pesquisa e produção, jazidas de petróleo e de gases naturais já descobertas, etc, sãoestimados preliminarmente em cerca de Cr$ 2,5 bilhões, mas sua avaliação para incorporação ao capital socialestará sujeita às normas legais.

Das fontes tributárias previstas, estarão assegurados os recursos necessários não só para a imediataintegralização, pela União, do capital inicial de Cr$ 4,0 bilhões, mas para a elevação deste, até 1956, ao nívelmínimo de Cr$ 10,0 bilhões, como requer o programa do petróleo. Fica assegurada, assim, desde já, a realização doprograma básico.

Além das fontes indicadas expressamente, uma vez acrescida a receita prevista para o plano nacional dereaparelhamento econômico com a contribuição de 3% sobre os lucros retidos, o Governo poderá destinar a parterespectiva à subscrição de capital da Petróleo Brasileiro S. A.

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão no capital da Sociedade, como é de esperar, aquota do imposto sobre combustíveis líquidos, que o projeto de meios destina a petróleo. Espera-se que asubscrição dessa fonte ultrapasse Cr$ 2,0 bilhões, embora sejam também acrescidas as respectivas quotas do FundoRodoviário. Dessa maneira, ficará consideravelmente ampliado o patrimônio dos Governos locais.

É de prever ainda a tomada de títulos da Sociedade pelas autarquias federais e estaduais.

Gestão adequada dos recursos

Para que a captação e a aplicação desses recursos se façam com a flexibilidade indispensável à realizaçãodos empreendimentos programados é que o Governo propõe a organização de uma empresa, nos moldes doprojeto, e que agirá diretamente, ou através de subsidiárias, como o impõem a gestão de grandes recursos e acomplexidade da indústria.

Com os parcos recursos com que tem contado, o Conselho Nacional do Petróleo realizou uma obraconsiderável, não obstante as dificuldades que lhe antepõe o regime de gestão das verbas orçamentárias, mesmodentro das normas fixadas pelo Decreto-Lei nº 538, de 1938. Empreendimentos como a Refinaria de Mataripe, emoperação, e a de Cubatão, que está sendo construída, ou como a Frota Nacional de Petroleiros, paraproporcionarem pleno rendimento, necessitam ser administrados como entidades industriais. A medida que novosempreendimentos forem sendo lançados e concluídos, a direção harmônica do conjunto das entidades e aadministração de cada uma delas em particular terão de ser conduzidas necessariamente dentro de normas e comobjetivos de natureza econômica que reclamam maior utilidade de ação do que é possível aos serviços públicoscomuns.

A Sociedade por ações preconizadas no projeto de lei atenderá, por certo, a essa necessidade, haja vista aexperiência da Companhia Siderúrgica Nacional, criada em 1940, e cujos benefícios para a economia do País esucesso financeiro são incontestáveis.

Depende o êxito da empresa, obviamente, não só dos responsáveis pela sua direção, mas também daprópria natureza da atividade a que ela se dedicará. O empreendimento visa principalmente à pesquisa e à produçãode óleo mineral no território brasileiro. E, portanto, uma empresa de risco; mas o risco decorrente da própriapesquisa de jazidas minerais perde de significado, em parte, diante da envergadura do empreendimento, quepossibilita levar a sua atividade a grandes e variadas áreas potencialmente petrolíferas, como as formaçõessedimentarias do Nordeste, do Meio-Norte, da Amazônia e da bacia do Paraná.

Na Bahia, a existência do petróleo já é comprovada; na Amazônia há sedimentos de espessurasconsideráveis, em que se encontraram amostras de óleo e gás; no Sul, a ocorrência de arenitos betuminosos prova apresença de petróleo, que a pesquisa e a perfuração trarão provavelmente para o âmbito comercial.

Incorporados à Sociedade, deverão organizar-se, ademais, empreendimentos imediatamente rentáveis,como os destinados à exploração das indústrias do transporte e do refino. Convenientemente orientados, essesempreendimentos assegurarão lucro às empresas associadas à Sociedade, ainda que demorem, acaso, asdescobertas de novos campos de petróleo.

Cabe, porém, conciliar o instrumento flexível de execução do programa nacional do petróleo com a plena

Page 134: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 134

segurança de sua operação, indene de perigos. É fora de dúvida, como o demonstra a experiência internacional,que, em matéria de petróleo, o controle nacional é imprescindível. O Governo e o povo brasileiros desejam acooperação da iniciativa estrangeira no desenvolvimento econômico do País, mas preferem reservar à iniciativanacional o campo do petróleo, sabido que a tendência monopolística internacional dessa indústria é de molde acriar focos de atritos entre povos e entre governos. Fiel, pois, ao espírito nacionalista da vigente legislação dopetróleo, será essa empresa genuinamente brasileira, com capital e administração nacionais.

O real perigo a evitar seria o de que, através da participação do capital privado, agissem gruposmonopólicos de fonte estrangeira ou mesmo nacional. Tal possibilidade foi, no entanto, tecnicamente anulada noprojeto, seja pelo sistema de limitação na subscrição de ações com voto, seja pela limitação de diretores eleitos pelocapital privado, bem como através da escolha, pelo Presidente da República, do presidente da Sociedade, comdireito a veto, e dos demais diretores-executivos, e ainda pela necessidade de decreto para homologar qualquerreforma de estatutos; sem mencionar a esmagadora maioria dos poderes públicos no capital social, o própriocontrole inicial da sua totalidade, e, finalmente, enorme difusão da parcela do capital, percentualmente limitada, empoder do público.

Com essas medidas, parece ao Governo que a gestão dos recursos financeiros a serem captados, conformeos projetos de lei, poderá processar-se da forma mais adequada à consecução dos objetivos em vista, através daPetróleo Brasileiro S. A., como projetada.

Coordenação dos trabalhos

Para enfrentar, em todos os aspectos e fases essenciais, problema tão vasto e complexo como o dopetróleo, não há fugir à mobilização de meios - em recursos financeiros e organização - em escala proporcional àamplitude e extensão do próprio problema. Qualquer alternativa mais restrita seria inócua ou contraproducente.

Consciente dessa necessidade está o Governo, no entanto, alertado para as dificuldades de ordem técnicaque um empreendimento dessa magnitude apresentará, praticamente, como problema de administração. Mas essasdificuldades são superáveis - outros países e outras empresas as enfrentaram com sucesso -,e embora não tenhamosainda, realmente, experiência administrativa de direção e gerência de organizações congêneres desse porte não hápor que duvidar da nossa capacidade de dirigir grandes empreendimentos industriais ou comerciais, sem deixá-loscair, fatalmente, nos males do gigantismo burocrático. Ainda que para evitar esses males, muito dependa oempreendimento dos homens que o dirigirem, as suas próprias bases, estrutura e diretrizes já foram concebidascom esse propósito. Para impor flexibilidade de atuação, foram previstas entidades subsidiárias e a possívelarticulação com empresas privadas, de modo a impedir que a Sociedade se torne demasiado compacta ou rígida,desenvolvendo-se, antes, com o caráter de uma estrutura de coordenação.

O próprio poder da direção da empresa, e, em particular, de seu presidente, está sujeito a um sistema defreios e contrapesos que, sem tornar sua autoridade menor que a responsabilidade, limita-a e equilibra-a,harmonicamente, com a do Conselho Nacional do Petróleo. A estrutura da empresa preconizada imprime unidadeao conjunto dos empreendimentos em marcha ou a serem por ela iniciados, de forma a assegurar a integração dasatividades econômicas peculiares aos vários setores da indústria. Todas as grandes empresas de petróleo, privadasou estatais, existentes nos outros países, mantêm sob direção unificada os serviços de pesquisa, produção, refino etransporte.

Dessa forma, a gestão coordenada das empresas industriais pertinentes ao petróleo, em que o poder públicotenha participação preponderante, ficará assegurada com a execução da lei ora submetida, em projeto, àconsideração do Congresso. Restará regular, porém, de modo geral, a gestão coordenada de outras empresasindustriais do Estado ou paraestatais, instituindo normas condizentes com a sua finalidade econômica e dispondosobre o seu funcionamento harmônico, inclusive em relação aos empreendimentos privados.

Com efeito, a indústria do petróleo, lançada em bases amplas, como o preconiza o projeto de lei, devearticular-se não só dentro de seu campo específico, mas também com outros setores da economia nacional. AoGoverno não escapou a necessidade dessa articulação e medidas já vêm sendo tomadas no sentido de estimular asatividades industriais relacionadas com as do petróleo, como as de produção de aço laminado, de tubos, de

Page 135: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 135

cimento, etc. O programa pertinente aos combustíveis líquidos minerais não se chocará, portanto, com os planos deinversões públicas em outros empreendimentos de natureza econômica; ao contrário, os completará, como urgia.

Por outro lado, de modo algum o programa contrariará a vigente política de estabilização do valor damoeda. Este ponto é de excepcional importância em face do vulto do empreendimento planejado, que se lançarájustamente no momento em que o Governo está considerando planos para o reequipamento econômico do País,planos esses que exigirão esforços e sacrifícios, a fim de serem executados dentro de um regime de relativaestabilidade monetária.

O presente projeto consistirá essencialmente no aproveitamento de recursos de receita ordináriae na transferência, para investimentos de fundamental interesse nacional, de fundos relativamenteimprodutivos, em termos de benefícios para a Nação. Esse deslocamento da aplicação de fundos seriainevitável, pois é irrealístico supor que um empreendimento com as características do proposto possarealizar-se somente com a utilização de recursos ociosos. Para a existência de grande massa de fundosinativos seria necessária uma renda per capita mais alta, que exigisse menores oportunidades parainvestimentos especulativos e maiores incentivos para poupar do que existem atualmente. Por outrolado, dadas as características e tendências das classes que serão chamadas a prestar o seu concurso aoempreendimento, esses fundos, se permanecessem em seu poder, seriam, na sua quase totalidade,provavelmente utilizados na compra de artigos de consumo suntuário ou em atividades virtualmenteimprodutivas para o bem-estar coletivo. Assim, uma vez canalizadas essas disponibilidades parainvestimentos de alta produtividade potencial, seu efeito inflacionário a curto prazo ficará muitoreduzido, enquanto, ao contrário, deverão constituir-se, no período subseqüente, num fator deestabilização monetária, mediante o aumento direto e indireto da produção.

Relações com o Conselho Nacional do Petróleo

A política oficial dos combustíveis líquidos minerais continuará sob a orientação direta doórgão específico existente - o Conselho Nacional do Petróleo. Cumpre-lhe acompanhar a atuação nãosó da Sociedade, objeto do projeto de lei, mas a de todas as demais empresas que atuam nesse campoeconômico. E, para que a ação prática da nova Sociedade seja acompanhada mais de perto peloConselho, será o presidente da Sociedade ouvido, sempre que se trate de assunto do seu interesse, nesseórgão regulador.

Dessa maneira, permanecerá o Conselho Nacional do Petróleo com a função de formulador dapolítica oficial, regulador das atividades de petróleo e controlador da execução do programa nacional,devendo ficar com a Petróleo Brasileiro S. A. o desempenho das atividades industriais e mesmo dosprogramas de pesquisa e perfuração, para o que a lei lhe outorga concessão plena sujeita a programaaprovado pelo Conselho. O regulamento da lei precisará melhor as relações entre as duas entidades, desorte a assegurar perfeita coordenação, apesar da divisão de tarefas.

Magnitude do problema do petróleo

Ao submeter à consideração do Congresso Nacional o projeto de lei assim fundamentado,cumpre-me reiterar a importância do problema de que ele se ocupa e cuja solução deve ser procuradacom a mais enérgica diligência, para que não se comprometam a segurança e o desenvolvimento econômicosda Nação, em futuro próximo. Sem o firme propósito de levar a termo empreendimentos de vulto, mediante aaplicação de recursos financeiros consideráveis, o País poderá, dentro de um decênio, defrontar-se com sériosembaraços à defesa nacional e com a contingência de racionar o consumo de derivados do petróleo, em face daimpossibilidade de adquirir no exterior os volumes de que necessita, cerceando, dessa maneira, seudesenvolvimento.

Como é sabido, a inelasticidade característica da procura internacional dos produtos primários e gêneros

Page 136: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 136

alimentícios, que constituem a massa das exportações brasileiras, conduz a um grave círculo vicioso. De um lado,em curto prazo, o simples aumento de volume das nossas exportações, a partir de certo ponto, poderá provocaruma queda dos seus preços proporcionalmente maior do que o aumento do volume, com uma redução total dasreceitas de exportação; por outro lado, se bem que a redução do volume deva, dentro de certos limites, produzir umaumento mais do que proporcional de preços, a partir desses limites, que são relativamente restritos, qualquerdiminuição de volume reduzirá o valor total das exportações.

Essa característica da procura internacional de produtos primários em geral constitui, assim, empecilho dedifícil transposição para o aumento de nosso poder de compra no exterior.

Considerando-se a elevada taxa de crescimento do consumo de produtos de petróleo no Brasil e aexistência desse teto relativamente baixo para o aumento das exportações dos nossos produtos clássicos, somosobrigados a concluir que encontraremos brevemente grandes dificuldades em atender ao aumento das nossasimportações daqueles produtos. Além dessas dificuldades, outras poderão sobrevir em virtude de déficits daprodução estrangeira, quer resultantes do consumo mundial em ascensão, quer de perturbações de ordem políticainternacional.

No entanto, mesmo com otimismo e afastando estas duas últimas hipóteses, parece óbvio que estamoscaminhando certamente para um impasse, devido à desproporção existente entre a possibilidade de aumento donosso poder de compra no exterior e do aumento substancialmente maior do valor dos produtos de petróleoconsumidos no Brasil. A não ser que tomemos agora as providências indispensáveis, nas dimensões adequadas,terá o País que considerar em futuro não muito afastado a necessidade do racionamento de combustíveis líquidos edo uso de substitutivos, voltando possivelmente a experiências penosas, como as que, numa menor escala deconsumo, fomos compelidos a adotar durante a guerra passada. Em qualquer caso, para que o desenvolvimentoeconômico do País não se interrompa ou se reduza, a pesquisa e a extração do óleo mineral se afiguram como amedida lógica e mais promissora para a solução do problema.

Qualquer cooperação a ser pedida nos próximos anos ao público consumidor dos produtos do petróleoredundará, em última análise, em seu proveito, pois os pequenos sacrifícios agora exigidos não se poderão deforma alguma comparar com os que advirão se tivermos de voltar permanentemente ao sistema de racionamento.

O programa de trabalhos pertinentes ao petróleo constitui, portanto, um conjunto de medidas da maiorimportância para a solução dos problemas básicos do País. Surge depois do Plano do Carvão Nacional, ora emestudo no Congresso, e deverá completar-se com outros projetos de leis pertinentes aos demais setores doaproveitamento das fontes de energia de que dispõe o País. Nos termos da minha primeira Mensagem anual aoCongresso, o Governo promoverá as medidas legislativas necessárias não só ao aproveitamento desses recursos,mas também à coordenação da política oficial de energia, com o fim de assegurar o desenvolvimento harmônicodas atividades dependentes do balanço energético nacional. Parece ao Governo indispensável a aprovação doprojeto referente às fontes tributárias, bem como a do referente à criação da sociedade mista Petróleo BrasileiroS.A., no menor tempo possível, como é imperioso face à conjuntura internacional e às necessidades do País,naturalmente sem prejuízo do valioso concurso com que, para sua maior eficiência, contribuirão os debates noCongresso Nacional.

Rio de Janeiro, 6 de dezembro de 1951.

Page 137: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 137

Discurso Pronunciado na Solenidade da Assinatura doDiscurso Pronunciado na Solenidade da Assinatura doDiscurso Pronunciado na Solenidade da Assinatura doDiscurso Pronunciado na Solenidade da Assinatura doDecreto sobre Reaparelhamento e Ampliação dos PortosDecreto sobre Reaparelhamento e Ampliação dos PortosDecreto sobre Reaparelhamento e Ampliação dos PortosDecreto sobre Reaparelhamento e Ampliação dos PortosNacionais e da Navegação em 21 e Dezembro de 1951Nacionais e da Navegação em 21 e Dezembro de 1951Nacionais e da Navegação em 21 e Dezembro de 1951Nacionais e da Navegação em 21 e Dezembro de 1951

O surto do Brasil que se vem acentuando desde 1932 em proporções impressionantes exige daadministração pública um esforço gigantesco para preparar os caminhos a esse desenvolvimento. Osíndices da nossa evolução econômica só puderam ser fixados com precisão nestes últimos tempos.Durante anos fomos obrigados a trabalhar empiricamente, sem elementos precisos para cálculos eestudos. Somente depois da organização desses estudos se verificou que todos os prognósticos sobre asnecessidades de aparelhamento da nossa economia eram muito superiores aos elementos básicos doscálculos clássicos para os demais países do mundo. Encontramo-nos, assim, com uma série deproblemas a resolver. Antes de mais nada era indispensável estabelecer um critério para a prioridade noencaminhamento da solução dos problemas. E fixar essa prioridade na base da importância de cadaproblema em relação à economia nacional e à pressão exercida sobre o povo pelas falhas resultantes dacrise que se originava.

Nessa prioridade se classifica em número um o problema portuário. No último ano do meuGoverno, determinara eu que a Comissão de Planejamento estudasse e apresentasse uma solução para acrise que já se esboçava. Foi apresentado um notável trabalho sugerindo-se a criação da taxa deemergência de 5% a fim de se estudar o financiamento das obras portuárias. Esses estudos foramutilizados posteriormente e convertidos em lei. Mas ao invés de se utilizar essa taxa como elementopara financiar as obras indispensáveis, limitaram-se essas obras, praticamente, à receita oriunda dessenovo tributo.

As obras portuárias não tiveram o desenvolvimento proporcional às exigências do nossocrescimento, limitadas como ficaram a uma progressão de 5% para uma evolução de 15%. Resulta daíque nosso aparelhamento portuário e inferior a quase 50% das nossas necessidades reais.

O problema dos portos pode ser dividido em quatro categorias: dragagem de barras, dragagemdas bacias de evolução, cais e aparelhamento. O Congresso votou uma lei abrindo um crédito de 300milhões de cruzeiros para a dragagem. Fez-se, em 1948, uma concorrência. E praticamente não selimparam os portos. Mais de 18 milhões de metros cúbicos de areia, lodo e argila fecham os nossosportos.

Ao mesmo tempo os navios que conseguem superar esses obstáculos, fazem fila por falta decais. E demoram na carga e descarga por falta de aparelhamento, os fretes internacionais foramaumentados de 25%. E os navios de cabotagem são detidos nos portos duas vezes o tempo queempregam para vencer as distâncias entre os mesmos. Isto representa um encarecimento do curso detoda a produção e portanto um dos fatores de maior importância no custo da vida. Para que se tenhauma idéia exata da gravidade do problema, basta atentar para o fato de que a incidência do custo defrete sobre as mercadorias varia na proporção do peso e do volume. Os artigos de luxo quase não sãoonerados pela desordem portuária. Mas os artigos básicos e principalmente os elementos dealimentação sofrem um aumento que, em certos casos, chega a ser superior a 20%. Cito, entre outros, osal, o açúcar, o milho e os cereais em geral. Doutro lado, a falta de ritmo nos embarques e

Page 138: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 138

desembarques dificulta de tal forma o escoamento da produção que desanima o produtor. Ao mesmotempo, o consumidor é atingido pela especulação em face da impossibilidade de serem mantidos emníveis permanentes os estoques de gêneros alimentícios.

As cifras destinadas à reorganização dos nossos serviços portuários serão compensadasfacilmente pela valorização do nosso trabalho, pela eliminação do desperdício e pela eficiência domaterial que já possuímos. Nossos navios poderão trafegar com fretes mais reduzidos porque estarãoem movimento mais tempo, ao invés de permanecerem bloqueados nos portos. E nossos trabalhadoresmarítimos e portuários poderão receber melhor remuneração, mesmo com a diminuição dos fretes.

Ao assumir o Governo que, ainda uma vez o repito, foi imposto a mim pela vontade irrecorríveldo povo, trouxe como firme propósito cuidar do reaparelhamento geral de nossas instalações portuáriase de nossa frota mercante, pois só este sistema de transporte, o de mais baixo custo que se conhece emtodo o mundo, pode assegurar a indispensável circulação dos bens produzidos, num país depeculiaridades geográficas com o nosso.

Mais se consolidou este propósito ao verificar quão desastrosas foram as conseqüências damomentânea crise de transporte marítimo que atravessou o Sul do País no primeiro semestre do anocurso. Nessa época, toneladas de gêneros alimentícios foram sacrificadas, enquanto o Nordeste sofriaperíodo de absoluta carência, decorrente da prolongada estiagem.

Por outro lado, de nada valeriam as providências do Executivo, visando ao aumento de nossacapacidade de produção, sem dotar o País de eficiente rede de comunicações e transportes, pois quemproduz necessita transportar, sob o risco de perder todo o seu trabalho.

Impunha-se portanto uma ação vigorosa, em âmbito nacional, que propiciasse os meiosnecessários à correção dessa grave anomalia, tão nefasta à nossa vida econômica.

Esta a gênese do ato que, nesta oportunidade, tenho a grata satisfação de assinar, com a maisfirme convicção de que venha ele tornar-se uma das mais felizes realizações do meu Governo.

Dispondo sobre o reaparelhamento e ampliação dos portos nacionais e da navegação, afastarádesse modo uma das principais causas de congestionamento, que nos vinha causando sériosinconvenientes, em virtude das sobretaxas criadas pelas conferências internacionais sobre as linhas quese destinam ao País.

Atender-se-á, ainda, ao crescente ritmo de aumento do intercâmbio por via marítima e àsnecessidades de nosso parque industrial, em franco crescimento, pois o plano elaborado prevê oreaparelhamento e ampliação das instalações de 39 portos principais, em toda a extensão da orlamarítima, e mesmo dos compreendidos nas grandes bacias hidrográficas. Por fim, autoriza amobilização dos recursos imprescindíveis ao aumento do número de unidades da frota mercantenacional, de modo a obtermos o mínimo de tonelagem compatível com o volume de carga a transportar,sem as demoras antieconômicas e prejudiciais aos mercados internos.

É necessário, contudo, assinalar que esta obra, pelo seu vulto e pelo seu condicionamento àsdisponibilidades de recursos em materiais e em mão-de-obra especializada, só poderá estar concluídano exercício de 1955, prazo este que não deverá ser julgado excessivo, se considerarmos a importânciaorçada para o seu custo, que é de 3 bilhões e 325 milhões de cruzeiros, nela compreendida oequivalente a 80 milhões de dólares para pagamento de navios e equipamentos a serem importados.

Por maior que pareça esse programa já sei de antemão que representa só o primeiro passo parauma reestruturação da nossa economia em bases sólidas.

Isto significa apenas o esforço para recuperar o tempo perdido. Teremos que ampliá-lo porque ocrescimento do Brasil não se apresenta com índices de limitações. Ao mesmo tempo que sinto o pesoda responsabilidade de organizar o futuro do Brasil, tenho a intensa alegria de poder afirmar que nãoexistem dúvidas sobre o poder econômico que o trabalho dos brasileiros vem criando.

A grande batalha pela redução do custo da vida se inicia com um programa do qual este decretorepresenta um dos elementos vitais de ação.

O Brasil está necessitando de reformas básicas em sua estrutura econômica.

Page 139: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 139

Este ato simbólico representa a materialização de uma das maiores aspirações do Governo e dopovo brasileiros. Como intérprete dos grandes anseios populares, não me deterei ante qualquerobstáculo para proporcionar à Nação o que ela espera e merece. Em troca, continuarei pedindo aconfiança, que nunca me negou o povo brasileiro. Juntos e com a colaboração, com que me temhonrado o Congresso Nacional, chegaremos, inexoravelmente, ao fim da jornada, podendo contemplaro caminho percorrido e os progressos realizados.

Page 140: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 140

Discurso Pronunciado em Almoço Com Discurso Pronunciado em Almoço Com Discurso Pronunciado em Almoço Com Discurso Pronunciado em Almoço Com as Forças Armadasas Forças Armadasas Forças Armadasas Forças Armadasem 05 de Janeiro de 1952em 05 de Janeiro de 1952em 05 de Janeiro de 1952em 05 de Janeiro de 1952

Senhores Oficiais Generais.Senhores Oficiais das Forças Armadas.A minha presença neste ato de confraternização das classes militares do País, não é

simplesmente uma formalidade protocolar, mas traduz a íntima e real comunhão, de propósitos e ideais,que traz à lembrança ocasiões similares do outro período do meu Governo em que juntos aquiestivemos, num testemunho público da nossa mútua colaboração na defesa dos supremos interesses daPátria.

Além disso, sinto-me à vontade entre vós. Porque, no acervo de serviços que posso ter prestadoao meu Pais, creio poder destacar, com especial relevo e mesmo com legítimo orgulho, os esforços queconsagrei ao reaparelhamento do Exército e da Armada, e à criação da Aeronáutica. Encontrei as forçasde terra, e sobretudo as do mar, desde longos anos na dependência de um material obsoleto e deficiente,que não permitia a formação de reservas adequadamente instruídas, nem o preparo técnico eaperfeiçoamento profissional dos quadros. Empenhei-me em libertá-las dessa dependência,proporcionando às Forças Armadas um equipamento moderno e eficaz, que lhes permitisse preenchermelhor a sua missão precípua de defender o solo pátrio e as suas instituições livres. Pelos mesmosmotivos criei uma Força Aérea autônoma e poderosa, em as peias que lhe impunha forçosamente a suaantiga divisão em duas frações heterogêneas, com a subordinação administrativa a outras forças.

Dentro das possibilidades financeiras do País, procurei dedicar ao reaparelhamento das ForçasArmadas o máximo de recursos compatíveis com uma sadia política orçamentária. E os resultados aíestão, patenteados pela atividade das fábricas e dos arsenais e pelo novo sopro de vitalidade e deentusiasmo que se espalhou pelo Exército, pela Marinha e pela Aeronáutica.

Iniciei e reativei a construção do nosso parque de indústrias de guerra e é meu propósito criarnovos campos de expansão para a fabricação de armamento e todos os ramos de produção destinados afins militares. Neste momento, o Governo está projetando uma segunda expansão da Usina de VoltaRedonda de modo a elevar para um milhão de toneladas a sua atual capacidade de produção.

Mais ainda que a renovação material foi característica de toda uma época a fecundatransformação intelectual e doutrinária das classes armadas. E foi privilégio meu acompanhar ocrescimento de uma geração de chefes militares de excepcional valor, dotados de elevado padrão decultura profissional, animados de um espírito de realização e de zelo esclarecido, que imprimiram àsinstituições armadas um cunho inteiramente novo de progresso e de eficiência prática - único quepoderia atender às realidades da vida contemporânea e aos imperativos que estas impõem à estruturamoral e material da nossa defesa.

Privilégio meu foi também o de ter enviado aos campos de batalha da Europa a gloriosa ForçaExpedicionária Brasileira, que pôde ombrear com as veteranas tropas dos velhos impérios guerreiros ecujas brilhantes vitórias foram o prêmio não só da bravura da nossa gente, mas também da competênciatécnica e alta capacidade profissional dos seus instrutores e chefes.

Page 141: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 141

Hoje, não é mais apenas a fortuna das armas, disputada na peleja, quem confere a vitória: estase inclina para a Nação que soube, com mais sagaz previdência e pertinaz energia, mobilizar atotalidade das suas forças vivas, organizar o seu poderio econômico e criar os parques industriais ondeos exércitos em campanha vão buscar o próprio alento que os anima.

Por isso, devemos encarar também como questão básica para a defesa nacional o aparelhamentoeconômico e industrial do País, em que sempre se empenha - e com firmeza inabalável - o meuGoverno.

Reeleito pelas forças populares da Nação, minhas vistas se voltaram de novo para as ForçasArmadas, e o desejo de robustecê-las, modernizá-las e aparelhá-las para os novos progressos da arte daguerra se renovou em mim com a mesma intensidade e a mesma persistência de outros tempos.

Recomeçando a tarefa da renovação militar do País, neste ano que acaba de transcorrer,prosseguiu o meu Governo nos estudos e projetos necessários a esse objetivo, tendo em vista nãosomente a reorganização geral das Forças Armadas e seu melhor aparelhamento - mas também ummelhor enquadramento das instituições militares.

Antes da reorganização geral das Forças Armadas, cujos projetos estão sendo ultimados, jáforam fixados os efetivos dos quadros de oficiais das Armas e Serviços do Exército, e, ainda há poucodias, tive ocasião de sancionar a lei que estabelece os efetivos dos oficiais dos vários corpos e quadrosda Marinha de Guerra. Sancionei igualmente a lei que visa prever fundos para a renovação da Marinhade Guerra, fundos esses que serão aplicados na proporção de 60% para a construção e modernização deunidades e 40% para o desenvolvimento das bases, estaleiros, estabelecimentos fabris e escolares, queconstituem a infra-estrutura da Esquadra, notadamente a Base Naval de Aratu, na Bahia, o dique eoficinas de Val-de-Cães, no Pará, a Fábrica de Artilharia e Torpedos e os vários centros de formação ede adestramento de pessoal.

A Força Aérea Brasileira, onde se criou, no ano passado, o Comando de Transportes Aéreos,com o objetivo de permitir a modernização dos transportes militares, segundo os ensinamentos daúltima guerra, prepara-se este ano para iniciar ou prosseguir obras de grande vulto em diversosaeroportos, especialmente nos de Manaus, Campo Grande, Porto Alegre e Belo Horizonte.

Outros problemas básicos, ainda, vêm sendo objeto de cogitações e estudos; entre eles, adefinição das atribuições do Comando nos vários escalões e o estabelecimento das responsabilidadescorrespondentes. Acham-se em curso, também, no Congresso Nacional, ou em vias deencaminhamento à sua apreciação, os projetos de novo Estatuto dos Militares e das leis do ServiçoMilitar, de inatividade e de promoções.

Por outro lado, as mesmas considerações que, no meu Governo anterior, despertaram a minhaatenção para a necessidade de proporcionar a todos os militares, do simples soldado ao oficial maisgraduado, um padrão de vida consentâneo com as exigências profissionais e com a representação socialde cada um, me inspiram hoje o desejo de proceder, o mais rapidamente possível, ao exame e estudodos dispositivos do Código de Vencimentos e Vantagens dos Militares que ainda precisam ser revistos,quer para definir melhor e mais claramente certas situações, quer para corrigir desigualdades járeconhecidas no tratamento de casos específicos.

Estas e outras iniciativas poderão atualizar as necessidades e a preparação técnico-profissionaldas classes armadas, mantendo-as em condições de poderem cumprir os seus mais altos compromissoscom a Pátria. Manter a ordem, servir ao País, dando-lhe as garantias de segurança e tranqüilidade paratrabalhar e produzir; defendê-lo dos ataques e da cobiça do estrangeiro - essa a grande missão dasinstituições militares. Com elas há de colaborar sempre o meu Governo, no interesse de manter aorganização legal do País e as instituições juridicamente estabelecidas, que só podem e só devem sermodificadas dentro das normas fixadas pela própria Constituição. Este é o meu propósito firme einabalável, que ora vos reafirmo e que paira soberano sobre as aleivosias e intrigas dos boateirosinveterados e tradicionais, inimigos da tranqüilidade pública.

Page 142: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 142

Em primeiro plano, na ordem dos compromissos sagrados das Forças Armadas, está a defesa daPátria, do seu patrimônio material e moral, da sua integridade territorial, da sua independência políticae econômica e das suas instituições. Em segundo lugar, incumbe-lhes defender o continente americanocontra quaisquer invasores eventuais, pois os interesses mútuos das nações deste continente são comunsao Brasil e a subsistência da nossa Pátria está na dependência imediata da integridade continental e daestabilidade política e econômica de todo o hemisfério. Finalmente, são as nossas Forças Armadas, osinstrumentos de ação com que contamos para cumprir os nossos compromissos internacionais,especialmente os que assumimos e como membro da Organização das Nações Unidas. Esses trêsobjetivos, dispostos na ordem de prioridade que acabo de anunciar, resumem a missão precípua dasnossas instituições militares.

Não será preciso lembrar, também, que a nossa tradição histórica e os nossos interessespolíticos e econômicos nos movem hoje, como nos moveram sempre, a uma política de estreitacolaboração com os Estados Unidos da América. E isto reforça, tornando mais fácil, a nossa política decooperação e amizade com os outros países da América.

Precisamos estar preparados militar, econômica e financeiramente, para enfrentar asnecessidades da nossa própria defesa, como do continente americano se assim o exigirem ascircunstâncias.

Os compromissos de assistência mútua, nas obras de paz, como nos esforços de cooperaçãoarmada, impõem-nos esta atitude que também corresponde aos interesses e aspirações comuns dospovos americanos.

Somos um País pacifico. Desejamos a paz e dela precisamos, para consolidar o nosso progresso.Mas não podemos, nem devemos abandonar, por um instante sequer, os nossos esforços de preparaçãoe adestramento para a guerra. Da nossa fortaleza militar dependem a nossa tranqüilidade e a nossaprópria subsistência como Nação livre.

E esta afirmativa tem um sentido mais amplo e mais grave, se meditarmos em que os nossosinimigos não estão apenas no exterior, nos eventuais agressores a serviço de um imperialismo emexpansão: também estão aqui, dentro das nossas fronteiras, infiltrados por toda parte, aguardando omomento propício para disseminar suas sementes de desagregação, a serviço de ideologias e deambições que a maioria da Nação repele. Contra esses inimigos internos, solertes e insidiosos, tambémdevemos estar vigilantes. Combatê-los é, sem de vida, um dos sagrados compromissos das ForçasArmadas para com a Pátria.

Mas não bastam os recursos das armas: são igualmente necessárias novas leis sociais, capazesde cortar pela raiz as origens do mal e reparar as injustiças causadoras de revoluções. O Governo tem afirme convicção de que se impõe o aperfeiçoamento constante de uma justiça social e de uma ordemsocial, onde sejam eficazmente eliminados os argumentos de uma propaganda e de um credo, que sóprosperam onde há miséria, fome, padecimentos, e desigualdades chocantes na condição dos homens.Os processos de exploração do trabalho, que não cogitam da justa repartição dos seus frutos, tambémconstituem séria ameaça à segurança nacional. Esta exige, para sua plena garantia, um combate semtréguas à ignorância, ao sofrimento e à opressão.

Na ordem interna, repito, a função das Forças Armadas é servir ao País, dando-lhe asnecessárias garantias de segurança e tranqüilidade, defendendo a organização institucional daRepública e o regime estabelecido. Alheias às divergências políticas dos partidos, sem se deixaremarrastar pelo jogo de interesses ou pelas paixões que são prejudiciais à coesão, à disciplina e às própriasvirtudes militares, as Forças Armadas têm sabido encontrar estímulo e inspiração, durante os períodosmais fecundos da existência da Pátria, no seu próprio labor profissional no empenho de aperfeiçoar assuas próprias instituições para o cumprimento das suas altas finalidades.

Senhores Oficiais!

Page 143: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 143

A segurança e a felicidade da Pátria exigem de todos os brasileiros uma inabalável coesão, umadedicação sem limites ao interesse público e à firme vontade de fazer do nosso País uma Nação forte epróspera, capaz de assumir, no concerto internacional, o lugar de relevo a que tem direito.

De todas essas qualidades e virtudes, estou certo, são as, nossas Forças Armadas, agora e comono passado, exemplo vivo e modelar.

Levanto a minha taça, pela felicidade pessoal de todos vós, pela maior glória do nosso Exército,da nossa Marinha de Guerra e da nossa Força Aérea e pela grandeza do Brasil.

Page 144: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 144

Mensagens aos Convencionais do Partido TrabalhistaMensagens aos Convencionais do Partido TrabalhistaMensagens aos Convencionais do Partido TrabalhistaMensagens aos Convencionais do Partido TrabalhistaBrasileiro em 21 de Maio de 1952Brasileiro em 21 de Maio de 1952Brasileiro em 21 de Maio de 1952Brasileiro em 21 de Maio de 1952

Aos Senhores Convencionais:Escolhi este momento em que vos achais reunidos em convenção para saudar a todos os que

representam o sentimento, o ideal e a ação do Partido Trabalhista Brasileiro. Constituís a força viva eatuante do Partido, a maior e a mais sólida garantia do seu futuro.

Caminhamos lado a lado nas lidas de ontem e vos colocastes, com entusiasmo e decisão, navanguarda das lutas eleitorais que nos deram a vitória. Hoje, partilhais comigo e com os outros líderes,que elegestes, das responsabilidades do Governo.

Somos uma revolução em marcha. Vós, que aqui viestes de todas as latitudes do País, nãorepresentais os interesses de uma região, nem as aspirações de uma classe; não sois encarnações degrupos econômicos, nem imposições de privilégios sociais. Saístes de todas as profissões e atividadespara empunhar uma bandeira, que é a da reestruturação econômica e social da Pátria, em bases deigualdade, de justiça e de bem-estar para todos.

Esse o verdadeiro sentido social do trabalhismo. O nosso programa consiste na procura de ummundo melhor, onde não haja distinções nem privilégios, onde todos os que trabalham e produzempossam encontrar as mesmas oportunidades e fruir os benefícios da segurança econômica e da justiçasocial.

Unidos em torno da bandeira e do ideal que simbolizam as nossas lutas, marcharemos para ofuturo confiantes na solidez do que lograrmos edificar, em benefício do povo e para a maior grandezada Pátria.

A verdadeira missão do Partido Trabalhista Brasileiro só agora principia a caracterizar-se e adesenvolver-se. Durante vinte anos, as leis sociais de proteção ao trabalho, elaboradas no meuGoverno, lançaram os alicerces do seu programa de renovação econômica e política. Daqui por diante,cabe ao nosso Partido assegurar a continuidade das nossas conquistas no tempo e consolidar osbenefícios que devem sobreviver à transitoriedade das influências pessoais.

É preciso que o Partido Trabalhista seja sempre uma força de ordem a serviço de uma causajusta. É preciso que seja, cada dia mais, o partido dos trabalhadores, instrumento das suas aspirações,baluarte de defesa dos seus direitos, sentinela vigilante dos seus destinos.

Para esse fim, deve existir maior aproximação entre os órgãos dirigentes do partido e as massastrabalhadoras, que lhes trazem a inspiração e o apoio. Seria de toda conveniência, SenhoresConvencionais, que, em todos os órgãos dirigentes partidários, nos diretórios locais, estaduais enacional, houvesse a participação direta das classes trabalhadoras, através dos seus líderes maisrepresentativos.

Por outros termos tenho a convicção de que essa parte do programa do Governo, que consisteem chamar os líderes proletários para a direção das instituições, que lhes interessam mais de pertocomo é o caso dos Institutos de Previdência - pode ser adequadamente completada pela reorganizaçãodo Partido Trabalhista, no sentido de permitir mais íntima e constante colaboração das classestrabalhadoras nas suas funções de direção. Desse modo, a ação governamental se conjugaria com a

Page 145: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 145

ação politico-partidária, convergindo ambas para o mesmo objetivo comum de realizar o nossoprograma de renovação social.

Meus amigos e correligionários:Tenho feito e sempre farei o que puder para ser útil ao meu País e fiel aos ideais que me

inspiram, e que são os vossos.Uma certeza me conforta: a de que sereis os guardas vigilantes, os continuadores e os

aperfeiçoadores dessa obra, que, graças à vossa energia e à vossa fé, há de sobreviver, há de perpetuar-se nas gerações vindouras, como expressão de um Brasil consciente de si mesmo, que renasceudefinitivamente para um mundo melhor.

Page 146: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 146

Discurso Pronunciado em Belo Horizonte,Discurso Pronunciado em Belo Horizonte,Discurso Pronunciado em Belo Horizonte,Discurso Pronunciado em Belo Horizonte,Em 31 de Maio de 1952Em 31 de Maio de 1952Em 31 de Maio de 1952Em 31 de Maio de 1952

Brasileiros.Povo de Minas Gerais.O lançamento da pedra fundamental da grande usina Mannesmann representa um marco

decisivo para o progresso da siderurgia mineira. E com emoção que compareço a esta solenidade,altamente significativa para mim e para os objetivos do meu Governo.

Até 1930, a indústria siderúrgica no Brasil não era mais que uma tentativa incipiente, na qualnos valíamos dos recursos naturais do País em minério de ferro, carvão de madeira e calcário, para aprodução de ferrogusa e de pequenos perfis, em quantidade, aliás, que mal correspondia àsnecessidades do consumo interno.

Quando, pela primeira vez, assumi o Governo, já trazia no pensamento o desejo de incentivar acriação da grande indústria siderúrgica no País. A 23 de fevereiro de 1931, visitando Belo Horizonte,eu anunciava ao povo mineiro o início dessa campanha, depois de mostrar que o problema máximo danossa economia era o siderúrgico. Preconizei a necessidade de explorar quanto antes as imensas jazidasde ferro de Minas Gerais.

Mais de vinte anos se passaram e hoje verifico ter sido obra integral do meu Governo, atravésde lutas que só Deus e eu sabemos quanto me custaram, o extraordinário surto da indústria do aço noBrasil.

Dessas lutas, saliento uma das que maiores obstáculos me levou a enfrentar: a que arrancou asricas jazidas de ferro de Itabira das garras de um monopólio prejudicial aos interesses do País para quefossem restituídas ao patrimônio nacional.

Desde os primeiros dias do Governo Provisório, todos os meios ao alcance da administraçãopública foram postos em prática para impulsionar a nossa siderurgia. Começamos encorajando ainiciativa particular, como no caso da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira. Para a construção deMonlevade, era preciso levar os trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil até a estação que então sedenominava São José da Lagoa, hoje, Nova Fira. Apesar de ser um trecho de via férrea cm terrenobastante acidentado e de custo elevado para as finanças da época, não hesitou o Governo, e completou-se rapidamente a ligação de Santa Bárbara à estação terminal na Estrada de Ferro Vitória a Minas.

Monlevade constituiu notável progresso, e o seu concurso para o desenvolvimento industrial doPaís não tem sido pequeno. Nesse clima de encorajamento, prosperaram as outras usinas menores, emMinas Gerais, em São Paulo, no Estado do Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.

Em seguida, veio a construção da usina siderúrgica de Volta Redonda. Com ela se inaugurou agrande indústria pesada em nosso País. Foi um fato inédito na história econômica do Brasil, e meconforta verificar o serviço inestimável prestado ao País por essa iniciativa de meu Governo.

Hoje, Volta Redonda já contribui de maneira apreciável para a indústria nacional. Em 1951,produziu mais de 285 mil toneladas de coque, 342 mil toneladas de gusa, 465 mil toneladas de aço emlingotes e 342.500 toneladas de laminados de aço. As vendas efetuadas pela Companhia Siderúrgica

Page 147: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 147

Nacional, durante o ano de 1951, montaram a mais de 1.475 milhões de cruzeiros - quantia bastanteexpressiva do valor da sua produção industrial.

O plano de expansão da usina vai sendo, executado sem desfalecimentos. O capital social daCompanhia Siderúrgica foi aumentado para 1.750 milhões de cruzeiros, já integralmente subscrito, e asencomendas de equipamentos nos Estados Unidos ultrapassavam 10 milhões de dólares em fins do anopassado, estando compreendidos entre os melhoramentos projetados a construção de mais um altoforno, de novos fornos de aço, da fábrica de estruturas metálicas e de novas instalações para a aciaria ea laminação.

Volta Redonda constitui hoje uma esplêndida realidade, concretização do sonho de toda umageração e o marco mais assinalado no caminho da evolução industrial do País, que se orgulha, a justotítulo, desse passo decisivo para a sua emancipação econômica.

Outras fases, contudo, ainda teremos que percorrer. Há duas décadas, naquele discurso ao povomineiro em que lancei a campanha pelo crescimento da siderurgia brasileira, eu vos dizia que agrandeza futura do Brasil depende da exploração das suas jazidas de ferro e que o ferro é Minas Gerais."Aos mineiros, cujo próprio nome indica certa predestinação histórica nesse sentido, deve caber oesforço maior para a conquista dessa glória. Minas possui montanhas de ferro com capacidade parasatisfazer às necessidades do consumo mundial durante séculos. Exploremo-las, adquirindo, comtrabalho tenaz e inteligência prática, a abundância e a independência econômica".

Essas palavras foram reafirmadas por mim, recentemente, quando me dirigi ao povo de BeloHorizonte na campanha eleitoral de 1950, e prometi que tudo faria para dar ao Brasil uma segundaVolta Redonda, a qual seria, provavelmente, em Minas Gerais.

Nunca duvidei de que a indústria do ferro se desenvolveria ainda nestas montanhas, queencerram nos seus flancos as maiores jazidas de todo o mundo.

Hoje venho cumprir a promessa do candidato. A pedra fundamental da grande usinaMannesmann, que hoje estamos lançando, simboliza uma nova Cidade do Aço, que formará ao lado daprimeira para impulsionar a industrialização do País.

Ao apoio que deu o meu Governo a esta iniciativa veio juntar-se também a colaboraçãoprofícua e decidida do Governador Juscelino Kubitschek, cuja inteligência e operosidade estão dando aMinas Gerais um impulso novo de progresso. O aumento do potencial de energia necessário parafuncionamento da usina, a concessão do terreno para sua instalação, a construção de casas para osoperários, constituem elementos preciosos de ajuda, que devemos ao Governo do Estado.

A usina que aqui vai ser construída tem finalidades distintas da de Volta Redonda e representaoutro passo básico no caminho do nosso reaparelhamento industrial. Vai inaugurar no Brasil afabricação, em larga escala, de tubos de aço sem costura; em quantidade capaz de cobrir todas asmúltiplas necessidades do nosso mercado interno, quer para a fabricação de caldeiras, quer para aduçãode água em alta pressão, quer para instalação hidrelétrica, quer enfim para o revestimento de poços depesquisa de petróleo e de água subterrânea.

Será um grande centro industrial, em cujo derredor crescerão novas fábricas, interessando àsindústrias de máquinas, de produtos químicos, de construções civis, de instrumentos agrícolas e dematerial refratário. Através duma industrialização de base poderemos computar os efeitos futuros sobreos meios de transporte e de produção de energia.

A importância desse empreendimento, que o meu Governo incentivou e conduziu para o terrenodas realizações imediatas, pode medir-se ainda pelo fato de que, enquanto a indústria nacional de tubosde ferro fundido está em condições de atender às necessidades do consumo interno, não se fabricam,entretanto, no Brasil, tubos de aço sem costura. Por outro lado, embora exista no País produção detubos costurados, essa produção ainda é insuficiente para as nossas necessidades.

Trata-se de produtos industriais de grande utilização e cujo consumo atinge a média anualaproximada de 75.000 toneladas, tomando-se por base o consumo normal do País, sem levar em conta

Page 148: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 148

o que gastam as grandes empresas ou. as obras de maior vulto, como as do oleoduto São Paulo-Santos eoutras, programadas pelo Conselho Nacional do Petróleo.

A produção brasileira ainda é inferior à metade dessas exigências de consumo e se avizinha damédia anual de 30.000 toneladas. Isto nos tem obrigado a importar do estrangeiro a parte excedente. Asimportações de tubos de aço, feitas dos Estados Unidos e de outros países, oscilaram, de 1947 a 1951,em volta da média anual de 45.000 toneladas.

A grande usina Mannesmann, que vai surgir aqui, nos arredores de Belo Horizonte, visaprecisamente cobrir essas necessidades e resolver, de, imediato,

um dos problemas capitais da siderurgia nacional, com a produção inicial prevista de 100.000toneladas. Isto significa que não só deixaremos de importar tubos de aço para o consumo interno, mastambém teremos margem para exportar o excedente, ou, quando menos, para cobrir as exigênciasextraordinárias das grandes obras que forem programadas pelo Governo ou por firmas particulares, nosentido de desenvolver o nosso parque industrial.

Outro aspecto a salientar, e que muito influiu na opinião dos técnicos brasileiros querecomendaram a instalação desta usina, foi o preço relativamente barato do combustível que aalimentará. A Mannesmann não trabalhará com altos fornos, como Volta Redonda, nem fabricará gusapelo método geralmente adotado no Brasil. Utilizará fornos rotativos Krupp-Reiner, que apenas exigema terça parte do combustível requerido por um alto forno para a mesma quantidade de minério a serreduzido. Mais ainda: para esse tipo de forno serve qualquer combustível, inclusive o carvão de máqualidade. Para um País pobre em combustíveis sólidos, como o Brasil, esse aspecto do método alemãoé muito importante e possibilitará o emprego integral do carvão brasileiro na fabricação do aço.

Os produtos especializados que sairão desta usina virão concorrer, assim, para acrescer onúmero dos que são fabricados em terra brasileira e darão para cobrir as nossas necessidades em tubosde aço para a construção civil, para a engenharia sanitária, para a pesquisa e produção do petróleo eoutras atividades.

Seria oportuno lembrar também que a usina Mannesmann, de um lado, Volta Redonda, deoutro, ainda não esgotarão todas as possibilidades de aproveitamento das riquíssimas jazidas de ferrode Minas Gerais. Há um outro aspecto da indústria siderúrgica que tem merecido as atenções e o apoiodo meu Governo. Refiro-me aos aços especiais, destinados sobretudo à fabricação de máquinaselétricas e mecânicas, de veículos de todo o gênero e de ferramentas.

Nesse sentido, vem-se empenhando o Governo em expandir a usina de Acesita, da Companhiade Aços Especiais Itabira. Colocada em pleno vale do Rio Doce, essa usina desempenhará tambémimportante papel na industrialização do País. Seus produtos são indispensáveis ao desenvolvimento,entre nós, da fabricação de aparelhos e máquinas elétricas, de vagões, locomotivas, automóveis eferramentas de toda espécie.

Dois decênios bastaram para que a indústria pesada brasileira se convertesse de uma remotaesperança numa pujante realidade, ao brotarem do solo da pátria, uma após outra, as cidades industriaise as poderosas usinas onde o esforço de um povo forja e caldeia no metal incandescente, ao clarão dasfornalhas, a robusta estrutura do Brasil de amanhã.

A expansão de Volta Redonda às margens do Paraíba, o nascimento da usina Mannesmann noplanalto mineiro, o ímpeto das aciarias de Acesita no vale do Rio Doce, despertam novos quadrantes doPaís para a grande produção siderúrgica, abrem novos horizontes a essa indústria matriz, que é um dosesteios essenciais de nossa segurança militar. Nunca faltou e não faltará a esses empreendimentos, e aoutros que visem os mesmos propósitos, o decisivo apoio do meu Governo, que neste instante faz votospara o sucesso e prosperidade da usina, cuja pedra fundamental estamos lançando, e que representa umanimador exemplo de inteligência e benfazeja cooperação entre capitais estrangeiros e recursosnacionais.

Brasileiros.

Page 149: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 149

Um Brasil novo desponta, laborioso e forte, cônscio de suas possibilidades, despertando, enfim,de um estéril e enganoso ufanismo para os imperativos de um porvir que se anuncia, cheio deprosperidade e grandeza. Mas e preciso que saibamos enfrentar e superar os problemas oferecidos pelarealidade presente, entre os quais se coloca em primeiro plano uma industrialização inteligentementeplanejada. Nessa grande obra, que será o nosso principal legado às gerações futuras, cabem a MinasGerais um papel de destaque e uma contribuição capital para o surto de progresso que trará a riqueza, asegurança e o bem-estar à Nação brasileira.

Page 150: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 150

Discurso Pronunciado em Candeias, Bahia,Discurso Pronunciado em Candeias, Bahia,Discurso Pronunciado em Candeias, Bahia,Discurso Pronunciado em Candeias, Bahia,A 23 de Junho de 1952A 23 de Junho de 1952A 23 de Junho de 1952A 23 de Junho de 1952

Brasileiros:Povo da Bahia!Uma das páginas mais notáveis da história econômica do Brasil foi escrita aqui, no Recôncavo

baiano, quando, em janeiro de 1939, jorrou petróleo das entranhas do solo pátrio, após uma incansávelpesquisa de vários decênios.

Coube ao meu Governo a glória de haver realizado esse descobrimento, destinado a imprimirnovo rumo ao progresso do País e que foi o coroamento de uma série de tentativas infrutíferas que sevieram sucedendo e multiplicando desde o começo do século.

Organizou-se desde logo um plano sistemático de sondagens, que tornou realidade a exploraçãoindustrial do petróleo brasileiro, embora restrita, até o presente momento, ao âmbito de uma produçãopara consumo local.

Moderno Pioneirismo

Antes de mais nada, desejo louvar a capacidade dos nossos técnicos, a audácia dos pioneiros dapenetração do subsolo pátrio e o esforço tenaz e infatigável dos trabalhadores dedicados, que, semmedirem sacrifícios, luraram, durante muitos anos, para que se tornassem afinal realidade palpável ossonhos e as esperança de tantas gerações.

A guerra mundial impediu que se levasse avante esse empreendimento, com o ritmo aceleradoque seria aconselhável. Mas, não obstante isso, as reservas petrolíferas da Bahia chegaram a produzir,no começo de 1951, 5.000 barris diários.

Com essa produção, ainda estamos muito longe de atender às necessidades do País, queconsome, em média, 130.000 barris diários, prevendo-se que, em 1953, esse consumo atingirá 170.000.

A principal dificuldade com que nos defrontamos, para resolver o problema do petróleo, é deordem financeira. Qualquer iniciativa nesse terreno exige vultosos capitais e uma diretriz política eeconômica bastante firme e persistente.

Durante o decênio de 1931-1940, o consumo de petróleo no Brasil cresceu na média anual de6,4% ; no decênio seguinte, 1941-1950, aumentou para 11,9%. Em 1951, consumiram-se no País 119mil barris diários, que custaram ao consumidor 3 bilhões e 850 milhões de cruzeiros.

Nossas Necessidades

E para fazer face a tão grande consumo, a produção brasileira ainda é insuficiente e inoperante.Somos, por isso, obrigados a importar grande quantidade de petróleo e derivados, consumindo nessaimportação todas as nossas divisas no exterior. De ano para ano, as compras de petróleo bruto e de seusderivados vêm-se transformando no mais pesado encargo externo do País, tanto mais quanto essascompras são feitas em dólares. As compras do corrente ano consumirão mais de 5 bilhões de cruzeiros,

Page 151: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 151

representando 266 milhões de dólares. E se atentarmos em que as importações de produtos de petróleo,em 1951, representaram um aumento de 50%, em valor, sobre as de 1950, bem se poderá avaliar qual oritmo desse aumento de encargos. Se o problema não for solucionado em curto prazo, antes de 1956teremos uma média anual de 10 bilhões de cruzeiros para as importações brasileiras. E difícil acreditarque tenhamos divisas para tanto.

Constitui, por isso, necessidade imprescindível o prosseguimento das pesquisas, a fim de que sepossa descobrir mais petróleo, e traçar um plano sistemático de sondagens e de exploração industrial docombustível líquido mais importante para o abastecimento dos veículos de transporte e para aemancipação econômica nacional.

Petrobrás e Volta Redonda

Precisamos mobilizar novos recursos financeiros, principalmente no setor da pesquisa e lavra; esó poderemos contar, de fato, com uma fonte de tais recursos: a tributação. O problema terá que sersolucionado criando-se novas fontes de receita e organizando-se as pesquisas através de uma entidadecapaz de lhes dar unidade de direção e eficiência de ação.

Essas considerações levaram o meu Governo a enviar ao Congresso Nacional, em dezembro de1951, a mensagem que propôs a criação de uma sociedade de economia mista, nos moldes daCompanhia Siderúrgica Nacional, da Companhia Vale do Rio Doce e da Companhia Hidrelétrica deSão Francisco, já que estas constituíam eloqüente testemunho de uma atividade fecunda e útil aosinteresses do País. Não receio proclamar que o projeto ora submetido ao patriotismo e às luzes doCongresso Federal representa o instrumento mais apropriado para a exploração e industrialização dopetróleo, além de constituir uma organização genuinamente nacional, sob o mais completo e rigorosocontrole e custeada com os recursos oriundos do País.

Linha nacionalista

O projeto de incorporação da Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima, ou, mais simplesmente,Petrobrás, visa captar, para o desenvolvimento da indústria brasileira do petróleo, as fontes de receitade que necessita e a centralização de iniciativas que lhe é indispensável. Mais ainda, consolida aorientação nacionalista de que nunca se afastou o meu Governo e que espero poder sustentar até o fim,contra todos os adversários descobertos ou embuçados e os inimigos da nossa emancipação econômica.

Orientação anterior

Outros planos tinha o Governo que me antecedeu, quando baixou o Decreto-Lei nº 9.881, de 16de setembro de 1946, que autorizou a constituição de uma empresa para gerir a refinaria de Mataripe eoutras refinarias - empresa essa que só estaria sob o controle federal enquanto fosse insuficiente ocapital particular que não tinha limite individual de subscrição. O Governo só nomearia o presidente dacompanhia enquanto a União tivesse mais de 25% das ações; ou, em qualquer hipótese, os outrosdiretores seriam eleitos pelos demais acionistas.

Em complemento desse decreto foram enviadas ao Congresso as Mensagens números 61 e 62,de janeiro e fevereiro de 1948, respectivamente, com projetos de leis que reformavam completamente aorientação nacionalista do meu passado Governo, propondo-se, na primeira dessas mensagens,alterações fundamentais na lei de permissões para refinação e transporte, inclusive oleodutos paraabastecimento interno, facultando-se a constituição de sociedades brasileiras com 40% de sócios

Page 152: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 152

estrangeiros, com limites de quotas. A segunda Mensagem projetou o famoso Estatuto do Petróleo, quedesde logo enfrentou um grande movimento de opinião, levando a Câmara dos Deputados a arquivá-lo.

Por certo, ninguém põe em dúvida o patriotismo dos homens públicos que pretendiam executaresse programa. Fundavam-se eles na tese de que ao Estado cabia apenas a função pioneira eestimuladora, e não a função do controle efetivo da indústria do petróleo. Já não pensava assim,todavia, a imensa maioria do povo brasileiro.

A solução

Desde que reassumi o Governo, ordenei que se reexaminasse o problema, dentro da orientaçãonacionalista de que nunca me afastei. Pareceu-me também que, numa indústria complexa como a dopetróleo e num País extenso como o Brasil, cuja grandeza depende do máximo desenvolvimentoregional, o êxito de um programa dessa ordem dependeria da maior flexibilidade e descentralização deatividades executivas. A natureza desse empreendimento, embora requeira unidade de ação e deorientação governamental, não exige centralização rígida, disciplinada a um departamentoadministrativo, no sentido estrito do termo.

No caso em estudo, poder-se-ia obter o controle do Estado sem o prejuízo da liberdade de açãoindustrial e comercial, indispensável ao âmbito da organização que se pretende estabelecer.

Eis por que se orientou o Governo para o projeto de constituição de uma sociedade de economiamista, na qual pudesse ele reunir a maioria absoluta das ações e participar diretamente de uma empresadotada de bastante flexibilidade, dinamismo, autonomia de ação e máxima capacidade de expansãoindustrial.

Cautelas necessárias

No projeto da Petrobrás, a associação do capital privado ao do Estado foi estabelecida demaneira que não comprometesse, mesmo remotamente, o controle do Governo sobre a sociedade deeconomia mista. Ao mesmo tempo, cuidou-se de unir as fontes de receita da nova companhia aoreforço concomitantemente do Fundo Rodoviário Nacional, com o aumento do imposto sobrecombustíveis líquidos e lubrificantes.

A Petrobrás foi concebida como uma entidade ao mesmo tempo de execução direta, em certossetores de trabalho, e de coordenação técnica, econômica e financeira, em outros. Todas as empresassubsidiárias da Petrobrás deverão constituir-se segundo o modelo da empresa central, embora mantidascom recursos financeiros pertencentes às administrações regionais e locais.

Auto-suficiência

Quando posto em prática, esse plano imprimirá novo impulso a uma série de atividadesrelacionadas com o problema do petróleo. Espera-se, por exemplo, que a produção petrolífera doRecôncavo baiano atinja a cifra de 25.000 barris diários, dentro de quatro anos. Intensificar-se-ão aspesquisas na Amazônia, noutros Estados do Norte e na bacia do Paraná. Terá início a exploraçãoindustrial do xisto betuminoso do Vale do Paraíba. Será concluída a refinaria de Santos e se construirãonovas usinas, com uma capacidade adicional de refino da ordem de 100.000 barris diários, que é amédia do consumo nacional. Esse plano está em fase final de estudos no Conselho Nacional doPetróleo.

Esperamos obter também a auto-suficiência no suprimento de lubrificantes de origem mineral,pela industrialização do óleo bruto baiano, e a ampliação da frota de petroleiros nacionais para 500 miltoneladas.

Page 153: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 153

Controle do Estado

A Petrobrás será, na verdade, o próprio Governo agindo no campo da indústria petrolífera, talcomo já o faz na indústria do aço, através da Companhia Siderúrgica Nacional. E isto sem prejuízo doconcurso do capital privado, através das subscrições compulsórias de todos os proprietários de veículosautomóveis. Mas nem remotamente existe o perigo de que, através da participação do capital privado,venham a agir os grupos financeiros alienígenas, ou mesmo nacionais. Afastou-se tal perigo de váriosmodos: quer limitando a subscrição de ações com direito de voto, quer estabelecendo que o presidentee os diretores-executivos da sociedade serão nomeados pelo Presidente da República, tendo o primeirodireito de veto sobre as decisões do Conselho de Administração, quer, ainda, reduzindo a 15% omontante da participação do capital particular na sociedade, onde os Estados, Municípios e Autarquiaspoderão contribuir até 25% e a União Federal até 65% e nunca menos de 51%.

Nessas bases, a organização da Petrobrás foi concebida dentro de um ponto de vista nitidamentenacionalista. Ela dará o petróleo do Brasil aos brasileiros e tornará possíveis os recursos financeirosvultosos de que necessitamos para explorar uma das maiores fontes de riqueza da civilização.

Fundamentos históricos

Essa bandeira nacionalista, eu a venho desfraldando em toda a minha vida pública c ninguémlogrará arrebatá-la de minhas mãos.

Coube ao meu passado Governo elaborar a legislação de minas, que nacionalizou a propriedadee a exploração das riquezas do nosso subsolo, cristalizando-se pela primeira vez a defesa do patrimôniomineral do Brasil.

Em 29 de abril de 1938, considerando a importância fundamental do combustível líquido para anossa economia e segurança, promulguei o Decreto-lei n° 395, que declarou de utilidade pública oabastecimento nacional de petróleo.

Ficaram assim dependentes de autorização e controle do Poder Público a importação,exportação, distribuição, transporte e refinação do óleo mineral e seus derivados, e foi nacionalizada aindústria do refino.

Essa foi cuidadosamente regulamentada pelo Decreto número 4.071, de 12 de maio de 1939.Para realizar os objetivos da lei, foi criado o Conselho Nacional do Petróleo, cujas funções foramdepois ampliadas, inclusive para a pesquisa, lavra e industrialização, pelo Decreto nº 538, de 7 de julhode 1938.

Continuidade política

Prosseguindo na trilha da preservação e nacionalização dos nossos recursos naturais, iniciadacom o Código de Minas de 1934, promulguei, em 29 de janeiro de 1940, o novo Código de Minas, queestá em vigor, e pelo qual só podem ser sócios de empresas privadas de mineração, autorizadas apesquisar ou lavrar minérios, os brasileiros inclusive os naturalizadas e os casados com estrangeiras.Para o petróleo, entretanto, prevaleceu a norma da exigência de ser brasileiro nato, casado combrasileira.

Ainda em 1940, pelo Decreto-lei nº 615, de 21 de setembro, criou-se o imposto único sobrecombustíveis líquidos e lubrificantes, importados c produzidos no País, com o objetivo de disciplinar amatéria em benefício da expansão da indústria petrolífera nacional e de prover recursos para o FundoRodoviário.

Page 154: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 154

Em 1941, outra lei do meu Governo - o Decreto-lei nº 3.236, de 7 de maio - define o regimelegal das jazidas de petróleo e gases naturais e de rochas betuminosas, existentes cm território nacional,as quais pertencem à União, a título do domínio privado imprescritível. Nessa lei se exigiu anacionalidade brasileira dos sócios das empresas que pretenderem autorização para mineração dopetróleo. Esta foi, aliás, a diretriz firmada por mim desde a Revolução de 1930 e da qual nunca meafastei.

Interesses contrariados

Durante muitos anos a tecla favorita na campanha dos meus adversários foi o combate aonacionalismo da minha política de Governo. Entretanto, foi esse nacionalismo a couraça que defendeuo Brasil contra a incursão dos trustes internacionais.

É justificável a sinceridade dos que encaminham as suas preferências para outras formasjurídicas, como incompreensível a atitude tendenciosa dos que pretendem servir-se dum problemanacional para fazer jogo de oposição. Não os incluo entre os conhecidos advogados dos monopólioseconômicos estrangeiros, nem entre as arautos dum falso nacionalismo que mal encobre sua filiaçãoideológica, visando novos imperialismos. Não é de espantar, pois, que se levantem agora, uns e outros,com o objetivo de torpedear e paralisar a atual proposta governamental - os primeiros, porque não têmporta de acesso na nova organização, e os últimos porque, para eles, só interessa que o petróleo sejanosso, mas... debaixo da terra.

A despeito de tudo, haveremos de celebrar em breve a solução do magno problema nacional eassim o Brasil dará mais um passo decisivo no caminho da sua emancipação econômica e industrial. Eentraremos numa nova era de riqueza e de intensa produtividade, com o concomitante aumento do nívelde vida do operariado e das condições de conforto e bem-estar de nossa população.

Consolidação de independência

Povo da Bahia!Quis o destino que esta terra abençoada viesse a ter mais uma participação essencial no

progresso do Brasil; e que, no mesmo solo onde pela primeira vez floresceu a civilização, tambémdespontasse pela primeira vez o veio líquido de uma riqueza incalculável.

Por uma feliz coincidência, estamos às vésperas de 2 de julho e na proximidade do local ondeocorreu o feito histórico que essa data evoca. É grato ao meu coração de brasileiro recordar o magníficoepisódio da história pátria, em que o Recôncavo baiano, por todas as suas classes, num movimentonitidamente popular que sacrificou os haveres de centenas de famílias, marchou contra a capitalocupada, para consolidar a independência nacional.

O que hoje estamos fazendo aqui é uma nova consolidação da independência. Ontem foi aindependência política; hoje é a independência econômica. A Bahia marcha de novo para recuperar oseu posto de pioneira na história do Brasil - desta vez desfraldando a bandeira da nacionalização dopetróleo e da emancipação da nossa economia. Também esta campanha terá que vencer dificuldadesenormes; mas podeis contar com a colaboração do meu Governo, que tem o inabalável propósito deconduzi-la a bom termo, quaisquer que sejam os obstáculos e os sacrifícios.

Para aqui se voltam, pois, mais uma vez, os corações ansiosos de todos os brasileiros, esperandomelhores dias, em que a fertilidade incomparável da Bahia disseminará por todo o País as bênçãos e osfrutos do seu solo privilegiado.

Que se cumpra o seu destino. E que a riqueza da Bahia seja hoje, como o foi tantas vezes nopassado, uma fonte perene de engrandecimento do Brasil.

Page 155: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 155

Discurso na Sociedade da “Hora da Independência,Discurso na Sociedade da “Hora da Independência,Discurso na Sociedade da “Hora da Independência,Discurso na Sociedade da “Hora da Independência,Em 7 de Setembro de 1953Em 7 de Setembro de 1953Em 7 de Setembro de 1953Em 7 de Setembro de 1953

Brasileiros!Neste dia glorioso, o maior da nossa história, venho partilhar convosco das esperanças que o

Sete de Setembro sempre nos traz, reacendendo na alma dos brasileiros a flama do amor à Pátria. Sãoesperanças que havemos de ver realizadas pela força desse amor, com a graça de Deus. O profundosentimento de civismo, que hoje se afervora e que nos une fraternalmente, acima de controvérsias edivergências, acima das classes, dos partidos, das cobiças e das paixões individuais, deve sermobilizado para as grandes causas, para os supremos interesses do País.

Não basta cultuarmos os heróis e os estadistas que evocamos nesta data inspiradora, comofiguras tutelares da Nação. Temos de lhes seguir o exemplo. Da sua obra deriva para nós a mais altadas responsabilidades - a de justificar perante os outros povos, pela civilização criada através dotrabalho, o precioso bem que usufruímos, com o nosso viver de homens livres, na posse de imensoterritório, pleno de riquezas. Construindo para o futuro é que dignificaremos no presente a herançainestimável do passado.

Urge empregar esforço para vencer a crise nacional

O Brasil anseia pela redenção econômica, imprescindível complemento de sua independênciapolítica. Urge congraçar todos os esforços para essa difícil, mas promissora conquista. Que não sedesviem para dissídios estéreis, nem esmoreçam nos pessimismos entorpecedores as energias de quetanto precisamos para incentivar iniciativas, desenvolver as técnicas e abrir novos horizontes aofecundo labor. Só pelo intensivo aproveitamento e pela valorização integral dos nossos recursos, numclima de confiança e de estímulo, superaremos as dificuldades que decorrem do nosso vertiginoso edesordenado progresso. Muitas das próprias deficiências que nos afligem constituem sinaisindisfarçáveis da nossa vitalidade. Resultam do crescimento do País, das suas indústrias, das suascidades. Essa prodigiosa aceleração do ritmo na existência nacional acumulou, em apenas alguns anos,graves e complexos problemas, que demorariam décadas, ou talvez séculos, para surgir noutras terrasde lenta evolução.

Assim, a crise que atravessamos não é a de um corpo debilitado, mas a de um jovem organismoque se agiganta. Pagamos em provações atuais o preço da prosperidade vindoura. Propiciar o seuadvento, por amplas medidas, planejadas para efeitos certos e duradouros, tem sido a preocupaçãodominante do Governo, que prefere servir aos reclamos verdadeiros do País, às suas necessidadesfundamentais, a satisfazer a impaciência dos que, frívola ou tendenciosamente, pleiteiam soluçõesefêmeras e enganosas, de caráter imediatista.

Rendo minha homenagem ao estoicismo do povo simples e humilde que, embora o maissacrificado pelas agruras da hora presente, sabe compreender que não pode operar-se por um milagrerepentino a obra de aparelhar o País para a nova fase de seu desenvolvimento.

Page 156: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 156

O Governo não faz política de classes, nem de partidos

Empenhado nessa tarefa, que exige perseverança, desprendimento e coesão das forçasnacionais, o Governo não faz uma política de classes, mesmo quando procura atenuar as injustiças e asdesigualdades sociais. Também não faz uma política de partidos ou de religião, porque vê o Brasilcomo uma unidade, uma soma dos esforços de todos.

Assim devemos cooperar, de ânimo superior, nestes dias de árdua preparação para a nossagrandeza futura.

Não ajudam a Nação os que dela se aproveitam para o lucro fácil, nem servem ao Governo osque dele se utilizam para as conveniências egoístas.

Saberemos coibir a ganância e a especulação, como não acobertaremos a corrupção e ofavoritismo. Onde quer que repontem, puniremos os culpados, sem temer àqueles que, ao impulso derancores e explorações facciosas, cuidam de atirar as pedras do escândalo.

Governo de portas abertas

Anunciei que governaria de portas abertas, voltado de olhos e ouvidos para povo. O Governoaprecia, portanto, as críticas da imprensa como uma forma de colaboração e as denúncias da opiniãopública como um sinal de vitalidade democrática. É preciso, entretanto, assinalar que não estãoconstruindo para o Brasil, nem servindo aos seus interesses, os que espalham a suspeição e adesconfiança, os que procuram desacreditar as nossas instituições, os que, na depravação da linguagem,tentam subverter o princípio da autoridade, os que perturbam a paz e a tranqüilidade de quenecessitamos para trabalhar e produzir.

Sofre mais a essência do regime do que as pessoas investidas do poder público com ascampanhas de calúnia e difamação que invocam a defesa da democracia, como pretexto para a insídia ea malevolência.

A fonte legítima do Poder é a vontade do Povo

A fonte legítima do poder é a vontade do povo, expressa nas urnas. Não se iludam osaventureiros da política ou os profissionais da desordem: já passou a época em que o veredicto popularera fraudado pelo recurso solerte das atas falsas, ou violentado pelos golpes de força.

No grande dia de hoje recebi da população da Capital da República as demonstrações maiscarinhosas de afeto e de entusiasmo, que profundamente me comoveram e me alentaram.

Não eram as manifestações dos afortunados e bem vividos, mas as do povo anônimo das ruas,daquele que luta para sobreviver e que sua o suor de sangue de todos os dias. Se Cristo nos disse quedevemos amar ao próximo, também nos devemos aproximar daqueles que mais sofrem e merecem onosso amor.

O imperativo da união nacional

Só a lição dos anos vividos no serviço da Pátria me assegura serenidade ante asincompreensões, as injustiças e os ultrajes. Lastimo, entretanto, que se procure dificultar o trabalhoconstrutivo do País e comprometer a confiança do povo nos seus dirigentes, quando, mais do quenunca, se impõe a união nacional.

Foi essa coesão de espíritos que nos permitiu debelar as maiores crises de nossa formação. Aunidade é o signo da nossa história.

Page 157: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 157

Inspiremo-nos, hoje, no exemplo dos gloriosos fundadores da Nação, para que não nos falte,como a eles não faltou, a consciência de que nenhum motivo de competição partidária, nenhumressentimento pessoal deve sobrepor-se aos sagrados interesses do Brasil.

Page 158: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 158

Mensagem ao Congresso Nacional, Enviando ProjetoMensagem ao Congresso Nacional, Enviando ProjetoMensagem ao Congresso Nacional, Enviando ProjetoMensagem ao Congresso Nacional, Enviando Projeto SobreSobreSobreSobrea Lei de Lucros Extraordinários, Em 20 de Novembro dea Lei de Lucros Extraordinários, Em 20 de Novembro dea Lei de Lucros Extraordinários, Em 20 de Novembro dea Lei de Lucros Extraordinários, Em 20 de Novembro de1953195319531953

Excelentíssimos Senhores Membros do Congresso Nacional:O momento difícil da vida econômica nacional, que tantos sacrifícios vem exigindo da

comunidade, está a requerer enérgicas medidas por parte do Poder Público, tendentes a atenuar osefeitos maléficos do atual surto inflacionário.

Todavia, a alta geral dos preços não resulta apenas da inflação monetária, mas, especialmente,de manobras especulativas, visando lucros fabulosos e rápidos, que trazem consequências desastrosasagravando as condições de existência da população.

A série de medidas já adotadas isoladamente em outros setores da Administração, destinadas aocontrole dos preços e melhoria da distribuição dos gêneros de primeira necessidade, como armas decombate aos lucros usuários, por não terem resultado satisfatórios, no sentido de estancar o aumentodesfreado e abusivo do custo de vida, estão a exigir providencias complementares, de forma a atingirdiretamente o lucro excessivo através de uma sobrecarga fiscal que desestimule a especulação sob aforma de aumento de preços, contendo-se em níveis.

Coerente com tais objetivos, tenho a honra de submeter à consideração de Vossas Excelências oincluso projeto de lei, propondo determinadas alterações na legislação do Imposto de Renda einstituindo a taxação adicional dos lucros apurados pelas firmas e sociedades em geral.

As alterações propostas nas letras a, b, c, e, f e g, do art. 1° do citado projeto, elevam o limitemáximo de Cr$ 200.000,00 para Cr$ 500.000,00. bem como o coeficiente de 8% para 12%, na hipótesede opção pela receita bruta das pessoas jurídicas; aumentam de 4 para 6 o número de cotas mensais dopagamento dos impostos devidos pelas pessoas tísicas e jurídicas, inclusive do adicional ora criado;estabelecem maiores facilidades para o lançamento do tributo; e prevêem normas repressivas àsevasões fraudulentas dos lucros.

Além do mais, é atribuída aos delegados regionais do Imposto de Renda a faculdade deconceder, em casos excepcionais de comprovada incapacidade financeira do contribuinte, oparcelamento dos débitos vencidos, conciliando-se assim o interesse particular com o do Erário.

As providências consubstanciadas no projeto de tributação fiscal dos lucros na letra d do art. 1ºestão firmadas em bases justas e assentadas na conceituação do lucro como rendimento do capital, ouseja. do lucro em função do capital investido no negócio (capital e reservas) e, além de limitarem aganância dos especuladores, pemitirão a aplicação desses rendimentos exorbitantes em beneficio dacoletividade.

A especulação deve ser combatida não apenas como efeito, mas também como causa dainflação, a fim de que as sucessivas e tantas vezes justas exigências de melhores salários, motivo deconstantes conflitos sociais, não continuem a se constituir em pretexto para novas agravações do custode vida.

Em consequência da normalização dos preços, face à maior produtividade, aumentará o volumede lucro em função do desenvolvimento dos negócios e não, como ocorre hoje, em razão da

Page 159: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 159

especulação em certos setores, na base de preços proibitivos. Além do mais, a contenção dos preçosinternos ao nível dos preços internacionais contribuirá para o incremento de nosso intercâmbio comoutros países.

Adotando novas bases para a apuração c taxação do lucro das empresas, não quer o Governoincidir no erro do passado, em que o imposto sobre lucros extraordinários não logrou o efeito esperadono tocante à estabilização dos preços e à repressão da ganância e da exploração. Essa circunstânciadecorreu, antes, da impropriedade, para o fim colimado, dos sistemas adotados para a fixação do lucroconsiderado extraordinário, do que, em verdade, era a idéia básica da limitação e da absorção desemelhante lucro pelo Estado.

A prática já demonstram a inconveniência de formas várias para a limitação do lucro, deixadasà escolha do contribuinte, e a nulidade das então adotadas, inclusive do critério empírico decomparação com o lucro, que se convencionou normal, de um período anterior à guerra, inaceitávelagora.

Para garantir a eficiência do sistema preconizado e impedir a burla, sugere o projeto a extensãoàs sociedades de qualquer espécie da disposição do art. 2.° da Lei nº 1.474,. de 26 de novembro de1951. que não permite às sociedades anônimas o acúmulo de reservas em quantia superior ao capitalsocial, taxando, no caso de inobservância, com o imposto de 30%, quaisquer excessos. Com relação àsfirmas individuais, o perigoso problema que essa extensão visa obviar, da não distribuição dos lucrospara sua incorporação às reservas, inexistirá, isso porque, segundo a jurisprudência, os lucros, dessasfirmas são considerados sempre distribuídos e taxáveis em poder dos respectivos titulares.

Consagra, ainda, o projeto a isenção do imposto para as empresas que realizam até duzentos milcruzeiros, ficando, portanto, as firmas ou sociedades realmente pequenas excluídas de seus efeitos.

A responsabilidade criminal aí instituída para os casos de fraude apresenta-se essencial àexecução do gravame, pois se não dispuser o fisco de meios enérgicos para punir o sonegador, a evasãofraudulenta do imposto adicional acarretará, também, a do Imposto de Renda, pois que neste é baseado,transformando-se a medida de fins corretivos e benéficos em mal maior do que o que se propunhaevitar.

Cumpre, finalmente, ressaltar que a aplicação do tributo não acarretará ônus para o Tesouro,uma vez que será aproveitada â máquina administrativa do Imposto de Renda, a cujos peritos será dadaa incumbência da fiscalização dos lucros das empresas.

Com essas providências, ter-se-á, adequada e oportunamente, avançado na solução de um dosgraves problemas que nos afligem por meio do combate aos lucros exorbitantes, no sentido dadiminuição dos preços das utilidades, como imperativo do interesse nacional

Aproveito a oportunidade para renovar a Vossas Excelências os protestos da minha altaconsideração.

Page 160: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 160

Discurso de Ano Novo Transmitido Pela “Voz do Brasil” naDiscurso de Ano Novo Transmitido Pela “Voz do Brasil” naDiscurso de Ano Novo Transmitido Pela “Voz do Brasil” naDiscurso de Ano Novo Transmitido Pela “Voz do Brasil” naNoite de 31 de Dezembro de 1953Noite de 31 de Dezembro de 1953Noite de 31 de Dezembro de 1953Noite de 31 de Dezembro de 1953

Brasileiros!Neste dia voltado às esperanças da vida e às doces festas de família em que as forças da alma se

concentram para nos alentar nos trabalhos e nas lutas de um novo ano, venha trazer-vos a minhapalavra de confiança no futuro da Pátria e de profundo apreço por tinias os bons brasileiros que seesforçam para engrandecê-la. De modo especial, quero exprimir o meu fervoroso reconhecimento,como também a minha admiração constante, ao povo humilde, o que mais sofre em meio àsdificuldades presentes e o que mais dá exemplo de fé nos destinos gloriosos da País.

Os três planos de governo para 1.954

Para que se encerre de vez o ciclo das provações, para garantir o bem-estar vindouro dessaesplêndida gente nossa, tão ordeira, tão laboriosa c inquebrantável na sua fibra, cuida o Governo deresolver os graves problemas atuais através de complexas medidas e vultosos empreendimentos, cujosefeitos demoram a se fazer sentir, mas que serão altamente benéficos e duradouros, assentando embases sólidas o progresso geral. Estamos construindo para o futuro e o tempo apresentará o balançodessas realizações.

Devo anunciar-vos que em 1954 começarão a ser executadas três grandes planos, de relevânciaextraordinária, destinados a transformara estrutura econômica e a fisionomia do País, abrindo-lhes umnovo e portentoso ciclo de prosperidade.

O plano da Petrobrás

O primeiro é o da Petrobrás, por meio da qual demonstraremos de maneira concreta aospessimistas e descrentes que estamos aptos a resolver o problema do petróleo em bases nacionalistas,isto e, com o trabalho, a técnica e o capital exclusivamente brasileiros.

O plano da Eletrobrás

O segundo é o Plano de Eletrificação, também de importância vira para o nossodesenvolvimento, que reclama cada vez mais, de maneira premente, energia abundante e produzida abaixo custo, para a expansão e intensificação das indústrias, elevando-nos da condição semicolonial depaís fornecedor de matérias-primas para o nível dos que manufaturam as suas próprias riquezas eexploram suas reservas. Constrói-se atualmente no Brasil uma vasta e poderosa rede de centraiselétricas, que, tendo à frente a monumental usina de Paulo Afonso, bastará para atender ás necessidadesde todos os núcleos de produção industrial, incentivando ainda mais o ritmo já tão acelerado por que seprocessa a mobilização de nossos recursos naturais.

Page 161: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 161

A execução desse programa prevê a inversão de cerca de 30 bilhões de cruzeiros nos próximosdez anos. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. dando cumprimento às altas finalidadespara que foi criado, já está concedendo, antes mesmo da aprovação do plano pelo Congresso e davotação das verbas necessárias à sua realização, financiamentos para que sejam executados vários dosprojetos elaborados, de acordo com a melhor técnica moderna, pela Comissão Mista Brasil-EstadosUnidos.

Para aquilatar o vulto do esforço nacional no sentido de dotar o País de um potencial de energiaelétrica à altura de suas necessidades, basta mencionar que já deram entrada no Banco deDesenvolvimento Econômico pedidos de empréstimos para construção de centrais elétricas nomontante de quase dois bilhões de cruzeiros. Se não faltarem os recursos que o Governo solicitou aoCongresso, podemos estar seguros de que, num futuro não muito remoto, os reclamos dos centrosprodutores de todo o Brasil serão atendidos de forma adequada.

O Plano de Valorização Econômica da Amazônia

Empenha se ainda o Governo em outra obra de singular magnitude, que irá redimireconomicamente toda uma prodigiosa região com dimensões de continente. Retini me ao Plano deValorização Econômica da Amazônia, cuja execução está confiada aos técnicos de alro valor ereconhecida capacidade que compõem a sua superintendência. Para prestigiar esse órgão e possibilitar aplena concretização de suas finalidades, através de um planejamento em larga escala, urge datá-lo deuma verba global e substanciosa, evitando-se a continuação do processo de pulverização de recursosfinanceiros que tanto dificulta a realização de um programa racional e de conjunto. Será assimplenamente integrado no quadro de nossas atividades produtivas um estupendo potencial de riquezasainda quase inexploradas.

1.954, um ano de esperanças

São esses apenas três aspectos do arrojado e múltiplo programa de realizações que o Governovem executando e em que depositamos rodas as nossas esperanças de uma Pátria economicamente maispoderosa.

No pórtico deste Ano Novo, sinto a alma plena de confiança e de otimismo. Tudo indica que nocorrer de 1954 já se farão sentir consideravelmente, em todas os setores de nossa estrutura social, asprovidências de base destinadas a expandir a produção nacional, aumentar a exportação e incentivar oconsumo, que estão sendo postas em prática contra a inércia e o ceticismo dos descrentes e a resistênciapassiva dos aproveitadores de situações difíceis.

Recuperação do Noroeste

O flagelo das secas, que há três anos nos vinha privando da valiosa contribuição de produtos doNordeste e que tantos sofrimentos e agruras infligiu ao bravo povo daquela região, parece ter cedidolugar ao tempo ameno c propício à lavoura.

As chuvas copiosas fecundam as terras férteis que, esquecidas da estiagem inclemente,desabrocham em campos de fartura e abundância. O Banco do Nordeste, que se instalará talvez aindano mês de janeiro, muito contribuirá para o desenvolvimento econômico daquela região, distribuindo ocrédito entre os pequenos produtores c colaborando eficazmente no custeio dos serviços e das obras decombate aos efeitos das secas.

Nova política cambial

Page 162: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 162

A nova política cambial, estimulando a um nível sem precedentes o volume da nossaexportação, já trouxe apreciável desafogo à carência de divisas estrangeiras, que ameaçava asfixiar aprodução nacional. Os resultados já obtidos são encorajadores: de um regime de déficit, que atingiuvinte e cinco milhões de dólares ao fim do primeiro semestre de 1953, a nossa balança comercialassumiu uma posição inteiramente favorável ao Brasil, estando previsto um saldo de duzentos ecinqüenta milhões de dólares, ou seja, cerca de cinco bilhões de cruzeiros, no segundo semestre docorrente ano. Em 1954, as providências já tomadas virão consolidar a nossa situação no mercadointernacional.

Melhoria dos salários

Enquanto a recuperação material do Pais oferece perspectivas tão animadoras, não descura OGoverno de satisfazer às necessidades mais prementes dos que se dedicam ao trabalho produtivo, querao serviço do Estado, quer nos labores da iniciativa privada. Foi melhorada sensivelmente a situação dofuncionalismo com a Lei do Abono, que, embora com grande sacrifício do Tesouro, veio dar aosservidores da União condições de vida mais favoráveis.

Por outro lado, o levantamento geral c sistematizado do custo da vida em todo o País, já quaseconcluído, servirá de base ao Governo para o reajustamento dos salários mínimos. Devemos confiar emque os empregadores, beneficiados por fartos lucros, compreenderão a necessidade de proporcionar aosempregados uma remuneração mais compensadora, capaz de assegurar o sustento do seu lar, aeducação dos seus filhos, a tranqüilidade e o conforto de suas famílias.

Novo apelo às urnas

Meus compatriotas!De novo se exercerá, no ano que ora se inicia, cm toda a sua plenitude, o direito soberano do

povo de escolher os seus dirigentes, através da renovação dos quadros do Congresso Nacional, dosLegislativos estaduais e da indicação de vários Governadores de Unidades da Federação.

È este o que se poderia chamar um ano eleitoral, em que a opinião pública será integralmentemobilizada para o veredicto solene e impostergável das urnas, na atmosfera ordeira e pacifica dosverdadeiros prélios democráticos.

A verdade eleitoral, obra da Revolução de 1930

Hoje, podemos proclamar com orgulho que foram para sempre extirpados do Brasil oaventureirismo demagógico, os interesses ocultos manejando influências e coações, os recursos dafraude e da prepotência. Cessadas as perseguições do poder, o voto dado é voto contado - cercando-sede todas as garantias a declaração espontânea da preferência final e irrecorrível, exprimindo a vontadedo povo.

Reivindico para a Revolução de 1930, como uma de suas conquistas, a instauração da verdadeeleitoral no Brasil, graças á qual só o povo e a fonte do poder e só a ele cabe decidir dos destinos daPátria.

Não ignoro o quanto crescem as minhas responsabilidades ao ver-me investido no encargo depresidir as próximas eleições. Porque foi no meu Governo que se instituiu a justiça Eleitoral, serátambém um ponto de honra para o meu Governo que as eleições se processem sem abusos de poder,sem agitações subversivas, sem excessos facciosos.

Page 163: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 163

Deveremos também estar advertidos de que as eleições não devem perturbar a v ida do País e otrabalho tranqüilo e construtivo do povo.

Estou certo de que a consciência popular coibirá a ação dos insofridos, que, a pretexto de umpleito eleitoral futuro, desejam interromper o curso dos trabalhos encetados e ver adiadas as soluçõesdos problemas que mais preocupam a Nação.

Tranqüilos, confiantes, de ânimo forre, aguardemos os acontecimentos que o Ano Novo nosreserva, na certeza de que só poderão contribuir para o progresso do Brasil, para o desenvolvimento desuas instituições políticas e para a felicidade e o bem-estar de seu povo.

Preservemos a unidade brasileira

Brasileiros!Na luta de todos o dias para assegurar a grandeza material da Pátria e nos embates de que sairão

os novos detentores do Poder Público, busquemos apenas incentivo para preservar intocada a herançaesplêndida que recebemos dos nossos maiores: a unidade nacional.

Se nas horas difíceis da nossa história, quando mais acesas lavraram as discórdias internas,soubemos manter, coesa e forte na consciência de si mesma, uma nação jovem, cuja voz só podiainfluir no mundo pela pureza e generosidade de seus princípios, hoje, ainda mais, devemos permanecerirmanados para usufruir do prestigio e do relevo que a nossa Pátria conquistou no conceito dos povos.

Sejam de harmonia fraterna, de fecundo trabalho, de entusiasmo criador, de amor ardente aoBrasil, os dias novos que vamos viver, santificados pelas bênçãos de Deus.

Page 164: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 164

Discurso em Caxias, na Inauguração doDiscurso em Caxias, na Inauguração doDiscurso em Caxias, na Inauguração doDiscurso em Caxias, na Inauguração do Monumento aoMonumento aoMonumento aoMonumento aoImigrante, em 28 de Fevereiro de 1954Imigrante, em 28 de Fevereiro de 1954Imigrante, em 28 de Fevereiro de 1954Imigrante, em 28 de Fevereiro de 1954

Povo de Caxias.Reveste-se de alto sentido histórico e de profunda expressão humana este majestoso

monumento, destinado a celebrar, pelos tempos afora, o inestimável concurso dos imigrantes aoprogresso do País. Consagrando tão bons companheiros de vida laboriosa e fecunda, consagra tambéma alma generosa da nossa gente, a cuja iniciativa se deve O soberbo conjunto escultural que ora ilustra aflorescente paragem desta cidade. Na beleza harmoniosa da sua concepção artística e nos símboloscriados pela estatuária condensa-se toda a aventura dos que vieram de longínquos rincões paraencontrar aqui o ensejo de uma existência nova, sob o signo da esperança e da liberdade.

A colonização estrangeira no Rio Grande do Sul

Levantado em plagas do Rio Cirande, é uma homenagem não apenas àqueles que aportaram aestes rincões abençoados, mas a todos os imigrantes estrangeiros que participaram da obra deengrandecimento material c espiritual da Pátria. Foi justo que se erguesse aqui esse marco memorável.A colonização estrangeira se processa no Rio Grande do Sul de uma feição modelar e toda especial.Desde a Proclamação da República foi tradição dos Governos do Estado promover o loteamento dasterras devolutas, concedendo-as aos colonos, mediante pagamento a longo prazo. Evitando-se aexploração de companhias comerciais intermediárias, logrou-se instituir em vastas glebas umflorescente regime de pequena propriedade.

Tais foram os núcleos onde teve início o aproveitamento econônico destas ricas regiões. Osfilhos dos que primeiro vieram utilizar as dádivas do generoso chão sulino destacam-se hoje, pelaeficiência de seu trabalho e pelo vigor da sua inteligência, no comércio, nas indústrias, nas profissõesliberais e nas lides do campo.

Na galeria dos filhos ilustres desta cidade, honrando o tronco de seus maiores, podemos citar,entre outros, o Prefeito Euclides Triches, o industrial esclarecido e progressista Júlio Ungaretti e oDeputado Luís Campagnoni, um dos mais esforçados promotores deste monumento. Por sua vez,descendentes dos primitivos colonos, em gerações sucessivas, emigraram para Santa Catarina e Paraná,em busca de terras inexploradas, economicamente mais acessíveis e de menor densidade demográfica,para nestas aplicar fecundamente as suas atividades.

História política imigratória no Brasil

É destino do Brasil, como é a sua glória, ser a nação acolhedora por excelência, a grande pátriahospitalar, onde os filhos de todos os recantos da terra podem trabalhar num clima de estímulo, detolerância e de fraternidade. Mantivemos assim intocadas as tradições da nossa formação.

Desde a sua origem a nossa história traz a marca do desbravador de além-mar, do aventureirotenaz, que afrontou os perigos e as agruras do desconhecido, para rasgar, em plagas bravias, os

Page 165: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 165

caminhos de uma nova civilização. Milhões de forasteiros vieram trabalhar ao nosso lado, absorvidos,assimilados, adaptados, convertidos em bons brasileiros, como os que mais o são.

Originados de todas as latitudes, representam todas as raças, praticam todos os ofícios. Para oBrasil foram e são todos bem-vindos, homens fortes e desassombrados, lutadores intrépidos, quesuperaram todas as vicissitudes do seu ajustamento ao meio novo, conquistando o respeito, o apreço e oafeto da gente nossa.

O poder assimilador da terra foi pouco a pouco integrando na comunidade nacional os núcleosestrangeiros. A consciência dos seus deveres para com a Pátria de adoção assegurou a sua constantefidelidade ao Brasil, como a última guerra veio comprovar no exemplo das nossas três maiores colôniasde imigrantes.

No respeito à pessoa humana, nunca estabelecemos restrições nem discriminações aos que aquivieram com o ânimo de trabalhar.

Impunha-se nova legislação imigratória

Mas tão acentuado se foi tornando o afluxo imigratório, que o Brasil se encontrou nacontingência de discipliná-lo através de medidas que fossem satisfazendo as suas necessidades econveniências. Faltava, entretanto, uma legislação adequada para solver, definitivamente, em seusmúltiplos aspectos, esse importante problema.

Desde há muito que a extensão das nossas terras inaproveitadas e a vastidão de nossos recursosinexplorados reclamavam uma política orgânica e sistemática da imigração e da colonização. Amultiplicidade de órgãos e serviços, subordinados a Ministérios diferentes, responsáveis até agora pelasolução dos problemas imigratórios e pelas necessidades da colonização, não permitia uma políticauniforme, segura e eficaz para distribuir e fixar à terra o trabalhador nacional e estrangeiro, de maneiraa atender às reais necessidades do País. Entre o Conselho de Imigração e Colonização, o DepartamentoNacional de Imigração do Ministério do Trabalho e a Divisão de Terras e Colonização do Ministério daAgricultura se fragmentavam esforços e se enleavam providências, sem conseguir-se uma real diretiva,una e eficiente, para a solução daqueles problemas de importância transcendental, muito embora, noslimites de suas competências e atribuições respectivas, esses órgãos se desdobrassem para darcumprimento às suas finalidades precípuas.

A fraca estrutura social e econômica do nosso meio rural, o êxodo dramático para as cidades eos reclamos de mão-de-obra qualificada exigiam a criação de um organismo concentrando os setoresadministrativos até agora esparsos, numa direção única para a política imigratória do Governo.

A criação do Instituto Nacional de Imigração e Colonização

Foi esse o espírito que presidiu à elaboração do projeto criando o Instituto Nacional deImigração e Colonização, consubstanciado na Lei n° 2.163, de 5 de janeiro de 1954.

Ao Instituto de Imigração e Colonização caberá assistir e encaminhar os trabalhadores nacionaisimigrantes de uma para outra região do Pais; orientar e promover a seleção, entrada, distribuição efixação de imigrantes; finalmente, traçar e executar, direta ou indiretamente, o programa nacional decolonização, tendo em vista a fixação de imigrantes e proporcionar aos nacionais o acesso à pequenapropriedade agrícola.

O problema da imigração será agora colocado, nos seus justos e devidos termos, afastandoqualquer sombra de prevenção por acaso ainda existente contra o trabalhador estrangeiro. Este não é oconcorrente do colono nacional, mas o agricultor e o artífice esclarecido, dotado de instrução eexperiência técnica capaz de trazer desafogo à carência nacional de mão-de-obra qualificada.

Page 166: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 166

Os consideráveis recursos de que é dotado o Instituto lhe permitirão uma ação eficaz de âmbitonacional, para promover o povoamento sistemático das áreas baldias do País, de maneira acorresponder às necessidades de nossa economia e aos interesses da defesa nacional. Em particular, oInstituto visará à racionalização da imigração externa, desde a seleção dos imigrantes até a suadefinitiva fixação no território nacional.

Necessidade de uma Carteira de Colonização no Banco do Brasil

Para completar os recursos indispensáveis à realização das finalidades do novo órgão, propôstambém o Governo ao Congresso a criação da Carteira de Colonização do Banco do Brasil. De fato, ocrédito de colonização implica numa técnica especial e num financiamento amplo, de recuperaçãomuito lenta. E, assim, indispensável que o Congresso aprove esse projeto, que lhe foi submetido cmMensagem de 28 de maio de 1952, a fim de que se possa entrar na execução de um vasto programadestinado a assegurar ao pequeno lavrador, nacional ou estrangeiro, o acesso à terra própria.

Há dias assinei decreto nomeando uma Comissão destinada a elaborar o Regulamento doInstituto Nacional de Imigração e Colonização. Estará assim completo o aparelhamento legal eadministrativo para criar e executar, pela primeira vez na nossa história, uma política nacional esistemática de migrações humanas.

Sentido do monumento ao imigrante

Brasileiros!Este monumento é um preito de justiça e um motivo de orgulho nacional. Foi erguido como um

testemunho da nossa gratidão por tudo quanto devemos aos que, vindos de terras tão diversas, mastrazidos pela mesma esperança, se empenharam como nós em promover o engrandecimento de nossaterra, que para eles também já é uma pátria.

Reverenciamos hoje, comovidos na profundeza do nosso reconhecimento, aqueles quecontribuíram decisivamente para o engrandecimento do Brasil; aqueles que transplantaram para estasférteis planuras do Sul a semente nova de culturas antigas; aqueles que nos trouxeram o concursoinestimável da mão-de-obra qualificada e da especialização técnica, possibilitando o surto vertiginosode nossa industrialização; os agricultores, os artesãos, os mestres de arte e ciência, todos enfim queretribuíram em cultura, experiência e esforço os incentivos e as oportunidades da terra generosa.

Este marco, levantado por iniciativa do povo e à custa do povo, exprime bem o nosso sentido defraternidade humana e o nosso desprendido amor a todos os que se devotam ao labor pacífico econstrutivo.

Não cultivamos prevenções religiosas, nem preconceitos de raça e de cor, desconhecemosfanatismos e xenofobias.

Inspirados nas lições da nossa história, os brasileiros se irmanam com todos os que trabalham ehoje só no trabalho encontram a medida do valor humano.

Que os céus preservem na alma da nossa gente esse admirável senso de solidariedade humana, afim de que o Brasil, na marcha para o seu engrandecimento, com o labor dos seus filhos e o esforço dosque vêm de outras plagas, se torne cada vez mais a terra prometida, uma nação das nações, um porto deesperança, um refúgio de paz.

Page 167: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 167

MENSAGEM AO CONGRESSO NACIONAL,MENSAGEM AO CONGRESSO NACIONAL,MENSAGEM AO CONGRESSO NACIONAL,MENSAGEM AO CONGRESSO NACIONAL,PROPONDO A CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS, EM 10 DEPROPONDO A CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS, EM 10 DEPROPONDO A CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS, EM 10 DEPROPONDO A CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS, EM 10 DEABRIL DE 1954ABRIL DE 1954ABRIL DE 1954ABRIL DE 1954

Senhores Membros do Congresso Nacional:Tenho a honra de submeter à consideração de Vossas Excelências o incluso projeto de lei

destinado a autorizar a União a constituir uma sociedade por ações para levar a efeito a parte do PlanoNacional de Eletrificação a cargo do Governo Federal.

Trata-se de uma das medidas necessárias a habilitar o Governo a fazer face, de forma adequada,ao grave problema do suprimento público de energia elétrica. Após instituído o imposto único sobreenergia elétrica, previsto no art. 15 da Constituição; reguladas a distribuição e a aplicação da parceladesse imposto que pertence aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, nos termos dosdispositivos constitucionais pertinentes; e criado o Fundo Federal de Eletrificação, com a parcela desseimposto pertencente à União e com outros recursos financeiros cuja aplicação no programa oficial deeletricidade se afigura convincente - após essas medidas legislativas já suscitadas, ao Governo pareceindispensável adotar um programa decenal de obras e serviços públicos, consubstanciado no PlanoNacional de Eletrificação, objeto de outra Mensagem desta data, e criar o instrumento de ação prática,de que carece o Poder Público, para enfrentar eficazmente o problema da produção e transmissão daenergia elétrica, nos termos do referido Plano ora submetido ao exame do Congresso Nacional.

A instituição de uma empresa federal com essa finalidade torna-se ademais, de fato,indispensável ao desempenho dos encargos que o Estado já vem assumindo, como conseqüência danova situação criada pela expansão da demanda de energia elétrica, situação que o Governo precisaenfrentar com os meios de atuação adequados às circunstâncias.

Empresa de capital misto

De fato: Não dispõe a Administração Pública Federal de entidade adequada, quanto à estruturae ao funcionamento, a aplicar os recursos orçamentários que vêm sendo destinados à construção deusinas elétricas e, muito menos, de desempenhar-se de tarefa da magnitude daquela que a União deveráempreender no próximo decênio, construindo grandes centrais e extensas redes de transmissão deenergia e operando-as eficientemente. Os serviços oficiais existentes foram criados e se desenvolverampara o preenchimento de funções outras, quais as de estudo das fontes de energia do País e do seuaproveitamento, exame dos pedidos de concessão para a sua exploração e fiscalização do cumprimentode obrigações assumidas pelos concessionários, funções, enfim, indispensáveis e que, por isso mesmo,não podem nem devem ser prejudicadas pela superposição de atividades heterogêneas.

Na nova fase que se inicia para a indústria nacional de eletricidade, essas funções a cargo dosórgãos existentes persistem e precisam ser preenchidas de forma mais eficiente ainda, em face daampliação absorvente das tarefas do Estado moderno. Não seria prudente, portanto, confiar-lhes novosencargos, de natureza diversa, como a construção de centrais elétricas e de linhas de transmissão deenergia e sua operação, para o que se exigem, obviamente, organizações específicas. A própria

Page 168: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 168

experiência brasileira demonstra, aliás, que o Poder Público, para atuar no campo industrial, deve usaros instrumentos de ação a isso aptos, por certo diferentes dos serviços oficiais comuns.

Examinados os tipos de entidades públicas instituídas com finalidades semelhantes - repartiçõesadministrativamente autônomas, autarquias econômicas e sociedades de capital misto -, optou oGoverno por este último tipo, em virtude das vantagens que apresenta, como o organismo maisaproximado daqueles instituídos pela iniciativa privada para o desempenho de função idêntica. Asociedade de capital misto não só proporciona aos seus dirigentes a liberdade de ação indispensável àrealização das tarefas que lhes sejam cometidas, mas também permitirá ao Governo Federal associar-se, de forma simples, aos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para a conjugação dosrecursos financeiros de origem fiscal destinados à solução do problema da energia elétrica.

Como ressalta do texto do projeto, serviu de modelo à lei ora proposta um recente diploma legalaprovado pelo Congresso com finalidade semelhante - a lei orgânica da Petróleo Brasileiro S. A. AoExecutivo se afigura que, assim, irá ao encontro do pensamento do Congresso Nacional, em face não sódo seu pronunciamento em relação à grande empresa estatal incumbida da condução dos problemasindustriais do petróleo, mas também levando em conta os estudos realizados em ambas as Casas doLegislativo em torno dos projetos de lei pertinentes à criação do Fundo Federal de Eletrificação e àdistribuição das quotas do imposto único sobre energia elétrica pertencentes aos Estados, DistritoFederal e Municípios.

As Centrais Elétricas Brasileiras S. A. deverão operar diretamente ou através tias subsidiáriasque organizarem, ou das empresas a que se associarem. Funcionará, portanto, como uma holding dasempresas federais a serem incumbidas dos serviços federais previstos no Plano Nacional deEletrificação para várias regiões do País. Poderá associar-se às empresas oficiais dos Estados eMunicípios, mesmo em posição minoritária. Poderá associar-se, também, à empresa ou às empresasque se destinem à produção dos materiais, máquinas e equipamentos indispensáveis à realização doPlano Nacional de Eletrificação; ou criar subsidiária, com essa finalidade, se a iniciativa privada sedesinteressar desse empreendimento. Somente mediante autorização expressa do Presidente daRepública, a sociedade poderá tomar ações de empresas privadas de eletricidade cujos serviçosinteressem, portanto, expandir, com a inversão de recursos de origem fiscal.

A Diretoria da sociedade será assistida por um Conselho de Administração, em que estarãorepresentados os acionistas minoritários, quer pessoas jurídicas de direito público, quer pessoas físicase jurídicas de direito privado. Igual critério foi previsto para o Conselho Fiscal da empresa.

Capital e aplicação dos lucros

O capital inicial da empresa, fixado em Cr$ 3.000.000.000,00, deverá ser integralizado com ovalor dos bens e direitos que a União já possui, relacionados com a indústria da eletricidade. Se essevalor for verificado insuficiente, a integralização será completada em dinheiro, autorizando-se arealização de operação de crédito com essa finalidade, como antecipação da receita do Fundo Federalde Eletrificação.

A conta desse fundo, da aplicação de lucros e dos recursos aplicados pelos demais acionistas, ocapital da empresa deverá ser aumentado para, pelo menos, Cr$ 15.000.000.000,00 até 1965 - quandoos investimentos realizados pela sociedade deverão ser, aliás, bem maiores, segundo se infere doesquema de investimentos federais constante do Plano Nacional de Eletrificação.

Constitui uma das diretrizes desse Plano, a ser realizado em parte pela empresa, a aplicação dasdotações destinadas a obras somente em empreendimentos rentáveis. Não obstante, como a construçãoe montagem de centrais elétricas exigem vários anos de trabalho bem conduzido, o reinvestimento delucros pela empresa só poderá verificar-se praticamente a partir do quinto ano do seu funcionamento.No final do decênio, porém, a empresa contará com lucros substanciais para a sua expansão.

Senhores Membros do Congresso Nacional:

Page 169: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 169

A instituição das Centrais Elétricas Brasileiras S. A. - Eletrobrás - implica na adoção de umanova diretriz econômica para o Estado brasileiro, que já tem a seu crédito a criação da indústria pesadado aço, se aparelha para empreender a solução do problema do petróleo e, no próprio campo da energiaelétrica, ultima o aproveitamento de Paulo Afonso, para suprir área considerável do Nordeste. Essadiretriz, consubstanciada no Plano Nacional de Eletrificação, ajusta-se à política oficial de energia dasunidades mais progressistas da Federação e sistematiza os esforços que a própria União já vemenvidando, nos últimos anos, no sentido de dotar de energia alguns dos centros urbanos mais carentes.

Não parece necessário ressaltar a importância dessa iniciativa, já que a magnitude do problemada energia elétrica está caracterizada em Mensagem desta data, pertinente ao Plano Nacional deEletrificação. Mas julgo do meu dever assinalar que esse problema reclama atuação vigorosa, eurgente, da parte do Poder Público, para que as dificuldades atuais sejam debeladas e o País venha adispor, no menor prazo possível, da energia de que necessita para o seu desenvolvimento.

A Eletrobrás, uma vez constituída, será o poderoso instrumento com que atuará o Poder Públicopara atingir esse objetivo.

Rio de Janeiro, 10 de abril de 1954.

Page 170: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 170

DISCURSO AO EXÉRCITO NACIONAL, QUANDO FOIDISCURSO AO EXÉRCITO NACIONAL, QUANDO FOIDISCURSO AO EXÉRCITO NACIONAL, QUANDO FOIDISCURSO AO EXÉRCITO NACIONAL, QUANDO FOIPOR ESTE HOMOLOGADO, NO RIO DE JANEIRO, EMPOR ESTE HOMOLOGADO, NO RIO DE JANEIRO, EMPOR ESTE HOMOLOGADO, NO RIO DE JANEIRO, EMPOR ESTE HOMOLOGADO, NO RIO DE JANEIRO, EM19 DE JUNHO DE 195419 DE JUNHO DE 195419 DE JUNHO DE 195419 DE JUNHO DE 1954

Senhores Oficiais:Esta expressiva manifestação, de sentido tão afetuoso, testemunho de uma velha camaradagem,

comprova mais uma vez a tradicional lealdade militar ao Chefe da Nação. Profundamente grato, recebocom emocionada alegria a vossa demonstração de apreço, interpretada, de forma tão feliz, pelo nobre edigno General Amaury Kruel.

Como Chefe do Governo e, portanto, constitucionalmente Chefe das Forças Armadas, eu meorgulho de vós, da vossa lealdade, da vossa disciplina e da vossa integração nos princípios que juntosdevemos defender. Quis a vontade do povo brasileiro que eu me tornasse novamente responsável pelodestino de nossa Pátria, cuja direção já me coubera em momentos árduos e angustiosos para ahumanidade. Hoje, como antes, podeis estar certos de que, no desempenho de tão alta missão, sabereisempre agir com serenidade, mesmo quando as paixões toldam o ambiente e perturbam os ânimos.

As Forças Armadas e a defesa da Constituição

Sobre meus ombros pesa a grande responsabilidade de responder pela ordem e pelo bomencaminhamento dos negócios públicos, no período de natural exaltação prenunciado pelas novascampanhas eleitorais. Julgo oportuno declarar diante de vós, na qualidade de Comandante Supremo dasForças Armadas, que a Constituição será mantida em toda sua plenitude e em toda a sua integridade. OPresidente da República conservar-se-á na posição de magistrado imparcial e vigilante, alheio a todosos choques partidários, que serão contidos no limite dos verdadeiros prélios democráticos. Velarei como máximo rigor para que ninguém se possa utilizar de cargos de administração federal em benefício desuas ambições eleitorais. Assegurarei o cumprimento da legislação vigente nos casos em que prescreveo afastamento de ocupantes de funções públicas que tenham os seus nomes registrados comocandidatos. Não permitirei de forma alguma que os interesses partidários venham perturbar o ritmo doreajustamento financeiro e econômico do País e a política de austeridade administrativa em que oGoverno se empenha para o equilíbrio orçamentário.

Para a defesa da Constituição e o cumprimento do meu dever, conto com a tradição de honradas Forças Armadas, quando é notória a existência do propósito deliberado de criar um clima deagitação e perturbação. Quando a Nação precisa tanto de paz, fomenta-se uma espécie de guerra friapara inquietar os espíritos. Tendenciosamente, acusam-me de planejar golpes, para se preparar oambiente propício à desordem. No momento em que mais necessitamos afirmar na vida internacional opoder de uma nação organizada democraticamente, procura-se demolir o prestígio e o poder moral daautoridade. Quando mais as Forças Armadas se concentram patrioticamente em seu preparo técnico,busca-se por todos os meios perturbá-las no seu adestramento para cumprir os seus sagrados deveres eatender às suas graves responsabilidades, decorrentes da conjuntura internacional. Com o objetivo

Page 171: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 171

solerte de dividi-las, procura-se lançá-las em debates, animando dúvidas e, finalmente, tentandoenvolver chefes prestigiosos em choques partidários.

Ao Brasil não podem aproveitar essas manobras insidiosas. Não vos será difícil perceber aquem interessam esses manejos confusionistas. Só podem servir a alguns panfletários que se valem dosdireitos da imprensa para o culto das paixões pessoais ou para o insulto sistemático, e a alguns políticosque, à cata de votos perdidos, se atribuem com alarde patentes exclusivas de honradez. Apenas a estespoderia aproveitar a desordem que provocam, com o desígnio evidente de solapar a autoridadeconstituída.

Já tendo demonstrado que não preciso do poder para triunfar nas urnas, dele não me prevaleçonem pretendo fazer uso para fins eleitorais. Ninguém me arrancará das mãos a bandeira da justiçasocial, com que sirvo ao povo, e ninguém poderá ver esmorecidos a confiança e o apoio com que meacompanham os que mais sofrem e precisam, portanto, de mais amparo.

Estou empenhado exclusivamente em defender a autoridade, como dever que o cargo meimpõe, para a salvaguarda das instituições e preservação dos princípios consagrados na Constituição doPaís.

Justiça e solidariedade social

Meus atos não são inspirados por intenções demagógicas. Procuro atender aos justos reclamosdo povo para melhor assegurar a harmonia das classes e o aumento da produção. Decretei a elevação dosalário mínimo por ter motivos que bem o fundamentavam: primeiro, por se ter verificado que nosúltimos oito anos, em face da desvalorização gradativa de nossa moeda, os trabalhadores haviamrecebido apenas a metade do salário real; segundo, porque ficou demonstrado que o impacto doaumento de salário não influiria em mais de 25% na composição geral dos preços. Nessas condições, eudaria ao povo um poder aquisitivo de mais 100%, tendo um contrapeso de apenas 25% no aumento docusto; terceiro, porque se comprovou que a margem de lucros incorporada ao patrimônio dosempregadores era abusiva, constituindo um fator de ressentimento e injustiça social cujos efeitospoderiam representar uma ameaça à estabilidade do regime democrático. Nada se constrói sobre amiséria e a desgraça alheias. E não podemos falar em união nacional sem que primeiro implantemos asbases da solidariedade social.

O Exército contra a subversão pela ordem constitucional

Numa época de graves apreensões para a comunidade internacional a que estamos ligados porcompromissos e responsabilidades, devem ser eliminados todos os elementos de dissensão interna. Nãosão poucos os que, falando e agindo em nome da Democracia, usam a técnica da agressão e daviolência, para colaborar na obra impatriótica da subversão do regime. A inconsciência e a audácia dealguns chegam ao ponto de instigar o povo, pelo rádio e pela imprensa, a depor o Governo. Que povo?O que me elegeu e bem os conhece? Com que meios? Com os das Forças Armadas que devem defendera Constituição e a Pátria? A minha serenidade não significa receio, nem a minha tolerância deve serconsiderada tibieza. Consciente da força que representa a defesa da ordem constitucional, presidireicomo magistrado às duas eleições de outubro de 1954 e 1955, assegurando a todos o direito de escolherlivremente os candidatos de suas preferências. E não vos preciso dizer que conto convosco, porque ossoldados do Brasil sabem honrar os seus compromissos com a Nação.

Tendes um Ministro dedicado à sua classe e pronto a servi-la, um valoroso soldado coberto delauréis conquistados heroicamente nos duros embates da última guerra.

Page 172: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 172

Falei-vos como chefe. E agora, amigos, mais uma vez vos agradeço pelo conforto da vossaestima pessoal, do vosso apoio e da vossa solidariedade. Tudo isso constitui um prêmio e um estímuloao meu esforço no cumprimento do dever.

Rio de Janeiro, 19 de junho de 1954.

Page 173: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 173

DISCURSO EM BELO HORIZONTE, NADISCURSO EM BELO HORIZONTE, NADISCURSO EM BELO HORIZONTE, NADISCURSO EM BELO HORIZONTE, NAINAUGURAÇÃO DAS USINAS SIDERÚRGICASINAUGURAÇÃO DAS USINAS SIDERÚRGICASINAUGURAÇÃO DAS USINAS SIDERÚRGICASINAUGURAÇÃO DAS USINAS SIDERÚRGICASMANNESMANN EM 11 DE AGOSTO DE 1954MANNESMANN EM 11 DE AGOSTO DE 1954MANNESMANN EM 11 DE AGOSTO DE 1954MANNESMANN EM 11 DE AGOSTO DE 1954

Povo de Minas Gerais:O esplêndido surto de desenvolvimento econômico que se estende pelo vosso Estado e revigora

o ânimo laborioso da sua gente alcança hoje mais um triunfo notável, quando se inaugura esta nova egrande Usina Mannesmann, de características tão modernas, que se destina a transformar em riquezacriada e em instrumentos de progresso os recursos inexauríveis do vosso fabuloso subsolo.

Importância da Usina Mannesmann

Plantada na terra cujas opulências atraíram a iniciativa pioneira dos heróicos desbravadores nostempos coloniais e onde o profundo senso da nacionalidade se apurou no culto das melhores tradiçõesbrasileiras, a Mannesmann põe ao alcance do vosso infatigável esforço, para maior aproveitamento dosvossos preciosos minérios, adiantadas técnicas e vultosas inversões financeiras.

Esta importante fábrica, em que trabalharão cerca de três mil operários, começará a produzir, apartir de hoje, 1.500 toneladas mensais de tubos de aço sem costura, devendo, em meados de 1955,atingir o seu nível normal de produção, com 80.000 toneladas anuais do produto. Isto significará, para onosso País, importante economia de divisas, principalmente agora, quando a exploração efetiva dopetróleo intensificará grandemente a procura c o consumo dos tubos.

Com particular satisfação, vejo concretizado mais este valioso empreendimento, mais esteconsiderável acréscimo no quadro geral dos vossos progressos, que constituem motivo de constantedesvelo e de sempre renovado júbilo para o Governo Federal. Prometi dar a Minas Gerais uma grandeusina siderúrgica. Agora essa promessa se transforma em realidade.

Auxilio do Governo Federai a Minas Gerais

Nos limites das possibilidades orçamentárias, venho emprestando todo o apoio material e moralao admirável impulso de reaparelhamento econômico que assinala os feitos da vossa atualadministração. Se vos lembro as medidas tomadas em prol de Minas Gerais não é para subestimar asrealizações do Governo estadual, mas antes para demonstrar que este, pela visão esclarecida, pelodescortino político e pelo dinamismo empreendedor do Governador Juscelino Kubitschek, conseguiuassegurar a mais integral confiança da Administração Federal no completo êxito do arrojado programade soerguimento material do Estado de Minas Gerais, que se propôs levar a cabo o seu ilustregovernador. Os múltiplos aspectos de que se reveste a ajuda da União traduzem-se num só e mesmotestemunho de apreço e de estímulo à obra do Governador mineiro.

Cooperando na execução do vosso binômio administrativo energia-transportes, o GovernoFederal concedeu, através do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, para o reequipamento

Page 174: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 174

das estradas de ferro que servem a Minas Gerais, financiamentos que montam a mais de um bilhão decruzeiros, sendo que só a Rede Mineira de Viação se beneficiará com um empréstimo de 568 milhões,há dias aprovado. Por intermédio do mesmo órgão, quase 300 milhões de cruzeiros foram destinados àintensificação das obras das centrais elétricas de Salto Grande do Santo Antônio, da CompanhiaCataguases-Leopoldina e da Companhia Prada. Há três dias aprovei, por despacho, a concessão de 12milhões de cruzeiros para ampliação das instalações desta última empresa. Do mesmo passo, o Banco,com o seu aval, possibilitou a obtenção de empréstimo externo de 7 milhões e 300 mil dólares para asobras da usina de Itutinga e de 5 milhões de dólares para o equipamento agrícola do Estado. Umconvênio entre o Governo estadual e o Ministério da Viação determinou ainda o emprego de mais 125milhões, de cruzeiros de recursos federais em várias obras hidráulicas a serem realizadas no territóriomineiro.

Não tem sido menor a assistência dada para a solução dos vossos problemas rodoviários,sobressaindo-se os trabalhos de construção de duas rodovias de interesse vital para a economia mineiraa nova Rio-Belo Horizonte e a estrada Fernão Dias, ligando Belo Horizonte a São Paulo. No período de1951 a 1954, um bilhão e duzentos milhões de cruzeiros foram empregados pela União na abertura,construção e pavimentação de estradas de rodagem em Minas Gerais.

Cuidou também a União de promover a melhoria das condições de tráfego das estradas de ferrodo Estado, enquanto não se executa o plano de reequipamento ferroviário de grande envergadura, queserá levado avante com os recursos providos pelo Banco de Desenvolvimento Econômico. Assim, 88milhões de cruzeiros foram aplicados no alargamento da bitola da Rede Mineira de Viação.

Não tem faltado a Minas Gerais o amparo financeiro do Banco do Brasil. O montante dasresponsabilidades diretas que assumiu para financiamento do Governo do Estado atinge a cifra de 930milhões de cruzeiros e o das responsabilidades indiretas ultrapassa a 870 milhões. Além disso, o Bancoconcedeu à Prefeitura de Belo Horizonte empréstimo de 4 milhões de cruzeiros. Ao mesmo tempo, osempréstimos particulares nas várias carteiras do Banco, que, em 1951, orçavam por dois bilhões decruzeiros, sobem hoje a mais de quatro bilhões e quinhentos mil cruzeiros.

De grande alcance para a valorização de vossa economia foi também a antecipação depagamentos de produtos da Fertilizantes de Minas Gerais S. A., por meio da qual a União contribuiuimediatamente com 30 milhões de cruzeiros, indispensáveis para assegurar o êxito do importanteempreendimento.

Outra iniciativa da maior relevância para o progresso do vosso Estado é a Frigorífico de MinasGerais S. A., que também foi amparada por um empréstimo federal a longo prazo até o limite de 210milhões de cruzeiros, compreendendo um prêmio em dinheiro no valor de 70 milhões.

Além do empréstimo externo obtido com a garantia federal e destinado à mecanização da vossalavoura, Minas Gerais tem sido favorecido com as quotas de distribuição de máquinas agrícolas deacordo com o programa organizado pela Comissão de Revenda de Material Agrícola do Ministério daAgricultura.

Uma ampla campanha de educação rural foi também encetada pela Administração Federal emMinas Gerais, através do custeio de Centros Rurais de Treinamento, a par da construção, no Municípiode Ibirité, do Instituto Superior de Educação Rural. A Escola Agrotécnica de Muzambinho, já instalada,é outro importante centro de esclarecimento do vosso trabalhador rural, de iniciativa do meu Governo.

Um convênio com o Instituto Brasileiro do Café proporcionou ao Estado estímulo à produçãodas suas ricas regiões cafeeiras.

Merecem menção especial as variadas e importantes obras empreendidas pela Comissão doVale do São Francisco em território mineiro. Esse órgão, destinado a garantir a valorização econômicade uma das mais portentosas regiões do País, promove estudos e trabalhos tendentes à regularização doregime do rio, à produção de energia elétrica, ao melhoramento dos transportes fluviais, rodoviários eaéreos, e ao saneamento urbano e rural da zona, obras que absorvem dotações federais de grande vulto.

Page 175: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 175

Convém também lembrar as inversões da Companhia Vale do Rio Doce, que já ultrapassam acifra de um bilhão e setecentos milhões de cruzeiros, beneficiando, na sua maior parte, o Estado deMinas Gerais.

No terreno das atividades educacionais, Minas já recebeu do Instituto Nacional de EstudosPedagógicos, de 1951 até agora, cerca de 30 milhões de cruzeiros para construir prédios escolares denível primário, secundário e normal. Sob muitos outros aspectos, seja custeando a instalação de 1.900unidades de ensino supletivo, seja criando sete ginásios no interior do Estado, seja distribuindo 47.000livros escolares e grande quantidade de material de ensino, o Governo da União não se descuidou dosproblemas relativos à formação da mocidade mineira.

Auxílios de vulto foram também concedidos pelo Governo Federal no setor da assistênciahospitalar e da saúde pública. Só dois hospitais de Belo Horizonte, o Hospital de Pênfigo Foliáceo e oda Organização das Voluntárias, receberam financiamento de 4 milhões e 500 mil cruzeiros e 3 milhõese 800 mil cruzeiros, respectivamente. De 1951 a 1954, 1.035 instituições hospitalares mineirasreceberam do Fundo Federal de Assistência Hospitalar recursos que montam a cerca de 80 milhões decruzeiros, garantindo a manutenção de 53 mil leitos em todo o Estado.

Quero, por último, mencionar o crédito especial de 30 milhões de cruzeiros destinado àreconstrução da vossa bela represa da Pampulha, que, proposto por mim ao Congresso, já seconsubstanciou em lei, estando à disposição do Estado meios para reparar os danos sofridos pelabarragem.

Preservação da legalidade contra a desordem

Povo de Minas Gerais.As minhas preocupações com o bem público não me deixam fugir ao dever, onde quer que

tenha de ser cumprido. E eu o cumprirei até o fim.Espalhando o gérmen da discórdia, procurando subverter a força e o prestígio da autoridade,

falseando os fatos e fantasiando as intenções, há um propósito de gerar a confusão pela mentira, paralevar o País à desordem, ao caos e à anarquia. Para o bem da nossa Pátria, podemos confiar nas reaçõessaudáveis da opinião pública e no sentimento de patriotismo e disciplina das Forças Armadas. Asclasses armadas, sobre as quais repousa o sossego e a tranqüilidade da Nação, manterão a ordem eassegurarão o pleno exercício das instituições democráticas, a justiça cumprirá o seu dever comindependência e o povo, nas próximas eleições, manifestará livremente a sua vontade.

Empenharei a autoridade e a honra do Governo para que a ordem seja mantida, as garantiasconstitucionais asseguradas e as próximas eleições realizadas num clima de ordem e tranqüilidade. Asinjúrias que me lançam, as pedras que me atiram, a objurgatória, a mentira e a calúnia não conseguirãoabater o meu ânimo, perturbar a minha serenidade, nem me afastar dos princípios de amor e humildadecristã por que norteio a minha vida e que me fazem esquecer os agra-vos e perdoar as injustiças. Poroutro lado, não terei condescendência para aqueles que se fazem agentes do crime ou instrumentos dacorrupção.

No Governo represento o princípio da legalidade constitucional, que me cabe preservar edefender. Dela não me separarei e advirto aos eternos fomentadores da provocação e da desordem quesaberei resistir a todas e quaisquer tentativas de perturbação da paz e da tranqüilidade públicas.

Papel de Minas Gerais na economia brasileira

Meus amigos de Minas Gerais.Não tenho preferências nem faço discriminações regionais, porque vejo o Brasil como um todo

indivisível, como uma Pátria una e uma só família.

Page 176: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 176

Estendendo as suas fronteiras sobre o Norte, o Centro e o Sul do País, recebendo as influênciase os reflexos decorrentes dessa aproximação territorial,

Minas Gerais espelha os valores e as virtudes do nosso povo e representa uma súmula do quepensam, do que fazem e do que almejam os brasileiros.

Nesta cerimônia vejo a marca da verdadeira revolução que em 1930 se iniciou em vosso Estado,no plano da produção e do trabalho. Até então vivíeis no culto às tradições gloriosas do passado defausto, no amor aos velhos hábitos e às velhas técnicas, constituindo uma grei eminentementeconservadora.

A vossa contribuição efetiva para a economia nacional estava em contradição com as vossasformidáveis potencialidades. A partir de 1930 a fisionomia material do vosso Estado se transformou.Novos instrumentos e novos hábitos de trabalho foram implantados. Sem hesitações nem retrocessos,caminhastes no sentido da valorização econômica de vossas riquezas, para culminar agora com oadmirável impulso progressista que assinala os últimos anos.

Quando se completar a execução do vosso arrojado programa de empreendimentos de indústriabásica, Minas Gerais estará afinal dotada dos instrumentos indispensáveis para aproveitar o insondávelacervo de riquezas que a Providência guardou no seu solo generoso.

Evocando os vossos feitos nas duas últimas décadas, compartilho do vosso justificado orgulho eencontro valioso estímulo para as lides a travar.

Realizando com os métodos modernos a sua predestinação da terra que primeiro afirmouperante o mundo, ainda na era colonial, as formidáveis possibilidades de riqueza do nosso País, esteglorioso Estado vê afinal a sua economia situar-se num plano de equivalência com as suas tradiçõesimorredouras, a sua admirável cultura política, as altas virtudes cívicas e familiares, a inteligência, ahonradez e a capacidade de trabalho do seu povo magnífico. As reservas materiais e morais de Minasconstituem a melhor das esperanças num futuro de ordem, de bem-estar e de grandeza para o Brasil.

Belo Horizonte, 11 de agosto de 1954.

Page 177: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 177

CARTA TESTAMENTO, DEIXADA NO DIA DE SUACARTA TESTAMENTO, DEIXADA NO DIA DE SUACARTA TESTAMENTO, DEIXADA NO DIA DE SUACARTA TESTAMENTO, DEIXADA NO DIA DE SUAMORTE, EM 24 DE AGOSTO DE 1954MORTE, EM 24 DE AGOSTO DE 1954MORTE, EM 24 DE AGOSTO DE 1954MORTE, EM 24 DE AGOSTO DE 1954

Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente sedesencadeiam sobre mim.

Não me acusam, insultam: não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa.Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, comosempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois dedecênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe deuma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive derenunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionaisaliou-se às dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucrosextraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo sedesencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas atravésda Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foiobstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo sejaindependente.

Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores de trabalho. Os lucrosdas empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do queimportávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise docafé, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violentapressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante,tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo queagora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapinaquerem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto aminha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco.

Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater àvossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vosvilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meunome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossaconsciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos quepensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para avida eterna.

Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficarápara sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil.Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia nãoabateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio.Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

Page 178: O Pensamento Político de

O Pensamento Político de Getúlio Vargas 178

FONTES DE REFERÊNCIA E DOCUMENTAÇÃOFONTES DE REFERÊNCIA E DOCUMENTAÇÃOFONTES DE REFERÊNCIA E DOCUMENTAÇÃOFONTES DE REFERÊNCIA E DOCUMENTAÇÃO

Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sulwww.al,rs.trov.br

Praça Marechal Deodoro, 101 - CEP 90010-900 - Porto Alegre - Rio Grande do Sul

Departamento de Relações InstitucionaisBiblioteca Borges de MedeirosTelefone (51) 3210-3803 - [email protected]

Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do [email protected] Riachuelo, 1317 - Centro - CEP 90010-271 - Porto Alegre - Rio Grande do Sul

Museu Julio de [email protected] Duque de Caxias, 1205 - Centro - CEP 90010-283 - Porto Alegre - Rio Grande do Sul

Arquivo Histórico do Rio Grande do SulPraça da Alfândega, s/n° - CEP 90010-270 - Porto Alegre - Rio Grande do Sul

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do SulApers@)sarh.rs.gov.com.brRua Riachuelo, 1031 - Centro - CEP 90010-270 - Porto Alegre - Rio Cirande do Sul

Museu de Comunicação Social Hipólito José da CostaRua dos Andradas, 959 - Centro - CEP 90020-000 - Porto Alegre - Rio Grande do Sul

Universidade Federal do Rio Grande do SulBiblioteca [email protected] Paulo da Gama, 110 - CEP 90040-060 - Porto Alegre - Rio Grande do Sul

Fundação de Economia e Estatística Siegfried Heuserwww.fee.tche.brRua Duque de Caxias, 1691 - CEP 90010-283 - Porto Alegre - Rio Grande do Sul

Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (FGV)www.cpdoc.fpv.br/ comum/ht.Praia de Botafogo, 190 - 14o andar - Botafogo - Rio de Janeiro - RS - E-mail: [email protected]

Universidade de São Paulohttp://dedalus.usp.br

Fundação Biblioteca Nacional (RJ)http:/ / catalogo.bn.br