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Introdução
Ao nos depararmos com a religiosidade brasileira, na primeira metade do
século XX, vemos pouca visibilidade do protestantismo. É somente na segunda
metade do século XX com o surgimento dos movimentos pentecostais e
especialmente neopentecostais, que percebemos um maior crescimento e
dinamismo na religiosidade brasileira no que se refere ao protestantismo.
Para entendermos melhor o que foi o neopentecostalismo, quais são as
suas bases doutrinarias, de onde surgiu e como alcançou proporções tão
grandes dentro do cenário religioso brasileiro, iremos inicialmente abordar
como se deu surgimento do protestantismo e seus reformadores, e como
ocorreu a inserção do protestantismo no Brasil, em seguida como surgiu o
movimento pentecostal, e como se deu a formação desse movimento no Brasil,
seguidas do histórico das primeiras Igrejas que surgiram e nasceram em nosso
país, para o fim do primeiro capitulo veremos como esse pentecostalismo se
fragmentou gerando o neopentecostalismo e também teremos um breve
histórico da primeiras Igrejas neopentecostais.
As Igrejas pentecostais e neopentecostais apresentam características
não encontradas no protestantismo histórico. Entre os vários elementos que as
distinguem estão a ênfase na guerra espiritual entre o bem e o mal, no forte
poder do demônio e na teologia da prosperidade e da saúde. Além disso, essas
novas Igrejas se estruturam, na maioria das vezes, de forma empresarial se
utilizando de técnicas de marketing e dos meios e comunicação para
alcançarem seus objetivos.
O crescimento acelerado dessas Igrejas tem provocado fortes reações
tanto no campo religioso quanto na própria sociedade brasileira. A forma como
essas Igrejas tem se apresentado tem causado inúmeras críticas, não só por
darem a impressão de se apresentarem como meras empresas em busca de
um lucro certo, e fazerem a comercialização do sagrado, mas também pelas
implicações éticas, e pelos inúmeros escândalos fiscais e financeiros que
envolvem alguns pastores e dirigentes.
Apesar de não ser o objeto de estudo nessa pesquisa, não podemos
deixar de mencionar a Renovação Carismática Católica (RCC), ou
pentecostalismo católico como foi inicialmente conhecido. Esse movimento
teve origem em 1967, num retiro espiritual na Universidade de Duquesne em
Pittsburgh nos Estados Unidos. Na ocasião, essa experiência foi caracterizada
por um reavivamento espiritual por meio da oração, do Espírito Santo e seus
dons. Cabe ressaltar que a RCC apareceu na Igreja Católica em um momento
em que se começava a procurar caminhos para se renovar a vida da Igreja e
dos batizados, ação que já era desejada por conta do Concílio Vaticano II.1
Porém, dentro deste amplo cenário religioso, nos deteremos a estudar
mais a fundo o fenômeno neopentecostal e a Igreja Universal do Reino de
Deus, que tem mostrado um grande crescimento nas últimas décadas, que
provoca reações negativas tanto da Igreja Católica quanto nas religiões afro-
brasileiras, além de causar as mesmas reações no protestantismo mais
tradicional, pois boa parte dos fiéis protestantes e até mesmo pentecostais
estão, migrando para novas Igrejas como a Universal, que rompem com as
velhas tradições do protestantismo.
Cabe salientar que não temos a pretensão de fazer juízo de valor, nem de
apontar se o agir dessas Igrejas é correto ou errado. Pretendemos fazer uma
breve análise histórica, estrutural e teológica, destacando seus elementos
constitutivos enquanto religião, tais como doutrina, ritos, costumes, formação.
Analisaremos também se existe algum vinculo da IURD com as demais Igrejas
protestantes e qual o fator ou fatores que fizeram uma Igreja tão recente
crescer tanto em tão pouco tempo e com os recursos dispõe.
Nossa metodologia consiste em uma pesquisa bibliográfica e documental
tomando por base os valiosos estudos de Ricardo Mariano, Leonildo Campos,
Paulo Romeiro, Alberto Antoniazzi, entre outros, que focaram sua atenção no
fenômeno pentecostal no cenário religioso brasileiro. Cabe também salientar
que ao fazermos o levantamento histórico das Igrejas aqui relatadas, nos
utilizamos, na maioria das vezes, dos sites das próprias denominações
religiosas, embora alguns não apresentem informações relevantes quanto a
esse aspecto, forçando-nos a realizar também pesquisas em outras fontes,
como revistas, jornais e trabalhos acadêmicos na área, acreditamos ser mais
crível colher informações dadas pelas próprias Igrejas sobre si mesmas.
CAPÍTULO I
1 Cf. FORTE, B. A Igreja ícone da Trindade: breve eclesiologia. São Paulo: Loyola, 1987, p.13. (Coleção Vaticano II - Comentários - 3). SUENENS, C. L. J. Movimento Carismático: um novo pentecostes. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1996, p. 84.
9
O Protestantismo
1.1. O surgimento do Protestantismo
Para falarmos do Movimento Protestante no Brasil, percebemos que se
faz necessário traçar um panorama histórico das várias Reformas Protestantes,
a fim de oferecer um melhor embasamento a nossa pesquisa. Antes de mais
nada observemos que a Reforma Protestante aconteceu em um momento da
história de grandes inovações artísticas, científicas e filosóficas, e com uma
busca incessante pela verdade, despertando dessa forma uma nova visão
sobre a Igreja e sobre a Religião.
Desde o século XIV, a Igreja vinha perdendo sua autoridade e prestígio,
enquanto ocorria um fortalecimento do poder real, retirando o poder dos
senhores feudais e limitando o poder da Igreja, algumas autoridades religiosas
preocupadas em recuperar o prestígio, se envolveram em guerras e lutas.
Outros fatores que podem exemplificar a ruptura da Igreja e o nascimento de
novas Igrejas foi a crise do papado e da cúria romana, a venda de cargos
eclesiásticos e de indulgências, a construção da nova basílica de São Pedro –
onde os gastos fizeram com que se cobrassem taxas dos católicos e dos
países católicos –, e a crise econômica que atinge cavaleiros e camponeses.
A Igreja continuou sendo criticada por ter si afastado dos ensinamentos
de Jesus, por acumular riquezas e ser a maior proprietária de terras. Algumas
pessoas, como Francisco de Assis, tentaram melhorar a Igreja sem se desligar
dela, outras, como John Wycliffe e John Huss, desejavam reformas radicais,
esses dois lançaram as bases da Reforma Protestante.
Mas somente com Martinho Lutero2, monge agostiniano e doutor em
teologia, foi que, teve início a Reforma Protestante. A Reforma Luterana3
ocorreu dentro do reino de Carlos V, senhor da Espanha, Alemanha e Países
2 Martinho Lutero (Martin Luther) nasceu em 1483, em Eisleben, tinha seis irmãos e seu pai trabalhava nas minas de carvão. Vencendo as limitações econômicas da família, entre 1501-1505 estudou na universidade de Erfurt. Em 18 de junho de 1505, entrou no Convento dos Eremitas Agostinianos de Erfurt, onde foi ordenado padre em 1507. Em 1512 se torna superior do Convento Agostiniano de Wittenberg. Doutor em teologia e em exegese bíblica, leciona sobre as cartas paulinas aos Gálatas e aos Romanos. Cf. BESEN, J. A. O universo religioso: As grandes religiões e tendências religiosas atuais. São Paulo: Mundo e Missão, 2005. p. 129-130.3 MENDONÇA, A. G. Protestantes, Pentecostais e Ecumênicos. São Bernardo do Campo: UMESP, 1997. p. 57.
10
Baixos. A Alemanha não era unificada e consistia em pequenos reinos
governados por príncipes chamados “eleitores”, quase que independentes.
Assim, em 1517, na Alemanha, Lutero insatisfeito com os rumos que a Igreja
tomava, tornou públicas suas 95 teses. Nelas ele condenou a venda de
indulgências e de relíquias. Negou o valor espiritual das indulgências, pois para
ele, a Igreja não tinha o poder de perdoar os pecados, e “só a fé salva”.
Na verdade Lutero queria reformar a Igreja não se separar dela. Propôs
novas regras para a vida cristã. Suprimiu o culto aos santos e a virgem Maria,
aboliu o celibato clerical, negou a infalibilidade do papa e o dogma da
transubstanciação. Conservou apenas dois sacramentos: o do batismo e o da
eucaristia. Diante disso o papa Leão X exigiu que Lutero se desculpasse.
Lutero não o fez, e intensificou suas críticas a Igreja. Então o papa escreveu
uma bula de nome Exsurge Domine dando a Lutero um prazo de sessenta dias
para se retratar. A reação de Lutero foi de queimar a bula papal em praça
publica, ao saber disso o papa o excomungou.
Vários príncipes alemães aderiram á reforma luterana e com o auxílio
desses príncipes, Lutero fundou sua Igreja, para a qual definiu uma nova
doutrina. Segundo a doutrina luterana:
Somente a fé em Deus salva. A Bíblia, por meio da qual Deus se revela é a única fonte realmente confiável. O batismo e a eucaristia são os dois únicos sacramentos. Na eucaristia luterana, não se acredita que o pão e o vinho se transformem em corpo e sangue de Cristo. O culto as imagens não tem fundamento. Qualquer membro da Igreja pode se casar.4
Diante do avanço do luteranismo, o imperador proibiu este tipo de culto
nos principados em que o príncipe fosse católico. Para ele a religião do povo
deveria ser a mesma que a do príncipe. Em 19 de abril 1529 seis príncipes
luteranos e quatorze cidades alemãs realizaram um protesto, quando a
segunda dieta de Speyer, convocada pelo imperador Carlos V, revogou uma
autorização concedida três anos antes para que cada príncipe determinasse a
religião de seu próprio território. A partir daí, a palavra protestante é usada nas
áreas de língua alemã para se referir ás Igrejas Luteranas, enquanto que
também vem nomear todos os seguidores das igrejas que surgiram a partir da
Reforma. Da Alemanha, o protestantismo se espalhou rapidamente para outros
4 BESEN, J. A. O universo religioso: As grandes religiões e tendências religiosas atuais, op. cit., p. 130-135.
11
países com a ajuda de outros importantes reformadores, como João Calvino e
o rei inglês Henrique VIII.
João Calvino5 foi um reformador de espírito universal. Realizou uma
segunda reforma, onde suas bases religiosas ultrapassaram todas as
fronteiras, dando origem a inúmeras comunidades eclesiais, denominadas
reformas, das quais citamos, para exemplificar: presbiterianos, metodistas,
pentecostais em geral, adventistas e batistas. Já no século XX da Igreja
reformada calvinista surgiram Igrejas pentecostais, como as Assembléias de
Deus, Evangelho Quadrangular e Congregação Cristã. As Igrejas pentecostais
devem a Calvino sua doutrina e organização.
Teologicamente Calvino sustentou as teses de Lutero, menos a da
comunhão, porém a base teológica do calvinismo é a soberania de Deus, a
predestinação e um novo governo eclesiástico, baseado na autoridade do
“mais antigo” – o presbítero. O grande questionamento de Calvino era saber
como se chega ao domínio de Deus sobre a humanidade, pois, a criação
somente tem sentido para a glória e soberania de Deus. O Espírito Santo
ocupa um lugar central na doutrina calvinista e na vida do crente.
O culto calvinista está centrado na palavra de Deus anunciada no Espírito
Santo. O homem deve evitar ao máximo tudo que o distraia da presença de
Deus: flores, esculturas, pinturas, instrumentos musicais, etc. Os calvinistas
admitem somente dois sacramentos, o batismo e a ceia, esta última celebrada
apenas quatro vezes ao ano.
Para os calvinistas o homem é impotente para salvar a si mesmo, por
isso se acredita na predestinação um tipo de eleição divina, a morrer para
sempre ou ganhar a vida eterna, esta eleição esta escondida na vontade de
Deus, toda essa idéia foi retirada da obra Institutio christianae religionis,
“Instituição da fé cristã”, traduzida por Institutas, publicada por Calvino e
continuamente ampliada, que se tornou o compendio teológico dos calvinistas.
Nos templos calvinistas, não se encontra esculturas ou pinturas e o púlpito
5 João Calvino nasceu na cidade de Noyon, no norte da França, em 1509, no interior de uma família burguesa. Seu pai era advogado e administrador. Calvino teve uma ótima formação, estudou em Paris, Orléans e Bourges, obtendo licença nas artes liberais e na jurisprudência. Ao ter contato com as idéias de Lutero, converteu-se ao protestantismo e passou a divulga-lo, foi acusado de herege, deixou a França e refugiou-se em Genebra, na Suíça onde encontrou um outro reformador Ulrico Zwinglio. Cf. BESEN, J. A. O universo religioso: As grandes religiões e tendências religiosas atuais, op. cit., p. 141-142.
12
ocupava posição de destaque. As mulheres sempre devem estar com a cabeça
coberta e devem usar roupas longas6.
O calvinismo inspira nos homens uma absoluta confiança em Deus cujo
poder dá coragem, e audácia para lutar. Toda essa moral calvinista vem
favorecer o desenvolvimento do capitalismo, pois Calvino afirmava que se uma
pessoa enriquecia por meio do trabalho e de uma vida puritana era sinal de que
tinha sido eleita por Deus. Vida puritana para ele era acordar cedo, dormir
cedo, poupar, não participar de jogos de azar, não ingerir bebida alcoólica e se
dedicar inteiramente a oração e ao trabalho. Pois bem ao valorizar todas essas
coisas, se gera um habito de acumulo de capital – como bem viu Max Weber
em sua Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
A reforma inglesa ocorreu com o rei Henrique VIII 1509 á 1547. Tudo
começou quando ele pediu ao papa Clemente VII a anulação de seu
casamento com a princesa espanhola Catarina de Aragão. O papa, no entanto,
rejeitou o pedido do rei inglês. Esse mesmo, sem a aprovação papal, se casou
novamente, desta vez com Ana Bolena, uma dama da sua corte. Ao saber
disso o papa o excomungou em 03 de novembro de 1533. Por sua vez
Henrique VIII com o apoio do parlamento, rompeu com papa e fundou a Igreja
Anglicana, da qual ele próprio era o chefe. Além disso, confiscou as terras e
mosteiros da Igreja Católica. Assim anulava o poder do papa na Inglaterra, e ao
mesmo tempo se fortalecia.
A Igreja Anglicana, inicialmente, conservou quase intacta a doutrina
católica, negou apenas o primado papal, o celibato, os votos monásticos, e na
liturgia adotou a língua inglesa. Por isso era muito criticada pelos simpatizantes
do protestantismo, até que Elisabeth, filha de Henrique VIII, introduziu a
doutrina calvinista na sua igreja, conservando, porém a hierarquia e boa parte
do cerimonial católico e ao mesmo tempo condenando algumas doutrinas
protestantes. A Igreja anglicana tem como característica especial, um meio
termo entre o catolicismo e o protestantismo. Com isso aumentou muito o
número de seguidores do anglicanismo.
A fé anglicana celebra como verdadeiros sacramentos o Batismo e a
Eucaristia e tem como ritos sacramentais, a Crisma (confirmação), as
6 Cf. BOULOS JUNIOR, A. Coleção história: Sociedade e cidadania – 6º serie. São Paulo: FTD, 2004. p.166.
13
Ordenações, a Penitência, o Matrimônio e a Extrema-Unção, que, embora
tenham fundamento na bíblia, são predominantemente realizados na Igreja
Católica. Seu culto reflete a história de sua própria Igreja, em outros momentos
é mais voltado para a tradição católica e noutros para a tradição protestante7.
1.2. A inserção do Protestantismo no Brasil
As primeiras tentativas de inserção do protestantismo no Brasil ocorreram
no período colonial8. A primeira tentativa se deu no Rio de Janeiro no final de
1555, com uma expedição francesa comandada pelo vice-almirante Nicolau
Duránd de Villegaignon, para fundar a “França Antártica”. Esse
empreendimento teve o apoio de Gaspard de Coligny, almirante hunguenote
(nome dado aos reformadores calvinistas franceses), que seria morto no
massacre do dia de São Bartolomeu. Em resposta a uma carta de Villegaignon,
Calvino enviou um grupo de crentes reformadores, sob a liderança de Pierre
Richier e Guillaume Chartier. E em 10 de março de 1557, esses reformadores
celebraram o primeiro culto evangélico do Brasil. Pouco tempo depois
Villegaignon entrou em conflito com os calvinistas acerca dos sacramentos e os
expulsou. Esta conquista da cidade do Rio de Janeiro ocorreu durante o
período de 1555 á 1559.
Depois de uma árdua guerra contra a Espanha, á Holanda calvinista
conquistou a sua independência em 1568 e começou a se tornar uma das
nações mais prósperas da Europa. Pouco tempo depois, Portugal caiu sob o
controle da Espanha por sessenta anos, a chamada "União Ibérica" que
ocorreu de 1580 á 1640. Em 1621, os holandeses criaram a Companhia das
Índias Ocidentais com o objetivo de conquistar e colonizar novos territórios,
especialmente uma rica região açucareira, o nordeste do Brasil. Essa
“companhia” equipou forte esquadra comandada pelo almirante Jacó Willekens.
No dia 8 de maio de 1624, os holandeses tomaram Salvador, a capital do
Brasil, a catedral foi entregue ao culto calvinista, o colégio jesuíta virou um
7 BESEN, J. A. O universo religioso: As grandes religiões e tendências religiosas atuais, op. cit., p. 137-139.8 Cf. MENDONÇA, A. G., VELASQUES FILHO, P. Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1990.
14
quartel e outras Igrejas serviram de depósito, mas foram expulsos no ano
seguinte. Em 1630 Recife e Olinda, e boa parte do Nordeste9, foram
conquistadas, dando início à segunda tentativa de inserção do protestantismo
no Brasil, agora com os reformadores holandeses e flamengos até o ano de
1654. O principal líder do Brasil holandês foi João Maurício de Nassau, que
governou o nordeste de 1637 á 1644. Nassau foi um notável administrador,
promoveu a cultura, as artes e as ciências, e concedeu uma boa medida de
liberdade religiosa aos residentes católicos e judeus. E em 1654, após quase
dez anos de luta, os holandeses foram expulsos.
Após a expulsão dos holandeses, o Brasil fechou as portas aos
protestantes por mais de 150 anos. Como as duas tentativas de inserção do
protestantismo no Brasil foram frustradas, consideramos o início do
protestantismo brasileiro a partir do século XIX.
No ano de 1808 a família real portuguesa fugindo de Lisboa, veio para o
Brasil. Essa fuga já prenunciava a permanência inglesa no território brasileiro,
pois o príncipe regente João decretou a abertura dos portos do Brasil ás
nações amigas. Em 1810 firmaram um tratado de comércio e navegação, e em
1811 por comerciantes ingleses, foi fundada a primeira Igreja Anglicana no
Brasil.
No ano de 1827 foi fundada no Rio de Janeiro a comunidade protestante
Alemã-Francesa, onde congregavam juntos alemães, franceses e suíços. Em
1851 chega ao Brasil o pastor presbiteriano James C. Fletcher, que dava
assistência aos marinheiros e imigrantes europeus. Fletcher influenciou
diretamente a vinda de Robert Kalley e de sua esposa Sarah para o Brasil.
Kalley nasceu na Escócia, estudou medicina e, em 1838, foi trabalhar como
missionário na Ilha da Madeira. Oito anos depois, escapou de violenta
perseguição e foi para os Estados Unidos. Fletcher o sugeriu que viesse para o
Brasil, e aqui chegaram em 1855, no mesmo ano Kalley e Sarah fundaram em
Petrópolis a primeira escola dominical permanente, eles tiveram grande
importância na defesa da liberdade religiosa, em 1859 chega ao Rio o fundador
da Igreja Presbiteriana no Brasil, o reverendo Ashbel Green Simonton.
9 Cf. CECHINATO, L. Os 20 séculos de caminhada da Igreja. 5º edição. Petrópolis: Vozes 2003. p. 295-297.
15
Percebemos que a inserção do protestantismo no Brasil ocorreu de duas
formas, com o protestantismo de imigração e com o protestantismo de missão.
O primeiro também chamado de protestantismo de colônia ou étnico surgiu
como uma conseqüência direta do esforço colonizatório, para o cultivo e
ocupação dos espaços geográficos brasileiros. O Brasil recebeu estrangeiros
americanos, suecos, dinamarqueses, escoceses, franceses e especialmente
alemães e suíços.
Uma conseqüência importante da imigração protestante é o fato de que
ela ajudou a criar as condições que facilitaram a introdução do protestantismo
missionário no Brasil. Observa-se que, à medida que os imigrantes alemães
exigiam garantias legais de liberdade religiosa, estadistas liberais criaram a
legislação avançada que, durante o longo reinado de D. Pedro II, protegeu as
missões evangélicas.
Já o protestantismo de missão ocorre quando o missionário vindo do
exterior procurava converter os brasileiros. Dentro desta perspectiva, podemos
citar a Igreja Metodista Episcopal que foi a primeira denominação a iniciar
atividades missionárias junto aos brasileiros em 1835, através dos obreiros,
Fountain E. Pitts, Justin Spaulding e Parish Kidder, eles fundaram no Rio de
Janeiro escolas dominicais. Temos também a Igreja Batista fundada em 1882
por Willian Bagby e Zacharias Taylor em Salvador, dentre outras já citadas.
O assim chamado protestantismo de missão acabou por se tornar a base
do protestantismo brasileiro, pois:
O fato é que o protestantismo histórico de origem missionária resistiu, pelo menos até agora. Há algumas causas prováveis que podem ajudar a entender e a explicar esse fenômeno. Primeiro sempre houve forte apelo religioso no protestantismo em virtude do incentivo à piedade individual e da independência pessoal quanto à obtenção da salvação. Segundo, o protestantismo no Brasil organizou-se e cresceu sob o primado do leigo; este fato pode muito bem ter capitalizado parte da mentalidade anticlerical brasileira recorrente em períodos do século XIX e XX.10
O que chamamos de protestantismo brasileiro na verdade são vários protestantismos. Esses protestantismos se inseriram no Brasil primeiramente como resultado do movimento imigratório iniciado no começo do século XIX, depois da decorrência da grande expansão missionária ocorrida na mesma época. Esse quadro torna-se ainda mais complexo com a eclosão do
10 MENDONÇA, A. G., VELASQUES FILHO, P. Introdução ao Protestantismo no Brasil, op. cit., p. 23.
16
pentecostalismo, tanto clássico quanto de cura divina, e com o estabelecimento no país de um grande número de organizações Protestantes desvinculadas das igrejas tradicionais.11
Até a primeira metade do século XX, houve pouca visibilidade do
protestantismo dentro da sociedade brasileira. Nessa época o
neopentecostalismo não havia surgido no Brasil, o pentecostalismo lentamente
se urbanizava. E toda a história do protestantismo brasileiro foi traduzida de
protestante para protestante, sem nenhum fim acadêmico ou crítico.
1.3. O Movimento Pentecostal no Brasil
Dentro da história do cristianismo, a busca por uma religiosidade mais
intensa a partir de um contato maior e mais íntimo com Deus passa pelo
Montanismo, Misticismo, Pietismo, pelas Ordens Mendicantes, Comunidade do
Livre Espírito, que em geral são chamados de movimentos do Espírito, estes e
muitos outros foram movimentos que correm a margem da Igreja oficial. As
características principais desses movimentos são: a aversão às normas e
doutrinas da Igreja Católica e uma revelação do Espírito. É desses movimentos
e de muitos outros que se originou o movimento pentecostal.12
Sabemos que o surgimento do pentecostalismo clássico como movimento
distinto foi alcançado somente por volta de 1900, em Topeka, Kansas (EUA)
com Charles Parham, quando fundou uma escola bíblica denominada Betel. O
pentecostalismo americano é de certa forma um aprofundamento de vários
movimentos.
O movimento pentecostal possui características próprias que estão
presentes nas suas denominações como: a importância dada á revelação
direta do Espírito Santo, a crença na segunda vinda de Cristo, a busca da cura
da doença especialmente pela oração, a freqüente presença do demônio, o
não batismo dos recém-nascidos e sua principal característica o batismo no
Espírito Santo, pois todos aqueles que são batizados no Espírito descobrem
que possuem diversos dons como a glossolalia (conhecido como dom de
línguas), o dom de curar, profetizar, dentre outros.
11 Ibidem. p. 11.12 Ibidem. p. 151-152.
17
O pentecostalismo brasileiro teve início em 1910 a 1911, logo após seu
surgimento nos Estados Unidos, segundo Paul Freston13, pode ser
compreendido a partir de três “ondas”, momentos de implantação de igrejas. O
primeiro momento ocorreu com a chegada da Congregação Cristã em (1910) e
da Assembléia de Deus (1911) essas duas igrejas tiveram por 40 anos o
monopólio nesse campo religioso, aqui temos um momento de origem mundial
e expansão do pentecostalismo para todos os continentes.
O segundo momento pentecostal se dá nos anos de 50 e início de 60
com o surgir das seguintes igrejas: Evangelho Quadrangular (1951), Brasil para
Cristo (1955) e Deus é Amor (1962), neste período observamos um contexto
histórico de urbanização e de uma sociedade de massas, a partir desse
segundo momento o pentecostalismo passou a ser uma ameaça as igrejas
protestantes tradicionais.
O terceiro momento começa no final dos anos 70 e ganha força nos anos
80. Sua maior representante é a Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e a
Igreja Internacional da Graça de Deus (1980), essas podem ser chamadas de
neopentecostais. O pentecostalismo da terceira fase passou pela adaptação do
período militar, industrialização, crescimento urbano, devido ao êxodo rural.
Para Mariano14 o pentecostalismo se divide em três grandes blocos que
se desenvolvem em ordem cronológica, observe:
Freston Mariano
Pentecostalismo de Primeira Onda Pentecostalismo Clássico
Pentecostalismo de Segunda Onda Pentecostalismo Deuteropentecostalismo
Pentecostalismo de Terceira Onda Neopentecostalismo
Nessa cronologia temos o pentecostalismo clássico, o
deuteropentecostalismo e o neopentecostalismo, sendo que o primeiro
momento corresponde ao período de 1910 e 1950, com a fundação da
Congregação Cristã no Brasil. O segundo se inicia com a chegada de Harold
13 FRESTON, P. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, A., et al. Nem anjos nem demônios: Interpretações sociológicas do pentecostalismo. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1996. P. 70-71.14 MARIANO, R. Os pentecostais e a teologia da prosperidade. In: REVISTA NOVOS ESTUDOS, nº 44. São Paulo: Cebrap, 1996. p. 24-33.
18
Williams e Raymond Botright pertencentes á Igreja do Evangelho
Quadrangular. E por último, o terceiro momento que se inicia na segunda
metade de 1970, estando ainda em processo de crescimento. Desta forma o
pentecostalismo seria um ramo do protestantismo que se desenvolveu de
forma surpreendente.
Freston nos permite um aprofundamento ainda maior para entendermos
por que o pentecostalismo da segunda onda passou a ser uma ameaça aos
protestantes tradicionais, na sua compreensão o pentecostalismo passou a
crescer mais que protestantismo tradicional. Recusa-se a tese de que tal
fenômeno se deva exclusivamente ao agravamento da miséria; para ele, este
fator pode ser relevante, mas não é primordial. Afirma que aspectos culturais,
sociais e religiosos são tão importantes quanto os aspectos políticos e
econômicos.
Segundo ele, A religião é ambivalente e oferece diferentes coisas a diferentes indivíduos. (...) o pentecostalismo é flexível e é improvável haver uma única razão para o seu crescimento (...) é necessário levar-se em conta não apenas os fatores econômicos e políticos, mas sociais, culturais, étnicos e religiosos; não apenas o nível macro (quais são as configurações favoráveis à conversão), mas também o nível micro (porque as pessoas com estas características se convertem)15.
Para melhor exemplificar o surgimento destas igrejas e como elas
interferiram no cenário religioso brasileiro, faremos um breve histórico das
primeiras igrejas pentecostais que sugiram no Brasil, já citadas acima.
1.3.1. Igreja Congregação Cristã no Brasil (CCB)16
A Igreja Congregação Cristã no Brasil foi fundada pelo italiano Luigi
Francescon que nasceu em Cavasso Nuovo, província de Udine, em 29 de
Março de 1866. Francesco ainda jovem foi para os Estados Unidos da América
onde teve seu primeiro contato com o evangelho através da igreja Valdense. 15 FRESTON, Paul. Pentecostalism in Latin America. In: Social Compass. Louvain: Groupe de Sciences Sociales des Religions, vol. 45, nº 3, 1998, p.348.16 Histórico da CCB. Disponível em: http://sabetudo.net/ccb/HistoricoDaCcb.htm. Acessado em 20 de outubro de 2007.
19
Radicado em Chicago, foi membro da Igreja Presbiteriana Italiana e aderiu ao
pentecostalismo em 1907 sendo batizado no Espírito Santo no mesmo ano.
Em 1909, Francescon juntamente com Giacomo, também pioneiro do
movimento pentecostal na Itália, por um mandato divino, chegam a Argentina e
posteriormente ao Brasil em 8 de Março de 1910, e logo iniciaram as primeiras
igrejas em Santo Antonio da Platina (PR) e São Paulo, entre os imigrantes
italianos e outras pessoas re-batizadas, oriundas de diversas denominações
evangélicas tais como: Batistas, Presbiterianas, Metodistas e curiosamente
apenas um católico. O movimento teve uma ascensão muito rápida, em 1940, o
movimento tinha 305 “casas de oração” e dez anos mais tarde 815.
Existe uma uniformidade doutrinária que é mantida através de
assembléias anuais, onde é reunido o corpo sacerdotal (anciãos, cooperadores
e diáconos) por três dias, essas reuniões são regionais. Os membros da CCB
costumam dizer que em sua igreja não existe pastor, pois o único pastor deles
é Jesus. Costumam chamar o líder ou ministro da igreja de "ancião", este não
necessita para o exercício de sua função ser formado em teologia. É mantida
na CCB uma cultural oral, não há nenhum tipo de publicações (só o relatório
anual), a Congregação também não participa de atividades políticas e não
indica candidatos.
Vejamos algumas práticas particulares da CCB: não se recomenda a
leitura de literatura específica, somente a Bíblia e não se pode fazer um estudo
sistemático da Palavra de Deus. Nos cultos a Bíblia é aberta aleatoriamente e
onde cair o texto é feito um comentário, assim os cultos ganham uma
conotação de oráculos, onde seus membros ficam esperando que Deus abra a
boca do ancião e fale através dele. O clero não recebe nenhum tipo de
remuneração, pois conforme seu regimento interno de 1948: “todo servo de
Deus deve trabalhar para seu sustento material”.
Nos cultos homens e mulheres sentam em lados separados. As mulheres
vestem saias longas e véus sobre os cabelos compridos, e não podem pregar,
pois se acredita que a Bíblia lhes vetou este direito. A congregação crê na
predestinação e seus adeptos defendem a idéia de que a salvação só é
possível na sua própria igreja. A ceia do Senhor é celebrada anualmente com
um só pão sempre partido com a mão e também com um só cálice. Não se
20
comemora o natal. Acredita-se na doutrina anti-biblica do sono da alma no
intervalo entre a morte e a ressurreição.
A CCB não costuma fazer divulgação em meios de comunicação e nem
permite que se tire fotos no momento dos cultos. A igreja não possui jornais
nem literatura religiosa, tampouco divulgam informações sobre sua atuação.
Desde sua fundação até o momento, onde sabemos, há duas dissidências, a
Igreja "Cristã Universal Independente" e a "Congregação Cristã do Brasil
Renovada". Hoje é o maior segmento da comunidade evangélica.
1.3.2. Assembléia de Deus (AD)17
A Assembléia de Deus foi fundada por dois operários suecos Daniel Berg
(1885-1963) e Gunnar Vingren (1879-1933). De origem batista, abraçaram o
pentecostalismo em 1909. Após se conhecerem, em uma Convenção
Pentecostal em Chicago, os dois operários receberam de Deus uma missão
especial para disseminarem as boas novas do Evangelho em terras brasileiras.
Partiram de New York a bordo do navio Clement e, após duas semanas de
viagem, chegaram ao Brasil em 19 de novembro de 1910, seus primeiros
adeptos foram membros de uma igreja batista com a qual colaborara.
Berg e Vingren assim que aprenderam um pouco da língua, começaram a
evangelizar e a disseminar a doutrina pentecostal, principalmente o batismo no
Espírito Santo e o “falar em línguas”. A pregação de Vingren e Berg encontrou
receptividade por parte de alguns e resistência por parte de outros. Entre os
dezenove membros da Igreja Batista que creram na nova doutrina estava
Celina de Albuquerque, considerada a primeira pessoa em solo brasileiro a
receber a experiência pentecostal. Em junho de 1911 deixando a Igreja Batista
fundaram uma igreja denominada Missão de Fé Apostólica.
Em poucas décadas, a Assembléia de Deus, a partir de Belém do Pará,
onde nasceu, começou a penetrar em vilas e cidades até alcançar os grandes
centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto
Alegre, etc.
Os assembleianos, termo usado por Romeiro, dividiram a história em
quatro momentos. O primeiro vai de 1911 até 1924, tendo como fatos principais
17 <http://www.igrejasad.com.br>
21
a aquisição do primeiro templo, a publicação do primeiro periódico pentecostal
brasileiro, denominado Voz da Verdade, e o início do trabalho missionário, com
o envio de José de Matos a Portugal em 1913.
O segundo momento vai de 1924 a 1930 e destaca o crescimento da
igreja em todo o estado do Pará. E foram instituídos o diaconato e o
presbiterato da denominação. O terceiro momento ocorre no período de 1930
até 1950 e destaca a colaboração da igreja do Pará com as construções de
templos nas cidades de São Paulo, São Luís, Manaus, entre outras cidades. O
quarto e último momento vai de 1950 até os dias atuais, quando ocorre uma
expansão ainda maior.
A Assembléia de Deus prima pela ortodoxia doutrinária e tem a Bíblia
como a sua única regra de fé e prática.
1.3.3. Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ)18
A Igreja do Evangelho Quadrangular foi o primeiro movimento a surgir no
Brasil dentro da segunda onda do pentecostalismo. Teve como fundadora uma
jovem missionária canadense chamada Aimme Semple McPherson (1890-
1944), que se converteu aos dezessete anos numa reunião de avivamento
dirigida por um jovem evangelista pentecostal chamado Robert Semple, com
quem mais tarde se casaria. Logo depois de sua conversão, ela foi batizada no
Espírito Santo e falou em línguas estranhas. Aimme e Robert foram servir
como missionários na China, país no qual seu marido veio a falecer, acometido
por malária, o que forçou Aimme, em pouco tempo a voltar para os Estados
Unidos, ela começou a trabalhar com sua mãe no Exercito da Salvação. Depois
do fracasso do segundo casamento, ela ainda passou pela Igreja Metodista
Episcopal, pela Igreja Batista e pela Assembléia de Deus.
Em 1922, enquanto estava pregando em uma tenda, teve uma visão de
quatro rostos: de um homem, de um leão, de um boi e de uma águia; depois
sentiu brotar em seu coração essas duas palavras: Evangelho Quadrangular.
Um ano depois, em 1923 fundou sua igreja, que recebeu o nome de Igreja do
Evangelho Quadrangular.
18 <http://www.quadrangular.org.br>
22
Em 1946, os missionários Hermínio Vazques e Harold Edwin Willians
vieram ao Brasil, oriundos da Bolívia. Mas somente no ano 1951 se deu inicio a
primeira Igreja do Evangelho Quadrangular no Brasil, com o nome de Igreja
Evangélica do Brasil (ramo da Igreja do Evangelho Quadrangular mundial).
Em 1953 essa denominação passou a se chamar Cruzada Nacional de
Evangelização e, somente em 1955, de Igreja do Evangelho Quadrangular.
A principal preocupação teológica do pentecostalismo é o Espírito Santo e seus dons. A declaração de fé da Igreja Quadrangular ilustra este reducionismo doutrinário. Ele se preocupa pouco com os grandes temas teológicos clássicos. Estão ausentes vocábulos como “trindade”, “encarnação”, “procedência do Espírito” e outros, sem se negar, contudo, as doutrinas por eles representadas. Modifica significantemente a tradicional formulação protestante da “justificação pela fé” para justificação por “arrependimento e aceitação”. Toda a ênfase cai nos quatro “ângulos”: salvação em Cristo, o batismo no Espírito Santo, a cura divina e a iminente vinda de Cristo e suas conseqüências.19
Toda a doutrina do Evangelho Quadrangular está inserida em quatro
aspectos do primeiro capitulo do livro do profeta Ezequiel que foram
associados aos Evangelhos, ao mistério de Cristo:
1. Jesus Cristo o Salvador: (homem) aquele que é o enviado por Deus para
salvar o mundo.
2. Jesus Cristo o Batizador: (leão) aquele que dá o poder e a unção do Espírito
Santo.
3. Jesus Cristo aquele que Cura: (boi) aquele que toca os enfermos com o
poder de curar, o grande médico.
4. Jesus Cristo Voltará como Rei: (águia) aquele que voltará como Rei dos reis.
A ênfase na cura divina funcionou como mola propulsora para o
crescimento da denominação.
1.3.4. Igreja Brasil para Cristo (BPC)20
É a primeira igreja pentecostal genuinamente brasileira, com um fundador
brasileiro Manoel de Mello, fundada em São Paulo, no ano 1955, foi a primeira
19 REILY, D. A. História documental do protestantismo no Brasil. São Paulo: Editora Aste, 1984. p. 380.20 <http://www.brasilparacristo.com.br>
23
igreja a eleger políticos e a se relacionar com movimentos ecumênicos,
podemos afirmar que foi a sensação religiosa nos anos 50 e 60.
Manoel Mello nasceu em 1929 no interior de Pernambuco, era o sexto de
nove filhos de um agricultor arrendatário. Seu pai era católico sua mãe era da
AD, Mello foi criado na AD, onde se tornou um menino pregador, a experiência
que teve na AD o fez perceber a necessidade de um movimento de raízes
exclusivamente brasileiras, o primeiro nome de sua denominação religiosa foi
Igreja de Jesus Betel, mas logo foi substituído pelo atual. Mello dizia: “Roma
deu ao mundo a idolatria; a Rússia, os terrores do comunismo; os Estados
Unidos, o demônio do capitalismo; nós brasileiros, nação pobre, daremos ao
mundo o evangelho”.
A BPC investiu na mídia com um programa de rádio chamado A voz do
Brasil para Cristo e até em um programa próprio de TV. Após a morte de Mello
seu filho Paulo Lutero de Mello e Silva, o substituiu.
A Igreja não escapou de perseguições, teve por diversas vezes seus
galpões depredados e incendiados e houve até uma abertura de processo por
charlatanismo e curandeirismo, movido contra Manoel de Mello que, no entanto
foi absolvido. De várias formas os primeiros anos da BPC lembram muito a
Igreja Universal do Reino de Deus: sua postura usando os meios de
comunicação de massa, sua atuação na política e os processos legais, mas há
um grande contraste as bases organizacionais da BPC eram muito frágeis,
abordaremos melhor essas questões no próximo capítulo.
Pouco se sabe sobre a vida do fundador Manoel Mello. Salientamos
ainda que não encontramos nenhuma fonte que pudesse nos oferecer
informações sobre as bases teológicas e doutrinárias da Igreja.
1.3.5. Igreja Deus é Amor21
Fundada por David Martins Miranda, no ano 1962 em Vila Maria (SP).
Logo se transferiu para o centro da cidade (Praça João Mendes). Em sua
autobiografia, Miranda relata como Deus lhe falou para fundar a igreja
enquanto orava, de joelhos por mais de três horas:
21 <http://www.ipda.com.br/histórico.asp>
24
Todas as noites, quando eu orava ao Senhor, sentia o fogo divino do Espírito Santo, e isso para mim já era algo normal de acontecer. Mas naquela noite eu estava me sentindo de uma maneira diferente. Não existem palavras que possam descrever o que eu sentia naquele momento (...). Lembrei-me da expressão de Jacó, que dissera: “Este lugar não é outro, senão, a morada do altíssimo” (Gn 28:10-17). Eu me maravilhava com o som que podia ouvir. Aleluia! Algo glorioso acontecia (...). De repente, uma voz se fez ouvir acima daqueles sons diversos. Era uma voz com o som de muitas vozes, e ouvi que me dizia: “Meu servo, não temas as lutas, pois te escolhi e grande obra tenho a fazer por teu intermédio. Muitos se levantarão contra ti, mas não prevalecerão. Aqueles que forem contigo, eu serei com eles, mas aqueles que forem contra ti eu serei contra eles (Gn 12:3). Eu não disse nada em palavras naquele instante, e mesmo que tentasse dizer alguma coisa, não conseguiria. Porém, no meu pensamento, eu perguntava: “Senhor, esta obra será realizada através da igreja a que pertenço ou através de outra? E ele me disse: “eu darei o nome da igreja”. Não contei a ninguém esta minha conversa especial com o Senhor (...). Continuei a buscar a Deus pelas madrugadas, pedindo a ele que me dissesse o nome da igreja, como prometera, para que eu fosse congregar nela. Qual não foi a minha surpresa quando, após 21 dias de oração, ele me disse o nome: Deus é amor. Depois que recebi o nome da igreja, fui procurá-la, e fiz isso incansavelmente, mas não conseguia encontrar. Foi quando Deus me orientou, dizendo, através de divina revelação do Espírito Santo, que eu deveria fundar uma igreja e colocar-lhe esse nome. Obedecendo a ordem do Senhor, entreguei a congregação da qual tomava conta (...), e sem dizer nada a ninguém, dei início ao trabalho de fundação de uma nova igreja.22
Neste relato percebemos claramente que, para o fundador da Igreja, foi o
próprio Deus que lhe escolheu e o usou, devendo ele como servo cumprir a
vontade de seu senhor e assumir a missão. Outro fator importante é que essa
missão não será fácil, será tida como uma verdadeira luta. É interessante notar
que estes dois pontos - o da “escolha divina” e da “batalha contra o mal” –
enquadram praticamente todas as igrejas pentecostais e neopentecostais,
sendo o testemunho de Miranda, o de todos aqueles que fundaram
denominações religiosas pentecostais e neopentecostais. Esse dado, expresso
pelo testemunho supracitado, serve para nos situar na realidade em que se
alicerçam igrejas como a IURD, da qual trataremos em seguida.
Ainda sobre a experiência de Miranda, é interessante salientar que ele
construiu um ministério com posturas bem radicais. O radicalismo da
denominação pode ser observado no seu código de usos e costumes. Não é
permitido aos membros, por exemplo, fazer curso de teologia ou qualquer
22 <www.ipda.com.br/histórico.asp>
25
curso bíblico, e rejeita a interação com qualquer grupo religioso. Não é
permitido aos membros possuir aparelho de televisão; usar dvd; ingerir bebidas
alcoólicas. As mulheres não podem usar calças compridas. Pessoas epiléticas
são aceitas na ceia apenas se apresentarem atestado médico, caso contrário
serão suspensas até serem libertas.
Em 1979, adquiriu a sede mundial na Baixada do Glicério, o maior templo
evangélico da Brasil (dez mil pessoas). Desde sua fundação a igreja cresceu
aceleradamente, e hoje possui mais de oito mil igrejas em quase 140 países.
Embora Miranda tenha sido acusado de envolvimento com lavagem de
dinheiro, sonegação fiscal, evasão de divisas e narcotráfico, as denúncias não
foram confirmadas23.
Conclui-se assim o breve histórico de implantação das Igrejas
pentecostais no Brasil da primeira e segunda onda (momentos), que ocorreram
entre o período de 1910 até o final de 1969.
Durante a segunda onda do pentecostalismo, várias igrejas tradicionais
se renovaram, dando origem a outras igrejas, como: Batista Nacional, fundada
por Enéas Tognini, à Presbiteriana Renovada, à Metodista Wesleyana e a
várias comunidades evangélicas espalhadas pelo Brasil.
Mais tarde, o pentecostalismo se tornou um fator importante para a
formação de um outro grupo na América do Norte, que também alcançaria
proporções mundiais e seria conhecido como “movimento carismático”,
preparando o caminho para o movimento neopentecostal. O terreno se tornava
cada vez mais propício para a chegada e a expansão do neopentecostalismo.
1.4. O Movimento Neopentecostal no Brasil
É importante ressaltar que não há um acordo quanto á classificação dos
diferentes tipos de pentecostalismo. A distinção entre pentecostalismo e
neopentecostalismo, também chamado de pentecostalismo autônomo, é muito
controversa. Pois muitas vezes Igrejas classificadas como neopentecostais
23Cf. NASCIMENTO, G. Exportação da fé. In: Revista Isto É, nº 1824, 22 de setembro de 2004. p. 44-49.
26
surgiram de rompimentos com Igrejas pentecostais e outras se colocam como
uma renovação de uma Igreja histórica24.
O neopentecostalismo corresponde á terceira onda que surgiu a partir
dos anos 70 e deriva de Igrejas pentecostais ou até mesmo de Igrejas
tradicionais. Esse período se caracteriza pela consolidação do pentecostalismo
como força social e política. Os neopentecostais se destacam pela maior
liberdade de costumes e pelo intenso uso dos meios de comunicação, mídia
eletrônica (também chamado de televangelismo), onde os programas são uma
espécie de “pontos de escuta”, são serviços que se intitulam de “S.O.S.
espiritual”, “S.O.S. vida nova”, entre outros. Observe o exemplo retirado do site
oficial da Igreja Universal do Reino de Deus: “Você está sofrendo? Depressão,
medo, tristeza? Há uma luz aí no final do túnel. Alguém pode te ajudar,”25 e por
fim se destacam pela agressiva forma de arrecadar dinheiro, diz Pierucci:
Que eles não têm culpa. Lidam com o dinheiro como algo positivo e muito desejável. Você não desmascara um pastor quando diz que ele arranca o dinheiro dos pobres. Ele vai responder que é assim mesmo, que ele também deu tudo a Jesus e por isso mesmo recebeu de Jesus em dobro.26
Segundo Gaarder27, o neopentecostalismo se distingue do
pentecostalismo tradicional ou clássico, que surge no Brasil nas primeiras
décadas de século XX. Para Pierucci28, os neopentecostais oferecem uma
fórmula de religiosidade muito eficiente em termos práticos, pouco exigente em
termos éticos e doutrinariamente descomplicada. Conservam do
pentecostalismo clássico o estilo de culto emocional, voltado para o êxtase,
com destaque para o exorcismo e milagres. Mariano29, afirma que os cultos
neopentecostais, dentre os quais os realizados na Igreja Universal do Reino de
Deus, Internacional da Graça de Deus, entre outras, se baseiam em um serviço
24 MARIZ, C. L. Católicos da Libertação, Católicos Renovados e Neopentecostais. In: Pentecostalismo, Renovação Carismática e Comunidades Eclesiais de Base: Uma análise comparada. CADERNOS CERIS. N. 2. Rio de Janeiro: CERIS – Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais, 2001. p. 17-44. p. 31.25 <www.arcauniversal.com>26 PIERUCCI, A. F. Religião assume o capitalismo, diz sociólogo. São Paulo, 14 de Fev. 2006. Entrevista concedida a Folha de São Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br>. Acessado em 17 de julho de 2006.27 GAARDER, J., NOTAKER, H., HELLER, V., O livro das religiões. Tradução de Isa Maria Lando. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 207-208.28 PIERUCCI, A. F. As religiões no Brasil (Apêndice). In: GAARDER, J., NOTAKER, H., HELLER, V., O livro das religiões, op. cit., p. 281-302. p. 287-288. 29 MARIANO, R. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. In: Estudos Avançados 18 (52), 2004. p. 121-138. p. 123.
27
mágico religioso, centrado na promessa da prosperidade material, cura física e
emocional, resoluções de problemas familiares, afetivos, amorosos e de
sociabilidade. A preocupação com a cura é expressa nessas Igrejas de forma
contínua, e agora esta aliada fortemente ao conceito de “batalha espiritual”, ou
seja, para essas Igrejas a origem da doença, bem como de todo sofrimento
humano, só tem uma causa: o demônio. Para eles o mundo está tomado por
demônios, e é sua função expulsá-los.
As igrejas neopentecostais se caracterizam por enfatizar a guerra
espiritual contra o demônio e seus representantes na terra, dando ênfase ao
exorcismo que por sua vez alimenta a guerra entre o Bem e o Mal, esse
discurso redefine o mal e mais importante, lhe dá uma cara, um nome. Portanto
pode ser procurado, identificado, combatido e vencido. Prega também a
teologia da saúde e da prosperidade, difusora da crença que o cristão deve ser
próspero, saudável e vitorioso em seus empreendimentos terrenos, se
proclama nessa teologia que a pobreza não faz parte do propósito divino, pelo
contrário é desejo de Deus que tenhamos riqueza, saúde e felicidade. Sendo
Deus o criador de todas as coisas sendo que ele as dispôs para seus filhos,
precisamos unicamente “tomar posse” do que já é nosso.
Os neopentecostais têm como base fundamental a seguinte tríade: Cura,
Exorcismo e Prosperidade. Enfatiza-se a ação sobrenatural e miraculosa de
Deus no mundo, negligenciando a ação do Espírito Santo através de meios
secundários e naturais (a ciência médica, por exemplo), são fragmentados e
pouco homogêneos, visam sempre resultados palpáveis e imediatos.
O movimento neopentecostal teve uma expansão jamais vista antes no
cenário evangélico nacional, seu crescimento se deve, sobretudo, à
comunicação em massa dos programas de rádio e televisão, nos quais, devido
ao anúncio de curas e milagres, tiveram uma grande audiência. Seus ouvintes
e telespectadores geralmente são recrutados para dentro dessas igrejas. O
sistema de testemunho é forte, e isso certamente encoraja outros a tomar o
mesmo caminho.30
Várias são as denominações surgidas nos anos setenta e oitenta, das
quais as que têm maior expressão, quer pelo seu tom estridente quer pelo
30 MARIANO, R. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal. In: Estudos Avançados 18 (52), 2004. p. 17-20.
28
apelo emocional, são a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), Igreja
Internacional da Graça de Deus (IIGD), Renascer em Cristo e Sara Nossa
Terra.
Faremos também um breve histórico das principais igrejas
neopentecostais que tem demonstrado um maior crescimento dentro do
cenário religioso brasileiro, com exceção da Igreja Universal do Reino de Deus,
que estudaremos no próximo capítulo.
1.4.1. Igreja Nova Vida
A Igreja Nova Vida teve grande importância para a terceira onda do
pentecostalismo, pois ela foi o berço de três igrejas – a saber, a IURD, a IIGD e
Igreja Cristo Vive – hoje, estas três denominações possuem uma grande
aceitação neste diverso cenário religioso. A Nova Vida foi uma espécie de
estágio para os líderes destas três igrejas, fornecendo-lhes a idéia, ou a forma
para um novo estilo de pregação.
Seu fundador foi um canadense chamado Walter Robert McAlister31 que
veio para o Brasil, se instalou no Rio de Janeiro, onde começou o trabalho de
evangelização. O bispo Roberto, como era conhecido, estava a frente do seu
tempo, pois sua igreja foi a primeira a adotar o episcopado no protestantismo
brasileiro, elaborou um novo estilo de pentecostalismo com um traço mais
católico, sua organização era bastante centralizada e personalista.
O bispo Roberto investiu muito na mídia, tanto é que sua igreja nasceu de
um programa de rádio, denominado A Voz da Nova Vida, que foi transmitido
pela primeira vez no dia 1º de agosto de 1960, através da rádio Copacabana.
Tempos depois outros programas foram lançados como a rádio Mayrink Veiga
e as diversas publicações de livros e revistas.
A primeira igreja local foi inaugurada somente no dia 7 de março de 1965
em Bonsucesso, zona norte do Rio de Janeiro. Em 1978 iniciou um programa
na televisão chamado As cosias da vida, se tornando uma igreja pioneira na
utilização da televisão como meio de evangelização.
O bispo Roberto faleceu no dia 13 de novembro de 1993, após sua morte
ocorre uma divisão na igreja, surgindo a Igreja Pentecostal de Nova Vida.
31 <http://www.novavida.com.br>
29
1.4.2. Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD)32
A Igreja Internacional da Graça de Deus foi fundada pelo missionário
Romildo Ribeiro Soares, mais conhecido como R.R. Soares, em junho de 1980
no Rio de Janeiro. Soares buscava influenciar o país inteiro com a mensagem
do Evangelho de Cristo. Em entrevista dada ao site Videira-RJ - Igrejas em
células no dia 03 de julho de 2004, R.R. Soares afirma que não tem nenhuma
religião: “Eu tenho uma experiência com Cristo, que pratico e vivo a toda hora.
Sobre as regras, é só seguir o que a Bíblia diz. Não temos de inventar
absolutamente nada. Tudo foi escrito, tudo foi registrado.”33
Sabe-se que a IIGD é fruto de uma dissidência com a IURD, talvez seja
esse o motivo de reproduzir ações que a deixam muito similar á IURD. Soares
adota também uma agenda semanal de atividades, abre as portas diariamente,
pratica exorcismos, opera milagres, prega a prosperidade, vê no demônio o
grande causador dos males vividos pelos homens e se coloca em guerra
constante contra ele. Além de fazer uso de correntes e rituais que lembram a
Umbanda.
Citaremos dois trechos do programa Show da Fé, comandado por R.R.
Soares, o primeiro momento ocorre em uma oração onde ele “ministra a cura e
a benção” para seu fiéis, no segundo momento, Soares fala com autoridade
dos milagres que Deus opera e mostra a batalha travada contra o demônio:
Cura agora. Ô, cura Senhor. Eu te peço. Em o nome de Jesus. Como ministro da tua palavra, eu vou ministrar a benção. Em o nome do Senhor Jesus. Eu me dirijo, agora, a todo o mal que está na região da boca dessa pessoa. A você espírito que foi pago, recebeu presente e trouxe a doença. Alojou-se aí. Bambeou esse dente. Está fazendo esse defeito. Eu exijo, agora, em o nome de Jesus, sai agora com a sua dor a sua infecção, a sua anormalidade. Está amarrado todo o mal. Vá embora. E, em nome de Jesus, tanto de quem está aqui na igreja, quanto de quem está em qualquer lugar, orando comigo. Pai. Eu dou a benção, para a tua glória, em nome de Jesus. (R.R. Soares, 14.09.04)
Respire fundo e faça aquilo que não fazia antes, mexa o braço para cima ou para trás, procure aquela hérnia ou aquele caroço, mioma. Deus está operando agora, tape aquele ouvido bom e escuta com aquele que não escutava. Tape o olho e
32 <http://www.ongrace.com/rrsoares>33 <http://www.videirario.com.br.htm>
30
enxerga com o olho que não enxergava. Onde está o seu mal? E faça como eu que já saiu o meu mal. Aconteceu o milagre você conta que não é para o demônio não anular o milagre. (R.R. Soares, 17.05.03)
Uma das principais características da IIGD é a utilização maciça dos
meios de comunicação, Soares passa semanalmente cerca de cem horas no
ar, é apresentador do programa Show da Fé veiculado na TV Bandeirantes no
horário nobre, também se apresenta na programação da Rede TV, CNT,
algumas afiliadas do SBT, além da sua própria emissora RIT. Arrendou duas
FMs do ex- governador Oreste Quércia. Segundo Soares é uma estratégia de
crescimento do chamado Sistema Graça de Comunicação.34
Atualmente a Igreja da Graça possui 270 mil membros, mais de 1300
templos espalhados por quase todo o país e também no Uruguai, Japão,
Estados Unidos e Portugal.
1.4.3. Igreja Apostólica Renascer em Cristo35
Fundada pelo apóstolo Estevam Hernandes Filho e sua esposa, a bispa
Sônia, em São Paulo no ano de 1986. Considera-se uma Igreja apostólica,
sendo a primeira no Brasil a reconhecer publicamente a unção de apóstolo e os
fundamentos apostólicos como válidos para os dias de hoje. Tem uma
mensagem moderna que fala diretamente aos anseios da classe média, a
Igreja viu o número de seus fiéis crescer 100% em três anos (cinco vezes mais
que a média das igrejas evangélicas) e hoje a Renascer em Cristo tem mais de
duzentos templos no Brasil e agrada muito os fiéis com um bom poder
aquisitivo.
Para se tornar um pastor da Renascer em Cristo é necessário
primeiramente vivenciar a fé, participando ativamente da Igreja, em seguida o
candidato deve fazer alguns cursos em seu centro de formação, essa formação
pode levar um ano ou vida inteira, pois não há nenhum tipo de formalidade,
devendo o candidato passar por essas etapas: o diaconato, o presbiterato e por
fim se ordenar pastor.
34 MATTOS, L. Outra freqüência: missionário arrenda FMs de Quércia e horário de Mion. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 dez. 2002.35 <http://www.igospel.com.br>
31
Estevam e Sônia se apresentam todos os dias em seu canal de TV, a
Rede Gospel, e em várias emissoras de rádio controladas por sua família.
Organizam todos os anos a Marcha para Jesus, evento que chegou a reunir
quatrocentos mil evangélicos. A Igreja é organizada como uma empresa,
mostrando aos fiéis a necessidade de contribuir para sua própria manutenção.
É exigido dos pastores cumprirem metas de arrecadação.
Os cultos são realizados em grandes palcos e com muita música que é
uma de suas características. Sua doutrina enfatiza a alegria de viver e o
consumo sem culpa, a importância do dízimo como forma de mostrar
humildade cristã e começar uma nova vida com prosperidade. A essência da
visão renascer é viver, em todas as áreas onde atua, um novo conceito de
servir a Deus. Procura de forma criativa, encontrar alternativas inovadoras para
pregar o evangelho36.
Vez por outra a Igreja é bombardeada por denúncias que acabam em
processos, que vão de estelionato e fraude fiscal a reclamações trabalhistas. A
todas essas acusações costuma responder que é vítima de ataques á fé
evangélica37.
Salientamos aqui a imensa dificuldade da pesquisa sobre a mencionada
Igreja, cuja falta de fontes não nos propiciou uma exposição histórica
satisfatória, já que a própria Igreja é carente de informações sobre si em seus
próprios meios de comunicação (site, TV, rádio e publicações).
1.4.4. Igreja Sara Nossa Terra
Fundada em Brasília no ano de1992, pelos bispos Robson e Maria Lucia
Rodovalho, segundo o site da própria Igreja eles acreditam que a “terra está
ferida pelas desigualdades sociais, pela miséria, fome, corrupção, bruxaria e
todas as formas de exploração do mal”. Por isso buscam através do seu
ministério, sarar a nossa terra.
A Igreja elaborou uma declaração de fé todos com pressupostos bíblicos,
essa declaração contém sete itens:
36 Cf. BESEN, J. A. O universo religioso: As grandes religiões e tendências religiosas atuais, op. cit., p. 160.37 ESTADO DE SÃO PAULO. Desvio de doações de fiéis provoca guerra santa na Renascer em Cristo. São Paulo, 15 maio 2006.
32
“1. Cremos que a Bíblia é a palavra de Deus, inspirada e infalível.
2. Cremos que Deus se revelou como Pai, Filho e Espírito Santo.
3. Cremos na divindade de Jesus, em seu nascimento virginal, em sua morte
expiatória, em sua ressurreição corporal e em sua ascensão á destra do Pai.
4. Cremos que o homem foi criado bom e justo, mas perdeu essa natureza por
cair voluntariamente em pecado.
5. Cremo que a única esperança para a salvação do homem é através do
sangue redentor de Cristo.
6. Cremos que todos que se arrependam de seus pecados e crêem em Jesus
como seu Salvador e Senhor, são salvos pela graça por meio da fé.
7. Cremos que a santificação e a vida vitoriosa são requisitos para a esposa de
Cristo”.
O desejo e a visão que a Igreja tem são de “fazer de cada não cristão um
cristão, de cada cristão um discípulo, de cada discípulo um líder, edificando
assim uma Igreja que manifesta a presença de Deus através de prodígios e
manifestações sobrenaturais”.38
A Sara Nossa Terra hoje possui mais de quinhentos templos espalhados
por todo o país e exterior. A comunidade é dirigida por um conselho de bispos
e um conselho diretor. Com forte presença na mídia a comunidade conta com
um canal de televisão, a TV Gênesis, uma rádio, a Sara Brasil FM, e ainda um
jornal, chamado Sara Nossa Terra e a revista Sara Brasil.
Resta-nos agora um questionamento sobre o pentecostalismo e o
neopentecostalismo: seriam eles ramificações do protestantismo? Ou seriam
novas formas de protestantismo? Sendo o campo protestante tão complexo e
fragmentado é muito difícil responder tal pergunta, mas nossa pesquisa
pretende oferecer elementos que podem nos ajudar a compreender melhor tal
questão, nos capítulos que se seguirão.
38 <www.saranossaterra.com.br>
33
CAPÍTULO II
A Igreja Universal do Reino de Deus em caráter descritivo
2.1. Histórico e expansão da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD)39
A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) foi fundada em 09 de julho
de 1977 no bairro da Abolição, zona norte do Rio de Janeiro, num local onde
antes funcionava uma pequena funerária. A IURD Teve como fundadores, R.R.
Soares, que era o líder principal, Miguel Ângelo e Edir Macedo Bezerra.
Este último é o quarto dos sete filhos do comerciante Henrique Francisco
Bezerra e de Eugênia Macedo Bezerra, e nasceu no dia 18 de fevereiro de
1945 na cidade fluminense de Rio das Flores, no estado do Rio de Janeiro.
Toda a família se mudou para a capital e, com 17 anos Edir Macedo Bezerra se
39 <http://www.arcauniversal.com>
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empregou como contínuo em uma Loteria do Estado, logo subiu para um posto
administrativo, começou a cursar uma faculdade, mas não chegou a se formar.
Macedo iniciou a sua trajetória como evangélico aos 18 anos quando
deixou o catolicismo e a umbanda e começou a freqüentar a Igreja Nova Vida,
“seu fundador Robert McAlister, rompeu com a AD em 1960 para elaborar um
pentecostalismo menos legalista e com um estilo calcado na incipiente
renovação carismática norte-americana40”, Macedo soube aproveitar bem sua
passagem pela Igreja Nova Vida, aprendendo métodos inovadores para o
pentecostalismo de massas, mas logo se desligou dessa Igreja e fundou com
outros pastores a Cruzada do Caminho Eterno, dois anos depois também se
desligou dessa Igreja para formar a Igreja da Bênção, posteriormente chamada
Igreja Universal do Reino de Deus.
Edir Macedo com seu dinamismo e estilo centralizador logo ganhou
popularidade, tinha um programa evangélico na Rádio Metropolitana onde
mobilizava os fiéis e pastores; R. R. Soares percebendo a ascensão de seu
cunhado, em 1980 se desligou da Universal e fundou em seguida a Igreja
Internacional da Graça de Deus, muito similar a anterior, porém menos bem
sucedida. Miguel Ângelo também se desligou e fundou a Igreja Cristo Vive,
assim os diversos membros fundadores da IURD dela saíram para fundar
outras denominações religiosas. Macedo, portanto, assumiu o posto de bispo
primaz e o cargo vitalício de secretário-geral. Hoje o auto-entitulado bispo
Macedo além de líder religioso, é empresário, administrador, possui um
casamento estável com Ester Eunice que dura mais de trinta anos, tem três
filhos, onde as duas filhas mais velhas são casadas com pastores da IURD,
vivem em países diferentes trabalhando na IURD e seu filho casula Moisés
está trilhando os mesmos caminhos do pai. Podemos afirmar que a obra
construída pelo bispo Macedo foi tão bem alicerçada que a continuação da
IURD não depende da sua sobrevivência.
Em menos de três décadas a IURD se e transformou no maior e mais
bem-sucedido fenômeno religioso do país, atuando de forma destacada no
campo político e nos meios de comunicação. Nenhuma outra igreja evangélica
cresceu tanto e em tão pouco tempo no Brasil.
40 FRESTON, P. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, A., et al. Nem anjos nem demônios: Interpretações sociológicas do pentecostalismo, op. cit., p.133.
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Seu crescimento institucional foi acelerado desde o início. Em 1985, com oito anos de existência, já contava com 195 templos em catorze Estados e no Distrito Federal. Dois anos depois, eram 356 templos em dezoito Estados. Em 1989, ano em que começou a negociar a compra da Rede Record, somava 571 locais de culto. Entre 1980 e 1989, o número de templos cresceu 2.600%. Nos primeiros anos, sua distribuição geográfica concentrou-se nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Salvador. Em seguida, expandiu-se pelas demais capitais e cidades. Na década de 1990, passou a cobrir todos os Estados do território brasileiro, período no qual logrou taxa de crescimento anual de 25,7%, saltando de 269 mil para 2.101.887 adeptos no Brasil, de onde se espraiou para mais de oitenta países.41
Podemos destacar vários fatores para explicar esse crescimento
acelerado da IURD, como as várias transformações ocorridas no país, no
contexto social, cultural e religioso, além das tantas crises econômicas, o
aumento do desemprego, da violência e criminalidade, do enfraquecimento
numérico da Igreja Católica, a necessidade que a maioria das pessoas sente
de encontrar soluções imediatas para seus problemas e uma teologia da
prosperidade. E outro fator importantíssimo são os investimentos feitos nos
meios de comunicação massiva, que iremos abordar melhor no próximo
capítulo. Edir Macedo, por sua vez, explica o grande crescimento de sua Igreja
de outra forma: “atribuo á ação do Espírito Santo o crescimento da Igreja. Não
se trata de marketing bem feito, boa administração, nem qualquer razão
humana. É ação do Espírito mesmo!”42
Ainda sobre os meios de comunicação adotados pela IURD temos o
primeiro instrumento de mídia impressa, que foi uma revista chamada
Plenitude, que surgiu seis anos após sua fundação, trazia temas gerais como
pregações, curas, exorcismos, eventos realizados pela igreja, etc., nos anos 90
foi tirada de circulação por conta do jornal Folha Universal que tem como
slogan a expressão “um jornal a serviço de Deus”, esse jornal é utilizado para
marketing interno e externo e é publicado semanalmente. Outra revista a Mão
Amiga tem um perfil totalmente diferente da revista Plenitude, pois é publicada
pela Associação Beneficente Cristão (ABC), entidade assistencial da IURD,
41 MARIANO, R. A expansão pentecostal no Brasil: O caso da Igreja Universal do Reino de Deus, op. cit., p. 134, notas 11, 12 e 13.42 Editorial feito por Edir Macedo para a edição 275 da FOLHA UNIVERSAL, São Paulo, 7 julho de 1996.
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que se empenha em mostrar uma IURD que se preocupa e ajuda os pobres da
nossa sociedade, fazendo uma política de marketing institucional.
Outra área de interesse de Edir Macedo é política partidária, a
aproximação dos neopentecostais na política ocorreu por conta de novas
representações ideológicas, como também por um descontentamento com a
maneira tradicional dos evangélicos fazerem política, o que geralmente ocorria
eram “candidatos de porta de templo”, que apareciam apenas nas eleições, a
IURD soube explorado bem toda essa questão política-religiosa e dessa forma
conseguiu impulsionar o seu projeto particular de fazer política de uma maneira
cristã, dando lugar aos políticos de Cristo.
Fé cristã e dedicação ao povo é a marca dos candidatos evangélicos... são pessoas escolhidas e não indicadas... homens e mulheres de Deus, com Jesus no coração, cheias do Espírito de Deus.43
A participação da IURD na política começou em 1986 quando Macedo
patrocinou vários candidatos a deputado tanto federal como estadual e
conseguiu eleger um deputado federal constituinte com 54.332 votos, o bispo
Roberto Augusto Lopes, nas eleições de 1990, já eram seis deputados, três
federais e três estaduais, em 1994 a IURD fez uma campanha política mais
organizada e elegeu doze deputados, sendo seis federais e seis estaduais. Em
2006 elegeu trinta e quatro deputados. A disciplina eleitoral da IURD talvez seja
a maior entre todas as igrejas, a IURD transforma o ato de votar em um ato
quase religioso, na medida em que votar se torna uma espécie de exorcismo
do demônio presente na política, que é de certa forma o responsável pela
corrupção. Uma vez liberto esse espaço do demônio, os homens que temem a
Deus podem ocupá-lo. No entanto, o cacife político da IURD não se restringe
aos deputados pertencentes á igreja, ela tem outros aliados no Congresso e
sua força política foi demonstrada durante a prisão de Macedo no dia 24 de
maio de 199244 quando foi acusado de charlatanismo, curandeirismo e
estelionato.
43 FOLHA UNIVERSAL, São Paulo, 9 de junho de 1996. In: CAMPOS, L.S. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 451.44 FRESTON, P. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, A., et al. Nem anjos nem demônios: Interpretações sociológicas do pentecostalismo, op. cit., p.135.
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Mesmo com tanta força a IURD passa por momentos difíceis, na década
de 90 a imprensa fez críticas e acusações a IURD e seu fundador, junto a elas
denúncias legais e inquéritos policiais, diante de inúmeros escândalos, Edir
Macedo renuncia ao cargo de secretário-geral, e passa viver nos Estados
Unidos. Nomeou o pastor Renato Suhett para substituí-lo na liderança nacional,
mas sua liderança não durou muito tempo, pois, suas funções administrativas
foram sendo transferidas a outros bispos45.
Mesmo em meio a tantas polêmicas a IURD continuou a crescer de forma
surpreendente no Brasil. Sua expansão geográfica ocorre de forma desigual, a
maior concentração de templos se dá nas grandes cidades, como Rio de
Janeiro, São Paulo e Salvador. Em 1985 a IURD atravessou as fronteiras
brasileiras, tendo seu primeiro templo no Paraguai. No exterior sua expansão
foi lenta até 1990, quando conseguiu entrar nos Estados Unidos, Argentina e
Portugal, nas décadas seguintes seu crescimento acelerou. Durante um
documentário produzido pela IURD, que foi ao ar pela Rede Record em 11 de
outubro de 1997, citado por Freston, listava a IURD em quarenta e cinco paises
sendo quatorze da América Latina, treze da África, onze da Europa, quatro da
Ásia e três da América do Norte Caribe46. As igrejas nos Estados Unidos não
crescem numericamente, mas oferecem prestígio e facilitam cada vez mais sua
expansão.
Com esse numeroso crescimento a IURD teve que consagrar dezenas de
novos bispos, que assumiram cargos de dirigentes. Para evitar um cisma a
igreja se reestruturou, criando três poderes, onde o poder maior é o Conselho
Mundial de Bispos, em seguida o Conselho de Bispos do Brasil e na base da
hierarquia o Conselho de Pastores do Brasil. Ocorre que esses três poderes
são coordenados pelo poder absoluto de Edir Macedo.
45 Cf: MARIANO, R. A Igreja Universal no Brasil. In: ORO, A. P., CORTEN, A., DOZON, J. P. (orgs.). Igreja Universal do Reino de Deus. São Paulo: Paulinas, 2003. p. 55, nota 6.46 Os países eram listados na seguinte ordem : Rússia, Jamaica, Angola, Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Quênia, Malawi, Moçambique, Nigéria, África do Sul, Tanzânia, Uganda, Zâmbia, Zimbabwe, Cabo Verde, Índia, Israel, Japão, Filipinas, República dominicana, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Porto Rico, Inglaterra, França, Alemanha, Holanda, Itália, Luxemburgo, Portugal, Espanha, Suiça, Canadá, México, EUA, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Perú, Bélgica. Faltam países que constam de listas publicadas na mídia, seja por erro jornalístico ou porque o trabalho lá não vingou, ou mesmo (uma hipótese improvável) porque a Igreja esqueceu de incluí-los no documentário: Uruguai, Venezuela, Panamá, Congo, Senegal, Botswana. FRESTON, P. A Igreja Universal do Reino de Deus na Europa. In: Lusotopie,1999. p. 383-403. p.387, nota 10.
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O governo eclesiástico da Universal é centralizado em torno de seu líder carismático. Sua estrutura de poder é vertical, despótica até. A instância máxima da igreja é o Conselho Mundial de Bispos, em segundo o Conselho de Bispos do Brasil e na base da pirâmide hierárquica, pelo Conselho de Pastores do Brasil. Na prática, porém, o bispo primaz, escudado em seu poder vitalício e ancorado no discurso de que o próprio Deus o escolheu para exercer tal autoridade, que não pode ser questionada, decide e comanda.47
Percebemos assim a supremacia que Macedo exerce na IURD e
percebemos a postura dos pastores diante da alta cúpula da Igreja.
2.2. Os fiéis iurdianos e a Formação
Os fiéis iurdianos rompem com o modo de agir e vestir, nos quais os
“crentes” eram reconhecidos. Foram eles liberados para vestir roupas da moda,
usar produtos de beleza como maquiagem, ouvir músicas profanas, etc.;
abandonando a tradição evangélica da vestimenta e abrindo mão dos controles
disciplinares, a IURD atrai para si um número bem maior de adeptos que outras
denominações evangélicas. É interessante notar que boa parte dos fiéis
iurdianos eram pertencentes a religião Católica, mas católicos por tradição
familiar e outra parte derivam do protestantismo histórico e das religiões afro-
brasileiras. Entre os fiéis iurdianos, a mulher ocupa um lugar de destaque, pois
a IURD consciente que boa parte de seus adeptos são do sexo feminino faz um
trabalho em torno da valorização da mulher, oferecendo a ela a oportunidade
para ser obreira, dispõe também de uma revista feminina chamada Esther, e
faz uma série de publicações envolvendo o universo feminino. Macedo escreve
vários textos onde deixa claro o papel da mulher, inclusive publicou um livro
intitulado O perfil da mulher de Deus, onde traça o perfil que a mulher iurdiana
deve adotar: “Entre a prostituta endemoniada e a virgem submissa”. Macedo
coloca que a mulher tem que ser forte e passiva ao mesmo tempo, que é
responsável pelo bem-estar da família e que deve obedecer ao marido. O
discurso de Macedo ainda está ligado a supremacia do homem, ao mito da Eva
fraca e envolvente, que levou o homem Adão a pecar, no mínimo podemos
afirmar que seu discurso é contraditório, pois tenta conciliar uma idéia de
mulher moderna e mulher arcaica. E ainda afirma que:
47 MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. p. 63.
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A magnitude da importância da mulher é tão grande que, se fosse criada sem o homem ainda assim ele teria a capacidade de encher a Terra, pois Deus poderia fazer o mesmo que fez com a virgem Maria48.
Verificando assim que a força da mulher está no poder de persuasão da sua palavra a qual tem mais força que qualquer homem. O lisonjeio de suas palavras é quase irresistível49.
As famílias que aderiram a IURD, ao participarem dos diversos encontros
religiosos como cultos, correntes de fé, seções de descarrego etc., levam seus
filhos. Os menores são entregues aos obreiros, que oferecem um tipo de
educação religiosa, pois, para as crianças, a Universal criou a Escola Bíblica
Infantil (EBI), que funciona nos moldes da escola dominical protestante ou do
catecismo católico. Os filhos mais velhos participam dos grupos de jovens, que
divulgam a fé e as atividades da igreja. Chama a atenção o fato de que os fiéis
não têm autonomia para escolher os líderes locais nem participam da
deliberação sobre a aplicação dos dízimos e ofertas que são arrecadados.
A formação oferecida pela IURD á seus bispos e pastores não é de cunho
teológico e nem é realizada em seminários ou faculdades de teologia. Isso
ocorre por conta dá aversão que Edir Macedo tem á erudição teológica, e
mostrou isso claramente quando escreveu o livro A libertação da teologia, onde
critica o “cristianismo de muita teoria e pouca prática; muita teologia, pouco
poder; muitos argumentos, pouca manifestação; muitas palavras e pouca fé”.50
Durante poucos anos funcionou na IURD a Faculdade Teológica do Reino
de Deus (FATURD), que logo foi fechada, em seguida, Macedo publicou o livro
citado acima. Sendo assim, todo o aprendizado da função pastoral se dá na
prática, poucos chegam até mesmo a freqüentar um curso bíblico. Apesar de
na IURD funcionar o Instituto Bíblico Universal do Reino de Deus (IBURD).
Segundo José Vasconcelos Cabral, um ex-pastor da IURD, funciona “em
alguns estados um curso especial e intensivo com duração de seis meses, no
qual o candidato a pastor é orientado nos princípios básicos do cristianismo e
da IURD51”.
48 MACEDO, E. O perfil da mulher de Deus. 2º ed. Rio de Janeiro: Gráfica Universal, 1997. p. 13.49 Ibidem. p. 16.50 Cf. MACEDO, E. A libertação da teologia. Rio de Janeiro: Gráfica Universal, 1997. 51 Depoimento dado à Revista Vinde, 10 de agosto de 1996. Citado em: MARIANO, R. Expansão pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal, op. cit., p. 121-138. p. 127.
40
Como não há critérios na formação, são exigidos alguns requisitos aos
candidatos a pastor como: a conversão, dedicação e o desejo de fazer a obra
de Deus, nada, além disso, os dirigentes não se preocupam com critérios como
idoneidade, histórico familiar, formação básica, idade ou avaliação psicológica.
Os candidatos, que estão no processo de formação, não recebem nenhum tipo
de remuneração salarial. Já “formados” os pastores auxiliares são proibidos de
celebrar alguns sacramentos, como o do matrimônio, do batismo nas águas e o
sacramento da ceia do Senhor.
Geralmente para se tornar um pastor é necessário antes ser um obreiro,
que são leigos ativos que se destacam entre os fiéis. Os obreiros são os
responsáveis pelo funcionamento da igreja num todo, trabalhando da limpeza e
coleta das ofertas, os obreiros devem auxiliar no desempenho ministerial dos
pastores, isso inclui até realizar exorcismos nos cultos. Os pastores são
auxiliados por estes obreiros, dos quais se exige posse do dom de línguas para
o exercício dessa função. Eles não recebem nenhum tipo de remuneração por
seu trabalho e até gastam com a farda que devem usar.
2.3. Prosperidade, o Simbolismo do Dinheiro e o Exorcismo
A UIRD é uma das principais portas de entrada no Brasil da corrente
religiosa norte-americana conhecida como teologia da prosperidade. Esta vem
ser um conjunto de crenças e afirmações, surgidas nos Estados Unidos que
afirma ser legítimo ao crente buscar resultados, ter fortuna, ter o direito de
reivindicar (e até exigir) de Deus a satisfação de seus desejos pessoais,
buscando sempre uma ascensão. A teologia da Prosperidade ensina que a
pobreza é o resultado de falta de fé ou de ignorância. O princípio básico da
prosperidade é a doação financeira, entendida não como ato de gratidão ou
devolução a Deus, mas como investimento.
A IURD enfatiza ainda que só o fato de seguir Jesus e ter atitudes de fé já
é o bastante para uma vida de sucesso financeiro, de projeção social e quase
imunidade a qualquer tipo de doenças e sofrimentos. Faz-se necessário abrir
um parêntese com relação as curas realizadas na IURD. A imprensa iurdiana
41
em seus programas de rádio e televisão estão repletos de milagres, a cura se
torna um ponto de destaque nas suas reuniões, o Manual do obreiro apresenta
algumas razões para a cura divina:
A cura divina está de acordo com o caráter de Deus, que sendo um pai amoroso, não poderia aceitar na vida de seus filhos doenças ou enfermidades,... as doenças, na sua grande maioria, são causadas pelos demônios, que uma vez saindo do corpo das pessoas, as levam consigo,... elas não contribuem para a gloria de Deus, e sim para a miséria e desgraça dos homens. A Igreja... ministra a oração para a cura divina por intermédio de seus Bispos, Pastores e Obreiros, quer com imposição de mãos conforme determina as Escrituras, quer sem imposição de mãos, porque obedece a ordem de Jesus Cristo, que mandou curar os enfermos e expelir os demônios. Uma pessoa cheia de doenças não está á vontade para glorificar a Deus. Não pode compreender corretamente seu amor, se não for curada e abençoada em todas as coisas.52
A prosperidade dentro da IURD é tema inclusive das reuniões de todas as
segundas-feiras com o nome de corrente da prosperidade, o discurso dessa
reunião e de muitas outras dá ênfase que a prosperidade é um direito de todo
cristão fiel, que “Deus não se contenta com o fato de seus filhos serem pobres
e necessitados”, ainda segundo Macedo,
O homem foi colocado na terra para viver em abundância, sobre a fartura e a prosperidade. Adão não tinha escassez de água, nem alimentos, e nem precisava levar Eva, ao médico. Eles eram perfeitos e gozavam da perfeição de Deus, sem que lhes faltasse absolutamente nada.53
O corpo humano é fundamental na teologia da prosperidade proferida na
IURD, pois o corpo pode se tornar morada do Espírito Santo e deixar de ser
morada de demônios através do exorcismo. E essa valorização do corpo vem
resultar na aceitação de embelezá-lo, oferecer-lhe conforto, bem estar, saúde,
todos os benefícios de uma sociedade de consumo, sem nenhum tipo de culpa.
Na teologia da prosperidade, Deus é como uma divindade escrava de
suas promessas, tendo que satisfazer a vontade daqueles que agora são seus
sócios. Mas como se tornar um sócio de Deus? A resposta é muito simples,
basta o fiel se comprometer a devolver aquilo que é de Deus, ou seja, o dízimo.
Deus, em contrapartida, garantirá as bênçãos de cura e o sucesso nos
empreendimentos, pois para Macedo “o dízimo caracteriza fidelidade do servo
52 IURD. Manual do obreiro: Estatuto e Regimento Interno da Igreja Universal do Reino de Deus. Rio de Janeiro: Gráfica Universal, s/d. p. 38-39.53 Citado por CAMPOS, L.S. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal, op. cit., p.367.
42
de Deus enquanto que a oferta indica o seu amor e a sua consideração para
com Deus54”. Mas, e se não der certo? Aí a culpa é do fiel, que deve ter tido
pouca ou falta de fé em algum momento do processo.
Além do dízimo outra forma de se tornar sócio de Deus é através da
oferta, aqui o dinheiro adquire a conotação de canal de comunicação, de
barganha com o sagrado. É aqui que entra a questão da oferta de “amor,” que
é ofertar á Deus seu tudo, não o que lhe sobra, mas o que irá fazer falta, pois
Deus quer o essencial. Segundo, Macedo:
Dar o dízimo é candidatar-se a receber bênção sem medidas (...) sob os aspectos físicos, espiritual e financeiro. Quando pagamos o dízimo a Deus ele fica na obrigação (por que prometeu) de cumprir a Sua palavra, repreendendo os espíritos devoradores que desgraçam a vida do homem, atuando nas doenças, nos acidentes, nos vícios, na degradação social e em todos os setores da atividade humana, fazendo com que o homem sofra eternamente. Quando somos fiéis no dízimo, além de nos vermos livres desses sofrimentos, passamos a gozar de toda a plenitude da terra, tendo Deus a nosso lado nos abençoando em todas as coisas.É necessário dar o que não se pode dar. O dinheiro que se guarda na poupança para um sonho futuro, esse dinheiro é que tem importância, porque o que é dado por não fazer falta não tem valor para o fiel e muito menos para Deus.55
Segundo os pressupostos iurdianos, oferta é uma expressão de fé. As
ofertas materiais ou em dinheiro movem qualquer obstáculo entre o ser
humano e Deus. Macedo, no seu livro O Perfeito Sacrifício, afirma:
Aqueles que vêem as doações das ofertas com maus olhos, ou seja, do ponto de vista meramente mercadológico, principalmente do lado da Igreja, também têm dificuldades para compreender a razão da vinda do Filho de Deus ao mundo. (...) haja vista que a oferta está intimamente relacionada com a salvação eterna em Cristo Jesus.56
Mas, segundo os bispos e pastores da IURD, o que seria ter uma atitude
de fé? Acreditar que Deus vai mudar sua vida, desde que você ofereça o
melhor dos sacrifícios (aquele que vai fazer falta) mostrando assim uma “fé
inteligente”. Ainda segundo esses mesmos líderes, não vale você ser uma
pessoa boa, honesta, cumpridora de suas obrigações para com a sociedade se
54 MACEDO, E. Doutrinas da Igreja Universal do Reino de Deus. Rio de Janeiro: Gráfica Universal, 1998. p. 297.55 CAMPOS, L.S. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal, op. cit., p. 370.56 MACEDO, E. O perfeito sacrifício. O significado espiritual dos dízimos e ofertas. Rio de Janeiro: Gráfica Universal. 2003. p. 14.
43
não tiver uma atitude de fé. Dízimos e ofertas possuem conotações
exorcisticas. Se você demonstra sua fé através desses dízimos e ofertas, mais
dificilmente será tentado pelo demônio.
A mobilidade hierárquica da IURD é muito grande, tanto de pastores
como de bispos e também das funções pastorais a eles delegadas, pois está
relacionada em parte a arrecadação dos pastores e dos bispos, se o valor de
arrecadação de um pastor cresce a cada mês, a sua sede e estima com os
líderes também crescem. Uma queda na arrecadação por três meses já é
suficiente para o afastamento do pastor, se o pastor por sua vez nunca alcança
o valor do mês ele logo é retirado, pois isso é um indicativo, segundo Edir
Macedo, de que o pastor não está bem com Deus, está impuro espiritualmente;
o pastor por sua vez que consegue demonstrar elevada capacidade de coletar
os recursos necessários (dízimos e ofertas) tem seu ministério abençoado pelo
Espírito Santo, sua habilidade é tida como sinal de benção divina. Daí ocorrem
as promoções. Os pastores titulares ou auxiliares, não têm nenhum tipo de
autonomia e não gerenciam os recursos que arrecadam. Mas quanto a esse
elemento econômico de uma religião, já alertara o historiador Jacques Le Goff:
“Pode-se considerar suspeita uma religião que mistura tão facilmente Deus aos
negócios, exige-lhe êxitos terrestres e, talvez supersticiosamente, faz a fortuna
depender da proteção divina57”.
No pentecostalismo tradicional os demônios são mantidos a distância
mais do que enfrentados, na IURD eles são buscados e enfrentados. A IURD
tem a mesma visão dos antigos hebreus, que separava o cosmo em três
dimensões: o Céu, morada de Deus e seus anjos; Terra, criação divina e
morada dos seres humanos; Inferno, regiões inferiores morada dos demônios.
A Terra é o lugar onde se dá a luta entre Deus e o demônio e o objeto dessa
guerra é o ser humano. A IURD acredita ainda que o demônio é o causador de
todos os males que assolam a humanidade, para eles os demônios estão
soltos e podem “se manifestar” em animais, objetos, pessoas, principalmente
no momento do culto. Por isso em todos os cultos se menciona sempre o
demônio. Esse demônio exerce uma função de suma importância na IURD, é
na luta contra ele que a igreja fundamenta toda sua estratégia de ação, pois
57 LE GOFF, J. Mercadores e banqueiros na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 92.
44
segundo os pastores se a sua vida está cheia de conflitos, desunião na família,
doenças, nunca se alcança uma estabilidade financeira desejada, nunca dura
nos empregos, não consegue ser feliz no amor, é perseguido constantemente,
dentre outras coisas, tudo isso é culpa do demônio. Mas afinal que força é essa
que detém tanto poder, que é causa de tantos e diversos males e sofrimentos?
Acreditamos... que os demônios atuam na vida das pessoas com o propósito de afasta-las de Deus e não deixá-las e consequentemente entender o plano divino para suas vidas. Daí entendermos que a primeira coisa que deve ser feita com alguém, para trazê-lo ao Senhor é liberta-lo do poder e da influência do diabo e dos seus anjos. Uma vez libertados dessa influência, a pessoa pode encontrar forças para perseverar em seguir ao Senhor Jesus...58
Em alguns momentos, há uma verdadeira catarse coletiva: enquanto o pastor fica pedindo que Deus “mande fogo no diabo”, as pessoas oram em línguas e gritam “queima! queima!”. O pastor coordena as manifestações emocionais, e ao diminuir a voz acalma os presentes, que passam aos poucos, a falar mais baixo e se calam no final.59
Nos cultos neopentecostais, entre eles o da IURD se tem á prática
constante de “amarrar os demônios”, de “colocar os demônios sob os pés”, pois
são vistos como entidades rebeldes. Constantemente provocam e invocam os
demônios para se manifestarem, tornando assim possível o ato do exorcismo,
que seria afugentar, expulsar os espíritos maus através da intervenção de
alguém que tem poder, que é de Deus. O exorcismo então passa a ser o ponto
de partida para uma vida cristã, é um ato de libertação. Em seus livros Macedo
diz que há algumas doenças que caracterizam possessão pelo diabo: as
neuroses, dores de cabeça constantes, insônia, temor, desmaios ou ataques,
desejos suicidas, as doenças que os médicos não encontram as causas, vícios
e depressão. Além disso, o demônio também é culpado pela
homossexualidade, pelo câncer e pela AIDS.
Poderíamos dizer que a IURD é uma igreja utilitária, pois geralmente as
pessoas que a procuram estão passando por algum tipo de situação crítica:
doenças, problemas na família, dificuldade financeira, etc. Observa-se que a
IURD se caracteriza por ser um lugar de feridos e excluídos que encontram
58 IURD. Manual do obreiro: Estatuto e Regimento Interno da Igreja Universal do Reino de Deus. Rio de Janeiro: Gráfica Universal, s/d. In: CAMPOS, L. S. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal, op. cit., p. 338.59 MARIZ, C.L. Católicos da Libertação, Católicos Renovados e Neopentecostais, op. cit., p. 34.
45
certa guarida. É um lugar em que se vai quando não se tem para onde ir,
quando se esta no “fundo do poço”, sofrendo, sozinho e sem saída. Essas
pessoas são simplesmente acolhidas e escutadas, e naquele instante não se
questiona nem se exige nada. E o mais importante, é relatado que “Jesus o
ama profundamente, sabe como você esta sofrendo, e Ele não quer isso60”.
2.4. Sincretismo, Religiosidade e Ritos
Sabe-se que no Brasil ocorre um pluralismo religioso muito grande, e
muitas vezes uma mistura de ritos religiosos em uma mesma religião, não
poderia ser diferente com a IURD, seu sincretismo religioso é gigantesco, até
se diz que a sua identidade é construída por meio das referências de outras
igrejas e religiões61, como a Igreja Católica, o Kardecismo e religiões Afro-
brasileiras (Candomblé, Umbanda, na qual Edir Macedo foi integrante). Esse
sincretismo não é apenas uma colcha de retalhos, pois, a IURD apresenta um
sincretismo sistematizado, mesmo assim, faz com que alguns evangélicos
neguem que a IURD seja uma igreja evangélica, eles alegam que ela não age
segundo a doutrina e a ética comportamental clássicas do pentecostalismo.62
A IURD incorpora ritos, crendices de outras religiões e Igrejas. Por
exemplo, a adaptação da novena católica em correntes com sete quintas-feiras
de oração; jejum e freqüência na igreja para a obtenção de uma graça especial;
aspersão dos fiéis com galhos de arruda molhados em uma bacia com água
benta e sal grosso; substituição das fitas do Senhor do Bonfim por fitas com
passagens bíblicas; entrega de balas e doces a seus adeptos no dia de São
Cosme e Damião. Podemos dizer que a IURD sabe muito bem explorar os
tradicionais e reconhecidos símbolos religiosos, como: velas, imagens, cálices,
sal, flores, água, óleo, arruda, enxofre, retratos, roupas, etc, e introduziu em
seus rituais além desses elementos, outros novos, estes por sua vez são
retirados do quotidiano das pessoas, tais como: shampoo, sabonete, escudo,
sabão em pó, saco de lixo, travesseiro, etc., o que nos revela um forte 60 BONFATTI, P. A expressão popular do sagrado. São Paulo: Paulinas, 2000. p.119-122. 61
Cf. CAMPOS, L. S. A Igreja universal do reino de Deus, um empreendimento religioso atual e seus modos de expansão (Brasil, África e Europa). op. cit., p. 356-357.62 Cf. FRESTON, P. Breve história do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, A., et al. Nem anjos nem demônios: Interpretações sociológicas do pentecostalismo. op. cit., p. 136.
46
sincretismo e uma enorme "imaginação religiosa". A IURD justifica o uso de tais
recursos dizendo que é um incentivo á fé e que tudo isso é feito a partir das
necessidades de seus adeptos, mas podemos também entender até como uma
forma de atrair para si o maior número de fiéis possíveis de outras
denominações religiosas, como que uma estratégia proselitista deliberada.
É percebida em suas práticas rituais uma total aproximação do cotidiano
com a magia ou com o sobrenatural, isso é visto nos cultos que são realizados
pela IURD e nos produtos que são comercializados, são esses objetos
detentores de poder como: a areia abençoada, mesa branca energizada, óleo
santo, rosa ungida, palmilhas de ouro, escudo de proteção, banho da
santíssima trindade, caneta dos desejos, etc. Esses objetos servem para
combater uma espécie de forças negativas, ou forças do mal, que hoje são
denominadas pela IURD de “encostos”.
Esse é um trecho de uma matéria que descreve em detalhes as sessões
de descarrego, fornece uma rápida idéia do sincretismo existente entre certas
crenças e práticas da IURD e as da Umbanda.
Um homem todo de branco comanda o culto, cercado por pomba-giras, exus e pretos-velhos. Os auxiliares também se vestem do branco mais puro e acreditam nos poderes do sal grosso e do galho de arruda. Que religião é essa? Ihih, se vossuncê, respondeu umbanda, está errado, mizim fio. O culto – bata a cabeça – é da Igreja Universal do Reino de Deus. Saravá. A Sessão do Descarrego – esse é o nome propagado pela própria igreja – faz sucesso às terças-feiras, na Catedral da Fé [...]. É o momento, pregam os pastores, de retirar os encostos dos fiéis.63
Costuma-se ouvir nos meios de comunicação da IURD o discurso: “não
importa de que religião você participe”, embora seja ela contra o ecumenismo,
não se encontra nela nenhuma barreira de que seus freqüentadores sejam
integrantes de outras religiões. Como se sabe “a Igreja Universal, diferente de
outras Igrejas neopentecostais, admite uma população flutuante”64, que se
utilizam dela como uma forma passageira para obter algo específico (curas,
empregos). Como disse certa vez um membro da IURD: “Eu não sou de
nenhuma igreja, sou da igreja onde sinto Jesus mais forte. Minha religião é
63 www.odia.ig.com.br/geral/ge060815.htm. Acessado em 03 out. 2005.64 BIRMAN, P. Cultos de possessão e pentecostalismo no Brasil: passagens. In: RELIGIÃO E SOCIEDADE. Pentecostes e nova era: fronteiras, passagens. Rio de Janeiro: ISER, v.17, 1996. p. 104.
47
Jesus”. A migração ocorrida na IURD não é só de evangélicos, ela também
acolhe integrantes e ex-integrantes do Catolicismo, Umbanda, Candomblé, e
Espiritismo.
A religiosidade encontrada na IURD é repleta de ritos, nela percebemos
uma maior unidade ritual e litúrgica do que em outras denominações
protestantes ou neopentecostais. O rito seria uma grande ação simbólica, uma
cerimônia própria em que grupos ou indivíduos revivem experiências
fundamentais. Um conjunto de ritos forma um ritual, quando esse ritual está
ligado ao religioso ocorre á liturgia que vem mostrar a maneira pela qual os
fiéis se articulam. Os gestos, leituras, sermões, cânticos entram na composição
do rito.
No neopentecostalismo, a palavra falada é, muitas vezes, devorada pelos
gestos e cânticos, especificamente na IURD, em uma reunião de pouco mais
de uma hora, não mais de que dez minutos são dedicados ao sermão ou a
leitura da bíblia. O restante do tempo é dedicado aos cânticos e orações e a
maior parte desse tempo é para os rituais de cura, exorcismo e coleta.
2.5. O rito próprio: As Correntes e as Campanhas
A IURD também criou ritos próprios, as “correntes” e as “campanhas”,
que se tornaram uma forma de obrigações a serem cumpridas pelo fiel para
com Deus e de Deus para com o fiel. Os dias e horas são padronizados,
divididos, pouco se fala do natal, quaresma, páscoa, pentecostes ou outras
festividades cristãs tradicionais. Acredita-se que a IURD, por privilegiar as
necessidades concretas das pessoas, procurou se organizar de maneira mais
objetiva, deixando de lado estas festividades mais tradicionais e introduzindo
um novo calendário litúrgico, repleto de correntes, campanhas, vigílias,
reuniões e concentrações de fé, ou seja, a IURD traz uma religiosidade mais
popular, e porque não dizer mercadológica, pois seus ritos seguem a lei da
oferta e procura.
As correntes que a IURD realizada são feitas em dias específicos da
semana, dedicados também a objetivos específicos. O fiel que começa a fazer
sua corrente sabe que ela não pode ser quebrada e que durará um período
48
determinado de tempo (sete semanas, por exemplo). Essa prática central é
uma adaptação da novena católica.
Vejamos a programação semanal das correntes realizadas pela IURD:
As segundas-feiras acontecem duas correntes, a da prosperidade e a dos
empresários com o objetivo de estimular a crença na prosperidade, orar pelos
desempregados e estimular os microempresários que estão em dificuldade
financeira.
As terças-feiras temos a corrente dos setenta pastores e a corrente dos
milagres, também chamada corrente da saúde, estas têm como objetivo a cura
de todos os tipos de enfermidade e se destinam as pessoas que foram
desenganadas pela medicina.
As quartas-feiras acontecem a chamada corrente dos filhos de Deus,
destinada a pessoas que desejam experiências místicas mais profundas.
As quintas-feiras ocorrem a corrente da família, destinada a resolver
problemas no casamento, como brigas e desuniões de casais, problemas com
filhos, entre outros de âmbito familiar.
As sextas-feiras temos a famosa corrente da libertação, também conhecida
como a corrente do descarrego, tendo o objetivo de “abrir os caminhos que
estão amarrados” por causa de macumbas, bruxarias, feitiçarias, inveja e mal
olhado, contatos com entidades diabólicas, vozes do além, etc.
Aos sábados ocorre a corrente da grandeza de Deus e a corrente das
crianças, a primeira com o objetivo de congregar pessoas com dificuldades
financeiras, profissionais ou amorosas e a segunda trabalha atividades
específicas para as crianças.
Nos domingos acontecem a corrente do encontro com Deus e a corrente do
amor, que oferecem momentos de louvor a Deus e ao Espírito Santo e
resolução de problemas na vida amorosa respectivamente.65
As correntes são caracterizadas como um processo de limpeza do
passado, permitindo que as coisas venham á tona e sejam tratadas pelo
exorcismo, porém notemos que as correntes não são vistas de forma mágica,
elas reforçam a transformação de vida.
65 CAMPOS, L.S. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal, op. cit., p. 161-163. Porém, como dissemos, a IURD possui uma programação altamente flutuante e é possível que atualmente siga um novo calendário semanal.
49
Já as campanhas realizadas acontecem em um curto período de tempo,
há campanhas que duram somente três dias, outras duram seis dias, o tempo
de duração da campanha depende de seu objetivo. O tema de cada campanha
é escolhido na reunião do conselho dos bispos, geralmente as campanhas têm
um embasamento bíblico. Citaremos os nomes de duas dessas campanhas
que foram baseadas especificamente na bíblia: a Campanha das pedras da
fé66, essa campanha afirmava que assim como Davi venceu o gigante Golias
com uma pedra, aqueles que forem ao templo da IURD receberão uma pedra
capaz de derrubar os seus gigantes (problemas), e a Campanha de Gideão67,
essa pretendeu despertar a confiança das pessoas em Deus, atingindo assim
seus objetivos na guerra contra o mal presente na vida financeira. Mas além
destas duas podemos ressaltar outras campanhas como a Campanha da
restituição, a Campanha das portas abertas, Campanha da Fogueira Santa de
Israel, Campanha da arruda, Campanha das loucuras da fé, dentre outras.
Esses novos ritos iurdianos se incorporam na sua linguagem ritual a idéia
já presente na religiosidade popular, como pagamento de promessas,
peregrinações, novenas, vigílias, sacrifícios, etc. O calendário litúrgico da IURD
é dividido em: campanhas, correntes, reuniões, vigílias, festas, concentrações
de fé e as atividades semanais corriqueiras. Podemos dizer que na IURD há
uma unidade litúrgica, parecida com a Igreja Católica. Essa padronização
permite aos fiéis iurdianos em qualquer parte do Brasil e do mundo se sentirem
integrantes de um mesmo corpo, reunidos ao redor dos mesmos ritos.
Os movimentos neopentecostais, e em especial a IURD, optam por uma
religiosidade não só popular, mas quase mágica, utilitária e sincrética que está
em total sintonia com o imaginário e a crença popular, não é o povo que se
adeqüa as normas da igreja e sim a igreja que vai se adequando ao tempo, a
cultura e aos problemas sociais vividos por seus adeptos.
66 Cf. BÍBLIA sagrada (A Bíblia de Jerusalém). A. T. 1 Samuel. 5ª ed. São Paulo: Paulus, 1996. cap. 17, p. 445.67 Cf. Idem. Juízes. cap. 6, p. 386.
50
CAPÍTULO III
A Igreja Universal do Reino de Deus: a problemática
3.1. Vínculo da IURD com os demais protestantes
Nesse tópico iremos analisar a existência ou não de um vínculo histórico
da IURD com a tradição protestante e com as demais igrejas pentecostais e
onde está o desvio realizado por ela dessas tradições. Para tal se faz
necessário rememorar o exposto nos capítulos anteriores sobre o
protestantismo histórico, pentecostalismo clássico e neopentecostalismo.
Vimos que a chamada Reforma Protestante se constituiu de uma série de
movimentos que protestavam contra a Igreja Católica. Nesse período da
história podemos enumerar pelo menos três reformas protestantes, todas
ocorridas no século XVI: A Reforma Luterana, com ênfase na justificação pela
fé; a Reforma Calvinista, com ênfase na predestinação; e a Reforma Anglicana,
marcada pela independência da Igreja da Inglaterra e do poder do papado68.
Tais processos acarretaram uma profunda mudança de paradigma na forma
das sociedades cristãs vivenciarem sua religiosidade, gerando uma busca por
novas experiências ou mesmo pelo o regresso a uma fé mais tradicional, como
a dos primeiros cristãos. Dessas novas buscas provém não só um cristianismo
independente de Roma, mas os ramos protestantes do pentecostalismo e do
neopentecostalismo como novas experiências de fé cristã. Ao que parece
essas novas experiências de fé causaram no protestantismo histórico uma
verdadeira revolução litúrgica e cultural.
68 Vide neste trabalho capítulo I, p.1-4.
51
A expressão “Igrejas Pentecostais” busca representar todas as Igrejas
que descaracterizam os fatos fundadores cristãos e os substituem pela
centralidade do Pentecostes, constituindo uma nova referência fundadora.
Sociologicamente, o cristianismo caracterizou-se por definir suas origens em torno das doutrinas sobre Jesus Cristo. O protestantismo remetia-se ao mesmo fato fundador através da Bíblia. Já no pentecostalismo, opera-se uma mudança radical na referência ao fato fundador. O acontecimento de Pentecostes ocupa o lugar fundamental, e as doutrinas em torno de Jesus Cristo são relegadas. Os pentecostalismos contemporâneos representam uma radicalização desse distanciamento das religiões cristãs.69
Sabe-se que o movimento pentecostal nasceu da busca por uma
religiosidade mais intensa, e que tem como características um culto emocional,
voltado para o exorcismo, para a cura e o milagre. Além dessas características
se salienta a crença na segunda vinda de Jesus Cristo, a revelação direta do
Espírito Santo e o dom das línguas. Já o movimento neopentecostal, além de
estar voltado para um culto emocional como os pentecostais, possui
características que lhe são bem próprias, como a liberdade de culto, o uso
excessivo dos meios de comunicação, uma forte ênfase às ofertas e dízimos,
está voltada para á teologia da prosperidade e da saúde, e à chamada guerra
espiritual contra os demônios e seus representantes na terra.
Essas diferenças apontadas acima, fazem com que questionemos até
onde as Igrejas da terceira onda mantêm vínculos com as demais Igrejas que
as precederam. Ao analisarmos as doutrinas e rituais das Igrejas da terceira
onda, percebemos que elas se distanciam muito dos pressupostos da Reforma
Protestante, e das Igrejas pentecostais, chegando até a se usar um novo termo
“pós-pentecostais” ou “pentecostalismo autônomo”, para se referir a essas
Igrejas.
Os neopentecostais rompem com os esquemas e fórmulas
predeterminadas, podendo até ser chamadas de “Igrejas transgressoras”, por
conta de suas inovações, muito semelhante aos já mencionados “Movimentos
do Espírito”, que tentaram romper com certa normatização proposta pela Igreja.
Os neopentecostais
69 ROMEIRO, P. Decepcionados com a graça: esperança e frustrações no Brasil neopentecostal. São Paulo: Mundo Cristão, 2005. p. 27.
52
reagem ao que definem como “um enquadramento de Deus” ou a “domesticação do sagrado”. A busca de canais mais livres e diretos de acesso ao sagrado, com manifestações espontâneas repletas de emoções, é marca dessas novas expressões e representa uma busca de liberdade, formas de adoração e culto70.
Da mesma forma a IURD busca reinventar a experiência com o sagrado,
forjando um modo de religiosidade que lhe é bem próprio, é o que notamos em
seus cultos que sempre trazem novas temáticas, novas formas de falar com
Deus, seja em uma corrente, campanha ou por meio de objetos
“comercializados” como uma caneta, um escudo ou mesmo por uma palmilha.
Ao que parece essas Igrejas da terceira onda, fizeram uma espécie de
cisma com as práticas protestantes e pentecostais. Essa ruptura pode ser
melhor observada nesses três pontos a seguir:
Primeiramente, nos próprios modos de vestir e portar, pois os pentecostais
clássicos são muito conservadores na aparência e nos costumes. Os
neopentecostais por sua vez, valorizam o bem estar físico, dando um espaço
enorme para a vaidade, andar na moda e com roupas de “transadas”, se
maquiar, ou seja, gozar a vida com todo o direito que têm.
A segunda diferença está na expectativa apocalíptica, ou seja, esperança na
segunda vinda de Cristo, deixada de lado pelos neopentecostais para desfrutar
o presente.
A terceira divergência é a apropriação da religiosidade popular. Ao mesmo
tempo em que os neopentecostais combatem as religiões afro-brasileiras,
afirmam a existência de entidades como Exus, Caboclos, Pombas giras etc.
Campos cita outra divergência, para ele as Igrejas neopentecostais dão
uma forte ênfase nos dízimos e nas ofertas em dinheiro em vista de bênçãos
futuras, isso vem ser uma espécie de reedição da “venda de indulgências”, um
dos fatores históricos que fizeram surgir o protestantismo71.
Embora a IURD adote algumas práticas das Igrejas consideradas de
primeira e segunda onda, é notório que ela se enquadra claramente nos três
principais pontos de ruptura que acabamos de observar. Iremos acrescentar
outros dois elementos que reforçam o distanciamento da IURD com o
70 RAMALHO, J. P. Desafios no campo religioso brasileiro. In: CADERNOS CERIS, op. cit., p. 3-5. p. 5. 71 REVISTA RELIGIÕES. “Aleluia, irmão!”. Edição 22, junho 2005. São Paulo: Editora Abril Cultural. p. 23.
53
protestantismo histórico e o pentecostalismo clássico. No protestantismo dito
histórico a Bíblia é a fonte de toda a doutrina e seu uso é constante, na IURD
seus adeptos não levam suas Bíblias para o culto e em geral a Bíblia quase
nunca é utilizada pelos pastores nas reuniões. O pentecostalismo clássico tem
como uma de suas características principais o batismo no Espírito Santo e os
dons do Espírito, na IURD não ocorre o batismo no Espírito Santo e não há
manifestação dos dons do Espírito, nem mesmo o mais simples, o dom das
línguas. Em lugar desses elementos, entram aspectos mágicos, como a água
benta e o sal grosso, areia abençoada, óleo santo, daí por diante.
A IURD esta voltada para as diversas manifestações do demônio e por
conseqüência para os exorcismos, seus adeptos não possuem regras de
condutas estabelecidas, também se destaca pela forte ênfase nos dízimos e
ofertas, sendo estes prioridades. Igrejas da primeira onda como a Assembléia
de Deus se declaram contrárias a tais formas de arrecadação de dinheiro,
como afirmou em entrevista o pastor José Wellington da Costa, presidente da
Convenção das Assembléias de Deus: “A maneira como seitas como essas
arrecadam dinheiro dos fiéis é uma vergonha”.72
3.2. A IURD e os meios de comunicação
Como frisamos no capítulo anterior, a IURD obteve uma rápida expansão
dentro do cenário religioso brasileiro, podemos assinalar vários fatores que
favoreceram esse crescimento, mas acreditamos que o maior responsável por
todo esse crescimento é o excessivo uso dos meios de comunicação de massa
e a ações semelhantes a das empresas do ramo de prestação de serviço, que
investem em marketing pesado e em um bom atendimento ao público.
Para a melhor compreensão, se faz necessário ressaltar que nos últimos
vinte anos, assistimos a uma proliferação de inúmeras igrejas que se utilizam
da mídia. A Igreja eletrônica ou televangelismo, como costuma ser chamada,
pode ser entendida como uma intencional e sistemática utilização dos meios de
comunicação de massa, especialmente a televisão e o rádio, para fins
proselitistas ou evangelizadores. A religiosidade midiatica de certa forma vem
estimulando o aparecimento de novas formas de expressão religiosa, onde se
72 Revista Veja. Edição de 14 de Novembro de 1990, p. 5.
54
desenvolve um discurso que dialoga com a atual conjuntura sócio-econômica
brasileira.
As Igrejas eletrônicas estabelecem uma lógica de mercado, que prioriza o
consumo material, o individualismo, a vaidade, o empreendimento financeiro,
ou seja, prioriza a chamada teologia da prosperidade. Dessa forma essas
Igrejas eletrônicas estão construindo verdadeiros impérios, alcançando
sucesso financeiro capaz de comprar os horários mais nobres da televisão e de
certa forma conseguem manipular as pessoas (público, clientes, fiéis), que se
utilizam desse meio de comunicação, pois, além de estarem presente na mídia,
seus apresentadores são considerados pessoas de Deus.
É impressionante perceber a grade de programação vigente nas
televisões e rádios brasileiras, pois estão abarrotadas de programas religiosos,
em sua maioria, programas neopentecostais, isso sem mencionar as emissoras
de propriedade de denominações religiosas. O televangelismo está fazendo
com que Deus seja comercializado e os produtos religiosos sejam entregues
em domicílio, e isso tem se tornado uma boa estratégia para conseguir cada
vez mais adeptos. Estamos presenciando, hoje, uma relação entre a religião (o
sagrado), o desejo (realização pessoal) e o mercado (sistema capitalista),
relação esta sustentada pelos meios de comunicação, pelas estratégias de
marketing, pela publicidade e pela teologia da prosperidade.
É impossível ignorar a importância da televisão em todos os aspectos
sociais, e é importante destacar que os meios de comunicação de massa são
um poderosíssimo instrumento de manipulação, e que somente algumas
igrejas têm acesso a esse instrumento. Essas têm usado do poder que
dispõem para conseguirem cada vez mais fiéis e agredir as demais
denominações religiosas. Observando este quadro, se justifica o interesse
dessas Igrejas ao utilizarem os meios de comunicação. Para Bordenave,
a comunicação é a força que dinamiza a vida das pessoas e das sociedades; a comunicação excita, ensina, vende, distrai, entusiasma, dá status, constrói reputações, orienta, desorienta, faz rir, faz chorar, inspira, narcotiza, reduz a solidão e num paradoxo digno de sua infinita versatilidade produz até incomunicação.73
73 BORDENAVE, J. E. D. Além dos meios e mensagens. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 9.
55
É visível que a IURD sempre foi ousada na ocupação dos espaços
sociais. Desde o princípio Macedo adotou a evangelização eletrônica como
uma estratégia de crescimento e, em 1980, a IURD por meio do bispo Macedo
tinha várias horas semanais no rádio e uma hora na televisão no canal Rio
Tupi, em 1982 ocorreu a compra da primeira emissora de rádio, a Rio
Copacabana, e em 1989 Macedo comprou a primeira emissora de televisão a
Rede Record, por 45 milhões de dólares, a aquisição da emissora chamou a
atenção da mídia pelo fato de como uma igreja com apenas doze anos de
existência e um início modesto conseguiu tanto dinheiro em tão pouco tempo.
A compra da Record pela IURD é considerado o mais importante exemplo de
inserção religiosa na televisão aberta, mas o canal, contudo, não pode ser
considerado exclusivamente religioso. Logo após, a IURD adquiriu a Rede
Mulher, com mais espaço para a programação religiosa, além disso, comprou
horários na programação da TV Bandeirantes e na Gazeta.
O bispo Macedo pouco satisfeito com a enorme abrangência que estava
tendo com suas emissoras de televisão e horários em outras emissoras, alegou
no dia da inauguração de sua nova emissora, dizendo: “nós fomos injustiçados
por muitos anos por um grupo de comunicação que tinha e mantém o
monopólio da notícia no Brasil. Daí nosso desejo de dar um fim a esse
monopólio”74, se referindo a Rede Globo de televisão, e em 27 de setembro de
2007 foi ao ar a Record News, um canal de notícias, que está utilizando a
concessão do antigo canal Rede Mulher, a concessão de geradora foi cedida
como uma rede local de Araraquara e não de São Paulo, como foi dito, a
geradora virou retransmissora e vice-versa, ou seja, o bispo Macedo está
controlando duas concessões de televisão em um mesmo lugar, em São Paulo,
a Record e a Record News, o que é proibido pela lei, segundo o Decreto
52.795/63, para que não haja a concentração de propriedade existentes de
televisão ou rádio no Brasil é permitido apenas que uma mesma empresa ou
acionista tenha uma “só” emissora. A justificativa da Record é que a concessão
da Rede Mulher, agora Record News, está em Araraquara (o que em tese não
impediria o canal de ser transmitido em sinal aberto na cidade de São Paulo).
74 Edir Macedo ataca "monopólio" da Globo na estréia do Record News. Folha OnLine. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u332077.shtml. Acessado em 02 de novembro de 2007.
56
Porém, segundo matéria do Observatório do Direito a Comunicação75, além de
a concessão da Rede Mulher estar vencida desde 2005, na prática a emissora
“geradora” de Araraquara nunca produziu nada. Tudo é produzido pela
“retransmissora” da capital paulista. Ou seja, a Record News usa uma
concessão vencida de retransmissora para gerar conteúdo em canal aberto na
cidade de São Paulo.
Hoje a IURD já possui um verdadeiro império de comunicações, formado
por dois canais de televisão com cerca de quarenta e sete repetidoras em todo
o país, sendo que a Rede Record exporta seus programas para vários países,
especialmente para o México, Chile, Panamá, Equador, Venezuela, Colômbia e
Porto Rico. Também é proprietária de cerca de sessenta e duas emissoras de
rádio no Brasil, sendo a Rede Aleluia a mais conhecida, além disso, possui
gravadoras, uma editora a Gráfica Universal, hoje incorporada pela Holding
Universal Produções, um Portal Arca Universal e a IURD online, onde
encontramos uma TV e uma rádio que estão disponibilizadas 24h no ambiente
digital.
No tangente à mídia impressa, o jornal Folha Universal é o órgão oficial
da IURD, que vem com o mesmo formato dos jornais tradicionais, é distribuído
em cada templo da Igreja semanalmente sempre aos sábados, sua distribuição
é gratuita. Vários são os assuntos abordados no jornal, como economia,
política, saúde, esportes e, evidentemente religião, neste item se destaca a
coluna reservada a “palavra do bispo Macedo” e também se destaca a coluna
dos testemunhos de fé. Como dito a IURD dispõe ainda das revistas Esther,
Mão Amiga e Plenitude. Faz-se necessário observar que tipo de informação as
revistas e o jornal da IURD estão trazendo, que força a leitura dessas
informações exerce sobre os fiéis, ou ainda como os fiéis se apropria e
interagem com as informações que recebem. A IURD e seu fundador possuem
outros empreendimentos, tanto no Brasil como no exterior, mostrando assim
uma visão ampla, nacional e internacional, e uma enorme compreensão do
poder e da importância que os meios de comunicação exercem nas pessoas.
Criou-se uma grande expectativa com relação aos programas que seriam
veiculados pela IURD, como por exemplo, uma programação de qualidade, de
75 MOYSES, D. Record News estréia com uso ilegal de concessão em São Paulo. Disponível em: http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/index.php. Acessado em 02 de Novembro de 2007, as 14h10m.
57
responsabilidade, de respeito e seriedade com a difusão da fé e com o
telespectador. No entanto, a estratégia da IURD como detentora de um
conglomerado de comunicação, foi o de, ciente do poder dessa mídia,
conseguir mais fiéis freqüentando seus templos e contribuindo financeiramente;
dessa forma, em horários reservados a programas da igreja, a IURD conseguiu
fazer com que, pela emoção, os telespectadores se aproximem, se envolvam e
se identifiquem com os fatos narrados, dessa forma ela se coloca no mercado
dos bens de salvação, o qual Edgar Morin chamou de “o tempo da segunda
industrialização, a industrialização dos espíritos, dos sonhos e dos desejos da
alma.76 Note-se também o forte embate que a IURD trava com as religiões afro-
brasileiras77 e com a Igreja Católica. Segundo Mariano, desde a sua fundação a
IURD conduz um ataque as religiões afro-brasileiras, a tal ponto que esse
combate “tornou-se um de seus principais pilares doutrinários”.78 Com relação á
Igreja Católica, iremos citar um exemplo que com certeza ficou gravado nas
mentes de muitos brasileiros, foi o dia em que em pastor da IURD em seu
programa matutino
apresentou uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida, a padroeira do
Brasil. Ao se referir à comemoração do dia da padroeira, o bispo Von Helde
pregou contra a idolatria, e chutou, deu tapas na imagem da santa, afirmando
que tal imagem não era capaz de fazer nada. Essa atitude revoltou muitos
católicos por todo país, e fez com que o bispo Macedo fosse à televisão pedir
desculpas pela atitude de Von Helde, que foi imediatamente transferido para a
África. Sobre este fato Ferreira afirma:
76 Cf. MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX: o espírito do tempo – 1 Neurose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.77 O que já acarretou uma condenação de suas emissoras por exibição de matérias de caráter discriminatório, na qual a TV Record e a Rede Mulher foram condenadas a exibir, por sete dias consecutivos, programa de resposta por discriminação às religiões afro-brasileiras. A decisão foi dada pela juíza Marisa Cláudia Gonçalves Cucio, da 5ª Vara Federal Cível de São Paulo. Segundo a juíza, não há como negar o ataque às religiões de origem africana e às pessoas que as praticam ou que delas são adeptas, disse a juíza: “Nos programas gravados há depoimentos de pessoas que antes eram adeptas das religiões afro-brasileiras e que se converteram; nos templos da nova religião, essas pessoas realizam ‘sessões de descarrego’ ou ‘consultoria espiritual’. Assim, é de se concluir que não negam as tradições e os ritos das religiões de matriz africana, porém afirmam que nos terreiros os seguidores praticam o mal, a feitiçaria e a bruxaria”. Cf. Liberdade religiosa: Justiça condena TV Record por discriminação. In: Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2005. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/34774,1. Acessado em 02 de novembro de 2007. 78 Mariano, R. Neopentecostalismo: os pentecostais estão mudando.1995. Dissertação. (Mestrado em Sociologia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. p.103.
58
Uma das práticas mais comuns da Universal é desprezar outras religiões e agredir seus símbolos. Durante os cultos, os pastores dizem o diabo da umbanda, xingam os orixás do candomblé e acusam os adeptos do espiritismo de filhos do demônio. No entanto, não se tem notícia de uma mobilização para defender umbandistas ou kardecistas ou para denunciar a intolerância religiosa.79
Esses ataques constantes que a IURD profere a essas denominações
religiosas, desperta certo descontentamento por parte dos adeptos dessas
religiões. Esses reclamam de certo tendencionismo da emissora ao tratar de
informações relacionadas a elas.
3.3. A IURD e sua teologia
Parece estranha a proposta de analisar a teologia de uma Igreja que não
se mostra preocupada com a reflexão teológica, e que está voltada para a ação
prática, para a experiência, onde aparentemente o eixo central da sua
religiosidade é o serviço que presta aos fiéis. Diante disso nos questionamos,
que teologia pode haver nos discursos e nas práticas da IURD? Antes disso
estudaremos de forma bem simples alguns conceitos referentes á teologia.
O próprio sentido do termo teologia significa a Ciência de Deus: théos -
logía; que implica um estudo80. A teologia nasce do imperativo da fé que busca
dar razões e fundamentos do seu credo, ou seja, ela é a fé desejosa do saber.
Isso coincide com o espírito humano que busca incansavelmente conhecer o
que ainda lhe é estranho. Deus constitui o objeto próprio da teologia. Ela se
volta para a questão última da existência onde Deus aparece como a resposta.
Vale ressaltar que não é somente Deus que constitui o objeto da teologia, mas
tudo o que se refere a ele, isto é, o mundo e o universo. Como ciência, a
teologia supõe um conteúdo, uma metodologia e um objeto de Estudo. Sua
metodologia compreende duas instâncias: a teórica e a prática81. Com relação
a Teórica, esta diz respeito à organização dos chamados articuladores
teológicos. São eles: Fé, Escritura, Igreja, o Senso dos fiéis, Tradição, Dogma,
79 SILVA, Juvêncio Borges. Igreja Universal do Reino de Deus: empreendimento econômico, religioso e político. Tese de Doutorado. Araraquara: UNESP, 2005. p. 117.80 LIBANIO, J. B., MURAD. A. Introdução á Teologia – perfil, enfoques, tarefas. Edições Loyola: São Paulo, 1996. p.62-63.81 BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. Editora Vozes: Metrópoles, 1999. p.14-15.
59
Magistério, Prática de outras teologias, Filosófica, Ciências, Linguagem e
Razão. Evidentemente, a organização desses elementos referidos obedece a
uma regra determinada. No tocante a Prática, temos os seguintes elementos
em sua elaboração: primeiro a escuta da fé (antes de tudo, é preciso ouvir os
testemunhos de fé), em segundo a explicação da fé surge para esclarecer e
aprofundar seu conteúdo interno, e em terceiro a atualização da fé, numa
confrontação da teologia com a vida concreta.
Já sabedores da aversão que Edir Macedo sente com relação á teologia,
é estranho notar que em seu jornal Folha Universal82 ele é apresentado como
um teólogo e mais estranho é encontrar no Manual do Obreiro83 “que a Igreja
Universal do Reino de Deus tem os mesmos princípios das demais Igrejas
Evangélicas Pentecostais, se diferenciando apenas em alguns costumes e
dando ênfase a alguns aspectos do ministério do Senhor Jesus Cristo e seus
Apóstolos”. Os neopentecostais se distanciam muito das demais Igrejas cristãs,
essa diferença se dá nas doutrinas, nas crenças e práticas, promovem uma
teologia totalmente diferente da teologia dos protestantes históricos e dos
pentecostais, essa teologia foi muito bem expressa pelo pastor Robert
McAlister, fundador da Igreja Nova Vida, da qual Macedo foi membro, McAlister
afirma,
a nossa teologia está em fluxo constante. Está sendo formulada e reformulada á medida que o Espírito Santo revela o senso mais profundo das Escrituras Sagradas... Quando uma teologia se torna sistematizada, ela fica estagnada. As definições se tornam ponto de querela... Há a necessidade de cada comunidade de fé definir as suas convicções. Isto nada mais é do que teologia sistemática... a contribuição pentecostal á Igreja de Jesus Cristo não é na área da teologia sistemática... porque a experiência pentecostal, acontecendo em situações culturais das mais diversas, simplesmente não permite uma formulação rígida, nem do credo, nem da prática do pentecostalismo84.
Com essa idéia de que a teologia deve brotar da experiência e não que a
experiência deve brotar da reflexão teológica, Macedo propõe uma teologia
com aparência de contra-teologia, sem nenhum tipo de sistematização, pois
82 Folha Universal. Edição de 25 de maio de 1996.83 IURD. Manual do obreiro: Estatuto e Regimento Interno da Igreja Universal do Reino de Deus. Rio de Janeiro: Gráfica Universal, s/d. p. 31-4484 CAMPOS, L.S. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal, op. cit. p. 329.
60
segundo ele esse tipo de teologia “nada acrescentam a fé; nada fazem pelo
homem senão talvez aumentar sua capacidade de discutir e discordar”.
Mas se olharmos com atenção veremos uma teologia na IURD, nos seus
ritos, cânticos, pregações, nos seus programas de rádio e televisão e até
mesmo nos produtos que por ela são comercializados. Mas não dispomos de
instrumentos para analisar todos os aspectos teológicos da IURD, mas
Campos nos apresenta alguns elementos dessa teologia que para ele são de
suma importância:
teologia que tem mecanismos apropriados para inculcar essa teologia as novas gerações de fiéis e pastores. Porém não se trata de uma teologia sistematizada, tal como aquelas elaboradas por grupos religiosos já secularmente institucionalizados. Por outro lado ela possui, como toda a reflexão pentecostal, um ranço anti-intelectualista muito forte. Macedo propõe uma teologia antiteológica e afirma: “todas as formas e todos os ramos de teologia são fúteis”. A teologia da IURD se articula ao redor de quatro pontos fundamentais: centralidade do corpo, pois ela prega a recuperação do corpo e não seu desprezo platônico; exorcismos de maus espíritos e libertação de suas influências negativas; cura como sinônimo de salvação e prosperidade na vida; e sucesso material como comprovação da presença de Deus na vida do crente.85
Segundo Campos, a teologia da IURD passa por outros elementos como
a pneumatologia e a eclesiologia, mas a centralidade de toda sua teologia
perpassa por estes quatro pontos: a centralidade do corpo, o exorcismo, a cura
e a prosperidade. A IURD se vê como ministério que prolonga a ação de Jesus,
de seus Apóstolos e da Igreja primitiva, na medida em que enfatiza estes
quatro pontos. A teologia realizada por Macedo é uma acomodação da teologia
pentecostal e se resume, basicamente, em uma produção literária religiosa de
doutrinamento e em interpretações de passagens bíblicas, que na maioria das
vezes busca se aliar a uma prosperidade.
85 CAMPOS, L. S. A Igreja universal do reino de Deus, um empreendimento religioso atual e seus modos de expansão (Brasil, África e Europa), op. cit. p.363-364.
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Conclusão
Através de nossa pesquisa constatamos a grande diversidade religiosa
existente no Brasil, a religião que ainda mais se destaca é o cristianismo e
entre as Igrejas cristãs as que têm obtido maior sucesso e crescimento nas
últimas décadas são as denominadas pentecostais e neopentecostais. Essas
Igrejas delinearam um novo espaço, trazem em si elementos inovadores,
outros símbolos religiosos que dão novo sentido ao transcendente. Mas
segundo Antoniazzi, há muita diferença entre as mais antigas experiências do
Espírito Santo e o marketing das mais recentes.86
O mundo pentecostal está em um processo de fragmentação, e ao
mesmo tempo, em uma tendência inversa, concentram pentecostais e
neopentecostais em poucas Igrejas de grande porte. Segundo os dados do
censo de 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), dos
quase 18 milhões de pentecostais e neopentecostais, 85% estão concentrados
em apenas cinco Igrejas, os outros 15% estão dispersos em centenas de
outras Igrejas menores. Daremos uma melhor idéia disso no quadro a seguir:
Igrejas Nº de fiéis % dos pentecostais
Assembléia de Deus 8.418.154 47,47
Congregação Cristã do Brasil 2.489.079 14,04
Igreja Universal do Reino de Deus 2.101.884 11,85
Evangelho Quadrangular 1.318.812 7,44
Deus é Amor 774.827 4,37
86 ANTONIAZZI, A. Por que o panorama religioso no Brasil mudou tanto? São Paulo: Paulus, 2004. p. 37.
62
Outras 2.630.721 14,83
Total 17.733.477 100,00
Sabemos que o crescimento pentecostal e neopentecostal envolvem
diversos fatores, apontaremos dois fatores que acreditamos ser os principais
responsáveis por esse crescimento, são eles: as raízes populares (portanto da
matriz religiosa brasileira, em especial o catolicismo) que estão presentes no
pentecostalismo e neopentecostalismo e o excessivo uso dos meios de
comunicação de massa, esses dois fatores, como citado em nosso último
capítulo, são utilizados especialmente pelos neopentecostais. O
neopentecostalismo incorpora um cristianismo dito popular, ou seja, aquele que
dá ênfase não só na crença em Jesus, mas também na crença aos demônios,
milagres, mitos bíblicos, pecados, curas e concepções escatológicas, o que
também facilita a dita evangelização por parte destas Igrejas, que tem um
caráter leigo, no qual não há necessidade de nenhum tipo de mediação
eclesiástica para o contato com Deus87.
Outros fatores que estão contribuindo para a expansão principalmente
neopentecostal são as técnicas de marketing e o caráter empresarial das
Igrejas. Nas quais, em geral, se valem do princípio: as Igrejas que mais
investem em recursos materiais e humanos tendem a crescer mais do que as
que priorizam empreendimentos sem fins proselitistas imediatos. Quanto
maiores os investimentos em propagandas, produtos religiosos, incentivos para
que pastores e até mesmo leigos criem pontos de pregação, mais acentuado e
acelerado será o crescimento denominacional88.
Entre os neopentecostais a IURD é a denominação religiosa que tem
alcançado maior destaque, mesmo sendo uma Igreja recente ela está entre as
Igrejas que mais tem crescido numericamente, arrebanhando um número bem
expressivo de adeptos e simpatizantes, tendo um público que transita por seus
templos sem maiores comprometimentos é a chamada população flutuante,
além do crescimento numérico a IURD tem crescido na estrutura, na
organização, pois escolheu para si um caráter empresarial que investe pesado
87 Cf. MARIANO, R. Analise sociológica do crescimento pentecostal no Brasil. 2001. Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.88 Cf. ANTONIAZZI, A. Por que o panorama religioso no Brasil mudou tanto? op. cit., p. 42.
63
nas técnicas de marketing, nos meios de comunicação, em um bom
atendimento ao público e na comercialização do sagrado.
A IURD surgiu e impôs uma lógica diferente ao que predominava até
então no campo pentecostal. Ao invés de templos modestos, a IURD aluga e
compra grandes espaços físicos, como cinemas, garagens, ou fábricas
desativadas, que se situam em locais estratégicos das cidades, geralmente ao
longo de grandes avenidas e vias movimentadas. Além disso, os templos
oferecem conforto para os freqüentadores, contendo estacionamento, ar-
condicionado, sonorização.
Faz-se necessário antes de continuarmos nossos estudos sobre a
organização da IURD traçar de forma bem geral um perfil sobre os fiéis
iurdianos, o primeiro ponto a se destacar é que há mais mulheres do que
homens, o segundo ponto se dá com relação a escolaridade, o nível de
instrução de seus adeptos é muito baixo, o terceiro ponto refere-se as
condições sociais, de falta de estrutura e uma renda familiar geralmente
pouca, com raras exceções, o quarto e ultimo ponto refere-se á raça, na IURD
há uma maior predominância de negros, seguidos de pardos e indígenas, com
pouquíssimos amarelos e mais concentra um grande número de empregados
em serviços pessoais (domésticos)89.
A IURD tem uma forma que lhe é própria e singular, diferente das outras
Igrejas Cristãs, pois ela incorpora a sua religiosidade elementos de outras
Igrejas. Os ritos encontrados na IURD sacralizam elementos como o sal
grosso, óleo, a água, se observarmos a sessão espiritual de descarrego e em
outras reuniões veremos, por exemplo: o fechamento de corpo, a corrente da
mesa branca, se retira os encostos, desfaz mal-olhado etc. Buscando dessa
forma tirar proveito evangelístico da mentalidade e do simbolismo religiosos
brasileiros, a liderança desta Igreja rearticula sincreticamente crenças, ritos e
práticas das religiões concorrentes90.
O que é bem peculiar na IURD é que em todos os seus rituais é
freqüente, a presença do demônio, atribui-se a ele todos os males existentes,
seja na questão financeira, amorosa ou de saúde. Outros elementos também
freqüentes que ganham um destaque bem maior são as ofertas e dízimos
89 Ibidem. p.40.90 Cf. MARIANO, R. Análise sociológica do crescimento pentecostal no Brasil. op. cit.
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como pressupostos para uma ajuda de Deus e a possibilidade da cura de todas
as enfermidades existentes, todos esses elementos estão associados á
teologia da prosperidade.
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