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POLLYANNA DE OLIVEIRA ARAÚJO O PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA: Uma Análise à Luz do Recurso Ordinário em Habeas Corpus 81.057- 8/ São Paulo Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Centro Universitário de Brasília Orientador: José Carlos Veloso Filho BRASÍLIA 2007

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POLLYANNA DE OLIVEIRA ARAÚJO

O PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA: Uma Análise à Luz do Recurso Ordinário em Habeas Corpus 81.057-

8/ São Paulo

Monografia apresentada como requisito para

conclusão do curso de bacharelado em

Direito do Centro Universitário de Brasília

Orientador: José Carlos Veloso Filho

BRASÍLIA 2007

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À Sirlene Araújo, minha mãe, e à Ana Marlene Araújo, minha madrinha, por sempre estarem ao meu lado encorajando-me nessa conquista e na realização dos meus sonhos.

Ao meu filho, meu anjo, Marcelo Henrique Araújo, por “compreender” a necessidade de ficarmos distantes por todos esses dias.

Aos amigos que sempre estiveram comigo nessa longa caminhada, em especial João, Yara, Wellington, Luiz e Erich.

A todos os professores que contribuíram para a realização desse trabalho, em especial Álvaro Chagas Castelo Branco, Roberto Krauspenhaeur, Selma Godoy e Leo Oliveira Van Holthe.

Ao Delegado Federal Marcos Vinícius Dantas por abrilhantar os meus estudos com novas idéias.

Ao meu orientador, José Carlos Veloso Filho, pela sua competência e grande dedicação.

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“Discordo daquilo que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizer”.

Voltaire

“A sociedade não deve vingar-se e nem punir; se vingar é próprio do indivíduo, punir é de Deus. A sociedade está entre os dois. O castigo está acima dela, e a vingança abaixo. Nada de tão grande ou de tão pequeno lhe convém, ela não deve punir para melhorar; ela deve corrigir para melhorar...”

Victor Hugo, O último dia de um condenado

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RESUMO

A presente monografia trata do crime de porte ilegal de arma de fogo sem munição. Essa questão hoje é considerada um problema no que se refere à tipificação ou não dessa conduta. O Estatuto do Desarmamento é silente no que tange a essa questão. Diante disso, o estudo do tema se faz pertinente por meio dessa monografia, realizada com base no estudo do Recurso Ordinário em Habeas Corpus 81.057-8 São Paulo e na doutrina.

Palavras-Chave: Porte Ilegal. Arma de fogo. Recurso Ordinário. Estatuto do Desarmamento. Tipificação.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 6

1 O ESTATUTO DO DESARMAMENTO .................................................. 9 1.1 FATORES HISTÓRICOS .................................................................................... 9 1.2 CARACTERÍSTICAS ........................................................................................ 13

1.2.1 O Bem Jurídico Tutelado ........................................................................... 13 1.2.2 Classificação dos Crimes ........................................................................... 16

1.2.2.1 Crimes Materiais, Formais e de Mera Conduta ..................................... 16 1.2.2.2 Crimes de Dano .......................................................................................... 18 1.2.2.3 Crimes de Perigo ........................................................................................ 18

1.2.2.3.1 Crimes de Perigo Concreto ..................................................................... 18 1.2.2.3.2 Crimes de Perigo Abstrato ou Presumido ............................................... 19

1.2.3 Princípios Constitucionais Penais ............................................................. 20 1.2.3.1 Princípio da Proporcionalidade ................................................................ 20 1.2.3.2 Princípio da Ofensividade ou da Lesividade ........................................... 21

2 O PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO ........................................... 23

2.1 A DIFERENÇA ENTRE PORTE E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO ........... 23 2.2 O PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E SUAS PECULIARIDADES ............... 25 2.3 O PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E DE USO RESTRITO .................................................................................................................. 28 2.4 O PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA .............................. 30

3 ANÁLISE DO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 81.057-8 SÃO PAULO (RHC) ......................................................................... 32

3.1 RELATO DO CASO ......................................................................................... 32 3.2 DO MÉRITO ................................................................................................... 35

3.2.1 Aspectos Doutrinários e Jurisprudenciais ................................................. 35 3.2.2 Votos dos Ministros do STF ....................................................................... 38

3.2.2.1 Ministra Ellen Gracie ................................................................................ 38 3.2.2.2 Ministro Sepúlveda Pertence .................................................................... 40 3.2.2.3 Ministro Cezar Peluso ............................................................................... 46

3.2.3 Divergências Doutrinárias ......................................................................... 54 3.2.4 O Crime de Porte Ilegal de Arma de Fogo Desmuniciada: Tipicidade versus Atipicidade ................................................................................................. 61

CONCLUSÃO ................................................................................................... 67

REFERÊNCIAS .................................................................................................. I

ANEXO A – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 81.057-8 SÃO PAULO ........................................................................................................ I

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INTRODUÇÃO

A Lei n. 10.826/2003, o chamado Estatuto do Desarmamento, traz em seu

conteúdo a tipificação de crimes denominados pela doutrina de crimes de mera conduta, de

simples atividade ou crimes de perigo.1

Ao tratar desses crimes, o legislador optou por punir a simples conduta do

agente, mesmo que essa não cause dano ao bem jurídico tutelado, que no caso é a

incolumidade pública.2

Mas ao punir apenas a prática de condutas, as chamadas infrações de perigo,

a doutrina e jurisprudência iniciam uma discussão sobre que tipo de perigo poderia ser

punido, se seria necessário que o agente ao praticar essa conduta colocasse realmente em risco

o bem jurídico, ou se pelo simples fato de praticar a conduta sem a efetiva exposição de

perigo ao bem jurídico já se caracterizaria o crime.3

Esse debate é melhor visualizado quando tratamos do crime de porte ilegal

de arma de fogo sem munição, onde parte da doutrina e jurisprudência posicionam-se no

sentido de tipificação da conduta, pelo poder de intimidação que uma arma exerceria mesmo

inapta a produção de disparos e ainda pela opção legislativa utilizada na redação do Estatuto,

1 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff de Souza e. Estatuto do desarmamento:

comentários e reflexões. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 40.

2 Ibidem, p. 40. 3 THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários

por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 24.

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que pune os crimes apenas pela conduta praticada, mesmo que essa não coloque efetivamente

o bem jurídico em perigo, tratando-se assim de um perigo presumido.4

Mas, a doutrina e jurisprudência majoritária corroboram pela atipicidade da

conduta, com base na teoria moderna do Direito Penal que se utiliza dos princípios da

lesividade e ofensividade, sendo exigido assim, um efetivo perigo ao bem jurídico tutelado

para que determinada conduta seja punida.5

Sendo assim, essa monografia tem como objetivo demonstrar e analisar os

argumentos utilizados no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 81.057-8/ São Paulo, que

trata da referida matéria no caso em que o recorrente portava ilegalmente arma de fogo sem

munição na cintura, tendo esse condenação anterior por crime contra o patrimônio.

Este trabalho encontra-se estruturado em três capítulos, seguidos da

conclusão. Trata-se de um estudo baseado em um caso, que se encontra afetado ao pleno do

Supremo Tribunal Federal, e em pesquisas bibliográficas e documentais.

O primeiro capítulo trará uma breve introdução sobre a evolução das leis de

armas no Brasil, finalizando com a lei vigente, o chamado Estatuto do Desarmamento.

Demonstrará o intuito do legislador ao elaborar o Estatuto do Desarmamento, algumas

classificações doutrinárias referentes aos crimes tratados nessa lei, o bem jurídico tutelado e

os principais princípios constitucionais penais que devem ser observados ao aplicar a referida

lei.

4 THUMS, Gilberto. estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários por

artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 24. 5 Ibidem, p. 24.

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O segundo irá focalizar o crime de porte ilegal de arma de fogo, seu

conceito, sua distinção com o crime de posse ilegal de arma de fogo, o porte ilegal de arma de

fogo de uso permitido e de uso restrito, as peculiaridades do crime de porte e trará ainda uma

breve introdução sobre a discussão do crime de porte ilegal de arma de fogo desmuniciada.

O terceiro capítulo relacionará o Recurso Ordinário em Habeas Corpus

81.057-8/São Paulo com o presente estudo, analisando as divergências e discussões

jurisprudenciais e doutrinárias a respeito do crime de porte ilegal de arma de fogo sem

munição, trazendo uma abordagem crítica.

Na conclusão far-se-á um breve apanhado do conteúdo desenvolvido ao

longo do texto para, ao final, tentar esclarecer a melhor maneira de utilizar-se dos argumentos

tratados ao longo dessa monografia.

Ao final, ficará demonstrada a falácia de alguns argumentos utilizados ao

tratar do assunto de porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, tentando com isso, utilizar-se

da melhor interpretação para a resolução do caso.

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1 O ESTATUTO DO DESARMAMENTO

1.1 Fatores Históricos

O Estatuto do Desarmamento é uma lei recente, mas a matéria que hoje é

tratada nele já foi o enfoque de outras leis em diferentes momentos da história, tornando-se

claro o interesse não apenas estatal, mas também social na referida matéria.

As normas jurídicas tornam-se cada vez mais rígidas com a influência dos

valores e princípios culturais que se encontram em constante evolução. Mediante essas

influências, temos um resultado de normas cada vez mais rigorosas e formais em relação à

fabricação, comercialização, uso e porte de armas 6, o Estatuto do Desarmamento foi

elaborado exatamente nesse contexto de evolução social.

No dia 22 de dezembro de 2003, foi sancionada a Lei nº 10.826, denominada o “Estatuto do Desarmamento”, sendo publicada em 23 de dezembro de 2003, entrando em vigor na data de sua publicação, dispondo com exclusividade do registro, posse, porte, comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM, além de definir crimes e dar outras providências. Tendo como regulamento desta lei o Decreto 5.123, de 1° de julho de 2004.7

Entretanto, faz-se necessário apresentar a legislação que antecede o Estatuto

do Desarmamento, visando um melhor entendimento a respeito dos anseios sociais e estatais

pela referida matéria.

Desde o Código Criminal do Império, de 1830, já se punia o uso "de armas offensivas, que forem proibidas", com pena mínima de 15 dias de prisão simples e multa correspondente à metade tempo, pena média de 1 mês e

6 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff de Souza e. Estatuto do desarmamento:

comentários e reflexões. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o estatuto do desarmamento e a ordem constitucional. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 40.

7 GOMES, Luiz Flávio; VANZOLINI, Maria Patricia. Reforma criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 402.

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pena máxima de 60 dias, além da perda das armas (artigo 297). Competia a Câmara municipal declarar quais as armas proibidas (artigo 299 e lei de 1.10.1828, artigo 71), não incorrendo nas penas cominadas para esta infração penal "Os officiaes de justiça, andando em diligencia; os militares de primeira e segunda linha e ordenanças, andando em diligencia ou em exercício (...)” e os que obtivessem licença dos juízes de paz (artigo 298).8

O Código Criminal do Império impedia que qualquer cidadão fizesse o uso

de armas ofensivas de uso proibido, trazendo, desde então, a diferenciação entre as armas de

uso proibido e as armas de uso permitido, excepcionando alguns indivíduos que ocupassem

determinados cargos públicos, sendo esses previstos em lei, que por conta da função exercida,

não incorreriam nessas penas.

Com o Código de 1890, não houve significativas modificações referentes ao

assunto, dispondo da mesma forma e tratando desses crimes também como o Código Criminal

do Império, ou seja, como contravenções penais.9

O Código de 1890, por se tratar de um código que fazia utilização de

normas penais em branco10, necessitava de constante regulamentação, com isso a efetivação

de seus artigos tornou-se inviável. A consulta dessa legislação esparsa passou a ser difícil e

não muito prática, “surgindo assim, com intuito de mitigar tal necessidade a Consolidação das

8 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff de Souza e. Estatuto do desarmamento:

comentários e reflexões. Breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o estatuto do desarmamento e a ordem constitucional. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 41.

9 Ibidem, p. 42. 10 Sobre as normas penais em branco, Rogério Greco explica: “Normas penais em branco são aquelas em que há

uma necessidade de complementação para que se possa compreender o âmbito de aplicação de seu preceito primário. Quer isto significar que, embora haja uma descrição da conduta proibida, essa descrição requer, obrigatoriamente, um complemento extraído de um outro diploma – leis, decretos, regulamentos etc – para que possam, efetivamente ser entendidos os limites da proibição ou imposição feitos pela lei penal, uma vez que, sem esse complemento, torna-se impossível a sua aplicação” (GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p. 22).

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Leis Penais, com a obra elaborada pelo Desembargador Vicente Piragibe, em 14 de dezembro

de 1932”. 11

“Posteriormente, seguindo a tradição do Império, em 3 de outubro 1941 o

Decreto-lei n° 3.688 conhecido como a Lei das Contravenções Penais, estampa em seu artigo

19 o Porte Ilegal de Armas” 12, determinando “Trazer consigo arma fora de casa ou de

dependência desta, sem licença da autoridade: pena - prisão simples de 15 (quinze) dias a 6

(seis) meses, ou multa, ou ambas cumulativamente”.

Esse artigo esclarece que a proibição do porte de arma de fogo, refere-se

tanto a trazer consigo fora de casa, como trazer consigo em residência, caracterizando assim, a

diferença que será feita posteriormente entre porte e posse de arma.

É de grande valia esclarecer que, mesmo com esse decreto, o crime de porte

ilegal de armas continuou sendo tratado como uma contravenção penal, e assim perdurou até

1997, onde não se falava em limitação do porte de arma de fogo, o porte era permitido, desde

que, com a devida licença da autoridade competente.13

Com o advento da Lei 9.437 de 1997, tipificou-se, de uma forma mais

severa, as condutas com a utilização de arma de fogo. O Estado, refletindo os valores sociais,

passou a tratar esse assunto não mais como contravenções penais, ou seja, as penas utilizadas

11 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff de Souza e. Estatuto do desarmamento:

comentários e reflexões. breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 40.

12 Ibidem, p. 42. 13 Ibidem, p. 39.

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não eram mais prisões simples e multas, e sim penas cominadas em até dois anos de

reclusão.14

A idéia do legislador era reprimir o crime de porte ilegal de arma de fogo,

pois, com o passar do tempo, tornou-se mais fácil a sua aquisição e, com isso, entendeu por

bem instituir penas mais altas com intuito de intimidar ainda mais o indivíduo.15

Em 1995, os crimes previstos na Lei 9.437/97 que tivessem pena máxima

não superior a um ano, acabaram por se tornar novamente crimes de menor potencial

ofensivo, com o advento da Lei 9.099/1995, Lei dos Juizados Especiais Estaduais, e ainda

com a Lei 10.259/2001, Lei dos Juizados Especiais Federais, estendeu-se a denominação de

crimes de menor potencial ofensivo, ampliando esses para crimes cuja pena máxima não

ultrapassasse dois anos. Com isso, estendeu-se também, por analogia, a denominação de

crimes de menor potencial ofensivo para os Juizados Especiais Estaduais, que recentemente

teve sua regulamentação definitiva com a Lei 11.313/2006, trazendo a consolidação desse

entendimento.

A Lei 9.437/97 tornou-se matéria de crimes de menor potencial ofensivo,

perdendo assim o seu objetivo, “o de reprimir as condutas tipificadas com penas mais severas,

e o de retirar desses crimes o tratamento de contravenções penais que era utilizado pelas leis

anteriores”.16

Todavia, a intenção de tratar severamente esses crimes perdurou, e com essa

veio à criação do Estatuto do Desarmamento, onde o legislador instituiu penas mais severas,

14 SILVA, Liliana Buff de Souza e; SILVA, Luiz Felipe Buff de Souza e. Estatuto do desarmamento:

comentários e reflexões. breve histórico sobre legislação de armas de fogo no Brasil, o Estatuto do Desarmamento e a ordem constitucional. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 40.

15 Ibidem, p. 41. 16 Ibidem, p. 43.

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aumentando as penas máximas para que essas não fossem julgadas como crimes de menor

potencial ofensivo nos Juizados Especiais Criminais.

Torna-se visível, com esse breve apanhado histórico, que com os diferentes

acontecimentos sociais, em um curto espaço de tempo, um crime com tratamento brando,

passou a ser tratado de uma forma mais rígida, severa e repressiva, tentando assim, com o

aumento das reprimendas, reduzir a criminalidade.

1.2 Características

1.2.1 O Bem Jurídico Tutelado

As tipificações de condutas no Direito Penal são feitas com base no bem

jurídico tutelado, e a partir delas torna-se possível distinguir um fato definido como crime,

punível pela norma, de um fato atípico, impunível, portanto:

O bem jurídico-penal, são os bens vitais da sociedade, os valores sociais e os interesses juridicamente reconhecidos do indivíduo ou da coletividade, que, em virtude de seu especial significado para a sociedade, exigem a proteção penal. Temos, assim, os bens jurídicos do indivíduo e os bens jurídicos da coletividade, considerados transindividuais.17

Sendo assim, não é qualquer bem jurídico que merece a tutela penal, apenas

aqueles mais importantes para a boa preservação das relações interpessoais. Os bens de menor

importância, embora excluídos da proteção penal, são protegidos por outros ramos de atuação

do Direito.

Podemos assim elucidar o caráter fragmentário do Direito Penal, segundo o

qual, apenas os bens jurídicos mais importantes, essenciais para a manutenção do tecido social

devem ser tutelados pelo Direito Penal, restando, para os outros casos, a aplicação dos demais

17 WESSELS, Johannes. Direito penal, parte geral. Trad. Juarez Tavarez. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris,

1976, p. 3.

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ramos do Direito, caracterizando assim um de seus princípios basilares, o da ultima ratio, ou

seja, o Princípio da Subsidiariedade. 18

As sociedades modernas, voltadas à proteção dos interesses sociais, ou seja,

os bens jurídicos coletivos, vêm exigindo cada vez mais proteção por parte do Estado no que

se refere à proteção constitucional ao direito à Segurança Pública, nesse sentido, o Legislador,

atendendo as crescentes demandas sociais, acelerou o processo de discussão e inseriu no

ordenamento jurídico pátrio “leis penais para tutela das relações de consumo, do meio

ambiente, bem como da segurança coletiva ou incolumidade pública, com vistas a coibir a

prática de crimes mais graves”. 19

Torna-se de suma importância ressaltar que o Estatuto do Desarmamento

visa à proteção de bens jurídicos coletivos, mais especificamente o de segurança coletiva ou

incolumidade pública. É o Estado e a sociedade moderna priorizando o direito da coletividade

em detrimento do direito individual.20

Pode-se entender por incolumidade pública, senão vejamos “O conjunto de

bens jurídicos e interesses correlatos de proteção penal à vida e à integridade física das

pessoas e à segurança e à saúde comuns ao público”. 21

São conceitos semelhantes, mas não idênticos, portanto é importante

ressaltar o conceito de Segurança Pública: “O afastamento por meio de organizações próprias,

18 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal I, parte geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 21. 19 THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários

por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 24. 20 Ibidem, p. 25. 21 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 423.

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de todo perigo, ou de todo mal, que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida,

liberdade, ou dos direitos de propriedade do cidadão”.22

Em ambos os conceitos o interesse é relativo à proteção aos bens jurídicos

da sociedade como um todo e não individualmente considerados. A diferença é que ao se

referir à segurança pública, é ressaltado o dever do Estado, chamado de “organização

própria”. 23

Essa proteção é conferida aos bens coletivos, como a vida, entendida na

esfera coletiva e não uma proteção individual, isso não significa que a vida da pessoa

individualmente considerada esteja desprotegida pelo Direito Penal, mas sim que esta

proteção é conferida por outra norma específica desse ramo.

Como já mencionado, o Estatuto do Desarmamento visa à proteção de bens

jurídicos coletivos de segurança ou incolumidade pública. Isso se torna mais visível ao

analisarmos o texto do Presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, sendo:

Se o Congresso Nacional é a caixa de ressonância do Brasil, natural que nessa instituição ecoem os pleitos da sociedade, a voz do povo, as demandas da opinião pública. Ao aprovar o Estatuto do Desarmamento - lei nº 10.826, de 2003 -, o poder legislativo deu resposta, pronta e enérgica, ao clamor de milhões de brasileiros contra a violência e a insegurança que desafiam o Estado e afrontam o cidadão. Ao lançar esta edição do Estatuto do Desarmamento, a Câmara dos deputados quer fazê-lo conhecido e, principalmente, respeitado, para que se cumpra o direito que todos temos à vida, à segurança e à paz. Não há dúvida de que a criminalidade se relaciona, íntima e diretamente, à posse e ao uso de armas de fogo, responsáveis, no Brasil, por cerca de 40.000 mortes a cada ano. Mais triste é saber a idade da maioria dessas pessoas: de 15 a 25 anos. Representamos apenas 2,8% da população mundial, mas já respondemos por 11% dos homicídios praticados com armas de fogo. Caso de polícia, problema que inquieta governantes e autoridades, esses números espelham, também, um drama social, a dor de milhares de famílias que vêem, de uma hora para outra, o sonho do futuro transformar-se no desespero do presente. Daí a importância do Estatuto do Desarmamento, que veio para o controle que urge estabelecer sobre armas e

22 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 740. 23 Ibidem, p. 740.

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munições, reprimindo o comércio ilegal e o contrabando, combatendo o porte ilícito, responsabilizando legalmente os comerciantes e impedindo que a arma ilegal, objeto de apreensão, volte ao mercado. Temos a certeza de que o Estatuto do Desarmamento concorrerá para significativo decréscimo na prática da violência e na impressionante estatística dos que morrem por arma de fogo. Assim ocorreu nos países que adotaram leis em favor da segurança pública e da integridade física dos seus cidadãos. Assim também será no Brasil, cujo povo quer apenas viver e trabalhar em paz, na esperança de um mundo em que prevaleçam a dignidade humana, a justiça social e o amor ao próximo.24

Esse é o texto que faz abertura ao Estatuto do Desarmamento, não deixando

dúvidas a respeito do bem jurídico que está sendo protegido, bem como seu objeto principal, a

proteção da sociedade, e seu objetivo de “desarmar a população civil e dificultar ou restringir

a circulação de armas de fogo”.25

1.2.2 Classificação dos Crimes

Analisaremos a classificação dos crimes partindo especificamente de dois

parâmetros, “o da classificação dos crimes conforme a relação causal entre ação e resultado

(crimes formais, materiais e de mera conduta) e conforme a intensidade do dano do objeto da

conduta (crimes de dano e de perigo)” 26.

1.2.2.1 Crimes Materiais, Formais e de Mera Conduta

Nos Crimes Materiais, “também chamados de Crimes de Resultado, pode-se

imaginar a ação separada do resultado, sendo possível estabelecer um vínculo entre a conduta

do agente e seu efeito fenomênico, denominado nexo causal”.27

O nexo causal estabelece justamente o vínculo lógico-cronológico entre a

conduta e o resultado, sendo este necessário para adequação do fato ao tipo penal, esse

24 CUNHA, João Paulo. Estatuto do desarmamento: lei n° 10.826, de 2003. Brasília: Câmara dos Deputados,

Coordenação de Publicações, 2004. Disponível em: <www.camara.gov.br/internet/infdoc/Publicacoes/html/pdf/Desarmamento.pdf.>. Acesso em: 18 mar 2007.

25 THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 36.

26 Ibidem, p. 36. 27 Ibidem, p. 36.

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resultado, chamado naturalístico, é requisito essencial para que se possa amoldar a conduta do

agente ao conteúdo da norma penal in concreto. 28

Portanto, o Crime Material é aquele cuja consumação só ocorre com a

produção do resultado naturalístico, independentemente do delito ter causado dano ou perigo

ao bem jurídico tutelado, não havendo a produção do resultado, o crime será simplesmente

tentado.

Os Crimes Formais, por sua vez “não exigem a necessidade de realização

daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado jurídico previsto no tipo ocorre ao mesmo

tempo em que se desenrola a conduta”. 29

Nesses crimes, o resultado naturalístico não se torna exigível, constituindo

um mero exaurimento do delito. Havendo assim “separação lógica e não cronológica entre a

conduta e o resultado”.30

Os Crimes de Mera Conduta, “ou de Simples Atividade, a lei não exige

qualquer resultado naturalístico, contentando-se com a ação ou omissão do agente” 31, e,

mesmo que ocorra tal resultado, ele não fará qualquer diferença para a consumação do ilícito

penal. 32

Nesse tipo de crime, é inadmissível a hipótese de resultado naturalístico, o

legislador apenas descreve o comportamento do agente, o tipo descreve somente uma ação,

sem mencionar qualquer resultado, de modo que a consumação se dá com a prática da ação.

28 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal I, parte geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 134. 29 TELES, Ney Moura. Direito penal, parte geral arts. 1° a 120. São Paulo: Jurídico Atlas, 2004, v. I, p. 229. 30 PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 40. 31 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Op.cit., p. 134. 32 THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários

por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 34.

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Torna-se indispensável esclarecer que nos crimes formais, a lei faz alusão a

um resultado, mas não exige para a sua consumação que ele se realize, bastando assim a

conduta do agente descrita na lei, em contrapartida nos crimes de mera conduta a lei não faz

alusão há nenhum resultado, não havendo resultado natural da conduta do agente, sendo esse

uma mera atividade de comportamento. Com isso, alguns doutrinadores ao fazer a

classificação dos crimes não mencionam os crimes formais, incluindo esses dentro dos crimes

de mera conduta.33

1.2.2.2 Crimes de Dano

Nos Crimes de Dano é necessário que haja uma lesão efetiva ao bem

jurídico tutelado, não bastando ter o risco de lesão ou uma provável intenção de lesionar, a

lesão deve realmente ocorrer no mundo factual. 34

1.2.2.3 Crimes de Perigo

Nos Crimes de Perigo, “o delito consuma-se com o simples perigo criado

para o bem jurídico” 35. Aqui não temos uma lesão efetiva ao bem jurídico, temos apenas uma

situação que põe em risco o bem juridicamente tutelado.

Tradicionalmente os Crimes de Perigo podem ser classificados em:

1.2.2.3.1 Crimes de Perigo Concreto

Nos Crimes de Perigo Concreto, vale ressaltar o entendimento de Gilberto

Thums:

Considera-se crime de perigo concreto a conduta do agente gera uma possibilidade efetiva de perigo para o bem jurídico protegido. A ocorrência do perigo é elementar do tipo, não basta à hipótese remota de perigo, mas a

33 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal I, parte geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 134. 34 Ibidem, p. 134. 35 Ibidem, p. 134.

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comprovação de que a conduta do agente colocou efetivamente em perigo o bem objeto de proteção.36

Sobre os Crimes de Perigo Concreto, Fernando Capez ressalta “o Perigo

Concreto deflui de dada situação objetiva em que o comportamento humano gerou uma

possibilidade concreta de destruição do bem jurídico tutelado, até então não existente”.37

Nesses crimes, a conduta do indivíduo expõe realmente ao risco o bem

jurídico tutelado, não bastando assim à simples potencialidade lesiva da ação.

1.2.2.3.2 Crimes de Perigo Abstrato ou Presumido

Diversa é a hipótese do Crime de Perigo Abstrato ou Presumido, onde a

suposição legal é a de que certas condutas põem em risco o bem jurídico tutelado não se

exigindo um perigo efetivo para configurar os elementos do tipo penal. 38

Para Johannes Wessels “a perigosidade da ação não é aqui elemento do tipo,

mas somente o fundamento para a existência da disposição legal” 39. Há presunção do tipo

penal, tornando-se prescindível a real comprovação da exposição ao perigo do bem jurídico

tutelado.40

Como abordado anteriormente, vimos que o Estatuto do Desarmamento

tipifica os crimes com base na incolumidade pública, que é o bem jurídico por ele tutelado.

Nesses crimes não temos um dano efetivo ao bem jurídico tutelado, temos uma situação de

36 THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários

por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 34. 37 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à lei 10.826, de 22-12-2003. São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 44. 38 THUMS, Gilberto. Op.cit., p. 35. 39 WESSELS, Johannes. Direito penal, parte geral. Trad. Juarez Tavarez. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris,

1976, p. 9. 40 THUMS, Gilberto. Op.cit., p. 35.

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perigo (concreto ou abstrato), sendo assim, “o delito consuma-se com o simples perigo criado

ao bem jurídico”. 41

1.2.3 Princípios Constitucionais Penais

Os Princípios Constitucionais Penais visam ser garantias mínimas, segundo

as quais pousa a estruturação do Sistema Penal de um país que objetiva proteger os direitos

individuais e sociais básicos para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Tais

princípios funcionam como orientação para o Legislador adotar um sistema penal de controle,

condicionar, limitar e vincular o poder punitivo estatal e também como uma plataforma

mínima para a elaboração de um Direito Penal.

A Constituição, como marco fundante de todo ordenamento jurídico, irradia sua força normativa para todos os setores do Direito. Todavia, tem ela particular e definitiva influência na seara penal. Isso porque cabe ao Direito Penal, como já visto, a proteção de bens e valores essenciais à livre convivência e ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, insculpidos na Lei Fundamental, em determinada época e espaço territorial. A relação entre a Constituição e o subsistema penal é tão estreita que o bem jurídico-penal tem naquela suas raízes materiais.42

Sendo o Estatuto do Desarmamento uma lei que tipifica crimes cujo bem

jurídico tutelado é a incolumidade pública, torna-se importante destacar alguns Princípios

Constitucionais Penais que devem ser freqüentemente observados ao aplicar a referida lei, não

desmerecendo a importância dos demais princípios que não serão aqui abordados, muito

menos excluindo esses da aplicação da Lei Penal.

1.2.3.1 Princípio da Proporcionalidade

O Princípio da Proporcionalidade, conhecido também por Princípio da

Proibição do Excesso é um princípio constitucional penal implícito, ou seja, não se encontra

41 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal I, parte geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 134. 42 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,

v. I, p. 38.

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expressamente no texto constitucional, esse encontra uma recepção implícita no texto da

constituição.43

O Princípio da Proporcionalidade, exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo, gravidade do fato, e o bem de que possa alguém ser privado, gravidade da pena. Toda vez que nessa relação houver um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em conseqüência, uma inaceitável desproporção.44

Sendo assim, o Princípio da Proporcionalidade estabelece uma relação direta

com a gravidade da conduta cometida e o quantum da pena, essa relação não pode ser

desproporcional, não podendo um crime de menor gravidade ter uma pena exorbitante, nem

mesmo um delito grave ter uma pena branda.

1.2.3.2 Princípio da Ofensividade ou da Lesividade

O Princípio da Ofensividade (nullum crimen sine injuria) ou da Lesividade,

também se trata de um Princípio Constitucional Penal implícito, ou seja, não se encontrando

de forma escrita na Constituição Federal.

Vale elucidar o conceito trazido por E. Raúl Zaffaroni em relação ao

Princípio da Ofensividade que “[...] nenhum direito pode legitimar uma intervenção punitiva

quando não medeie, pelo menos, um conflito jurídico, entendido como a afetação de um bem

jurídico total ou parcialmente alheio, individual ou coletivo”. 45

Desse modo, limita-se ainda mais a esfera de atuação do Direito Penal,

esclarecendo que onde não existe comportamento lesivo ao bem jurídico tutelado não existe

crime.

43 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,

v. I, p. 122. 44 Ibidem, p. 122. 45 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penal

brasileiro: teoria geral do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2003, v. 1, p. 226.

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Assim corrobora Luiz Flávio Gomes:

O Princípio da Ofensividade está encartado na idéia de ‘lesividade’, e pode ser expresso, sinteticamente, pela idéia de que não só existe delito sem lesão, ou perigo de lesão, ao bem jurídico protegido, senão também que, em casos de lesão escassa ou potencialidade lesiva ínfima, não se justifica a intervenção penal. Tal princípio vem ganhando protagonismo nos últimos anos e é um dos fundamentos do direito penal moderno.46

Portanto, mesmo tendo uma lesão ao bem jurídico tutelado, mas essa sendo

mínima, não se justifica a intervenção do Direito Penal.

Desde sua promulgação, o Estatuto do Desarmamento vem sofrendo

diversas críticas, e com isso diversas discussões doutrinárias são abertas, deixando assim, para

a jurisprudência, determinadas decisões cujo enfoque são os chamados casos polêmicos.

Com essa breve abordagem a respeito do Estatuto do Desarmamento, torna-

se mais fácil compreender o seu objeto e o seu objetivo, e a partir dessa base iniciaremos

nosso estudo sobre o porte ilegal de arma de fogo, crime esse que está tipificado no referido

estatuto.

46 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da ofensividade no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,

p. 28.

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2 O PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO

2.1 A Diferença entre Porte e Posse Ilegal de Arma de fogo

No Estatuto do Desarmamento como pode ser observado, não se pune

somente o porte, mas também a posse ilegal de arma de fogo.

Para configurar a posse ou manutenção da arma de fogo, acessório ou

munição, podemos observar:

Para ser caracterizada a posse de arma de fogo, essa deve se dar no interior da residência do sujeito ativo, ou dependência dessa, ou ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou responsável legal do estabelecimento ou empresa. Afora esses locais, estará configurado o crime de porte ilegal de arma de fogo.47

Sendo assim, a posse nada mais é do que o indivíduo encontrar-se com a

arma em sua casa, ou em seu estabelecimento de trabalho, sendo esse o dono ou responsável

pelo local de trabalho.

Destaca-se que, a posse de arma de fogo é irrestrita, podendo sua licença ser

deferida para qualquer cidadão que preencha os requisitos previstos no Estatuto do

Desarmamento.

Já o conceito de porte ilegal de arma de fogo:

Trazer a arma junto ao corpo sem a correspondente licença da autoridade. O porte somente é necessário para circular com a arma fora da residência do proprietário ou de seu local de trabalho se for dono da empresa. Também é conhecido como porte ‘extramuros’. A princípio, o porte comum só é cabível para armas de porte – revólver, pistola, garrucha – não existe porte para

47 ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões. Previsão legal dos

crimes e penas cominadas. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 222.

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espingarda. No caso de armas que não são de porte, embora portáteis (espingarda, metralhadora, fuzil), a legislação prevê porte de trânsito. 48

No Estatuto do Desarmamento as condutas de posse e porte ilegal de arma

de fogo tornaram-se bem delimitadas. Não deixando assim, margem para dúvidas.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça julgou um caso em que havia

dúvidas em relação à tipificação do crime. No caso, havia confusão relativa aos prazos a que

se referem os artigos de posse, prazos esses para o cadastramento da arma e licenciamento

desta. Mas como não se configurou posse, e sim, porte ilegal de arma de fogo, não haveria

prazo para tal, senão vejamos:

STJ, 5ª Turma Criminal, HC n.° 64312/SP. Não se pode confundir posse irregular de arma de fogo com o porte ilegal de arma de fogo. Com o advento do Estatuto do Desarmamento, tais condutas restaram bem delineadas. A posse consiste em manter no interior de residência (ou dependência desta) ou no local de trabalho a arma de fogo. O porte, por sua vez, pressupõe que a arma de fogo esteja fora da residência ou local de trabalho. Os prazos a que se referem os artigos 30, 31 e 32, da Lei n° 10.826/2003, só beneficiam os possuidores de arma de fogo, i. e., quem a possui em sua residência ou emprego (v.g., art. 12, da Lei n° 10.826/2003). Dessa maneira, até que finde tal prazo, ninguém poderá ser preso ou processado por possuir (em casa ou no trabalho) uma arma de fogo. In casu, a conduta atribuída ao paciente foi a de portar arma de fogo de uso restrito (art. 16, inciso IV, da lei n° 10.826/2003). Logo, não se enquadra nas hipóteses excepcionais dos artigos 30, 31 e 32 do Estatuto do Desarmamento, que se referem aos casos de posse de arma de fogo. Relator: Felix Fischer. Brasília, DF, 26 fev. 2007, p. 625.

O Habeas Corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido de liminar,

no caso, foi denegado, pois se tratava de caso de porte e não de posse ilegal de arma de fogo,

não podendo assim, fazer a utilização dos prazos previstos para a posse.

48 THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários

por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 104.

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2.2 O Porte Ilegal de Arma de Fogo e suas Peculiaridades

Encontra-se previsto no Estatuto do Desarmamento, o porte ilegal de arma

de fogo em seus artigos 14 e 16. O artigo 14 trata do porte ilegal de arma de fogo de uso

permitido, já o artigo 16 do porte ilegal de arma de fogo de uso restrito.

Os referidos artigos fazem a utilização de tipos mistos alternativos, ou seja,

em seu conteúdo temos a tipificação de várias condutas, onde ocorrerá um único delito

mesmo que o agente pratique mais de um comportamento descrito no tipo. Todavia, se o

agente cometer várias condutas descritas no mesmo tipo, mas dessas não for vislumbrado

nexo causal e as condutas forem tidas como autônomas, esse responderá pelas condutas

separadamente, não se falando aqui em absorção de uma conduta pela outra.49

Visando a proteção dos bens jurídicos coletivos, ressalta-se que o crime de

porte ilegal de arma de fogo, tem como objetividade jurídica “a proteção da incolumidade

pública, representada pela segurança coletiva”, podendo ter qualquer pessoa como sujeito

ativo, sendo essa pessoa capaz para cometimento de crime, e a coletividade, sujeito passivo,

como titular do bem jurídico protegido.50

A arma de fogo é o objeto material do crime de porte ilegal de arma de fogo,

sendo sua tipificação uma norma penal em branco, pois necessita de regulamentação relativa

tanto ao conceito de arma, quanto a determinadas classificações técnicas, como a de armas de

uso restrito e armas de uso permitido.51

49 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à lei 10.826, de 22-12-2003. São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 90. 50 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões. Previsão legal dos

crimes e penas cominadas. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 225. 51 Ibidem, p. 227.

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Sua consumação ocorre quando é praticada a conduta descrita no tipo penal,

a tentativa não é admissível, pois o crime é de perigo.

Podemos encontrar algumas divergências no que tange ao assunto da

autonomia do crime de porte ilegal de arma de fogo. Em regra, esse crime não seria absorvido

por outra figura típica praticada em concurso, por ser crime autônomo, mas não é o que vem

entendendo a jurisprudência majoritária, que com base no Princípio da Consunção, onde o

crime meio é absorvido pelo crime fim, utiliza-se a não aplicação do crime que foi apenas um

meio para realmente se chegar ao cometimento do crime que era pretendido pelo agente.52

Corrobora este entendimento o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e

Territórios, em caso que julgou com base no Princípio da Consunção a impossibilidade de

tipificar o delito que foi apenas meio para o cometimento do crime realmente desejado, a

saber:

TJDFT, 2ª Turma Criminal, APR n.° 20000710022693/DF. O crime de roubo qualificado pelo uso de arma de fogo, de maior potencialidade, absorve o crime de porte ilegal de arma, por tratar-se de crime progressivo, afastando o concurso material de crimes; se as circunstâncias não são totalmente desfavoráveis ao agente, não se justifica na fixação da pena-base maior distanciamento do mínimo legal, por conta de duas anotações constantes na folha penal. Relator: Joazil M Gardes. Brasília, DF, 09 maio, 2001, p. 54.

O Tribunal decidiu que o referido caso se tratava de um crime progressivo,

pois o roubo conteve outro crime, o porte ilegal de arma de fogo, que teve que ser cometido

para que o resultado do crime de roubo fosse alcançado.

52 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Estatuto do desarmamento: comentários e reflexões. Previsão legal dos

crimes e penas cominadas. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2004, p. 228.

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Assim sendo, não haveria necessidade de punir o indivíduo por dois crimes,

tendo esse cometido apenas uma conduta, sendo que a conduta de porte ilegal de arma de

fogo, por ser uma conduta meio para cometimento de determinados crimes ficaria absorvida

no referido caso, enaltecendo aqui outro princípio, o Princípio do non bis in idem, ou seja, um

indivíduo não pode responder duas vezes pelo mesmo crime.53

E válido salientar que se o agente ao cometer o crime de porte de arma de

fogo, estiver portando duas armas, não incorrerá em dois crimes, o que poderá ocorrer é por

ser mais de uma arma, ser essa utilizada como prejudicial no momento da “dosagem da

pena.”54

O Estatuto do Desarmamento tipificou tanto a conduta de porte como a de

transporte ilegal de arma de fogo, isso porque com a Lei n° 9.437/97, não se falava em

transporte, tornando-se assim alvo de grandes discussões.55

O porte como já dito, caracteriza a conduta de “trazer consigo a arma, sem

autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, não se exige nesse

caso o contato direto do agente com o objeto, apenas que o objeto esteja apto para ser usado

imediatamente, em contrapartida o transporte “implica a condução da arma de um local para o

outro, revelando apenas a intenção de mudar o objeto material de lugar”, nesse caso a arma

somente é levada como objeto inidôneo, não sendo possível sua utilização durante o trajeto.56

53 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à lei 10.826, de 22-12-2003. São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 92. 54 Ibidem, p. 92. 55 Ibidem, p. 93. 56 Ibidem, p. 94.

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Tanto o porte como o transporte ilegal de arma de fogo são apenados

igualmente, caracterizando condutas dos mesmos artigos.

2.3 O Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Permitido e de Uso Restrito

O Estatuto do Desarmamento em seu texto é composto por normas penais

em branco, ou seja, normas que necessitam de regulamentação de atos advindos do Poder

Público. Essas normas trazem conceitos e identificam definições legais de determinadas

matérias, no caso do Estatuto, explica e define determinados conceitos relativos à arma de

fogo, munição, acessório, explosivo, arma de uso permitido, de uso proibido entre outros. 57

O Decreto n° 3.665/2000 trata da nova redação do Regulamento para a

Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), do Ministério do Exército, trazendo em seu

texto as seguintes definições:

Arma de fogo: é um engenho que arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela combustão de um propelente confinado em uma câmara que, normalmente, está solidária a um cano que tem a função de propiciar continuidade à combustão do propelente, além de direção e estabilidade ao projétil.58

Arma de uso permitido: arma cuja utilização é permitida a pessoas físicas em geral, bem como as pessoas jurídicas, de acordo com a legislação normativa do Exército.59

Arma de uso restrito: é considerada a arma que só pode ser utilizada pelas Forças Armadas, por algumas instituições de segurança,e por pessoas físicas e jurídicas habilitadas, devidamente autorizadas pelo Exército, de acordo com legislação específica.60 –Os grifos não são do original.

57 THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários

por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 56. 58 Inc. XIII, art. 3°, Decreto n° 3.665. 59 Inc. XVII, art. 3°, Decreto n° 3.665. 60 Inc. XVIII, art. 3°, Decreto n° 3.665.

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Na definição de armas de fogo de uso permitido, podemos encontrar as

armas de calibres baixos e reduzido potencial de fogo, tal como consta no artigo 17 do

Decreto n 3.665/2000 apresenta a referida lista.61

Já na definição de armas de fogo de uso restrito incluem-se as armas de

calibres maiores e expressivo potencial lesivo. O artigo 16 do Decreto n 3.665/2000 apresenta

a lista.62

61 Art. 17. São de uso permitido:

I - armas de fogo curtas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .22 LR, .25 Auto, .32 Auto, .32 S&W, .38 SPL e .380 Auto; II - armas de fogo longas raiadas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .22 LR, .32-20, .38-40 e .44-40; III - armas de fogo de alma lisa, de repetição ou semi-automáticas, calibre doze ou inferior, com comprimento de cano igual ou maior do que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros; as de menor calibre, com qualquer comprimento de cano, e suas munições de uso permitido; IV - armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, com calibre igual ou inferior a seis milímetros e suas munições de uso permitido; V - armas que tenham por finalidade dar partida em competições desportivas, que utilizem cartuchos contendo exclusivamente pólvora; VI - armas para uso industrial ou que utilizem projéteis anestésicos para uso veterinário; VII - dispositivos óticos de pontaria com aumento menor que seis vezes e diâmetro da objetiva menor que trinta e seis milímetros; VIII - cartuchos vazios, semi-carregados ou carregados a chumbo granulado, conhecidos como "cartuchos de caça", destinados a armas de fogo de alma lisa de calibre permitido; IX - blindagens balísticas para munições de uso permitido; X - equipamentos de proteção balística contra armas de fogo de porte de uso permitido, tais como coletes, escudos, capacetes, etc; e XI - veículo de passeio blindado.

62 Art. 16. São de uso restrito: I - armas, munições, acessórios e equipamentos iguais ou que possuam alguma característica no que diz respeito aos empregos tático, estratégico e técnico do material bélico usado pelas Forças Armadas nacionais; II - armas, munições, acessórios e equipamentos que, não sendo iguais ou similares ao material bélico usado pelas Forças Armadas nacionais, possuam características que só as tornem aptas para emprego militar ou policial; III - armas de fogo curtas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a (trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .357 Magnum, 9 Luger, .38 Super Auto, .40 S&W, .44 SPL, .44 Magnum, .45 Colt e .45 Auto; IV - armas de fogo longas raiadas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, .22-250, .223 Remington, .243 Winchester, .270 Winchester, 7 Mauser, .30-06, .308 Winchester, 7,62 x 39, .357 Magnum, .375 Winchester e .44 Magnum; V - armas de fogo automáticas de qualquer calibre; VI - armas de fogo de alma lisa de calibre doze ou maior com comprimento de cano menor que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros; VII - armas de fogo de alma lisa de calibre superior ao doze e suas munições; VIII - armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, com calibre superior a seis milímetros, que disparem projéteis de qualquer natureza;

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2.4 O Porte Ilegal de Arma de Fogo Desmuniciada

O tema é relevante e comporta discussão em separado, na medida em que o

caso se encontra afetado ao pleno do STF (Supremo Tribunal Federal). Essa questão teve

início com o Recurso Ordinário em Habeas Corpus 81.057/SP.

Antes de ser afetada ao pleno, a referida matéria consolidou-se entendimento, tanto na doutrina, quanto nos tribunais estaduais e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), de que a ausência de munição junto à arma não tornava atípica a conduta, porque os crimes da lei de armas são de mera conduta, ou de perigo abstrato ou ainda, de perigo presumido.63

Com isso, outros mandamus foram impetrados e a matéria encontra-se

afetada ao pleno do STF.

Podemos destacar o breve histórico feito pelo Procurador de Justiça de

Goiás Edison Miguel da Silva Júnior, em seu artigo:

A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no RHC 81057, decidiu que: "No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual

IX - armas de fogo dissimuladas, conceituadas como tais os dispositivos com aparência de objetos inofensivos, mas que escondem uma arma, tais como bengalas-pistola, canetas-revólver e semelhantes; X - arma a ar comprimido, simulacro do Fz 7,62mm, M964, FAL; XI - armas e dispositivos que lancem agentes de guerra química ou gás agressivo e suas munições; XII - dispositivos que constituam acessórios de armas e que tenham por objetivo dificultar a localização da arma, como os silenciadores de tiro, os quebra-chamas e outros, que servem para amortecer o estampido ou a chama do tiro e também os que modificam as condições de emprego, tais como os bocais lança-granadas e outros; XIII - munições ou dispositivos com efeitos pirotécnicos, ou dispositivos similares capazes de provocar incêndios ou explosões; XIV - munições com projéteis que contenham elementos químicos agressivos, cujos efeitos sobre a pessoa atingida sejam de aumentar consideravelmente os danos, tais como projéteis explosivos ou venenosos; XV - espadas e espadins utilizados pelas Forças Armadas e Forças Auxiliares; XVI - equipamentos para visão noturna, tais como óculos, periscópios, lunetas, etc; XVII - dispositivos ópticos de pontaria com aumento igual ou maior que seis vezes ou diâmetro da objetiva igual ou maior que trinta e seis milímetros; XVIII - dispositivos de pontaria que empregam luz ou outro meio de marcar o alvo; XIX - blindagens balísticas para munições de uso restrito; XX - equipamentos de proteção balística contra armas de fogo portáteis de uso restrito, tais como coletes, escudos, capacetes, etc; e XXI - veículos blindados de emprego civil ou militar.

63 THUMS, Gilberto. estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 37.

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disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal – isto é, como artefato idôneo a produzir disparo – e, por isso, não se realiza a figura típica." Recentemente, na sessão plenária do dia 05/10/05, a questão voltou a ser objeto de acalorada discussão no julgamento do HC 85240 que: "Após o voto do Senhor Ministro Carlos Britto (Relator), que indeferia a ordem, e do voto do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence, deferindo-a, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Carlos Velloso. ‘Os argumentos em confronto são os mesmos de antes do Estatuto do Desarmamento: (a) – Arma de fogo desmuniciada e sem possibilidade imediata de municiamento não é artefato idôneo para realizar figura típica que tenha tal elementar. Por exemplo, não é causa de aumento no roubo com arma de fogo, como também seu porte ilegal é fato atípico. (b) – Arma de fogo desmuniciada é arma de fogo e realiza o tipo, pois intimida e perturba a tranqüilidade pública. É causa de aumento no roubo e seu porte ilegal é fato típico. O argumento que identifica a arma de fogo desmuniciada e sem possibilidade imediata de municiamento como artefato inidôneo a produzir disparo –‘e, por isso, não se realiza a figura típica’ –, está de acordo com o princípio constitucional da ofensividade, conforme consta na ementa do RHC 81057: ‘Para a teoria moderna – que dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso – o cuidar-se de crime de mera conduta – no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação – não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato.’ 64

É com base nesses argumentos que se inicia a discussão da referida matéria

objeto dessa monografia.

64 SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Arma de fogo desmuniciada no estatuto dodesarmamento. São Paulo:

Boletim n° 157, IBCCRIM, 2005. Disponível em:<http://www.juspuniendi.net/01/01-0020.htm>. Acesso em: 07abr 2007.

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3 ANÁLISE DO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 81.057-8 SÃO PAULO (RHC)

3.1 Relato do Caso

Trata-se de imputação criminal feita a indivíduo que portava arma de fogo

na cintura, no entanto, a arma encontrava-se sem munição. O indivíduo no qual se tem o fato

imputado já havia sido condenado, anteriormente, por crime contra o patrimônio65, sendo

válido salientar brevemente o caso relatado pela Ministra Ellen Gracie:

Conforme consta dos autos, o paciente foi flagrado portando um revólver marca Taurus, calibre 32, sem possuir licença para tanto. Portava a arma na cintura e foi flagrado transitando com ela em local público. Encontrava-se foragido da Justiça diante de condenação anterior por crime de roubo.66

Nesse sentido, a conduta do agente encaixou-se no art. 10, da Lei 9.437, em

que é proibido o porte de arma de fogo, sendo essa lei revogada pelo Estatuto do

Desarmamento, que trata igualmente desse crime em seus artigos, tendo como única mudança

a majoração da pena.67

A título de sentença, o acusado teve sua condenação, não importando para

essa o fato da arma encontrar-se sem munição68, aduzindo no seguinte sentido: “[...] uma

arma, ainda que não municiada, oferece potencial lesivo ao convívio social e é este convívio

que o legislador busca tutelar. Uma arma tem força intimidativa, pois a vítima, não sabe se em

seu tambor há munição ou não”.69

65 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília,

DF, 29 abril. 2005. 66 Ibidem.. 67 Ibidem. 68 Ibidem. 69 Ibidem.

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Nesse mesmo eixo, foi entendido o acórdão proferido pelo Tribunal de

Justiça de São Paulo confirmando a condenação do acusado.70

Impetrou-se então Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça contra o

referido acórdão, e com base na falta de justa causa, denegou-se o mesmo.71

A denegação do Habeas Corpus feito pela quinta turma do STJ deu origem

ao recurso que fará parte deste trabalho, o RHC 81.057-8 de São Paulo72, senão vejamos:

STJ, 5ª Turma Criminal, HC n.° 14747/SP. A circunstância de estar a arma desmuniciada não exclui a tipicidade do delito de porte ilegal de arma de fogo, previsto no artigo 10 da Lei n° 9.437/97, pois entende-se como suficiente para sua configuração tão-somente o porte do armamento sem a devida autorização da autoridade competente. Relator: Gilson Dipp. Brasília, DF, 19 março. 2001, p. 127.

E ainda, assinala o Ministro Gilson Dipp no referido julgado:

Nos termos do r. artigo de lei, no qual incurso o ora paciente, entende-se como suficiente para a configuração do delito, tão-somente o porte de arma de fogo sem autorização da autoridade competente. Assim, a circunstância de a arma estar desmuniciada não pode excluir a tipicidade, sob o singelo argumento de que não acarretaria lesão a qualquer bem jurídico, como sustentado pela impetração. Como bem ressaltado em sede de parecer ministerial, o porte ilegal de arma de fogo coloca em risco toda a paz social, bem jurídico a ser protegido pelo artigo de lei ora em comento, não sendo escusável pelo fato de a arma estar desmuniciada, porque, mesmo assim, ela oferece potencial poder de lesão. 73 (grifo do original)

Em contraposição, o recorrente alega que o paciente portava arma de fogo,

mas essa por estar desmuniciada seria incapaz de gerar dano ou risco a outrem, sendo assim,

70 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília,

DF, 29 abril. 2005. 71 Ibidem. 72 Ibidem. 73 Ibidem.

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não estaria ferindo o bem jurídico tutelado pela referida norma, ou seja, a incolumidade

pública.74

Com intuito de embasar seu recurso, o recorrente citou entendimento do

STJ, sendo:

STJ, 6ª Turma Criminal, Resp n.° 34322/RS. A infração penal não é só conduta. Impõe-se, ainda, resultado no sentido normativo do termo, ou seja, dano ou perigo ao bem juridicamente tutelado. A doutrina vem reiterada e insistentemente renegando os delitos de perigo abstrato. Com efeito, não faz sentido, punir pela simples ação, se ela não trouxer, pelo menos, probabilidade (não possibilidade) de risco ao objeto jurídico. Relator: Luiz Vicente Cernicchiaro. Brasília, DF, 02 agosto. 1993, p. 14295.

Com isso, impetra-se Recurso Ordinário em Habeas Corpus, com base na

inexistência de crime por se tratar de arma sem munição.75

A respeito do referido recurso, torna-se imprescindível o parecer do

Ministério Público Federal, esse de lavra do Subprocurador Geral da República Dr. Raimundo

Francisco Ribeiro de Bônis, em que se manifestou contrário ao recurso:

No caso em epígrafe, se mostra irrepreensível a fundamentação esposada pelo v. acórdão fustigado quando julgou improcedente a alegada atipicidade da conduta do Paciente em razão de estar munido de arma, cujo porte é ilegal, desmuniciada, sob o entendimento de que esta circunstância não exclui a tipicidade do delito de porte ilegal de arma, previsto no artigo 10, da Lei 9.437/97, sendo suficiente para a configuração do delito tão-somente o porte do armamento sem a devida autorização da autoridade competente. Na espécie, poder-se-ia invocar, inclusive, a aplicação analógica permitida pelo artigo 3°, do Código de Processo Penal. Assemelha-se o caso sub judice à hipótese em que considera tipificado o crime de roubo qualificado pela utilização de arma de brinquedo, sendo que tal arma é capaz de atingir o fim de intimidação da vítima, causando-lhe constrangimento e ameaça, sendo suficiente portanto, para levá-la à entrega de bem móvel ao infrator.76 (grifo do original)

74 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília,

DF, 29 abril. 2005. 75 Ibidem. 76 Ibidem.

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Com alguns posicionamentos demonstrados, dá-se início ao referido

recurso, que após ter sido julgado pelo Supremo Tribunal Federal em decisão de primeira

turma, encontra-se com matéria afetada ao pleno do STF após impetração de outros recursos

versando sobre a mesma matéria.

É com base no referido caso que iniciaremos nosso estudo, que consistirá na

análise de posições jurisprudenciais e doutrinárias referentes à matéria.

3.2 Do Mérito

3.2.1 Aspectos Doutrinários e Jurisprudenciais

A matéria em questão se refere à atipicidade da conduta no que tange ao

porte de arma desmuniciada. O Estatuto do Desarmamento em suas tipificações trata do

referido crime, mas é silente em relação à presença da munição na arma.77

Uma parte da doutrina e jurisprudência vem entendendo que para se

caracterizar o crime de porte ilegal de arma de fogo, não há necessidade de comprovação de

potencialidade lesiva do objeto, no caso a arma, pois o simples fato de estar portando a arma,

mesmo essa sem munição, ou seja, inapta a produção de seus efeitos, já caracterizaria o tipo

penal.78

Nesse entendimento, é ressaltado que ao serem tipificadas as condutas

referidas no Estatuto do Desarmamento, o legislador utilizou-se de técnicas preventivas, onde

77 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília,

DF, 29 abril. 2005. 78 Ibidem.

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não se exigiu o perigo efetivo ao bem jurídico tutelado, que no caso como já foi tratado nesse

trabalho, seria a incolumidade pública.79

Sendo assim, seria exigido um perigo abstrato, que consiste apenas na

prática da conduta descrita no tipo, não sendo necessário que essa conduta tenha colocado em

perigo efetivo o bem jurídico tutelado.80

Ao conceituarmos esse tipo de classificação de crimes, entraríamos também

no conceito de crimes de mera conduta, também já mencionado no corpo deste trabalho.

Com base ainda nesse entendimento, é discutido o poder de intimidação que

uma arma mesmo que sem munição possa causar para prática de outros crimes.81

Em sentido contrário a doutrina e jurisprudência majoritária, com

fundamento na Teoria Moderna do Direito Penal que vem tomando força nos últimos tempos,

ressalta que sem a demonstração do perigo concreto, efetivo, ao bem jurídico tutelado, não se

pode ter o crime de porte ilegal de arma de fogo, pois o mero fato de portar a arma inidônea a

disparar não caracterizaria o crime.82

Esse entendimento utiliza-se também de vários princípios como o Princípio

da Subsidiariedade do Direito Penal, o da Necessidade de Incriminação e o da Lesividade do

Fato Criminoso. Onde, não há necessidade de fazer a utilização do Direito Penal, pois esse é

79 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília,

DF, 29 abril. 2005. 80 Ibidem. 81 Ibidem. 82 Ibidem.

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um meio muito gravoso para se punir condutas que não colocam em risco efetivo o bem

jurídico protegido pela norma penal.83

Nessa linha, encontra-se ainda grande referência a dois momentos relativos

ao fato de portar arma de fogo, traduzidos pelo Princípio da Disponibilidade, onde se observa

em um primeiro momento a possibilidade de utilização da arma ou da possibilidade de se ter a

disposição instrumentos que possam tornar a arma apta a ser utilizada, e um segundo

momento em que não se encontra objetos materiais que possam ser usados imediatamente

para tornar a arma apta.84

Nesse primeiro momento, entende-se que teríamos a conduta típica, pois a

potencialidade lesiva da arma mesmo que primeiro esteja sem munição, logo em seguida,

encontram-se meios para ser utilizada.85

Entretanto, no segundo momento por não se ter a possibilidade de utilização

da arma, ou por encontrar-se essa sem munição, ou até mesmo por essa encontrar-se

inacessível de imediato, estaríamos diante de um caso de atipicidade da conduta.86

É com esse debate que são expostos argumentos totalmente válidos e fortes,

tornando-se ainda mais visível a grande divergência em torno da matéria.

83 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília,

DF, 29 abril. 2005. 84 Ibidem. 85 Ibidem. 86 Ibidem.

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3.2.2 Votos dos Ministros do STF

3.2.2.1 Ministra Ellen Gracie

Relatora originária do caso, a Ministra fundamentou seu voto no sentido de

tipificação da conduta de porte ilegal de arma de fogo, mesmo no caso em que essa arma

encontre-se desmuniciada87, como podemos observar:

O fato de estar desmuniciado o revólver não o desqualifica como arma, tendo em vista que a ofensividade de uma arma de fogo não está apenas na sua capacidade de disparar projéteis, causando ferimentos graves ou morte, mas também, na grande maioria dos casos, no seu potencial de intimidação.88

Utilizando-se do fundamento da intimidação, corrobora a Ministra que ao

analisar a conduta descrita no crime de porte, deve ser observado o grande poder que uma

arma, mesmo que desmuniciada teria, e os futuros crimes que o indivíduo poderia cometer

com o referido objeto, que mesmo inapto a utilização já serviria como meio de coagir a

suposta vítima.89

Nesse sentido, reforça que além do grande poder de intimidação que uma

arma mesmo sem munição exerce, estaríamos diante de um crime de mera conduta, onde a

intenção do legislador era punir tão somente a conduta do agente, não se importando com o

resultado desse comportamento.90

Ao tratar do crime de porte ilegal de arma de fogo, salienta a Ministra que a

intenção legislativa seria a de punir um crime que colocaria um perigo ao bem jurídico

87 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília,

DF, 29 abril. 2005. 88 Ibidem. 89 Ibidem. 90 Ibidem.

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tutelado, mas esse seria um perigo abstrato, uma possibilidade de perigo, e ao ser verificado

esse tipo de comportamento ele por si só já seria punido.91

Corrobora nesse entendimento, Fernando Capez, em que “nos casos de

perigo abstrato, não tendo a lei exigido a efetiva exposição de outrem a risco, torna-se

irrelevante a avaliação subseqüente sobre a ocorrência de perigo à coletividade” 92, citado

para embasar o voto da Ministra:

Nos crimes de perigo abstrato, a opção política do Poder Legislativo em considerar o fato, formal e materialmente, típico independentemente de alguém, no caso concreto, vir a sofrer perigo real, não acoima a lei definidora de atentatória à dignidade da pessoa humana. Ao contrário. Revela, por parte do legislador, disposição ainda maior de tutelar o bem jurídico, reprimindo a conduta violadora desde o nascedouro, procurando não lhe dar qualquer chance de desdobramento progressivo capaz de convertê-la em posterior perigo concreto e, depois, em dano efetivo. Trata-se de legítima opção política de resguardar, de modo mais abrangente e eficaz, a vida, a integridade corporal e a dignidade das pessoas, ameaçadas com a mera conduta de sair de casa ilegalmente armado. Realizando a conduta descrita no tipo, o autor já estará colocando a incolumidade pública em risco, pois protegê-la foi o desejo manifestado pela lei. Negar vigência ao dispositivo nos casos em que não se demonstra perigo real, sob o argumento de que atentaria contra a dignidade da pessoa humana, implica reduzir o âmbito protetor do dispositivo, com base em justificativas no mínimo discutíveis. Diminuindo a proteção às potenciais vítimas de ofensas mais graves, produzidas mediante o emprego de armas de fogo, deixando-as a descoberto contra o dano em seu nascedouro, o intérprete estará relegando o critério objetivo da lei ao seu, de cunho subjetivo e pessoal. Privilegia-se a condição do infrator em detrimento do ofendido, contra a expressa letra da lei. A presunção da injuria, por essa razão, caracteriza mero critério de política criminal, eleito pelo legislador com a finalidade de ofertar forma mais ampla e eficaz de tutela do bem jurídico.93

A Ministra se refere ainda ao objetivo do legislador ao criar o referido tipo,

onde, não há dúvidas que o bem jurídico tutelado primariamente seria a incolumidade pública,

91 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília,

DF, 29 abril. 2005. 92 CAPEZ, Fernando apud SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP.

Relatora: Ellen Gracie. Brasília, DF, 29 abril. 2005. 93 Ibidem.

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e secundariamente os bens jurídicos individuais como a vida, incolumidade física e saúde dos

cidadãos.94

Nesse eixo, faz-se elucidar Damásio de Jesus, “a incolumidade pública

representa o objeto jurídico principal e imediato da norma. Como objetos mediatos e

secundários estão a vida, a incolumidade física e a saúde dos cidadãos”.95

Ao tratar dos crimes de incolumidade pública a Ministra faz menção ainda a

Heleno Cláudio Fragoso, que ao fazer referência a alguns crimes previstos no Código Penal,

onde se tem como bem jurídico protegido a incolumidade pública, o referido autor os

classifica como sendo “infrações penais em que a ação delituosa atinge diretamente um bem

ou interesse coletivo, ou seja, a segurança de todos os cidadãos ou de número indeterminado

de pessoas”.96

Ressalta ainda, que o legislador ao criar o referido tipo demonstrou o

interesse de antecipar a punição do crime que poderia vir a ser cometido, e com isso preveniu

também os bens jurídicos mediatos.97

E foi com base nesses fundamentos, que a Ministra Ellen Gracie negou

provimento ao RHC 81.057/ SP, e juntamente com ela o Ministro Ilmar Galvão.

3.2.2.2 Ministro Sepúlveda Pertence

Após manifestação da Ministra Ellen Gracie e do Ministro Ilmar Galvão,

tendo ambos o mesmo entendimento sobre o referido recurso, pediu vista dos autos o Ministro

Sepúlveda Pertence. 94 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília,

DF, 29 abril. 2005. 95 JESUS, Damásio de apud SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ibidem. 96 FRAGOSO, Heleno Cláudio apud SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ibidem. 97 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Op.cit.

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Posteriormente ao relatório do caso, o Ministro salienta desde já com intuito

de dirimir quaisquer dúvidas que venham surgir sobre a superveniência da Lei 10.826/2003, o

chamado Estatuto do Desarmamento, no que tange a referida matéria, que por limitar-se

somente a aumentar as penas cominadas ao referido crime, não mudando portanto, a

tipificação penal, não se tem assim prejuízo da matéria, esclarecendo também a

impossibilidade de se aplicar no caso sub judice a pena maior trazida por lei posterior à data

do fato delituoso.98

Ao referir-se aos precedentes o Ministro salienta que “alguns se alinham à

postura de Fernando Capez, acolhida pela relatora, mas, salvo engano, solitária na doutrina”.99

Mas é com base na Teoria Moderna do Direito Penal que o Ministro

posiciona seu entendimento, onde “dá-se realce primacial aos princípios da necessidade de

incriminação e da lesividade do fato criminoso”. Elucidando os adeptos dessa teoria, como

Luigi Ferrajoli, Nilo Batista e Maurício Ribeiro Lopes.100

Ao tratar dos crimes de mera conduta “no sentido de não se exigir à sua

configuração um resultado material exterior à ação”, deixa bem claro que isso “não implica

admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico

tutelado pela incriminação da hipótese de fato”.101

O Ministro assevera que a posição de Damásio de Jesus foi utilizada com

equívoco pelo acórdão do Tribunal local102, onde transcreve que “os delitos de porte de arma

98 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília,

DF, 29 abril. 2005. 99 Ibidem. 100 Ibidem. 101 Ibidem. 102 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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não são de perigo nem abstrato: são crimes de lesão e de mera conduta (de simples

atividade)’’. 103

O referido acórdão após fazer a seguinte transcrição salientou logo em

seguida, assim sendo:

Os delitos de porte de arma e figuras correlatas são crimes de lesão porque o infrator, com sua conduta, reduz o nível de segurança coletiva exigido pelo legislador, atingindo a objetividade jurídica concernente à incolumidade pública. E são crimes de mera conduta porque basta à sua existência a demonstração da realização do comportamento típico, sem necessidade de prova de que o risco atingiu, de maneira séria e efetiva, determinada pessoa.104

Sendo assim, o acórdão traz em seu texto duas definições que não poderiam

ser usadas conjuntamente, e ainda refere-se ao conceito de crimes de lesão erroneamente, pois

sua intenção não seria a de reduzir o nível de segurança coletiva exigido pelo legislador, e sim

de efetivamente lesionar o bem jurídico tutelado.105

A referida matéria é analisada à luz dos princípios da lesividade e da

ofensividade, esses já estudados no referido trabalho.

O Ministro ao mencionar os referidos princípios cita Luiz Flávio Gomes e

William Terra, onde explicam que para “unificar, no que tange os delitos de posse, a

exigência da disponibilidade, que, acentuam, é o veículo que une duas outras categorias

(danosidade real do objeto mais conduta criadora de risco proibido relevante) à

ofensividade”.106

Ainda, em citação aos referidos autores, complementa: 103 JESUS, Damásio de apud SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ibidem. 104 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Op.cit. 105 Ibidem. 106 GOMES,Luiz Flávio e TERRA, William apud SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal,

RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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Enquanto a danosidade real do objeto pode ser percebida concretamente (v.g., com a análise pericial de uma arma carregada) a periculosidade da conduta é imaterial em sua essência (por se tratar da representação valorada de uma conduta humana criadora de risco). Somente quando as duas órbitas da disponibilidade (uma, material, a da arma carregada, e outra jurídica, a do comportamento humano que rompe o princípio de confiança criando um ou um risco proibido relevante) se encontram é que surge a ofensividade típica (aquela não querida pela norma penal, reprovável, punível). Em outras palavras, o fato torna-se penalmente relevante (exclusivamente) quando o bem jurídico coletivo (no caso) entra no raio de ação da conduta criadora do risco proibido e relevante.107

O posicionamento que embasa esses doutrinadores e o Ministro Sepúlveda

Pertence, funda-se como já mencionado em “axiomas da moderna teoria geral do Direito

Penal”, onde não se exige desde logo para afiliar-se a essa teoria a abolição da criação das leis

que contenham crimes de perigo abstrato ou presumido, pois essa seria a tese mais radical.108

Sendo assim, basta apenas aceitar tais princípios como “gerais e

contemporâneos da interpretação da lei penal”, que deverão se utilizados sempre que a

“norma incriminadora os comporte”. 109

No crime de porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, a norma

incriminadora comporta a utilização desses princípios, sendo que a conduta seria atípica, pois

faltaria para “a incriminação da conduta o objeto material do tipo”. 110

Corrobora ainda esse entendimento, Luiz Flávio Gomes e William Terra:

A inaptidão da arma gera a atipicidade da conduta, porque, com sua impropriedade material, ela perderá a potencialidade lesiva que caracteriza o conteúdo do injusto. Isso decorre do fato de que a finalidade do tipo é evitar o perigo emergente do relacionamento ilícito com armas de fogo, de maneira que, no exato momento em que não existir mais este 'perigo' (porque o

107 Ibidem. 108 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005. 109 Ibidem. 110 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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objeto material é incapaz de produzir qualquer tipo de dano), deixará de existir o delito.111

Após fundar-se na teoria moderna do Direito Penal, o Ministro refuta o

argumento que diz ser a conduta de porte ilegal de arma de fogo sem munição típica, por seu

objeto, mesmo que inidôneo a produção de disparos, ter um forte poder de intimidação para a

prática de outros crimes112, vejamos:

A réplica sói fundar-se no poder de intimidação para a prática de outros crimes - particularmente, os comissíveis mediante ameaça-, da arma de fogo, posto que ineficaz ou desmuniciada, ou até pelo artefato de brinquedo que a simule. Certo, a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo podem servir de instrumento de intimidação, mas, como tal, também se podem utilizar inúmeros outros objetos - da faca à pedra e ao caco de vidro-, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena: a falácia do argumento, por isso, ficou evidenciada a meu ver, na discussão sobre emprego de arma de brinquedo para a prática do roubo (v.g., HC 77872, RTJ 168/288) - questão, no entanto, que ganhou novos contornos e não menos dificuldades- com o artigo 10, parágrafo 1º, II, da Lei 9347/97, que passou a incriminar, com as penas do porte e, o ' utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes'.113

O Ministro salienta que o caso em questão trata-se de arma eficaz, e não

arma de brinquedo, mas com a peculiaridade de estar à arma sem munição. Corroborando

ainda que o crime de porte ilegal de arma de fogo é crime autônomo, sendo que esse não

poderia ser analisado como instrumento de intimidação para outros crimes, pois seu objeto

jurídico tutelado é a incolumidade pública e não a prevenção de outros crimes.114

Nessa linha, segue a premissa dos autores que endossou, onde distingue

duas situações segundo o Princípio da Disponibilidade:

111 GOMES, Luiz Flávio e TERRA, William apud SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal,

RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília, DF, 29 abril. 2005. 112 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Op.cit. 113 Ibidem. 114 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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Se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo. Ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica.115

Cada caso concreto trará diversas situações, demonstrando assim a

complexidade do tema, Luiz Flávio Gomes e William Terra esclarecem nesse sentido:

Com certeza, a realidade irá proporcionar um grande número de situações em que a aferição da ofensividade não será algo simples, revelando a complexidade do tema. Imagine se, os casos em que arma esteja desmontada ou desmuniciada. Essas situações só serão resolvidas pelos princípios gerais da 'disponibilidade' e da efetiva a 'ofensividade' do objeto: a) se, uma vez montada, a arma pode disparar e se esta operação pode ser realizada com certa facilidade, estão cumpridos os dois requisitos mínimos - ofensividade e disponibilidade; b) se a munição está ao alcance do agente, possibilitando a pronta utilização da arma, estará cumprido o requisito da disponibilidade, mas ainda assim é necessária uma segunda aferição, que permitirá verificar se a arma, uma vez municiada, poderia ferir ou matar (ofensividade).116

Para o Ministro Sepúlveda Pertence, essa parece ser a solução mais

adequada, e com relação ao caso, “a denúncia não faz menção à disponibilidade de munições

no contexto do fato - o que, à falta de aditamento - já bastaria a impedir se considerasse a

circunstância”. Ressalta também que nenhuma das decisões aludem ao fato.117

Com base nesses doutrinadores, e nesse último entendimento, o Ministro

Sepúlveda Pertence dá provimento ao recurso e deferi o habeas corpus, juntamente com ele o

Ministro Joaquim Barbosa.

Após votos, pede-se esclarecimento, sendo esse iniciado com a Ministra

Ellen Gracie:

115 Ibidem. 116 GOMES, Luiz Flávio e TERRA, William apud SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal,

RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília, DF, 29 abril. 2005. 117 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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Peço todas as vênias ao eminente Ministro Sepúlveda Pertence, como sói acontecer, tem uma brilhante fundamentação teórica, mas a mim me parece que tanto o legislador quanto o aplicador da lei precisam estar atentos à realidade sobre a qual vão incidir os seus pronunciamentos. A realidade brasileira é, hoje, infelizmente, diferente daquela que gostaríamos que fosse; a criminalidade, nas cidades grandes em especial, é muito acentuada; e acredito que haveria alguma dificuldade em aceitar-se um alargamento, enfim, um abrandamento desse entendimento que inicialmente esposei, dadas as circunstâncias de que a população em geral, o cidadão, na rua, dificilmente terá condições de argumentar com aquele que o aborda, portando uma arma, para indagar se ela está ou não municiada. Se seguirmos nessa senda, poderemos encontrar outras dificuldades ainda: quem sabe a arma está municiada, porém o cano está enferrujado e não teria condições de efetuar o disparo.118

Em contraposição o Ministro Sepúlveda Pertence:

Ministra Ellen Gracie, apenas insisto - voltando à discussão de decênios, sobre o roubo com a arma de brinquedo - em que ninguém põe em dúvida que arma de brinquedo, arma enferrujada ou arma desmuniciada podem servir de instrumento de intimidação e caracterizar a ameaça, elementar do roubo. Estamos discutindo a incriminação autônoma do porte de arma que não é arma ou que é uma arma, cuja utilização - à falta de munição disponível - era impossível.119

Ministra Ellen Gracie:

Na verdade, o perceptível como arma é o revólver, seja ele de brinquedo, desmuniciado ou não. Parece-me que o legislador, quando proibiu o porte desse tipo de instrumento - arma -, pretendia que todo e qualquer artefato que pudesse produzir uma ameaça à segurança pública, intimidação àquele que fosse abordado com a utilização desse instrumento fosse penalizado daquela forma, agravada pelo recentemente editado Estatuto do Desarmamento. Por isso, Ministro Sepúlveda Pertence - mais uma vez louvando o brilho teórico que empresta a seus votos -, com os pés fincados na realidade deste País, mantenho a decisão anterior.120

Com isso, encerram-se os primeiros votos e pede vista dos autos o Ministro

Cezar Peluso.

3.2.2.3 Ministro Cezar Peluso

118 Ibidem. 119 Ibidem. 120 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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O Ministro Cezar Peluso acompanhou o voto do Ministro Sepúlveda

Pertence pelos motivos que descreve no decorrer do seu voto, analisado nessa monografia.

Em contrário ao parecer do Subprocurador Geral da República, em que esse

faz menção a “paz social” que estaria sendo afetada pelo fato do agente encontrar-se com a

arma mesmo que inidônea a produzir disparos121, é esclarecido:

Gostaria de advertir desde logo que o bem jurídico penal tutelado pelo crime descrito no artigo 10 da Lei 9.437/97 não pode ser identificado com a paz social, nos termos propostos pelo parecer do douto subprocurador, sob pena de se esvaziar a própria categoria dogmática. A paz social é atingida toda vez que se comete um ilícito, e não só quando seja este de natureza criminal. E, por buscar o restabelecimento da ordem jurídica violada, conta o direito com múltiplos instrumentos, dentre os quais a sanção penal, mas também, entre outros, a reparabilidade do dano extrapenal, medidas constritivas patrimoniais, sanções administrativas, etc. O que justificaria a opção do legislador, dentre todos os instrumentos de resposta normativa, pela ameaça da sanção penal, precisamente aquela que de regra atinge um dos mais importantes direitos individuais fundamentais, que é a liberdade (artigo 5º, caput, da Constituição da República), enquanto bem jurídico-penal alcançado pela sanção? A resposta é uma só: por exigência de proporcionalidade - afinal, trata-se da mais grave das sanções do sistema jurídico -, somente os atentados mais conspícuos contra os bens, valores e interesses igualmente mais importantes ao juízo do mesmo sistema, ou o que hoje chamamos de bens jurídico - penais. Foi por essa via, é bom lembrar, que se estruturou todo o arcabouço da moderna teoria do bem jurídico - penal, que, desde as origens, com FEUERBACH, sempre teve por finalidade prevenir o abuso incriminador mediante estabelecimento de critérios, seguros e imanentes ao sistema, aptos a instaurar e avaliar relação de proporcionalidade entre a gravidade da sanção penal e o objeto tutelado pela norma incriminandora. (grifo do original) 122

Corrobora esse entendimento Francesco Angioni, citado pelo Ministro,

sendo:

Não há como identificar a paz social ao objeto jurídico específico do delito de que se trata, assim porque ela subjaz ferida em todos os crimes - as incriminações pretendem, em última instância, como é óbvio, preservar ou restabelecer a paz social -, como porque doutro modo se aniquilaria a própria idéia dogmática do bem jurídico - penal, elaborada pelo esforço de doutrinadores, do porte de FEUERBACH, BIRNVAUM, BINDING, VON

121 Ibidem. 122 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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LISZTR, SAX, ROXIN, POLAINO NAVARRETE, BRICOLA, ANGIONI e FERRAJOLI, dentre outros, como relevante instrumento classificatório, sistemático, exegético, dogmático e crítico.123

Com isso, demonstra que se o objetivo da norma penal fosse tutelar a paz

social, essa norma não seria mais utilizada como excepcional, ou seja, em último caso, porque

ao mencionar a paz social estaríamos utilizando uma expressão muito abrangente, e o Direito

Penal tem como função a proteção de bens jurídicos fundamentais, mais importantes para a

sociedade.124

Claus Roxin acentua exatamente esse ponto quando salienta que “é função

do Direito, como um todo, assegurar a convivência pacífica, e do Direito Penal, como

instrumento excepcional, assegurar os bens jurídicos fundamentais”.125

Ao demonstrar o caráter excepcional do Direito Penal, se entende que a

aplicação de suas penalidades só teria razão de ser no caso em que “a conduta seja idônea a

lesar ou pôr em perigo o mesmo bem, o que se traduz, para empregar termos contemporâneos,

na danosidade da conduta”.126

Com relação às opções legislativas, com base em Francesco Angioni, afirma

que podem ser atribuídas várias funções ao bem jurídico penal, uma delas seria a função

crítica:

Que consiste em avaliar a legitimidade das opções do legislador penal em confronto com a escala dos valores constitucionais: escolha do bem e grau de antecipação de tutela”, sendo a outra uma função dogmática “que permite

123 ANGIONI, Francesco apud Ibidem. 124 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Op.cit. 125 ROXIN, Claus apud Ibidem. 126 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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estabelecer de fato o limite da relação com a ofensa (lesão ou colocação em perigo).127

No caso em questão, bastaria a utilização da função dogmática para excluir

a tipicidade da conduta do recorrente, não sendo necessária assim a utilização da função

crítica.128

Ressalta, ainda, que o critério utilizado pelo Ministro Sepúlveda Pertence,

em que exclui a tipicidade da conduta do recorrente com base no Princípio da Ofensividade, é

um princípio utilizado pela teoria moderna do Direito Penal e deriva do Princípio da

Proporcionalidade.129

Sobre o Princípio da Proporcionalidade confirma Teresa Aguado Correa:

O princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos é uma concreção do princípio da necessidade e, por isto, se deriva do princípio da proporcionalidade em sentido amplo [...]. Ao ser a função do Direito Penal a proteção de bens jurídicos (penais), tão só será necessário e proporcional quando exista um bem jurídico (penal) a proteger frente a comportamentos que o coloquem em perigo o que o lesionem.130

Corrobora esse entendimento Francesco Angioni:

O princípio da proporcionalidade, imanente a idéia de justiça e, portanto, de justiça penal, adquire, perante esta, o significado de que uma reação, para ser legítima, deve ser proporcional à ação (ofensiva). Essa proposição, que é explicitamente adotada em matéria de legítima defesa, ' é característica fundamental ou limite interno teológico de qualquer teoria racional sobre a função da pena (retribuição, prevenção geral, prevenção especial) '. Daí que, função atribuída à pena na Constituição, para qualquer delas vale o princípio da proporcionalidade que se encontra mediatamente constitucionalizado por implicação lógica. Sendo que, a primeira delas seria a operação de comparação entre o objeto da tutela (o bem jurídico tutelado) e o objeto da

127 ANGIONI, Francesco apud Ibidem. 128 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Op.cit. 129 Ibidem. 130 CORREA, Tereza Aguado apud SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n°

81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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reação em (o bem atingido pela sanção), o critério guia deve ser o da proporcionalidade.131

Sendo assim, ao aplicar à pena que consiste na constrição da liberdade do

indivíduo, deverá ser feita uma análise à luz da real ofensividade da conduta do agente ao bem

jurídico tutelado pela norma penal, pois se essa não ofendeu o bem jurídico protegido, seria

desproporcional retirar a liberdade do indivíduo, pois estaria retirando um direito fundamental

garantido pela Constituição Federal.132

Ao fazer a aplicação do Direito Penal, o Princípio da Proporcionalidade

deve ser utilizado como um guia, “comandando uma relação entre o bem jurídico tutelado e o

bem jurídico atingido pela pena”.133

Ao se referir ao grau de antecipação de tutela, o Ministro Cesar Peluso

salienta:

[...] aos momentos antecedentes ao da lesão somente será justificada quando se puder estabelecer relação de proporcionalidade entre a aplicação da pena (lesão do direito à liberdade do condenado) e o perigo (probabilidade de lesão do bem jurídico tutelado pela norma penal) causado pela conduta incriminada. 134

Sustentado por Luigi Ferrajoli, salienta que “na Itália o princípio da

ofensividade brota da interpretação lógica e teleológica de um conjunto de normas, as quais,

encontram reflexo quase especular no ordenamento jurídico pátrio”.135

Ressalta, ainda, uma “dupla influência” do Princípio da Lesividade, no qual

é suscitado pela professora espanhola Tereza Aguado Correa, onde uma das influencias seria

131 ANGIONI, Francesco apud Ibidem. 132 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Op.cit. 133 Ibidem. 134 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005. 135 FERRAJOLI, Luigi apud Ibidem.

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“sobre o legislador, a quem incumbe a escolha do bem jurídico por tutelar”, e a segunda seria

sobre o juiz:

O qual não se pode conformar com a subsunção formal do fato no comportamento descrito pela norma, senão que terá de comprovar que tal comportamento lesou ou colocou em perigo o bem jurídico protegido através de dita norma, e acaso assim não seja, deverá declarar sua atipicidade.136

Sendo assim, é de suma relevância analisar se a conduta colocou realmente

em perigo o bem jurídico tutelado, pois danosidade não ocorreu, no caso, a incolumidade

pública.137

Afirma Miguel Reale Júnior, “a situação perigosa pode, como sucede nos

crimes contra a incolumidade pública, colocar em risco de dano a um número indeterminado

de pessoas, sendo idônea a lesar a segurança geral. O perigo deve estar ínsito na conduta,

segundo o revelado pela experiência”.138

Nesse sentido confirma o Ministro Cezar Peluso:

Enquanto uma arma municiada pode representar risco de dano, o perigo, à incolumidade pública, à segurança coletiva enfim, uma arma desmuniciada já não goza, por si só, dessa aptidão. O mero porte de arma de fogo desmuniciada não tem capacidade para meter em risco o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora.139

Após a breve explanação, o Ministro refuta o argumento utilizado pelos que

defendem a tipicidade da conduta de porte ilegal de arma sem munição, onde utilizam-se do

136 AGUADO, Tereza Correa apud Ibidem. 137 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Op.cit. 138 REALE JÚNIOR, Miguel apud Ibidem. 139 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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argumento do poder de intimidação que o objeto por si só, mesmo que inidôneo a produzir

disparos poderia causar140, sendo:

Ninguém o nega. E é esta a razão mesma por que aqueles que pregam a tipicidade do porte de arma desmuniciada têm, para lhe encontrar algum apoio, de se socorrer do argumento frágil do poder de intimidação, não em termos absolutos, mas quanto à prática de outros delitos. Mas decerto não é esse o núcleo protetor da norma incriminadora em questão, como bem notado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, porque, se o fosse, o porte de facas e outros objetos cortantes, por exemplo, também teria sido tipificado, dado seu poder intimidador. Nem é lícito ir tão longe, a ponto de seccionar o nexo entre a norma incriminadora e o bem jurídico tutelado e, com isso, descambar num Direito Penal de mera desobediência, o na administrativização do Direito Penal, coisa que, como procurei demonstrar, é incompatível com a Constituição, por via de insulto ao Princípio da Proporcionalidade.141

É com essa base que o referido Ministro fundamenta seu voto, sendo válido

ressaltar ainda que, em relação ao recorrente já ter sido condenado anteriormente a crime

contra o patrimônio142, cita a doutrina de Nilo Batista e Raúl Zaffaroni:

Enquanto para alguns autores, o delito constitui uma infração ou lesão jurídica, para outros ele constitui o signo ou sintoma de uma inferioridade moral, biológica ou psicológica. Para uns, seu desvalor - embora haja discordância no que tange ao objeto - esgota- se no próprio ato (lesão); para outros, o ato é apenas uma lente que permite ver alguma coisa daquilo onde verdadeiramente estaria o desvalor e que se encontra em uma característica do autor. Estendendo ao extremo esta segunda opção, chega-se à conclusão de que a essência do delito reside numa característica do autor, que explica a pena. O conjunto de teorias que este critério compartilha configura o chamado direito penal de autor. Essa forma tradicional, ou pura, do direito penal de autor, recebeu agora roupagem nova, consoante sublinham os doutrinadores, sob a forma de direito penal do risco, com a antecipação e o desvio da tipicidade na direção de atos de tentativa e, até, preparatórios,o que aumenta a relevância dos elementos subjetivos e normativos dos tipos penais, pretendendo assim controlar não apenas a conduta mas também a lealdade do sujeito ao ordenamento. Em algum sentido, tal direito tende a incorporar uma matriz de intervenção moral, análoga à legislação penal das origens da pena pública, com o acrescido inconveniente de presumir dados subjetivos.143

140 Ibidem. 141 Ibidem. 142 Ibidem. 143 BATISTA, Nilo e ZAFFARONI, Raúl apud SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC

n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie. Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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Ao se reprimir os estados de ânimos, acaba por se punir o indivíduo e isso

foi bem esclarecido por Miguel Reale Júnior144, onde salienta:

[...] Mesmo sem a prática de atos preparatórios pela simples razão de se detectar a probabilidade de vir no futuro a cometer crimes. A periculosidade sempre foi o recurso dos sistemas políticos totalitários, como se deu com o nazismo e o comunismo, em que alcançavam relevo a predisposição de agir em ofensa ao ‘são sentimento do povo alemão’ ou aos ‘interesses da coletividade socialista’.145

Condenar o recorrente com base em que esse teria uma predisposição ao

cometimento de crimes por já ter sido condenado anteriormente seria um retrocesso, afirma o

Ministro Cezar Peluso. E ainda, “equivaleria a punir o recorrente pelo seu (aparente) ‘modo

de ser’- puni-lo pelo que (aparentemente) ‘é’ e, não pelo que ‘fez’-, já que nenhum perigo ou

lesão causou a bem jurídico de quem quer que seja”. 146

Torna-se claro que a anterior condenação do recorrente não pode ter

influência no “juízo de adequação típica”. Poderia ter relevância na dosimetria da pena, mas

não para eventual condenação.147

Com isso, corrobora seu entendimento como dito antes de atipicidade da

conduta, concedendo assim a ordem para trancar a ação penal.148

É válido ressaltar que os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto não

participaram do julgamento desse recurso, o primeiro por não integrar a turma à época do

144 REALE JÚNIOR, Miguel apud SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP.

Relatora: Ellen Gracie. Brasília, DF, 29 abril. 2005. 145 Ibidem. 146 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005. 147 Ibidem. 148 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1ª Turma Criminal, RHC n° 81.057/SP. Relatora: Ellen Gracie.

Brasília, DF, 29 abril. 2005.

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início do julgamento149, e o segundo por força do artigo 134, parágrafo 1° do Regimento

Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF).150

Ellen Gracie tornou-se voto vencido, e a primeira turma por 3 x 2 decidiu

pelo deferimento do recurso151. Mas pela relevância e divergência da matéria, após

impetração de outros recursos, essa foi afetada ao pleno, onde aguarda decisão.

3.2.3 Divergências Doutrinárias

Torna-se visível a importância da referida matéria tratada pelo RHC 81.057-

8 São Paulo, não obstante as divergências jurisprudenciais encontradas, vários doutrinadores

ao discursar sobre o assunto também encontram inúmeras divergências.

Fernando Capez ao discorrer sobre o assunto salienta que os tipos penais

previstos no Estatuto do Desarmamento são crimes classificados como de perigo, mas dentro

dessa classificação podemos incluir os crimes de perigo abstrato e de perigo concreto152,

sendo:

Perigo abstrato ou presumido é aquele cuja existência dispensa a demonstração efetiva de que a vítima ficou exposta a uma situação concreta de risco. Contrapõe- se ao perigo concreto, que exige comprovação de que pessoa determinada ou pessoas determinadas ficaram sujeitas a um risco real de lesão. Trata-se de situação de real modificação no mundo exterior, perceptível naturalisticamente e consistente na alteração das condições de intangibilidade do bem existentes antes da prática da conduta. O perigo concreto deflui excluir de dada situação objetiva em que o comportamento humano gerou uma possibilidade concreta de destruição do bem jurídico tutelado, até então não existente. Não é o que ocorre com os delitos previstos nos artigos 12 a 18 da Lei n. 10. 826/2003, cujos tipos penais não mencionam, em momento algum, como elemento necessário à configuração típica, a prova da efetiva exposição de outrem a risco. Basta a realização da

149 Ibidem. 150 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Regimento Interno artigo 134, parágrafo 1°, “Ao reencetar-se o

julgamento, serão computados os votos já proferidos pelos Ministros, ainda que não compareçam ou hajam deixado o exercício do cargo”.

151 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Op.cit. 152 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à lei n. 10.826, de 22-12-2003. São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 44.

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conduta, sendo desnecessária a avaliação subseqüente sobre a ocorrência, in casu, de efetivo perigo à coletividade.153

Sendo assim, Fernando Capez descarta qualquer discussão referente à

necessidade de comprovação de um perigo efetivo em determinados artigos do Estatuto do

Desarmamento, incluindo nesses o artigo 14 que trata especificamente do porte ilegal de arma

de fogo de uso permitido e o artigo 16 que trata além do porte a posse ilegal de arma de fogo

de uso restrito. 154

Destaca em seu posicionamento o caso em que uma arma encontra-se inapta

a produção de disparos:

Na hipótese de arma absolutamente inapta a efetuar disparos, o fato será atípico, não porque não se logrou comprovar a efetiva exposição de alguém a uma situação concreta de risco, mas porque a conduta jamais poderá levar a integridade corporal de alguém a um risco de lesão. A lei não pode presumir a existência de perigo para a vida, na ação de golpear o peito de um adulto com um palito de fósforo; não pode presumir que a ingestão de substância abortiva é capaz de colocar em risco a vida intra-uterina de uma mulher que não esteja grávida; não pode presumir que a vida já inexistente de um cadáver foi ameaçada por um atirador mal informado, não pode, enfim, presumir que o porte de uma arma totalmente ineficaz para produzir disparos seja capaz de ameaçar a coletividade. Evidentemente, nessa última hipótese, estaremos diante de um crime impossível pela ineficácia absoluta do objeto material. A lei só pode presumir o perigo um onde houver, em tese, possibilidade de ele ocorrer. Quando, de antemão, já se verifica que a conduta jamais poderá colocar o interesse tutelado em risco, não há como se presumir o perigo. Coisa bem diferente é sustentar que uma conduta, em tese apta a colocar em risco outras pessoas, não seja considerada típica, apenas porque não se comprovou a exposição de pessoas determinadas a situação de perigo concreto.155

É com esse entendimento que Fernando Capez finaliza esse assunto,

esclarecendo que não se deve utilizar o argumento de que uma arma inidônea a produção de

disparos não configura o tipo por esse se tratar de perigo concreto, pelo contrário, trata-se no

caso de porte ilegal de arma de fogo de perigo abstrato para esse doutrinador, mas a conduta 153 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à lei n. 10.826, de 22-12-2003. São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 44. 154 Ibidem, p. 44. 155 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à lei n. 10.826, de 22-12-2003. São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 45.

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deveria ser considerada atípica por tratar-se de crime impossível, artigo 17 do Código Penal,

caracterizado pela “ineficácia absoluta do objeto material”, que no caso em questão seria a

arma. 156

Salienta ainda que não desconhece os princípios da ofensividade e da

lesividade, norteadores da teoria moderna do Direito Penal, em que exigem “lesão ou ameaça

de lesão ao bem jurídico tutelado”, mas que o simples porte ou posse de uma arma de fogo

com munição já traria uma possibilidade de lesão à coletividade, que no caso é o bem jurídico

tutelado pela norma incriminadora em questão.157

Juarez Tavares, sobre o referido assunto faz-se entender, “o poder de punir

do Estado não pode proibir condutas, senão quando impliquem em lesão ou perigo de lesão a

bens jurídicos”.158

Fernando Capez, afirma que o princípio da ofensividade deve ser utilizado,

mas não para abolir todos os crimes de perigo abstrato, mas sim para torná-los mais flexíveis

e menos absolutos, pois com esse poderíamos afastar a conduta incriminadora com base no

crime impossível.159

Como ressaltado pela Ministra Ellen Gracie ao se utilizar da dicção de

Fernando Capez, os crimes de perigo abstrato são como dito por ele, “opção de política

legislativa”, mas esses não devem ser tidos como absolutos, e no caso de porte ilegal de arma

156 Ibidem, p. 45. 157 Ibidem, p. 45. 158 TAVARES, Juarez apud Ibidem, p. 45. 159 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à lei n. 10.826, de 22-12-2003. São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 47.

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de fogo desmuniciada, deve ser analisado sobre a luz do princípio da ofensividade sendo esse

entendido como crime impossível.160

Esclarece ainda Fernando Capez que “presumir perigo não significa inventar

perigo onde esse jamais pode ocorrer, perigo presumido não é sinônimo de perigo

impossível”.161

Em contraposição Gilberto Thums argumenta, senão vejamos:

Com o devido respeito que merecem os Ministros Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence, confundiram os bens jurídicos objeto de tutela da lei de armas, não reconhecendo o perigo abstrato previsto na lei, exigindo perigo real, efetivo, concreto, que não consta do tipo. A prevalecer seu entendimento, não seria possível tomar qualquer atitude contra quem andasse na rua com uma metralhadora a tira-colo, porém sem munição. Isso porque a ausência da munição descaracterizaria o objeto como arma, eis que incapaz de matar, lesionar, etc. Data vênia, isso é um equívoco, na medida em que não se pode questionar se a arma apresenta potencialidade lesiva concreta (municiada) no momento em que o agente com ela é flagrado, porque estar-se-ia protegendo a vida, a integridade física, etc., das pessoas. Porém não são estes os bens jurídicos sob proteção na lei de armas, mas a incolumidade pública, que se presume atingida com a mera conduta de portar arma de fogo sem licença. Foi uma escolha do legislador, que poderia ter incluído na lei espadas, sabres, etc., que são tão lesivos quanto as armas de fogo. É a mesma coisa que incriminar o tráfico de maconha e não punir a venda de bebida alcoólica, porque ambas as substâncias apresentam perigo à saúde pública.162

No entendimento de Gilberto Thums, ao se analisar o crime de porte ilegal

de arma de fogo, estaríamos diante de um tipo previsto pelo legislador como de perigo

abstrato ou presumido, onde apenas a prática da conduta descrita no tipo já estaria colocando

em perigo o bem jurídico tutelado pela norma penal. 163

160 Ibidem, p. 47. 161 Ibidem, p.48. 162 THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários

por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 38. 163 THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários

por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 38.

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Ressalta que nos crimes previstos pela lei de armas, tutela-se a incolumidade

pública, e o simples fato do indivíduo portar uma arma mesmo que esta seja inapta a produção

de disparos já estaria colocando em perigo o referido bem jurídico. 164

Gilberto Thums ainda dispõe sobre o assunto:

Vejo com muito pessimismo o que foi decidido no HC 81.057, porque isto poderá provocar uma reação em cadeia de todas as condenações fundadas na Lei nº 9.437/97, quer via habeas corpus, quer via revisão criminal. Se for consolidado o entendimento majoritário da primeira turma do STF está fulminado mortalmente o Estatuto do Desarmamento, porque seu objeto de tutela é a segurança coletiva, a segurança pública ou à incolumidade pública, exatamente o mesmo da Lei nº 9.437/97. Assim, se não é crime portar arma de fogo sem munição, nenhuma outra conduta poderá ser crime, porque a ofensa recairá sempre sobre o mesmo bem jurídico com o mesmo objeto.165

Com isso, finaliza seu argumento deixando claro que o bem jurídico

protegido se trata da incolumidade pública, e não de bens jurídicos que necessitam de efetivo

dano ou perigo como a vida e a integridade física do indivíduo, não que esses não sejam

relevantes, mas esses já são tutelados por normas próprias do Direito Penal. 166

Gilberto Thums ainda acrescenta:

Ou se admite a possibilidade de o legislador criar figuras penais tendo como objeto a arma de fogo, presumindo o perigo pela mera conduta, ou se repugna tal procedimento legislativo, acoimando de vício substancial a norma penal que tutela bens jurídicos de remota ou impossível lesão, como é a segurança pública.167

A discussão que se tem a respeito da matéria é forte e podemos destacar

ainda outros doutrinadores que discorrem sobre a matéria como Luiz Flávio Gomes:

164 Ibidem, p. 38. 165 Ibidem, p. 40. 166 Ibidem, p. 38. 167 THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários

por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 41.

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Todo tipo penal fundado literalmente em perigo abstrato deve ser interpretado e adequado à visão constitucional do Direito penal (assim: Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, que foram votos vencedores). Arma desmuniciada e, ademais, sem nenhuma possibilidade de sê-lo, não ostenta nenhuma potencialidade lesiva, porque não é apta para efetuar disparos. O Min. Sepúlveda Pertence, com o costumeiro acerto, foi ao cerne da questão: se a arma está desmuniciada não conta com potencialidade lesiva, logo, não é arma de fogo. Falta o objeto material do delito (sobre o qual recai a conduta do agente). Arma desmuniciada é arma, porém, não é fogo. E o que a lei incrimina (no Estatuto do Desarmamento) é a arma de fogo. O equívoco, que estava presente no voto da Min. Ellen Gracie, vem espelhado na confusão que se fez entre potencialidade lesiva e poder de intimidação. Não há dúvida que arma desmuniciada tem poder intimidativo e quando usada para ameaçar pessoas constitui o crime de ameaça, de roubo etc. Quando o ladrão aponta uma arma, num roubo, a vítima não pergunta se a arma está ou não municiada. Por isso que seu uso configura o roubo. Mas uma coisa é a arma usada como instrumento de um crime (de um roubo, por exemplo), outra distinta é a arma como objeto material do crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo. Poder de intimidação também têm a arma de brinquedo, a arma inapta, a arma quebrada, a arma de sabão ou qualquer outro instrumento lesivo (real ou fictício). A criminalização da arma de fogo, considerada em si mesma, entretanto, não tem como fundamento esse poder de intimidação (fundado nas teorias subjetivistas, que alimentam o danoso Präventionstrafrecht), senão a sua potencialidade lesiva concreta (teorias objetivistas, que demarcam o Verletzstrafrecht). A conduta, para criar um risco proibido relevante, nos termos da incriminação contemplada no Estatuto do Desarmamento, deve reunir duas condições: (a) danosidade efetiva da arma, leia-se, do objeto material do delito (potencialidade lesiva concreta) e (b) disponibilidade (possibilidade de uso imediato e segundo sua específica finalidade). O resultado da soma dessas duas categorias (ou exigências) nos dá a idéia exata da ofensa típica a um bem jurídico supraindividual (certo nível de segurança coletiva) ou, mediatamente, aos bens individuais (vida, integridade física etc.). O crime de posse ou porte de arma ilegal, em síntese, só se configura quando a conduta do agente cria um risco proibido relevante (que constitui exigência da teoria da imputação objetiva). Esse risco só acontece quando presentes duas categorias: danosidade real do objeto + disponibilidade, reveladora de uma conduta dotada de periculosidade. Somente quando as duas órbitas da conduta penalmente relevante (uma, material, a da arma carregada, e outra jurídica, a da disponibilidade desse objeto) se encontram é que surge a ofensividade típica. Nos chamados "crimes de posse" é fundamental constatar a idoneidade do objeto possuído. Arma de brinquedo, arma desmuniciada e o capim seco (que não é maconha nem está dotado do THC) expressam exemplos de inidoneidade do objeto para o fim de sua punição autônoma. Exatamente nesse mesmo sentido acha-se a munição desarmada (leia-se: munição isolada, sem chance de uso por uma arma de fogo) assim como a posse de acessórios de uma arma. Não contam com nenhuma danosidade real. São objetos (em si mesmos considerados) absolutamente inidôneos para configurar qualquer delito. Todas essas condutas acham-se formalmente previstas na lei (Estatuto do Desarmamento), mas materialmente não configuram nenhum delito. Qualquer interpretação em sentido contrário constitui, segundo nosso juízo, grave ofensa à liberdade e ao Direito penal constitucionalmente enfocado.168

168 GOMES, Luiz Flávio. Arma desmuniciada versus munição desarmada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005,

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O doutrinador Luiz Flávio Gomes suscita todos os argumentos presentes

nessa discussão acerca do tema já tratados anteriormente, posicionando-se com o mesmo

entendimento dos Ministros Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence. 169

Podemos destacar ainda o posicionamento do Procurador de Justiça de

Goiás Edison Miguel da Silva Júnior, em seu artigo:

[...] Especificamente em relação aos tipos penais da Lei 10.826/03, Estatuto do Desarmamento, existe um complicador novo. Na referida Lei, a pena cominada para porte ilegal de arma de fogo de uso restrito é a mesma para porte ilegal de arma de uso permitido com numeração raspada, ou seja: reclusão de 3 a 6 anos. Enquanto que o porte ilegal de arma de uso permitido com numeração intacta tem pena cominada de 2 a 4 anos. No caso de posse ilegal de arma com numeração raspada ou intacta, a diferença entre as penas cominadas é ainda mais acentuada. Ora, se o bem jurídico tutelado for somente a incolumidade pública, tais tipos penais ofenderiam o princípio constitucional da proporcionalidade. O poder de fogo de uma arma não está na sua numeração. Possuir ou portar ilegalmente uma arma de uso restrito tem pena mais grave porque a arma de uso restrito tem maior poder de fogo do que aquela de uso permitido. E esta não aumenta o seu poder de fogo se tiver a numeração raspada. Na lesão à incolumidade pública, a arma com numeração intacta ou raspada tem o mesmo poder de fogo e, por isso, deveria ter a mesma pena, sendo desproporcional apenar diferentemente condutas com lesividades iguais. Assim, se a Lei comina a mesma pena para condutas com armas de poder de fogo diferentes e essa pena for constitucional, outro deve ser o bem jurídico tutelado pelos tipos penais e não somente a incolumidade pública. (...) Atualmente, a Lei de Controle da Circulação de Arma de Fogo sugere que além da incolumidade pública, os tipos penais que incriminam a posse e o porte ilegal de arma também tutelam os registros para posse ou porte legal porque erigidos, pela Lei 10.826/03, em instrumentos de controle da circulação desse artefato. A importância penal desse novo bem jurídico (necessidade da incriminação) pode ser aferida nas 40 mil mortes por ano provocadas por arma de fogo. Nesse argumento, é necessário distinguir arma desmuniciada de arma inidônea para o disparo. Naquela, a ausência de munição não a descaracteriza como arma de fogo, tanto que obrigada ao registro. Nesta, a impossibilidade absoluta para o disparo a equipara à arma obsoleta que a Lei dispensa do registro. Logo, posse ou porte de arma inidônea é fato atípico, pois não lesiona nem a incolumidade pública nem os registros no Sinarm. Diferentemente, com o que ocorre se hábil para o disparo, embora sem munição. Neste caso, não lesiona a incolumidade pública porque não pode disparar imediatamente, mas lesiona o controle da circulação de armas pela ausência dos registros de posse ou porte. Portanto, na vigência da Lei 10.826/03, posse ou porte ilegal

p. 41. Disponível em:<http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20040705160036824>. Acesso em: 07 abr 2007.

169 Ibidem.

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de arma de fogo, mesmo que desmuniciada, é fato típico, pois lesiona efetivamente o controle de circulação de armas pelo registros do Sinarm.170

Edison Miguel da Silva Júnior traz um argumento novo para a discussão da

tipificação do crime de porte ilegal de arma de fogo sem munição. Primeiro ressalta que o

Estatuto do Desarmamento não tem somente como bem jurídico tutelado a incolumidade

pública, mas também a proteção do registro de armas do SINARM (Sistema Nacional de

Armas), ou seja, a proteção do controle de armas registradas visando à diminuição da

violência no Brasil e logo em seguida, faz a diferenciação entre arma inidônea e arma sem

munição. 171

Ao tratar de porte ilegal de arma inidônea a produzir seus efeitos, Edison

Miguel da Silva Júnior salienta que essa conduta seria atípica, pois não fere a incolumidade

pública nem tampouco os registros do SINARM, pois a arma seria tida como obsoleta, não

necessitando assim de registro. 172

Entretanto, ao mencionar o porte ilegal de arma de fogo sem munição,

Edison Miguel da Silva Júnior, posiciona-se no sentido de tipificação da conduta, pois essa

estaria ferindo o registro no SINARM, embora não esteja ferindo a incolumidade pública.173

É com os mais diversificados argumentos que a referida matéria encontra-se

em plenário do STF no intuito de ser pacificada.

3.2.4 O Crime de Porte Ilegal de Arma de Fogo Desmuniciada: Tipicidade versus Atipicidade

170 SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Arma de fogo desmuniciada no estatuto do desarmamento. São Paulo:

Boletim n° 157, IBCCRIM, 2005. Disponível em:<http://www.juspuniendi.net/01/01-0020.htm>. Acesso em: 07 abr 2007.

171 Ibidem. 172 Ibidem. 173 SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Arma de fogo desmuniciada no estatuto do desarmamento. São Paulo:

Boletim n° 157, IBCCRIM, 2005. Disponível em:<http://www.juspuniendi.net/01/01-0020.htm>. Acesso em: 07 abr 2007.

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O Estatuto do desarmamento não prevê a figura do porte ilegal de arma de

fogo sem munição, e a partir dessa não previsão é que surgem as discussões.

Amenizando e pondo fim em algumas discussões surgiu o Estatuto do

Desarmamento, mas como nem tudo pode ser previsto, com ele também surgiram novos e

acirrados debates, sendo um deles o objeto do nosso estudo.

A questão é que quando tratamos da liberdade individual das pessoas,

direito esse garantido pela Constituição Federal da República, temos que analisar o assunto

com parcimônia, e só aplicar a pena quando essa realmente for necessária.

Vários são os argumentos que giram em torno da tipicidade e atipicidade da

referida conduta como já estudamos nesse capítulo.

Mas o que devemos analisar é que alguns desses argumentos são realmente

falhos, e quando punimos um indivíduo por estar portando uma arma de fogo inapta a

produzir disparos somente porque essa arma traria um enorme poder de intimidação para

cometimento de outros crimes, estaríamos retirando a real intenção do Direito Penal de punir

realmente em último caso, pois não é somente a arma que tem um enorme poder de

intimidação, mas outros objetos como, por exemplo, uma faca, e essa nem sequer é punida

pelo legislador.

Se analisarmos por esse prisma, não poderíamos penalizar um indivíduo que

praticasse determinada conduta, pois por mais que a arma tenha um enorme poder de

intimidação para a prática de outros crimes, a intenção legislativa não foi evitar a intimidação

para prática de outros crimes, e sim, a proteção da incolumidade pública.

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Tampouco poderíamos punir o indivíduo por esse já ter condenação anterior

ao fato, condenação esta em crime contra o patrimônio, e a partir daí imaginar que com uma

arma sem munição e com essa condenação o indivíduo já teria uma personalidade voltada

para o crime. Ora, utilizar-se desses argumentos é retroceder e voltar aos regimes totalitários

que incentivaram a crueldade e desigualdade, utilizando-se de um Direito Penal do autor e não

do fato.

Podemos elucidar também o argumento utilizado pela Ministra Ellen Gracie

em que seria um crime de mera conduta, um crime de perigo abstrato, bastando à ocorrência

da conduta descrita no tipo para que o indivíduo seja punido.

A Ministra Ellen Gracie, ainda em seu argumento, cita Fernando Capez,

ressaltando ainda que a intenção do legislador foi punir esse tipo de conduta em seu

nascedouro.

Mas, ao ler Fernando Capez, nos deparamos com um argumento anterior a

esse, quando ele trata mais especificamente do porte ilegal de arma inidônea a produção de

disparos, e tão grande foi à surpresa que tivemos quando ao tratar dessa conduta, Fernando

Capez o entende como crime impossível, fazendo ainda referência ao Princípio da Lesividade

que deve ser utilizado para afastar determinados crimes, pois os crimes de perigo abstrato não

podem ser tidos como absolutos.174

Com certeza utilizar-se da moderna teoria do Direito Penal como fizeram os

Ministros Sepúlveda Pertence e Cezar Peloso nos pareceu de início a melhor alternativa, mas

ao termos ciência do Protocolo Contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo,

174 CAPEZ, Fernando. Estatuto do desarmamento: comentários à lei n. 10.826, de 22-12-2003. São Paulo:

Saraiva, 2005, p. 48.

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complementando a Convenção das Nações Unidas, contra o crime organizado transnacional,

adotado pela assembléia-geral, em 31 de maio de 2001, e assinado pelo Brasil, em 11 de julho

de 2001, a chamada Convenção de Palermo, tivemos nossos argumentos rendidos. 175

Se analisarmos que a conduta de porte ilegal de arma de fogo sem munição

é atípica por não produzir nenhum risco ao seu objeto jurídico tutelado, que é a incolumidade

pública, e ainda observarmos essa atipicidade à luz de uma potencialidade lesiva do objeto

estaríamos exterminando praticamente todos os crimes previstos no Estatuto do

Desarmamento.

O Brasil é signatário da Convenção de Palermo, tendo como objetivo tratar

de crimes transnacionais, em seu protocolo, onde trata do tráfico ilícito de armas de fogo,

qualquer tipo de arma encontrada em porte ou posse ilegal, traduzir-se-ia no tráfico ilícito de

armas, não exigindo para tanto o exame de potencialidade lesiva da arma 176, sendo:

Artigo 3°, alínea e, Tráfico Ilícito significa importação, exportação, aquisição, venda, entrega, transporte ou transferência de armas de fogo, suas peças e componentes e munições desde ou através do território de um Estado Parte para território de outro Estado Parte, caso qualquer dos Estados Partes em questão não o autorize de conformidade com os termos deste Protocolo, ou caso as armas de fogo não estejam marcadas de conformidade com o artigo 8 do presente Protocolo.177

Entretanto, se houvesse a necessidade de analisar a potencialidade lesiva de

cada arma apreendida no tráfico de armas, não teríamos mais o crime de tráfico de armas sem

antes se utilizar de um exame de potencialidade lesiva do referido objeto pois, as armas que

fossem encontradas sem munição ou incapaz de aferir lesividade não caracterizariam o crime,

sendo necessária uma análise minuciosa de cada caso.

175 PROTOCOLO contra a fabricação e o tráfico ilícito de armas de fogo da Convenção de Palermo. Disponível

em: <www.oas.org/juridico/MLA/pt/traites/pt_traites-protocol-un_toc3.pdf ->. Acesso em: 02 mai 2007. 176 Ibidem. 177 THUMS, Gilberto. Estatuto do desarmamento: fronteiras entre racionalidade e razoabilidade, comentários

por artigos (análise técnica e crítica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 41.

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Sendo assim, também não poderíamos punir um indivíduo que se

encontrasse portando apenas uma munição, pois essa é inutilizável sozinha. O Ministro Eros

Grau relator no HC 90075/SC indeferiu recurso de recorrente que se encontrava portando

munição, por entender que o legislador ao prever o crime de porte de munição teria a intenção

de punir ele por si só, sem mencionar sua potencialidade lesiva.178

Ora, se punir um indivíduo com uma arma sem munição é ferir o Princípio

da Lesividade, como argumentou o Ministro Eros Grau que votou pela atipicidade dessa

conduta, então punir um indivíduo portando apenas munições é ferir ainda mais o mesmo

princípio, pois se uma arma sem munição não causa lesão muito menos risco de lesão ao bem

jurídico tutelado pelo Estatuto do Desarmamento, quanto mais uma simples munição.

Torna-se contraditório os argumentos utilizados pelo Ministro Eros Grau,

que suscitou ser o porte de munição crime abstrato, não reclamando assim, para sua

configuração, lesão imediata ao bem jurídico tutelado e o porte ilegal de arma desmuniciada

um perigo concreto.179

É com essa base que termina esse trabalho, ou punem-se as condutas

previstas no Estatuto do Desarmamento sem exceções, não pelo poder de intimidação que

determinados objetos podem causar para cometimento de outros crimes, mas por ter sido a

intenção legislativa demonstrada mais claramente quando o legislador incrimina o porte de

munição que não tem potencialidade lesiva se portada isoladamente, ou reescreva a redação

dada ao estatuto subordinando esse à existência de exame que comprove a potencialidade 178 INFORMATIVO 457 DO STF. Disponível em:<http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-

brs?d=INFO&s1=Porte+de+Muni%E7%E3o&u=http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/default.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=INFON&p=1&r=1&f=G&l=20>. Acesso em: 02 mai 2007.

179 Informativo 457 do STF. Disponível em:< http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=INFO&s1=Porte+de+Muni%E7%E3o&u=http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/default.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=INFON&p=1&r=1&f=G&l=20>. Acesso em: 02/05/2007.

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lesiva de todos os objetos proibidos por ele, descriminalizando assim, condutas que não

tenham potencialidade lesiva.

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CONCLUSÃO

A presente monografia teve por objeto a análise do Recurso Ordinário em

Habeas Corpus 81.057-8/ São Paulo, onde se discute a tipicidade do crime de porte ilegal de

arma de fogo desmuniciada.

O primeiro capítulo abordou o desenvolvimento das leis de arma de fogo no

Brasil, a preocupação não só legislativa, mas também social com a referida matéria, além de

demonstrar a intenção legislativa ao criar a Lei 10.826/03, conhecida como Estatuto do

Desarmamento, de com penas mais severas diminuir a violência e a criminalidade no Brasil.

Ressalta-se, ainda, no referido capítulo o bem jurídico protegido pelo Estatuto do

Desarmamento, algumas classificações doutrinárias dos crimes nele previstos e princípios

norteadores.

O segundo delimitou o crime que seria tratado pela presente monografia,

demonstrando suas características e diferenciações no que tange aos outros crimes tratados

pelo Estatuto do Desarmamento.

O terceiro, por fim, relacionou os temas abordados nos primeiros e segundos

capítulos com o Recurso Ordinário em Habeas Corpus 81.057-8/São Paulo, com um estudo

não somente sobre a análise das posições jurisprudenciais, mas também doutrinárias.

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Analisar um recurso, sabendo que a liberdade de um indivíduo está sendo

discutida requer muita firmeza e embasamento jurídico. A moderna teoria do Direito Penal

questiona a punição das condutas que não lesionem nem se quer coloquem em risco de lesão o

bem jurídico tutelado. Mas muitas vezes é preciso analisar a intenção legislativa e as condutas

descritas na lei para que juntamente com o sistema penal, possa ser feita uma interpretação

sistêmica, buscando com isso uma melhor solução no caso concreto.

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I

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GOMES, Luiz Flávio; VANZOLINI, Maria Patricia. Reforma criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2005.

INFORMATIVO 457 DO STF. Disponível em: <http://gemini.stf.gov.br/cgi-bin/nph-brs?d=INFO&s1=Porte+de+Muni%E7%E3o&u=http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/default.asp&Sect1=IMAGE&Sect2=THESOFF&Sect3=PLURON&Sect6=INFON&p=1&r=1&f=G&l=20>. Acesso em: 02 mai 2007.

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PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.

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II

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ANEXO A – RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 81.057-8 SÃO PAULO