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CURSO DE COMUNICAO SOCIAL
HABILITAO EM JORNALISMO
Thiago Luiz Strmer
ATUALIDADE, PROFUNDIDADE E NARRATIVA LITERRIA:
A REPORTAGEM COMO FATOR DE DISTINO NA REVISTA PIAU
Santa Cruz do Sul, junho de 2010
Thiago Luiz Strmer
ATUALIDADE, PROFUNDIDADE E NARRATIVA LITERRIA:
A REPORTAGEM COMO FATOR DE DISTINO NA REVISTA PIAU
Trabalho de concluso apresentado ao Curso de Comunicao Social da Universidade de Santa Cruz do Sul para a obteno do ttulo de Bacharel em Comunicao Social Habilitao Jornalismo.
Orientador: Prof. Dr. Demtrio de Azeredo Soster
Santa Cruz do Sul, junho de 2010
Thiago Luiz Strmer
ATUALIDADE, PROFUNDIDADE E NARRATIVA LITERRIA:
A REPORTAGEM COMO FATOR DE DISTINO NA REVISTA PIAU
Este trabalho de concluso de curso foi apresentado ao Curso de Comunicao Social da Universidade de Santa Cruz do Sul, como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Comunicao Social Habilitao Jornalismo.
Dr. Demtrio de Azeredo Soster
Professor orientador
Dra. Fabiana Piccinin
Ms. Paulo Pinheiro
AGRADECIMENTOS
Ao Demtrio, que orientou esta pesquisa, pela pacincia com as limitaes do aluno,
pelos ensinamentos, pelas correes precisas. Unisc, pela concesso da bolsa. Muri,
famlia e aos amigos, pelo incentivo
A melhor notcia nem sempre a que se d primeiro, mas muitas vezes a que se d melhor. (Garca Mrquez, A melhor profisso do mundo)
RESUMO
Partindo do princpio de que a revista Piau, por suas caractersticas, representa um paradoxo
no cenrio do jornalismo contemporneo, esta pesquisa busca explicitar como tal publicao
se estabelece editorialmente. Para tanto traamos um panorama histrico do surgimento e da
evoluo do jornalismo no formato revista e revisamos as discusses a cerca dos diferentes
gneros jornalsticos, com nfase na evoluo do jornalismo interpretativo, no qual se inserem
os textos da Piau. E depois de definirmos os aportes metodolgicos utilizados, analisamos 15
reportagens da Piau, com o objetivo de compreender quais os recursos que diferenciam os
textos da Piau de outras publicaes, e como esses recursos so utilizados.
Palavras-chave: jornalismo interpretativo; revista; atualidade; profundidade; narrativa
literria
SUMRIO
INTRODUO..........................................................................................................................8 1 FORMAO E IDENTIDADE DAS REVISTAS...............................................................11 1.1 O surgimento da revista......................................................................................................11 1.2 As revistas no Brasil...........................................................................................................13 1.2.1 A primeira grande revista brasileira: O Cruzeiro.............................................................14 1.2.2 A aposta na imagem: a revista Manchete.........................................................................18 1.2.3 O apogeu da reportagem: a revista Realidade..................................................................21 1.2.4 A ltima grande revista nacional: Veja............................................................................24
2 ALGUMAS DEFINIES PARA OS GNEROS JORNALISTICOS...............................28 2.1 O gnero interpretativo.............................................................................................................................312.1.1 Diferenciaes entre jornalismo interpretativo e diversional..........................................35
3 PIAU, UMA REVISTA DIFERENCIADA.........................................................................38 3.1 A valorizao do texto em Piau.........................................................................................46
4 DOS MTODOS DE ANLISE...........................................................................................52 4.1 A reviso bibliogrfica........................................................................................................53 4.2 Estudo de caso..................................................................................................................... 4.3 Anlise de contedo............................................................................................................54
4.4 Ferramenta de anlise pessoal.............................................................................................55 4.4.1 As unidades de anlise.....................................................................................................56 4.4.1.1Atualidade......................................................................................................................56 4.4.1.2 Profundidade.................................................................................................................57 4.4.1.3 Narrativa literria..........................................................................................................58
5 CARACTERISTICAS DAS REPORTAGENS DA REVISTA PIAU................................62 5.1 Anlise das reportagens......................................................................................................62 Alguns apontamentos................................................................................................................84
CONSIDERAES FINAIS....................................................................................................85 REFERNCIAS........................................................................................................................89
INTRODUO
Autores de pesquisa em jornalismo sempre se dedicaram a compreender e delinear as
transformaes decorrentes da evoluo da sociedade nessa atividade profissional e em sua
produo. Ciro Marcondes Filho divide a evoluo do jornalismo em quatro fases. A primeira
fase caracterizada por seus valores e literrios, a segunda pelo estabelecimento da imprensa
de massa e a terceira pela imprensa monopolista. A quarta fase, e atual, definida pela
implantao de novas tecnologias, pela disseminao da informao eletrnica e pela
interatividade.
A quarta fase comeou na dcada de 1970, quando os meios digitais passar a interferir
no jornalismo. Mas a grande mudana iniciou a partir da metade da dcada de 1990, com a
transposio do contedo jornalstico para a internet. Hoje, os principais valores da produo
jornalstica so o impacto visual, a velocidade, a preciso e a atualizao contnua.
No entanto, nos ltimos anos, esto se estabelecendo no mercado jornalstico veculos
de comunicao em formato que contraria esses preceitos. Um exemplo a revista Piau.
Criada em 2006 pelo documentarista Joo Moreira Salles, Piau se caracteriza por privilegiar
a escrita em detrimento a informao visual e por trazer reportagens aprofundadas, com textos
longos e minuciosos ao invs de informaes rpidas e curtas.
Pouco antes da publicao da primeira edio da Piau, Joo Moreira Salles ouviu de
um famoso editor que uma revista com a que ele tinha condies de vender mais do que cinco
mil exemplares por ms mercado do Brasil. Os mais otimista diziam que a tiragem poderia
chegar a 10 mil exemplares. Na poca da execuo dessa pesquisa, eram comercializados por
ms 60 mil exemplares da Piau, e a tiragem estava em permanente crescimento.
Essa monografia pretende auxiliar na compreenso dos motivos que fazem com Piau
tenha se estabelecido de forma to contundente no mercado editorial nacional. Para isso, nos
dedicamos a analisar o contedo publicado pela revista em questo. Para cumprir com esse
objetivo, utilizamos de trs tcnicas de pesquisa bastante consolidadas nas pesquisas em
jornalismo: reviso bibliogrfica, estudo de caso e anlise de contedo, alm de um mtodo
pessoal que desenvolveremos especificamente para este estudo.
Inicialmente, afim de delinearmos a trajetria de evoluo das revistas, fizemos um
resgate histrico do formato, desde seu surgimento at a consolidao, que passa pela
inovao trazida por ttulos como Time, Life e The New Yorker. No Brasil, as revistas que
mais se destacaram ao investir em jornalismo diferenciado foram O Cruzeiro, Manchete,
Realidade e Veja.
Cada uma dessas publicaes, foi em seu tempo, inovadora. O Cruzeiro, revista
fundada em 1928, foi a primeira a investir em nos textos aprofundados e na valorizao das
fotografias. Manchete, de 1952, consolidou o destaque s imagens dessa vez em cores e
tambm investiu em boas reportagens. A revista Realidade, da Editora Abril, representa uma
das melhores experincias nacionais no que tange ao jornalismo de revista com reportagens
aprofundadas e texto literrio. Veja, por sua vez, se consolidou ao investir na cobertura
poltica assunto que mais mobilizava o pas poca de sua criao e, mais recentemente,
no denuncismo poltico e na opinio contundente.
Avanando na pesquisa, revisamos uma discusso que embora exista formalmente no
Brasil h pelo menos trs dcadas, continua motivando diferentes propostas de interpretao:
as definies dos gneros jornalsticos. Ao tratamos do tema, temos por objetivo a
conceituao dos textos publicados na revista Piau e a definio de suas caractersticas.
Entendemos que os textos de Piau tem caractersticas de dois gneros distintos, o
interpretativo e o diversional, ao serem escritos com tcnicas literrias, na qual o autor se
preocupa menos em seguir padres e tcnicas de redo jornalstica para dar ao leitor uma
viso mais humanizada dos fatos. Mas classificamos os textos como interpretativos porque
eles tm compromisso com a atualidade, caracterstica no encontrada nos textos de
jornalismo diversional.
No terceiro captulo, tratamos da histria e das caractersticas da publicao que
nosso objeto de estudo, a revista Piau. Tal medida importante para que possamos entender
o contexto no qual a publicao se insere, quais os modos de produo da revistas, quem so
os responsveis por sua criao e quais suas caractersticas editorias.
No quarto captulo, identificamos e explicamos as operaes tericas e tcnicas que
compuseram a construo de nossa pesquisa. Como j foi dito, utilizamos, como tcnicas de
reviso bibliogrfica, estudo de caso, anlise de contedo. Buscamos definir esses trs
mtodos de investigao e, dessa forma, justificar seu uso na resoluo de nosso problema de
pesquisa.
Para definir como se caracterizam os textos da Piau, analisamos as caractersticas
comuns em 15 principais reportagens publicadas entre junho e outubro de 2009 na revista.
Essas caractersticas so a atualidade, a profundidade e a narrativa literria. O que
pretendemos compreender como essas caractersticas esto inseridas nos textos da Piau e
qual seu papel, pois acreditamos que o formato das reportagens da revista so sua principal
diferenciao em relao a outros veculos e representam por isso mesmo elementos
importantes da composio do sistema jornalstico atual.
1 FORMAO, DESENVOLVIMENTO E IDENTIDADE DAS REVISTAS
Neste primeiro capitulo, preciso que recuperemos a trajetria de evoluo do
formato jornalstico alvo da pesquisa, a revista. Compreender as caractersticas e a
desenvolvimento das revistas importante para que possamos, adiante, compreender o
contexto histrico no qual est inserido a revista Piau e o modelo de jornalismo desenvolvido
por esta publicao.
Nas prximas pginas, faremos um resgate histrico sobre o surgimento do suporte
revista, primeiro, no mundo; depois, no Brasil. Buscando objetividade e clareza, optamos por
tratar de maneira aprofundada quatro ttulos. So as revistas nacionais que mais se destacaram
em toda a histria, seja nos nmeros de tiragem, prestgio, ou qualidade editorial. Cada uma
delas, tm caractersticas particulares, mas todas foram, em seu momento, inovadoras. So
as revistas O Cruzeiro, Realidade, Manchete e Veja.
Mais que uma reviso biblio-historiogrfica, trata-se de uma maneira de avanarmos
em nosso problema de pesquisa, as caractersticas do jornalismo interpretativo produzido na
revista Piau. Ademais, ao se estudar ttulos que investiram nas reportagens em profundidade
como principal atrativo editorial, refletiremos, por conseqncia, sobre o surgimento deste
tipo de produo jornalstica e sua evoluo at chegarmos ao seu formato contemporneo,
desenvolvido por Piau.
1.1 O surgimento da revista
Segundo pesquisas de Scalzo (2003) e Corra (2010), a primeira revista que pode ser
classificada assim chamava-se Edificantes Discusses Mensais. A publicao foi lanada em
1663, na Alemanha. Apesar de assemelhar-se fisicamente a um livro, classificado pelos
autores como revista porque era segmentada sempre trazia artigos sobre teologia tinha
periodicidade fixa, como denota seu nome, e era voltada para um pblico especfico.
Logo, publicaes semelhantes foram lanadas em outros pases da Europa. Todas
tinha formato fsico semelhante ao do livro e no se autodenominavam revistas. Mesmo
assim, deixavam clara a misso do novo tipo de publicao que surgia: destinar-se a pblicos
especficos e aprofundar os assuntos mais que os jornais, menos que os livros. (SCALZO,
2004, p.19).
The Gentlemans Magazine, publicada em Londres em 1731, e The Ladies Magazine,
lanada um pouco depois, em 1779, foram as primeiras revistas com formato semelhante ao
que conhecemos hoje. Buscavam apresentar os temas de forma leve e agradvel e reuniam
assuntos variados - como os magazines, lojas que vendiam um pouco de tudo. A partir da, o
termo magazine passou a designar revista em ingls e em francs.
At o fim do sculo 18, com a evolues na sociedade trazida pela Revoluo
Industrial1 e a conseqente facilitao nos processos de impresso, j havia no mercado uma
centena de publicaes. A quantidade de ttulos aumenta no mesmo ritmo em que os pases se
desenvolvem, o analfabetismo diminui, cresce o interesse por novas idias.
Ao longo do sculo 19, a revista ganhou espao, virou e ditou moda. (...) Com o aumento dos ndices de escolarizao, havia uma populao alfabetizada que queria ler e se instruir, mas no se interessava pela profundidade dos livros, ainda vistos como instrumentos da elite e pouco acessveis. Com o avano tcnico das grficas, as revistas tornaram-se o meio ideal, reunindo vrios assuntos num s lugar e trazendo belas imagens para ilustr-los. Era uma forma de fazer circular, concentradas, diferentes informaes sobre os novos tempos, nova cincia e as possibilidades que se abriam para a populao que comeava a ter acesso ao saber (SCALZO, 2004, p. 20).
A revista que mais contribuiu para o progresso do gnero foi a Time. A publicao foi
fundada em 1923 e continua sendo uma das mais prestigiadas do mundo. A Time foi a
primeira publicao semanal de notcias de generalidades e inspirou, como veremos adiante, a
criao da Veja, pela Editora Abril, 48 anos depois, em 1968.
Os fundadores da Time queriam trazer as notcias da semana, organizadas em sesses,
sempre narradas de maneira concisa e sistemtica. dando-lhes contexto e opinio. O homem
ocupado no tem tempo para perder, achavam Hadden e Luce em 1923, antecipando uma
verdade que hoje nos aflige ainda mais (CORRA, 2010, On-line)
Outro ttulo destacado por Marlia Scalzo (2004, p. 23) Life, de 1936. A revista,
fundada por Henry Luce que tambm participou da fundao da Time aproveita o
desenvolvimento da fotografia para fundamentar-se justamente nas imagens. Outra
caracterstica foi a melhora na qualidade do papel, que aumentava ainda mais a valorizao
das fotografias.
_________________________________ 1Conjunto de mudanas tecnolgicas iniciadas na Inglaterra meados do sculo XVIII e logo expandido para os outros pases. Ao longo do processo, a era agrcola foi superada, a mquina suplantou o trabalho humano, uma nova relao entre capital e trabalho se imps, novas relaes entre naes se estabeleceram e surgiu o fenmeno da cultura de massa, entre outros eventos.
Dois fenmenos editorias do Brasil, O Cruzeiro e Manchete, seguem a frmula criada
na Life, como veremos mais adiante.
Tambm considerada importante por Correa, e relevante no nosso trabalho, por ter
inspirado o formato seguido por Piau, a revista The New Yorker, criada por Harold Ross em
1925, nos Estados Unidos, e que at hoje continua a ser uma das publicaes mais
prestigiadas no mundo. A revista se destaca pela reportagens em profundidade sobre pontos
de vista originais e com narrativa literria. Como a Piau, a The New Yorker publica contos de
fico, poesias e histrias em quadrinhos em praticamente todas as edies. semelhante
tambm a formatao grfica das duas revistas, com prioridade para os textos sempre longos
em detrimento s fotos.
Credita-se The New Yorker, ainda, a inveno do modelo de texto que chamamos de
perfil. O perfil, define, Srgio Vilas Boas um tipo de texto biogrfico sobre uma uma
nica - pessoa, famosa ou no, mas viva, de preferncia. O autor explica ainda as diferenas
do perfil e da biografia do personagem.
A biografia uma composio superdetalhada de vrias textos biogrficos (facetas, episdios, convivas, pertences, legados, o feito, o no-feito etc.). Enquanto um bigrafo se detm em um extenso conjunto de inputs, o autor de um perfil se concentra em apenas alguns aspectos do personagem central. O personagem central assim melhor que perfilado (palavra horrvel) a razo de ser de um perfil. Se a individualidade fosse banida do mundo e os humanos no passassem de robs programveis, sem estilo nem identidade, o gnero perfil simplesmente no existiria. O perfil se atm individualidade, mas no ao individualismo vulgar. (VILAS BOAS, 2010, On-Line)
1.2 As revistas no Brasil
Aps delinearmos os principais momentos do surgimento do meio revista no mundo,
passamos, agora, a tratar do desenvolvimento do formato e de sua identidade no Brasil.
Como lembra Scalzo (2003), a histria das revistas no pas, como a histria da
imprensa em geral, em qualquer parte do mundo, confunde-se com a histria econmica e
industrial. Como a publicao de qualquer tipo de produo jornalstica s foi permitida no
Brasil depois da chegada da Famlia Real, em 1808, a primeira revista s foi impressa no pas
em 1812. Chamava-se As Variedades ou Ensaios de Literatura,e era produzida em Salvador.
Como outras da poca, era muito parecida com um livro e se propunha a publicar diversos
assuntos, desde pequenas novelas at clssicos da literatura portuguesa, passando por
anedotas e artigos cientficos.
Em 1827, impressa a primeira revista segmentada por tema, a reboque da
beletrizao da elite profissional do pas recm independente. Chama-se O propagador das
Cincias Mdicas e foi publicado pela Academia de Medicina do Rio de Janeiro. E nesse
mesmo ano surge a primeira revista feminina nacional, Espelho Diamantino. Dirigida s
mulheres, a publicao tratava de assuntos que at hoje pautas as revistas de diversidade -
poltica, moda, teatro, literatura. Essas duas revistas - e a maioria das outras que existiam na
poca - foram extintas em pouco tempo, devido falta de assinantes e de recursos.
O cenrio comea a mudar com a revista Museu Universal, de 1937, voltada a uma
parcela da populao recm-alfabetizada, com o propsito de oferecer cultura e
entretenimento. Abusando do uso de ilustraes e com pequenos textos, Museu Universal era
o meio ideal para essa que os recm conquistados leitores se informassem. Com essa frmula,
copiada dos magazines europeus, o jornalismo de revista brasileiro comeou a se expandir.
Conforme a pesquisa de Scalzo (2003) foram lanados centenas de ttulos entre o final
do sculo XIX e o inicio do sculo XX, durante a chamada Belle poque. A maioria deles no
Rio de Janeiro, centro poltico e cultural da repblica. Acompanhando as transformaes
cientficas e tecnolgicas, as revistas passam a apresentar um nvel de requinte visual antes
inimaginvel. Comeam a apareces as primeiras fotografias e ilustraes. Um dos ttulos mais
destacados a Revista Ilustrada, fundada em 1860 por Henrique Fleuiss, que vale-se desses
recursos grficos. Mas a primeira revista a efetivamente usar o fotojornalismo no Brasil foi a
Cruzeiro inicialmente sem o artigo no inicio no nome , sobre a qual falaremos a seguir.
1.2.1 A primeira grande revista brasileira: O Cruzeiro
O Cruzeiro foi a principal revista brasileira da primeira metade do sculo XX. O
projeto da publicao era foi idia do jornalista portugus Carlos Malheiro Dias. Mas quem
acabou comprando o ttulo efetivamente iniciando sua impresso foi o dono dos Dirios
Associados2, Assis Chateaubriand. Chateaubriand, como conta Morais (1994, p. 177) na
_________________________________ 2Os Dirios Associados chegaram a reunir 36 jornais, 18 revistas, 36 rdios e 18 emissoras de televiso, em todo o Brasil alm da revista O Cruzeiro. Com a morte de Chateaubriand, em 1968, as empresas entraram em decadncia, culminando, em 1980, com o fechamento da TV Tupi.
biografia que escreveu sobre o empresrio e jornalista, tinha a inteno de desenvolver um
produto jornalstico que atingisse todo o pas. Por meio de amigos, tomou conhecimento das
intenes de Malheiro Dias e, em 1928, com a ajuda do ento ministro da Fazenda Getlio
Vargas, conseguiu o dinheiro necessrio para comprar a idia e iniciar O Cruzeiro.
poca j proprietrio da maior cadeia de jornais que existiu no pas, Chateaubriand
conhecia como nenhum outro o mercado editorial, suas possibilidades e demandas. Logo, O
Cruzeiro tinha um projeto editorial definido: Uma revista com papel de alta qualidade,
repleta de fotografias, contaria com os melhores articulistas e escritores do Brasil e do
exterior. (MORAIS, 1994, 178). Cruzeiro seria semanal, com tiragem de 50 mil exemplares,
que circulariam em todas as capitais e principais cidade do Brasil.
O Cruzeiro surgiu no governo de Washington Luiz Pereira de Souza. Era um perodo
de intensa migrao do campo para as cidades. O Brasil registrava o aumento da vida urbana.
Fbricas se espalhavam s dezenas. Para os leitores de O Cruzeiro, a revista era o reflexo do
processo de modernidade pelo qual passava a sociedade brasileira. Em pouco tempo, a revista
se firmou como a principal publicao nacional. E sua Redao foi pioneira ao tratar de
reportagens profundas sobre questes nacionais.
Nos 46 anos que circulou, inclusive no exterior, em pases como Portugal, Argentina,
Chile e Mxico, O Cruzeiro foi considerada a maior revista da Amrica Latina, chegando a
uma tiragem de 700 mil exemplares na dcada de 1960, seu perodo-auge.
Alm lanar nomes na poltica e nas artes, o peridico foi um dos veculos de
comunicao mais poderosos que o pas j teve. Um exemplo o prprio Getlio Vargas, que
O Cruzeiro ajudou a levar ao poder na dcada de 1930 e que tambm ajudou a depor em
1944.
Moraes (1997, p. 194) destaca que O Cruzeiro valorizava a produo literria,
refletindo o interesse de seu publisher pelas artes. Logo em suas primeiras edies, foi
lanado um concurso de contos e novelas destinado a descobrir novos talentos da literatura.
Em poucas semanas, mais de 400 trabalhos chegaram a redao da revista. Entre os dez
finalistas dois nomes chamaram a ateno especial pela qualidade de sua produo e pela
pouca idade. Um deles era o futuro general e historiador Nelson Weneck Sodr, autor do
clssico Histria da imprensa no Brasil (Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1966),
poca com 18 anos. O outro, do interior de Minas Gerais, era um jovem de 21 anos chamados
Joo Guimares Rosa, que anos seria consagrado como um dos maior escritores em lngua
portuguesa.
Serpa (2010) listou um conjunto de artistas ilustradores, pintores e escritores que
colaboraram para O Cruzeiro: Portinari, Di Cavalcanti, Santa Rosa, Djanira, Ismael Nery,
Enrico Bianco, Gilberto Trompowski, Anita Malfatti, Millr Fernandes, Ziraldo, Carlos
Estevo, Alceu Penna, Zlio (irmo de Ziraldo), Humberto de Campos, Graciliano Ramos,
Jorge Amado, rico Verssimo, Franklin de Oliveira, Austregsilo de Athayde e Manuel
Bandeira.
O Cruzeiro foi responsvel pela implementao de uma nova forma de fazer
jornalismo, antes nunca utilizada pela imprensa da poca. Foi a primeira vez que a
reportagem, modelo de texto jornalsticos estudado nessa pesquisa, foi explorada. Nunca antes
houvera tanta preocupao com a diagramao, nem o uso de fotografias daquela forma,
impressas em cores, ocupando pginas inteiras. Pode-se dizer que O Cruzeiro foi percussora
do fotojornalismo moderno no Brasil. Foi, ainda, uma porta para o surgimento de vrios
nomes importantes no jornalismo, como David Nasser, na reportagem, e, na fotografia, Jean
Manzon.
Jean Manzon nasceu em Paris e trouxe muito da experincia francesa para o Brasil.
Manzon contribuiu com a implementao das reportagens fotogrficas em O Cruzeiro,
utilizando a sua experincia de participao em grandes coberturas pela revista Match. Seu
talento, e de seu parceiro na maioria das empreitadas, David Nasser, que trabalhava em O
Globo e foi escolhido pelo prprio Manzon para ser sua dupla nas reportagens, modificaria
por completo o jornalismo nacional.
Manzon e Nasser foram os primeiros nomes da segunda fase de O Cruzeiro, iniciada a
partir da dcada de 1940. O perodo foi marcado pelas reportagens semanais produzidas pela
dupla. Juntos, eles participaram de coberturas histricas. Uma das mais famosas a matria
Enfrentando os Chavantes!, publicada no do dia 24 junho de 1944. A tribo indgena habitava
uma rea muito isolada na Serra do Roncador, na fronteira do Mato Grosso com o Par e foi
mostrada pela primeira vez por meio das lentes de Manzon e descrita pelo texto de Nasser.
Tambm fez muito sucesso, em junho de 1946, a reportagem Barreto Pinto sem
Mscara, veiculada em 29 de junho de 1946 e que custou ao deputado a cassao do mandato.
Luiz Maklouf Carvalho reprter de Piau, autor do livro Cobras Criadas (2001), sobre a
dupla, e descreve esse episdio:
Em onze pginas, da 8 a 18, Manzon e Nasser apresentaram o deputado constituinte Barreto Pinto semidesnudo, em cuecas e fraque. Foi um escndalo, provocou enorme repercusso na mdia e levou cassao de um restinho de mandato de Edmundo Barreto Pinto, do Partido Trabalhista Brasileiro a primeira na histria poltica do Brasil. (...) Barreto Pinto explicou, na ocasio, que recebeu os dois reprteres, em casa, a pedido do secretrio de redao do Dirio da Noite, Sebastio Isaas. E que deixou-se fotografar s com a casaca, em cuecas, porque os dois disseram que s iriam aproveitar o busto. (CARVALHO, 2001, p. 151-153).
Nasser, e todos os outros reprteres de O Cruzeiro, relatavam os fatos sem a
preocupao com o modelo formal do texto jornalstico, que leva em conta a objetividade da
informao. Os textos tinham traos ficcionais e narrativa literria, e em muitos deles,
principalmente quando os autores tinham prestgio entre os leitores, caso de Nasser, era usada
a primeira pessoa e o texto girava em torno do narrador e de sua aes e observaes. O
prprio reprter se transformava num personagem.
Mas mesmo se tornando cada vez mais moderno, o jornalismo praticado em O
Cruzeiro era descompromissado com a tica em vrios sentidos. Em seu livro, Luiz Maklouf
Carvalho (2001) conta algumas das artimanhas utilizadas pelos reprteres para conseguir
matrias de sucesso. Um exemplo est no relato sobre a morte, inventada, do prprio Jean
Manzon. A reportagem ficcionista aumentou o prestgio e a popularidade da dupla. Accioly
Netto (1998), ex-diretor de redao da revista, tambm trata da falta de tica em O Cruzeiro
em seu livro de memrias. Segundo Netto (1988, p. 51), muitas vezes as matrias das sees
eram reaproveitadas das revistas do exterior. Fernando Moraes (1997, p. 370) lembra que
muitos textos eram pagos por anunciantes, apesar de isso no ficar explcito aos leitores.
O Cruzeiro comeou a declinar a partir dos anos 60, com o desuso de suas frmulas e
o surgimento de novas publicaes, como a revista Manchete, sobre a qual trataremos a
seguir. A runa chegou definitivamente em 1974, provocada pelas dividas que fizeram
sucumbir tambm os outros veculos do Dirios e Emissoras Associados. Alm de perder
parte do prprio prdio onde estava instalada na rua Livramento, o ttulo O Cruzeiro foi
cedido a Hlio Lo Bianco, em pagamento por suas comisses atrasadas (NETTO, 1998,
p.164). Tambm as mquinas, importadas por mais de dois milhes de dlares, foram
vendidas a preo de ferro-velho.
1.2.2 A aposta na imagem: a revista Manchete
Manchete comeou a circular em abril de 1952, um ano depois de Adolpho Bloch ter
iniciado seu projeto. O fundador da revista era um imigrante vindo para o Brasil com a famlia
em 1922, infeliz com o regime socialista na sua Russia natal.
Bloch, empresrio do setor grfico, apostava que havia lugar no mercado para mais
uma revista de circulao nacional, que poderia concorrer com O Cruzeiro. Com base na
experincia adquirida nas tipografias da famlia, tanto na Rssia como no Brasil, alicerava-se
nas possibilidades de introduzir inovaes editoriais na publicao e aprimoramentos tcnicos
no equipamento grfico para vencer o desafio de concorrer com a poderosa revista de
Chateaubriand.
O primeiro nmero da Manchete estampava na capa uma bailarina do Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, e alardeava como exclusividades Uma grande reportagem de
Jean Manzon e A verdadeira vida amorosa de Ingrid Bergman. O fundo escuro,
contrastando com o dourado de uma carruagem que servia de cenrio e com as chamadas
emolduradas em vermelho.
A inteno era lanar uma revista em estilo inteiramente novo, com alta qualidade
grfica, muitas reportagens a cores, investindo enfaticamente no aspecto visual. A inspirao
publicao francesa Paris-Match, revista de alta qualidade, requintada, cuidadosamente
impressa em sofisticado papel couch.
Cercada por grandes nomes da imprensa dos anos 1950 e dando cobertura aos
acontecimentos relevantes no pas e no exterior, a Manchete logo se tornou uma das revistas
de maior circulao no pas na poca. Tinha sucursais, representantes e correspondentes nas
principais cidades do Brasil e do mundo, tais como So Paulo, Paris, Lisboa, Londres,
Tquio, Buenos Aires, Montevidu e Nova Iorque.
Segundo o editor Alvimar Rodrigues, entrevistado por Arago (2010, On-Line) o
Adolpho, com a viso grandiosa que tinha, ele quis lanar essa revista [Manchete] como
alguma coisa de muito melhor do que era a grande revista da poca, que era O Cruzeiro. De
fato, a Manchete, ao ser lanada, rapidamente suplantou o sucesso de O Cruzeiro, pois se
apresentava valorizando um outro aspecto visual, o colorido muito prezado pelo pblico
leitor em uma poca em que a televiso nem existia e depois, quando disseminada, recebia
somente imagens em preto e branco.
Levando em considerao as mudanas ocorridas na imprensa nos anos 1950,
podemos perceber o quanto O Cruzeiro (embora tenha iniciado sua circulao em 1928) e
Manchete se beneficiaram de tudo aquilo que tais transformaes propiciavam: maiores
recursos advindos da publicidade, novas tcnicas de redao, novos modelos de cmaras
fotogrficas, jornalistas mais habilitados, fotgrafos com experincia profissional de alta
qualidade.
Manchete passou a dominar o mercado a partir dos anos 60, quando atingia tiragem
semanal mdia de 400 mil exemplares. Um dos principais responsveis por esse sucesso foi
Justino Martins, editor da revista por 24 anos, desde 1959 at sua morte, em 1983. Antes, ele
havia sido correspondente de vrias publicaes nacionais em Paris, onde entrevistou artistas
como Picasso, Grace Kelly e Jean Genet e foi um dos primeiros jornalistas brasileiros a
perceber a importncia que as celebridades tem para as revistas ilustradas (CORRA, 2000).
Assim, Manchete sempre deu destaque a atrizes e suas frivolidades. Justino acreditava
que os assuntos preferidos dos brasileiros eram as celebridades, o cinema, o esporte, o crime e
o dinheiro; tambm podemos incluir nessa lista o Carnaval que, anualmente, rendia
prestigiadas edies especiais de Manchete.
Mas, contam Gonalves e Muggiati (In: BARROS e GONALVES, 2008), Justino era
muito preocupado com o papel social da revista. Ele e Adolpho Bloch entravam em conflito
constantemente porque o editor queria uma revista mais nacionalista, com mais crtica social e
menos amenidades internacionais. Em 1977, Justino escreveu o seguinte relatrio sobre
Manchete:
Sempre houve muita matria estrangeira na Manchete, mas agora h um excesso de enlatados. A mdia atual de 50% a 70% de assuntos estrangeiros. Os 30% nacionais so, em boa parte, de interesse exclusivo da publicidade. (BARROS e GONALVES 2008, p. 40)
Semelhante a O Cruzeiro, a publicao da editora Bloch tambm dedicava bons
espaos s pginas de cultura. Sua vocao literria ficou evidente na sria chamada As obras
primas que poucos leram. A srie foi iniciada em 1972 e durou cinco anos sem interrupo.
Nela, autores como Ruy Castro, Carlos Heitor Cony e Otto Maria Carpeaux escreviam sobre
livros famosos para o grande pblico, mas que na realidade poucos haviam lido. A revista
dedicava muito espao ao cinema e foi sua Redao que usou pela primeira vez um quadro de
cotao, onde os crticos avalizavam com estrelas a qualidade do produto artstico.
Alm dos citado acima, entre os destaques no meio intelectual que trabalharam para
Manchete, Andrade e Cardoso (2010, On-Line) identificaram Carlos Drummond de Andrade,
Rubem Braga, Joel Silveira, Manuel Bandeira, Fernando Sabino, Nelson Rodrigues, Paulo
Mendes Campos, Lgia Fagundes Telles, Antnio Callado, Srgio Porto, Ciro dos Anjos,
Jnio de Freitas e muitos outros. Jean Manzon, que despontou em O Cruzeiro foi o principal
fotgrafo da de Manchete. Ao seu lado, estiveram Darwin Brando, Gil Pinheiro, Gervsio
Baptista, Flvio Roiter, Jader Neves etc.
Gonalves e Muggiati (In: BARROS e GONALVES, p.26, 2008) lembram que
Manchete no tinha muita preocupao com a atualidade das noticias publicadas. Seu carro-
chefe era a qualidade da informao e no o ineditismo ou a velocidade. A redao conclua a
edio da semana na segunda, a grfica imprimia na madrugada e em parte da manh das
tera e o leitor recebia a revista sempre s quartas, dois dias depois, portanto. Mesmo assim, a
revista fazia esquemas especiais para poder noticiar, na mesma semana, por exemplo, as
eleies presidncias americanas, cujo resultado tradicionalmente sai na tera noite. A
Redao preparava duas matrias e ficavam, ambas, prontas para serem publicadas. Depois de
o correspondente confirmar o vencedor, a revista comeava a ser impressa.
A editora de Manchete, escreveu Bloch (2008), entrou nos anos 80 como uma empresa
muito saudvel financeiramente e editorialmente. poca, a tiragem da revista no baixava
os 200 mil por semana e chegava a atingir um milho de exemplares em edies histricas.
Nesse perodo, a empresa inovou o mercado de revistas no Brasil ao aproveitar a influncia de
seu famoso semanrio para lanar outros ttulos. Ao todo, foram 18 novas revistas. Entre elas,
algumas fizeram muito sucesso, como Manchete Esportiva, ilustrada sobre esportes; Jia,
direcionado ao pblico feminino; Stimo Cu, que trazia fotonovelas e notcias sobre rdio e
televiso; Fatos e Fotos, tambm semanal de atualidades; e a masculina Ele Ela.
O declnio de Manchete comeou a partir de 1983, com o surgimento da TV Manchete,
que passou a concentrar todas as atenes e investimentos da famlia Bloch. A prpria revista,
perdeu qualidade, virou um mero boletim de divulgao da emissora de televiso da famlia,
j que nem dos artistas da TV Globo podia mais falar. Com esse desgaste todo, Manchete
comeou a sofrer progressivas quedas nas vendas, sem que a empresa fizesse qualquer
investimento para virar o jogo (GONALVES e MUGGIATI In: BARROS e
GONALVES, 2008, p. 49. Ano a ano, a revista era cada vez menos prestigiada, sua equipe
era cada vez menor. A extino oficial veio em 2000, com o pedido de autofalncia da Editora
Bloch.
1.2.3 O apogeu da reportagem: a revista Realidade
Capitaneada por Roberto Civita, filho do fundador da Editora Abril, Victor Civita,
Realidade nasceu quase por acaso. Roberto queria fazer uma publicao para ser encartada
em jornais de domingo. Chegou a fazer um acordo com os proprietrios da Folha de So
Paulo e do Jornal do Brasil, mas quando estava tudo pronto para comear, Otvio Frias de
Oliveira, proprietrio da Folha, deu para trs e o projeto morreu. Roberto foi ver o pai para
contar a triste histria, e terminou com a clssica pergunta: E agora, o que que eu fao? Faz
uma revista, respondeu o pai.. (CORRA, 2010, On-line)
Ento Roberto chamou um time de excelentes reprteres, fotgrafos excepcionais -
alguns deles americanos esperando uma oportunidade assim para fotografar o Brasil - e fez
uma revista que at hoje considerada a melhor experincia em reportagens no Brasil. Alm
disso, Realidade especialmente importante na nossa pesquisa porque, de todas publicaes
nacionais sobre as quais tratamos, pode ser considera a mais semelhante Piau,
principalmente pela qualidade e pelo formato de suas reportagens.
Realidade comeou com uma tiragem experimental de 5 mil exemplares, em sua
edio de nmero zero, em 1966. Sua segunda edio j saia com 250 mil exemplares, todos
vendidos nos primeiros trs dias na banca. A partir da, a ascenso da revista foi fulminante,
surpreendendo os prprios editores. Em fevereiro de 1967, j era 500 mil exemplares mensais.
Logo depois do lanamento da revista, Faro (1999, p.58) afirma que uma pesquisa foi
feita e revelou que eram de interesse geral matrias sobre cincia e progresso, grandes
problemas brasileiros e assuntos relativos a sexo e educao sexual. Esses temas acabariam
por ser recorrentes na publicao.
No quarto ou quinto nmero, Realidade j era o sonho de todo jornalista brasileiro. Cada exemplar era 'estudado' nas redaes e despertava vontade de fazer jornalismo em pessoas que at ento consideravam isso de escrever uma ocupao menor (RIBEIRO, apud FARO, 2010, On-Line)
Segundo Faro (1999), uma das fontes dessa experincia jornalstica foi certamente a
conjuntura poltico-cultural do perodo do surgimento da revista e de seus trs primeiros anos
de existncia (1999, p.50). Outra fonte, que dialoga com a poca, foi o uso do cdigo
discursivo inovador, semelhante ao do jornalismo com narrativa literria, que estava sendo
praticado por nomes como Tom Wolfe, Gay Telese, Norman Mailer e Truman Capote nos
EUA.
Jos Hamilton Ribeiro, um dos principais reprteres de Realidade, afirma que no
houve uma influncia direta dos norte-americanos. At mesmo porque a revista nasceu junto
com o movimento (apud VASCONCELLOS, 2003). Ele, porm, admite que seus editores e
redatores estavam cientes das inovaes que ento ocorriam no jornalismo, no s na Amrica
do Norte como por todo o mundo. Se houve influncia, foi mais pela forma do que pelo
contedo. Depois de concludo o trabalho que os editores e jornalistas perceberam o que havia
de parecido. Mas nada foi calculado. Ns fomos contemporneos ao Novo Jornalismo, mas
no houve nenhuma ligao formal. Foi mais uma ligao etrea. O movimento e a revista
surgiram simultaneamente de forma natural. (RIBEIRO apud VASCONCELLOS, 2003).
Para Roberto Civita, fundador e ex-editor da Realidade e atual presidente e editor da
Editora Abril, citado por Faro (1999), Realidade veio preencher um vcuo ambicionado pela
gerao da poca quanto insipincia das publicaes questionando desde a poltica e valores
culturais vigentes. Para ele, outro fator de sucesso da publicao teria sido o vazio na rea das
revistas de informao no atualizada: as reportagens publicadas em Realidade cerca de 12
ou 13 em cada nmero eram feitas com at trs meses de antecedncia.
O papel da Realidade era dizer as coisas que no eram ditas, fazer as perguntas que no eram feitas.Os jovens se entusiasmaram e se tornaram um grande pblico: adolescentes, universitrios e jovens adultos(...). A circulao da revista era de meio milho de exemplares vendidos em bancas. Tivemos trs edies esgotadas. Acertamos sem nenhum estudo de mercado. (CIVITA, apud FARO, 1999, p. 54)
Para Faro (1999), Realidade s foi possvel graas ao esprito de contestao da poca.
Os anos 60 foram muito frteis para a experimentao e a busca pela novidade, inclusive na
imprensa. Outro fator para explicar o xito da publicao, a frmula narrativa pessoal
empregada nas matrias.
Quando se l (as reportagens da revista) o que se percebe uma presena muito forte da perspectiva pessoal do jornalista na narrao do fato noticioso. Um jornalismo produzido assim um jornalismo que incomoda. Incomoda e atia o leitor porque o retira do padro informativo com o qual ele est habituado, mas, em razo das caractersticas da poca, talvez fosse isso mesmo que o leitor quisesse. Incomoda e atia os tais poderes constitudos, na imprensa e fora dela, porque um jornalismo feito dessa maneira revela fatos, concepes, comportamentos que esses poderes preferem ver camuflados nos cdigos da pretensa objetividade dos jornais e revistas de todas as pocas (FARO, 1999, p. 61)
O nvel de profundidade ao qual os reprteres se submetiam para compor as matrias
de Realidade pde ser sentido na pele por Jos Hamilton Ribeiro logo ao receber o convite
para compor a equipe - que j veio acompanhado da primeira pauta: ele seria negro por um
ms. O reprter foi atrs de dermatologista e passou por processos de pintura de sua pele para
compor a reportagem.
Jos Hamilton Ribeiro destaca o apuro de equipe de Realidade no que tange a
qualidade dos textos. Era um tal de reescrever, reescrever, pentear, editar (Jos Hamilton
Ribeiro apud VASCONSELLOS, 2010). Quando a matria enfim passava pelo editor de
texto, Srgio de Souza, o texto ia para o redator-chefe Paulo Patarra, e, por fim, por Roberto
Civita, diretor de redao.
Antes, ainda na escolha das pautas, havia muitas discusses entre a Redao da
Realidade, buscando sempre os assuntos que os reprteres consideravam os melhores, e com
Civita sempre argumentando que no mostrassem apenas o lado negativo e pessimista do
Brasil. Era uma luta desgastante, que afinal acabava assim: dos 13 assuntos que a revista
comportava, 11 a redao tinha escolhido; dois ela tinha que engolir. O balano final
resultava equilibrado; nem era uma revista mentirosa, nem era amarga e derrotista (Jos
Hamilton Ribeiro apud VASCONSELLOS, 2010)
Realidade chegou ao ser apogeu em 1968. A revista no baixava dos 500 mil
exemplares mensais, e ia em ritmo crescente, prenunciando que chegaria meta de Roberto
Civita: um milho de exemplares vendidos. S que no mesmo ano comeou a decadncia da
publicao. A censura proibiu os jornalistas da revista de falar sobre assuntos que sempre
ocuparam suas pginas. Juventude, operrios, sexo, os influentes bispos progressistas, por
exemplo. A Abril teve de demitir vrios jornalistas; outros, frustrados, resolveram sair por sua
conta.
Para Roberto Civita, foram vrias as causas para o fim da Realidade, sendo, segundo
ele, o argumento mais fcil a ascenso definitiva da ditadura. Porm, a resposta mais
verdadeira que o nmero de moinhos contra o qual investamos estava diminuindo, alm
da acelerao das notcias e a imitao do nosso modelo por outros veculos. (FARO, 1999, p.
54-55). Outro motivo foi a criao da revista Veja, sobre a qual trataremos a seguir.
1.2.4 A ltima grande revista nacional: Veja
Corra (2010, On-line) considera que Veja foi a ultima idia inovadora no que diz
respeito a jornalismo de revista no Brasil. Semanrio inspirado na de Time, Veja a muitos
anos a maior revista deste pas, exceo no panorama internacional, onde a semanal de
informao nunca a maior: sempre a revista de televiso.
O formato de Veja foi influenciada pelo perodo em que Roberto Civita trabalhou
como trainee na Time, em Nova York, por mais de um ano. Roberto recebeu um convite para
trabalhar no Japo e, ao invs de aceitar a proposta da redao norte-americana e ir para
Tquio, voltou para o Brasil e, com o pai, Victor, foi responsvel pela criao da revista Veja,
A primeira edio de Veja chegou s bancas no dia 11 de setembro de 1968. A
primeira capa trazia os smbolos do comunismo, a foice e o martelo, sobre um fundo
vermelho. O ttulo da matria interna era Rebelio na Galxia Vermelha e tratava da invaso
da Tchecoslovquia. (VEJA, 2010, On-line).
Inicialmente, Veja deveria concorrer com Manchete e ser, por isso, uma revista
ilustrada. O prprio nome Veja pode ser associado a imagens e ficou sendo, a princpio, Veja
e Leia, com a primeira palavra em corpo de letra bem maior. Mas final da dcada de 60, o
modelo de jornalismo proposto pelas revistas semanais ilustradas estava em decadncia.
Mesmo com o uso da cor por O Cruzeiro e Manchete, a viabilidade desse gnero no
correspondia a sucesso em vendas. A atualidade das informaes dos jornais dirios e da TV
prejudicava cada vez mais as revistas.
Nas primeiras edies de Veja, a diagramao era confusa e as reportagens, prolixas
(AUGUSTI, 2005, p. 73). Quem conseguiu, aos poucos, tornar a revista atraente foi seu
diretor de redao da lanamento da publicao a 1976, Mino Carta. Carta chamou Millr
Fernandes para fazer duas pginas de humor, publicou resenhas de filmes e livros e, a maior
das inovaes, colocou na abertura da revista uma entrevista com perguntas e respostas. Foi
usado na nova seo um estoque de papel amarelo que sobrara na grfica. Logo, as pginas
amarelas se tornaram uma marca e so at hoje -, e a editora Abril teve que passar a usar
tinta amarela para colorir as pginas de entrevista.
Nessa mesma poca, a cpula de jornalistas que fez histria em Veja comeava a se
formar, com editores e sub-editores. Chegaram a Veja nomes como Roberto Guzzo, To
Gomes Pinto, Roberto Muggiati e Srgio Pompeu (AUGUSTI, 2005, p. 75-76). Mesmo
assim, a tiragem de Veja era de 70 mil exemplares, muito pouco comparando com os 700 mil
projetados.
As vendas aumentaram durante a publicao de uma srie de oito fascculos semanais
sobre a corrida espacial, chegando marca dos 228 mil exemplares na semana do ltimo
fascculo, a mesma em que Apolo 11 pousou na Lua, em julho de 1969. No mesmo perodo, a
revista tambm iniciou um caderno de investimentos que teve to grande aceitao que deu
origem revista Exame. Mesmo assim, apenas em 1973 Veja passa a cobrir seus custos (Plug,
2010, On-line).
O sucesso definitivo veio com a doena do presidente Costa e Silva, em agosto de
1969.
Da trombose de Costa e Silva at sua morte, Veja publicou uma seqncia memorvel de 17 capas. Apenas trs no estavam ligadas crise poltica, sendo que s restantes couberam assuntos difceis de averiguar, ainda mais sob censura. Dessas, duas capas foram histricas. (autor da tese..)... Na primeira, noticiou-se uma exclusividade: o presidente Mdici estava irritado com a tortura e os torturadores, com a chamada de capa O presidente no admite torturas. Na semana seguinte, a capa foi sobre o mesmo assunto, com a matria informando que o ministro da Justia defendia que era preciso investigar as denncias de maus-tratos em presos polticos. (AUGUSTI, 2005, p.64)
Diante desse cenrio, surge a frmula de se fazer uma revista semanal de notcias
que interessa os leitores. A cobertura poltica vira prioritria; as pautas refletem as
preocupaes de todo o pas democracia, liberdade individual e torturas so temas
recorrentes. E com isso, claro, a revista passa a ter matrias censuradas em quase todas as
edies.
Augusti (2005) escreveu que os jornalistas de Veja trabalhavam em um esquema
diferente do normal em grandes redaes. A equipe deveria descobrir notcias que os jornais
no tinham e apresentar os fatos melhor que eles, j que deveria investigar os bastidores,
dando sentido aos acontecimentos (AUGUSTI, 2005, p. 65).
Veja tambm apresentaria uma concepo diferente das revistas Time e Newsweek,
suas principais inspiraes. As semanais americanas privilegiavam mais o redator que o
reprter. Veja, porm, soube detectar jornalistas de talento e navegar entre as disputas
militares. A cada reportagem, ampliou os limites do que a revista podia publicar sobre a
censura. Raimundo Pereira, ex-colaborador da revista, citado por Augusti, (2005 p.76) definiu
o jornalista de Veja, da seguinte forma: o reprter que apura, edita e fecha matrias.
A partir do final da dcada de 1960, a revista j estava consolidada e publicou
entrevistas histricas:
Nelson Rodrigues afirmou em 1969: Eu sou um anticomunista. No mesmo ano, o cientista do projeto espacial americano Werner Von Braun foi taxativo: Havero estaes espaciais orbitando a Terra, e muitos vos para os laboratrios no espao. Em 1972, foi a vez de Tarsila do Amaral polemizar. Quis fazer um quadro que assustasse o Oswald de Andrade, disse, justificando Abaporu, obra de 1928. E mais adiante, em 1975, o ditador chileno Augusto Pinochet declarou: No existem presos polticos. H pessoas detidas em virtude do estado de stio ou por haverem cometido crimes comuns (Esquinas, 2010, On-line).
Com a exploso das assinaturas, em 1980, Veja tornou-se o ttulo mais lido do pas. A
revista seguia e segue at hoje a frmula de apostar em novidades, opinio contundente e
na pauta poltica. Suas reportagens, salvo excees, tratam de assuntos debatidos na semana
em meios de comunicao mais geis como os jornais.
Com a abertura poltica, no inicio da dcada de 1990, a revista passa a publicar
grandes investigaes a respeito de corrupo e desvios no errio pblico. Nessa poca, o
Diretor de Redao de Veja era Mrio Srgio Conti, atual diretor de redao de Piau. E esses
grades furos conseguidos pela equipe de Veja costumam repercutir em outros veculos.
Alguns, inclusive, desencadearam grandes crises polticas.
Em 25 de abril de 1992, por exemplo, Veja publicou nas pginas amarelas uma entrevista exclusiva com Pedro Collor de Mello, irmo do ento presidente Fernando Collor de Mello. Pedro Collor denunciou irregularidades de desvio de dinheiro pblico em uma suposta parceria do presidente com Paulo Csar Farias e essa entrevista desencadeou uma srie de novas denncias e investigaes, culminando com o impeachment e a renncia do presidente.
Em 14 de maio de 2005, reportagem da revista teve papel relevante na ecloso de outra crise poltica de grandes propores. Veja foi o primeiro veculo de comunicao a divulgar a transcrio de um vdeo onde o ento funcionrio dos Correios Maurcio Marinho explicava a dois empresrios como funcionaria um esquema de pagamentos de propina para fraudar licitaes. Tal esquema envolveria o deputado Roberto Jefferson. E a denncia deflagrou a chamada crise do mensalo, maior escndalo poltico recente.
Atualmente, veja pode ser considerada a revista mais influente do Brasil. Sua tiragem a quarta maior do mundo, com mais de um milho de edies por semana (SANTANNA, 2008).
Tento tratado nesse primeiro captulo do surgimento da revista, dos ttulos que mais influenciaram o desenvolvimento do gnero no Brasil e no mundo, e, por fim, das quatro
publicaes que consideramos as mais relevantes no panorama de nossa pesquisa, avanaremos para o segundo captulo. Nessa parte da pesquisa, vamos tratar dos estudos e das classificaes dos gneros jornalsticos, principalmente do gnero interpretativo, no qual esto inseridas as reportagens da revista Piau.
2 ALGUMAS DEFINIES PARA OS GNEROS JORNALISTICOS
Para que possamos compreender e conceituar as reportagens publicadas na revista
Piau, necessrio, primeiro, revisarmos uma discusso que embora exista formalmente no
Brasil h pelo menos trs dcadas, continua motivando diferentes propostas de interpretao:
as definies dos gneros jornalsticos.
O objetivo, ao se tratar do tema, fornecer um mapa para a anlise dos tipos de texto e
de suas funes no jornalismo. Jos Marques de Melo (2003) defende que o estudo dos
gneros fundamental para a configurao da identidade do jornalismo como objeto
cientfico. Para Lia Seixas (2010a On-Line), aprender a fazer jornalismo aprender a produzir
gneros jornalsticos.
O conhecimento mais profundo dos elementos que constituem os tipos mais frequentes de composies discursivas da atividade jornalstica implica em maior conhecimento sobre a prpria prtica. Isso significa conhecimento sobre as competncias empregadas para a realizao da atividade, desde a produo publicao do produto (SEIXAS, 2010a, On-line)
Podemos considerar que o primeiro a classificar os gneros jornalsticos foi o editor
ingls Samuel Buckeley, no incio do sculo XVIII. Ao decidir pela separao entre notcias e
comentrios no jornal Daily Courant, Buckeley iniciou a classificao dos textos publicados
nos meios de comunicao. A partir da, com as transformaes tecnolgicas e culturais, a
mensagem jornalstica vem se adaptando, moldando-se conforme a necessidade de cada
poca, e tendo diferentes modelos e propsitos.
No Brasil, so poucos os pesquisadores que se dedicaram a distinguir as categorias dos
textos jornalsticos. Entre esses estudiosos, os que mais avanaram neste campo foram Luiz
Beltro, Jos Marques de Melo, Mrio Erbolato, e, recentemente, Manuel Carlos Chaparro e
Lia Seixas.
Beltro (1980) encontrou no jornalismo brasileiro trs funes fundamentais: a
informao, por meio de um relato claro e simples; a orientao, pela interpretao e opinio
em relao aos fatos, e a diverso. Beltro sistematizou os gneros da seguinte forma: 1)
Jornalismo informativo: notcia, reportagem, histria de interesse humano, informao pela
imagem; 2) Jornalismo interpretativo: reportagem em profundidade; 3) Jornalismo opinativo:
editorial, artigo, crnica, opinio ilustrada, opinio do leitor. (BELTRO, 1980)
Para Marques de Melo essa separao veio de uma necessidade sociopoltica evidente
de distinguir tudo o que continha apenas informao do que tambm inclua a opinio
(MELO, 2003, p. 42). O critrio adotado por Beltro, escreveu Melo, funcional, pois sugere
a classificao dos gneros de acordo com as funes que desempenham junto ao pblico
leitor - informar, explicar ou orientar. O autor ainda afirma que Beltro, quanto
especificidade do gnero, obedeceu ao senso comum da prpria atividade profissional, no se
atendo ao estilo, estrutura narrativa e tcnica de codificao.
Melo defende que no h razes para segmentar em dois gneros distintos reportagem
e reportagem em profundidade. Tampouco em classificar como gnero parte o que Beltro
(1980) chama de histrias de interesse humano e dissociar recursos que informam atravs de
imagens do texto j que, na interpretao do autor, fotografias ou desenhos so identificveis
como notcias ou como reportagens. E ainda, discordando de Beltro, Melo afirma que o que
vai caracterizar um gnero jornalstico no o cdigo, mas sim o conjunto das circunstncias
que determinam o relato que a instituio jornalstica difunde para o seu pblico (1985, p.
46).
Em sua classificao dos gneros jornalsticos, Marques de Melo optou por separar
tudo o que a reproduo do real, ou seja, as descries dos fatos em si, do que se apresenta
como uma leitura do real, ou seja, a anlise desses fatos. Para Melo, essas definies podem
ser entendidas mais claramente se pensarmos que as pessoas, em meio a tantos
acontecimentos, no do conta sozinhas de apreenderem a realidade, portanto precisam de
algum que possa lhes permitir saber o que se passa - jornalismo informativo - e saber o que
se pensa sobre o que se passa - jornalismo opinativo (MELO, 2003, p. 62-63).
Para Marques de Melo apenas essas duas categorias podiam ser encontradas na
imprensa brasileira na primeira metade da dcada de 1980, quando ele publicou pela primeira
vez seus estudos sobre o assunto. Por entender que o jornalismo interpretativo includo
dentro do jornalismo informativo, ele optou por excluir essa categoria como um gnero nico.
Melo defendeu, ento, a existncia dos seguintes tipos de produo jornalsticas nos gneros
opinativo e informativo: 1) Jornalismo informativo: nota, notcia, reportagem, entrevista; 2)
Jornalismo opinativo: editorial, comentrio, artigo, resenha, coluna, crnica, caricatura, carta
de leitores.
Como observamos, Marques de Melo no acreditava, poca, no gnero
interpretativo. Mas atualmente ele defende a existncia desse gnero, alm de outros dois
gneros autnomos: o diversional, que inclui livros-reportagem e o outras produes de
jornalismo literrio, e o jornalismo utilitrio, que inclui informaes com a cotao das aes
da bolsa de valores e os nmeros da loteria, por exemplo.
Nos anos 80, a pesquisa que fiz s me indicou a predominncia de informativo e opinativo. A maioria do pessoal lia, dizendo que eu acho que s existem dois gneros. No isso, eu identifiquei somente dois gneros na imprensa diria. De l pra c, eu venho pesquisando a cada cinco anos e fui encontrando evidncias de que outros gneros foram surgindo. O gnero interpretativo, que teve uma vigncia muito forte nos anos 60 e 70, desapareceu nos anos 80, voltou nos 90 e agora est se desenvolvendo muito. (MELO apud SEIXAS, 2010b)
A classificao dos gneros jornalsticos proposta por Erbolato (1991, p. 30)
semelhante aos conceitos defendidos atualmente por Marques de Melo. O autor excluiu
apenas o gnero chamado utilitrio, talvez porque esse tipo de produo jornalstica era
menos comum no incio da dcada de 1990, quando seus estudos foram publicados. Para
Erbolato so quatro os gneros jornalsticos: diversional, interpretativo, opinativo e
informativo. E eles representam as funes s quais os meios de comunicao se destinam: a
informar, a influir, a persuadir e a divertir (ERBOLATO, 1991, p. 30).
J Manuel Carlos Chaparro (2008) prope o enquadramento dos gneros jornalsticos
em trs categorias: 1) Esquemas narrativos: o relato do acontecimento; 2) Esquemas
argumentativos: o comentrio sobre os acontecimentos; 3) Esquemas prticos: as informaes
de servio; conceituadas, como dito acima, como gnero utilitrio por Marques de Melo
(citado por SEIXAS, 2010b). E as demais formas de expresso, para Chaparro (2008) so
declinaes dessas categorias fundamentais.
No entender de Chaparro (2008, p. 162) a separao entre gneros jornalsticos no
equivale diviso entre opinio e informao. O autor defende que opinio e informao
esto presentes em todos os gneros jornalsticos, visto que at a notcia dita objetiva,
construda com informao pura, resulta de selees e excluses deliberadas, controladas
pela competncia jornalstica de fazer escolhas por critrios de importncia e valor
(CHAPARRO, 2008, p. 162), e um exerccio opinativo, portanto.
Lia Seixas, pesquisadora que mais recentemente se dedicou a estudar em profundidade
os gneros jornalsticos afirma que, na classificao, deve ser considerada a combinao,
regular e frequente, de elementos extralingsticos e lingsticos. Para Seixas (2010a, On-
line), essas combinaes se repetem a ponto de se institucionalizarem, mas tambm,
certamente, guardam uma dinmica contnua de mudanas provisrias.
Na interpretao de Seixas, os principais critrios de definio de gneros
jornalsticos na atualidade so quatro elementos de condicionamento mtuo que se combinam
de maneira regular e frequente: 1) Lgica Enunciativa: se d na relao entre objetos de
realidade, compromissos realizados e tpicos jornalsticos em funo de finalidades
reconhecidas da instituio jornalstica; 2) Fora argumentativa: se d na relao entre o grau
de verossimilhana dos enunciados e o nvel de evidncia dos objetos, 3) Identidade
discursiva efetiva do ato comunicativo: a relao entre sujeito comunicante, locutor e
enunciador no ato mesmo da leitura; 4) Potencialidades do mdium: as diferenas entre as
plataformas onde se d a comunicao (SEIXAS, 2010a, On-line).
A autora defende a diviso dos textos jornalsticos em dois gneros: o discursivo
jornalstico e o discursivo jornlico. Um gnero discursivo jornalstico aquele em que o
enunciador uma instituio jornalstica ou uma pessoa pertencente a tal, satisfaz a uma ou
mais finalidades institucionais e apresenta uma lgica enunciativa formada principalmente
pelo compromisso de adequao do enunciado realidade, seguindo pressupostos bsicos do
jornalismo. J os gneros discursivos jornlicos, no so produzidos por instituies
jornalsticas e a sua lgica enunciativa no trabalha, obrigatoriamente, como objetos de
acordo: pode ser formada por compromissos de crena sobre a adequao do enunciado
realidade.
Concordamos com Seixas quando ela afirma que os gneros encontram-se associados
qualidade do objeto, ao modo por meio do qual o discurso construdo (narrao,
dissertao, descrio e argumentao), ao grau de interferncia do autor e s tcnicas de
apurao e produo. Deve se considerar, ressalta-se, que a autora se atm ao estudo da
organizao discursiva - considerado pelos outros autores um elemento menos importante
para a compreenso dos gneros em detrimento s dimenses lingsticas.
2.1 O gnero interpretativo
Depois de expormos idias para as classificaes dos gneros jornalsticos,
pertinente tratar da conceituao que defendemos ser mais adequada para os textos
jornalsticos da revista Piau, nosso objeto de estudo. Como entendemos que os estudos de
Marques de Melo e Erbolato, alm de consolidados por outros pesquisadores, permanecem
atuais, optamos por usar como base os estudos desenvolvidos por esse dois autores.
Segundo Erbolato (1991, ps. 30-31), a origem do jornalismo interpretativo se deu a
partir da dcada de 1920 quando o jornalismo impresso passou por grandes transformaes
devido ao surgimento e expanso do rdio e da televiso. Foi ento que os jornais impressos
tiveram que buscar outra forma de atrair os leitores, pois os dois meios eletrnicos passaram a
ter maior ateno do pblico.
Na luta contra o jornalismo falado, os jornais impressos tiveram que preparar sua estratgia. As notcias, que eram superficiais, limitavam-se a narrar os acontecimentos, sofreram alteraes em sua estrutura. [...] O recurso foi o de dar ao leitor reportagens que sejam complemento do que foi ouvido no rdio e na televiso (ERBOLATO, 1991, p. 30).
Ao tratar do jornalismo interpretativo, Erbolato cita vrios conceitos e definies, de
diferentes jornalistas e pesquisadores sobre o tema. Destacamos a viso de Bond ao tratar da
importncia do gnero interpretativo. A manifestao ainda mais atual com as mudanas
tecnolgicas resultantes do advento da internet:
O homem mortal, comum, perdido no labirinto da economia, da cincia e das invenes, pede que algum lhe d a mo e o acompanhe em seus passos, atravs de tanta complexidade. Por isso, o jornalismo moderno se encarrega no s de noticiar os fatos e as teorias, mas proporciona ainda ao leitor uma explicao sobre eles, interpretando e mostrando seus antecedentes e suas perspectivas (BOND apud ERBOLATO, 1991, p. 33).
Conforme John Hohnberg (apud Erbolato, 1991, p. 31) a utilizao do jornalismo
interpretativo tornou-se recorrente nos Estados Unidos a partir da Segunda Guerra Mundial.
De acordo com o autor, nesse perodo, mais do que nunca, os jornais perceberam a
importncia de gerar uma maior compreenso das notcias por parte dos leitores, explicando-
as em detalhes. Mas, o jornalismo interpretativo j fazia parte da realidade dos norte-
americanos desde o incio da dcada de 1920. Segundo Erbolato (1991, p. 32-33), logo aps o
trmino da Primeira Guerra Mundial os diretores dos jornais perceberam que algo faltava em
suas publicaes para atrair o interesse do pblico.
O gnero tomou forma definitivamente em 1923, quando foi lanada a revista Time,
sobre a qual tratamos anteriormente. A publicao se dedicava e se dedica at hoje a fazer
um jornalismo preocupado com as dimenses e as interpretaes das notcias, ou seja, deu os
primeiros passos do jornalismo interpretativo. Interessante, ao se tratar de jornalismo
interpretativo feito em revistas, destacar que a maioria dos autores, ao tanger por gneros
jornalsticos, se refere basicamente produo na imprensa diria. Mas o formato de
periodicidade mais larga , e sempre foi, por suas caractersticas, o meio no qual esse tipo de
produo mais usual.
A revista, consolidada como o produto de reportagens, era o meio onde mais se experimentava a contextualizao, o aprofundamento, os dados comparativos, tcnicas que, em princpio, no eram diferentes daquelas utilizadas para produo de uma notcia, como diziam os prprios autores defensores da reportagem interpretativa. (SEIXAS, 2010c, On-line),
Jos Marques de Melo (2003, citado por COSTA, 2010, On-line), ao reconhecer a
existncia do gnero interpretativo, escreve que tal gnero inicialmente era representado por
reportagens desenvolvidas com propsitos analticos e documentais para situar o cidado
diante o acontecimento. E na dcada de 90, era um modo de aprofundar a informao com o
fim de relacionar a atualidade a seu contexto temporal e espacial, interpretando o sentido dos
acontecimentos (MELO, 2003, citado por COSTA, 2010, On-line).
Luiz Beltro (1980, p.41-42) vincula o surgimento do jornalismo interpretativo com a
evoluo intelectual das dcadas de 1960 e 1970. O gnero, defende, deve ser entendido como
um subgnero de um jornalismo cultural intelectual, e por isso que grande parte de suas
expresses estejam vinculadas a veculos desse tipo no qual podemos incluir a revista Piau.
Para Beltro (1980, p. 42), o jornalismo interpretativo adapta formas cientficas, filosficas e
artsticas ao discurso e a prtica jornalstica.
Com o intuito de diferenciar o jornalismo interpretativo do jornalismo informativo,
que ele trata respectivamente como reportagem e notcia, Lage (1999) busca caracterizar o
gnero sob vrios aspectos. Para Lage, as discrepncias no esto no contedo ou na natureza
das informaes, mas na forma em que ela redigida. De acordo com a linguagem, defende o
autor (1999), a reportagem possui estilo menos rgido que a notcia, possibilitando ao reprter
o uso da primeira pessoa, bem como fazer, alm do levantamento de dados, interpretao dos
fatos.
Embora existam diversas definies para o jornalismo interpretativo, para Erbolato
(1991, p. 34), trs caractersticas so fundamentais para caracterizar esse gnero: a explicao
das causas de um fato, a localizao deste fato em seu contexto social e as suas
consequncias. J para Seixas (2010, On-line) as trs particularidades da atividade
interpretativa so:
1) o fato tratado como acontecimento, ou seja, gera uma discusso sobre a realidade contextual; 2) as tcnicas produtivas so particulares, como sugere Beltro identificao do objeto, que deve ter valor absoluto de notcia; decomposio da
ocorrncia em elementos bsicos e investigao dos valores essenciais para estruturao da informao; redao do texto de forma que o leitor seja capaz de, por si prprio, interpretar a ocorrncia; e 3) a unidade interpretativa permitiria uma dose maior de anlise crtica do autor-jornalista, incluindo adjetivos, advrbios e abolio do lead (SEIXAS, 2010a, On-line).
Podemos incluir nas observaes dos autores, as seguintes caractersticas da
reportagem, notadamente perceptveis nos textos publicados pela revista Piau: a produo de
peas jornalsticas interpretativas decorre de uma pauta que inclui o fato gerador de interesse,
ainda que este no seja decorrente de fatos novos; o texto em estilo menos rgido que a notcia
permite ao jornalista fazer descries de cenrios, personagem e situaes, o que ajuda o
leitor a entender o assunto a tirar suas prprias concluses; e, ao contrrio da notcia, o
jornalismo interpretativo exige a pesquisa aprofundada do tema, um conhecimento que supere
o simples relato dos fatos.
Relacionando ao tema da nossa pesquisa, interessante destacar a viso de autores
(SOSTER, 2010; DINES, 1974; SANTANNA, 2008) que defendem que produzir jornalismo
interpretativo, ou seja, de contextualizao histrica dos acontecimentos como esforo para
oferecer uma inteligibilidade possvel do mundo, uma alternativa uma alternativa para que
a imprensa escrita se sobressaia no atual momento evolutivo do jornalismo, caracterizado por
textos prolixos, atualizao contnua, transposio de contedos, onde a velocidade foi
estabelecida como categoria de valor em detrimento ao aprofundamento (SOSTER e
PICCININ, 2010).
O jornalismo interpretativo deixa para o leitor a deciso de acatar ou no a informao
passada do modo mais claro e mais explicativo possvel, sempre buscando o aprofundamento:
contextualizao histrica, o entorno do fato, os detalhes do acontecido ou declarado, para ir
alm do meramente declaratrio. Defendemos que esse tipo de texto jornalstico, quando
produzido com qualidade, mostrar as tendncias futuras, isto , o encaminhamento que o fato
deve tomar, sendo possvel, assim, inclusive, ser mais atual do que a internet em determinadas
situaes.
Soster e Piccinin (2010) defendem o fortalecimento da categoria interpretativo, assim
como da diversional, no sistema miditico-comunicacional, depois de os gneros terem quase
arrefecido na dcada de 1990, com a imposio da velocidade consequente do advento da
internet. Para os autores, o jornalismo interpretativo se estabelece na condio de categoria
discursiva legtima entre os gneros contemporneos (2010, On-Line).
A afirmao justifica-se medida que, aps a primeira metade da dcada de 1990,
quando foram montados os primeiros sites de contedo informativo na rede, potencializou-se
a prtica de atualizao contnua e transposio de contedos, emprestando velocidade
categoria de valor. Inferia-se poca, lembram Soster e Piccinin (2010), que textos prolixos,
ou que demandassem tempo de apurao, caso do jornalismo interpretativo, posicionavam-se
fora da lgica produtiva do jornalismo quele momento, validado pela instantaneidade e
atualizao contnua. Mas hoje as duas formas ressurgiram.
Alberto Dines j defendia a importncia do jornalismo de interpretao e de
investigao antes mesmo do advento da internet. Para Dines j em 1974, o jornalismo
enfrentava um dilema: optar pela quantidade e tentar cobrir tudo, extensivamente, ou pela
seleo? E ele decide pela seleo. O leitor contemporneo prefere se aprofundar em alguns
temas do que ir por cima de vrios, cobrir tudo que acontece no mundo impossvel, diz o
autor (1974). Como Dines, entendemos que o jornalismo deve buscar cobrir de maneira mais
aprofundada possvel o que se prope, fornecendo elementos para maior entendimento e
compreenso do tema.
2.1.1 Diferenciaes entre jornalismo interpretativo e diversional
Conceituado o gnero interpretativo, defenderemos o motivo de sua escolha para a
classificao dos textos jornalsticos publicados na Piau. Primeiramente, preciso que
reconheamos que h tambm caractersticas do jornalismo diversional nas reportagens da
revista, abaixo, porm, justificaremos a opo pelo gnero interpretativo em detrimento ao
diversional.
Erbolato define o jornalismo diversional como um gnero que contempla uma escrita
leve, original e agradvel (1991, p.44). Erbolato (1991, p. 44) afirma ainda que, nesse
gnero, o reprter procura viver o ambiente e os problemas dos envolvidos na histria, mas
no pode se limitar s entrevistas superficiais e que a prtica do jornalismo diversional
demanda enorme tempo e poucos so os que podem se dedicar semanas ou meses a uma s
matria (1991, p. 44).
Para Marques de Melo:
O jornalismo diversional engloba aqueles textos fincados no real, procuram dar uma aparncia romancesca aos fatos e personagens captados pelo reprter. Entre os
gneros que integram o jornalismo diversional esto as histrias de interesse humano, as histrias coloridas, os depoimentos etc (MARQUES DE MELO, 1985, p.22).
Ambos os autores, em suma, destacam, no jornalismo diversional, suas caractersticas
literria, como um gnero onde o texto escrito com as tcnicas literrias realistas, e na qual o
autor se preocupa menos em seguir padres e tcnicas soberanas em redaes de jornais
dirios e mais em dar ao leitor viso mais prxima o quanto for possvel dos fatos. Mas em
muitos textos jornalsticos publicados na revista Piau encontramos as mesmas caractersticas.
As reportagens, rigor, tm qualidades descritivas tpicas da literatura, alm de serem
extensas e em profundidade - seja no relato dos acontecimentos ou na intensidade da
descrio dos personagens.
Podemos citar como exemplo o perfil do ex-ministro da Casa Civil do governo Lula
Jos Dirceu, da reprter Daniel Pinheiro, publicado em janeiro de 2008. Para escrever a
matria, Pinheiro passou pelo menos duas semanas acompanhando o seu entrevistado,
convivendo nos mesmos hotis, o acompanhando em viagens pela Europa e pela Amrica
Central, alm de participar de festas almoos e jantares com o entrevistado, com sua famlia e
com seus amigos. A reprter, ento, viveu o ambiente e os problemas dos envolvidos na
histria, no se limitou s entrevistas superficiais, e depois relatou tudo com descries e
detalhes - aes relacionadas por Erbolato (1991) como prprias do jornalismo diversional.
Entendemos, no entanto que as narrativas do jornalismo diversional no tm
compromisso como a realidade imediata e que buscam, sobretudo, emprestar ao jornalismo
caractersticas cognitivas outras que no a informao e a interpretao, caso do
entretenimento (SOSTER e PICCININ, 2010, On-Line), enquanto que o jornalismo
interpretativo atribui significao ao fato singular, tanto ao dar elementos para indicar sua
relevncia em relao s demais ocorrncias quanto por oferecer contedos que auxiliam na
compreenso do movimento do mundo social. (SOSTER e PICCININ, 2010, On-Line). A
diferena est, no nosso entender, na atualidade dos temas e de sua abordagem no jornalismo
interpretativo.
A atualidade apontada por Adelmo Gnro Filho (2007) como uma das singularidades
do jornalismo. As outras so periodicidade, universalidade e difuso. A atualidade, como o
prprio termo j diz, est vinculada s questes atuais, do hoje, da semana, o que remete o
novo com atual, ao mesmo tempo em que pode-se aceitar o novo como aquilo que
desconhecido.
Marques de Melo (2007) afirma que a atualidade o fio de ligao entre o emissor e o
receptor no jornalismo. Esse atributo, intrnseco atividade, est relacionado com o cotidiano,
isto , com os acontecimentos com relevncia pblica que acontecem no dia-a-dia da
sociedade e que so noticiados pelos meios de comunicao. Assim, o autor define o
jornalismo como a cincia que estuda o processo de transmisso oportuna de informaes da
atualidade, atravs dos veculos de difuso coletiva (MELO, 1998, p.74).
E depois de termos apresentado as definies dos principais autores que trataram dos
gneros jornalsticos, atendo-se especialmente no gnero interpretativo, e de e expormos as
razes pelas quais defendemos que as reportagens da revista Piau se enquadram no gnero
interpretativo em detrimento ao diversional, partimos para o prximo captulo. Nessa
instancia da pesquisa, vamos tratar essencialmente da revista Piau, publicao cujos textos
movem esse trabalho, e de suas caractersticas.
3 PIAU, UMA REVISTA DIFERENCIADA
Neste captulo, vamos nos dedicar ao nosso objeto de estudo, a revista Piau. Tal
medida importante para que possamos entender o contexto no qual a publicao se insere
dentro do cenrio histrico das comunicaes, sua localizao no mercado editorial brasileiro
contemporneo e tambm as principais caractersticas que a tornam singular em comparao
com as demais publicaes.
A revista Piau resultado da articulao de dois personagens conhecidos da cultura
brasileira, um no meio literrio e outro no cinematogrfico: o documentarista e scio da
produtora VideoFilmes Joo Moreira Salles e o editor Luiz Schwarcz, da editora Companhia
das Letras. Foram Salles e Schwarcz que viabilizaram financeiramente o lanamento da
revista e definiram as caractersticas principais da publicao.
Schwarcz continua colaborando eventualmente com a revista com artigos. Joo
Moreira Salles, por sua vez, abriu mo de seus projetos cinematogrficos para se dedicar
exclusivamente a Piau, como editor e reprter. Antes de se dedicar ao projeto da revista,
Salles dirigiu documentrios premiados com Nelson Freire, de 2002, sobre o pianista
brasileiro do mesmo nome, e Entreatos filme no qual acompanhou passo-a-passo a campanha
de 2002 do ento candidato Luiz Incio Lula da Silva presidncia da Repblica do Brasil.
Irmo mais jovem do cineasta Walter Salles, do filme Central do Brasil, o editor de Piau
comeou sua carreira em 1985 fazendo roteiros e textos para sries de TV.
O pr-lanamento da revista Piau foi em agosto de 2006, em um dos principais
eventos literrios do pas, a Festa Literria de Parati, no Rio de Janeiro. Em setembro do
mesmo ano, Joo Moreira Salles assinou um contrato de distribuio e impresso da revista
com a Editora Abril. Piau comeou a circular efetivamente em 9 de outubro em So Paulo, e
dias depois no Rio de Janeiro e no restante do pas.
Alm de Moreira Salles, foram responsveis por essa primeira edio os jornalistas
Mrio Sergio Conti, ex-diretor de redao da revista Veja e do Jornal do Brasil, autor de
Notcias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor (Companhia das Letras, 1999); Dorrit
Harazim, jornalista e documentarista, ex-reprter especial e editora de Veja, diretora dos
documentrios da srie Travessias, exibidos na TV Cultura e no GNT; e Marcos S Corra,
jornalista, ex-diretor de redao do Jornal do Brasil, ex-diretor do site O Eco e do portal
jornalstico NoMnimo, e bigrafo do arquiteto Oscar Niemeyer (Relume Dumar, 1996).
Na pea publicitria denominada Carta de Intenes distribuda aos participantes da
Festa Literria de Parati para noticiar o lanamento de Piau, a revista foi apresentada da
seguinte forma:
Piau ser uma revista de reportagens. Ela buscar os temas atuais, embora no tenha pressa em chegar primeiro [...] Levar em conta que a informao vem antes do comentrio e que opinio precisa dos fatos. Apurar com rigor e escrever com clareza. Fugir dos clichs e envidar todos os esforos para evitar expresses como envidar todos os esforos. Usar um vocabulrio com mais de cem palavras. Mas no ir ao dicionrio cata de vocbulos especiosos (como o que vem logo antes deste aconchegante parntese). No ter restries temticas, polticas ou ideolgicas. Preferir a serenidade do histrionismo, a suavidade da msica de cmara ao estrondo das marchas militares. Cobrir qualquer assunto que uma reportagem possa tornar interessante. Vale tudo: esporte, medicina, odontologia, poltica, cultura, a picante vida sexual de um porco espinho, religio, numismtica, urbanismo, filosofia, as agruras do Palmeiras, do marxismo e do Botafogo, turismo, telemarketing, zoologia. S no valem reportagens sobre dietas e reforma da Previdncia, que ningum aguenta mais. Piau procurar com afinco novos assuntos: o Brasil no feito apenas de corrupo e violncia. (OVERMUNDO, 2010, On-Line)
O lanamento da nova publicao foi destacado em site culturais e nos jornais, como
mostra a matria Jornalismo literrio e fico marcam estria da revista Piau, publicada em
9 de setembro de 2006 pela jornalista Sylvia Colombo no jornal Folha de S.Paulo. Uma nova revista chega s bancas nesta semana. Com um nome que nem seus criadores sabem explicar direito, Piau tem esprito hbrido. Ser uma mistura de reportagens ao estilo "new journalism" (ou jornalismo literrio) com crnicas, perfis e dirios - de temas preferencialmente nacionais -; alm de textos ficcionais. [...] O primeiro nmero traz colaboraes de nomes consagrados da imprensa nacional, como Ivan Lessa, que descreve seu retorno ao Brasil aps mais de 28 anos, e Danuza Leo, que faz um perfil do estilista Guilherme Guimares, alm do ilustrador Angeli, que desenha a imagem da capa - um intrigante pingim de geladeira com boininha de Che Guevara. (FOLHA ONLINE, 2010, On-Line)
Conforme Joo Moreira Salles, em entrevista a Nunes (2010), o nome Piau foi
escolhido sem critrio algum: um nome que contm muitas vogais, soa bonito, gostoso
de pronunciar (Salles apud NUNES, 2010, On-Line). Podemos entender tambm, apesar da
falta de pretenso alegada por Salles, que, ao batizar a revista com o nome de um dos estados
mais afastados do Brasil, Piau sugere algo pouco conhecido, ou seja, que a publicao aborda
pautas que os grandes meios de comunicao ignoram, sejam elas de cunho nacional ou no.
poca do lanamento de Piau, poucos apostavam no fato de uma revista de 80
pginas contendo textos longos conseguir durar mais que dois ou trs nmeros. Mas j nas
primeiras edies, Piau no apenas se firmou no mercado editorial nacional como
surpreendeu o prprio Salles. Um grande editor brasileiro chegou para mim e disse que uma
revista com o perfil que preparvamos no venderia 5.000 exemplares por ms num pas
como o Brasil (O TEMPO, 2010, On-Line). O mais otimista ouvido por ele chutou 10 mil
revistas. Logo no primeiro nmero, Piau teve 30 mil compradores.
Comercialmente, o sucesso da revista tambm surpreendeu. As agncias publicitrias
logo perceberam que o leitor do novo produto engloba os chamados formadores de opinio
pessoas com poder de influenciar outras pessoas. Logo, grandes bancos, marcas de carros e
outras companhias passaram a anunciar em Piau. Para Salles, possvel afirmar que a
maioria dos leitores da revista tem nvel superior, curioso, tem o hbito de freqentar
livrarias e gosta de ler. " algum com quem o mercado publicitrio quer falar"
(OBSERVATRIO DA IMPRENSA, 2010, On-Line). Na edio de um ano de Piau, em
setembro de 2007, das 78 pginas, cerca de 30 eram compostas por anncios. Isso pode ser
considerado uma mostra da confiana do mercado e da viabilidade comercial de uma
publicao nos moldes de Piau.
Outro fator que atesta para o sucesso da revista so os prmios que a publicao j
recebeu desde seu recente lanamento. Em 2009, ela se classificou em sexto lugar, na
categoria revista nacional, na pesquisa Veculos Mais Admirados: O Prestgio da Marca,
realizada pelo jornal Meio & Mensagem com a Troiano Consultoria de Marcas. No mesmo
ano, tambm recebeu o ttulo de Destaque do Ano do Prmio Colunistas Rio. Em 2007, Piau
recebeu o Prmio Especial do Jri do no 21 Prmio Veculos de Comunicao da Editora
Referncia. No mesmo ano, foi considerada a Revista do Ano pela revista About. Em 2010, o
prmio de Veculo do Ano, concedido pela Associao Brasileira dos Colunistas de
Marketing e Propaganda.
Na opinio do colunista do jornal Folha de S. Paulo Contardo Calligaris, que dedicou
sua coluna de 19 de outubro de 2006 revista, que havia acabado de ser lanada, Piau tem o
dom de tornar pblico o desconhecido, geralmente excludo pela grande imprensa, e de
valorizar o cotidiano do cidado comum. Mais ainda, tem interesse pela vida concreta, o que
transforma sua chegada num evento poltico. Afinal de contas, aponta o colunista, a
condio bsica de uma convivncia democrtica que se torne relevante a variedade das
vidas concretas (CALLIGARIS, 2010, On-Line)
De acordo com o Instituto Verificador de Circulao (IVC), a tiragem de Piau nos
primeiros meses de 2010 foi de 60 mil exemplares. Desse montante, 52% so destinados
venda em bancas, onde cada exemplar custa R$ 12, e 47% so para assinantes. Mesmo sendo
distribuda e impressa pelo Dinap (Distribuidora Nacional de Publicaes), da editora Abril, a
revista produza pela editora Alvinegra, criada exclusivamente para essa funo.
Assim como a maioria dos magazines, Piau tambm tem a sua verso eletrnica
www.revistapiaui.com.br. Embora reproduza o contedo publicado em papel, cujo acesso no
se restringe apenas aos assinantes, o site da revista oferece mais do que as pginas da verso
impressa na tela do computador, como arquivos de udio, vdeos e textos que so produzidos
exclusivamente para a verso On-line.
3.1 Aspectos visuais e editoriais
Segundo Joo Moreira Salles, a inteno da Piau no salvar o jornalismo brasileiro
no que ele tem de ruim, mas ser uma revista prazerosa, com humor, e que revele coisas
curiosas, importantes, fteis, boas e ruins sobre o Brasil (DIGESTIVO CULTURAL, 2010,
On-Line), caractersticas de uma publicao que at ento, segundo Joo Moreira Salles,
faltava no mercado editorial brasileiro.
A criao da revista no foi baseada em pesquisas, como ocorre na maior das vezes.
Simplesmente foi reunido um grupo de pessoas que, assim como ele, se sentiam um tanto
desatendidos ao entrarem em uma banca de revistas procura de boa informao.
Um grupo de amigos chegou concluso que seria bacana entrar numa banca e encontrar uma revista como a Piau. No passou disso. A deciso no foi tomada a partir de um pl