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1203 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> CULTURA MIDIÁTICA E EDUCAÇÃO INFANTIL ALBERTO DA SILVA MOREIRA * RESUMO: Neste artigo retomo uma discussão já em curso sobre cul- tura midiática e educação infantil. A partir do impacto social dos conglomerados de comunicação e entretenimento, proponho o con- ceito de sistema midiático-cultural para dar conta da complexidade crescente no campo da indústria cultural. Para isso examino dois ei- xos temáticos interligados: 1) a midiatização da cultura e a produção da cultura midiática; e 2) a função socializadora e pedagógica do sis- tema midiático-cultural nas sociedades modernas, com um acento so- bre a publicidade. Palavras-chave : Mídia. Educação. Cultura midiática. Infância. In- dústria cultural. MEDIATIC CULTURE AND CHILDREN EDUCATION ABSTRACT: This article sums up an ongoing debate on mediatic culture and children education. Based on the social impact of the huge communication and entertainement corporations, it proposes the concept of a mediatic culture system to account for the growing complexity of the culture industry field. It thus analyzes two inter- connected subjects: 1) the mediatization of culture and the mediatic culture production, and 2) the socializing and pedagogical function of the mediatic culture system in modern societies, focusing espe- cially on advertising. Key words : Media. Education. Mediatic culture. Childhood. Culture industry. * Doutor em Teologia, professor-pesquisador da Faculdade de Filosofia e Teologia da Uni- versidade Católica de Goiás (Goiânia) e pesquisador do Instituto Franciscano de Antro- pologia (Curitiba). E-mail : [email protected]

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1203 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva MoreiraCULTURA MIDITICA E EDUCAO INFANTILALBERTO DA SILVA MOREIRA*RESUMO: Neste artigo retomo uma discusso j em curso sobre cul-tura miditica e educao infantil. A partir do impacto social dosconglomerados de comunicao e entretenimento, proponho o con-ceito de sistema miditico-cultural para dar conta da complexidadecrescente no campo da indstria cultural. Para isso examino dois ei-xos temticos interligados: 1) a midiatizao da cultura e a produoda cultura miditica; e 2) a funo socializadora e pedaggica do sis-tema miditico-cultural nas sociedades modernas, com um acento so-bre a publicidade.Palavras-chave: Mdia. Educao. Cultura miditica. Infncia. In-dstria cultural.MEDIATIC CULTURE AND CHILDREN EDUCATIONABSTRACT: This article sums up an ongoing debate on mediaticculture and children education. Based on the social impact of thehuge communication and entertainement corporations, it proposesthe concept of a mediatic culture system to account for the growingcomplexity of the culture industry field. It thus analyzes two inter-connected subjects: 1) the mediatization of culture and the mediaticculture production, and 2) the socializing and pedagogical functionof the mediatic culture system in modern societies, focusing espe-cially on advertising.Key words: Media. Education. Mediatic culture. Childhood. Cultureindustry.* Doutor em Teologia, professor-pesquisador da Faculdade de Filosofia e Teologia da Uni-versidade Catlica de Gois (Goinia) e pesquisador do Instituto Franciscano de Antro-pologia (Curitiba). E-mail: [email protected] Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantil1. A midiatizao da cultura a produo da cultura miditica1.1. Os conglomerados de comunicao e entretenimentosurgimento e o desenvolvimento dos meios de comunicaopodem ser considerados uma caracterstica essencial da culturaocidental e uma dimenso marcante da sociedade atual: Sequisermos entender a natureza da modernidade, (...) as caractersti-cas institucionais das sociedades modernas e as condies de vida cri-adas por elas devemos dar um lugar central aos meios de comuni-cao e seu impacto (Thompson, 1998, p. 12; 1995, p. 7). Tambmem sociedades como a brasileira, onde vige uma modernidade peri-frica, a produo e a circulao de formas simblicas pela mdia tmum papel decisivo na vida social e no cotidiano das pessoas.O emprego sistemtico de computadores em praticamente to-dos os sistemas de comunicao e informao fez aumentar enorme-mente a velocidadee a qualidadeem todas as fases do processo, almde permitir reduo de custo e aumento de lucros para as empresas.A revoluo digital na transmisso de dados e informaes forneceu osubstrato material para o advento do que Manuel Castells chamou deasociedadedefluxos(Castells,1996)ouasociedadedainformao(Castells, 1997 e 1998).Pode-se objetar a Castells que a maior parte da humanidade ain-da no est conectada com essa rededefluxos, que dois teros dela se-quer fazem uso do telefone e continuam social e economicamente ex-cludos. Mesmo assim, no resta dvida de que os processos demundializao financeira, econmica, cultural e poltica vigentes sforam possveis por meio do desenvolvimento das infotelecomu-nicaes e de seus aparatos. So eles que fornecem o substrato mate-rial para o processo de globalizao cultural.Ora, se a globalizao for entendida como produo, distribui-o e consumo de bens e servios, organizados a partir de uma estra-tgia mundial e voltada para o mercado mundial (Ortiz, 1994, p.16), ela nada mais que a expanso dinmica da economia de merca-do (tendncia sempre inerente ao capitalismo) a todos os mbitos davida social, em todos os pases e regies do mundo, ainda que de for-ma e em ritmos diferenciados. A globalizao econmica, poltica ecultural serve, segundo Bolao (1996, p. 17), ao processo de acumu-1205 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva Moreiralao e concentrao em escala planetria do capital. Assim, podemosdizer que o domnio da informao e das tecnologias da informaotornou-se fonte alimentadora das engrenagens indispensveis hegemonia do capital (Moraes, 1998, p. 50). Com isso ocorrem:a) uma internacionalizao do mercado cultural de massa coma quebra das barreiras nacionais;b)a emergncia daquilo que Ortiz (1994, p. 111) chamou decultura internacional popular, ou seja, a formao em cadapas de uma massa popular consumidora, sensvel a deter-minadas mensagens, estilos e padres globais;c) uma forte concentrao e fuso de empresas e capitais atuantesnocampodaindstriaculturalemtermosmundiais,osoligoplios miditicos (Herman & McChesney, 1997; Moraes,1998, p. 59).Assim, ao que tudo indica, nos prximos anos incorporandoe remodelando a produo-difuso cultural regional dever sobres-sair a atuao de alguns megassistemas transnacionais de informaoe entretenimento altamente concentrados. Segundo a consultoria nor-te-americana McKinsey, a competio mundial tende a envolver ape-nas cinco grandes empresas por setor (Moraes, 1998, p. 60). So es-ses oligoplios miditicos que produzem, distribuem e organizam, emescala global, a maior parte da informao e das atividades culturaiscomo msica, cinema, filmes, shows, livros, revistas, bem como en-tretenimento, esporte, jogos, lazer, o mercado das artes e a indstriada fantasia infantil e juvenil. (Herman & McChesney, 1997; Curran& Gurevitch, 1997). Em todas essas modalidades de atividade cul-tural as grandes corporaes marcam sua presena em nosso cotidia-no por meio dos produtos culturais e informativos que produzem,distribuem ou reformatam para uso local. Mesmo no conhecidas dopblico, muitas empresas esto presentes pelo fornecimento de equi-pamentos e satlites, ou pelas inmeras fuses, joint ventures e parti-cipaes acionrias nas empresas nacionais ou regionais. As dez gigan-tes globais do setor so: Time-Warner, Disney, Bertelsmann, Viacome News Corporation, Sony, TCI, Universal, Polygram e NBC. As cincomaioresfaturaramUS$90bilhesem1997;asquatromaiorestriplicaram de tamanho nos ltimos dez anos e a quinta duplicou;das dez, s trs no tm sede nos Estados Unidos: a alem Bertelsmann,a anglo-holandesa Polygram e a japonesa Sony: A indstria da co-1206 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantilmunicao pertence aos setores mais dinmicos do capitalismo glo-bal, sob efetiva hegemonia dos EUA como plo de produo e distri-buio de contedos (Herman & McChesney, 1997, p. 69, 70).1Os novos missionrios do capitalismo corporativo, na expres-so crtica de Herman & McChesney, perseguem uma estratgia glo-bal semelhante:a) ofensividade mxima na guerra industrial e mercadolgica em qual-quer hemisfrio; b) centralizao decisria e tecnoprodutiva, conglome-rao setorial e desterritorializao das unidades de consumo; c) disper-so transcontinental dos negcios (); d) investimentos macios emtecnologias digitais que estimulem a convergncia (); e) acordos ejoint ventures () inclusive com grupos regionais de mdia, visando otimizao comercial de programaes, bens e servios. (Moraes, 1998,p. 72)No Brasil, outras grandes empresas estrangeiras da rea de te-lecomunicaes e computao j atuam no mercado: Telefnica, AT&T,Microsoft, IBM, Compaq, AOL, Lucent, Siemens. Os grupos nacionaismais fortes Organizaes Globo, Grupo Abril, Grupo Silvio San-tos, Grupo Folha, Estado e Igreja Universal transmitem e distribu-em programas e contedos dos grandes conglomerados ou possuemprojetos em colaborao com eles.Em 2002 foi aprovado no Congresso um projeto de lei que abres multinacionais a participao na composio acionria de empre-sas brasileiras do setor das comunicaes. A presso dos oligopliosmiditicos, de governos e rgos financiadores internacionais, aliadosa interesses de grupos locais, deve conduzir a um grau ainda maiorde desnacionalizao da cultura (miditica) produzida e difundida noBrasil. Todos esses trmites ocorreram praticamente sem informaoe participao do pblico brasileiro.1.2. A midiatizao da culturaQual o impacto social que esse conjunto de mudanas conti-do na expresso globalizao cultural provoca nas culturas locais? Oque ocorre no repertrio cultural de relatos, identidades, smbolos,lendas e memrias dos grupos sociais e dos povos a partir da interaocom o mercado de bens simblicos transnacionais, onde dominam osgrandes conglomerados da cultura e seus sofisticados meios tcnicos?1207 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva MoreiraEm razo da magnitude e da complexidade dos processos, noexiste, claro, uma resposta simples a essas perguntas. Aumentam porisso o interesse e os estudos sobre o que ocorre no campo da cultura(Featherstone, 1994 e 1995) e do imaginrio local (religies, valores,idias e tradies) com a expanso global de estilos de comportamen-to, consumo e pensamento, de gostos e preferncias, e da popula-rizao de fragmentos desconexos das culturas locais. Talvez a carac-terstica mais marcante da globalizao cultural seja o fato de elaacompanhar e contribuir para o estabelecimento e o funcionamentoda economia de mercado em escala planetria. Outra caracterstica,j apontada acima, o surgimento de uma cultura internacional demassa, ao lado ou por dentro das culturas locais.A prpria dificuldade sentida de circunscrever o conceito de cul-tura j indicadora da segmentao (ps)moderna de um pensamen-to que parece ter abdicado de qualquer recurso totalidade (Geyer,1994). Se inicialmente e para efeitos operativos tomarmos cultura, nalinha de Berger & Luckmann (1978), como construo social da re-alidade, o que implica a criao, reproduo e difuso de sistemasde atitudes e modos de agir, de costumes e instituies, valores espi-rituais e materiais, devemos admitir que justamente neste mbito seconstituiu um grande e complexo mercado de bens simblicos outextos culturais. Hoje, mais que nunca na histria, os agentes privi-legiados no processo de (re)criao e difuso de valores, comportamen-tos, gostos, idias, personagens virtuais e fico so as grandes em-presas transnacionais da mdia, da publicidade e do entretenimento(Adorno,1970;Adorno&Horkheimer,1982;Giraud,1989;Mattelart, 1986 e 1994; Chomsky & Herman, 1988 e 1997). Essascorporaes,cujasempresasconjugamteleviso,computadores,Internet, vdeo, cinema, aparelhos de diverso eletrnicos, mas tam-bm rdios, revistas, jornais, outdoors, banners e outras formas de co-municao imagtica, sonora e/ ou virtual, so agentes sociais podero-sos. Elas, mais pelas caractersticas de sua atuao social que por suaorganizao interna ou setorial, parecem estar constituindo um ver-dadeiro sistema miditico-cultural.A presena ubqua desse sistema miditico-cultural, a sua aopervasiva e constante e o poder simblico de que dispe esto provo-cando modificaes profundas no mbito da cultura, em todos osseus aspectos. Talvez a mais importante dessas transformaes seja ofato de que a prpria cultura cada vez mais midiatizada.1208 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantilPor midiao2 da cultura entende Thompson (1995, p. 21) oprocesso histrico do rpido crescimento e da proliferao de insti-tuies e meios de comunicao de massa nas sociedades ocidentais,que, por intermdio de suas redes de transmisso, tornaram formassimblicas mercantilizadas acessveis a um grupo cada vez maior dereceptores. Em outros termos, a produo e a transmisso das formassimblicas (que refletem as experincias e as vises de mundo das pes-soas) so sempre mais mediadas pelas instituies e pelos aparatos tc-nicos da mdia. A cultura passa ou acontece cada vez mais na epor meio da mdia. Isso implica: a) que as manifestaes culturaismais diversas s so reconhecidas como tais pela sociedade depois deserem mostradas ou incorporadas pela mdia; b) que as prprias cri-aes, os personagens e produtos da mdia se tornam bens culturaisde alcance social. Ambos os nveis interagem, de forma que a mdiase torna ao mesmo tempo acontecimento, produo e divulgao cul-tural. Tal abrangncia justifica a introduo do conceito de sistemamiditico-cultural. Um dos resultados desse processo a produo daculturamiditica.1.3. O que se entende por cultura miditicaCultura miditica tem a ver com determinada viso de mundo,com valores e comportamentos, com a absoro de padres de gosto ede consumo, com a internalizao de imagens de felicidade e pro-messas de realizao para o ser humano, produzidas e disseminadas nocapitalismo avanado por intermdio dos conglomerados empresariaisda comunicao e do entretenimento, e principalmente por meio dapublicidade. Num mbito mais amplo e necessariamente genrico, cul-tura miditica a cultura do mercado pensada e produzida para sertransmitida e consumida segundo a gramtica, a lgica prpria, a est-tica e a forma de incidncia e recepo peculiares ao sistema miditico-cultural. Neste sentido, a noo de cultura miditica devedora e re-tomamuitasimplicaesdoconceitodeindstriadacultura,ouindstria cultural, mas deseja apontar ou circunscrever realidades espe-cficas do estgio atual de midiatizao da cultura.3Cultura miditica o produto regular e sempre renovado deum sistema miditico-cultural, cujos principais agentes os conglome-rados miditicos colocam a sofisticao tecnolgica a servio da re-produo do mesmo, da banalidade sinttica, fabricada em circuito1209 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva Moreirafechadoesobteladecontrole(Baudrillard,2001).Naculturamiditica no se trata apenas da conformao do pblico a determina-dos hbitos, padres de comportamento, valores, gostos e preferncias,difundidos por meio da mdia, mas da criao, duplicao ou da re-criao da realidade por meio dela. Em alguns dos seus produtos, comoos reality shows (do tipo BigBrother, Casa dos Artistas, Ilha da Seduo)quetudopretendemmostrar(ouseja,arealidade),essaculturamiditica vai alm da prpria realidade: virtualiza um real degradado mais rasa banalidade para o consumo narcisista de um pblico que dsimulao(aovivo)desuaprpriacotidianidade,tornadain-significante pelo excesso de exposio e pela orgia imagtica, sua maisentusistica adeso (Zamora, 2000, p. 34).Ao assumir o conceito de cultura miditica nesta acepo crti-ca, tenho em mente alguns fatores delimitadores que, a meu ver, nonegam, mas recortam e contextualizam, essas afirmaes:a) No se trata de fazer uma mistura indiscriminada de todasas formas e produtos mass-miditicos, como se todos agissemda mesma forma, seguissem os mesmos objetivos e alcanas-sem resultados semelhantes.b)Existem diferenas de forma e contedo mesmo entre peasde publicidade: a propaganda de um governo autoritrio notem o mrito tico-poltico de uma campanha da Anistia In-ternacional; um comercial da Coca-Cola no tem a relevn-cia social de um anncio sobre os perigos da AIDS, ainda quena sua confeco ambos possam utilizar recursos similares decomunicao e marketing.c) No se quer afirmar que a influncia das indstrias culturaisseja sempre negativa; em algumas situaes justamente ocontacto com mensagens e horizontes culturais mais amplosque o autoritarismo de determinadas tradies locais que en-riquece e anima movimentos e lutas por democracia e direi-tos humanos.4d)Em circunstncias especficas (luta ecolgica, reivindicaesglobais, movimentos populares transnacionais) a mdia tan-to pode dissimular como disseminar atitudes e sentimentosde inconformismo, quando no de revolta popular. Este pa-rece ser o caso das recentes coberturas sobre eventos como1210 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantilSeattle, Davos e o Frum Social de Porto Alegre: o movimen-to popular tanto pode ser ajudado como difamado pela m-dia.e) No possvel prever e controlar totalmente o processo derecepo, leitura e reao por parte do pblico; mesmo cam-panhas publicitrias milionrias podem tornar-se grandesfracassos financeiros, e aes cuidadosamente planejadas po-dem provocar efeitos inesperados e indesejados.Est claro que a midiatizao da cultura, por intermdio dopapel preponderante dos conglomerados da comunicao, informa-o e entretenimento, acirrou a crise das instituies tradicionaisprodutoras de sentido (escola, famlia, religies, Estado, culturas lo-cais)efacilitouaconstituiodenovasinstnciasgeradorasedifusoras de sentido (Moreira & Zicman, 1994). Esse processo, que fundamental para se entender as sociedades modernas, ocorre deforma no-linear ou programada e est cheio de conflitos, resistn-cias, releituras e reaes. Tambm no se deve pensar, como subli-nha Thompson (1998, p. 13), que os meios de comunicao falema indivduos e sociedades estticos, a entidades fechadas e indefe-sas que deveriam ser, portanto, protegidas da m influncia ex-terna. Toda cultura se forma e reforma constantemente no contac-to com o diferente e o exterior a si mesma. A prpria noo do que o diferente e do que o exterior, de quem somos ns e dequem so eles, precisa ser continuamente refeita e reposta. Assim,a identidade construda num processo social e simblico, historica-menteespecficoacadagrupooupovo.ConformeWoodward(2000, p. 14), A identidade , na verdade, relacional, e a diferena estabelecida por uma marcao simblica relativamente a outrasidentidades (...) [ela] est vinculada tambm a condies sociais emateriais.Envolvidos nesse processo social e simblico de contnua cons-truo e re-posio da identidade, por meio dos significados produzidos pelas representaes que damos sen-tido nossa experincia e quilo que somos (...). A representao, compre-endida como um processo cultural, estabelece identidades individuais ecoletivas e os sistemas simblicos nos quais ela se baseia fornecem possveisrespostas s questes: Quem sou eu? O que eu poderia ser? Quem eu queroser? (Idem, ibid., p. 17)1211 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva MoreiraA partir dos discursos e das vises de mundo produzidos pelossistemas de representao simblica, os sujeitos podem se posicionar econstruir sua identificao com determinados papis, perfis, significa-dos. Baseados nessa identificao subjetiva, na qual sempre esto pre-sentes desejos e dinmicas do inconsciente, os sujeitos afirmam ouno seu pertencimento: isso somos ns (e no aquilo), fazemos partedessa cultura/ povo/ comunidade (e no daquela outra).Percebemos logo que, em todos os momentos do processo soci-al-simblico de construo e afirmao da identidade e do perten-cimento, a atuao do sistema miditico-cultural marcante. O sis-tema miditico tornou-se nas sociedades modernas talvez o principalfator gerador e difusor de smbolos e sentidos. Smbolos e sentidosestes que geram tanto sentimentos de identificao e de perten-cimento como de anomia e excluso. Anncios publicitrios s soeficazes porque tm apelo para os consumidores, porque fornecemimagens com as quais eles podem se identificar. A presena da mdia decisiva porque suas histrias, mensagens e anncios, como de res-to todas as prticas de significao que produzem significados, en-volvem relaes depoder, incluindo o poder para definir quem inclu-do e quem excludo.5Isso nos lembra que as representaes simblicas, incluindo asidentidades, esto no entrecruzamento das nossas vidas cotidianascom as relaes sociais, econmicas e polticas e no podem serdissociadas delas.6 Assim, uma anlise que se restringisse a examinara linguagem ou o contedo de um produto miditico como algo emsi e para si, dissociado dessa ubicao nas relaes sociais mais am-plas, falharia com seu prprio objeto de estudo.Em contrapartida, a prpria atuao dos meios de comunica-o de massa fez surgir novas formas de ao e interao social, novasformas de relacionamento do indivduo consigo mesmo e com os ou-tros. Ao influenciar o processo de construo das identidades, ao esti-mular determinadas lealdades e pertencimentos e ao favorecer deter-minada viso de mundo, o complexo miditico-cultural tornou-setalvez, o principal agente no processo cultural. Essa uma mudanasignificativa.Em algumas situaes os produtos da mdia podem ter oxige-nadoastradies:aotransplant-lasparaoutroscontextos,aorelativizar formas tradicionais e autoritrias de vida e ao oferecer s1212 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantilpessoas novas fontes de identidade desconectadas de seus locais parti-culares (Thompson, 1998, p. 15). Talvez a contribuio mais signifi-cativa das redes de informao tenha sido seu papel no processo deformao de uma conscincia planetria. Nossa imagem do mundode fato se transformou. Sabemos que no podemos mais pensar emtermos simplesmente locais e isolados; percebemos a realidade de po-vos e situaes antes distantes no tempo e no espao, e de comoestamos interligados. Surgiu uma realidade nova na histria humana:a constituio (real) de uma sociedade-mundo, e uma percepo (ide-al) do planeta Terra como casa dos humanos e de toda a biosfera. Semdvida a atuao dos meios de comunicao de massa foi fundamen-tal neste processo, rompendo a barreira dos Estados, das lnguas e dasculturas regionais.Dessa forma, no pretendo fazer juzos totalizantes ou definiti-vos sobre a atuao da mdia. Para ajuizar devidamente as situaesso sumamente importantes os trabalhos sobre formas simblicas es-pecficas e estudos de caso sobre a recepo e a incidncia dos produ-tos miditicos. Acerca dessas questes debateu-se mais de meio scu-lo nas cincias sociais e na comunicao, desde Lazarsfeld passandopor Adorno e Horkheimer, Marcuse e McLuhan at Niklas Luhmann,Baudrillard,PaulVirilio,NstorGarciaCanclini,JessMartn-Barbero e Muniz Sodr, s para citar alguns nomes.Inegvel, contudo, parece-me o fato de que o sistema miditico-cultural elabora e difunde, mesmo se de uma forma no totalmenteintencional ou planejada, vises de mundo, sentidos eexplicaes paraa vida e a prtica das pessoas e, por isso, passa a influenciar sempremais seu cotidiano, sua linguagem e suas crenas. Justamente o m-bito das crenas e da elaborao do sentido, da viso de mundo comouma atitude fundamental perante o real, que tradicionalmente foium espao ou uma funo atribudos famlia, escola, s religies efilosofias, est hoje, em boa parte, concentrado nas mos dos agentesmiditicos.Ao garantir internamente a existncia da contradio e da rup-tura, da possibilidade de reapropriao da mdia pelos movimentossociais, da existncia dos rudos e das ressignificaes realizadas pelopblico,enfim:docarternomonolticooutotaldosistemamiditico-cultural, no pretendo obliterar a sua orientao de fundoe sua pragmtica busca das duas foras decisivas na sociedade capita-1213 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva Moreiralista: o lucro e o poder. No se pode desconhecer o fato de que qual-quer mensagem e produto veiculados pela mdia vm marcados porcaractersticas bsicas:- Na mdia nunca temos a ver com a realidade, mas com a suaimagem, relato ou reduplicao tecnolgica; trata-se semprede experincias de segunda mo (Arnold Gehlen).- Todos os eventos, fatos e processos relatados, mesmo as mai-ores tragdias, reclamam uma audincia, que deve ser cons-tituda e alimentada.- A mdia depende essencialmente da publicidade, da propa-ganda e do marketing como fonte de financiamento.- Notcias, filmes, programas, msicas so produzidos comomercadorias para serem vendidas e, portanto, precisam gerarlucro.- Nesse processo as mensagens e informaes so transforma-das exteriormente e s vezes internamente.- Elas so produzidas e disseminadas por poucos e grandesconglomerados, ou seja: supem uma enorme concentraodo poder simblico (e econmico e poltico) em poucasmos; produes alternativas e de cunho crtico existem, mastm grande dificuldade de atingir o grande pblico.- Os veculos da mdia funcionam praticamente em uma ni-ca direo raramente permitem interveno, modificaoou dilogo de fato; as formas de interatividade existentes noquestionam fundamentalmente o esquema, mas antes o re-foram.- Mensagens e produtos so quase sempre formatados com ointuito de criar uma mentalidade afirmativa (Adorno), umaadeso subjetiva ao real existente; seu interesse no alimen-tar vises radicalmente distintas das do establishment.Resumindo: Em que sentido, ento, pode-se entender a midia-tizao da cultura, a constituio de um sistema miditico-cultural eo surgimento de uma cultura miditica?1) Primeiro, no sentido de que em nossas sociedades ten-dencialmente todas as expresses culturais, como a arte, asmanifestaes populares, a literatura, a poltica, a religio1214 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantiletc., passamou acontecempor meio da mediao desse siste-ma de transmisso simblica; ele pervasivo.2) Segundo, no sentido de que o prprio sistema miditico-cul-tural produz padronizaes, frmulas, esquemas, formata-es e expectativas que retroagem e influenciam as manifes-taes culturais, gerando um processo de mtua influncia.3) Terceiro, no sentido de que o sistema miditico gera e di-funde uma cultura que, se no lhe prpria (pois a mat-ria-prima para o seu produto em geral no criada porele, mas retirada ou vampirizada de outros repertrios designificantes, como a cultura popular), pelo menos lhe ade-quada: a cultura miditica reorganiza a percepo do espaoe do tempo (Sandbothe & Zimmerli, 1994), difunde pode-rosamente no imaginrio e na prtica social das pessoas seusprprios ritmos, espacialidades, formas de interao social,noes de identidade e de pertencimento.4) Quarto, no sentido de que seus smbolos, cones, imagens,valores e mensagens, produzidos por poucos, com nenhumaou pouqussima interveno dos receptores, so revestidos deum poder ou potencial simblico enorme; tal poder simblicopode ser considerado ideologia se e enquanto tais produtoscontribuem para criar ou reforar formas de dominao ex-plcita ou camuflada (Thompson, 1995).5) Quinto, no sentido de que o sistema miditico-culturalexerce uma evidente funo socializadora e educadora dasociedade, sobretudo dos segmentos mais expostos a ele,como as crianas; isso independe, em princpio, se os con-tedos veiculados so negativos ou positivos.6) Sexto, no sentido de que sua ao sutil e atua sobreo in-consciente, e por isso no pode ser captada quantitativamen-te; a mdia influencia muito mais pela seduo que pela ar-gumentao.7) Stimo, no sentido de que, por ser pervasivo, comprometi-do ideologicamente e atuar sobre o inconsciente, o sistemamiditico-cultural influencia poderosamente na prpria per-cepo que os sujeitos tm da realidade.1215 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva Moreira8) Oitavo, no sentido de que as instituies de produo etransmisso simblica atuam como empresas, que produzem,reprocessam, armazenam, vendem e distribuem mercadorias(bens simblicos) num mercado; ou seja: trata-se de insti-tuies que se orientam pela busca do lucro (e do poder queele viabiliza) e no necessariamente por valores humanos oudemocrticos.2. A funo socializadora e pedaggica do sistema miditico-cultu-ral nas sociedades modernas2.1. Crisedas instncias produtoras desentidoConforme explicitado acima, o sistema miditico-cultural acir-rou a crise de outras instncias produtoras de explicao e sentidopara a vida social. Tradicionalmente a famlia, a escola, a religio e oEstado eram os responsveis pela produo e divulgao das formassimblicas. Eles tinham tempo e meios para impregnar as novas ge-raes na fidelidade aos sentidos gerados. O que nem sempre con-tribuiu para aumentar o espao de liberdade e expresso dos indiv-duos. Em todo caso, tal situao mudou bastante com o advento dosconglomerados miditicos.Para dar um exemplo, o papel do Estado como criador e admi-nistrador das polticas pblicas para a rea da comunicao se enfra-queceu bastante no processo de globalizao. Com a diminuio daautonomia dos Estados nacionais, pelo menos daqueles mais fracos,os conglomerados internacionais de comunicao e entretenimentoimpem ao mercado mundial seus produtos miditico-culturais (fil-mes, notcias, jogos, imagens, sons, msica etc.). Eles exigem paraseus produtos as mesmas regras do livre mercado e da livre difu-so como qualquer outra mercadoria; ou seja, os pases no podempr entraves sua circulao (Giraud, 1989, p. 273).Dessa forma, a maioria dos pases, sobretudo aqueles pobres queno tm uma legislao especfica para o setor, ou cuja produomiditica inexistente ou insignificante, invadida pela enxurradade mercadorias culturais produzidas por algumas grandes empresastransnacionais. No mundo rabe, por exemplo, a agressiva poltica dedivulgao dos enlatados ocidentais, inclusive filmes e publicaes1216 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantilpornogrficas, tm provocado reaes iradas e alimentado o funda-mentalismo islmico. Alguns autores tambm tm denunciado amassiva presena do tele-evangelismo norte-americano por sua mani-festa imbricao com interesses geopolticos dos Estados Unidos, in-clusive por meio de financiamentos por parte da CIA (Lima, 1987;Assmann, 1990; Carvalho, 1998). Portanto, a expresso imperialismocultural ainda no pode ser descartada nas discusses sobre o assunto.2.2. A socializao da infncia pela publicidademiditicaQuanto ao papel e influncia da escola sobre as crianas e osadolescentes (sem fazer apologia de qualquer modelo pedaggico),basta refletir sobre alguns indicadores para se perceber o quanto essainfluncia est sendo relativizada:As indstrias culturais transnacionais, orientadas pelo lucro (definidas livre-mente como setores que usam smbolos, histrias, imagens e informaes paragerar ganhos financeiros), so hoje as mais poderosas instituies culturais domundo contando mais histrias, cantando mais canes, provendo mais ima-gens e combinando mais metforas que qualquer outro grupo de instituiesdo mundo (...). As indstrias culturais hoje dominam a vida nas regies indus-triais avanadas e sua influncia continua a se espalhar. Nos Estados Unidosseus produtos e atividades ocupam mais do tempo das pessoas do que qualqueroutra coisa, exceto o trabalho, a escola e o sono (...). (Budde, 2001, p. 66)Parece-me inequvoco que os diversos meios de comunicaoexercem hoje uma funo pedaggica bsica, a de socializar os indiv-duos e de transmitir-lhes os cdigos de funcionamento do mundo.Sem dvida instituies como a famlia, a escola e a religio continu-am sendo, em graus variados, as fontes primrias da educao e daformao moral das crianas. Mas a influncia da mdia est presentetambm por meio delas. A televiso, por exemplo, ocupa uma fatiaconsidervel do tempo das crianas, sobretudo em meios sociais ca-rentes de fontes alternativas de ocupao e lazer:Considere que pela primeira vez na histria humana as crianas nascem emcasas nas quais a televiso fica ligada uma mdia de 7 horas por dia. E quepela primeira vez a maioria das histrias no contada pelos pais, nem pelaescola, nem pela igreja, nem pela tribo ou comunidade e, em muitos luga-res, nem mesmo pelo pas de origem, mas por um grupo relativamente pe-queno de conglomerados empresariais que possuem algo para vender.(Gerbner, 1998, p. 2, apud Almeida Jr., 2001, p. 50)1217 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva MoreiraMas, ao falar sobre a funo socializadora da mdia, devemosdar ateno especial a um setor emblemtico de sua atuao, a propa-ganda. A propaganda atualmente o principal vetor do sistema mi-ditico-cultural e talvez traduza emblematicamente a essncia mes-ma desse sistema. Eis algumas razes para essa suposio: em primeirolugar, a ligao intestina do sistema miditico-cultural com a publi-cidade clara: a propaganda a principal fonte de financiamento dosconglomerados miditicos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a im-prensa depende da publicidade em cerca de 3/ 4 de sua renda; as r-dios e televises dependem totalmente dela e mesmo os canais pbli-cos esto cada vez mais dependentes desta fonte de financiamento(Schiller, 1994, p. 33). Em segundo lugar, como os produtos cultu-rais veiculados pela mdia so, tambm, mercadorias destinadas aoconsumo, eles possuem uma certa co-naturalidade com as peas pu-blicitrias, que visam explicitamente a tal consumo. Em terceiro lu-gar, o prprio formato, o estilo, a linguagem visual e os recursos daspeas publicitrias (por exemplo, do spot) passam a in-formar e con-formar outras produes miditicas, como os shows, o jornalismo e ocinema. Busca-se integrar a eficcia comunicativa da publicidade aosdemais produtos miditicos (conciso, impacto, rapidez, evidncia,impresso duradoura). Isso sem mencionar os casos mais corriqueirosde propaganda explcita ou velada nas novelas e nos filmes. A inds-tria da publicidade, por si, um dos ramos mais cobiados do siste-ma miditico-cultural, movimentando um oramento global de US$400 bilhes em 2002 (Moraes, 2003, p. 205). No Brasil, foram in-vestidos R$ 12,9 bilhes em publicidade em 2000, sendo 63,5% nateleviso.7 Para um autor crtico como Herbert Schiller, este conjuntode fatores implicaria no longo prazo a transformao da imprensa, dordio, da TV a cabo, da Internet e de qualquer tecnologia subseqenteem instrumentos do marketing.Todavia preciso avanar na compreenso da propaganda.Como os estudos de Leiss, Kline & Jhally (1997, p. 5) inequivoca-mente mostraram, a publicidade no constitui simplesmente um setorna estrutura produtiva ou de consumo, ao lado de outros setores,como a agricultura, o vesturio ou a pesca. Ela pervade todos ossetores. A propaganda e o marketing tornaram-se na verdade umenvironment, um ambiente cultural dentro do qual as pessoas nas-cem e crescem, como se fosse essa uma cultura, sua prpria cultu-ra, o ar que respiram. Este ambiente cultural sui generis, povoado por1218 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantilentidades s quais se agregam qualidades, as marcas, impregnado derelaes de compra e venda, cujo interesse maior no vender produ-tos, mas formar para o consumo, tornou-se uma presena pervasivatambm no universo infantil.O norte-americano mdio exposto a pelo menos trs mil propagandas acada dia e gastar trs anos de sua vida assistindo a comerciais de televiso.As propagandas perfazem cerca de 70% de nossos jornais e 40% de nossascorrespondncias. Naturalmente, no prestamos ateno direta maioria des-tas propagandas, mas somos poderosamente influenciados, geralmente emum nvel inconsciente, pela experincia de estar imersos em uma cultura dapropaganda, uma cultura voltada para o mercado, na qual nossas instituiespolticas, religiosas e educacionais esto crescentemente venda pela ofertamais alta. (Kilbourne, 1999, p. 58-59, apud Almeida Jr., 2001, p. 50-51)Em alguns pases e camadas urbanas, adultos e crianas gastamentre 24 e 30 horas por semana assistindo televiso, isso sem contaro tempo que passam escutando rdio ou msica, lendo jornais e re-vistas, conectando-se com a Internet ou consumindo outros produtosculturais da mdia (Thompson, 1995, p. 9). Calcula-se que um jo-vem norte-americano aos 14 anos de idade j viu cerca de 22 milmortes nos meios de comunicao, e j ter deglutido (passiva ouativamente) alguns milhes de propagandas (OSullivan, Dutton &Rayner, 1998, p. 4-5).Ocorre que a ateno ou audincia do pblico se tornou umamercadoria escassa e disputada; os conglomerados miditicos ven-dem-na caro aos anunciantes e dela dependem para se manter. Porisso a necessidade de garantir cotas de audincia ou de mercadopassa a ser buscada como critrio decisivo em todas as fases de pro-duo dos programas e das revistas, tambm aqueles dirigidos aopblico infantil. Essa audincia ou ateno precisa ser explorada aomximo e assim, alm da publicidade explcita, o comercial mis-turado ao prprio contedo do produto miditico. O consumo damarca torna-se parte integrante da prpria mensagem: Os meiosinterativos anunciam um conjunto inteiramente novo de relaes,derrubando as barreiras tradicionais entre o contedo e o comr-cio, e criando intimidades sem precedentes entre as crianas e osmarqueteiros (Montgomery, 2000, p. 636).A publicidade na Internet, na TV e nos jogos eletrnicos emconseqncia do grau de imerso, envolvimento emocional, prazer e1219 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva Moreiracriatividade que permitem est fomentando lealdade a marcas e es-tilos, criando entre as crianas e os adolescentes comunidades virtu-ais de amigos ou de parceiros de determinado produto. Cada vezmais cedo o imaginrio infantil cooptado e povoado por marcas elogos, os cones do consumo.8No preciso muita imaginao para se perceber que essa colo-nizao do simblico pela propaganda vai influenciar a formao cul-tural e espiritual das crianas. Elas esto sendo acostumadas (comons adultos) a consumir no apenas aquilo que a publicidade indica,mas a consumir a prpria publicidade como modo de ser. Modo deser como exteriorizao e ser-para-fora, ser como narcisismo e publi-cidade do privado, ego como sucesso mercadolgico, raso e banal.Outro no parece ser o sentido do costume recente de pagar milhespor declaraes de amor espalhadas pelos outdoors da cidade. Aqui oespao-veculo publicitrio se confunde com sua mensagem-produto;a intimidade degradada e banalizada torna-se mercadoria para o con-sumo da multido. Como o modo de ser da publicidade necessaria-mente o do efmero e do descartvel, essa tirania da sobreposio ni-vela e erode, no limite, qualquer valor. No vcuo axiolgico que elaajudou a criar, a propaganda tenta estabelecer seus prprios valores,ritosecrenas.Julgo,portanto,quenohexageroquandoaintelligentsia da propaganda e do marketing mundial, numa reporta-gem do Financial Times, declara serem as marcas uma religio, talveza nica religio universal dos nossos dias:Brands are the new religion, declared Young & Rubicam, one of theworlds biggest advertising agencies, this week as it published its annualleague table of global consumer brands. Successful brands, it explained,stood for more than a product. They represented a set of beliefs and thepeople who built them were like the missionaries who spread Christianityand Islam around the world. The brands that are succeeding are those withstrong beliefs and original ideas, Y&R said. They are also the ones thathave the passion and energy to change the world and to convert people totheir way of thinking though outstanding communications.9Mais que as religies e as culturas locais, quem parece agenciarhoje os smbolos de identificao, valores e estilos de ser na aldeia glo-bal, so as marcas e os logos, manipulados pelas agncias de publici-dade e seus gurus. Esses novos missionrios (como os antigos) de-dicam especial ateno ao pblico infantil e adolescente, pois sabem1220 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantilque as crianas so mais receptivas sua pregao. Todavia, ao invsdo catecismo chato a ser decorado, a nova catequese agradvel eenvolvente: ela se vale de sons, ritmos, imagens cativantes e muito hu-mor. E comea muito mais cedo, no ventre da me. Trata-se, sobre-tudo, de formar hbitos e lealdades nos pequenos. Sem deveres e cas-tigos, a religio do consumo s promete recompensas. Por isso contacom a adeso entusiasta das crianas, pois a inteligncia, a sofistica-o e a interatividade embutidas na propaganda fascinam e envolvempelo prazer que produzem.Assim, antes de serem alfabetizadas pela escola, as crianas, so-bretudo nos grandes centros, j foram alfabetizadas pelas marcas e pe-los logos. Antes de aprenderem direito a falar, elas comeam a ler omundo por meio dos cones do consumo. Na verdade, muitas de suasprimeiras palavras j vm desse ambiente. A publicidade e o mar-keting, legitimados e escorados no seu tremendo sucesso econmico,vo mostrando s crianas pela vida afora o que agradvel, atraente,criativo e, sobretudo, desejvel. No fundo, o que vale a pena. Qualoutra instituio social disputa com eles essa univocidade axiolgicaditatorial?Para isso, as crianas precisam ser submetidas a uma saturaosimblica sem precedentes. Esse excesso de informao e de sentido veiculado por empresas de bens simblicos, disputando a atenoe o bolso dos pequenos consumidores. Alguns canais de televiso,por exemplo, dirigem sua programao exclusivamente para crian-as de at 5 anos.10 Uma caracterstica da saturao simblica ouso direcionado e planejado das imagens comerciais para o pblicoinfantil.2.3. Saturao deimagens preguia do pensamentoAo falar de um excesso ou orgia imagtica, quero apontar parao predomnio da imagem nas formas de apreenso e representao domundo presentes na cultura miditica. No se trata aqui de entrarno debate j longo, levado a efeito na semitica e na lingstica, so-bre uma possvel subordinao ou decadncia da palavra (ou da escri-ta) com relao imagem (Santaella & Nth, 1999, p. 58 e ss.). Oque me parece importante ressaltar justamente o que a pesquisa nasemitica revelou acerca da eficincia especfica da imagem com rela-o linguagem:1221 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva MoreiraDe acordo com esta, as imagens atuam mais fortemente de maneiraafetivo-relacional, enquanto a linguagem apresenta mais fortemente efeitoscognitivo-conceituais. (Janney & Arndt, 1994) Imagens fomentam aten-o e motivao, so mais apropriadas apresentao de informao espa-cial e facilitam, em certo grau, determinados processos de aprendizagem.(Weidenmann, 1988, p. 135-138) A eficcia emocional das imagens cres-ce com o grau de sua iconicidade. (Reimund, 1993). (Santaella & Nth,1999, p. 44)A eficcia emocional das imagens aumenta com o seu grau deiconicidade, mas em geral no se dispensa o texto ou a fala. O filme,o anncio na revista, ou o comercial na televiso, por exemplo, arti-culam de maneira pensada as duas coisas, para que o texto potencializea imagem. A tcnica pode ser observada tanto num filme de Fellinicomo num comercial de cerveja, com evidente diferena qualitativade contedo. De todo modo, a exposio de crianas e jovens s ima-gens, sobretudo publicitrias, constante e duradoura. Alm disso,essa exposio se d freqentemente em ambientes que requerem umatotal imerso do indivduo, como na Internet, nos videogames e nosjogos interativos.A seqncia frentica de imagens, a sensao de desafio e pe-rigo, os movimentos rpidos e coordenados, concentrao total egratificao instantnea: esse conjunto de fatores leva muitos ado-lescentes a se tornarem literalmente viciados em Internet e nos jo-gos eletrnicos. Alguns passam mais de oito horas por dia, semanasinteiras, jogando videogame.11 Aparecem sempre mais os casos demorte por overdosede Internet.12 Nesses casos a linguagem e o ra-ciocnio argumentativo dos indivduos tendem a se embotar. Osadolescentes desenvolvem destreza e raciocnio seqencial rpido,mas perdem o interesse em aprender a pensar. O consumo compul-sivodeimagensultra-rpidas,aliadasasonsexticoseritmosextasiantes, pode lev-los a buscar um estado de constante excita-o. Em tal situao, muito mais difcil organizar argumentativa-mente seus prprios sentimentos, projetos e desejos.Os jovens aprendem cedo a realizar tarefas de grande comple-xidade cientfica e tecnolgica, mas parecem existencialmente mais in-fantis, narcsicos e inseguros. A cultura-vdeo, sobretudo por meio daimerso na realidade virtual, favorece o espelhamento narcsico, masno fomenta nenhum amor do jovem por si prprio: A deslocaodo interesse libidinal para a prpria imagem realiza-se em troca de1222 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantilumacompletaanulaodavidainterioredoprprioeureal(Perniola, 1994, p. 49, apud Sodr, 2002, p. 156). Adolescentes vi-ciados em Internet podem perder aderncia realidade circunstante,alm de involuir na sua capacidade para formar e manter vnculosafetivos diretos. Eles tendem a diminuir seu interesse pelas formasdiretas de sociabilidade e a se isolar. A expresso de afetos, desejos eemoes canalizada para e-mails e chats, ou seja: as crianas e os jo-vens desenvolvem uma sociabilidade mediada pelos aparatos eletr-nicos, numa ausncia de vinculaes comunitrias. Tal sociabilidadepode ser, em tese, mais ampla, mas ser certamente mais superficial eefmera.2.4. Mudanas na percepo da realidadeSempre se disse que a mdia influencia na percepo da reali-dade. O cinema, por exemplo, desde o incio uma mistura fascinante de espetculo, indstria, negcio, tc-nica, arte e inclusive magia. O cinema imagem em movimento. A fotogra-fia reflete a realidade e o cinema d vida a essas imagens, as anima. O cinemacria no espectador uma iluso de realidade, mas, na verdade, essa realidadeest desfigurada pela tcnica narrativa, pelos ngulos da cmera, pela formacom que se filma uma cena, pela montagem etc. (Feldman, 1984, p. 46)Sabemos que a percepo da realidade muda segundo umagama imensa de filtros e variveis, desde o contexto cultural, a hist-ria pessoal e familiar, classe social, gnero, idade, disposies herda-das etc. Mas, como vimos acima, vai se formando no contexto da cul-tura miditica uma percepo da realidade altamente fragmentada,efmera e impessoal, imersa no ambiente cultural da propaganda edo marketing. Os constructos simblicos agenciados pelo sistemamiditico-cultural e seu aparato tecnolgico so pervasivos e atuamno longo prazo. Tomemos a percepo da guerra como exemplo. Oque antes era distante no espao e no tempo, com a transmisso aovivo pela TV tornou-se prximo e at familiar, em virtude dos mapase esquemas em 3D gerados por computador. Contudo, essa proximi-dade exterior, no gera necessariamente identificao ou solidarie-dade. Participamos da guerra consumindo avidamente as imagens daguerra, ou seja: como espectadores de um filme que se desenrola di-antedens.Arealidadecedesimulao,aguerratorna-seespetculo: msseis e bombas inteligentes so descritos em detalhes,1223 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva Moreiraem seguida mostra-se como funcionam, com casas e prdios indo pe-los ares em exploses multicoloridas. A esttica da morte pode inclu-sive fazer subir as aes na Bolsa de Nova York13 e, se mostra a dordas vtimas, essa dor quase no nos atinge mais.Suponhamos que a tcnica a servio do mercado transforme aguerra em jogo interativo, e possa-se jogar a guerra em casa ou na es-cola. Os personagens e as paisagens do drama histrico, que custou avida de milhares de pessoas, viram figuraes fantasmticas na tela domonitor. Os jogadores podem assumir ora a personalidade de um,ora a de outro contendor e mudar a seu gosto a configurao de per-sonagens, arsenal, locais de luta. A experincia deslocaliza-se, perdeaderncia realidade histrica para imergir no arbitrrio da realidadevirtual. No entanto, para um aficionado, as situaes que enfrenta eas emoes que vive no jogo podem ser de uma realidade subjetivamuito mais intensa que a realidade objetiva do seu prprio cotidia-no, no qual tambm morrem pessoas de verdade. Perante a dinmicado hipertexto a prpria realidade torna-se sem graa e lenta. Podeser que o jovem aficionado, como alguns soldados norte-americanos,busque na guerra ou em conflitos reais a chance de reviver emoesque experimentou em seus videogames.14Casos extremos mostram que tais mudanas na percepo darealidade, sobretudo entre jovens de determinados segmentos sociais,esto avanadas. Nos Estados Unidos e na Europa tm acontecido as-sassinatos em escolas, praticados por adolescentes viciados em jogosviolentos. No Brasil, os quatro jovens de classe alta que atearam fogoao ndio Galdino afirmaram que queriam fazer apenas uma brinca-deira. Ainda mais extremo o caso do comrcio de fitas de vdeo quemostram imagens de tortura e morte de pessoas reais. Provavelmenteentram na explicao de tais tragdias fatores de ordem familiar, com-ponentes sociais, desvios psquicos etc. O que a cultura miditica, es-pecificamente, parece cultivar um experimentalismo e um voyeurismomrbidos, que no reconhecem fronteiras entre o real e a fico. Aseduo miditica penso, sobretudo, no culto violncia em filmese jogos exacerba uma fantasia adolescente de provar experincias-limite, curtir emoes cada vez mais fortes; emoes estas que suarealidade cotidiana previamente banalizada pela mesma mdia nopode proporcionar.A perda de sensibilidadee da habilidade para organizar valora-tivamente o real, o embotamento da capacidade para perceber a1224 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantilalteridadee o sofrimento humano, inclusive o prprio, so conseqn-cias que se podem prever nesta crnica de uma morte anunciada.Baudrillard (2001) chegou a falar de um verdadeiro assassinato doreal, de um desaparecimento do real em conseqncia justamente doexcesso de realidade, de uma sobreexposio de realidade que dissolvetodo limite, todo critrio e referncia. A dissoluo crnica dosparmetros de percepo contribui para o processo social de fabrica-o da insensibilidade.Talvez por isso a procura da realidade real reaparea na artecontempornea com um vigor inesperado (Schllhammer, 2002, p.77). Em muitas escolas nota-se tambm um esforo pedaggico parafortalecer laos imediatos, favorecer contactos pessoais dos alunos comrealidades de excluso e sofrimento, encontros com pessoas de outrasculturas e de outras etnias. Em tais iniciativas pode-se comear umdilogo com o diferente, praticar a sensibilidade para com a realidadedo sofrimento, e contribuir para que pessoas atingidas pela margi-nalizao recuperem narrativamentesua identidade e dignidade.Ainda no contexto das mudanas na percepo da realidadeintroduzidas pelas novas tecnologias, s posso mencionar de forma r-pida a realidade criada pelo cyberspace.15 O mundo da simulao vir-tual, com suas virtudes e vertigens, tornou possvel e atraente a totaldeslocalizao e desmaterializao da experincia:Los mundos virtuales equivalen a una verdadera revolucin copernicana.Antes girbamos alrededor de las imgenes, ahora vamos a girar dentro deellas (...). Como herramienta de escritura, la imagen de sntesis modificanuestra relacin con lo real, estructurndolo de otra manera. Como lugar vir-tual, establece lazos inditos entre la concepcin y la percepcin, entre los fe-nmenos perceptibles y los modelos inteligibles. (Quau, 1995, p. 11 e 36)Conforme Quau, tudo o que se refere profundamente ima-gem do homem, sua presena perante os demais, tem necessaria-mente conseqncias psicolgicas, filosficas e morais. Certamente ovirtual, como inveno humana que recria o humano e a prpria rea-lidade, tambm abrir possibilidades novas e positivas em diversas re-as, inclusive nas prticas pedaggicas. Para Quau o desafio ser nosconvencermos disto a tempo, de forma que no se permita que ape-nas a lgica dos negociantes e dos tcnicos de computao decidaacerca da utilizao de nossa imagem e de nossa memria (1995, p.95).161225 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva Moreira2.5. Mudanas na formao da identidadeedos sujeitosPargrafos acima mencionei os processos de composio e re-composio permanente da identidadecomo fundamentais para a for-mao dos sujeitos. Os mecanismos de percepo e filtragem da reali-dade, conquanto dinmicos, so essenciais para a constituio de umaidentidadee para a prpria subjetividade, essa noo do eu interior,tpica da civilizao ocidental. notvel que um autor como Giddensidentifique o surgimento de novos mecanismos de auto-identidadeque so constitudos pelas instituies da modernidade, mas que tam-bm a constituem (Giddens, 2002, p. 9), e sequer mencione o sis-tema miditico-cultural como o mais importante conjunto dessasinstituies. Nas suas observaes sobre a transformao da intimi-dade e sobre o eu entendido como um projeto a ser organizado re-flexivamente pelos sujeitos, enquanto constroem os prprios contex-tos institucionais em que existem , Giddens no examina, ou noconcebe, que tais transformaes da intimidade, como a incerteza, acultura do risco, a opo por estilos de vida, a construo e o contro-le do corpo, a vergonha, o narcisismo e, afinal, a falta de sentido pes-soal identificada por ele como um problema psquico fundamentalna modernidade tardia , estejam em ligao orgnica com a cultu-ra produzida e difundida pelo sistema miditico-cultural. Mais ain-da: que tais rupturas e transformaes, ainda que no totalmenteplanejadas ou intencionadas, tm sido funcionais e necessrias paraque o capitalismo simblico amplie seu leque de possibilidades deacumular mais-valia e se consolide subjetivamente na vida social. Aatual superoferta de terapias sintomtica, pois os indivduos corremo risco de soobrar emocional e fisicamente sob o peso das pressesdo sistema. Eles precisam amarrar sozinhos os fragmentos do eu, di-lacerado por presses, ameaas, incertezas e cobranas.Para Giddens, o projeto reflexivo do eu consiste em manternarrativas biogrficas coerentes, embora continuamente revisadas.Esse processo acontece hoje num contexto de mltipla escolha, filtra-da por sistemas abstratos, e num quadro de crise das instncias tradi-cionais mediadoras da identidade. O problema justamente que emtal contexto se torna difcil manter narrativas biogrficas coerentes;para narrar preciso ter lembranas, cultivar memrias, saber articu-lar discursivamente processos de vida e luta em unidades de sentido.Uma questo pedaggica bsica permanece: Que caractersticas assu-1226 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantilmem identidades e subjetividades constitudas num ambiente cultu-ral cada vez mais dominado pelo sistema miditico-cultural? Ou, ditode outra forma: Como contribuir para que os processos de formaoda identidade e da sujeiticidade incluam existencialmente valorescomo liberdade, participao, autonomia? No ser fcil dar uma res-posta satisfatria a estas questes. J vimos, mesmo que de forma r-pida, como a cultura miditica e as novas tecnologias incidem no pro-cesso de formao da identidade de crianas e adultos. Algumastendncias perigosas foram identificadas:- O esvanescimento da percepo dos limites entre real e fic-o, induzido pela simulao virtual, pode favorecer o desin-teresse pelas realidades locais e concretas em benefcio deuma fuga para a fantasia, que se enche de realidade.- A acelerao constante das experincias sensoriais na interfacecom os aparatos tecnolgicos pode criar um estado de exci-tao contnua, que dificulta a concentrao em outras situ-aes de aprendizado.- A superexposio imagem, se no trabalhada, facilita a pre-guia do pensamento, o desinteresse pela leitura e a conse-qente decadncia da palavra e do pensamento argumenta-tivo.- A transitoriedade dos constructos simblicos mediando as re-laes humanas pode gerar insegurana e certa angstia nacriana, sobretudo quando ela no possui referenciais famili-ares mais slidos.- A perda da memria coletiva, substituda por lembranasalheias e de curto prazo, favorece a dessolidarizao e o indi-vidualismo, incidindo sobre o processo de formao dasidentidades.- A incessante pedagogia da propaganda busca formar nas cri-anas hbitos de consumo e lealdade a marcas, em detrimen-to da autonomia, do senso crtico e da lealdade a pessoas ecausas concretas.- A crescente expresso da intimidade por meio da mediaoeletrnica pode desestimular a sociabilidade e o dilogodireto, que demandam habilidades prprias e maior envolvi-mento.1227 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva Moreira- A oferta de gratificao instantnea, tpica da cultura miditica,exerce uma presso constante sobre a leitura e o aprendizado,que precisam adaptar-se; como tendncia torna-se mais difcilpara as crianas perceberem que algumas coisas demandamtempo para amadurecer e dar frutos.- A superexposio s cenas de violncia tende a banalizar a vidae a prpria morte, contribuindo para um processo sociocul-tural de dessensibilizao.- A imerso na cultura miditica (com seus referenciais e apa-ratos tecnolgicos) altera os quadros subjetivos de percepoda realidade e influi no processo de constituio das identi-dades e subjetividades.- O espelhamento narcsico, pela imerso no mundo virtual,junto com a atomizao da experincia nos quadros da cul-tura miditica vo influenciar o processo de constituio dossujeitos (como capacidade para manter narrativas biogrficascoerentes), ao excluir quaisquer referncias comunitrias. Oresultado, como indicam exemplos extremos, poder ser aformao de subjetividades extremamente frgeis, imprevis-veis, egocntricas e dessolidarizadas.ConclusoSomente possvel falar em cultura miditica quando se re-conhece o fato de que a maioria absoluta da populao , desde suamais tenra infncia, socializada pelo sistema miditico-cultural. Issoaponta para a funo pedaggica da mdia como a grande (des)edu-cadora das massas e da infncia. Um componente essencial ao sistemamiditico-cultural e prpria cultura que ele produz a publicidadee o marketing. Os produtos simblicos altamente elaborados pela in-dstria do marketing e da publicidade acompanham-nos desde mui-to cedo, at o ponto de os julgarmos componentes naturais na nos-sa percepo da realidade, inclusive subjetiva. Seus cones (Coca-Cola,McDonalds, Disney, Xuxa) ensinam as crianas a ler o mundo, aidentificar e a desejar muito antes de elas serem alfabetizadas pelaescola, s vezes antes mesmo de aprenderem a falar. As conseqnciasdesse processo de cooptao do imaginrio infantil, mesmo se no to-talmente investigado, j se mostram preocupantes.1228 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantilFelizmente as crianas no so usurios passivos da mdia. Sa-bemos que eles abordam a mdia a partir de suas histrias pessoais,das construes sociais cultivadas na famlia e na comunidade e que apsique humana possui um potencial vigoroso para lidar com tais in-fluncias (Arnaldo, 2002, p. 449). Alm disso, no mesmo movimen-to de instaurao de um sistema miditico-cultural e de uma culturaque lhe funcional, a cultura miditica, os sujeitos podem repor no-vas formas de ao e reao, abrir brechas para a criatividade e criarnovos espaos de resistncia. Conforme Hinkelammert o sujeito emsiou a priori no existe, ele no uma substncia, uma entidade oumesmo o indivduo concreto, mas uma ausncia que grita: o su-jeito constitui-se enquanto se ope e resiste reduo pretendida pelosistema social dominante. Ser sujeito responder ao chamado a tor-nar-se sujeito, que se revela no decurso de um processo, baseado naintersubjetividade, de busca do bem comum, contra as tendnciasautodestrutivas do sistema (2000, p. 77-78). O ser humano comoator social, sempre finito e engajado em causas concretas, mas nuncaesgotado pelas mediaes histricas e sempre transcendente a seuspapeis sociais (...) se afirma como sujeito gritando, se opondo aessa reduo que torna sua vida insuportvel (Sung, 2000, p. 55).Julgo, assim, que algumas questes urgentes e de fundo voocupar cada vez mais nosso esforo de pais, mes, educadores e agen-tes pedaggicos nos prximos anos:17 Como trabalhar pedagogicamen-te o impacto de uma cultura calcada na exteriorizao mercadolgicacompulsiva? Se existe clareza de que no possvel deixar a formaodas crianas nas mos de marqueteiros e projetistas de videogame,como pensar a educao infantil em um contexto dominado pelo sis-tema miditico-cultural? Que estratgias pedaggicas e reservas desentido podem ser acionadas para resistir produtivamente a este modode ser orientado exteriorizao publicitria, ao espetculo e aodescartvel?Recebido emmaio de 2003 e aprovado emjulho de 2003.Notas1. Segundo Dnis de Moraes, a invaso audiovisual no Brasil pode ser medida pelo volumede filmes norte-americanos exibidos pelas TVs por assinatura. Em maio de 1998, a TVA,do Grupo Abril, exibiu 865 filmes... dos quais 650 produzidos nos EUA o que repre-1229 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva Moreirasenta 75% do total. As pelculas europias somaram 153 (18%)... Ao cinema brasileirocoube a nfima cota de 21 filmes (2,5%). Nenhum outro pas latino-americano entrou naseleo. (1998, p. 70).2. Prefiro o termo midiatizao da cultura, para realar o papel ativo da mdia no processo.Midiao ou mediao parecem-me termos indefinidos e/ ou ambguos. O termomdia j estrangeirismo (pronncia brasileira do ingls media), mas o equivalente por-tugus meios no se firmou. Mdia tornou-se hoje praticamente o termo tcnico parase referir ao conjunto dos meios de comunicao social, inclusive Internet e jogoseletrnicos, e utilizado aqui nesta acepo.3. O conceito de indstria da cultura, criado por Adorno em 1944, na primeira verso daDialtica do esclarecimento, um dos mais frteis, e debatidos, das cincias sociais. Estoufundamentalmente de acordo com a crtica adorniana da universalizao do princpio damercadoria, que toma posse do mbito da cultura, de sua anlise da indstria da culturacomo estetizao da realidade, e da fetichizao dos produtos culturais. No entanto, nocreio ser necessrio assumir o carter totalizante de sua crtica; acho difcil afirmar a uni-versalidade da pseudocultura, ou que todos os produtos da indstria da cultura so total-mente estandardizados at o ncleo formal de sua constituio; creio ser necessrio levarem conta as formas e condies de incidncia especfica dos produtos culturais e conside-rar que sua recepo pelo pblico gera, como todo processo social, tambm efeitos noplanejados e conseqncias no controladas. Mas a discusso pr e contra continua: cf.Cohn, 1998; Esteves, 2001; Steinert, 1998; Thompson, 1998; Zuin, 1999; e o exce-lente estudo de Zamora, 2000.4. Para alguns membros de movimentos sociais na ndia, a chamada globalizao culturalserviu para enfraquecer o sistema de castas e, conseqentemente, possibilitou alguma as-censo social para os prias (daliths) e mais direitos para as mulheres; cf. Menon, 2000,p.24-28.5. Woodward, 2000, p. 18; grifo meu.6. (...) a identidade marca o encontro de nosso passado com as relaes sociais, culturais eeconmicas nas quais vivemos agora... a identidade a interseco de nossas vidas cotidia-nas com as relaes econmicas e polticas de subordinao e dominao (Rutherford,1990,p.19-20,apudWoodward,2000,p.19).7. O b--b eletrnico, Folha deS. Paulo, TV Folha de 19/ 4/ 2003, p. 6.8. Apenas um exemplo dessa colonizao do imaginrio infantil pelas marcas e a publicida-de: pesquisa recente mostrou que Ronald McDonald, o palhao-mascote da rede de lan-chonetes McDonalds identificado por 96% das crianas norte-americanas. A logomarcada rede mais conhecida que a cruz crist e j o segundo smbolo mais conhecido doplaneta, s perdendo para o dos jogos olmpicos; cf. Fontenelle, 2002, p. 28.9. As marcas so a nova religio, declarou nesta semana a Young & Rubicam, uma das mai-ores agncias de publicidade do mundo, ao publicar sua lista anual das marcas globaismais reconhecidas pelos consumidores. As marcas de sucesso, segundo ela, veicularammais que um produto. Elas representaram um conjunto de crenas e as pessoas que asconstruram agiram como os missionrios que espalharam o cristianismo e o islamismopelo mundo. As marcas que esto tendo sucesso so aquelas vinculadas a crenas fortes eidias originais, disse Young & Rubicam. So tambm as que possuem a paixo e o di-namismo para mudar o mundo e para converter as pessoas sua maneira de pensar, pormeio de comunicaes de alto nvel. Brands, the last temptation of capitalism, publica-do no Financial Times de 2/ 2/ 2001 e comentado pela Folha deS. Paulo de 4/ 3/ 2001,Caderno Mundo (Publicitrios dizem que marcas so nova religio).1230 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Cultura miditica e educao infantil10. TV para bebs: apesar de no terem renda e de serem praticamente ignoradas pelo Ibope, cri-anas de at cinco anos so alvo da disputa entre os canais infantis, TV Folha, 13/ 4/ 2003.11. Nos trs primeiros meses de 2002 foram reportados trs casos de ataques epilpticos fa-tais nos Estados Unidos, em conseqncia da exposio intensa das pessoas ao videogameEverquest; cf. Me de jogador suicida processa Sony nos EUA, em www.uol.com.br/ folha/informatica/ ult124u9665.shl (4/ 4/ 2002). Contudo, as vendas de videogames em 2001superaram toda a arrecadao de Hollywood; cf. Folha Online, edio de 8/ 2/ 2002, Ven-da de videogames bate recorde e supera Hollywood em 2001, em www.uol.com.br/ fo-lha/ informatica/ ult124u9242.shl12. Jovem morre aps passar 32 horas em frente do PC, em http:/ / www1.uol.com.Br/ fo-lha/ informtica/ ult12411358.shtml13. A matria Bombas caem e bolsas sobem de O Popular de 22/ 3/ 2003 sobre a guerra noGolfo dizia: Mercado em festa. Indicadores financeiros alcanam recordes e investidorescomemoram (Mundo, p. 24).14. Alguns soldados americanos diziam eufricos na TV que a guerra no Iraque era mais emo-cionante e lhes dava mais adrenalina que qualquer jogo de videogame. Para Paul Virilio,no h mais separao entre o campo de batalha real e o virtual; conquistar o espao virtu-al pela propaganda to importante quanto conquistar o territrio do pas ocupado. FolhadeS. Paulo, 6/ 4/ 2003, Caderno Mundo, A 24.15. Muniz Sodr, em estudo recente e fecundo, incursionou pelos meandros tcnicos e pelasimplicaes filosficas do virtual como metfora e espelhamento do humano (Antropolgi-cadoespelho,2002).16. A grande metfora do filme Matrix (1), ele mesmo um produto cultural altamentemercantilizado, que a sociedade atual, mormente a norte-americana, j vive numaambientao artificial, em tudo semelhante imerso no hiper-real: numa alienao total(s vezes desejada) perante o desencanto e a falta de glamour da realidade, comandada pelopoder oculto de uma supermquina, que ao mesmo tempo em que gera e alimenta, con-trola e vampiriza os humanos, inclusive os seus sonhos.17. Felizmente algumas iniciativas promissoras tm surgido no mbito da educao para amdia: ONGs dos Estados Unidos e da Europa, especializadas na orientao dos pais; gru-pos de presso para influenciar mudanas na legislao audiovisual e na programao dasemissoras; e sobretudo o projeto internacional da UNESCO, dirigido explicitamente ao fo-mento e discusso de programas de educao para a mdia (Carlsson & Feilitzen, 2002).No Brasil um fruto desse projeto foi o Programa Educativo do Telespectador, voltado paraa formao de professores (Arnaldo, 2002, p. 441).Referncias bibliogrficasADORNO,T.W.GesammelteSchriften.Frankfurta.M.:Suhrkamp,1970.20v.ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialektik der Aufklrung:philosophischeFragmente.Frankfurt:Fischer,1982.(Ed.bras.Dialticadoesclarecimento:fragmentosfilosficos.RiodeJaneiro:Zahar, 1985).1231 Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1203-1235, dezembro 2003Disponvel em Alberto da Silva MoreiraALMEIDA JR., A.R. Espelho eletrnico. 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