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MÚLTIPLOS OLHARES SOBRE O EXAME NACIONAL DA IRLANDA:
UM ESTUDO DE CASO
Cibele de Cássia Xavier Cruz – Dom Bosco
Rosane de Mello Santo Nicola – Dom Bosco / PUCPR [email protected]
Nair Lobo Pacheco
Resumo
Este estudo é fruto de um trabalho colaborativo realizado pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação (CPDE) de uma instituição de ensino privado de Curitiba. O contexto atual dessa Instituição destaca-se por passar, desde o primeiro semestre de 2008, pela implantação de seu Projeto Político Pedagógico (PPP), reformulado em 2007. Assim, neste momento, acompanha-se o desenvolvimento dos processos e os resultados oriundos das discussões geradas por esse documento. O PPP propõe um currículo por competências e habilidades e, portanto, esta análise dos exames produzidos na Irlanda (2007) teve como objetivo capacitar os docentes envolvidos no processo pedagógico instituído naquele estabelecimento de ensino quanto à elaboração de instrumentos de avaliação de conhecimentos por habilidades. Dessa forma, ao analisar os exames nacionais irlandeses, na área de Geografia, seja nas dimensões do letramento lingüístico, cartográfico e sociocientífico, busca-se promover a formação continuada dos docentes da área de Geografia, incentivando-os a repensarem a estrutura das avaliações produzidas por eles. A escolha recai sobre a Irlanda, uma vez que esse país despontou no cenário mundial por obter excelentes resultados no programa internacional de avaliação comparada, o PISA. Para tanto, formou-se um grupo de professores, respondendo pelas áreas de Geografia, Biologia e Língua Portuguesa, integrados pelas perspectivas de letramento e mapas conceituais. A análise revela que a abordagem dos exames irlandeses se coaduna com os conceitos estruturantes presentes no mapa conceitual de Geografia proposto no PPP da referida instituição de ensino. Isso se deve ao fato de haver uma base comum epistemológica de Geografia, embora a construção desse processo pedagógico seja diferente sob todos os demais pontos de vista. Palavras-chave: Avaliação por habilidades; Letramento; Geografia; Formação de professores
Introdução
O presente artigo é fruto de um trabalho colaborativo que se iniciou com a visita
técnica realizada por um grupo multidisciplinar de estudos à Irlanda no primeiro trimestre de
2008. O grupo teve acesso a algumas provas do Exame Nacional da Irlanda, em especial na
área de Geografia. De posse desses exames, no retorno ao Brasil, foi solicitada uma análise
dessas provas ao Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Educação (CPDE) do Colégio
Dom Bosco para avaliar como se apresentavam esses instrumentos quanto à estrutura das
questões, seleção de conteúdos e habilidades contempladas. Para tanto, formou-se um grupo
de professores, respondendo pelas áreas de Geografia, Biologia e Língua Portuguesa.
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A discussão acerca da elaboração de instrumentos de avaliação adequados e eficazes é
um desafio para todas as áreas dentro e fora desse estabelecimento de ensino. Especificamente
no contexto dessa escola, a equipe pedagógica tem se debruçado sobre essa questão, buscando
promover a formação continuada de seu corpo docente, visando à construção de outro olhar
sobre a avaliação focada na aprendizagem do aluno e no desenvolvimento de habilidades.
Para tanto, toma-se como fundamento teórico nesta análise, duas perspectivas:
letramento e mapas conceituais; a primeira, entendida enquanto caráter eminentemente
unificador do currículo cujas dinâmicas de ensino formal de cada disciplina, ainda que
distintas, tornam-se significativamente complementares. A segunda, como forma de
organização e representação articulada dos principais conceitos sobre o conhecimento escolar
necessários à apropriação do aluno ao longo da educação básica, considerando-se que esse
pode ser um ponto de partida para novos equacionamentos da relação entre conhecimento,
currículo e práticas educativas.
Em seguida, apresentam-se três olhares sobre as provas de Geografia do exame
nacional da Irlanda/2007, visando incentivar a reflexão docente sobre a prática de elaboração
de instrumentos de avaliação voltados para as habilidades. Inicialmente, são abordados
aspectos lingüísticos e discursivos evidenciados nos enunciados das questões; em seguida,
faz-se a análise dos conceitos e habilidades propostos nas questões. E, finalmente, apresenta-
se o contexto sócio-histórico da Irlanda, a fim de situar as provas no tempo e no espaço, já
que docência é uma atividade complexa e altamente contextualizada, variando no tempo e no
espaço conforme as necessidades sociais.
Letramento e mapas conceituais: fundamentos para a análise
Adota-se neste estudo a concepção de letramento que Senna (2007) propõe como
sendo a primeira macroárea de conhecimento acadêmico instituída no século XXI, no campo
das humanidades, referenciando o pensamento escolar contemporâneo numa perspectiva
unificadora, cuja motivação primordial é a dimensão humana, inclusiva e intercultural. Essa
perspectiva transdisciplinar, segundo o autor, conduz o letramento como uma especialidade
acadêmica dentro da área de educação, em torno da qual se interpenetram desde os processos
de alfabetização, a compreensão de leitura e escrita, a educação matemática e científica, a
inclusão digital até as teorias dos modelos e dos sistemas cognitivos.
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Assim, a escola é concebida como uma agência de letramento: lingüístico, literário,
matemático e sociocientífico, cujas aulas passam a ser práticas educativas de leitura e escrita
ensinadas como estratégias cognitivas de processamento de texto. Como afirma Vygotsky
(1993, p. 44), “o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos
instrumentos lingüísticos do pensamento e pela experiência sociocultural da criança.”
Costa (2007, p. 254) afirma:
Hoje, mais do que nunca, face às exigências do mundo atual, a leitura tem um papel fundamental no processo de construção do conhecimento, seja como fio condutor na rede do currículo interdisciplinar, seja no desenvolvimento de competências e habilidades na interação com diferentes sistemas de expressão com os quais se queira formar um aluno capaz de aprender, por si próprio, ao longo da vida.
Cada disciplina pressupõe determinados modelos particulares de texto – gêneros
textuais ou discursivos, que são formas socialmente realizadas em textos orais ou escritos, e
estão parcialmente estabilizadas por sua circulação histórica e social (Bakhtin, 1995). E, para
que se possa letrar o aluno, no sentido do uso efetivo das práticas da cultura escrita,
garantindo seu desenvolvimento enquanto sujeito social, e, portanto, promovendo sua
formação cidadã é essencial colocá-lo em contato com gêneros textuais produzidos fora da
escola, em diferentes áreas de conhecimento.
Assim, para cada gênero textual, há estratégias específicas de leitura que transitam na
esfera das aulas da disciplina, sendo fundamental o domínio do docente, para que se
transfiram, além dos conhecimentos, o desenvolvimento das habilidades de leitura, entendida
aqui como o ato de produzir sentidos a partir de conhecimentos prévios de mundo,
lingüísticos e textual-discursivos.
Quanto aos mapas conceituais, também chamados de mapas visuais, mapas mentais,
pensamento visual ou organizadores gráficos, são ferramentas para organizar e representar o
conhecimento visualmente. Eles incluem conceitos, geralmente inseridos em algum tipo de
diagrama, relacionados entre si por meio de uma linha de conexão. Esses conceitos podem
ser organizados de uma maneira hierárquica, indo do mais geral, em cima ou ao centro, para o
mais particular, embaixo ou nas extremidades.
Quanto à origem dos mapas conceituais, existem duas vertentes. A maioria dos
autores informa que essa técnica está fundamentada na Teoria da Aprendizagem Significativa
de Ausebel e John Novak (1963). Segundo ela, "o aprendizado significativo acontece quando
uma informação nova é adquirida mediante um esforço deliberado por parte do aprendiz em
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ligar a informação nova com conceitos ou proposições relevantes pré-existentes em sua
estrutura cognitiva” (Ausubel et al. citado por Souza, 2003), isto é, a aprendizagem ocorre
“quando uma nova informação ancora-se em conceitos ou proposições relevantes
preexistentes na estrutura cognitiva do indivíduo” (CAVE, 2003).
Por outro lado, vários outros estudiosos citam Tony Buzan como o criador dos
chamados Mapas Mentais em 1960. Em seu site, Buzan conta como criou os mapas mentais,
associando sua criação à descoberta, também nos anos 60, dos hemisférios cerebrais pelo
pesquisador Roger Sperry. Em suas pesquisas, Sperry confirmou que, quanto mais as
habilidades dos dois hemisférios do cérebro – lógica, linearidade, números, redação, listas,
ritmo, cor, sonho, imaginação e apreensão do todo (Gestalt) – fossem integradas, mais a
atuação do cérebro estaria em sinergia e cada habilidade intelectual diferente estaria
melhorando a atuação nas outras áreas intelectuais. Quando se constroem os mapas mentais,
não se praticam apenas os poderes fundamentais da memória e da habilidade de
processamento de informações, organização e ligações em rede; usa-se também todas as
habilidades cerebrais, a caminho de ajudá-lo a manifestar seu próprio gênio (BUZAN, 2003).
Para Harland (2003), (a) os mapas não precisam ser simétricos, isto é, eles podem ter
mais conceitos de um lado que de outro; (b) não existem mapas completamente corretos,
somente mapas que se aproximam do significado que se pretenda representar para os
conceitos em questão; (c) devem ser colocadas poucas palavras numa caixa de conceito; (d)
deve-se conectar poucas caixas seguidas sem ramificá-las; (e) podem ser usados conectivos
que expressem a relação para ligar dois conceitos; (f) os mapas são bidimensionais, não
apenas uma lista de conceitos conectados por linhas; (g) os conceitos mais importantes podem
ser identificados pelo posicionamento deles no mapa e que idéias se ramificam deles; (h) os
mapas mais completos têm muitas bifurcações.
Buzan (2003) também menciona alguns benefícios dos mapas mentais, destacando que
permitem a visão geral de um assunto complexo; possibilitam o desenvolvimento cognitivo de
maneira mais eficaz; proporcionam uma visão geral e detalhada de um tema; congregam e
exibem uma grande quantidade de dados; encorajam a resolução de problemas, mostrando
caminhos novos e criativos; ajudam a pessoa a ser muito eficiente; também são estéticos, o
que incentiva a leitura, a reflexão e memorização.
Considerando a base epistemológica que fundamenta o ensino de cada disciplina, e a
intenção de fazer frente aos múltiplos desafios da sociedade, numa perspectiva de
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enriquecimento contínuo dos saberes e do exercício de uma cidadania adequada às exigências
da realidade atual, foram inicialmente selecionados os conteúdos científicos e essenciais. A
seleção dos conceitos científicos essenciais surge do fato de não ser mais possível ensinar
todo o conjunto de conhecimentos científicos acumulados de forma livresca, sem interação
com fenômenos sociais, geográficos, naturais e tecnológicos.
Para pensar os conceitos essenciais das disciplinas, partiu-se da identificação da
palavra-chave de cada área de saber, que, no caso da Geografia, é o espaço. A partir dela,
desdobraram-se os conceitos científicos essenciais ao desenvolvimento dos conteúdos.
Apresenta-se a seguir esse mapa conceitual (Ilustração 1).
Ilustração 1 – Modelo de mapa conceitual de Geografia
Dessa forma, o mapa conceitual foi concebido para traduzir o essencial da
aprendizagem do estudante, sendo-lhe oportunizadas diversas possibilidades interpretativas
do espaço geográfico, para nele interagir criticamente, entendendo e relacionando as
especificidades da Geografia, nos aspectos que concernem à análise geográfica, partindo de
temas e/ou lugares numa discussão que articule as questões da natureza e da sociedade.
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Aspectos lingüísticos e discursivos dos enunciados
A análise de aspectos lingüísticos presentes nos enunciados das provas do Exame
Nacional da Irlanda representa uma breve descrição de aspectos lexicais adequados ao tema
ou aos modelos cognitivos ativados nas questões. Portanto, selecionaram-se apenas dois
aspectos: a escolha de verbos (léxico) e os gêneros textuais (discurso) empregados na
formulação das questões. Para tanto, estudaram-se três provas do exame nacional, a saber:
uma de 2006 e duas de 2007. Para tanto, apresenta-se a tabela a seguir.
Tabela 1 – Verbos
Principais verbos de comando
Número de vezes em que é empregado
Diferentes sentidos de uso
Prova 1 Prova 2 Prova 3
Examinar 7 24 29
Observar minuciosamente, analisar, investigar
Explicar 11 11 --- Expor Discutir --- --- 5 Avaliar, analisar
A tabela mostra a incidência com que o ato de “examinar” está vinculado ao propósito
da leitura e ao nível de desempenho – à compreensão, visto remeter à identificação e
recuperação de dados em tabelas, gráficos, mapas e diagramas. Embora os demais verbos não
sejam tão recorrentes quanto aos anteriores, cabe apresentá-los no sentido de análise das
exigências discursivas dessa avaliação. São eles: examinar, nomear, associar, escrever,
numerar, explicar, desenhar, escolher, calcular, identificar, completar, classificar, analisar,
comentar, discutir, ilustrar, circular. Isso reflete um dialogismo bastante rico que promove
práticas de contextos sociais diversos.
Outro aspecto essencial para este estudo é a estrutura composicional dos enunciados: a
objetividade, a preferência por um comando de cada vez, sem uso de recursos coesivos. O uso
de negrito em letras, numerais e termos determinantes para a resposta, tais como: dois, cada,
e; presença de títulos em algumas questões, pois em uma prova com 12 questões, 8 delas têm
títulos, sendo uma parte objetiva e outra discursiva, mas com possibilidade de escolha da
questão para resposta.
Finalmente, a tabela a seguir demonstra os dados sobre gêneros textuais encontrados.
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Tabela 2 – Gêneros textuais
Gêneros textuais presentes
Número de vezes em cada prova
Prova 1 Prova 2 Prova 3
Diagramas (representações esquemáticas, desenhos com letras)
4 4 4
Mapas 2 3 4 Tabelas 7 6 2 Gráficos 2 2 6 Esquemas 1 1 --- Imagens 1 1 --- Imagens de satélites, fotos
5 3 ---
Fica evidente que as provas avaliam exaustivamente a habilidade de compreensão de
gêneros textuais típicos da geografia, que fazem interface com a Matemática (conceitos
estatísticos). Nesse sentido, faz-se necessário o trabalho com as etapas de tratamento de dados
(coleta, organização e interpretação). Cabe considerar o valor dado nessas provas ao
desenvolvimento de um sujeito social que sabe articular representações gráficas às práticas e
necessidades sociais, o que lhe permite voltar-se à pesquisa e ao confronto de idéias, ações
essenciais na sociedade contemporânea.
Análise de alguns conceitos e habilidades propostos nas questões
As instituições de ensino privado no Brasil, pela necessidade de atenderem às
demandas da sociedade, com a exigência de resultados efetivos de aprendizagem, buscam
analisar exemplos e modelos bem sucedidos de experiências no mundo. Essa estratégia
permite ao docente constante pesquisa e diálogo com seus pares, estudando soluções viáveis
de aplicação na escola. Diante disso, os exames são objetos de estudo viáveis para comparar a
forma de abordagem dos conceitos estruturantes da Geografia naquele país com os
instrumentos construídos pelos docentes de Geografia na referida instituição privada
brasileira.
Nesse sentido, dada a limitação desse gênero textual, tomam-se para análise do exame
irlandês, os seguintes conceitos essenciais do mapa conceitual: letramento cartográfico
(Ilustração 2), localização (Ilustração 3) e meio técnico-científico-informacional (Ilustração
4).
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O aspecto referente à representação do mundo e dos diversos lugares, por meio de
mapas temáticos, iconografia, maquetes e plantas, imagens de satélites tendo presentes a
legenda, a escala e a orientação, levando-se em conta, ainda, o tratamento das informações
geográficas e as novas tecnologias são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo do
estudante.
Ilustração 2 – Modelo de questão do Exame Nacional da Irlanda – Seção 1
O exposto em relação à educação geográfica e à compreensão do espaço geográfico
parte da compreensão de espaço como um “conjunto indissociável, solidário e também
contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas
como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, 1996, p. 51). Dentro do letramento
geográfico, a cartografia é uma peça fundamental para a construção dos saberes do estudante.
Assim, o letramento cartográfico é o principal foco dos Exames Nacionais da Irlanda,
exigindo que o estudante demonstre o domínio dessa habilidade.
A cartografia, então, é considerada uma linguagem, um sistema-código de comunicação imprescindível em todas as esferas da aprendizagem em geografia, articulando fatos, conceitos e sistemas conceituais que permitem ler e escrever as características do território. Nesse contexto, ela é uma opção metodológica, o que implica utilizá-la em todos os conteúdos da geografia, para identificar e conhecer não apenas a localização dos países, mas entender as relações entre eles, compreender os conflitos e a ocupação do espaço. (CASTELLAR, 2005, p. 4).
Assim, fica nítido dentro do desenvolvimento da prova de Geografia que o letramento
geográfico e seus pressupostos garantem ao aluno demonstrar domínio do conhecimento
específico da área. O letramento geográfico constitui-se na construção de um universo
teórico-metodológico específico para a Geografia, inspirado na concepção de letramento
Imagem de satélite Observe esta imagem de satélite de uma parte da costa oeste dos EUA e do Canadá. Associe cada uma das letras de A a E na imagem com as características apropriadas a seguir:
Característica Nº O rio Valley Banco de neblina costal Campos com neve
Ilha Grande
Nuvem fina
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advindo da lingüística. Esse é o grande desafio para a construção do pensamento geográfico,
pois se sobrepõem no debate acadêmico alguns elementos como: a interdisciplinaridade, a
contextualização, a epistemologia própria da ciência, as demandas políticas e ideológicas que
norteiam o fazer pedagógico, entre outros.
O segundo conceito estruturante presente na prova é localização. Como já foi
enfatizado compõem a referencia conceitual mais importante da Geografia no que diz respeito
ao espaço.
Ilustração 3 – Modelo de questão do Exame Nacional da Irlanda – Seção 1
Quanto ao conceito referente ao meio técnico-científico-informacional, na última
seção do exame, o estudante faz escolhas entre os seguintes conceitos: globalização,
geoecologia, cultura e identidade, desenvolvimento da atmosfera e hidrosfera. Seguem três
questões de um dos conceitos propostos no mapa conceitual.
Ilustração 4 – Modelo de questão do Exame Nacional da Irlanda – Seção 3
Assim, há convergência entre os Exames Nacionais da Irlanda e o atual ensino de
Geografia, permitindo identificar expectativas em relação à aprendizagem futura dos
estudantes; os resultados alcançados pelo país possibilitam vislumbrar caminhos para a
constituição de um letramento geográfico efetivo que possibilita ao estudante realizar não
apenas a leitura do mundo, mas agir sobre ele e transformá-lo de forma crítica.
Geoecologia
1. Analise as implicações globais da destruição continuada das florestas úmidas tropicais.
2. Discorra sobre como as atividades humanas podem acelerar a erosão do solo.
3. Ilustre o desenvolvimento dos biomas, escolha um exemplo específico.
Observe estes diagramas, mostrando a evolução cíclica de uma topografia fluvial. Usando os números 1 a 3, identifique os estágios. Novo, maduro e velho
Formatado: À esquerda
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O Exame Nacional é dividido em três partes e, à medida que o instrumento apresenta
as questões, o estudante é exigido de forma diversificada e pode fazer escolhas entre temas e
modelos de questões, de acordo com a proposta das habilidades a serem avaliadas. A proposta
de desenvolvimento das habilidades fica evidente quando as questões diferenciam em níveis
cognitivos distintos (menos elaborado, mais elaborado, complexo), apesar de exigir do
estudante a demonstração do domínio de uma mesma habilidade. Usando um jargão comum:
existem questões fáceis, médias e difíceis sobre uma mesma habilidade. O estudante pode
escolher questões diferentes para responder dentro da prova, contudo as habilidades presentes
nas questões são as mesmas. Nos exames, é possível inferir a presença de uma classificação,
semelhante à taxionomia de Bloom (como demonstrado no quadro); as questões não são
apresentadas de forma hierarquizada, mas estão voltadas para a demonstração do domínio de
habilidades essenciais de acordo com a faixa etária e os conceitos estruturantes da área na
qual o estudante está realizando a prova. Cada questão é relacionada a um valor (pontuação),
sendo que se apresenta de forma bastante equilibrada a distribuição dos pontos diante das
habilidades que ele deve demonstrar em cada faixa etária.
Tabela 1 – Distribuição das questões de Geografia no Exame Nacional da Irlanda
Parte I 12 Questões (Obrigatório)
Parte II Seção 1- 6 Questões
(Obrigatório) Seção 2 - 6 Questões
(Enfoque) Seção 3 - 12 Questões
(Opcional)
Temas Geografia Física e Regional Economia e
Desenvolvimento humano
Geopolítica, Geoecologia, Cultura e Identidade, Atmosfera e
Hidrosfera
Escala crescente de complexidade
Taxionomia de Bloom Identificação e Observação Explicação e Síntese Aplicação e Análise
Os exames analisados deixam evidente a preocupação com uma educação geográfica
que instrumentalize o estudante a compreender e explicar processos de transformação do
mundo em que vive, enfocando sua dinâmica e compreendendo relações entre fenômenos
sociais, econômicos e naturais. O estudo da Geografia possibilita a compreensão da posição
do aluno, mediante as relações da sociedade com a natureza, e das conseqüências das ações
individuais e coletivas. Pretende-se que o estudante reconheça-se como membro participante,
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responsável e comprometido com os valores humanísticos, ambientais e tecnológicos. O
diagrama a seguir expressa essa proposição.
Ilustração 5 – A estrutura do Exame Nacional da Irlanda na área de Geografia
Percebe-se a preocupação em avaliar o estudante quanto à compreensão da
epistemologia da Geografia. Os conceitos estruturantes da área são os focos de todo
instrumento de avaliação, e a prova é construída de forma interdisciplinar, contextualizada e
voltada a um plano de letramento em que o aluno é levado a “relacionar espaço com natureza,
espaço com sociedade, isto é, perceber os aspectos econômicos, políticos, culturais, entre
outros, do mundo em vive” (KAERCHER, 2007, p. 85).
O letramento sociocientífico
O resultado dos avanços tecnológicos e da valorização generalizada da educação
formal do mundo pós-moderno em todos os países exige cada vez mais o desenvolvimento de
habilidades cognitivas para que o homem possa vencer desafios e ocupar um papel social.
Mas então, por que se debruçar sobre o estudo do exame nacional da Irlanda?
Essa discussão desenvolve-se desde 2003 quando os primeiros resultados obtidos na
Irlanda foram divulgados pela mídia. Os dados apresentados destacavam a mudança dos
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investimentos daquele país e os resultados educacionais alcançados, uma vez que o Brasil,
nesse mesmo período, tinha obtido resultados sofríveis entre os 41 países avaliados pela
UNESCO. Há pouco mais de 30 anos, a Irlanda figurava como uma nação pobre, com
elevados índices de analfabetismo e com uma população com pouco acesso à educação. O
interesse em integrar a comunidade econômica européia levou os dirigentes do país a se
perguntarem o que fazer para a Irlanda se transformar num país desenvolvido, voltado para o
futuro.
(...) No lugar de mais infra-estrutura econômica e desperdício em prédios públicos,
a decisão foi a de que o país concentraria seus investimentos, ao longo das décadas
seguintes, independentemente de resultados eleitorais, em três objetivos: saúde de
qualidade e gratuita para todos, educação de excelência para todos e ciência e
tecnologia de ponta. Desde então, a Irlanda investiu contínua e prioritariamente na
educação de seu povo. [grifo nosso] O resultado: a Irlanda é hoje um dos países
com a melhor educação entre todos do mundo. (BUARQUE, 2003, p.1).
Esse contexto irlandês foi aperfeiçoado nos últimos cinco anos, tornando o país
referência em educação no cenário mundial. A superação de suas limitações em curto espaço
de tempo despertou o interesse de vários países, inclusive dos educadores brasileiros.
Além da análise que envolveu a abordagem específica da disciplina, a prova de
geografia do exame nacional da Irlanda permite a reflexão sobre sua elaboração, com base no
contexto interdisciplinar, orientada pelo olhar das ciências naturais, que acrescenta aos seus
conceitos atuais - o letramento sociocientífico. A educação sociocientífica, por possuir caráter
interdisciplinar, envolve saberes capazes de constituir uma rede de significações que
aproxima de diferentes conhecimentos para a compreensão da realidade contemporânea. Para
atingir o conhecimento científico, é necessário passar pelo processo investigativo que
acompanha toda pesquisa, organizando-se saberes compartimentados, de forma agregada,
neste caso específico, a geografia, a química e as ciências. Tome-se a questão abaixo.
O ciclo da água
Nas caixas fornecidas combine cada um dos números de 1 a 4 no diagrama com a letra de seus
pares na coluna X. Um par foi terminado para você.
Coluna X X Nº
A Precipitação A
B Condensação B 2 C Escoamento C
D Evaporação D
Ilustração 2 – Modelo de questão do Exame Nacional da Irlanda – Seção 2
13
Se, por um lado, a geografia explorou os processos biofísicos, por outro permitiu nas
ciências naturais, investigar o conhecimento do estudante sobre as propriedades, as
transformações e a constituição da matéria, ao tratar sobre o tema ciclo da água. Para isso, o
estudante deve dominar conceitos científicos necessários para compreender certos fenômenos
do mundo natural. Embora os conceitos utilizados sejam típicos dos campos da Química,
Ciências Biológicas e Ciências da Terra e do Espaço, eles são aplicados a problemas
científicos presentes na vida real, acrescentando mais um caráter relevante à construção da
questão – a contextualização.
Algumas questões de caráter optativo e discursivo abordam situações atuais e até se
referem à Amazônia. Justifica-se essa abordagem pelo contexto histórico vivido pela Irlanda.
Nos últimos 15 anos, esse país passou de “parente pobre” a “tigre celta” da União Européia,
após ter vivido toda espécie de pobreza, desemprego e fortíssima emigração pós-Segunda
Guerra Mundial, além de ter se desvinculado do Reino Unido. Nessa época, os países
desenvolvidos buscavam outros países para investir, dentre eles, figuravam o Brasil e a
Irlanda. Verifique-se a questão a seguir.
Compreendendo o caso Irlanda
A decisão estratégica de investir em educação reverteu o quadro apresentado nos anos
1960, que detinha um índice de analfabetismo beirando os 35%. Tornou-se obrigatória a
freqüência escolar, formando um sistema de ensino gratuito e de boa qualidade, desde a
educação básica até a universidade. Essas medidas resultaram na eliminação total do
analfabetismo e na qualificação da mão-de-obra. O país, assim, promoveu um “choque de
competitividade” em sua economia por meio da educação.
Atualmente, o sistema educativo da Irlanda configura-se em três níveis: o primário,
pós-primário e o superior. O primário tem duração de 8 anos, permitindo o ingresso de
crianças entre 4 a 6 anos, e traz no currículo Línguas (Irlandesa e Inglesa), Matemática,
Estudos Sociais, do Meio e Científico (história, geografia, ciências). O pós-primário tem
duração de 5 a 6 anos, é considerado obrigatório e compreende dois ciclos: o júnior e o sênior.
O júnior, com duração de 3 anos, traz um currículo flexível que permite à escola escolher
entre 26 disciplinas aprovadas. Dentre as mais freqüentes figuram: Irlandês, Inglês,
Matemática, Educação Cívica, Social e Política, Educação para a Saúde e Educação Física. O
sênior, com duração de 2 ou 3 anos, apresenta um currículo diversificado (geral, vocacional e
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aplicado). O último ano, o terceiro, é optativo e volta-se ao desenvolvimento pessoal e social,
promoção de competências técnicas e acadêmicas. No ciclo sênior, os professores avaliam os
alunos durante o período letivo por meio de testes, mas a passagem de ano continua a ser
automática, salvo circunstâncias excepcionais. Ao final desse ciclo, os alunos são sujeitos a
Exames de Fim de Estudos, uma nova avaliação externa (escrita, oral e prática) de grande
importância. Do sucesso depende a atribuição do Certificado de Fim de Estudos, bastante
usado pelos empregadores para fins de candidatura a emprego e cuja pontuação serve de base
ao acesso ao ensino superior. Finalmente, no ensino superior, dentre os cursos ofertados,
destacam-se os de licenciatura em ciências, engenharia e matemática.
Considerações Finais
Ao analisar as provas de Geografia do Exame Nacional da Irlanda, fica evidente a
preocupação com o letramento do estudante em todas as áreas. Estimulando leitura e escrita
com propriedade, a Irlanda aponta em direção à construção da cidadania, como bem coloca
Schäffer (2007) “concebida como formação de opinião pública capaz de direcionar decisões
políticas”. A observação cuidadosa do que é posto no mapa conceitual da área de Geografia,
proposto para o colégio Dom Bosco e a forma como o exame irlandês constrói o instrumento
de avaliação aproxima o diálogo, pois ambas as realidades comungam dos mesmos
fundamentos epistemológicos. Ao problematizar a análise do exame e verificar a validade de
comparação dos modelos de provas da Irlanda e do Brasil, neste caso com o recorte de
Curitiba, percebem-se as possibilidades de aprimoramento na elaboração das avaliações
como, por exemplo, dar opções aos estudantes. Compreender que o letramento do estudante
passa antes pelo letramento do próprio docente é fundamental. O perfil do profissional capaz
de realizar essas transposições didáticas é de um docente reflexivo, capaz de distanciar-se do
seu fazer pedagógico e investir no estudo e na pesquisa para transpor suas limitações e
avançar de forma segura em direção à aprendizagem do estudante.
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Referências
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