Musica Hodie 9 Especial Artigo 3

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    I Encontro de Potica Musical 2009 47MSICA HODIE

    DEMONSTRAO INICIAL DA APLICAO DAQUINTA CATEGORIA ANALTICA DE JOACHIMBURMEISTER EM LAMENTATIO PRIMA PRIMI

    DIEI (LAMENTATIONES HIEREMIAE PROPHETAE

    5 MNCHEN 1585) DE ORLANDO DI LASSOINITIAL EXPOSITION ON APPLYING JOACHIM BURMEISTERS FIFTH

    ANALYTICAL CATEGORY IN ORLANDO DI LASSOS LAMENTATIOPRIMA PRIMI DIEI (FROM LAMENTATIONES HIEREMIAE PROPHETAE

    5 MNCHEN, 1585)

    urea Helena de Jesus Ambiel - [email protected]

    Resumo: O contedo desta palestra parte integrante de uma pesquisa de doutorado, que temcomo proposta analisar na ntegra a obra supracitada de Lasso, empregando uma terminologiade poca. Para tanto, o trabalho est baseado principalmente no tratadoMusica Poetica (1606)1de Joachim Burmeister, traduo de Benito V. Rivera (Musical Poetics, 1993)2. Burmeister foium grande pioneiro no estudo e na aplicao das figuras retricas em msica. Neste tratado, oautor utiliza a obraIn me transierunt de Lasso, como objeto de anlise retrica e distingue cincoreas de investigao. O objetivo desta palestra demonstrar o procedimento empregado peloterico na sua quinta categoria analtica, ou seja, na diviso da pea em afetos ou perodos(BURMEISTER [1606], 1993, p. 201), utilizando partes da Lamentatio Prima Primi Diei (FeriaQuinta In Coena Domini)de Lasso. Para isto, necessrio conhecer inicialmente as figuras re-

    trico-musicais e aprender a identific-las na obra. Como resultado da pesquisa, espera-se ofe-recer subsdios analticos que possam contribuir para uma interpretao mais segura e histori-camente fundamentada.Palavras-chave: Lasso; Burmeister; Figuras retrico-musicais; Musicologia histrica; Anlisemusical.

    Abstract: The matter of this lecture is part of a doctoral degree research which intends to con-duct a full analyse of the work cited above using a historical terminology. On that account theresearch is mainly based on Joachim BurmeistersMusica Poetica(1606)3with the translationby Benito V. Rivera (Musical Poetics, 1993)4. Burmeister was a great precursor on study and ap-

    plication of rhetorical figures on music. In thistreatise the author uses Lassos workIn me tran-sieruntas the object on analysis and discerns five investigation areas. The aim of this lecture isto show the procedure employed by the theorist on his fifth analytical category, i.e., sectioningof the piece into affections or periods (Burmeister [1606] 1993, p. 201) using parts of Lassos

    Lamentatio Prima Primi Diei(Feria Quinta in Coena Domini). In order to achieve this, it is ne-cessary to know the rhetorical-musical figures and learn how to identify them in the work. Asthe result of the research we hope to offer analytic material which can support a reliable andhistorical founded interpretation.Keywords: Lasso; Burmeister; Rhetorical-musical figures; Historical musicology; Musicalanalysis.

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    Introduo

    Joachim Burmeister5(15641629), professor, terico e compositor.Foi educado na tradio daLateinschule6em Lneburg e recebeu orienta-

    es de Christoph Praetorius7

    e Euricius Dedekind, que ocuparam o cargodeKantornaJohannisschule. Lucas Lossius, vice-reitor desta escola, exer-ceu grande influncia sobre o terico com os seus livros didticos sobre re-trica e a dialtica. No outono de 1589, ocupa o posto deKantor na St. Ma-rienkirche (Rostock) e em 1593, tambm ministra aulas no Gymnasium8.Bartel (1997, p. 93) cita que ele mantm os dois postos at a sua morte.

    A importncia de Burmeister reside principalmente na sua tentati-va de adequao e sistematizao da doutrina retrica para a msica. Beni-to V. Rivera e Martin Ruhnke (2001, v. 4, p. 636) mencionam que,

    enquanto no sculo XVI a teoria da msica discutiacomo meios ar-tsticos composicionaissomente cadencias, imitao, sincopa e disso-nncia, Burmeister tentou, usando como exemplos motetes de Lassus,listar e nomear todos os detalhes musicais especficos e todas as diver-gncias da linguagem musical normal, que para ele, eram representa-dos pelas estruturas homofnicas dogenus humile.

    Escreveu trs tratados que so revises subsequentes: Hypomne-matum musicae poeticae (Rostock, 1599) que contm as suas primeiras 22figuras retrico-musicais,Musica autoschediastike (Rostock, 1601) com 25figuras eMusica poetica (Rostock,1606), com 26. Eles so manuais volta-dos principalmente para a composio musical, mas com direcionamentoretrico. Enquanto professor, ele intencionava que os jovens compositoresaprendessem a escrever, imitando os grandes mestres. Assim, emMusicalpoetics(captulo XV, p. 201-207), ele oferece uma definio de anlise etambm prope uma anlise retrica da obraIn me Transierunt de Lasso.Segundo Burmeister ([1606], 1993, p. 201):

    Anlise Musical9 o exame de uma pea, pertencente a um determi-nado modo e a um determinado tipo de polifonia. A pea ser divididaem afetos ou [72] perodos, de maneira que o artifcio com o qual cadaperodo se concretiza, pode ser estudado ou adotado para imitao.

    Existem cinco reas de anlise: (1) investigao do modo; (2) inves-tigao do gnero meldico; (3) investigao do tipo de polifonia; (4)considerao da qualidade; (5) secionamento da pea em afetos ouperodos.

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    O autor define afeto musical da seguinte maneira10:

    Um perodo numa melodia ou pea harmnica, finalizado por umacadncia, que comove e incita os coraes dos homens. um movi-mento ou algo que traz alegria ou tristeza para o velho Ado11(comoBasilius Faber coloca), sendo tanto encantador, agradvel e bem-vindo,ou inoportuno e desagradvel aos ouvidos e ao corao (BURMEISTER[1606], 1993,p.xlix).

    O que se pretende neste trabalho, justamente determinar os afe-tos ou perodos12em algumas partes da Lamentatio Prima Primi Diei(Fe-ria Quinta Coena Domini), o que corresponde aplicao da quinta cate-goria analtica deste tratadista. Desta maneira, o primeiro passo conhecer

    e compreender as suas figuras retrico-musicais e depois identific-las naobra. Os resultados parciais obtidos podem ser utilizados como ferramen-tas nas investigaes posteriores desta obra completa de Lasso.

    1. Anlise da Lament at io Pr ima Pr imi Die i (elegia pr ima, 1-3)

    1.1 Viso geral: o modo e o plano da obra (diviso do discurso)

    A obraLamentationes Hieremiae Prophetae de Lasso compostainicialmente em frigio sobre l.

    Segundo Rivera e Ruhnke (2001, v. 4, p. 636), Burmeister sugeriu umafascinante taxonomia dos afetos musicais que combinava teoria tridi-ca com o sistema dos doze modos, de uma maneira que prenunciou atipologia maiormenor. Ele explicou os afetos associados a cada modoem termos da posio dos semitons relativos aos trs graus governan-tes da escala [a basis, a tera e a quinta]. O modo frgio tem ambossemitons na mesma relao para a basis e para a quinta. Como os se-mitons esto localizados acima da quinta e da basis, ele consideradosuave, lamuriante e lacrimoso.

    Desta maneira, atravs da estrutura da obra (no que diz respeito relao entre o modo e o afeto a ele relacionado), possvel perceber a sua

    prpria essncia: o lamento.Philippe Herreweghe (ver documento sonoro: LASSUS, 2003, p. 7)

    menciona a respeito desta obra de Lasso:

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    a estrutura musical das Lamentaes, no mais do que a amplifica-o do texto literrio. Ela deve a sua unidade bsica sua estruturamodal: o L frgio para a Quinta-feira Santa e Sexta feira da Paixo,o mixoldio para as duas primeiras lies do Sbado de Aleluia e o Fjnio para a ltima lio.

    Se adotarmos a diviso do discurso em trs partes, como suge-re Burmeister em Musica poetica (BURMEISTER [1606], 1993, p. 203)13,esta primeira lamentao apresenta: (1) exordium (2)medium(o corpo daobra) e (3)finis, com a ocorrncia de nove sees:

    Seo Compassos Texto

    Exordium 1 1 a 12 Incipit Lamentatio Jeremiae Prophetae

    Medium2

    13 a 18 Aleph:primeira letra do alfabeto hebraico

    3 19 a 43

    Lam. 1:1

    Quomodo sedet sola civitas plena populo!

    Facta est quasi vidua domina gentium;

    princeps provinciarum facta est sub tributo.

    4 44 a 49 Beth: segunda letra do alfabeto hebraico

    5 50 a 77

    Lam. 1:2

    Plorans ploravit in nocte, et lacrymae ejus in maxillis ejus;

    non est qui consoletur eam, ex omnibus charis ejus;

    omnes amici ejus spreverunt eam, et facti sunt ei inimici.

    6 78 a 82 Ghimel:terceira letra do alfabeto hebraico

    7 83 a 112

    Lam. 1:3

    Migravit Judas propter afflictionem, et multitudinem servitutis;

    Habitavit inter gentes, nec invenit requiem;

    omnes persecutores ejus apprehenderunt eam inter angustias.

    Finis 8 113 a 117 Jerusalem, Jerusalem

    9 118 a 124 convertere ad Dominum Deum Tuum.

    Tabela 1: Lamentatio Prima Primi Diei (Elegia prima, 1-3), O. Di Lasso, diviso tripartida daobra.

    A seguir, identificam-se algumas figuras retrico musicais prin-cipalmente segundo a terminologia de J. Burmeister.

    1.2 Figuras retrico-musicais

    1.2.1 Anaphora

    um ornamento que repete modelos de alturas similares em al-gumas, mas no em todas as vozes da harmonia. Isto acontece na manei-

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    ra de uma fuga, embora no seja de fato uma fuga (BURMEISTER [1606],1993, p. 185-187). ANAPHORA (Kircher) =REPETITIO (Nucius). A repe-tio de uma exposio meldica sobre notas diferentes em diferentes par-tes (BUELOW, 1980, v. 21, p. 264)14.

    Fez-se necessrio empregar as definies de anaphora supracita-das, para explicar a ocorrncia de algumas figuras retricas existentes nes-ta parte da obra. So trs os exemplos demonstrados.

    No primeiro, a definio adotada no a de Burmeister, mas deKircher. Tal escolha, deve-se ao fato de que emAleph (primeira letra do al-fabeto hebraico; comp. 13-18, seo 2; ver tab.1), ocorrem dois motivos e osegundo, pode ser imitado em alturas diferentes.

    Figura 1:Anaphora (Kircher), Aleph, seo 2.

    O primeiro motivo melismtico e ascende na sua maioria por

    graus conjuntos. Apresenta-se no tenorII (comp. 13-14) e imitado pelodiscantus (comp. 14-15). Esta primeira figura chamada anaphora I. Veri-fica-se o segundo motivo imitativo ocorrendo primeiramente na voz de al-tus (comp. 13-14), denominado anaphora II. Este melisma inicia com umsalto intervalar de tera maior descendente e ascende por graus conjuntos. imitado pelo tenorI e bassus (comp. 14-16).

    Atravs de suas entradas imitativas, as figuras de anaphora tm

    carter de nfase e reafirmao. A primeira letra do alfabeto hebraico, an-tecede o primeiro versculo. Assim, o transcorrer e o imitar da palavraAle-ph nas diversas vozes refora: est iniciando a lamentao.15

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    O prximo exemplo desta figura ocorre na segunda letra do alfabe-to hebraico (Beth; seo 4, comp. 44-49; ver tabela. 1).

    Figura 2:Anaphora (Burmeister), Beth, seo 4.

    A voz de tenor II (comp. 44-45) traz um motivo que ser imitadopelas vozes de altus e discantus(comp. 45-47). Pelo fato deste motivo imi-

    tativo ser de mesma altura e no ocorrer em todas as vozes, aceita-se a de-finio de anaphora de Burmeister.

    O terceiro exemplo desta figura ocorre em Ghimel (terceira letra doalfabeto hebraico; comp. 78-82; seo 6; ver tabela. 1).

    Figura 3:Anaphora (Burmeister), Ghimel, seo 6.

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    Observa-se motivo melismtico imitativo semelhante Beth (verexemplo anterior), entretanto, descendente. A imitao de mesma alturae a no ocorrncia em todas as vozes, tambm caracteriza esta figura comoanaphora de Burmeister (ver tenor II, tenor I e discantus, comp. 78-82).

    As letras hebraicas antecedem os versculos. Aps a anlise dasmesmas na Lamentatio Prima Primi Diei, conclui-se que Lasso empregaprocedimento tcnico semelhante na abertura dos versculos. A figura re-trico-musical empregada tambm a mesma, ou seja, a anaphora. A ocor-rncia do tratamento imitativo e melismtico, assim como o emprego deuma mesma figura nas letras hebraicas, prepara o ouvinte entrada dosversos e confere unidade obra.

    O afeto comum a todas as letras o lamento (atribudo principal-

    mente utilizao do recurso melismtico).

    1.2.2 Hypotyposis

    Segundo Burmeister ([1606], 1993, p. 175), hypotyposis aque-le ornamento por meio do qual, a idia do texto to claramente retratada

    que aqueles objetos inanimados ou sem vida descritosno texto parecemser trazidos vida.Dietrich Bartel (1997, p. 307- 309) emMusica Poeticacomenta a respeito dahypotyposis:

    Uma representao musical vvida de imagens encontradas no textoimplcito. hypotyposis dada a mesma incumbncia, tanto na msi-ca como na retrica: ilustrar de forma viva e realstica um pensamentoou imagem encontrado no texto. Como poderia at ser considerado orecurso composicional de texto- expressivomais importante e comumda msica barroca, ordem damusica poeticaencantar e comover oouvinte atravs de uma representao musical do texto. Tal represen-tao musical pictrica da palavra torna-se uma marca caractersticada msica barroca, encontrada em praticamente toda composio vo-cal do perodo. JBurmeister lamenta o fato de que nem todos os com-positores usavam o recurso de forma criteriosa. Literalmente o termosignifica uma imitao ou reproduo, dehypo, abaixo (re-); typosis,formar, construir. Tanto a msica quanto aretrica utilizam esta fi-guramaispara refletir uma imagem do que para expressar umestadode esprito. Enquanto Burmeister inclui ahypotyposiscomo uma figu-ra que reflete imagens, suapathopoeia16que usada para expressar

    musicalmente os estados de esprito.... Embora somente Burmeisterinclua explicitamentehypotyposisna sua lista defiguras retrico-mu-sicais, Vogt sugeriuque praticamente todas as outras figuras podemser usadas como formas dehypotyposis.17

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    Figura 4:Hypotyposis, omnes persecutores ejus apprehenderunt eam,seo 7.

    A figura de hypotyposis observada em omnes persecutores ejusapprehenderunt eam...(Lam. 1:3; seo 7; comp. 100-107; ver tabela. 1).Os que a perseguiam alcanaram-na... (BBLIA DE JERUSALM, 2002,p. 1460). A representao da perseguio observada atravs de recursosretrico-musicais indicando movimento:

    Tratamento contrapontstico em omnes: tenor I e bassus apre-sentam tratamento semelhante ao incio de suas linhas meldi-cas (comp. 100-102).

    Em contraposio ao trecho anterior, a palavrapersecutorestraz atextura mais alinhada. Verifica-se uma perseguio harmnica(Gm D Gm D Gm Dm; comp. 102-104: incio) com

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    predomnio de mnimas. Esta textura mais cordal, associada re-petio harmnica na palavrapersecutores e a ocorrncia de mni-mas, pode sugerir o movimento do andar. Isto tambm reforadomelodicamente pela voz de discantusalternando as notas Sol3e

    F#3

    e pelo bassus com o Sol1

    e R2

    (comp. 102-104: incio). Aqueles que perseguiam Jerusalm alcanaram-na. Termina aperseguio e Jerusalm est em poder do inimigo. Apprehen-derunt (comp. 104-105) emprega ao incio tratamento homof-nico: Jerusalm dominada.

    1.2.3 Ant i t hesis, ant i t het on, cont r aposi t um

    Segundo Kircher (Musurgia L.8, p. 145) citado por Bartel (1997, p.199), antithetonou contrapositum uma passagem musical, na qual nsexpressamos afetos opostos, como Giacomo Carissimi contrastou o riso-nho de Heraclitus, com o choroso de Democritus, ou como Leonus Leoniexpressou: Eu durmo, mas meu corao vigia. George J. Buelow (2001,v. 21, p. 268) emRethoric and Music, tambm cita a definio de Kircher:

    um contraste musical para expressar coisas contrrias e opostas, ocor-rendo sucessiva ou simultaneamente. Pode ser caracterizado por registroscontrastantes em uma parte da voz, idias temticas contrastantes em umatextura contrapontstica, texturas musicais contrastantes, etc.

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    Figura 5:Antitheton, quomodo sedet sola civitas plena populo, seo 3.

    Esta figura ocorre no primeiro versculo das lamentaes (seo

    3; comp. 19-28; ver tabela. 1). Por sugesto potica do prprio texto, Lassoemprega uma figura de contraste: Quomodo sedet sola civitas plena populo!Quo solitria est a Cidade populosa! (BBLIA DE JERUSALM, 2002,p. 1460)18. O poeta descreve o estado miservel de Jerusalm (BBLIA DE

    JERUSALM, 2002, p. 1460)19. Ao iniciar a primeira lamentao, verifica-se nitidamente a inteno de contrastar idias opostas:

    Quomodo sedet Sola civitas Plena populo

    Homofonia (5 vozes) Contraponto (2 vozes) Homofonia (5 vozes)

    Tabela 2:Antitheton,seo 3.

    O compositor reserva o contraponto a duas vozes (tenor II e bassus;

    comp. 22-25) solido de Jerusalm, enquanto que, um tratamento maisvertical (5 vozes) reservado s partes antecedente e conseqente. A cida-de que antes era habitada (populosa), agora est s (termina em unssono;comp. 25).

    1.2.4 Pathopoeia

    Significa excitao das paixes.20A respeito desta figura, Bur-meister menciona ([1606], 1993, p. 175):

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    uma figura adaptada para provocar os afetos, que ocorre quandosemitons que no pertencem ao modo e nem ao gnero da pea, soempregados e introduzidos a fim de aplicar os recursos de uma classe outra. O mesmo se mantm quando os semitons prprios ao modo dapea so usados mais frequentemente do que costume.

    Figura 6:Pathopoeia, plorans ploravit in nocte, seo 5

    Em chorou sem cessar durante a noite, e as suas lgrimas corrempelas suas faces (BBLIA SAGRADA,1962, p. 944), a palavraploranstraza figura de pathopoeia,caracterizada por uma segunda menor. O afeto o da tristeza. A figura tambm enfatizada pela tessitura das vozes (noocorre o emprego de discantus e nem do bassus, mas de vozes centrais: al-tus, tenor I eII, comp. 50-53 aproximadamente). O melisma emploravit (al-

    tus) tambm remete idia do choro ou lamento. O intervalo de segundamenor pode tambm ser encontrado emlacrymae ejus(discantus, compas-so 56-57 e bassus, comp. 55-56 e 57).

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    1.2.5 Pleonasmus

    a efuso abundante da harmonia durante a formao de uma ca-dncia, especificamente na parte mdia. Caracterizadopor combinao de

    symblema e syncope dentro de dois, trs ou mais tactus21

    (BURMEISTER[1606], 1993, p. 171). Segundo Bartel (1997, p. 365):

    Burmeister apresenta o termo na Figurenlehre musical, definindo-ocomo uma passagem dissonante (symblema)que prolongada atra-vs de uma suspenso (syncopa), antes da resoluo. Tanto symble-ma como syncopa, introduzem dissonncias dentro da estruturaharmnica de uma composio. Isso resulta no exagero ou abundn-cia pretendida, isto , de dissonncias. A combinao de notas depassagem e suspenso, estende no somente uma dissonncia, mas

    pode criar ainda outro retardamento: vrios pleonasmoi deveriamestar ligados; a cadncia poderia ser estendida por dois, trs, oumais compassos.

    Dentre outras ocorrncias desta figura existentes na obra, ci-ta-se a do versculo 3, da primeira lamentao (comp. 109-110; seo7; ver tabela. 1), em omnes persecutores ejus apprehenderunt eam interangustias.

    Figura 7:Pleonasmus, angustias, seo 7.

    Na palavra angustias, observam-se trs dissonncias seguidas emsyncopecaracterizando a figura pleonasmus (discantus; comp. 109-110).Tais recursos provocam um efeito suspensivo que enfatiza o texto. Outras

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    sincopas podem ser observadas (incio do compasso 108 e 112, discantus ealtus, respectivamente).

    Durante o processo analtico, observou-se que alm das figuras,outros recursos tcnico-musicais (no catalogados por Burmeister) foram

    empregados como elementos expressivos. Tais recursos so encontrados,por exemplo, em determinadas ocorrncias cadenciais e harmnicas (se-quncia de diapentes22associada a uma textura cordal; ver tpico 2.3.2). Aseguir, apresentam-se alguns exemplos.

    1.3 Outros artifcios retrico-musicais com qualidade expressiva

    (recursos que em sua maioria, no foram catalogados por

    Burmeister)

    1.3.1 Cadenza fuggita

    Em Musical Poetics (Musica Poetica), Joachim Burmeister dedi-ca dois captulos s cadncias intitulados de: Cadncias (cap. 5, p. 107-121) e A concluso de melodias e harmonias (cap. 9, p. 147-153). So

    vrios os aspectos abordados e compreendem a definio do conceito,as alturas do modo propcias a receb-las, a sua adequao ao texto e osdiversos tipos de cadncias, entre outros. Entretanto, no menciona arespeito das cadncias interrompidas. O termo, cadenza fuggita, foi ci-tado no artigo Ut oratoria musica por Palisca (1994, p. 291), para deno-minar a cadncia evitada na anlise da obraIn me transierunt de Lasso.Segundo o autor, o termo pertence a Zarlino: para evitar ou esquivar-

    se da clusula ou Cadncia e Cadentia...placid elabendi, obviamenterefere-se cadncia interrompida ou evitada que Zarlino descreve comofuggire la cadenza e Thomas Morley como false closes23 (PALISCA,1994, p. 294).

    Nesta primeira lamentao do primeiro dia verificam-se algumasocorrncias de cadenza fuggita. Tal recurso tcnico associado ao contedodo texto pode auxiliar na expresso do afeto. Como exemplo, cita-se o ter-

    ceiro versculo (Lam. 1:3 seo 7), que faz referncia ao exlio de Jud e angstia causada pela escravido e perseguio.

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    Figura 8: Cadenza fuggita, migravit Judas propter afflictionem, seo 7.

    Migravit Judas propter afflictionem(incio da seo 7; ver tabela.1) principia com conjugao perfeita combinada com imperfeita incomple-ta24sobre a nota r(ou seja, Dm, comp. 83). Verificam-se duas cadncias

    meldicas descanto25: a primeira junto palavraJudas(altus; comp. 85-86)e a segunda, em afflictionem(tenor I; comp. 87-88). Nesses pontos tambmencontram-se duas ocorrncias de cadenza fuggita:

    1) EmJudas, a cadncia emprega as seguintes conjugaes: per-feita combinada com imperfeita incompleta sobre a nota sol perfeita combinada com imperfeita completa sobre r perfeita combinada com imperfeita completa sobre sol (ou

    seja, Gm DG; comp. 85-86). O esperado pela conduoharmnica e pela prpria linha meldica da voz de discantus,era cadenciar sobre a conjugao perfeita combinada com im-perfeita incompleta sobre a nota sol (ou seja, Gm D Gm;comp. 85-86).

    2) Verifica-se uma sequncia de diapentes iniciando na palavraJudase estendendo-se atafflictionem, mas desviada na ca-

    dncia. Observe a conjugao perfeita combinada com imper-feita completa sobre as notas: r sol d sib (ou seja, DG C Bb; comp. 85-88). O esperado era finalizar na

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    conjugao perfeita combinada com imperfeita completa sobrea notaf (ou seja, F; comp. 88), fechando assim, a sequnciade diapentes, mas desviado para sib (Bb; comp 88).

    As ocorrncias da cadenza fuggitapodem sugerir a surpresa peloinesperado. A aflio de Jud causada pelo exlio.

    1.3.2 Sequncia de diapentes associada a uma textura cordal

    Gustave Reese em seu livroMusic in the Renaissance (New York,1959, p. 508), denomina a aqui chamada sequncia de diapentes, de tran-sies modulatrias atravs do ciclo de quintas. Menciona ainda que emLasso, as transies e o som pleno de quatro ou cinco vozes na estrutu-ra da trade so sentidas como suaves, doces ou maravilhosas (REESE,1959, p. 508).

    Ao final do primeiro versculo da Lam. 1, encontra-se a seguintefrase:princeps provinciarum facta est sub tributo: a princesa das provn-cias ficou sujeita ao tributo (BBLIA SAGRADA, 1962, p. 943).

    Figura 9: Sequncia de diapentes,princeps provinciarum, seo 3.

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    Em princeps provinciarum (comp. 35-38), as conjugaes cami-nham por sequncia de diapentes descendentes e ascendentes: conjugaoperfeita combinada com imperfeita completasobre as notas: r sol d f sib f d (ou seja, D G C F Bb F C; comp.

    35-38). Embora o tratamento dado no seja estritamente homofnico, v-rias vozes esto com os seus valores de durao alinhados.

    Assim, os recursos tcnicos (sequncia de diapentes+ sonoridadeverticalizada a 5 vozes) associados ao significado do texto, conferem ao tre-cho uma sonoridade plena e brilhante (clarificada harmonicamente), enal-tecendo Jerusalm, a princesa das provncias.

    1.3.3 Modo

    Como j foi mencionado anteriormente, Burmeister atribui afetosaos modos26.

    Segue abaixo, um plano geral dos modos empregados na obra com-pleta (Lamentationes Jeremiae Prophetae)27de Lasso.

    Feria quinta in coena domini

    Lio I (Lam. 1: 1-3)

    Lio II (Lam. 1: 7-9)

    Lio III (Lam. 1: 12-14)

    frigio

    Feria sexta in paracesve

    Lio I (Lam. 2: 8-10)

    Lio II (Lam. 2: 13-15)

    Lio III (Lam. 3: 1-2, 4-5, 7, 9)

    frigio

    Sabbato Sancto

    Lio I (Lam. 3: 22-23, 25-30)

    Lio II (Lam. 4: 1-3)

    Lio III (Lam. 5: 1-6)

    mixolidiomixolidio

    jonio

    Tabela 3: Modos,Lamentationes Jeremiae Prophetae de O. Di Lasso.

    Nos dois primeiros dias (Quinta-feira da Ceia do Senhor e Sexta-feira da Paixo),o compositor emprega o modo frigio. Burmeister defineeste modo como suave, lamuriante e lacrimoso. Jerusalm e Jud, infi-is Aliana com Deus, encontram-se em estado miservel, o seu povo foiexilado e est sujeito dor, opresso e humilhao extrema. Adotando

    o conceito de Burmeister, na relao entre o modo e o afeto, pode-se dizerque, a escolha do frigio nestes dois primeiros dias, vem de encontro es-sncia da prpria obra, que um lamento.

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    Na liturgia catlica do Sbado Santo celebra-se a ressurreiode Cristo. uma celebrao de renascimento e de vida nova. Sob a pers-pectiva da f, Jesus morreu para salvar a humanidade de seus pecados,mas atravs da ressurreio, Ele vive novamente. um momento para

    celebrar a alegria. O modo mixolidio (empregado nas duas primeiras li-es) no estudo de Burmeister definido como feliz e enobrecedor. Ojnio, na terceira lio, citado como moderado. Tal escolha modalpode sugerir que, luz da f, atravs do sofrimento se chega purifica-o. A conscincia do erro e do pecado, conduz o fiel esperana e confiana no perdo de Deus. Redirecionamento de caminho: temperan-a e moderao.

    Concluso

    A seguir, um resumo das figuras e de outros artifcios retrico-mu-sicais analisados emLamentatio Prima Primi Diei (Feria Quinta In CoenaDomini).

    Seo TextoFiguras

    retrico-musicais

    Recursos musicaisempregados

    Afeto, carterou qualidade

    2 (comp.13-18)

    Aleph Anaphora Motivo melismticotratado imitativamentecom entradas paulati-nas e sucessivas.

    Lamento.Reafirmao.Movimento: principiardo primeiro versculo.

    3 (comp.19-43)

    Quomodo sedetsola civitas plenapopulo!...

    ...princeps provin-ciarum...

    Antitheton Contraste de textura(homofonia x contra-ponto).

    Sequncia de diapentesassociada a uma textu-ra cordal.

    Idias opostas: cidadesolitria e populosa.

    Jerusalm enaltecida.

    4 (comp.44-49)

    Beth Anaphora Entradas imitativasgraduais do motivomelismtico.

    Lamento. Reafirmao.Movimento: principiardo 2 versculo.

    5 (comp.50-77)

    Plorans ploravit innocte...

    Pathopoeia Intervalo de 2 menor.Melismas (ploravit).

    Tristeza. Jerusalm,triste e lamentosa, pas-sa a noite chorando.

    6 (comp.78-82)

    Ghimel Anaphora Entradas imitativasgraduais do motivomelismtico.

    Lamento. Reafirmao.Movimento: principiardo 3 versculo.

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    7 (comp.83-112)

    Migravit Judas prop-

    ter afflictionem...

    ...Omnes persecuto-

    res ejus...

    ...inter angustias.

    Hypotyposis

    Pleonasmus

    Cadenza fuggita

    A harmonia caminha por

    sequncia de diapentes

    (Gm D Gm D - Gm -Dm). Repetio das notas

    sol1e r2no bassus e sol3

    e f#3no discantus.

    Textura vertical.

    Mnimas seguidas.

    Notas de longa durao e

    trs sincopas dissonantes

    seguidas no discantus.

    Surpresa pelo inesperado:

    a aflio de Jud causada

    pelo exlio.

    Movimento: perseguio.

    Angstia.

    Tabela 4: Artifcios retrico-musicais e os afetos naLamentatio Prima Primi Diei de Lasso;seo mdia(corpo da obra).

    A identificao das figuras o primeiro passo para a compreen-so mais aprofundada do texto e do seu valor retrico-musical. Contudo,segundo a metodologia analtica empregada por Burmeister (quinta ca-tegoria), somente a identificao das figuras no suficiente para deter-minar o afeto. Para a melhor compreenso da obra, deve-se tambm en-

    contrar os perodos, presentes nas trs partes constitutivas do discurso(exordium, medium efinis). As cadncias (cuja anlise parte do projetode doutorado) tm um valor estrutural importante, pois elas pontuam osperodos.

    Os elementos que formam a sintaxe da obra (figura, texto, cadn-cias, textura, conjugaes, altura modal, etc), embora distintos, interagemde maneira a sugerir um nico sentimento ou afeto. Os artifcios retricos

    no se limitam s figuras, mas so elas, indubitavelmente, ferramentas va-liosas na expresso do afeto. Contudo, outros recursos tcnico-musicaiselencados ou no por Burmeister, podem ser empregados com finalida-de expressiva. Devemos ento, conhecer e aprender a identificar as figu-ras e os artifcios para poder ressalt-los enquanto elementos expressivos.A anlise uma ferramenta importantssima dentro deste processo, vistoque atravs dela podemos reconhecer e pontuar os recursos artificiosos em

    uma obra.Para Burmeister, o paralelo que fez entre msica e retrica, foi umcaminho natural e encontrou nas obras de Lasso um terreno frtil para a

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    aplicao de seus conceitos. O seu tratado, pode oferecer um subsdio sig-nificativo de como entender e consequentemente interpretar a produoartstica desta poca.

    Notas

    1 BURMEISTER, J. Musica Poetica. Rostock: Stephanus Myliander, 1606; facs., ed. MartinRuhnke, Kassel and Basle: Brenreiter, 1955.

    2 BURMEISTER, J. Musical Poetics. Traduo: Benito V. Rivera. New Haven and London: YaleUniversity Press, 1993.

    3 BURMEISTER, J. Musica Poetica. Rostock: Stephanus Myliander, 1606; facs., ed. MartinRuhnke, Kassel and Basle: Brenreiter, 1955.

    4 BURMEISTER, J. Musical Poetics. Translated, with Introduction and Notes, by Benito V.

    Rivera. New Haven and London: Yale University Press, 1993.5 Este pargrafo est baseado principalmente nas seguintes fontes: Benito V. Rivera e MartinRuhnke, Joachim Burmeister em The New Grove Dictionary of Music and Musicians, ed.Stanley Sadie (London: Macmillan, 2001, v. 4, p. 635) e Dietrich Bartel,Joachim BurmeisteremMusica poetica (Lincoln: Nebraska, 1997, p. 93).

    6 Em Ut oratoria musica (Studies in the History of Italian Music and Music Theory, Oxford:Oxford University Press, 1994, p. 288),Palisca menciona que esta escola tinha como ncleodo currculo o estudo da lngua latina, sintaxe e retrica.

    7 Christoph Praetorius foi compositor eKantor da St. Johannis (Lneburg - perodo de 1563 a1581). Era tio do compositor Michael Praetorius. Euricius Dedekind foi seu sucessor. Fonte:Bach Cantatas Website. 2009. Disponvel em: http://www.bach-cantatas.com/Lib/Praetorius-

    Christoph.htm.8 Segundo Bartel (1997, p. 93), alm das atividades musicais, a funo de Burmeister era a de

    ministrar aulas de latim, para os estudantes at o penltimo ano escolar.9 Ian D. Bent e Anthony Pople emAnalysis(The New Grove Dictionary of Music and Musicians,

    2001, v. 1, p. 530), consideram que Burmeister foi o primeiro a dar uma definio de anlisee tambm a especificar uma anlise formal completa de uma pea de msica.

    10 Rivera, o tradutor, cita emMusical Poetics de Burmeister (p.xlix) que esta definio de afetoest presente no segundo tratado do autor (Musica autoschediastike, fol. O2v).

    11 O termo Old Adam pode ser entendido como a fraqueza humana, como menciona AgenorSoares dos Santos em seu Guia Prtico de traduo inglesa: Adam(s) Tem o sentido

    figurado do pecado original, a fraqueza ou impenitncia humana, especialmente the oldAdam: There was a good deal of the old Adam in the rascal, Havia muita fraqueza humanano malandro... (SANTOS, 1986, p. 10).

    12 Bartel (1997, p. 96) cita que Burmeister utiliza estes dois termos de modo intercambivel.13 Autores clssicos variavam em suas numeraes das partes de um discurso. Rhetorica

    ad Herennium 1.3.4 lista seis partes: exordium, narratio, divisio, confirmatio, confutatioeconclusio.A mais ampla diviso tripartida era, obviamente, inspirada pela injuno deAristteles, que um drama trgico ou poema pico para ser um todo unificado precisater um comeo [arche], meio [meson] e fim [teleute] (Aristteles,Poetics7.3 e 23.1). Umacomparao da parte mdia a um corpo humano encontrada em Aristteles, Rethoric3.14.8: Se o ouvinte j estiver bem predisposto, no haver necessidade de um exrdio,

    exceto para sumariar o sujeito da fala, de maneira que, como um corpo [soma], ele podeter uma cabea. Captulos 12, 13 e 14 de Praecepta de Dressler, provm diretrizes sobrea estruturao do exordium, medium e finis.Nota de rodap n 2 (BURMEISTER [1606],1993, p. 203).

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    14 Esta definio de Buelow encontra-se no verbete Rhetoric and Musicdo The New GroveDictionary of Music and Musicians, ed. S. Sadie (London: Macmillan, 2001, v.21, p. 264) etem como co-autores: Wilson e Hoyt.

    15 No verbete Lamentations em The New Grove Dictionary of Music and Musicians, G.Massenkeil (2001, v. 14, p. 188) comenta que no original hebraico, os cinco captulosdos lamentos eram em grande parte um acrstico alfabtico. A Vulgata conservou nas

    lamentaes estas letras na lngua original e fez a traduo dos versculos para o latim (verna Tabela 1, as letras hebraicas antecedendo os versculos).16 Ver seo 5 (Tabela 1) e tpico 2.2.4 deste trabalho.17 O termo hypotyposis encontrado mais uma vez no Conclave de Vogt. Vogt no o inclui

    na sua lista de figuras, mas usa o termo mais para caracterizar de forma geral suas figurasideales.Estas figuras no so somente para expressar os estados de esprito, mas tambmpara apresentar aideado texto de uma maneira real (vivaciter) e imaginativa(idealiter). Paraeste fim, o compositor usa as figurashypotyposiseprosopopeia.Com estes esclarecimentos,Vogt tipifica sua categoria defiguras ideales. A formulao mltipla defigurae hypothiposeossugere toda uma classe de tais figuras. Este entendimento sustentado pela definio anteriorde Vogt de idea musica como aquilo que retratado atravs das figuras de hypotyposis.

    Msicae palavrasoperam juntas numa vvida representao da (aquilo que visto)do texto, usandohypotyposeos figurae ideales (BARTEL,1997, p. 309).

    18 Pe. Matos Soares (BBLIA SAGRADA, 1962, p. 943) d a seguinte traduo: Como assim estsentada solitria, esta cidade (antes) cheia de povo?.

    19 Nota de rodap: letra a).20 Nota de rodap nmero 33 citada por Rivera (BURMEISTER [1606], 1993, p. 175).21 EmMusical Poetics, Rivera, o tradutor, menciona em nota de rodap n 8:Um tactus, que

    no deve ser confundido com Takt no alemo moderno, tem a durao de uma semibreve;duas semibreves formam uma unidade padro [medida]* ou perfeio (BURMEISTER[1606], 1993, p. 29).

    22 Na verdade, Rivera emprega neste ponto o termomeasure, que traduzido para o portuguscomo compasso. Devido ao contexto, optou-se pela traduo como unidade padro oumedida, por parecer mais adequado.

    * Diapente (do Grego dia pente: atravs de cinco). Na Grcia antiga e medieval, nomedado ao intervalo de uma Quinta. Nos tratados medievais e nos manuscritos musicais, ostermos epidiapente (5 acima) e subdiapente(hypodiapente. 5 abaixo) so usados paraespecificar respectivamente canons a uma Quinta superior ou inferior (SADIE, 2001, v. 7,p. 292).

    23 Sendo planejado para evitar um final derradeiro e prosseguir com algum outro propsito(Thomas Morley, ed. R. Alec Harman,A Plain and Easy Introduction to Practical Music (1597)(London: Dent, 1952), III, 223). Nota de rodap nmero 31, citado em Palisca.

    24

    Na introduo de Musical Poetics (BURMEISTER, [1606], 1993, p. liii), Benito V.Rivera, referindo-se utilizao de uma nica vez da palavra trade por Burmeister (emHypomnematum musicae poeticae), menciona que ele preferia o termo gramatical conjugao definido como a combinao de notas e intervalos ao invs de trade. Os nomes que eleatribui aos vrios tipos de acordes..., referem-se mais aos intervalos componentes dentro dassonoridades, do que s sonoridades como entidades unificadas. Embora Burmeister nomeieoutras conjugaes, nesta anlise utiliza-se as seguintes:

    Conjugao perfeita combinada com imperfeita completa= acorde de tera e quinta (teramaior, quinta perfeita).

    Conjugao perfeita combinada com imperfeita incompleta = acorde de tera e quinta (teramenor, quinta perfeita).

    25 Segundo Burmeister ([1606], 1993, p. 109), uma cadncia descanto uma passagem meldicaconsistindo de trs alturas, a primeira das quais, o dobro da segunda em durao e estto organizada, que parece ser composta de duas partes atravs de uma sincopa potencialou atual, mas unidas como um todo. A segunda altura desta maneira organizada, que da

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    primeira altura, a voz descende para o grau intervalar seguinte mais prximo e susceptvela assumir um semitom. Da segunda altura para a terceira, a voz eleva-se para o mesmonvel onde a primeira altura tinha sido colocada, adequada para terminaes do perodo. Acadncia descanto da figura 8 est embelezada.

    26 (RIVERA; RUHNKE, 2001, v. 4, p. 636).27 Gnther Massenkeil (2001, v. 14, p. 188) menciona que, parte dos versculos das lamentaes

    do profeta Jeremias eram cantadas na liturgia catlica romana at por volta de 1970, comolies para os primeiros noturnos das matinas de Quinta-feira Santa, Sexta-feira da Paixo eSbado Santo. Cita ainda que, j no sculo XV, os grandes compositores vinham compondopolifonicamente sobre este texto.

    28 Baseadas na norma NBR 6023, de 2002, da Associao Brasileira de Normas Tcnicas(ABNT).

    Referncias:28

    BARTEL, D. Musica Poetica. Lincoln and London: University of Nebraska, 1997.471 p.

    BENT, I. D.; POPLE, A. Analysis. In: SADIE, S. (Ed.). The New Grove Dictionary ofMusic and Musicians. 2. ed. London: Macmillan, v. 1, 2001. 912 p.

    BBLIA DE JERUSALM. In: BAZAGLIA, P. (Dir. Ed.). So Paulo: Paulus, 2002.2206 p.

    BBLIA SAGRADA: Traduzida da Vulgata e anotada pelo Pe. Matos Soares. 4. ed. So

    Paulo: Paulinas, 1962. 1501 p.

    BURMEISTER, J. Musical Poetics[Musica Poetica:1606]. Traduo: Benito V. Rivera.New Haven and London: Yale University Press, 1993. 306 p.

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    PALISCA, C. Studies in the History of Italian Music and Music Theory. Oxford:Oxford Universiy Press, 1994. 522 p.

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    RIVERA, B. V.; RUHNKE, M. Joachim Burmeister. In: SADIE, S. (Ed.). The New GroveDictionary of Music and Musicians. 2. ed. London: Macmillan, v. 4, 2001. 938 p.

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    WILSON, B; BUELOW, G. J.; HOYT, P.A. Rethoric and Music. In: SADIE, S. (Ed.).

    The New Grove Dictionary of Music and Musicians. 2.ed. London:Macmillan, v. 21,2001. 939 p.

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    Bibliografa

    BURMEISTER, J. Musica Poetica. Rostock: Stephanus Myliander; 1606; facs., ed.Martin Ruhnke, Kassel and Basle: Brenreiter, 1955.

    CHRISTOPH PRAETORIUS. In: Short Biographies. Bach Cantatas Website. 2009.Disponvel em: http://www.bach-cantatas.com/Lib/Praetorius-Christoph.htm. Acessoem 15 janeiro 2009.

    SANTOS, A. S. dos. Guia prtico de traduo inglesa:comparao semntica e esti-lstica entre os cognatos de sentido diferente em ingls e portugus. 2. ed. So Paulo:Cultrix, 1986. 511 p.

    Partitura

    LASSO, O. DI. Lamentationes Jeremiae Prophetae:vocal. Kassel: Brenreiter, 1992.2 partituras: 5 e 4 vozes (259 p. ). Neue Reihe/Band 22. Discantus, altus, tenor e bas-sus.

    Documento Sonoro

    LASSUS, R. De. Hieremiae Prophetae Lamentationes. Intrpretes: Ensemble VocalEuropen de la Chapelle Royale; dir.: Philippe Herreweghe. Arles: Harmonia Mundi,p. 1989. 1 CD.

    urea Helena de Jesus Ambiel- Regente, professora de disciplinas terico-musicais, bacharel emmsica pela Universidade Estadual de Campinas. Obteve o ttulo de mestre em artes pela mesmauniversidade com a dissertaoRicercar a 6 de Johann Sebastian Bach e a sua Orquestrao na Fuga(Ricercata) a 6 voci, por Anton Webern - a Tcnica Klangfarbenmelodie e a Serializao Motvico - Tm-

    brica.Paralelamente aos estudos acadmicos, cursou as disciplinas de harmonia, contraponto, estti-ca e anlise musical com o compositor Dr. Hans Joachim Koellreutter. Atualmente recebe orientaesdo prof. Dr. Giorgio Pacchioni na disciplinaMusica Figurata. doutoranda em musicologia histricapela UNICAMP, bolsista CAPES e tem como orientadora a professora Dra. Helena Jank.