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PLANEJAMENTO PELO MÉTODO DA VALIDAÇÃO PROGRESSIVA – MVP (ADAPTADO PARA OS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA) COOPERATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS LTDA. - COPTEC HORACIO MARTINS DE CARVALHO 1

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PLANEJAMENTO PELO

MÉTODO DA VALIDAÇÃO PROGRESSIVA – MVP(ADAPTADO PARA OS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA)

COOPERATIVA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS LTDA. - COPTEC

HORACIO MARTINS DE CARVALHO

Curitiba, outubro de 2003.

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Índice

1. Introdução.....3

2. Pressupostos do MVP.....4

3. Elementos constitutivos do MVP.....53.1. Objetivos do MVP.....73.2. Produtos e processos esperados.....93.3. Validação progressiva das decisões.....103.4. Processo dialógico de reflexão – decisão – ação ....113.5. Estruturação do plano.....17

4. Seqüência lógica do MVP.....194.1. Fases de implantação do MVP.....194.2. Passos lógicos.....20

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1. INTRODUÇÃO

Desde agosto de 2002 tem sido realizado pela Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos – COPTEC, cursos e oficinas para o conhecimento e prática do Método de Validação Progressiva - MVP de tomada de decisões, objetivando elaborar planos de desenvolvimento em coletivos sociais de trabalhadores rurais no Rio Grande do Sul e, mais recentemente, no Paraná. Nesses cursos participam não apenas as famílias e ou pessoas diretamente interessadas no planejamento dos coletivos sociais objeto do curso como, também, técnicos, dirigentes e outros trabalhadores rurais assentados convidados para ao mesmo tempo em que se informem sobre o MVP atuem como críticos do método e como testemunhas e aconselhadores durante os processos decisórios coletivos que se efetuam na dinâmica da validação progressiva das decisões.

Uma das características do MVP é a permanente dialogicidade a partir de campos temáticos selecionados pelos próprios participantes. Ressalta-se que todo coletivo social é constituído por sujeitos portadores de interesses, vontades, desejos e aspirações, sejam eles pessoas, famílias, grupos sociais ou povos. E que esses interesses, vontades, desejos e aspirações devem tornar-se o objeto privilegiado da construção de propostas para um futuro que se deseja socialmente compartilhado.

O MVP considera como da mais alta relevância que todo o plano de desenvolvimento elaborado participativamente por um coletivo social dado seja acompanhado de um plano para cada família singular (ou outro referencial de base) que constitui esse coletivo social. Assim, ao mesmo tempo em que se elabora, por exemplo, o plano de desenvolvimento do coletivo social constituído por 160 famílias singulares se elaborará também 160 planos familiares, sendo um para cada unidade de produção familiar singular (ou para a unidade coletiva de produção se for o caso).

Essa dinâmica de elaboração de planos no nível macro (coletivo social) articulados com os de nível micro (família singular), e coerentes entre si de maneira a se garantir simultaneamente os interesses coletivos e aqueles das famílias singulares, é efetuada através do procedimento de validação progressiva das decisões macro e micro. Validação aqui entendida como legitimação das decisões tanto no sentido macro para o micro como vice-e-versa.

Outra característica do MVP é iniciar a elaboração do plano do coletivo social a partir dos interesses, desejos, aspirações e da esperança de mudança nas condições de vida pessoal e familiar e de trabalho da população envolvida, rompendo com a cultura ortodoxa de se iniciar a elaboração de planos, programas e projetos pelos estudos e pesquisa sobre a realidade objetiva e a subjetiva dessa população.

O MVP é um método que pressupõe grande flexibilização para dar conta de situações econômicas, sociais, culturais e políticas muito variadas e adaptar-se sem restrição àquelas

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situações em que as pessoas e as famílias vivenciam situações de pobreza, de baixo grau de escolaridade e de desconforto perante as instituições públicas.

Esse método foi concebido para se desenvolver num processo continuado em todas as situações em que há membros de coletivos sociais interagindo de maneira orgânica ou sinérgica entre si, sem negar às pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos envolvidos o seu papel de sujeitos das decisões.

A elaboração de um plano é apenas o início motivacional e técnico para se implantar um processo continuado de planejamento. Além disso, o MVP pode ser compreendido e aplicado por pessoas com a mais elementar escolaridade mesmo levando em consideração que um dos princípios do MVP é se exercitar ao máximo a quantificação, sem fazer dela uma imposição, mas como convite a se estabelecer metas (objetivos quantificados) e a se assumir prazos para cumpri-las.

Por esses motivos é que o plano, o programa ou o projeto é aqui compreendido como um compromisso social das pessoas envolvidas perante o vir-a-ser de parte das suas vidas, um acordo ético entre elas com o coletivo social da qual compartilham. Compromisso esse que expressa intenções publicamente assumidas, vontades de fazer acontecer desejos e aspirações, sem necessariamente se estar sujeito a burocracias ou formas hierárquicas de autoridades ou de controles formais. É uma manifestação singela de autogestão ou do exercício da democracia direta.

O que perspassa todo o processo do MVP são os valores relacionados com a solidariedade, a gratuidade, o compromisso, a vontade de mudar e o desejo de alcançar metas. Até porque não haverá entre aqueles que participam da vivência do MVP nenhum compromisso formal com quaisquer instituições alheias às suas práticas sociais cotidianas. O compromisso esperado é de cada um consigo mesmo e com o coletivo da qual participa. É, sobretudo, com a dimensão ética que se está lidando.

2. PRESSUPOSTOS DO MVP

O método de tomada de decisões para a elaboração de planos, programas e projetos de desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental de caráter popular aqui sugerido é denominado de Método da Validação Progressiva – MVP e foi elaborado e experimentado a partir dos seguintes pressupostos:

a. É um método adaptado ao processo de decisões em coletivos sociais numericamente amplos, socialmente heterogêneos e com diversidade de gênero e de idade;

b. Como coletivo social se compreende o conjunto articulado e consensuado de pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos que buscam alcançar objetivos comuns por eles mesmos estabelecidos ou historicamente instituídos por práticas culturais e ou sociais consuetudinárias;

c. Considera a participação de pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos em coletivos

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sociais como um processo em que aí estão presentes como sujeitos de seus interesses, vontades, desejos e aspirações e como portadores de racionalidades distintas. Supõe, portanto, que as pessoas participantes num determinado coletivo social tenham consciência crítica dos temas e fatos --- e das circunstâncias que os determinaram e envolvem, que estão sendo objeto de debate e ou decisão durante a elaboração de um plano, programa e projeto. Ou, ao menos, que se encontrem num processo dialógico onde possam desenvolver a consciência crítica que consideram necessária e suficiente para se sentirem como participantes ativos desse processo de planejamento;

d. Considera que as tomadas de decisões em coletivos sociais será mais bem efetuada sob um regime político decisório de democracia direta, onde todos os envolvidos estejam presentes e atuantes como sujeitos ativos. Na hipótese de haver dificuldade para o exercício da democracia direta, as decisões tomadas nas instâncias decisórias formadas por representantes de interesses de pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos envolvidos deverão ser sempre legitimadas por cada uma das famílias singulares participantes, independentemente do número de instâncias de decisão intermediárias que houver entre a instância maior do coletivo social e as das famílias singulares ou outro referencial de base que o constitua;

e. Rompe com o procedimento tradicional de se iniciar a elaboração de planos, programas e ou projetos a partir de um diagnóstico formal da realidade para em seguida se alcançar a fase de tomada de decisões. O emprego do MVP inicia pela tomada de decisões, estas expressas nos interesses, desejos, vontades e aspirações das pessoas do coletivo social com relação ao campo temático que se deseja tratar como objeto do plano, programa ou projeto. Prossegue com a tomada de outras decisões com relação ao o que o coletivo social deseja e aspira alcançar, decisões essas que são organizadas numa matriz de objetivos e metas que se denomina de cenário desejado. Sendo um método para a tomada de decisões sociais nele não se privilegia os estudos e pesquisas geradores de diagnósticos e ou prognósticos;

f. O pressuposto adotado é de que os saberes presentes nas pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos são os necessários, ainda que não suficientes, para a tomada de decisões sobre os campos temáticos que escolheram. Na hipótese dos saberes presentes serem insuficientes se recorrerá adicionalmente a assessores técnicos ou a testemunhos de pessoas qualificadas para que se esclareçam as dúvidas;

g. Proporciona situações de reflexões e de tomadas de decisões numa dinâmica interativa do geral para o singular passando pelo particular, do coletivo social para cada uma das famílias singulares envolvidas, passando por outras instâncias decisórias intermediárias segundo cada contexto, de maneira a se construir um compromisso público com caráter indicativo entre cada uma das famílias singulares e o coletivo social, compromisso (plano, programa e ou projeto) esse que proporcione ao mesmo tempo referências futuras (cenários desejados) e as estratégias e os meios para alcança-las, e

h. Constrói uma relação progressiva de validação das decisões tomadas nos níveis do coletivo social e de cada uma das famílias singulares que seja ao mesmo tempo amplamente democrática e que proporcione um ambiente onde a conscientização sobre

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a inserção e a transformação do mundo se dê de maneira dialógica e libertadora.

3. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO MVP

O Método da Validação Progressiva – MVP resultou da experiência pessoal vivenciada pelo autor deste documento tanto em planejamento setorial e global desde o nível da unidade de produção rural até o nível nacional, tanto quanto dos processos de execução direta de planos, programas e projetos, nos de consultoria e nos de ensino sobre o assunto. A essa experiência de âmbito mais geral somou-se aquelas relacionadas com suas atividades de assessoramento a movimentos e organizações sociais e sindicais no campo, em particular com relação a coletivo sociais de reforma agrária e gestão de comunidades rurais.

Contribuíram indiretamente para dar corpo a essa proposta metodológica as opções do autor relacionadas com a necessidade de se realizar mudanças estruturais na sociedade brasileira objetivando a distribuição social da renda e da riqueza, a superação das relações sociais de produção que se caracterizem como de exploração da força de trabalho como a capitalista e a afirmação das pessoas como cidadãos numa sociedade civil renovada e constituída a partir dos anseios populares.

Um outro conjunto de opções, bastante próximas das anteriores, propõe a construção participativa de decisões em coletivos sociais numa dinâmica de processos educativos inspirados na metodologia da práxis e na pedagogia de Paulo Freire. Ademais, a concepção de planejamento como processo, aqui adaptada para a sua aplicação em coletivos sociais populares, ressalta e defende que os planos, programas e ou projetos, enquanto instrumentos do processo de planejamento, sejam elaborados visando não apenas a construção participativa de documentos, mas, antes de tudo, que esses produtos sejam assumidos como compromissos políticos e éticos das pessoas/famílias perante os coletivos sociais onde se inserem e destes coletivos sociais com as opções particulares das famílias que o constituem. Portanto, que se tornem produtos do processo da legitimação continuada e interativa de decisões entre o nível do singular (pessoa e ou família) e o do geral (coletivo social).

O conjunto de elementos conceituais que dão coerência ao MVP pode ser agrupado sob seguintes aspectos:

objetivos do MVP produtos e processos esperados validação progressiva das decisões processo dialógico de reflexão – decisão - ação explicitação do plano de desenvolvimento

A esse conjunto de elementos conceituais do MVP de certa maneira mais relacionados com o processo da educação e da participação social dever-se-á agregar aqueles referentes ao processo de planejamento compreendido como constituído por quatro fases: conhecer, decidir, agir e criticar. Ressalta-se que o plano, programa, projetos, estudos, diagnósticos,

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prognósticos, matrizes, indicadores, cenários, relatórios de acompanhamento e controle, avaliações etc são instrumentos desse processo geral de planejamento. Eles não se constituem em objetivos, mas em meios para a realização de mudanças tanto no nível do conhecimento como no da prática social.

A fase conhecer pressupõe no MVP os saberes, as capacidades e as habilidades das pessoas envolvidas e de seus assessores, todos eles potencializados pelas sinergias resultantes do compartilhamento e da interação entre os saberes dessas pessoas na vivência de um coletivo social. Como conhecer se subentende, portanto, a explicitação e aplicação dos saberes pessoais acumulados em relação aos desafios colocados pelos participantes de um coletivo social para fundamentarem e implementarem as decisões de mudanças que desejam encetar nas suas práticas sociais e ou familiares.

A fase decidir tem como conseqüência ou produto o plano, o programa e ou o projeto. Qualquer um desses instrumentos de planejamento é o registro gráfico (ou eletrônico) de decisões tomadas. Como esses instrumentos estão voltados para o futuro não tem cabimento a prática usualmente equivocada de neles registrar estudos, pesquisas etc, memórias e interpretações do passado. Estes devem ser registrados como anexos. Um plano é o registro do que se pretende realizar, logo, antecipação do futuro.

A fase agir refere-se aos procedimentos operacionais para a implantação do plano, programa e ou projeto.

A fase criticar abrange o que usualmente é denominado de M&A, ou seja, monitoramento e avaliação. O monitoramento envolve o acompanhamento e o controle.

Pode-se considerar que o M&A é uma forma de identificar, conhecer e corrigir os desvios em relação às diretrizes e às metas parciais traçadas para um conjunto articulado e determinado de processos de desenvolvimento planejado. Esse conjunto de processos articulados e determinado (dirigido a fins pré-estabelecidos) se denomina de sistema que persegue objetivos (e metas). Nos sistemas sociais e biológicos, ou sistemas abertos, que mantém interações muito intensas e nem sempre controláveis com o ambiente, na maior parte das vezes o subsistema de M&A opera por interação dinâmica. Isto significa que os objetivos, metas e diretrizes são revistos para que haja adaptabilidade dos processos em relação às alterações induzidas ou afetadas pelos fatores ambientais na dinâmica da organização ou do coletivo social que se considera como sujeito das decisões de mudar ou manter uma situação social dada.

Essas alterações nas metas e nas estratégias, e nos meios para alcança-las, determinadas pelas influências dinâmicas e quase sempre incontroláveis do ambiente externo (organizacional) dos sistemas sociais provocam mudanças ou adaptações nas decisões iniciais do coletivo social. Isso significa que o M&A, como um processo de conhecer, interage com a fase decidir e indiretamente com a agir no sentido de atualizar constantemente o plano elaborado e a forma de sua implantação. Por esse motivo o planejamento é considerado como um processo.

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3.1. Objetivos do MVP

São objetivos do MVP:

desenvolver seqüências lógicas facilitadoras de processos sociais participativos de tomada de decisão no nível de coletivos sociais de maneira que as pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos participantes possam incorporar tais procedimentos para a tomada de decisões como uma rotina nos seus cotidianos de vida;

elaborar planos de desenvolvimento das práticas sociais de coletivos sociais, sejam eles coletivo sociais de reforma agrária, comunidades rurais, cooperativas ou outras formas de associativismo, bairros rururbanos etc. Entende-se, neste contexto, como planos o conjunto que engloba o cenário desejado (conjunto coerente de metas) para um horizonte temporal determinado e os meios para alcança-los. Cenários e meios definidos para o nível geral do coletivo social e para o nível particular de cada família inserida nesse coletivo social;

criar condições de dialogicidade para que as pessoas envolvidas no processo de MVP possam refletir sobre suas realidades sociais, aprimorar suas capacidades lógicas de tomar decisões e melhorar seus conhecimentos e habilidades para introduzirem explicitamente o processo de planejamento em diferentes dimensões ou planos sociais de suas vidas.

Supõe-se, por princípio, que as pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos têm delineado subjetiva ou objetivamente os cenários desejados para as suas vidas, sejam eles concebidos com maior ou menor precisão, sejam eles baseados em explicações do mundo de natureza mágica, religiosa, do senso comum ou naquelas de natureza técnico-científica.

No processo de reflexão-decisão no âmbito do MVP esses cenários desejados pessoais e ou familiares serão externalizados para o coletivo social onde se inserem de maneira a que se possa alcançar a construção de um cenário desejado socialmente construído onde haja a possibilidade de compatibilização entre os cenários desejados pessoais e ou familiares e aqueles a serem desenvolvidos pelo conjunto do coletivo social. É esperado o aflorar de diversas tensões resultantes do ajustamento entre projetos singulares de vida e aqueles socialmente desejáveis. Esse processo de construção do socialmente desejável respeitando os particulares de cada família é desenvolvido pela validação progressiva.

Se os cenários desejados singulares (famílias) explicitados no coletivo social apresentarem maior ou menor rigor segundo os mais variados critérios, forem considerados utópicos ou exeqüíveis, tenham sido construídos a partir das “paixões” (desejos, aspirações e utopias) ou de racionalidades pessoais, etc, não significará que esses cenários sejam melhores ou piores que outros. Essa diversidade estará sendo estimulada a estar sempre presente de maneira que o cenário socialmente construído para o coletivo social (plano), assim como os meios para realiza-lo, seja produto da tensão singular – geral, consenso – dissenso, racional-passional que brota na dialogicidade entre pessoas, logo entre diferentes.

Será no processo de validação progressiva da tomada de decisões para a construção do cenário desejado para o coletivo social, num processo de problematização continuada a partir

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de aportes externos (conhecimentos de assessores ou de amigos), que esses cenários desejados irão gradativamente, ou não, adquirindo maior concretude face às limitações e ou potencialidades objetivas e subjetivas da vida social local, regional ou nacional.

A antecipação do futuro, essência de qualquer plano, não deveria prescindir nem dos interesses, desejos, vontades, aspirações e sonhos das pessoas e famílias, de grupos ou de coletivos sociais, nem da utopia que essas pessoas tenham a coragem de externar perante seus pares. A cumplicidade entre as pessoas que se estabelece num exercício de democracia direta é produto de um processo de construção da confiança mútua e da certeza de que as declarações das vontades pessoais serão recebidas como um ato de querer-vir-a-ser livre de admoestações.

3.2. Produtos e processos esperados

Os produtos esperados pela implantação do MVP são:

no nível macrosocial ou do coletivo social:

um macrocenário desejado elaborado ou construído, quantificado e qualificado, para um horizonte temporal dado;

as estratégias para se alcançar as metas estabelecidas nesse macrocenário; os meios materiais, financeiros, tecnológicos, organizacionais e de pessoal para se

alcançar o macrocenário desejado elaborado; uma proposta de formação de pessoal envolvido para a viabilização do cenário

desejado com os meios disponíveis e potenciais.

no nível microsocial ou de cada família singular envolvida:

um microcenário desejado elaborado ou construído, quantificado e qualificado, para um horizonte temporal para cada família singular participante do coletivos social;

as estratégias para se alcançar as metas estabelecidas nesse cenário; os meios materiais, financeiros, tecnológicos, organizacionais e de pessoal para se

alcançar o microcenário desejado elaborado; formas de cooperação interfamiliares que serão necessárias para potencializar a

força de trabalho familiar; uma proposta de formação dos membros da famílias para a viabilização do

microcenário desejado com os meios disponíveis e potenciais.

Os processos esperados pela implantação do MVP são:

no nível macrosocial ou do coletivo social:

desenvolvimento continuado da capacidade de decisão coletiva em processo interativo de validação progressiva das decisões com diversas outras instâncias decisórias;

estabelecimento de compromissos coletivos, sistematicamente reiterados, com relação à implantação do macro e dos micros cenários desejados estabelecidos para

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o nível macro ou do coletivo social; aprimoramento dos mecanismos de validação progressiva como caminho

intermediário entre a democracia representativa e a democracia direta; capacitação continuada de novos métodos de quantificação das decisões

relacionadas com o coletivo social.

no nível microsocial ou de cada família envolvida:

desenvolvimento de conhecimentos e habilidades por parte de cada família para o uso cotidiano da quantificação no estabelecimento de metas e de meios para alcança-las em distintos planos sociais de suas vidas (outros campos temáticos distintos dos adotados para o coletivo social);

desenvolvimento de capacidades para o manuseio de cifras, tabelas e ou matrizes e gráficos que expressem algumas das dimensões das suas realidades sociais;

envolvimento de todos os membros das famílias nos processos decisórios do coletivo social como parte relevante das suas práticas sociais.

Esses cenários desejados construídos sobre declarações de interesses, desejos, vontades e aspirações pelos participantes sujeitos da elaboração dos planos, ainda que gestados a partir da fusão eclética entre as suas percepções do concreto real que vivenciam e da gama variada e contraditória de interesses, desejos, vontades e aspirações, constituem o ponto de partida do MVP.

A prospecção “técnico-científica” do futuro macroeconômico, social, político ou ambiental poderá ser realizada com maior ou menor propriedade dependendo do acervo de dados históricos disponíveis, da capacidade teórica e aplicada de interpretação das tendências e de uma conjuntura dada, dos métodos de projeção e das hipóteses técnico-científicas adotadas. Porém, no nível do indivíduo, das famílias singulares e do grupo social de base (grupo onde prevalecem as relações interpessoais cotidianas face a face), essa prospecção possui grau muito baixo de certeza. Ora, se é alta a incerteza sobre o futuro as decisões de médio e longo prazo, digamos acima de um ano, no nível das pessoas, famílias e ou grupos sociais, elas deverão apresentar flexibilidade para que se garante boa adaptabilidade na aplicação dos meios para não se comprometer as metas estabelecidas.

E, quanto maior a incerteza na prospecção do comportamento das pessoas e na possibilidade efetiva de alocação dos recursos, mais perto se está do desejo, da aspiração e dos sonhos. Quem sabe da esperança e da utopia.

Essa dimensão subjetiva é essencial para se elaborar planos de maneira participativa com as populações, sejam elas mais ou menos pobres, e que têm na tradição oral o veículo mais completo de expressão das suas opiniões.

3.3. Validação progressiva das decisões

Como validação progressiva se compreende o processo de legitimação continuada e progressiva das macrodecisões (assumidas no nível dos coletivos sociais) em interação constante com as microdecisões (no nível de cada família singular) tomadas durante todo o

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processo de elaboração de um plano, programa ou projeto para um coletivo social dado.

A validação refere-se à legitimação progressiva das decisões que ocorrem entre as diversas fases de um processo decisório envolvendo pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos que possam constituir um coletivo social para a elaboração de um plano, programa ou projeto de desenvolvimento que interferirá sobre as suas vidas.

A tese aqui implícita é que a decisão final, considerando-se as características político-ideológicas e culturais dominantes na sociedade brasileira contemporânea, será sempre a da família singular (ou no limite das pessoas que a constitui), mesmo que entre ela e o coletivo social a que se considerada integrada ou tenha relações de pertencimento, identidade ou de associação por interesse, haja mediações através de grupos, núcleos ou associações de representação. A decisão tomada nos níveis coletivos terá sempre caráter indicativo em relação ao comportamento esperado da família e dos indivíduos que a constituem. As decisões finais do plano que se expressarão nos macrocenários desejados (nível do coletivo social objeto do plano) e numa matriz de tantos microcenários desejados quantas foram as famílias singulares que se envolveram nesse compromisso social de elaborar o plano, serão produto dessa tensão entre o geral (coletivo social) e o singular (família).

A hipótese sempre presente na progressividade da validação é que a representação de interesses, ainda que possa ser legítima, necessita ser reafirmada a cada passo do cotidiano pelas famílias singulares, em especial naqueles agrupamentos ou coletivos sociais que se encontram ou em situações sociais marcadas pela exclusão social, pela pobreza e pelo autoritarismo.

A validação progressiva no âmbito deste método de tomado de decisões tem como pressuposto que as pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos sabem o que querem para o devir das suas vidas (cenários desejados) ou, se têm dúvidas sobre isso, serão capazes de equaciona-las sempre que tenham espaço dialógico e liberdade política e cultural para manifestarem seus interesses, desejos, vontades e aspirações, e para construírem compromissos consigo próprios e com os seus pares.

Não caberá aos responsáveis pelo assessoramento no desenrolar do MVP a decisão sobre a pertinência dos cenários escolhidos pelos sujeitos do plano. A eles compete problematizar esses cenários à luz de outros conhecimentos, sejam eles relativos a uma outra percepção da realidade objeto do plano sejam os seus próprios de natureza técnico-científica, de maneira que os sujeitos do plano possam gradativamente ir percebendo novas dimensões da realidade, outras maneiras de se estudar o concreto real em que se inserem ou de melhor relacionarem desejos e aspirações com os meios materiais para concretiza-los.

3.4. Processo dialógico de reflexão – decisão – ação

O objeto privilegiado do MVP é a dinâmica de tomada de decisões no processo de planejamento econômico, social, cultural e ambiental para a geração de renda e a organização social vivenciadas por pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos cuja prática social é marcada por intensa interatividade social, em geral devida às circunstâncias que determinaram sua presença num território dado como um coletivo social de reforma agrária, coletivo sociais

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de populações involuntariamente deslocadas de seus locais de origem pela presença de grandes obras públicas, povos indígenas parcialmente camponeizados, comunidades ou bairros rurais e ou urbanos historicamente estabelecidas, cooperativas de produção e ou de serviços etc.

A validação progressiva de decisões dá-se pela reflexão dialógica e pressupõe que as pessoas e ou famílias envolvidas desejem estabelecer rumos explícitos para uma parte de suas vidas, parte essa em geral relacionada com os processos de geração de renda e de organização social em que estão envolvidos.

O MVP não busca nem pretende equacionar, pelos procedimentos que aqui são expostos, a problemática pessoal ou familiar isoladamente sob qualquer abordagem ou intenção a não ser pelos benefícios indiretos que sejam conseqüência das sinergias desenvolvidas durante as atividades de implantação do método aqui considerado.

O MVP é antes de tudo um processo de reflexão dialógica sobre a construção do futuro das pessoas envolvidas e das famílias em coletivos sociais. Apóia-se, enquanto processo educativo, na pedagogia da práxis, conforme as proposições de Paulo Freire e de Moacyr Gadotti, entre outros educadores com idéias e proposições similares. E, do ponto de vista do planejamento, nas próprias proposições já desenvolvidas pelo Autor deste documento.

A reflexão dialógica tem início com a definição do sujeito da ação e seu território. Em seguida com a escolha do que aqui se denomina de campo temático. Num coletivo social de reforma agrária, numa comunidade rural, num território coberto por uma cooperativa ou associação, num bairro urbano etc há, sem dúvida, inúmeros temas ou questões que estimulam as pessoas a tentarem organizar suas vidas futuras. Temas como emprego, produção, infraestrutura e serviços sociais como água, luz, esgotamento sanitário, transportes, educação, cooperação mútua, saúde, lazer etc que, de fato, afetam positiva ou negativamente o cotidiano das pessoas e podem se tornar campos temáticos ou os objetos da reflexão e da ação a ser planejada.

Tradicionalmente, quando se ensaia elaborar um plano, programa ou projeto, envereda-se pela opção da máxima abrangência temática, seja em nome da totalidade seja pela suposta ótica sistêmica de que tudo se relaciona. Sem dúvida que na prática social as coisas ocorrem assim, tudo se relaciona dialeticamente. Porém, no imaginário das pessoas e do ponto de vista das suas opções conjunturais nem sempre um determinado campo temático apresenta-se com importância tal que mereça ser privilegiado por elas como objeto de um processo de planejamento. Então, prioridades são estabelecidas, não a partir dos educadores e ou técnicos que assessoram a implantação e desenvolvimento do MVP, mas pelas pessoas e famílias que serão os sujeitos do processo em implantação.

Como os instrumentos de planejamento tais como o plano, programa ou projeto são concebidos neste MVP como um compromisso entre as pessoas envolvidas, e somente entre elas, é de fundamental importância que as decisões sobre os campos temáticos que serão objeto da ação do MVP num determinado contexto sejam objeto de exaustivas proposições e debates.

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A definição dos campos temáticos que serão objeto da ação do MVP está de certa maneira, senão inteiramente em muitos casos, relacionada com o que se denominada de estabelecimento ou construção da problemática.

Na elaboração de um plano, programa ou projeto a construção do problema que será objeto de conhecimento e, supostamente, de intervenção planejada é um dos pontos mais sensíveis tendo em vista que o esperado com o plano é a superação desse problema e a afirmação de novas realidades sociais.

Por uma possível influência das idéias positivistas ou de comportamentos reprodutores dessas idéias o processo de construção do problema no âmbito daquelas populações em situação de pobreza relativa foi sempre marcado pela identificação daquilo que não se tem ou, sob a ótica da exclusão, das carências que supostamente pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos revelam em face de um referencial de qualidade de vida ou de renda familiar implícito seja no imaginário de cada pessoa seja nas concepções de mundo dos assessores ou responsáveis por equipes de planejamento.

A abordagem na construção do problema que se inicia pelas carências das populações, carências nas suas mais diversas acepções, introduz na reflexão dialógica os aspectos negativos do não ter e do não ser, mascarando aquelas possibilidades e potencialidades quantitativas e qualitativas do que já se tem e se é, por menores ou mais simples que sejam essas conquistas e realizações.

No MVP objetiva-se ressaltar o que se tem, o que se é e o que se deseja ser e ter. Valorizar o existente e lutar por um vir-a-ser a partir dos interesses, desejos, vontades e aspirações das pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos em relação a campos temáticos por eles mesmos estabelecidos é o fundamento para o início da reflexão dialógica não sobre o concreto-real, mas sobre o vir-a-ser socialmente construído a partir das utopias de cada um dos presentes no coletivo social.

Essa proposta de se iniciar a construção do problema pelas declarações sobre o futuro que se deseja alcançar objetiva por um lado romper com as mesmices de se identificar itens de deveriam constituir uma lista de questões a serem resolvidas, listagem essa mecanicamente construída e que ressalta o lado negativo da vida social do coletivo social objeto da ação de planejamento.

Por outro lado, considerando-se que a ideologia dominante tende a ser a ideologia da classe dominante é provável que o conjunto das populações em situação de subalternidade econômica e social reproduza e tenha como referência, com o ecletismo que constitui os saberes populares, as idéias e ideais dominantes. A reprodução da concepção de mundo dominante no nível mais geral da sociedade faz-se de maneira difusa e permeada de novos saberes, hábitos, mitos, crenças e verdades referendadas pela prática popular empírica. Produz-se dessa maneira, no nível da maioria a população, o senso comum.

Nessa perspectiva tudo leva a crer que a maioria da população em situação de pobreza relativa assuma, sem a consciência crítica necessária devida à sua inserção de classe, os

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valores dominantes como o individualismo, a competição, o consumismo e, no que se refere, à produção agropecuária e extrativista, os modelos de produção e tecnológico capital intensivo e de monocultura praticados pelos grandes capitalistas no campo. E, na cidade, reproduzam a ideologia que justifica que “um emprego é melhor do que o desemprego”, aceitando passivamente a crescente exploração do trabalho e que uma favela urbanizada é melhor do que viver em situações irregulares de moradia, sem se darem conta das perdas continuadas de qualidade de vida e de trabalho.

Como as idéias e proposições contra-hegemônicas nem sempre conseguem alcançar parte substancial das classes populares e os meios para implanta-las são barrados pelas políticas públicas reprodutoras dos interesses do grande capital dominante, a massa de trabalhadores urbanos, assalariados rurais e camponeses fica sem acesso aos conhecimentos que lhe seriam favoráveis e, provavelmente, orgânicos às suas condições reais de recursos materiais e financeiros, de capacidade de investimentos e de gestão do seu empreendimento.

A história contemporânea da exclusão social na área rural, por exemplo, tem evidenciado que os pressupostos para a acumulação ampliada do capital no campo baseado no modelo agrícola para a grande empresa rural não se coaduna com as possibilidades e recursos disponíveis das unidades de produção camponesa e dos pequenos agricultores familiares. Ao contrário, a adoção desse modelo dominante por parte dos camponeses e agricultores familiares tem aumentado a exclusão social no campo.

É usual que na elaboração de um plano de desenvolvimento ou de recuperação de um coletivo social de reforma agrária, de uma comunidade rural, de uma cooperativa de pequenos produtores etc haja uma tempestade de idéias nas reuniões iniciais do coletivo social na qual são listadas inúmeras queixas, debilidades e o que se considera problemas do coletivo social em que se inserem. Quase sempre essa listagem de problemas tem pertinência conjuntural em decorrência das dificuldades que os membros das classes populares encontram para a sua reprodução social. Os estudos que se reúnem sobre o nome de diagnóstico nem sempre dão conta das causas estruturais e conjunturais que geram essas dificuldades. Mesmo quando alcançam esse nível de explicação causal e buscam soluções para superar as principais causas de alguns problemas que se considerou como prioritários esbarra-se na falta de meios materiais, pessoais e financeiros para supera-las. E, mais ainda, nem sempre coincidem com os interesses, desejos, vontades e aspirações que as famílias possuem, com as expectativas do seu vir-a-ser e sobre o seu que-fazer.

Na maioria das vezes os planos de desenvolvimento de coletivo sociais de reforma agrária ou similar tornam-se inócuos pela impossibilidade de equacionarem a contradição entre a demanda elevada de empréstimos de recursos financeiros a baixos custos e a inexistência da oferta desse dinheiro pela política governamental ou por outras fontes de crédito. Ademais, quando há recursos disponíveis como o crédito rural subsidiado, em geral sempre em volume inferior ao mínimo desejado e ofertado fora das épocas agrícolas adequadas de aplicação, a ideologia dominante que move a burocracia pública direciona, através da racionalidade econômica capitalista e a dos interesses dos grandes grupos econômicos, a aplicação desses recursos para a adoção do modelo de produção e tecnológico dominante tipo capital-intensivo e monocultura agroexportadora.

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A tese aqui defendida para a construção da problemática tem como ponto de partida a definição dos campos temáticos e a elaboração de cenários desejados sobre tais temas. Cenários esses que são construídos a partir dos interesses, desejos, vontades e aspirações das pessoas envolvidas no coletivo social objeto de planejamento, e sujeitas do plano, independentemente da leitura que elas fazem das suas realidades e das suas possibilidades efetivas.

Neste método a problemática não se configura como um conjunto de questões negativas que se deseja superar, articuladas ou não entre si. Ao contrário, serão os cenários desejados construídos pelas pessoas envolvidas a partir de seus interesses, desejos, vontades e aspirações que será objeto de problematização. Portanto, problema não é um obstáculo ou uma listagem de itens que expressem aquilo que falta ou o que não deu certo. Ao contrário, o que se constrói é um cenário que expresse os interesses, desejos, vontades e aspirações das pessoas. Esse cenário torna-se epistemologicamente uma problemática quando confrontado dialogicamente com as estratégias para sua efetivação e com o acesso e controle dos meios disponíveis e potenciais para concretiza-lo durante o processo de problematização.

A problematização dessa problemática (questionamento sobre a viabilização dos cenários desejados), através do confronto amoroso entre saberes populares e eruditos, é que permitirá se construir o problema objeto do plano: ajustar e viabilizar os cenários desejados perante os meios disponíveis e potenciais de sua realização.

Esse processo de construção do problema segue os seguintes passos, todos eles recorrentes entre si: problemática, problematização e problema. Nessa perspectiva, alguns pressupostos são adotados, como segue:

Problemática : síncrese dos interesses, desejos, vontades e aspirações das pessoas enquanto coletivo social e sujeitos do plano e articulados tecnicamente em cenários desejados de curto e de médio prazo sem sofrer a reflexão crítica da concepção de mundo em presença e da viabilidade de realização.

Considerando-se que as idéias dominantes são reproduzidas pelas classes subalternas, mesmo sem que se tenha a consciência dessa hegemonia, tudo leva a crer que os interesses, desejos, vontades e as aspirações manifestadas pelas pessoas partem de referenciais colocados pela sociedade abrangente sob a direção intelectual e moral das classes dominantes. Esses valores gerais dominantes impregnam os cenários desejados, ainda que estes sejam expressam de propostas de mudanças na situação real das pessoas. Portanto, essa problemática é colocada de fato pelas idéias dominantes que nem sempre são pertinentes às condições objetivas e subjetivas de reprodução dos meios de vida e de trabalho das classes populares rurais e urbanas.

Problematização : processo onde se submete a problemática anteriormente delimitada ou os cenários desejados aos pressupostos de uma teoria ou de diversas hipóteses formuladas a partir de outras concepções de mundo que não a hegemônica.

A problematização opera um processo dialético de negação e superação da

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problemática formulada de maneira empírica e subjetiva. O questionamento dos cenários desejados a partir de novos referenciais colocados pelos assessores e testemunhas de outras experiências de mudanças sociais busca evidenciar contradições entre o desejado e o possível, assim como ampliar as alternativas de estratégias de concretização do cenário desejado.

Problema : o conjunto articulado de desafios para a viabilização do cenário desejado elaborado pelo coletivo social que se constituiu como objeto de estudo ou de intervenção durante a problematização da problemática.

Na abordagem aqui sugerida o problema desloca-se de uma listagem de carências das pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos do coletivo social considerado para a resposta a desafios objetivando implantar um cenário desejado para o coletivo social. Nessa perspectiva o caminho da reflexão dialógica está voltado sempre para o futuro e leva em conta o presente e o passado desse coletivo, assim como da sociedade em que está inserido, como elementos a serem ora ultrapassados ora reafirmados segundo os interesses, desejos, vontades e aspirações agora criticamente constantes do cenário desejado após a problematização.

No MVP, a construção do problema (tomada de decisões sobre alternativas para se viabilizar um cenário desejado) dá-se por aproximações sucessivas. Ela precede a elaboração do plano de maneira bastante sutil, pois, ao mesmo tempo em que se problematiza (crítica teórica e prática ao cenário desejado construído) a problemática (viabilidade econômica, social, política e ambiental de um cenário desejado) para a construção do problema, este já delineia as alternativas potenciais e possíveis para a viabilização do cenário desejado. O plano, enquanto documento que registra as decisões relativas à alternativa escolhida (cenário desejado reajustado), à estratégia a ser adotada para sua implantação e a alocação dos recursos, é produto da superação do problema construído (alternativas para se viabilizar um cenário desejado).

Até a fase final da elaboração do plano o processo de validação progressiva é continuado devido a duas premissas: primeira, porque na elaboração de um plano a dúvida é constante e, segundo, pela necessidade implícita ao MVP de legitimação progressiva das decisões tomadas tanto no nível macro do coletivo social como no nível micro das famílias singulares que constituem o coletivo social.

.A hipótese geral adotada é de que a consciência das dificuldades ou dos entraves para a consecução dos interesses, desejos, vontades e aspirações, estes expressos no cenário desejado (metas a serem alcançadas num horizonte de tempo dado), só será efetivamente percebida pelas pessoas sujeito do plano a partir da demanda real de conhecimentos que serão determinados pela confrontação entre metas desejadas e os meios para alcança-las (problematização).

Essa tomada de consciência do fosso entre o desejado e o possível, face aos recursos disponíveis ou alcançáveis e às limitações políticas definidas na correlação de forças vigentes, exige uma construção delicada e rica de nuances subjetivas de tomada de várias decisões tanto no nível do coletivo social como no das famílias singulares. O fluxograma no final deste

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documento sintetiza esse processo de construção do problema e o de tomada de decisões para o plano.

Favorecer o desabrochar da consciência crítica sobre a realidade vivenciada pelos sujeitos

do plano demanda um processo de participação bastante complexo para que o seu desenrolar proporcione os tempos culturais e pessoais necessários para as pessoas e os coletivos sociais se sentirem seguros e desejosos, objetiva e subjetivamente, de tomarem decisões públicas (perante o coletivo social) sobre o futuro das suas vidas.

Pode-se sugerir que o MVP busca uma construção artesanal das descobertas pessoais, familiares, de grupos sociais e ou povos sobre o que-fazer. Esse desnudamento do imaginário sobre o porvir dar-se-ia numa dinâmica interativa da validação progressiva dessas descobertas entre as pessoas e os coletivos sociais, passando pelos diversos níveis de mediação como a famílias, núcleos de base, associações etc, sempre que desejado pelos participantes. Um amplo, diversificado e contraditório processo de participação social é estimulado.

Alguns critérios devem ser respeitados com relação à participação social:

A participação social é um processo que necessita ser continuadamente apreendido;

Na elaboração participativa de um plano de desenvolvimento, onde diferentes dimensões da vida das pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos são tratadas, é necessário se compreender que a noção de participação reveste-se de um caráter polissêmico: as pessoas (assim como suas formas de gregarismo) no cotidiano das suas vidas vivenciam diferentes planos sociais (afetivo, religioso, econômico, lazer, político etc) com graus diversos de intensidade dependendo da história pessoal, do tempo e do lugar. Portanto, as pessoas não estão necessariamente disponíveis, objetiva e subjetivamente, para participação em reflexões e decisões sobre este ou aquele assunto em qualquer tempo ou lugar. Isso não quer dizer que não desejam participar “nunca mais” de tal ou qual processo, mas preferem dar conta primeiro de outros desafios ou demandas. Então, torna-se necessário garantir tempos de espera para que as famílias alcancem disponibilidade para participarem da elaboração do plano;

A linguagem mítica da participação expressa na assertiva de que todos querem participar para a resolução de seus problemas desconhece essas prerrogativas do sujeito da participação e o torna um objeto que deve participar sempre que convocado. Essa cultura domesticadora nega a participação consensuada, tornando-a uma participação do tipo constrangida1;

A participação social é uma práxis social plena de contradições, as quais possivelmente serão percebidas e superadas na própria prática da participação ativa das pessoas como sujeitos dos seus interesses, desejos, vontades e aspirações, quiçá utopias. Essas contradições, entretanto, nem sempre podem ser superadas. Somente a prática da

1 Carvalho, Horacio Martins (1994). A participação e a organização consensuadas como uma das dimensões da cidadania. Curitiba/Brasília, Projeto Áridas, políticas para o desenvolvimento do nordeste semi-árido. Grupo de trabalho Integração com a sociedade, tema Participação e cidadania, IICA/PNUD.

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participação poderá estabelecer os graus de consenso que serão obtidos. A presença do dissenso é prerrogativa da participação consensuada, no sentido de esta não ter sido estimulada por constrangimentos.

Porque se supõe que esses critérios devem ser respeitados e que a participação é um processo social de afirmação continuada da presença de uma pessoa que deseja ser sujeito das suas decisões perante outra pessoa e ou coletivo social que se comportam, por sua vez, também como sujeitos para encontrarem entre si modos comuns de convivência, é que se considera a participação como um processo a ser construído em cada circunstância. Portanto, sabe-se que é possível desencadear um processo de participação, mas a partir daí os tempos de construção da participação ativa em cada caso e circunstância serão próprios, sem previsões.

3.5. Estrutura do plano de desenvolvimento

Entre os objetivos do MVP, conforme seção 3.1, anterior, encontra-se o de elaborar um plano de desenvolvimento das práticas sociais do coletivo social. Ainda que um plano de desenvolvimento seja um dos diferentes instrumentos do processo de planejamento e produto esperado de um amplo processo de validação progressiva de decisões, esse plano é considerado no âmbito dos pressupostos do MVP como um compromisso social e político entre os participantes do coletivo social em que se inserem.

O caráter desse compromisso é ético. Portanto, repousa em valores sobre os quais houve amplo diálogo entre os participantes. Os objetivos, metas e meios para alcança-las estabelecidos durante a validação progressiva das decisões tem caráter indicativo, tanto para o coletivo na sua totalidade como para as famílias singulares que o constituem.

São três os resultados gerais que se espera alcançar com a implantação do MVP:

plano do coletivo social elaborado, com decisões quantificadas, e com intensa participação grupal e das famílias singulares;

dinamização dos processos de participação interna e valorização da organicidade do coletivo social;

introdução do processo de planejamento no cotidiano da vida das famílias e do coletivo social como um todo.

Os dois últimos resultados são de caráter processual e conseqüência do processo de validação progressiva e da dinâmica educacional nele contemplada. Já o plano é um documento que se espera permaneça como registro das decisões, mas que no essencial o que se procurou foi o compromisso de buscar a consecução das metas por todos aqueles (famílias, grupos e todo o coletivo social) que se encontraram como sujeitos do plano.

O plano, enquanto documento, é a formalização de um compromisso público entre os participantes singulares que constituem o coletivo social objeto do plano. Como tem caráter indicativo e não normativo esse compromisso será cumprido com maior ou menor intensidade

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dependendo da legitimidade do processo de sua elaboração.

A matéria constante de um plano elaborado pelo Método da Validação Progressiva - MVP tem como centro os cenários desejados macros e os micros, e os cenários atuais correspondentes, assim como os meios para a consecução das metas dos cenários desejados macros e micros.

É muito importante que a redação do plano em relação aos cenários e meios seja fiel ao que foi deliberado durante a sua elaboração, inclusive incorporando expressos locais e regionalismos dos sujeitos do plano. Como o plano representa um compromisso é preciso que ele corresponda ao validado nos Passos Lógicos 6 e 7, conforme adiante expostos no cap. 4.

Outros registros poderão constar do plano tais como o resgate histórico do coletivo social do ponto de vista não da burocracia pública ou dos assessores, mas dos sujeitos do plano, a organização atual do coletivo social e os grandes desafios a que se prepuseram. Outras dimensões como aquelas relacionadas com a infraestrutura social e a produtiva, muitas vezes fora do controle dos sujeitos do plano e pela falta de acesso aos meios para realiza-las, poderão ser apresentadas apenas como indicativos de projetos que serão objetos de ação política e social particular.

Uma sugestão sobre os componentes mínimos de um plano seria a seguinte, aqui apresentada à guisa de ilustração:

memória histórica do coletivo social à luz dos sujeitos do plano contextualização econômica, social cultural e política do coletivo social cenários desejados macro e micros estratégias gerais de ação por campo temático matriz de produção e tecnológica desejada beneficiamento de produtos e subprodutos formas e níveis de cooperação demanda de recursos financeiros organização da gestão do coletivo social.

4. SEQUÊNCIA LÓGICA DO MVP

4.1. Fases para a implantação do MVP

A implantação do MVP deverá seguir os passos lógicos que serão expostos adiante (seção 4.2), ainda que passível de sofrer adaptações para responder aos distintos contextos em que possa ser implantado. Esses passos lógicos devem ser considerados durante a aplicação do MVP para que se possa atender aos pressupostos definidos no cap. 2, anterior. Como o MVP é um processo educativo, a sua implantação dá-se através de cursos e ou oficinas onde se combinam os aspectos teóricos e os aplicados para que se alcance os produtos e processos esperados conforme sugeridos na seção 3.2, anterior.

A tomada de decisão dar-ser-á em três níveis básicos: nível macro ou o da coordenação do coletivo social; nível micro ou o de cada família singular que constitui o coletivo social; e

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nível meso (poderá ser mais de um nível meso), ou seja, a instância imediatamente acima de cada família singular e constituída por 7 a 10 famílias reunidas entre si por critérios de afinidades, de vizinhança, etc. definidos e consensuados no nível macro.

A experiência acumulada na implantação do MVP tem demonstrado que cada curso deverá contemplar ao menos três módulos para que haja uma separação didática dos conteúdos do processo de tomada de decisões (passos lógicos) que serão desenvolvidos durante todo a seqüência lógica de implantação do MVP.

O processo de implantação do MVP tem início na coordenação geral do coletivo social (nível macro), mas deve alcançar cada família singular (nível micro) para todas as decisões que forem tomadas. As instâncias intermediárias (níveis meso) participarão dos processos decisórios, sendo recomendável que a instância em nível imediato aos da família singular sempre deva ser contemplada. A dinâmica desse processo de decisões entre as instâncias constitui a validação progressiva das decisões.

A implantação do MVP dá-se através de cursos e ou oficinas divididas em, no mínimo, três (3) módulos. Cada módulo é dividido em duas fases: uma fase (fase 1) sob a orientação direta do responsável didático pela implantação do MVP e uma outra fase (fase 2), em seqüência da primeira, sob a responsabilidade da coordenação geral do coletivo social e contando com a automobilização de todos os participantes desse coletivo social.

A fase 1 de cada módulo é composta de tempo em sala de aula e tempo no campo. A fase 2 é concretizada predominantemente em tempo de campo, havendo atividades no escritório relacionadas com a organização das atividades dessa fase, preparação de formulários para entrevistas, tabulações de dados, diálogos com as famílias singulares e com os coletivos no nível intermediário (meso), etc.

Cada um dos três módulos do curso de MVP é constituído, portanto, de duas fases. A fase 1 de cada módulo tem duração média de 24 a 32 horas/aula, sendo previsto 8 horas aula/dia, num total geral de três a quatro dias. Nessa fase 1 predomina o tempo em sala de aula, havendo contudo idas a campo para diálogo com as famílias singulares.

A fase 2 de cada módulo é desenvolvida pela coordenação do coletivo social com o apoio de assessores num processo de automobilização do próprio coletivo social cujos objetivos e procedimentos foram apresentados durante a situação de sala de aula. Essa fase 2 demandado aproximadamente 10 a 15 dias de atividades de uma equipe de coordenação do coletivo social e de assessores, dependendo do tamanho do coletivo social e da sua capacidade interna de automobilização.

Sugere que os seguintes Passos Lógicos sejam tratados num mesmo módulo. Entretanto, essa opção dependerá de cada coletivo social e de cada contexto objetivo.

Módulo 1. Passos lógicos de 1 a 4, assim distribuídos: Fase 1: passos 1 e 2 Fase 2: passos 3 e 4

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Módulo 2. Passos lógicos de 5 e 6, assim distribuídos: Fase 1: passo 5 Fase 2: passo 6

Módulo 3. Passos lógicos 7 e 8, assim distribuídos: Fase 1: passos 7 Fase 2: passos 8

A Fase 1 de cada módulo é predominantemente de tempo aula ou em sala de aula. O tempo aula é de responsabilidade do consultor ou monitor responsável geral pela implantação do MVP num determinado coletivo social. É, portanto, responsabilidade de um sujeito externo ao coletivo social. Mesmo quando na Fase 1 há idas à campo ela se dá como exercício de participação e desenvolvimento da dialogicidade, em situação de aprendizagem.

Já a Fase 2 de cada módulo é sempre ou predominantemente de tempo campo, ou seja, nas instâncias decisórias da família singular ou em outras intermediárias entre essa instância de base e o coletivo social . Esse tempo campo ocorre após o encerramento do tempo aula, entre uma fase e outra. Há algum tempo campo durante o tempo aula. Mas, a responsabilidade pela realização do tempo campo é da coordenação e ou assessoria local do coletivo social objeto de planejamento.

4.2. Passos lógicos

O MVP foi concebido para ser implantado e desenvolvido numa seqüência lógica, composta de oito (8) Passos Lógicos, número esse que poderá ser ampliado ou reduzido em alguns passos sem que necessariamente se comprometa negativamente o conjunto da iniciativa de validação progressiva das decisões. Essa opção por reduzir ou ampliar os passos lógicos não se daria “à priori”, mas no próprio processo de implantação do MVP e em decorrência das reflexões e decisões tomados pelo coletivo social sujeito do MVP.

Os passos lógicos aqui sugeridos ensaiam dar conta dos pressupostos, objetivos, produtos e processos a serem alcançados e da dinâmica da validação progressiva, todos eles obtidos num processo continuado de reflexão-decisão-ação dialógicas.

Passo 1. Definição do sujeito e do objeto da ação.

Abrangência :

Definição do conjunto de pessoas, famílias, grupos sociais e ou povos participantes da elaboração do plano (tempo aula),

Delimitação do território a ser considerado (abrangência geopolítica) (tempo aula),

Definição da unidade de base de referência (tempo aula), Definição dos campos temáticos que serão objeto do plano de

desenvolvimento e o(s) horizonte(s) (em anos) para o plano (tempo aula), Definição dos indicadores ou descritores das atividades-fim que serão

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utilizados para a mensuração de cada subcampo temático (decomposição do campo temático em subtemas) que permita a definição de metas para o(s) horizonte(s) do plano estabelecido (tempo aula)

Propósitos :

Essas decisões estabelecerão os sujeitos do plano, o território a ser abrangido e as instâncias decisórias entre a família e o coletivo social que serão objeto do processo de validação progressiva na do MVP.Sugere-se que a família singular (em casos particulares a pessoa) seja considerada como a unidade de base de referência. Essa unidade de base poderá ser completada por outra unidade de referência como a unidade de produção e ou extrativista rural, a unidade de beneficiamento, o lote rural ou urbano, a residência, etc. e as instâncias de decisão coletivas intermediárias entre a família e o coletivo social constituído por elas.Delimitação do objeto do plano a partir do debate crítico entre os membros da coordenação do coletivo social e os assessores externos sobre os desejos e aspirações de melhoria das condições de vida e de trabalho dos sujeitos do plano.Nos procedimentos convencionais utiliza-se uma listagem apriorista do que se deve estudar e sobre o que se deverá decidir, ou seja, dos campos temáticos que deveriam compor um plano. Essa ortodoxia tende, em geral, a elaborar planos contemplando os mais diversos aspectos de um coletivo social, pressupondo que essa suposta visão da totalidade contribua para a sua consecução.O pressuposto aqui adotado é de que o objeto do plano deveria estar próximo daquele conjunto de campos temáticos sobre os quais os sujeitos do plano têm controle efetivo da sua realização e das mudanças que lhes aprouver. Os demais deveriam ser apenas citados como projetos a serem elaborados. Por exemplo, se os um coletivo social de assentados de reforma agrária já receberam todos os créditos relativos à implantação e consolidação desse coletivo social e ainda não possuem rede de energia elétrica, de nada valerá constar do plano de maneira detalhada as metas etc relativas a esse campo temático. Isso porque a possibilidade efetiva de se obter recursos financeiros para a implantação da rede de energia elétrica dependerá de lutas sociais específicas, fora do controle atual dos sujeitos do plano. Essas lutas dependerão da correlação de forças num dado momento político.Outro pressuposto relevante é a definição dos indicadores por campo temático. A tese geral do MVP é de que o plano seja quantificado, o que significa o estabelecimento de metas e, evidentemente, dos prazos para alcança-las. Para que isso possa ser efetivado é indispensável a definição de indicadores para os quais se estabelecerá grandezas. Esses indicadores devem ser assumidos pelos sujeitos do plano.

Passo 2. Elaboração do macrocenário desejado provisório.

Abrangência :

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Construção do macrocenário desejado provisório estabelecendo-se metas para cada campo temático, considerando-se um horizonte do plano no nível do coletivo social (tempo aula),

Análise crítica da proposta de campos temáticos e indicadores descritores do coletivo social elaborados no nível macro 1 (coordenação do coletivo social e assessoria externa) pelas unidades de referência meso (imediatamente acima das famílias singulares) e proposição de alterações (tempo campo I),

Avaliação da pertinência da adoção desses campos temáticos e indicadores no nível da unidade de produção familiar (tempo aula),

Revisão dos campos temáticos e dos indicadores descritores estabelecidos pelo Passo 1 a partir das proposições dos núcleos de base no nível meso 1 (tempo aula).

Propósitos :

Como o plano deverá ser inteiramente quantificado a tarefa de definir metas por campo temático e para cada indicador se dará neste Passo. Essas metas deverão ser estabelecidas para um horizonte, seja ele de curto prazo ou de médio prazo. O maior ou menor realismo dessas metas, enquanto expressão dos desejos e aspirações dos sujeitos do plano, não é ainda fator relevante, mesmo que se suponha que a experiência de vida dos trabalhadores rurais e a consciência das suas limitações financeiras e dos recursos materiais e organizacionais disponíveis já os mantenham bastantes próximos do viável. Entretanto, essa dimensão (maior ou menor viabilidade de consecução das metas não é relevante neste passo) será tratada com maior rigor a partir do Passo 5 (problematização) quando do estudos dos meios para a realização dessas metas. O Passo 2 deve proporcionar ampla abertura para que os sujeitos do plano possam debater seus interesses, desejos, vontades e aspirações em relação ao futuro. Esse debate, seguido da reflexão a partir das ponderações dos assessores, deve ser o mais aberto possível, sem restrições de qualquer ordem.Neste passo lógico o cenário desejado do coletivo social ou macrocenário terá caráter provisório porque será ainda submetido à apreciação e legitimação (validação progressiva) das demais instâncias que compõe o processo decisório interno do coletivo social, até alcançar necessariamente a unidade de base de referência que é a família singular. A recomendação é de que o primeiro debate crítico próximo da base (nível da família singular) se dê em grupos de famílias (5 a 10 famílias vizinhas) como os núcleos de base do coletivo social. A análise crítica dos campos temáticos e dos indicadores de nível macro pelas famílias reunidas em grupos facilita a troca de opiniões e a criação de confiança interfamiliar e intergrupal em relação às práticas de elaboração do plano.

Passo 3. Elaboração dos microcenários desejados e dos microcenários atuais

Abrangência :

Análise crítica por parte de cada família singular do macrocenário desejados

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provisório elaborado pela coordenação do coletivo social (tempo campo II), Definição de metas familiares (um cenário desejado micro para cada família

singular) para os campos temáticos e indicadores descritores do coletivo social e já constante do macrocenário desejado desse coletivo social (tempo campo II),

Elaboração do microcenário atual de cada uma das unidades referenciais de base (família singular) segundo os campos temáticos e indicadores definidos para o macrocenário desejado provisório (coletivo social) e adaptados para cada microcenário desejado (família singular) (tempo campo II).

Propósitos :

O produto das atividades nesse Passo 3 é o conjunto de críticas e sugestões sobre a pertinência dos campos temáticos e indicadores como descritores do coletivo social e capazes de serem adotados no nível da unidade de produção familiar. A análise crítica do cenário desejado do coletivo social, durante este Passo 3 constitui-se no primeiro momento de validação das decisões, no caso sobre os campos temáticos e tipo de indicadores.Ter-se-á, portanto, um macrocenário desejado para a unidade coletivo social e tantos microcenários desejados quantas forem as famílias singulares participantes. Fica em aberto a possibilidade de se elaborar cenários desejados para as demais instâncias decisórias internas do coletivo social.Neste passo 3 as famílias singulares terão o segundo contato com o processo de elaboração do plano (o primeiro deu-se no Passo 2, no nível do grupo de famílias), só que agora de forma individualizada. A análise crítica do macrocenário desejado provisório se dará na família singular, entre os seus membros. O que se deseja alcançar é, além da consciência da totalidade das propostas (cenários desejados) para o coletivo social, dando-lhes oportunidade de pensar a totalidade do coletivo social e de relaciona-la com aquela da sua unidade familiar singular, é o estabelecimento de metas de curto e de médio prazo que cada família deseja alcançar na sua unidade de produção. Os pontos centrais neste passo são a quantificação, a prospecção do futuro (interesses, desejos, vontades e aspirações) e a relação entre micro e macro. Neste Passo 3, a proposta de elaboração do microcenário atual da unidade de base no nível da família singular familiar, segundo os campos temáticos e indicadores do macrocenário desejado provisório, poderá adotar diversas técnicas, dependendo da disponibilidade de tempo de trabalho e de conhecimentos da assessoria para tal. Por exemplo, nessa descrição do cenário atual no nível da unidade de produção agrícola poderá adotar a técnica de identificação e descrição dos sistemas agrícolas ou aquela do planejamento da unidade de produção pelos métodos de comparação ou dos orçamentos. Uma outra alternativa é a se calcular para cada linha de produção os custos de produção, o cálculo de gastos com importação (em relação à unidade de produção) de insumos químicos industrializados e de agrotóxicos etc;

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determinar o grau de endividamento de cada família etc.A outra atividade é a descrição do cenário atual, ou seja, a partir daqueles campos temáticos e indicadores estabelecidos descrever a situação atual (ou recente) na sua unidade de base de referência, seja ela de produção e ou de moradia. Como o exercício teve início com o estabelecimento de metas de curto e médio prazo e agora se constrói o cenário atual, aflorará naturalmente, seja no nível do subconsciente seja no do consciente, o esforço que será necessário para passar do cenário atual para o macrocenário desejado provisório. É essa consciência crescente do esforço necessário para mudar a realidade que proporcionará condições de aprendizado para o estudo dos meios para concretiza-la.

Passo 4. Construção da problemática.

Abrangência :

Recenseamento das matrizes dos microcenário atuais elaboradas pelas famílias singulares (tempo campo II),

Tabulação das informações obtidas dos microcenários desejados e construção de um outro macrocenário desejado II do coletivo social a partir da somatória dos indicadores, por subcampo temático, dos microcenários desejados familiares singulares (tempo campo II),

Descrição do macrocenário atual do coletivo social a partir dos indicadores agregados por campo temático (tempo campo II),

Ajuste das metas por campo temático do macrocenário desejado provisório a partir das metas definidas no macrocenário desejado II (tempo campo II),

Construção da problemática do coletivo social: relação crítica entre macrocenário desejado ajustado e o macrocenário atual em face dos recursos disponíveis e potenciais (tempo campo II).

Propósitos :

O pressuposto central deste passo é a tomada de consciência empírica da diferença entre o macrocenário desejado e o macrocenário atual. Essa situação concreta criada pelos passos anteriores evidenciará o “tamanho” do esforço a ser realizado pelos sujeitos do plano para que esse plano (ainda no nível dos cenários desejados macro e micros) possa ser concretizado. Essa dúvida suscitará outra: será possível realizá-lo? Nessa oportunidade começa-se a problematizar a problemática do coletivo social (ver seção 3.4, anterior).A construção de (meso) cenário desejado da instância imediatamente acima da unidade de base de referência (família singular), instância intermediária essa concebida a partir de critérios de vizinhança ou de associação por identidade de interesses, proporcionando a apreciação crítica sobre os cenários desejados de cada família singular que o compõe e abrindo a possibilidade de se sugerir formas de cooperação interfamiliares.A identificação de diferenças dá-se pela comparação crítica entre as metas do

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macrocenário desejado do coletivo social construído a partir da representação de interesses (passo lógico 2) com as metas do macrocenário desejado do coletivo social construído a partir do recenseamento das metas dos cenários desejados das famílias singulares. A decisão sobre as metas do macrocenário desejado final do coletivo social, caso haja consideráveis discrepâncias entre esses dois macrocenários desejados do coletivo social, poderá requerer uma nova rodada de validação progressiva nas diversas instâncias decisórias internas do coletivo social, iniciando-se uma nova fase de criticidade ao macrocenário desejado do coletivo social.

Passo 5. Problematização e construção do problema.

Abrangência :

Estudo das alternativas de meios (materiais, financeiros e organizacionais) para se passar do cenário atual macro para o cenário desejado macro (tempo aula),

Identificação das informações necessárias para fundamentar as alternativas de meios (requerimento de informações sobre solos, custos de produção, tecnologias, instalações, tipos de variedades de criações etc.) (tempo aula),

Estudo de alternativas de compatibilização entre as metas do cenário desejado macro e meios disponíveis para alcança-las (problematização) (tempo aula),

Ajuste das metas e indicadores por campo temático do macrocenário desejado e encaminhamento para análise no nível meso (tempo aula),

Elaboração do macrocenário desejado ajustado com o estabelecimento das estratégias de ação e dos recursos (materiais, financeiros, organizacionais, humanos) necessários para a sua consecução (tempo aula).

Propósitos

Para se responder à dúvida “será possível realizar o cenário desejado?”, torna-se indispensável responder ao como fazer? Este início da problematização requererá a presença crítica e atuante dos técnicos e do testemunho de pessoas de outros locais e de outros coletivos sociais para apresentarem não apenas novas visões de mundo (modelos de produção e tecnológicos) como narrarem casos similares àqueles contemplados nos campos temáticos que auxiliem os sujeitos do plano a repensarem os caminhos que supõem serem os mais adequados.

Neste passo diversas informações técnicas são requeridas como aquelas que permitam o cálculo de custos de produção, o acesso a informações sobre a aptidão dos solos, a novos modelos de produção, às tecnologias disponíveis, a formas de cooperação na produção e no beneficiamento, o repensar a relação entre a produção para o autoconsumo e para o mercado etc.

Neste Passo 5, na problematização, coloca-se em debate sugestões de “estudo das alternativas de meios (materiais, financeiros e organizacionais) para se

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passar do cenário atual macro para o cenário desejado macro”. É oportuno, também, se adotar diferentes técnicas de construção de alternativas de solução para se alcançar uma meta desejada. Desde análises custo-benefício até a consideração de matrizes de produção e tecnológicas inspiradas na agroecologia

Esse processo de problematização para o estabelecimento dos meios para alcançar os macrocenários desejados tende a reajustar as expectativas derivadas dos desejos e aspirações que resultaram nas metas a serem alcançadas.

Passo 6. Construção da versão final dos macrocenários. Superação do problema.

Abrangência

Análise crítica do macrocenário desejado e dos meios sugeridos para alcança-los (tempo campo II),

Apreciação e legitimação das decisões sobre as estratégias de ação e os recursos para o macrocenário desejado pelas instâncias decisórias internas do coletivo social (tempo campo II),

Estabelecimento das estratégias de ação e dos recursos (materiais, financeiros, organizacionais, humanos) necessários para a consecução dos microcenários desejados de cada família singular (tempo campo II),

Proposição de alterações nos meios para alcançar as metas do macrocenário desejado e encaminhamento para o nível micro (tempo campo II),

Consolidação das estratégias de ação e dos recursos necessários dos microcenários desejados de cada familiar singular e compatibilização com o disposto no macrocenário desejado ajustado conforme validação no Passo 5 (tempo campo II)

Propósitos :

Quando o coletivo social tiver instâncias de organização no nível meso (associações, grupos de interesses, departamentos especializados etc), se buscará a assessoria interna do coletivo social para reajustar as metas às possibilidades dos meios disponíveis e potenciais. Se um determinado coletivo social não possuir essas formas de cooperação ou elas foram consideradas como de menor relevância esse Passo acontecerá somente no nível meso 1, similar ao Passo 2.O pressuposto central é o reajuste das expectativas em relação às metas à partir das restrições dos meios disponíveis. Esse Passo é mais um momento de validação.

Passo 7. Definição da estrutura global do plano de desenvolvimento .

Abrangência :

Decisão final sobre o macrocenário desejado do coletivo social (tempo

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aula), Definição da estrutura do plano de desenvolvimento (compromisso social)

no nível da coordenação do coletivo social, contendo minimamente: a) o macrocenário desejado do coletivo social; b) os microcenários desejados das famílias singulares; as estratégias e os meios para a implantação do macrocenário desejado; d) resgate da história do coletivo social; e) contextualização econômica, social, política e ambiental do coletivo social; f) fontes de recursos para a implantação do plano; g) organização e cronograma de implantação (tempo aula),

Definição dos procedimentos para a elaboração dos projetos de campos temáticos politicamente prioritários, porém não incluídos no plano de desenvolvimento (tempo aula).

Propósitos :

Neste Passo 7 da implantação do MVP já se considera que o bloco central de decisões no nível macro, meso e micro tenham sido tomado. Essas decisões permitiram a construção participativa dos macrocenários, dos mesocenários e dos microcenários no nível das famílias singulares. Elas devem ter dado conta da maioria dos produtos e processos esperados conforme sugerido na seção 3.2, anterior.No entanto, um esforço complementar, ainda que não indispensável, deve ser efetuado: a elaboração do plano formal de desenvolvimento do coletivo social objeto de planejamento. Do ponto de vista da construção dos compromissos entre os participantes do coletivo social para a efetivação de mudanças na dinâmica de suas vidas sociais os cenários desejados construídos em diversas instâncias decisórias já atendem perfeitamente os propósitos centrais do MVP. Porém, nada obstará se for aceita pelo coletivo social a sugestão de se elaborar um documento contendo outras dimensões da vida do coletivo social como as anteriormente arroladas.O resgate da história do coletivo social deveria ser preferencialmente elaborado a partir de depoimentos de personagens e instituições que estão diretamente ligadas ao coletivo social. É a história do coletivo social e seu contexto o mais importante para situar historicamente a atividade de planejamento.O resgate e a afirmação da memória e da auto-estima das pessoas do coletivo social é o propósito central do documento formal. Em outras palavras “mostrar quem somos nós”, nós os autores dos cenários desejados, nós o coletivo social.

Passo 8. Construção final do plano de desenvolvimento do coletivo social

Abrangência :

Elaboração participativa dos itens d), e), f) e g) do plano de desenvolvimento do coletivo social, conforme sugestão do passo lógico 7 (tempo campo II),

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Redação final do plano contemplando a relação dos projetos técnicos necessários para atender às demandas dos cenários desejados (tempo campo II),

Processo de legitimação (validação progressiva) do documento plano de desenvolvimento do coletivo social nas diversas instâncias decisórias do coletivo social, inclusive a da família singular (tempo campo II).

Propósito :

Elaboração e aprovação final pelo coletivo social do documento intitulado plano de desenvolvimento do coletivo social objeto do planejamento pelo método MVP.

FLUXOGRAMA

CONSTRUÇÃO DO OBJETO DO CONHECIMENTO

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DETERMINAÇÃO IDEOLÓGICAE SOCIAL

ESTÉRIL (a serviçodo dominante)

TEORIA +CONHECIMENTO

ACUMULADO

PROBLEMÁTICA

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FÉRTIL (produçãoda consciência)

PROBLEMATIZAÇÃO

PROBLEMA

(objeto do conhecimento)

PERGUNTAS

CONTATO EMPÍRICO

ERRO/ACERTO

CONHECIMENTOACUMULADO