Upload
others
View
0
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Índice
Falácia da democracia racial no Brasil. Origens e resistência nos quilombos
Dra. Simone Rezende da Silva
Ira y Miedo en Élites Latifundistas. El Discurso de la Sociedad Nacional de Agricultura
ante la Ley de Reforma Agraria. Chile, 1967
Rafael Arriaza Peña
Relações de Gênero e Trabalho Rural no Município de Orizona, Goiás – Brasil
Juliana Dias Moreira Furtado
Contribución al estudio de la agricultura familiar en la provincia de Jujuy: una
aproximación al sector en la Quebrada de Humahuaca
Dolores Trillo
FALÁCIA DA DEMOCRACIA RACIAL NO B RASIL. Origens e resistência nos
quilombos
Dra. Simone Rezende da Silva
Universidade de São Paulo
Resumo:
Problemas como preconceito, racismo e injustiças sociais em relação à população negra no
Brasil derivam e são a culminação de um processo que começou com a colonização das
Américas e do capitalismo colonial moderno e eurocentrado. Cujo eixo de fundamentação
recaiu e se solidificou na classificação social dos indivíduos por meio da cor de sua pele, ou
seja, a partir da ideia de raça, que expressa a experiência básica da dominação colonial.
No Brasil, que constituiu as bases de seu desenvolvimento sob a égide do escravismo,
o colonialismo faz-se presente até à atualidade, sendo possível notar suas marcas ao longo do
tempo.
Ainda hoje passados 124 anos da abolição da escravatura uma revisão das
consequências desse colonialismo e escravismo faz-se necessária. Os problemas enfrentados
pelas populações negras no Brasil emergem cotidianamente, seja na discussão acerca de cotas
para afro-descendentes no ensino superior público, seja em discussões sobre preconceitos ou
no estabelecimento dos direitos das comunidades quilombolas aos seus territórios ancestrais,
ou ainda na resistência de muitos professores em incorporar aos currículos escolares a
história afro-brasileira.
A escravidão no Brasil além de base econômica da colonização foi também o
fundamento de todas as esferas da vida social e política, do direito, da moral, dos costumes,
da vida cotidiana e das manifestações religiosas e filosóficas, estabelecendo relações que
marcaram o modo de ser da sociedade.
E mesmo após a abolição em 1888 o negro embora livre não foi incorporado à
sociedade. A abolição da forma como ocorreu não garantiu direitos efetivos aos negros, nem
tampouco promoveu uma transformação radical da sociedade brasileira. A estrutura fundiária
permaneceu intocada, a vida econômica continuou apoiada na grande propriedade
exportadora e a população escravizada, depois de libertada, foi marginalizada e abandonada à
sua própria sorte e em geral recusada como mãos-de-obra paga.
Embora seja inegável a grande miscigenação ocorrida no país, é inegável também que
não se vive uma democracia racial, o preconceito de cor existe, ainda que camuflado e suas
origens remontam ao passado escravista que marcou as consciências e o modo de ser dos
brasileiros.
Somente após 1988, ano do centenário da abolição da escravatura, com a
promulgação da nova Constituição Federal brasileira é que as questões que envolvem o
destino das comunidades negras do país consegue notoriedade, pois assegura-se a estas o
direito a seus territórios ancestrais.
Contudo, mesmo diante dos juridicamente alcançados direitos constitucionais, o
Estado torna extremamente moroso o cumprimento deste direito, recusando-se por exemplo a
cartografar os territórios destas comunidades.
Na atualidade são muitas as comunidades quilombolas que lutam pela conquista ou
permanência em seus territórios ancestrais e via de regra estas entram em choque com os
mais diversos interesses, sejam eles do poder público ou privado, pois embora estas
populações tenham seus direitos territoriais assegurados constitucionalmente os embates e
disputas estão frequentemente postos quando uma comunidade põe-se em movimento no
sentido de requerê-los.
Neste sentido foi necessário empreender um percurso acerca da trajetória do negro em
nosso país buscando evidenciar a importância da terra/território e da memória, pois estes são
estruturantes na luta política destas populações que historicamente foram marginalizadas.
Procedeu-se, portanto à busca de documentos históricos e à revisão bibliográfica,
contudo este estudo baseia-se principalmente nas memórias de depoentes de diversas
comunidades quilombolas das regiões sudeste e nordeste do país .
O estudo e valorização da memória, bem como do território são necessários ao
repertório destas populações que vêm se organizando e reivindicando seus direitos, pois a
recriação de histórias narradas e recuperadas na bibliografia e em campo remete não só às
relações identitárias com o território, às relações sociais, remetem principalmente a uma dor
profunda de perceber-se marginalizado pela história construída pelos dominadores.
Neste sentido, o presente trabalho tem o intuito de dar visibilidade aos processos
históricos nos quais se originaram os atuais problemas enfrentados pelas populações negras
no Brasil, bem como valorizar medidas que visam diminuir estes problemas como as cotas
nas universidades públicas, o aprimoramento de leis anti racismo e a inclusão da
obrigatoriedade do ensino de história afro-brasileira e indígenas nos currículos escolares.
Palavras chave: negros, identidade, memória, racialização
Introdução
O problema posto para a pesquisa nos coloca a necessidade da reflexão sobre a
constituição da ideia de raça, que no contexto da colonização das Américas e instituição do
capitalismo colonial eurocentrado, foi conveniente, pois que implicou na classificação social
a partir do que se denominou “raças”. Assim o negro africano foi classificado como
pertencente a uma raça inferior, a qual estava destinada a função de servir como escravo. A
desumanização do negro não foi um acaso, e sim uma conseqüência perversa das questões
econômicas, políticas e culturais em jogo naquele momento e que de certo modo
permanecem até nossos dias, visto que o negro, via de regra, continua a ser marginalizado
econômica e socialmente, além ainda de estar sob uma sujeição cultural em nossa sociedade,
e mesmo dentro de uma aparente (e politicamente correta) democracia racial. Segundo Aníbal
Quijano:
A idéia de raça, em seu sentido moderno, não tem história conhecida
antes da América. Talvez se tenha originado como referência às
diferenças fenotípicas entre conquistadores e conquistados, mas o que
importa é que desde muito cedo foi construída como referência a
supostas estruturas biológicas diferenciais entre esses grupos. A
formação de relações sociais fundadas nessa idéia, produziu na
América identidades sociais historicamente novas: índios, negros e
mestiços, e redefiniu outras. Assim, termos como espanhol e
português, e mais tarde europeu, que até então indicavam apenas
procedência geográfica ou país de origem, desde então adquiriram
também, em relação às novas identidades, uma conotação racial. E na
medida em que as relações sociais que se estavam configurando eram
relações de dominação, tais identidades foram associadas às
hierarquias, lugares e papeis sociais correspondentes, como
constitutivas delas, e consequentemente, ao padrão de dominação que
se impunha. Em outras palavras, raça e identidade racial foram
estabelecidas como instrumentos de classificação social básica da
população. (QUIJANO, 2005, p. 228 e 229).
A cor da pele foi eleita a característica fenotípica principal para a definição de raça, o
que outorgava legitimidade à dominação imposta pelas conquistas européias nas Américas e
posteriormente na expansão colonial pelo mundo. A ideia de raça passou a ser a naturalização
da relação entre dominadores e dominados.
O resultado do poder colonial teve consequências culturais claras que chegam à
atualidade. Os povos inferiorizados foram despojados de suas singulares identidades
históricas, culturas, etc., e a imposição de uma nova identidade “inventada” inferior,
subalterna, racial, colonial e negativa implicava o despojo de seu lugar na história da
produção cultural da humanidade.
A codificação das diferenças entre conquistadores e conquistados fundamenta-se em
uma supostamente distinta estrutura biológica que situava uns como seres superiores
(brancos) e outros como inferiores (não brancos). Assim, identidades “raciais” foram
estabelecidas.
A expansão colonial (imperialista e capitalista) primeiro dos povos ibéricos e
posteriormente dos britânicos, necessitava de mão de obra, que como veremos foi
contemplada com a força de trabalho dos escravizados por meio do lucrativo negócio do
“trafico negreiro”.
Atendo-se especificamente à escravidão no Brasil, não é possível deixar de dizer que
os primeiros “escravizados”1 foram os povos originais, ou seja, o que genericamente o
europeu chamou de índios. Aqueles que não foram exterminados, seja pelo contágio de
doenças, para eles, até então desconhecidas, seja em guerras de dominação territorial e
consequentes maus tratos do conquistador, foram considerados seres inferiores. Porém, sua
resistência ao cativeiro além de motivar seu quase extermínio implicou também na
“necessidade” da vinda de escravos africanos.
1 “escravos” aparece aqui entre aspas porque oficialmente os índios não o eram.
O cativeiro indígena caracterizava-se como um negócio interno da Colônia. Já o
comércio e o tráfico negreiro de populações capturadas na costa da África e transformadas
em escravos, acumulavam riquezas que fluíam diretamente para a Metrópole. O tráfico
negreiro explica a escravidão africana e não o contrário. É devido a alta lucratividade dessa
atividade que a mão de obra na colônia foi a de escravos negros.
Quando os primeiros europeus desembarcaram na costa africana em
meados do século XV, a organização política dos Estados africanos já
tinha atingido um nível de aperfeiçoamento muito alto. As
monarquias eram constituídas por um conselho popular no qual as
diferentes camadas sociais eram representadas. A ordem social e
moral equivalia à política. Em contrapartida, o desenvolvimento
técnico, incluída a tecnologia de guerra, era menos acentuada. Isto
pode ser explicado pelas condições ecológicas, sócio-econômicas e
históricas da África daquela época, e não biologicamente, como
queriam alguns falsos cientistas. (MUNANGA, 1986, p. 8).
O tráfico negreiro estendeu-se por séculos e envolveu diversas regiões do mundo e um
contingente humano assustador, o que o torna uma das maiores tragédias da história da
humanidade.
Segundo Munanga e Gomes os africanos trazidos ao Brasil vieram de três regiões
geográficas:
a) África Ocidental, de onde foram trazidos homens e mulheres dos
atuais Senegal, Mali, Níger, Nigéria, Gana, Togo, Benin, Costa do
Marfim, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné,
Camarões; b) África Centro-Ocidental, envolvendo povos do Gabão,
Angola, República do Congo, República Democrática do Congo
(antigo Zaire), República Centro-Africana; c) África Austral,
envolvendo povos de Moçambique, da África do Sul e da Namíbia.
(MUNANGA e GOMES, 2006, p. 20).
Uma das justificativas para a instituição do negro como escravizado e implantação do
tráfico negreiro, foi (e por vezes é repetida até hoje) a de que a escravidão já existia no
continente africano entre seus próprios povos e, portanto, o negro já estaria resignado à sua
sorte. Contudo, o conceito de servidão ou mesmo escravidão parecia ser bastante diferente,
ligados à sujeição hierárquica de suas sociedades ou às guerras entre sociedades rivais, nada
tendo a ver com o escravismo enquanto negócio. Segundo Mattoso (1988) tratava-se de uma
escravidão patriarcal e que não implicava em um sistema escravista, visto que os filhos dos
escravos eram cidadãos livres.
Fato é que o negro, tornado escravo, foi coisificado e desumanizado. O europeu se
auto outorgou a missão civilizadora e subtraiu aos povos “colonizados” sua história, cultura e
identidade. Milhares morreram nas guerras de captura na própria África, outros milhares na
insalubre travessia do Oceano Atlântico para que por fim milhões de outros negros africanos
viessem a formar a fortuna da elite branca de conquistadores, mas, sobretudo a formar o que
somos como povo brasileiro (Ver figura N°1).
A empresa escravista, fundada na apropriação de seres humanos
através da violência mais crua e da coerção permanente, exercida
através dos castigos mais atrozes, atua como uma mó desumanizadora
e deculturadora de eficácia incomparável. Submetido a essa
compressão, qualquer povo é desapropriado de si, deixando de ser ele
próprio, primeiro, para ser ninguém ao ver-se reduzido a uma
condição de bem semovente, como um animal de carga; depois, para
ser outro, quando transfigurado etnicamente na linha consentida pelo
senhor, que é a mais compatível com a preservação dos seus
interesses (RIBEIRO, 2004, p. 118).
Figura N°1. Negros no porão – Johann Moritz Rugendas2
A escravidão além de base econômica da colonização foi também o fundamento de
todas as esferas da vida social e política, do direito, da moral, dos costumes, da vida cotidiana
e das manifestações religiosas e filosóficas, estabelecendo relações que marcaram o modo de
ser da sociedade. De acordo com Moraes (2005, p. 97) o escravismo imprime a desigualdade
e a excludência como regras básicas do convívio social. A sociedade escravocrata estabelece
o império da violência, o trabalho compulsório prescinde da hegemonia, pois se realiza
diretamente pela força.
Os africanos chegam aqui coisificados, como mercadoria; o tráfico negreiro alimenta
e é alimentado pelo trabalho escravo. Ou seja, a regulação econômica das fazendas estava
mais ligada à oferta de escravos do que propriamente à demanda da produção ali realizada.
Seu principal capital era o escravo, pois a terra sem trabalhadores não tinha valor, “a sujeição
do trabalho ao capital não estava principalmente baseada no monopólio dos meios de
produção, mas no monopólio do próprio trabalho, transfigurado em renda capitalizada”
(MARTINS, 1998, p. 15).
2 Fonte: BELLUZZO, 1994, p. 81.
A forma de conquista e apropriação do que veio a constituir-se como território
brasileiro deu-se por meio da doação de sesmarias pelo rei de Portugal para o cultivo de
grandes monoculturas, como a cana-de-açúcar no Nordeste do país e posteriormente o café
no Sul/Sudeste, além ainda da mineração no Sudeste/Centro. Todas essas foram atividades
que contaram fortemente com o trabalho escravo, mas com períodos de auge diferenciados, o
que acarretou um intenso fluxo de deslocamento destes. Assim, quando do declínio
econômico das plantações de cana do Nordeste muitos escravos foram deslocados para as
plantações de café do Sul/Sudeste. E foi durante o final do século XVIII e começo do XIX
quando o café fazia a riqueza dos produtores que o país teve seu maior contingente de
escravos.
A exploração aurífera foi uma das primeiras atividades econômicas de
exploração da colônia portuguesa, que demandou imenso contingente
de mão-de-obra escrava. A agressiva exploração do minério no novo
continente apressou a decadência dessa atividade que reverteu à
agricultura e à pecuária nova atenção do governo colonizador: vieram
principalmente incentivos à produção do açúcar e depois do café.
Configurava no país, até 1822, o sistema de sesmarias, terras doadas
pela Coroa metropolitana a fim de promover a monocultura agrícola
destinada à exportação que seria ainda abastecida com a mão-de-obra
escrava. (BARRETA ALMEIDA, 2004, p. 13).
A demanda crescente da cafeicultura por escravos e a dificuldade também crescente
de capturá-los na África, elevaram consideravelmente o preço desses. Situação essa agravada
pela proibição do tráfico negreiro em 1850 por meio da Lei Eusébio de Queiroz. Neste
mesmo ano no Brasil é decretada a Lei de Terras, a qual instituía que a terra só poderia ser
adquirida por meio de compra e venda.
A renda capitalizada no escravo transforma-se em renda territorial
capitalizada: num regime de terras livres, o trabalho tinha que ser
cativo; num regime de trabalho livre, a terra tinha que ser cativa. No
Brasil, a renda territorial capitalizada não é essencialmente uma
transfigurada herança feudal. Ela é engendrada no bojo da crise do
trabalho escravo, como meio para garantir a sujeição do trabalho ao
capital, como substituto da acumulação primitiva na produção da
força de trabalho. A renda territorial surge portanto, como forma de
capital tributária do comércio, como aquisição do direito de
exploração da força de trabalho. A propriedade do escravo se
transfigura em propriedade da terra como meio para extorquir
trabalho e não para extorquir renda (MARTINS, 1998, p. 32).
A sorte da população negra está extremamente vinculada à questão fundiária em
nosso país, pois ao instituir que as terras deveriam ser “compradas” naturalmente os negros
foram excluídos desse processo de apropriação destas, primeiro porque eram escravos
(mercadorias), depois por serem libertos, mas marginalizados na sociedade. Embora a
questão da obrigatoriedade da compra de terras afetasse também imigrantes e brasileiros
brancos e pobres, pois também para eles a terra tornou-se mais difícil, para os negros essa
questão levou a uma maior marginalização, visto que se o negro não tinha terras para sua
subsistência tampouco tinha outras possibilidades de garantir seu sustento.
O país preparava-se para a abolição da escravatura, pressionado pela conjuntura
mundial, principalmente européia, que devido à revolução industrial e suas consequências,
tinha um contingente populacional excedente que precisava emigrar.
Contudo essa preparação ocorreu mais no plano psicológico do que no prático.
Medidas como a Lei do Ventre Livre em 18713, que libertava da escravidão os filhos de
escravos nascidos após a publicação desta e a Lei do Sexagenário em 18854 que libertava os
maiores de 60 anos, eram facilmente burladas e quando cumpridas não havia por parte do
Estado amparo aos libertos.
3 De acordo com esta lei, o negro nascido livre deveria ser entregue ao Estado, sendo o “proprietário” indenizado ou o respectivo negro deveria permanecer sob tutela do “proprietário” até completar a maioridade aos 21 anos, pagando seu sustento com seu trabalho. Ou seja, de fato era a continuidade da escravidão. 4 Poucos eram os negros que viviam até essa idade, gastos que eram no trabalho, contudo, aqueles que completavam 60 anos já estavam debilitados demais para o trabalho remunerado, sendo muitas vezes simplesmente descartados por seus antigos proprietários.
Quando em 13 de maio de 1888, finalmente a abolição da escravatura foi decretada, o
negro deixou juridicamente de ser escravo, mas não passou a ser um cidadão.
As mudanças ocorridas com a abolição da escravatura não
representaram, pois, mera transformação na condição jurídica do
trabalhador; elas implicaram transformação do próprio trabalhador.
Sem isso não seria possível passar da coerção predominantemente
física do trabalhador para a sua coerção predominantemente
ideológica. Enquanto o trabalho escravo se baseava na vontade do
senhor, o trabalho livre teria que se basear na vontade do trabalhador,
na aceitação da legitimidade da exploração do trabalho pelo capital,
pois se o primeiro assumia previamente a forma de capital e de renda
capitalizada, o segundo assumiria a forma de força de trabalho
estranha e contraposta ao capital. Por essas razões, a questão
abolicionista foi conduzida em termos da substituição do trabalhador
escravo pelo trabalhador livre, isto é, em termos de substituição física
do negro pelo imigrante. O resultado não foi apenas a transformação
do trabalho, mas também a substituição do trabalhador. (MARTINS,
1998, p. 17-18).
A abolição desfechou o último golpe na Monarquia, adequando as instituições do país
às transformações que se operavam na economia brasileira. Contudo, a abolição da forma
como foi feita não garantiu direitos efetivos aos negros, nem tampouco promoveu uma
transformação radical da sociedade brasileira. A estrutura fundiária permaneceu intocada, a
vida econômica continuou apoiada na grande propriedade exportadora e a população escrava,
depois de libertada, foi marginalizada e abandonada à sua própria sorte.
Sem um amparo mínimo do Estado os negros foram entregues a sua própria sorte.
Recusados como mãos-de-obra paga foram marginalizados pela sociedade, muitos migraram
em busca de terras distantes nas quais pudessem praticar a agricultura de subsistência.
No Brasil, a grande propriedade rural ultrapassa a crise gerada pelo
fim da escravidão e continua sendo a característica mais importante
da estrutura fundiária. Já em 1850 (muito antes da abolição), quando
foi feita a primeira lei de terras no país. Evidenciava-se o caráter
extremamente refratário às pequenas e médias propriedades rurais. Os
complicados tramites burocráticos cartoriais elitizavam a
possibilidade da propriedade da terra pelo homem sem recursos
econômicos e políticos. No caso, eliminava-se, por antecipação, a
possibilidade de criação de uma campesinato negro autônomo e
estável, que, em algum grau, redimisse os males da escravidão
extinta. (LOPES, 1987, p. 22).
O subconsciente do brasileiro foi contaminado ao longo de nossa formação social e
histórica por uma ideologia preconceituosa cheia de estereótipos negativos, que estigmatizou
e ainda hoje estigmatiza o negro. O escravo negro além da sua condição de subordinação
estrutural leva cumulativamente, o chamado estigma de cor, transformado em marca de
inferioridade.
O negro inserido como escravo no Brasil tem sua imagem construída a partir de
elementos altamente negativos, tais como criatura inferior, de uma cultura primitiva,
preguiçoso, intelectualmente inferior, portador de maus instintos. Assim o negro foi colocado
à margem da história como sujeito e visto apenas como um objeto no sentido literal do termo,
mesmo após sua abolição.
o negro acaba perdendo o hábito de qualquer participação ativa, até o
de reclamar. Não desfruta de nacionalidade e cidadania, pois a sua é
contestada e sufocada, e o colonizador não estende a sua ao
colonizado. Consequentemente, ele perde a esperança de ver seu filho
tornar-se um cidadão [...] No cotidiano, o negro vai enfrentar o seu
inverso, forjado e imposto. Ele não permanecerá indiferente. Por
pressão psicológica, acaba reconhecendo-se num arremedo detestado,
porém convertido em sinal familiar. A acusação perturba-o, tanto
mais porque admira e teme seu poderoso acusador. Perguntar-se-á
afinal se o colonizador não tem um pouco de razão. Será que não
somos mesmo ociosos e medrosos, deixando-nos dominar e oprimir
por uma minoria estrangeira? A tecnologia superdesenvolvida trazida
pelo branco ajudaria a instaurar uma situação de crise na consciência
do negro (MUNANGA, 1986, p. 23 e 26).
A colonização européia efetuou-se acima de tudo no plano psicológico, o retrato
degradante imposto pelo branco, muitas vezes, será aceito pelo próprio negro. E, é este
retrato que nos chega até os dias de hoje na forma de preconceito e racismo. Mesmo após a
abolição da escravatura em 1888, o negro continua sendo visto e tratado de forma marginal,
pois quando deixa de ser a mão de obra gratuita dá-se preferência à mão de obra paga do
imigrante europeu numa tentativa de embranquecimento do país.
Portanto, mesmo o negro liberto não era bem visto na sociedade brasileira. Os valores
nela incutidos continuarão a persegui-lo de forma a gerar preconceitos e injustiças sociais.
Pois de acordo com Costa (1987) a abolição não significou inclusão, muito pelo contrário, ela
significou a criação de uma massa marginal. O próprio negro que, na maioria dos casos, já
não era africano, pois sofreu forte processo de aculturação, tampouco era branco, entretanto
há um processo de embranquecimento que se dá segundo Munanga (1986) pela assimilação
dos valores culturais do branco. Assim, muitos negros, professarão a religião deste, se
vestirão, se alimentarão e acima de tudo falarão a língua dos brancos. Outra forma de
embranquecimento são os casamentos ou relacionamentos, entre negros e brancos. Por parte
dos negros há um desejo, às vezes, inconsciente de se embranquecer e posteriormente
embranquecer seus filhos.
Embora seja inegável a grande miscigenação ocorrida em nosso país, é inegável
também que não vivemos em uma democracia racial, o preconceito de cor existe, ainda que
camuflado. Há uma hierarquização da sociedade, cabendo, em geral, aos brancos a liderança
dos processos sociais. De acordo com Munanga (1986, p. 30) historicamente, todas as
condições foram reunidas para que se chegasse a um impasse de assimilação. Na realidade,
pensar que o colonizador pudesse ou devesse aceitar de bom grado a assimilação, ou seja, a
emancipação do negro seria escamotear a relação colonial. Por isso até os dias atuais depara-
se com preconceitos e injustiças sociais, cujas origens remontam ao passado escravista que
marcou as consciências e o modo de ser dos brasileiros.
A nossa estrutura social ainda é entravada no seu dinamismo em
diversos níveis pelo grau de influência que as antigas relações
escravistas exerceram no seu contexto. Relações de trabalho e
propriedade, familiares, sexuais, artísticas, políticas e culturais estão
impregnadas ainda das reminiscências desse passado escravista. Quer
no nível de dominação, que no de subordinação, esse relacionamento
guarda funda ligação com o estrangulamento que existia durante o
escravismo (MOURA, 1986, p. 13).
Porém, nem tudo foi submissão, houve também, é claro, diversas formas de
resistência negra à escravidão como revoltas, fugas, assassinato de senhores, abortos, mas a
que nos interessa, pois é uma discussão absolutamente atual, são os territórios de quilombos.
Isso nos remete a pensar sobre a negritude enquanto movimento de auto afirmação e
valorização da herança africana na constituição da população brasileira, não numa tentativa
de homogeneização da população sobre um falso suposto de uma democracia racial, mas sim
de admitir que as heterogeneidades são importantes e necessárias e por isso devem ser
respeitadas.
O quilombismo mais do que o reconhecimento de um direito é uma inspiração de luta
e resistência. Os quilombos foram as primeiras formas de defesa dos negros, contra não só a
escravidão, mas também à discriminação racial e ao preconceito, pois a abolição da
escravatura não tornou o negro um cidadão de fato, uma vez que apenas retirou do Senhor a
responsabilidade sobre ele, ficando o negro abandonado e duramente marginalizado pela
sociedade dominante branca.
Desta maneira os quilombos continuaram a existir mesmo após a abolição. Há
indícios inclusive que muitos tenham se formado após esta, pois há uma massa de negros
libertos e marginalizados pela sociedade que vão buscar abrigo distante dos centros urbanos e
das grandes monoculturas.
Os remanescentes das florestas atlânticas que não foram capitalizados pela agricultura
de exportação, ou pela urbanização, tornaram-se, em muitos casos, o lugar dos povos
excluídos ou marginalizados pelo sistema vigente. Muitos negros procuraram sobreviver das
florestas residuais e desenvolveram ali um modo de vida, uma territorialidade ajustada à
exploração de recursos florestais e pequena agricultura, que vez por outra é ameaçada.
A formação dos quilombos no Brasil
A formação territorial do Brasil dá-se sob a égide colonial. A Pindorama, terra das
palmeiras, como era chamado este país por seus povos originários, foi conquistada pelo
colonizador europeu que aqui desenvolveu sua prática de dominação marcada pela
apropriação dos espaços e pela exploração intensa dos recursos naturais, bem como dos
povos aqui encontrados e que foram considerados seres inferiores, portanto, passíveis de
serem consumidos.
A colonização é, antes de tudo, uma relação sociedade-espaço. A
relação de uma sociedade que se expande e os lugares onde se realiza
tal expansão, num contexto no qual os ‘naturais’ do lugar são
concebidos como atributos do espaço, uma sorte de recurso natural
local (MORAES, 2005, p. 68).
E essa é a lógica que persistirá em nossa história, pois dos colonizadores europeus
passamos as elites nacionais cujo projeto territorial e sócio-econômico para o país eram
exatamente os mesmos, o de apropriação e consumo dos recursos naturais e das gentes.
Assim, a independência é um ato formal que não altera a vida sócio-econômica do Brasil. O
regime escravocrata, o latifúndio e a concentração de riquezas apenas fortaleceram-se.
muitas das determinações coloniais permanecem vigentes mesmo
após os processos de emancipação política de tais países, uma vez que
a nova ordem política é construída sobre o arcabouço econômico e
social gerado no período colonial (MORAES, 2005, p. 91).
O negro, tornado escravo, foi coisificado e desumanizado. O europeu se auto outorgou
a missão civilizadora e subtraiu aos povos “colonizados” sua história, cultura e identidade.
Milhares morreram nas guerras de captura na própria África, outros milhares na insalubre
travessia do Oceano Atlântico para que por fim milhões de outros negros africanos viessem a
formar a fortuna dos conquistadores, mas, sobretudo a formar o que somos como povo
brasileiro.
Segundo Ribeiro (2004, p. 118) a empresa escravista atua como uma mó
desumanizadora e deculturadora de eficácia incomparável. Submetido a essa compressão,
qualquer povo é desapropriado de si, deixando de ser ele próprio, primeiro, para ser ninguém
ao ver-se reduzido a uma condição de bem semovente, como um animal de carga.
A escravidão além de base econômica da colonização brasileira foi também o
fundamento de todas as esferas da vida social e política. De acordo com Moraes (2005, p. 97)
o escravismo imprime a desigualdade e a excludência como regras básicas do convívio
social. A sociedade escravocrata estabelece o império da violência, o trabalho compulsório
prescinde da hegemonia, pois se realiza diretamente pela força.
Ao negro foi-lhe negada uma cidadania real mesmo após a abolição da escravatura.
Recusados e discriminados como mão de obra paga, muitos negros estabeleceram-se sob as
bases da agricultura de subsistência, comercializando, quando possível, seus excedentes. Na
maioria das vezes posseiros ou pequenos proprietários os grupos rurais negros constroem
coletivamente a vida sob uma base material e social, formadora de uma territorialidade negra,
na qual elaboram-se formas específicas de ser e existir como camponês e negro.
Um inventário parcial das informações existentes aponta para o fato
de que os grupos negros vivem em bairros rurais, entendidos aqui na
perspectiva desenvolvida por Cândido (1971) e por Queiroz (1976),
ou então, em áreas esparsas reconhecidas como de negros. A
especificidade do modo de vida demonstra existirem elementos que
os diferenciam pela condição étnica e história particular de sua
constituição (GUSMÃO, 1995, p. 14)
De acordo com Gusmão (1995, p. 12) a história oficial e a ideologia que lhe é própria
não mostram a presença negra na terra, posto que foi assumida apenas enquanto força de
trabalho escrava e, depois, livre. Disso resultam concepções enganosas e pré–noções tanto a
respeito do modo de vida rural, quanto do negro, de modo geral, tornando invisível a
existência de uma questão camponesa e negra.
A questão fundiária em nosso país está extremamente vinculada à sorte da população
negra, pois ao instituir que as terras deveriam ser “compradas” naturalmente os negros foram
excluídos desse processo de apropriação destas, primeiro porque eram escravizados
(mercadorias), depois de 1888 por serem libertos, mas marginalizados na sociedade e,
portanto, sem a possibilidade de adquirir terras. Embora a questão da obrigatoriedade da
compra de terras afetasse também imigrantes e brasileiros brancos e pobres, pois também
para estes a terra tornou-se mais difícil, para os negros essa questão levou a uma maior
marginalização, visto que se o negro não tinha terras para sua subsistência tampouco tinha
outras possibilidades de garantir seu sustento.
Contudo, a história do negro no Brasil não se constitui somente de submissão, houve
também, é claro, diversas formas de resistência negra à escravidão como revoltas, fugas,
assassinato de senhores, abortos e a constituição de quilombos.
Os quilombos são a materialização da resistência negra à escravização, foram uma
das primeiras formas de defesa dos negros, contra não só a escravização, mas também à
discriminação racial e ao preconceito.
E é exatamente neste ponto que o destino de negros e das florestas se encontram, pois
o mesmo processo que tornou o negro mercadoria, força de trabalho escravizada em
benefício de uma minoria branca também consumiu ferozmente os recursos naturais
disponíveis no país, sendo as florestas atlânticas as primeiras a sofrerem drástica redução.
Há claramente o consumo da natureza e dos homens, ambos coisificados. Contudo,
enquanto a conquista e conseqüente destruição das florestas avançava, transformando
drasticamente as paisagens, os povos que resistiam a serem explorados ou literalmente
escravizados no processo de desenvolvimento que se instalava buscavam refúgio em áreas
afastadas desse processo, nas quais a floresta consistia abrigo e possibilidade de vida em
liberdade. Os indígenas, como conhecedores e muitas vezes como parte da própria natureza,
conforme suas cosmologias, buscavam quando possível esse distanciamento. A eles se
juntaram mestiços marginalizados e também negros que fugiam da escravização.
Especialmente ao que concerne às populações negras a fuga tendo como destino as
matas consistiu em importante forma de resistência à escravização e uma das primeiras
formas de constituição dos quilombos.
No entanto a fronteira florestal, na qual primeiro os indígenas e depois os negros e
mestiços vão buscar abrigo, é permanentemente alcançada pela expansão das atividades
econômicas hegemônicas. De acordo com Antonio Carlos Robert Moraes (2005, p. 68) os
atrativos evidentes – os imediatamente encontrados - comandavam a instalação inicial dos
colonizadores, mas os espaços desconhecidos atuavam constantemente no imaginário,
fazendo da expansão progressiva um elemento sempre presente. Este autor chama estes
espaços “desconhecidos” de fundos territoriais, pois se constituem em verdadeiras reservas
aos interesses hegemônicos.
Fundos territoriais, constituídos pelas áreas ainda não devassadas pelo
colonizador, de conhecimento incerto e, muitas vezes, apenas
genericamente assinaladas na cartografia da época. Trata-se dos
‘sertões’, das ‘fronteiras’, dos lugares ainda sob domínio da natureza
ou dos ‘naturais’. Na ótica da colonização, são os estoques de espaços
de apropriação futura, os lugares de realização da possibilidade de
expansão da colônia (MORAES, 2005, p. 69).
Embora no caso das florestas da fachada Atlântica brasileira, por exemplo, estas
tenham sido extremamente consumidas, ainda hoje é possível verificar a presença de uma
fronteira florestal ocupada por variadas populações tradicionais, entre as quais, muitas
quilombolas, as quais constituíram ao longo de gerações seus territórios.
Neste trabalho adotou-se uma concepção de território integradora que transita da
definição política à cultural, pois se preocupa mais com o processo de territorialização como
domínio e apropriação do espaço por populações quilombolas do que propriamente com o
conceito de território. De acordo com Haesbaert:
Cada um de nós necessita, como um ‘recurso’ básico, territorializar-
se. Não nos moldes de um ‘espaço vital’ darwinista-ratzeliano, que
impõe o solo como um determinante da vida humana, mas num
sentido muito mais múltiplo e relacional, mergulhado na diversidade
e na dinâmica temporal do mundo (HAESBAERT 2004, p. 16).
O território foi visto como um espaço físico, mas também como um espaço de
referência para a construção da identidade quilombola.
Estes territórios são alvos de diversos conflitos e disputas, pois via de regra, são
sobrepostos aos remanescentes florestais atlânticos, cobiçados tanto para o avanço de
monoculturas como a do eucalipto e da cana-de-açúcar, ou expansões urbanas, quanto para
áreas restritas à preservação ambiental.
Desta forma, podemos classificar estes conflitos como sendo primordialmente
territoriais, visto que o que está em disputa são visões diversas sobre o mesmo espaço e que
vão resultar em concepções também diversas de território. Afinal, uma Unidade de
Conservação é constituída por um território jurídico e delimitado politicamente, assim como
o empresário do setor agrícola verá nestes remanescentes uma frente de expansão aos seus
negócios. Contudo, em nosso história tem-se ignorado que estes espaços já foram
territorializados material e simbolicamente por populações tradicionais.
Nesta pesquisa, na qual lidamos por vezes com as subjetividades, com os desejos e
ânsias das comunidades quilombolas com as quais nos relacionamos, o território foi
considerado antes de tudo, um espaço de referência para a construção da identidade
quilombola, pois é físico-material, é político, é econômico e é também simbólico.
A invenção de identidades político-cultural é recorrente, ela acontece sempre que
determinado grupo põe-se em movimento para reivindicar o que lhe é essencial. No caso das
comunidades quilombolas, a terra. Terra aqui entendida num sentido amplo, englobando a
terra necessária para a reprodução material da vida, mas também a terra na qual o simbólico
paira, na qual a memória encontra lugar privilegiado, morada de mitos e lendas, fonte de
beleza, inspiração e do sentido sagrado da coletividade, tão essencial à vida quanto a terra de
trabalho.
De acordo com Carlos Walter Porto Gonçalves:
A construção de uma identidade coletiva é possível não só devido às
condições sociais de vida semelhantes, mas também por serem
percebidas como interessantes e, por isso, é uma construção e não
uma inevitabilidade histórica ou natural. E, mais, na afirmação dessa
identidade coletiva há uma luta intensa por afirmar os ‘modos de
percepção legítima’ da (di)visão social, da (di)visão do espaço, da
(di)visão do tempo da divisão da natureza (GONÇALVES, 2003, p.
379).
É necessário então entender a constituição da identidade quilombola face à
necessidade de luta pela manutenção ou reconquista de um território material e simbólico.
Por isso, talvez melhor do que discutir o conceito de território seja discutir o processo de
territorialização dessas comunidades.
A territorialidade adquire um valor particular, pois reflete a multidimensionalidade do
vivido territorial pelos membros de uma coletividade. Os homens vivem, ao mesmo tempo, o
processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações
produtivistas e simbólicas. Há interação entre os atores que procuram modificar tanto as
relações com a natureza como as relações sociais. O homem transforma a natureza e a
natureza transforma o homem.
O processo de territorialização pressupõe a tensão nas relações estabelecidas, pois se
um grupo se organiza em prol de territorializar-se ele está negando o lugar que lhe havia sido
destinado, numa dada circunstância espaço-temporal, por outros grupos sociais melhor
situados no espaço social pelos capitais de que já dispõem. Ou seja, quando uma comunidade
quilombola se organiza e reivindica seus direitos sobre um território ancestral, quando ela
luta para se territorializar, ela está negando o lugar marginal que lhe havia sido designado
pela sociedade abrangente, seja por grandes empresas privadas que plantam eucalipto ou cana
em seus territórios, seja pelo próprio poder público que lhes impõe unidades de conservação
ambientais estabelecendo uma nova territorialidade, esta de cima para baixo.
Para o surgimento da mobilização que busca a territorialização Gonçalves (2001)
enfatiza a importância dos movimentos sociais, inventando de baixo, por baixo e para os de
baixo, novos pactos, novas relações, novos direitos nos interstícios e brechas desse complexo
processo de reorganização social.
Todo movimento social se configura a partir daqueles que rompem a
inércia e se movem, isto é, mudam de lugar, negam o lugar que
historicamente estavam destinados em uma organização social, e
buscam ampliar os espaços de expressão que, como já nos alertou
Michel Foucault, têm fortes implicações de ordem política
(GONÇALVES, 2001, p. 81).
As áreas escolhidas para a realização deste estudo são emblemáticas da sobreposição
de territórios e dos conseqüentes conflitos de territorialidades. É em função das disputas
territoriais que identidades, como a quilombola, são forjadas.
As territorialidades são instituídas por sujeitos sociais em situações historicamente
determinadas. Se hoje existem territórios quilombolas é por que em um momento histórico
dado um grupo se posicionou aproveitando uma correlação de forças políticas favoráveis e
institui um direito que fez multiplicar os sujeitos sociais e as disputas territoriais.
Territorializar-se significa ter poder e autonomia para estabelecer determinado modo
de vida em um espaço, para estabelecer as condições de continuidade da reprodução material
e simbólica deste modo de vida. A sobreposição de territórios implica necessariamente em
uma disputa de poder.
As comunidades quilombolas ao se organizarem pelo direito aos territórios ancestrais,
elas não estão apenas lutando por demarcação de terras, as quais elas têm absoluto direito,
mas, sobretudo elas estão fazendo valer seus direitos a um modo de vida.
Invisibilidade e Memória
Antes e depois da abolição da escravatura o território brasileiro esteve marcado pela
presença de comunidades negras que ainda hoje resistem às pressões de latifundiários, de
especuladores imobiliários e até mesmo do poder público pela manutenção ou reconquista de
seus territórios.
As comunidades quilombolas (negras) no Brasil enfrentam diversos obstáculos na
garantia de direitos aos seus territórios ancestrais e neste contexto de lutas identidades
político/culturais são criadas, recriadas ou inventadas.
Embora nos últimos anos tenha havido uma ressemantização dos termos Quilombo ou
Quilombolas, englobando assim uma gama variada de situações que envolvam populações
negras é possível constatar que ainda são muitos os entraves ao reconhecimento e sobretudo
titulação de seus territórios.
Poucos são os documentos escritos, cartográficos e iconográficos que mostram o
negro ocupando terras.
Antes da abolição da escravatura sua presença é descrita como mera mercadoria
trabalhando em fazendas ou como fugitivo.
Após a abolição o negro some de qualquer representação, ele é ignorado como
ocupante de terras, as quais ele busca e instala-se fugindo agora da discriminação racial que o
condena a marginalidade.
Há portanto um grande vazio no registro destas populações que somente pode ser
preenchido pela memória destes povos.
Desta forma, para analisar a relação das comunidades quilombolas com e nos
remanescentes de Mata Atlântica e seus conflitos territoriais foi necessário buscar a memória
dessas comunidades acerca dessas relações, isto é, encontrar a origem dos bairros rurais
negros e sua posterior identificação quilombola, a forma pela qual as comunidades organizam
a produção material, as relações sociais e simbólicas dentro de um determinado contexto
espacial e cultural.
Recolhendo entre membros idosos das comunidades visitadas suas lembranças de um
tempo passado quando havia, segundo grande parte dos depoentes, “mais fartura e
liberdade”, foi percebida a importância das “lembranças” que constituíam a memória
individual e coletiva das comunidades. Desta forma, o aprofundamento acerca desta
complexa categoria tornou-se indispensável.
O fenômeno da memória em si, pode ser entendido como capacidade do indivíduo de
guardar seletivamente certas informações fazendo uso de funções psíquicas e cerebrais e
cognitivas. As pessoas fazem uso de sua memória o tempo todo. A cada instante, seja na
reprodução de um gesto corporal que em uma tenra idade apreendemos e o usamos
instintivamente, seja recordando a letra de uma música ou onde deixamos determinado
objeto. Contudo, ao mesmo tempo fazemos uso de nossa memória, recordando situações boas
ou más pelas quais passamos, memórias estas que são subjetivas e que a cada momento
podem aflorar de forma diferenciada de acordo ao contexto ou à nossa percepção da vida
naquele instante. A memória é lida e reinterpretada pelos sujeitos, daí a sua complexidade.
Alguns autores acreditam que neste processo há sempre invenção.
É comum ouvirmos expressões como “se não me falha a memória”, “memória de
elefante”, “lapso de memória” ou “minhas memórias”, a visão do senso comum sobre a
memória é de que esta seja um lugar profundo em nós, no qual guardamos nossas
experiências, é um depósito, uma espécie de caixa preta da qual tiramos e colocamos coisas,
registros. No entanto esse retirar é sempre uma leitura, mediada pelo sujeito que lê.
Porém, a memória é mais que a vivência armazenada de um indivíduo, ela forma parte
de um contexto social. O que guardamos e o que excluímos depende de nossas experiências
sociais e coletivas.
Muito embora os geógrafos tenham tradição no trabalho com entrevistas em suas
análises sociais, não há entre estes uma discussão teórica consolidada e estabelecida acerca
da memória como fonte de informação geográfica, apesar de muitos trabalhos recentes
valorizarem este aspecto. Buscou-se então essa discussão, ainda que de forma preliminar e
generalizada, na Psicologia, na Filosofia, nas Ciências Sociais e na História.
Para esta pesquisa interessou a memória de indivíduos enquanto parte de grupos
sociais, pois através da reconstrução de fatos registrados na memória se reconstrói uma visão
do passado a partir do presente, contudo, como veremos essa reconstrução está impregnada
da leitura simbólica com categorias do presente, mais genericamente do que os recordadores
são hoje. Por isso a memória pôde ser utilizada para pensar uma questão tão atual quanto a
das populações quilombolas. Segundo Pierre Nora, memória é o vivido e a história é o
elaborado. Então a memória permite atualizar a história a todo instante.
Neste sentido a teoria psicossocial de Maurice Halbwachs, herdeiro e continuador das
idéias de Émile Durkheim que enfatiza o papel que as representações e idéias dos homens
exercem na sociedade, ou seja, do predomínio do social sobre o individual.
Halbwachs desloca o eixo de interesse do indivíduo para o social, ele não está
interessado na memória propriamente dita e sim nas suas representações sociais, como bem
aponta o título de sua grande obra Quadros sociais da memória (1994[1925]). Pois para ele o
homem se caracteriza essencialmente por seu grau de integração no tecido das relações
sociais, afinal um homem que se lembra sozinho do que os outros não se lembram é como
alguém que enxerga o que os outros não vêem.
Isto quer dizer que boa parte do que somos, ou do que acreditamos ser, muitas de
nossas lembranças, ou mesmo de nossas idéias, não são originais, e sim foram inspiradas nas
conversas e vivências com outras pessoas. Somos criativos, mas nunca originais, pois que a
cultura é sempre transmissão. Com o passar do tempo, elas tecem uma história dentro de nós,
acompanham nossa vida e são enriquecidas por experiências e embates. Parecem tão nossas
que não sabemos o ponto exato de entrada em nossas vidas, pois em geral, este é um processo
inconsciente.
Cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva. A cada
instante refazemos nossas lembranças, a todo tempo inserimos novos elementos, nos
deslocamos espacialmente, conhecemos novas pessoas, etc. A mudança de perspectiva nos
impõe novos conceitos sobre determinadas situações.
Considerações finais
Os quilombos foram construídos como uma unidade básica de resistência do negro
contra as condições de vida impostas pelo sistema escravista. Hoje, os quilombos constituem
um legado material e imaterial de resistência com os quais os quilombolas desenvolvem e
reproduzem modos de vida característicos num determinado lugar.
Na Constituição Federal de 1988, foi assegurado às comunidades remanescentes de
quilombos o direito às terras por estas ocupadas, devendo o Estado atuar na titularização
dessas terras. Do direito conquistado pelo movimento negro surge a identidade política do
quilombola. Muitas comunidades, até então em geral ditas apenas “comunidades negras” ou
que habitavam as chamadas “terras de preto” passam a se assumir quilombolas. Diante deste
fenômeno houve uma ressemantização do conceito de quilombo, ampliando-o, propiciando
que um número crescente de comunidades passasse a se autodeterminar desta maneira.
De acordo com a Fundação Cultural Palmares existem hoje no país cerca de 1500
comunidades certificadas. Desta forma, muitas comunidades rurais negras passaram a
construir uma nova identidade, baseada no resgate do conceito de “quilombo”, com o
aparecimento de novos atores sociais, ampliando e renovando os modos de ver e viver a
identidade negra. Assim sendo, o fenômeno da memória passou a ter importância
fundamental num campo de disputas primordialmente territoriais.
Em alguns grupos sociais, as lembranças e as experiências individuais e coletivas são
transmitidas e partilhadas oralmente. Segundo Walter Benjamin (1983), a oralidade é um dos
elementos que dá à experiência individual e coletiva o seu peso tradicional na medida em
que, através de um elemento dito, um testemunho histórico autêntico é entregue, passado de
geração em geração. Por isso, na literatura científica comumente estes grupos são
denominados sociedades ou comunidades tradicionais.
Desta forma, as lembranças, as memórias de um grupo social devem ser entendidas
como documentos históricos de igual valor aos documentos escritos, pois possibilitam outras
versões sobre nossa história, que especificamente no caso das populações negras foram
descritas, em geral, apenas como escravizadas ou libertas, sem os matizes necessários para o
entendimento do papel destas populações na formação do país e seu povo.
É necessário, portanto, que se proceda a uma revisão historiográfica na qual o negro
seja visto como parte constituinte do que somos enquanto brasileiros e que a escravidão não
seja vista como um passado distante, mas como fato que produziu marcas que persistem sem
tratamento adequado em nosso formação social.
Assim, as questões que envolvem as populações quilombolas não podem ser tratadas
como episódicas e isoladas e sim incluídas em planos de ações com premissas, metas,
alocação de recursos e prazos determinados, ou seja, devem ser realmente incluídas e
integradas no planejamento público.
Bibliografia
ANDRADE, Manoel Correia de. Geografia do quilombo. In: MOURA, Clóvis. Os
quilombos na Dinâmica social do Brasil. Maceió: EDUFAL. 2001. p. 75-86.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Os quilombos e as novas etnias. In: LEITÃO,
Sérgio (Org.). Direitos territoriais das comunidades negras rurais. São Paulo: Instituto
Sócio-ambiental, 1999.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Quilombos: sematologia face a novas identidades.
In: Frechal – terra de preto, quilombo reconhecido como reserva extrativista. São Luís:
SMDDH/CCN-PVN, 1996.
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas. Reflexiones sobre el origen y la
difusión del nacionalismo. México: Fondo de Cultura Económica, 2006. 315p.
ARRUTI, José Maurício. Mocambo. Antropologia e história do processo de formação
quilombola. Bauru: Edusc, 2006. 370p.
ARRUTI, José Maurício. O quilombo conceitual: Para uma sociologia do “Artigo 68”.
Rio de Janeiro, (mimeo), 2003.
BARRETA ALMEIDA, Amanda. Entre o ser e o estar, existir e resistir. Identidade, luta e
modernização em comunidades de quilombos. O caso do Valo do Ribeira-SP. Trabalho
de Graduação Individual (Graduação em Geografia). Departamento de Geografia,
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2004.
97p.
CANTELE, Bruna Renata; SCHNEEBERGER, Carlos Alberto; AFONSO, Eduardo José.
Os povos das florestas. São Paulo: Editora do Brasil, 1998. 79p.
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e anti-racismo no Brasil. São Paulo:
Editora 34, 1999. 240p.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Geografando nos varadouros do mundo. Brasília:
IBAMA, 2003. 590p.
GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Terra de pretos, terra de mulheres. Terra, mulher e
raça num bairro rural negro. Brasília: Fundação Cultural Palmares, 1995. 260p.
GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Campinho da independência: um caso de
proletarização caiçara. 1979. Dissertação (Mestrado) PUC-SP, São Paulo, 1979.
HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização. Do fim dos territórios à
multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 395p.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. 189p.
LARRÈRE, Catherine; LARRÈRE, Raphael. Do bom uso da natureza. Para uma
filosofia do meio ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 358p.
LEITE, Ilka Boaventura. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. In:
Etnofráfica, Vol. IV (2), 2000, p. 333-354.
LOPES, Helena Theodoro. Negro e cultura no Brasil. Rio de Janeiro:
INIBRADE/UNESCO, 1987.
MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Hucitec, 1998.
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Ideologias geográficas. Espaço, Cultura e Política no
Brasil. São Paulo: Annablume. 2005
MOURA, Clóvis. Os quilombos na dinâmica social do Brasil. Maceió: EDUFAL. 2001.
378p.
MOURA, Clóvis. Os quilombos e a rebelião negra. São Paulo: Brasiliense, 1986. 100p.
MOURA, Clóvis. O negro: de bom escravo a mau cidadão? Rio de Janeiro: Editora
Conquista, 1977.
MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do quilombo em África. In: MOURA,
Clóvis. Os quilombos na dinâmica social do Brasil. Maceió: EDUFAL, 2001. p. 21-31.
MUNANGA, Kabengele. Negritude. Usos e sentidos. São Paulo: Ática, 1986, 88p.
MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil de hoje. São Paulo:
Global Editora, 2006. 224p.
QUEIROZ, Renato da Silva. Caipiras negros no Vale do Ribeira: um estudo de antropologia
econômica. São Paulo: EDUSP, 2006. 128p.
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: Lander,
Edgardo. A colonialidade do saber. Eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino-
americanas. São Paulo: CLACSO, 2005. p. 227-278.
REZENDE-SILVA, Simone. Negros na Mata Atlântica, comunidades quilombolas e a
conservação da natureza. 2008, 357p. Tese (Doutorado em Geografia Física) FFLCH/
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008.
REZENDE-SILVA, Simone. Camburi, território de negros, brancos e índios no limite do
consenso caiçara. Transformações de uma população tradicional camponesa. 2004, 214p.
+ anexos. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) FFLCH/ Universidade de São
Paulo. São Paulo, 2004.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
SANCHES, Fábio José Bechara. Identidade e conflito: a construção política dos
“remanescentes de quilombo” do Vale do Ribeira. 2004. 158p. Dissertação (Mestrado)
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004.
SÃO PAULO (Estado). Quilombos em São Paulo. Tradições, direitos e lutas. São Paulo:
ITESP - Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva”,
1997. 188p.
Ira y Miedo en Élites Latifundistas. El Discurso de la Sociedad Nacional de Agricultura
ante la Ley de Reforma Agraria. Chile, 1967
Rafael Arriaza Peña
Programa Magister en Historia, Universidad de Chile
1.- Introducción
El mundo agrario y el poder tienen una estrecha relación, la que se acentúa en las sociedades
latinoamericanas dado que esta unión proviene de una articulación de varios siglos. Es de esta
manera como la tierra se transformó en un elemento constituyente que, de una u otra manera,
significó, desde el imaginario y la representación social, un símbolo de poder, amparado en
un régimen que sostiene la propiedad privada como uno de sus grandes privilegios. A su vez,
además de esta carga simbólica, la tierra es un dispositivo de poder de las élites. Por todo lo
antes señalado, es que su estudio es primordial para la configuración de una memoria
histórica útil a las necesidades del presente porque, en grados variables, nuestra historia
reciente está cruzada por hechos de violencia que han dado origen a lo que somos y
especialmente se acentúa en el campo (Kay, 2001; Kay, 2007). De aquello radica la
necesidad de realizar estudios sobre estas relaciones. Específicamente, este trabajo, intenta
comprender la forma en que la élite, un actor primordial, percibe su realidad y cómo actúa
ante procesos donde su dominio se ve amenazado. Esta tarea se intenta lograr por medio del
estudio de las emociones, específicamente de la ira y el miedo. En este sentido, se sostiene
que la ira y el miedo son emociones que influyen directamente en la construcción de sentido
de la élite y que, en su conjunción, evidencian dos formas discursivas específicas
(macroformas) interconectadas. Lo anterior dado que la década de sesenta para las élites en
general y latifundistas en particular, es un contexto que perciben amenazante, que rompe sus
esquemas tradicionales, especialmente por las iniciativas de Reforma Agraria, que perciben
como un agravio e injusticia al ser, según ellos, condenados por los pesares del campo en
Chile, como una traición política de Frei, al que habían apoyado electoralmente, potenciando
la ira padecida. Para lo anterior, se analiza historiográficamente la ira y el miedo evidenciada
en los discursos de la revista El Campesino de enero a diciembre del año 1967, cuando se
promulgará la Ley de Reforma Agraria N° 16.680. A su vez, relacionar emoción, ira, miedo y
discurso, determinando las percepciones y comportamientos de estas élites. Este se realizará
mediante el análisis de discurso de un corpus integrado por las editoriales de la revista El
Campesino de propiedad de la Sociedad Nacional de Agricultura (en adelante SNA) que es la
organización gremial que agrupa a los dueños de fundos. En este sentido, su discurso refleja
tanto su cognición social como la que buscan proyectar.
El trabajo se realizará en tres grandes momentos. El primero, es una puesta teórica-
metodológica sobre emociones, ira y miedo. Con ello se busca configurar un piso conceptual
donde alojar el estudio de las emociones en la historia. Luego, siguiendo algunas líneas
metodológicas de Rosenwein (2010) y Frevert (2011), se construye un “contexto denso” que
permita precisar históricamente las emociones estudiadas. Finalmente, se establecen dos
grandes macroformas de la ira y el miedo, las cuales, están expresadas en las editoriales ya
expuestas. Luego, se realizan las conclusiones y las proyecciones del estudio hacia futuras
indagaciones sobre el tema.
2.- Ira, miedo y discurso.
Las emociones son fenómenos complejos que están ligado a la cognición en tanto son fruto
tanto de la toma de consciencia del ser humano como de la interpretación que hace de la
realidad. Las emociones, por lo tanto, son imprescindibles para el desarrollo interpretativo del
ser humano, en tanto consideran la toma de valor de diferentes objetos (Nussbaum, 2008;
Timmermann, 2014). Por ello, entendemos las emociones como parte importante de la vida
humana en tanto funciona como una estructura mental de significados e interpretaciones
personales. En este sentido, lo cognitivo interviene en todo momento en la emoción,
potenciándola o inhibiéndola e, incluso, agregando pautas (o no) para la acción (Pacheco,
2011). Es decir, lo cognitivo, en cuanto interpretación, actúa en las emociones. Esto porque
“la emoción es una consecuencia de los procesos cognitivos” (Chóliz, 2005: 29), que son
parte de la toma de decisiones (Frevert, 2011), apoyando la racionalidad por medio del
otorgamiento de relevancia y la meta-formación (Shkurko y Shkurko, 2014). Además, aporta
información sobre el mundo como actos de pensamiento que tienen un estrecho vínculo con
juicios, percepciones y suposiciones que varía acorde al contexto y la cultura (Vendrell,
2009). De aquí la importancia de construir contextos históricos lo más precisos posibles, pues
de ellos, se comprenderá el actuar humano, como también lo señala Rosenwein (2010),
Frevert (2011) y Timmermann (2015).
2.1.- Ira
La ira es una emoción que tiene connotaciones múltiples porque, como señala Nussbaum
(2016), tiene una mixtura de componentes éticos y morales que han marcado la forma en que
se ha entendido. Además de tener componentes culturales y biológicos. Por otra parte, ha sido
considerada como una emoción común, primaria o biológica (Maureira y Sánchez, 2011), una
alteración que hace perder la “luz de la razón” y el “autocontrol”, una manifestación de
“locura pasajera”, es decir una enfermedad (Walton, 2005: 71), como fuerza torrencial y
compulsiva (Walton, 2005), al estar “fuera de control” (Potegal, 2010). Para Bodei (2013),
“en general, la ira nace de una ofensa que uno considera haber recibido inmerecidamente”.
Agrega que es un “golpe” doloroso asestado por otro en el “amor propio” o exagerada
“autoestima”. Por la “convicción” de ser “traicionados”, insultados, engañados, manipulados,
despreciados, humillados, maltratados, privados del respeto debido o de cualquier trato
injusto o indebido (p. 13). Posee una multicausalidad y se desarrolla de forma variable
(Berkowitz y Harmon-Jones, 2004; Walton, 2005) porque, como otras emociones, está
profundamente ligada al momento y al contexto en que se produce (Ratzinger, 1995) como a
la situación cultural (Rosenwein, 1998). También, para sentir ira, se debe tener un conjunto
de creencias que lleve a considerar un acto como perjuicio para el yo o un cercano que
provoca un daño importante realizado por alguien intencionalmente (Nussbaum, 2004).
La ira, en contextos particulares, es un motivador de la acción justa (Potegal y Novaco, 2010)
que posibilita la movilización de energía para las acciones de autodefensa o ataque cuando se
perciba una injusticia (Chóliz, 2005). Surge, además, cuando el mantenimiento de la jerarquía
social es amenazado o cuando se percibe un desaire injustificado. También la ira puede surgir
cuando se percibe una agresión, proporcionando una respuesta ante esta (Potegal y Novaco,
2010). Por otra parte, actúa frente a una amenaza latente al orden social, constituyendo un
apoyo al orden moral cuando están siendo atentados (Chóliz, 2005) y actuando para mantener
dicho orden social. A lo anterior se llama “ira justa”, la cual depende del contexto y de la
posición social (Potengal y Novaco, 2010: 19). Su función es movilizar energía para la
eliminación de obstáculos que impiden la consecución de los objetivos deseados y que
generan frustración. No obstante, no siempre concluye en una agresión pero sirve para inhibir
acciones indeseables de otros sujetos (Chóliz, 2005). Representa, también, a veces un exceso
de legítima defensa del espacio psíquico y físico como del sistema de creencias con la que el
individuo o el grupo se identifican (Bodei, 2013).
Políticamente, la ira funciona como un activador de conductas sociales, donde el grupo
actuará conforme a su interpretación o percepción de los acontecimientos. Por ello, tiene un
contenido de responsabilidad del grupo que la padece en tanto que éste, según apuntamos
arriba, se siente ante una situación de injusticia para actuar. Por lo tanto, funciona como
movilizador social. Importante es resaltar que existe la posibilidad que, aun cuando la ira es
un catalizador de acción y movilizador de grupo, en muchos contextos puede no ser el
resultado del contexto próximo, porque, primero, al ser difundida y mantenida en el tiempo
produce resentimiento. Segundo, quizás más importante, surge cuando la injusticia, el daño o
agravio no es posible de ser reparado o anulado, lo que origina la rabia, la cual se distingue
de la ira, en tanto no responde a un objeto particular, constituyendo una ira intransitiva que
posee un incalculable poder de destrucción (Cruz, 2014).
Desde el punto de vista del desarrollo temporal, se presenta en diferentes grados, lo cual
quiere decir que mantiene intensidades diferentes ante los posibles instigadores que se han
señalado. Estos pueden ir desde la indignación y la amargura hasta la furia descontrolada,
dependiendo de la interpretación que se haga de la ofensa o agravio y las posibilidades
contextuales que se den para liberar la ira (Bodei, 2013). Esto también es sostenido por
Nussbaum (2008), para quien las emociones tienen diferencias de intensidad, siendo la ira
proporcional al daño que se cree sufrir. Walton (2005) indica que se puede ser producto tanto
de un “periodo de cavilación lógica” como de “un ataque espontáneo”. Esto lo refuerza
indicando que, incluso temporalmente, puede ser aliviada, pero ante la permanencia o no
solución del objeto que la genera, puede aumentar (p. 72-77; Potegal, 2010: 386). En este
sentido, Potegal (2010) desarrolla de mejor manera la temporalidad de la ira por medio de la
intensidad y duración. Acorde a su propuesta, existe una dinámica de un patrón asimétrico de
trayectoria de la ira que escala, permanece y tiene una decadencia.
En esta dinámica, en un primer momento, una vez originada la ira, comienza un proceso de
“escalada” que se asocia a su trayectoria caracteriza por un aumento vertiginoso, rápido y
acelerado con una caída lenta y pausada. Dicha trayectoria, en cuanto a la permanencia, tiene
dos elementos a considerar. Por una parte, un rasgo no menor, es que todo el proceso está
mediado por variables sociales y, por otra, varía ante el conocimiento o desconocimiento del
mismo evento o acto instigador. Específicamente, si existe una situación recurrente o
familiar, la ira, tiende aumentar más rápidamente que en situaciones donde no existen estas
características, por lo tanto, aumentará de forma más lenta.
Finalmente, la “terminación de la ira” entendida como el proceso en que ésta deja de ser
experimentada. Para ello, siguiendo a Potegal (2010) utiliza tres grandes conceptos, decay,
quenching y catarsis, los que se complementa con Bodei (2013). El primero de ellos es
decay. Este sería una disminución gradual de la ira con el paso del tiempo, sin la intrusión de
estímulos externos o extrínsecos, por lo tanto, se asocia a un estado natural donde se
muestran ciertos patrones geométricos constantes de disminución, es decir, la ira decae de
forma constante. Se desprende que sería un proceso de auto-apaciguamiento. El segundo,
quenching, por el contrario, se asocia a procesos externos que anulan, interrumpen o terminan
la ira. Acá entra en juego un componente externo como el “otro”. La disculpa, uno de estos,
sin embargo, depende del grado de autenticidad percibida por el sujeto que siente la ira. El
último punto trabajado es la Catharsis. Esta como acto permite sacar la ira, es decir,
exteriorizar el enfado y enfocarlo en algo. Como ya se indicó se agregan las pautas
establecidas por Bodei, los cuales alude como “Remedios”. El principal sería la razón. A tal
punto que, siguiendo a Nietzsche, sostiene que la oposición pasión-razón surge como “una
formación reactiva” a los excesos de legítima defensa de la pasión, o de la ira en este caso.
En este sentido, la razón es la que pone los límites. De igual forma, la paciencia apacigua las
aguas de la ira, en tanto da las condiciones para no responder a la ira o el ataque.
En síntesis, entendemos la ira como una emoción compleja que se genera ante la percepción
por parte de un individuo de una situación de agravio e injusticia, donde el mantenimiento de
la jerarquía social se ve amenazada por una agresión injustificada, surgiendo como apoyo al
orden moral ante la amenaza del orden social. Por lo tanto, su contexto de producción es
cuando se percibe una situación de agravio, ofensa o injusticia que involucra un menoscabo y
una humillación para el “yo” o mi grupo social. Finalmente, moviliza energía para la
eliminación de los obstáculos que impiden o generan dichas situaciones. La cual está
potenciada o inhibida por elementos externos e internos.
2.2.- Miedo
El miedo, al igual que la anterior, es una emoción compleja, puesto que se articula por medio
de dos componentes: el biológico y el cognitivo. Además, se acrecienta esta complejidad
dado que se produce por diferentes “instigadores”, siendo su constante la evaluación de una
situación como potencialmente peligrosas. Es necesario considerar que, también, existe una
variación importante en los procesos cognitivos implicados que van desde una valoración
primaria -amenaza- o valoración secundaria -ausencia de estrategias de afrontamiento
apropiadas. Esta emoción tiene una funcionalidad clave, la facilitación de respuestas de
escape o evitación de la situación peligrosa permitiendo que el organismo reaccione
rápidamente. Para ello moviliza gran cantidad de energía que permite ejecutar respuestas de
manera más intensa que en condiciones normales. Según Bauman (2007), el miedo es
provocado por aquello que no podemos controlar, lo que denominando incomprensión, es
decir, miedo es el nombre que damos a nuestra incertidumbre e indefensión (10, 124). Por
ello, entendemos al miedo como una experiencia que genera un efecto emocional variable
debido a la interpretación de una vivencia, objeto o situación como potencialmente peligroso,
cuando su control o anulación es incierto. En este sentido, lo central es una situación que
genera inseguridad, lo que permite visualizar su desarrollo temporal como el tránsito hacia la
búsqueda de un contexto de seguridad (Timmermann, 2015: 163).
Dada su enorme complejidad y dispersión precisaremos algunos elementos del miedo desde
la teoría de Timmermann (2015), considerando la historiografía y la psicología. El primero es
la inseguridad, puesto que, como ya se dijo, temporalmente se busca la seguridad, es decir,
enfrentar la incertidumbre. Por ello, su función es crear dentro de la sociedad el consenso
necesario para aceptar la situación dentro de ciertos límites que llevan a aislar la peligrosidad
(154-165). El segundo elemento es su psicofisiológica. Esto se refleja en la aceleración en la
frecuencia cardiaca, un incremento de la conductancia y de las fluctuaciones de la misma
(Chóliz, 2005). Siendo un estado de alarma que provoca reacciones, liberando energía
inhabitual y difundiéndola en el organismo, descarga que es en sí misma una reacción
utilitaria de la legítima defensa. Esto evidencia que los miedos son generados y desarrollados
a partir del cuerpo. Por otra parte, constituye en un estado de desorientación, ceguera afectiva
y constituye el problema más importante de la vida: el sufrimiento psíquico (Timmermann,
2015: 166-168).
2.3.- Discurso
Se debe precisar que la metodología propuesta toma concepciones teóricas y metodológicas
del análisis de discurso, el cual se entiende como un “evento comunicativo específico” (Van
Dijk, 1999: 247-249) que opera como una unidad observacional, es decir, la unidad que se
interpreta al ver o escuchar una emisión(Van Dijk, 1997: 20). Este tiene un potencial para
crear las condiciones para la formación del sujeto y la estructuración y configuración de las
sociedades. De esta manera, el discurso también tiene la posibilidad de determinar la
realidad, representando una propia que, en relación con la “realidad real” se nutre de
discursos pasados así como de otros discursos coetáneos (Jager, 2003: 65-66). De esta forma,
se comprende que posee una función normativa y reguladora y pone en marcha mecanismos
de organización de lo real a través de la producción de saberes, estrategias y prácticas (Revel,
2008: 34). Lo cual también se evidencia en que busca establecer verdades y sentido
psicosocial (Shmal y González, 2005).
Se trabaja en base a un corpus de editoriales, lo cual, nos lleva a analizar la noticia. Esta es
una forma de “discurso público” que evidencia tanto las prácticas sociales como la ideología
y el contexto de producción (Van Dijk, 1990: 9, 17). El análisis del discurso de la prensa
escrita entrega herramientas eficaces para comprender la forma en que se relaciona texto-
contexto dado que puede mostrar estructuras que tienen una naturaleza sistemática,
gobernada por reglas, en tanto que, a su vez, muestra propiedades que son en gran medida
determinadas por el contexto (Navarro, 2008; Van Dijk, 1990: 44-45).
La estructura retórica de la notica implica su fin persuasivo con respecto a un público amplio
al cual se le envía un mensaje esperando que el lector construya una representación textual y
un modelo situacional acorde a las intenciones del lector. Es decir, se desea que el éste
comprenda que lo que se dice. Además, tiene la intención de ser una afirmación, un ruego o
una amenaza y, a su vez, que crean en esto, realicen acciones requeridas y ejecuten las
órdenes. Esto, porque la noticia promueve las creencias de grupos de la élite de la sociedad,
buscando que los mensajes emitidos sean aceptados como verdaderos o reales. En
consecuencia, presupone una cierta coherencia mínima, una conexión con otros
conocimientos y creencias que ya poseemos. En este proceso no implica, necesariamente, una
buena argumentación sino que los elementos implícitos o explícitos influyan en el trabajo
cognitivo. De esta manera, para esta investigación, se entiende que el discurso emitido por las
editoriales, influye en la construcción de sentido de la misma élite de tal modo que influyan
en cambiar creencias y opiniones (Van Dijk, 1990: 123-124, 135), lo cual lo realiza por
medio de las emociones puesto que están vinculadas con la cognición y, el discurso, se enlaza
con ellas, dado que tiene el potencial de generar representación y producción de cognición
social. Por lo tanto, la producción de la noticia tiene un vínculo con la emoción en tanto
provoca un impacto “sociocognitivo” (Van Dijk, 1990: 9-10).
De esta manera, acorde a lo señalado, se estudia el discurso identificando frases que denoten
o connoten, en un primer lugar, ira y, en un segundo momento, inseguridades (miedos)5. Con
5 Se desarrolla en ello un trabajo de correferencia léxica buscando establecer una cohesión léxica, determinada
por una semejanza referencial dentro del texto. Se sigue a Seguimos en líneas generales lo planteado por
Kerbrat-Orecchioni (1997) con adaptaciones.
ello, dado que se tienen documentos que reflejan una dinámica temporal (enero-diciembre) se
establecen las macroformas textuales de las emociones estudiadas. Más detalladamente, se
determinan secuencias de los textos acorde a las oraciones que están presentes en él, las
cuales, serán integradas en un nivel mayor en dos niveles. Primero, las “coherencias locales”.
Son relaciones semánticas en términos de oraciones individuales de la secuencia, de esto,
surge la segunda, las “globales” que son la que caracteriza al texto como un todo. Con ello, se
establecen los contenidos globales del discurso, es decir, la macroestructura que permite
establecer el “tema” o “temas” o “idea general” (Van Dijk, 1997: 17-19), en este caso de la
ira y el miedo. Se obtiene una coherencia pragmática relacionada a los textos y sus contextos,
lo cual, lleva a explicaciones cognoscitiva, historiográfica, de los discursos emitidos por
medio de las editoriales.
Finalmente, dado el corpus y el contexto estudiado, se hace pertinente definir dos conceptos
que marcan las diferentes macroformas textuales evidenciadas en las fuentes. El primero,
inmanencia, que hace referencia a que el ser queda inscrito en lo experimentable o finito y su
realización o ejercicio no pone al efecto como existente fuera de ella, donde el viviente es a la
vez agente y paciente o sujeto actuado. El segundo, la trascendencia son las experiencias que
sobrepasen los límites que señala la inmanencia (Pellegrino, 1983).
3.- Los contextos: Poder, Patrón-inquilino y la tierra
3.1. El sistema sociocultural del mundo agrario hacia la década del sesenta en Chile
La tenencia de la tierra en Chile es una estructura que se define, en no poca medida, en la
época colonial (Chonchol, 1994; Kay, 2007; Illanes y Recabal, 2015), mantenido durante la
formación del Estado nacional y el siglo XX (Gómez, 2004; Kay, 2001), que es cuando se
origina la concentración monopólica y el opresivo sistema laboral que se veía agudizado por
el sistema de inquilinaje que se mantenía como el núcleo del campo (Tinsman, 2009). Este es
el marco o telón de fondo del proceso de cambios que se comenzará a vivir (Valdés, 2007).
Los terratenientes se preocupan más por defender, mantener y exigir el control de la
población rural que en proponer políticas de fomento agropecuario, lo que logran gracias al
control de una “clientela cautiva”, que constituye la base del poder social y de su posición
hegemónica frente al resto de la sociedad y del Estado. La tierra daba más prestigio que
dinero, es decir, funciona como un dispositivo tanto de acceso al poder como de poder. De
esta forma, el “mecanismo agroestatal” funciona con la hacienda y la familia del propietario
concentrando amplios recursos territoriales y, con ello, a la población que vivía y moría al
interior del fundo (Bengoa, 1984: 115-116; Gómez, 2004). En este sentido, como señala Kay
(2001) existió un domino pacífico por parte de la élite.
Por otra parte, los “patrones” se caracterizan por ser un grupo heterogéneo e inseguro de
poder mantener su estatus. A su vez, importante es destacar que su poder es de gran
profundidad y funciona como una red que se despliega por todo el interior de la sociedad
(Gómez, 2004). Se vanaglorian de su "chilenidad”, por proveer de alimentos al país y,
además, por su rol como colonizadores. Se relacionan con los inquilinos por medio de una
autoridad paternalista, ellos son los que cuidan, deciden y vigilan. Para ellos, los campesinos
eran vistos como indios toda vez que debían servir y eran subordinados (Tinsman, 2009: 48-
49). Estos perciben un sueldo que no alcanza para la subsistencia y el sistema de regalías solo
funciona para un trabajador por familia. Por lo tanto, están en los últimos peldaños de la
escala social, situación que materialmente va empeorando. Finalmente, se debe considerar
que, por una parte, existía una violencia económica estructural que afectaba la forma de vida
de la mayoría desde los tiempos coloniales que favorecía a las élites (Timmermann, 2014).
Por otra, con la llegada de la Industrialización por Sustitución de Importaciones (ISI), al
orientarse al mercado interno, se genera una presión sobre el agro, dado que los bajos valores
de los salarios de sus trabajadores conspiraban contra la magnitud del mercado (Moulian,
2006), por ello, el desarrollo agrícola iba por detrás del de la población (Angell, 2009).
3.2. Reforma Agraria y la crisis del poder latifundista (1964-1970)
En 1964, en plena Guerra Fría, es elegido como presidente Eduardo Frei Montalva de la
Democracia Cristiana, colectividad policlasista que se constituye como un centro ideológico,
fuerte y variable. Disputa, en este sentido, tanto el poder a la derecha como la izquierda
(Torres, 2014). Presenta como un proyecto alternativo, la “Revolución en Libertad”, la cual
podían realizar sin el apoyo de otros sectores políticos (Lomnitz y Melnick, 1998). Sin
embargo, contó con el apoyo electoral de la derecha que, ante la eventual elección de
Salvador Allende como presidente, decide apoyar a Frei, inclusive genera una “campaña del
terror” en contra de éste (Casals, 2016; Torres, 2014; Giordano, 2014). Propone la realización
de reformas estructurales basadas en cambios sociales y económicos, proyectadas también al
agro, siendo uno de sus pilares la reforma agraria. Se consideraba que la permanencia de
estas estructuras sociales atrasadas en el campo eran un obstáculo para la modernización,
pues daba origen a la pobreza y atraso del país (Gómez, 2004). Aplicar estas reformas
provocará un aislamiento de la Derecha (Moulian, 2006; Angell, 2009). El proceso comienza
con Ley de Reforma Agraria N° 15.020, del gobierno de Jorge Alessandri, que no tiene
grandes repercusiones porque no toca un elemento central, el derecho a propiedad, lo que es
modificado por Frei Montalva por medio de una nueva Ley de Reforma Agraria N°16.640
(Moulian, 2014). El lema es “La Tierra para Quien la Trabaja” y la promesa es que se “haría
del campesino su propio patrón”, pero sin derribar a la élite propietaria (Tinsman, 2009: 91-
97), sin buscar la propiedad privada sino la conformación de cooperativas (Valdés y Foster,
2005). De esta forma, esta nueva ley tiene un aspecto cultural significativo, puesto que
activará los miedos de la élite de perder su dominio, porque no solamente se busca cambiar y
solucionar el problema económico del agro sino que, además, procura corregir la autoridad
patronal y la dependencia cultural, quebrando la “Subordinación ascética” del campesino
(Bengoa, 1984: 116). Esto significa aumentar la base social del régimen político que antes
había sólo sido dominado por las élites (Gómez, 2004).
Uno de los efectos que tendrá la aplicación de las reformas estructurales es que, con la nueva
ley, el campesino, en tanto “clientela cautiva”, pasa a ser “clientela en disputa”, dado que se
realiza desde los sectores externos al campo (urbanos, medios y obreros) organizados “desde
arriba”, como una forma de generar una contención de la izquierda (Giordano, 2014: 105).
Esta “clientela en disputa” se constituye como un grupo al que se debe captar para obtener
mayores cuotas de poder y que se disputan tanto el sector democratacristiano como marxista
que, a su vez, critican a los latifundistas (Bengoa, 1984: 118; Bengoa, 2015) dado, también a
la reforma electoral del 58 (Kay, 1980)6. Por otra parte, desmantela la abigarrada estructura
de sujeción social y política que establecían las haciendas (Giordano, 2014: 106). Por ello,
liquida dos grandes tradiciones del campo chileno, la hacienda y el inquilinaje como sistema
de relación laboral, social y cultural (Bengoa, 1984; Bengoa, 2015).
También se deben considerar es que los latifundistas serán el gran flanco de las explicaciones
que se esgrimieron en la década sobre la situación de la región. La FAO, CEPAL y EE. UU
sostiene que el problema agrario es el sistema de tenencia de la tierra el cual se debe
reformular (Casals, 2016). Se debe considerar que desde las elecciones parlamentarias de
1965 la Derecha, representante de las élites latifundistas, pierde gran parte de su capacidad de
6 Esta reforma otorgó una cédula única y asegura el voto secreto (Kay, 1980). Además, se derogó ese mismo año
la “ley maldita” que mantenía en la ilegalidad al Partido Comunista (Torres, 2014).
“veto” que mantenía, a tal punto de ver casi prácticamente desaparecida su representación
parlamentaria, donde obtuvieron sólo 9 diputados y siete senadores, los cuales provenían de
la elección de 1961. Tendencia que se visualiza ya para comienzos de la década. Si se agrega
que la Iglesia Católica se vuelca hacia la Democracia Cristiana hacia comienzo de la década
de los sesenta, esto limitaba aún más su poder (Gómez, 2004). Este contexto lo que
demuestra es una pérdida del ejercicio del poder de la derecha en particular y los grupos
latifundistas en particular. El modelo de autoridad, a su vez, se ve cuestionado en cuanto a su
legitimidad por las reformas ya señaladas, desde los simbolismos e imaginarios, al rol que
deben ejercer (Araujo, 2016).
En síntesis, en este contexto, el poder de las élites latifundistas, sostenido por más de un
siglo, comienza a experimentar un fuerte proceso de cuestionamiento tanto de la legitimidad
del poder como de su autoridad, dado que se comprende que los problemas económicos y
sociales del país son producto del sistema de tenencia de la tierra, por lo tanto, son las élites,
a su mismo entender, las responsables. Dicho cuestionamiento, abalado por los partidos
políticos de centro e izquierda, organizaciones internacionales como FAO y CEPAL, los
propios campesinos y, especialmente para el año trabajado, el gobierno de turno, configura
un escenario inédito para ellos, conformando una atmósfera de tensión, que llevará a la
interpretación de la realidad que interpelará la propia cognición individual como social de los
acontecimientos vividos, formando una matriz interpretativa mayor sobre su rol histórico-
político-nacional. Lo anterior, da paso a los padecimientos de emociones, aunque no
exclusivamente, como la ira y el miedo.
4.- Ira y miedo: las macroformas textuales del discurso de la SNA
4.1.- Macroforma textual I: Ira e inmanencia, enero-julio.
En este apartado se trabajará con las herramientas metodológicas del análisis de discurso,
específicamente en base a un corpus de textos compuesto por las editoriales de la revista El
Campesino. En ellas, se evidencia la existencia de dos grandes macroformas textuales de la
ira y el miedo. La primera, de enero a julio, caracterizada por una ira discursiva latente7,
controlada y que se legitima por medio de elementos inmanentes. La segunda, julio-
7 Entendemos la latencia como el proceso, psicológico, que transcurre entre la aplicación del estímulo y la
respuesta observable. (Galimberte, 2002).
diciembre, se diferencia por la aparición tanto del miedo como de elementos trascendentes.
Entre ambas, es la promulgación de la ley la que marca el quiebre.
La primera macroforma, evidencia la producción de ira, en cuanto manifiesta una situación
injusta pero, aún, la ley no ha sido promulgada, por lo tanto, el instigador de dicha emoción
no está claramente establecido. Esa ira es “remediada” o calmada por medio de la exposición
de elementos inmanentes ligados a la proyección académica, a las argumentaciones
económicas y los costos que la posible reforma podría tener. La “escala” de la ira es, por lo
tanto, lenta, de menor intensidad en comparación la siguiente. La percepción de agravio es
soportada por medio de estos elementos.
Entre los meses de enero-febrero no hay alusión a la nueva ley. Sin embargo, desde mayo de
1965 se aprecian editoriales que ya evidencian ira hacia el gobierno, ya que tanto la política
de precios de papas y frijoles se percibe injusta, pues para la SNA el Estado ha “fracasado”
en mantener las condiciones normales del mercado, sosteniendo que “Cuando un precio se
dispara, ningún productor reclama porque se estimulen las importaciones, bajando impuestos
y recurriendo a toda clase de medios”. Si bien se entiende que “El Estado, en ese momento,
está cumpliendo con su obligación de mantener la normalidad del mercado” y que “Lo está
haciendo en favor del consumidor, que es ciudadano”, se agrega, “¿Cuándo la situación es
inversa?”, “¿Acaso el productor no es también un ciudadano, que también tiene derecho a un
mercado normal?”. No obstante “el problema es que, desgraciadamente, el Estado, que
prácticamente intenta absorber la agricultura, planificando el desarrollo, expropia las
empresas, instala nuevos propietarios, organiza la producción con ellos…, no es capaz de
mantener un mercado razonable para las papas y fréjoles”. Expresan que anteriormente, “Los
gobiernos pudieron pasar insensibles frente a los problemas de precio, cuando había un
empresario que absorbía pérdidas y que acudía en amparo de sus trabajadores aunque los
negocios fueran mal”, pero que “La situación actual no puede durar. Por este camino van a la
quiebra los empresarios, pero antes se liquidarán los asentados…”. Se ven agredidos por
parte del gobierno que no los trata de forma justa. Sin embargo, sus respuestas son sólo
discursivas. En síntesis, ellos, al ser productores, son menoscabados en favor del consumidor
a quien el Estado está protegiendo y, en cambio, cuando la situación es inversa no existe tal
protección. La ira que se expresa en este discurso es menor y, a pesar de existir una ofensiva
contra el Estado, se busca argumentar desde la racionalidad económica. Para ello citan a
expertos como “Yudelman del BID”, “Reuss”, al “Dr. Schulz” (p. 11) .
Posteriormente, en el mes de junio, la revista sigue el mismo camino ya señalado, plantear
ante sus lectores una situación donde no existe un trato igualitario para todos los
“ciudadanos”, incluyendo argumentaciones académicas. La novedad recae en que ahora, a
diferencia del mes anterior, si es explícita la percepción de la ira existente, en cuanto acción
contra la propuesta legislativa del gobierno. En la editorial “Nuevas voces en el problema
agrario”, se ataca a la Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la
Agricultura (FAO), “Una sola voz se había venido haciendo sentir respecto de los problemas
del desarrollo agrícola en América Latina”. Se le critica que “Personalidades de indiscutible
solvencia científicas”, como los ya citados “Schulz” y “Yudelman”, además de “Mamalakis”,
son “Curiosamente ignorados por los organismos internacionales”. Estas “nuevas voces” han
indicado que “se ha seguido un modelo económico equivocado, que es el que no permite que
la agricultura prospere” y, de hecho, citando a Yudelman, “Muchos de los supuestos
beneficios y desventajas atribuidos a la reforma agraria están basados sobre hipótesis que no
han sido probadas.” Siendo necesario considerar que “La mala teoría económica aplicada a la
reforma agraria puede conducir a la mala política”. Por ello, “Los gobernantes deben tener en
conciencia de que hay estas otras voces” que “con imparcialidad […], llaman la atención
sobre las consecuencias nefastas que, aun en el orden político, pueden originarse por
reformas agrarias mal planteadas en su sentido económico” (p. 13). Es una acción discursiva
frontal, con frases que denotan que existe activada una emoción tanto por percepciones de
inseguridad como de injusticia.
4.2.- Macroforma 2: ira, miedo y trascendencia, Julio-Diciembre.
La segunda macroforma, surge una vez que se toma consciencia que la ley de Reforma
Agraria será promulgada. A diferencia de la anterior, siguiendo a Potegal (2013), la escala de
la ira es vertiginosa y, salvo una ocasión, su intensidad discursiva no baja. Además, tampoco
tiene posibilidades de “salida” o “remedio” dado que no existe ni un proceso de Decay,
Quenching ni de Chatarsis. Es decir, no existen ni posibilidades de estímulos externos ni
internos para disminuir la ira. Al contrario, contextualmente, los estímulos externos de
agravios aumentarán, ahora el campesino se comienza a empoderar y sobrepasará la reforma
técnica (Bengoa, 2015). Por lo tanto, no hay posibilidad de “terminar la ira”. Ante esto, los
elementos trascendentes comienzan a ser parte del discurso de la SNA. El miedo, a su vez,
comienza a ser padecido dado que perciben una inseguridad fundada en la pérdida efectiva de
su lugar privilegiado en la jerarquía social, recordando que ha modificado la constitución
sobre el rol de la propiedad (Gómez, 2004; Bengoa, 2015). Por estos conocimientos,
experimentarán una ira activa, dejando la latencia de la primera macroforma. El enemigo, en
este caso, no son los campesinos –aún-, sino que el presidente Frei Montalva. Este, según su
interpretación, los ha traicionado, engañados dado que electoralmente, como se ha dicho, lo
han apoyado, provocando un agravio hacia el “yo”. La percepción de amenaza como bien
señala Oszlak (2016) se hace patente y la posibilidad de ser efectivamente afectado por la
legislación ya es real.
Es de esta forma, la publicación de la ley es percibida como un punto de inflexión en el
desarrollo histórico y, permea, indudablemente, en el desarrollo emocional. Lo anterior, es
proyectado, entonces, como un acontecimiento, en tanto quiebra un orden de siglos (Pomian,
1998; Chartier, 2007; Trebitsch, 1998)8. La editorial de la revista cambia su tono y
modalidad. Ahora no seguirán argumentando en contra, porque la ley es publicada. Ante esto,
como el título lo indica, en dos planas, se llama a “La unión de todos los agricultores” dada la
“desesperanza” que los “abate”. El discurso comienza a ser violento, o a insinuar la
realización de acciones de ese tipo. Se expresa que “Las vacilaciones no se compadecen con
la urgencia y gravedad del momento” y “Se formula el más ferviente y apasionado llamado a
la unión”. El miedo, la inseguridad, también marca su presencia, pues afirman que “Frente a
las amenazas que significan las disposiciones jurídicas próximas a ser ley de la República
[…]” los agricultores tienen “[…] derecho de exigir seguridad para el empresario agrícola
eficiente”. Miedo e ira, están mezclados, tanto porque el futuro les provoca les es
amenazante. El llamado que realizan denota impaciencia y son perentorios en sostener que
“Ya no bastan las palabras y las promesas. Hoy exigimos hechos” (p.12).
La existencia de una emoción, la ira, comienza a influir en mayor grado en la producción de
sentido de la SNA, pues expresan que “No estamos dispuestos a aceptar que incontrolados
desbordes sigan manteniendo en la zozobra la inquietud a quienes se les supone el “delito” de
trabajar un pedazo de tierra haciéndolo producir con eficiencia”. La connotación de la frase
deja claro que la acción que realizarán buscará remediar lo que perciben les afecta de la
acción del gobierno. Consideran necesario y justo que los agricultores se unan, de forma que
8 Siguiendo a Braudel (2002) es un hecho de “corta duración” y “explosivo”. Sin embargo, además se debe
considerar que para este trabajo, complementando lo anterior, son rupturas del equilibrio o el restablecimiento
de éste, lo que lo distingue de la trama normal. Por lo tanto, las rupturas y discontinuidades más fundamentales.
(Pomian, 1998; Chartier, 2007; Trebitsch, 1998).
puedan tener la “estabilidad y tranquilad” que exigen (p. 13). Agregan que “Nadie tiene el
derecho de exigir ventajas o preferencias, pero tampoco los agricultores podemos aceptar que
por tener la misión de alimentar a la población del país se nos niegue la justa retribución al
trabajo que aportamos en nuestras empresas (p. 13). El sentimiento de injusticia que sienten
ante la Reforma Agraria en marcha queda bien reflejado en lo afirmado, pues directamente
expresan no podrán aceptar que se les “niegue la justa” retribución que deben tener por sus
empresas que, además, está conduciendo a la “bancarrota del país” (p. 13). Piensan que sus
acciones están asentadas en el “lógico y natural criterio” y “[…] si no se ofrecen las
condiciones mínimas de seguridad y de confianza, en vano se pide a los agricultores que
aporten capital y técnica a sus empresas, postergando nuestra contribución al desarrollo del
país y al bienestar de los trabajadores agrícolas (p. 13).
Estos elementos se acentúa en la editorial de agosto , puesto que el 16 de julio, fecha de la
promulgación de la ley, se presenta como un acontecimiento que cambia el devenir histórico,
“un hito divisorio en nuestra realidad agrícola” (p. 23). Aun así, ya insertos en la emoción
estudiada, aun impera el control racional de las acciones, pues plantean que “es esencial
permanecer vigilantes” porque de esta forma “la ley y el reglamento que se dicte no se
apliquen con odiosidades injustas y arbitrarias” (p.23). Pero, luego, desde otras direcciones
perceptivas, la ira es también desarrollada. La editorial de agosto, “agricultores para una
nueva agricultura”, es de relevancia significativa en la construcción de la realidad que
realizan en un contexto que para ellos se va transformando en crítico, puesto que nueva ley,
al tocar el derecho a propiedad y querer solucionar los otros problemas del agro, se presenta
como una acción modificadora de la realidad histórica dado que, expresan, “tendremos que
abandonar muchos recuerdos de lo que fue un modo de vida del campo, tradiciones y cariños
difícilmente caerán de la memoria de una generación.” Es decir, para ellos, se está rompiendo
con una identidad a tal punto que “Una nueva vida agrícola entra en escena en el país” (p.
23). Es así como el futuro se visualiza con desesperanza porque “será diferente a aquel que
soñamos o creímos natural conservar, tanto para nosotros como para nuestros hijos.” (p. 23).
Par ésta élite, la tierra es un elemento cuya importancia va más allá de las consideraciones
económicas. En la editorial ya citada de agosto, afirman que “Junto con la despolitización
total de los problemas agrarios hay que infundir en la mentalidad de los nuevos agricultores
fe en las virtudes creadoras de la tierra, capacidad para arrancarle sus frutos, seguridad para el
desenvolvimiento de su personalidad y un sano patriotismo que inspire su esfuerzo en el
desarrollo del país (p. 24). Aparecen, entonces, nociones trascendentes como “patria”, de
cuya interpretación se apropian, como se percibe al término de la editorial en la siguiente
frase: “Y a quienes estén sin razón, vacilantes en su optimismo les comunicaremos la fe que
debe guiar a los futuros agricultores de nuestra patria.” (p. 24). Con ello, el discurso adquiere
otra urgencia, una que escala a una inseguridad que no es sólo coyuntural y localizada
territorialmente en la propiedad del terrateniente sino en el país en su totalidad, en su destino
patrio y en una fe que ellos portan, que piensan se debilita. Con ello, la ira adquiere en su
sustento racional la percepción de otro agravio del gobierno, uno religioso, pues toca su
sentido nacionalista. Por ello expresan que “necesitamos coraje para enfrentar, con realismo,
situaciones que tendrán que ir resolviéndose, inexorablemente, en la nueva agricultura de las
futuras generaciones”.
De acuerdo a lo expresado, no sorprende, dado el estado emocional en que se han ido
situando, que en el mes de septiembre la editorial se titule “Perseguidos y desalentados… si,
pero estamos unidos”. Se apela nuevamente a un sentido nacionalista, y se erigen ellos como
forjadores de la patria, de la nación, al sostener que “Fueron tiempos azarosos los que
enfrentaron nuestros antepasados cuando iniciaron –y lograron- el regadío de los valles
centrales. Fueron años de riesgo y aventuras las que sufrieron los hombres que abrieron los
campos del sur. Sí, fueron días difíciles. De enorme sacrificio, empuje y valor” en que “se
sentía cariño por la tierra y había fe y confianza en que se obtendrían los frutos tan
trabajadamente anhelados (p. 24). Ello siente se ha perdido pues “Una rentabilidad escasa –
por no decir ninguna- amaga nuestra suerte inmediata”, recalcándose que se siga mirando
“desaprensivamente y no se le busquen inmediatas medidas rectificaras” (p. 25). Se vuelve a
mencionar la patria, esta vez en un contexto más dramático, puesto que dicen “Creemos ser
patrióticamente responsables” e indican que “no sólo está en quiebra y amenazado el destino
de los propietarios y trabajadores agrícolas, sino que también ha aparecido el espectro del
hambre, que se cierne amenazadoramente sobre la población entera del país” (p. 25). De esta
forma se transfiere al gobierno la responsabilidad de lo que sucede al país y se sitúa en la
SNA el correcto juicio para superar la situación. Esta percepción de realidad otorga en este
punto a ésta élite características trascendentes para situarse correctamente en la historia, pues
es allí donde reside el sentido patrio. Ello tensiona y aumenta el sentimiento de estar
padeciendo injustamente ya no sólo una pérdida económica sino de la patria misma. La ira,
con ello, consolida sus parámetros interpretativos de la realidad, poniéndolos en elementos
trascendentes.
Éste descontento se mantiene la editorial de octubre, titulado “la FISA, ¿estamos de fiesta,
acaso, los agricultores?”, refiriéndose a la feria que anualmente se desarrolla en Cerrillos.
Pueden estar en fiesta porque, afirman, “hemos sigo juzgados y denunciados ante la opinión
pública con extrema severidad y apasionamiento” y aún les “estilan frases de odio y
obcecación”. Lo anterior se agrava porque “Las discusiones en torno a la reforma agraria
adujeron juicios y comentarios no siempre rectos y justos”. Nuevamente, termina la editorial
aludiendo a la causa de sus pesares, lo que se expresada en un ataque frontal contra éste,
porque en vez de optar por dar leyes justas opta por leyes “odiosas, represivas y
discutiblemente justas” (p. 25).
Para el mes de noviembre, baja la intensidad del ataque contra el gobierno. Aun así, se indica
que “Todavía es tiempo de evitar que lo que podría constituir” “una mala teoría económica”
“produzca consecuencias fatales, incluso en el campo político”. Porque “De lo contrario, no
se podrá lograr” el “esfuerzo conjunto del sector público, los empresarios y los trabajadores
del agro”, que “el Ministro de Agricultura señaló como necesario” (p. 13). Sitúan el origen de
una probable desunión de los sectores productivos del agro en el gobierno, en sus errores
económicos. Advierten que ello generaría “consecuencias fatales”, ya “en el campo político”,
lo que instala discursivamente un escenario futuro de desencuentro crítico, una inseguridad
grave que evidencia que el miedo también ha escalado a altos niveles. Puntualmente, al
menos en estos discursos, el miedo parece haber sustituido a la ira. Pero ya en diciembre ésta
vuelva a aumentar, en cuanto percepción de un desagravio padecido, en una respuesta ante un
discurso de Eduardo Frei Montalva. Ya el título de la editorial, en dos planas, marca la
orientación mencionada, al expresar “¡Eso ya lo perdimos, excelencia… la confianza!”,
porque “Escuchamos muchas promesas y declaraciones de que seríamos respetados y que
nada deberíamos temer”, las que “Fueron vanas ilusiones…”. La ira toma nuevamente una
mayor magnitud dado que además de experimentar una situación que se siente injusta, ahora
el contexto se transforma en uno donde no hay respeto por parte del gobierno
democratacristiano, porque, “ya no basta trabajar eficientemente la tierra para considerarse
excluido del proceso de expropiaciones”. (p. 4). Por ello se le debe recordar la “inseguridad
y el desaliento que la aplicación de la ley está provocando en quienes trabajan con eficiencia
los campos” (p. 4). Inseguridad que se genera porque no están resguardados por la ley, es
decir, están al arbitrio de quienes aplican la Reforma Agraria. Mencionan elementos que,
para ellos, muestran que en el pasado fueron quienes sostuvieron las tareas agrícolas, carga
que han sostenido porque “Si la agricultura chilena tuvo un defecto, éste fue el haber tenido
muchos propietarios y pocos empresarios. Entre aquellos se contaban: iglesia, el Estado y
varios organismos fiscales.” (p. 5). Recuerdan que “La capacidad de los empresarios
agrícolas privados costó vidas y se forjó a lo largo de muchas generaciones.”. Además,
“Venció obstáculos, aplicó técnicas, puso imaginación, talento y eficiencia, logrando
desarrollarse a pesar de las adversas condiciones que ha debido soportar la agricultura.” Por
ello no es “caprichoso” el querer conservar en sus tierras las “antiguas jerarquías sociales”.
Siendo “un concepto”, “un sistema de vida, casi una moral”. Por lo tanto, “Cuando se
destruye y se frustran las expectativas de toda una vida de esfuerzos y sacrificios, desaparece
y ya no vuelve.” (p. 5). Es decir, lo que perciben está en juego es un sistema de vida que, ante
las reformas injustas y arbitrarias del Gobierno, se está destruyendo. Así, al menos dos
emociones operan. El miedo, ante la inseguridad variada que padecen, y la ira, por sentirse
injustamente tratados ante una reforma que no les reconoce sus tareas y jerarquías. Es una
situación que perciben sin retorno.
5.- Conclusiones
El estudio historiográfico de las emociones es una alternativa de análisis y aprehensión de la
forma en que el ser humano actúa en la historia. Lo anterior, porque existe una articulación
de elementos económicos, sociales, políticos y religiosos que tienen como eje central la
experiencia del sujeto y, desde él, sus formas de ser en la historia. Particularmente, para este
trabajo, se ha procurado aquello en un grupo social específico, las élites latifundistas
representadas en la SNA. La promulgación de la ley de Reforma Agraria, en este sentido, se
transforma en un acontecimiento que articulará un pasado-presente-futuro por medio, en no
poca medida, de la construcción de discursos emocionales. Esto, también, porque es
cuestionada la legitimidad de su poder, se les responsabiliza directamente de la condición
socioeconómica de atraso del país. Además, la promulgación de la ley tocará un elemento
central tanto en su construcción objetiva como simbólica de la realidad, el derecho a
propiedad. En este sentido, perciben que son víctimas de acciones injustas que, a su vez, no
son tratados ni protegidos como los demás ciudadanos, por lo tanto, reciben un trato desigual.
A esto se debe sumar que perciben una traición de parte de Frei Montalva, a quien apoyaron
electoralmente.
El contexto en que ello ocurre es el de Alianza Para el Progreso y la Revolución Cubana,
ambas generadoras de eformas agrarias en Latinoamérica, así como la experiencia directa de
Alessandri, que fue neutralizada en Chile, lo que indudablemente deslegitima la pretensión de
la SNA de influir a su favor las medidas que se estaban implementando, perdiendo el espacio
directo de negociación (Oszlak, 2016). Hay que mencionar, además, la decadencia de los
partidos que los representan, liberales y conservadores. Desde las reformas electorales de
fines de la década del cincuenta, estas élites terratenientes, que ya no pueden practicar el
cohecho, pierden poder y, con ello, sus controles tradicionales, el parlamento y presidencia
(Correa, 2000). Para el año sesenta y cinco su poder de veto queda prácticamente anulado,
dado que la Democracia Cristiana logra votos que antes ellos poseían. A su vez, la Iglesia
Católica toma un camino particular en pro la evolución y la promoción humana de los
campesinos que, incluso, se refleja en la repartición de tierras que antes eran posesión de
éstas élites (Timmermann, 2008). Por lo tanto, desde varias direcciones, el contexto les es
desfavorable. La Promoción Popular del gobierno, la pérdida del control, al menos del tercio
que tenían, en el parlamento, la constante fuerza que va tomando la Democracia Cristiana y la
izquierda, y la adhesión de la iglesia a estas políticas, marcan una coyuntura que no tendrá
salida política próxima. Por ello, esta situación se transforma en un momento traumático y
padecen un tipo de terror -en cuanto a que deben convivir con el objeto generador de
inseguridad sin poder controlarlo o neutralizarlo por largo tiempo- que, además, según su
concepción, es injusto en su actuar. Es una experiencia nueva, aunque posiblemente, en
cuanto a causa, se une y mezcla con el anticomunismo de la Revolución Cubana y
Propaganda Negra o Campaña del Terror que se realiza en las elecciones presidenciales de
1964 (Casals, 2014; Casals, 2016). El gobierno de Frei es identificado con ello en no poca
medida, lo que acentúa la percepción de la Reforma Agraria hacia aspectos que la
magnifican. Ante dicho conocimiento, emocionalmente, comienzan a sentir ira y,
posteriormente, una amenaza e inseguridad central de perder sus tierras, es decir, miedo.
En esta coyuntura emergen las dos macroformas textuales analizadas. La primera, enero-
julio, marca el inicio de una ira, la cual es latente que es apaciguada por elementos
inmanentes, especialmente los argumentos intelectuales sobre la mala interpretación
económica de la situación del campo que llevaría a una mala reforma agraria. La segunda,
julio-diciembre, ya evidencia una ira activa, no latente, que pone en juego los elementos
trascendentes como la patria que se ve en peligro, se articula un llamado a la fe en la tierra, en
la pérdida de una tradición, que no han sido reconocidos como tales. Ello, potenciado a la
inseguridad real dado que comenzará un proceso de reforma agraria efectiva, agrega a la ira
el miedo lo cual, discursivamente es proyectada en las editoriales. En este sentido, cobra
relevancia el concepto de “comunidad emocional” puesto que articula a un grupo de la
sociedad como un gremio en este caso que proyectan ira y miedo y específicamente acá en
una “comunidad textual” puesto que muchos de los miembros de la SNA no están en contacto
directo y, además, tiene una proyección por medio del discurso (Pampler, 2014).
Finalmente, una mirada a la actualidad, cercano a la conmemoración de los 50 años de la
promulgación de la ley estudiada, resulta evidente que esta temática no debe quedar al
margen, sobre todo cuando aún se evidencian rasgos discursivos (posiblemente macroformas)
que se originan en el periodo estudiado. Recientemente, el actual presidente de la SNA,
Patricio Crespo (2016), esbozó un discurso sobre los agravios padecidos y soportados por los
agricultores y, además, la significativa violación de los derechos humanos perpetuada,
efectivamente, durante el proceso de reforma agraria debido a que se vulneró el derecho a
propiedad. En no poca medida, por lo tanto, se transforma este proceso, para ellos, en una
coyuntura de alta tensión sociopolítica y que se tornará traumática. Vale la pena decir que,
este tipo de discurso, apropiado en base a los padecimientos emocionales, desconoce la
violación sistemática de los derechos humanos hacia los campesinos y gran parte de la
población luego del Golpe Cívico-Militar. Es por ello que, si la historia es entendida, en
cuanto a su valor social, como Magitra Vitae, habrá de serlo, como reflexiona Habermas
(1999), por medio de la instancia crítica que invite no a “imitaciones” sino a “revisiones” del
pasado, abiertos a reflexiones críticas (p. 49, 51). Es decir, elaborar una historiografía que
reconozca las condicionantes del presente y sea útil a la construcción social de un orden no
impuesto.
6.- Bibliografía
6.2.- Libros y artículos.
Angell, A. (2009). Chile, desde 1958. En Bethell, L. (Ed). Chile desde la Independencia (pp.
167-255). Santiago: Ediciones Universidad Católica Silva Henríquez.
Araujo, K. (2015). El miedo a los subordinados. Una teoría de la autoridad. Santiago: LOM.
Aurell, J. (2008). Tendencias historiográficas del siglo XX. Santiago: Globo.
Bauman, Z (2007). Miedo Líquido. La sociedad contemporánea y sus temores. Buenos Aires:
Editorial Paidos.
Bengoa, J. (1984). Acerca de la Reforma Agraria. Proposiciones, vol. 11, pp. 113-130.
Bengoa, J. (2015). Historia rural de Chile central Tomo II. Crisis y ruptura del poder
hacendal. Santiago: LOM.
Berkowitz, L. y Harmon-Jones, E. (2004). Toward an Understanding of the Determinants of
Anger. Emotion, vol. 4 (2), pp. 107-130.
Bodei, R. (2013). La ira. Pasión por la furia. Madrid: Machado Libros.
Braudel, F. (2002). Las ambiciones de la historia. Barcelona: Editorial Crítica.
Casals, M. (2014). Chile en la encrucijada. Anticomunismo y propaganda en la Campaña del
Terror en las elecciones presidenciales de 1964. En Harmer, T. y Riquelme, A. Chile
y la Guerra Fría Global. Santiago: RIL Editores.
Casals, Marcelo (2016). La creación de la amenaza roja. Del surgimiento del anticomunismo
en Chle a la “campaña del terror” de 1964. Santiago: LOM.
Chartier, R. (2007). La historia o la lectura del tiempo. Barcelona: Editorial Gedisa.
Chóliz, M. (2005). Psicología de la emoción. El proceso emocional. Valencia: Universidad
de Valencia.
Chonchol, J. (1998). Sistemas agrarios en América Latina. Santiago: FCE.
Correa, S. (2000). La Democracia que tuvimos, la Democracia que no fue. Revista de
Sociología, (14), pp. 117-120.
Crespo, C. (mayo, 2016). A 50 años de la Reforma Agraria. Biblioteca Nacional, Santiago
Cruz, M. (2014). Adiós, historia, adiós. El abandono del pasado en el mundo actual. Buenos
Aires: Fondo de Cultura Económica.
Frevert, U. (2011). Emotion in History- Lost and Found. Budapest: The Natalie Zemon
Davies annual lecture series at Central European University.
Galimberti, U. (2002). Diccionario de psicología. Buenos Aires: Siglo XXI.
Giordano, V. (2014). Sociedad rural y violencia política en América Latina. Perspectivas
comparadas (ca, 1950-1970)”. En Ansaldi, G. y Giordano, V. (Coor.). América
Latina. Tiempos de Violencias (pp. 101-130). Buenos Aires: Ariel.
Gómez, J. (2004). La frontera de la democracia. El derecho a propiedad en Chile 1925-
1973. Santiago: LOM.
Habermas, J. (1999). Más allá del Estado nacional. Ciudad de México: FCE.
Hobsbawm, E. (1998). Historia del siglo XX. Buenos Aires: Crítica.
Illanes, M. y Recabal, F. (2015). Liberación y democracia en la tierra. Historia y memoria de
la Reforma Agraria-Unidad Popular. Chile, 1971-2012. En Pinto, Julio (Ed). Fiesta y
Drama. Nuevas historias de la Unidad Popular (pp. 17-50). Santiago: LOM.
Jager, S. (2003). “Discurso y conocimiento: aspectos teóricos y metodológicos de la crítica
del discurso y del análisis de dispositivos”. En: Wodak, R. y Meyer, M. Métodos de
Análisis Crítico del Discurso. Barcelona: Editorial Gedisa, pp. 61-100.
Kay, C. (1980). Transformaciones de las relaciones de dominación y dependencia entre
terratenientes y campesinos en Chile. Revista Mexicana de Sociología, Vol. 42, No. 2,
pp. 751-797
Kay, C. (2001). Estructura agraria, conflicto y violencia en la sociedad rural de América
Latina. Revista Mexicana de Sociología, Vol. 63, No. 4, pp. 159-195.
Kay, C. (2007). Land, Conflict, and Violence in Latin America. Peace Review: A Journal of
Social Justice, Vol. 19, pp. 5-14.
Kerbrat-Orecchioni, C (1997). La enunciación de la subjetividad en el lenguaje. Buenos
Aires: Edicial.
Le Goff, J., Chartier, R. y Revel, J. (1998). La nueva historia. Bilbao: Editorial Mensajero.
Lomnitz, L. y Melnick, A. (1998). La cultura política chilena y los partidos de centro. Una
explicación antropológica. Santiago: FCE.
Maturana, H. (2001). Emociones y lenguaje en educación y política. Santiago: Dolmen.
Maureira, F. y Sánchez, C. (2011). Emociones biológicas y sociales. Gaceta de Psiquiatría
Universitaria, Vol.7, pp. 183-189).
Moulian, T. (2006). Fracturas: De Pedro Aguirre Cerda a Salvador Allende (1938-1973).
Santiago: LOM.
Nussbaum, M. (2008). Paisajes del pensamiento. La inteligencia de las emociones.
Barcelona: Paidos.
Nussbawm, M. (2016). Anger and forgiveness. Resentement, generosity, justice. New York:
Oxford University Press.
Oszlak, O. (2016). La trama oculta del poder. Reforma agraria y comportamiento político de
los terratenientes chilenos, 1958-1973. Santiago: LOM.
Pacheco, L. (2005). Las emociones y la moral. Una propuesta desde la psicología. Tesis de
grado: Universidad Nacional de Colombia.
Pellegrino, U. (1983): Diccionario Teológico Interdisciplinar, tomo IV. Salamanca:
Ediciones Sígueme, pp. 543-555.
Pincheira, I. (2016). El miedo como clave interpretativa de nuestra contemporaneidad. En
Estupiñán, M (Ed.). El abc del neoliberalismo (pp. 155-168). Viña del Mar:
Communes.
Plamper, J. (2014). Historia de las emociones: caminos y retos. Cuadernos de historia
contemporánea, vol. 36, pp. 17-29
Pomian, K. (1998). “La historia de las estructuras”. En: Le Goff, Jacques., Chartier, Roger. &
Revel, Jacques. La nueva historia. Bilbao: Editorial Mensajero.
Potegal, M. (2010). The Temporal Dynamics of Anger: Phenomena, Processes, and
Perplexities. En International Handbook of anger. Constituent and concomitant
biological, psychological and social processes. New York: Springer-Verlag New
York.
Potengal, M. y Novaco, R. (2010). A Brief History of Anger. En International Handbook of
anger. Constituent and concomitant biological, psychological and social processes.
New York: Springer-Verlag New York.
Ratzinger, S. (1995). Identifying Shame and Anger in Discourse. American Behavioral
Scientist, vol. 38 (8), pp. 1104-1113.
Revel, J. (2008). El vocabulario de Foucault. Buenos Aires: Atuel.
Rosenwein, B. (2010). Problems and Methods in the History of Emotions. Passions in
Context. Vol. I (1), pp. 1-32.
Schmal, F. y González, M. (2005). “Análisis del discurso Estatal en torno al tema de las
drogas y de los sujetos construidos a través del mismo”. En: Harvey, Anamaría
(comp.). En torno al discurso. Contribuciones de América Latina. Santiago:
Ediciones UC.
Timmermann, F. (2008). El cardenal silva Henríquez y el mundo campesino. Una
experiencia de desarrollo y promoción humana. Santiago: Ediciones Universidad
Católica Silva Henríquez.
Timmermann, F. (2014). El gran Terror. Miedo, emoción y discurso. Chile, 1973-1980.
Santiago: Copygraph.
Timmermann, F. (2015). Miedo, emoción e historiografía. Revista de historia social y de las
mentalidades, vol. 19 (1), pp. 159-177.
Tinsman, H. (2009). La Tierra para el que la trabaja. Género, sexualidad y movimiento
campesino en la Reforma Agraria Chilena. Santiago: LOM.
Torres, I. (2014). La crisis del sistema democrático: las elecciones presidenciales y los
proyectos políticos excluyentes. Chile, 1958-1970. Santiago: Editorial Universitaria.
Trebitsch, M. (1998). “El acontecimiento, Clave para el análisis del tiempo presente”.
Cuadernos de Historia Contemporánea, N°20, 1998, pp. 29-40.
Valdés, A. y Foster, W. (2005). Externalidades de la Agricultura Chilena. Santiago:
Ediciones UC.
Valdés, X. (2007). La vida en común. Familia y vida privada en Chile y el medio rural en la
segunda mitad del siglo XX. Santiago: LOM.
Van Dijk, T. (1990). La noticia como discurso. Comprensión, estructura y producción de la
información. Barcelona: Editorial Paidos.
Van Dijk, T. (1999). Ideología. Una aproximación multidisciplinaria. Barcelona, Gedisa.
Van Dijk. T. (1997). Estructuras y funciones del discurso. Ciudad de México: Siglo XXI.
6.1.- Fuentes
El Campesino. ¿Vamos a la quiebra? El Campesino, (Mayo, 1967).
El Campesino. Nuevas voces en el problema agrario. El Campesino (junio 1967).
El campesino, La Unión de todos los agricultores. El campesino (julio 1997).
El campesino. Agricultores para una nueva agricultura. El Campesino (Agosto 1967).
El Campesino. Perseguidos y desalentados… si, pero estamos unidos. El campesino
(Septiembre 1967).
El Campesino. La FISA, ¿estamos de fiesta, acaso, los agricultores? El campesino (octubre
1967).
El Campesino. ¿Hay concordancia de ideas y de objetivo entre el gobierno y los agricultores?
El campesino (Noviembre 1967).
El Campesino, ¡Eso ya lo perdimos, excelencia… la confianza! El campesino (Diciembre
1967).
Relações de Gênero e Trabalho Rural no Município de Orizona, Goiás – Brasil
Autora: Juliana Dias Moreira Furtado
Estudante do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (mestrado) da Universidade Federal
de Goiás
APRESENTAÇÃO
O presente trabalho consiste em um projeto de pesquisa, a nível de mestrado, que se
encontra em início de desenvolvimento e busca analisar as relações de gênero no âmbito das
unidades familiares de produção no município de Orizona - Goiás, possibilitando
compreender se a pluriatividade naquelas afetam as relações no que diz respeito a
organização familiar.
DELIMITAÇÃO DA PROBLEMÁTICA E REFERENCIAL TEÓRICO
As relações sociais entre mulheres e homens em nossa sociedade são baseadas em
uma supremacia masculina. Há uma forte hierarquização das relações, construídas histórica,
social e culturalmente como relação de poder, exploração e dominação. Trópia e Vannuchi
(2014, p.115) afirmam que “as identidades são forjadas como paradigmas de mulheres e de
homens, revelando, assim, a forma através da qual as diferenças biológicas e naturais tornam-
se fundamento dessas relações desiguais e verticalizadas”.
A construção dos conceitos de sexo e gênero perpassa pelo embate entre a
diferenciação biológica e diferenciação social. De acordo com Nicole-Claude Mathieu
(2009), o sexo, considerado biológico é colocado em oposição ao gênero, considerado social.
Mathieu afirma ainda que:
As sociedades humanas, com uma notável monotonia, sobrevalorizam
a diferenciação biológica, atribuindo aos dois sexos funções diferentes
(divididas, separadas e geralmente hierarquizadas) no corpo social
como um todo. Elas lhe aplicam uma “gramática”: um gênero (um tipo)
“feminino” é culturalmente imposto à fêmea para que se torne uma
mulher social, e um gênero “masculino” ao macho, para que se torne
um homem social. O gênero se manifesta materialmente em duas áreas
fundamentais: 1) na divisão sociossexual do trabalho e dos meios de
produção, 2) na organização social do trabalho de procriação, em que
as capacidades reprodutivas das mulheres são transformadas e mais
frequentemente exacerbadas por diversas intervenções sociais (Tabet,
1985/1998). Outros aspectos do gênero – diferenciação da vestimenta,
dos comportamentos e atitudes físicas e psicológicas, desigualdade de
acesso aos recursos materiais (Tabet, 1979/1998) mentais (Mathieu,
1985b/ 1991a) etc. – são marcas ou consequências dessa diferenciação
social elementar (2009, p. 223).
Como afirmado na citação acima, há uma sobrevalorização da diferenciação biológica
no diz respeito à delegação de funções no âmbito social para cada sexo, fundamentando a
construção histórico-social e cultural do gênero feminino e gênero masculino, determinando
o espaço da mulher e do homem no âmbito doméstico e público, assim como o agir político.
De acordo com Okin (2008), as feministas buscam desafiar as abordagens de determinados
teóricos que insistem em assumir a ideia de que a criação dos filhos e a domesticidade são
“naturalmente” ligadas à mulher, encontrando-se fora do escopo da crítica política. Elas “têm
argumentado que a divisão doméstica do trabalho, e especialmente a prevalência da mulher à
frente da criação dos filhos, são socialmente construídas, e portanto questões de relevância
política” (OKIN, 2008, p.315).
O desenvolvimento do conceito de gênero, usado pelas feministas denota a rejeição ao
determinismo biológico que está implícito no uso dos termos “diferença sexual” e “sexo”.
Além disso, na tentativa de buscar explicar as diferenças entre os sexos no âmbito social, é
dado ênfase à dicotomia público/privado. Okin (2008), refere-se à constatação de uma série
de teóricas feministas de que em todas as culturas pesquisadas e em todos os períodos
históricos conhecidos a questão de gênero é identificada. A perspectiva dessas teóricas
representa uma resistência a “explicações monocausais, universalistas e a-históricas para o
gênero” (OKIN, 2008, p. 318). Vale ressaltar que as teóricas feministas compreendem o
gênero como uma construção social presente nas diversas sociedades humanas, porém, é um
conceito que está sujeito a mudanças no decorrer do tempo histórico, assim como os
conceitos de público e privado/doméstico, que de acordo com Okin:
(…) têm sido usados não apenas para organizar a vida social, de
maneiras muito diferentes, em diferentes períodos (por exemplo, a
produção se moveu quase inteiramente da esfera doméstica para a
pública nos último 300 anos), mas tem também recebido conotações
diferentes (a intimidade, por exemplo, não foi vista como
caracteristicamente doméstica antes do final do século XVII) (2008,
p. 319).
De acordo com Kergoat (2010), o conceito de relação social está fundado na disputa
instaurada entre dois grupos sociais, é uma relação antagônica. A autora afirma que as
relações sociais de sexo, por exemplo, são um paradoxo, pois no caso da mulher na
contemporaneidade, apesar de haver uma melhora em sua situação no mercado de trabalho,
há uma intensificação da divisão sexual do trabalho, da função reprodutiva das mulheres e do
controle social da sexualidade. Indo ao encontro com a fala de Kergoat, Okin aponta que:
(...) as feministas afirmam que a distinção liberal existente entre
público e doméstico é ideológica, no sentido de que apresenta a
sociedade a partir de uma perspectiva masculina tradicional baseada
em pressupostos sobre diferentes naturezas e diferentes papéis
naturais de homens e mulheres, e de que, como concebida atualmente,
não pode servir como um conceito central a uma teoria política que
irá, pela primeira vez, incluir todas nós (2008, p. 315).
Por mais que haja um aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho,
é necessário pensar como que a desigualdade entre os gêneros mantém-se reproduzindo. A
mulher cada vez mais está ocupando o espaço público, porém, continua a assumir a maior
parte do trabalho no espaço doméstico. É preciso entender a ideia de que as significantes
disparidades entre mulheres e homens são originadas pela divisão sexual do trabalho no
âmbito familiar, só assim será possível notar a complexidade e a dimensão da construção
social do gênero e suas desigualdades. Diante de tal perspectiva, Kergoat (2010) afirma que o
Capital tem interesse na manutenção da divisão sexual do trabalho, há “necessidade de uma
mão-de-obra flexível, que empenhe cada vez mais sua subjetividade: o trabalho doméstico
assumido pelas mulheres libera os homens e, para as mulheres de alta renda, há a
possibilidade de externalização do trabalho doméstico para outras mulheres” (KERGOAT,
2010, p.94). Percebe-se que mudanças significativas aconteceram, no entanto, a estrutura
social patriarcal é mantida, ou seja, “tudo muda, mas tudo permanece igual”.
Trópia e Vannuchi compartilham da ideia de que a divisão sexual do trabalho é um
importante mecanismo para acelerar e ampliar a acumulação do capital:
Pontuamos que a reestruturação produtiva acrescentou aos antigos
mecanismos de discriminação de gênero novas formas de exclusão,
dentre estas, justamente a feminização de determinadas tarefas menos
qualificadas e mal remuneradas. E na medida em que cresce o número
de famílias chefiadas por mulheres, pior situadas nas escalas salariais
e profissionais, delineia-se um quadro de feminização da pobreza, de
empobrecimento do conjunto de trabalhadores/as (2014, p. 121).
Com a ampliação da quantidade de empregos flexíveis, houve uma facilitação da
absorção das trabalhadoras no mercado de trabalho, que até então possuíam uma identidade
social vinculada à família. Trópia e Vannuchi afirmam ainda que:
(...) a ampliação de serviços remunerados conforme a produção
corroborou para aumentar a parcela da mão de obra feminina no
sistema produtivo, por facilitar o exercício de dupla ou tríplice
jornada de trabalho. Assim, se a estruturação produtiva amplia as
oportunidades de trabalho feminino, isso acontece em um quadro de
intensificação e precarização deste. (2014, p. 122)
A partir da perspectiva das autoras supracitadas, as relações de gênero são
consideradas um elemento que constitui e institui a exploração/dominação, pois de acordo
com Trópia e Vannuchi (2014), o trabalho é sexuado.
No meio rural as mulheres rurais brasileiras vem enfrentando uma série de obstáculos
para que tenham acesso aos seus direitos básicos. O Estado brasileiro, de acordo com o
estudo de Andrea Butto (2011), por meio de suas políticas de desenvolvimento rural,
caracterizava o trabalho das mulheres apenas como uma ajuda aos homens e não como uma
atividade autônoma, capaz de gerar seus próprios recursos. A divisão sexual do trabalho no
campo sempre esteve muito definida, a autora afirma que “o trabalho dos homens está
associado a atividades econômicas que geram emprego, ocupação e renda, enquanto o
trabalho das mulheres concentra-se em atividades voltadas para o autoconsumo familiar, com
baixo grau de obtenção de renda e assalariamento” (BUTTO, 2011, p. 12).
Melo (2002) trabalha com a hipótese de que a gratuidade do trabalho da mulher
brasileira no meio rural se deve a falta de reconhecimento de seu trabalho na classificação de
produtoras rurais, reforçando sua invisibilidade na unidade familiar de produção. Dados da
PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2010, apresentados por Cintrão e
Siliprandi (2011) comprovam o argumento de Melo, uma vez que no ano de 2009 o
percentual de mulheres ocupadas em atividades agrícolas trabalhando sem remuneração era
de 31% e trabalhando para o próprio consumo era de 47%. O percentual apresentado é
considerado ainda muito alto, demonstrando que a desigualdade de gênero no campo e a falta
de reconhecimento das atividades realizadas por mulheres trabalhadoras rurais ainda
permanece de forma rigorosa.
Gonçalves e Tosta (2014, p.146) apresentam uma diferente abordagem quanto à
inserção da mulher no mercado de trabalho, fazendo a reflexão “sobre a centralidade do
trabalho como processo que possibilita a um conjunto, não homogêneo, de mulheres
conquistarem o controle sobre suas vidas, gerar mais autonomia e dar às suas existências um
sentido partilhado, de comunidade com outras iguais”. As autoras apontam outro foco além
da abordagem de exploração e dupla jornada de trabalho que predomina nos estudos sobre
trabalho e gênero, elas destacam que a conquista de espaço pela mulher no mercado de
trabalho pode ser vista como uma experiência de subjetivação para as mulheres, assumindo
em suas vidas um caráter de “gratificação associada a um sentimento de maior autonomia”.
No contexto do rural, Schneider e Silva (2010) trazem a reflexão do papel da
pluriatividade na questão da conquista da autonomia da mulher. Os autores abordam que:
Muitas mudanças relacionadas com o papel feminino na sociedade
estão ligadas à inserção da mulher no mercado e à valorização das
atividades domésticas enquanto trabalho. Nesse sentido, a
pluriatividade ganha importância no meio rural ao possibilitar uma
alternativa à atividade agrícola (especialmente para jovens e
mulheres) que proporciona maior valorização do trabalho realizado,
maior autonomia e maior socialização quando exercida fora da
propriedade (SCHNEIDER; SILVA, 2010, p.4).
Schneider (apud SCHNEIDER; SILVA, 2010) caracteriza famílias pluriativas como
aquelas que combinam atividades agrícolas e não-agrícolas como estratégia de reprodução
social. O autor destaca que pelo menos um membro da família pode ocupar o trabalho na
agricultura com outra ocupação não-agrícola, para assim caracterizar uma família ou unidade
familiar pluriativa.
A partir do estudo de Tavares (2008), acerca da história da formação agrária no estado
de Goiás, especificamente, sobre a formação fundiária da região sudeste do estado, vieram à
luz alguns questionamentos em relação às características das propriedades rurais da região e
das relações sociais de seus detentores assumidas na atualidade.
Em um mundo cada vez mais urbanizado, onde 85% da população brasileira se
encontra em zonas urbanas e os outros 15% da população na zona rural (IBGE, 2010), o
município de Orizona/GO chama atenção por apresentar uma característica contracorrente em
relação à ocupação geográfica de sua população. No censo de 2010, foi levantado que há
14.300 pessoas residentes no município, sendo que 44,2% delas estão distribuídas na zona
rural e 55,8% na zona urbana. Outro dado que aponta uma característica específica da região
é o alto número de minifúndios e pequenas propriedades9. Dados acessados no Sistema
Nacional de Cadastro Rural/INCRA, apontam que há 1.498 detentores de minifúndios no
município de Orizona, o que representa 25.586,7999 hectares de terra. No entanto, um
número superior a essa área, 28.438,7504 hectares, são propriedades de apenas 39 detentores,
ou seja, apesar de existir um grande número de minifúndios, os números indicam que ainda
9- Conforme o INCRA (Instituto de Colonização e Reforma a Agrária) a estrutura agrária dos municípios
brasileiros se divide em 4 categorias de detentores: minifúndios, pequenos, médios e grandes. O que determina o
tamanho de cada categoria é a quantidade de módulos fiscais que possuem. Um módulo fiscal pode variar de 5 a
110 hectares dependendo, em cada município, de vários fatores: tipo de solo, clima, relevo, cultura temporária e permanente, desenvolvimento urbano, entre outros. Em Goiás temos, no norte do Estado, o
maior módulo fiscal que é de 50 hectares e o menor em Goiânia que é de 7 hectares. Na Microrregião de Pires
do Rio, que possui 10 municípios entre eles o de Orizona, o módulo fiscal varia de 30 a 40 hectares.
há uma significativa concentração de terra na região.
Sendo assim, o propósito desta pesquisa é buscar responder as seguintes questões: há
uma diversificação dos meios de manutenção das unidades familiares de produção no
município de Orizona? A possível prática da pluriatividade sobre as famílias rurais pode
contribuir para modificações nas relações de gênero dessas unidades familiares?
A hipótese formulada a partir das referências apresentadas, que direcionará a pesquisa,
baseia-se na ideia de que a inserção das mulheres na prática da pluriatividade em Orizona,
colabora para haja mudanças nas relações de gênero no que diz respeito à distribuição de
papeis na unidade familiar, favorecendo a permanência da mulher no espaço rural.
OBJETIVOS
1. Objetivo Geral
Analisar as relações de gênero no âmbito das unidades familiares de produção no município
de Orizona - Goiás, buscando compreender se a pluriatividade nessas unidades familiares de
produção afetam as relações no que diz respeito a organização familiar.
2. Objetivos Específicos
• Identificar a contribuição do trabalho das mulheres nas unidades familiares de
produção;
• Analisar as formas de inserção das mulheres no mercado de trabalho em atividades
não-agrícolas e se há efeitos sobre o grupo doméstico e a unidade produtiva;
• Pesquisar o perfil das mulheres no mercado de trabalho em atividades não-agrícolas;
• Investigar se há mudanças nas relações de trabalho e de produção, identificando se
essas prováveis mudanças alteram a sociabilidade e a organização social das famílias
em pequenas propriedades rurais.
• Averiguar se a pluriatividade gera mudanças nas relações de gênero e se essas
mudanças afetam a permanência da mulher no espaço rural.
JUSTIFICATIVA
De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, a agricultura familiar é responsável
por absorver 12,3 milhões de trabalhadores rurais, representando 74,4% da quantidade total
de trabalhadores no campo. O mesmo censo traça o perfil das pequenas propriedades rurais e
do pequeno produtor rural no início do século XXI. Dos 5,2 milhões de propriedades rurais,
são estabelecimentos enquadrados na categoria “agricultura familiar” 4.367.902 (84,4%) e
807.587 (15,6%) considerados estabelecimentos de agricultura não familiar. As propriedades
que possuem menos que 100 hectares representam 90% do total de propriedades e por mais
que a agricultura familiar represente 84,4% dos estabelecimentos agropecuários, ela ocupa
apenas 24,3% da área total. Mesmo ocupando um território muito limitado, a agricultura
familiar é capaz de produzir 54 bilhões de reais por ano, representando 38% do Valor Bruto
de Produção.
Diante da relevância da agricultura familiar no país, o município de Orizona, no
estado de Goiás, foi escolhido como referência empírica justamente por possuir um número
significativo de unidades familiares de produção em comparação aos municípios da
microrregião de Pires do Rio. Pensar tais unidades familiares é pensar a complexidade de
relações que há neste meio, no caso de nosso recorte, as relações de trabalho e relações de
gênero. Nas tabelas 1 e 2, a seguir, é possível observar a quantidade e percentual,
respectivamente, de detentores rurais do município de Orizona/GO e o total da área, em
hectares, ocupada por eles.
Tabela 01 - Quantidade de detentores rurais do município de Orizona/GO e o total da área,
em hectares, ocupada por eles.
DETENTORES QUANTIDADE
Minifúndios 1.498
Pequenos 1.133
Médios 339
Grandes 34
TOTAL 3.004
Fonte: Sistema Nacional de Cadastro Rural/INCRA, 2011. Disponível em:
https://sncr.serpro.gov.br/sncrweb/private/pages/principal.jsf Consulta em: Orizona:
31/10/2011; Pires do Rio: 09/11/2011; Demais municípios: 23/11/2011.
TABELA 02 – Percentual, da área, em hectares, por detentores rurais dos municípios da
Microrregião de Pires do Rio/GO
MUNICÍPIOS Minifúndios Pequenas Médias Grandes
Cristianópolis 12.61% 38.44% 33.25% 15.70%
Gameleira 7.80% 31.83% 35.96% 24.41%
Orizona 11.85% 37.33% 37.65% 13.17%
Palmelo 12.24% 50.12% 37.64% --
Pires do Rio 3.67% 21.78% 36.91% 37.64%
Santa Cruz 5.64% 26.05% 46.54% 21.77%
São Miguel 12.12% 29.80% 38.84% 19.24%
Silvânia 6.46% 25.12% 39.05% 29.37%
Vianópolis 10.56% 35.13% 41.40% 12.91%
Urutaí 5.90% 23.06% 42.25% 28.79%
TOTAL 8.10% 29.26% 39.53% 23.11%
Fonte: Sistema Nacional de Cadastro Rural/INCRA, 2011. Disponível em:
<https://sncr.serpro.gov.br/sncrweb/private/pages/principal.jsf>. Consulta em: Orizona:
31/10/2011; Pires do Rio: 09/11/2011; Demais municípios: 23/11/2011.
Vários estudos comprovam que há uma divisão clara dos papeis da mulher e do
homem no grupo familiar. As mulheres no meio rural assumem o trabalho reprodutivo,
cuidando da casa, dos filhos, das pequenas criações e da horta perto de casa, já os homens
tendem a cuidar das atividades produtivas, ou seja, o trabalho voltado para o mercado
(DESER-CEMTR/PR apud SILVA; SCHNEIDER, 2010). Grande parte dos estudos estão
focados nas relações de trabalho e de gênero a partir da unidade familiar, porém há poucos
estudos que focam tais relações sociais fora desse âmbito.
Nesse sentido, considerando que os estudos no estado de Goiás sobre as relações de
gênero no meio rural ainda são escassos, mais escassas ainda são as pesquisas sobre as
mudanças nas relações de poder e papeis sociais que afetam os grupos familiares no campo.
Esta pesquisa propõe atentar-se de forma especial à pluriatividade, nas possíveis mudanças
que ela pode gerar nas relações de gênero e se essas mudanças afetam a permanência da
mulher no espaço rural, indo ao encontro do papel fundamental das ciências sociais, que é
compreender e explicar a realidade social, contribuindo para a construção de conhecimento.
METODOLOGIA
No intuito de buscar se aproximar da realidade observada, a metodologia utilizada na
pesquisa assumirá um cunho qualitativo. A pesquisa qualitativa abarca os objetivos da
pesquisa, no sentido de lidar com valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e
opiniões dos sujeitos (MINAYO & SANCHES, 1993). Deslandes afirma que:
O método científico permite que a realidade social seja reconstruída
enquanto um objeto do conhecimento, através de um processo de
categorização (possuidor de características específicas) que une
dialeticamente o teórico e o empírico (2003, p.56).
A estratégia escolhida foi trabalhar com pesquisa bibliográfica e análise crítica dos
textos, além de análise documental para refletir sobre as principais conclusões a respeito da
questão agrária e relações de gênero no Brasil. Tendo em mãos as análises das inúmeras
pesquisas e textos publicados sobre o tema, além de dados, procura-se realizar um estudo
empírico para testar as principais teses levantadas pelos autores discutidos. Para isso, será
elaborado uma pesquisa por meio de entrevistas com mulheres e homens que compõe as
unidades familiares de produção na zona rural em Orizona, por meio da abordagem de uso do
tempo.
Entende-se que a divisão sexual do trabalho influi nas formas de sociabilidade que
funda a vida cotidiana, de acordo com Ávila (2010), o tempo de trabalho está na vida
cotidiana e nesta todas as regras, dinâmicas e tensões que são impostas pela divisão social e
sexual do trabalho. Nesse sentido, a pesquisa de uso do tempo faz-se necessário para chegar-
se ao tempo de realização de atividades específicas por cada membro da unidade familiar de
produção, identificando comportamentos desses membros na vida cotidiana.
Serão realizadas ainda, com outros atores sociais (membros da família que vivem nas
unidades familiares de produção), entrevistas semi-estruturadas ou por outro meio que se
fizer adequado para o momento da pesquisa.
Atualmente, o município de Orizona conta com o universo de 3.004 unidades
familiares de produção, divididas entre minifúndios e pequenas propriedades rurais (INCRA,
2011). Para o processo de pesquisa, elaborar-se-á uma forma estruturada para se definir qual
a amostragem mais adequada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ÁVILA, Maria Betânia. O tempo do trabalho produtivo e reprodutivo na vida cotidiana.
Revista ABET, João Pessoa, vol. IX, n. 2, p. 53-69, 2010.
BUTTO, Andrea. Políticas para as mulheres rurais: Autonomia e cidadania. In: BUTTO,
Andrea; DANTAS, Isolda (Org.). Autonomia e cidadania: políticas de organização
produtiva para as mulheres no meio rural. Brasília : Ministério do Desenvolvimento
Agrário, 2011.
DIONNE, Jean; LAVILLE, Christian. A construção do saber: manual de metodologia da
pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: ARTMED; Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1999.
GONÇALVES, Eliane; TOSTA, Tânia Ludmila Dias. Ação e Subjetivação: A Experiência
das Mulheres no Mundo do Trabalho. In: GONÇALVES, Eliane et al.(org.). Iguais?
Gênero, trabalho e lutas sociais. Goiânia: PUC Goiás, 2014.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades@. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/cidadesat/towindow.htm?1>. Acesso em: 15 Out 2013.
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2006). Censo Agropecuário de 2006.
Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/brasil_200
6/Brasil_censoagro2006.pdf>. Acesso em: 18 jul. 2014.
INCRA - Sistema Nacional de Cadastro Rural, 2011. Quantidade de propriedades rurais por
detentores rurais dos municípios da Microrregião de Pires do Rio/GO. Disponível em:
<https://sncr.serpro.gov.br/sncrweb/private/pages/principal.jsf>. Consulta em: Orizona,
31 Out 2011.
KERGOAT, Danièle. Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Novos estud. -
CEBRAP, São Paulo, n. 86, p. 93-103, Mar.2010. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
33002010000100005&lng=en&nrm=iso>. Acessado em 13 jul.2015.
<http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002010000100005>.
MATHIEU, Nicole-Claude. Sexo e gênero. In: HIRATA, Helena at al. Dicionário crítico do
feminismo. São Paulo: UNESP, 2009.
MELO, Lígia Albuquerque. Injustiças de gênero: o trabalho da mulher na agricultura familiar.
Fundação Joaquim Nabuco, 2002. Disponível em: <http://www.spm.gov.br/arquivos-
diversos/.arquivos/integra_estudo_trabalho_mulher_agricola>. Acessado em: 06 set
2015.
MINAYO, M. C. S. & SANCHES, O. Quantitativo-Qualitativo: Oposição ou
Complementaridade? Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 9 (3): 239-262, jul/set, 1993.
MINAYO, M. C. S. ( Org ); DESLANDES, S.F.; CRUZ NETO, O . GOMES, R. Pesquisa
Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
OKIN, Susan Moller. Gênero, o público e o privado. Rev. Estud. Fem., Florianópolis , v. 16,
n. 2, p. 305-332, Aug. 2008. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
026X2008000200002&lng=en&nrm=iso>. Acessado em: 12 jul 2015.
<http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2008000200002>.
SCHNEIDER, Sérgio; SILVA, Carolina Braz de Castilho. Gênero, Trabalho Rural e
Pluratividade. In: SCOTT, Parry; CORDEIRO, Rosineide; MENEZES, Marilda (Org.)
Gênero e Geração em Contextos Rurais. Florianópolis/SC, Ed. Mulheres, 2010, p. 183-
207.
TAVARES, Jussana Maria. História de caçador e outras histórias: o rural em Orizona.
Mediação: Revista da Universidade Estadual de Goiás – Unidade Universitária de Pires
do Rio – Goiás. v. 3, n. 3, 2008. p. 147-159.
TRÓPIA, Patrícia Vieira; VANNUCHI, Maria Lucia. A Organização Social da Diferença
Sexual nos Espaços do Trabalho e nos Movimentos Sociais. In: GONÇALVES, Eliane
et al.(org.) Iguais? Gênero, trabalho e lutas sociais. Goiânia: PUC Goiás, 2014.
Contribución al estudio de la agricultura familiar en la provincia de Jujuy: una
aproximación al sector en la Quebrada de Humahuaca
Dolores Trillo (Licenciada en Sociología, UBA)
Centro Universitario de Tilcara, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires.
Resumen:
Este trabajo propone dimensionar la importancia de la agricultura familiar (AF) en la
provincia de Jujuy a través de una recorrida por las principales variables que demuestran su
relevancia en el territorio provincial y en la región de Quebrada de Humahuaca en particular.
A continuación, se ponen en discusión ciertas concepciones desde las cuales se definen los
problemas de este sector y se plantean respuestas para impulsar su fortalecimiento, para luego
culminar con lo que se considera debieran ser algunos de los ejes para desarrollar la
agricultura familiar en la provincia.
***
Jujuy en el contexto nacional
La provincia de Jujuy se encuentra en el extremo noroccidental de la Argentina, conforma la
región del noroeste argentino (NOA) junto a Salta, Tucumán, Catamarca y Santiago del
Estero. Tiene una superficie de 53.219km2, explicando así el 1,4% de la superficie nacional y
el 11,3% del NOA. Según datos del Censo 2010 cuenta con una población de 673.307
habitantes, lo que representa el 2% de la población nacional y el 15% del NOA.
Los principales indicadores socio-económicos indican que la provincia registra un peso
considerable del sector terciario en su economía, explicando las dos terceras partes de su
Producto Bruto Geográfico. No obstante su estructura productiva se caracteriza por un
destacado desarrollo de las actividades industriales destinadas a la producción de
manufacturas de origen agropecuario (azúcar y tabaco) y de origen industrial (siderurgia).
Esto implica que gran parte de su perfil productivo esté orientado al mercado externo,
principal consumidor de estas producciones generadas por un entramado integrado
verticalmente y altamente concentrado (Golobanevsky y Schorr, 2012). Así también,
producciones primarias de legumbres (soja y poroto) y frutas (limón) están casi en su
totalidad destinadas al mercado externo.
Gráfico 1: Composición PBG Jujuy según sectores económicos, promedio 1993-2006 (en
%)
Fuente: Elaboración propia en base a datos de Golovanevsky y Schorr, 2012.
Las exportaciones provinciales alcanzaron en 2011 435 millones de dólares, participando
marginalmente en el total nacional (0,5%). Los principales productos exportados pertenecen
al complejo minero (55%) y en segundo lugar están las exportaciones del complejo
tabacalero (23%). Otros productos destacados son los porotos blanco y negro que juntos
explican el 6% de las exportaciones provinciales en 2011.
La tasa de desocupación en Jujuy es del 4,8% (INDEC - EPH – 3°trimestre de 2015), un
punto por debajo del guarismo nacional; las personas que viven por debajo de la línea de
pobreza representan el 5,2% (INDEC – EPH – 1° trimestre de 2013), medio punto por encima
de la tasa nacional, guarismo que mostró una próspera evolución a lo largo de una década,
teniendo en cuenta que en igual trimestre de 2003 dicha tasa alcanzaba el 69% en la
provincia. La mortalidad infantil medida en 2009 es del 11,5 por cada mil niños nacidos
vivos, levemente inferior a la tasa nacional (12,1‰)
La presencia de poblaciones originarias es una característica sobresaliente de Jujuy y su
existencia está íntimamente vinculada al rol protagónico y relevante que aquí tiene la
agricultura familiar. Entre sus múltiples manifestaciones culturales, aún se conservan pautas
culturales antiquísimas pero arraigadas en costumbres contemporáneas que pueden
vislumbrarse en diversas prácticas de conservación auto-regulada pertenecientes a la
cosmovisión andina. Si bien estas costumbres se observan mayormente en las regiones de
Quebrada y Puna, aún persisten en el sustrato cultural de la provincia, lo que da formas a
economías occidentales profundamente surcadas por los acuerdos y costumbres de los
pueblos originarios y donde se guarda un enorme tesoro de sabiduría respecto a la
convivencia armoniosa con el ambiente.
67%
24%
9% sector terciario
sectorsecundario
sector primario
Los datos censales sobre población indígena en el territorio provincial subestiman la
presencia de los pueblos originarios producto de una política de invisibilización sistemática
desde los inicios del Estado-Nación moderno en Argentina. Según el Censo Nacional de
Población y Vivienda (CNPV) 2010, en Jujuy el 8% de la población se reconoce indígena o
descendiente de pueblos originarios. Estimaciones del Instituto Nacional de Asuntos
Indígenas (INAI) indican que el 17% de la población provincial pertenece a alguno de los
siguientes pueblos originarios: Atacama, Ocloya, Omaguaca, Tilián y Guaraní. Estas
divergencias e inconsistencias estadísticas no dejan de ser preocupantes puesto que sin
información demográfica certera es difícil implementar políticas públicas coherentes
(Cervera Novo, 2010).
Este último aspecto también puede corroborarse en el sistemático despoblamiento del campo,
tendencia que también se verifica en todo el territorio nacional. Según datos correspondientes
al CNPV 1991 y 2001 la población rural de Jujuy disminuyó en términos absolutos y
relativos. En 1991 representaba el 18% de su población y una década después el 15%. En
cuanto a la población rural dispersa, ésta representaba en 1991 el 67% de la población rural y
en 2001 este guarismo cayó al 60%. Pueden observarse entonces dos tendencias: por un lado,
la migración de la población desde las zonas rurales hacia las urbanas, y por otro, la
migración de los pobladores dentro de las zonas rurales, desde asentamientos dispersos donde
las viviendas se encuentran muy alejadas unas de otras, a poblados de menos de 2000
habitantes, pero agrupados en torno algún paraje cabecera de la zona, donde suelen
encontrarse mínima presencia de algunas instituciones y servicios públicos, como escuela,
sala de atención primaria de la salud o teléfonos públicos.
La presencia de la AF en la estructura agraria de Jujuy es baja en términos de superficie pero
sobresaliente en cuanto a número de explotaciones agropecuarias. Según el CNA 2002 las
EAP de hasta 25ha ocupan el 1% de la superficie implantada no obstante representan el 60%
de las explotaciones agropecuarias de Jujuy. Debe destacarse la presencia considerable del
estrato de hasta 5ha que promedia en un cuarto de las explotaciones provinciales, mientras
que en Quebrada alcanzan el 82% de la EAP de la región.
La evolución de la estructura agraria de Jujuy registrada en los últimos tres Censos
Agropecuarios indican un aumento del primer estrato (hasta 25ha) que pasó de representar el
56% en 1988 al 64% de EAP en 2008, siendo siempre la superficie ocupada apenas el 1%. El
estrato que va de 25,1 a 100ha se mantuvo relativamente estable en cuanto a cantidad de EAP
y superficie. El tercer y cuarto estrato, percibieron un descenso relativo entre 1988 y 2008, no
obstante aumentó levemente la superficie ocupada entre las dos décadas. Por último, la
evolución del estrato de grandes productores, que se ubica en las EAP de más de 5000ha se
mantuvo constante en cuanto a cantidad de EAP (1%), pero notablemente disminuyó la
participación en cuanto a superficie: en 1988 ocupaba casi el 50% de la superficie
implantada, bajando en 2002 10 puntos porcentuales para participar en 2008 en el 42% de la
superficie.
Gráfico 2: Evolución intercensal de la estructura agraria de Jujuy 1988-2002-2008 (en
%)
Fuente: Elaboración propia en base a datos de INDEC-CNA 1988, CNA 2002 y datos
provisorios del CNA 2008.
***
La Quebrada de Humahuaca
Jujuy cuenta con un territorio caracterizado por la diversidad en cuanto a relieves y pisos
ecológicos, lo cual explica la multiplicidad de climas, fauna, flora que la habita y su aptitud
para gran variedad de producciones agropecuarias. La provincia se divide políticamente en 16
departamentos que pueden distribuirse en cuatro regiones ambientales: valles cálidos, valles
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
EAP ha EAP ha EAP ha
CNA 1988 CNA 2002 CNA 2008
Más de 5000
2500,1-5000
500,1-2500
100,1 - 500
25,1 - 100
Hasta 25
templados, puna y quebrada, siendo relevante detenerse en el último a los efectos de avanzar
en nuestro tema de estudio.
La región de Quebrada abarca el 17% del territorio provincial y abriga los departamentos de
Humahuaca, Tilcara y Tumbaya, donde habita el 5% de la población jujeña. El clima es
subtropical seco en el norte debido a que la humedad de las masas de aire atlántico no
acceden a la región por descargarse en los faldeos orientales de las sierras, por lo que las
precipitaciones anuales son escasas. Las temperaturas son en promedio bajas durante todo el
año y cuenta con una marcada amplitud térmica diaria. A lo largo de su borde oeste, la región
presenta extensas y pronunciadas laderas que a determinadas altitudes la conectan con la
Puna. Al pie de las laderas yacen valles intermontanos, cuya expresión principal se encuentra
en la Quebrada de Humahuaca, surcada en toda su extensión norte-sur por el Río Grande que
recibe afluentes de quebradas laterales de menor envergadura pero proveedoras de caudalosos
ríos y arroyos en época estival. La Quebrada de Humahuaca es una vía de circulación natural,
en sus estrechos valles prospera la actividad agrícola bajo riego, especialmente hortalizas que
abastecen el mercado provincial, la floricultura, la cría de ganado ovino y caprino. Fue
declarada en 2003 Patrimonio Cultural y Natural de la Humanidad por la Unesco, razón por
la cual en los últimos años se ha incrementado considerablemente la actividad turística en la
región.
Hacia el este de la Quebrada se encuentra la cordillera oriental formada por dos cadenas
montañosas: la Serranía de Santa Victoria y las Serranías del Zenta, que están surcadas por
profundos valles y quebradas de escasa accesibilidad y poco poblados, donde se desarrollan
actividades agrícola-ganaderas para la subsistencia.
Si bien el sector agropecuario es minoritario en términos relativos al PBG, la economía
doméstica de Jujuy se desenvuelve mayormente orientada hacia el mercado interno provincial
de escasas dimensiones donde el entramado de pequeñas producciones familiares constituye
uno de los ejes rectores de la economía, donde se desenvuelve un flujo de bienes y servicios
sumamente subestimado sino invisibilizado por las encuestas oficiales.
En Jujuy la horticultura es una actividad de larga tradición y su desarrollo está íntimamente
vinculado al desarrollo de la agricultura familiar, sector predominante en la provincia.
Explica el 18% del área hortícola del NOA y el 4% del país. Se desenvuelve en las cuatro
regiones ambientales y si bien la producción es variada según las características
agroecológicas de las mismas, se encuentra un mismo patrón diversificado de producción,
estrategia que permite a los agricultores sobrellevar años de malas cosechas en ciertos
cultivos. Así es como puede observarse en una misma finca parte de la superficie destinada
hortalizas, en combinación con superficies destinadas a otras clases de cultivo como el maíz.
En Quebrada se destinan aproximadamente 1358ha (17%) a la producción de hortalizas tales
como ajo, zanahoria, verdura de hoja, haba, arveja, zapallito, brócoli, pimiento, apio y
rabanito. La producción comienza en septiembre y la cosecha se extiende hasta mayo. En esta
región la horticultura forma parte de sistemas de producción diversificados, cada productor
maneja en promedio una superficie de entre 1 y 1,5 hectáreas en donde se articulan diversas
actividades agrícolas (horticultura, fruticultura, floricultura) y ganaderas (cría de ganado
caprino y ovino). Por lo general las hortalizas se cultivan a campo y el sistema de riego es por
surco o gravitacional (Ministerio de Producción de Jujuy, 2011).
Edith Obschatko ha realizado estudios que aportan datos categóricos para entender la
relevancia de la agricultura familiar en la provincia. Su unidad de estudio es la explotación
agropecuaria familiar definida como “…aquella en la que se verifica el trabajo directo del
productor y la existencia de trabajo familiar.” (Obschatko, 2009: p. 10). Según esta
clasificación, en la provincia de Jujuy el 93% de las explotaciones agropecuarias son
familiares, la superficie que ocupan asciende al 38% (485.209 hectáreas) y se estima que
generan el 32% del valor bruto de producción (VBP: $220millones10) del conjunto de
explotaciones agropecuarias (EAP) de Jujuy.
Por otro lado, clasifica a las explotaciones familiares según su nivel de capitalización,
estableciendo cuatro tipos de EAP familiares (Anexo 1). Según esta tipología, en la provincia
de Jujuy es determinante la presencia de explotaciones no capitalizadas o Familiares A (71%)
a quienes les corresponde el 42% de la superficie y generan el 33% del VBP de este universo.
Si se agregan a este conjunto las explotaciones semi-capitalizadas (Familiares B) las
variables alcanzan las siguientes proporciones: 87% de EAP familiares, 66% de la superficie
y 62% del VBP (Anexo 2).
¿Cuáles son las actividades productivas en donde se destaca la agricultura familiar? En
sectores alimentarios claves que integran la canasta familiar: horticultura y ganadería, donde
las EAP familiares explican el 71% y 65% de la superficie provincial dedicada a respectivas
actividades. Además, estas explotaciones alcanzan en promedio el 87% del stock ganadero de
Jujuy y en cultivos como el maíz, papa y frutales, su presencia es menor en términos
10 Los precios corresponden al año 2004.
relativos, lo cierto es que predominan en las producciones familiares, en especial en regiones
como Quebrada. Por otro lado, de las 39mil personas que aproximadamente residen en las
explotaciones agropecuarias de la provincia, el 71% pertenecen a EAP familiares.
Si bien estos datos son contundentes para reconocer que la agricultura familiar prevalece en
la estructura agraria de la provincia, a continuación se referirá a la región de Quebrada, lo que
nos permitirá indagar en una pequeña muestra del universo mayor que se describió
previamente. La diversidad en los cultivos que allí se practican puede observarse en los datos
censales de 2002, los que indican que la mayor superficie está destinada al cultivo de
hortalizas (61%), seguida por forraje (23%) y frutales (9%). En menor medida se cultivan
legumbres, cereales para grano, oleaginosas y flores de corte. Por otro lado se destacan las
explotaciones de pequeñas dimensiones (hasta 5 hectáreas) que, como se dijo anteriormente,
alcanzan el 82% de las EAP de la provincia.
En esta región la actividad agropecuaria está íntimamente ligada a la AF. Allí se distinguen
dos sistemas productivos. Uno localizado sobre la RN 9 que está mayormente vinculado a los
mercados, cuenta con cierta dependencia de insumos extra-prediales, se destaca por su
producción hortícola comercial con algunas explotaciones dedicadas a la fruticultura,
floricultura y cría de ganado menor. En esta zona muchas veces se utiliza cierto nivel de
mecanización y uso de agroquímicos. El otro sistema que se encuentra en esta región se
localiza en la zona alta, en comunidades asentadas en las quebradas laterales al Río Grande y
más alejadas de los mercados. Allí se ha preservado la producción de cultivos andinos, se
destina alguna extensión a la siembra de hortalizas en combinación con la cría de ganado
menor, todas estas producciones se orientan fundamentalmente al autoconsumo y presentan
mayor autonomía respecto al abastecimiento de insumos (Echenique et al, 2012).
La familia campesina es la unidad productiva en la región. Su objetivo económico y social
fundamental es la reproducción de su grupo familiar para lo cual se plantea una estrategia de
subsistencia basada en la multiocupación (Reboratti, 2009) y donde el trabajo es
fundamentalmente familiar. Agricultores, ganaderos, artesanos, queseros, son los trabajos que
les permiten disponer de fuentes de ingresos simultáneas y diversificadas. El ingreso familiar
se completa con los provenientes de programas sociales nacionales y los trabajos extra-
prediales que en ocasiones vuelven a los productores en migrantes estacionales. El principal
destino de su producción es el autoconsumo y los excedentes se destinan al intercambio. La
venta de la producción se realiza en los mercados locales, en los principales mercados
urbanos de la provincia y parte de sus producciones también se destina al mercado extra-
provincial.
El análisis de 18 entrevistas realizadas a productores integrantes de organizaciones de base
comunitaria asentadas en esta región, arroja resultados que permiten tomar conocimiento de
su realidad productiva y de las problemáticas que azuzan el accionar de este actor. Estas
entrevistas se realizaron en el marco de la implementación de un programa de desarrollo rural
entre los años 2011-2012, y los proyectos involucrados en la región Quebrada se dirigieron a
resolver problemáticas de una población conformada por organizaciones que involucraban
aproximadamente 722 familias de agricultores familiares.
Ante la disponibilidad de fondos subsidiados para financiar proyectos productivos, 10
organizaciones resolvieron problemas de abastecimiento de agua para la actividad
agropecuaria mediante pequeñas obras de infraestructura hídrica; 7 resolvieron problemas
vinculados a la escasa o precaria infraestructura para la producción y sólo una organización
destinó el financiamiento a resolver cuestiones de comercialización.
También se los consultó por los cultivos, superficies y tamaño de haciendas, haciendo
hincapié en la comparación de la actualidad respecto a un pasado reciente, aproximadamente
30 años hacia atrás. En cuanto a la variedad de cultivos, se observa en todos los casos la
práctica de la diversidad en la huerta: variedades de maíces y papas, haba, zapallo, arvejas,
varios tipos de hortalizas y cultivos para forraje como la alfalfa. En menor medida se cultiva
quinua, quiwicha y, cultivos como el trigo y la cebada comunes en el pasado, disminuyeron
notablemente en la actualidad. Las superficies cultivadas tendieron a disminuir a un cuarto de
lo sembrado en el pasado siendo lo normal sembrar en la actualidad 1ha en promedio,
oscilando entre ¼ y 2,5 ha. Lo mismo sucede con el tamaño de la hacienda, mientras en un
pasado reciente lo normal era contar las cabezas por cientos, probablemente la falta de mano
de obra en el campo hizo que estas disminuyeran a algunas decenas en la actualidad.
Respecto a las tecnologías, se continúa utilizando tracción animal para arar la tierra y sólo
unos pocos recurren al alquiler de tractores, coincidentemente con su cercanía a la RN9 y con
el mayor tamaño de la parcela. También se practica la separación de semilla para la siembra
siguiente, aunque también se las compra y cambia entre los mismos productores, y el uso de
abono orgánico como el guano es corriente, tanto hoy como ayer. Mientras en la actualidad se
recurre con más facilidad a la compra de químicos para el control de plagas y malezas,
décadas atrás era común la elaboración de “remedios caseros” para dicho problema, recetas
que aún se practican aunque en menor medida, especialmente en el interior de la quebrada.
Cuando se les consultó por los problemas que persisten en las comunidades, más allá de la
intervención específica de estos proyectos, en orden decreciente de importancia refirieron a la
escasa infraestructura comunitaria (caminos, luz eléctrica, badenes y puentes sobre ríos),
persistieron los problemas vinculados a la escasez de agua y a la rotura de los sistemas de
riego debido a las crecidas de los ríos durante el verano, a la escasa y precaria infraestructura
para la producción, a la aparición de nuevas plagas, y en menor medida refirieron a
problemas en la comercialización y a la elevada emigración de jóvenes del campo.
***
Dada la realidad descripta para este sector, el lugar que ocupa en la matriz agroalimentaria
provincia, y las problemáticas por ellos reconocidas, cabe indagar si los conceptos
prevalecientes en las propuestas de desarrollo rural son los adecuados para reconocer sus
particularidades e impulsar su desarrollo. A los efectos prácticos de este trabajo, el análisis se
limitará a una de las propuestas más novedosas en materia de desarrollo rural denominada
Desarrollo Territorial Rural (DTR) definida como el proceso de transformación productiva e
institucional de un espacio rural determinado, cuyo fin es reducir la pobreza rural. La
transformación productiva (TP) tiene por objeto la articulación competitiva y sustentable de
la economía del territorio a mercados dinámicos. El desarrollo institucional (DI) tiene el
propósito de concertar acuerdos y reglas entre actores locales y agentes externos que
permitan incluir a los pobres en los beneficios de la TP.
A partir de estos dos pilares, el DTR desarrolla una tipología que determina cuatro tipos de
territorios rurales de acuerdo al mayor o menor desarrollo de ambos aspectos y sus posibles
combinaciones. Según esta clasificación, los territorios rurales de Jujuy y de la región
Quebrada en particular, son territorios Tipo III caracterizados por una institucionalidad
robusta que se expresa en una identidad cultural fuerte pero donde se carece de opciones
económicas endógenas capaces de sustentar procesos sostenidos de superación de la pobreza
rural. Estos territorios se desenvuelven en un contexto de economías deprimidas, basadas en
la agricultura de autoconsumo complementada con ingresos extra-prediales. Se indica que
este tipo de territorios se encuentra, entre otros casos, en la región Alto Andina.
El DTR propone que los programas de desarrollo tengan en cuenta en sus estrategias, las
diversas rutas de salida de la pobreza y sus posibles combinaciones (vía agrícola, no agrícola,
migración y redes de protección social). En este trabajo se referirá sólo a la vía agrícola por
considerarla pieza clave para fomentar el desarrollo rural. El DTR define la vía agrícola como
potencial ruta para reducir la pobreza sólo cuando se puede orientar a la producción más o
menos intensiva de bienes diferenciados y de mayor valor. Este tipo de producciones
favorece a productos destinados a mercados externos al territorio de ingresos medios y altos.
La hipótesis de nuestro trabajo es que abordajes como el propuesto por el DTR, si bien
constituyen importantes iniciativas para interpretar el complejo mundo rural y un gran avance
para diseñar políticas públicas, insisten en describir una realidad para los territorios rurales en
donde se identifican como debilidades u obstáculos características que en su mayoría son las
que permitieron a estas comunidades rurales persistir y resistir en el tiempo y en
consecuencia, son aspectos que los programas de desarrollo rural deben preservar y
fortalecer.
Por otro lado, la solución propuesta por la vía agrícola del DTR comporta consecuencias que
implican el sometimiento de estos sistemas productivos familiares a reglas de competencia de
mercado que podrían amenazar los cimientos de la agricultura familiar. A continuación se
intentará abordar cada uno de estos conceptos señalados por el DTR.
¿Escasez de opciones económicas endógenas?
Los datos censales presentados en las primeras páginas lejos de indicar escasez de opciones
económicas endógenas, son reflejo de las más diversas producciones agropecuarias aptas para
desarrollar en territorio jujeño en general y en el quebradeño en particular. Muchas de ellas
son predominantes en la AF (horticultura y ganadería), otras, si bien no son relevantes en los
datos censales, son claves en las parcelas de los productores y en la dieta de las familias
(papas criolla, maíz, quinua y trigo en menor medida). Algunas producciones son incipientes
y cuentan con un gran potencial para su desarrollo (apicultura, fruticultura y floricultura
como producción destinada a generar ingresos complementarios). Por último, la cría de
ganado menor encuentra aptitud en la región para su desarrollo, tanto para la producción de
carne, derivados lácteos, artesanías en cuero y lana.
¿Economías deprimidas?
Los indicadores económicos tradicionales utilizados para caracterizar las economías refieren
frecuentemente a su rendimiento y al volumen de la producción, mediciones que se realizan a
partir de información proveniente de la economía formal, lo cual conlleva la subestimación
de las cifras reales de las economías campesinas. En este sentido, es una necesidad
apremiante la construcción de indicadores que permitan dimensionar este tipo de economías.
Un aporte valiosísimo en este sentido es el realizado por Obschatko. En sus investigaciones
demuestra que la producción por hectárea es 75% mayor en el promedio de las EAP
familiares con relación a las que no lo son, tendencia que se verifica en todo el país excepto
en la Región Pampeana y Chaco Húmedo. Asimismo diseña una metodología para estimar el
valor bruto de producción de las explotaciones familiares que, según sus cálculos, explican el
32% del VBP de las explotaciones agropecuarias de la provincia, guarismo para nada
despreciable.
Indicadores similares se podrían diseñar para dimensionar el intercambio y la
comercialización de productos de la agricultura familiar en los mercados locales, que
demuestran un gran dinamismo.
¿Producción para el autoconsumo vs producción para el mercado?
La agricultura familiar se cimienta en gran medida en su capacidad de producir lo que
consume. Los productos agrícolas obtenidos en la huerta se destinan en primer lugar a
abastecer la mesa de las familias que los producen. Por otro lado, cabras y ovejas brindan
materias primas que son aprovechadas y trabajadas por las familias campesinas: la carne
como principal componente de la dieta, la fibra o lana para el tejido de prendas, el estiércol
como abono, el cuero para sogas y otras artesanías utilitarias. Por estos usos domésticos,
quizás el principal destino de los productos de la agricultura familiar es el autoconsumo y
sólo el excedente se destina a su venta, principalmente los mercados locales. Esto les permite
gozar de cierto nivel de autonomía, que lógicamente varía según las regiones.
¿Impulsar producciones para mercados “dinámicos” externos de medianos y altos
ingresos?
Tal como se mencionó en el punto anterior, la AF es fundamentalmente productora de valores
de uso ya que lo que producen se destina en primer lugar al autoconsumo. Cuando logran
excedentes transforman estos valores de uso en valores de cambio, y el intercambio muchas
veces se realiza directamente por otro valor de uso (trueque, pago en especies) evitando el
papel moneda, lo cual no siempre refleja un intercambio justo. Pero en forma generalizada,
cuando su producción es valorada en dinero, el trabajo real objetivado en el producto es
subestimado, traduciendo esto en bajos precios y bajos ingresos para los productores. En este
sentido podría afirmarse que los términos de intercambio que se plantean entre la AF y los
mercados urbanos de alto nivel de consumo, no siempre y más bien pocas veces son
favorables a la primera.
Teoría y sobrados ejemplos abundan explicando lo que sucede cuando se prioriza como
destino de las producciones a los mercados externos y cuando la producción del bien
exportable” se somete a las leyes de competencia que rigen los mercados “dinámicos”.
Básicamente puede decirse que los ingresos de los productores lejos de mejorar tienden a
bajar en el mediano plazo por ser considerado factor del costo (que hay que reducir) y no
factor de la demanda que es externa a los mercados locales. Por otro parte, el abastecimiento
de estos mercados muchas veces conlleva la necesidad de mayor especialización lo cual
atenta contra un aspecto fundamental de la AF que es característicamente biodiversa en sus
producciones. Asimismo los factores que determinan la dinámica de los mercados externos
están fuera del alcance de los productores familiares, lo que los torna vulnerables a caídas
repentinas de la demanda. En otras palabras, estos esquemas de “agricultura alternativa”
terminan atrapando a los productores en un modelo de producción de agricultores pobres para
consumidores ricos (Altieri, 2007).
Por el contrario, cuando se priorizan los mercados locales, son los productores y familias que
habitan la región los principales consumidores lo cual brinda un doble beneficio. Por un lado,
el ingreso de los habitantes locales se constituye en factor de la demanda y por lo tanto tiende
a subir. Por otro lado se beneficia la comunidad local, autoabasteciéndose de alimentos sanos
y de los distintos efectos multiplicadores asociados a la expansión de la agricultura familiar.
Desde dónde y hacia donde pensar el desarrollo rural
“…el desarrollo está íntimamente ligado a los valores de la cultura occidental
(racionalidad, productivismo, libertad, igualdad, etc.) y a las prácticas que la
caracterizan (ampliación del sistema de mercado, industrialización, etc.). En efecto,
ninguna otra sociedad se construyó en torno a un proyecto semejante, privilegiando la
acumulación en todas sus formas, mediante el dominio de la naturaleza y la
transformación de las poblaciones en ejército de asalariados.”
Gilbert Ritz “El desarrollo, historia de una creencia occidental”
“En Túcume, Lambayeque, en la costa norte del Perú, los campesinos hablan de “vida
dulce” para referirse a una situación en la que sus chacras florecen, tienen animales
que criar, hay agua y existen montes y praderas donde pastar sus animales. La
vivencia de la “vida dulce” no es descrita como una utopía, como algo a alcanzar, sino
como la vivencia cotidiana de tener a la mano lo suficiente dentro de un modo de vivir
austero y de gran autonomía.”
Grimaldo Renjifo Vázquez “Cosmovisión andina e interculturalidad en los Andes del
Perú”
La propuesta de DTR tienen por objetivo final la superación de la pobreza rural, pero omite
entrar en un terreno muchas veces pantanoso y susceptible cuyo debate está pendiente: ¿qué
se entiende por la superación de la pobreza rural? Probablemente la respuesta sea revertir los
valores negativos de los indicadores de pobreza (nivel de ingresos, características
habitacionales, entre las principales). No obstante y más allá del evidente acuerdo con la
mejora en los ingresos y las condiciones de habitabilidad de las poblaciones rurales, no debe
subestimarse que en toda propuesta de desarrollo subyace una cosmovisión en la que se
engarza un modelo de desarrollo y de vida que no puede ser universal, ni generalizable, ni
viable en todos los países y regiones.
Las citas expuestas al comienzo de este apartado intentan ilustrar que existen muchos modos
de vida y modelos de desarrollo, lo cual también es motivo de otro importantísimo debate
pendiente en la materia. Lo que aquí se quiere destacar es que en la medida que ese debate no
se haga claro y explícito, propuestas de desarrollo como el DTR, si bien hacen eco de la
necesidad de reconocer las particularidades del territorio, conllevan en sus diagnósticos y
soluciones conceptos que comportan un modelo de desarrollo que no siempre resuelve los
problemas identificados por los productores y que pueden acarrear consecuencias perniciosas
para el sostenimiento de estos sistemas en el mediano plazo.
La riqueza de la agricultura familiar en la provincia de Jujuy radica, entre otros aspectos a los
ya mencionados, que entre sus múltiples manifestaciones culturales, existen prácticas
productivas arraigadas en la cultura andina pero que se conservan en las costumbres
contemporáneas, tales como dejar descansar la tierra, hacer barbecho, la preparación de
medicinas naturales para curar las plantas, rotar cultivos y variedades de semillas, el trabajo
cotidiano en la parcela, como así también las múltiples formas de agradecimiento a la
pachamama, la retribución mediante la ofrenda, el dar, que son percibidos localmente como
prácticas de gratitud que garantizan la abundancia y buena cosecha del año agrícola por
iniciar. La agricultura familiar en Jujuy se desarrolla en el contexto de economías
crecientemente occidentalizadas, pero surcadas por los saberes, prácticas, acuerdos y
costumbres de las poblaciones originarias andinas.
Algunos ejes para pensar el desarrollo de la agricultura familiar en Jujuy
La región de los andes es uno de los ocho centros mundiales donde la agricultura se
desarrolla desde hace más de 10.000 años.
Grimaldo Renjifo Vázquez “Cosmovisión andina e interculturalidad en los Andes del
Perú”
Jujuy pertenece a la región andina, un núcleo mayor de riqueza que trasciende fronteras
políticas. Este dato no es menor a la hora de diseñar programas de desarrollo para la
agricultura familiar en la provincia. De allí la necesidad de pensar el desarrollo desde una
mirada multidisciplinaria que realmente rescate y ponga en valor los saberes locales. Según
Altieri (2007) “más de la mitad de los conocimientos que necesitamos para avanzar en la
agroecología están en las valiosas experiencias de muchas comunidades latinoamericanas”.
La matriz productiva agroalimentaria de la provincia se desarrolla a la luz de una
biodiversidad ecosistémica que configura a Jujuy en una zona con alto potencial productivo,
lo que se manifiesta a través de los múltiples sectores que hallan espacio y potencial para su
desarrollo en las diferentes regiones ambientales de la provincia. Esta matriz cuenta con el
predominio de la agricultura familiar en la mayoría de las regiones ambientales y en gran
parte de los sectores productivos provinciales. Posee un enorme potencial no sólo en términos
económicos y productivos, sino en términos de sustentabilidad e inclusión social. La AF es
productora de gran parte de los alimentos consumidos en la provincia, en su seno se
desarrollan diversos cultivos y se crían distintos tipos de ganado, tanto para el autoconsumo
como para su venta en el mercado doméstico, lo que la constituye en un sector demandante
de mano de obra, vinculada a la soberanía alimentaria, a la autonomía y en protectora de la
biodiversidad provincial.
El diseño de estrategias, políticas y programas para desarrollar la agricultura familiar debe
pensarse en consonancia con las problemáticas directamente identificadas en los territorios
habitados por las propias comunidades. La agricultura familiar no puede ni debe ser
fomentada a partir de los instrumentos con los que habitualmente se promueve el desarrollo
regional, pensados para sectores empresarios que conllevan una lógica de producción e
inserción en los mercados típicamente capitalista.
Por otro lado, debe superarse la dificultad que comporta identificar como obstáculos a las
características constitutivas de la agricultura familiar en la provincia y la región, tales como
la diversidad en los cultivos y animales, el control de todo el proceso productivo propio de
estas economías, la pequeña escala de producción, la priorización del autoconsumo y el
mercado interno para como destino de sus producciones.
En términos generales, se requieren de estrategias que promuevan el arraigo territorial o en
otras palabras, que inviten a la población rural a permanecer, habitar y desarrollar sus
terruños. En este sentido la lectura de los problemas identificados en las entrevistas
analizadas es más que significativa: infraestructura para abastecimiento de agua y para la
producción agropecuaria e infraestructura rural comunitaria y servicios públicos. Esto
significa inversiones en obras hídricas para garantizar el acceso a agua para consumo humano
y para la producción agropecuaria; abastecimiento energético; obras viales para
acondicionamiento y apertura de caminos rurales, puentes y badenes sobre ríos principales y
secundarios. Asimismo, demanda el acceso en el territorio a instituciones de la salud y
educación en sus distintos niveles, lo cual implica no sólo llevar las instituciones al campo,
sino ruralizar estas instituciones, adecuándolas a las diversas realidades regionales de la
agricultura familiar, con propuestas tecnológicas apropiadas, calendarios y currículas
escolares vinculados a la dinámica agropecuaria, entre otras cuestiones.
En materia productiva, también se requieren inversiones en infraestructura para el agregado
de valor en origen, lo que permitirá no sólo diversificar la canasta de las familias rurales sino
contar con valiosos excedentes para abastecer los mercados locales con alimentos y
productos elaborados y de origen local, lo que impacta directa y positivamente en el empleo
rural.
Por otro lado y en lo referente a la comercialización, uno de los aspectos que dificultan este
eslabón se debe a la dispersión geográfica de la población y su pequeña escala de producción.
Por lo tanto la resolución de cuestiones logísticas como transporte y acopio para alcanzar
volúmenes que permitan abastecer la demanda de los productos de la AF, pueden ser
abordadas desde emprendimientos asociativos como cooperativas y asociaciones de
productores para la comercialización.
Altieri reconoce que uno de los grandes problemas de la agricultura del siglo XXI es el
creciente desplazamiento de la agricultura campesina e indígena ante el avance de la
agricultura moderna, “sin agricultores”, el avance de los cultivos transgénicos y los paquetes
tecnológicos asociados. Pero ante este escenario aparentemente desolador, expone la
posibilidad de recuperar los campos contaminados con transgénicos “sembrando con semillas
puras, libres de transgénicos durante varias campañas y con la mayor diversidad posible”
de modo tal de regenerar paulatinamente los suelos y aguas. Y que esto es posible, entre otras
cosas, mediante “el redescubrimiento del conocimiento indígena, sobre todo en la zona de
Mesoamérica, la zona andina, la zona del trópico húmedo y bajo [donde] todavía existen
microcosmos de agricultura tradicional en los cuales hay un gran potencial.” (Altieri, 2007).
En este sentido y para finalizar, se torna indispensable la generación investigaciones, diseño
de indicadores, estudios de caso y demás instrumentos que permitan rescatar los
conocimientos agronómicos locales y dimensionar la importancia de la agricultura familiar
en las distintas regiones de la provincia. Esto requiere necesariamente de un trabajo
mancomunado y multidisciplinario en investigación y desarrollo donde la historia, la
antropología, la agronomía, la geografía, la agroecología, la sociología y la economía,
cuentan con enormes aportes para realizar desde sus disciplinas, encontrando mecanismos
reales y eficientes para el diagnóstico y trabajo participativo junto a las organizaciones de la
agricultura familiar.
Anexo 1
Tipología de explotaciones familiares agropecuarias
Familiares A: No posee tractor, tiene menos de 50 unidades ganaderas, tiene menos de
2ha bajo riego, no tiene frutales ni cultivo bajo cubierta.
Familiares B: Semi-capitalizado. Sus tractores tienen más de 15 años de antigüedad,
posee entre 51 y 100 unidades ganaderas, tiene entre 2 y 5ha regadas y hasta media ha
con frutales.
Familiares C: Capitalizado. Sus tractores tienen menos de 15 años de antigüedad, o tiene
más de 100 unidades ganaderas, o más de 5ha regadas, o más de media ha implantada
con frutales y/o invernáculos
Familiares D: Productor familiar que tiene uno o dos trabajadores no familiares
remunerados permanentes.
Fuente: Obschatko, E. (2009).
Anexo 2
Clasificación de las EAP familiares de Jujuy según tipo, número de explotaciones,
superficie ocupada y valor bruto de producción estimado, 2002 (en %)
Fuente: Elaboración propia en base a Obschatko, 2009.
Bibliografía
71%
16%
5%8%
42%
24%
16% 18%
33%29%
9%
28%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Fam A Fam B Fam C Fam D
Número de EAP familiares Superficie total
Valor Bruto de producción
ALTIERI, M. (2007): La agroecología como alternativa sostenible frente a un modelo de
agricultura industrial. Buenos Aires: Realidad Económica N° 229.
CERVERA NOVO, JP. (2010). La cuestión indígena en la Argentina. Un estudio de
actualización. 1ª edición. Buenos Aires: Ministerio de Agricultura, Ganadería y Pesca
de la Nación, PROINDER, Series Estudios e Investigaciones, N° 25.
ECHENIQUE, M., IACUZZI, L., MONDZAK, F. y TRILLO, D. (2012). Balance del
PRODERNOA en Jujuy. Hacia una mejora de la agricultura familiar. Ciudad de
Buenos Aires: Ministerio de Agricultura Ganadería y Pesca de la Nación.
GOLOVANEVSKY, L. Y SCHORR, M. (2012). Estructura productiva, distribución del
ingreso y subdesarrollo. El círculo vicioso de la pobreza en Jujuy en la primera década
del siglo XXI. Santa Fe: II Jornadas Nacionales sobre Estudios Regionales y Mercado
de Trabajo realizadas el 4 y 5 de junio.
GORENSTEIN, S. SCHORR, M. y SOLER; G. (2011). Dilemas Estructurales del Norte
Argentino. Estudos Urbanos e Regionais V.13, N°1, Mayo 2011.
MINISTERIO DE PRODUCCIÓN de JUJUY: Plan Estratégico Productivo Jujuy 2011-2020.
San Salvador de Jujuy: Ministerio de Producción de la Provincia de Jujuy, 2011.
OBSCHATKO, E. (2009). Las explotaciones agropecuarias familiares en la República
Argentina. Buenos Aires: Ministerio de Agricultura, Ganadería y Pesca de la Nación,
PROINDER, Series Estudios e Investigaciones, N° 23.
REBORATTI, C. (2009): El alto Bermejo: realidades y conflictos. 2ª ed. Buenos Aires: La
Colmena.
RENGIFO, G. (2005). Cosmovisión andina e interculturalidad en los Andes del Perú. Perú:
Proyecto Andino de Tecnologías Campesinas – PRATEC.
RITZ, G. (2002): El desarrollo, historia de una creencia occidental. Madrid: Universidad
Complutense.
ROMÁN, M. VALENZUELA, C. y SLTUZKY, D. (2011): La problemática agraria en la
Argentina II, Primera Jornada Debate, Cátedra Libre de Estudios Agrarios “Horacio
Giberti”, Realidad Económica Nº 264, Buenos Aires, 15 de noviembre/31 de diciembre
de 2011.
RUTLEDGE, I. (1987). El desarrollo del capitalismo en Jujuy: 1550-1960. San Miguel de
Tucumán: Proyecto ECIRA-CICSO.
SCHEJTMAN, A. y BERDEGUÉ, J. (2003): Desarrollo territorial rural. Santiago de Chile:
RIMISP.
SCHORR, M. (2010). Lineamientos básicos para el desarrollo productivo del NOA. Buenos
Aires: FLACSO, Mimeo.
SILI, M. y SOUMOULOU, L. (2011). El problema de la tierra en Argentina. Roma:
Ministerio de Agricultura, Ganadería y Pesca de la Nación y Fondo Internacional de
Desarrollo Agrícola.
SLUTZKY, D. (2007). Situaciones problemáticas de tenencia de la tierra en Argentina.
Buenos Aires: Ministerio de Agricultura, Ganadería y Pesca de la Nación, PROINDER,
Series Estudios e Investigaciones, N° 14.
Sitios de internet consultados
Instituto Nacional de Estadísticas y Censos de la República Argentina.
http://www.indec.gov.ar/
Ministerio de Producción de Jujuy. http://mpyma.jujuy.gov.ar:85/
Dirección Provincial de Planeamiento, Estadísticas y Censos de Jujuy.
http://www.dippec.jujuy.gov.ar/