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Mangabeira Unger: “Nordeste precisa se rebelar!” Josué de Castro e Fome: Persistência onde mais falta educação ECONOMIA SOLIDÁRIA Região ensina o que fazer pelos excluídos do crédito SONHO E DESPERTAR SEM FIM PELO DESENVOLVIMENTO R$ 9,90 CIêNCIA&TECNOLOGIA CADERNO ESPECIAL A PARTIR DESTA EDIçãO NORDESTE, SÉCULO XXI

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Como colocou Josué de Castro desde a década de 1940, a fome persiste como fenômeno desnaturalizado. Um paralelo com o Projeto Nordeste que perdeu seu maior entusiasta, o ministro Mangabeira Unger

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Mangabeira Unger:“Nordeste precisa

se rebelar!”

Josué de Castro e Fome:Persistência onde mais falta educação

Economia SolidáriaRegião ensina o que fazerpelos excluídos do crédito

Sonho e deSpertar Sem fim pelo deSenvolvimento

R$ 9,90

CiêNCia&TeCNologiaCaderNo esPeCial a ParTir desTa edição

nordeSte, Século XXi

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Cliente Consulta | Ouvidoria: 0800 728 3030 - www.bnb.gov.br

A gente não mede esforços para levar desenvolvimento a cada canto do Nordeste.

Desenvolvimento é financiar cadeias produtivas, gerar emprego e oportunidades. É mudar a vida das pessoas. Aumentar sua auto-estima e recuperar sua dignidade.

Desenvolvimento é fazer o Nordeste crescer. E ser do tamanho do seu povo.

Não importa a dificuldade.Não importa a distância.

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Pouchain

O que divide os homens não são as coisas, são as ideias que eles têm das coisas, e as ideias dos ricos são bem diferentes das ideias dos pobres

Metade da humanidade não come; e a outra metade não dorme, com medo da que não come”

Josué de Castro (1908 - 1973). Visão de mundo

“Um dos traços fundamentais de Josué de Castro era a sua clarividência. A clarividência é uma virtude que se adquire pela intuição, mas sobretudo pelo estudo. É tentar ver a parte do presente que se projeta no futuro.”

“Antes de qualquer um de nós falar em fome, ele já dizia que era preciso criar uma política de renda mínima para garantirmos que todos tivessem o direito de comer e de sobreviver”

“Acho que foi ele que disse: - existe fome no Brasil. Ele que deu à fome o estatuto político e científico quando levantou essa questão.” “... este é um crime político que a ditadura militar tem que debitar na sua imensa conta. A morte dele no exílio.”

“O Josué, nunca vi tamanha desgraça. Quanto mais miséria tem, mais o urubu ameaça...” “...tem que saber seguir o leito, tem que estar informado, tem que saber quem é Josué´de Castro,...rapaz!””

“Sou fascinado por Josué de Castro como pelos profetas, especialmente Jeremias. Devo a ele o conceito de que é

um crime contra a humanidade ver gente passando fome. Josué tinha a cabeça lúcida e o coração generoso. Foi às raízes da fome e apontou as soluções”

“Josué é uma das pessoas que eu mais admirei. Eu digo mesmo que Josué é o homem mais inteligente e mais brilhante que eu conheci.” “... o diabo é que me dava uma inveja enorme - Josué era brilhante em todas as línguas... Incrível!” “... mas, isso, do intelectual mais eminente do país, a figura mais importante do território brasileiro, a mais visível... esse, ser levado à morte em tristeza, querendo vir...”

Betinho, sociólogo

Chico Science, músico e compositor

Dom Mauro Morelli, bispo emérito de Duque de Caxias (RJ)

Darcy Ribeiro, antropólogo

Milton Santos, Geógrafo

Lula

Insigths

5Junho/2009Nordeste VinteUm

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CaRta Do EDitoR

“Criar é viver duas vezes”P

Albert Camus

or séculos, o fado nordestino tem sido sonhar com prosperidade e acordar atarantado pelos espectros da sua própria miséria. Eterna parece

ser a luta da região na tarefa de se equilibrar das verti-gens do seu arraigado subdesenvolvimento.

Embora a gente do lugar nunca se quede em defini-tivo ante as forças do atraso, um certo complexo de in-ferioridade e derrotismo, às vezes, quer se aplacar sobre consciências empreendedoras menos providas de capa-cidade financial.

Isso acontece de maneira contumaz naqueles nichos de capitanias que não deram tão certo. Aonde iniciati-vas, projetos e negócios inovadores acabam vindo à luz natimortos, porque prevalecem de pancada o inexorável ceticismo político, a desconfianças dos regionalismos exclusivistas e o “pobrismo” das idéias.

Expressões conceituais como “perspectivas de de-senvolvimento sustentável”, por exemplo, ainda pas-sam longe da semântica anacrônica de setores cujo úni-co dialeto possível é o da “naturalização de misérias”. Da perpétua negação de vez e voz a quem nasce pobre. Sem dinheiro para bancar as primeiras “letras”.

Aqui, entre nós: é revoltante, porém inegável a persis-tência de mitos e verdades, ora em mistura, ora em alter-nância implacável, na conspiração pelo malogro de um novo veículo de comunicação nessas bandas do Brasil.

Em nosso meio, o exíguo lastro regional na forma-ção de competências técnico-profissionais e a ausência de políticas públicas em conjunções sócio-econômicas e culturais favoráveis a qualquer surto de atrevimen-to empreendedor, por exemplo, ainda teimam em soar como critérios de pronto descrédito e exclusão.

Tudo a perpassar e prejudicar nossos ambientes já tão castigados pelas hostilidades do clima e do tempo, pelos descasos da história. Mas, isso são outros 500 anos. E, na contramão do conteúdo dessas leituras de contextos, eis que surgiu em nosso mercado gráfico-editorial a Nordeste VinteUm.

Em dois meses, uma verdadeira aragem de vitalidade e ousadia. Em plena saudação. A transcender as cenas jornalísticas local e regional. Afinal, já fazemos sucesso em Brasília e até em São Paulo. E, porque não mencio-nar, até o talo de orgulho, como fomos tratados ao nível da “grata surpresa”, atestada e manifestada por quem faz o cotidiano do pensamento sobre o Nordeste?

Assim, aconteceu nas dezenas de e-mails, cartas, entrevistas, telefonemas, editoriais e notas de jornais, rádio e televisão, bem como nos contatos, visitas téc-nicas, institucionais e de cortesia em órgãos como universidades, faculdades, autarquias, empresas pú-blicas e privadas, centros de pesquisa, parlamentos estaduais e municipais.

Estreamos com a coragem e a cara de quem acredita que confiar em si mesmo é o primeiro segredo do êxi-to, da sobrevivência. Assim como o sertanejo, órfão das políticas de Estado e de governo, que nem por isso dei-xa de empreender e inovar. Ser antes de tudo um forte, como descreveram Euclides da Cunha, em Os Sertões, e Graciliano Ramos, em Vidas Secas. Resistindo e mor-rendo, morrendo e resistindo, como o Rio Jaguaribe. Do Ceará, de Demócrito Rocha.

Agradecidos, inclusive para quem duvidou em al-gum instante, temos o prazer de levar às suas mãos o segundo número da nossa revista. É da cepa deste bando de filhos de retirantes do interior cearense e até de Toledo, no Paraná e Caçador, Santa Catarina. Todos metidos a jornalistas, designers e administra-dores, mas com valentia talento e honestidade de propósitos. Aptos a desvendar-lhes nesta edição: a exuberância da caatinga, os “sonhos insurrecionais” de Mangabeira Unger, a atualidade do cientista per-nambucano Josué de Castro, os desequilíbrios da política cultural brasileira, as lições de economia solidária do Nordeste, os avanços da ciência e da tecnologia na região e muito mais. Confira e cresça junto com a Nordeste VinteUm.

QUEM SOMOSA Nordeste VinteUm nasceu do know-how da Editora Assaré na produção e publicação de veículos impressos, dirigida por uma equipe experiente composta por (1) Francisco Bezerra (Relações Institucionais e Negócios), (2) Claudemir Gazzoni (Diretor de Arte), (3) Orlando Júnior (Financeiro) e (4) Marcel Bezerra (Jornalista). Além disso, a editora trouxe ainda para a revista a competência dos jornalistas (5) Wilton Bezerra Júnior (Editor-chefe), (6) Lucílio Lessa (Chefe de Reportagem) e o editor de arte (7) Vladimir Pezzole (Programação Visual).

63 5

1 27

4

SumárioA reforma de um mecenato desigual

Cultura

42

Nordeste ensina inclusão pelo crédito

Economia52

Voz, letra e Nordeste – Gilmar de Carvalho e Francisco Sousa

Instante

40Editora Assaré Ltda MERua Waldery Uchôa, 567 A n BenficaFortaleza, Ceará n CEP: 60020-110e-mail: [email protected]/fax: (85) 3254.4469

Josué de Castro flagelo persiste por falta de educação

Mangabeira Unger desenvolvimentismo volta a marcar passo

Fome Projeto Nordeste

08 22

Conheça o bioma brasileiro em risco de desertificação

Caatinga32

20. Caleidoscópio

50. Saberes&Sabores

62. Ateliê

Seções

39. Sobre a “feiúra” da Caatinga Maria Tereza Jorge Pádua

48. A descaracterização do mecenato e a regionalização de recursos Ubiratan Aguiar

60. Ruídos no Andar de cima Luiz Carlos Antero

Artigos

Francisco Bezerra Diretor de Negócios e Relações Institucionais [email protected]

Orlando Júnior Diretor Administrativo Financeiro [email protected]

Wilton Bezerra Júnior Editor Executivo [email protected] [email protected] [email protected]

Marcel Bezerra Editor Adjunto [email protected]

Flamínio Araripe Editor Adjunto de Ciência e Tecnologia [email protected]

Claudemir Luis Gazzoni Diretor de Arte [email protected]

Vladimir Pezzole Editor de Arte [email protected]

Lucílio Lessa Chefe de Reportagem [email protected]

Paulo Rocha Repórter Fotográfico [email protected]

Imagem Assessoria de Comunicação Marketing [email protected]

Colaboradores ABA Film, Barros Alves, Luiz Carlos Antero Mino Castelo Branco, Tiago Santana

Impressão Pouchain RamosTiragem 16.000 exemplares

Edição Nº 02Ano I — Junho/2009Revista Nordeste VinteUmPolítica, Economia, Culturawww.revistanordestevinteum.com.br

José Cruz_Abr/Centro Josué de Castro

Mangabeira Unger:“Nordeste precisa se rebelar!”

Josué de Castro e Fome:Persistência onde mais falta educação

Economia SolidáriaRegião ensina o que fazerpelos excluídos do crédito

Sonho e deSpertar Sem fim pelo deSenvolvimento

R$ 9,90

CiêNCia&TeCNologiaCaderNo esPeCial a ParTir desTa edição

nordeSte, Século XXi

TODOS OS DIREITOS SÃO RESERVADOS. É proibida a reprodução total ou parcial, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos ou qualquer outro meio ou processo existente ou que venha a ser criado.

6 Junho/2009Nordeste VinteUm

7Junho/2009Nordeste VinteUm

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ESPECIAL

Por Lucílio [email protected]

Seis décadas após a publicação do seu mais famoso livro, Geografia da Fome, o cientista pernambucano Josué de Castro ainda é a grande referência sobre o assunto. Não à toa. Até porque quase 850 milhões de pessoas – 16,6% (FAO-2005) da população mundial – ainda passam fome e 27,3% delas estão no Brasil. Embora os atuais métodos e contextos de análise sócio-antropológica, econômica e tecnológica guardem radicais transformações dos abordados pelo pesquisador, o fato é que o flagelo ainda permanece como um dos grandes dilemas do Nordeste. Um fenômeno social implacável que não tolera a lentidão das políticas públicas. Afinal, “quem tem fome tem pressa”, ensinava o sociólogo Herbert de Sousa, o saudoso “Betinho”. Diante disso, resta a dúvida sobre quais fundamentos Josué de Castro elegeria hoje, como principais motivadores dessa face da miséria no país e, principalmente, nas terras nordestinas. As desigualdades regionais do acesso à educação certamente seriam o ponto de partida para se desvendar esse enigma. Sobre a crucialidade desse enfoque, confira nessa reportagem como nem todo mundo cala diante do irrefutável.

Conspiração do silêncio

Quando se fala em fome no Brasil é comum associar o tema a região Nor-deste. Palco dos piores índices de sub-desenvolvimento do país, esse mesmo Nordeste, não por coincidência, tam-bém é berço de uma figura emble-mática sobre o assunto: o médico, escritor, político, geógrafo, cien-tista social e professor Josué de

Castro. Nascido em uma família pobre do Recife, o cientista tornou-se uma celebridade mundial ao rom-per com o que ele classificava como “conspiração do silêncio” e, finalmente, denunciar a fome, suas verda-deiras causas e consequências.

Como fenômeno social, a desmistificação do as-sunto é um processo que tem data de início: 1946, quando ele escreveu o livro Geografia da Fome. Considerada um raio X da realidade alimentar do país, a obra desarticulou a idéia de que a fome es-tava associada à raça. “Dizia-se que o Brasil era um país de indolentes, mestiços, de gente de cor e que, por isso, a fome deveria fazer parte do dia-a-dia do brasileiro”, comenta a professora universitária Ana Maria Castro, filha de Josué.

Na verdade, o Brasil surgido das pesquisas do cientista mostrava que não existiam causas naturais para o problema, mas econômicas, sociais

e políticas. Mais ainda: o país estava dividido em cinco regiões, das quais três seriam de fome.

No recorte geográfico realizado por Josué de Castro, o Centro-Oeste e o Extremo Sul ocupa-vam uma posição privilegiada, estando fora da zona de fome permanente. Na contra-mão dessa realidade, estavam a área amazônica e o Nordes-te. Este era divido ainda em duas sub-regiões, a açucareira e a do sertão. As diferenças não eram apenas geográficas, e sim biológicas, culturais, ecológicas, geológicas e sociais. No entanto, em uma coisa elas comungavam: a má administra-ção dos governantes, que levavam essas regiões à fome e à miséria.

Defensor de uma reforma agrária que con-templasse não apenas a posse da terra, mas a pro-moção da agricultura familiar e o apoio ao seu de-senvolvimento, Josué potencializava a fome como resultado da exploração colonialista, associando o

problema à deficiência do consumo ali-mentar resultante desse período.

Ao explicar um tema tabu para a sociedade da época, ele jogou holo-fotes sobre a má distribuição das ri-quezas de um país ainda fortemente agrícola, e que hoje apresenta um perfil bem mais industrializado. Diante dessa nova realidade, o que será que Josué de Castro elegeria como principal causa para a fome hoje no país?

Fome Persiste.E agora, Josué?

CARL

INHO

S ALC

ÂNTA

RA

8 Junho/2009Nordeste VinteUm

9Junho/2009Nordeste VinteUm

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Fontes: IBGE / Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) / Centro Josué de Castro / pesquisador Sérgio Buarque

Em 65,2% dos 51,8 milhões de domicílios

particulares brasileiros, havia

segurança alimentar.

Dentre os 18 milhões

com insegurança alimentar,

3,4 milhões foram

classificados em situação de insegurança alimentar grave e 1,6

milhão destes domicílios

estavam no Nordeste.

PERFIL DA SEGURANÇA ALIMENTAR TRAÇADO PELO IBGE EM 2004

NordesTe - 12,4%sUl 3, 5% -

NorTe 10,9% -

CeNTro-oesTe 4,7%sUdesTe 3,8%

QUADRO DE INSEGURANÇA ALIMENTAR GRAVE NO BRASIL

Fontes: IBGE / Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) / Centro Josué de Castro / pesquisador Sérgio Buarque

Índices mais graves convergem para zonas de analfabetismo e desemprego

É a edUCação, Cara pálida!

Para o economista e sócio-funda-dor do Centro Josué de Castro, em Recife, Sérgio Buarque, tendo em vista o quanto a economia do Brasil já avançou nas últimas décadas, a resposta ao enigma de persistência da fome no país é simples: a desigual-dade do acesso à educação. “O ponto central da discussão da fome hoje é a educação. É só ver, os piores índices de analfabetismo e desemprego do país estão nas regiões onde a fome é mais grave”, avalia Sérgio Buarque.

Números ilustram a opinião do economista. Segundo pesquisa di-vulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge), foca-da no público a partir de 5 anos de idade, 11,75% da população brasilei-ra são analfabetos. Destes, 21% es-tão no Nordeste. Em segundo lugar, vem o Norte do país, com 14%. O Sul está em último, com 7%. Agora, se focarmos no público acima de 15 anos, a média de analfabetos na po-pulação brasileira é de 10%. Destes, 19,9% estão no Nordeste, seguido do Norte, com 10,8%.

Em termos econômicos, as esta-tísticas desfavoráveis para a terra de Josué de Castro avançam no mesmo levantamento. Pesquisa do Ibge, que compara a taxa de desocupados com a das pessoas economicamen-te ativas, denuncia que o Nordes-te possui 8,25% de sua população desempregada. O Sudeste aparece com 9,04%, mas possui quase o do-bro de habitantes.

Não é de espantar que, da mes-ma forma que as pesquisas sobre analfabetismo e desemprego confir-mem a desvantagem da região nor-destina, outro estudo apresentado pelo Ibge denuncie que, na compara-ção das prevalências de insegurança alimentar grave, os piores resultados também ficaram com o Nordeste.

Desempregados no Brasil

Milhões de pessoas

População Economicamente

Ativa(PFA)

População Ocupada

População Desocupada

Taxa de desocupação em % (pessoas desocupadas/pessoas

economicamente ativas)

Brasil 98.846 90.781 8.065 8,16%

Norte 7.302 6.735 567 7,76%

Nordeste 25.772 23.647 2.125 8,25%

Sudeste 42.785 38.917 3.868 9,04%

Sul 15.704 14.792 912 5,81%

Centro-Oeste 7.285 6.696 589 8,09%

Ceará 4.145 3.859 286 6,90%

% de analfabetos de 15 anos ou mais

de idade por regiao

Enquanto a insegurança alimentar grave ocorre em 3,5% dos domicílios da região Sul, o Nordeste apresenta um índice de 12,4%. O maior entre

todas as regiões. Das 840 milhões de pessoas que passam fome no mundo, 27,3% estão no Brasil.

“Aço ou pão”/“Pão ou educação”

dileMas e desCoMpensações

Sérgio Buarque argumenta que o dilema do Brasil para Josué de Castro era o descompasso entre o processo de industrialização e a modernização agrí-cola (sub-título da Geografia da Fome). Ou seja, em uma síntese de sentido figurado: “aço ou pão”. Hoje, o dilema é ver o país entre o imediatismo do Fome Zero e o atraso na oferta de educação de qualidade para a população de baixa renda. Ou seja: “pão ou educação”.

Em palestras que realiza pelo país, com o tema “O pensamento de Josué de Castro e os problemas do novo milênio”, Sérgio Buarque destaca que os programas apresentados pelo governo, hoje, são meramente compensatórios, e que ao invés de ser focada simplesmente a transferência de renda, deveria haver uma projeção maior para a transferência de conhecimentos. Isso quer dizer apostar na redução da desigualdade via distribuição do ativo conheci-mento. “O que deveria haver também é uma distribuição de recursos de acor-do com as carências. Se o Nordeste tem os piores índices, deve ser tratado diferente, com prioridade”, acrescenta.

O economista amplia a esteira dos dilemas ao lembrar que fome pede urgência e se reduz rapidamente com assistência. Mas, embora desejável, sua eliminação não é sustentável apenas com isso. Já a educação pede urgência (jovens ociosos e despreparados), são requeridos anos para gerar resultados (elevação da escolaridade e democratização de conhecimento) e o investimen-to tem grande impacto transformador da sociedade, oferecendo sustentabili-dade ao processo de redução da pobreza e da fome.

Do ponto de vista do secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutri-cional do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Crispim Moreira, é verdade que o Brasil precisa produzir políticas que reco-nheçam a diversidade sócio-territorial, mas isso não quer dizer que programas como o Fome Zero não estejam no caminho certo. “A proposta do Bolsa Fa-mília é a universalização. Ele é um programa massivo. Este ano, 12 milhões e 400 mil famílias de todo o Brasil serão atendidas. Agora, no caso das políticas não universais, devemos de fato criar fatores que protejam determinadas po-pulações, corrigindo distorções”, avaliou o secretário.

Sobre a questão da difusão do conhecimento, Crispim considera impor-tante que todos tenham acesso à educação formal, mas ressalta a necessida-de de serem respeitados os valores e a cultura de cada lugar. “Os pais rurais sabem o mal que faz uma escola urbana para a reprodução do seu modo de vida e do conhecimento po-pular. Na distribuição do conhecimento, é imprescindível que uma cultura não se so-breponha a outra”, disse ele.

Sérgio Buarque destaca em suas palestras, que os programas apresentados pelo governo hoje, são meramente compensatórios, e que ao invés de ser focada simplesmente a transferência de renda, deveria haver uma projeção maior para a transferência de conhecimentos

Pessoas de 5 anos ou mais

10 Junho/2009Nordeste VinteUm

11Junho/2009Nordeste VinteUm

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840 milhões de pessoas hoje, passam fome no mundo / 27,3% estão no Brasil A fome atingia 2/3 da população brasileira em 1946. eram 31,2

milhões de pessoas.em 1946, eram 03 as áreas geográficas

com mais de 50% da população em estado de fome: Norte, Sertão e Zona da

Mata do Nordeste (permanente e endêmica na

Zona da Mata, cíclica e epidêmica no Sertão)

11,75% da população brasileira

hoje, são de analfabetos / 21% estão na região Nordesteem 1975, seriam 46,5 milhões de pessoas com déficit alimentar (cerca

de 50% da população)

o Fome Zero estima que, hoje, 27,3%

NÚMEROS DA MISÉRIA

NOVA GEOGRAFIA DA FOME

da população brasileira não tem renda suficiente para garantir uma alimentação satisfatória. Isso

representa 38,6 milhões de pessoas.De acordo com o Plano Plurianual (PPA) 2008-

2011, os investimentos do programa Fome Zero alcançarão r$ 80,4 bilhões,

beneficiando anualmente mais de 45

milhões de pessoas. em 2009, serão

r$ 18,5 bilhões.

12% da população brasileira são miseráveis, segundo IPEA, o que eqüivale a

21,7 milhões de pessoas17,6% era o índice de desnutrição crônica de crianças que viviam no Semi-

árido em 1996, segundo a Universidade de São

Paulo (USP). Hoje, esse número gira em torno de 6,6%.

Fontes: IBGE / Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) / Centro Josué de Castro / pesquisador Sérgio Buarque

Sem choque de ciência e tecnologia escola média é o elo fraco da rede pública

ensino seCUndário x foMe

Josué de Castro certamente estaria hoje debruçado so-bre o ensaio da mais recente tentativa do poder público de sair do discurso e ir à prática na elaboração de um novo projeto desenvolvimentista voltado para o Nordeste.

O ex-ministro de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Mangabeira Unger, até que tentou emplacar uma proposta de governo com ares de “Projeto de Estado”, mas viu malograr seus esforços num suspiro. Pior para o Nordeste e seu ensino secundário.

1. Criação de uma nova escola média, a partir dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia. Para o ministro, a educação média é o elo fraco da educação pública no país. A proposta é ampliar o acesso e mudar o seu enfoque, com-binando o ensino geral com o técnico. Capacitar os nordestinos, providenciar um choque de ciência e de tecnologia, dar meios e oportunidades à inventividade tecnológica popular.

2. Esta nova escola reuniria novo tipo de ensino geral e nova espécie de ensino técnico. “O geral substituirá o enciclopedismo informativo superficial – a ‘decoreba’ – por ensino analítico e capacitador. Usará a informação, de maneira seletiva e aprofundada, como instrumento de capacitação analítica. Ao man-ter o foco no básico, de análise numérica e verbal, ficará longe dos modismos pedagógicos”, assinalava Mangabeira em seu projeto.

3. O Projeto Nordeste aponta dois caminhos para alcance de resultado. O caminho curto: ampliar as escolas técnicas federais para que se transformem nessas novas escolas mé-dias. E mesmo que a rede dessas escolas alcance toda a dimen-são desejada, elas não ocuparão mais do que 10% do universo de matrículas na população de estudantes secundários. “Daí, tam-bém, a necessidade de trilhar o caminho longo: apoio aos governos estaduais, bem como trabalho em comum entre eles para trans-formar, progressivamente, a natureza das escolas médias estaduais pré-existentes”, sugeriu o ex-ministro.

4. Para Mangabeira, ao governo federal caberia não só preparar materiais de ensino, mas também organizar, a partir do ciclo secundário, a carreira nacional de professo-res. Em resumo, ele acredita que não basta reformar a educação. É preciso providenciar um choque de ciência e de tecnolo-gia no Nordeste. “Ainda hoje continua o Nordeste a cair muito abaixo da média nacional em matéria de uso dos fundos setoriais de ciência e de tecnologia. A política industrial voltada para redes de pequenas e médias empresas industriais, e tanto para a agri-cultura irrigada como para a de sequeiro, são provocações naturais para mobilizar ciência e tecnologia”.

Fonte: FAO Statistics Division, Fao Statistics Yearboo 2004 Vol.1

ENTRE As 11 PRINCIPAIs PROPOsTAs ELENCAdAs POR MANGABEIRA, EsTãO

12 Junho/2009Nordeste VinteUm

13Junho/2009Nordeste VinteUm

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A desnaturalização da fome por um nordestino cidadão do mundo

Figura brasileira emblemáti-ca, com seu legado sobre estra-tégias para o desenvolvimento humano, o nordestino Josué de Castro nasceu no Recife, em 5 de setembro de 1908. Formado em Medicina pela então Univer-sidade do Brasil, hoje Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1929, o cientista an-tecipou em décadas teorias que focavam não apenas a visão sobre as milhões de pessoas vítimas da fome, mas sobretudo a realidade social em torno do assunto.

Além de médico, era professor, geógrafo, sociólogo e político. Seu trabalho científico foi pautado na multidisciplinaridade e inserido em um contexto econômico, so-cial e ambiental, que oportunizou para realizar com grande acuidade o primeiro inquérito de consumo alimentar do país.

Intitulado Condições de Vida das Classes Operárias do Recife, o trabalho serviu de base para a instituição do salário mí-nimo no Brasil. A idéia era destacar a necessidade de au-mento da renda do trabalhador.

Não por acaso, também foi a partir de iniciativas suas que surgiram programas como os restaurantes po-pulares, da Previdência Social, e a merenda escolar – modelo de sucesso na assistência alimentar não só do Brasil, mas da América Latina.

Segundo pesquisador Malaquias Batista Filho, a verdade é que Josué sabia dos problemas decorrentes da má nutrição nas crianças. Com a merenda escolar, foi possível corrigir as deficiências do cardápio doméstico

JosUÉ de Castro

Homens e Caranguejos, romance de josué de Castro história de um menino em meio à miséria dos mangues.

e criar uma estratégia peda-gógica para promover hábitos alimentares saudáveis.

Entre os méritos de Josué, há ainda o fato de ter fundado a Comissão Nacional de Alimen-tação, da qual surgiu o atual Conselho Nacional de Segu-rança Alimentar, e de ter criado

o primeiro curso de nutricionis-tas do país, na antiga Universida-de do Brasil. Na carreira internacional, o cientista fi-gurou por duas vezes como Conse lhe i ro Del iberat ivo da Organização das Nações Uni-

das para Agricul-tura e Alimentação (FAO).

Na ocasião, fundou com os chamados “20 cidadãos do mundo”, a Associação Mundial de Combate à Fome (Ascofam). O objetivo principal era prestar ajuda rá-pida aos países em situação de crise de abastecimen-to alimentar, entre outras providências amparadas na mesma concepção de solidariedade.

Das 22 obras de Josué de Castro, traduzidas para 25 idiomas e recomendadas pela FAO, estão, além da cé-lebre Geografia da Fome, os livros Geopolítica da Fome, que traz uma análise panorâmica da fome no mundo, e o romance Homens e Caranguejos, que conta a história de um menino em meio à miséria dos mangues.

Em 2008, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) criou o Prêmio Josué de Castro de Boas Práticas em Gestâo de Projetos de Segurança Alimentar e Nutricional. O objetivo foi comemorar o centenário de nascimento do pesquisador.

Gosto de buscar razões históricas

e situações que demonstram porque as coisas acontecem

Não se morre apenas de enfarte,

ou de glomero-nefrite crônica...

Morre-se também de saudade

CENT

RO JO

SUÉ D

E CAS

TRO

14 Junho/2009Nordeste VinteUm

15Junho/2009Nordeste VinteUm

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JOSUÉ DE CASTRO:Contexto profissional de suas obras1908 Nasce em Recife no dia 5 de

setembro1929 Forma-se na Faculdade de

Medicina do Rio de janeiro1932 Livre-docente de Fisiologia da

Faculdade de Medicina do Recife1933 Professor Catedrático de Geografia

Humana da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais do Recife (até

1935)1935 Professor Catedrático de

Antropologia da Universidade do Distrito Federal (até 1938)

1936 Membro da “Comissão de Inquérito para Estudo da

Alimentação do Povo Brasileiro” realizado pelo Departamento

Nacional de Saúde1940 Professor Catedrático de Geografia

Humana da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do

Brasil (até 1964)1942 Presidente da Sociedade Brasileira

de Alimentação (até 1944)1946 Idealizador e diretor do Instituto de

Nutrição da Universidade do Brasil1947 Delegado do Brasil na

“Conferência de Alimentação e Agricultura da Nações Unidas”,

convocada pela FAO; Membro do “ Comitê Consultivo Permanente de

Nutrição” da FAO1952 Presidente do Conselho da FAO

(até 1956)1956 Deputado Federal pelo Estado de

Pernambuco reeleito em 1960 (até 1962)

1957 Funda a Associação Mundial de Luta Contra a Fome (Ascofam)

1962 Embaixador do Brasil na ONU, em Genebra (até 1964)

1964 Após o golpe militar de 31 de março, através do Ato Institucional nº 1, tem cassados seus direitos

políticos1965 Fundador e presidente do

Centro Internacional para o Desenvolvimento (até 1973)

1968 Professor estrangeiro associado ao Centro Experimental de Vincennes, Universidade de Paris (até 1973)

1973 Falece em Paris no dia 24 de setembro

Obra antecipa temas como ecologia, globalização e subdesenvolvimento

Três indicações ao Prêmio Nobel, exílio e morte em Paris

Professora titular da UFRJ, doutora em Sociologia Aplicada e filha de Josué de Castro, Anna Maria de Castro, diz que seu pai“ percebeu, prematura-mente, as agressões que sofria o meio

ambiente e colocou-se como um com-batente ecológico, em tempos em que até a expressão ainda era novidade”.

Ela também destaca que o cientis-ta foi capaz de prever a ampliação da

Considerado pelo escritor fran-cês André Malraux como uma das quatro celebridades mundiais que demarcaram as idéias e os movi-mentos sociais do século XX, Josué de Castro era figura freqüente em homenagens pelo mundo. Delas, destaca-se o recebimento do Prêmio Internacional da Paz, além de duas indicações ao Prêmio Nobel da Paz, e uma indicação ao Prêmio Nobel de Medicina.

Injustiça maior que o fato de não ter sido premiado nessas ocasiões, ape-nas a da cassação de seus direitos polí-ticos pelo regime militar, em 1964. Motivo que o obrigou a exilar-se em Paris, onde passou a lecionar na Sorbone. Lá, fundou e coordenou

o Centro Internacional do Desen-volvimento. Jamais pôde voltar ao Brasil, tendo falecido em 1973, de-primido, antes de receber oficial e nominalmente a anistia.

SUPERPOPULAÇÃO E FOME – Em Josué de Castro, a tese de maior po-lêmica trata da relação entre fome e o fenômeno da “superpopulação”. Pelo princípio de causalidade, ele entendia que “superpopulação” não é a causa da fome, e sim o inver-so. É imprescindível destacar esse debate que ele trava com o pensa-mento malthusiano (Thomas Robert Malthus(1766–1766) economista britânico que apontava o excesso po-pulacional como causa de dos males da sociedade – “população cresce em progressão geométrica e alimentos em progressão aritmética”), principal-mente após 1948.

Josué de Castro não via o cres-cimento da população como uma variável independente, mas sujeito a fatores políticos e econômicos e à dinâmica da conjuntura social. A visão de Malthus ignora ou rebaixa os benefícios da industrialização ou do progresso tecnológico, que pro-varam que o crescimento da produ-ção de alimentos pode acompanhar o crescimento da população.

A contribuição de Josué, por-tanto, está em convencer o mundo sobre a desnaturalização das cau-sas da fome, polemizando com os

neo-malthusianos ao tratar o fenômeno como o pro-

duto das relações sócio econômicas, e não da acelerada explosão demográfica.

chamada globalização, na qual a vida econômica é comandada pelas empre-sas, representando os Estados como meros executores da política territorial e econômica das mesmas. Processo que aumenta a concentração geográfica e acentua as diferenças regionais, contra-riando o desenvolvimento humano.

A escolha da fomecomo temática central de sua obra tem expressividade tanto científica como política. Aparece em toda sua obra como principal gan-cho da crítica ou denúncia das relações sociais existentes.

Sua fase mais crítica estende-se até a publicação de O Livro Negro da Fome (1957), onde adota uma inter-pretação do fenômeno atrelada aos conceitos de subdesenvolvimento. É nesse período que aflora mais clara-mente a influência da atividade políti-ca que Josué de Castro desempenhou de 1952 a 1955 na FAO e de 1956 até 1962 como deputado federal pelo Es-tado de Pernambuco.

AS CONTINUIDADES E DESCONTINUIDADES DA OBRA DE JOSUÉ DE CASTROFASES TEMAS PUBLICAÇÕES RELAÇÃO COM A GEOGRAFIA

Fase

Expli

cativ

a

Estudo da alimentação da população brasileira através da medicina, sociologia e antropologia: os problemas da alimentação.

O Problema Fisiológico da Alimentação no Brasil(1932), Condições de Vida das Classes Operárias do Recife (1932), Alimentação e

Raça (1935)

Superação da leitura médica no estudo da alimentação

• Consolidação do “método geográfico” na obra do autor.• Divisão regional do Brasil conforme os hábitos alimentares.

• Combate ao determinismo geográfico que apontava o clima como responsável pela má alimentação da população

A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana (1937), Geografia Humana (1939) -

finalidades didáticas

Do exercício do “método geográfico” (Escola Francesa de Geografia - Possibilismo) à

sintetização dos princípios da geografia; princípio da casualidade - Humboldt;

princípio da extensão - Ratzel; princípio da coordenação - Ritter e La Blache;

princípio da conexidade - La Blache“Documentário do Nordeste” (1937) - seleção de contos

Fase

Críti

ca

• Dos problemas da alimentação ao fenômeno da fome coletiva (endêmica ou epidêmica, total ou parcial – oculta).

• Superação do “tabu” que cerca o tema da fome.• Fundamentação do fenômeno da fome enquanto fenômeno social e não

natural.• Fundamentos econômicos do fenômeno da fome; monoculturas;

latifúndios; esturturar de ocupação.• Denúncia do papel exercido pelas grandes potências mundiais no

crescimento da fome no mundo.• Indicação para a necessidade de uma economia humanizada.

• Início do embate com as teses malthusianas

Geografia da Fome (1946) Regionalização da fome no Brasil: do mapa das áreas alimentares ao mapa da fome.

Geopolítica da Fome (1951) Regionalização da fome no mundo.

Da geografia às teses malthusianas e a concepção de desenvolvimento

Fase

De

senv

olvim

entis

ta • Identificação do fenômeno da fome com o subdesenvolvimento econômico.

• Propostas para a construção de uma “economia humanizada”.• Fortalecimento do embate com as teses malthusianas.

O Livro Negro da Fome (1957)Ensaios de Geografia Humana(1957)

Ensaios de Biologia Social (1957)A Explosão Demográfica e a Fome no Mundo

(1968)Interlocução com uma Geografia do

Subdesenvolvimento.

• Mudança conceitual: do “desenvolvimento econômico” ao “desenvolvimento humano”. A Estratégia do Desenvolvimento (1971)

Sete Palmos de Terra e um Caixão (1965) e Homens e Caranguejos (1967) - romancesobras. Josué de Castro deixou várias obras em 65 anos de existência

* Pesquisa desenvolvida através do programa de bolsas de iniciação científica CNPQ-PIBIC no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP), sob orientação da Professora Doutora Amélia Luisa Damiani.

* Pesquisa desenvolvida através do programa de bolsas de iniciação científica CNPQ-PIBIC no Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP), sob orientação da Professora Doutora Amélia Luisa Damiani.

Fonte: IHU ON-LINE, Revista do Instituto Humanistas Unisinos./ José Raimundo Sousa Ribeiro JuniorFonte: IHU ON-LINE, Revista do Instituto Humanistas Unisinos./ José Raimundo Sousa Ribeiro Junior

16 Junho/2009Nordeste VinteUm

17Junho/2009Nordeste VinteUm

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Centro JosUÉ de Castro

Na falta de um novo Josué, sobrou para o Centro de Estudos e Pesquisas Josué de Castro, em Recife, dar continuidade a proje-tos inspirados na obra do cientista. Fundado em 1979 por pesquisadores pernambucanos – alguns exilados pela ditadura, o centro é uma entidade de direito privado sem fins lu-crativos, que contribui para a construção e fortalecimento da democracia e da cidadania através da pesquisa e da intervenção social.

Nos últimos 30 anos, o CJC influiu na elaboração de políticas públicas e na mobili-zação da sociedade para a conquista de direi-tos. Destaque para o apoio aos movimentos populares voltados a questões como planeja-mento participativo e gestão do meio ambien-te, entre outros.

As linhas de pesquisa e atuação do centro são segurança alimentar e nutricio-nal, descentralização de políticas públicas, geração de trabalho e renda, educação e inclusão social. Um projeto de destaque é o de apoio à pesca artesanal. Desde a fundação, o centro mantém um grupo de apoio à melhoria de gestão da tecnologia de pesca no litoral de Pernambuco e Nordeste brasileiro. Inicialmente voltado para a capacitação e inovação tecnológica da pesca artesanal, abrange o conceito de se-gurança alimentar dentro da concepção de Josué de Castro.

O centro ainda possui todo o acervo pessoal de Josué de Castro, doado em 1987 pela família do pesquisador. São revistas, diplomas, fotografias, mapas, cartas, anotações, ob-jetos pessoais e recortes de jornais. Ao todo, cerca de 6 mil livros e 600 periódicos.

acervo. Estante com livros de Josué publicados no estrangeiro, sua mesa de reunião e mesa de trabalho que pertenceu a Josué de Castro.

Memória preservada no Recife inspira pesquisa, políticas públicas e cidadania

Resultados comprovam progressoseMi-árido e Bolsa faMÍlia

A presidente do Centro Josué de Castro, Teresa Sales, é uma defen-sora do projeto Fome Zero. Para ela, há também um trabalho panfletário negativo sobre o assunto atrelado à incontestável permanência da pro-blemática da fome. “A transformação foi imensa. O Bolsa Família de fato mudou as estatísticas de fome no país”, assegura.

Na educação, os números re-fletem esse progresso. Segundo o Cento de Desenvolvimento e Plane-jamento Regional (Cedeplar/Ibge), a taxa de freqüência escolar no país entre o público de 7 a 14 anos aten-dido pelo Bolsa é 3,6% acima do que se observa no conjunto dos não beneficiários. No Nordeste, a taxa é ainda maior, 7,1%. Em relação à taxa de abandono da escola, entre os alunos beneficiários do Bolsa, a de evasão chega a 2,1% menor no conjunto das crianças em situação de extrema pobreza.

O Ministério do Desenvolvimen-to Social e Combate à Fome (MDS) considera a iniciativa um divisor de águas no alívio da pobreza e da fome

no país. Um estudo recente do Ins-tituto de Pesquisa Econômica Apli-cada (Ipea) também aponta nessa direção, ao constatar que a taxa de pobreza no Brasil caiu de 42,7% para 30,7%, entre 2004 e março de 2009.

De acordo com a Fundação Ge-túlio Vargas (FGV), nos últimos cin-co anos, a taxa de pobreza no Brasil caiu bem mais que nos 10 anteriores. Ao todo, 35% contra 24%. A pesquisa destaca ainda que o Bolsa Família foi responsável por 21% da queda da de-sigualdade no país. Quanto ao índice de desnutrição crônica de crianças que vivem no Semi-árido, a Universi-dade de São Paulo (USP) afirma que em 1996 esse número era de 17,6%. Hoje, ele gira em torno de 6,6%.

Em pesquisa da Universidade Fe-deral Fluminense, 94% das crianças e 82% dos adultos beneficiários do Bolsa Família fazem três ou mais refeições por dia. Segundo 87% das famílias, o gasto com a alimentação é o principal destino do recurso. Em segundo lugar vem o material escolar (46%), vestuá-rio (37%) e remédios (22%).

Conforme o Ibge, entre os be-neficiários do Bolsa, o índice de pes-soas trabalhando é de 77%. Os não beneficiários na mesma condição são 73%. De acordo com o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Eco-nômicas (Ibase), 99,5% dos benefi-ciários do programa não deixaram de fazer algum tipo de trabalho após passarem a receber o recurso.

Bolsa Família

Região Municípios Atendidos Famílias R$

% famílias pobres

atendidas

CENTRO-OESTE 466 612.775 48.703.611,00 77,66NORDESTE 1.793 5.840.085 525.875.153,00 95,77NORTE 449 1.171.916 112.483.260,00 91,33SUDESTE 1.668 2.952.442 236.725.562,00 82,88SUL 1.188 984.352 76.962.270,00 77,96Total Geral 5.564 11.561.570 1.000.749.856,00 88,97

www.mds.gov.br

A taxa de freqüência escolar no país entre o público de 7 a 14 anos atendido pelo Bolsa é 3,6% acima do que se observa no conjunto dos não beneficiários. No NE, ela é de 7,1%

Fonte:

18 Junho/2009Nordeste VinteUm

19Junho/2009Nordeste VinteUm

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O Cariri cearense, a partir das cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha irá receber no mês de setembro de 2009 o i Seminário Cariri Cangaço. Pesquisadores, historiadores, escritores, documentaristas e cineas-tas estarão no triângulo do Crajubar, discutindo um dos fenômenos mais con-troversos da história do Nordeste brasileiro e suas implicações e ligações com a história de nossa gente. O evento é sem dúvida uma das primeiras iniciativas

rumo à consolidação do conceito de uma Região Metro-politana. Equipes de trabalho foram formadas

pelas três prefeituras e em conjunto com a Universidade Regional do Cariri (Urca),

Instituto Cultural do Cariri (ICC) e grupo técnico da Sociedade Brasileira de Estudos do Canga-ço (SBEC) trabalham firme na

realização do maior evento do gênero já realizado no país.

Ela é uma das maiores autoridades mundiais em mora-dia. Tanto que se tornou relatora especial para o Direito à Moradia da Organização das Nações Unidas (ONU). Sem

meias palavras, Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista da Universidade de São Paulo

(USP), condena a política habitacional do governo Lula. Para ela, o Ministério das Cidades, onde trabalhou de 2003 a 2007, age de forma esquizofrênica e só pensa

em resultados rápidos e quantitativos. A qualidade, como no plano Minha Casa

Minha Vida, foi totalmente descartada. “Corre-se o risco de se criar guetos de pobres, com violência e sem acesso ao trabalho e à educação”. A alternativa que ela defende é a criação de um modelo de gestão democrática para além dos requi-sitos formais. O objetivo é incor-porar a totalidade dos habitantes

e moradores em uma condição de cidadania.

O deputado federal José Guimarães (PT-CE) apresen-

tou projeto de lei que cria o Fundo Especial para Ações Emergenciais de Defesa Civil (Fundec). O objetivo é oferecer o pronto atendi-mento aos municípios que decretarem estado de emer-

gência ou calamidade públi-ca. A proposta visa também

acabar com a burocracia nas esferas federal, estadual e muni-

cipal no socorro a municípios atingi-dos por enchentes ou estiagens, entre outras ocorrências. “Não podem os municípios ficarem neste corredor infernal da burocracia estatal, que leva, muitas vezes, até dois anos para liberar os recursos”, afirma Guimarães. O Fundec seria alimentado por recursos da União, que deverão ser aportados durante a construção da Proposta Orçamentária. O fundo poderá receber ainda doações nacionais e interna-cionais. De acordo com o parlamentar, o fundo dispensaria ainda a edição de medidas provisórias (MPs), que em geral bem recebidas no Congresso Nacional.

O ministro da Previdência, José Pimentel, cumpre exten-so périplo de audiências públicas pelo Brasil para divulgar a importância do Programa Empreendedor Individual. Desde o dia 1º de julho, quando o sistema entrou em operação no Distrito Federal, a contagem é regressiva e a meta, audacio-sa: tirar da informalidade, em 12 meses, mais de 1 milhão de brasileiros. Piauí e Maranhão serão os primeiros estados do Nordeste na agenda do ministro, para quem o Empreende-dor Individual “será o grande debate do Brasil nos próximos anos”. À medida que os estados forem entrando na rede, cada vez mais trabalhadores poderão se formalizar. Segundo o mi-nistro, o país só atingirá a meta inicial se todos os entes do pacto federativo e as entidades de classe envolvidas trabalha-rem unidos. Prefeitos dos 5.561 municípios e governadores receberam correspondências do Ministério para que se en-gajem no mutirão de formalização. As agências da Previdên-cia já distribuem cartilhas de bolso com informações, e para este segundo semestre será veiculada campanha publicitá-ria dirigida aos empreendedores, com explicações sobre os benefícios da formalização. No Brasil, 11 milhões de pessoas trabalham na informalidade.

Os problemas das regiões ári-das e semiáridas do planeta se agudizam e muitos ainda não tem soluções claras. Isso se aplica ao interior do Nordeste do Brasil, não obstante 150 anos de po-líticas contra as secas e de experiências de promoção do desenvolvimento regio-nal. É ainda mais válido para longas extensões da África sub-sahariana, bem como do sul e do sudeste asiáticos. Estes alertas são do diretor da Icid + 18 (Conferên-cia Internacional sobre Impactos de Variações Cli-máticas e Desenvolvimento Sustentável), Antônio Rocha Magalhães, em artigo publicado pelo jornal O Povo (16/6/2009). O evento, lançado em 17 de junho último, terá Fortaleza como sede em agosto de 2010 e deverá reunir 2 mil pessoas de 50 países, 18 anos depois da primeira edição. Magalhães lem-bra que essas regiões concentram a maior parte da pobreza e da degradação ambiental no mundo, com todas as suas consequências – inclusive a pres-são migratória para o mundo desenvolvido. “Se a primeira gerou bons resultados, precisa-mos ir mais adiante agora. É preciso chamar a atenção do mundo; gerar mais conhecimentos e colocá-los à dispo-sição dos tomadores de decisão; unir os pesquisadores, estudiosos e outros interessados, através de redes de comunicação e de intercâmbio; influenciar as instituições interna-cionais, os governos e a sociedade local para que tomem as medidas certas para o desenvolvimento sustentável dessas regiões”, afirma.

O Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e a Associação Nacional de Pós-graduação em Economia (Anpec), abriram, desde o último dia 1º de julho, as inscrições para o Fórum BNB de Desenvolvimento 2009 / XIV Encontro Regional de Economia) a ser realizado entre os dias 16 e 17 deste mês, no Centro Administrativo do BNB (Av. Pedro Ramalho, 5700 – Passaré), em Fortaleza. O evento dará ênfase aos 20 anos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). Segundo o superintendente do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nor-deste (Etene/BNB), José Sydrião de alencar, o objetivo é mobilizar a comunidade acadêmica e política em torno de questões relevantes para o desenvolvimento regional. Na programação, acontecem os painéis “Bolsa Família e Crediamigo: inserção produtiva”, “Cenários para o Nordeste no novo contexto nacional e internacional” e “Desen-volvimento do Nordeste como Projeto Nacional”. O Etene participa com a sessão especial de “Instrumentos de intervenção no Nordeste” e com as mesas sobre avaliação do FNE e estudos regionais.

Cariri sede do maior evento sobre cangaço do país

Raquel Rolnik critica Minha Casa, Minha Vida

Pimentel e a força-tarefa contra a informalidadeJosé Guimarães quer criar

Fundo de Defesa CivilRocha Magalhães e o alerta da icid+18

SaiBa MaiS SoBRE o PRoGRaMa EMPREENDEDoR iNDiViDUaL

>> Contribuição mensal R$ 51,15 (11% do SM) + R$ 1 (se comércio ou indústria) ou + R$ 5 (se for prestador de serviços)

>> Públicos Empreendedores de mais de 170 ocupações, como borracheiro, doceiro, pipoqueiro, artesão, caminhoneiro, costureira, jardineiro, lavador de carros, vassoureiro, verdureiro, vidraceiro e rendeira

>> direitos Aposentadoria por idade (180 contribuições), aposentadoria por invalidez (12), salário-maternidade (10) e auxílio-doença (12). Família fica protegida por pensão por morte e auxílio-reclusão

>> Como se inscrever Com acesso único ao Portal do Empreendedor (www.portaldoempreendedor.gov.br), o trabalhador já sai com o seu CNPJ, sua inscrição na Junta Comercial, no INSS e um alvará de funcionamento, que precisará ser validado pela prefeitura, de acordo com as regras do município.

Fonte: www.portaldoempreendedor.gov.br

[email protected]

Caleidoscópio

20 anos do FNE em debate no BNB

20 Junho/2009Nordeste VinteUm

21Junho/2009Nordeste VinteUm

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DDepois de dois anos à frente da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Roberto Manga-beira Unger deixou o cargo no final do mês de junho. Ofi-cialmente, o motivo até pareceu plausível. A Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, teria negado a prorroga-ção de sua licença de professor titular da escola de Direito da instituição, onde leciona há 37 anos. Segundo fonte do próprio ministério, a equipe já trabalhava há alguns meses com essa possibilidade. Outras versões davam conta da de-terminância de componentes políticos para o fato.

Ilações à parte, a notícia da saída de Mangabeira seria logo esquecida pelo noticiário político, não fosse a premên-cia das grandes questões do Nordeste e do país por uma luz no futuro globalizado. O adeus do ministro acabou por assomar desconfianças, e acima de tudo incertezas. Havia alguns meses, Unger dedicara grande parte do seu tempo a construir as bases do documento intitulado O Desenvol-vimento do Nordeste como Projeto Nacional, cuja discussão prevista com o presidente e governadores foi substituída

a marcar passoDesta vez, o acaso não favoreceu uma mente mais preparada.

Involuntariamente, ao citar o filósofo, físico e matemático francês Henri Poincaré, nessa entrevista exclusiva concedida à nE VinteUm, no início de junho, Mangabeira Unger parecia prever seu futuro à frente da Secretaria

Nacional de Assuntos Estratégicos. Na época, ainda ministro aguardava incidentes políticos capazes de lhe abrir mais portas em seu quixotesco périplo

pela construção de um novo projeto desenvolvimentista no Nordeste. Talvez tenha esbarrado em históricas circunstâncias sempre suscetíveis e

prontas a afastar qualquer um da materialização do intento já ensaiado, de maneira científica, há mais de meio século, por Celso Furtado. Com ele fora do governo, mais dúvidas do que certezas continuam a rondar o futuro de uma região que já não pode mais esperar, a cada surto de debates e projetos, por

infindáveis desconfianças políticas e ponderações legítimas ou não, sob o risco de continuarmos atolados no imobilismo das idéias.

Mangabeira Unger

ENTREVISTA

Por Marcel Bezerra, com entrevista a Francisco [email protected]

pelo anúncio de um pacote de medidas econômicas e pela confirmação de que o ministro deixaria a pasta.

Quando de sua última passagem pelo Ceará, em junho deste ano, Mangabeira se dizia “aflito” em relação à neces-sidade de deslanchar o projeto ainda este ano. Afinal, uma iniciativa do gênero é alvo fácil de literal atropelamento pelo embate sucessório à Presidência. Para ele, caso o Pro-jeto Nordeste se afirmasse a partir de 2009, ajudaria inclusi-ve a pautar o debate eleitoral em 2010. Nesse caso, arrema-tava, “as campanhas lhe servirão como instrumento em vez de o ameaçarem como interrupção”.

Do presidente e dos chefes de executivos estaduais, o cientista dizia esperar uma “decisão política”. Ao final de uma das entrevistas, deixou uma frase que talvez sirva como pista na busca por explicações para sua saída: “A mi-nha tarefa não é a de alocar recursos”. Noutro momento, fi-losofava sobre sua ambiciosa visão: “Como em tudo neces-sário ao casamento entre audácia e imaginação, precisa ter calor, que é a vontade política, e luz, que é a clareza sobre

Bye Bye, Nordeste!Desenvolvimentismo

Falta um projeto para o nordeste capaz de instrumentalizar esse dinamismo, essa vitalidade desmesurada, esse capital social, que é a identidade cultural forte

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22 Junho/2009Nordeste VinteUm

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o caminho. Luz e calor”A partir de janeiro último, Mangabeira iniciou viagens

pelo Nordeste para explicar e divulgar o projeto, formatado em visitas anteriores à região. A agenda incluiu municípios, projetos e iniciativas, encontros com parlamentares, gover-nadores e entidades classistas. Delegada a missão de pen-sar ações de longo prazo, tentou enfrentar o ceticismo que permeou as expectativas sobre a efetividade do que a pas-ta sob seu comando poderia significar. Afinal, o Nordeste padece há pelo menos meio século de projetos capazes de subverter sua condição de subdesenvolvimento. De rumo sério e aprumado, apenas um foi traçado em Uma política de desenvolvimento para o Nordeste, por Celso Furtado, há

50 anos. De resto, apenas iniciativas pontuais que não fo-ram adiante.

Em 740 dias de governo, Mangabeira variou com su-gestões entre ambiente, educação, trabalho e defesa na-cional. É do ministro a iniciativa que regularizou cerca de 400 mil propriedades rurais na Amazônia, também conhe-cida como MP da Grilagem. Hoje, a secretaria trabalha na elaboração de propostas para mudar as relações entre em-presas e trabalhadores, com a criação de uma legislação para proteger terceirizados e autônomos. A vitrina de Man-gabeira, contudo, foi o Plano Nacional da Amazônia Susten-tável, com 16 compromissos assumidos pelo governo em maio do ano passado para desenvolver a região.

O que eu quero é que ele [Projeto Nordeste]

seja capaz de sobreviver ao governo Lula, de se impor ao futuro governo e ajudar a pautar o debate na sucessão

presidencial

NoRDEStE ViNtEUM – De imediato, nas últi-mas incursões pela região, o que o senhor enxer-gou e sentiu no Nordeste de hoje?MaNGaBEiRa UNGER – Eu andei no inte-rior do interior de todos os nove esta-dos. E o que eu vi, antes de mais nada, é uma versão concentrada do enigma brasileiro. Um enorme dinamismo, um turbilhão, uma criatividade, que se manifesta por meio das duas grandes forças construtivas no Nordeste hoje. A primeira é um empreendedorismo emergente, sobretudo no Semi-árido. E a segunda é uma inventividade tecno-lógica popular, difusa, porém desequi-pada. Ambas manifestações da mesma coisa, que é essa vitalidade desme-surada, o atributo mais salien-te do Brasil. E no Nordeste, como em todo o Brasil, esta vitalidade está enclausura-da numa camisa de força de instituições, de práticas, de idéias que a suprimem, em vez de instrumentalizá-la. Esse é meu sentimento maior sobre o Nordeste. Como exemplo desse paradoxo brasileiro. Mas, no Se-mi-árido, eu vejo outra coisa que não é tão comum no Brasil. Um grande acú-mulo de vínculos associativos, daquilo que os cientistas sociais chamam o ca-pital social. Que por sua vez se baseia num sentimento de si, numa identida-de cultural muito forte. E eu entendo que essa identidade foi formada histo-ricamente numa sociedade de homens e mulheres pobres, porém livres, que se manteve relativamente incólume dentro da ordem escravocrata em voga. Isto é uma imensa força que o Nordes-te tem, mas que só conseguirá poten-cializar se construir um projeto capaz de instrumentalizar esse dinamismo.

NVU – No documento, está dito que talvez o úni-co grande projeto para o Nordeste tenha partido da lavra ou do conhecimento de Celso Furtado. Ele foi a realmente a última grande proposta?MU – O Nordeste fervilha de iniciativa empreendedora e cultural. Tem pen-sadores vivos de primeira ordem. Vive uma renovação de sua cultura política. Até demonstra uma coesão política sur-

preendente, apesar das fraturas que, de fato, existem entre o litoral e o interior, entre estados maiores e menores. E há grandes obras de infra estrutura em curso que vão unificando o Nordeste pela primeira vez. Apesar de tudo isso, porém, o Nordeste não tem tido um projeto abrangente e orientador do seu desenvolvimento há meio século.

NVU – O senhor atribui isso à elite política?MU – Eu atribuo isso a um malogro que não é só do Nordeste, mas do Brasil. Nada substitui as idéias. Não basta ter condições favoráveis, se não são mobi-lizadas por um projeto claro e contun-dente. E sinto que isto tem faltado. E que esse é momento para fazer isso. Há uma concatenação de circunstân-cias singularmente favorável. Porque a todas essas mudanças a que eu me referi, há um presidente vindo do Nor-deste, que tem um grande respaldo po-pular no país. Passará muito tempo até que se repita uma combinação de cir-

cunstâncias tão favoráveis como essa. Mas, o tempo fica muito curto, muito escasso. Nós só temos agora 2009 para consolidar uma dinâmica de ações con-cretas que encarnem, e prefigurem o caminho que queremos trilhar. E que transformem esse projeto num projeto do Estado brasileiro, e não apenas num plano do governo Lula. O que eu quero é que ele seja capaz de sobreviver ao governo Lula, de se impor ao futuro governo e ajudar a pautar o debate na sucessão presidencial. Eu tenho dito que o Nordeste não se deve dar de ba-rato às forças em embate na sucessão presidencial. O Nordeste é o maior

órfão do modelo de desenvolvimen-to construído no país no último

meio século, e não convém ao Brasil que se contente com concessões pontuais. Uma estrada ali, um hospital acolá, uma transposição de

água. O Nordeste tem que se rebelar.

NVU – O senhor considera o Bolsa Família isso?

MU – Não. Há muitas ações positi-vas, inclusive os programas de trans-ferência como o Bolsa Família. E eu proponho um desdobramento desses programas, um próximo passo. Mas, eles não se juntaram, não convergi-ram, não se cristalizaram num projeto abrangente. E este não pode ser um projeto visto como compensação para uma região pobre. O Nordeste não deve aparecer para o imaginário do Brasil como uma região pedindo favo-res e compensações. Ele deve apare-cer aos olhos do país como uma van-guarda potencial na reconstrução do nosso modelo de desenvolvimento.

NVU – Em que aspecto o Nordeste pode ser vanguarda?MU – O que o Brasil busca hoje é um novo modelo de desenvolvimento ba-seado em ampliação de oportunidades econômicas e educativas. Historica-mente, o Brasil cresce a partir dos se-tores favorecidos e internacionalizados em sua economia. Eles geram um excedente, e parte dele é usado para

A orfandade da política de estado e as pretensões de um amparo intelectual

“O Nordeste é o maior órfão do modelo de desenvolvimen-to concebido há meio século”, Com essa frase, Mangabeira pode até ter “chovido no molhado”, mas começou a desanuviar a percep-ção de premissas que levam a uma lógica consensual: “não há solução para o Brasil sem solução para o Nordeste.” Para ele, fundamental-mente, falta hoje, ‘projeto’ para a re-gião, e sua iniciativa acabava tendo o mérito de construir e sistematizar uma proposta sóbria, sem a pre-tensão de soluções milagrosas ou obtusas reduções.

A chamada “grande mídia” na-cional trata com certo desdém a figura de Mangabeira, a começar pelo seu sotaque de gringo, passan-do pelas críticas de primeira hora desferidas ao governo Lula em plena crise política. Por outro lado, não se pode desmerecer sua credibilidade acadêmica, principalmente em âmbito internacional. Formado na Facul-dade Nacional de Direito, obteve o doutorado na Universida-de de Harvard. Lá, começou a lecionar aos 24 anos. Em pouco tempo, tornou-se um dos professores titulares mais jovens na história de Harvard. Foi eleito membro vitalício da Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos. Sua obra de pensa-mento político, econômico, jurídico e filosófico é publicada e discutida em todo o mundo, traduzida para várias línguas.

Para Mangabeira, seu trabalho se caracteriza pela “pro-posta de métodos e de idéias contrárias às concepções in-

telectuais dominantes e pela imaginação de alternativas ins-titucionais para as sociedades contemporâneas”. Esse lastro de erudição, ele trouxe para a concepção do Projeto Nordeste que, não se pode negar, tem o seu DNA e vinha até angariando apoios, incluindo um pretenso estímulo presidencial.

O cientista exaltava em suas palestras a ambiência políti-ca extremamente favorável ao Nordeste de hoje, com a popu-laridade presidencial e as gran-des obras estruturantes. Numa região historicamente marca-da pela fratura litoral/interior e a falta de unidade política en-tre os Estados - vide guerra fis-cal e a falta de consenso entre

governadores sobre a constituição do fundo de desenvol-vimento da região a ser administrado pela Sudene, recria-da em 2003 – tentava driblar certas desconfianças quanto a qualquer projeto que diga respeito ao “desenvolvimento do Nordeste”.

Ao reconhecer o forte capital social, o empreendedo-rismo emergente e uma inventividade tecnológica popular, aliada às grandes obras estruturantes em curso e a uma ambi-ência política favorável, ele erigiu na instrumentalização dessa vitalidade nordestina o esboço de um projeto abrangente e orientador do desenvolvimento regional. Para Mangabeira, é hora de rebeldia, conforme mostra a entrevista a seguir.

ANTONIO CRUz/AbR

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financiar programas sociais. Essa foi uma estratégia básica. Agora, o país quer mais do que isso. Quer trans-formar a ampliação de oportunidades para aprender, trabalhar e produzir no motor do crescimento. Com isso, anco-rar o social na maneira de organizar o econômico. E eu entendo que o lugar para começar, avançar em muitas fren-tes simultaneamente, por inovações institucionais que encarnem a demo-cratização dessa economia de merca-do, é o Nordeste. Em todo lugar tenho repetido um refrão, que o Nordeste é a nossa China, e que pode ser a nossa China no bom ou no mau sentido. No mau sentido, se for apenas um manan-cial de trabalho barato. E num bom sentido, se virar uma grande fábrica de engenho e de inovação. Para isso, o Nordeste não se deve contentar ape-nas com incentivos, subsídios pontu-ais, ainda que eles sejam necessários, e não deve procurar ser uma versão encolhida e tardia da São Paulo de me-ados do século passado.

NVU – O que o senhor chama de sãopaulismo...MU – Isso. O Nordeste não é para ser isto. É para ser algo diferente, que ajude a apontar caminho para o país. Para desbravar o caminho rumo a esse novo modelo de desenvolvimento que o Brasil todo está buscando. E a ma-neira de iniciar isto é dar braços, asas e olhos àquelas duas forças construtivas que eu descubro no Nordeste hoje. O empreendedorismo emergente e a in-ventividade tecnológica popular.

NVU – O que diferencia essa inventividade do restante do país?MU – Não é que ela não exista no resto do Brasil. Mas, aparece numa forma muito concentrada no Nordeste, in-clusive por conta dessa identidade cul-tural muito forte e desse acúmulo de capital social. E aparece também de uma forma muito dramática, porque a originalidade e a natureza surpreen-dente dessa ação ressaltam em meio à pobreza. Eu digo, por exemplo, aludin-do a uma das minhas viagens, quando fiquei sacudido de ver no interior de

Pernambuco, na área do pólo de con-fecções de Caruaru e Toritama, milha-res de empreendimentos familiares, em diferentes escalas. Como se ali co-existissem todas as etapas do capitalis-mo europeu do século XVII ao século XX. Um imenso fervor de dinamismo empreendedor, carente de quase todos os instrumentos.

NVU – O senhor acha que o Nordeste deve fazer a sua revolução industrial?MU – Mas com o cuidado de fazê-la de uma forma que seja original, que apon-te o caminho do futuro. Não de uma forma que caia sob o fascínio hipnótico do modelo industrial do Sudeste do sé-culo passado. Isso é o que eu chamo de sãopaulismo. Os grandes projetos in-dustriais, nas indústrias de base como as siderurgias e as refinarias são úteis e até indispensáveis, mas elas só sur-tirão o seu efeito transformador se, em primeiro lugar, atenderem a dois requi-sitos. O primeiro é que não se cinjam a uma lógica de enclave, mas que sejam concebidos e incrementados de ma-neira a transformar a vida econômica e social em volta. E o segundo requi-sito é que sejam escolhidos pelo crité-rio de uma vantagem comparativa que não seja apenas a disponibilidade de trabalho barato. Se a única vantagem comparativa que justifique for que tra-balho no Nordeste é mais barato que o trabalho em São Paulo, arriscamos construir no Nordeste um paradigma de produção viciado em trabalho bara-to e desqualificado.

NVU – Isso pode ser o grande inimigo do Nor-deste? MU – Vamos enumerar um rol de males, de equívocos, de desvios. Primeiro des-vio: os incentivos e subsídios, instru-mentos indispensáveis, porém meios, e não fins, viram fins. Eles não são fins, eles são apenas meios de um projeto estratégico. Na falta do fim, degeneram num pontilhismo político, cada Estado e cada setor busca o seu. Segundo des-vio: focar o desenvolvimento do Nor-deste na Zona da Mata e no Cerrado. O Nordeste tem quatro macrorregiões:

a Zona da Mata, o Semi-Árido, o Cerra-do do Oeste da Bahia, do Sul do Piauí e do Sul do Maranhão, que é a parte do Brasil que mais cresce nos últimos anos, e a pré-Amazônia. Há uma gran-de tentação de focar o desenvolvimento no litoral e no Cerrado, e abandonar o Semi árido, para iniciativas de pequena escala. Eu acho que seria uma calami-dade. Metade da população vive ali. Se não se soerguer o Semi árido, tudo que se fizer na Zona da Mata e no Cerra-do será contaminado por forças con-centradoras da renda, da riqueza e do poder. Terceiro desvio: no Semi-árido, focar só as ações que eu chamo de “po-bristas”. Ações de pequena escala, es-cala artesanal, em vez de organizar as pequenas e médias empresas, que são a parte potencialmente mais rica, mais vanguardista, e levantá-las. Quarto des-vio: entrar na cantilena de que o Nor-deste não tem potencial agrícola. Não é verdade. Há um imenso potencial de agricultura irrigada e de agricultura de sequeiro. Agricultura de sequeiro como agricultura tecnificada, não como agri-cultura de subsistência. Lembramos que no Mato Grosso, hoje, talvez o nos-so maior celeiro, toda a lavoura ocorre em 7,8% do seu território. Quinto des-vio: cair sob o fascínio dos megaproje-tos industriais, entendidos sob a ótica da lógica de enclave, não sob a ótica da transformação da vida circundante por um conjunto de vínculos.

NVU – O calendário eleitoral pode frustrar o novo projeto?MU – Esse é o maior problema. Foi isso que eu disse lá em Natal, que eu es-tou ao mesmo tempo entusiasmado e aflito. Entusiasmado porque eu identi-fico nesse projeto um grande potencial de reimaginação, de reorganização do país. É um projeto de construção na-cional. Não é um projeto de compen-sações para o Nordeste. Mas eu estou ao mesmo tempo aflito, porque a janela de oportunidades temporal ficou mui-to estreita, e nós temos que correr. E veja como a concepção básica que eu tenho não é a de uma planilha tecno-crática que se vá executar sistematica-

mente. Sempre quando se tenta mudar o mundo, duas tarefas são prioritárias. A primeira tarefa é construir um ide-ário que demarque um caminho. O pensamento programático e a política transformadora tem a ver com conse-qüências, não com planilha. São mú-sica, não são arquitetura. E a segunda tarefa é definir com precisão os primei-ros passos que vão nos colocar naquele caminho. O possível que conta é o pos-sível adjacente, é o que fazer amanhã. O único longo prazo que vale é o longo prazo que começa a curto prazo.

NVU – O senhor fala num novo projeto de indus-trialização, sem cair no “fordismo”, remetendo-se ainda à questão da educação. Uma educação que prepare e qualifique as pessoas. Agora, o que o senhor pensa sobre o turismo?MU – Primeiro, isso (o projeto Nordest ) não trata de todos os problemas, de todas as possibilidades do Nordeste. Isso aqui é uma escolha draconiana do caminho para avançar. Não é uma enciclopédia de políticas públicas. So-bre o turismo, eu penso, em essência: é uma vocação evidente do Nordeste. Ao contrário de muitas coisas discu-tidas nesse texto. O turismo em geral no mundo, como tenho dito nas dis-cussões no Nordeste, é uma maravilha como complemento a um projeto eco-nômico e social forte, mas pode ser um desastre como alternativa. O turismo atrai porque pode gerar muito dinheiro em pouco tempo de uma forma fácil, mas se é usado para substituir um pro-

jeto econômico forte, constrói-se uma sociedade de garçons alienados. E há países que eu não vou nomear, que caíram nesse abismo de dependência desse dinheiro.

NVU – Nós temos, no caso de Fortaleza, para citar um caso mais concreto, nos anos 1970 ela tinha uma população de 800 mil habitantes. Hoje, quase três décadas depois, estamos com 2,5 milhões. A Região Metropolitana chega a 3,5 milhões. Um inchaço, porque os governos não priorizaram o setor primário. O senhor pensa em refluxo dessa população?MU – Está ligado ao projeto agrícola no Nordeste. Tanto a agricultura irrigada como a agricultura de sequeiro. Eu entendo o soerguimento da agricultu-ra de sequeiro e a definição do modelo institucional da agricultura irrigada no Nordeste como uma ponta de lança do projeto estratégico da agricultura brasi-

o projeto nordeste não trata de todos os problemas, de todas as possibilidades do nordeste. isso aqui é uma escolha draconiana do caminho para avançar. não é uma enciclopédia de políticas públicas

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e eu entendo que o lugar para começar, avançar em muitas frentes simultaneamente, por inovações institucionais que encarnem a democratização dessa economia de mercado, é o nordeste

o nordeste é a nossa China. e pode ser a nossa China no bom ou no mau sentido. no mau sentido, se for apenas um manancial de trabalho barato. e num bom sentido, se virar uma grande fábrica de engenho e de inovação

Há uma grande tentação de focar o desenvolvimento do nordeste no litoral e no Cerrado, e abandonar o semi-Árido, para iniciativas de pequena escala. eu acho que seria uma calamidade. metade da população nordestina vive no semi-árido

leira. É um projeto desse nível por três alvos entrelaçados. Primeiro é começar a superar o contraste meramente ide-ológico entre agricultura empresarial e agricultura familiar. Ao assegurar atri-butos empresariais para a agricultura familiar. O segundo alvo é aprofundar a industrialização rural, um conjunto de formas de agregação de valor no cam-po para evitar o contraste entre cidade cheia e campo vazio. E o terceiro alvo é construir em todo o país, não apenas no Sul, uma classe média rural forte, como vanguarda de uma massa de agricultores mais pobres que avançará atrás dela.

NVU – E qual seria o papel, por exemplo, de um Movimento dos Sem Terra (MST), para participar ou contribuir com a construção de um projeto agrícola que seja includente?

MU – Os movimentos sociais existem, porque nós, historicamente, não cum-primos essa tarefa no Brasil. Nós não criamos uma em geral, apesar de exce-ções como as cooperativas do Paraná que eu visitei recentemente. Em geral, nós não criamos uma agricultura que seja democratizada e vanguardista ao mesmo tempo. E é isso que em geral nós queremos, um produtivismo de-mocratizante, uma democratização da economia de mercado. Esse é um dos temas subjacentes, uma das premissas dessa proposta. Não está explicitada ali, mas é fundamental. A premissa é: não basta regular a economia de mer-cado, não basta contrabalançar as de-sigualdades geradas no mercado, recor-rendo a políticas sociais. É necessário reorganizar o mercado para torná-lo mais includente por meio dessas alter-nativas industriais, agrícolas e educa-tivas. No vocabulário contemporâneo nós descreveríamos como baseada na coordenação estratégica descentraliza-da entre os governos e os agricultores e na concorrência cooperativa entre os produtores. Quer dizer, eles podem competir entre si e cooperar ao mesmo tempo, ganhando por meio da coopera-ção, acesso à economia.

NVU – O senhor está consciente de que está me-tendo a mão num vespeiro? Quer dizer, há uma lógica montada nesse país, historicamente con-tra o Nordeste...MU – ... contra o Nordeste, contra a Amazônia, contra o Centro-Oeste.

noritário, que é o discurso dos grandes empresários, é o discurso da quebra das amarras. Menos imposto e menos regulação para poder produzir. A maio-ria do povo brasileiro descarta esse se-gundo discurso como um pretexto para servir aos interesses do grande capital. Há um imenso espaço vazio na vida pública brasileira para um terceiro dis-curso, que é o Estado usar seus pode-res e recursos para instrumentalizar a energia empreendedora e criativa que surge de baixo.

NVU – Isso seria a terceira via que num passado recente o senhor trabalhou com o Ciro Gomes?MU – Não vamos chamar isso de ter-ceira via, não. Porque não há terceira via, isso é uma segunda via. Em geral, o que se chama no mundo de terceira via é a primeira via com açúcar, que é o açúcar da humanização, e isso não é comigo. O leitmotiv da política brasilei-ra é a humanização do inevitável. Que o Nordeste não caia nessa. O povo bra-sileiro não quer humanizar o inevitável, quer reconstruir o existente. O Brasil é um país caracterizado pela sua impa-ciência, pelo seu dinamismo, pela sua vitalidade. Não é para colocar panos quentes e humanizar o inexistente. É para começar uma reconstrução insti-tucional progressiva que afirme a pri-mazia dos interesses do trabalho e da produção sobre os interesses do dinhei-ro vadio, e que dê instrumentos a esse fervor que vem de baixo, um fervor que está encarnado hoje numa nova classe média.

NVU – E onde entra esse projeto de desconcen-tração de renda, já que a concentração é um gra-ve problema do Brasil?MU – É uma democratização das opor-tunidades econômicas e educativas. Esse é o ponto essencial. As transferên-cias fiscais e os programas sociais são úteis e são secundários. O que impor-ta mesmo na democratização da renda, na redistribuição progressiva de renda é a democratização das oportunidades econômicas e educativas. Das oportu-nidades para trabalhar, para produzir e para aprender. E não se consegue

Eu estou pregando rebeldia. É isso que tenho dito.

NVU – O senhor é um insurreto?MU – Não só sou, mas quero que os outros sejam também. Quero compa-nhia (risos).

NVU – É uma lógica perversa, mas que do pon-to de vista político, o senhor não acha que o seu projeto está no éter, não? MU – Não. Isso não é uma proposta tec-nocrática. Esse é um movimento, ao mesmo tempo doutrinário e político, e eu disse muito claramente na Paraíba, que o governo sabe que a bandeira diz “nego”. E eu disse o que eu sinto em relação a todo o Nordeste: nunca foi mais importante para o Brasil do que é hoje, que a Paraíba diga “nego”. Nego, nego, nego. E é isso que eu proponho ao Nordeste, que diga “nego”. E que não fique joelhos, que não se satisfa-ça com migalhas, que não se dêem de barato às forças políticas em embate, mas que insista em liderar um proces-so que não será só para si, mas para o país, de reconstrução do nosso modelo de desenvolvimento.

NVU – Eu perguntava ao senhor se o projeto não poderia ficar no éter, porque isso depende de uma decisão política. Como se situar para fazer com que, independente de quem esteja no governo, não se invertam as prioridades ou se desvirtue o projeto?MU – O assunto do projeto Nordeste não é um assunto do Nordeste, é um assunto do Brasil. O que está em jogo é o futuro do Brasil. As soluções para o Nordeste, para serem soluções para o Nordeste, terão que ser soluções para o Brasil. Uma relação recíproca. No Brasil em geral, sobram partidos, mas faltam alternativas. A rigor, nós só te-mos no Brasil dois discursos políticos consolidados. O discurso dominante é o do Estado que conduz, que por meio dos bancos públicos se alia às grandes empresas, aliás com o dinheiro do tra-balhador brasileiro, e que por meio dos programas sociais atenua os efeitos da pobreza e da desigualdade. Esse é o discurso hegemônico. O discurso mi-

isso sem inovar nas instituições. Por isso, seria um contra-senso o Nordeste se contentar com meras transferên-cias apaziguadoras, em vez de insistir numa reconstrução institucional auda-ciosa. Ao mesmo tempo, também não se deve satisfazer só com obras físicas. Nós temos uma tendência no Brasil ao fascínio pelo fisicalismo. As coisas são mais fáceis de entender do que as estruturas. Há grandes obras em curso no Nordeste. Essas obras estão uni-ficando a região pela primeira vez na história do Brasil, fisicamente. Mas a unificação física é apenas o palco, não é mais do que o palco. É o palco para uma agenda institucional revolucioná-ria. E agora o nosso foco precisa passar das obras para a agenda das mudanças institucionais.

NVU – Como o senhor vê a questão da religiosi-dade nordestina. Há, por exemplo, um fenôme-no chamado Padre Cícero, que mobiliza a região. Isso é uma coisa positiva do imaginário popular ou pode servir como um entrave?MU – É uma característica geral do Brasil. E esse, aliás é um dos muitos pontos de analogia entre o Brasil e os Estados Unidos. Duas sociedades mui-to desiguais, multiétnicas e religiosas, nas quais a maior parte das pessoas comuns continua a julgar que tudo é possível. São sociedades cheias de aventureiros, de peregrinos, de pesso-as que estão em busca de algo e nós nos metemos numa camisa de força inteiramente inapropriada a essa natu-reza. Nós temos que romper a camisa de força e dar instrumentos a essa in-quietude construtiva. E esse deve ser o espírito desse Nordeste.

NVU – O que há de Celso Furtado nesse projeto?MU – A situação histórica é muito dife-rente, a proposta é diferente, o método é diferente. O Celso Furtado era um apaixonado pelo Nordeste. Ele enten-dia intuitivamente que o Nordeste po-deria exercer este papel de desbravar um caminho para o país. Mas, ao mes-mo tempo, era um homem fascinado pelas idéias daquela época. Inclusive pelo modelo de industrialização que se

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implantara no Sudeste do país, e espe-cialmente em São Paulo em meados do século XX. Então, essa proposta em nenhum sentido é uma repetição das idéias de Celso Furtado. Nós temos que aprender com as lições e experi-ências dos últimos cinqüenta anos no Brasil e no mundo. E por outro lado, o método que eu proponho é um méto-do que, mais ainda do que na ação de Celso Furtado, aposta no movimento endógeno do Nordeste, na força que vem de dentro, na força que vem de baixo, um movimento político. Eu não acredito que o Estado brasileiro, ainda dominado pelas forças sediadas nas partes mais ricas do país, vá dar de presente ao Nordeste os instrumentos para uma grande rebeldia inovadora. Não haverá um atalho. E nós temos agora grandes incidentes na vida po-lítica do país que vão oferecer uma ocasião muito propícia para o exercício dessa rebeldia. Inclusive a sucessão presidencial vindoura.

NVU – E o papel da Sudene?MU – A Sudene não deve ser nem a dispensadora de projetos genéricos. O papel da Sudene não é construir o Pro-jeto Nordeste. Ele tem que ser uma construção coletiva, não de técnicos. Tem que ser de toda a sociedade nor-destina, com engajamento nacional. Mas, ao mesmo tempo, não deve cair num varejo de ações pontuais. En-tão, o papel da Sudene é ser o grande agente coordenador das ações neces-sárias para implementar esse projeto. Coordenador em dois sentidos. Em primeiro lugar, por uma coordenação horizontal, dentro do governo federal. E, em segundo lugar, por uma coor-denação vertical, dentro da federação. Coordenar as ações dos três níveis da Federação no Nordeste.

NVU – E o papel que o senhor vislumbra para o Banco do Nordeste, com o FNE?MU – Ser a fonte de financiamento, o braço financeiro inclusive para operar como antídoto a uma situação grave: o Nordeste é um exportador líquido de capital. Mais capital sai do que entra.

Se alguém deposita dinheiro num gran-de banco privado no Piauí, é muito pro-vável que aquele dinheiro seja investido no Sudeste do país. Nós, ao contrário dos EUA, nunca tivemos o sistema ban-cário verdadeiramente descentralizado. Lembre-se que os EUA, por mais de cem anos, proibiram os bancos nacio-nais e organizaram um sistema de cré-dito mais descentralizado na história do mundo. Isso não se faz de um dia para o outro. Mas o que nós poderemos fazer é introduzir mudanças regulatórias, na regulação dos bancos, que assegurem que, pelo menos, parte do dinheiro de-positado lá, seja investido lá. Enquan-to isso, esses bancos, a começar pelo BNB, podem ser as maiores fontes de financiamento. Banco do Brasil, Caixa Econômica, Bndes. Para uma política industrial focada nas pequenas e mé-dias empresas e para a política agrícola capaz de organizar a agricultura irrigada e soerguer a de sequeiro.

NVU – O presidente Lula enxerga no senhor uma espécie de novo Antônio Conselheiro, se re-belando contra as estruturas do Nordeste, mas sem o misticismo?MU – O presidente estimulou muito essa ação no Nordeste. E, recentemen-te, levei a ele a última versão [do projeto Nordeste]. Nós, inicialmente, pensáva-mos que a reunião com os governadores sobre o projeto seria em Salvador, mas teve de ser remarcada por questão de agenda, pois coincidia com a reunião com o presidente Chávez. Mas, eu es-tou convicto de que o presidente vai, com a intuição dele, entender o signi-ficado desse projeto como um instru-mento para a construção do futuro na-cional. Eu conto com o apoio dele.

NVU – E por que o senhor, como um homem de visão, professor de Harvard, enxergou no Nor-deste essa fresta para que o Brasil mude essas estruturas?MU – Eu sempre tendo a acreditar que as soluções para a humanidade não vem do centro, da capital do sistema. Vem da periferia, dos outsiders, dos órfãos. Então, eu empatizo com eles não por uma lógica de caridade, mas por uma lógica de transformação. Um grande poeta alemão, [Friedrich] Höl-derlin, escreveu que quem pensa com mais profundidade, ama o que tem mais vida. A vitalidade é a característi-ca mais importante do Brasil, e aparece de maneira concentrada no Nordeste. Isto atrai, e ainda que não tenha me formado dentro do Nordeste, eu intuo

no Nordeste esse enigma brasileiro e essa esperança.

NVU – O senhor quer fazer revolução a partir do Nordeste sem um tiro, sem um confronto, sem uma sublevação. É possível isso?MU – Eu não disse que eu sou contra sublevações. A questão é qual a for-ma da sublevação. Eu me considero um revolucionário, mas por tempe-ramento e por convicção. Mas, eu entendo que as revoluções do sécu-lo XXI não podem assumir a forma que assumiram em séculos passados.

o turismo em geral no mundo é uma maravilha como complemento a um projeto econômico e social forte, mas pode ser um desastre como alternativa. o turismo atrai porque pode gerar muito dinheiro em pouco tempo de uma forma fácil, mas se é usado para substituir um projeto econômico forte, constrói-se uma sociedade de garçons alienados

eu não acredito que o estado brasileiro, ainda dominado pelas forças sediadas nas partes mais ricas do país, vá dar de presente ao nordeste os instrumentos para uma grande rebeldia inovadora. não haverá um atalho. o nordeste vai ter que se organizar, vai ter que se movimentar, vai ter que lutar por um outro caminho

essa proposta em nenhum sentido é uma repetição das idéias de Celso Furtado. nós temos que aprender com as lições e experiências dos últimos cinqüenta anos no Brasil e no mundo. e por outro lado, o método que eu proponho é um método que, mais ainda do que na ação de Celso Furtado, aposta no movimento endógeno do nordeste, na força que vem de dentro, na força que vem de baixo, um movimento político

Elevador Lacerda, em Salvador (BA)

O projeto de desenvolvimento estratégico e integrado da região Nordeste será lançado pelo Governo Federal no segundo semestre deste ano. A notícia é do governador do Piauí, Wellington Dias, publicada através do site

Projeto Nordeste no segundo semestre de 2009

WElliNGtON DiAS: oficial, no último dia 7 de julho, após confir-mação do subchefe executivo da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da

República, Daniel Barcelos Vargas, em Brasília. Ainda conforme o site, uma equipe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência vai visi-tar o Piauí, visando implantar proje-

tos de inclusão social. O governador manifestou a necessidade de criação de uma empresa de capital público e

privado para a área da mineração, a exemplo da Petrobras. “Muitas vezes o

Poder Público fica refém do setor privado, que pede a concessão de uma área para a realização de pesquisa e não a implanta, ficando anos e anos com reserva de mer-cado. Por isso, defendo que o Brasil precisa de uma Petrobras da mineração”, declarou o governador. O Estado do Piauí tem uma grande reserva mineral de ferro, fósforo, ní-quel, mármore, calcário, diamante e opala. “Essa riqueza precisa ser transformada em renda sustentável para as pessoas dessas regiões, que muito precisam”, ressaltou Wellington Dias

Nós vamos ter que mudar não só o conteúdo, mas também o método.

NVU – O senhor é um social-democrata convicto?MU – Social-democrata não. Não sou social-democrata, nem social liberal, porque associo a essas palavras aquilo que eu condenava, que é o culto do açúcar. Eu não estou interessado em açúcar, eu não quero dourar a pílula. Eu quero reconstruir o existente, mas ele pode ser reconstruído de uma ma-neira experimentalista, um método que é gradativo e pode ter um desfecho que resulta numa transformação profunda.

NVU – Em que pensamento doutrinário-filosófi-co o senhor se enquadraria?MU – Aí, eu não posso responder. É a primeira das suas perguntas que eu te-nho que deixar sem resposta.

NVU – Esse sonho pode esbarrar em 2010 ou o senhor pode dar um substrato para enriquecer ainda mais o debate no ano que vem?MU – Sabe o que disse o grande físico e matemático Henri Poincaré? Ele disse: “O acaso favorece as mentes preparadas” (risos). Eu estou espe-rando que esses incidentes políticos abram mais portas.

NVU – E o senhor estará de qual lado?MU – Na minha posição atual, em que eu cuido de um projeto de Estado, não posso tratar de sucessões presiden-ciais, tenho que me manter fora da política partidária.

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Por Lucílio [email protected]

O “paraíso” de Euclides

MEIO AMBIENTE

secular concepção de que a Caatinga seja o “primo po-bre” dos biomas brasileiros

está com os dias contados. É o que tentam provar duas iniciativas do Mi-nistério do Meio Ambiente (MMA), prioritariamente direcionadas a con-servar esta vegetação do Semi-árido: o monitoramento, por satélite, das áreas desmatadas, e o Zoneamento Ecológico-Econômico do Nordeste.

Aqui, a Caatinga é soberana, ao ocupar originalmente 53% do territó-rio. O objetivo das duas providências governamentais é saber o quanto a devastação desse bioma evoluiu nos últimos anos. Hoje, ele está entre os quatro mais devastados, com 36% da sua vegetação modificada.

Divulgados durante as comemo-rações ao Dia Nacional da Caatinga, 28 de abril, os projetos já foram postos em prática. Enquanto o zoneamento

partiu para levantar o uso e ocupação do solo, o Plano de Monitoramento, de responsabilidade da Secretaria de Biodiversidade e Floresta do MMA, já monitora as áreas de vegetação. Os primeiros resultados serão di-vulgados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em novembro deste ano. O governo prevê que as estatísticas tenham piorado. Os últi-mos estudos sobre os remanescentes da Caatinga foram feitos em 2007, com base em dados de 2000.

Inicialmente restrito à Amazô-nia, o monitoramento foi estendido pela primeira vez a outros biomas do Brasil. Na pauta das discussões do MMA sobre devastação, a Caatinga divide as ações de monitoramento com o Cerrado e a Mata Atlântica. Entre outras iniciativas, consta um Plano de Divulgação da Caatinga,

que prevê uma série de estratégias de comunicação para tornar esse bioma mais valorizado pela sociedade.

“Ele é o ecossistema menos co-nhecido do país, simplesmente por-que não tem mídia. Ainda não tem uma importância nacional reconhe-cida, como possui a Mata Atlântica, embora seja o único exclusivamente brasileiro”, avalia o coordenador do núcleo Caatinga do MMA, João Ar-thur Soccer Seyffarth.

A realidade que surge das pes-quisas comprova a declaração. Da-dos do ministério mostram que os centros de pesquisa no Brasil ainda estão concentrados em sua maioria nas regiões Sul e Sudeste. Na Região Nordeste, o número de estudos e pesquisadores é bem inferior, o que esclarece a pouca quantidade relati-va e a forma esparsa de publicações científicas sobre a Caatinga.

Único ecossistema exclusivamente brasileiro, a Caatinga começa a receber do poder público providências tardias, porém decisivas para a sua preservação. Ações inovadoras do Ministério do Meio Ambiente querem tirá-la de uma espécie de anonimato. Consagrado pelo escritor Euclides da Cunha como “paraíso”, na sua obra Os Sertões, o bioma finalmente ensaia a despedida de uma condição de quase abandono e parece figurar como prioridade na elaboração de políticas públicas

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Na contramão da insustentabili-dade dos biocombustíveis, o MMA, em parceria com o Ibama, finaliza esse semestre o Plano de Fiscaliza-ção. As áreas e ações prioritárias já foram selecionadas a fim de inverter o quadro de perdas. Quanto a exem-plos de boas práticas em favor do bioma, João Arthur destaca um mo-delo de manejo para pecuária, que nasceu em Sobral (CE), desenvolvi-do pela Embrapa Caprinos (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e implantado em quase todos os es-tados do Nordeste e até no Norte de Minas Gerais.

A mecânica é simples. Após o proprietário destinar parte do terreno

A dimensão do esforço em criar estratégias para preservar a Caatinga é justificada pelos seus números desfavoráveis. De apenas 7% das áreas preservadas em unidades de conservação federais, estaduais e terras indígenas, míseros 1% são protegidos por unidades de proteção inte-gral, ou seja, de uso mais restritivo, como parques, estações ecológicas e reservas biológicas.

Na dianteira desta estatística, está Minas Gerais, com pouco mais de 4% de seu territó-rio protegido através de seis unidades de proteção integral. A Paraíba está em último lugar, com apenas 2.316 hectares protegidos, embora fique na frente de Sergipe em unidades de preservação. Tem sete contra apenas duas. Já em relação às Áreas de Proteção Ambiental (APAs), destacam-se o Piauí, com 9%, e Bahia, com 7,5%.

Embora se deva reconhecer que a Mata Atlântica tenha a vegeta-ção nativa mais devastada (restam apenas 27%) e os demais biomas brasileiros continuem a gerar preo-cupação, o despertar em relação à Caatinga merece ainda maior des-taque pelo fato de ela ocupar 11% do território nacional (884.453 km) e ser o bioma extra-amazônico com maior contribuição para a economia e alimentação da população habi-tante. De toda a energia consumida pelos nordestinos, 40% são prove-nientes da Caatinga.

Presente no Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraí-ba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, além do norte de Minas Gerais, a Caatinga possui uma população de 28 milhões de ha-bitantes – em seus ainda restantes 520 mil quilômetros quadrados. Trata-se do bioma semi-ári-do mais biodiverso do mundo.

Retratada como “paraíso” pelo escritor Eucli-des da Cunha, na sua obra Os Ser-tões - Campanha de Canudos, ela possui riquíssimas fauna e flora. São

Maior biodiversidade entre semi-aridos do planeta espreitada pela desertificacao

Fiscalizacao e novas tecnicas de manejo para pecuaria

apenas 1 da caatinga tem protecao integral

ExUbERÂNCIA, bIOCOMbUTívEIS E INSUSTENTAbILIDADERECUPERAçãO DE SOLO DEgRADADO

SEM PARqUES, ESTAçõES OU RESERvAS

510 tipos de aves, 44 espécies de rép-teis, 17 tipos de anfíbios e 148 espécies de mamíferos – 19 exclusivos. Em sua flora, estão registradas 932 espécies de plantas, mas esse número pode che-gar a 2 mil ou até 3 mil tipos. Estima-se que 40% da flora encontrada na Caa-tinga sejam endêmicos do local.

Não fosse o estrago ao qual esse bioma está submetido, tais informa-ções mostrariam apenas uma região de grandes potenciais. Mas, um fato irrefutável gerado não somente pelas pressões antrópicas, representa uma ameaça permanente: 62% das áreas suscetíveis à desertificação no país estão situadas em zonas originalmente

ocupadas pela Caatinga. A região convive com a caça pre-

datória, o pouco aproveitamento dos seus potenciais econômicos e um novo fantasma: a exploração dos biocom-bustíveis de forma não sustentável. O pesquisador da Universidade de Feira de Santana (UEFS), na Bahia, Washing-ton Rocha, defende que o crescimento da produção de álcool no Nordeste em função dos biocombustíveis, por exemplo, continua como forte amea-ça. E para garantir a preservação desse ecossistema, o MMA fez um acordo com a Fundação Joaquim Nabuco, de Pernambuco, para estudos socioeconô-micos e ambientais do bioma, contem-

plando a questão dos biocombustíveis e seus impactos.

A preocupação demonstra que o principal vilão da Caatinga continua sendo a degradação a partir do extrativis-mo. “Se a Caatinga fosse bem manejada, não existiriam tantos problemas”, defende o coordenador João Arthur. As áreas com maiores índices de desertificação no Semi-árido ficam na Região do Seridó (RN), Cabrobró (PE), Gilbués (PI) e Irauçu-ba (CE).

para atividades de manejo da Caa-tinga, 60% são destinados para rale-amentos.

A técnica consiste em abrir a área para permitir a luz do sol e, com isso, produzir um rico extrato herbáceo. Com o corte de algumas árvores, cal-culadas em espaçamentos que visam o controle seletivo das espécimes e da preservação de 300 a 400 árvores por hectare, há também o plantio de gramíneas. Grande parte é compos-ta de tipos bem adaptados ao clima e aos longos períodos de estiagem. A gliricídia e a leucema (exóticas), por exemplo, permanecem verdes e intactas, mesmo com fortes períodos de seca, e servem como pastagem

para a ovino caprinocultura.O projeto contempla ainda a pre-

servação das nascentes e matas cilia-res, bem como o armazenamento de nutrientes da biomassa no solo, que completam esse processo de manejo para a recuperação do Semi-árido.

João arthur Soccer, coordenador do Núcleo Caatinga do MMA

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Mata Branca se destaca como Modelo no ceara e Bahia

Segundo o MMA, de todos os estados, apenas Alagoas não pos-suía unidades de conservação, mas agora conta com uma unidade fe-deral, o Monumento Natural do São Francisco, criado em junho e que tem áreas ainda em Sergipe e Bahia. Alagoas possui ainda duas pequenas Reservas Privadas do Pa-trimônio Natural (RPPNs).

Em relação às RPPNs do país, 34 ao todo, apenas 1,2% da Caatin-ga é contemplada com o benefício. Coincidentemente ou não, Minas Gerais novamente se destaca, com 0,37%, seguida do Piauí, com 0,24%,

mesmo índice das terras indígenas distribuídas em pequenas áreas de seis estados.

Diante das informações, a “des-coberta” da Caatinga revela um longo caminho a ser percorrido. Nesse des-bravamento, a elaboração do Progra-ma de Conservação e Uso Sustentável da Caatinga talvez seja o passo mais importante. Idealizado pelo MMA e parceiros multilaterais, o programa promete ser um marco referencial na gestão desse ecossistema.

“Através dele, poderemos ar-ticular melhor as ações em anda-mento, completando lacunas de in-

vestimentos já existentes. Para isso, teríamos que calcular a distribuição da população da Caatinga em cada Estado”, comenta o coordenador João Arthur.

Outro destaque é a mobilização para que seja aprovada uma propos-ta de emenda constitucional que in-clui a Caatinga e o Cerrado como patrimônios nacionais na Constitui-ção Federal.

A proposta está no plenário da Câmara dos Deputados, pronta para ser votada. A perspectiva é de que isso ocorra logo, com boas chances de ser aprovada.

Antes de o ministério elaborar as propostas, o bioma já contava com apoio de dezenas de associações, ONGs, e até do poder público em al-guns pontos do país. Entre os projetos de destaque está o Mata Branca, tra-dução de Caatinga no tupi-guarani. Realizado nos estados da Bahia e Ce-ará, locais onde há grande degrada-ção, é um exemplo de que a gestão

pode ultrapassar limites geográficos. A proposta é recuperar áreas degra-dadas e provar que a política não é só de proteção, mas de uso sustentável.

Aprovado em 2007, após ter sido submetido a uma concorrência in-ternacional em que foram habilita-dos projetos de apenas sete países, o Mata Branca é financiado pelo Banco Mundial (Bird) e pelo Fundo Global

para o Meio Ambiente (GEF). As ações tiveram início em janeiro de 2008 e têm prazo de cinco anos para conclu-são. Os recursos são da ordem de R$ 23 milhões. Destes, R$ 10 milhões são do Bird, através do GEF. O restante é a contrapartida dos estados através dos projetos desenvolvidos.

Embora o Ceará possua 68 muni-cípios participantes, e a Bahia apenas

quatro, os recursos são divididos igua-litariamente, já que a área territorial da Bahia é ainda maior. A vantagem é que os estados trocam experiências e co-nhecimentos tanto na área ambiental como na científica. Semestralmente, o

tereza Farias. Presidente do Conpam no Ceará

Bird envia consultores para avaliar os resultados e discutir o que será feito nos seis meses seguintes.

O projeto é estruturado em com-ponentes como o apoio a instituições e políticas públicas para a gestão in-tegrada do ecossistema; subprojetos e demonstrativos de promoção de práticas de gestão integrada do ecos-sistema; e monitoramento e avalia-ção, disseminação e gestão.

No Ceará, o órgão que coordena o Mata Branca é o Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente (Conpam), entidade até então sem similar no país. “A visão do conselho é inovadora. Os outros estados trabalham com conse-

lhos estaduais, que só abordam gran-des empreendimentos. O Conpam é mais amplo, pois também trabalha políticas com menos impacto”, avalia a presidente Tereza Farias.

O Conpam possui as mesmas funções de uma secretaria de estado e permite uma instância colegiada entre os órgãos de governo, repre-sentantes de classes e sociedade civil. Além disso, define políticas estratégi-cas. Para auxiliar os projetos, o con-selho criou dois escritórios regionais, que funcionam de segunda a sexta-feira, para o atendimento das comu-nidades que desejam criar planos de conservação da Caatinga e sua ges-tão sustentável. Dos 40 projetos ana-lisados pelos técnicos do Bird, apenas 18 tiveram execução aprovada por estarem dentro dos níveis técnicos de proteção ao bioma.

Quanto ao Mata Branca da Bahia, a Secretaria do Meio Ambiente des-taca projetos que atendem as locali-dades de Curaçá, Jeremoabo, Itatim e Contendas do Sincorá. Mas, assim como no Ceará, as iniciativas ainda estão em busca de resultados mais expressivos. Em 2008, nenhuma das propostas de subprojetos ainda ha-via sido implementada. Para o Pla-no Operativo Anual de 2009, vão ser apresentados 30 subprojetos. Destes, 23 compunham o relatório anterior.

A beleza da Caatinga pelo autor de “Os Sertões”Euclides da Cunha

“...E ao tornar da travessia o viajante, pasmo, não vê mais o deserto. Sobre o solo, que as amarílis atapetam, ressurge triunfalmente a flora tropical. É uma mutação de apoteose. Os mulungus rotundos, à borda das cacimbas cheias, estadeiam a púrpura

das largas folhas vermelhas, sem esperar pelas folhas; as caraíbas e baraúnas altas refrondescem à margem dos ribeirões refertos; ramalham, ressoantes, os marizeiros esgalhados, à passagem das virações suaves; assomam, vivazes, amortecendo as truncaduras das quebradas, as quixabeiras de folhas pequeninas e frutos que lembram contas de ônix; mais virentes, adensam-se os icozeiros pelas várzeas, sob o ondular fes-tivo das copas dos ouricuris: ondeiam, móveis, avivando a paisagem, acamando-se nos plai-nos, arredondando as encostas, as moitas floridas do alecrim-dos-tabuleiros, de caules finos e flexíveis; as umburanas perfumam os ares, filtrando-os nas frondes enfolhadas, e – domi-nando a revivescência geral – não já pela altura senão pelo gracioso do porte, os umbuzeiros alevantam dois metros sobre o chão, irradiantes em círculo, os galhos numerosos.

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É a árvore sagrada do sertão. Sócia fiel das rápidas horas felizes e longos dias amargos dos vaqueiros. Repre-senta o mais frisante exemplo de adaptação da flora ser-taneja. Foi, talvez, de talhe mais vigoroso e alto – e veio descaindo, pouco a pouco, numa interdecadência de estios flamívomos e invernos torrenciais, modificando-se à feição do meio, desinvoluindo, até se preparar para a resistência e reagindo, por fim, desafiando as secas dura-douras, sustentando-se nas quadras miseráveis mercê da energia vital que economiza nas estações benéficas das reservas guardadas em grande cópia nas raízes.

E reparte-as com o homem. Se não existisse o um-buzeiro aquele trato de sertão, tão estéril que nele escas-seiam os carnaubais tão providencialmente dispersos nos que o convizinham até ao Ceará, estaria despovoado. O umbu é para o infeliz matuto que ali vive o mesmo que a mauritia para os garaunos dos llanos.

Alimenta-o e mitiga-lhe a sede. Abre-lhe o seio acariciador e amigo, onde os ramos recurvos e entrela-çados parecem de propósito feitos para a armação das

O umbuzeiro

A jurema

redes bamboantes. E ao chegarem os tempos felizes dá-lhe os frutos de sabor esquisito para o preparo da umbuzada tradicional.

O gado, mesmo nos dias de abastança, cobiça o sumo acidulado das suas folhas. Realça-se-lhe, então, o porte, levantada, em recorte firme, a copa arredonda-da, num plano perfeito sobre o chão, à altura atingida pelos bois mais altos, ao modo de plantas ornamentais entregues à solicitude de práticos jardineiros. Assim de-cotadas semelham grandes calotas esféricas. Dominam a flora sertaneja nos tempos felizes, como os cereus me-lancólicos nos paroxismos estivais.

os marizeiros raros -- misteriosas árvores que pressagiam a volta das chuvas e das épocas aneladas do “verde” e o termo da “magrém” -- quando, em pleno flagelar da seca, Ihes porejam na casca ressequida dos troncos algumas gotas d’água; reverdecem os angicos; lourejam os juás em moitas, e as baraúnas de flores em cachos, e os araticuns à ourela dos banhados... mas, destacando-se, esparsos pelas chapadas, ou no bolear dos cerros, os umbuzeiros, estrelando flores alvíssimas, abrolhando em folhas, que passam em fugitivos cambiantes de um verde pálido ao róseo vivo dos rebentos novos, atraem melhor o olhar, são a nota mais feliz do cenário deslumbrante.

omo milhares de brasileiros, eu gosto de ler as pouco alegres colunas de Diogo Mai-nardi. Às vezes, também, gosto de assis-tir ao programa Manhattan Connection.

Vendo um deles esses dias fiquei furiosa quando Lucas Mendes perguntou a Mainardi se ele gostava mais do deserto ou da caatinga e Diogo respondeu algo assim: “Conheço pouco da caatinga. Só estive uma vez por lá, mas é muito feia”, insinuando, tal-vez, que não pretende voltar. Melhor assim, se vai repetir no ar de um canal de televisão conhecido, uma afirmação que pode induzir a alguns a nada fazer para a proteção ou conhe-cimento de um bioma já tão ol-vidado e muito degradado.

Citando jornalistas não comparáveis, gostaria de lem-brar (ver páginas 37 e 38 da Nordeste VinteUM) só uma página do livro “Os Sertões – Campanha de Canudos” do nosso famoso escritor e, tam-bém, engenheiro Euclides da Cunha. Uma página que des-creve como reagem as plantas a uma chuva no Nordeste bra-sileiro, em plena Caatinga.

Só quem possui muita sensibilidade e paciência para procurar e ver pode encontrar muita beleza na Caatinga e no Cerrado, dois biomas muito degrada-dos e quase extintos, na sua forma natural, no país, e que vem sendo tratados como lixo. Afinal, nós possuímos a Mata Atlântica, o Pantanal, a Amazô-nia, biomas luxuriantes, que além de abrigarem far-tas flora e fauna silvestres, apresentam paisagens magníficas. Já descobrir a riqueza do Cerrado e da Caatinga é quase privilégio de cientistas e ambien-talistas ferrenhos.

É muito mais fácil convencer autoridades a agi-rem em prol da natureza, quando se trata da Ama-

zônia, da Mata Atlântica ou do Pantanal. Já sensibi-lizá-las para a Caatinga é quase impossível. Quantas vezes lemos em O Eco* notícias sobre o desespero de Niède Guidon tentando salvar o Parque Nacional da Serra da Capivara no estado do Piauí, talvez o que era mais bem manejado no país, graças principalmente à luta e à perseverança da própria Niède? Porque Dio-go Mainardi não foi até lá? Ou no Parque Nacional de Sete Cidades no Piauí? Ou no Parque Nacional de

Ubajara, no Ceará? Porque não foi ver as ara-

rinhas azuis praticamente ex-tintas na Estação Ecológica do Raso da Catarina, aquele mes-mo lugar que se situa perto de Canudos e que também pre-serva as mesmas paisagens, flora e fauna vistas e descri-tas por Euclides da Cunha, no livro mencionado Os Sertões? O Raso da Catarina foi ainda um dos esconderijos de Lam-pião e do seu bando. Porque não foi à Estação Ecológica de Aiuaba, no Ceará, ou Ita-baiana, em Sergipe, e Seridó, no estado de Paraíba, antes de expressar seu desagrado pela feiúra da Caatinga?

Estou segura que se ele tivesse feito um pequeno esforço para conhecer melhor a Caatinga teria gos-tado e muito. Embora suas colunas deixem transpa-recer que é um homem irascível, também se percebe que, no fundo, é um personagem sensível. O ponto principal de minha revolta é o fato de se dizer isso na televisão. Ele tem todo o direito de achar a Caa-tinga feia, mas bem poderia ter mantido sua prefe-rência por outras plagas em seu círculo familiar ou de amigos. Por isso, após esta reclamação de uma admiradora, espero que Mainardi volte para o Nor-deste e olhe melhor a Caatinga para descobrir quão bela ela sabe ser.

Em Tese--------Maria Tereza Jorge Pádua*

(*) Maria Tereza Jorge Pádua é fundadora da Funatura, membro do Conselho da Fundação

O Boticário de Proteção à Natureza e da comissão mundial de Parques Nacionais da UICN.

Publicado em 10/03/2008, no site Eco

da Caatinga C

Sobre a “feiúra”

O sertão é um paraiso... E o sertão é um paraíso...

Descobrir a riqueza

do Cerrado e da

Caatinga é quase

privilégio de cientistas

e ambientalistas

ferrenhos. Sensibilizar

Autoridades é quase

impossível

As juremas, prediletas dos caboclos -- o seu haxixe capitoso, fornecendo-lhes, grátis, inestimável bebera-gem, que os revigora depois das caminhadas longas, extinguindo-lhes as fadigas em momentos, feito um filtro mágico -- derramam-se em sebes, impenetráveis tranqueiras disfarçadas em folhas diminutas; refrondam

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e no princípio era o verbo, essa palavra devia ser falada ou cantada.

As inscrições vieram muito depois. São encontradas nas ruínas dos templos, nas lá-pides dos túmulos e nos monumentos.

As inscrições nas paredes das cavernas são, ainda hoje, objeto das pesquisas de muitos cientistas.

Os primeiros donos da nossa terra se comunicavam pela voz. Também muitos africanos sujeitos às longas travessias e ao trabalho escravo. O colonizador portu-guês veio com a força autoritária da escrita.

O cordel foi essa poesia da voz que ganhou o impres-so à medida que as tipografias iam se tornando obsole-tas para os grandes centros e se interiorizaram.

Cordel e cantoria são a mesma manifestação. São narrativas contadas/ cantadas por poetas e improvisa-dores, nas feiras, nos adros das igrejas, nos terreiros das fazendas, nas longas noites do sertão.

Pode-se dizer que a cantoria tem regras mais rígidas e opõem competidores que usam a palavra como arma.

Aqui se está diante de um torneio verbal e argumen-tativo, como os que trovadores, jograis e goliardos espa-lhavam pela Europa. Nos mesmos ventos que sopravam histórias de encantamento de princesas, que aqui se tornaram filhas dos donos das fazendas, de heróis que passaram a ser nossos cangaceiros, e dos santos que se metamorfosearam nos nossos beatos.

Juntando, outra vez, mitos indígenas e tradições afri-canas, teremos um caldo maior para o tempero dessas manifestações multiculturais.

A voz é essencial. A voz é tudo. A voz é sempre. Ape-sar da efemeridade, levada que é pelo vento, ela deixa marcas indeléveis, como cicatrizes.

A oralidade se fez presente em todo o Brasil. Está nos causos gauchescos, nos mitos amazônicos, nas nar-rativas do centro-oeste e nas catiras, nos ponteios das violas e nas tradições mineiras, paulistas e fluminenses.

No Nordeste, talvez, a voz tenha se tornado mais forte. Talvez porque a região, ainda chamada de Norte, perdeu parte de sua importância política e econômica no final do século XIX. Talvez porque as migrações eu-ropéias e orientais tenham vindo em fluxos menores que para outras regiões brasileiras. Talvez porque sejamos mesmos mais conservadores.

Certo é que mantivemos a prevalência da voz. A pa-lavra dada tem (ou tinha) força de lei e a expressão “ho-mem (ou mulher) de palavra” foi sempre valorativa.

Hoje, a voz continua referencial, apesar das mídias ou por isso mesmo, como na segmentação do rádio ou na recepção “calorosa” da televisão, das tecnologias de ponta (vide a febre do MSN) e das novas formas de so-ciabilidade. E assim caminha a Humanidade...

Gilmar de CarvalhoPesquisador, jornalista, publicitário e escritor

S

Foto Francisco Sousa

NordesteVoz, letra e

INSTANTE

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CuLTuRA x LEI ROuANET

Desde os tempos de Getúlio Vargas, o desenvolvimento de políticas culturais no Brasil tem sido marcado por um padrão cíclico, onde o Estado alterna com a iniciativa privada períodos de maior presença no fomento ao setor. Hoje, em meio à revisão da Lei Rouanet – maior instrumento financiador da produção cultural brasileira nos últimos anos – novamente o País se vê diante da necessidade de uma brusca correção de rumos. No cerne da questão, um problema que afeta diretamente o Nordeste: a necessidade de reduzir a concentração dos recursos na região Sudeste

Idas e vindas

O

de um Mecenato em eterno desequilíbrio

Por outro lado, é no mecenato que reside o “xis da questão” da cultura no Brasil. O projeto idealizado pelo então ministro Sérgio Paulo Rouanet teve o mérito de ter sido o responsável pela retomada da produção cultural após a extinção do Ministério da Cultura, que havia sido rebaixado ao status de secretaria no Governo Collor. Além disso, injetou, de forma indireta pela via da renúncia fiscal, seu principal instrumento, R$ 8 bilhões na cultura

brasilei-

s números escancaram o tamanho do desafio brasileiro na área cultu-ral. Dados do Ministério da Cultura (MinC), apontam que, hoje, somen-te 14% dos cerca de 190 milhões de habitantes país vão ao cinema, pelo menos, uma vez por mês. Enquanto 92% não freqüentam museus, 93% nunca vão a exposições de arte e 78% nunca assistiram a espetáculos de dança. Dos 5.561 municípios do País, 90% não tem cinema, teatro, museus ou espaços multiuso. Um dos menores índices de leitura no mundo está no Brasil, com 1,7 livro per capita/ano.

No âmbito da máquina estatal, para um país que sem-pre reclamou da falta de investimentos na área, o cenário nos últimos seis anos até que melhorou. Entre 2003 e 2008, o orçamento do MinC que inclui pagamento de pes-soal, despesas correntes (água, luz, telefone, etc.) e investimentos (exe-cução de obras e compra de equipa-mentos), saltou de R$ 359,7 milhões para R$ 869,5 milhões, com previ-são de R$ 1 bilhão para este ano. O aumento da verba no ministério fez crescer a participação da Cultura no Produto Interno Bruto (PIB), de 0,015% para 0,030% da soma das

riquezas produzidas no país, aproxi-madamente R$ 2,9 trilhões.

E não foi só isso. A Lei Federal de Incentivo à Cultura 8.313, de 1991, que oportuniza a empresas e pesso-as físicas que apóiam atividades cul-turais aplicar parcelas do Imposto de Renda a título de doação ou patrocí-nio, se transformou nas duas últimas décadas no maior indutor do desen-volvimento econômico da área cultu-ral brasileira. A Lei Rouanet,

como ficou conhecida, criou três for-mas possíveis de incentivo à cultura no país: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), os Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart) e Incenti-vo a Projetos Culturais por meio de renúncia fiscal (Mecenato).

De fato, a soma de recursos in-vestidos tem evoluído, apesar de ainda insuficiente, na visão do mi-nistro Juca Ferreira. O volume de

recursos do Fundo Nacio-

nal de Cultura, principal mecanismo de financiamento que possibilita ao MinC investir diretamente nos projetos culturais mediante a cele-bração de convênios e outros ins-trumentos similares, cresceu consi-deravelmente nos últimos seis anos. Conforme o site Contas Abertas, em 2003, foram pagos por meio do fundo cerca de R$ 38,4 milhões. Já em 2008, foram desembolsados R$ 170,9 milhões, ou seja, 345% a mais em termos reais.

Se o percentual do FNC mostra robustez, o salto foi bem maior em relação à renúncia fiscal. “Do orça-mento, o que o MinC tem para gas-tar no processo cultural é só 20%. No cômputo de tudo que é disponibili-zado a produtores artistas e demais atores culturais, os outros 80% são recursos via renúncia fiscal”, afirma Juca Ferreira.

Com os recursos próprios, o MinC fez a sua parte e tem hoje a melhor execução orçamentária en-tre todos os ministérios – média de 98%. Internamente, com o aumento acentuado das despesas correntes e dos investimentos, a estrutura dos gastos do ministério alterou-se significativamente de 2003 para 2008. Há seis anos, as despesas com pessoal e encargos sociais represen-

tavam 51% da dotação global da pasta. Em 2008, esta relação passou a ser de apenas 32%. Antes, para cada R$ 1 investido, R$ 1,50 iam para o custeio. Em 2008, a relação passou de R$ 1 para R$ 0,78. Através da melhoria da qualidade do gasto do FNC, por exemplo, o governo investiu no aumento dos Pontos de

Cultura, financiou diversos projetos culturais, conseguiu atingir a marca de 100 filmes por ano e aumentou em 500% o atendimento aos mu-seus. Também conseguiu ampliar cinco vezes o volume de dinheiro da área no Nordeste e Sul, 11 vezes no Norte, três no Centro-Oeste e duas no Sudeste.

MoDELo CoNCENtRaDoR E DESiGUaL

Nordeste fica com apenas 6% dos recursos. Sudeste e Sul levam 80%

ra durante sua existência. O problema é que o mode-

lo concebido com a Lei Rouanet gerou imensas distorções, como concentração, desigualdade, bai-xa participação de empresas, baixa percepção da aplicação de recursos públicos, alto custo operacional e elevado tempo de espera. De 2003 a 2007, apenas 3% dos proponentes concentraram 50% do volume de recursos captados.

Há dois anos, as regiões Sudes-te e Sul ficaram com 80% da ver-

ba captada, contra 6% do Nordeste, 11% do Centro-Oeste e 3% do Norte. No ano passado, somente o

Sudeste abarcou 79% dos investimentos

via renúncia, r e s t a n -do 11% (Sul), 6%

(Nordeste), 3% (Centro-Oeste) e 1% (Norte) às ou-

tras regiões. De cada R$ 10 captados, R$ 9 são por meio

do mecenato e apenas R$ 1 é dinheiro privado. Poucas vezes, o

cidadão tem conhecimento da ativi-dade cultural que foi realizada com 100% de dinheiro público.

Por Marcel [email protected]

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Afora esses problemas, há o fato de que nem todos os projetos aprovados pelo ministério conseguiram cap-tação com as empresas, caso de menos de 50% das inicia-

tivas. Em 2007, mais de três mil projetos passaram pelo sistema de avaliação, con-sumindo tempo de trabalho dos funcio-nários do MinC e tempo de espera dos produtores, sem que chegassem a um fim com sucesso.

“A renúncia é uma proposta de parce-ria público-privada para aumentar recur-sos para a cultura. Teoricamente, em toda parceria, dois entes ou mais se juntam para atingir um objetivo comum. Nesses 18 anos de lei, 90% do dinheiro é o imposto que deveria ser pago e deixa de ser pago para ser aplicado na cultura. Ou seja, é dinheiro público. E dos 10% que teoricamente são contribuição das empresas, boa parte é das empresas estatais” coloca o ministro.

No atual modelo, o Estado entra com o dinheiro e a empresa privada decide como usar”, critica. Isso acontece porque, muitas vezes, as empresas preferem priorizar pro-jetos com alto retorno de imagem e ênfase no marketing, o que acaba por não fortale-cer a sustentabilidade e nem democratizar o acesso. Na visão de Juca Ferreira, o atual sistema não tem controle social. Para se ter uma idéia do peso das empresas estatais, entre 2002 e 2008, a Petrobras respondeu por R$ 1 bilhão da captação, seguida de Eletrobrás (R$ 204 milhões), Banco do Brasil (R$ 139 milhões) e Bndes (R$ 75 milhões).

Para o MinC, outra visão da inadequa-ção da renúncia está na insuficiência em dar conta da diversidade de demandas da sociedade brasileira para a produção cultu-

ral. Na balança, os quatro maiores segmentos – Artes Integradas, Tea-tro, Edição de Livros e Música Erudita – abo-canham uma fatia de 44% do dinheiro, contra 14% dos 30 segmentos cultu-rais menores, como Ópera, Circo, Cultu-ra Popular, Folclore e Artesanato.

Quanto à distribuição per capita dos recursos da Cultura nas

regiões do Brasil, a desigualdade se evidencia ainda mais quando

o assunto são os valores renunciados. Em cinco anos (2003-2007),

ao passo que o governo procurou redistribuir melhor o bolo do

dinheiro orçamentário, a tendência se inverteu na renúncia fiscal.

dois anos atrás, o sudeste subiu sua participação

de 55% para 60% do total e o sul de 17% para 20%,

em detrimento das regiões Centro-oeste (18% – 11%) e Norte (4% – 3%), ficando o Nordeste estacionado em

6% do dinheiro do mecenato. Por aqui, no ano de 2008, embora

os investimentos orçamentários e via renúncia tenham

subido desde 2003, saltando de r$ 11,5 milhões para r$ 14,8 milhões no primeiro, e de r$ 30,2 milhões para r$ 54,6 milhões no segundo, este último concentrou quase

80% do que foi aplicado pelo MinC na região.

de seis anos para cá, todas as regiões passaram a enviar

mais projetos para o MinC, o que elevou a aprovação destes

no país para percentuais sempre acima de 71%. Contudo,

quando se compara os valores dos projetos, essa distribuição

se concentra. Somente em 2008, por exemplo, sudeste e sul apresentaram 66% e 16% dos projetos, com captação

de 80% e 12% do total de investimentos realizados. O

Nordeste, com 10% dos projetos, ficou com 6% dos

recursos. Por último, ficaram Centro-oeste (6% dos

projetos, 2% de captação), e

Norte (2% dos projetos,

1% de captação). Desde

2002, a região sudeste

teve 23 mil projetos e r$ 3 bilhões captados; toda

a região Norte teve 786

projetos aprovados e r$ 40 milhões.

Recursos

Proposta prevê novas formas de fomento

Orçamento e renúncia em tendências opostas

As distorções geradas no atual mo-delo de financiamento da cultura vêm sendo discutidas há algum tempo. Com o objetivo de tentar mudar essa realidade, o MinC apre-sentou no final de maio a proposta de uma Nova Lei de Fomento à Cultu-ra. Depois de 45 dias sob consulta pública, quando recebeu mais de duas mil sugestões, e após percor-rer todo o país em deba-tes, no início de julho o ministro Juca Ferreira e a equipe da pasta se reuni-ram para avaliar as con-tribuições recebidas e sistematizadas, antes de encaminhar o projeto ao Congresso Nacional.

Durante o processo de discussões, os críti-cos acusaram o MinC de querer implantar um

NoVa LE DE FoMENto à CULtURa o qUE MUDa

dirigismo cultural com a nova Lei. “Essa acusação foi tão frágil que pa-receu leite em pó, se dissolveu sem precisar bater. Na verdade, estamos

aumentando o con-trole social sobre as políticas públicas de cultura”, rebate Juca Ferreira. “Evidente que qualquer mo-vimento igualitário no Brasil, tem gente que vai se opor, por-que aqui, privilégio parece direito adqui-rido”, avalia.

Segundo o Go-verno, a nova pro-posta foi formatada para ampliar a capa-cidade de fomento à cultura e aumentar as formas como o produtor pode aces-sar os recursos.

>> FNC – O Fundo Nacional de Cultura já existe na atual Rouanet, mas permite apenas doação de 80% do valor do projeto, com 20% de contrapartida. Com a Nova Rouanet, o FNC poderá fazer empréstimos, associar-se a projetos culturais e fazer repasse para fundos municipais e estadu-ais. A idéia é torná-lo mais atra-tivo para produtores culturais e transformá-lo em alternativa para quem não conseguem captar financiamento via renúncia.

>> reNúNCia FisCal – O meca-nismo continua existindo, assim como a CNIC (Comissão Nacio-nal de Incentivo à Cultura), que analisa os projetos. A única mu-dança é que, em vez de apenas ter duas faixas de renúncia - de 30% e 100% -, passa a ter mais quatro - 60%, 70%, 80% e 90%. A lei vai definir quais critérios serão usados pela CNIC, que, além de analisar aspectos orçamentários do projeto, vai obserar em qual faixa ele se encaixa. O objetivo da mudança é permitir uma maior contribuição das empresas

>> FiCarT – O Fundo de Investi-mento Cultural e Artístico tam-bém já existe. No entanto, nunca saiu do papel, por falta de interes-se das empresas. A Nova Rouanet quer aumentar a atratividade, com maior dedução fiscal, para que seja uma alternativa atrativa para projetos com grandes chan-ces de retorno financeiro.

>> Vale-CUlTUra – novidade do projeto, o vale de R$ 50 para trabalhadores pretende facilitar o consumo de bens culturais para 12 milhões de trabalhadores e injetar, pelo menos, R$ 7,2 bilhões por ano, mais de seis vezes o montante atual da Rouanet.

“Evidente que qualquer movimento igualitário no Brasil, tem gente que vai se opor, porque aqui, privilégio parece direito adquirido”

Juca Ferreira analisa contribuições ao projeto da nova lei com a equipe do Minc

KLEbER FRAgOSO/MINC

44 Junho/2009Nordeste VinteUm

45Junho/2009Nordeste VinteUm

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Breve histórico das políticas culturais no BrasilA política cultural brasileira, sob a forma de Lei Federal, surgiu apenas na década de 80 do século passado. Forma de fomento bastante questionada no contexto atual, o mecenato sempre desempenhou papel importante na cultura nacional

rePúBliCa VelHa

De acordo com Júlio Lucchesi Moraes, da Faculdade de Econo-mia, Administração e Contabilidade da Uni-versidade de São Paulo (FEA-USP), na época da República Velha, mediante a utilização de seu poder político e social, a figura do mece-nas controlava o campo intelectual e a ‘arte ofi-cial’ com a distribuição de auxílio financeiro ou apoio institucional a um grupo de artistas privilegiados. Eram os chamados “barões da cultura”, elite oriunda das famílias cafeiculto-ras de então.

geTúlio, CaPaNeMa e os arTisTas

A Era Vargas represen-tou uma grande inflexão na política cultural brasi-leira, com a assunção de Gustavo Capanema ao Ministério da Educação e Saúde Pública, órgão que cuidava dos assuntos culturais. Assessorado por artistas e intelectuais como Mário de Andrade e Cândido Portinari, Carlos Drummond de Andrade (chefe de gabinete) e Heitor Villa-Lobos, teve na música uma importante influência no plano de formação da identidade política e cultural do Brasil naqueles anos.

o PÓs-gUerra da eliTe PaUlisTa

Com a Segunda Guerra, houve uma diminuição do dinamismo estatal no mundo artístico. Isso fez emergir na São Paulo do pós-guerra um novo padrão de fomento cul-tural. “Tanto o vertiginoso crescimento paulistano no começo dos anos 1950 quanto a ascensão da elite cultural fizeram da cidade um grande palco de efervescência cultural. Surgiram diversos cinemas e teatros pela cidade, a Cinelândia Paulistana, o Te-atro Brasileiro de Comédia, o Museu de Arte de São Paulo (Masp), o Museu de Arte Moderna e a Compa-nhia Cinematográfica Vera Cruz, em 1949. Tempos da influência dos Matarazzo.

a CeNTraliZação dos MiliTares / MiNisTÉrio sÓ eM 1985

O regime militar foi marcado por idas e vindas da política cultural, quan-do se observa um viés centralizador, com uma “re-nacionalização” do fomen-to às artes. A Embrafilme nasce em 1969, seguida do Departamento de Assun-tos Culturais, em 1972 e do Programa de Ação Cultural (PAC), no ano seguinte. Ney Braga assume o Mi-nistério da Educação em 1974, e a política cultural passa por nova inflexão. Mesmo assim, em 1975 dá-se a criação da Fundação Nacional da Arte (Funarte) para “promover, estimular e desenvolver artes cul-turais no Brasil”. Foi con-siderada a abertura para um dos mais importantes momentos da política cul-tural brasileira: a fundação do Ministério da Cultura, em 1985, cujo primeiro ministro foi o economista paraibano Celso Furtado.

Collor e roUaNeT

Em 1990, o governo Collor suspendeu os benefícios da Lei Sarney, assim como outros incenti-vos fiscais em vigor. O mecanismo de apoio às atividades culturais foi restabelecido com a Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991 (Lei Rouanet), que criou o Progra-ma Nacional de Apoio a Cultura (Pronac). Com isso, retirou-se o produtor como elemento central e em seu lugar colocou-se o projeto cultural, que passou a ser analisado pelo Ministério da Cultura como passível de captação de recursos aptos à renúncia fiscal. Nas esferas estadual e municipal, as Secreta-rias de Cultura, com base nas suas próprias legislações, seguiram o mesmo critério. (Fonte: Marcos Agostinho – MinC)

PioNeirisMo da lei sarNeY

A primeira Lei Federal visan-do propiciar meios de incen-tivo foi a chamada Lei Sarney (Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986), instituída no ano seguin-te à criação do Ministério da Cultura, então já desvinculado da pasta da Educação. Essa lei pioneira criou a ‘era’ do Mecena-to no país.

Naquele primeiro momento, as empresas puderam finan-ciar ações culturais por meio da renúncia fiscal, desde que tais ações fossem levadas a cabo por produtores artístico-culturais, tanto públicos quanto privados. As entidades culturais deveriam comprovar junto ao Ministério seu objetivo de produzir e difundir a Cultura para então obter um registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas de Natureza Cultural (CNPC), sob o controle do MinC e da Secretaria da Receita Fede-ral do Ministério da Fazenda.

Dentro dessa perspectiva, o produtor era o elemento central, pois as ações de captação de recursos e de produção artístico-cultural ficavam a seu encargo. Após recebido o aporte de recursos, a título de doação ou patrocínio, a entidade cultural deveria prestar contas à Receita Federal e ao Ministério da Cultu-ra sobre a sua correta aplicação.

História, cultura, natureza e esportes radicais

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www.pacatuba.ce.gov.br46 Junho/2009Nordeste VinteUm

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Constituição de 1988 estabelece que cabe ao Es-tado garantir a todos o pleno exercício dos direi-tos culturais e acesso às fontes da cultura nacio-nal, apoiar e incentivar a valorização e a difusão

das manifestações culturais. Também prevê a necessidade de o Plano Nacional de Cultura contemplar a valorização da diversidade étnica e regional, de a lei estabelecer incen-tivos para a produção e o conhecimento de bens e valo-res culturais e de haver demonstração na lei orçamentária anual do efeito regionalizado dos benefícios tributários.

No intento de atender parte des-sas disposições, a Lei Rouanet ou Lei do Mecenato, instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura – Pronac, com a finalidade de captar e canalizar recursos para o setor de forma a, en-tre outros objetivos, facilitar a todos os meios para o livre acesso às fontes da cultura e o pleno exercício dos di-reitos culturais, promover e estimu-lar a regionalização da produção cul-tural e artística, com valorização de recursos humanos e conteúdos locais, e proteger as expressões culturais dos grupos formadores da sociedade brasi-leira e responsáveis pelo pluralismo da cultura nacional.

Entre os mecanismos utilizados estão o Fundo Nacional da Cultura (FNC) e os incentivos a projetos cul-turais. O FNC é de natureza contábil que propicia o apoio a projetos de instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos a fundo perdido ou mediante financiamentos reembolsáveis. Entre seus fins, está o es-tímulo à distribuição regional eqüitativa dos recursos em projetos culturais e artísticos e o favorecimento à visão in-terestadual, estimulando aqueles que explorem propostas culturais conjuntas, de enfoque regional.

Os incentivos, por sua vez, constituem-se em instru-mento que possibilitam às pessoas físicas ou jurídicas abater do Imposto de Renda devido valores destinados a doações ou patrocínios de projetos culturais. Contudo, pas-sadas quase duas décadas da edição da lei, com acentuado aumento no volume de recursos captados por meio de in-

centivos, os quais têm sido, nos últimos anos, superiores aos aplicados por meio do Orçamento da área da Cultura, os dados indicam que a redução das desigualdades nessa área não tem sido alcançada, assim como o financiamento das ações culturais tem ocorrido primordialmente por par-te do Poder Público.

Os recursos de patrocínios e doações previstos na Lei Rouanet tem natureza jurídica de “verba pública”, conso-ante já assentado na jurisprudência do TCU. Quanto ao fi-nanciamento das ações culturais por parte do Poder Públi-

co, observou-se, nas contas do Governo do exercício de 2006, que “a totalidade do valor cap-tado pelos projetos culturais não deveria, a princípio, se tor-nar efetiva renúncia fiscal, ou seja, um gasto tributário (gasto governamental indireto de na-tureza tributária)”.

O que se verifica, todavia, é que, nos últimos anos, tem havido predominância do fi-nanciamento estatal (renúncia efetiva) sobre o privado (dife-

rença entre o valor investido e o re-nunciado pelo incentivador). De fato, a renúncia efetiva correspondia a 30% dos recursos captados em 1993, alcançando cerca de 53% em 1999 e de 89% em 2006 e 2007 e quase 91% em 2008. Ou seja, nesse último ano,

apenas aproxima- damente 9% da captação partiu de re-cursos da iniciativa privada.

Essa alteração do cenário pode ser explicada especial-mente pela possibilidade de dedução integral do incentivo propiciada pela alteração do artigo 18 da Lei Rouanet, in-troduzida originalmente pela Medida Provisória nº 1.589, de 24/09/1997. Conforme relatado no exame das contas de 2006, a “alteração legal possibilitou ao particular uma auto-promoção, por meio do patrocínio de ações culturais que, na verdade, são totalmente arcadas pela União”. Hou-ve, em essência, um estímulo a “uma maior participação dos entes privados no patrocínio de ações culturais, sem que estes efetivamente disponibilizem recursos próprios”.

Em 2008, o problema ainda não tinha sido resol-vido. Ao contrário, agravou-se. Esse cenário fica ainda mais preocupante pelo fato de as empresas estatais fi-gurarem como as principais incentivadoras dos pro-jetos culturais, uma vez que, em 2006 e 2008, contri-buíram com cerca de 36% e 31%, respectivamente, do valor total captado.

O quadro demonstra a descaracterização do instru-mento do Mecenato, mediante a prevalência do financia-mento público das atividades culturais. O mecenas é o “patrocinador generoso, protetor das letras, ciências e artes, ou dos artistas e sábios” e como tal não se conce-be a pessoa física ou jurídica que efetua patrocínios ou doações, mas com o benefício de abater do Imposto de Renda que deveria pagar o total do valor despendido.

Críticas já foram tecidas a res-peito do ponto na análise das ci-tadas contas governamentais do exercício de 2006, a partir do ra-ciocínio de que este mecanismo de gasto tributário via renúncia integral de receita pública tem a característica de despesa públi-ca, executada fora do Orçamento público federal, caracterizando a existência de vinculação de recei-ta, em desacordo com o princípio da não-vinculação de impostos.

Outro inconveniente ressalta-do foi o fato de provocar concen-tração dos recursos recebidos nos segmentos culturais relacionados no artigo 18 da Lei Rouanet, ques-tionando-se a adequação do proce-dimento, diante da grande diver-sidade e da elevada quantidade de projetos fomentados com base no dispositivo.

Relativamente ao aspecto negativo da concentra-ção dos financiamentos dos projetos culturais, extrai-se que ocorre basicamente na região Sudeste do país, a qual foi contemplada, no ano de 2006, com 83% dos recursos, considerando especialmente que as empre-sas estatais federais responsáveis pelos investimentos estavam sediadas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

Essa situação vai de encontro à finalidade do Pro-nac, o que propiciou ao TCU recomendar ao MinC que adotasse “providências no sentido de reduzir as desi-gualdades regionais mediante a aplicação do montan-te de recursos captados por meio da renúncia fiscal (Mecenato) de forma desconcentrada e proporcional à população”.

Não obstante isso, a situação ainda não foi suficien-temente alterada. Em 2008, a região Sudeste continuou responsável por cerca de 80% da captação total, desta-cando-se São Paulo, com 40% do montante. À região Sul coube 10% do total captado, ao Nordeste 6%, ao Centro-

Oeste cerca de 3% e ao Norte menos de 1%, sendo que em Roraima sequer houve captação. A desigualdade tor-na-se mais evidente com a notícia de que a captação em 17 estados, naquele exercício, foi inferior a 1%.

Em 2007, o Minc atribuiu a distorção à pequena de-manda proveniente das regiões Norte, Nordeste e Cen-tro-Oeste, que decorreria da falta de informação sobre os procedimentos e possibilidades de apoio.

Já em 2008, o órgão alegou que o problema derivaria do modelo instituído pela Lei Rouanet, que privilegiaria a a renúncia fiscal como mecanismo de financiamento, acarretando “concentração de recursos em projetos de maior visibilidade, em regiões de maior concentração de população e renda”.

Para atacar a situação, o MinC noticiou, a adoção de medidas para fortalecer as redes de produto-

res com o programa Pontos de Cultu-ra, implementar o sistema SalicWeb e contemplar a questão em proposta de projeto de lei que visa substituir a Lei Rouanet, mediante a instituição do Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Profic).

Essas informações demonstram que o órgão não está inerte. Em do-cumento intitulado Nova Lei de Fo-mento à Cultura, disponível no site do MinC, apontou-se que a renúncia fiscal não tem sido capaz de dar con-ta da diversidade cultural, haja vis-ta que se revela como instrumento concentrador e desigual e apresenta baixa participação das empresas, pe-quena percepção da aplicação de re-cursos públicos e alto custo operacio-

nal e tempo de espera.Estão em debate alternativas para melhorar a ges-

tão dos recursos na área, entre as quais se destacam as que buscam fortalecer o FNC, associar empreendimen-tos, aumentar a participação da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, transferir recursos para estados, municípios e o Distrito Federal e conferir maior flexibili-dade de cotas de isenção.

Não se concebe viver sob a forma de uma Federa-ção enquanto houver desigualdades nas dimensões das citadas. O Brasil é um país com uma diversidade cultu-ral que o destaca além de suas fronteiras, considerando que a variedade e a qualidade da produção artística as-sumem papel relevante para conhecimento do país no cenário internacional.

Neste momento em que se buscam, além de suplan-tar a crise internacional, o alcance de maior nível de crescimento e a diminuição das desigualdades criadas por anos de subdesenvolvimento, é imperativo atuar também para que a cultura seja acessível a todos de for-ma igualitária, o que só será possível com a integração da sociedade, e não só do Estado.

Em Tese--------Ubiratan Aguiar*

(*) Ubiratan Aguiar é presidente do Tribunal de Contas da União ( TCU )

A

regionalização de recursosdo mecenato e a

A descaracterização

[email protected]

... a redução das

desigualdades nessa

área não tem sido

alcançada, assim

como o financiamento

das ações culturais

tem ocorrido

primordialmente por

parte do Poder Público

Esse cenário

fica ainda mais

preocupante pelo

fato de as empresas

estatais figurarem

como as principais

incentivadoras dos

projetos culturais

48 Junho/2009Nordeste VinteUm

49Junho/2009Nordeste VinteUm

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O CD Cearamaíba é um canto de amor e irresigna-ção com sotaque de gente de casa. São três vozes que há cerca de 30 anos ecoam por este mundo chamado Nordeste. E vão calar no fundo do coração de quantos ainda sabem sonhar, mas, sobretudo, sabem alcançar os raios

de esperança que descem sobre a nação do povo nor-destinado. E nordestino você sabe, caro leitor, parece ter o dom da ubiqüidade, pois vagueia qual Ashaverus, o judeu errante, de seca à Meca. Vai de um lugar a outro incansavelmente, como um beduíno do deserto. Cea-ramaíba é o sonho e a esperança feito arte desses três caminheiros errantes: o cearense Bernardo Neto; Cacá Farias, do Maranhão; e Marcos Santos, da Paraíba. Parceiros de longa caminhada que carregam na voz o mistério da boa cantoria e derramam seus versos por sobre nossas cabeças, nossos corações.

No calendário folclórico do Maranhão, o Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho deu relevo à Festa do Divino, uma manifestação folclórica originada em Portugal pela Rainha Dona Isabel, no século XIII, em razão da construção da igreja do Espírito Santo, em Alenquer. A festa chegou ao Brasil no século XVI e popularizou-se em estados do Sul e Sudeste. Fincou raízes no Maranhão, em Alcântara, onde constitui-se numa bela manifestação que mistura o profano e o religioso, com forte influência africana. Seu surgimento está provavelmente ligado à frustrada visita de Dom Pedro II à cidade, quando os escravos, decepcionados, teriam ido em cortejo à igreja, coroando um imperador e “inventando” a festa. O tradicional ritual acontece da Quinta-feira de Ascensão do Senhor ao Domingo de Pentecostes. Neste ano, em quase todos os dias de todos os meses há encenações folclóricas na capital São Luís e outras cidades do Estado.

Pernambuco irá sediar a v edição da Festa Literária Internacional de Porto de galinhas (Fliporto 2009), entre os dias 5 e 8 de novembro. Em discussão, a literatura produzida no brasil, Portugal e Espanha. No ano passado, a Fliporto reuniu mais de 150 escritores de 17 Países nas dependências do Hotel Armação, palco das discussões. Na edição de 2009, o evento estará sob a batuta da coordenação geral do escritor e advogado Antônio Campos e a produção executiva a cargo de Eduardo Cortes, fundador da Fliporto. A curadoria literária é do jornalista pernambucano Mário Hélio. A conferir, sem dúvida, pois, como disse Fernando Pessoa, “Damo-nos tão bem um com o outro/ Na companhia de tudo/ que nunca pensamos um no outro,/ Mas vivemos juntos e dois/ Com um acordo íntimo/ Como a mão direita e a esquerda.”

Os destaques culturais do mês de julho na Bahia são Os Salões Regionais de Artes Visuais, com abertura no dia 17, na cidade de Valença. Os eventos, que este ano chegam também a Juazeiro e Porto Seguro, são um projeto estraté-gico da Secretaria de Cultura. Por intermédio da Fundação Cultural e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico, o órgão tem investido na criação de novos espaços exposi-tivos e na dinamização da programação de suas galerias e

museus. Nesta edição da Agenda, o aguardado espetáculo teatral Hamlet, com o ator baiano

Wagner Moura; o V Seminário Internacio-nal de Cinema e Audiovisual; e a estréia da nova montagem do Balé do Teatro Castro Alves, assinada pelo espanhol Victor Navarro.

Para as crianças, uma opção é o espetáculo Do espelho e dos cacos, adaptação da

fábula A Rainha da Neve, no Teatro Gamboa Nova. Temos ainda a

comemoração dos 25 anos do Cine Teatro Solar Boa Vista, que movimenta a cena cultural do bairro Engenho Velho de Brotas, em Salvador.

Para a ESTanTE

CEAMARAÍBA: CANtiGAS COM SOtAQUE NORDEStiNO

FEsTA dO dIVINO O ANO TOdO

Fliporto reúne melhor daliteratura ibero-americanaAgenda cultural da Bahia com

Wagner Moura, em Hamlet

GILMAR DE CARVALhO EORA DIREIS, OuVIR RABECAS

Rabecas do Ceará, do pesquisador, jornalista, pu-blicitário e escritor Gilmar de Carvalho, é fruto das viagens deste mestre interessado pelas relações entre comunicação e cultura pelo interior do Ceará entre os anos de 2004 e 2006. Ele percorreu serras, estradas carroçáveis, trilhas “e até mes-mo, rodovias asfaltadas”, de 40 municípios numa aventura que rendeu entrevistas pelas casas de cem tocadores e fabricantes de rabecas. O resultado é um excelente maço gráfico-editorial sobre o instrumento e o dom, seus contextos e a curiosidade de descobrir sonoridades perdidas. Destaque também para o trabalho do fotó-grafo Francisco Sousa.

CORDEL E CuLINáRIA juNTAS“A peleja do alecrim com o coentro e outros

causos culinários: receitas e cordel”. Com esse título, a autora Tatiana Damberg mistura as rimas bem-humoradas da literatura de cordel com a per-sonalidade forte da culinária nordestina. Assim como as cantorias dos repentistas, as receitas sempre foram passadas boca-a-boca. O Cordel foi um meio de transportar os repentes para o papel, assim como os livros de receitas acolhem a história e o passo-a-passo de almoços memoráveis de famílias e amigos. As receitas estão divididas entre ‘Rimas de sal e muita pimenta’ para pratos salgados e ‘Rimas de amor e de açúcar’ para as sobremesas. Ca-napés de feijão verde com jeri-mum e cebola roxa caramelada, almôndegas de charque no mo-lho de jerimum, arroz de cuxá, cupcake de puba com goiabada, biscoitos mascavados com ca-cau e até um delicioso sorvete de tapioca são apenas algumas das ousadias gastronômicas de Tatiana Damberg.

“LuLA NA LITERATuRA DE CORDEL” EM FORTALEZA

Crispiniano Neto, poeta potiguar, preside a Funda-ção Cultural José Augusto, de Natal. Recentemente, tomou posse na Aca-demia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), com sede no Rio de Janeiro, cujo atual presidente é o cearense Gonçalo Ferreira da Silva. Amigo de Lula, o poeta Crispinano não fez por menos: lançou o livro Lula na Literatura

de Corde”, uma coletânea apologética que enfeixa 60 fo-lhetos sobre o presidente da República, cuja trajetória desde o limiar da luta sindical vem sendo cantada pe-los vates populares. Apesar de quase todos os folhetos que constam da obra terem feição elogiosa, um chama a atenção por fugir da toada laudatória. “A Chegada de Lula ao Inferno” apresenta críticas ao governo lulo-pe-tista e fala dos muitos escândalos. O poeta Crispiniano Neto assegura que depois de Lampião, Padre Cícero e Frei Damião, Lula é o nome que mais inspira os poetas cordelistas. Crispiniano Neto vai lançar Lula na Literatu-ra de Cordel em Fortaleza, no dia 24 de julho.

100 CORDÉIS hISTÓRICOSNuma iniciativa inédita, a ABLC levou a termo

a publicação de cem títulos. O livro 100 Cordéis Históricos é resultado de levantamento feito por de-zenas de pesquisadores e poetas populares em todo o Brasil, mas especialmente no valioso acervo da ABLC, que conta com cerca de 13 mil folhetos, alguns deles verdadeiras raridades bibliográficas. A obra, com o selo da Editora Queima-bucha, é composta de dois volumes que totalizam 598 páginas e apresenta um rol de 41 autores, alguns dos quais clássicos da Literatura

de Cordel, como Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, José Pacheco e Firmino Teixeira do Amaral. O trabalho contou também com a colaboração da Professora Maria do

Rosário F. Pinto, do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular; e

do Poeta Vidal Santos, presidente da Academia Brasileira de Cordel.

Colaborou: Barros Alves

50 Junho/2009Nordeste VinteUm

51Junho/2009Nordeste VinteUm

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Nordeste ensina como fazerPaRa toDoS.

MOEDA SOCIAL x SISTEMA FINANCEIRO

CRéDito despeito da crise mundial e da exclusão de par-te da população brasileira ao sistema financei-ro tradicional – 43%, segundo o Banco Mun-dial, uma alternativa avança a bem da melhoria de vida das comunidades carentes: os bancos

comunitários. Com a proposta de garantir crédito, sem a formalidade excessiva dos bancos tradicionais e com juros menores, esse mercado tem potencial comprovado pelos cerca de R$ 1,8 milhão movimentados por mês nessa rede de atendimento. Um número pródigo e que reflete o bom desempenho dos 45 bancos comunitários existentes em 30 municípios do país.

Por Lucílio [email protected]

cerca de 50% dos clientes já saíram da linha da pobreza. No Brasil, o primeiro banco comunitário foi o Banco Palmas, criado em 1998, em Fortaleza.

É claro que a realidade dos ban-cos comunitários brasileiros ainda é tímida em comparação às estatísticas do Grameen Bank, mas nem por isso menos animadora. Para se ter uma idéia, o país já possui cerca de 10 mil pessoas atendidas. Não por coinci-dência, a grande maioria, 80%, está localizada nas regiões Norte e Nor-deste. Esta última obtém 70% dos recursos e 33 dos 34 bancos situados nas duas regiões. Um reforço impor-tante, pois a relação de habitantes por agência tradicional nessas loca-lidades é três vezes maior que nas regiões Sul e Sudeste, onde existe maior concentração de atividade pro-dutiva e, portanto, maior percentual de acesso a crédito.

Recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “Transformação na indústria bancária brasileira e o cenário da crise”, indica que a queda da presença do Estado no mercado financeiro brasileiro, re-duzindo o número de bancos, fomen-tou a desigualdade social nos últimos 11 anos. Os Estados com menor pre-sença de agências bancárias são Ma-ranhão, Piauí, Alagoas, Pará e Ceará.

Bancos comunitários ganham espaço com 45 unidades em 30 municípios brasileiros e incluem, em meio à crise, aquela profusão de CPFs excluídos do mercado financeiro tradicional. Saiba mais sobre o segredo dessa proposta de economia solidária que se multiplica junto aos alijados, para colocá-los além da linha de pobreza

A

A inspiração para o surgimento dos bancos comunitários do Brasil vem de uma iniciativa do professor bengalês Muhammad Yunus, que em 1983 criou na região de Bangladesh – uma das mais pobres do mundo, o Grameen Bank. Na bri-

ga por uma realidade local menos excludente, o Grameen disponibiliza crédito com juros

reduzidos aos mais pobres, livrando-os dos agiotas. Lá, após mais

de R$ 3 bilhões aplica-dos em empréstimos,

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52 Junho/2009Nordeste VinteUm

53Junho/2009Nordeste VinteUm

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Banco Palmas disponibiliza crédito para quem está fora do sistema financeiro

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CARLOS MAgNO/AgêNCIA SEbRAE

NADA DE SERASA OU SPC

Ao se constatar que dos R$ 2 mi-lhões movimentados mensalmente pela comunidade, quase tudo escoava para outros bairros, uma idéia de subversão àquele comportamento de mercado surgiu. Afinal, quase todo fluxo de di-nheiro simplesmente deixava de orbitar ali, não gerando qualquer benefício à economia local.

A primeira atitude foi, então, ma-pear a produção e o consumo do Pal-meiras no ano de 1998. Em seguida, o objetivo seria fundar um banco cuja prioridade fosse ajudar a clientela a sair da pobreza. E com um segredo: traba-lhar com juros menores.

A proposta desafiadora ao cenário sócio-econômico do lugar era oferecer linhas de micro crédito aos excluídos do sistema financeiro tradicional. O pilar da dinâmica do empreendimento era a criação de uma moeda exclusiva não oficial: a Palma, que circularia simulta-neamente ao Real.

Nada de Serasa ou SPC (Serviço de Proteção ao Crédito). A ficha do interessado em crédito seria levantada entre os vizinhos. E uma vez por mês os “banqueiros” – artesãos, costureiras e comerciantes – discutiriam a carteira, taxa de juros, inadimplência.

Dos R$ 2 mil iniciais, distribuídos logo no primeiro dia aos cinco únicos cor-rentistas, hoje o banco surpreende com o seguinte salto: 1.600 postos de traba-

lho gerados, sete pequenas empresas criadas, 1.800 associados e R$

1,3 milhão em seus cofres.

PiONEiRiSMO DO PAlMAS EM áREA iNABitáVEl DE FORtAlEzA GANhA O MUNDOModelo de economia solidária desenvolvido há 11 anos por moradores do Conjunto Palmeiras, em Fortaleza, o Banco Palmas prova, a cada dia, que dá certo além-fronteiras. O projeto serviu de referência para a implantação dos 45 bancos comunitários pelo Brasil e milhares de estabelecimentos com os mesmos princípios no exterior

João Joaquim de Melo, coordenador do Banco Palmas

É claro que existiam outras experiências de bancos comunitários no mundo, mas operando com essa perspectiva de duas moedas circulantes, nós somos os pioneiros

A moeda Palma, que tem a mis-são de fazer o dinheiro circular den-tro do Palmeiras, é aceita em todos os 240 pontos comerciais cadastrados no conjunto. Quem opta por ela tem até direito a descontos dos comer-ciantes e produtores.

“É claro que existiam outras ex-periências de bancos comunitários no mundo, mas operando com essa perspectiva de duas moedas circulan-tes, nós somos os pioneiros”, afirma o coordenador do Banco Palmas, João Joaquim de Melo.

A boa aceitação é sustentada prin-cipalmente pelos métodos informais de negociação. O banco virou um marco não apenas do ponto de vista comer-cial, mas sobretudo social. Por exem-plo, para fazer parte da sua carteira de clientes, o princípio básico observado

pelo banco é o da confiança. João Joaquim explica: “Não consulta-

mos SPC ou Serasa porque grande parte da clientela está com o nome sujo na praça. Há pessoas inclusive com passagem pela polí-cia, mas que querem reconstruir suas vidas. A vizinhança é quem dá o aval moral”.

Essa “mágica informalidade” da nego-ciação do Palmas ajudou a mudar a vida da comerciante Aurileide Alves Cordeiro, uma das primeiras correntistas. Logo após a inauguração, ela pegou emprestado R$ 400 para investir num mercadinho. Livre de bu-rocracia, a transação motivou a comerciante a pedir mais cinco empréstimos. Todos para compra de mercadoria. Com a evolução do negócio, Aurileide realizou sonhos, como trocar de carro e reformar a casa. “O Palmas proporcionou isso. E já penso em pedir ou-tro empréstimo. Sempre que posso faço a propaganda de lá”, comemora.

Paul Singer, economista e Secretário Nacional de Economia Solidária

Com a moeda social , há uma proteção contra a competição externa, ou seja, a de grandes empreendimentos capitalistas

O presidente do Institu-to, Márcio Pochmann, destaca que nos últi-mos dez anos houve transferência de recur-sos que eram destina-dos ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste, para o Sul e Sudeste.

Nesse contexto, os bancos comunitários parecem uma saída de geração de renda para

pessoas das classes C e D nessas lo-calidades. O principal destaque da iniciativa é uma idéia com berço no Brasil e copiada até fora do país: a moeda social. Usada para movimen-tar o mercado de cada região que pos-sua um banco comunitário, a moeda tem o mesmo valor do Real e protege os comércios locais, impedindo que o dinheiro saia da comunidade. Cada banco comunitário possui moeda so-cial própria.

“Com ela, há uma proteção con-tra a competição externa, ou seja, a de grandes empreendimentos capi-talistas”, comenta o economista Paul

Benilton Couto da Cunha. A parceria possibilita serviços co- mo o pagamento de títulos, entre outros.

Para o diretor exe-cutivo do Banco Po-pular de Ipatinga, em Minas Gerais, Gustavo Madureira, quando o Banco do Brasil trans-fere responsabilidades para bancos comunitá-rios e os do Povo, ele tem como foco a redução do seu custo operacional. “Cliente de fila não é correntista, não é o objetivo dos grandes bancos”, diz Gustavo. Um detalhe é que embora te-nha o nome de Banco Popular, a unida-de de Ipatinga é um modelo de Banco do Povo.

Enquanto o Banco Popular do Brasil é devidamente cadastrado no Banco Central, o mesmo não acontece com as iniciativas da economia solidá-ria. “Até porque eles não são bancos, são Oscips”, lembra a subprocuradora geral do Banco Central, Marusa Vas-concelos Freire. Mas, hoje, está em estudo um projeto para a regulamen-tação dessas iniciativas da sociedade civil. “Estamos estudando como acom-panhar. Isso vai ser feito em parceria com a Senaes/MTE”, destaca Marusa, sem definir prazos.

O fortalecimento dos bancos co-munitários denuncia não só a dificul-dade da população de baixa renda na abertura de uma conta bancária, mas um sistema bancário que contribui para a exclusão sócio-econômica. Em bancos tradicionais, a média de juros para a pessoa física gira em torno de 7%. Já nos bancos comunitários, os ju-ros não passam de 2%.

Em artigo a respeito do Seminário Internacional sobre o Desenvolvimen-to, ocorrido em março, em Brasília, o economista Ladislau Dowbor comenta que “no Brasil, cobra-se em juros por mês, o que se cobra anualmente no resto do mundo”. Para ele, ao dificultar o acesso ao crédito, o sistema financei-ro tradicional torna-se pró-cíclico, ao invés de realizar o desenvolvimento e reduzir os impactos da crise.

Singer, que está à frente da Secreta-ria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Empre-go (Senaes/MTE).

A existência desse recurso é a principal diferença entre os bancos comunitários e outros projetos de “bancarização” da população caren-te, como os bancos do povo. Oriun-dos de ONGs, de iniciativas políticas estaduais ou municipais, eles são, as-sim como os comunitários, Organiza-ções da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), e também focam no crédito a juros reduzidos.

Outro projeto que inclui CPFs até então fora do mercado financei-ro tradicional, é o Banco Popular do Brasil. Subsidiário integral do Banco do Brasil, o BPB disponibiliza cré-dito, produtos e serviços bancários, sendo também parceiro dos bancos comunitários. “Tanto os bancos co-munitários como os do Povo podem ser correspondentes bancários do Banco do Brasil, já que trabalham com o micro crédito orientado”, in-forma o gerente executivo de clien-tes menor renda do Banco do Brasil,

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Rede

iNStitUtO MUltiPliCA tECNOlOGiA PElO PAÍS

episódios foi benéfica. Começaram a surgir novos recursos em parcerias com ONGs, instituições locais e até internacionais. O resultado foi a cria-ção da primeira empresa do banco, a Palmatech, localizada em um galpão nos fundos do Palmas. A empresa é responsável por oferecer à população cursos e capacitações voltados ao mercado de trabalho. Já passaram pela Palmatech 1.500 jovens.

Outra empresa criada na sede do banco foi a Palmalimpe. Iniciativa de jovens da comunidade, a empresa manipula produtos químicos utiliza-dos para produzir material de limpeza e higiene. Uma pesquisa realizada em 2007 apontou que a Palmalimpe ficou em terceiro lugar na preferência dos moradores. O sucesso já levou os pro-dutos para venda em outras regiões.

A grife Palma Fashion também é fruto do Palmas. A empresa opor-tuniza ocupação a mulheres, após um treinamento em corte e costura. As máquinas e matéria-prima foram viabilizadas pelo Palmas. Só que as costureiras puderam fazer seus pró-prios investimentos. Conquistaram o primeiro lugar num concurso re-alizado pelo Banco do Brasil. O prê-mio – R$ 50 mil – foi todo investido em maquinário.

Dez anos depois, elas fabricam entre duas e três mil peças por mês, além dos serviços terceirizados para grandes magazines. “Com a Palma Fashion, muita coisa mudou para mim. Melhorei minha casa, minha vida, e ainda ensinei uma profissão aos meus filhos”, diz a costureira Maria Darcília de Lima Silva.

No mesmo ramo do Banco Palmas surgiu ainda a confecção Palma Calçados, a Palma Arte - que trabalha com artesanato, a Palma Natos, especializada em produtos naturais, e a Palma Limpeza de ambientes, idealizada por mulheres do bairro e atuando na limpeza de residências e escritórios.

Através destas iniciativas do Ban-co Palmas, 100 mulheres em situação de risco, ou mães solteiras, foram inseridas no mercado de trabalho e 350 jovens contratados por empreen-dimentos na comunidade.

O compartilhamento desse modelo de banco comunitário com outras localidades teve início em 2003. Para atravessar fronteiras com atuação coordenada, recor-reu-se à criação do Instituto Pal-mas, um ente oficial de difusão da tecnologia do empreendimento.

Concebido sob a forma jurí-dica de Oscip, o Instituto firmou parcerias com empresas nacio-nais e estrangeiras. Daí, partiu para uma fundamental etapa de expansão: a parceria com a Sena-es/MTE e o apoio do Banco Popu-lar do Brasil.

O objetivo era implantar ban-cos comunitários em municípios cearenses e de outras regiões, garantindo serviços financeiros à comunidade. Os 45 novos esta-belecimentos elaboraram nome e moeda próprios a partir da cultura local e de uma estratégia especí-fica, já que pela sua própria filo-sofia, o banco comunitário não permite filial.

As instituições também não possuem relação com a moeda Palmas. O que liga esses bancos é o fato de pertencerem à Rede Bra-sileira de Bancos Comunitários, que tem como critério de atuação estipular uma carga de princípios e um código de ética.

Para se cadastrar, por exemplo, participam de um rigoroso proces-so de formação, culminando no recebimento de um selo de cer-tificação. Um detalhe: todo ban-co comunitário só é considerado como tal se tiver a autorização do Instituto Palmas para funcionar. O estado com maior número de ban-cos no país é o Ceará. Ao todo são 25 instituições. Todas em parceria com a Senaes.

A dimensão da importância de um banco comunitário para os mu-nicípios é mensurada pelas facili-

dades oferecidas às populações. Por intermédio do Palmas, em parceria com o Banco Popular do Brasil, as comunidades puderam dispor de pontos de atendimento distantes da sede, viabilizando transações como pagamento de conta de água e recebimento da aposentadoria.

Ou seja, ficou garantida uma base monetária, por menor que seja, à comunidade. E a percep-ção do valor desta inciativa cresce quando se analisa os quilômetros de distância da sede, o que obri-gava moradores a viajar horas em cima de caminhões com destino a uma agência bancária tradicional.

O presidente do Banco Pajú, no distrito de Pajuçara, no Ceará, revela que antes era comum as pessoas se deslocarem até a sede, em Maracanaú, num percurso de 10 quilômetros. Após dois anos de funcionamento, o Pajú possui dois mil correntistas.

“Imagine a importância do ban-co em uma aldeia indígena, como o que foi implantado na tribo dos Tremembés. Normalmente, esses índios jamais chegariam à condi-ção de obter crédito, em função da documentação necessária”, avalia o coordenador Joaquim de Melo.

Maracanã. O banco Paju implantou a moeda social em Pajuçara com valor equivalente a 1 real.

Tudo corria bem até que, imagi-nando tratar-se de um banco nos mol-des do sistema financeiro tradicional, o Banco Central realizou duas interven-ções no empreendimento. A primeira ocorreu com o surgimento do Banco Palmas. A segunda com a criação da moeda Palma. “Hoje, a relação entre a gente e o Banco Central é boa. Eles estudam o modelo e vão regulamen-tar” diz, Joaquim Melo.

Embora a intervenção do BC tenha preocupado, a repercussão que o Palmas ganhou na mídia pelos

PERCAlÇOS, iNtERVENÇÃO DO BANCO CENtRAl E NOVAS EMPRESAS

Por conta de um projeto de desfavelização da orla marítima de Fortaleza, em 1973, surge o Conjunto Palmeiras, antes um grande pântano, sem nenhuma infra-estrutura urbana. A população morava em barracos e as crianças assistiam aulas em está-bulos. O transporte nos 22 quilôme-tros até o centro da cidade era feito por um caminhão.

No ano de 1980, a comunidade se organiza e inicia a luta por dias melhores em coletividade. Apoiados pela Igreja, começam a reivindicar ao Governo do Estado benefícios como água encanada, ônibus, posto de saú-de e escola para crianças.

Para entender o processo de criação do Banco Palmas, voltemos a janeiro de 1991, quando houve o seminário “Habitando o Inabitável”, no qual é criada a União das Asso-ciações e Grupos Organizados do Conjunto Palmeiras. A proposta de urbanizar o bairro agregou recursos e parcerias comunitárias, inclusive com o Governo do Estado, que cul-minaram em pavimentação, sistema de drenagem, esgotamento sanitário, praças e escolas.

Junto com o progresso também veio o aumento do custo de vida.

ANtES DO BAiRRO, UM PâNtANOHistória

Habitar o Palmeiras ficou bem mais caro. Por exemplo, com a cobrança dos boletos de Imposto Predial e Ter-ritorial Urbano (IPTU) e a taxa de ener-gia elétrica. Muitos até começaram a vender suas casas.

Em janeiro de 1997, com o se-minário “Habitando o Inabitável II”, adota-se a perspectiva de trabalho por cinco anos seguidos num proje-to voltado à geração de emprego e renda. Após inúmeros encontros em busca do projeto ideal, uma mulher

da comunidade propõe criar um car-tão com o qual as pessoas pudessem fazer compras. “Ela matou a charada. Decidimos criar o nosso cartão de cré-dito”, lembra Joaquim Melo.

Gerenciado pela Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras (Asmoconp), o banco iniciou suas atividades em 1º de janeiro de 1998. De imediato, o cartão de crédito Pal-macard foi um sucesso. O pagamento sem cobrança de juros era o grande atrativo. O limite foi estipulado em 100 Palmas per capita. Para os empre-endedores, o valor chegava a R$ 10 mil, parcelados em até 12 vezes. O banco dava os seus primeiros passos.

10 anos. Idealizadores do Banco Palmas cortam bolo de aniversário da instituição.

Conjunto Palmeiras. Localizado na Zona Sul, em Fortaleza, no início nenhuma infra estrutura urbana.

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Em janeiro de 2008, o Ministério do Trabalho enco-mendou uma pesquisa de impacto e imagem do banco Palmas à universidade Federal do Ceará (uFC). O estudo foi realizado com 280 moradores do bairro, clientes ou não do banco. Os resultados surpreenderam.

Das pessoas entrevistadas, 98% afirmaram que o banco colaborou concretamente com o desenvolvimento econômico do Conjunto Palmeiras. Para 90%, o Palmas influenciou diretamente na sua melhoria de vida. Destas, 25% dizem que conseguiram um emprego por causa do banco. Outras 25% afirmam que com a ajuda puderam começar um pequeno negócio.

A complementação da pesquisa mostra que o banco colaborou na realização de projetos de vida como construção de uma casa, ou mesmo no contato entre pessoas da comunidade e populações vizinhas.

“Dizer que era do Conjunto Palmeiras gerava muito preconceito. Morar aqui era quase um castigo. quando algum estabelecimento solicitava dados cadastrais e via que a pessoa era do conjunto, já surgia um empecilho”, ressalta Joaquim Melo.

Outro aspecto a gerar reflexões sobre o fenônemo “Palmas” é que, geralmente, toma-se conhecimento de

projetos sociais em comunidades ligados exclusivamente à educação, saúde, violência ou habitação. No Palmeiras, a discussão gira em torno da Economia. “Não é comum pobre discutir economia. No máximo, emprego e desem-prego. A nossa associação discute com a comunidade estratégias do sistema financeiro”, diz Joaquim Melo.

O banco Palmas ainda possui grandes desafios para o futuro. Um deles é causar um choque tecnoló-gico no bairro. “A gente precisa se informatizar mais, ter equipamentos e máquinas mais modernos”, diz o coordenador. Outro plano da associação é criar um projeto ambiental, provavelmente de reciclagem das energias renováveis ou otimização do uso da água. Sobre o assunto, já houve uma reunião com moradores para estudar a possibilidade de reaproveitamento das águas do poluído Rio Cocó.

Realidade que mostra o espírito de luta e empre-endimento de pessoas simples, mas com idéias para a superação de dificuldades econômicas que geram a pobreza, a miséria e a exclusão social do bairro. “As grandes transformações não são os governantes que fazem, vêm da base. E só são sustentáveis dessa forma”, conclui João Joaquim de Melo.

enquadrados como instituições civis, sem fins lucrativos, com a tarefa de fomentar a produção popular e o de-senvolvimento econômico local.

A relação entre o Banco Palmas e a Venezuela teve início em 2006. Uma comissão de 20 técnicos vene-zuelanos veio ao Brasil para conhecer o banco e conferir a metodologia do empreendimento. Os dois países con-solidaram em julho de 2007 um inter-câmbio de experiências através de um termo de cooperação.

O acordo foi assinado em Recife (PE) entre o presidente Lula, o coorde-nador João Joaquim e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. A Venezuela pôde aprender como implantar os ban-cos comunitários e, em contrapartida, o Palmas teve a oportunidade de apren-der a incentivar a população no desen-volvimento de políticas públicas.

Outra vantagem para o Brasil nessa parceria é a proposta de criação de um centro de capacitação no país com recursos da Venezuela. A cada seis meses, um dos países envia um grupo técnico. Depois de 15 dias, o grupo volta para o local de origem, que recebe também um grupo de téc-nicos para aprendizado.

O estudo dá uma compreensão do potencial, da base monetária local. O pró-ximo passo é multiplicar o que a comu-nidade consome pelo preço, e assim ter uma idéia do que é preciso para satisfazer a demanda. “Se eu sei, por exemplo, que essa comunidade consome 300 quilo-gramas de arroz, e sei quanto é o quilo, eu posso multiplicar e ter um valor total”, afirma Joaquim de Melo.

A partir da avaliação favorável, o mu-nicípio gasta R$ 10 mil em capacitação e R$ 30 mil em crédito para instalar o serviço. Mas, e se a localidade não possuir os R$ 30 mil? Simples: poderá usar os recursos do Instituto Palmas, que recebe o valor do Banco Popular do Brasil a 1% de juros e empresta ao município a 1,5%. Já no caso dos R$ 10 mil de fomento, o jeito é tentar um patrocínio.

“O instituto vem conseguindo esse patrocínio para os municípios com o Ministério do Trabalho ou com a Petro-bras”, diz o coordenador Joaquim. Em 2008, o Governo do Estado possibilitou a

criação de 10 bancos comunitários com recursos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecop).

O coordenador do Palmas informa também sobre um projeto entre o banco e o Ministério do Trabalho (MTE) para a criação de mil bancos comunitários até dezembro de 2010. Serão necessários R$ 10 milhões para a viabilização de crédito, fomento e capacitação.

Outro projeto em tramitação na Secretaria Nacional de Economia Soli-dária do MTE é a parceria envolvendo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). A entrada do MDS se justifica pelo fato de muitas famí-lias atendidas pelos bancos comunitários serem beneficiárias do Bolsa Família.

Banco quilombola. Em Alcântara, no Maranhão, usa moeda Guará e conta com mais de 800 correntistas

3.600 bancos

Depois de tantos êxitos, a lamentar somente o fato de que o Brasil cami-nhe a passos ainda lentos na efetivação das iniciativas em economia solidária, em comparação com outros lugares. Prova disso são os 3.600 bancos comu-nitários existentes hoje, na Venezuela,

em decorrência do Palmas. Tudo por que o país de Hugo Chá-

vez correu na frente e criou um mar-co legal para os bancos comunitários. A expansão também se deve à criação do Fundo Nacional para o Desenvolvi-mento. Lá, o banco comunitário é lei.

VENEzUElA ADOtA iDéiA COMO POlÍtiCA DE GOVERNO

iMPlANtAÇÃO SiMPlES, PARCERiA DE GOVERNOS E MONitORAMENtO

Municípios

ções de oportunizar o surgimento de empresas na região.

Para se instalar um banco comunitá-rio em um município, não é complicado. Após a solicitação da prefeitura, o Insti-tuto Palmas faz o estudo “Mapa da Pro-dução e do Consumo”. Uma pesquisa de mercado a partir da realidade de 10% das famílias, verificando-se a quantidade e as marcas dos produtos consumidos.

Tudo acontece porque o Palmas faz o acompanhamento necessário, ou seja, monitora, mantém as máquinas e controla a inadimplência. Mas essa assessoria não vem de graça. De todo o faturamento, 10% vão para o Banco Palmas. Outro dado relevante: dos 45 bancos existente no país, 39 recebem recursos do Instituto Palmas.

É o caso do Banco Quilombola, em Alcântara, no Maranhão. Inaugurado em 2007, no Dia da Conscicência Negra, 20 de novembro, o banco tem na moeda Guará um forte aliado para o desenvol-vimento local. A instituição já conta com mais de 800 correntistas.

Teoria e prática funcionam igual-mente para os bancos comunitários provenientes do Instituto. Ainda que não possuam empresas próprias, como as que existem no Banco Palmas, eles adotam a mesma dinâmica da sua ins-piradora. Para começar, todos operam com duas moedas.

O motivo é que nem tudo o que a população precisa existe na comunidade. “Muitos acham até chique comprar no pólo mais próximo”, comenta Joaquim. Mas, é para melhorar a oferta e fazer as pessoas ficarem tentadas a valorizar o local onde vivem, que o Palmas empresta capital. A partir daí, o banco tem condi-

“Eles chegaram a criar um setor espe-cífico dentro do Ministério da Econo-mia Popular para esse segmento”, diz Joaquim de Melo.

Caso um grupo de cinco pessoas a cada 200 famílias da Venezuela de-cida, pode formar seu próprio banco comunitário. No Brasil, organizações vem tentando há anos implementar essa metodologia, sem sucesso. Um Projeto de Lei da deputada federal Luíza Erundina (PSB/SP), que cria o Segmento Nacional de Finanças Populares e Solidárias, tramita desde 2006. “E ainda deve sofrer retaliação dos grandes bancos para tudo quanto é lado”, comenta Joaquim.

Segundo o relator do projeto, o deputado federal Eudes Xavier (PT-CE), a matéria foi retirada para análi-se, a fim de ser evitada a reprovação. O projeto refere-se à elaboração de um sistema alternativo que propor-cione assessoria técnica ao Segmen-to Nacional de Finanças Populares e aos bancos populares.

A proposta é de que a União, os estados e os municípios possam con-ceder isenção de cobranças tributá-rias aos usuários dos serviços do ban-co. Os bancos comunitários seriam

intercâmbio de experiências. Venezuela e se Brasil se consolidaram através de um termo de cooperação

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AbN

EStUDO DO GOVERNO ViA UFC COMPROVA êxitO

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falso o atual debate sobre a crise no Senado na medida em que é posto so-bre os pilares do desespero neoliberal — remanescente das forças rejeitadas

popularmente pelas urnas por sua desastrada condução do País. Entretanto, como os proble-mas do Senado estão na sua origem e na tra-dição inoculada por essas mesmas forças — e sua mídia —, devem sorver um pouco de seu próprio veneno.

Uma Câmara Alta ins-tituída para abrigar o “andar de cima” (as oli-garquias regionais bra-sileiras) e acomodar in-teresses econômicos vinculados a uma depen-dente pauta primário-ex-portadora, apenas em sua recentíssima história ve-rificou pontuais e modes-tas mudanças em seu per-fil. Logrou certa absorção de indivíduos de outras classes e camadas sociais, descomprometidas com a agenda da tradicional elite brasileira.

Entre estes, estão os que, recordando um cantor popular, conspurcam sua sopa.

Além disso, tanto quanto outras institui-ções republicanas, o Senado passou por lentas transformações, que tem um perfil progressi-vamente condicionado pela crescente participa-ção popular na política.

Esta, intuitivamente, exige maior conso-nância entre suas aspirações confessas por mais igualdade e até por uma sociedade mais justa e equânime, ao confrontar o comporta-mento de seus representantes e de suas casas legislativas, chafurdando mais essa nobre, po-

rém amarga e reimosa, sopa. Mesmo com seus limites na condução da

política macroeconômica, ainda submetida no essencial à gangorra financeira descolada da esfera produtiva que gerou a recente crise, o governo Lula nasce dessa insatisfação com a ve-lha política, pois sua eleição e formação sufra-garam uma liderança operária significativa dos

novos tempos. E que, no Congresso Nacional, a muito custo, conquis-tou uma base hegemôni-ca em seu segundo man-dato.

Por isso, chamamos de contraditória a época atual, visto que estabe-lece a convivência entre novos e velhos elemen-tos da política, oriun-da de uma transição de ruptura. E são contradi-tórios os elementos de avaliação dos poderes republicanos, nos quais

se abrigam, mais ou menos representativa-mente, as mais variadas correntes de pensa-mento e matizes partidários. É assim no Exe-cutivo, no Judiciário e no Parlamento.

Entretanto, é neste terceiro cenário que se concentra agora o foco principal das batalhas que anunciam as eleições de 2010, do mesmo modo que o Executivo foi o alvo central da opo-sição PFL (DEM)-PSDB — e de sua mídia — nas eleições de 2006. Nesse enquadramento de um debate enviesado, o Senado foi posto diante de dois caminhos, apontados pelos que se debru-çam sobre seus dilemas:

(1) da sua compulsória extinção por ca-ducidade;

(2) da reformulação completa dos seus prin-cípios e estrutura de funcionamento.

No primeiro caso, verificar-se-ia como vício incontornável seus defeitos congênitos no berço: enquanto Câmara Alta — ou seja, espaço exclusivo das elites bem nascidas —, perderia sentido con-temporâneo e estaria destinado a um féretro tar-dio. No segundo, teria sua existência confirmada pelas alterações verificadas em sua correlação de forças interna, desde a referida eleição, aqui ou acolá, de senadores atípicos no seu perfil conser-vador original, condenado entretanto a cortar na própria carne, corrigindo estruturalmente seus irreparáveis vícios congênitos, presentes em seu nascedouro.

De um modo ou de outro, cristianizar seu atual presidente pelos vícios monárquicos e re-publicanos da institui-ção se enquadra no ve-lho fenômeno inspirado na hipocrisia de quem deseja alterar alguma coisa, imolando à mesa um dos seus comensais, para que tudo permane-ça exatamente como está. E apenas para desgastar e desmontar a base de apoio do governo federal, evitando que prospere a coalizão com o PMDB nas eleições de 2010 e suas repercussões no proces-so eleitoral.

No entanto, posta como consistente a furio-sa lógica, seria mais ade-quado imolar todos os ocupantes da primeira-secretaria do Senado, uma simbólica “prefeitu-ra” do ordenamento de despesas da instituição, desde 1993, período no qual foram fomentados os tais “atos secretos” e outras sinecuras, do PFL (DEM), titular de cinco mandatos nas me-sas diretoras no período.

Neste caso, seu atual titular, o senador He-

ráclito Fortes, do DEM, poderia alugar qualquer fantasia numa loja especializada, menos a de “moralizador”, ao exercer sua missão de patru-lhamento dos pecados alheios, entretanto com a cauda em chamas.

Naquela mesma lógica, seria elevado ao pan-teão dos incriminados até mesmo o paladino tu-cano da renúncia presidencial, senador Arthur Virgílio, que admitiu um aporte de empréstimo ao ex-diretor geral do Senado, Agaciel Maia, para enfrentar uma onerosa temporada parisiense.

Pois, na onda do imponderável, não é exces-siva a lembrança de que, em seu período recente e distintas conjunturas e motivações, a história

do Senado abrigou tensos e conturba-dos episódios como o que envolveu o ex-senador Luiz Este-vão, seu primeiro e único membro cas-sado; e, noutra oca-sião, em 2001, o fa-lecido senador ACM e José Roberto Ar-ruda, hoje governa-dor do Distrito Fe-deral, acusados de violação do painel eletrônico da Casa, que renunciaram aos seus mandatos na corrida contra a cassação.

A única “lim-peza” a se verificar no Senado, além da necessária transpa-rência nos seus atos e responsabilização dos seus protagonis-

tas, está na expectativa de uma mudança na sua correlação de forças nas urnas de 2010, quando o eleitorado terá a oportunidade de renovar dois terços de sua composição, sufragando candida-tos de esquerda e colocando em seu devido lugar as forças conservadoras, de direita, responsá-veis pelo seu perfil atual.

Em Tese--------Luiz Carlos Antero

(*) Luiz Carlos Antero é Sociólogo e jornalista

andar de cimaRuídos no

É...cristianizar seu atual presidente pelos vícios monárquicos e republicanos da instituição se enquadra no velho fenômeno inspirado na hipocrisia de quem deseja alterar alguma coisa, imolando à mesa um dos seus comensais, para que tudo permaneça exatamente como está

O Senado passou por

lentas transformações,

que tem um perfil

progressivamente

condicionado pela

crescente participação

popular na política

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Cinturão Digital. Ceará a 10 Gbps

Câmara debate vazio na extensão tecnológica

Universidade Aberta encurta as distâncias

Tome Scientia! Lei de Inovação em foco

Caderno especial

mais perto da vida do povoA apropriação das possibi-

lidades geradas pela ciência e a tecnologia para a melho-ria de vida da população é o foco da nossa abordagem desta área do conhecimen-to humano, que constitui

diferencial competitivo no desenvolvimento dos países.

O exemplo dos índios caetés ,que devoraram o bispo Sardinha, citado

por Oswald de Andrade no , equivale à atitude dos cearenses que assimilam e aplicam valores da cultura científica e tec-nológica no seu cotidiano de trabalho, porém na paz, como ferramentas de afirmação na luta pela sobrevivência.

O espaço para a educação tecnológica na sociedade bra-sileira e em específico no Ceará, com a construção e a institu-cionalização de políticas perenes de fortalecimento do setor, vem sendo ampliado de maneira notável e já consolida um caminho irreversível. Somente a visão curta, a preguiça ou a esperteza egoísta podem querer reduzir esta iniciativa como

Carta do Editor

algo concorrente da ciência de base produzida na academia. A importância da compreensão pública da ciência e tec-

nologia vai além do que está sendo pesquisado nos labora-tórios, ultrapassa os interesses corporativos e deve abarcar os efeitos da aplicação do conhecimento na realidade da po-pulação. Ciência e tecnologia são instrumentos de inclusão social, também. Nesta direção, o Ceará tem buscado atalhos para o desenvolvimento que inclua os excluídos e avance em direção às massas, de modo a dar uma firme contribuição para reduzir os péssimos indicadores sociais.

A revista Nordeste VinteUm dá visibilidade às iniciativas em curso e lança as atenções sobre os horizontes desta con-quista social de dias melhores para os cearenses do interior, e também da capital, com a expansão da infraestrutura a ser-viço da educação e do ensino tecnológico. A apropriação das ferramentas da ciência e tecnologia pelos cidadãos é um ato simples da vontade. O solo é fértil. Pode ser fortalecido por políticas honestas que colocam essas conquistas nas mãos da população, vencendo qualquer inibição externa dos que querem concentrar privilégios e distribuir a ignorância.

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Cinturão Digital apertaDo na Justiça

o Ceará rumo aos 10 Gbps

Uma questão legal atrasa a implantação do Cinturão Digital no Estado do Ceará. A infraestrutura de fibra óptica licitada pelo governo estadual já deveria iniciar operações em maio deste ano, nos municípios de Sobral e Quixadá. Em janeiro, uma liminar do Tribunal de Justiça do Estado (TJCE) tornou sem efeito a ordem de serviço que autorizou o início da instalação da rede.

om velocidade de 10 Gigabits por segundo, a malha óptica tem por objetivo cobrir as prin-cipais cidades do Estado - 82% da popula-ção urbana. Ao ser iluminada, a fibra deverá

transmitir com a velocidade equivalente a 40 mil vezes além do que oferece um link de 256 Kbps ou 10 mil ve-zes o que dispõe quem navega na internet com 1 Mbps.

A empresa Schahin Engenharia venceu a licitação com o preço de R$ 49,2 milhões. Mas, a segunda coloca-da, a Procable Engenharia e Telecomunicações, quer R$ 56 milhões para fazer o serviço e entrou com um pedido de liminar. A empresa alega que a concorrente não tem experiência na instalação de fibras ópticas.

O presidente da Empresa de Tecnologia da Informa-ção do Ceará (Etice), Fernando Carvalho, responsável pelo lançamento do edital, argumenta que a Schahin apresentou todos os certificados de que lançou parte dos cabos da Copel, a Companhia Paranaense de Ener-gia. “A Copel tem uma rede de fibras muito mais comple-xa do que o Cinturão Digital. A segunda colocada colocou um preço R$ 7,3 milhões acima da empresa vencedora”,

afirma Carvalho. O Governo do Ceará recorreu da decisão no Superior

Tribunal de Justiça (STJ). Em maio, a corte especial do STJ confirmou a liminar por 7 x 6 votos. Daí, o governo apelou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda não se pronunciou. “Quando o Ceará recorre à instância superior do Judiciário” explica Fernando Carvalho “não discute o mérito da ação, só a liminar. A discussão do mérito vai ser feita no Tribunal de Justiça do Ceará”.

Caso não houvesse a briga nos tribunais, em maio o Cinturão já teria chegado a Sobral e Quixadá e aos muni-cípios no trajeto — São Gonçalo do Amarante e Caucaia (Porto do Pecém), Itapipoca, Canindé, Pacajus, Morada Nova, Horizonte e Quixeramobim. “Já perdemos essa oportunidade. A velocidade de 10 Gbps é como se as pessoas tivessem realmente a opção de banda larga ili-mitada. É uma tecnologia nova (DWDM, que aumenta a capacidade de transmissão em uma fibra óptica)”, diz o presidente da Etice.

“Com a demora, perde o governo e o interesse pú-blico”, lamenta Fernando Carvalho. “Esse é um recurso

C

Lei de inovação: por reGuLamentar

dinheiro para inovar e Competir

memória: metas do Fit em “do” de 2004

O Ceará foi o sexto estado no país a sancionar a Lei de Inova-ção, em outubro do ano passado. Depois do Amazonas, em 2006, e Mato Grosso, Santa Catarina, Minas Gerais e São Paulo, em 2008. Mas, o passo seguinte que vai permitir que a lei seja aplicada, a regulamenta-

ção, ainda não foi dado. Na Secretaria da Ciência, Tecnologia e Edu-cação Superior (Secitece), Teresa Mota, secretária adjunta,

informa que o trabalho está sendo tocado pela rede dos Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) das universida-des com a assessoria jurídica do órgão. “Está sendo regulamentado o capítulo de subvenção da Lei de Inovação, porque a gente pretende dinamizar o Fundo de Inovação Tecnológica (FIT) e precisava

disso”, afirma. Da Secitece, a proposta de regula-mentação seguirá para a Assembléia Legislati-

va, via Governo do Estado.

A boa novidade é que a Secitece quer operar com subvenção à inovação das empresas, por meio de edi-tais do FIT, o que significa dar dinheiro aos projetos compe-titivos, além de inovadores. O fundo foi aprovado pela Assembléia Legislativa em dezembro de 2004. Previa a destinação de pelo menos R$ 6 milhões anuais para pesquisa aplicada ao criar vínculos de parceria das empresas com os pesquisa-dores para gerar negócios. Os recursos são oriundos sobretudo de 1,5% do retor-no do Fundo de Desenvol-vimento Industrial (FDI), e serão operados pela Funda-ção Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), via editais.

Consta no Diário Oficial do Estado (ano 2004) que os recursos do FIT desti-nam-se a financiar as ações de inovação tecnológica no Estado do Ceará e incenti-var as empresas cearenses a realizarem investimentos em projetos de pesquisa científica, tecnológica e de inovação, com vistas ao aumento da competiti-vidade da economia cea-rense. Compete à Secitece coordenar e disponibilizar o suporte ao Cogefit, bem como operacionalizar o fundo por meio da Funcap, e à Secretaria da Fazenda administrar financeiramen-te os recursos.

CoGeFit instaLado, zero Centavo apLiCado

mapp de Cid Gomes prioriza investimentos

O governo Lúcio Alcântara (2002-2006) publicou o decre-to de regulamentação do FIT e implantou seu Conselho de Gestão, o Cogefit, ao qual cabe gerir os recursos. Foram re-alizadas duas reuniões, mas nunca aplicado um centavo. Em portaria de 19 de maio de 2009, o atual governo Cid Go-

mes implantou o Cogefit, que tem a Funcap como executo-

ra da aplicação dos recursos e a Secitece como

gestora. O di-nheiro hoje está

escutando a conversa. O FIT

acumulava R$ 7 milhões até o ano passado, numa conta no Bradesco da Secretaria da Fa-zenda e jamais foi usado.

Por gestões da Funcap, na administração Cid Go-mes foi criada no orçamento do Estado a rubrica “sub-venção econômica”, que vem respaldar os repasses de recursos do FIT direto para as empresas inovado-ras. Dará respaldo também às operações por meio do Programa de Apoio à Pesqui-sa nas Pequenas Empresas (Papp), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), operado pela Funcap. Outra sinalização positiva no sen-tido do funcionamento do fundo de inovação local é que a operação de subven-ção foi inserida no rol das prioridades de investimen-tos do governo, conhecidas pela sigla MAPP (Monitora-mento de Ações e Projetos Prioritários).

[email protected]

2 ciência &tecnologia / junho de 2009 3 junho de 2009 / ciência &tecnologia

internettome sCientia! Por Flamínio Araripe

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MoDelo De negóCio é para aCesso De toDosO acesso à internet comercial no Brasil, em com-

paração com os países desenvolvidos, é caro e ruim. Em Fortaleza, a conectividade privada também se dá a preço alto e com velocidade limitada. Mas, no interior do Ceará ainda é pior. Tudo irá mudar com a chegada da fibra óptica estatal do Cinturão. De acordo com Fernando Carvalho, através de um leilão, o governo vai fazer concessão às empresas interessadas em prestar serviço para uso dessas fibras no interior.

“O governo fez o investimento inicial, entrou com ca-pital, mas não vai entrar com o custeio. A empresa que quiser prestar o serviço no interior como contrapartida vai dar a manutenção da fibra”, observa Carvalho. As empresas de telefonia fixa e móvel, os pequenos pro-vedores de acesso a Internet, associação de usuários, Associação de municípios e Prefeitos do Ceará (Aprece)

InvestImento públIco, custeIo prIvado

vai integrar escolas, fiscalização, segurança, saúde, tvs e telefonia por internet

Malha digital

Ensino a distância, televisão digital, TV por internet, telefonia por internet e telemedicina são alguns dos serviços a serem possibilitados pelo Cinturão Digital, no Ceará, que vai integrar todas as escolas e órgãos públicos estaduais por banda larga. A malha de fibra óptica terá aplicações no sistema de fiscalização da Secretaria da Fazenda e na inclusão digital, mas também na segurança pública ao conectar os computadores a bordo das viaturas policiais do Ronda do Quarteirão. Veja a seguir os benefícios agregados com a tecnologia do cinturão.

Ensino a distânciaPelo Cinturão Digital, vai integrar numa mesma aula

diversas salas de videoconferência ou alunos em casa, mesmo que estejam em cidades diferentes. Em tempo real, o professor é visto e ouvido, vê e ouve os alunos e eles interagem como se estivessem numa sala de aula.

A ferramenta abre um novo horizonte para qualifica-ção e capacitação e oferece oportunidade para ampliar a ação efetiva da educação além do limite hoje posto pelo déficit de professores. “O ambiente de sala de aula interativa é uma revolução para o Estado do Ceará que tem carência de professor. Pode levar o conteúdo para qualquer escola do Ceará sem nenhum problema, de altíssima qualidade e com redundância, com confiabi-lidade. Não é uma coisa que vai ficar caindo todo dia’, observa Carvalho.

tElEfonia iPTorna possível fazer transitar voz empacotada digi-

talmente através da tecnologia de (protocolo de inter-

net). Com isso, o governo terá uma rede própria. Todo serviço de telefonia irá funcionar em cima dessa base. Assim, a ligação de um ramal em Fortaleza para um celular em Sobral paga uma ligação local de Sobral. A voz vai até o município pela rede interna e chega lo-calmente ao telefone na cidade. Se do mesmo ramal a pessoa disca para um telefone TIM em Sobral, a ligação é tarifada como local de um número TIM para outro da mesma companhia. O mesmo ocorre com outras operadoras.

No exterior, a pessoa pode entrar na rede (fazer login) e falar com um telefone fixo ou celular para algum ponto na rede cea-rense. “Acabou-se conta de DDD, acabou-se conta de DDI. Todas as ligações internas são gratuitas”, assinala Fernando Carvalho.

A tecnologia vai reduzir em 40% o gas-to com telefonia do governo — R$ 30 milhões por ano — “na pior das hipóteses, sendo pessimista”. Para Carvalho, se somar a economia de R$ 12 milhões por ano com telefonia com a redução que vai ter no serviço de dados, o investimento no Cinturão Digital se paga em dois anos.

tV digitalAs emissoras de TV vão ter no Cinturão Digital uma

alternativa ao satélite para transmissão sem o risco de perda de qualidade quando fica nublado e o sinal não pega muito bem. Por outro lado, a fibra óptica possibili-ta a TV por IP. “Qualquer pessoa pode gerar o seu con-teúdo. Pode virar uma estação de TV e gerar para quem quiser pela internet mas com alta definição”, assinala Fernando Carvalho.

e outros interessados, segundo ele, em agosto serão reunidos num workshop financiado pelo Banco Mundial para discutir o modelo de negócio do Cinturão Digital.

A difusão do celular é citada como parâmetro obje-tivo a ser alcançado pelo Cinturão Digital. “Queremos que o preço caia e todos possam comprar”, compara Carvalho. A cobertura, todavia, deve ser maior, pois terá de incluir, também, as pessoas que vivem abaixo da faixa de pobreza – acrescenta.

REdução nos custos do monoPólioConforme levantamento da Etice, apenas cinco muni-cípios do Ceará oferecem internet de banda larga na velocidade de 1 a 2 Mbps. No ambiente de monopólio existente, o custo é alto, é baixa a velocidade de aces-so e as tecnologias são ultrapassadas.

SERVIçO PúBLICOfinanciado pelo Banco Mundial, que tem metas a serem cumpridas. Se o governo

não cumpre a meta, fica mal posicionado face ao Banco Mundial, o que é um prejuízo para o Estado

em empréstimos futuros”.

3.500 Kms dE fibRa. O Cinturão Digital é um dos pro-jetos elegíveis do Projeto de Crescimento Integrado (SWAp) financiado pelo Banco Mundial já assinado com o governo do Ceará no total de US$ 240 milhões. O desembolso das duas primeiras parcelas de US$ 74,09 milhões está previsto para julho.

A demora não arrefeceu o ânimo da Etice, que, segundo Carvalho, já está com o projeto pronto para ampliar em mais de 500 quilômetros a malha de fibra óptica do Cinturão Digital, além dos quase 3 mil quilô-metros do projeto inicial. Com a expansão, ele assegura que a cobertura chegará a 96% da população urbana do estado. “No Brasil, não existe nenhum Estado com essa infraestrutura”, assinala.

“Este projeto existe porque o governador Cid Go-mes tem interesse, conhece e sabe a importância para o desenvolvimento. É provado cientificamente que traz desenvolvimento”, afirma o titular da Etice ao enfatizar que a iniciativa partiu do governador e ninguém preci-sou convencê-lo sobre o projeto.

Ainda este ano e no início de 2010, o governo deci-diu instalar nas maiores cidades um sistema de aces-so à Internet por onda de rádio (Wimax) com ligações na velocidade de até 70 Mbps. A tecnologia consiste na instalação de antenas em ponto alto, que transmi-tem o sinal de internet sem fio para um raio de alguns quilômetros em torno na cidade.

4 ciência &tecnologia / junho de 2009 5 junho de 2009 / ciência &tecnologia

internetinternet

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um centro de Educação a distância (cEd) será construído em Sobral com orçamento de R$ 20 milhões no terreno do Campus Ci-dao, atrás do Instituto Federal de Educação

(IFCE). O investimento inclui equipamentos, instalações e obras. O projeto de arquitetura será concluído em ju-nho para a licitação da empresa responsável pelos ser-viços de construção. O Departamento de Edificações e Rodovias (DER) já fez a pré-habilitação das empresas e no final de junho foram abertos os envelopes.

A concepção do Centro de Inclusão Digital é de au-toria do deputado federal Ariosto Holanda (PSB-CE), que viabilizou recursos por meio de emenda parlamentar. O

CED — um nó do Cinturão Digital — vai ser a infraestrutu-ra encarregada da produção, distribuição e repositório de conteúdos, com tecnologia e pessoal especializado, salas de videoconferência e estúdio de TV. Tem como objetivo desenvolver, prover suporte, geração e recep-ção de atividades de Educação a Distância (EAD) para viabilizar o ensino, a pesquisa e a extensão em todos os níveis de ensino e áreas do conhecimento.

“Mais importante do que a edificação, é a discus-são feita em torno do Centro”, assinala a secretária ad-junta da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará (Secitece), Teresa Mota. Em parceria com a Secretaria de Educação, a Secitece traz como á um vazio muito grande nas ações de

extensão no âmbito dos Institutos Federais”. A observação é do reitor do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará

(IFCE), Cláudio Ricardo Gomes de Lima. Para ele, existem iniciativas isoladas e, via de regra, não há mecanismo de financiamento da extensão. “Há uma carência da chamada extensão tecnológica, própria de uma rede como esta, que atua em todo o país, está presente em

h“

tEcnologia 3gA terceira geração de celulares que possibilita o

acesso de dados pelo telefone celular hoje só está dis-ponível em Fortaleza, Sobral e no Cariri. Não foi coloca-da em todas as cidades porque requer alto investimento das operadoras. Mas com a chegada do Cinturão Digital nas cidades, as operadoras poderão oferecer em parce-ria serviço de 3G através da fibra.

tElEmEdicina E tElEsaúdE A malha vai poder interligar hospitais, centros de

saúde e salas de videoconferência no interior e Forta-leza para programas de capacitação e qualificação. A infraestrutura abre espaço para consulta a distância, segunda opinião médica, prontuário eletrônico, monito-ramento de sinais vitais e o envio de exames complexos que podem ser analisados por especialistas em Forta-leza. Vai atender o agente de saúde, pessoal auxiliar de enfermagem, enfermeiros, médicos, gestores, todos profissionais da saúde. Conforme Carvalho, hoje o Cea-rá usa uma rede de Minas Gerais para fazer telemedici-na porque não tem a sua infraestrutura.

ganha centro de inclusão digital

vazio da extensão eM debate na câMara federal

sEguRança PúblicaNo Ronda do Quarteirão, o acesso à viatura policial

que hoje é feito por rádio móvel , vai ser feito por velo-cidade altíssima. “O Ronda deve ganhar muito quando cada viatura se tornar um nó da rede. Quem vai geren-ciar a rede de viaturas é a própria viatura”, informa Fer-nando Carvalho.

uniVERsalização da tElEfonia cElulaRCom o Cinturão Digital cairá o custo para fazer che-

gar o serviço das operadoras em cidades do interior do Ceará, onde não chega o sinal do celular, pois as em-presas acham que não compensa investir em peque-nos mercados. O governador e o secretariado realizam encontros do governo itinerante em municípios do inte-rior isolados de acesso a celular, drama cotidiano dos moradores.

fazEndaTodos os postos da Secretaria da Fazenda no interior

vão estar automatizados e conectados à sede pela rede de alta velocidade para fazer rastreamento de cargas.

sobral

ensino tecnológico

primeira motivação para o CED a questão da Univer-sidade Aberta do Brasil (UAB). Quer adotar o modelo semelhante do Centro de Ciência e Educação Superior a Distância do Estado do Rio, o Consórcio Cederj, que envolve universidades daquele estado em articulação multiinstitucional.

O CED terá também o papel de aglutinar, incenti-var, produzir e executar projetos e programas de EAD orientados para os programas de formação e qualifica-ção profissional, educação profissional e tecnológica de nível médio e superior do Instituto Centec e das insti-tuições parceiras. Outros objetivos são preparar cursos e materiais didáticos; desenvolver cursos na área de educação profissional e tecnológica, bem como a ca-pacitação de professores, utilizando as diversas mídias (Internet, rádio, TV, videoaulas, material impresso, mul-timídia e hipermídia, videoconferência, teleconferência e realidade virtual).

Cabe ainda ao CED a geração e recepção de tele e videoconferência; prover estrutura de apoio e suporte aos alunos (laboratórios, suporte técnico, tutoria); re-alizar planejamentos, operacionalização e capacitação das equipes para implantação de sistemas de gestão de EAD (pedagógica, tecnológica, administrativo-finan-ceira, recursos humanos). Irá também planejar e execu-tar o marketing e logística de atendimento às unidades remotas; implantar a infra-estrutura física, tecnológica, administrativa e pedagógica necessárias; adquirir, ins-talar e fazer a manutenção dos equipamentos no CED e nas unidades remotas.

Ministérios da Educação, Trabalho e Ciência e Tecnologia firmam protocolo de apoio e alocação de recursos para o financiamento

Deputado Ariosto Holanda e Reitor do IFCE, Cláudio Ricardo

O CED terá como ponto de partida a unificação das ações em Educa-ção a Distância, já desenvolvidas e em desenvolvimento no Ceará. Para efetiva implantação da modalidade na educação profissional e tecnológica, serão aproveitadas a infraestrutura e capacidade já instalada, tendo como elemento estruturante o Cinturão Digital.

A iniciativa vai envolver ainda as unidades dos Centros Voca-cionais Tecnológicos (CVTs), Centros Vocacionais Técnicos (CVTecs), Faculdades Tecnológicas (Fatecs) e Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) do Centec. No âmbito do IFCE, envolve todos os campi, os 10 núcleos avançados, os Centros de Inclusão Digital (CIDs) e os dois NITs do IFCE.

Além disso, vai interagir com os pólos de apoio presencial dos Programas Escola Técnica Aberta do Brasil (e-Tec Brasil) e Universidade Aberta do Brasil (UAB) e demais instituições públicas e privadas (Sistema S) que desenvolvem programas de formação e qualificação profissional em diversos níveis na modalidade presencial e a distância. “O CED exercerá uma função capitalizadora e terá como objetivo a produção e difusão de conteúdos e aplicativos em diversas mídias”, define o presidente do Instituto Centec, Samuel Brasileiro.

De acordo com Brasileiro, o governador Cid Gomes definiu que o CED será vinculado ao Instituto Centec. Com a fibra óptica, Fernando Carvalho observa que onde os colaboradores do CED estiverem, vão poder contribuir.

Cinturão Digital é o eleMento estruturante

6 ciência &tecnologia / junho de 2009 7 junho de 2009 / ciência &tecnologia

internetFórum/

BrasíLiainternet

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O projeto de lei 7394, de autoria do parlamentar cearense, propõe a criação do Fundo de Extensão da Educação Profissional, para estabelecer um fluxo de recursos estáveis para financiar as atividades de capacitação do trabalhador. A matéria já foi aprovada pela Comissão de Educação e pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, e tramita na Comissão de Finanças e Tributação da Casa. O Fundo seria constituído por 5% do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Fndct) e 1,5% do Fundo de Apoio ao Trabalhador (FAT), o que soma cerca de R$ 500 milhões por ano.

s cursos universitários da Universidade Aberta do Brasil (UAB), do Ministério da Educação, chegam a 13 municípios do Ceará por meio das salas de videoconferência dos Centros

Vocacionais Tecnológicos (CVTs), ministrados pelas Universidades Federal (UFC) e Estadual (Uece) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE). É o caso de Beberibe, Brejo Santo, Jaguaribe, Missão Velha, Piquet Carneiro, Aracati, São Gonçalo do Amarante, Maranguape, Jaguaribe, Barbalha, Aracoiaba, Russas e da Faculdade de Tecnologia Centec (Fatec) de Quixeramobim, que têm pólos municipais da UAB com cursos de educação superior.

Com exceção de Russas, que tem um CVT municipal, os demais pertencem ao Instituto Centro de Ensino Tecnológico (Centec). No Ceará, em 2008, os 13 pólos da UAB tinham 1.326 alunos, mas já somam 2.441 este ano. Alguns Pólos de Apoio presencial já não tem espaço para receber novos alunos. Com 177 pólos, o Nordeste é a região que concentra maior distribuição da UAB, seguida do Sudeste com 155 unidades, do Sul com 97, do Norte com 85 e o Centro-Oeste com 46.

A UAB é uma rede nacional voltada para a pesquisa e novas metodologias de ensino na Educação Superior, instituída pelo Decreto 5.800, de 8 de junho de 2006. No Ceará, o primeiro edital em agosto de 2.007 ofertou 24.821 vagas da UFC e 6.060 vagas do Cefet, atual IFCE. Pela modalidade a distância, os alunos cursam bacharelado em Administração, licenciaturas em Matemática, Química, Letras/Português, Letras/Inglês, Física, Hotelaria, Ciências Biológicas, Educação Básica e Informática.

Também recebem cursos da UAB os municípios de Tauá, Ubajara, Quixadá, Caucaia, Ipueiras, Itapipoca, Fortaleza, Meruoca-Sobral, Orós e Quiterianópolis. O programa começou no Ceará com sete pólos em 2006,

dobrou o número em 2007 e chegou a 26 pólos em 2008. Todos os pólos da UAB receberam do Ministério das Comunicações antenas Gesac, que tem conexão de 2 megabits com a Internet para transmissão do sinal de videoconferência.

As inscrições para o vestibular são feitas on line e as provas realizadas em cada pólo, de modo unificado para todo o Ceará — 50% da vagas são destinadas a professores da rede pública. A metodologia dos cursos inclui 20% de aulas na modalidade presencial e 80% via web, sendo a avaliação feita em 40% por atividades on line e 60% pelo modo presencial.

A UAB no Ceará também ministra cinco cursos de pós-graduação: avaliação do aprendizado discente, tecnologias digitais na educação, formação de professores e técnicos administrativos da escola, técnicas e métodos para favorecer a alfabetização e ensino de ciências e matemática.

“A UAB é a melhor estratégia para interiorização da Educação Superior. Por isso, o MEC está investindo”, diz o secretário da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Ceará (Secitece), René Barreira. Segundo ele, há carência de professores com licenciatura nas áreas de ciência, e faltam candidatos nos concursos abertos pela Secretaria de Educação para as áreas de Física, Química, Biologia e Matemática.

A Secitece é o órgão mantenedor dos Pólos Estaduais de Apoio Presencial dos cursos de educação superior na modalidade a distância, em parceria com o Programa da UAB. São instituições certificadoras, a UFC, a UECE e o IFCE. “Os pólos estaduais da UFC, UECE e IFCE são coordenados pelo Instituto Centec”, informa Samuel Brasileiro, presidente desta organização social vinculada à Secitece.

o

todos os estados e com uma grande capilaridade no interior”, afirma.

Para tratar do assunto, todos os 38 Institutos Federais (IFs) do país assumiram compromisso de participar do Fórum Extensão Tecnológica dos Institutos Federais — O Conhecimento Tecnológico a Serviço da Cidadania, realizado no dia 7 de julho, no auditório Nereu Ramos, da Câmara Federal. Na ocasião, o ministro Sergio Rezende, da Ciência e Tecnologia; Carlos Lupi, do Trabalho e Eliezer Pacheco, secretário de Educação Tecnológica do Ministério da Educação, assinaram o protocolo de intenção dos três Ministérios que define um programa de extensão com compromisso de alocação de recursos.

“O objetivo do Fórum foi chamar a atenção para esta falta de capacitação tecnológica da população e observar de que modo a extensão tecnológica praticada nos IFs pode interferir nesse problema e ajudar, criando um grande programa de extensão em nível federal”, diz Cláudio Ricardo.

O reitor acrescenta que existem muitos ministérios a financiar programas voltados para extensão. “Mas esses programas não se comunicam entre si, o que leva em algumas situações à superposição de esforços”.

Diante disso, Cláudio Ricardo lembra que o deputado Ariosto Holanda (PSB-CE) articulou uma reunião com os ministérios da Educação, Trabalho, Ciência

e Tecnologia, do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome e do Desenvolvimento Agrário. Eles também participaram do Fórum, para traçar, com a rede dos Institutos Federais, um programa de extensão tecnológica para o país.

Proposto por Ariosto, do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Casa, o evento da Câmara foi organizado pelo Conselho das Instituições da Rede Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

(Conif) e pelos secretários Joe Valle, de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social, do Ministério da Ciência e Tecnologia; Eliezer Pacheco, pelo Ministério da Educação, e Ezequiel Nascimento, de Políticas Públicas e Emprego do Ministério do Trabalho.

Em paralelo ao encontro, foi realizada na Câmara uma mostra mostra fotográfica do Centenário dos IFs e mostra discente da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica, organizada pelo Ministério da Educação. Para a ocasião, o Ministério da Ciência e Tecnologia organizou um Balcão da Inclusão.

Participaram da abertura do Fórum o presidente da Câmara, Michel Temer, o presidente do Conselho de Altos Estudos, Inocêncio de Oliveira, a titular da Comissão de Educação e Cultura, Maria do Rosário, o presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Eduardo Gomes e o reitor Paulo César Pereira, presidente do Conif.

ariosto holandaproJeto cria fundo para garantir capacitação do trabalhador

encurta distâncias na educação superioruniversidade aberta

Nordeste concentra maior distribuição da UAB com 177 pólos. Rede nacional é voltada para a pesquisa e novas metodologias de ensino na Educação Superior

“O objetivo do Fórum foi chamar

a atenção para esta falta de capacitação

tecnológica da população

8 ciência &tecnologia / junho de 2009 9 junho de 2009 / ciência &tecnologia

Fórum / BrasíLia video ConFerênCias

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sem preConCeitos

ste é o futuro da Educação no Brasil”, disse o presidente da Coordenação de Aperfeiço-amento de Pessoal de Nível Superior Capes, Jorge Guimarães, em recente visita ao nú-

cleo da Universidade Aberta do Brasil, em Limoeiro do Norte, ao posar para fotografia diante da marca institu-cional. Com o reitor do IFCE, Cláudio Ricardo Gomes de Lima, o deputado Ariosto Holanda (PSB-CE) e o superin-tendente do Instituto Atlântico, José Eduardo Martins, ele conheceu também o campus do IFCE no município.

O IFCE participa da UAB com os cursos de nível su-perior em Matemática e Hotelaria, sendo um dos 10 IFs do país e das universidades federais autorizados a admi-nistrar cursos pela universidade. Na nova estrutura de IFCE, foi criada uma Diretoria Sistêmica de Educação a Distância. A área cuida da UAB, hoje com cerca de mil alunos atendidos pelo Instituto no Ceará, e com o pro-grama Escola Técnica Aberta do Brasil, a versão da UAB para o ensino técnico, hoje com 800 alunos pelo IFCE.

Por meio da Escola Técnica Aberta do Brasil, o IFCE oferece cursos de edificações, eletrotécnica, informáti-ca e segurança do trabalho pelo IFCE. “A tendência é ampliar significativamente os cursos a distância. A pro-gressão de aumento de alunos é praticamente geomé-trica”, avalia o reitor ao informar que pretende ampliar a oferta dos cursos da UAB. “O grande foco da UAB é a formação de professores, uma carência muito grande para o país hoje”, observa.

e“

Os cursos da UAB são semipresenciais, explica Cláu-dio Ricardo. Além da parte a distância, o IFCE orga-niza laboratórios móveis sobre carreta para atividade prática dos cursos. “Nosso grande diferencial é esse equilíbrio entre teoria e prática. Na nossa avaliação, como preconiza o pre-sidente da Capes, que é um cientista com boa visão de futuro, esse é um dos cami-nhos para o Brasil criar atalhos neces-sários para atender a essa enorme deman-da reprimida”, assina-la o reitor.

“Temos no país um contingente de 85 milhões de pesso-as analfabetas fun-cionais. Muitas delas não tem mais tempo de ir para a escola”, diz Cláudio Ricardo. “A educação a distância é um atalho importan-te. Do ponto de vista legal, tem a mesma validade dos cursos presenciais. Do ponto de vista efetivo, os cursos a distância estão sendo até melhor avaliados do que os cursos presenciais, compara.

Cláudio Ricardo diz não ver razão para precon-ceitos em relação aos cursos a distância. “É uma vertente que veio para ficar com a contribuição das novas tecnologias de comunicação, internet, infor-mática”. Além de ministrar os cursos na modalida-de, a estrutura criada no IFCE visa desenvolver tec-nologias e pesquisar a melhor forma de ministrar cursos a distância, com plataforma, material didá-tico e metodologias, num programa nacional com pesquisadores nessa área.

estrutura para ensino do futuro e alunos eM progressão geoMétrica

A parceria da Capes com o IFCE vigora ainda no atendimento à meta de formar nos próximos cinco anos 30 mil professores para as áreas de ciência – Física, Química, Biologia e Matemática – onde há carência de 330 mil professores no país. “Temos o compromisso de auxiliar como uma política pública na formação desses professores. No texto da lei que cria os IFs, está estabelecido que 20% das vagas serão destinados à formação de professores para as áreas de ciências”, informa o reitor.

20 anos

O reitor do IFCE Claudio Ricardo, avalia que o proje-to Cinturão Digital vai trazer um grande avanço para os processos educacionais, a partir da interligação dessa estrutura com o Centro de Educação a Distância. “É um programa revolucionário. O governador faz um grande centro contíguo ao campus do IFCE em Sobral, que vai produzir várias mídias, concentrar pesquisas e esforços para o desenvolvimento dessa modalidade de ensino no Estado”, avalia.

Para o reitor, o Ceará há 20 anos partiu na frente quando o deputado Ariosto Holanda criou as Infovias do Desenvolvimento e todo esse sistema de CVTs e Centec, que estavam interligados por meio da videoconferência numa visão futurística muito aprofundada. “Agora, ela está tomando uma dimensão maior que hoje as pesso-as consideram muito relevante”, acrescenta.

Em Limoeiro do Norte, foi pedido a Jorge Guimarães um programa de bolsas para apoiar o programa de ex-tensão do IFCE no contexto da modernização da agên-cia de fomento, que adota um novo enfoque social, no qual a extensão tem um espaço. O presidente da Capes visitou o CID de Córrego de Areia, que fica ao lado da Es-cola de Ensino Fundamental Antonio de Castro Pereira e o NIT de Limoeiro do Norte.

“O projeto de extensão visa atrair de forma gradual jovens dos rincões a ir tomar os primeiros contatos com a educação tecnológica, a divulgação da ciência, para assim poder proporcionar um caráter formativo, a con-tinuidade dos estudos com formação técnica, inclusão digital”, diz o reitor. Para ele, esta é uma rota para des-

centralizar o que hoje está concentrado na capital.O presidente da Capes comentou que muitas gran-

des universidades não tem a estrutura do campus do IFCE em Limoeiro do Norte, que foi absorvido de uma Faculdade de Tecnologia (Fatec) do Instituto Centec, vinculada ao Governo Estadual, hoje federalizada. Na ocasião, os professores manifestaram a Jorge Guima-rães o desejo de apresentar à Capes uma proposta de mestrado para o Interior na área de Alimentos, em que o campus tem expertise, e para fortalecer o pólo de fruticultura da região do Jaguaribe. “A melhora da for-mação local dá mais condições de sustentabilidade a esses projetos”, raciocina o reitor.

cursos seMiprensenciais são Melhor avaliados

cearÁ partiu na frente coM infovias, cvts, centec

3o Mil professores eM cinco anos

Temos no país um contingente de 85 milhões de pessoas analfabetas funcionais. Muitas delas não tem mais tempo de ir para a escola

IFCE-UAB

Jorge Guimarães, presidente da Capes

10 ciência &tecnologia / junho de 2009 11 junho de 2009 / ciência &tecnologia

video ConFerênCias interLiGação

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ampliação da oferta de vagas, contratação e capacitação de profissionais e liberação de recursos constituem-se investimentos fundamentais na melhoria do processo edu-

cacional no Brasil. Este desafio vem sendo enfrentado pelo Governo Fe-deral como uma de suas prioridades, haja vista que o Brasil, na educação, acumula uma enorme dívida social com o seu povo, sobretudo com as populações mais carentes.

Notoriamente, a expansão da educação profissional e tecnológica, promovida pelo Governo Federal, em parceria com os Estados e Municí-pios, como a recente implantação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), é um exem-plo das ações de enfrentamento des-te desafio.

Os novos 38 Institutos Federais, organizações inovadoras, principal-mente do ponto de vista político-pedagógico, possibilitarão a maior expansão da rede federal de educação profissional e tecnológica, com a expectativa de atendimento a cerca de 1 milhão de alunos nessa modalidade de ensino.

No Ceará, a nova instituição (IFCE) conta, no momen-to, com nove campi localizados estrategicamente em For-taleza, Cedro, Juazeiro do Norte, Maracanaú, Limoeiro do Norte, Sobral, Quixadá, Crato e Iguatu e outros três em implantação (Acaraú, Canindé e Crateús). Em outros dez

a

expansão do ensino profissional e tecnológico

municípios, entrarão em funcionamento os núcleos avan-çados do IFCE, permitindo projeção de 21 mil matrículas até 2010.

Outro aspecto desta expansão remete à criação de 39 Centros de Inclusão Digital e dois Núcleos de Informação Tecnológica, com o objetivo de proporcionar capaci-tação para a população de baixa renda, além de propiciar a popularização da ci-ência e realização de atividades sócio-culturais de interesse dos municípios cearenses e seus distritos.

Desta forma, a criação do IFCE chega no momento em que o Estado começa a atrair grandes projetos es-truturantes, tais como a implantação da refinaria e da usina siderúrgica, a exploração das minas em Itataia e a instalação de usinas de biodiesel. Para a consolidação de tais empreendimen-tos, a educação profissional e tecnoló-gica é fator decisivo, bem como para a sustentabilidade deste processo de desenvolvimento.

Consequentemente, a criação e expansão do Institu-to Federal do Ceará ocorrem articuladas a essas e outras políticas públicas, evidenciando sua capacidade de con-tribuição com o cenário de desenvolvimento do nosso Estado, assegurando sua importância na excelência do ensino e na formação de novos profissionais do mundo do trabalho, fortalecendo o processo de inserção cidadã de milhares de jovens no Nordeste.

Os novos 38 Institutos Federais, organizações inovadoras, principalmente do ponto de vista político-pedagógico, possibilitarão a maior expansão da rede com a expectativa de atendimento a cerca de 1 milhão de alunos

Wilton Bezerra júnior Editor Executivo n [email protected] n [email protected] [email protected] Bezerra Diretor Editor Adjunto n [email protected]ínio araripe Editor Adjunto de Ciência e Tecnologia n [email protected]

apoio técnico centro de Pesquisa e Qualificação tecnológica – cPQtdiretor-executivo edson da Silva almeida

colaboração assessoria de comunicação Social do instituto Federal de educação, ciência e tecnologia do ceará (iFet) / jornalista Marlen danúsia

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editora assaré ltda Me - Rua Waldery Uchôa, 567 A n Benfica, Fortaleza, Ceará n CEP: 60020-110e-mail: [email protected] - Fone/fax: (85) 3254.4469

12 ciência &tecnologia / junho de 2009

desaFio Por Cláudio Ricardo Gomes de Lima

Reitor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará

ciência &tecnologia / junho de 2009

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Pintura a óleo sobre tela do artista plástico Mino Castelo Branco

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