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Capitulo Seis
NIETZSCHE E
A REPRESENTAltAO DO DIONISiACO
A ilusao apolfnea
Pensando 0 conteudo tragico sem referenda a forma da tragedia grega ou
modema Nietzsche foi 0 primeiro a se intitular filosofo tcigico Essa postura
radicalmente nova em relataO a tudo 0 que 0 antecedeu dHideia de tragico deg maximo de sua expressao ao contrapo-la arazao e a moralidade Ela pode ser notada quando Nietzsche afirma no ultimo pedodo de suas reflexoes que e 0
primeiro fil6sofo tragico ou 0 inventor do ditirambo dionisiaco mas princishy
palmenre em seu livro rnais importante Assim falou Zaratustra Pois ao mesmo
tempo que 0 Zaratustra apresenra 0 personagem central superando 0 niilismo
moral e merafisico e tornando-se urn fil6sofo ao afirmar 0 etemo reshy
torno e a inocencia do devir como ponto culminante de urn longo aprendizashydo de tambem evidencia a independencia do com relaao a forma da tragedia dadaasingularidade estilfsticado Iivro que elaboraum pensamento
filos6fico atraves da palavra poeticae de sua constru~iio narrativa e dramatica
Nao sera esse no entanto 0 objeto deste capitulo Pois tendo estudado
essa questao em meu livro Zaratusfra tragedia gostaria agora de
mOstrar como a interpretaao da tragedia do jovem Nietzsche tal como e exshy
posta em 0 nascimento da tragedia enos escritos e fragmenros da epoca - que sera sempre a base das modifica~6es posteriores segue a tradi~ao instaurada no final do seculo XVIII naAlemanha de pensar 0 tragico como uma dualidade
de prindpios metafisicos ou onrologicos Assim 0 objetivo mills geral deste
capitulo e estudar a metaffsica de artista nietzschiana analisando os princishy
pios constitutivos da tragedia - 0 apolineo e 0 dionisfaco eo tipo de relaao
entre eies para situar a positiio de Nietzsche na trajetoriahistorico-filosofica do crigico
Nietzsche e a represenlafiio do dionisiaco 203
o conceito de pode ser compreendido a do principium inshy
dividuationis schopenhaueriano E uma boa maneira de come~ a investigar como 0 jovem Nietzsche concebe 0 individuo quando reflete sobre 0 apoHneo
e sua presen~a na epopeia homerica e partir de uma norao que Ihe esta intrinshy
secamente associada a norao de agon de justa disputa combate rivalidade
Esta no~ao eraocentral em 0 agon em Homero texto sobreadisrincao enshy
tre a teogonia titanica dos horrores e a teogonia olfmpica do jubilo que Nietzsche chega a consideri-la como a mais nobre e mais fundamental das ideias gregas um dos pensamentos mais notiveis da etica grega por libertar o grego do abismo pre-homerico de selvagem crueldade feita de6dioe de prashy
zer destruidorl_
De onde parte Nietzsche para tratar dessa questao Da premissa de que
os gregos os homens rnais humanos daAntiguidade possuem umacaracteshy
rlstica cruel e trazem a marca de urn desejo selvagem de destruiciio l 0 inteshy
ressante no entanto para conlpreender sua concep~ao do apolineo eque ao registrar 0 odio e a cruel volupia do grego Nietzsche nao esta propriamente fazendo urn elogio da vingan~a da impiedade Para e1e no momenta inicial de
sua produ~ao teo rica esse mundo cruel 0 mundo pre-homerico ou ririnico e
que nos da uma imagem da vida dominada pelos filhos da Noite a Discordia
a Velhice a Morte primordiais personificadas da Teogonia de Hcsioshy
do Com isso seu objetivo emostrar como os gregos lidaram com aquestao da
crueldade procurando se proteger de um mundo sombrio atroz aterrador atraves da ilusao artistica homerica rdeia que ele procura esclarecec a partir da distin~ao feita pOl Hesiodo em Os trabalhos e os dias entre duas Eris duas
Disc6rdias Uma a filhada Noite rna perniciosa cruel que fomemaaguerra
e a dissensao levando os homens a se matarem dominados pdo odio a outra
a boa Eris colocada por Zeus entre os homens com 0 objetivo de ineita-Ios a
agir de estimula-Ios para a disputa ajusta Enesse sentido porexemplo quedeg fragmento p6scumo 16[19] escrito entre 0 vedo de 1871 e a primavera de
1872 esclarece A Eris de Hesiodo e geralmente mal compteendida 0 que lInshy
pulsiona as pessoas aguerra e ao conflito e a rna 0 que as impulsiona aos atos
honrosos e a boa
Para distinguir a ideia de agon e a etica grega em que ela se enconrra ja
moral moderna Nietzsche inclusive as palavras de Hesiodo segun 0
as quais pelaboa Eris degoleiro sente inveja do oleiro deg carpinteiro do carpinteishyro deg mendigo do mendigo 0 aedo do aedo E Hesiodo aparece aqui como urn
202
204 o nasdmento do tnigico
testemunho de uma posi~ao generalizada sobre 0 valor do ajonlna Grecia em que Nietzsche indui are Platiio e Aristoteles e do qual ele explicj1ta os predicashydos ou as propriecladesatraves das virtudes homericas da invej-t do cilimeda
cobisa da ambisao Dai enCOntrarmos nesse texto frases do tipo 0 grego einshy
vejoso e sente esse seu tra~o nao como urn defeito mas como a influencia de
uma divindade benifica quanto mais urn grego egrande e nobre tanto mais
eluminoso 0 fogo da ambiltao que dele brota e que devora qualquer urn que
segue 0 mesmo caminho
Logo no inicio desse escritf poStUIllO Nietzsche se pergunta Por que o mundo grego exultavacom as fenas de combate naIlfada A respostae imeshydiata porque os poemas homerlcos sao juStas cantadas porque a epopeia e uma apologia do agon porque a arte epica transforma acrueldade em disputa
Se a repeticao incansaveldas cenas de combateede horror da guerrk de Troia
e contemplada por Homero com delicia eporque a epopeia ea legitimaltao do
combate e da alegria de combater
Ora essa notiio de agon resposta epica aquestiio do sofrimenro cia cruel- dade da morte s6 pode ser compreendida profundarnente pela nOsiio deindishy
vidualidade Com isso quero dizer que 0 agon eo combate individual que cia
brilho aexistencia tornando a vida do indivfduo digna de ser vivida nao pda
busca da felicidade como acontecera a partir de Socrates mas pela busca do
kieos da gloria Nas alt6es her6icas do individuo que conquista a gloria a vida
atinge a perfeiltao Aarte apoHnea e uma j ustificaltao do mundo da individuashy
tao 3 Melhor ainda a epopeia e UITl processo de individuatao que cria 0 indivishyduo atraves da competi~o pela gloria 0 individuo homerico se caracteriza
pelaaristeia peia serie de feitos her6icos que lhe trazem 0 presdgio a gloria 0
renome permitindo-lhe escapar do anonimato do esquecimento 0 imporshy
tante para 0 grego homerico e ter os seus feitos antados petos homens vinshy
douros Viver afitmando-se como individualidade e querer ser lembrado e
a l LdHUdUt llLelana ser Cantado
aedo pelo poeta 0 poetaeo mestre do kleos nosentido de que e ele quem conshy
Nietzsche Siimtliche Werke 1 p787-8 trad bras in Cincoprefdcios p79 Em Humano demaWdo
bumano I sect170 Nietzsche tambem interpreta a boa Eris de Hesiodo como a ambiao que dava
asas aDS genios dos artistas exigindo que suas ob ras se elevassem ao que aseus proprios olhos era
a sem levar em conca 0 gosro reinance
Nietzsche e a representatiio do dionisiaco 20S
fete e transmite a gloria A lliada e a Odisseia sao modos de conferir imortalidashyde pela do poeta
Mas para atingir a gloria e preciso enfrentar a luta e a morte provando sua arete sua excelencia 0 kJeos 0 renome a gl6ria ea recompensa pelo duro
destino do heroi Para obtera imortalidade a gl6riaimorredoura epreciso arshy
riscar heroicamente a vida A epopeia euma das respostas gregas ao problema
da dor do sofrimento da morte4 Ser um individuo her6ico esuperar a morte
proteger-se contra 0 monstruoso da morte tornando-se vivo na memoria dos homens mesmo que se renha de morrer eITl combate Deste modo as atrocishydades narradas na epopeia sobretudo na Ilada visam a ressalrar as dificuldashydes de se atinglr a yida gloriosa mas de tal ITlodo que elas apatesam neutralizashy
das anestesiadas pda figura do individuo heraico 0 que faz da epopeia como
dizo sect24de Onascimentodatragidia 0 deleite no mundo da individualidade
Assim 0 individuo tal como ecriado e apresentado pela epopeia e0 ideal
o modelo 0 exemplo de urn sistema de valores a ser seguido pelo grego que ouvindo fascinado as narrarivas dos feiros dos herois de urn lendirio desvia 0 olhar do que hi de sombrio e tenebroso na vida cotidiana No entanshyto para compreendermos mais profundaITlente como isso se da atnda e
so notar que esse individuo heroico teITl ele ITlesmo urn modelo os deuses A
crialtao do individuo euma consequencia da crialtao dos deuses olimpicos
Como os homens os deuses sao individuos 56 que entre uns e outros ha
uma distancia intransponivel enquanto os deuses que nao comem pao nao
bebem vinho como diz 0 Canto V da Iliada5 nao tern como destino ser morshytos ou seja sao imorrais (enao propriaITlente erernospOlS nao existia essa noshysao na Grecia arcaica) 0 genero hUITlano muda e passa como as folhas6 diz Nietzsche possivelmente pensando na beleza da mecafora com que naIliada 0
troiano Glauco constata 0 fato terrivel e natural da morte comparando os hoshy
mens com as folhas que os ventos atiram ao solo sem vida para que outras broshytern na primavera Nesse sentido os deuses sao moddos modelos
dos quais os homens devem se esforltar para se aproximar mas guarcianshy
do a devida distancia Esse limite inrransponivel entre os de uses e os homens e lembrado por Apolo a Diomedes quando enfurecido em suaaristeia naserie de sellS feitos guerreiros nao mostra reverencia ao grande deus ao tentar matar 0
troiano Eneias sobre quem ele havia estendido os brasos protetores8
Ora ejustamente Apolo deus que Nietzsche privilegia por considerar
que 0 mesmo impulso que nde se materializou engendrou todo 0 mundo
OG o nascimento do trigico
0Iimpico9 quem melhor personifica a ideia de indivfduo Apob ea expresshy
sao a representaa0 a imagem divina do principium individuationis dizNietzsche
apropriando-se da expressao que Schopenhauer havia retirado da escolistica para caracterizar 0 espaco e 0 tempo como condic6es formais do objeto tO
Ideia explicitadaem urn fragmento dessa epoca do seguinte modo Projetanshy
do no passado cinzento do povo os reflexos veneraveis do individuo Apolo
velou para que 0 olhar da multidao guardasse a acuidade que permite recoshy
nhecer 0 individuo no presente ao mesmo tempo que se esfonava para dar
nascimento a novas individuos e para cerci-los de urn charm1rotepoundOr por sishy
nais maravilhosos11 A pulsao apoHnea diferenciadora cria ~~rmas e assim individualidadesO povo de Apolo e 0 povo das individualid~des12
Na etimologia de Apolo Nietzsche encontra duas caracteristicas do aposhylinea 0 brilho e a aparencia Apolo e a divindade da luz Logo no inicio de A
visao dionisiacado mundo escrito preparatorio a 0 nascimentodatmgidia do
verao de 1870 Nietzsche se pergunta em que sentido foi possivel fazer de
Apolo 0 deus da arte para logo responder Apenas enquanto ele eo deus
das representa~6es onfricas Ele e 0 Resplandecente de modo total em sua
raiz mais profunda eo deus do sol e da luz que se revela em seu brilho1J Febo
Apolo e 0 brilhante 0 resplandecente 0 solar E esse brilho essaluminosidashyde que nao e propriedade apenas de Apolo mas dos deuses olimpicos em geshyral ilumina os homens mesmo que estes sejam urn pilido reflexodos deuses
Quanta mais gloriosos os individuos em seus feitos heroicos mais brilhantes eles sao 14
Na epopeia a vida no apogeu de sua superabundancia de for~ e apreshy
senrada sob a luz clara e ensolarada dos deuses E luz aqui obviamente se
contrapoe a trevas Como diz 0 nascimento da tragedia Apolo ultrapassa 0 soshyfrimento do individuo pela gl6ria da luz15 Conceber 0 mundo apolineo como brilhante e segundo Nietzsche estrategia da epopeia para lidar com 0
sombrio 0 tenebroso da vida criando uma proteltao Mas que tipo de proteshy
~ao eessa A concep~ao da poesia epica como proteltao s6 pode ser compreenshy
dida em sua singularidade quando se pensa nela como crialtao de uma ilusao
uma ilusao artistica Assim intrinsecamente ligada a ideia de brillio esta a de aparencia
A ideia de individuo apolineo tal como aparece na interpre~o nietzshyschiana da epopeia em 0 nascimento da tragidia e introduzida por uma cons ishy
deraltao sobre a manifestaltao fisiol6gica do sonho Eassim que 0 sect1 diz que
em sonho apareceram primeiro as esplendorosas figuras divinas que fa-
Nietzsche e a representa~ao do dJOnisiaco 207
zem com que a arteapawa como urn jogo com 0 sonho Acredito que aosalishy
entar 0 carater onirico da epopeia Nietzsche esteja privilegiando na arte
apolinea 0 olhar a imagem a forma a figura A tal ponto que mesmo quando no Crepusculodosidoloselesubstitui 0 sonho eaembriaguez como caracteristishycas do apolineo e do dionisiaco por duas variedades de embriaguez defmira 0
apolfneo como a embriaguez que excira 0 olho Os deuses homericos com
seus traltos humanos perfeitos sao espelhos em que os homens se olham e se
veem transfigurados em figuras de sonho 0 mundo oHmpico e urn espelho
transfigurador E nessa conremplacao onirica 0 homem senre profundo prashy
zer interior como observa Nietzsche no sect4 de 0 nascimento da tragidia A visao onirica a visao extatica euma protecao urn abrigo que permite olhar com a mesma alegria 0 que hade sombrio no mundo
Sabe-se queo jovemNietzs~ e marcado pelo pensamento de Kantesoshy
bretudo de Schopenhauer Em 0 nascimento da tragidia ele esrrutura sua arshy
gumentaltao a partir das ca[egorias de fen6meno e coisa em si (kanrianas)
de representa~ao e vontade (schopenhauerianas) mas tambem platonicas de
aparencia e essencia (platonicas) N esse sentido uma das originalidades do lishy
vro quanto asua cdtica da metafisica racional e a valorizacao da aparencia
do fenomeno da representacao pela interpreta~olo das figuras de Apolo e dos deuses olimpicos considerados como criacoes de uma arte apolinea Arealidashyde dos deuses olimpicos euma aparencia uma mentira poetica
Essa rela~ao tao intima que Nietzsche estabelece entre brilho e aparencia
lhe permite passardo primeiro ao segundo termo e pensar a prote~ao apolinea
como oculta~ao encobrimentomiddotmiddot A luz e uma ilusao Os deuses e herois epicos
sao miragens artisticas que tornam a vida desejavel Ao transformar em apashy
rencia nolo s6 0 agradavel mas tambem 0 sombrio 0 poeta epico di avida prashy
bull Cf Nietzsche Crepusculo dos idalos Incurs6es de urn extemporineo sect10 Concordo portanto
com Paul de Man quando escreve que 0 sonho nilo e em 0 nascirnento da tragedia a emergencia
de uma verdade mais profunda ocultada pela distra~ao da mente desperra euma merasuperfishy
cie urn mero jogo de fonnas e associa~6es u m conjunro de imagens de luz e cor e nao a escurishy
dao da esfera imerior (Genese e genealogia in Alegorias da leitura p112)
Em alemao a passagem e de Schein a Erscheinung Wilamowitz-Mollendorff prates contra essa assimila~ao de luz e aparencia Certamente Ie umaenorme ousadia fazer de Apolo que pel a raiz de seu nome Ie 0 brilhantegra~as a umjogo de palavras 0 deus da aparencia iscoedaapashy
rencia da aparencia da verdade superior do sonho que contrasta com a realidade diurna pouco
compreens[vel (Filologiado fmuro primeira parte in Machado (org) Nietzscheeapolemicasoshy
bre 0 nascimento da tragidia p61)
208 o nascimento do tragico
zer e alegria Os deuses sao urn I1spelho luminoso que os gregos colocaram entre eles e as atrocidades da vid~ Como escreve Nietzsche no sect2 de A visao
dionisiica do mundo 0 mund6 brilhance do Olimpo s6 venceu porque era
preciso ocultar pelas figuras luminosas de Zeus Apolo Hermes ecc a sombria
atividade da moira do destino que impile a Aquiles morrer jovem e aEdipo
contrair urn casamento abominaveL
Quando no sect3 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche investiga os fundashymentos da culrura apolinea em busca da necessidade que levou acriruao dos deuses homericos 0 que descobre e 0 sofiimento 0 sofrimento com os terrores e atrocidades da existencia tao bern representados pelos poderes ciCltinicos da
natureza E no sect1O ele complementa essaanilise esclarecendo que 0 epos hoshy
merico e a poesiadacuituraolimpicacomaqual estacantou 0 seu proprio canshy
tico de vitoria sobre as terrores da titanomaquia Ideia que Erwin Rohde 0
fil6logo amigo de Nietzsche comenta em sua resenha recusada sabre 0 nascishy
mento da tragedia em termos bern schopenhauerianos ao escrever que a obra de arte epica exercira no mais altO grau 0 poder de libertar cia violencia da vontade
que move todas as coisas Se 0 insuponavel do sofrimento exige a proteltao da
arte como meio de tomar a vida suportavel a solult10 homerica evelar encobrir
o sofrimento criando uma ilusao protetora contra 0 ca6tico eo informe Essa
ilusao e 0 principio de individualtiio 0 indivlduo essa crialtiio Iuminosa e apashy
rente de Homero da decorrem 0 Estado a patria a familia eurn modo de
aliviar a atmosfera opressora da existencia 0 modo de triunfar do sofrimento apagando os seus trruos ou dele se esquecendo
Esse mundo apolineo criador do individuo como luminosidade e apashy
rencia possui solidamente unidas uma dimensao estetica e uma dimensao
etica a que se tern acesso pela noltiio de medida
Beleza no sentido propriamente estetico emedida harmonia equiHbrio
simetria ordem proporltiio delimitaiio Apolo e 0 deus da beleza e0 slmbolo
do mundo considerado como bela e ilus6rio e por isso do mundo da arte Sob 0 seu nome diz Nietzsche em Onascimento da tragedia reunimos as inushymeriveis ilusoes da bela aparencia que a cada instante tornam de algum
modo a existencia digna de ser vivida e impelem a viver 0 moment~inshy
tegtl6 Segundo A visiio dionisiaca do mundo e 0 nascimento da tragidia a beleshy
za e 0 elemento de Apolo a bela aparencia do mundo dos sonhos eseu reino
Mesmo irado triste ou de mau humor a gralta da bela aparencia niio 0 abanshy
Nietzsche e a representafao do dionislaco 20~
dona 17 Alem disso e nesse espelho apolineo que se consrr6i a imagem dos hoshy
mens como belos reflexosdos deuses A imagemdairade Aquiles eparade [0
artista epico] apenas uma imagem cuja expressao raivosa ele desfruta com
aquele seu prazer onirico na aparencia18 Asingularidade da arte apolinea ea
-uv de urn veu de beleza que encubra 0 sofrimento E 0 que diz por exemshy
deg fragrnento postumo 7[91] escrito entre 0 final de 1870 e abril de 1871
Nao hi bela superflcie sem uma profundidade aterradora Ideia que aparece de modo ainda mais schopenhaueriano no fragmento 7[27] da mesmaepoca quando depois de pergunrar 0 que e 0 bela Nietzsche responde imediatashy
mente Uma sensacao de prazer que nos ocultaem seu fenomeno as verdadeishy
ras intenltoes da vontade Ou em A visao diorusiaca do mundo sect4 quando
depois de perguntar 0 que e a beleza responde no mesmo sentido A rosa
ebela significa apenas a rosa tern uma bela aparencia tern alguma coisa de
brilhante que agrada Nada se diz do seu ser Elaagrada ela faz nascer 0 prazer como aparencia 0 que significa dizer que a vontade e tranqUilizada por seu
aparecimento que 0 prazer de ekistir aumenta
Mas esta dimensao estetica da beleza esci intrinsecamente ligada a uma
dimensao erica Nestesentido beleza e calmajovialidade serenidade sapienshy
te tranquilidade limita1io mensurada Iiberdade com relaltiio as emooes
Apolo deus da bela aparencia etambem a divindade etica da medida e des
justos Iimites Essa face de ApoIo e do individuo apolineo e ilustrada no inishy
cio de 0 nascimento cia tragedia com uma camparacao bastante expressiva retishyrada de Schopenhauer Assim como em meio ao mar enfurecido urn
barqueiro esra sentado em seu bote conftando na frigil embarcaltao assim
tambem em meio a Urn mundo de tormentoso homem individual esta transhy
apoiado e confiante no principium individuationis19 A serenidade
nea eo emblema da perfeilt3o individual E para que os limites apolfneos sejam
mantidos Apolo exige do indivfduo 0 conhecimento de si Junto com 0 nada em demasia nadaem excesso 0 outro principio sagrado inscri to no templo
de Apolo e conhece-te a ti mesmo20 Conhecimento de si que nao euma inshy
trospecltao psico16gica a constituiltao de urn mundo interior uma conscienshy
cia reflexiva mas urn espelhamento na figura na imagem do deus urn jogo de
espelhos pelo qual 0 homem se ve como bela reflexo do deus da beleza e da meshy
elida que ele mesmo criou Homero e urn poem da exterioridade
210 o nasdmento do tragico
A tenta~ao dionisiaca
Hi em Nietzsche urn evidente dogio da epopeia como modo ardstico de dar
sentido it vida pela expressao de uma superabundancia de pr6pria do
individuo her6ico Mas essas analises sao bastante reduzidas como se 56 exisshy
tissem para esclarecer um saber bem mais importance e profundo do que 0
apolineo 0 saber trigico De fato se Nietzsche nunea se denominou urn filoshysofo apo[fneo eporgue sempre esteve acento aos limites de uma visao apolinea do mundo Esses limites sao de dois tipos
o primeiro consiste naimpossibilidade de 0 apolineo se apresencar como
alternativa it racionalidade 0 tema nao e muito explicitado por Nietzsche
mas e possivd encontrar_DO pedodo inidal de sua obra algumas passagens
que constatam a apropri~o de Apolo pdo saber racionaL Eassim que 0 fragshymento p6stumo 3[36J de 1869-70 aproximaPlatio de Apolo dizendo que em Platio 0 mundo e visto do ponto de vista de Apolo ou do ponto de vista do
olho sua filosofiae uma glorificaltao supremadas coisas como imagens orishy
ginarias 0 fragmento 7[102] escrito entre 0 final de 1870 e abril de 1871 ao
mesmo tempo que diz na linha de 0 nascimento da tragedia pois se trata de
uma de suas teses centrais que S6crates recusa os misteriJs dionisiacos
tambem enuncia a tese muito menos explicitada no livro de que S6crates se apegaaApolo 0 fragmento8[131 do pedodode 1870-71 ao outono de 1872
caractedza Socrates como mestre apoHneo indicando que sua serenidade de artista se nlanifesta na maieutica Socrates e a tragedia un1a das confeshy
rencias que estao na origem do livro pronunciada na Basileia em 12 de [evereishy
ro de 1870 diz que em Socrates encarnou-se urn aspecto do clemento grego a
dareza (Klarheit) apolinea Ideia que reaparece no sect14 de 0 nascimento da trageshydia que ao se perguntar se entre a socratismo e a arte hi necessariamente uma rela~ao antagonica lembraque na prisao Socrates compos urn hino em homeshynagem aApolo e versificou algumas fabulas de Esopo referindo-se entio asua lucidez (Einsicht) apoHnea E nesse mesma item Nietzsche refere-se a Platio
a tendencia apoHnea mumificou-se em esquematismo 16gico
a rela~ao entre 0 apolineo e a racionalidade se evidencia mais uma
vez quando Nietzsche chama a nova comedia de inspiracao de seshy
renidade do escravo e serenidade alexandrina21 Ou quando retoma essa
ideia na Tentativa de autocritica ao ver continuidade entre serenidade e ciencia ao falar de serenidade do homem teorico ou dizer que os gregos nos
Nietzsche e a representa~ao do dionisfaco 211
mJod= diolu raquaa CO mam m oumi~m l6gi
mais serenos e mais cientificos22 Todas essas indic~6es eVldenciam porranto
que se Nietzsche nao se denomina urn fil6sofo apolineo e Doraue ve nisso
ou uma insuficienci no sentido de que abandonado a 5i messhy
moo saber apolineo transforma-se em saber radonal
o segundo limite da visao apoHnea tal como aparece na epopeia eo fato
de ela nao ser uma afirma~ao integral da vida Como uma prote~ao contra 0
terrivel da dor do sofrimento da morte que funciona como encobrimento 0
saber apolineo evidencia-se parcial ao deixar de ladoalgo que nao pode serigshy
norado e fatal mente se imp5e a outra forp artis ticada natureza 0 dionisiaco
56 consigo pois explicar 0 Estado d6rico e a arte d6rica como urn continuo
acampamento de guerra da forlta apoHnea s6 em uma incessante resistencia
contra 0 cariter titwico-barbaro do dionisiaco podia perdurar uma arte tao desafiadoramente austera circundada de baluartes uma educa~ao tao belicoshysa e ispera urn Estado de natureza tao cruel e brutal diz 0 sect4 de 0 nascimento
da tragedia Oeste modo ao analisar a epopeia Nietzsche 0 faz por oposicao ao
saber dionisiaco a sabedoria popular que grita infelicidade infeicidade
na cara da serenidade apolinea ou que na boca de Sileno 0 companheiro de
Oioniso revela rindo que 0 bem supremo irnpossivel ao homem e nao ter
nascido e 0 segundo dos ainda acessivel e morrer 0 quanta antes23 A
Grecia ensinou a Nietzsche ensinamento que the foi uti inclusive na commiddot do seu Zaratu5tra qll- uma cultura apolinea ao pretender negar 0
lado sombrio tenebroso da vida pela criaao da i1usao do individuo her6ico e
impotente contra urn saber aniquilador da vida tal COIRO 0 que se manifesta
no culto a Oioniso Em tudo que 0 dionisiaco penetrou 0 apolfneo foi suspenshy
so e aniquilado24
o que e entao 0 dionisiaco nietzschiano Fundamentalmente 0 culto
das bacantes Isro e 0 culro manifestado nos conejos orgiisticos de mulheres que em transe coletivo dan~ando cantando e toeando tamborins ern homa de Dloniso invadiram a Grecia vindas da Asia para fazer seu deus ser reconhe-
Ebern possive que Nietzsche tenha aprendido com Jacob Burckhardt
seu colega na Basileia acaracterizacao de Oioniso como urn deus semigrego
Eis 0 que escreve Burkhardt em sua Histolia da cultura grega POl wis da mascashy
ra do deus da fertilidade se oculta um ser meio cstrangeiro Uma das personifishycaoes do deus ern paixao (que acreditarnos ser um deus camica) adquiriu no
212 o nascimento do trligico
extremo oriental daAsia menor entre os frigios como tambem entre os traeishyos um ritmo selvagem e embriagador e em repetidas invas6es conseguiu reimshyplantar na Grecia 0 culto de Dionisomiddot Tambem Erwin Rohde amigo de
Nietzsche e autordePsyche livro publicadoem 1893 defende que 0 dionisiaco
representa urn corpo estranho na cultura gregahomerica 0 que 0 leva a situar
a origem de Oioniso fora das fronteiras da Greaa na Tracia e a explicar Sua
expansao a maneira de epidemias de danas convulsivasz5 Inclusive ao coshymentar 0 nascimento da tragedia em sua resenha- publicada ern maio de 1872
poucos meses portanto depois da publica~odo livro - Rohde ja defende que o entusiasmo panteista vindo do Oriente espalhou-se em ondas possantes pela Grecia Mas epreciso assinalar que jtt Holderlin chama 0 i0 niso urn deus estrangeiroZ6 considera-o deus dos elementos asiiticos27 Essa ideia pareshy
ce ser inquestionavel para os pensadores filologos ou nio do seculo XIX
Seja ou nio correta a ideia de urn Dionisoestrangeiro no sentido de nasshycido fora da Grecia interpretaao hoje negadapelos fil6Iogosmiddotmiddot 0 importante e que 0 culto mistico a Dioniso urn estrangeiro terrfvel28 significa para Nietzsche a neg~ao dos valores principais dacultura apolinea Em vez de urn
processo de individuaao e uma experienciade reconciliasao entre as pessoas
e das pessoas com a natureza uma harmonia universal e urn sentimento misshy
tico de unidade Sob a magia do dionisiaco toma a selar-se nao apenas 0 lalto
de pessoa a pessoa mas rambem a naturezaalheada inamistosa ou subjugada
volta a celebrar a festa da reconciliasao com seu fdho perdido 0 homem diz o sect 1 de 0 nascimento da tragedia
Burckhardt Hist6ria de La cultura grega tome II p112-3 Heidegger formula a hiperese de que
Burckhardt ja esrava no encal~o do ancagonismo entreoapolineo e 0 dionisfaco em suas confeshy
reneias sobre a civiliza~ao grega tealizadas na Basileiaaque Nietzsche em parte assistiu (cf
Nietzsche I p99) Eis como Nietzsche se refere it relruaoenm de e Burckhardt a respeito do dioshy
nisiaco no CrepUsculo tks idalos 0 que devo aos antigosD sect4 Fui 0 primeiro que para compreshyender a instinto heleruco mals antigo ainda rico e mesmo transbordante levei a serio 0
maravilhoso fenomeno que cern como nome Dioniso 0 qual s6 e explieavel par urn exeesso de forlta Quem se dedica ao escudo dos gregos comoJacob Burckhardt da Basileia a mals profun do conhecedor ainda em vida de sua culrura se deu logo conca da impartancia que lsso ctnha Burckhardt acrescentou aSUa Cultura do grego sesao especial sabre esse fenomeno
U Para Marcel Detienne nao hi duvida sobre a origem grega ~niso embora e1e scja 0
Estrangeiro porrador de estranheza 0 Esrrangeiro do interior (Dioniso a ceu aberto p21 26
37) Para Louis Gernet ao mesmo tempo que 0 dionisismo nao e uma religiao que vern de fora
Dioniso faria pensar no Dutro (Dionysos et la religion dionysiaque elements herites et tralS originaux in Anthopologje de La Grece antique p116 114)
Nietzsche e a nepresentafiio do dionisiac 2P
A experiencia dionisiaca ea possibilidade de escapar da divisao da muldshy
plicidade individual e se fundir ao uno ao ser ea possibilidade de integraao
da parte na totalidade Nietzsche enuncia is so ern linguagem entusiasmada
Camando e dan~ando rnanifesta-se 0 homem como membro de uma cornushy
nidade superior ele desaprendeu a andar e a falar eesra a ponto de danltando
sair voando pelos ares De seus gestos fala 0 encantamento Assim como agora
os animais falam e a terra cia le~te e mel do interior do homem tambern soa
algo de sobrenatural ele se sente deus carninha tin extasiado e enlevado
como vira em sonho os deuses caminharem29 Alias em sua resenha recusada
pelo editor Rohde salienta esse aspecto da experiencia dionisfaca ao escrever
que no encantamento ardente proporcionado pelo dionisfaco 0 homem
sente-se assim como Prometeu libertado livre de todas as amarras da indivishy
dualidade movido porurnaliberdade poderosaeilimirada transportado pela
tempestade de uma alegriae de uma dor nuncaantesexperimentada30
Essa reconciliacao com a natureza aparece com toda a pujana no texro que a meu ver mats inspirou Nietzsche na caracterizacao do culto dionisfashy
co As bacantes de Euripides Pois e importante nao esquecer que embora
Nietzsche critique a tendenciasocririca de Euripidese the impute a mone da
tragedia ele considera As bacantes obra escrita urn ano antes da mo rte de seu
autor - urn arrependimento Eis como esse Euripides tardiamente dionisiaco
canta a uniao das bacanres com a natureza 0 chao regurgita de leite de vishynho do nectar das abelhas31 Umas bacantes usam em vez de cinto serpenshy
tes que lhes lambem 0 rosto Outras segurando fdho~s de corcas e de lobos
selvagens dao-Ihes os seios ainda tllrgidos maes que abandonaram os mhos
recem-nascidos Todas elas coroam-se de hera de carvalho ou de flo res silvesshy
tres Vma delas bate com 0 tirso numa rocha e faz jorrar agua pura Omra fere
o chao com sua haste e 0 deus faz brotar uma fontedevinho As que desejam 0
alvo leite esfregam 0 solo com os dedos e 0 recolhem em abundancia Da hera dos tirsos escorre 0 doce mel3~ No jlibilo mfstico as fronteiras da individuashy
ao desaparecem Todas as fronteiras de castas que a necessidade ou 0 caprishy
cho estabeleceram entre os homens desaparecem 0 escravo e 0 homen1livre 0
nobre e 0 plebeu se unern nos mesmos coros baquicos diz Nietzscheraquo E poshy
de-se lcrescentar no mesmo espirito que desaparecem Oll se atenuam ao
maxiJt1o as diferenltas entre masculino-feminino birbaro-civilizado velhoshy
jove~ louco-sabio i
214 o nascimento do tragico
1sso q uanto asubstituiltao da individualiza~ao pela reconcilialtao Em seshygundo lugar 0 culto dionisiaco tarnbern significa 0 abandono dos preceitos apolineos da rnedida e da consciencia de si Em vez de medida 0 que se manishy
festa na celebraltao das bacantes e a hybris com a mllsica extatica magica enfeishy
tiadora apresentando a desmedida a desmesura da natureza exultante na
alegria no sofrimento e no conhecimentO34 Adesmesura se revela como vershy
dade no sentido de que iibeleza da medidaseopoe a verdade da desmesura ou
de que amentiradaciviliza~ao se opoe a verdade da natureza Na pecade Eurishy
e Penteu 0 rei de Tebas principal representante da ao instinshyto aforlta dionislaca quem denuncia que as mulheres de Tebas abandonaram seus lares pelas bacanais permanecendo nas florestas sombrias danltando em
homa de uma nova divindade urn impostor urn encantador vindo da Lidia
que as esta iniciando nos misterios baquicos35 0 cuIto dionisfaco em vez de I
delimita~ao calma tranquilidade serenidade apolineas impoe um comporshy
tamento marcado por um extase urn entusiasmo um enfeiticamento urn freshy
nesi sexual uma bestialidade namral constituida de volupia e crueldade de forlta grotesca e cruel
Do mesmo modo em vez da consciencia de si apolinea 0 culto dionisiaco produz uma desintegra~o do eu uma aboliltao da subjetividade ate 0 total esshy
quecimento de si um desprendimento de SI proprio a dissoluao do eu no
um abandono ao extase divino aloucura mistica do deus da possesshy36
Sii0 No das Bacantes Dion1so esclarece que pelo fato de suas Gas as
irmas de sua mae Semele 0 terem insultado declarando nao ser ele filho de
Zeus negando porranto sua condioao divina ele compeliu as mulheres de Tebas a deixar seus lares e a morar nos altos montes usando apenas a roushypagem orgiastica E logo a seguir 0 cora das bacanres em sua primeira intershyvenltao enaltece sua orgia sagrada Feliz daquele que se inicia nos misterios
divinos Ihes consagra sua vida e santifica sua alma purificada nas bacanais da montanha37
Mas a melhor ilustraltao da perda da consciencia caracteristica do extase
do entusiasmo do enfeitiltamento dionisiaco e 0 comportamento de Agave -shyfilhade fundadordeTebas e irmadeSemele mae de Dioniso-quanshydo seu filho Penteu culpado por querer contemplar aquilo que nao epermishytido ver quando nao se e bacante vai observar as bacantes sem que elas notem
mas 0 deus as faz descobri-Io e enfurecer-se contra ele Penteu acariciando 0
rosto de sua miie pede-Iheque se apiede dele e nao asacrifique Agave emdelf-
Nietzsche e a representa~ao do dionisiaco 215
rio pando muira espuma pela boca e revirando os olhos desvairadamente como se Baco a possuisse38 nao 0 ouve esquarteja-o ajudada por suas duas irmas e lanlta os restosde seu corpo ern todas as direcoes Oepois toma a cabeshy
lta que ela imagina ser a cabelta de urn leao e a leva em procissao para Tebas
espetada em seu tirso mostrando-a pelo caminho Em Tebas ela a entrega a
seu pai Cadmo que se lamenta com essas palavras bern elucidativas da aminoshy
mia entre a conscienciaapolinea e 0 delirio dianisiaco Quando recuperardes
vossa lucidez sofrereis atrozmente vendo a vassa feito Ese deveis permanecer
ate 0 fim nesse estado se a felicidade vos menos ignorais vossa
desventuralmiddot
Como se ve apesardaoriginalidade na determinaltao dessas duas fonasshy
o apolineo e 0 dionisiaco- a tese de Nietzsche a respeito daexistencia de uma
oposiltao entre elas se insere perfeitamente no tipo de pensamenro caracterisshy
tico da filosofia do tragico desde 0 final do seculo XVIII que postula a divisao
entre uma Grecia marcada pela serenidade ou simplicidade caracteristica que
lhe da Winckelmann e uma Grecia arcaica sombria violenta selvagem miseishy
ca extatica como aparece bern daramence ern Holderlin Em 0 nascimento da tragedia possivelmente pensando em Winckelmann Nietzsche se insurge conshy
traa ideia de que aartegrega possa ser explicada por urn untco principio Maf nao se pode esquecer que isso nao eu ma navidade de sua filosofia pais para
toda a filosofia do trigico nao se trata mais de interpretar a arte grega como
nobre simplicidade e serena A tal ponto que mesmo os
pensadores do tragico postulam em sua reflexao sobre a tragedia uma harshy
monia ela eo produto de uma oposiltao de prindpiosmiddotI bull
E interessante observar que 0 nascimento da tragedia retoma a distincao d~ Schiller entre 0 ingenuo e 0 sentimental forrnuladaem seu livro Poesia ingenua
esentimental para pensar 0 apolineg e 0 dionisfaco Partindo da ideia do ingeshy
nuo como harmonia ou unidade dd homem com a natureza Nietzsche aproshy
a seu modo dadistinltao de Schiller considerando 0 ingenuo no sect3
bull Asbacante5 1258-6L a fragmenco poswmo 14[14] da primavera de 1888 a meu ver bemem
continuidade COm 0 na5ci_ da tragedia define 0 dionisiaco 0 desmesurado 0 selvagemo
asiatico U utna vontadede focmidavel [UngeheucrJ pot U uma tendencia irresisrivel aunidade
urn slm excasiado ao carater total da vida sempre a 5i proprio em meio ao que muda a
grafeSlmpatia panteiscana alegriae nador define por ourrolado 0 apolineo LIma vontade
de Tdlda como a rendencia ao set-pata-st ao
216 o nasdmento do tragico
de 0 nascimento da tragidia 0 efeito supremo dacivilizaltio apollnea 0 total
engolfamenro na beleza da aparencia No fundoo que 0 nascimento da trage
dia faz e explicar 0 ingenue peIo apoHneo Assim se Homero e urn inge
nuo como 0 considerava Schillet39 e que a ingenuidade hometica s6 pode
set compreendida como uma vit6ria rotal da ilusiio apoHnea E se Nietzsche
nao e muito explicito no livro sobre a util~ desses conceitos de Schiller
principalmente 0 de sentimental 0 fragmento pOstumo 7[126] escrito entre 0
final de 1870 e abrilde 1871 val mais longequando afirma Penso interpretar
ingenuo corretamente por puramente apolineo aparencia da aparencia e
sentimental em compensagtao por nascidodaluta do conhecimento trigico
e da mistica E vendo dificuldades no conceito de sentimental 0
Nietzsche torna mais preciso 0 seu pensamentodizendo Compreendo como o opOSto absolute do ingenuo e do apoHneo 0 ltdionisiaco isto e tudo 0 que nao e aparenciade aparencia mas aparencia do ser reflexo da eterna unidashyde originiria
Mas a refenncia essencial de Nietzsche para interpretar a mitologia e a
arte gregas e como sempre nessa epoca Schopenhauer E se 0 nascimento
da tragedia se baseia em 0 mundo como vontade e representafdo isso significa
principalmente que os conceitos mais abrangentes da analise nierzsc~iana da rragedia 0 dionisiaco e 0 apolineo sao penados a partir dos conceitos schopenhauerianos de vonrade e represent~ transformados na lingua gem nierzschiana em uno originirio e aparencia
Ja me referi a rela=ao entre a aparencia nietzschiana e a rprpenl~r() schopenhaueriana ao estudar 0 apolineo como 0 dominio do princfpio de in
dividua~ao) do ser fenomenal da aparencia Mas rambem me parece evidente
que 0 conceito de dionisiaco e fundado metafisicamente no uno originirio
unidade existente alem au aquem da represent~ que por sua vez e uma reo tomada da vontade universal de Schopenhauer 0 que ha entao de comum entre a concepao de vontade em Nietzsche e Schopenhauer
Se eevidente como me parece que a estrururada argumentaltao de 0 nas
cimento da tragedia parte de uma separaltao radical entre 0 apolineo
como individualtao e 0 dionisiaco pensado como totalidade os dois
comum a interpreta~ao da vontade comolinica universal Pode pareshy
cer dificil defender essa posi~ao pais se encontram em Nietzsche afirma=oes que vao en sentido diferente Penso em fragmentos da epoca como a Vonta
de e a forma mais geral do fenomeno Ou 0 que diz A vontade pertence a
Nietzsche e a representa~iio do dionisiaco ~~7
aparencia A vonrade eja uma forma de fenomeno Ou ainda 0 que
ltliz Toda a vida pulsional s6 nos econhecida - devo acrescentat contra
Schopenhauer - como representalt3o e nao segundo sua essencia e Dooe-se
mesmo dizer que a propria vontade de Schopenhauereapenas a forma mais ~l
geral de algo que perrnanece inteiramenre indecifravel essa forma original~ da manifestaao a vontade consegue no entanto uma expressao simb61imiddot~
-r ca sempre mais adequada no desenvolvimento da mnsica40f
Apontar tais afirma=oes nao me parece no entanto uma objeao imporshy~ j
tante Primeiro porque encontramos fragmentos damesma epoca que enunshy~ 7J clam ourra posiltao Por exemplo Na vontade s6 hi pluralidade movimenco ~
pela representaltao a vontade e universal a represenraltao 0 que diferenshy
cia ou aquele que opoe a no~ao epica de agon a de regime tragico esc1areshyemdo que esta ultima faz frente ao egosmo- middotdt-ittdividualidade e dele se protege colocando-o a servio da totalidade41
Segundo porque quando me pergunto qual dessas inrerpretaoes privileshy
giar parece-me evidente que as fragmenros postumos devem set interpretashy
dos a partir das obras publicadas na epoca peio proprio auror pois sao essa~
obras que expressam com mais clareza e sistematicidade a dire~ao que ele da
aos pensamentos que lhe surgem enquamo investiga determinado tema Assim a meu ver no caso preciso de saber qual a posiiio de Nietzsche sobre a vonrade e preciso se voltar para 0 nascimento da tragiJia E a esse nao
acho que no livro uma critica a Schopenhauer que por razoes
ticas isea e pelo faro de seus maiores amigos como Rohde Overbeck ou
Wagner serem schopenhauerianos Nietzsche teria eSGondido Ou que ainda
usando uma cerminologiaschopenhaueriana Nietzsche ja apresenre urn penshy
same~co rotalmente diferente daquele que encontrou no fil6sofo que consishy
deravt seu mestre
Cercamente ja na epoca de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz varias criticas a Schopenhauer par exemplo aideia de que aarre seja nega=ao da vonmiddot
tade Nao penso pOtem que a leitura do livroedosescriros que the deram orimiddot
gem permtta conduir que a pluralidade ou a multiplicidade ja se encomra na
vontade ou que a vonrade nada mais edo que a aparencia Parece-me ao canmiddot
tnirio que 0 uno originario nietzschiano quando pensado em 0 tragedia como um principio ontol6gico opoSto aaparencia fenomenal e como
a vontade schopenhaueriana unico eterno incondicionado 13 esse sentido da
expressao uno originario que permite por exemplo compreender a caracteshy
218 0 nascimento do tragico
riza~ao do dionisiaco barbaro no sectl do livro Agora gra~as ao evangelho da
harmonia universal cada qual se sente mo s6 unificado condliado fundido
com 0 seu proximo mas urn como se 0 veu de Maia tivesse sido rasgado e reduzido a tiras esvoacasse diante do misrerioso uno originario Ou mesmo a concepltiio da tragedia no sect7 0 efeito mais imediate da tragerua e que deg Estado e a sociedade tudo 0 que constirni urn abismo uma separ~ao entre
homem e homem daD lugar a urn sentimento todo-poderoso de unidade que
reconduz ao amago da natureza 0 que me conduir que 0 dionisiaco e
fundado metafisicamente no uno origiruirio que e uma retomadada vontade
universal de Schopenhauer isto e da vontade considerada como nlicleo do
mundo essencia das cOlsas forlta que etemamente quer deseja e aspira Acredito que s6 interpretando a vontade desse modo e possivel dar coma da tese do livro sobre a tragedia como rel~ entre 0 apolineo eo dionisiaco
A dialetica e 0 sublime na recondliafao tragica
o estudo das duas pulsoes esteticas da natureza mostrou que 0 apolineo tal como se manifesta na poesia epica reprimiu a principio os sombrios impulshysos dionisiacos mas essa repressao foi incapaz de reter a torrente invasora do dionisfaco42 que pouco a pouco como ilustra As bacantes de Euripides disshy
solvia abolia engolia as fronteiras apolineas No entanto se 0 apolineo e- 0 I
dionisfaco aparecem ate aqui em antagonismo luta discordia esse antagoshy
nismo nao e a ultima palavra de Nietzsche - como ja transparece no inicio de
o nascimento da tragedia ao se referir as duas forcas da natureza
Nietzsche salienta nao s6 a lura incessante entre elas como tambem a intershyven~ao de peri6dicas Nesse sentido uma das finalidades do livro e justamente apontar como depoisde prolongada luta esses dois
50S atraves de uma uniiio conjugal geraram a arte tragica Ideia
que Nietzsche expressa em termos diferentes mas proximos quando se refere
it laquoalian~a fraterna it ao pacto de it redproca necessidashy
de a propor~o redproca aD contato e intensifica~ao redprocos encre Apolo e Oioni5O43 Assim sua palavra final a respeito da tragedia no primeiro livro nao e 0 antagonismo mas a reconcilialtiio
Significara isso um hegelianismo de Nietzschei No sect3 de sua Temativa
de autocritica a 0 nascimento da tragedia ele se ve retrospectivamente como 0
~
f~ ~ Nietzsche e a repre5en~ao do dionisiaco 219 ~
f
bull ft
11 disdpulo de urn deus desconhecido que se havia provisoriamente dissimushy
lado ___ sob 0 peso e a morosidade dialetica do alemao _ E e ainaa mais preciso
quando diz no Ecce homo que seu primeiro livro tern cheiro indecorosamente hegeliano dando inclusive como exernplo a concepltao da tragedia em que a oposiltao e transformada em unidade44
Essas formula~oes remetem evidentemente i dialetica que e segundo
Hegel a lei do movimento de retorno do espirito absoluto a si mesmo a lei
encadeamento dos diferentes momentos que constituem 0 espirito
ao percorrer uma serie de etapas em que ele se manifesta de maneira cada vez
mats universal mais concreta Ese nesse processo dialetico a nega~ao tern urn
papel fundamental e porque 0 trabalho do negativo e 0 elemento impulsionashydor a mola propulsora que leva a reconcilialtao e porque peIo processo de neshyga~iio da nega~ao a contradi~iio e superada-conservada ern uma totalidade
mais elevada Assim a dialetica e urn processo de supera~ao-conservacao (Auf
hebung) em que duas ideias opostas se revelam como momentos de uma terceishy
ra ideia que contem as duas primeiras elevando-as a uma unidade superior
Deleuze valoriza a interpretaltao que Nietzsche da de sua propria trajet6shy
ria ao criticar seu primeiro livro como hegeliano para ressaltar os limites da concepltiio nietzschiant do tragico no momenta de 0 nascimento da tragedia e mostrar em que sentido se daa evolu~ao de seu pensamento para umanova concepcao do wigico Eassim que ele apresenta 0 movimento do primeiro lishy
vro de Nietzsche como 0 de uma contradi=ao entre a unidade primiriva e a inshy
dividuaao ou entre a vonrade e a aparencia contradiao que se reflete na
oposicao de Dioniso eApolo e finalmente se resolve pela reconciliacao domishy
nada por emre os dois principlos na tragedia Mais precisarnenre inshy
terpretando a dialetica do tragico corno 0 movimenro da contradi~ao e de sua solultao embora considere que rigorosamente falando o nascimento da nao e um livro dialetico Deleuze defende que sob
fluencia de Schooenhauer filosofo aue nao aDreciava a
ea e expressao dramatica teatral portanto aposhy
linea dessa 45
Isso no entanto niio e sufidente para caracterizar urn hegeIianismo de Nietzsche Pois como temos visto OUtlOS pensadores da mesma epoca OUlate
mesmo imediatamente anteriores a Hegel como Schelling e 0 primeiro Hoi-
I
220 o nascimento do tragico
derlin pensaram de forma mais ou menos semelhante 0 dualismo tragico
como uma unidade dos cOntrarios produzida pe1a inversao de urn dos termos
no outro Quer dizer mesmo queO nascimento da tragidia seja urn livro dialerishy
co talvez isso nao fa~a do Nietzsche dessa epoca necessariamente urn hegeliashy
no pois pensar a tragedia diaJeticamente - q uestao que diz menos respei to a contradiltao ou aoposiyao propriamente do que ao tipo de reJaltiio existente entre os prindpios antagonicos - nao foi uma singuJaridade de Hegel na Aleshymanha do final do seculo XVIII e inkio do seculo XIX
Mas sera 0 livro dialetico Lacoue-Labarthe tambem defende essa posishyltao Sempre interessado em seus estudos na questao da mimesis na modershynidade ele tambem segue essa pista ao investigar 0 ripo de amagonismo
caracteristico da tragedia no primeiro livro de NietzscheAssim ele interpreta
a relayao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco como uma re~ de imitalt3o em que 0 elemento dionisfaco e urn primeiro reflexo uma primeita copia urn prishymeiro espelho do mundo ou davonrade e 0 elemento apolfneo uma imitaltao do dionisiaco A partir daf ele observa que quando 0 antagonismo aparece em
o nascimento da tragedia urn conflieo entre duas forltas ou potincias iguais no
inicio do livro onde a relaltao entre as duas forltas epensadaatraves da metafoshy
ra da uniao dos sexos a 16gica dessa rela~ao mimetica ea dialetica E deste
modo Lacoue-Labarthe e levado aconcluir que para Nietzsche a tragedia e a
filha ou a substituiltao [releve] dialeticada contradiltaoque opoe e nao cess a de referir um ao outro os dois principios antagonicos46
Mas nao seria possivel explicar a relaltao entre essas duas forltas esteticas da natureza - que apesar da tensao que persiste entre elas se cornam compleshy
mentares - de maneira diferente E0 que faz por exemplo Sarah fOfman ao
negar que a relaltiio entre Apolo e Dioniso devaser pensadaa partir 0 modelo
diaietico como uma eontradiCao entre duas ideias que poderiam ersubstishy
tuidas [(relevees] por uma terceira a tragedia Ela prefere pensa-la peIo moshydelo heradftico de uma relaao conflitual entre dois tipos de fora cada um por sua vez vencedor 0 triunfo provis6rio de urn dos dois lutadores dando a
aparencia de uma harmonia enquanto a guerra e a luta sao de faro permashynentes47
Retomando os passos da refl~xao sobre 0 rragico penso que e possivel
compreeI-der essa uniao conjugalr do dionisiaco e do apolineo pela vinculashy
lt30 entre a tematica nietzschiana do tragico e a teoria do sublime que ja foi
usada por Schiller Schelling e Schopenhauer para explicar a reJaltao e1tre os
Nietzsche e a representafio do ltlionisfaco
dois principios constiturivos da tragedia A dificuldade no entanto e que
diferentemente do que acontecia no caso desses autores Nietzsche praticashy
mente nao fala do sublime e quando fala nem sempre parece dizer a mesma
coisa Poisna verdade nio hi uma teo ria do sublime em suaobra mas apeshy
nas uIlfas poucas passagens em que seu conceito aparece em geral para exshy
plicar ttragedia48
A rimeira questao a ser investigada ea seguinte haved em 0 nascimento da tragedia uma concepltao da beleza como forma e do sublime como informe ou da belezacomo sonho e do sublime como embriaguez 0 queidentificaria a bela com 0 apoUneo e 0 sublime com 0 dionisiaco 0 fragmento p6stumo
7[46] do periodo entre 0 final de 1870 e abril de 1871 cheio de questoes sobre
o belo e 0 sublime poderia dar essaimpressao quando diz USe 0 belo repousa
[beruht] sabre urn sonho do ser 0 sublime repousa sobre a embriaguez do ser Mas minha hip6tese nao e exatamente essa Penso inclusive que mesmo esse fragmento parece dar uma pista para pensar a identificacao do sublime nao propriamente com 0 dionisiaco mas com 0 tragico Vimos que quando salishy
entava 0 carater onrdeo da epopeia no inlcio de 0 nascimento da tragedia
Nietzsche nao dizia propriamente que 0 bela era degsonho mas que 0 sonho era
a condiCao do apareciqlento das belas figuras Aqui Nietzsche parece expor
essa mesma ideia ao indicar que 0 bela repousa sobre urn sonho do ser E do mesmo modo tambem parece indicar nao exatamente que 0 sublime seja a embriaguez 0 extase 0 entusiasmo dionisiacos mas que os tenm por base os tenha em sua origem como condiltao fisio16gica
onascimento da tragedia quase nao se refere ao -su---bn-ru-e Mas no final do sect7
hi uma passagem importante para se pensar nao 56 0 que Nietzsche entendia
nessa epoca por sublime como tambem a utilizaltao que faz desse conceito
para pensar 0 tragico Trata-se de uma simples menCao ao sublime como sushy
jeiltao artistica do horror [Udas Erhabene als die kiinstlerische Bandigung des Entsealichenj- ideia que pode ser mais bern compreendida pelo sect3 de A vishy
sao dionisiaca do mundo que define 0 sublime exatamente com as mesmas
palavtas porem emais expHcito do que a breve menltiio de 01ldScimentoda trashy
gedia Sua formul~ao e a seguinte lmporta antes de cudo transformar 0 penshy
samento de desgosto com respeito ao horror e ao absurdo da existencia em~~~
representaltOes que permitam viver sao 0 sublime [aqui os erutores das obras
complecas indicam que Nietzsche anotou na margem do manuscrito 0 mlmeshy
ro de uma pagina de 0 mundo como vontade erepresentctfao] como sujeiltao arclsshy
~ 2~jl~
223 222 0 nascimenro do tragilto
tica do horror eo ridfculo como aHvio artistico do desgosto do absurdo Esses
dois elementos entrela~ados estiio unidos em uma obra de arre que imita a
embriaguez que joga com a embriaguez I Deixando de lade 0 ridiculo que diz respeito ao comico hreio que essas
duas passagens permitem pensar 0 sublime como modelo nao propriamente do dionisiaco mas cia acte tragica como rela~ entrE 0 apolfneo e 0 dionisfashyco Pois nito sera claro que Nietzsche esta dizendo nelas que a tragedia eolushy
gar de uma passagem do horror ao sublime OU mais explicitamente que a
arte sublime da tragedia nao exdui ou reprime 0 terrivel da natureza mas
transforma 0 desgosto com respeito ao horror daexistencia presence no
slaco em representaoes que tornam a vida possiveI
Ora a relaltao entre 0 horror e a represent~ que encontramos nessa ideia esta em continuidade com uma das caracteristicas do sublime em geral independentemente dos teemos que ele relaciona ou do te6rico que 0 conceishy
tuou Estou pensando na existencia de uma desproponao entre esses rermos
desproporao que produz urn conflito Urn desacordo uma dissonancia uma
desarmonia entre des mas que leva finalmente a urn acordo Com isso estou
querendo salientar que Nietzsche se insere na tradi~ao do sublime pensado
a panir da dualidade de principios imagina~ao e razao no caso de Kant senshysivel e supra-sensivel no caso de Schiller intui~ sensivel e contempla~ao absoluta no caso de Schelling representa~ao e ideia no caso de Schopenshyhauer Em Nieczscheessadualidadeeado apolfneoedo 0 quese
observa portanto quando se comparam esses pensadores eque tanto em
Nietzsche quanto em seus antecessores a partir de Kant 0 sublime esempre
definido levando em considera~ao dois termos de nlveis peso ou potencia
diferentes urn marcado pelo finiro pela Iimitaxao pela forma 0 outro pelo
infinito pela ilimitaao pelo informe Essa desproporao essa imensurabilishydade entre um condicionado e urn incondicionado marca 0 pensamento do sublime de Kant a Nietzsche
Deixo de lado Hegel porque ele s6 utiliza 0 conceiro de sublime para caracrerizar a relaltao enshy
tre os elementos sensivel e espiritual na aHe simb6lica sem panamo ver nele importancia
a teoria da tragedia Tambem niiovejo a relevancia do sublime paraa inrerpretacao holderliniana
da tragedia Wagner q uase nilo pensa 0 sublime mas em set Beabwwen ele explica a musica a parshytir do sublime defendendo que ela provoca 0 extase supremo proveniente da consciencia do ilishymitado (Beethoven p33) AMm disso tambem explica 0 drama a panir da musica (p69) COnsideshyrando-o reflexo da rnusica que se cornou visfvel (p77)
Nietzsche e a ~o do dionisiaco
Alem dis so 0 sublime tambem foi sempre pensado como possibilitando
uma apresentaao negativa como disse Kant de uma instfulcia infinita que
pennaneceria inacesslvel se nao fosse refletida no espelho de wna instancia finishy
taFoisempre um modo de apresemar 0 que nao podia ser apresemado 0 que
o supra-sensi vel em Kant e Schiller 0 abso I uto em Schelling a ideia (urn tipo de ideia) em Schopenhauer 0 ilirnitado em Wagner No caso de Nietzsche 0 wonishyS1acO Assim mesmo se um dos teemos e dominante a ele s6 se tem acesso peIo
outro termo marcado por uma inferioridade seja no que diz respeiro agrandeshy
za seja no que diz respeito afor~ apotencia ao poder Urn so pode aparecer
simboIizado pelo outro isto e deixando em parte de ser ele mesmomiddot
Assim os dois tetmos importantes na apropriaiio nietzschiana do sublishy
me sao 0 horror dionisfaco e a representaao apolinea ou a embriaguez e a
inU~ E nessa rela~ao de prindpios opostos nao eo hotTOr dionisiaco que esublime mas a representa~ao teatral do horror Nio e a embriaguez que e sushy
blime mas a imita=ao a representaao apolfnea da embriaguez 0 jogo com a
embriaguez logo que rem como funao aliviar a propria embriaguez Deste
modo 0 sublime nao se identifica ao dionislaco averdade aessencia da natushy
reza Eurn elemento intermediario entre a belezae a verdade entre a bela apashy
renciae a verdade enigmaticae tenebrosa possibilitado pela uniiio de Apolo e Dioniso existente na tragedia Pois na tragedia a aparencia e saboreada nao mais como aparencia como no caso da arte da a epopeia mas como
simbolo como signa da verdade A tragedia arte simb61icaarre em que a vershy
dade esimbolizada expressa a verdade arraves da aparencia da ilushy
sao apolinea da beleza diferentemente da em~ue a beleza e um veu
que oculta a verdade 0 acordo discordante caracteriscico do sublime em
contraposi=ao ao acordo harmonioso do belo que s6 e possivel pela exclusao
pda recusa da essencia arerrorizadora do mundo se da em Nietzsche entre 0
apolineo eo dionisiaco ~ntre as belas formas e a verdade profunda e informe
proveniente de seu desacordo iniciaL Neste sentido atcageciiae a arte sublime
que produz 0 dominio simb6lico do monstruoso da natureza
No sect3 de A visao dionisfaca do mundo que esrou comentando Nietzsche da uma indica~iio
importante de como 0 Seu conceito de sublime esta relacionado ao da tradiao acrescentando
logo a seguir que 0 sublime da urn passo a1em da beleza da bela aparenda porque e sentido romocontradicao 0 fragmento3[42] diz 0 pensamento traglco que concradiz a belezajorra damlisica
224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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I Ensaio sabre atrali-co Rio de JaneiroJorge Zahar 2004 TAMI~IAUxJacques La nostalgie de La Grece a[aube de idealisme allemand Haia Nijhoff
1967 ___ Le theatre des philosophes Grenoblejerome Millon 1995 TERRAY Emmanuel Unepassion allemande Luther Kant Schiller Hiilderlin Kleist Paris
Seuil 1994 WIESE Benno von Diedeutsche Tragodie von Le5sing his Hebbel Hamburgo Hoffman und
Campe 1955 ZELLE Carsten Die doppelte Astbetik der Maderne Revisionen lie5 SchOnen von Boileau bis Nimiddot
etzsche Stuctgart Metzler 1995
Obras complementares
ARENDT Hannah La condition de lhomme moderne Paris Calmann-Levy 1983 ___ Sobre a humanidade em tempos sombrios Reflexoes sobre Lessing in Hoshy
mens em tempos sombrias Sio Paulo Companhiadas Letras 1987 ARlSTOTELES La Poetique trad e noras Dupont-Roc e Lallot Paris Seuil 1980 ___ Poetica rrad preficio inrrodwao comencirio e apendice de Eudoro dtgt Soushy
sa Lisboa Imprensa NacionalCasa da Moeda 1998 5 ed AYRAULT Roger La genese du romantisme allemand Paris Aubier 1976 BENJAMIN Walter OconceitoJecritica de arte no romantismoaemao Sio Paulo Iluminushy
ras1993
204 o nasdmento do tnigico
testemunho de uma posi~ao generalizada sobre 0 valor do ajonlna Grecia em que Nietzsche indui are Platiio e Aristoteles e do qual ele explicj1ta os predicashydos ou as propriecladesatraves das virtudes homericas da invej-t do cilimeda
cobisa da ambisao Dai enCOntrarmos nesse texto frases do tipo 0 grego einshy
vejoso e sente esse seu tra~o nao como urn defeito mas como a influencia de
uma divindade benifica quanto mais urn grego egrande e nobre tanto mais
eluminoso 0 fogo da ambiltao que dele brota e que devora qualquer urn que
segue 0 mesmo caminho
Logo no inicio desse escritf poStUIllO Nietzsche se pergunta Por que o mundo grego exultavacom as fenas de combate naIlfada A respostae imeshydiata porque os poemas homerlcos sao juStas cantadas porque a epopeia e uma apologia do agon porque a arte epica transforma acrueldade em disputa
Se a repeticao incansaveldas cenas de combateede horror da guerrk de Troia
e contemplada por Homero com delicia eporque a epopeia ea legitimaltao do
combate e da alegria de combater
Ora essa notiio de agon resposta epica aquestiio do sofrimenro cia cruel- dade da morte s6 pode ser compreendida profundarnente pela nOsiio deindishy
vidualidade Com isso quero dizer que 0 agon eo combate individual que cia
brilho aexistencia tornando a vida do indivfduo digna de ser vivida nao pda
busca da felicidade como acontecera a partir de Socrates mas pela busca do
kieos da gloria Nas alt6es her6icas do individuo que conquista a gloria a vida
atinge a perfeiltao Aarte apoHnea e uma j ustificaltao do mundo da individuashy
tao 3 Melhor ainda a epopeia e UITl processo de individuatao que cria 0 indivishyduo atraves da competi~o pela gloria 0 individuo homerico se caracteriza
pelaaristeia peia serie de feitos her6icos que lhe trazem 0 presdgio a gloria 0
renome permitindo-lhe escapar do anonimato do esquecimento 0 imporshy
tante para 0 grego homerico e ter os seus feitos antados petos homens vinshy
douros Viver afitmando-se como individualidade e querer ser lembrado e
a l LdHUdUt llLelana ser Cantado
aedo pelo poeta 0 poetaeo mestre do kleos nosentido de que e ele quem conshy
Nietzsche Siimtliche Werke 1 p787-8 trad bras in Cincoprefdcios p79 Em Humano demaWdo
bumano I sect170 Nietzsche tambem interpreta a boa Eris de Hesiodo como a ambiao que dava
asas aDS genios dos artistas exigindo que suas ob ras se elevassem ao que aseus proprios olhos era
a sem levar em conca 0 gosro reinance
Nietzsche e a representatiio do dionisiaco 20S
fete e transmite a gloria A lliada e a Odisseia sao modos de conferir imortalidashyde pela do poeta
Mas para atingir a gloria e preciso enfrentar a luta e a morte provando sua arete sua excelencia 0 kJeos 0 renome a gl6ria ea recompensa pelo duro
destino do heroi Para obtera imortalidade a gl6riaimorredoura epreciso arshy
riscar heroicamente a vida A epopeia euma das respostas gregas ao problema
da dor do sofrimento da morte4 Ser um individuo her6ico esuperar a morte
proteger-se contra 0 monstruoso da morte tornando-se vivo na memoria dos homens mesmo que se renha de morrer eITl combate Deste modo as atrocishydades narradas na epopeia sobretudo na Ilada visam a ressalrar as dificuldashydes de se atinglr a yida gloriosa mas de tal ITlodo que elas apatesam neutralizashy
das anestesiadas pda figura do individuo heraico 0 que faz da epopeia como
dizo sect24de Onascimentodatragidia 0 deleite no mundo da individualidade
Assim 0 individuo tal como ecriado e apresentado pela epopeia e0 ideal
o modelo 0 exemplo de urn sistema de valores a ser seguido pelo grego que ouvindo fascinado as narrarivas dos feiros dos herois de urn lendirio desvia 0 olhar do que hi de sombrio e tenebroso na vida cotidiana No entanshyto para compreendermos mais profundaITlente como isso se da atnda e
so notar que esse individuo heroico teITl ele ITlesmo urn modelo os deuses A
crialtao do individuo euma consequencia da crialtao dos deuses olimpicos
Como os homens os deuses sao individuos 56 que entre uns e outros ha
uma distancia intransponivel enquanto os deuses que nao comem pao nao
bebem vinho como diz 0 Canto V da Iliada5 nao tern como destino ser morshytos ou seja sao imorrais (enao propriaITlente erernospOlS nao existia essa noshysao na Grecia arcaica) 0 genero hUITlano muda e passa como as folhas6 diz Nietzsche possivelmente pensando na beleza da mecafora com que naIliada 0
troiano Glauco constata 0 fato terrivel e natural da morte comparando os hoshy
mens com as folhas que os ventos atiram ao solo sem vida para que outras broshytern na primavera Nesse sentido os deuses sao moddos modelos
dos quais os homens devem se esforltar para se aproximar mas guarcianshy
do a devida distancia Esse limite inrransponivel entre os de uses e os homens e lembrado por Apolo a Diomedes quando enfurecido em suaaristeia naserie de sellS feitos guerreiros nao mostra reverencia ao grande deus ao tentar matar 0
troiano Eneias sobre quem ele havia estendido os brasos protetores8
Ora ejustamente Apolo deus que Nietzsche privilegia por considerar
que 0 mesmo impulso que nde se materializou engendrou todo 0 mundo
OG o nascimento do trigico
0Iimpico9 quem melhor personifica a ideia de indivfduo Apob ea expresshy
sao a representaa0 a imagem divina do principium individuationis dizNietzsche
apropriando-se da expressao que Schopenhauer havia retirado da escolistica para caracterizar 0 espaco e 0 tempo como condic6es formais do objeto tO
Ideia explicitadaem urn fragmento dessa epoca do seguinte modo Projetanshy
do no passado cinzento do povo os reflexos veneraveis do individuo Apolo
velou para que 0 olhar da multidao guardasse a acuidade que permite recoshy
nhecer 0 individuo no presente ao mesmo tempo que se esfonava para dar
nascimento a novas individuos e para cerci-los de urn charm1rotepoundOr por sishy
nais maravilhosos11 A pulsao apoHnea diferenciadora cria ~~rmas e assim individualidadesO povo de Apolo e 0 povo das individualid~des12
Na etimologia de Apolo Nietzsche encontra duas caracteristicas do aposhylinea 0 brilho e a aparencia Apolo e a divindade da luz Logo no inicio de A
visao dionisiacado mundo escrito preparatorio a 0 nascimentodatmgidia do
verao de 1870 Nietzsche se pergunta em que sentido foi possivel fazer de
Apolo 0 deus da arte para logo responder Apenas enquanto ele eo deus
das representa~6es onfricas Ele e 0 Resplandecente de modo total em sua
raiz mais profunda eo deus do sol e da luz que se revela em seu brilho1J Febo
Apolo e 0 brilhante 0 resplandecente 0 solar E esse brilho essaluminosidashyde que nao e propriedade apenas de Apolo mas dos deuses olimpicos em geshyral ilumina os homens mesmo que estes sejam urn pilido reflexodos deuses
Quanta mais gloriosos os individuos em seus feitos heroicos mais brilhantes eles sao 14
Na epopeia a vida no apogeu de sua superabundancia de for~ e apreshy
senrada sob a luz clara e ensolarada dos deuses E luz aqui obviamente se
contrapoe a trevas Como diz 0 nascimento da tragedia Apolo ultrapassa 0 soshyfrimento do individuo pela gl6ria da luz15 Conceber 0 mundo apolineo como brilhante e segundo Nietzsche estrategia da epopeia para lidar com 0
sombrio 0 tenebroso da vida criando uma proteltao Mas que tipo de proteshy
~ao eessa A concep~ao da poesia epica como proteltao s6 pode ser compreenshy
dida em sua singularidade quando se pensa nela como crialtao de uma ilusao
uma ilusao artistica Assim intrinsecamente ligada a ideia de brillio esta a de aparencia
A ideia de individuo apolineo tal como aparece na interpre~o nietzshyschiana da epopeia em 0 nascimento da tragidia e introduzida por uma cons ishy
deraltao sobre a manifestaltao fisiol6gica do sonho Eassim que 0 sect1 diz que
em sonho apareceram primeiro as esplendorosas figuras divinas que fa-
Nietzsche e a representa~ao do dJOnisiaco 207
zem com que a arteapawa como urn jogo com 0 sonho Acredito que aosalishy
entar 0 carater onirico da epopeia Nietzsche esteja privilegiando na arte
apolinea 0 olhar a imagem a forma a figura A tal ponto que mesmo quando no Crepusculodosidoloselesubstitui 0 sonho eaembriaguez como caracteristishycas do apolineo e do dionisiaco por duas variedades de embriaguez defmira 0
apolfneo como a embriaguez que excira 0 olho Os deuses homericos com
seus traltos humanos perfeitos sao espelhos em que os homens se olham e se
veem transfigurados em figuras de sonho 0 mundo oHmpico e urn espelho
transfigurador E nessa conremplacao onirica 0 homem senre profundo prashy
zer interior como observa Nietzsche no sect4 de 0 nascimento da tragidia A visao onirica a visao extatica euma protecao urn abrigo que permite olhar com a mesma alegria 0 que hade sombrio no mundo
Sabe-se queo jovemNietzs~ e marcado pelo pensamento de Kantesoshy
bretudo de Schopenhauer Em 0 nascimento da tragidia ele esrrutura sua arshy
gumentaltao a partir das ca[egorias de fen6meno e coisa em si (kanrianas)
de representa~ao e vontade (schopenhauerianas) mas tambem platonicas de
aparencia e essencia (platonicas) N esse sentido uma das originalidades do lishy
vro quanto asua cdtica da metafisica racional e a valorizacao da aparencia
do fenomeno da representacao pela interpreta~olo das figuras de Apolo e dos deuses olimpicos considerados como criacoes de uma arte apolinea Arealidashyde dos deuses olimpicos euma aparencia uma mentira poetica
Essa rela~ao tao intima que Nietzsche estabelece entre brilho e aparencia
lhe permite passardo primeiro ao segundo termo e pensar a prote~ao apolinea
como oculta~ao encobrimentomiddotmiddot A luz e uma ilusao Os deuses e herois epicos
sao miragens artisticas que tornam a vida desejavel Ao transformar em apashy
rencia nolo s6 0 agradavel mas tambem 0 sombrio 0 poeta epico di avida prashy
bull Cf Nietzsche Crepusculo dos idalos Incurs6es de urn extemporineo sect10 Concordo portanto
com Paul de Man quando escreve que 0 sonho nilo e em 0 nascirnento da tragedia a emergencia
de uma verdade mais profunda ocultada pela distra~ao da mente desperra euma merasuperfishy
cie urn mero jogo de fonnas e associa~6es u m conjunro de imagens de luz e cor e nao a escurishy
dao da esfera imerior (Genese e genealogia in Alegorias da leitura p112)
Em alemao a passagem e de Schein a Erscheinung Wilamowitz-Mollendorff prates contra essa assimila~ao de luz e aparencia Certamente Ie umaenorme ousadia fazer de Apolo que pel a raiz de seu nome Ie 0 brilhantegra~as a umjogo de palavras 0 deus da aparencia iscoedaapashy
rencia da aparencia da verdade superior do sonho que contrasta com a realidade diurna pouco
compreens[vel (Filologiado fmuro primeira parte in Machado (org) Nietzscheeapolemicasoshy
bre 0 nascimento da tragidia p61)
208 o nascimento do tragico
zer e alegria Os deuses sao urn I1spelho luminoso que os gregos colocaram entre eles e as atrocidades da vid~ Como escreve Nietzsche no sect2 de A visao
dionisiica do mundo 0 mund6 brilhance do Olimpo s6 venceu porque era
preciso ocultar pelas figuras luminosas de Zeus Apolo Hermes ecc a sombria
atividade da moira do destino que impile a Aquiles morrer jovem e aEdipo
contrair urn casamento abominaveL
Quando no sect3 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche investiga os fundashymentos da culrura apolinea em busca da necessidade que levou acriruao dos deuses homericos 0 que descobre e 0 sofiimento 0 sofrimento com os terrores e atrocidades da existencia tao bern representados pelos poderes ciCltinicos da
natureza E no sect1O ele complementa essaanilise esclarecendo que 0 epos hoshy
merico e a poesiadacuituraolimpicacomaqual estacantou 0 seu proprio canshy
tico de vitoria sobre as terrores da titanomaquia Ideia que Erwin Rohde 0
fil6logo amigo de Nietzsche comenta em sua resenha recusada sabre 0 nascishy
mento da tragedia em termos bern schopenhauerianos ao escrever que a obra de arte epica exercira no mais altO grau 0 poder de libertar cia violencia da vontade
que move todas as coisas Se 0 insuponavel do sofrimento exige a proteltao da
arte como meio de tomar a vida suportavel a solult10 homerica evelar encobrir
o sofrimento criando uma ilusao protetora contra 0 ca6tico eo informe Essa
ilusao e 0 principio de individualtiio 0 indivlduo essa crialtiio Iuminosa e apashy
rente de Homero da decorrem 0 Estado a patria a familia eurn modo de
aliviar a atmosfera opressora da existencia 0 modo de triunfar do sofrimento apagando os seus trruos ou dele se esquecendo
Esse mundo apolineo criador do individuo como luminosidade e apashy
rencia possui solidamente unidas uma dimensao estetica e uma dimensao
etica a que se tern acesso pela noltiio de medida
Beleza no sentido propriamente estetico emedida harmonia equiHbrio
simetria ordem proporltiio delimitaiio Apolo e 0 deus da beleza e0 slmbolo
do mundo considerado como bela e ilus6rio e por isso do mundo da arte Sob 0 seu nome diz Nietzsche em Onascimento da tragedia reunimos as inushymeriveis ilusoes da bela aparencia que a cada instante tornam de algum
modo a existencia digna de ser vivida e impelem a viver 0 moment~inshy
tegtl6 Segundo A visiio dionisiaca do mundo e 0 nascimento da tragidia a beleshy
za e 0 elemento de Apolo a bela aparencia do mundo dos sonhos eseu reino
Mesmo irado triste ou de mau humor a gralta da bela aparencia niio 0 abanshy
Nietzsche e a representafao do dionislaco 20~
dona 17 Alem disso e nesse espelho apolineo que se consrr6i a imagem dos hoshy
mens como belos reflexosdos deuses A imagemdairade Aquiles eparade [0
artista epico] apenas uma imagem cuja expressao raivosa ele desfruta com
aquele seu prazer onirico na aparencia18 Asingularidade da arte apolinea ea
-uv de urn veu de beleza que encubra 0 sofrimento E 0 que diz por exemshy
deg fragrnento postumo 7[91] escrito entre 0 final de 1870 e abril de 1871
Nao hi bela superflcie sem uma profundidade aterradora Ideia que aparece de modo ainda mais schopenhaueriano no fragmento 7[27] da mesmaepoca quando depois de pergunrar 0 que e 0 bela Nietzsche responde imediatashy
mente Uma sensacao de prazer que nos ocultaem seu fenomeno as verdadeishy
ras intenltoes da vontade Ou em A visao diorusiaca do mundo sect4 quando
depois de perguntar 0 que e a beleza responde no mesmo sentido A rosa
ebela significa apenas a rosa tern uma bela aparencia tern alguma coisa de
brilhante que agrada Nada se diz do seu ser Elaagrada ela faz nascer 0 prazer como aparencia 0 que significa dizer que a vontade e tranqUilizada por seu
aparecimento que 0 prazer de ekistir aumenta
Mas esta dimensao estetica da beleza esci intrinsecamente ligada a uma
dimensao erica Nestesentido beleza e calmajovialidade serenidade sapienshy
te tranquilidade limita1io mensurada Iiberdade com relaltiio as emooes
Apolo deus da bela aparencia etambem a divindade etica da medida e des
justos Iimites Essa face de ApoIo e do individuo apolineo e ilustrada no inishy
cio de 0 nascimento cia tragedia com uma camparacao bastante expressiva retishyrada de Schopenhauer Assim como em meio ao mar enfurecido urn
barqueiro esra sentado em seu bote conftando na frigil embarcaltao assim
tambem em meio a Urn mundo de tormentoso homem individual esta transhy
apoiado e confiante no principium individuationis19 A serenidade
nea eo emblema da perfeilt3o individual E para que os limites apolfneos sejam
mantidos Apolo exige do indivfduo 0 conhecimento de si Junto com 0 nada em demasia nadaem excesso 0 outro principio sagrado inscri to no templo
de Apolo e conhece-te a ti mesmo20 Conhecimento de si que nao euma inshy
trospecltao psico16gica a constituiltao de urn mundo interior uma conscienshy
cia reflexiva mas urn espelhamento na figura na imagem do deus urn jogo de
espelhos pelo qual 0 homem se ve como bela reflexo do deus da beleza e da meshy
elida que ele mesmo criou Homero e urn poem da exterioridade
210 o nasdmento do tragico
A tenta~ao dionisiaca
Hi em Nietzsche urn evidente dogio da epopeia como modo ardstico de dar
sentido it vida pela expressao de uma superabundancia de pr6pria do
individuo her6ico Mas essas analises sao bastante reduzidas como se 56 exisshy
tissem para esclarecer um saber bem mais importance e profundo do que 0
apolineo 0 saber trigico De fato se Nietzsche nunea se denominou urn filoshysofo apo[fneo eporgue sempre esteve acento aos limites de uma visao apolinea do mundo Esses limites sao de dois tipos
o primeiro consiste naimpossibilidade de 0 apolineo se apresencar como
alternativa it racionalidade 0 tema nao e muito explicitado por Nietzsche
mas e possivd encontrar_DO pedodo inidal de sua obra algumas passagens
que constatam a apropri~o de Apolo pdo saber racionaL Eassim que 0 fragshymento p6stumo 3[36J de 1869-70 aproximaPlatio de Apolo dizendo que em Platio 0 mundo e visto do ponto de vista de Apolo ou do ponto de vista do
olho sua filosofiae uma glorificaltao supremadas coisas como imagens orishy
ginarias 0 fragmento 7[102] escrito entre 0 final de 1870 e abril de 1871 ao
mesmo tempo que diz na linha de 0 nascimento da tragedia pois se trata de
uma de suas teses centrais que S6crates recusa os misteriJs dionisiacos
tambem enuncia a tese muito menos explicitada no livro de que S6crates se apegaaApolo 0 fragmento8[131 do pedodode 1870-71 ao outono de 1872
caractedza Socrates como mestre apoHneo indicando que sua serenidade de artista se nlanifesta na maieutica Socrates e a tragedia un1a das confeshy
rencias que estao na origem do livro pronunciada na Basileia em 12 de [evereishy
ro de 1870 diz que em Socrates encarnou-se urn aspecto do clemento grego a
dareza (Klarheit) apolinea Ideia que reaparece no sect14 de 0 nascimento da trageshydia que ao se perguntar se entre a socratismo e a arte hi necessariamente uma rela~ao antagonica lembraque na prisao Socrates compos urn hino em homeshynagem aApolo e versificou algumas fabulas de Esopo referindo-se entio asua lucidez (Einsicht) apoHnea E nesse mesma item Nietzsche refere-se a Platio
a tendencia apoHnea mumificou-se em esquematismo 16gico
a rela~ao entre 0 apolineo e a racionalidade se evidencia mais uma
vez quando Nietzsche chama a nova comedia de inspiracao de seshy
renidade do escravo e serenidade alexandrina21 Ou quando retoma essa
ideia na Tentativa de autocritica ao ver continuidade entre serenidade e ciencia ao falar de serenidade do homem teorico ou dizer que os gregos nos
Nietzsche e a representa~ao do dionisfaco 211
mJod= diolu raquaa CO mam m oumi~m l6gi
mais serenos e mais cientificos22 Todas essas indic~6es eVldenciam porranto
que se Nietzsche nao se denomina urn fil6sofo apolineo e Doraue ve nisso
ou uma insuficienci no sentido de que abandonado a 5i messhy
moo saber apolineo transforma-se em saber radonal
o segundo limite da visao apoHnea tal como aparece na epopeia eo fato
de ela nao ser uma afirma~ao integral da vida Como uma prote~ao contra 0
terrivel da dor do sofrimento da morte que funciona como encobrimento 0
saber apolineo evidencia-se parcial ao deixar de ladoalgo que nao pode serigshy
norado e fatal mente se imp5e a outra forp artis ticada natureza 0 dionisiaco
56 consigo pois explicar 0 Estado d6rico e a arte d6rica como urn continuo
acampamento de guerra da forlta apoHnea s6 em uma incessante resistencia
contra 0 cariter titwico-barbaro do dionisiaco podia perdurar uma arte tao desafiadoramente austera circundada de baluartes uma educa~ao tao belicoshysa e ispera urn Estado de natureza tao cruel e brutal diz 0 sect4 de 0 nascimento
da tragedia Oeste modo ao analisar a epopeia Nietzsche 0 faz por oposicao ao
saber dionisiaco a sabedoria popular que grita infelicidade infeicidade
na cara da serenidade apolinea ou que na boca de Sileno 0 companheiro de
Oioniso revela rindo que 0 bem supremo irnpossivel ao homem e nao ter
nascido e 0 segundo dos ainda acessivel e morrer 0 quanta antes23 A
Grecia ensinou a Nietzsche ensinamento que the foi uti inclusive na commiddot do seu Zaratu5tra qll- uma cultura apolinea ao pretender negar 0
lado sombrio tenebroso da vida pela criaao da i1usao do individuo her6ico e
impotente contra urn saber aniquilador da vida tal COIRO 0 que se manifesta
no culto a Oioniso Em tudo que 0 dionisiaco penetrou 0 apolfneo foi suspenshy
so e aniquilado24
o que e entao 0 dionisiaco nietzschiano Fundamentalmente 0 culto
das bacantes Isro e 0 culro manifestado nos conejos orgiisticos de mulheres que em transe coletivo dan~ando cantando e toeando tamborins ern homa de Dloniso invadiram a Grecia vindas da Asia para fazer seu deus ser reconhe-
Ebern possive que Nietzsche tenha aprendido com Jacob Burckhardt
seu colega na Basileia acaracterizacao de Oioniso como urn deus semigrego
Eis 0 que escreve Burkhardt em sua Histolia da cultura grega POl wis da mascashy
ra do deus da fertilidade se oculta um ser meio cstrangeiro Uma das personifishycaoes do deus ern paixao (que acreditarnos ser um deus camica) adquiriu no
212 o nascimento do trligico
extremo oriental daAsia menor entre os frigios como tambem entre os traeishyos um ritmo selvagem e embriagador e em repetidas invas6es conseguiu reimshyplantar na Grecia 0 culto de Dionisomiddot Tambem Erwin Rohde amigo de
Nietzsche e autordePsyche livro publicadoem 1893 defende que 0 dionisiaco
representa urn corpo estranho na cultura gregahomerica 0 que 0 leva a situar
a origem de Oioniso fora das fronteiras da Greaa na Tracia e a explicar Sua
expansao a maneira de epidemias de danas convulsivasz5 Inclusive ao coshymentar 0 nascimento da tragedia em sua resenha- publicada ern maio de 1872
poucos meses portanto depois da publica~odo livro - Rohde ja defende que o entusiasmo panteista vindo do Oriente espalhou-se em ondas possantes pela Grecia Mas epreciso assinalar que jtt Holderlin chama 0 i0 niso urn deus estrangeiroZ6 considera-o deus dos elementos asiiticos27 Essa ideia pareshy
ce ser inquestionavel para os pensadores filologos ou nio do seculo XIX
Seja ou nio correta a ideia de urn Dionisoestrangeiro no sentido de nasshycido fora da Grecia interpretaao hoje negadapelos fil6Iogosmiddotmiddot 0 importante e que 0 culto mistico a Dioniso urn estrangeiro terrfvel28 significa para Nietzsche a neg~ao dos valores principais dacultura apolinea Em vez de urn
processo de individuaao e uma experienciade reconciliasao entre as pessoas
e das pessoas com a natureza uma harmonia universal e urn sentimento misshy
tico de unidade Sob a magia do dionisiaco toma a selar-se nao apenas 0 lalto
de pessoa a pessoa mas rambem a naturezaalheada inamistosa ou subjugada
volta a celebrar a festa da reconciliasao com seu fdho perdido 0 homem diz o sect 1 de 0 nascimento da tragedia
Burckhardt Hist6ria de La cultura grega tome II p112-3 Heidegger formula a hiperese de que
Burckhardt ja esrava no encal~o do ancagonismo entreoapolineo e 0 dionisfaco em suas confeshy
reneias sobre a civiliza~ao grega tealizadas na Basileiaaque Nietzsche em parte assistiu (cf
Nietzsche I p99) Eis como Nietzsche se refere it relruaoenm de e Burckhardt a respeito do dioshy
nisiaco no CrepUsculo tks idalos 0 que devo aos antigosD sect4 Fui 0 primeiro que para compreshyender a instinto heleruco mals antigo ainda rico e mesmo transbordante levei a serio 0
maravilhoso fenomeno que cern como nome Dioniso 0 qual s6 e explieavel par urn exeesso de forlta Quem se dedica ao escudo dos gregos comoJacob Burckhardt da Basileia a mals profun do conhecedor ainda em vida de sua culrura se deu logo conca da impartancia que lsso ctnha Burckhardt acrescentou aSUa Cultura do grego sesao especial sabre esse fenomeno
U Para Marcel Detienne nao hi duvida sobre a origem grega ~niso embora e1e scja 0
Estrangeiro porrador de estranheza 0 Esrrangeiro do interior (Dioniso a ceu aberto p21 26
37) Para Louis Gernet ao mesmo tempo que 0 dionisismo nao e uma religiao que vern de fora
Dioniso faria pensar no Dutro (Dionysos et la religion dionysiaque elements herites et tralS originaux in Anthopologje de La Grece antique p116 114)
Nietzsche e a nepresentafiio do dionisiac 2P
A experiencia dionisiaca ea possibilidade de escapar da divisao da muldshy
plicidade individual e se fundir ao uno ao ser ea possibilidade de integraao
da parte na totalidade Nietzsche enuncia is so ern linguagem entusiasmada
Camando e dan~ando rnanifesta-se 0 homem como membro de uma cornushy
nidade superior ele desaprendeu a andar e a falar eesra a ponto de danltando
sair voando pelos ares De seus gestos fala 0 encantamento Assim como agora
os animais falam e a terra cia le~te e mel do interior do homem tambern soa
algo de sobrenatural ele se sente deus carninha tin extasiado e enlevado
como vira em sonho os deuses caminharem29 Alias em sua resenha recusada
pelo editor Rohde salienta esse aspecto da experiencia dionisfaca ao escrever
que no encantamento ardente proporcionado pelo dionisfaco 0 homem
sente-se assim como Prometeu libertado livre de todas as amarras da indivishy
dualidade movido porurnaliberdade poderosaeilimirada transportado pela
tempestade de uma alegriae de uma dor nuncaantesexperimentada30
Essa reconciliacao com a natureza aparece com toda a pujana no texro que a meu ver mats inspirou Nietzsche na caracterizacao do culto dionisfashy
co As bacantes de Euripides Pois e importante nao esquecer que embora
Nietzsche critique a tendenciasocririca de Euripidese the impute a mone da
tragedia ele considera As bacantes obra escrita urn ano antes da mo rte de seu
autor - urn arrependimento Eis como esse Euripides tardiamente dionisiaco
canta a uniao das bacanres com a natureza 0 chao regurgita de leite de vishynho do nectar das abelhas31 Umas bacantes usam em vez de cinto serpenshy
tes que lhes lambem 0 rosto Outras segurando fdho~s de corcas e de lobos
selvagens dao-Ihes os seios ainda tllrgidos maes que abandonaram os mhos
recem-nascidos Todas elas coroam-se de hera de carvalho ou de flo res silvesshy
tres Vma delas bate com 0 tirso numa rocha e faz jorrar agua pura Omra fere
o chao com sua haste e 0 deus faz brotar uma fontedevinho As que desejam 0
alvo leite esfregam 0 solo com os dedos e 0 recolhem em abundancia Da hera dos tirsos escorre 0 doce mel3~ No jlibilo mfstico as fronteiras da individuashy
ao desaparecem Todas as fronteiras de castas que a necessidade ou 0 caprishy
cho estabeleceram entre os homens desaparecem 0 escravo e 0 homen1livre 0
nobre e 0 plebeu se unern nos mesmos coros baquicos diz Nietzscheraquo E poshy
de-se lcrescentar no mesmo espirito que desaparecem Oll se atenuam ao
maxiJt1o as diferenltas entre masculino-feminino birbaro-civilizado velhoshy
jove~ louco-sabio i
214 o nascimento do tragico
1sso q uanto asubstituiltao da individualiza~ao pela reconcilialtao Em seshygundo lugar 0 culto dionisiaco tarnbern significa 0 abandono dos preceitos apolineos da rnedida e da consciencia de si Em vez de medida 0 que se manishy
festa na celebraltao das bacantes e a hybris com a mllsica extatica magica enfeishy
tiadora apresentando a desmedida a desmesura da natureza exultante na
alegria no sofrimento e no conhecimentO34 Adesmesura se revela como vershy
dade no sentido de que iibeleza da medidaseopoe a verdade da desmesura ou
de que amentiradaciviliza~ao se opoe a verdade da natureza Na pecade Eurishy
e Penteu 0 rei de Tebas principal representante da ao instinshyto aforlta dionislaca quem denuncia que as mulheres de Tebas abandonaram seus lares pelas bacanais permanecendo nas florestas sombrias danltando em
homa de uma nova divindade urn impostor urn encantador vindo da Lidia
que as esta iniciando nos misterios baquicos35 0 cuIto dionisfaco em vez de I
delimita~ao calma tranquilidade serenidade apolineas impoe um comporshy
tamento marcado por um extase urn entusiasmo um enfeiticamento urn freshy
nesi sexual uma bestialidade namral constituida de volupia e crueldade de forlta grotesca e cruel
Do mesmo modo em vez da consciencia de si apolinea 0 culto dionisiaco produz uma desintegra~o do eu uma aboliltao da subjetividade ate 0 total esshy
quecimento de si um desprendimento de SI proprio a dissoluao do eu no
um abandono ao extase divino aloucura mistica do deus da possesshy36
Sii0 No das Bacantes Dion1so esclarece que pelo fato de suas Gas as
irmas de sua mae Semele 0 terem insultado declarando nao ser ele filho de
Zeus negando porranto sua condioao divina ele compeliu as mulheres de Tebas a deixar seus lares e a morar nos altos montes usando apenas a roushypagem orgiastica E logo a seguir 0 cora das bacanres em sua primeira intershyvenltao enaltece sua orgia sagrada Feliz daquele que se inicia nos misterios
divinos Ihes consagra sua vida e santifica sua alma purificada nas bacanais da montanha37
Mas a melhor ilustraltao da perda da consciencia caracteristica do extase
do entusiasmo do enfeitiltamento dionisiaco e 0 comportamento de Agave -shyfilhade fundadordeTebas e irmadeSemele mae de Dioniso-quanshydo seu filho Penteu culpado por querer contemplar aquilo que nao epermishytido ver quando nao se e bacante vai observar as bacantes sem que elas notem
mas 0 deus as faz descobri-Io e enfurecer-se contra ele Penteu acariciando 0
rosto de sua miie pede-Iheque se apiede dele e nao asacrifique Agave emdelf-
Nietzsche e a representa~ao do dionisiaco 215
rio pando muira espuma pela boca e revirando os olhos desvairadamente como se Baco a possuisse38 nao 0 ouve esquarteja-o ajudada por suas duas irmas e lanlta os restosde seu corpo ern todas as direcoes Oepois toma a cabeshy
lta que ela imagina ser a cabelta de urn leao e a leva em procissao para Tebas
espetada em seu tirso mostrando-a pelo caminho Em Tebas ela a entrega a
seu pai Cadmo que se lamenta com essas palavras bern elucidativas da aminoshy
mia entre a conscienciaapolinea e 0 delirio dianisiaco Quando recuperardes
vossa lucidez sofrereis atrozmente vendo a vassa feito Ese deveis permanecer
ate 0 fim nesse estado se a felicidade vos menos ignorais vossa
desventuralmiddot
Como se ve apesardaoriginalidade na determinaltao dessas duas fonasshy
o apolineo e 0 dionisiaco- a tese de Nietzsche a respeito daexistencia de uma
oposiltao entre elas se insere perfeitamente no tipo de pensamenro caracterisshy
tico da filosofia do tragico desde 0 final do seculo XVIII que postula a divisao
entre uma Grecia marcada pela serenidade ou simplicidade caracteristica que
lhe da Winckelmann e uma Grecia arcaica sombria violenta selvagem miseishy
ca extatica como aparece bern daramence ern Holderlin Em 0 nascimento da tragedia possivelmente pensando em Winckelmann Nietzsche se insurge conshy
traa ideia de que aartegrega possa ser explicada por urn untco principio Maf nao se pode esquecer que isso nao eu ma navidade de sua filosofia pais para
toda a filosofia do trigico nao se trata mais de interpretar a arte grega como
nobre simplicidade e serena A tal ponto que mesmo os
pensadores do tragico postulam em sua reflexao sobre a tragedia uma harshy
monia ela eo produto de uma oposiltao de prindpiosmiddotI bull
E interessante observar que 0 nascimento da tragedia retoma a distincao d~ Schiller entre 0 ingenuo e 0 sentimental forrnuladaem seu livro Poesia ingenua
esentimental para pensar 0 apolineg e 0 dionisfaco Partindo da ideia do ingeshy
nuo como harmonia ou unidade dd homem com a natureza Nietzsche aproshy
a seu modo dadistinltao de Schiller considerando 0 ingenuo no sect3
bull Asbacante5 1258-6L a fragmenco poswmo 14[14] da primavera de 1888 a meu ver bemem
continuidade COm 0 na5ci_ da tragedia define 0 dionisiaco 0 desmesurado 0 selvagemo
asiatico U utna vontadede focmidavel [UngeheucrJ pot U uma tendencia irresisrivel aunidade
urn slm excasiado ao carater total da vida sempre a 5i proprio em meio ao que muda a
grafeSlmpatia panteiscana alegriae nador define por ourrolado 0 apolineo LIma vontade
de Tdlda como a rendencia ao set-pata-st ao
216 o nasdmento do tragico
de 0 nascimento da tragidia 0 efeito supremo dacivilizaltio apollnea 0 total
engolfamenro na beleza da aparencia No fundoo que 0 nascimento da trage
dia faz e explicar 0 ingenue peIo apoHneo Assim se Homero e urn inge
nuo como 0 considerava Schillet39 e que a ingenuidade hometica s6 pode
set compreendida como uma vit6ria rotal da ilusiio apoHnea E se Nietzsche
nao e muito explicito no livro sobre a util~ desses conceitos de Schiller
principalmente 0 de sentimental 0 fragmento pOstumo 7[126] escrito entre 0
final de 1870 e abrilde 1871 val mais longequando afirma Penso interpretar
ingenuo corretamente por puramente apolineo aparencia da aparencia e
sentimental em compensagtao por nascidodaluta do conhecimento trigico
e da mistica E vendo dificuldades no conceito de sentimental 0
Nietzsche torna mais preciso 0 seu pensamentodizendo Compreendo como o opOSto absolute do ingenuo e do apoHneo 0 ltdionisiaco isto e tudo 0 que nao e aparenciade aparencia mas aparencia do ser reflexo da eterna unidashyde originiria
Mas a refenncia essencial de Nietzsche para interpretar a mitologia e a
arte gregas e como sempre nessa epoca Schopenhauer E se 0 nascimento
da tragedia se baseia em 0 mundo como vontade e representafdo isso significa
principalmente que os conceitos mais abrangentes da analise nierzsc~iana da rragedia 0 dionisiaco e 0 apolineo sao penados a partir dos conceitos schopenhauerianos de vonrade e represent~ transformados na lingua gem nierzschiana em uno originirio e aparencia
Ja me referi a rela=ao entre a aparencia nietzschiana e a rprpenl~r() schopenhaueriana ao estudar 0 apolineo como 0 dominio do princfpio de in
dividua~ao) do ser fenomenal da aparencia Mas rambem me parece evidente
que 0 conceito de dionisiaco e fundado metafisicamente no uno originirio
unidade existente alem au aquem da represent~ que por sua vez e uma reo tomada da vontade universal de Schopenhauer 0 que ha entao de comum entre a concepao de vontade em Nietzsche e Schopenhauer
Se eevidente como me parece que a estrururada argumentaltao de 0 nas
cimento da tragedia parte de uma separaltao radical entre 0 apolineo
como individualtao e 0 dionisiaco pensado como totalidade os dois
comum a interpreta~ao da vontade comolinica universal Pode pareshy
cer dificil defender essa posi~ao pais se encontram em Nietzsche afirma=oes que vao en sentido diferente Penso em fragmentos da epoca como a Vonta
de e a forma mais geral do fenomeno Ou 0 que diz A vontade pertence a
Nietzsche e a representa~iio do dionisiaco ~~7
aparencia A vonrade eja uma forma de fenomeno Ou ainda 0 que
ltliz Toda a vida pulsional s6 nos econhecida - devo acrescentat contra
Schopenhauer - como representalt3o e nao segundo sua essencia e Dooe-se
mesmo dizer que a propria vontade de Schopenhauereapenas a forma mais ~l
geral de algo que perrnanece inteiramenre indecifravel essa forma original~ da manifestaao a vontade consegue no entanto uma expressao simb61imiddot~
-r ca sempre mais adequada no desenvolvimento da mnsica40f
Apontar tais afirma=oes nao me parece no entanto uma objeao imporshy~ j
tante Primeiro porque encontramos fragmentos damesma epoca que enunshy~ 7J clam ourra posiltao Por exemplo Na vontade s6 hi pluralidade movimenco ~
pela representaltao a vontade e universal a represenraltao 0 que diferenshy
cia ou aquele que opoe a no~ao epica de agon a de regime tragico esc1areshyemdo que esta ultima faz frente ao egosmo- middotdt-ittdividualidade e dele se protege colocando-o a servio da totalidade41
Segundo porque quando me pergunto qual dessas inrerpretaoes privileshy
giar parece-me evidente que as fragmenros postumos devem set interpretashy
dos a partir das obras publicadas na epoca peio proprio auror pois sao essa~
obras que expressam com mais clareza e sistematicidade a dire~ao que ele da
aos pensamentos que lhe surgem enquamo investiga determinado tema Assim a meu ver no caso preciso de saber qual a posiiio de Nietzsche sobre a vonrade e preciso se voltar para 0 nascimento da tragiJia E a esse nao
acho que no livro uma critica a Schopenhauer que por razoes
ticas isea e pelo faro de seus maiores amigos como Rohde Overbeck ou
Wagner serem schopenhauerianos Nietzsche teria eSGondido Ou que ainda
usando uma cerminologiaschopenhaueriana Nietzsche ja apresenre urn penshy
same~co rotalmente diferente daquele que encontrou no fil6sofo que consishy
deravt seu mestre
Cercamente ja na epoca de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz varias criticas a Schopenhauer par exemplo aideia de que aarre seja nega=ao da vonmiddot
tade Nao penso pOtem que a leitura do livroedosescriros que the deram orimiddot
gem permtta conduir que a pluralidade ou a multiplicidade ja se encomra na
vontade ou que a vonrade nada mais edo que a aparencia Parece-me ao canmiddot
tnirio que 0 uno originario nietzschiano quando pensado em 0 tragedia como um principio ontol6gico opoSto aaparencia fenomenal e como
a vontade schopenhaueriana unico eterno incondicionado 13 esse sentido da
expressao uno originario que permite por exemplo compreender a caracteshy
218 0 nascimento do tragico
riza~ao do dionisiaco barbaro no sectl do livro Agora gra~as ao evangelho da
harmonia universal cada qual se sente mo s6 unificado condliado fundido
com 0 seu proximo mas urn como se 0 veu de Maia tivesse sido rasgado e reduzido a tiras esvoacasse diante do misrerioso uno originario Ou mesmo a concepltiio da tragedia no sect7 0 efeito mais imediate da tragerua e que deg Estado e a sociedade tudo 0 que constirni urn abismo uma separ~ao entre
homem e homem daD lugar a urn sentimento todo-poderoso de unidade que
reconduz ao amago da natureza 0 que me conduir que 0 dionisiaco e
fundado metafisicamente no uno origiruirio que e uma retomadada vontade
universal de Schopenhauer isto e da vontade considerada como nlicleo do
mundo essencia das cOlsas forlta que etemamente quer deseja e aspira Acredito que s6 interpretando a vontade desse modo e possivel dar coma da tese do livro sobre a tragedia como rel~ entre 0 apolineo eo dionisiaco
A dialetica e 0 sublime na recondliafao tragica
o estudo das duas pulsoes esteticas da natureza mostrou que 0 apolineo tal como se manifesta na poesia epica reprimiu a principio os sombrios impulshysos dionisiacos mas essa repressao foi incapaz de reter a torrente invasora do dionisfaco42 que pouco a pouco como ilustra As bacantes de Euripides disshy
solvia abolia engolia as fronteiras apolineas No entanto se 0 apolineo e- 0 I
dionisfaco aparecem ate aqui em antagonismo luta discordia esse antagoshy
nismo nao e a ultima palavra de Nietzsche - como ja transparece no inicio de
o nascimento da tragedia ao se referir as duas forcas da natureza
Nietzsche salienta nao s6 a lura incessante entre elas como tambem a intershyven~ao de peri6dicas Nesse sentido uma das finalidades do livro e justamente apontar como depoisde prolongada luta esses dois
50S atraves de uma uniiio conjugal geraram a arte tragica Ideia
que Nietzsche expressa em termos diferentes mas proximos quando se refere
it laquoalian~a fraterna it ao pacto de it redproca necessidashy
de a propor~o redproca aD contato e intensifica~ao redprocos encre Apolo e Oioni5O43 Assim sua palavra final a respeito da tragedia no primeiro livro nao e 0 antagonismo mas a reconcilialtiio
Significara isso um hegelianismo de Nietzschei No sect3 de sua Temativa
de autocritica a 0 nascimento da tragedia ele se ve retrospectivamente como 0
~
f~ ~ Nietzsche e a repre5en~ao do dionisiaco 219 ~
f
bull ft
11 disdpulo de urn deus desconhecido que se havia provisoriamente dissimushy
lado ___ sob 0 peso e a morosidade dialetica do alemao _ E e ainaa mais preciso
quando diz no Ecce homo que seu primeiro livro tern cheiro indecorosamente hegeliano dando inclusive como exernplo a concepltao da tragedia em que a oposiltao e transformada em unidade44
Essas formula~oes remetem evidentemente i dialetica que e segundo
Hegel a lei do movimento de retorno do espirito absoluto a si mesmo a lei
encadeamento dos diferentes momentos que constituem 0 espirito
ao percorrer uma serie de etapas em que ele se manifesta de maneira cada vez
mats universal mais concreta Ese nesse processo dialetico a nega~ao tern urn
papel fundamental e porque 0 trabalho do negativo e 0 elemento impulsionashydor a mola propulsora que leva a reconcilialtao e porque peIo processo de neshyga~iio da nega~ao a contradi~iio e superada-conservada ern uma totalidade
mais elevada Assim a dialetica e urn processo de supera~ao-conservacao (Auf
hebung) em que duas ideias opostas se revelam como momentos de uma terceishy
ra ideia que contem as duas primeiras elevando-as a uma unidade superior
Deleuze valoriza a interpretaltao que Nietzsche da de sua propria trajet6shy
ria ao criticar seu primeiro livro como hegeliano para ressaltar os limites da concepltiio nietzschiant do tragico no momenta de 0 nascimento da tragedia e mostrar em que sentido se daa evolu~ao de seu pensamento para umanova concepcao do wigico Eassim que ele apresenta 0 movimento do primeiro lishy
vro de Nietzsche como 0 de uma contradi=ao entre a unidade primiriva e a inshy
dividuaao ou entre a vonrade e a aparencia contradiao que se reflete na
oposicao de Dioniso eApolo e finalmente se resolve pela reconciliacao domishy
nada por emre os dois principlos na tragedia Mais precisarnenre inshy
terpretando a dialetica do tragico corno 0 movimenro da contradi~ao e de sua solultao embora considere que rigorosamente falando o nascimento da nao e um livro dialetico Deleuze defende que sob
fluencia de Schooenhauer filosofo aue nao aDreciava a
ea e expressao dramatica teatral portanto aposhy
linea dessa 45
Isso no entanto niio e sufidente para caracterizar urn hegeIianismo de Nietzsche Pois como temos visto OUtlOS pensadores da mesma epoca OUlate
mesmo imediatamente anteriores a Hegel como Schelling e 0 primeiro Hoi-
I
220 o nascimento do tragico
derlin pensaram de forma mais ou menos semelhante 0 dualismo tragico
como uma unidade dos cOntrarios produzida pe1a inversao de urn dos termos
no outro Quer dizer mesmo queO nascimento da tragidia seja urn livro dialerishy
co talvez isso nao fa~a do Nietzsche dessa epoca necessariamente urn hegeliashy
no pois pensar a tragedia diaJeticamente - q uestao que diz menos respei to a contradiltao ou aoposiyao propriamente do que ao tipo de reJaltiio existente entre os prindpios antagonicos - nao foi uma singuJaridade de Hegel na Aleshymanha do final do seculo XVIII e inkio do seculo XIX
Mas sera 0 livro dialetico Lacoue-Labarthe tambem defende essa posishyltao Sempre interessado em seus estudos na questao da mimesis na modershynidade ele tambem segue essa pista ao investigar 0 ripo de amagonismo
caracteristico da tragedia no primeiro livro de NietzscheAssim ele interpreta
a relayao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco como uma re~ de imitalt3o em que 0 elemento dionisfaco e urn primeiro reflexo uma primeita copia urn prishymeiro espelho do mundo ou davonrade e 0 elemento apolfneo uma imitaltao do dionisiaco A partir daf ele observa que quando 0 antagonismo aparece em
o nascimento da tragedia urn conflieo entre duas forltas ou potincias iguais no
inicio do livro onde a relaltao entre as duas forltas epensadaatraves da metafoshy
ra da uniao dos sexos a 16gica dessa rela~ao mimetica ea dialetica E deste
modo Lacoue-Labarthe e levado aconcluir que para Nietzsche a tragedia e a
filha ou a substituiltao [releve] dialeticada contradiltaoque opoe e nao cess a de referir um ao outro os dois principios antagonicos46
Mas nao seria possivel explicar a relaltao entre essas duas forltas esteticas da natureza - que apesar da tensao que persiste entre elas se cornam compleshy
mentares - de maneira diferente E0 que faz por exemplo Sarah fOfman ao
negar que a relaltiio entre Apolo e Dioniso devaser pensadaa partir 0 modelo
diaietico como uma eontradiCao entre duas ideias que poderiam ersubstishy
tuidas [(relevees] por uma terceira a tragedia Ela prefere pensa-la peIo moshydelo heradftico de uma relaao conflitual entre dois tipos de fora cada um por sua vez vencedor 0 triunfo provis6rio de urn dos dois lutadores dando a
aparencia de uma harmonia enquanto a guerra e a luta sao de faro permashynentes47
Retomando os passos da refl~xao sobre 0 rragico penso que e possivel
compreeI-der essa uniao conjugalr do dionisiaco e do apolineo pela vinculashy
lt30 entre a tematica nietzschiana do tragico e a teoria do sublime que ja foi
usada por Schiller Schelling e Schopenhauer para explicar a reJaltao e1tre os
Nietzsche e a representafio do ltlionisfaco
dois principios constiturivos da tragedia A dificuldade no entanto e que
diferentemente do que acontecia no caso desses autores Nietzsche praticashy
mente nao fala do sublime e quando fala nem sempre parece dizer a mesma
coisa Poisna verdade nio hi uma teo ria do sublime em suaobra mas apeshy
nas uIlfas poucas passagens em que seu conceito aparece em geral para exshy
plicar ttragedia48
A rimeira questao a ser investigada ea seguinte haved em 0 nascimento da tragedia uma concepltao da beleza como forma e do sublime como informe ou da belezacomo sonho e do sublime como embriaguez 0 queidentificaria a bela com 0 apoUneo e 0 sublime com 0 dionisiaco 0 fragmento p6stumo
7[46] do periodo entre 0 final de 1870 e abril de 1871 cheio de questoes sobre
o belo e 0 sublime poderia dar essaimpressao quando diz USe 0 belo repousa
[beruht] sabre urn sonho do ser 0 sublime repousa sobre a embriaguez do ser Mas minha hip6tese nao e exatamente essa Penso inclusive que mesmo esse fragmento parece dar uma pista para pensar a identificacao do sublime nao propriamente com 0 dionisiaco mas com 0 tragico Vimos que quando salishy
entava 0 carater onrdeo da epopeia no inlcio de 0 nascimento da tragedia
Nietzsche nao dizia propriamente que 0 bela era degsonho mas que 0 sonho era
a condiCao do apareciqlento das belas figuras Aqui Nietzsche parece expor
essa mesma ideia ao indicar que 0 bela repousa sobre urn sonho do ser E do mesmo modo tambem parece indicar nao exatamente que 0 sublime seja a embriaguez 0 extase 0 entusiasmo dionisiacos mas que os tenm por base os tenha em sua origem como condiltao fisio16gica
onascimento da tragedia quase nao se refere ao -su---bn-ru-e Mas no final do sect7
hi uma passagem importante para se pensar nao 56 0 que Nietzsche entendia
nessa epoca por sublime como tambem a utilizaltao que faz desse conceito
para pensar 0 tragico Trata-se de uma simples menCao ao sublime como sushy
jeiltao artistica do horror [Udas Erhabene als die kiinstlerische Bandigung des Entsealichenj- ideia que pode ser mais bern compreendida pelo sect3 de A vishy
sao dionisiaca do mundo que define 0 sublime exatamente com as mesmas
palavtas porem emais expHcito do que a breve menltiio de 01ldScimentoda trashy
gedia Sua formul~ao e a seguinte lmporta antes de cudo transformar 0 penshy
samento de desgosto com respeito ao horror e ao absurdo da existencia em~~~
representaltOes que permitam viver sao 0 sublime [aqui os erutores das obras
complecas indicam que Nietzsche anotou na margem do manuscrito 0 mlmeshy
ro de uma pagina de 0 mundo como vontade erepresentctfao] como sujeiltao arclsshy
~ 2~jl~
223 222 0 nascimenro do tragilto
tica do horror eo ridfculo como aHvio artistico do desgosto do absurdo Esses
dois elementos entrela~ados estiio unidos em uma obra de arre que imita a
embriaguez que joga com a embriaguez I Deixando de lade 0 ridiculo que diz respeito ao comico hreio que essas
duas passagens permitem pensar 0 sublime como modelo nao propriamente do dionisiaco mas cia acte tragica como rela~ entrE 0 apolfneo e 0 dionisfashyco Pois nito sera claro que Nietzsche esta dizendo nelas que a tragedia eolushy
gar de uma passagem do horror ao sublime OU mais explicitamente que a
arte sublime da tragedia nao exdui ou reprime 0 terrivel da natureza mas
transforma 0 desgosto com respeito ao horror daexistencia presence no
slaco em representaoes que tornam a vida possiveI
Ora a relaltao entre 0 horror e a represent~ que encontramos nessa ideia esta em continuidade com uma das caracteristicas do sublime em geral independentemente dos teemos que ele relaciona ou do te6rico que 0 conceishy
tuou Estou pensando na existencia de uma desproponao entre esses rermos
desproporao que produz urn conflito Urn desacordo uma dissonancia uma
desarmonia entre des mas que leva finalmente a urn acordo Com isso estou
querendo salientar que Nietzsche se insere na tradi~ao do sublime pensado
a panir da dualidade de principios imagina~ao e razao no caso de Kant senshysivel e supra-sensivel no caso de Schiller intui~ sensivel e contempla~ao absoluta no caso de Schelling representa~ao e ideia no caso de Schopenshyhauer Em Nieczscheessadualidadeeado apolfneoedo 0 quese
observa portanto quando se comparam esses pensadores eque tanto em
Nietzsche quanto em seus antecessores a partir de Kant 0 sublime esempre
definido levando em considera~ao dois termos de nlveis peso ou potencia
diferentes urn marcado pelo finiro pela Iimitaxao pela forma 0 outro pelo
infinito pela ilimitaao pelo informe Essa desproporao essa imensurabilishydade entre um condicionado e urn incondicionado marca 0 pensamento do sublime de Kant a Nietzsche
Deixo de lado Hegel porque ele s6 utiliza 0 conceiro de sublime para caracrerizar a relaltao enshy
tre os elementos sensivel e espiritual na aHe simb6lica sem panamo ver nele importancia
a teoria da tragedia Tambem niiovejo a relevancia do sublime paraa inrerpretacao holderliniana
da tragedia Wagner q uase nilo pensa 0 sublime mas em set Beabwwen ele explica a musica a parshytir do sublime defendendo que ela provoca 0 extase supremo proveniente da consciencia do ilishymitado (Beethoven p33) AMm disso tambem explica 0 drama a panir da musica (p69) COnsideshyrando-o reflexo da rnusica que se cornou visfvel (p77)
Nietzsche e a ~o do dionisiaco
Alem dis so 0 sublime tambem foi sempre pensado como possibilitando
uma apresentaao negativa como disse Kant de uma instfulcia infinita que
pennaneceria inacesslvel se nao fosse refletida no espelho de wna instancia finishy
taFoisempre um modo de apresemar 0 que nao podia ser apresemado 0 que
o supra-sensi vel em Kant e Schiller 0 abso I uto em Schelling a ideia (urn tipo de ideia) em Schopenhauer 0 ilirnitado em Wagner No caso de Nietzsche 0 wonishyS1acO Assim mesmo se um dos teemos e dominante a ele s6 se tem acesso peIo
outro termo marcado por uma inferioridade seja no que diz respeiro agrandeshy
za seja no que diz respeito afor~ apotencia ao poder Urn so pode aparecer
simboIizado pelo outro isto e deixando em parte de ser ele mesmomiddot
Assim os dois tetmos importantes na apropriaiio nietzschiana do sublishy
me sao 0 horror dionisfaco e a representaao apolinea ou a embriaguez e a
inU~ E nessa rela~ao de prindpios opostos nao eo hotTOr dionisiaco que esublime mas a representa~ao teatral do horror Nio e a embriaguez que e sushy
blime mas a imita=ao a representaao apolfnea da embriaguez 0 jogo com a
embriaguez logo que rem como funao aliviar a propria embriaguez Deste
modo 0 sublime nao se identifica ao dionislaco averdade aessencia da natushy
reza Eurn elemento intermediario entre a belezae a verdade entre a bela apashy
renciae a verdade enigmaticae tenebrosa possibilitado pela uniiio de Apolo e Dioniso existente na tragedia Pois na tragedia a aparencia e saboreada nao mais como aparencia como no caso da arte da a epopeia mas como
simbolo como signa da verdade A tragedia arte simb61icaarre em que a vershy
dade esimbolizada expressa a verdade arraves da aparencia da ilushy
sao apolinea da beleza diferentemente da em~ue a beleza e um veu
que oculta a verdade 0 acordo discordante caracteriscico do sublime em
contraposi=ao ao acordo harmonioso do belo que s6 e possivel pela exclusao
pda recusa da essencia arerrorizadora do mundo se da em Nietzsche entre 0
apolineo eo dionisiaco ~ntre as belas formas e a verdade profunda e informe
proveniente de seu desacordo iniciaL Neste sentido atcageciiae a arte sublime
que produz 0 dominio simb6lico do monstruoso da natureza
No sect3 de A visao dionisfaca do mundo que esrou comentando Nietzsche da uma indica~iio
importante de como 0 Seu conceito de sublime esta relacionado ao da tradiao acrescentando
logo a seguir que 0 sublime da urn passo a1em da beleza da bela aparenda porque e sentido romocontradicao 0 fragmento3[42] diz 0 pensamento traglco que concradiz a belezajorra damlisica
224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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OG o nascimento do trigico
0Iimpico9 quem melhor personifica a ideia de indivfduo Apob ea expresshy
sao a representaa0 a imagem divina do principium individuationis dizNietzsche
apropriando-se da expressao que Schopenhauer havia retirado da escolistica para caracterizar 0 espaco e 0 tempo como condic6es formais do objeto tO
Ideia explicitadaem urn fragmento dessa epoca do seguinte modo Projetanshy
do no passado cinzento do povo os reflexos veneraveis do individuo Apolo
velou para que 0 olhar da multidao guardasse a acuidade que permite recoshy
nhecer 0 individuo no presente ao mesmo tempo que se esfonava para dar
nascimento a novas individuos e para cerci-los de urn charm1rotepoundOr por sishy
nais maravilhosos11 A pulsao apoHnea diferenciadora cria ~~rmas e assim individualidadesO povo de Apolo e 0 povo das individualid~des12
Na etimologia de Apolo Nietzsche encontra duas caracteristicas do aposhylinea 0 brilho e a aparencia Apolo e a divindade da luz Logo no inicio de A
visao dionisiacado mundo escrito preparatorio a 0 nascimentodatmgidia do
verao de 1870 Nietzsche se pergunta em que sentido foi possivel fazer de
Apolo 0 deus da arte para logo responder Apenas enquanto ele eo deus
das representa~6es onfricas Ele e 0 Resplandecente de modo total em sua
raiz mais profunda eo deus do sol e da luz que se revela em seu brilho1J Febo
Apolo e 0 brilhante 0 resplandecente 0 solar E esse brilho essaluminosidashyde que nao e propriedade apenas de Apolo mas dos deuses olimpicos em geshyral ilumina os homens mesmo que estes sejam urn pilido reflexodos deuses
Quanta mais gloriosos os individuos em seus feitos heroicos mais brilhantes eles sao 14
Na epopeia a vida no apogeu de sua superabundancia de for~ e apreshy
senrada sob a luz clara e ensolarada dos deuses E luz aqui obviamente se
contrapoe a trevas Como diz 0 nascimento da tragedia Apolo ultrapassa 0 soshyfrimento do individuo pela gl6ria da luz15 Conceber 0 mundo apolineo como brilhante e segundo Nietzsche estrategia da epopeia para lidar com 0
sombrio 0 tenebroso da vida criando uma proteltao Mas que tipo de proteshy
~ao eessa A concep~ao da poesia epica como proteltao s6 pode ser compreenshy
dida em sua singularidade quando se pensa nela como crialtao de uma ilusao
uma ilusao artistica Assim intrinsecamente ligada a ideia de brillio esta a de aparencia
A ideia de individuo apolineo tal como aparece na interpre~o nietzshyschiana da epopeia em 0 nascimento da tragidia e introduzida por uma cons ishy
deraltao sobre a manifestaltao fisiol6gica do sonho Eassim que 0 sect1 diz que
em sonho apareceram primeiro as esplendorosas figuras divinas que fa-
Nietzsche e a representa~ao do dJOnisiaco 207
zem com que a arteapawa como urn jogo com 0 sonho Acredito que aosalishy
entar 0 carater onirico da epopeia Nietzsche esteja privilegiando na arte
apolinea 0 olhar a imagem a forma a figura A tal ponto que mesmo quando no Crepusculodosidoloselesubstitui 0 sonho eaembriaguez como caracteristishycas do apolineo e do dionisiaco por duas variedades de embriaguez defmira 0
apolfneo como a embriaguez que excira 0 olho Os deuses homericos com
seus traltos humanos perfeitos sao espelhos em que os homens se olham e se
veem transfigurados em figuras de sonho 0 mundo oHmpico e urn espelho
transfigurador E nessa conremplacao onirica 0 homem senre profundo prashy
zer interior como observa Nietzsche no sect4 de 0 nascimento da tragidia A visao onirica a visao extatica euma protecao urn abrigo que permite olhar com a mesma alegria 0 que hade sombrio no mundo
Sabe-se queo jovemNietzs~ e marcado pelo pensamento de Kantesoshy
bretudo de Schopenhauer Em 0 nascimento da tragidia ele esrrutura sua arshy
gumentaltao a partir das ca[egorias de fen6meno e coisa em si (kanrianas)
de representa~ao e vontade (schopenhauerianas) mas tambem platonicas de
aparencia e essencia (platonicas) N esse sentido uma das originalidades do lishy
vro quanto asua cdtica da metafisica racional e a valorizacao da aparencia
do fenomeno da representacao pela interpreta~olo das figuras de Apolo e dos deuses olimpicos considerados como criacoes de uma arte apolinea Arealidashyde dos deuses olimpicos euma aparencia uma mentira poetica
Essa rela~ao tao intima que Nietzsche estabelece entre brilho e aparencia
lhe permite passardo primeiro ao segundo termo e pensar a prote~ao apolinea
como oculta~ao encobrimentomiddotmiddot A luz e uma ilusao Os deuses e herois epicos
sao miragens artisticas que tornam a vida desejavel Ao transformar em apashy
rencia nolo s6 0 agradavel mas tambem 0 sombrio 0 poeta epico di avida prashy
bull Cf Nietzsche Crepusculo dos idalos Incurs6es de urn extemporineo sect10 Concordo portanto
com Paul de Man quando escreve que 0 sonho nilo e em 0 nascirnento da tragedia a emergencia
de uma verdade mais profunda ocultada pela distra~ao da mente desperra euma merasuperfishy
cie urn mero jogo de fonnas e associa~6es u m conjunro de imagens de luz e cor e nao a escurishy
dao da esfera imerior (Genese e genealogia in Alegorias da leitura p112)
Em alemao a passagem e de Schein a Erscheinung Wilamowitz-Mollendorff prates contra essa assimila~ao de luz e aparencia Certamente Ie umaenorme ousadia fazer de Apolo que pel a raiz de seu nome Ie 0 brilhantegra~as a umjogo de palavras 0 deus da aparencia iscoedaapashy
rencia da aparencia da verdade superior do sonho que contrasta com a realidade diurna pouco
compreens[vel (Filologiado fmuro primeira parte in Machado (org) Nietzscheeapolemicasoshy
bre 0 nascimento da tragidia p61)
208 o nascimento do tragico
zer e alegria Os deuses sao urn I1spelho luminoso que os gregos colocaram entre eles e as atrocidades da vid~ Como escreve Nietzsche no sect2 de A visao
dionisiica do mundo 0 mund6 brilhance do Olimpo s6 venceu porque era
preciso ocultar pelas figuras luminosas de Zeus Apolo Hermes ecc a sombria
atividade da moira do destino que impile a Aquiles morrer jovem e aEdipo
contrair urn casamento abominaveL
Quando no sect3 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche investiga os fundashymentos da culrura apolinea em busca da necessidade que levou acriruao dos deuses homericos 0 que descobre e 0 sofiimento 0 sofrimento com os terrores e atrocidades da existencia tao bern representados pelos poderes ciCltinicos da
natureza E no sect1O ele complementa essaanilise esclarecendo que 0 epos hoshy
merico e a poesiadacuituraolimpicacomaqual estacantou 0 seu proprio canshy
tico de vitoria sobre as terrores da titanomaquia Ideia que Erwin Rohde 0
fil6logo amigo de Nietzsche comenta em sua resenha recusada sabre 0 nascishy
mento da tragedia em termos bern schopenhauerianos ao escrever que a obra de arte epica exercira no mais altO grau 0 poder de libertar cia violencia da vontade
que move todas as coisas Se 0 insuponavel do sofrimento exige a proteltao da
arte como meio de tomar a vida suportavel a solult10 homerica evelar encobrir
o sofrimento criando uma ilusao protetora contra 0 ca6tico eo informe Essa
ilusao e 0 principio de individualtiio 0 indivlduo essa crialtiio Iuminosa e apashy
rente de Homero da decorrem 0 Estado a patria a familia eurn modo de
aliviar a atmosfera opressora da existencia 0 modo de triunfar do sofrimento apagando os seus trruos ou dele se esquecendo
Esse mundo apolineo criador do individuo como luminosidade e apashy
rencia possui solidamente unidas uma dimensao estetica e uma dimensao
etica a que se tern acesso pela noltiio de medida
Beleza no sentido propriamente estetico emedida harmonia equiHbrio
simetria ordem proporltiio delimitaiio Apolo e 0 deus da beleza e0 slmbolo
do mundo considerado como bela e ilus6rio e por isso do mundo da arte Sob 0 seu nome diz Nietzsche em Onascimento da tragedia reunimos as inushymeriveis ilusoes da bela aparencia que a cada instante tornam de algum
modo a existencia digna de ser vivida e impelem a viver 0 moment~inshy
tegtl6 Segundo A visiio dionisiaca do mundo e 0 nascimento da tragidia a beleshy
za e 0 elemento de Apolo a bela aparencia do mundo dos sonhos eseu reino
Mesmo irado triste ou de mau humor a gralta da bela aparencia niio 0 abanshy
Nietzsche e a representafao do dionislaco 20~
dona 17 Alem disso e nesse espelho apolineo que se consrr6i a imagem dos hoshy
mens como belos reflexosdos deuses A imagemdairade Aquiles eparade [0
artista epico] apenas uma imagem cuja expressao raivosa ele desfruta com
aquele seu prazer onirico na aparencia18 Asingularidade da arte apolinea ea
-uv de urn veu de beleza que encubra 0 sofrimento E 0 que diz por exemshy
deg fragrnento postumo 7[91] escrito entre 0 final de 1870 e abril de 1871
Nao hi bela superflcie sem uma profundidade aterradora Ideia que aparece de modo ainda mais schopenhaueriano no fragmento 7[27] da mesmaepoca quando depois de pergunrar 0 que e 0 bela Nietzsche responde imediatashy
mente Uma sensacao de prazer que nos ocultaem seu fenomeno as verdadeishy
ras intenltoes da vontade Ou em A visao diorusiaca do mundo sect4 quando
depois de perguntar 0 que e a beleza responde no mesmo sentido A rosa
ebela significa apenas a rosa tern uma bela aparencia tern alguma coisa de
brilhante que agrada Nada se diz do seu ser Elaagrada ela faz nascer 0 prazer como aparencia 0 que significa dizer que a vontade e tranqUilizada por seu
aparecimento que 0 prazer de ekistir aumenta
Mas esta dimensao estetica da beleza esci intrinsecamente ligada a uma
dimensao erica Nestesentido beleza e calmajovialidade serenidade sapienshy
te tranquilidade limita1io mensurada Iiberdade com relaltiio as emooes
Apolo deus da bela aparencia etambem a divindade etica da medida e des
justos Iimites Essa face de ApoIo e do individuo apolineo e ilustrada no inishy
cio de 0 nascimento cia tragedia com uma camparacao bastante expressiva retishyrada de Schopenhauer Assim como em meio ao mar enfurecido urn
barqueiro esra sentado em seu bote conftando na frigil embarcaltao assim
tambem em meio a Urn mundo de tormentoso homem individual esta transhy
apoiado e confiante no principium individuationis19 A serenidade
nea eo emblema da perfeilt3o individual E para que os limites apolfneos sejam
mantidos Apolo exige do indivfduo 0 conhecimento de si Junto com 0 nada em demasia nadaem excesso 0 outro principio sagrado inscri to no templo
de Apolo e conhece-te a ti mesmo20 Conhecimento de si que nao euma inshy
trospecltao psico16gica a constituiltao de urn mundo interior uma conscienshy
cia reflexiva mas urn espelhamento na figura na imagem do deus urn jogo de
espelhos pelo qual 0 homem se ve como bela reflexo do deus da beleza e da meshy
elida que ele mesmo criou Homero e urn poem da exterioridade
210 o nasdmento do tragico
A tenta~ao dionisiaca
Hi em Nietzsche urn evidente dogio da epopeia como modo ardstico de dar
sentido it vida pela expressao de uma superabundancia de pr6pria do
individuo her6ico Mas essas analises sao bastante reduzidas como se 56 exisshy
tissem para esclarecer um saber bem mais importance e profundo do que 0
apolineo 0 saber trigico De fato se Nietzsche nunea se denominou urn filoshysofo apo[fneo eporgue sempre esteve acento aos limites de uma visao apolinea do mundo Esses limites sao de dois tipos
o primeiro consiste naimpossibilidade de 0 apolineo se apresencar como
alternativa it racionalidade 0 tema nao e muito explicitado por Nietzsche
mas e possivd encontrar_DO pedodo inidal de sua obra algumas passagens
que constatam a apropri~o de Apolo pdo saber racionaL Eassim que 0 fragshymento p6stumo 3[36J de 1869-70 aproximaPlatio de Apolo dizendo que em Platio 0 mundo e visto do ponto de vista de Apolo ou do ponto de vista do
olho sua filosofiae uma glorificaltao supremadas coisas como imagens orishy
ginarias 0 fragmento 7[102] escrito entre 0 final de 1870 e abril de 1871 ao
mesmo tempo que diz na linha de 0 nascimento da tragedia pois se trata de
uma de suas teses centrais que S6crates recusa os misteriJs dionisiacos
tambem enuncia a tese muito menos explicitada no livro de que S6crates se apegaaApolo 0 fragmento8[131 do pedodode 1870-71 ao outono de 1872
caractedza Socrates como mestre apoHneo indicando que sua serenidade de artista se nlanifesta na maieutica Socrates e a tragedia un1a das confeshy
rencias que estao na origem do livro pronunciada na Basileia em 12 de [evereishy
ro de 1870 diz que em Socrates encarnou-se urn aspecto do clemento grego a
dareza (Klarheit) apolinea Ideia que reaparece no sect14 de 0 nascimento da trageshydia que ao se perguntar se entre a socratismo e a arte hi necessariamente uma rela~ao antagonica lembraque na prisao Socrates compos urn hino em homeshynagem aApolo e versificou algumas fabulas de Esopo referindo-se entio asua lucidez (Einsicht) apoHnea E nesse mesma item Nietzsche refere-se a Platio
a tendencia apoHnea mumificou-se em esquematismo 16gico
a rela~ao entre 0 apolineo e a racionalidade se evidencia mais uma
vez quando Nietzsche chama a nova comedia de inspiracao de seshy
renidade do escravo e serenidade alexandrina21 Ou quando retoma essa
ideia na Tentativa de autocritica ao ver continuidade entre serenidade e ciencia ao falar de serenidade do homem teorico ou dizer que os gregos nos
Nietzsche e a representa~ao do dionisfaco 211
mJod= diolu raquaa CO mam m oumi~m l6gi
mais serenos e mais cientificos22 Todas essas indic~6es eVldenciam porranto
que se Nietzsche nao se denomina urn fil6sofo apolineo e Doraue ve nisso
ou uma insuficienci no sentido de que abandonado a 5i messhy
moo saber apolineo transforma-se em saber radonal
o segundo limite da visao apoHnea tal como aparece na epopeia eo fato
de ela nao ser uma afirma~ao integral da vida Como uma prote~ao contra 0
terrivel da dor do sofrimento da morte que funciona como encobrimento 0
saber apolineo evidencia-se parcial ao deixar de ladoalgo que nao pode serigshy
norado e fatal mente se imp5e a outra forp artis ticada natureza 0 dionisiaco
56 consigo pois explicar 0 Estado d6rico e a arte d6rica como urn continuo
acampamento de guerra da forlta apoHnea s6 em uma incessante resistencia
contra 0 cariter titwico-barbaro do dionisiaco podia perdurar uma arte tao desafiadoramente austera circundada de baluartes uma educa~ao tao belicoshysa e ispera urn Estado de natureza tao cruel e brutal diz 0 sect4 de 0 nascimento
da tragedia Oeste modo ao analisar a epopeia Nietzsche 0 faz por oposicao ao
saber dionisiaco a sabedoria popular que grita infelicidade infeicidade
na cara da serenidade apolinea ou que na boca de Sileno 0 companheiro de
Oioniso revela rindo que 0 bem supremo irnpossivel ao homem e nao ter
nascido e 0 segundo dos ainda acessivel e morrer 0 quanta antes23 A
Grecia ensinou a Nietzsche ensinamento que the foi uti inclusive na commiddot do seu Zaratu5tra qll- uma cultura apolinea ao pretender negar 0
lado sombrio tenebroso da vida pela criaao da i1usao do individuo her6ico e
impotente contra urn saber aniquilador da vida tal COIRO 0 que se manifesta
no culto a Oioniso Em tudo que 0 dionisiaco penetrou 0 apolfneo foi suspenshy
so e aniquilado24
o que e entao 0 dionisiaco nietzschiano Fundamentalmente 0 culto
das bacantes Isro e 0 culro manifestado nos conejos orgiisticos de mulheres que em transe coletivo dan~ando cantando e toeando tamborins ern homa de Dloniso invadiram a Grecia vindas da Asia para fazer seu deus ser reconhe-
Ebern possive que Nietzsche tenha aprendido com Jacob Burckhardt
seu colega na Basileia acaracterizacao de Oioniso como urn deus semigrego
Eis 0 que escreve Burkhardt em sua Histolia da cultura grega POl wis da mascashy
ra do deus da fertilidade se oculta um ser meio cstrangeiro Uma das personifishycaoes do deus ern paixao (que acreditarnos ser um deus camica) adquiriu no
212 o nascimento do trligico
extremo oriental daAsia menor entre os frigios como tambem entre os traeishyos um ritmo selvagem e embriagador e em repetidas invas6es conseguiu reimshyplantar na Grecia 0 culto de Dionisomiddot Tambem Erwin Rohde amigo de
Nietzsche e autordePsyche livro publicadoem 1893 defende que 0 dionisiaco
representa urn corpo estranho na cultura gregahomerica 0 que 0 leva a situar
a origem de Oioniso fora das fronteiras da Greaa na Tracia e a explicar Sua
expansao a maneira de epidemias de danas convulsivasz5 Inclusive ao coshymentar 0 nascimento da tragedia em sua resenha- publicada ern maio de 1872
poucos meses portanto depois da publica~odo livro - Rohde ja defende que o entusiasmo panteista vindo do Oriente espalhou-se em ondas possantes pela Grecia Mas epreciso assinalar que jtt Holderlin chama 0 i0 niso urn deus estrangeiroZ6 considera-o deus dos elementos asiiticos27 Essa ideia pareshy
ce ser inquestionavel para os pensadores filologos ou nio do seculo XIX
Seja ou nio correta a ideia de urn Dionisoestrangeiro no sentido de nasshycido fora da Grecia interpretaao hoje negadapelos fil6Iogosmiddotmiddot 0 importante e que 0 culto mistico a Dioniso urn estrangeiro terrfvel28 significa para Nietzsche a neg~ao dos valores principais dacultura apolinea Em vez de urn
processo de individuaao e uma experienciade reconciliasao entre as pessoas
e das pessoas com a natureza uma harmonia universal e urn sentimento misshy
tico de unidade Sob a magia do dionisiaco toma a selar-se nao apenas 0 lalto
de pessoa a pessoa mas rambem a naturezaalheada inamistosa ou subjugada
volta a celebrar a festa da reconciliasao com seu fdho perdido 0 homem diz o sect 1 de 0 nascimento da tragedia
Burckhardt Hist6ria de La cultura grega tome II p112-3 Heidegger formula a hiperese de que
Burckhardt ja esrava no encal~o do ancagonismo entreoapolineo e 0 dionisfaco em suas confeshy
reneias sobre a civiliza~ao grega tealizadas na Basileiaaque Nietzsche em parte assistiu (cf
Nietzsche I p99) Eis como Nietzsche se refere it relruaoenm de e Burckhardt a respeito do dioshy
nisiaco no CrepUsculo tks idalos 0 que devo aos antigosD sect4 Fui 0 primeiro que para compreshyender a instinto heleruco mals antigo ainda rico e mesmo transbordante levei a serio 0
maravilhoso fenomeno que cern como nome Dioniso 0 qual s6 e explieavel par urn exeesso de forlta Quem se dedica ao escudo dos gregos comoJacob Burckhardt da Basileia a mals profun do conhecedor ainda em vida de sua culrura se deu logo conca da impartancia que lsso ctnha Burckhardt acrescentou aSUa Cultura do grego sesao especial sabre esse fenomeno
U Para Marcel Detienne nao hi duvida sobre a origem grega ~niso embora e1e scja 0
Estrangeiro porrador de estranheza 0 Esrrangeiro do interior (Dioniso a ceu aberto p21 26
37) Para Louis Gernet ao mesmo tempo que 0 dionisismo nao e uma religiao que vern de fora
Dioniso faria pensar no Dutro (Dionysos et la religion dionysiaque elements herites et tralS originaux in Anthopologje de La Grece antique p116 114)
Nietzsche e a nepresentafiio do dionisiac 2P
A experiencia dionisiaca ea possibilidade de escapar da divisao da muldshy
plicidade individual e se fundir ao uno ao ser ea possibilidade de integraao
da parte na totalidade Nietzsche enuncia is so ern linguagem entusiasmada
Camando e dan~ando rnanifesta-se 0 homem como membro de uma cornushy
nidade superior ele desaprendeu a andar e a falar eesra a ponto de danltando
sair voando pelos ares De seus gestos fala 0 encantamento Assim como agora
os animais falam e a terra cia le~te e mel do interior do homem tambern soa
algo de sobrenatural ele se sente deus carninha tin extasiado e enlevado
como vira em sonho os deuses caminharem29 Alias em sua resenha recusada
pelo editor Rohde salienta esse aspecto da experiencia dionisfaca ao escrever
que no encantamento ardente proporcionado pelo dionisfaco 0 homem
sente-se assim como Prometeu libertado livre de todas as amarras da indivishy
dualidade movido porurnaliberdade poderosaeilimirada transportado pela
tempestade de uma alegriae de uma dor nuncaantesexperimentada30
Essa reconciliacao com a natureza aparece com toda a pujana no texro que a meu ver mats inspirou Nietzsche na caracterizacao do culto dionisfashy
co As bacantes de Euripides Pois e importante nao esquecer que embora
Nietzsche critique a tendenciasocririca de Euripidese the impute a mone da
tragedia ele considera As bacantes obra escrita urn ano antes da mo rte de seu
autor - urn arrependimento Eis como esse Euripides tardiamente dionisiaco
canta a uniao das bacanres com a natureza 0 chao regurgita de leite de vishynho do nectar das abelhas31 Umas bacantes usam em vez de cinto serpenshy
tes que lhes lambem 0 rosto Outras segurando fdho~s de corcas e de lobos
selvagens dao-Ihes os seios ainda tllrgidos maes que abandonaram os mhos
recem-nascidos Todas elas coroam-se de hera de carvalho ou de flo res silvesshy
tres Vma delas bate com 0 tirso numa rocha e faz jorrar agua pura Omra fere
o chao com sua haste e 0 deus faz brotar uma fontedevinho As que desejam 0
alvo leite esfregam 0 solo com os dedos e 0 recolhem em abundancia Da hera dos tirsos escorre 0 doce mel3~ No jlibilo mfstico as fronteiras da individuashy
ao desaparecem Todas as fronteiras de castas que a necessidade ou 0 caprishy
cho estabeleceram entre os homens desaparecem 0 escravo e 0 homen1livre 0
nobre e 0 plebeu se unern nos mesmos coros baquicos diz Nietzscheraquo E poshy
de-se lcrescentar no mesmo espirito que desaparecem Oll se atenuam ao
maxiJt1o as diferenltas entre masculino-feminino birbaro-civilizado velhoshy
jove~ louco-sabio i
214 o nascimento do tragico
1sso q uanto asubstituiltao da individualiza~ao pela reconcilialtao Em seshygundo lugar 0 culto dionisiaco tarnbern significa 0 abandono dos preceitos apolineos da rnedida e da consciencia de si Em vez de medida 0 que se manishy
festa na celebraltao das bacantes e a hybris com a mllsica extatica magica enfeishy
tiadora apresentando a desmedida a desmesura da natureza exultante na
alegria no sofrimento e no conhecimentO34 Adesmesura se revela como vershy
dade no sentido de que iibeleza da medidaseopoe a verdade da desmesura ou
de que amentiradaciviliza~ao se opoe a verdade da natureza Na pecade Eurishy
e Penteu 0 rei de Tebas principal representante da ao instinshyto aforlta dionislaca quem denuncia que as mulheres de Tebas abandonaram seus lares pelas bacanais permanecendo nas florestas sombrias danltando em
homa de uma nova divindade urn impostor urn encantador vindo da Lidia
que as esta iniciando nos misterios baquicos35 0 cuIto dionisfaco em vez de I
delimita~ao calma tranquilidade serenidade apolineas impoe um comporshy
tamento marcado por um extase urn entusiasmo um enfeiticamento urn freshy
nesi sexual uma bestialidade namral constituida de volupia e crueldade de forlta grotesca e cruel
Do mesmo modo em vez da consciencia de si apolinea 0 culto dionisiaco produz uma desintegra~o do eu uma aboliltao da subjetividade ate 0 total esshy
quecimento de si um desprendimento de SI proprio a dissoluao do eu no
um abandono ao extase divino aloucura mistica do deus da possesshy36
Sii0 No das Bacantes Dion1so esclarece que pelo fato de suas Gas as
irmas de sua mae Semele 0 terem insultado declarando nao ser ele filho de
Zeus negando porranto sua condioao divina ele compeliu as mulheres de Tebas a deixar seus lares e a morar nos altos montes usando apenas a roushypagem orgiastica E logo a seguir 0 cora das bacanres em sua primeira intershyvenltao enaltece sua orgia sagrada Feliz daquele que se inicia nos misterios
divinos Ihes consagra sua vida e santifica sua alma purificada nas bacanais da montanha37
Mas a melhor ilustraltao da perda da consciencia caracteristica do extase
do entusiasmo do enfeitiltamento dionisiaco e 0 comportamento de Agave -shyfilhade fundadordeTebas e irmadeSemele mae de Dioniso-quanshydo seu filho Penteu culpado por querer contemplar aquilo que nao epermishytido ver quando nao se e bacante vai observar as bacantes sem que elas notem
mas 0 deus as faz descobri-Io e enfurecer-se contra ele Penteu acariciando 0
rosto de sua miie pede-Iheque se apiede dele e nao asacrifique Agave emdelf-
Nietzsche e a representa~ao do dionisiaco 215
rio pando muira espuma pela boca e revirando os olhos desvairadamente como se Baco a possuisse38 nao 0 ouve esquarteja-o ajudada por suas duas irmas e lanlta os restosde seu corpo ern todas as direcoes Oepois toma a cabeshy
lta que ela imagina ser a cabelta de urn leao e a leva em procissao para Tebas
espetada em seu tirso mostrando-a pelo caminho Em Tebas ela a entrega a
seu pai Cadmo que se lamenta com essas palavras bern elucidativas da aminoshy
mia entre a conscienciaapolinea e 0 delirio dianisiaco Quando recuperardes
vossa lucidez sofrereis atrozmente vendo a vassa feito Ese deveis permanecer
ate 0 fim nesse estado se a felicidade vos menos ignorais vossa
desventuralmiddot
Como se ve apesardaoriginalidade na determinaltao dessas duas fonasshy
o apolineo e 0 dionisiaco- a tese de Nietzsche a respeito daexistencia de uma
oposiltao entre elas se insere perfeitamente no tipo de pensamenro caracterisshy
tico da filosofia do tragico desde 0 final do seculo XVIII que postula a divisao
entre uma Grecia marcada pela serenidade ou simplicidade caracteristica que
lhe da Winckelmann e uma Grecia arcaica sombria violenta selvagem miseishy
ca extatica como aparece bern daramence ern Holderlin Em 0 nascimento da tragedia possivelmente pensando em Winckelmann Nietzsche se insurge conshy
traa ideia de que aartegrega possa ser explicada por urn untco principio Maf nao se pode esquecer que isso nao eu ma navidade de sua filosofia pais para
toda a filosofia do trigico nao se trata mais de interpretar a arte grega como
nobre simplicidade e serena A tal ponto que mesmo os
pensadores do tragico postulam em sua reflexao sobre a tragedia uma harshy
monia ela eo produto de uma oposiltao de prindpiosmiddotI bull
E interessante observar que 0 nascimento da tragedia retoma a distincao d~ Schiller entre 0 ingenuo e 0 sentimental forrnuladaem seu livro Poesia ingenua
esentimental para pensar 0 apolineg e 0 dionisfaco Partindo da ideia do ingeshy
nuo como harmonia ou unidade dd homem com a natureza Nietzsche aproshy
a seu modo dadistinltao de Schiller considerando 0 ingenuo no sect3
bull Asbacante5 1258-6L a fragmenco poswmo 14[14] da primavera de 1888 a meu ver bemem
continuidade COm 0 na5ci_ da tragedia define 0 dionisiaco 0 desmesurado 0 selvagemo
asiatico U utna vontadede focmidavel [UngeheucrJ pot U uma tendencia irresisrivel aunidade
urn slm excasiado ao carater total da vida sempre a 5i proprio em meio ao que muda a
grafeSlmpatia panteiscana alegriae nador define por ourrolado 0 apolineo LIma vontade
de Tdlda como a rendencia ao set-pata-st ao
216 o nasdmento do tragico
de 0 nascimento da tragidia 0 efeito supremo dacivilizaltio apollnea 0 total
engolfamenro na beleza da aparencia No fundoo que 0 nascimento da trage
dia faz e explicar 0 ingenue peIo apoHneo Assim se Homero e urn inge
nuo como 0 considerava Schillet39 e que a ingenuidade hometica s6 pode
set compreendida como uma vit6ria rotal da ilusiio apoHnea E se Nietzsche
nao e muito explicito no livro sobre a util~ desses conceitos de Schiller
principalmente 0 de sentimental 0 fragmento pOstumo 7[126] escrito entre 0
final de 1870 e abrilde 1871 val mais longequando afirma Penso interpretar
ingenuo corretamente por puramente apolineo aparencia da aparencia e
sentimental em compensagtao por nascidodaluta do conhecimento trigico
e da mistica E vendo dificuldades no conceito de sentimental 0
Nietzsche torna mais preciso 0 seu pensamentodizendo Compreendo como o opOSto absolute do ingenuo e do apoHneo 0 ltdionisiaco isto e tudo 0 que nao e aparenciade aparencia mas aparencia do ser reflexo da eterna unidashyde originiria
Mas a refenncia essencial de Nietzsche para interpretar a mitologia e a
arte gregas e como sempre nessa epoca Schopenhauer E se 0 nascimento
da tragedia se baseia em 0 mundo como vontade e representafdo isso significa
principalmente que os conceitos mais abrangentes da analise nierzsc~iana da rragedia 0 dionisiaco e 0 apolineo sao penados a partir dos conceitos schopenhauerianos de vonrade e represent~ transformados na lingua gem nierzschiana em uno originirio e aparencia
Ja me referi a rela=ao entre a aparencia nietzschiana e a rprpenl~r() schopenhaueriana ao estudar 0 apolineo como 0 dominio do princfpio de in
dividua~ao) do ser fenomenal da aparencia Mas rambem me parece evidente
que 0 conceito de dionisiaco e fundado metafisicamente no uno originirio
unidade existente alem au aquem da represent~ que por sua vez e uma reo tomada da vontade universal de Schopenhauer 0 que ha entao de comum entre a concepao de vontade em Nietzsche e Schopenhauer
Se eevidente como me parece que a estrururada argumentaltao de 0 nas
cimento da tragedia parte de uma separaltao radical entre 0 apolineo
como individualtao e 0 dionisiaco pensado como totalidade os dois
comum a interpreta~ao da vontade comolinica universal Pode pareshy
cer dificil defender essa posi~ao pais se encontram em Nietzsche afirma=oes que vao en sentido diferente Penso em fragmentos da epoca como a Vonta
de e a forma mais geral do fenomeno Ou 0 que diz A vontade pertence a
Nietzsche e a representa~iio do dionisiaco ~~7
aparencia A vonrade eja uma forma de fenomeno Ou ainda 0 que
ltliz Toda a vida pulsional s6 nos econhecida - devo acrescentat contra
Schopenhauer - como representalt3o e nao segundo sua essencia e Dooe-se
mesmo dizer que a propria vontade de Schopenhauereapenas a forma mais ~l
geral de algo que perrnanece inteiramenre indecifravel essa forma original~ da manifestaao a vontade consegue no entanto uma expressao simb61imiddot~
-r ca sempre mais adequada no desenvolvimento da mnsica40f
Apontar tais afirma=oes nao me parece no entanto uma objeao imporshy~ j
tante Primeiro porque encontramos fragmentos damesma epoca que enunshy~ 7J clam ourra posiltao Por exemplo Na vontade s6 hi pluralidade movimenco ~
pela representaltao a vontade e universal a represenraltao 0 que diferenshy
cia ou aquele que opoe a no~ao epica de agon a de regime tragico esc1areshyemdo que esta ultima faz frente ao egosmo- middotdt-ittdividualidade e dele se protege colocando-o a servio da totalidade41
Segundo porque quando me pergunto qual dessas inrerpretaoes privileshy
giar parece-me evidente que as fragmenros postumos devem set interpretashy
dos a partir das obras publicadas na epoca peio proprio auror pois sao essa~
obras que expressam com mais clareza e sistematicidade a dire~ao que ele da
aos pensamentos que lhe surgem enquamo investiga determinado tema Assim a meu ver no caso preciso de saber qual a posiiio de Nietzsche sobre a vonrade e preciso se voltar para 0 nascimento da tragiJia E a esse nao
acho que no livro uma critica a Schopenhauer que por razoes
ticas isea e pelo faro de seus maiores amigos como Rohde Overbeck ou
Wagner serem schopenhauerianos Nietzsche teria eSGondido Ou que ainda
usando uma cerminologiaschopenhaueriana Nietzsche ja apresenre urn penshy
same~co rotalmente diferente daquele que encontrou no fil6sofo que consishy
deravt seu mestre
Cercamente ja na epoca de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz varias criticas a Schopenhauer par exemplo aideia de que aarre seja nega=ao da vonmiddot
tade Nao penso pOtem que a leitura do livroedosescriros que the deram orimiddot
gem permtta conduir que a pluralidade ou a multiplicidade ja se encomra na
vontade ou que a vonrade nada mais edo que a aparencia Parece-me ao canmiddot
tnirio que 0 uno originario nietzschiano quando pensado em 0 tragedia como um principio ontol6gico opoSto aaparencia fenomenal e como
a vontade schopenhaueriana unico eterno incondicionado 13 esse sentido da
expressao uno originario que permite por exemplo compreender a caracteshy
218 0 nascimento do tragico
riza~ao do dionisiaco barbaro no sectl do livro Agora gra~as ao evangelho da
harmonia universal cada qual se sente mo s6 unificado condliado fundido
com 0 seu proximo mas urn como se 0 veu de Maia tivesse sido rasgado e reduzido a tiras esvoacasse diante do misrerioso uno originario Ou mesmo a concepltiio da tragedia no sect7 0 efeito mais imediate da tragerua e que deg Estado e a sociedade tudo 0 que constirni urn abismo uma separ~ao entre
homem e homem daD lugar a urn sentimento todo-poderoso de unidade que
reconduz ao amago da natureza 0 que me conduir que 0 dionisiaco e
fundado metafisicamente no uno origiruirio que e uma retomadada vontade
universal de Schopenhauer isto e da vontade considerada como nlicleo do
mundo essencia das cOlsas forlta que etemamente quer deseja e aspira Acredito que s6 interpretando a vontade desse modo e possivel dar coma da tese do livro sobre a tragedia como rel~ entre 0 apolineo eo dionisiaco
A dialetica e 0 sublime na recondliafao tragica
o estudo das duas pulsoes esteticas da natureza mostrou que 0 apolineo tal como se manifesta na poesia epica reprimiu a principio os sombrios impulshysos dionisiacos mas essa repressao foi incapaz de reter a torrente invasora do dionisfaco42 que pouco a pouco como ilustra As bacantes de Euripides disshy
solvia abolia engolia as fronteiras apolineas No entanto se 0 apolineo e- 0 I
dionisfaco aparecem ate aqui em antagonismo luta discordia esse antagoshy
nismo nao e a ultima palavra de Nietzsche - como ja transparece no inicio de
o nascimento da tragedia ao se referir as duas forcas da natureza
Nietzsche salienta nao s6 a lura incessante entre elas como tambem a intershyven~ao de peri6dicas Nesse sentido uma das finalidades do livro e justamente apontar como depoisde prolongada luta esses dois
50S atraves de uma uniiio conjugal geraram a arte tragica Ideia
que Nietzsche expressa em termos diferentes mas proximos quando se refere
it laquoalian~a fraterna it ao pacto de it redproca necessidashy
de a propor~o redproca aD contato e intensifica~ao redprocos encre Apolo e Oioni5O43 Assim sua palavra final a respeito da tragedia no primeiro livro nao e 0 antagonismo mas a reconcilialtiio
Significara isso um hegelianismo de Nietzschei No sect3 de sua Temativa
de autocritica a 0 nascimento da tragedia ele se ve retrospectivamente como 0
~
f~ ~ Nietzsche e a repre5en~ao do dionisiaco 219 ~
f
bull ft
11 disdpulo de urn deus desconhecido que se havia provisoriamente dissimushy
lado ___ sob 0 peso e a morosidade dialetica do alemao _ E e ainaa mais preciso
quando diz no Ecce homo que seu primeiro livro tern cheiro indecorosamente hegeliano dando inclusive como exernplo a concepltao da tragedia em que a oposiltao e transformada em unidade44
Essas formula~oes remetem evidentemente i dialetica que e segundo
Hegel a lei do movimento de retorno do espirito absoluto a si mesmo a lei
encadeamento dos diferentes momentos que constituem 0 espirito
ao percorrer uma serie de etapas em que ele se manifesta de maneira cada vez
mats universal mais concreta Ese nesse processo dialetico a nega~ao tern urn
papel fundamental e porque 0 trabalho do negativo e 0 elemento impulsionashydor a mola propulsora que leva a reconcilialtao e porque peIo processo de neshyga~iio da nega~ao a contradi~iio e superada-conservada ern uma totalidade
mais elevada Assim a dialetica e urn processo de supera~ao-conservacao (Auf
hebung) em que duas ideias opostas se revelam como momentos de uma terceishy
ra ideia que contem as duas primeiras elevando-as a uma unidade superior
Deleuze valoriza a interpretaltao que Nietzsche da de sua propria trajet6shy
ria ao criticar seu primeiro livro como hegeliano para ressaltar os limites da concepltiio nietzschiant do tragico no momenta de 0 nascimento da tragedia e mostrar em que sentido se daa evolu~ao de seu pensamento para umanova concepcao do wigico Eassim que ele apresenta 0 movimento do primeiro lishy
vro de Nietzsche como 0 de uma contradi=ao entre a unidade primiriva e a inshy
dividuaao ou entre a vonrade e a aparencia contradiao que se reflete na
oposicao de Dioniso eApolo e finalmente se resolve pela reconciliacao domishy
nada por emre os dois principlos na tragedia Mais precisarnenre inshy
terpretando a dialetica do tragico corno 0 movimenro da contradi~ao e de sua solultao embora considere que rigorosamente falando o nascimento da nao e um livro dialetico Deleuze defende que sob
fluencia de Schooenhauer filosofo aue nao aDreciava a
ea e expressao dramatica teatral portanto aposhy
linea dessa 45
Isso no entanto niio e sufidente para caracterizar urn hegeIianismo de Nietzsche Pois como temos visto OUtlOS pensadores da mesma epoca OUlate
mesmo imediatamente anteriores a Hegel como Schelling e 0 primeiro Hoi-
I
220 o nascimento do tragico
derlin pensaram de forma mais ou menos semelhante 0 dualismo tragico
como uma unidade dos cOntrarios produzida pe1a inversao de urn dos termos
no outro Quer dizer mesmo queO nascimento da tragidia seja urn livro dialerishy
co talvez isso nao fa~a do Nietzsche dessa epoca necessariamente urn hegeliashy
no pois pensar a tragedia diaJeticamente - q uestao que diz menos respei to a contradiltao ou aoposiyao propriamente do que ao tipo de reJaltiio existente entre os prindpios antagonicos - nao foi uma singuJaridade de Hegel na Aleshymanha do final do seculo XVIII e inkio do seculo XIX
Mas sera 0 livro dialetico Lacoue-Labarthe tambem defende essa posishyltao Sempre interessado em seus estudos na questao da mimesis na modershynidade ele tambem segue essa pista ao investigar 0 ripo de amagonismo
caracteristico da tragedia no primeiro livro de NietzscheAssim ele interpreta
a relayao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco como uma re~ de imitalt3o em que 0 elemento dionisfaco e urn primeiro reflexo uma primeita copia urn prishymeiro espelho do mundo ou davonrade e 0 elemento apolfneo uma imitaltao do dionisiaco A partir daf ele observa que quando 0 antagonismo aparece em
o nascimento da tragedia urn conflieo entre duas forltas ou potincias iguais no
inicio do livro onde a relaltao entre as duas forltas epensadaatraves da metafoshy
ra da uniao dos sexos a 16gica dessa rela~ao mimetica ea dialetica E deste
modo Lacoue-Labarthe e levado aconcluir que para Nietzsche a tragedia e a
filha ou a substituiltao [releve] dialeticada contradiltaoque opoe e nao cess a de referir um ao outro os dois principios antagonicos46
Mas nao seria possivel explicar a relaltao entre essas duas forltas esteticas da natureza - que apesar da tensao que persiste entre elas se cornam compleshy
mentares - de maneira diferente E0 que faz por exemplo Sarah fOfman ao
negar que a relaltiio entre Apolo e Dioniso devaser pensadaa partir 0 modelo
diaietico como uma eontradiCao entre duas ideias que poderiam ersubstishy
tuidas [(relevees] por uma terceira a tragedia Ela prefere pensa-la peIo moshydelo heradftico de uma relaao conflitual entre dois tipos de fora cada um por sua vez vencedor 0 triunfo provis6rio de urn dos dois lutadores dando a
aparencia de uma harmonia enquanto a guerra e a luta sao de faro permashynentes47
Retomando os passos da refl~xao sobre 0 rragico penso que e possivel
compreeI-der essa uniao conjugalr do dionisiaco e do apolineo pela vinculashy
lt30 entre a tematica nietzschiana do tragico e a teoria do sublime que ja foi
usada por Schiller Schelling e Schopenhauer para explicar a reJaltao e1tre os
Nietzsche e a representafio do ltlionisfaco
dois principios constiturivos da tragedia A dificuldade no entanto e que
diferentemente do que acontecia no caso desses autores Nietzsche praticashy
mente nao fala do sublime e quando fala nem sempre parece dizer a mesma
coisa Poisna verdade nio hi uma teo ria do sublime em suaobra mas apeshy
nas uIlfas poucas passagens em que seu conceito aparece em geral para exshy
plicar ttragedia48
A rimeira questao a ser investigada ea seguinte haved em 0 nascimento da tragedia uma concepltao da beleza como forma e do sublime como informe ou da belezacomo sonho e do sublime como embriaguez 0 queidentificaria a bela com 0 apoUneo e 0 sublime com 0 dionisiaco 0 fragmento p6stumo
7[46] do periodo entre 0 final de 1870 e abril de 1871 cheio de questoes sobre
o belo e 0 sublime poderia dar essaimpressao quando diz USe 0 belo repousa
[beruht] sabre urn sonho do ser 0 sublime repousa sobre a embriaguez do ser Mas minha hip6tese nao e exatamente essa Penso inclusive que mesmo esse fragmento parece dar uma pista para pensar a identificacao do sublime nao propriamente com 0 dionisiaco mas com 0 tragico Vimos que quando salishy
entava 0 carater onrdeo da epopeia no inlcio de 0 nascimento da tragedia
Nietzsche nao dizia propriamente que 0 bela era degsonho mas que 0 sonho era
a condiCao do apareciqlento das belas figuras Aqui Nietzsche parece expor
essa mesma ideia ao indicar que 0 bela repousa sobre urn sonho do ser E do mesmo modo tambem parece indicar nao exatamente que 0 sublime seja a embriaguez 0 extase 0 entusiasmo dionisiacos mas que os tenm por base os tenha em sua origem como condiltao fisio16gica
onascimento da tragedia quase nao se refere ao -su---bn-ru-e Mas no final do sect7
hi uma passagem importante para se pensar nao 56 0 que Nietzsche entendia
nessa epoca por sublime como tambem a utilizaltao que faz desse conceito
para pensar 0 tragico Trata-se de uma simples menCao ao sublime como sushy
jeiltao artistica do horror [Udas Erhabene als die kiinstlerische Bandigung des Entsealichenj- ideia que pode ser mais bern compreendida pelo sect3 de A vishy
sao dionisiaca do mundo que define 0 sublime exatamente com as mesmas
palavtas porem emais expHcito do que a breve menltiio de 01ldScimentoda trashy
gedia Sua formul~ao e a seguinte lmporta antes de cudo transformar 0 penshy
samento de desgosto com respeito ao horror e ao absurdo da existencia em~~~
representaltOes que permitam viver sao 0 sublime [aqui os erutores das obras
complecas indicam que Nietzsche anotou na margem do manuscrito 0 mlmeshy
ro de uma pagina de 0 mundo como vontade erepresentctfao] como sujeiltao arclsshy
~ 2~jl~
223 222 0 nascimenro do tragilto
tica do horror eo ridfculo como aHvio artistico do desgosto do absurdo Esses
dois elementos entrela~ados estiio unidos em uma obra de arre que imita a
embriaguez que joga com a embriaguez I Deixando de lade 0 ridiculo que diz respeito ao comico hreio que essas
duas passagens permitem pensar 0 sublime como modelo nao propriamente do dionisiaco mas cia acte tragica como rela~ entrE 0 apolfneo e 0 dionisfashyco Pois nito sera claro que Nietzsche esta dizendo nelas que a tragedia eolushy
gar de uma passagem do horror ao sublime OU mais explicitamente que a
arte sublime da tragedia nao exdui ou reprime 0 terrivel da natureza mas
transforma 0 desgosto com respeito ao horror daexistencia presence no
slaco em representaoes que tornam a vida possiveI
Ora a relaltao entre 0 horror e a represent~ que encontramos nessa ideia esta em continuidade com uma das caracteristicas do sublime em geral independentemente dos teemos que ele relaciona ou do te6rico que 0 conceishy
tuou Estou pensando na existencia de uma desproponao entre esses rermos
desproporao que produz urn conflito Urn desacordo uma dissonancia uma
desarmonia entre des mas que leva finalmente a urn acordo Com isso estou
querendo salientar que Nietzsche se insere na tradi~ao do sublime pensado
a panir da dualidade de principios imagina~ao e razao no caso de Kant senshysivel e supra-sensivel no caso de Schiller intui~ sensivel e contempla~ao absoluta no caso de Schelling representa~ao e ideia no caso de Schopenshyhauer Em Nieczscheessadualidadeeado apolfneoedo 0 quese
observa portanto quando se comparam esses pensadores eque tanto em
Nietzsche quanto em seus antecessores a partir de Kant 0 sublime esempre
definido levando em considera~ao dois termos de nlveis peso ou potencia
diferentes urn marcado pelo finiro pela Iimitaxao pela forma 0 outro pelo
infinito pela ilimitaao pelo informe Essa desproporao essa imensurabilishydade entre um condicionado e urn incondicionado marca 0 pensamento do sublime de Kant a Nietzsche
Deixo de lado Hegel porque ele s6 utiliza 0 conceiro de sublime para caracrerizar a relaltao enshy
tre os elementos sensivel e espiritual na aHe simb6lica sem panamo ver nele importancia
a teoria da tragedia Tambem niiovejo a relevancia do sublime paraa inrerpretacao holderliniana
da tragedia Wagner q uase nilo pensa 0 sublime mas em set Beabwwen ele explica a musica a parshytir do sublime defendendo que ela provoca 0 extase supremo proveniente da consciencia do ilishymitado (Beethoven p33) AMm disso tambem explica 0 drama a panir da musica (p69) COnsideshyrando-o reflexo da rnusica que se cornou visfvel (p77)
Nietzsche e a ~o do dionisiaco
Alem dis so 0 sublime tambem foi sempre pensado como possibilitando
uma apresentaao negativa como disse Kant de uma instfulcia infinita que
pennaneceria inacesslvel se nao fosse refletida no espelho de wna instancia finishy
taFoisempre um modo de apresemar 0 que nao podia ser apresemado 0 que
o supra-sensi vel em Kant e Schiller 0 abso I uto em Schelling a ideia (urn tipo de ideia) em Schopenhauer 0 ilirnitado em Wagner No caso de Nietzsche 0 wonishyS1acO Assim mesmo se um dos teemos e dominante a ele s6 se tem acesso peIo
outro termo marcado por uma inferioridade seja no que diz respeiro agrandeshy
za seja no que diz respeito afor~ apotencia ao poder Urn so pode aparecer
simboIizado pelo outro isto e deixando em parte de ser ele mesmomiddot
Assim os dois tetmos importantes na apropriaiio nietzschiana do sublishy
me sao 0 horror dionisfaco e a representaao apolinea ou a embriaguez e a
inU~ E nessa rela~ao de prindpios opostos nao eo hotTOr dionisiaco que esublime mas a representa~ao teatral do horror Nio e a embriaguez que e sushy
blime mas a imita=ao a representaao apolfnea da embriaguez 0 jogo com a
embriaguez logo que rem como funao aliviar a propria embriaguez Deste
modo 0 sublime nao se identifica ao dionislaco averdade aessencia da natushy
reza Eurn elemento intermediario entre a belezae a verdade entre a bela apashy
renciae a verdade enigmaticae tenebrosa possibilitado pela uniiio de Apolo e Dioniso existente na tragedia Pois na tragedia a aparencia e saboreada nao mais como aparencia como no caso da arte da a epopeia mas como
simbolo como signa da verdade A tragedia arte simb61icaarre em que a vershy
dade esimbolizada expressa a verdade arraves da aparencia da ilushy
sao apolinea da beleza diferentemente da em~ue a beleza e um veu
que oculta a verdade 0 acordo discordante caracteriscico do sublime em
contraposi=ao ao acordo harmonioso do belo que s6 e possivel pela exclusao
pda recusa da essencia arerrorizadora do mundo se da em Nietzsche entre 0
apolineo eo dionisiaco ~ntre as belas formas e a verdade profunda e informe
proveniente de seu desacordo iniciaL Neste sentido atcageciiae a arte sublime
que produz 0 dominio simb6lico do monstruoso da natureza
No sect3 de A visao dionisfaca do mundo que esrou comentando Nietzsche da uma indica~iio
importante de como 0 Seu conceito de sublime esta relacionado ao da tradiao acrescentando
logo a seguir que 0 sublime da urn passo a1em da beleza da bela aparenda porque e sentido romocontradicao 0 fragmento3[42] diz 0 pensamento traglco que concradiz a belezajorra damlisica
224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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208 o nascimento do tragico
zer e alegria Os deuses sao urn I1spelho luminoso que os gregos colocaram entre eles e as atrocidades da vid~ Como escreve Nietzsche no sect2 de A visao
dionisiica do mundo 0 mund6 brilhance do Olimpo s6 venceu porque era
preciso ocultar pelas figuras luminosas de Zeus Apolo Hermes ecc a sombria
atividade da moira do destino que impile a Aquiles morrer jovem e aEdipo
contrair urn casamento abominaveL
Quando no sect3 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche investiga os fundashymentos da culrura apolinea em busca da necessidade que levou acriruao dos deuses homericos 0 que descobre e 0 sofiimento 0 sofrimento com os terrores e atrocidades da existencia tao bern representados pelos poderes ciCltinicos da
natureza E no sect1O ele complementa essaanilise esclarecendo que 0 epos hoshy
merico e a poesiadacuituraolimpicacomaqual estacantou 0 seu proprio canshy
tico de vitoria sobre as terrores da titanomaquia Ideia que Erwin Rohde 0
fil6logo amigo de Nietzsche comenta em sua resenha recusada sabre 0 nascishy
mento da tragedia em termos bern schopenhauerianos ao escrever que a obra de arte epica exercira no mais altO grau 0 poder de libertar cia violencia da vontade
que move todas as coisas Se 0 insuponavel do sofrimento exige a proteltao da
arte como meio de tomar a vida suportavel a solult10 homerica evelar encobrir
o sofrimento criando uma ilusao protetora contra 0 ca6tico eo informe Essa
ilusao e 0 principio de individualtiio 0 indivlduo essa crialtiio Iuminosa e apashy
rente de Homero da decorrem 0 Estado a patria a familia eurn modo de
aliviar a atmosfera opressora da existencia 0 modo de triunfar do sofrimento apagando os seus trruos ou dele se esquecendo
Esse mundo apolineo criador do individuo como luminosidade e apashy
rencia possui solidamente unidas uma dimensao estetica e uma dimensao
etica a que se tern acesso pela noltiio de medida
Beleza no sentido propriamente estetico emedida harmonia equiHbrio
simetria ordem proporltiio delimitaiio Apolo e 0 deus da beleza e0 slmbolo
do mundo considerado como bela e ilus6rio e por isso do mundo da arte Sob 0 seu nome diz Nietzsche em Onascimento da tragedia reunimos as inushymeriveis ilusoes da bela aparencia que a cada instante tornam de algum
modo a existencia digna de ser vivida e impelem a viver 0 moment~inshy
tegtl6 Segundo A visiio dionisiaca do mundo e 0 nascimento da tragidia a beleshy
za e 0 elemento de Apolo a bela aparencia do mundo dos sonhos eseu reino
Mesmo irado triste ou de mau humor a gralta da bela aparencia niio 0 abanshy
Nietzsche e a representafao do dionislaco 20~
dona 17 Alem disso e nesse espelho apolineo que se consrr6i a imagem dos hoshy
mens como belos reflexosdos deuses A imagemdairade Aquiles eparade [0
artista epico] apenas uma imagem cuja expressao raivosa ele desfruta com
aquele seu prazer onirico na aparencia18 Asingularidade da arte apolinea ea
-uv de urn veu de beleza que encubra 0 sofrimento E 0 que diz por exemshy
deg fragrnento postumo 7[91] escrito entre 0 final de 1870 e abril de 1871
Nao hi bela superflcie sem uma profundidade aterradora Ideia que aparece de modo ainda mais schopenhaueriano no fragmento 7[27] da mesmaepoca quando depois de pergunrar 0 que e 0 bela Nietzsche responde imediatashy
mente Uma sensacao de prazer que nos ocultaem seu fenomeno as verdadeishy
ras intenltoes da vontade Ou em A visao diorusiaca do mundo sect4 quando
depois de perguntar 0 que e a beleza responde no mesmo sentido A rosa
ebela significa apenas a rosa tern uma bela aparencia tern alguma coisa de
brilhante que agrada Nada se diz do seu ser Elaagrada ela faz nascer 0 prazer como aparencia 0 que significa dizer que a vontade e tranqUilizada por seu
aparecimento que 0 prazer de ekistir aumenta
Mas esta dimensao estetica da beleza esci intrinsecamente ligada a uma
dimensao erica Nestesentido beleza e calmajovialidade serenidade sapienshy
te tranquilidade limita1io mensurada Iiberdade com relaltiio as emooes
Apolo deus da bela aparencia etambem a divindade etica da medida e des
justos Iimites Essa face de ApoIo e do individuo apolineo e ilustrada no inishy
cio de 0 nascimento cia tragedia com uma camparacao bastante expressiva retishyrada de Schopenhauer Assim como em meio ao mar enfurecido urn
barqueiro esra sentado em seu bote conftando na frigil embarcaltao assim
tambem em meio a Urn mundo de tormentoso homem individual esta transhy
apoiado e confiante no principium individuationis19 A serenidade
nea eo emblema da perfeilt3o individual E para que os limites apolfneos sejam
mantidos Apolo exige do indivfduo 0 conhecimento de si Junto com 0 nada em demasia nadaem excesso 0 outro principio sagrado inscri to no templo
de Apolo e conhece-te a ti mesmo20 Conhecimento de si que nao euma inshy
trospecltao psico16gica a constituiltao de urn mundo interior uma conscienshy
cia reflexiva mas urn espelhamento na figura na imagem do deus urn jogo de
espelhos pelo qual 0 homem se ve como bela reflexo do deus da beleza e da meshy
elida que ele mesmo criou Homero e urn poem da exterioridade
210 o nasdmento do tragico
A tenta~ao dionisiaca
Hi em Nietzsche urn evidente dogio da epopeia como modo ardstico de dar
sentido it vida pela expressao de uma superabundancia de pr6pria do
individuo her6ico Mas essas analises sao bastante reduzidas como se 56 exisshy
tissem para esclarecer um saber bem mais importance e profundo do que 0
apolineo 0 saber trigico De fato se Nietzsche nunea se denominou urn filoshysofo apo[fneo eporgue sempre esteve acento aos limites de uma visao apolinea do mundo Esses limites sao de dois tipos
o primeiro consiste naimpossibilidade de 0 apolineo se apresencar como
alternativa it racionalidade 0 tema nao e muito explicitado por Nietzsche
mas e possivd encontrar_DO pedodo inidal de sua obra algumas passagens
que constatam a apropri~o de Apolo pdo saber racionaL Eassim que 0 fragshymento p6stumo 3[36J de 1869-70 aproximaPlatio de Apolo dizendo que em Platio 0 mundo e visto do ponto de vista de Apolo ou do ponto de vista do
olho sua filosofiae uma glorificaltao supremadas coisas como imagens orishy
ginarias 0 fragmento 7[102] escrito entre 0 final de 1870 e abril de 1871 ao
mesmo tempo que diz na linha de 0 nascimento da tragedia pois se trata de
uma de suas teses centrais que S6crates recusa os misteriJs dionisiacos
tambem enuncia a tese muito menos explicitada no livro de que S6crates se apegaaApolo 0 fragmento8[131 do pedodode 1870-71 ao outono de 1872
caractedza Socrates como mestre apoHneo indicando que sua serenidade de artista se nlanifesta na maieutica Socrates e a tragedia un1a das confeshy
rencias que estao na origem do livro pronunciada na Basileia em 12 de [evereishy
ro de 1870 diz que em Socrates encarnou-se urn aspecto do clemento grego a
dareza (Klarheit) apolinea Ideia que reaparece no sect14 de 0 nascimento da trageshydia que ao se perguntar se entre a socratismo e a arte hi necessariamente uma rela~ao antagonica lembraque na prisao Socrates compos urn hino em homeshynagem aApolo e versificou algumas fabulas de Esopo referindo-se entio asua lucidez (Einsicht) apoHnea E nesse mesma item Nietzsche refere-se a Platio
a tendencia apoHnea mumificou-se em esquematismo 16gico
a rela~ao entre 0 apolineo e a racionalidade se evidencia mais uma
vez quando Nietzsche chama a nova comedia de inspiracao de seshy
renidade do escravo e serenidade alexandrina21 Ou quando retoma essa
ideia na Tentativa de autocritica ao ver continuidade entre serenidade e ciencia ao falar de serenidade do homem teorico ou dizer que os gregos nos
Nietzsche e a representa~ao do dionisfaco 211
mJod= diolu raquaa CO mam m oumi~m l6gi
mais serenos e mais cientificos22 Todas essas indic~6es eVldenciam porranto
que se Nietzsche nao se denomina urn fil6sofo apolineo e Doraue ve nisso
ou uma insuficienci no sentido de que abandonado a 5i messhy
moo saber apolineo transforma-se em saber radonal
o segundo limite da visao apoHnea tal como aparece na epopeia eo fato
de ela nao ser uma afirma~ao integral da vida Como uma prote~ao contra 0
terrivel da dor do sofrimento da morte que funciona como encobrimento 0
saber apolineo evidencia-se parcial ao deixar de ladoalgo que nao pode serigshy
norado e fatal mente se imp5e a outra forp artis ticada natureza 0 dionisiaco
56 consigo pois explicar 0 Estado d6rico e a arte d6rica como urn continuo
acampamento de guerra da forlta apoHnea s6 em uma incessante resistencia
contra 0 cariter titwico-barbaro do dionisiaco podia perdurar uma arte tao desafiadoramente austera circundada de baluartes uma educa~ao tao belicoshysa e ispera urn Estado de natureza tao cruel e brutal diz 0 sect4 de 0 nascimento
da tragedia Oeste modo ao analisar a epopeia Nietzsche 0 faz por oposicao ao
saber dionisiaco a sabedoria popular que grita infelicidade infeicidade
na cara da serenidade apolinea ou que na boca de Sileno 0 companheiro de
Oioniso revela rindo que 0 bem supremo irnpossivel ao homem e nao ter
nascido e 0 segundo dos ainda acessivel e morrer 0 quanta antes23 A
Grecia ensinou a Nietzsche ensinamento que the foi uti inclusive na commiddot do seu Zaratu5tra qll- uma cultura apolinea ao pretender negar 0
lado sombrio tenebroso da vida pela criaao da i1usao do individuo her6ico e
impotente contra urn saber aniquilador da vida tal COIRO 0 que se manifesta
no culto a Oioniso Em tudo que 0 dionisiaco penetrou 0 apolfneo foi suspenshy
so e aniquilado24
o que e entao 0 dionisiaco nietzschiano Fundamentalmente 0 culto
das bacantes Isro e 0 culro manifestado nos conejos orgiisticos de mulheres que em transe coletivo dan~ando cantando e toeando tamborins ern homa de Dloniso invadiram a Grecia vindas da Asia para fazer seu deus ser reconhe-
Ebern possive que Nietzsche tenha aprendido com Jacob Burckhardt
seu colega na Basileia acaracterizacao de Oioniso como urn deus semigrego
Eis 0 que escreve Burkhardt em sua Histolia da cultura grega POl wis da mascashy
ra do deus da fertilidade se oculta um ser meio cstrangeiro Uma das personifishycaoes do deus ern paixao (que acreditarnos ser um deus camica) adquiriu no
212 o nascimento do trligico
extremo oriental daAsia menor entre os frigios como tambem entre os traeishyos um ritmo selvagem e embriagador e em repetidas invas6es conseguiu reimshyplantar na Grecia 0 culto de Dionisomiddot Tambem Erwin Rohde amigo de
Nietzsche e autordePsyche livro publicadoem 1893 defende que 0 dionisiaco
representa urn corpo estranho na cultura gregahomerica 0 que 0 leva a situar
a origem de Oioniso fora das fronteiras da Greaa na Tracia e a explicar Sua
expansao a maneira de epidemias de danas convulsivasz5 Inclusive ao coshymentar 0 nascimento da tragedia em sua resenha- publicada ern maio de 1872
poucos meses portanto depois da publica~odo livro - Rohde ja defende que o entusiasmo panteista vindo do Oriente espalhou-se em ondas possantes pela Grecia Mas epreciso assinalar que jtt Holderlin chama 0 i0 niso urn deus estrangeiroZ6 considera-o deus dos elementos asiiticos27 Essa ideia pareshy
ce ser inquestionavel para os pensadores filologos ou nio do seculo XIX
Seja ou nio correta a ideia de urn Dionisoestrangeiro no sentido de nasshycido fora da Grecia interpretaao hoje negadapelos fil6Iogosmiddotmiddot 0 importante e que 0 culto mistico a Dioniso urn estrangeiro terrfvel28 significa para Nietzsche a neg~ao dos valores principais dacultura apolinea Em vez de urn
processo de individuaao e uma experienciade reconciliasao entre as pessoas
e das pessoas com a natureza uma harmonia universal e urn sentimento misshy
tico de unidade Sob a magia do dionisiaco toma a selar-se nao apenas 0 lalto
de pessoa a pessoa mas rambem a naturezaalheada inamistosa ou subjugada
volta a celebrar a festa da reconciliasao com seu fdho perdido 0 homem diz o sect 1 de 0 nascimento da tragedia
Burckhardt Hist6ria de La cultura grega tome II p112-3 Heidegger formula a hiperese de que
Burckhardt ja esrava no encal~o do ancagonismo entreoapolineo e 0 dionisfaco em suas confeshy
reneias sobre a civiliza~ao grega tealizadas na Basileiaaque Nietzsche em parte assistiu (cf
Nietzsche I p99) Eis como Nietzsche se refere it relruaoenm de e Burckhardt a respeito do dioshy
nisiaco no CrepUsculo tks idalos 0 que devo aos antigosD sect4 Fui 0 primeiro que para compreshyender a instinto heleruco mals antigo ainda rico e mesmo transbordante levei a serio 0
maravilhoso fenomeno que cern como nome Dioniso 0 qual s6 e explieavel par urn exeesso de forlta Quem se dedica ao escudo dos gregos comoJacob Burckhardt da Basileia a mals profun do conhecedor ainda em vida de sua culrura se deu logo conca da impartancia que lsso ctnha Burckhardt acrescentou aSUa Cultura do grego sesao especial sabre esse fenomeno
U Para Marcel Detienne nao hi duvida sobre a origem grega ~niso embora e1e scja 0
Estrangeiro porrador de estranheza 0 Esrrangeiro do interior (Dioniso a ceu aberto p21 26
37) Para Louis Gernet ao mesmo tempo que 0 dionisismo nao e uma religiao que vern de fora
Dioniso faria pensar no Dutro (Dionysos et la religion dionysiaque elements herites et tralS originaux in Anthopologje de La Grece antique p116 114)
Nietzsche e a nepresentafiio do dionisiac 2P
A experiencia dionisiaca ea possibilidade de escapar da divisao da muldshy
plicidade individual e se fundir ao uno ao ser ea possibilidade de integraao
da parte na totalidade Nietzsche enuncia is so ern linguagem entusiasmada
Camando e dan~ando rnanifesta-se 0 homem como membro de uma cornushy
nidade superior ele desaprendeu a andar e a falar eesra a ponto de danltando
sair voando pelos ares De seus gestos fala 0 encantamento Assim como agora
os animais falam e a terra cia le~te e mel do interior do homem tambern soa
algo de sobrenatural ele se sente deus carninha tin extasiado e enlevado
como vira em sonho os deuses caminharem29 Alias em sua resenha recusada
pelo editor Rohde salienta esse aspecto da experiencia dionisfaca ao escrever
que no encantamento ardente proporcionado pelo dionisfaco 0 homem
sente-se assim como Prometeu libertado livre de todas as amarras da indivishy
dualidade movido porurnaliberdade poderosaeilimirada transportado pela
tempestade de uma alegriae de uma dor nuncaantesexperimentada30
Essa reconciliacao com a natureza aparece com toda a pujana no texro que a meu ver mats inspirou Nietzsche na caracterizacao do culto dionisfashy
co As bacantes de Euripides Pois e importante nao esquecer que embora
Nietzsche critique a tendenciasocririca de Euripidese the impute a mone da
tragedia ele considera As bacantes obra escrita urn ano antes da mo rte de seu
autor - urn arrependimento Eis como esse Euripides tardiamente dionisiaco
canta a uniao das bacanres com a natureza 0 chao regurgita de leite de vishynho do nectar das abelhas31 Umas bacantes usam em vez de cinto serpenshy
tes que lhes lambem 0 rosto Outras segurando fdho~s de corcas e de lobos
selvagens dao-Ihes os seios ainda tllrgidos maes que abandonaram os mhos
recem-nascidos Todas elas coroam-se de hera de carvalho ou de flo res silvesshy
tres Vma delas bate com 0 tirso numa rocha e faz jorrar agua pura Omra fere
o chao com sua haste e 0 deus faz brotar uma fontedevinho As que desejam 0
alvo leite esfregam 0 solo com os dedos e 0 recolhem em abundancia Da hera dos tirsos escorre 0 doce mel3~ No jlibilo mfstico as fronteiras da individuashy
ao desaparecem Todas as fronteiras de castas que a necessidade ou 0 caprishy
cho estabeleceram entre os homens desaparecem 0 escravo e 0 homen1livre 0
nobre e 0 plebeu se unern nos mesmos coros baquicos diz Nietzscheraquo E poshy
de-se lcrescentar no mesmo espirito que desaparecem Oll se atenuam ao
maxiJt1o as diferenltas entre masculino-feminino birbaro-civilizado velhoshy
jove~ louco-sabio i
214 o nascimento do tragico
1sso q uanto asubstituiltao da individualiza~ao pela reconcilialtao Em seshygundo lugar 0 culto dionisiaco tarnbern significa 0 abandono dos preceitos apolineos da rnedida e da consciencia de si Em vez de medida 0 que se manishy
festa na celebraltao das bacantes e a hybris com a mllsica extatica magica enfeishy
tiadora apresentando a desmedida a desmesura da natureza exultante na
alegria no sofrimento e no conhecimentO34 Adesmesura se revela como vershy
dade no sentido de que iibeleza da medidaseopoe a verdade da desmesura ou
de que amentiradaciviliza~ao se opoe a verdade da natureza Na pecade Eurishy
e Penteu 0 rei de Tebas principal representante da ao instinshyto aforlta dionislaca quem denuncia que as mulheres de Tebas abandonaram seus lares pelas bacanais permanecendo nas florestas sombrias danltando em
homa de uma nova divindade urn impostor urn encantador vindo da Lidia
que as esta iniciando nos misterios baquicos35 0 cuIto dionisfaco em vez de I
delimita~ao calma tranquilidade serenidade apolineas impoe um comporshy
tamento marcado por um extase urn entusiasmo um enfeiticamento urn freshy
nesi sexual uma bestialidade namral constituida de volupia e crueldade de forlta grotesca e cruel
Do mesmo modo em vez da consciencia de si apolinea 0 culto dionisiaco produz uma desintegra~o do eu uma aboliltao da subjetividade ate 0 total esshy
quecimento de si um desprendimento de SI proprio a dissoluao do eu no
um abandono ao extase divino aloucura mistica do deus da possesshy36
Sii0 No das Bacantes Dion1so esclarece que pelo fato de suas Gas as
irmas de sua mae Semele 0 terem insultado declarando nao ser ele filho de
Zeus negando porranto sua condioao divina ele compeliu as mulheres de Tebas a deixar seus lares e a morar nos altos montes usando apenas a roushypagem orgiastica E logo a seguir 0 cora das bacanres em sua primeira intershyvenltao enaltece sua orgia sagrada Feliz daquele que se inicia nos misterios
divinos Ihes consagra sua vida e santifica sua alma purificada nas bacanais da montanha37
Mas a melhor ilustraltao da perda da consciencia caracteristica do extase
do entusiasmo do enfeitiltamento dionisiaco e 0 comportamento de Agave -shyfilhade fundadordeTebas e irmadeSemele mae de Dioniso-quanshydo seu filho Penteu culpado por querer contemplar aquilo que nao epermishytido ver quando nao se e bacante vai observar as bacantes sem que elas notem
mas 0 deus as faz descobri-Io e enfurecer-se contra ele Penteu acariciando 0
rosto de sua miie pede-Iheque se apiede dele e nao asacrifique Agave emdelf-
Nietzsche e a representa~ao do dionisiaco 215
rio pando muira espuma pela boca e revirando os olhos desvairadamente como se Baco a possuisse38 nao 0 ouve esquarteja-o ajudada por suas duas irmas e lanlta os restosde seu corpo ern todas as direcoes Oepois toma a cabeshy
lta que ela imagina ser a cabelta de urn leao e a leva em procissao para Tebas
espetada em seu tirso mostrando-a pelo caminho Em Tebas ela a entrega a
seu pai Cadmo que se lamenta com essas palavras bern elucidativas da aminoshy
mia entre a conscienciaapolinea e 0 delirio dianisiaco Quando recuperardes
vossa lucidez sofrereis atrozmente vendo a vassa feito Ese deveis permanecer
ate 0 fim nesse estado se a felicidade vos menos ignorais vossa
desventuralmiddot
Como se ve apesardaoriginalidade na determinaltao dessas duas fonasshy
o apolineo e 0 dionisiaco- a tese de Nietzsche a respeito daexistencia de uma
oposiltao entre elas se insere perfeitamente no tipo de pensamenro caracterisshy
tico da filosofia do tragico desde 0 final do seculo XVIII que postula a divisao
entre uma Grecia marcada pela serenidade ou simplicidade caracteristica que
lhe da Winckelmann e uma Grecia arcaica sombria violenta selvagem miseishy
ca extatica como aparece bern daramence ern Holderlin Em 0 nascimento da tragedia possivelmente pensando em Winckelmann Nietzsche se insurge conshy
traa ideia de que aartegrega possa ser explicada por urn untco principio Maf nao se pode esquecer que isso nao eu ma navidade de sua filosofia pais para
toda a filosofia do trigico nao se trata mais de interpretar a arte grega como
nobre simplicidade e serena A tal ponto que mesmo os
pensadores do tragico postulam em sua reflexao sobre a tragedia uma harshy
monia ela eo produto de uma oposiltao de prindpiosmiddotI bull
E interessante observar que 0 nascimento da tragedia retoma a distincao d~ Schiller entre 0 ingenuo e 0 sentimental forrnuladaem seu livro Poesia ingenua
esentimental para pensar 0 apolineg e 0 dionisfaco Partindo da ideia do ingeshy
nuo como harmonia ou unidade dd homem com a natureza Nietzsche aproshy
a seu modo dadistinltao de Schiller considerando 0 ingenuo no sect3
bull Asbacante5 1258-6L a fragmenco poswmo 14[14] da primavera de 1888 a meu ver bemem
continuidade COm 0 na5ci_ da tragedia define 0 dionisiaco 0 desmesurado 0 selvagemo
asiatico U utna vontadede focmidavel [UngeheucrJ pot U uma tendencia irresisrivel aunidade
urn slm excasiado ao carater total da vida sempre a 5i proprio em meio ao que muda a
grafeSlmpatia panteiscana alegriae nador define por ourrolado 0 apolineo LIma vontade
de Tdlda como a rendencia ao set-pata-st ao
216 o nasdmento do tragico
de 0 nascimento da tragidia 0 efeito supremo dacivilizaltio apollnea 0 total
engolfamenro na beleza da aparencia No fundoo que 0 nascimento da trage
dia faz e explicar 0 ingenue peIo apoHneo Assim se Homero e urn inge
nuo como 0 considerava Schillet39 e que a ingenuidade hometica s6 pode
set compreendida como uma vit6ria rotal da ilusiio apoHnea E se Nietzsche
nao e muito explicito no livro sobre a util~ desses conceitos de Schiller
principalmente 0 de sentimental 0 fragmento pOstumo 7[126] escrito entre 0
final de 1870 e abrilde 1871 val mais longequando afirma Penso interpretar
ingenuo corretamente por puramente apolineo aparencia da aparencia e
sentimental em compensagtao por nascidodaluta do conhecimento trigico
e da mistica E vendo dificuldades no conceito de sentimental 0
Nietzsche torna mais preciso 0 seu pensamentodizendo Compreendo como o opOSto absolute do ingenuo e do apoHneo 0 ltdionisiaco isto e tudo 0 que nao e aparenciade aparencia mas aparencia do ser reflexo da eterna unidashyde originiria
Mas a refenncia essencial de Nietzsche para interpretar a mitologia e a
arte gregas e como sempre nessa epoca Schopenhauer E se 0 nascimento
da tragedia se baseia em 0 mundo como vontade e representafdo isso significa
principalmente que os conceitos mais abrangentes da analise nierzsc~iana da rragedia 0 dionisiaco e 0 apolineo sao penados a partir dos conceitos schopenhauerianos de vonrade e represent~ transformados na lingua gem nierzschiana em uno originirio e aparencia
Ja me referi a rela=ao entre a aparencia nietzschiana e a rprpenl~r() schopenhaueriana ao estudar 0 apolineo como 0 dominio do princfpio de in
dividua~ao) do ser fenomenal da aparencia Mas rambem me parece evidente
que 0 conceito de dionisiaco e fundado metafisicamente no uno originirio
unidade existente alem au aquem da represent~ que por sua vez e uma reo tomada da vontade universal de Schopenhauer 0 que ha entao de comum entre a concepao de vontade em Nietzsche e Schopenhauer
Se eevidente como me parece que a estrururada argumentaltao de 0 nas
cimento da tragedia parte de uma separaltao radical entre 0 apolineo
como individualtao e 0 dionisiaco pensado como totalidade os dois
comum a interpreta~ao da vontade comolinica universal Pode pareshy
cer dificil defender essa posi~ao pais se encontram em Nietzsche afirma=oes que vao en sentido diferente Penso em fragmentos da epoca como a Vonta
de e a forma mais geral do fenomeno Ou 0 que diz A vontade pertence a
Nietzsche e a representa~iio do dionisiaco ~~7
aparencia A vonrade eja uma forma de fenomeno Ou ainda 0 que
ltliz Toda a vida pulsional s6 nos econhecida - devo acrescentat contra
Schopenhauer - como representalt3o e nao segundo sua essencia e Dooe-se
mesmo dizer que a propria vontade de Schopenhauereapenas a forma mais ~l
geral de algo que perrnanece inteiramenre indecifravel essa forma original~ da manifestaao a vontade consegue no entanto uma expressao simb61imiddot~
-r ca sempre mais adequada no desenvolvimento da mnsica40f
Apontar tais afirma=oes nao me parece no entanto uma objeao imporshy~ j
tante Primeiro porque encontramos fragmentos damesma epoca que enunshy~ 7J clam ourra posiltao Por exemplo Na vontade s6 hi pluralidade movimenco ~
pela representaltao a vontade e universal a represenraltao 0 que diferenshy
cia ou aquele que opoe a no~ao epica de agon a de regime tragico esc1areshyemdo que esta ultima faz frente ao egosmo- middotdt-ittdividualidade e dele se protege colocando-o a servio da totalidade41
Segundo porque quando me pergunto qual dessas inrerpretaoes privileshy
giar parece-me evidente que as fragmenros postumos devem set interpretashy
dos a partir das obras publicadas na epoca peio proprio auror pois sao essa~
obras que expressam com mais clareza e sistematicidade a dire~ao que ele da
aos pensamentos que lhe surgem enquamo investiga determinado tema Assim a meu ver no caso preciso de saber qual a posiiio de Nietzsche sobre a vonrade e preciso se voltar para 0 nascimento da tragiJia E a esse nao
acho que no livro uma critica a Schopenhauer que por razoes
ticas isea e pelo faro de seus maiores amigos como Rohde Overbeck ou
Wagner serem schopenhauerianos Nietzsche teria eSGondido Ou que ainda
usando uma cerminologiaschopenhaueriana Nietzsche ja apresenre urn penshy
same~co rotalmente diferente daquele que encontrou no fil6sofo que consishy
deravt seu mestre
Cercamente ja na epoca de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz varias criticas a Schopenhauer par exemplo aideia de que aarre seja nega=ao da vonmiddot
tade Nao penso pOtem que a leitura do livroedosescriros que the deram orimiddot
gem permtta conduir que a pluralidade ou a multiplicidade ja se encomra na
vontade ou que a vonrade nada mais edo que a aparencia Parece-me ao canmiddot
tnirio que 0 uno originario nietzschiano quando pensado em 0 tragedia como um principio ontol6gico opoSto aaparencia fenomenal e como
a vontade schopenhaueriana unico eterno incondicionado 13 esse sentido da
expressao uno originario que permite por exemplo compreender a caracteshy
218 0 nascimento do tragico
riza~ao do dionisiaco barbaro no sectl do livro Agora gra~as ao evangelho da
harmonia universal cada qual se sente mo s6 unificado condliado fundido
com 0 seu proximo mas urn como se 0 veu de Maia tivesse sido rasgado e reduzido a tiras esvoacasse diante do misrerioso uno originario Ou mesmo a concepltiio da tragedia no sect7 0 efeito mais imediate da tragerua e que deg Estado e a sociedade tudo 0 que constirni urn abismo uma separ~ao entre
homem e homem daD lugar a urn sentimento todo-poderoso de unidade que
reconduz ao amago da natureza 0 que me conduir que 0 dionisiaco e
fundado metafisicamente no uno origiruirio que e uma retomadada vontade
universal de Schopenhauer isto e da vontade considerada como nlicleo do
mundo essencia das cOlsas forlta que etemamente quer deseja e aspira Acredito que s6 interpretando a vontade desse modo e possivel dar coma da tese do livro sobre a tragedia como rel~ entre 0 apolineo eo dionisiaco
A dialetica e 0 sublime na recondliafao tragica
o estudo das duas pulsoes esteticas da natureza mostrou que 0 apolineo tal como se manifesta na poesia epica reprimiu a principio os sombrios impulshysos dionisiacos mas essa repressao foi incapaz de reter a torrente invasora do dionisfaco42 que pouco a pouco como ilustra As bacantes de Euripides disshy
solvia abolia engolia as fronteiras apolineas No entanto se 0 apolineo e- 0 I
dionisfaco aparecem ate aqui em antagonismo luta discordia esse antagoshy
nismo nao e a ultima palavra de Nietzsche - como ja transparece no inicio de
o nascimento da tragedia ao se referir as duas forcas da natureza
Nietzsche salienta nao s6 a lura incessante entre elas como tambem a intershyven~ao de peri6dicas Nesse sentido uma das finalidades do livro e justamente apontar como depoisde prolongada luta esses dois
50S atraves de uma uniiio conjugal geraram a arte tragica Ideia
que Nietzsche expressa em termos diferentes mas proximos quando se refere
it laquoalian~a fraterna it ao pacto de it redproca necessidashy
de a propor~o redproca aD contato e intensifica~ao redprocos encre Apolo e Oioni5O43 Assim sua palavra final a respeito da tragedia no primeiro livro nao e 0 antagonismo mas a reconcilialtiio
Significara isso um hegelianismo de Nietzschei No sect3 de sua Temativa
de autocritica a 0 nascimento da tragedia ele se ve retrospectivamente como 0
~
f~ ~ Nietzsche e a repre5en~ao do dionisiaco 219 ~
f
bull ft
11 disdpulo de urn deus desconhecido que se havia provisoriamente dissimushy
lado ___ sob 0 peso e a morosidade dialetica do alemao _ E e ainaa mais preciso
quando diz no Ecce homo que seu primeiro livro tern cheiro indecorosamente hegeliano dando inclusive como exernplo a concepltao da tragedia em que a oposiltao e transformada em unidade44
Essas formula~oes remetem evidentemente i dialetica que e segundo
Hegel a lei do movimento de retorno do espirito absoluto a si mesmo a lei
encadeamento dos diferentes momentos que constituem 0 espirito
ao percorrer uma serie de etapas em que ele se manifesta de maneira cada vez
mats universal mais concreta Ese nesse processo dialetico a nega~ao tern urn
papel fundamental e porque 0 trabalho do negativo e 0 elemento impulsionashydor a mola propulsora que leva a reconcilialtao e porque peIo processo de neshyga~iio da nega~ao a contradi~iio e superada-conservada ern uma totalidade
mais elevada Assim a dialetica e urn processo de supera~ao-conservacao (Auf
hebung) em que duas ideias opostas se revelam como momentos de uma terceishy
ra ideia que contem as duas primeiras elevando-as a uma unidade superior
Deleuze valoriza a interpretaltao que Nietzsche da de sua propria trajet6shy
ria ao criticar seu primeiro livro como hegeliano para ressaltar os limites da concepltiio nietzschiant do tragico no momenta de 0 nascimento da tragedia e mostrar em que sentido se daa evolu~ao de seu pensamento para umanova concepcao do wigico Eassim que ele apresenta 0 movimento do primeiro lishy
vro de Nietzsche como 0 de uma contradi=ao entre a unidade primiriva e a inshy
dividuaao ou entre a vonrade e a aparencia contradiao que se reflete na
oposicao de Dioniso eApolo e finalmente se resolve pela reconciliacao domishy
nada por emre os dois principlos na tragedia Mais precisarnenre inshy
terpretando a dialetica do tragico corno 0 movimenro da contradi~ao e de sua solultao embora considere que rigorosamente falando o nascimento da nao e um livro dialetico Deleuze defende que sob
fluencia de Schooenhauer filosofo aue nao aDreciava a
ea e expressao dramatica teatral portanto aposhy
linea dessa 45
Isso no entanto niio e sufidente para caracterizar urn hegeIianismo de Nietzsche Pois como temos visto OUtlOS pensadores da mesma epoca OUlate
mesmo imediatamente anteriores a Hegel como Schelling e 0 primeiro Hoi-
I
220 o nascimento do tragico
derlin pensaram de forma mais ou menos semelhante 0 dualismo tragico
como uma unidade dos cOntrarios produzida pe1a inversao de urn dos termos
no outro Quer dizer mesmo queO nascimento da tragidia seja urn livro dialerishy
co talvez isso nao fa~a do Nietzsche dessa epoca necessariamente urn hegeliashy
no pois pensar a tragedia diaJeticamente - q uestao que diz menos respei to a contradiltao ou aoposiyao propriamente do que ao tipo de reJaltiio existente entre os prindpios antagonicos - nao foi uma singuJaridade de Hegel na Aleshymanha do final do seculo XVIII e inkio do seculo XIX
Mas sera 0 livro dialetico Lacoue-Labarthe tambem defende essa posishyltao Sempre interessado em seus estudos na questao da mimesis na modershynidade ele tambem segue essa pista ao investigar 0 ripo de amagonismo
caracteristico da tragedia no primeiro livro de NietzscheAssim ele interpreta
a relayao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco como uma re~ de imitalt3o em que 0 elemento dionisfaco e urn primeiro reflexo uma primeita copia urn prishymeiro espelho do mundo ou davonrade e 0 elemento apolfneo uma imitaltao do dionisiaco A partir daf ele observa que quando 0 antagonismo aparece em
o nascimento da tragedia urn conflieo entre duas forltas ou potincias iguais no
inicio do livro onde a relaltao entre as duas forltas epensadaatraves da metafoshy
ra da uniao dos sexos a 16gica dessa rela~ao mimetica ea dialetica E deste
modo Lacoue-Labarthe e levado aconcluir que para Nietzsche a tragedia e a
filha ou a substituiltao [releve] dialeticada contradiltaoque opoe e nao cess a de referir um ao outro os dois principios antagonicos46
Mas nao seria possivel explicar a relaltao entre essas duas forltas esteticas da natureza - que apesar da tensao que persiste entre elas se cornam compleshy
mentares - de maneira diferente E0 que faz por exemplo Sarah fOfman ao
negar que a relaltiio entre Apolo e Dioniso devaser pensadaa partir 0 modelo
diaietico como uma eontradiCao entre duas ideias que poderiam ersubstishy
tuidas [(relevees] por uma terceira a tragedia Ela prefere pensa-la peIo moshydelo heradftico de uma relaao conflitual entre dois tipos de fora cada um por sua vez vencedor 0 triunfo provis6rio de urn dos dois lutadores dando a
aparencia de uma harmonia enquanto a guerra e a luta sao de faro permashynentes47
Retomando os passos da refl~xao sobre 0 rragico penso que e possivel
compreeI-der essa uniao conjugalr do dionisiaco e do apolineo pela vinculashy
lt30 entre a tematica nietzschiana do tragico e a teoria do sublime que ja foi
usada por Schiller Schelling e Schopenhauer para explicar a reJaltao e1tre os
Nietzsche e a representafio do ltlionisfaco
dois principios constiturivos da tragedia A dificuldade no entanto e que
diferentemente do que acontecia no caso desses autores Nietzsche praticashy
mente nao fala do sublime e quando fala nem sempre parece dizer a mesma
coisa Poisna verdade nio hi uma teo ria do sublime em suaobra mas apeshy
nas uIlfas poucas passagens em que seu conceito aparece em geral para exshy
plicar ttragedia48
A rimeira questao a ser investigada ea seguinte haved em 0 nascimento da tragedia uma concepltao da beleza como forma e do sublime como informe ou da belezacomo sonho e do sublime como embriaguez 0 queidentificaria a bela com 0 apoUneo e 0 sublime com 0 dionisiaco 0 fragmento p6stumo
7[46] do periodo entre 0 final de 1870 e abril de 1871 cheio de questoes sobre
o belo e 0 sublime poderia dar essaimpressao quando diz USe 0 belo repousa
[beruht] sabre urn sonho do ser 0 sublime repousa sobre a embriaguez do ser Mas minha hip6tese nao e exatamente essa Penso inclusive que mesmo esse fragmento parece dar uma pista para pensar a identificacao do sublime nao propriamente com 0 dionisiaco mas com 0 tragico Vimos que quando salishy
entava 0 carater onrdeo da epopeia no inlcio de 0 nascimento da tragedia
Nietzsche nao dizia propriamente que 0 bela era degsonho mas que 0 sonho era
a condiCao do apareciqlento das belas figuras Aqui Nietzsche parece expor
essa mesma ideia ao indicar que 0 bela repousa sobre urn sonho do ser E do mesmo modo tambem parece indicar nao exatamente que 0 sublime seja a embriaguez 0 extase 0 entusiasmo dionisiacos mas que os tenm por base os tenha em sua origem como condiltao fisio16gica
onascimento da tragedia quase nao se refere ao -su---bn-ru-e Mas no final do sect7
hi uma passagem importante para se pensar nao 56 0 que Nietzsche entendia
nessa epoca por sublime como tambem a utilizaltao que faz desse conceito
para pensar 0 tragico Trata-se de uma simples menCao ao sublime como sushy
jeiltao artistica do horror [Udas Erhabene als die kiinstlerische Bandigung des Entsealichenj- ideia que pode ser mais bern compreendida pelo sect3 de A vishy
sao dionisiaca do mundo que define 0 sublime exatamente com as mesmas
palavtas porem emais expHcito do que a breve menltiio de 01ldScimentoda trashy
gedia Sua formul~ao e a seguinte lmporta antes de cudo transformar 0 penshy
samento de desgosto com respeito ao horror e ao absurdo da existencia em~~~
representaltOes que permitam viver sao 0 sublime [aqui os erutores das obras
complecas indicam que Nietzsche anotou na margem do manuscrito 0 mlmeshy
ro de uma pagina de 0 mundo como vontade erepresentctfao] como sujeiltao arclsshy
~ 2~jl~
223 222 0 nascimenro do tragilto
tica do horror eo ridfculo como aHvio artistico do desgosto do absurdo Esses
dois elementos entrela~ados estiio unidos em uma obra de arre que imita a
embriaguez que joga com a embriaguez I Deixando de lade 0 ridiculo que diz respeito ao comico hreio que essas
duas passagens permitem pensar 0 sublime como modelo nao propriamente do dionisiaco mas cia acte tragica como rela~ entrE 0 apolfneo e 0 dionisfashyco Pois nito sera claro que Nietzsche esta dizendo nelas que a tragedia eolushy
gar de uma passagem do horror ao sublime OU mais explicitamente que a
arte sublime da tragedia nao exdui ou reprime 0 terrivel da natureza mas
transforma 0 desgosto com respeito ao horror daexistencia presence no
slaco em representaoes que tornam a vida possiveI
Ora a relaltao entre 0 horror e a represent~ que encontramos nessa ideia esta em continuidade com uma das caracteristicas do sublime em geral independentemente dos teemos que ele relaciona ou do te6rico que 0 conceishy
tuou Estou pensando na existencia de uma desproponao entre esses rermos
desproporao que produz urn conflito Urn desacordo uma dissonancia uma
desarmonia entre des mas que leva finalmente a urn acordo Com isso estou
querendo salientar que Nietzsche se insere na tradi~ao do sublime pensado
a panir da dualidade de principios imagina~ao e razao no caso de Kant senshysivel e supra-sensivel no caso de Schiller intui~ sensivel e contempla~ao absoluta no caso de Schelling representa~ao e ideia no caso de Schopenshyhauer Em Nieczscheessadualidadeeado apolfneoedo 0 quese
observa portanto quando se comparam esses pensadores eque tanto em
Nietzsche quanto em seus antecessores a partir de Kant 0 sublime esempre
definido levando em considera~ao dois termos de nlveis peso ou potencia
diferentes urn marcado pelo finiro pela Iimitaxao pela forma 0 outro pelo
infinito pela ilimitaao pelo informe Essa desproporao essa imensurabilishydade entre um condicionado e urn incondicionado marca 0 pensamento do sublime de Kant a Nietzsche
Deixo de lado Hegel porque ele s6 utiliza 0 conceiro de sublime para caracrerizar a relaltao enshy
tre os elementos sensivel e espiritual na aHe simb6lica sem panamo ver nele importancia
a teoria da tragedia Tambem niiovejo a relevancia do sublime paraa inrerpretacao holderliniana
da tragedia Wagner q uase nilo pensa 0 sublime mas em set Beabwwen ele explica a musica a parshytir do sublime defendendo que ela provoca 0 extase supremo proveniente da consciencia do ilishymitado (Beethoven p33) AMm disso tambem explica 0 drama a panir da musica (p69) COnsideshyrando-o reflexo da rnusica que se cornou visfvel (p77)
Nietzsche e a ~o do dionisiaco
Alem dis so 0 sublime tambem foi sempre pensado como possibilitando
uma apresentaao negativa como disse Kant de uma instfulcia infinita que
pennaneceria inacesslvel se nao fosse refletida no espelho de wna instancia finishy
taFoisempre um modo de apresemar 0 que nao podia ser apresemado 0 que
o supra-sensi vel em Kant e Schiller 0 abso I uto em Schelling a ideia (urn tipo de ideia) em Schopenhauer 0 ilirnitado em Wagner No caso de Nietzsche 0 wonishyS1acO Assim mesmo se um dos teemos e dominante a ele s6 se tem acesso peIo
outro termo marcado por uma inferioridade seja no que diz respeiro agrandeshy
za seja no que diz respeito afor~ apotencia ao poder Urn so pode aparecer
simboIizado pelo outro isto e deixando em parte de ser ele mesmomiddot
Assim os dois tetmos importantes na apropriaiio nietzschiana do sublishy
me sao 0 horror dionisfaco e a representaao apolinea ou a embriaguez e a
inU~ E nessa rela~ao de prindpios opostos nao eo hotTOr dionisiaco que esublime mas a representa~ao teatral do horror Nio e a embriaguez que e sushy
blime mas a imita=ao a representaao apolfnea da embriaguez 0 jogo com a
embriaguez logo que rem como funao aliviar a propria embriaguez Deste
modo 0 sublime nao se identifica ao dionislaco averdade aessencia da natushy
reza Eurn elemento intermediario entre a belezae a verdade entre a bela apashy
renciae a verdade enigmaticae tenebrosa possibilitado pela uniiio de Apolo e Dioniso existente na tragedia Pois na tragedia a aparencia e saboreada nao mais como aparencia como no caso da arte da a epopeia mas como
simbolo como signa da verdade A tragedia arte simb61icaarre em que a vershy
dade esimbolizada expressa a verdade arraves da aparencia da ilushy
sao apolinea da beleza diferentemente da em~ue a beleza e um veu
que oculta a verdade 0 acordo discordante caracteriscico do sublime em
contraposi=ao ao acordo harmonioso do belo que s6 e possivel pela exclusao
pda recusa da essencia arerrorizadora do mundo se da em Nietzsche entre 0
apolineo eo dionisiaco ~ntre as belas formas e a verdade profunda e informe
proveniente de seu desacordo iniciaL Neste sentido atcageciiae a arte sublime
que produz 0 dominio simb6lico do monstruoso da natureza
No sect3 de A visao dionisfaca do mundo que esrou comentando Nietzsche da uma indica~iio
importante de como 0 Seu conceito de sublime esta relacionado ao da tradiao acrescentando
logo a seguir que 0 sublime da urn passo a1em da beleza da bela aparenda porque e sentido romocontradicao 0 fragmento3[42] diz 0 pensamento traglco que concradiz a belezajorra damlisica
224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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210 o nasdmento do tragico
A tenta~ao dionisiaca
Hi em Nietzsche urn evidente dogio da epopeia como modo ardstico de dar
sentido it vida pela expressao de uma superabundancia de pr6pria do
individuo her6ico Mas essas analises sao bastante reduzidas como se 56 exisshy
tissem para esclarecer um saber bem mais importance e profundo do que 0
apolineo 0 saber trigico De fato se Nietzsche nunea se denominou urn filoshysofo apo[fneo eporgue sempre esteve acento aos limites de uma visao apolinea do mundo Esses limites sao de dois tipos
o primeiro consiste naimpossibilidade de 0 apolineo se apresencar como
alternativa it racionalidade 0 tema nao e muito explicitado por Nietzsche
mas e possivd encontrar_DO pedodo inidal de sua obra algumas passagens
que constatam a apropri~o de Apolo pdo saber racionaL Eassim que 0 fragshymento p6stumo 3[36J de 1869-70 aproximaPlatio de Apolo dizendo que em Platio 0 mundo e visto do ponto de vista de Apolo ou do ponto de vista do
olho sua filosofiae uma glorificaltao supremadas coisas como imagens orishy
ginarias 0 fragmento 7[102] escrito entre 0 final de 1870 e abril de 1871 ao
mesmo tempo que diz na linha de 0 nascimento da tragedia pois se trata de
uma de suas teses centrais que S6crates recusa os misteriJs dionisiacos
tambem enuncia a tese muito menos explicitada no livro de que S6crates se apegaaApolo 0 fragmento8[131 do pedodode 1870-71 ao outono de 1872
caractedza Socrates como mestre apoHneo indicando que sua serenidade de artista se nlanifesta na maieutica Socrates e a tragedia un1a das confeshy
rencias que estao na origem do livro pronunciada na Basileia em 12 de [evereishy
ro de 1870 diz que em Socrates encarnou-se urn aspecto do clemento grego a
dareza (Klarheit) apolinea Ideia que reaparece no sect14 de 0 nascimento da trageshydia que ao se perguntar se entre a socratismo e a arte hi necessariamente uma rela~ao antagonica lembraque na prisao Socrates compos urn hino em homeshynagem aApolo e versificou algumas fabulas de Esopo referindo-se entio asua lucidez (Einsicht) apoHnea E nesse mesma item Nietzsche refere-se a Platio
a tendencia apoHnea mumificou-se em esquematismo 16gico
a rela~ao entre 0 apolineo e a racionalidade se evidencia mais uma
vez quando Nietzsche chama a nova comedia de inspiracao de seshy
renidade do escravo e serenidade alexandrina21 Ou quando retoma essa
ideia na Tentativa de autocritica ao ver continuidade entre serenidade e ciencia ao falar de serenidade do homem teorico ou dizer que os gregos nos
Nietzsche e a representa~ao do dionisfaco 211
mJod= diolu raquaa CO mam m oumi~m l6gi
mais serenos e mais cientificos22 Todas essas indic~6es eVldenciam porranto
que se Nietzsche nao se denomina urn fil6sofo apolineo e Doraue ve nisso
ou uma insuficienci no sentido de que abandonado a 5i messhy
moo saber apolineo transforma-se em saber radonal
o segundo limite da visao apoHnea tal como aparece na epopeia eo fato
de ela nao ser uma afirma~ao integral da vida Como uma prote~ao contra 0
terrivel da dor do sofrimento da morte que funciona como encobrimento 0
saber apolineo evidencia-se parcial ao deixar de ladoalgo que nao pode serigshy
norado e fatal mente se imp5e a outra forp artis ticada natureza 0 dionisiaco
56 consigo pois explicar 0 Estado d6rico e a arte d6rica como urn continuo
acampamento de guerra da forlta apoHnea s6 em uma incessante resistencia
contra 0 cariter titwico-barbaro do dionisiaco podia perdurar uma arte tao desafiadoramente austera circundada de baluartes uma educa~ao tao belicoshysa e ispera urn Estado de natureza tao cruel e brutal diz 0 sect4 de 0 nascimento
da tragedia Oeste modo ao analisar a epopeia Nietzsche 0 faz por oposicao ao
saber dionisiaco a sabedoria popular que grita infelicidade infeicidade
na cara da serenidade apolinea ou que na boca de Sileno 0 companheiro de
Oioniso revela rindo que 0 bem supremo irnpossivel ao homem e nao ter
nascido e 0 segundo dos ainda acessivel e morrer 0 quanta antes23 A
Grecia ensinou a Nietzsche ensinamento que the foi uti inclusive na commiddot do seu Zaratu5tra qll- uma cultura apolinea ao pretender negar 0
lado sombrio tenebroso da vida pela criaao da i1usao do individuo her6ico e
impotente contra urn saber aniquilador da vida tal COIRO 0 que se manifesta
no culto a Oioniso Em tudo que 0 dionisiaco penetrou 0 apolfneo foi suspenshy
so e aniquilado24
o que e entao 0 dionisiaco nietzschiano Fundamentalmente 0 culto
das bacantes Isro e 0 culro manifestado nos conejos orgiisticos de mulheres que em transe coletivo dan~ando cantando e toeando tamborins ern homa de Dloniso invadiram a Grecia vindas da Asia para fazer seu deus ser reconhe-
Ebern possive que Nietzsche tenha aprendido com Jacob Burckhardt
seu colega na Basileia acaracterizacao de Oioniso como urn deus semigrego
Eis 0 que escreve Burkhardt em sua Histolia da cultura grega POl wis da mascashy
ra do deus da fertilidade se oculta um ser meio cstrangeiro Uma das personifishycaoes do deus ern paixao (que acreditarnos ser um deus camica) adquiriu no
212 o nascimento do trligico
extremo oriental daAsia menor entre os frigios como tambem entre os traeishyos um ritmo selvagem e embriagador e em repetidas invas6es conseguiu reimshyplantar na Grecia 0 culto de Dionisomiddot Tambem Erwin Rohde amigo de
Nietzsche e autordePsyche livro publicadoem 1893 defende que 0 dionisiaco
representa urn corpo estranho na cultura gregahomerica 0 que 0 leva a situar
a origem de Oioniso fora das fronteiras da Greaa na Tracia e a explicar Sua
expansao a maneira de epidemias de danas convulsivasz5 Inclusive ao coshymentar 0 nascimento da tragedia em sua resenha- publicada ern maio de 1872
poucos meses portanto depois da publica~odo livro - Rohde ja defende que o entusiasmo panteista vindo do Oriente espalhou-se em ondas possantes pela Grecia Mas epreciso assinalar que jtt Holderlin chama 0 i0 niso urn deus estrangeiroZ6 considera-o deus dos elementos asiiticos27 Essa ideia pareshy
ce ser inquestionavel para os pensadores filologos ou nio do seculo XIX
Seja ou nio correta a ideia de urn Dionisoestrangeiro no sentido de nasshycido fora da Grecia interpretaao hoje negadapelos fil6Iogosmiddotmiddot 0 importante e que 0 culto mistico a Dioniso urn estrangeiro terrfvel28 significa para Nietzsche a neg~ao dos valores principais dacultura apolinea Em vez de urn
processo de individuaao e uma experienciade reconciliasao entre as pessoas
e das pessoas com a natureza uma harmonia universal e urn sentimento misshy
tico de unidade Sob a magia do dionisiaco toma a selar-se nao apenas 0 lalto
de pessoa a pessoa mas rambem a naturezaalheada inamistosa ou subjugada
volta a celebrar a festa da reconciliasao com seu fdho perdido 0 homem diz o sect 1 de 0 nascimento da tragedia
Burckhardt Hist6ria de La cultura grega tome II p112-3 Heidegger formula a hiperese de que
Burckhardt ja esrava no encal~o do ancagonismo entreoapolineo e 0 dionisfaco em suas confeshy
reneias sobre a civiliza~ao grega tealizadas na Basileiaaque Nietzsche em parte assistiu (cf
Nietzsche I p99) Eis como Nietzsche se refere it relruaoenm de e Burckhardt a respeito do dioshy
nisiaco no CrepUsculo tks idalos 0 que devo aos antigosD sect4 Fui 0 primeiro que para compreshyender a instinto heleruco mals antigo ainda rico e mesmo transbordante levei a serio 0
maravilhoso fenomeno que cern como nome Dioniso 0 qual s6 e explieavel par urn exeesso de forlta Quem se dedica ao escudo dos gregos comoJacob Burckhardt da Basileia a mals profun do conhecedor ainda em vida de sua culrura se deu logo conca da impartancia que lsso ctnha Burckhardt acrescentou aSUa Cultura do grego sesao especial sabre esse fenomeno
U Para Marcel Detienne nao hi duvida sobre a origem grega ~niso embora e1e scja 0
Estrangeiro porrador de estranheza 0 Esrrangeiro do interior (Dioniso a ceu aberto p21 26
37) Para Louis Gernet ao mesmo tempo que 0 dionisismo nao e uma religiao que vern de fora
Dioniso faria pensar no Dutro (Dionysos et la religion dionysiaque elements herites et tralS originaux in Anthopologje de La Grece antique p116 114)
Nietzsche e a nepresentafiio do dionisiac 2P
A experiencia dionisiaca ea possibilidade de escapar da divisao da muldshy
plicidade individual e se fundir ao uno ao ser ea possibilidade de integraao
da parte na totalidade Nietzsche enuncia is so ern linguagem entusiasmada
Camando e dan~ando rnanifesta-se 0 homem como membro de uma cornushy
nidade superior ele desaprendeu a andar e a falar eesra a ponto de danltando
sair voando pelos ares De seus gestos fala 0 encantamento Assim como agora
os animais falam e a terra cia le~te e mel do interior do homem tambern soa
algo de sobrenatural ele se sente deus carninha tin extasiado e enlevado
como vira em sonho os deuses caminharem29 Alias em sua resenha recusada
pelo editor Rohde salienta esse aspecto da experiencia dionisfaca ao escrever
que no encantamento ardente proporcionado pelo dionisfaco 0 homem
sente-se assim como Prometeu libertado livre de todas as amarras da indivishy
dualidade movido porurnaliberdade poderosaeilimirada transportado pela
tempestade de uma alegriae de uma dor nuncaantesexperimentada30
Essa reconciliacao com a natureza aparece com toda a pujana no texro que a meu ver mats inspirou Nietzsche na caracterizacao do culto dionisfashy
co As bacantes de Euripides Pois e importante nao esquecer que embora
Nietzsche critique a tendenciasocririca de Euripidese the impute a mone da
tragedia ele considera As bacantes obra escrita urn ano antes da mo rte de seu
autor - urn arrependimento Eis como esse Euripides tardiamente dionisiaco
canta a uniao das bacanres com a natureza 0 chao regurgita de leite de vishynho do nectar das abelhas31 Umas bacantes usam em vez de cinto serpenshy
tes que lhes lambem 0 rosto Outras segurando fdho~s de corcas e de lobos
selvagens dao-Ihes os seios ainda tllrgidos maes que abandonaram os mhos
recem-nascidos Todas elas coroam-se de hera de carvalho ou de flo res silvesshy
tres Vma delas bate com 0 tirso numa rocha e faz jorrar agua pura Omra fere
o chao com sua haste e 0 deus faz brotar uma fontedevinho As que desejam 0
alvo leite esfregam 0 solo com os dedos e 0 recolhem em abundancia Da hera dos tirsos escorre 0 doce mel3~ No jlibilo mfstico as fronteiras da individuashy
ao desaparecem Todas as fronteiras de castas que a necessidade ou 0 caprishy
cho estabeleceram entre os homens desaparecem 0 escravo e 0 homen1livre 0
nobre e 0 plebeu se unern nos mesmos coros baquicos diz Nietzscheraquo E poshy
de-se lcrescentar no mesmo espirito que desaparecem Oll se atenuam ao
maxiJt1o as diferenltas entre masculino-feminino birbaro-civilizado velhoshy
jove~ louco-sabio i
214 o nascimento do tragico
1sso q uanto asubstituiltao da individualiza~ao pela reconcilialtao Em seshygundo lugar 0 culto dionisiaco tarnbern significa 0 abandono dos preceitos apolineos da rnedida e da consciencia de si Em vez de medida 0 que se manishy
festa na celebraltao das bacantes e a hybris com a mllsica extatica magica enfeishy
tiadora apresentando a desmedida a desmesura da natureza exultante na
alegria no sofrimento e no conhecimentO34 Adesmesura se revela como vershy
dade no sentido de que iibeleza da medidaseopoe a verdade da desmesura ou
de que amentiradaciviliza~ao se opoe a verdade da natureza Na pecade Eurishy
e Penteu 0 rei de Tebas principal representante da ao instinshyto aforlta dionislaca quem denuncia que as mulheres de Tebas abandonaram seus lares pelas bacanais permanecendo nas florestas sombrias danltando em
homa de uma nova divindade urn impostor urn encantador vindo da Lidia
que as esta iniciando nos misterios baquicos35 0 cuIto dionisfaco em vez de I
delimita~ao calma tranquilidade serenidade apolineas impoe um comporshy
tamento marcado por um extase urn entusiasmo um enfeiticamento urn freshy
nesi sexual uma bestialidade namral constituida de volupia e crueldade de forlta grotesca e cruel
Do mesmo modo em vez da consciencia de si apolinea 0 culto dionisiaco produz uma desintegra~o do eu uma aboliltao da subjetividade ate 0 total esshy
quecimento de si um desprendimento de SI proprio a dissoluao do eu no
um abandono ao extase divino aloucura mistica do deus da possesshy36
Sii0 No das Bacantes Dion1so esclarece que pelo fato de suas Gas as
irmas de sua mae Semele 0 terem insultado declarando nao ser ele filho de
Zeus negando porranto sua condioao divina ele compeliu as mulheres de Tebas a deixar seus lares e a morar nos altos montes usando apenas a roushypagem orgiastica E logo a seguir 0 cora das bacanres em sua primeira intershyvenltao enaltece sua orgia sagrada Feliz daquele que se inicia nos misterios
divinos Ihes consagra sua vida e santifica sua alma purificada nas bacanais da montanha37
Mas a melhor ilustraltao da perda da consciencia caracteristica do extase
do entusiasmo do enfeitiltamento dionisiaco e 0 comportamento de Agave -shyfilhade fundadordeTebas e irmadeSemele mae de Dioniso-quanshydo seu filho Penteu culpado por querer contemplar aquilo que nao epermishytido ver quando nao se e bacante vai observar as bacantes sem que elas notem
mas 0 deus as faz descobri-Io e enfurecer-se contra ele Penteu acariciando 0
rosto de sua miie pede-Iheque se apiede dele e nao asacrifique Agave emdelf-
Nietzsche e a representa~ao do dionisiaco 215
rio pando muira espuma pela boca e revirando os olhos desvairadamente como se Baco a possuisse38 nao 0 ouve esquarteja-o ajudada por suas duas irmas e lanlta os restosde seu corpo ern todas as direcoes Oepois toma a cabeshy
lta que ela imagina ser a cabelta de urn leao e a leva em procissao para Tebas
espetada em seu tirso mostrando-a pelo caminho Em Tebas ela a entrega a
seu pai Cadmo que se lamenta com essas palavras bern elucidativas da aminoshy
mia entre a conscienciaapolinea e 0 delirio dianisiaco Quando recuperardes
vossa lucidez sofrereis atrozmente vendo a vassa feito Ese deveis permanecer
ate 0 fim nesse estado se a felicidade vos menos ignorais vossa
desventuralmiddot
Como se ve apesardaoriginalidade na determinaltao dessas duas fonasshy
o apolineo e 0 dionisiaco- a tese de Nietzsche a respeito daexistencia de uma
oposiltao entre elas se insere perfeitamente no tipo de pensamenro caracterisshy
tico da filosofia do tragico desde 0 final do seculo XVIII que postula a divisao
entre uma Grecia marcada pela serenidade ou simplicidade caracteristica que
lhe da Winckelmann e uma Grecia arcaica sombria violenta selvagem miseishy
ca extatica como aparece bern daramence ern Holderlin Em 0 nascimento da tragedia possivelmente pensando em Winckelmann Nietzsche se insurge conshy
traa ideia de que aartegrega possa ser explicada por urn untco principio Maf nao se pode esquecer que isso nao eu ma navidade de sua filosofia pais para
toda a filosofia do trigico nao se trata mais de interpretar a arte grega como
nobre simplicidade e serena A tal ponto que mesmo os
pensadores do tragico postulam em sua reflexao sobre a tragedia uma harshy
monia ela eo produto de uma oposiltao de prindpiosmiddotI bull
E interessante observar que 0 nascimento da tragedia retoma a distincao d~ Schiller entre 0 ingenuo e 0 sentimental forrnuladaem seu livro Poesia ingenua
esentimental para pensar 0 apolineg e 0 dionisfaco Partindo da ideia do ingeshy
nuo como harmonia ou unidade dd homem com a natureza Nietzsche aproshy
a seu modo dadistinltao de Schiller considerando 0 ingenuo no sect3
bull Asbacante5 1258-6L a fragmenco poswmo 14[14] da primavera de 1888 a meu ver bemem
continuidade COm 0 na5ci_ da tragedia define 0 dionisiaco 0 desmesurado 0 selvagemo
asiatico U utna vontadede focmidavel [UngeheucrJ pot U uma tendencia irresisrivel aunidade
urn slm excasiado ao carater total da vida sempre a 5i proprio em meio ao que muda a
grafeSlmpatia panteiscana alegriae nador define por ourrolado 0 apolineo LIma vontade
de Tdlda como a rendencia ao set-pata-st ao
216 o nasdmento do tragico
de 0 nascimento da tragidia 0 efeito supremo dacivilizaltio apollnea 0 total
engolfamenro na beleza da aparencia No fundoo que 0 nascimento da trage
dia faz e explicar 0 ingenue peIo apoHneo Assim se Homero e urn inge
nuo como 0 considerava Schillet39 e que a ingenuidade hometica s6 pode
set compreendida como uma vit6ria rotal da ilusiio apoHnea E se Nietzsche
nao e muito explicito no livro sobre a util~ desses conceitos de Schiller
principalmente 0 de sentimental 0 fragmento pOstumo 7[126] escrito entre 0
final de 1870 e abrilde 1871 val mais longequando afirma Penso interpretar
ingenuo corretamente por puramente apolineo aparencia da aparencia e
sentimental em compensagtao por nascidodaluta do conhecimento trigico
e da mistica E vendo dificuldades no conceito de sentimental 0
Nietzsche torna mais preciso 0 seu pensamentodizendo Compreendo como o opOSto absolute do ingenuo e do apoHneo 0 ltdionisiaco isto e tudo 0 que nao e aparenciade aparencia mas aparencia do ser reflexo da eterna unidashyde originiria
Mas a refenncia essencial de Nietzsche para interpretar a mitologia e a
arte gregas e como sempre nessa epoca Schopenhauer E se 0 nascimento
da tragedia se baseia em 0 mundo como vontade e representafdo isso significa
principalmente que os conceitos mais abrangentes da analise nierzsc~iana da rragedia 0 dionisiaco e 0 apolineo sao penados a partir dos conceitos schopenhauerianos de vonrade e represent~ transformados na lingua gem nierzschiana em uno originirio e aparencia
Ja me referi a rela=ao entre a aparencia nietzschiana e a rprpenl~r() schopenhaueriana ao estudar 0 apolineo como 0 dominio do princfpio de in
dividua~ao) do ser fenomenal da aparencia Mas rambem me parece evidente
que 0 conceito de dionisiaco e fundado metafisicamente no uno originirio
unidade existente alem au aquem da represent~ que por sua vez e uma reo tomada da vontade universal de Schopenhauer 0 que ha entao de comum entre a concepao de vontade em Nietzsche e Schopenhauer
Se eevidente como me parece que a estrururada argumentaltao de 0 nas
cimento da tragedia parte de uma separaltao radical entre 0 apolineo
como individualtao e 0 dionisiaco pensado como totalidade os dois
comum a interpreta~ao da vontade comolinica universal Pode pareshy
cer dificil defender essa posi~ao pais se encontram em Nietzsche afirma=oes que vao en sentido diferente Penso em fragmentos da epoca como a Vonta
de e a forma mais geral do fenomeno Ou 0 que diz A vontade pertence a
Nietzsche e a representa~iio do dionisiaco ~~7
aparencia A vonrade eja uma forma de fenomeno Ou ainda 0 que
ltliz Toda a vida pulsional s6 nos econhecida - devo acrescentat contra
Schopenhauer - como representalt3o e nao segundo sua essencia e Dooe-se
mesmo dizer que a propria vontade de Schopenhauereapenas a forma mais ~l
geral de algo que perrnanece inteiramenre indecifravel essa forma original~ da manifestaao a vontade consegue no entanto uma expressao simb61imiddot~
-r ca sempre mais adequada no desenvolvimento da mnsica40f
Apontar tais afirma=oes nao me parece no entanto uma objeao imporshy~ j
tante Primeiro porque encontramos fragmentos damesma epoca que enunshy~ 7J clam ourra posiltao Por exemplo Na vontade s6 hi pluralidade movimenco ~
pela representaltao a vontade e universal a represenraltao 0 que diferenshy
cia ou aquele que opoe a no~ao epica de agon a de regime tragico esc1areshyemdo que esta ultima faz frente ao egosmo- middotdt-ittdividualidade e dele se protege colocando-o a servio da totalidade41
Segundo porque quando me pergunto qual dessas inrerpretaoes privileshy
giar parece-me evidente que as fragmenros postumos devem set interpretashy
dos a partir das obras publicadas na epoca peio proprio auror pois sao essa~
obras que expressam com mais clareza e sistematicidade a dire~ao que ele da
aos pensamentos que lhe surgem enquamo investiga determinado tema Assim a meu ver no caso preciso de saber qual a posiiio de Nietzsche sobre a vonrade e preciso se voltar para 0 nascimento da tragiJia E a esse nao
acho que no livro uma critica a Schopenhauer que por razoes
ticas isea e pelo faro de seus maiores amigos como Rohde Overbeck ou
Wagner serem schopenhauerianos Nietzsche teria eSGondido Ou que ainda
usando uma cerminologiaschopenhaueriana Nietzsche ja apresenre urn penshy
same~co rotalmente diferente daquele que encontrou no fil6sofo que consishy
deravt seu mestre
Cercamente ja na epoca de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz varias criticas a Schopenhauer par exemplo aideia de que aarre seja nega=ao da vonmiddot
tade Nao penso pOtem que a leitura do livroedosescriros que the deram orimiddot
gem permtta conduir que a pluralidade ou a multiplicidade ja se encomra na
vontade ou que a vonrade nada mais edo que a aparencia Parece-me ao canmiddot
tnirio que 0 uno originario nietzschiano quando pensado em 0 tragedia como um principio ontol6gico opoSto aaparencia fenomenal e como
a vontade schopenhaueriana unico eterno incondicionado 13 esse sentido da
expressao uno originario que permite por exemplo compreender a caracteshy
218 0 nascimento do tragico
riza~ao do dionisiaco barbaro no sectl do livro Agora gra~as ao evangelho da
harmonia universal cada qual se sente mo s6 unificado condliado fundido
com 0 seu proximo mas urn como se 0 veu de Maia tivesse sido rasgado e reduzido a tiras esvoacasse diante do misrerioso uno originario Ou mesmo a concepltiio da tragedia no sect7 0 efeito mais imediate da tragerua e que deg Estado e a sociedade tudo 0 que constirni urn abismo uma separ~ao entre
homem e homem daD lugar a urn sentimento todo-poderoso de unidade que
reconduz ao amago da natureza 0 que me conduir que 0 dionisiaco e
fundado metafisicamente no uno origiruirio que e uma retomadada vontade
universal de Schopenhauer isto e da vontade considerada como nlicleo do
mundo essencia das cOlsas forlta que etemamente quer deseja e aspira Acredito que s6 interpretando a vontade desse modo e possivel dar coma da tese do livro sobre a tragedia como rel~ entre 0 apolineo eo dionisiaco
A dialetica e 0 sublime na recondliafao tragica
o estudo das duas pulsoes esteticas da natureza mostrou que 0 apolineo tal como se manifesta na poesia epica reprimiu a principio os sombrios impulshysos dionisiacos mas essa repressao foi incapaz de reter a torrente invasora do dionisfaco42 que pouco a pouco como ilustra As bacantes de Euripides disshy
solvia abolia engolia as fronteiras apolineas No entanto se 0 apolineo e- 0 I
dionisfaco aparecem ate aqui em antagonismo luta discordia esse antagoshy
nismo nao e a ultima palavra de Nietzsche - como ja transparece no inicio de
o nascimento da tragedia ao se referir as duas forcas da natureza
Nietzsche salienta nao s6 a lura incessante entre elas como tambem a intershyven~ao de peri6dicas Nesse sentido uma das finalidades do livro e justamente apontar como depoisde prolongada luta esses dois
50S atraves de uma uniiio conjugal geraram a arte tragica Ideia
que Nietzsche expressa em termos diferentes mas proximos quando se refere
it laquoalian~a fraterna it ao pacto de it redproca necessidashy
de a propor~o redproca aD contato e intensifica~ao redprocos encre Apolo e Oioni5O43 Assim sua palavra final a respeito da tragedia no primeiro livro nao e 0 antagonismo mas a reconcilialtiio
Significara isso um hegelianismo de Nietzschei No sect3 de sua Temativa
de autocritica a 0 nascimento da tragedia ele se ve retrospectivamente como 0
~
f~ ~ Nietzsche e a repre5en~ao do dionisiaco 219 ~
f
bull ft
11 disdpulo de urn deus desconhecido que se havia provisoriamente dissimushy
lado ___ sob 0 peso e a morosidade dialetica do alemao _ E e ainaa mais preciso
quando diz no Ecce homo que seu primeiro livro tern cheiro indecorosamente hegeliano dando inclusive como exernplo a concepltao da tragedia em que a oposiltao e transformada em unidade44
Essas formula~oes remetem evidentemente i dialetica que e segundo
Hegel a lei do movimento de retorno do espirito absoluto a si mesmo a lei
encadeamento dos diferentes momentos que constituem 0 espirito
ao percorrer uma serie de etapas em que ele se manifesta de maneira cada vez
mats universal mais concreta Ese nesse processo dialetico a nega~ao tern urn
papel fundamental e porque 0 trabalho do negativo e 0 elemento impulsionashydor a mola propulsora que leva a reconcilialtao e porque peIo processo de neshyga~iio da nega~ao a contradi~iio e superada-conservada ern uma totalidade
mais elevada Assim a dialetica e urn processo de supera~ao-conservacao (Auf
hebung) em que duas ideias opostas se revelam como momentos de uma terceishy
ra ideia que contem as duas primeiras elevando-as a uma unidade superior
Deleuze valoriza a interpretaltao que Nietzsche da de sua propria trajet6shy
ria ao criticar seu primeiro livro como hegeliano para ressaltar os limites da concepltiio nietzschiant do tragico no momenta de 0 nascimento da tragedia e mostrar em que sentido se daa evolu~ao de seu pensamento para umanova concepcao do wigico Eassim que ele apresenta 0 movimento do primeiro lishy
vro de Nietzsche como 0 de uma contradi=ao entre a unidade primiriva e a inshy
dividuaao ou entre a vonrade e a aparencia contradiao que se reflete na
oposicao de Dioniso eApolo e finalmente se resolve pela reconciliacao domishy
nada por emre os dois principlos na tragedia Mais precisarnenre inshy
terpretando a dialetica do tragico corno 0 movimenro da contradi~ao e de sua solultao embora considere que rigorosamente falando o nascimento da nao e um livro dialetico Deleuze defende que sob
fluencia de Schooenhauer filosofo aue nao aDreciava a
ea e expressao dramatica teatral portanto aposhy
linea dessa 45
Isso no entanto niio e sufidente para caracterizar urn hegeIianismo de Nietzsche Pois como temos visto OUtlOS pensadores da mesma epoca OUlate
mesmo imediatamente anteriores a Hegel como Schelling e 0 primeiro Hoi-
I
220 o nascimento do tragico
derlin pensaram de forma mais ou menos semelhante 0 dualismo tragico
como uma unidade dos cOntrarios produzida pe1a inversao de urn dos termos
no outro Quer dizer mesmo queO nascimento da tragidia seja urn livro dialerishy
co talvez isso nao fa~a do Nietzsche dessa epoca necessariamente urn hegeliashy
no pois pensar a tragedia diaJeticamente - q uestao que diz menos respei to a contradiltao ou aoposiyao propriamente do que ao tipo de reJaltiio existente entre os prindpios antagonicos - nao foi uma singuJaridade de Hegel na Aleshymanha do final do seculo XVIII e inkio do seculo XIX
Mas sera 0 livro dialetico Lacoue-Labarthe tambem defende essa posishyltao Sempre interessado em seus estudos na questao da mimesis na modershynidade ele tambem segue essa pista ao investigar 0 ripo de amagonismo
caracteristico da tragedia no primeiro livro de NietzscheAssim ele interpreta
a relayao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco como uma re~ de imitalt3o em que 0 elemento dionisfaco e urn primeiro reflexo uma primeita copia urn prishymeiro espelho do mundo ou davonrade e 0 elemento apolfneo uma imitaltao do dionisiaco A partir daf ele observa que quando 0 antagonismo aparece em
o nascimento da tragedia urn conflieo entre duas forltas ou potincias iguais no
inicio do livro onde a relaltao entre as duas forltas epensadaatraves da metafoshy
ra da uniao dos sexos a 16gica dessa rela~ao mimetica ea dialetica E deste
modo Lacoue-Labarthe e levado aconcluir que para Nietzsche a tragedia e a
filha ou a substituiltao [releve] dialeticada contradiltaoque opoe e nao cess a de referir um ao outro os dois principios antagonicos46
Mas nao seria possivel explicar a relaltao entre essas duas forltas esteticas da natureza - que apesar da tensao que persiste entre elas se cornam compleshy
mentares - de maneira diferente E0 que faz por exemplo Sarah fOfman ao
negar que a relaltiio entre Apolo e Dioniso devaser pensadaa partir 0 modelo
diaietico como uma eontradiCao entre duas ideias que poderiam ersubstishy
tuidas [(relevees] por uma terceira a tragedia Ela prefere pensa-la peIo moshydelo heradftico de uma relaao conflitual entre dois tipos de fora cada um por sua vez vencedor 0 triunfo provis6rio de urn dos dois lutadores dando a
aparencia de uma harmonia enquanto a guerra e a luta sao de faro permashynentes47
Retomando os passos da refl~xao sobre 0 rragico penso que e possivel
compreeI-der essa uniao conjugalr do dionisiaco e do apolineo pela vinculashy
lt30 entre a tematica nietzschiana do tragico e a teoria do sublime que ja foi
usada por Schiller Schelling e Schopenhauer para explicar a reJaltao e1tre os
Nietzsche e a representafio do ltlionisfaco
dois principios constiturivos da tragedia A dificuldade no entanto e que
diferentemente do que acontecia no caso desses autores Nietzsche praticashy
mente nao fala do sublime e quando fala nem sempre parece dizer a mesma
coisa Poisna verdade nio hi uma teo ria do sublime em suaobra mas apeshy
nas uIlfas poucas passagens em que seu conceito aparece em geral para exshy
plicar ttragedia48
A rimeira questao a ser investigada ea seguinte haved em 0 nascimento da tragedia uma concepltao da beleza como forma e do sublime como informe ou da belezacomo sonho e do sublime como embriaguez 0 queidentificaria a bela com 0 apoUneo e 0 sublime com 0 dionisiaco 0 fragmento p6stumo
7[46] do periodo entre 0 final de 1870 e abril de 1871 cheio de questoes sobre
o belo e 0 sublime poderia dar essaimpressao quando diz USe 0 belo repousa
[beruht] sabre urn sonho do ser 0 sublime repousa sobre a embriaguez do ser Mas minha hip6tese nao e exatamente essa Penso inclusive que mesmo esse fragmento parece dar uma pista para pensar a identificacao do sublime nao propriamente com 0 dionisiaco mas com 0 tragico Vimos que quando salishy
entava 0 carater onrdeo da epopeia no inlcio de 0 nascimento da tragedia
Nietzsche nao dizia propriamente que 0 bela era degsonho mas que 0 sonho era
a condiCao do apareciqlento das belas figuras Aqui Nietzsche parece expor
essa mesma ideia ao indicar que 0 bela repousa sobre urn sonho do ser E do mesmo modo tambem parece indicar nao exatamente que 0 sublime seja a embriaguez 0 extase 0 entusiasmo dionisiacos mas que os tenm por base os tenha em sua origem como condiltao fisio16gica
onascimento da tragedia quase nao se refere ao -su---bn-ru-e Mas no final do sect7
hi uma passagem importante para se pensar nao 56 0 que Nietzsche entendia
nessa epoca por sublime como tambem a utilizaltao que faz desse conceito
para pensar 0 tragico Trata-se de uma simples menCao ao sublime como sushy
jeiltao artistica do horror [Udas Erhabene als die kiinstlerische Bandigung des Entsealichenj- ideia que pode ser mais bern compreendida pelo sect3 de A vishy
sao dionisiaca do mundo que define 0 sublime exatamente com as mesmas
palavtas porem emais expHcito do que a breve menltiio de 01ldScimentoda trashy
gedia Sua formul~ao e a seguinte lmporta antes de cudo transformar 0 penshy
samento de desgosto com respeito ao horror e ao absurdo da existencia em~~~
representaltOes que permitam viver sao 0 sublime [aqui os erutores das obras
complecas indicam que Nietzsche anotou na margem do manuscrito 0 mlmeshy
ro de uma pagina de 0 mundo como vontade erepresentctfao] como sujeiltao arclsshy
~ 2~jl~
223 222 0 nascimenro do tragilto
tica do horror eo ridfculo como aHvio artistico do desgosto do absurdo Esses
dois elementos entrela~ados estiio unidos em uma obra de arre que imita a
embriaguez que joga com a embriaguez I Deixando de lade 0 ridiculo que diz respeito ao comico hreio que essas
duas passagens permitem pensar 0 sublime como modelo nao propriamente do dionisiaco mas cia acte tragica como rela~ entrE 0 apolfneo e 0 dionisfashyco Pois nito sera claro que Nietzsche esta dizendo nelas que a tragedia eolushy
gar de uma passagem do horror ao sublime OU mais explicitamente que a
arte sublime da tragedia nao exdui ou reprime 0 terrivel da natureza mas
transforma 0 desgosto com respeito ao horror daexistencia presence no
slaco em representaoes que tornam a vida possiveI
Ora a relaltao entre 0 horror e a represent~ que encontramos nessa ideia esta em continuidade com uma das caracteristicas do sublime em geral independentemente dos teemos que ele relaciona ou do te6rico que 0 conceishy
tuou Estou pensando na existencia de uma desproponao entre esses rermos
desproporao que produz urn conflito Urn desacordo uma dissonancia uma
desarmonia entre des mas que leva finalmente a urn acordo Com isso estou
querendo salientar que Nietzsche se insere na tradi~ao do sublime pensado
a panir da dualidade de principios imagina~ao e razao no caso de Kant senshysivel e supra-sensivel no caso de Schiller intui~ sensivel e contempla~ao absoluta no caso de Schelling representa~ao e ideia no caso de Schopenshyhauer Em Nieczscheessadualidadeeado apolfneoedo 0 quese
observa portanto quando se comparam esses pensadores eque tanto em
Nietzsche quanto em seus antecessores a partir de Kant 0 sublime esempre
definido levando em considera~ao dois termos de nlveis peso ou potencia
diferentes urn marcado pelo finiro pela Iimitaxao pela forma 0 outro pelo
infinito pela ilimitaao pelo informe Essa desproporao essa imensurabilishydade entre um condicionado e urn incondicionado marca 0 pensamento do sublime de Kant a Nietzsche
Deixo de lado Hegel porque ele s6 utiliza 0 conceiro de sublime para caracrerizar a relaltao enshy
tre os elementos sensivel e espiritual na aHe simb6lica sem panamo ver nele importancia
a teoria da tragedia Tambem niiovejo a relevancia do sublime paraa inrerpretacao holderliniana
da tragedia Wagner q uase nilo pensa 0 sublime mas em set Beabwwen ele explica a musica a parshytir do sublime defendendo que ela provoca 0 extase supremo proveniente da consciencia do ilishymitado (Beethoven p33) AMm disso tambem explica 0 drama a panir da musica (p69) COnsideshyrando-o reflexo da rnusica que se cornou visfvel (p77)
Nietzsche e a ~o do dionisiaco
Alem dis so 0 sublime tambem foi sempre pensado como possibilitando
uma apresentaao negativa como disse Kant de uma instfulcia infinita que
pennaneceria inacesslvel se nao fosse refletida no espelho de wna instancia finishy
taFoisempre um modo de apresemar 0 que nao podia ser apresemado 0 que
o supra-sensi vel em Kant e Schiller 0 abso I uto em Schelling a ideia (urn tipo de ideia) em Schopenhauer 0 ilirnitado em Wagner No caso de Nietzsche 0 wonishyS1acO Assim mesmo se um dos teemos e dominante a ele s6 se tem acesso peIo
outro termo marcado por uma inferioridade seja no que diz respeiro agrandeshy
za seja no que diz respeito afor~ apotencia ao poder Urn so pode aparecer
simboIizado pelo outro isto e deixando em parte de ser ele mesmomiddot
Assim os dois tetmos importantes na apropriaiio nietzschiana do sublishy
me sao 0 horror dionisfaco e a representaao apolinea ou a embriaguez e a
inU~ E nessa rela~ao de prindpios opostos nao eo hotTOr dionisiaco que esublime mas a representa~ao teatral do horror Nio e a embriaguez que e sushy
blime mas a imita=ao a representaao apolfnea da embriaguez 0 jogo com a
embriaguez logo que rem como funao aliviar a propria embriaguez Deste
modo 0 sublime nao se identifica ao dionislaco averdade aessencia da natushy
reza Eurn elemento intermediario entre a belezae a verdade entre a bela apashy
renciae a verdade enigmaticae tenebrosa possibilitado pela uniiio de Apolo e Dioniso existente na tragedia Pois na tragedia a aparencia e saboreada nao mais como aparencia como no caso da arte da a epopeia mas como
simbolo como signa da verdade A tragedia arte simb61icaarre em que a vershy
dade esimbolizada expressa a verdade arraves da aparencia da ilushy
sao apolinea da beleza diferentemente da em~ue a beleza e um veu
que oculta a verdade 0 acordo discordante caracteriscico do sublime em
contraposi=ao ao acordo harmonioso do belo que s6 e possivel pela exclusao
pda recusa da essencia arerrorizadora do mundo se da em Nietzsche entre 0
apolineo eo dionisiaco ~ntre as belas formas e a verdade profunda e informe
proveniente de seu desacordo iniciaL Neste sentido atcageciiae a arte sublime
que produz 0 dominio simb6lico do monstruoso da natureza
No sect3 de A visao dionisfaca do mundo que esrou comentando Nietzsche da uma indica~iio
importante de como 0 Seu conceito de sublime esta relacionado ao da tradiao acrescentando
logo a seguir que 0 sublime da urn passo a1em da beleza da bela aparenda porque e sentido romocontradicao 0 fragmento3[42] diz 0 pensamento traglco que concradiz a belezajorra damlisica
224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
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212 o nascimento do trligico
extremo oriental daAsia menor entre os frigios como tambem entre os traeishyos um ritmo selvagem e embriagador e em repetidas invas6es conseguiu reimshyplantar na Grecia 0 culto de Dionisomiddot Tambem Erwin Rohde amigo de
Nietzsche e autordePsyche livro publicadoem 1893 defende que 0 dionisiaco
representa urn corpo estranho na cultura gregahomerica 0 que 0 leva a situar
a origem de Oioniso fora das fronteiras da Greaa na Tracia e a explicar Sua
expansao a maneira de epidemias de danas convulsivasz5 Inclusive ao coshymentar 0 nascimento da tragedia em sua resenha- publicada ern maio de 1872
poucos meses portanto depois da publica~odo livro - Rohde ja defende que o entusiasmo panteista vindo do Oriente espalhou-se em ondas possantes pela Grecia Mas epreciso assinalar que jtt Holderlin chama 0 i0 niso urn deus estrangeiroZ6 considera-o deus dos elementos asiiticos27 Essa ideia pareshy
ce ser inquestionavel para os pensadores filologos ou nio do seculo XIX
Seja ou nio correta a ideia de urn Dionisoestrangeiro no sentido de nasshycido fora da Grecia interpretaao hoje negadapelos fil6Iogosmiddotmiddot 0 importante e que 0 culto mistico a Dioniso urn estrangeiro terrfvel28 significa para Nietzsche a neg~ao dos valores principais dacultura apolinea Em vez de urn
processo de individuaao e uma experienciade reconciliasao entre as pessoas
e das pessoas com a natureza uma harmonia universal e urn sentimento misshy
tico de unidade Sob a magia do dionisiaco toma a selar-se nao apenas 0 lalto
de pessoa a pessoa mas rambem a naturezaalheada inamistosa ou subjugada
volta a celebrar a festa da reconciliasao com seu fdho perdido 0 homem diz o sect 1 de 0 nascimento da tragedia
Burckhardt Hist6ria de La cultura grega tome II p112-3 Heidegger formula a hiperese de que
Burckhardt ja esrava no encal~o do ancagonismo entreoapolineo e 0 dionisfaco em suas confeshy
reneias sobre a civiliza~ao grega tealizadas na Basileiaaque Nietzsche em parte assistiu (cf
Nietzsche I p99) Eis como Nietzsche se refere it relruaoenm de e Burckhardt a respeito do dioshy
nisiaco no CrepUsculo tks idalos 0 que devo aos antigosD sect4 Fui 0 primeiro que para compreshyender a instinto heleruco mals antigo ainda rico e mesmo transbordante levei a serio 0
maravilhoso fenomeno que cern como nome Dioniso 0 qual s6 e explieavel par urn exeesso de forlta Quem se dedica ao escudo dos gregos comoJacob Burckhardt da Basileia a mals profun do conhecedor ainda em vida de sua culrura se deu logo conca da impartancia que lsso ctnha Burckhardt acrescentou aSUa Cultura do grego sesao especial sabre esse fenomeno
U Para Marcel Detienne nao hi duvida sobre a origem grega ~niso embora e1e scja 0
Estrangeiro porrador de estranheza 0 Esrrangeiro do interior (Dioniso a ceu aberto p21 26
37) Para Louis Gernet ao mesmo tempo que 0 dionisismo nao e uma religiao que vern de fora
Dioniso faria pensar no Dutro (Dionysos et la religion dionysiaque elements herites et tralS originaux in Anthopologje de La Grece antique p116 114)
Nietzsche e a nepresentafiio do dionisiac 2P
A experiencia dionisiaca ea possibilidade de escapar da divisao da muldshy
plicidade individual e se fundir ao uno ao ser ea possibilidade de integraao
da parte na totalidade Nietzsche enuncia is so ern linguagem entusiasmada
Camando e dan~ando rnanifesta-se 0 homem como membro de uma cornushy
nidade superior ele desaprendeu a andar e a falar eesra a ponto de danltando
sair voando pelos ares De seus gestos fala 0 encantamento Assim como agora
os animais falam e a terra cia le~te e mel do interior do homem tambern soa
algo de sobrenatural ele se sente deus carninha tin extasiado e enlevado
como vira em sonho os deuses caminharem29 Alias em sua resenha recusada
pelo editor Rohde salienta esse aspecto da experiencia dionisfaca ao escrever
que no encantamento ardente proporcionado pelo dionisfaco 0 homem
sente-se assim como Prometeu libertado livre de todas as amarras da indivishy
dualidade movido porurnaliberdade poderosaeilimirada transportado pela
tempestade de uma alegriae de uma dor nuncaantesexperimentada30
Essa reconciliacao com a natureza aparece com toda a pujana no texro que a meu ver mats inspirou Nietzsche na caracterizacao do culto dionisfashy
co As bacantes de Euripides Pois e importante nao esquecer que embora
Nietzsche critique a tendenciasocririca de Euripidese the impute a mone da
tragedia ele considera As bacantes obra escrita urn ano antes da mo rte de seu
autor - urn arrependimento Eis como esse Euripides tardiamente dionisiaco
canta a uniao das bacanres com a natureza 0 chao regurgita de leite de vishynho do nectar das abelhas31 Umas bacantes usam em vez de cinto serpenshy
tes que lhes lambem 0 rosto Outras segurando fdho~s de corcas e de lobos
selvagens dao-Ihes os seios ainda tllrgidos maes que abandonaram os mhos
recem-nascidos Todas elas coroam-se de hera de carvalho ou de flo res silvesshy
tres Vma delas bate com 0 tirso numa rocha e faz jorrar agua pura Omra fere
o chao com sua haste e 0 deus faz brotar uma fontedevinho As que desejam 0
alvo leite esfregam 0 solo com os dedos e 0 recolhem em abundancia Da hera dos tirsos escorre 0 doce mel3~ No jlibilo mfstico as fronteiras da individuashy
ao desaparecem Todas as fronteiras de castas que a necessidade ou 0 caprishy
cho estabeleceram entre os homens desaparecem 0 escravo e 0 homen1livre 0
nobre e 0 plebeu se unern nos mesmos coros baquicos diz Nietzscheraquo E poshy
de-se lcrescentar no mesmo espirito que desaparecem Oll se atenuam ao
maxiJt1o as diferenltas entre masculino-feminino birbaro-civilizado velhoshy
jove~ louco-sabio i
214 o nascimento do tragico
1sso q uanto asubstituiltao da individualiza~ao pela reconcilialtao Em seshygundo lugar 0 culto dionisiaco tarnbern significa 0 abandono dos preceitos apolineos da rnedida e da consciencia de si Em vez de medida 0 que se manishy
festa na celebraltao das bacantes e a hybris com a mllsica extatica magica enfeishy
tiadora apresentando a desmedida a desmesura da natureza exultante na
alegria no sofrimento e no conhecimentO34 Adesmesura se revela como vershy
dade no sentido de que iibeleza da medidaseopoe a verdade da desmesura ou
de que amentiradaciviliza~ao se opoe a verdade da natureza Na pecade Eurishy
e Penteu 0 rei de Tebas principal representante da ao instinshyto aforlta dionislaca quem denuncia que as mulheres de Tebas abandonaram seus lares pelas bacanais permanecendo nas florestas sombrias danltando em
homa de uma nova divindade urn impostor urn encantador vindo da Lidia
que as esta iniciando nos misterios baquicos35 0 cuIto dionisfaco em vez de I
delimita~ao calma tranquilidade serenidade apolineas impoe um comporshy
tamento marcado por um extase urn entusiasmo um enfeiticamento urn freshy
nesi sexual uma bestialidade namral constituida de volupia e crueldade de forlta grotesca e cruel
Do mesmo modo em vez da consciencia de si apolinea 0 culto dionisiaco produz uma desintegra~o do eu uma aboliltao da subjetividade ate 0 total esshy
quecimento de si um desprendimento de SI proprio a dissoluao do eu no
um abandono ao extase divino aloucura mistica do deus da possesshy36
Sii0 No das Bacantes Dion1so esclarece que pelo fato de suas Gas as
irmas de sua mae Semele 0 terem insultado declarando nao ser ele filho de
Zeus negando porranto sua condioao divina ele compeliu as mulheres de Tebas a deixar seus lares e a morar nos altos montes usando apenas a roushypagem orgiastica E logo a seguir 0 cora das bacanres em sua primeira intershyvenltao enaltece sua orgia sagrada Feliz daquele que se inicia nos misterios
divinos Ihes consagra sua vida e santifica sua alma purificada nas bacanais da montanha37
Mas a melhor ilustraltao da perda da consciencia caracteristica do extase
do entusiasmo do enfeitiltamento dionisiaco e 0 comportamento de Agave -shyfilhade fundadordeTebas e irmadeSemele mae de Dioniso-quanshydo seu filho Penteu culpado por querer contemplar aquilo que nao epermishytido ver quando nao se e bacante vai observar as bacantes sem que elas notem
mas 0 deus as faz descobri-Io e enfurecer-se contra ele Penteu acariciando 0
rosto de sua miie pede-Iheque se apiede dele e nao asacrifique Agave emdelf-
Nietzsche e a representa~ao do dionisiaco 215
rio pando muira espuma pela boca e revirando os olhos desvairadamente como se Baco a possuisse38 nao 0 ouve esquarteja-o ajudada por suas duas irmas e lanlta os restosde seu corpo ern todas as direcoes Oepois toma a cabeshy
lta que ela imagina ser a cabelta de urn leao e a leva em procissao para Tebas
espetada em seu tirso mostrando-a pelo caminho Em Tebas ela a entrega a
seu pai Cadmo que se lamenta com essas palavras bern elucidativas da aminoshy
mia entre a conscienciaapolinea e 0 delirio dianisiaco Quando recuperardes
vossa lucidez sofrereis atrozmente vendo a vassa feito Ese deveis permanecer
ate 0 fim nesse estado se a felicidade vos menos ignorais vossa
desventuralmiddot
Como se ve apesardaoriginalidade na determinaltao dessas duas fonasshy
o apolineo e 0 dionisiaco- a tese de Nietzsche a respeito daexistencia de uma
oposiltao entre elas se insere perfeitamente no tipo de pensamenro caracterisshy
tico da filosofia do tragico desde 0 final do seculo XVIII que postula a divisao
entre uma Grecia marcada pela serenidade ou simplicidade caracteristica que
lhe da Winckelmann e uma Grecia arcaica sombria violenta selvagem miseishy
ca extatica como aparece bern daramence ern Holderlin Em 0 nascimento da tragedia possivelmente pensando em Winckelmann Nietzsche se insurge conshy
traa ideia de que aartegrega possa ser explicada por urn untco principio Maf nao se pode esquecer que isso nao eu ma navidade de sua filosofia pais para
toda a filosofia do trigico nao se trata mais de interpretar a arte grega como
nobre simplicidade e serena A tal ponto que mesmo os
pensadores do tragico postulam em sua reflexao sobre a tragedia uma harshy
monia ela eo produto de uma oposiltao de prindpiosmiddotI bull
E interessante observar que 0 nascimento da tragedia retoma a distincao d~ Schiller entre 0 ingenuo e 0 sentimental forrnuladaem seu livro Poesia ingenua
esentimental para pensar 0 apolineg e 0 dionisfaco Partindo da ideia do ingeshy
nuo como harmonia ou unidade dd homem com a natureza Nietzsche aproshy
a seu modo dadistinltao de Schiller considerando 0 ingenuo no sect3
bull Asbacante5 1258-6L a fragmenco poswmo 14[14] da primavera de 1888 a meu ver bemem
continuidade COm 0 na5ci_ da tragedia define 0 dionisiaco 0 desmesurado 0 selvagemo
asiatico U utna vontadede focmidavel [UngeheucrJ pot U uma tendencia irresisrivel aunidade
urn slm excasiado ao carater total da vida sempre a 5i proprio em meio ao que muda a
grafeSlmpatia panteiscana alegriae nador define por ourrolado 0 apolineo LIma vontade
de Tdlda como a rendencia ao set-pata-st ao
216 o nasdmento do tragico
de 0 nascimento da tragidia 0 efeito supremo dacivilizaltio apollnea 0 total
engolfamenro na beleza da aparencia No fundoo que 0 nascimento da trage
dia faz e explicar 0 ingenue peIo apoHneo Assim se Homero e urn inge
nuo como 0 considerava Schillet39 e que a ingenuidade hometica s6 pode
set compreendida como uma vit6ria rotal da ilusiio apoHnea E se Nietzsche
nao e muito explicito no livro sobre a util~ desses conceitos de Schiller
principalmente 0 de sentimental 0 fragmento pOstumo 7[126] escrito entre 0
final de 1870 e abrilde 1871 val mais longequando afirma Penso interpretar
ingenuo corretamente por puramente apolineo aparencia da aparencia e
sentimental em compensagtao por nascidodaluta do conhecimento trigico
e da mistica E vendo dificuldades no conceito de sentimental 0
Nietzsche torna mais preciso 0 seu pensamentodizendo Compreendo como o opOSto absolute do ingenuo e do apoHneo 0 ltdionisiaco isto e tudo 0 que nao e aparenciade aparencia mas aparencia do ser reflexo da eterna unidashyde originiria
Mas a refenncia essencial de Nietzsche para interpretar a mitologia e a
arte gregas e como sempre nessa epoca Schopenhauer E se 0 nascimento
da tragedia se baseia em 0 mundo como vontade e representafdo isso significa
principalmente que os conceitos mais abrangentes da analise nierzsc~iana da rragedia 0 dionisiaco e 0 apolineo sao penados a partir dos conceitos schopenhauerianos de vonrade e represent~ transformados na lingua gem nierzschiana em uno originirio e aparencia
Ja me referi a rela=ao entre a aparencia nietzschiana e a rprpenl~r() schopenhaueriana ao estudar 0 apolineo como 0 dominio do princfpio de in
dividua~ao) do ser fenomenal da aparencia Mas rambem me parece evidente
que 0 conceito de dionisiaco e fundado metafisicamente no uno originirio
unidade existente alem au aquem da represent~ que por sua vez e uma reo tomada da vontade universal de Schopenhauer 0 que ha entao de comum entre a concepao de vontade em Nietzsche e Schopenhauer
Se eevidente como me parece que a estrururada argumentaltao de 0 nas
cimento da tragedia parte de uma separaltao radical entre 0 apolineo
como individualtao e 0 dionisiaco pensado como totalidade os dois
comum a interpreta~ao da vontade comolinica universal Pode pareshy
cer dificil defender essa posi~ao pais se encontram em Nietzsche afirma=oes que vao en sentido diferente Penso em fragmentos da epoca como a Vonta
de e a forma mais geral do fenomeno Ou 0 que diz A vontade pertence a
Nietzsche e a representa~iio do dionisiaco ~~7
aparencia A vonrade eja uma forma de fenomeno Ou ainda 0 que
ltliz Toda a vida pulsional s6 nos econhecida - devo acrescentat contra
Schopenhauer - como representalt3o e nao segundo sua essencia e Dooe-se
mesmo dizer que a propria vontade de Schopenhauereapenas a forma mais ~l
geral de algo que perrnanece inteiramenre indecifravel essa forma original~ da manifestaao a vontade consegue no entanto uma expressao simb61imiddot~
-r ca sempre mais adequada no desenvolvimento da mnsica40f
Apontar tais afirma=oes nao me parece no entanto uma objeao imporshy~ j
tante Primeiro porque encontramos fragmentos damesma epoca que enunshy~ 7J clam ourra posiltao Por exemplo Na vontade s6 hi pluralidade movimenco ~
pela representaltao a vontade e universal a represenraltao 0 que diferenshy
cia ou aquele que opoe a no~ao epica de agon a de regime tragico esc1areshyemdo que esta ultima faz frente ao egosmo- middotdt-ittdividualidade e dele se protege colocando-o a servio da totalidade41
Segundo porque quando me pergunto qual dessas inrerpretaoes privileshy
giar parece-me evidente que as fragmenros postumos devem set interpretashy
dos a partir das obras publicadas na epoca peio proprio auror pois sao essa~
obras que expressam com mais clareza e sistematicidade a dire~ao que ele da
aos pensamentos que lhe surgem enquamo investiga determinado tema Assim a meu ver no caso preciso de saber qual a posiiio de Nietzsche sobre a vonrade e preciso se voltar para 0 nascimento da tragiJia E a esse nao
acho que no livro uma critica a Schopenhauer que por razoes
ticas isea e pelo faro de seus maiores amigos como Rohde Overbeck ou
Wagner serem schopenhauerianos Nietzsche teria eSGondido Ou que ainda
usando uma cerminologiaschopenhaueriana Nietzsche ja apresenre urn penshy
same~co rotalmente diferente daquele que encontrou no fil6sofo que consishy
deravt seu mestre
Cercamente ja na epoca de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz varias criticas a Schopenhauer par exemplo aideia de que aarre seja nega=ao da vonmiddot
tade Nao penso pOtem que a leitura do livroedosescriros que the deram orimiddot
gem permtta conduir que a pluralidade ou a multiplicidade ja se encomra na
vontade ou que a vonrade nada mais edo que a aparencia Parece-me ao canmiddot
tnirio que 0 uno originario nietzschiano quando pensado em 0 tragedia como um principio ontol6gico opoSto aaparencia fenomenal e como
a vontade schopenhaueriana unico eterno incondicionado 13 esse sentido da
expressao uno originario que permite por exemplo compreender a caracteshy
218 0 nascimento do tragico
riza~ao do dionisiaco barbaro no sectl do livro Agora gra~as ao evangelho da
harmonia universal cada qual se sente mo s6 unificado condliado fundido
com 0 seu proximo mas urn como se 0 veu de Maia tivesse sido rasgado e reduzido a tiras esvoacasse diante do misrerioso uno originario Ou mesmo a concepltiio da tragedia no sect7 0 efeito mais imediate da tragerua e que deg Estado e a sociedade tudo 0 que constirni urn abismo uma separ~ao entre
homem e homem daD lugar a urn sentimento todo-poderoso de unidade que
reconduz ao amago da natureza 0 que me conduir que 0 dionisiaco e
fundado metafisicamente no uno origiruirio que e uma retomadada vontade
universal de Schopenhauer isto e da vontade considerada como nlicleo do
mundo essencia das cOlsas forlta que etemamente quer deseja e aspira Acredito que s6 interpretando a vontade desse modo e possivel dar coma da tese do livro sobre a tragedia como rel~ entre 0 apolineo eo dionisiaco
A dialetica e 0 sublime na recondliafao tragica
o estudo das duas pulsoes esteticas da natureza mostrou que 0 apolineo tal como se manifesta na poesia epica reprimiu a principio os sombrios impulshysos dionisiacos mas essa repressao foi incapaz de reter a torrente invasora do dionisfaco42 que pouco a pouco como ilustra As bacantes de Euripides disshy
solvia abolia engolia as fronteiras apolineas No entanto se 0 apolineo e- 0 I
dionisfaco aparecem ate aqui em antagonismo luta discordia esse antagoshy
nismo nao e a ultima palavra de Nietzsche - como ja transparece no inicio de
o nascimento da tragedia ao se referir as duas forcas da natureza
Nietzsche salienta nao s6 a lura incessante entre elas como tambem a intershyven~ao de peri6dicas Nesse sentido uma das finalidades do livro e justamente apontar como depoisde prolongada luta esses dois
50S atraves de uma uniiio conjugal geraram a arte tragica Ideia
que Nietzsche expressa em termos diferentes mas proximos quando se refere
it laquoalian~a fraterna it ao pacto de it redproca necessidashy
de a propor~o redproca aD contato e intensifica~ao redprocos encre Apolo e Oioni5O43 Assim sua palavra final a respeito da tragedia no primeiro livro nao e 0 antagonismo mas a reconcilialtiio
Significara isso um hegelianismo de Nietzschei No sect3 de sua Temativa
de autocritica a 0 nascimento da tragedia ele se ve retrospectivamente como 0
~
f~ ~ Nietzsche e a repre5en~ao do dionisiaco 219 ~
f
bull ft
11 disdpulo de urn deus desconhecido que se havia provisoriamente dissimushy
lado ___ sob 0 peso e a morosidade dialetica do alemao _ E e ainaa mais preciso
quando diz no Ecce homo que seu primeiro livro tern cheiro indecorosamente hegeliano dando inclusive como exernplo a concepltao da tragedia em que a oposiltao e transformada em unidade44
Essas formula~oes remetem evidentemente i dialetica que e segundo
Hegel a lei do movimento de retorno do espirito absoluto a si mesmo a lei
encadeamento dos diferentes momentos que constituem 0 espirito
ao percorrer uma serie de etapas em que ele se manifesta de maneira cada vez
mats universal mais concreta Ese nesse processo dialetico a nega~ao tern urn
papel fundamental e porque 0 trabalho do negativo e 0 elemento impulsionashydor a mola propulsora que leva a reconcilialtao e porque peIo processo de neshyga~iio da nega~ao a contradi~iio e superada-conservada ern uma totalidade
mais elevada Assim a dialetica e urn processo de supera~ao-conservacao (Auf
hebung) em que duas ideias opostas se revelam como momentos de uma terceishy
ra ideia que contem as duas primeiras elevando-as a uma unidade superior
Deleuze valoriza a interpretaltao que Nietzsche da de sua propria trajet6shy
ria ao criticar seu primeiro livro como hegeliano para ressaltar os limites da concepltiio nietzschiant do tragico no momenta de 0 nascimento da tragedia e mostrar em que sentido se daa evolu~ao de seu pensamento para umanova concepcao do wigico Eassim que ele apresenta 0 movimento do primeiro lishy
vro de Nietzsche como 0 de uma contradi=ao entre a unidade primiriva e a inshy
dividuaao ou entre a vonrade e a aparencia contradiao que se reflete na
oposicao de Dioniso eApolo e finalmente se resolve pela reconciliacao domishy
nada por emre os dois principlos na tragedia Mais precisarnenre inshy
terpretando a dialetica do tragico corno 0 movimenro da contradi~ao e de sua solultao embora considere que rigorosamente falando o nascimento da nao e um livro dialetico Deleuze defende que sob
fluencia de Schooenhauer filosofo aue nao aDreciava a
ea e expressao dramatica teatral portanto aposhy
linea dessa 45
Isso no entanto niio e sufidente para caracterizar urn hegeIianismo de Nietzsche Pois como temos visto OUtlOS pensadores da mesma epoca OUlate
mesmo imediatamente anteriores a Hegel como Schelling e 0 primeiro Hoi-
I
220 o nascimento do tragico
derlin pensaram de forma mais ou menos semelhante 0 dualismo tragico
como uma unidade dos cOntrarios produzida pe1a inversao de urn dos termos
no outro Quer dizer mesmo queO nascimento da tragidia seja urn livro dialerishy
co talvez isso nao fa~a do Nietzsche dessa epoca necessariamente urn hegeliashy
no pois pensar a tragedia diaJeticamente - q uestao que diz menos respei to a contradiltao ou aoposiyao propriamente do que ao tipo de reJaltiio existente entre os prindpios antagonicos - nao foi uma singuJaridade de Hegel na Aleshymanha do final do seculo XVIII e inkio do seculo XIX
Mas sera 0 livro dialetico Lacoue-Labarthe tambem defende essa posishyltao Sempre interessado em seus estudos na questao da mimesis na modershynidade ele tambem segue essa pista ao investigar 0 ripo de amagonismo
caracteristico da tragedia no primeiro livro de NietzscheAssim ele interpreta
a relayao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco como uma re~ de imitalt3o em que 0 elemento dionisfaco e urn primeiro reflexo uma primeita copia urn prishymeiro espelho do mundo ou davonrade e 0 elemento apolfneo uma imitaltao do dionisiaco A partir daf ele observa que quando 0 antagonismo aparece em
o nascimento da tragedia urn conflieo entre duas forltas ou potincias iguais no
inicio do livro onde a relaltao entre as duas forltas epensadaatraves da metafoshy
ra da uniao dos sexos a 16gica dessa rela~ao mimetica ea dialetica E deste
modo Lacoue-Labarthe e levado aconcluir que para Nietzsche a tragedia e a
filha ou a substituiltao [releve] dialeticada contradiltaoque opoe e nao cess a de referir um ao outro os dois principios antagonicos46
Mas nao seria possivel explicar a relaltao entre essas duas forltas esteticas da natureza - que apesar da tensao que persiste entre elas se cornam compleshy
mentares - de maneira diferente E0 que faz por exemplo Sarah fOfman ao
negar que a relaltiio entre Apolo e Dioniso devaser pensadaa partir 0 modelo
diaietico como uma eontradiCao entre duas ideias que poderiam ersubstishy
tuidas [(relevees] por uma terceira a tragedia Ela prefere pensa-la peIo moshydelo heradftico de uma relaao conflitual entre dois tipos de fora cada um por sua vez vencedor 0 triunfo provis6rio de urn dos dois lutadores dando a
aparencia de uma harmonia enquanto a guerra e a luta sao de faro permashynentes47
Retomando os passos da refl~xao sobre 0 rragico penso que e possivel
compreeI-der essa uniao conjugalr do dionisiaco e do apolineo pela vinculashy
lt30 entre a tematica nietzschiana do tragico e a teoria do sublime que ja foi
usada por Schiller Schelling e Schopenhauer para explicar a reJaltao e1tre os
Nietzsche e a representafio do ltlionisfaco
dois principios constiturivos da tragedia A dificuldade no entanto e que
diferentemente do que acontecia no caso desses autores Nietzsche praticashy
mente nao fala do sublime e quando fala nem sempre parece dizer a mesma
coisa Poisna verdade nio hi uma teo ria do sublime em suaobra mas apeshy
nas uIlfas poucas passagens em que seu conceito aparece em geral para exshy
plicar ttragedia48
A rimeira questao a ser investigada ea seguinte haved em 0 nascimento da tragedia uma concepltao da beleza como forma e do sublime como informe ou da belezacomo sonho e do sublime como embriaguez 0 queidentificaria a bela com 0 apoUneo e 0 sublime com 0 dionisiaco 0 fragmento p6stumo
7[46] do periodo entre 0 final de 1870 e abril de 1871 cheio de questoes sobre
o belo e 0 sublime poderia dar essaimpressao quando diz USe 0 belo repousa
[beruht] sabre urn sonho do ser 0 sublime repousa sobre a embriaguez do ser Mas minha hip6tese nao e exatamente essa Penso inclusive que mesmo esse fragmento parece dar uma pista para pensar a identificacao do sublime nao propriamente com 0 dionisiaco mas com 0 tragico Vimos que quando salishy
entava 0 carater onrdeo da epopeia no inlcio de 0 nascimento da tragedia
Nietzsche nao dizia propriamente que 0 bela era degsonho mas que 0 sonho era
a condiCao do apareciqlento das belas figuras Aqui Nietzsche parece expor
essa mesma ideia ao indicar que 0 bela repousa sobre urn sonho do ser E do mesmo modo tambem parece indicar nao exatamente que 0 sublime seja a embriaguez 0 extase 0 entusiasmo dionisiacos mas que os tenm por base os tenha em sua origem como condiltao fisio16gica
onascimento da tragedia quase nao se refere ao -su---bn-ru-e Mas no final do sect7
hi uma passagem importante para se pensar nao 56 0 que Nietzsche entendia
nessa epoca por sublime como tambem a utilizaltao que faz desse conceito
para pensar 0 tragico Trata-se de uma simples menCao ao sublime como sushy
jeiltao artistica do horror [Udas Erhabene als die kiinstlerische Bandigung des Entsealichenj- ideia que pode ser mais bern compreendida pelo sect3 de A vishy
sao dionisiaca do mundo que define 0 sublime exatamente com as mesmas
palavtas porem emais expHcito do que a breve menltiio de 01ldScimentoda trashy
gedia Sua formul~ao e a seguinte lmporta antes de cudo transformar 0 penshy
samento de desgosto com respeito ao horror e ao absurdo da existencia em~~~
representaltOes que permitam viver sao 0 sublime [aqui os erutores das obras
complecas indicam que Nietzsche anotou na margem do manuscrito 0 mlmeshy
ro de uma pagina de 0 mundo como vontade erepresentctfao] como sujeiltao arclsshy
~ 2~jl~
223 222 0 nascimenro do tragilto
tica do horror eo ridfculo como aHvio artistico do desgosto do absurdo Esses
dois elementos entrela~ados estiio unidos em uma obra de arre que imita a
embriaguez que joga com a embriaguez I Deixando de lade 0 ridiculo que diz respeito ao comico hreio que essas
duas passagens permitem pensar 0 sublime como modelo nao propriamente do dionisiaco mas cia acte tragica como rela~ entrE 0 apolfneo e 0 dionisfashyco Pois nito sera claro que Nietzsche esta dizendo nelas que a tragedia eolushy
gar de uma passagem do horror ao sublime OU mais explicitamente que a
arte sublime da tragedia nao exdui ou reprime 0 terrivel da natureza mas
transforma 0 desgosto com respeito ao horror daexistencia presence no
slaco em representaoes que tornam a vida possiveI
Ora a relaltao entre 0 horror e a represent~ que encontramos nessa ideia esta em continuidade com uma das caracteristicas do sublime em geral independentemente dos teemos que ele relaciona ou do te6rico que 0 conceishy
tuou Estou pensando na existencia de uma desproponao entre esses rermos
desproporao que produz urn conflito Urn desacordo uma dissonancia uma
desarmonia entre des mas que leva finalmente a urn acordo Com isso estou
querendo salientar que Nietzsche se insere na tradi~ao do sublime pensado
a panir da dualidade de principios imagina~ao e razao no caso de Kant senshysivel e supra-sensivel no caso de Schiller intui~ sensivel e contempla~ao absoluta no caso de Schelling representa~ao e ideia no caso de Schopenshyhauer Em Nieczscheessadualidadeeado apolfneoedo 0 quese
observa portanto quando se comparam esses pensadores eque tanto em
Nietzsche quanto em seus antecessores a partir de Kant 0 sublime esempre
definido levando em considera~ao dois termos de nlveis peso ou potencia
diferentes urn marcado pelo finiro pela Iimitaxao pela forma 0 outro pelo
infinito pela ilimitaao pelo informe Essa desproporao essa imensurabilishydade entre um condicionado e urn incondicionado marca 0 pensamento do sublime de Kant a Nietzsche
Deixo de lado Hegel porque ele s6 utiliza 0 conceiro de sublime para caracrerizar a relaltao enshy
tre os elementos sensivel e espiritual na aHe simb6lica sem panamo ver nele importancia
a teoria da tragedia Tambem niiovejo a relevancia do sublime paraa inrerpretacao holderliniana
da tragedia Wagner q uase nilo pensa 0 sublime mas em set Beabwwen ele explica a musica a parshytir do sublime defendendo que ela provoca 0 extase supremo proveniente da consciencia do ilishymitado (Beethoven p33) AMm disso tambem explica 0 drama a panir da musica (p69) COnsideshyrando-o reflexo da rnusica que se cornou visfvel (p77)
Nietzsche e a ~o do dionisiaco
Alem dis so 0 sublime tambem foi sempre pensado como possibilitando
uma apresentaao negativa como disse Kant de uma instfulcia infinita que
pennaneceria inacesslvel se nao fosse refletida no espelho de wna instancia finishy
taFoisempre um modo de apresemar 0 que nao podia ser apresemado 0 que
o supra-sensi vel em Kant e Schiller 0 abso I uto em Schelling a ideia (urn tipo de ideia) em Schopenhauer 0 ilirnitado em Wagner No caso de Nietzsche 0 wonishyS1acO Assim mesmo se um dos teemos e dominante a ele s6 se tem acesso peIo
outro termo marcado por uma inferioridade seja no que diz respeiro agrandeshy
za seja no que diz respeito afor~ apotencia ao poder Urn so pode aparecer
simboIizado pelo outro isto e deixando em parte de ser ele mesmomiddot
Assim os dois tetmos importantes na apropriaiio nietzschiana do sublishy
me sao 0 horror dionisfaco e a representaao apolinea ou a embriaguez e a
inU~ E nessa rela~ao de prindpios opostos nao eo hotTOr dionisiaco que esublime mas a representa~ao teatral do horror Nio e a embriaguez que e sushy
blime mas a imita=ao a representaao apolfnea da embriaguez 0 jogo com a
embriaguez logo que rem como funao aliviar a propria embriaguez Deste
modo 0 sublime nao se identifica ao dionislaco averdade aessencia da natushy
reza Eurn elemento intermediario entre a belezae a verdade entre a bela apashy
renciae a verdade enigmaticae tenebrosa possibilitado pela uniiio de Apolo e Dioniso existente na tragedia Pois na tragedia a aparencia e saboreada nao mais como aparencia como no caso da arte da a epopeia mas como
simbolo como signa da verdade A tragedia arte simb61icaarre em que a vershy
dade esimbolizada expressa a verdade arraves da aparencia da ilushy
sao apolinea da beleza diferentemente da em~ue a beleza e um veu
que oculta a verdade 0 acordo discordante caracteriscico do sublime em
contraposi=ao ao acordo harmonioso do belo que s6 e possivel pela exclusao
pda recusa da essencia arerrorizadora do mundo se da em Nietzsche entre 0
apolineo eo dionisiaco ~ntre as belas formas e a verdade profunda e informe
proveniente de seu desacordo iniciaL Neste sentido atcageciiae a arte sublime
que produz 0 dominio simb6lico do monstruoso da natureza
No sect3 de A visao dionisfaca do mundo que esrou comentando Nietzsche da uma indica~iio
importante de como 0 Seu conceito de sublime esta relacionado ao da tradiao acrescentando
logo a seguir que 0 sublime da urn passo a1em da beleza da bela aparenda porque e sentido romocontradicao 0 fragmento3[42] diz 0 pensamento traglco que concradiz a belezajorra damlisica
224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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214 o nascimento do tragico
1sso q uanto asubstituiltao da individualiza~ao pela reconcilialtao Em seshygundo lugar 0 culto dionisiaco tarnbern significa 0 abandono dos preceitos apolineos da rnedida e da consciencia de si Em vez de medida 0 que se manishy
festa na celebraltao das bacantes e a hybris com a mllsica extatica magica enfeishy
tiadora apresentando a desmedida a desmesura da natureza exultante na
alegria no sofrimento e no conhecimentO34 Adesmesura se revela como vershy
dade no sentido de que iibeleza da medidaseopoe a verdade da desmesura ou
de que amentiradaciviliza~ao se opoe a verdade da natureza Na pecade Eurishy
e Penteu 0 rei de Tebas principal representante da ao instinshyto aforlta dionislaca quem denuncia que as mulheres de Tebas abandonaram seus lares pelas bacanais permanecendo nas florestas sombrias danltando em
homa de uma nova divindade urn impostor urn encantador vindo da Lidia
que as esta iniciando nos misterios baquicos35 0 cuIto dionisfaco em vez de I
delimita~ao calma tranquilidade serenidade apolineas impoe um comporshy
tamento marcado por um extase urn entusiasmo um enfeiticamento urn freshy
nesi sexual uma bestialidade namral constituida de volupia e crueldade de forlta grotesca e cruel
Do mesmo modo em vez da consciencia de si apolinea 0 culto dionisiaco produz uma desintegra~o do eu uma aboliltao da subjetividade ate 0 total esshy
quecimento de si um desprendimento de SI proprio a dissoluao do eu no
um abandono ao extase divino aloucura mistica do deus da possesshy36
Sii0 No das Bacantes Dion1so esclarece que pelo fato de suas Gas as
irmas de sua mae Semele 0 terem insultado declarando nao ser ele filho de
Zeus negando porranto sua condioao divina ele compeliu as mulheres de Tebas a deixar seus lares e a morar nos altos montes usando apenas a roushypagem orgiastica E logo a seguir 0 cora das bacanres em sua primeira intershyvenltao enaltece sua orgia sagrada Feliz daquele que se inicia nos misterios
divinos Ihes consagra sua vida e santifica sua alma purificada nas bacanais da montanha37
Mas a melhor ilustraltao da perda da consciencia caracteristica do extase
do entusiasmo do enfeitiltamento dionisiaco e 0 comportamento de Agave -shyfilhade fundadordeTebas e irmadeSemele mae de Dioniso-quanshydo seu filho Penteu culpado por querer contemplar aquilo que nao epermishytido ver quando nao se e bacante vai observar as bacantes sem que elas notem
mas 0 deus as faz descobri-Io e enfurecer-se contra ele Penteu acariciando 0
rosto de sua miie pede-Iheque se apiede dele e nao asacrifique Agave emdelf-
Nietzsche e a representa~ao do dionisiaco 215
rio pando muira espuma pela boca e revirando os olhos desvairadamente como se Baco a possuisse38 nao 0 ouve esquarteja-o ajudada por suas duas irmas e lanlta os restosde seu corpo ern todas as direcoes Oepois toma a cabeshy
lta que ela imagina ser a cabelta de urn leao e a leva em procissao para Tebas
espetada em seu tirso mostrando-a pelo caminho Em Tebas ela a entrega a
seu pai Cadmo que se lamenta com essas palavras bern elucidativas da aminoshy
mia entre a conscienciaapolinea e 0 delirio dianisiaco Quando recuperardes
vossa lucidez sofrereis atrozmente vendo a vassa feito Ese deveis permanecer
ate 0 fim nesse estado se a felicidade vos menos ignorais vossa
desventuralmiddot
Como se ve apesardaoriginalidade na determinaltao dessas duas fonasshy
o apolineo e 0 dionisiaco- a tese de Nietzsche a respeito daexistencia de uma
oposiltao entre elas se insere perfeitamente no tipo de pensamenro caracterisshy
tico da filosofia do tragico desde 0 final do seculo XVIII que postula a divisao
entre uma Grecia marcada pela serenidade ou simplicidade caracteristica que
lhe da Winckelmann e uma Grecia arcaica sombria violenta selvagem miseishy
ca extatica como aparece bern daramence ern Holderlin Em 0 nascimento da tragedia possivelmente pensando em Winckelmann Nietzsche se insurge conshy
traa ideia de que aartegrega possa ser explicada por urn untco principio Maf nao se pode esquecer que isso nao eu ma navidade de sua filosofia pais para
toda a filosofia do trigico nao se trata mais de interpretar a arte grega como
nobre simplicidade e serena A tal ponto que mesmo os
pensadores do tragico postulam em sua reflexao sobre a tragedia uma harshy
monia ela eo produto de uma oposiltao de prindpiosmiddotI bull
E interessante observar que 0 nascimento da tragedia retoma a distincao d~ Schiller entre 0 ingenuo e 0 sentimental forrnuladaem seu livro Poesia ingenua
esentimental para pensar 0 apolineg e 0 dionisfaco Partindo da ideia do ingeshy
nuo como harmonia ou unidade dd homem com a natureza Nietzsche aproshy
a seu modo dadistinltao de Schiller considerando 0 ingenuo no sect3
bull Asbacante5 1258-6L a fragmenco poswmo 14[14] da primavera de 1888 a meu ver bemem
continuidade COm 0 na5ci_ da tragedia define 0 dionisiaco 0 desmesurado 0 selvagemo
asiatico U utna vontadede focmidavel [UngeheucrJ pot U uma tendencia irresisrivel aunidade
urn slm excasiado ao carater total da vida sempre a 5i proprio em meio ao que muda a
grafeSlmpatia panteiscana alegriae nador define por ourrolado 0 apolineo LIma vontade
de Tdlda como a rendencia ao set-pata-st ao
216 o nasdmento do tragico
de 0 nascimento da tragidia 0 efeito supremo dacivilizaltio apollnea 0 total
engolfamenro na beleza da aparencia No fundoo que 0 nascimento da trage
dia faz e explicar 0 ingenue peIo apoHneo Assim se Homero e urn inge
nuo como 0 considerava Schillet39 e que a ingenuidade hometica s6 pode
set compreendida como uma vit6ria rotal da ilusiio apoHnea E se Nietzsche
nao e muito explicito no livro sobre a util~ desses conceitos de Schiller
principalmente 0 de sentimental 0 fragmento pOstumo 7[126] escrito entre 0
final de 1870 e abrilde 1871 val mais longequando afirma Penso interpretar
ingenuo corretamente por puramente apolineo aparencia da aparencia e
sentimental em compensagtao por nascidodaluta do conhecimento trigico
e da mistica E vendo dificuldades no conceito de sentimental 0
Nietzsche torna mais preciso 0 seu pensamentodizendo Compreendo como o opOSto absolute do ingenuo e do apoHneo 0 ltdionisiaco isto e tudo 0 que nao e aparenciade aparencia mas aparencia do ser reflexo da eterna unidashyde originiria
Mas a refenncia essencial de Nietzsche para interpretar a mitologia e a
arte gregas e como sempre nessa epoca Schopenhauer E se 0 nascimento
da tragedia se baseia em 0 mundo como vontade e representafdo isso significa
principalmente que os conceitos mais abrangentes da analise nierzsc~iana da rragedia 0 dionisiaco e 0 apolineo sao penados a partir dos conceitos schopenhauerianos de vonrade e represent~ transformados na lingua gem nierzschiana em uno originirio e aparencia
Ja me referi a rela=ao entre a aparencia nietzschiana e a rprpenl~r() schopenhaueriana ao estudar 0 apolineo como 0 dominio do princfpio de in
dividua~ao) do ser fenomenal da aparencia Mas rambem me parece evidente
que 0 conceito de dionisiaco e fundado metafisicamente no uno originirio
unidade existente alem au aquem da represent~ que por sua vez e uma reo tomada da vontade universal de Schopenhauer 0 que ha entao de comum entre a concepao de vontade em Nietzsche e Schopenhauer
Se eevidente como me parece que a estrururada argumentaltao de 0 nas
cimento da tragedia parte de uma separaltao radical entre 0 apolineo
como individualtao e 0 dionisiaco pensado como totalidade os dois
comum a interpreta~ao da vontade comolinica universal Pode pareshy
cer dificil defender essa posi~ao pais se encontram em Nietzsche afirma=oes que vao en sentido diferente Penso em fragmentos da epoca como a Vonta
de e a forma mais geral do fenomeno Ou 0 que diz A vontade pertence a
Nietzsche e a representa~iio do dionisiaco ~~7
aparencia A vonrade eja uma forma de fenomeno Ou ainda 0 que
ltliz Toda a vida pulsional s6 nos econhecida - devo acrescentat contra
Schopenhauer - como representalt3o e nao segundo sua essencia e Dooe-se
mesmo dizer que a propria vontade de Schopenhauereapenas a forma mais ~l
geral de algo que perrnanece inteiramenre indecifravel essa forma original~ da manifestaao a vontade consegue no entanto uma expressao simb61imiddot~
-r ca sempre mais adequada no desenvolvimento da mnsica40f
Apontar tais afirma=oes nao me parece no entanto uma objeao imporshy~ j
tante Primeiro porque encontramos fragmentos damesma epoca que enunshy~ 7J clam ourra posiltao Por exemplo Na vontade s6 hi pluralidade movimenco ~
pela representaltao a vontade e universal a represenraltao 0 que diferenshy
cia ou aquele que opoe a no~ao epica de agon a de regime tragico esc1areshyemdo que esta ultima faz frente ao egosmo- middotdt-ittdividualidade e dele se protege colocando-o a servio da totalidade41
Segundo porque quando me pergunto qual dessas inrerpretaoes privileshy
giar parece-me evidente que as fragmenros postumos devem set interpretashy
dos a partir das obras publicadas na epoca peio proprio auror pois sao essa~
obras que expressam com mais clareza e sistematicidade a dire~ao que ele da
aos pensamentos que lhe surgem enquamo investiga determinado tema Assim a meu ver no caso preciso de saber qual a posiiio de Nietzsche sobre a vonrade e preciso se voltar para 0 nascimento da tragiJia E a esse nao
acho que no livro uma critica a Schopenhauer que por razoes
ticas isea e pelo faro de seus maiores amigos como Rohde Overbeck ou
Wagner serem schopenhauerianos Nietzsche teria eSGondido Ou que ainda
usando uma cerminologiaschopenhaueriana Nietzsche ja apresenre urn penshy
same~co rotalmente diferente daquele que encontrou no fil6sofo que consishy
deravt seu mestre
Cercamente ja na epoca de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz varias criticas a Schopenhauer par exemplo aideia de que aarre seja nega=ao da vonmiddot
tade Nao penso pOtem que a leitura do livroedosescriros que the deram orimiddot
gem permtta conduir que a pluralidade ou a multiplicidade ja se encomra na
vontade ou que a vonrade nada mais edo que a aparencia Parece-me ao canmiddot
tnirio que 0 uno originario nietzschiano quando pensado em 0 tragedia como um principio ontol6gico opoSto aaparencia fenomenal e como
a vontade schopenhaueriana unico eterno incondicionado 13 esse sentido da
expressao uno originario que permite por exemplo compreender a caracteshy
218 0 nascimento do tragico
riza~ao do dionisiaco barbaro no sectl do livro Agora gra~as ao evangelho da
harmonia universal cada qual se sente mo s6 unificado condliado fundido
com 0 seu proximo mas urn como se 0 veu de Maia tivesse sido rasgado e reduzido a tiras esvoacasse diante do misrerioso uno originario Ou mesmo a concepltiio da tragedia no sect7 0 efeito mais imediate da tragerua e que deg Estado e a sociedade tudo 0 que constirni urn abismo uma separ~ao entre
homem e homem daD lugar a urn sentimento todo-poderoso de unidade que
reconduz ao amago da natureza 0 que me conduir que 0 dionisiaco e
fundado metafisicamente no uno origiruirio que e uma retomadada vontade
universal de Schopenhauer isto e da vontade considerada como nlicleo do
mundo essencia das cOlsas forlta que etemamente quer deseja e aspira Acredito que s6 interpretando a vontade desse modo e possivel dar coma da tese do livro sobre a tragedia como rel~ entre 0 apolineo eo dionisiaco
A dialetica e 0 sublime na recondliafao tragica
o estudo das duas pulsoes esteticas da natureza mostrou que 0 apolineo tal como se manifesta na poesia epica reprimiu a principio os sombrios impulshysos dionisiacos mas essa repressao foi incapaz de reter a torrente invasora do dionisfaco42 que pouco a pouco como ilustra As bacantes de Euripides disshy
solvia abolia engolia as fronteiras apolineas No entanto se 0 apolineo e- 0 I
dionisfaco aparecem ate aqui em antagonismo luta discordia esse antagoshy
nismo nao e a ultima palavra de Nietzsche - como ja transparece no inicio de
o nascimento da tragedia ao se referir as duas forcas da natureza
Nietzsche salienta nao s6 a lura incessante entre elas como tambem a intershyven~ao de peri6dicas Nesse sentido uma das finalidades do livro e justamente apontar como depoisde prolongada luta esses dois
50S atraves de uma uniiio conjugal geraram a arte tragica Ideia
que Nietzsche expressa em termos diferentes mas proximos quando se refere
it laquoalian~a fraterna it ao pacto de it redproca necessidashy
de a propor~o redproca aD contato e intensifica~ao redprocos encre Apolo e Oioni5O43 Assim sua palavra final a respeito da tragedia no primeiro livro nao e 0 antagonismo mas a reconcilialtiio
Significara isso um hegelianismo de Nietzschei No sect3 de sua Temativa
de autocritica a 0 nascimento da tragedia ele se ve retrospectivamente como 0
~
f~ ~ Nietzsche e a repre5en~ao do dionisiaco 219 ~
f
bull ft
11 disdpulo de urn deus desconhecido que se havia provisoriamente dissimushy
lado ___ sob 0 peso e a morosidade dialetica do alemao _ E e ainaa mais preciso
quando diz no Ecce homo que seu primeiro livro tern cheiro indecorosamente hegeliano dando inclusive como exernplo a concepltao da tragedia em que a oposiltao e transformada em unidade44
Essas formula~oes remetem evidentemente i dialetica que e segundo
Hegel a lei do movimento de retorno do espirito absoluto a si mesmo a lei
encadeamento dos diferentes momentos que constituem 0 espirito
ao percorrer uma serie de etapas em que ele se manifesta de maneira cada vez
mats universal mais concreta Ese nesse processo dialetico a nega~ao tern urn
papel fundamental e porque 0 trabalho do negativo e 0 elemento impulsionashydor a mola propulsora que leva a reconcilialtao e porque peIo processo de neshyga~iio da nega~ao a contradi~iio e superada-conservada ern uma totalidade
mais elevada Assim a dialetica e urn processo de supera~ao-conservacao (Auf
hebung) em que duas ideias opostas se revelam como momentos de uma terceishy
ra ideia que contem as duas primeiras elevando-as a uma unidade superior
Deleuze valoriza a interpretaltao que Nietzsche da de sua propria trajet6shy
ria ao criticar seu primeiro livro como hegeliano para ressaltar os limites da concepltiio nietzschiant do tragico no momenta de 0 nascimento da tragedia e mostrar em que sentido se daa evolu~ao de seu pensamento para umanova concepcao do wigico Eassim que ele apresenta 0 movimento do primeiro lishy
vro de Nietzsche como 0 de uma contradi=ao entre a unidade primiriva e a inshy
dividuaao ou entre a vonrade e a aparencia contradiao que se reflete na
oposicao de Dioniso eApolo e finalmente se resolve pela reconciliacao domishy
nada por emre os dois principlos na tragedia Mais precisarnenre inshy
terpretando a dialetica do tragico corno 0 movimenro da contradi~ao e de sua solultao embora considere que rigorosamente falando o nascimento da nao e um livro dialetico Deleuze defende que sob
fluencia de Schooenhauer filosofo aue nao aDreciava a
ea e expressao dramatica teatral portanto aposhy
linea dessa 45
Isso no entanto niio e sufidente para caracterizar urn hegeIianismo de Nietzsche Pois como temos visto OUtlOS pensadores da mesma epoca OUlate
mesmo imediatamente anteriores a Hegel como Schelling e 0 primeiro Hoi-
I
220 o nascimento do tragico
derlin pensaram de forma mais ou menos semelhante 0 dualismo tragico
como uma unidade dos cOntrarios produzida pe1a inversao de urn dos termos
no outro Quer dizer mesmo queO nascimento da tragidia seja urn livro dialerishy
co talvez isso nao fa~a do Nietzsche dessa epoca necessariamente urn hegeliashy
no pois pensar a tragedia diaJeticamente - q uestao que diz menos respei to a contradiltao ou aoposiyao propriamente do que ao tipo de reJaltiio existente entre os prindpios antagonicos - nao foi uma singuJaridade de Hegel na Aleshymanha do final do seculo XVIII e inkio do seculo XIX
Mas sera 0 livro dialetico Lacoue-Labarthe tambem defende essa posishyltao Sempre interessado em seus estudos na questao da mimesis na modershynidade ele tambem segue essa pista ao investigar 0 ripo de amagonismo
caracteristico da tragedia no primeiro livro de NietzscheAssim ele interpreta
a relayao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco como uma re~ de imitalt3o em que 0 elemento dionisfaco e urn primeiro reflexo uma primeita copia urn prishymeiro espelho do mundo ou davonrade e 0 elemento apolfneo uma imitaltao do dionisiaco A partir daf ele observa que quando 0 antagonismo aparece em
o nascimento da tragedia urn conflieo entre duas forltas ou potincias iguais no
inicio do livro onde a relaltao entre as duas forltas epensadaatraves da metafoshy
ra da uniao dos sexos a 16gica dessa rela~ao mimetica ea dialetica E deste
modo Lacoue-Labarthe e levado aconcluir que para Nietzsche a tragedia e a
filha ou a substituiltao [releve] dialeticada contradiltaoque opoe e nao cess a de referir um ao outro os dois principios antagonicos46
Mas nao seria possivel explicar a relaltao entre essas duas forltas esteticas da natureza - que apesar da tensao que persiste entre elas se cornam compleshy
mentares - de maneira diferente E0 que faz por exemplo Sarah fOfman ao
negar que a relaltiio entre Apolo e Dioniso devaser pensadaa partir 0 modelo
diaietico como uma eontradiCao entre duas ideias que poderiam ersubstishy
tuidas [(relevees] por uma terceira a tragedia Ela prefere pensa-la peIo moshydelo heradftico de uma relaao conflitual entre dois tipos de fora cada um por sua vez vencedor 0 triunfo provis6rio de urn dos dois lutadores dando a
aparencia de uma harmonia enquanto a guerra e a luta sao de faro permashynentes47
Retomando os passos da refl~xao sobre 0 rragico penso que e possivel
compreeI-der essa uniao conjugalr do dionisiaco e do apolineo pela vinculashy
lt30 entre a tematica nietzschiana do tragico e a teoria do sublime que ja foi
usada por Schiller Schelling e Schopenhauer para explicar a reJaltao e1tre os
Nietzsche e a representafio do ltlionisfaco
dois principios constiturivos da tragedia A dificuldade no entanto e que
diferentemente do que acontecia no caso desses autores Nietzsche praticashy
mente nao fala do sublime e quando fala nem sempre parece dizer a mesma
coisa Poisna verdade nio hi uma teo ria do sublime em suaobra mas apeshy
nas uIlfas poucas passagens em que seu conceito aparece em geral para exshy
plicar ttragedia48
A rimeira questao a ser investigada ea seguinte haved em 0 nascimento da tragedia uma concepltao da beleza como forma e do sublime como informe ou da belezacomo sonho e do sublime como embriaguez 0 queidentificaria a bela com 0 apoUneo e 0 sublime com 0 dionisiaco 0 fragmento p6stumo
7[46] do periodo entre 0 final de 1870 e abril de 1871 cheio de questoes sobre
o belo e 0 sublime poderia dar essaimpressao quando diz USe 0 belo repousa
[beruht] sabre urn sonho do ser 0 sublime repousa sobre a embriaguez do ser Mas minha hip6tese nao e exatamente essa Penso inclusive que mesmo esse fragmento parece dar uma pista para pensar a identificacao do sublime nao propriamente com 0 dionisiaco mas com 0 tragico Vimos que quando salishy
entava 0 carater onrdeo da epopeia no inlcio de 0 nascimento da tragedia
Nietzsche nao dizia propriamente que 0 bela era degsonho mas que 0 sonho era
a condiCao do apareciqlento das belas figuras Aqui Nietzsche parece expor
essa mesma ideia ao indicar que 0 bela repousa sobre urn sonho do ser E do mesmo modo tambem parece indicar nao exatamente que 0 sublime seja a embriaguez 0 extase 0 entusiasmo dionisiacos mas que os tenm por base os tenha em sua origem como condiltao fisio16gica
onascimento da tragedia quase nao se refere ao -su---bn-ru-e Mas no final do sect7
hi uma passagem importante para se pensar nao 56 0 que Nietzsche entendia
nessa epoca por sublime como tambem a utilizaltao que faz desse conceito
para pensar 0 tragico Trata-se de uma simples menCao ao sublime como sushy
jeiltao artistica do horror [Udas Erhabene als die kiinstlerische Bandigung des Entsealichenj- ideia que pode ser mais bern compreendida pelo sect3 de A vishy
sao dionisiaca do mundo que define 0 sublime exatamente com as mesmas
palavtas porem emais expHcito do que a breve menltiio de 01ldScimentoda trashy
gedia Sua formul~ao e a seguinte lmporta antes de cudo transformar 0 penshy
samento de desgosto com respeito ao horror e ao absurdo da existencia em~~~
representaltOes que permitam viver sao 0 sublime [aqui os erutores das obras
complecas indicam que Nietzsche anotou na margem do manuscrito 0 mlmeshy
ro de uma pagina de 0 mundo como vontade erepresentctfao] como sujeiltao arclsshy
~ 2~jl~
223 222 0 nascimenro do tragilto
tica do horror eo ridfculo como aHvio artistico do desgosto do absurdo Esses
dois elementos entrela~ados estiio unidos em uma obra de arre que imita a
embriaguez que joga com a embriaguez I Deixando de lade 0 ridiculo que diz respeito ao comico hreio que essas
duas passagens permitem pensar 0 sublime como modelo nao propriamente do dionisiaco mas cia acte tragica como rela~ entrE 0 apolfneo e 0 dionisfashyco Pois nito sera claro que Nietzsche esta dizendo nelas que a tragedia eolushy
gar de uma passagem do horror ao sublime OU mais explicitamente que a
arte sublime da tragedia nao exdui ou reprime 0 terrivel da natureza mas
transforma 0 desgosto com respeito ao horror daexistencia presence no
slaco em representaoes que tornam a vida possiveI
Ora a relaltao entre 0 horror e a represent~ que encontramos nessa ideia esta em continuidade com uma das caracteristicas do sublime em geral independentemente dos teemos que ele relaciona ou do te6rico que 0 conceishy
tuou Estou pensando na existencia de uma desproponao entre esses rermos
desproporao que produz urn conflito Urn desacordo uma dissonancia uma
desarmonia entre des mas que leva finalmente a urn acordo Com isso estou
querendo salientar que Nietzsche se insere na tradi~ao do sublime pensado
a panir da dualidade de principios imagina~ao e razao no caso de Kant senshysivel e supra-sensivel no caso de Schiller intui~ sensivel e contempla~ao absoluta no caso de Schelling representa~ao e ideia no caso de Schopenshyhauer Em Nieczscheessadualidadeeado apolfneoedo 0 quese
observa portanto quando se comparam esses pensadores eque tanto em
Nietzsche quanto em seus antecessores a partir de Kant 0 sublime esempre
definido levando em considera~ao dois termos de nlveis peso ou potencia
diferentes urn marcado pelo finiro pela Iimitaxao pela forma 0 outro pelo
infinito pela ilimitaao pelo informe Essa desproporao essa imensurabilishydade entre um condicionado e urn incondicionado marca 0 pensamento do sublime de Kant a Nietzsche
Deixo de lado Hegel porque ele s6 utiliza 0 conceiro de sublime para caracrerizar a relaltao enshy
tre os elementos sensivel e espiritual na aHe simb6lica sem panamo ver nele importancia
a teoria da tragedia Tambem niiovejo a relevancia do sublime paraa inrerpretacao holderliniana
da tragedia Wagner q uase nilo pensa 0 sublime mas em set Beabwwen ele explica a musica a parshytir do sublime defendendo que ela provoca 0 extase supremo proveniente da consciencia do ilishymitado (Beethoven p33) AMm disso tambem explica 0 drama a panir da musica (p69) COnsideshyrando-o reflexo da rnusica que se cornou visfvel (p77)
Nietzsche e a ~o do dionisiaco
Alem dis so 0 sublime tambem foi sempre pensado como possibilitando
uma apresentaao negativa como disse Kant de uma instfulcia infinita que
pennaneceria inacesslvel se nao fosse refletida no espelho de wna instancia finishy
taFoisempre um modo de apresemar 0 que nao podia ser apresemado 0 que
o supra-sensi vel em Kant e Schiller 0 abso I uto em Schelling a ideia (urn tipo de ideia) em Schopenhauer 0 ilirnitado em Wagner No caso de Nietzsche 0 wonishyS1acO Assim mesmo se um dos teemos e dominante a ele s6 se tem acesso peIo
outro termo marcado por uma inferioridade seja no que diz respeiro agrandeshy
za seja no que diz respeito afor~ apotencia ao poder Urn so pode aparecer
simboIizado pelo outro isto e deixando em parte de ser ele mesmomiddot
Assim os dois tetmos importantes na apropriaiio nietzschiana do sublishy
me sao 0 horror dionisfaco e a representaao apolinea ou a embriaguez e a
inU~ E nessa rela~ao de prindpios opostos nao eo hotTOr dionisiaco que esublime mas a representa~ao teatral do horror Nio e a embriaguez que e sushy
blime mas a imita=ao a representaao apolfnea da embriaguez 0 jogo com a
embriaguez logo que rem como funao aliviar a propria embriaguez Deste
modo 0 sublime nao se identifica ao dionislaco averdade aessencia da natushy
reza Eurn elemento intermediario entre a belezae a verdade entre a bela apashy
renciae a verdade enigmaticae tenebrosa possibilitado pela uniiio de Apolo e Dioniso existente na tragedia Pois na tragedia a aparencia e saboreada nao mais como aparencia como no caso da arte da a epopeia mas como
simbolo como signa da verdade A tragedia arte simb61icaarre em que a vershy
dade esimbolizada expressa a verdade arraves da aparencia da ilushy
sao apolinea da beleza diferentemente da em~ue a beleza e um veu
que oculta a verdade 0 acordo discordante caracteriscico do sublime em
contraposi=ao ao acordo harmonioso do belo que s6 e possivel pela exclusao
pda recusa da essencia arerrorizadora do mundo se da em Nietzsche entre 0
apolineo eo dionisiaco ~ntre as belas formas e a verdade profunda e informe
proveniente de seu desacordo iniciaL Neste sentido atcageciiae a arte sublime
que produz 0 dominio simb6lico do monstruoso da natureza
No sect3 de A visao dionisfaca do mundo que esrou comentando Nietzsche da uma indica~iio
importante de como 0 Seu conceito de sublime esta relacionado ao da tradiao acrescentando
logo a seguir que 0 sublime da urn passo a1em da beleza da bela aparenda porque e sentido romocontradicao 0 fragmento3[42] diz 0 pensamento traglco que concradiz a belezajorra damlisica
224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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216 o nasdmento do tragico
de 0 nascimento da tragidia 0 efeito supremo dacivilizaltio apollnea 0 total
engolfamenro na beleza da aparencia No fundoo que 0 nascimento da trage
dia faz e explicar 0 ingenue peIo apoHneo Assim se Homero e urn inge
nuo como 0 considerava Schillet39 e que a ingenuidade hometica s6 pode
set compreendida como uma vit6ria rotal da ilusiio apoHnea E se Nietzsche
nao e muito explicito no livro sobre a util~ desses conceitos de Schiller
principalmente 0 de sentimental 0 fragmento pOstumo 7[126] escrito entre 0
final de 1870 e abrilde 1871 val mais longequando afirma Penso interpretar
ingenuo corretamente por puramente apolineo aparencia da aparencia e
sentimental em compensagtao por nascidodaluta do conhecimento trigico
e da mistica E vendo dificuldades no conceito de sentimental 0
Nietzsche torna mais preciso 0 seu pensamentodizendo Compreendo como o opOSto absolute do ingenuo e do apoHneo 0 ltdionisiaco isto e tudo 0 que nao e aparenciade aparencia mas aparencia do ser reflexo da eterna unidashyde originiria
Mas a refenncia essencial de Nietzsche para interpretar a mitologia e a
arte gregas e como sempre nessa epoca Schopenhauer E se 0 nascimento
da tragedia se baseia em 0 mundo como vontade e representafdo isso significa
principalmente que os conceitos mais abrangentes da analise nierzsc~iana da rragedia 0 dionisiaco e 0 apolineo sao penados a partir dos conceitos schopenhauerianos de vonrade e represent~ transformados na lingua gem nierzschiana em uno originirio e aparencia
Ja me referi a rela=ao entre a aparencia nietzschiana e a rprpenl~r() schopenhaueriana ao estudar 0 apolineo como 0 dominio do princfpio de in
dividua~ao) do ser fenomenal da aparencia Mas rambem me parece evidente
que 0 conceito de dionisiaco e fundado metafisicamente no uno originirio
unidade existente alem au aquem da represent~ que por sua vez e uma reo tomada da vontade universal de Schopenhauer 0 que ha entao de comum entre a concepao de vontade em Nietzsche e Schopenhauer
Se eevidente como me parece que a estrururada argumentaltao de 0 nas
cimento da tragedia parte de uma separaltao radical entre 0 apolineo
como individualtao e 0 dionisiaco pensado como totalidade os dois
comum a interpreta~ao da vontade comolinica universal Pode pareshy
cer dificil defender essa posi~ao pais se encontram em Nietzsche afirma=oes que vao en sentido diferente Penso em fragmentos da epoca como a Vonta
de e a forma mais geral do fenomeno Ou 0 que diz A vontade pertence a
Nietzsche e a representa~iio do dionisiaco ~~7
aparencia A vonrade eja uma forma de fenomeno Ou ainda 0 que
ltliz Toda a vida pulsional s6 nos econhecida - devo acrescentat contra
Schopenhauer - como representalt3o e nao segundo sua essencia e Dooe-se
mesmo dizer que a propria vontade de Schopenhauereapenas a forma mais ~l
geral de algo que perrnanece inteiramenre indecifravel essa forma original~ da manifestaao a vontade consegue no entanto uma expressao simb61imiddot~
-r ca sempre mais adequada no desenvolvimento da mnsica40f
Apontar tais afirma=oes nao me parece no entanto uma objeao imporshy~ j
tante Primeiro porque encontramos fragmentos damesma epoca que enunshy~ 7J clam ourra posiltao Por exemplo Na vontade s6 hi pluralidade movimenco ~
pela representaltao a vontade e universal a represenraltao 0 que diferenshy
cia ou aquele que opoe a no~ao epica de agon a de regime tragico esc1areshyemdo que esta ultima faz frente ao egosmo- middotdt-ittdividualidade e dele se protege colocando-o a servio da totalidade41
Segundo porque quando me pergunto qual dessas inrerpretaoes privileshy
giar parece-me evidente que as fragmenros postumos devem set interpretashy
dos a partir das obras publicadas na epoca peio proprio auror pois sao essa~
obras que expressam com mais clareza e sistematicidade a dire~ao que ele da
aos pensamentos que lhe surgem enquamo investiga determinado tema Assim a meu ver no caso preciso de saber qual a posiiio de Nietzsche sobre a vonrade e preciso se voltar para 0 nascimento da tragiJia E a esse nao
acho que no livro uma critica a Schopenhauer que por razoes
ticas isea e pelo faro de seus maiores amigos como Rohde Overbeck ou
Wagner serem schopenhauerianos Nietzsche teria eSGondido Ou que ainda
usando uma cerminologiaschopenhaueriana Nietzsche ja apresenre urn penshy
same~co rotalmente diferente daquele que encontrou no fil6sofo que consishy
deravt seu mestre
Cercamente ja na epoca de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz varias criticas a Schopenhauer par exemplo aideia de que aarre seja nega=ao da vonmiddot
tade Nao penso pOtem que a leitura do livroedosescriros que the deram orimiddot
gem permtta conduir que a pluralidade ou a multiplicidade ja se encomra na
vontade ou que a vonrade nada mais edo que a aparencia Parece-me ao canmiddot
tnirio que 0 uno originario nietzschiano quando pensado em 0 tragedia como um principio ontol6gico opoSto aaparencia fenomenal e como
a vontade schopenhaueriana unico eterno incondicionado 13 esse sentido da
expressao uno originario que permite por exemplo compreender a caracteshy
218 0 nascimento do tragico
riza~ao do dionisiaco barbaro no sectl do livro Agora gra~as ao evangelho da
harmonia universal cada qual se sente mo s6 unificado condliado fundido
com 0 seu proximo mas urn como se 0 veu de Maia tivesse sido rasgado e reduzido a tiras esvoacasse diante do misrerioso uno originario Ou mesmo a concepltiio da tragedia no sect7 0 efeito mais imediate da tragerua e que deg Estado e a sociedade tudo 0 que constirni urn abismo uma separ~ao entre
homem e homem daD lugar a urn sentimento todo-poderoso de unidade que
reconduz ao amago da natureza 0 que me conduir que 0 dionisiaco e
fundado metafisicamente no uno origiruirio que e uma retomadada vontade
universal de Schopenhauer isto e da vontade considerada como nlicleo do
mundo essencia das cOlsas forlta que etemamente quer deseja e aspira Acredito que s6 interpretando a vontade desse modo e possivel dar coma da tese do livro sobre a tragedia como rel~ entre 0 apolineo eo dionisiaco
A dialetica e 0 sublime na recondliafao tragica
o estudo das duas pulsoes esteticas da natureza mostrou que 0 apolineo tal como se manifesta na poesia epica reprimiu a principio os sombrios impulshysos dionisiacos mas essa repressao foi incapaz de reter a torrente invasora do dionisfaco42 que pouco a pouco como ilustra As bacantes de Euripides disshy
solvia abolia engolia as fronteiras apolineas No entanto se 0 apolineo e- 0 I
dionisfaco aparecem ate aqui em antagonismo luta discordia esse antagoshy
nismo nao e a ultima palavra de Nietzsche - como ja transparece no inicio de
o nascimento da tragedia ao se referir as duas forcas da natureza
Nietzsche salienta nao s6 a lura incessante entre elas como tambem a intershyven~ao de peri6dicas Nesse sentido uma das finalidades do livro e justamente apontar como depoisde prolongada luta esses dois
50S atraves de uma uniiio conjugal geraram a arte tragica Ideia
que Nietzsche expressa em termos diferentes mas proximos quando se refere
it laquoalian~a fraterna it ao pacto de it redproca necessidashy
de a propor~o redproca aD contato e intensifica~ao redprocos encre Apolo e Oioni5O43 Assim sua palavra final a respeito da tragedia no primeiro livro nao e 0 antagonismo mas a reconcilialtiio
Significara isso um hegelianismo de Nietzschei No sect3 de sua Temativa
de autocritica a 0 nascimento da tragedia ele se ve retrospectivamente como 0
~
f~ ~ Nietzsche e a repre5en~ao do dionisiaco 219 ~
f
bull ft
11 disdpulo de urn deus desconhecido que se havia provisoriamente dissimushy
lado ___ sob 0 peso e a morosidade dialetica do alemao _ E e ainaa mais preciso
quando diz no Ecce homo que seu primeiro livro tern cheiro indecorosamente hegeliano dando inclusive como exernplo a concepltao da tragedia em que a oposiltao e transformada em unidade44
Essas formula~oes remetem evidentemente i dialetica que e segundo
Hegel a lei do movimento de retorno do espirito absoluto a si mesmo a lei
encadeamento dos diferentes momentos que constituem 0 espirito
ao percorrer uma serie de etapas em que ele se manifesta de maneira cada vez
mats universal mais concreta Ese nesse processo dialetico a nega~ao tern urn
papel fundamental e porque 0 trabalho do negativo e 0 elemento impulsionashydor a mola propulsora que leva a reconcilialtao e porque peIo processo de neshyga~iio da nega~ao a contradi~iio e superada-conservada ern uma totalidade
mais elevada Assim a dialetica e urn processo de supera~ao-conservacao (Auf
hebung) em que duas ideias opostas se revelam como momentos de uma terceishy
ra ideia que contem as duas primeiras elevando-as a uma unidade superior
Deleuze valoriza a interpretaltao que Nietzsche da de sua propria trajet6shy
ria ao criticar seu primeiro livro como hegeliano para ressaltar os limites da concepltiio nietzschiant do tragico no momenta de 0 nascimento da tragedia e mostrar em que sentido se daa evolu~ao de seu pensamento para umanova concepcao do wigico Eassim que ele apresenta 0 movimento do primeiro lishy
vro de Nietzsche como 0 de uma contradi=ao entre a unidade primiriva e a inshy
dividuaao ou entre a vonrade e a aparencia contradiao que se reflete na
oposicao de Dioniso eApolo e finalmente se resolve pela reconciliacao domishy
nada por emre os dois principlos na tragedia Mais precisarnenre inshy
terpretando a dialetica do tragico corno 0 movimenro da contradi~ao e de sua solultao embora considere que rigorosamente falando o nascimento da nao e um livro dialetico Deleuze defende que sob
fluencia de Schooenhauer filosofo aue nao aDreciava a
ea e expressao dramatica teatral portanto aposhy
linea dessa 45
Isso no entanto niio e sufidente para caracterizar urn hegeIianismo de Nietzsche Pois como temos visto OUtlOS pensadores da mesma epoca OUlate
mesmo imediatamente anteriores a Hegel como Schelling e 0 primeiro Hoi-
I
220 o nascimento do tragico
derlin pensaram de forma mais ou menos semelhante 0 dualismo tragico
como uma unidade dos cOntrarios produzida pe1a inversao de urn dos termos
no outro Quer dizer mesmo queO nascimento da tragidia seja urn livro dialerishy
co talvez isso nao fa~a do Nietzsche dessa epoca necessariamente urn hegeliashy
no pois pensar a tragedia diaJeticamente - q uestao que diz menos respei to a contradiltao ou aoposiyao propriamente do que ao tipo de reJaltiio existente entre os prindpios antagonicos - nao foi uma singuJaridade de Hegel na Aleshymanha do final do seculo XVIII e inkio do seculo XIX
Mas sera 0 livro dialetico Lacoue-Labarthe tambem defende essa posishyltao Sempre interessado em seus estudos na questao da mimesis na modershynidade ele tambem segue essa pista ao investigar 0 ripo de amagonismo
caracteristico da tragedia no primeiro livro de NietzscheAssim ele interpreta
a relayao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco como uma re~ de imitalt3o em que 0 elemento dionisfaco e urn primeiro reflexo uma primeita copia urn prishymeiro espelho do mundo ou davonrade e 0 elemento apolfneo uma imitaltao do dionisiaco A partir daf ele observa que quando 0 antagonismo aparece em
o nascimento da tragedia urn conflieo entre duas forltas ou potincias iguais no
inicio do livro onde a relaltao entre as duas forltas epensadaatraves da metafoshy
ra da uniao dos sexos a 16gica dessa rela~ao mimetica ea dialetica E deste
modo Lacoue-Labarthe e levado aconcluir que para Nietzsche a tragedia e a
filha ou a substituiltao [releve] dialeticada contradiltaoque opoe e nao cess a de referir um ao outro os dois principios antagonicos46
Mas nao seria possivel explicar a relaltao entre essas duas forltas esteticas da natureza - que apesar da tensao que persiste entre elas se cornam compleshy
mentares - de maneira diferente E0 que faz por exemplo Sarah fOfman ao
negar que a relaltiio entre Apolo e Dioniso devaser pensadaa partir 0 modelo
diaietico como uma eontradiCao entre duas ideias que poderiam ersubstishy
tuidas [(relevees] por uma terceira a tragedia Ela prefere pensa-la peIo moshydelo heradftico de uma relaao conflitual entre dois tipos de fora cada um por sua vez vencedor 0 triunfo provis6rio de urn dos dois lutadores dando a
aparencia de uma harmonia enquanto a guerra e a luta sao de faro permashynentes47
Retomando os passos da refl~xao sobre 0 rragico penso que e possivel
compreeI-der essa uniao conjugalr do dionisiaco e do apolineo pela vinculashy
lt30 entre a tematica nietzschiana do tragico e a teoria do sublime que ja foi
usada por Schiller Schelling e Schopenhauer para explicar a reJaltao e1tre os
Nietzsche e a representafio do ltlionisfaco
dois principios constiturivos da tragedia A dificuldade no entanto e que
diferentemente do que acontecia no caso desses autores Nietzsche praticashy
mente nao fala do sublime e quando fala nem sempre parece dizer a mesma
coisa Poisna verdade nio hi uma teo ria do sublime em suaobra mas apeshy
nas uIlfas poucas passagens em que seu conceito aparece em geral para exshy
plicar ttragedia48
A rimeira questao a ser investigada ea seguinte haved em 0 nascimento da tragedia uma concepltao da beleza como forma e do sublime como informe ou da belezacomo sonho e do sublime como embriaguez 0 queidentificaria a bela com 0 apoUneo e 0 sublime com 0 dionisiaco 0 fragmento p6stumo
7[46] do periodo entre 0 final de 1870 e abril de 1871 cheio de questoes sobre
o belo e 0 sublime poderia dar essaimpressao quando diz USe 0 belo repousa
[beruht] sabre urn sonho do ser 0 sublime repousa sobre a embriaguez do ser Mas minha hip6tese nao e exatamente essa Penso inclusive que mesmo esse fragmento parece dar uma pista para pensar a identificacao do sublime nao propriamente com 0 dionisiaco mas com 0 tragico Vimos que quando salishy
entava 0 carater onrdeo da epopeia no inlcio de 0 nascimento da tragedia
Nietzsche nao dizia propriamente que 0 bela era degsonho mas que 0 sonho era
a condiCao do apareciqlento das belas figuras Aqui Nietzsche parece expor
essa mesma ideia ao indicar que 0 bela repousa sobre urn sonho do ser E do mesmo modo tambem parece indicar nao exatamente que 0 sublime seja a embriaguez 0 extase 0 entusiasmo dionisiacos mas que os tenm por base os tenha em sua origem como condiltao fisio16gica
onascimento da tragedia quase nao se refere ao -su---bn-ru-e Mas no final do sect7
hi uma passagem importante para se pensar nao 56 0 que Nietzsche entendia
nessa epoca por sublime como tambem a utilizaltao que faz desse conceito
para pensar 0 tragico Trata-se de uma simples menCao ao sublime como sushy
jeiltao artistica do horror [Udas Erhabene als die kiinstlerische Bandigung des Entsealichenj- ideia que pode ser mais bern compreendida pelo sect3 de A vishy
sao dionisiaca do mundo que define 0 sublime exatamente com as mesmas
palavtas porem emais expHcito do que a breve menltiio de 01ldScimentoda trashy
gedia Sua formul~ao e a seguinte lmporta antes de cudo transformar 0 penshy
samento de desgosto com respeito ao horror e ao absurdo da existencia em~~~
representaltOes que permitam viver sao 0 sublime [aqui os erutores das obras
complecas indicam que Nietzsche anotou na margem do manuscrito 0 mlmeshy
ro de uma pagina de 0 mundo como vontade erepresentctfao] como sujeiltao arclsshy
~ 2~jl~
223 222 0 nascimenro do tragilto
tica do horror eo ridfculo como aHvio artistico do desgosto do absurdo Esses
dois elementos entrela~ados estiio unidos em uma obra de arre que imita a
embriaguez que joga com a embriaguez I Deixando de lade 0 ridiculo que diz respeito ao comico hreio que essas
duas passagens permitem pensar 0 sublime como modelo nao propriamente do dionisiaco mas cia acte tragica como rela~ entrE 0 apolfneo e 0 dionisfashyco Pois nito sera claro que Nietzsche esta dizendo nelas que a tragedia eolushy
gar de uma passagem do horror ao sublime OU mais explicitamente que a
arte sublime da tragedia nao exdui ou reprime 0 terrivel da natureza mas
transforma 0 desgosto com respeito ao horror daexistencia presence no
slaco em representaoes que tornam a vida possiveI
Ora a relaltao entre 0 horror e a represent~ que encontramos nessa ideia esta em continuidade com uma das caracteristicas do sublime em geral independentemente dos teemos que ele relaciona ou do te6rico que 0 conceishy
tuou Estou pensando na existencia de uma desproponao entre esses rermos
desproporao que produz urn conflito Urn desacordo uma dissonancia uma
desarmonia entre des mas que leva finalmente a urn acordo Com isso estou
querendo salientar que Nietzsche se insere na tradi~ao do sublime pensado
a panir da dualidade de principios imagina~ao e razao no caso de Kant senshysivel e supra-sensivel no caso de Schiller intui~ sensivel e contempla~ao absoluta no caso de Schelling representa~ao e ideia no caso de Schopenshyhauer Em Nieczscheessadualidadeeado apolfneoedo 0 quese
observa portanto quando se comparam esses pensadores eque tanto em
Nietzsche quanto em seus antecessores a partir de Kant 0 sublime esempre
definido levando em considera~ao dois termos de nlveis peso ou potencia
diferentes urn marcado pelo finiro pela Iimitaxao pela forma 0 outro pelo
infinito pela ilimitaao pelo informe Essa desproporao essa imensurabilishydade entre um condicionado e urn incondicionado marca 0 pensamento do sublime de Kant a Nietzsche
Deixo de lado Hegel porque ele s6 utiliza 0 conceiro de sublime para caracrerizar a relaltao enshy
tre os elementos sensivel e espiritual na aHe simb6lica sem panamo ver nele importancia
a teoria da tragedia Tambem niiovejo a relevancia do sublime paraa inrerpretacao holderliniana
da tragedia Wagner q uase nilo pensa 0 sublime mas em set Beabwwen ele explica a musica a parshytir do sublime defendendo que ela provoca 0 extase supremo proveniente da consciencia do ilishymitado (Beethoven p33) AMm disso tambem explica 0 drama a panir da musica (p69) COnsideshyrando-o reflexo da rnusica que se cornou visfvel (p77)
Nietzsche e a ~o do dionisiaco
Alem dis so 0 sublime tambem foi sempre pensado como possibilitando
uma apresentaao negativa como disse Kant de uma instfulcia infinita que
pennaneceria inacesslvel se nao fosse refletida no espelho de wna instancia finishy
taFoisempre um modo de apresemar 0 que nao podia ser apresemado 0 que
o supra-sensi vel em Kant e Schiller 0 abso I uto em Schelling a ideia (urn tipo de ideia) em Schopenhauer 0 ilirnitado em Wagner No caso de Nietzsche 0 wonishyS1acO Assim mesmo se um dos teemos e dominante a ele s6 se tem acesso peIo
outro termo marcado por uma inferioridade seja no que diz respeiro agrandeshy
za seja no que diz respeito afor~ apotencia ao poder Urn so pode aparecer
simboIizado pelo outro isto e deixando em parte de ser ele mesmomiddot
Assim os dois tetmos importantes na apropriaiio nietzschiana do sublishy
me sao 0 horror dionisfaco e a representaao apolinea ou a embriaguez e a
inU~ E nessa rela~ao de prindpios opostos nao eo hotTOr dionisiaco que esublime mas a representa~ao teatral do horror Nio e a embriaguez que e sushy
blime mas a imita=ao a representaao apolfnea da embriaguez 0 jogo com a
embriaguez logo que rem como funao aliviar a propria embriaguez Deste
modo 0 sublime nao se identifica ao dionislaco averdade aessencia da natushy
reza Eurn elemento intermediario entre a belezae a verdade entre a bela apashy
renciae a verdade enigmaticae tenebrosa possibilitado pela uniiio de Apolo e Dioniso existente na tragedia Pois na tragedia a aparencia e saboreada nao mais como aparencia como no caso da arte da a epopeia mas como
simbolo como signa da verdade A tragedia arte simb61icaarre em que a vershy
dade esimbolizada expressa a verdade arraves da aparencia da ilushy
sao apolinea da beleza diferentemente da em~ue a beleza e um veu
que oculta a verdade 0 acordo discordante caracteriscico do sublime em
contraposi=ao ao acordo harmonioso do belo que s6 e possivel pela exclusao
pda recusa da essencia arerrorizadora do mundo se da em Nietzsche entre 0
apolineo eo dionisiaco ~ntre as belas formas e a verdade profunda e informe
proveniente de seu desacordo iniciaL Neste sentido atcageciiae a arte sublime
que produz 0 dominio simb6lico do monstruoso da natureza
No sect3 de A visao dionisfaca do mundo que esrou comentando Nietzsche da uma indica~iio
importante de como 0 Seu conceito de sublime esta relacionado ao da tradiao acrescentando
logo a seguir que 0 sublime da urn passo a1em da beleza da bela aparenda porque e sentido romocontradicao 0 fragmento3[42] diz 0 pensamento traglco que concradiz a belezajorra damlisica
224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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218 0 nascimento do tragico
riza~ao do dionisiaco barbaro no sectl do livro Agora gra~as ao evangelho da
harmonia universal cada qual se sente mo s6 unificado condliado fundido
com 0 seu proximo mas urn como se 0 veu de Maia tivesse sido rasgado e reduzido a tiras esvoacasse diante do misrerioso uno originario Ou mesmo a concepltiio da tragedia no sect7 0 efeito mais imediate da tragerua e que deg Estado e a sociedade tudo 0 que constirni urn abismo uma separ~ao entre
homem e homem daD lugar a urn sentimento todo-poderoso de unidade que
reconduz ao amago da natureza 0 que me conduir que 0 dionisiaco e
fundado metafisicamente no uno origiruirio que e uma retomadada vontade
universal de Schopenhauer isto e da vontade considerada como nlicleo do
mundo essencia das cOlsas forlta que etemamente quer deseja e aspira Acredito que s6 interpretando a vontade desse modo e possivel dar coma da tese do livro sobre a tragedia como rel~ entre 0 apolineo eo dionisiaco
A dialetica e 0 sublime na recondliafao tragica
o estudo das duas pulsoes esteticas da natureza mostrou que 0 apolineo tal como se manifesta na poesia epica reprimiu a principio os sombrios impulshysos dionisiacos mas essa repressao foi incapaz de reter a torrente invasora do dionisfaco42 que pouco a pouco como ilustra As bacantes de Euripides disshy
solvia abolia engolia as fronteiras apolineas No entanto se 0 apolineo e- 0 I
dionisfaco aparecem ate aqui em antagonismo luta discordia esse antagoshy
nismo nao e a ultima palavra de Nietzsche - como ja transparece no inicio de
o nascimento da tragedia ao se referir as duas forcas da natureza
Nietzsche salienta nao s6 a lura incessante entre elas como tambem a intershyven~ao de peri6dicas Nesse sentido uma das finalidades do livro e justamente apontar como depoisde prolongada luta esses dois
50S atraves de uma uniiio conjugal geraram a arte tragica Ideia
que Nietzsche expressa em termos diferentes mas proximos quando se refere
it laquoalian~a fraterna it ao pacto de it redproca necessidashy
de a propor~o redproca aD contato e intensifica~ao redprocos encre Apolo e Oioni5O43 Assim sua palavra final a respeito da tragedia no primeiro livro nao e 0 antagonismo mas a reconcilialtiio
Significara isso um hegelianismo de Nietzschei No sect3 de sua Temativa
de autocritica a 0 nascimento da tragedia ele se ve retrospectivamente como 0
~
f~ ~ Nietzsche e a repre5en~ao do dionisiaco 219 ~
f
bull ft
11 disdpulo de urn deus desconhecido que se havia provisoriamente dissimushy
lado ___ sob 0 peso e a morosidade dialetica do alemao _ E e ainaa mais preciso
quando diz no Ecce homo que seu primeiro livro tern cheiro indecorosamente hegeliano dando inclusive como exernplo a concepltao da tragedia em que a oposiltao e transformada em unidade44
Essas formula~oes remetem evidentemente i dialetica que e segundo
Hegel a lei do movimento de retorno do espirito absoluto a si mesmo a lei
encadeamento dos diferentes momentos que constituem 0 espirito
ao percorrer uma serie de etapas em que ele se manifesta de maneira cada vez
mats universal mais concreta Ese nesse processo dialetico a nega~ao tern urn
papel fundamental e porque 0 trabalho do negativo e 0 elemento impulsionashydor a mola propulsora que leva a reconcilialtao e porque peIo processo de neshyga~iio da nega~ao a contradi~iio e superada-conservada ern uma totalidade
mais elevada Assim a dialetica e urn processo de supera~ao-conservacao (Auf
hebung) em que duas ideias opostas se revelam como momentos de uma terceishy
ra ideia que contem as duas primeiras elevando-as a uma unidade superior
Deleuze valoriza a interpretaltao que Nietzsche da de sua propria trajet6shy
ria ao criticar seu primeiro livro como hegeliano para ressaltar os limites da concepltiio nietzschiant do tragico no momenta de 0 nascimento da tragedia e mostrar em que sentido se daa evolu~ao de seu pensamento para umanova concepcao do wigico Eassim que ele apresenta 0 movimento do primeiro lishy
vro de Nietzsche como 0 de uma contradi=ao entre a unidade primiriva e a inshy
dividuaao ou entre a vonrade e a aparencia contradiao que se reflete na
oposicao de Dioniso eApolo e finalmente se resolve pela reconciliacao domishy
nada por emre os dois principlos na tragedia Mais precisarnenre inshy
terpretando a dialetica do tragico corno 0 movimenro da contradi~ao e de sua solultao embora considere que rigorosamente falando o nascimento da nao e um livro dialetico Deleuze defende que sob
fluencia de Schooenhauer filosofo aue nao aDreciava a
ea e expressao dramatica teatral portanto aposhy
linea dessa 45
Isso no entanto niio e sufidente para caracterizar urn hegeIianismo de Nietzsche Pois como temos visto OUtlOS pensadores da mesma epoca OUlate
mesmo imediatamente anteriores a Hegel como Schelling e 0 primeiro Hoi-
I
220 o nascimento do tragico
derlin pensaram de forma mais ou menos semelhante 0 dualismo tragico
como uma unidade dos cOntrarios produzida pe1a inversao de urn dos termos
no outro Quer dizer mesmo queO nascimento da tragidia seja urn livro dialerishy
co talvez isso nao fa~a do Nietzsche dessa epoca necessariamente urn hegeliashy
no pois pensar a tragedia diaJeticamente - q uestao que diz menos respei to a contradiltao ou aoposiyao propriamente do que ao tipo de reJaltiio existente entre os prindpios antagonicos - nao foi uma singuJaridade de Hegel na Aleshymanha do final do seculo XVIII e inkio do seculo XIX
Mas sera 0 livro dialetico Lacoue-Labarthe tambem defende essa posishyltao Sempre interessado em seus estudos na questao da mimesis na modershynidade ele tambem segue essa pista ao investigar 0 ripo de amagonismo
caracteristico da tragedia no primeiro livro de NietzscheAssim ele interpreta
a relayao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco como uma re~ de imitalt3o em que 0 elemento dionisfaco e urn primeiro reflexo uma primeita copia urn prishymeiro espelho do mundo ou davonrade e 0 elemento apolfneo uma imitaltao do dionisiaco A partir daf ele observa que quando 0 antagonismo aparece em
o nascimento da tragedia urn conflieo entre duas forltas ou potincias iguais no
inicio do livro onde a relaltao entre as duas forltas epensadaatraves da metafoshy
ra da uniao dos sexos a 16gica dessa rela~ao mimetica ea dialetica E deste
modo Lacoue-Labarthe e levado aconcluir que para Nietzsche a tragedia e a
filha ou a substituiltao [releve] dialeticada contradiltaoque opoe e nao cess a de referir um ao outro os dois principios antagonicos46
Mas nao seria possivel explicar a relaltao entre essas duas forltas esteticas da natureza - que apesar da tensao que persiste entre elas se cornam compleshy
mentares - de maneira diferente E0 que faz por exemplo Sarah fOfman ao
negar que a relaltiio entre Apolo e Dioniso devaser pensadaa partir 0 modelo
diaietico como uma eontradiCao entre duas ideias que poderiam ersubstishy
tuidas [(relevees] por uma terceira a tragedia Ela prefere pensa-la peIo moshydelo heradftico de uma relaao conflitual entre dois tipos de fora cada um por sua vez vencedor 0 triunfo provis6rio de urn dos dois lutadores dando a
aparencia de uma harmonia enquanto a guerra e a luta sao de faro permashynentes47
Retomando os passos da refl~xao sobre 0 rragico penso que e possivel
compreeI-der essa uniao conjugalr do dionisiaco e do apolineo pela vinculashy
lt30 entre a tematica nietzschiana do tragico e a teoria do sublime que ja foi
usada por Schiller Schelling e Schopenhauer para explicar a reJaltao e1tre os
Nietzsche e a representafio do ltlionisfaco
dois principios constiturivos da tragedia A dificuldade no entanto e que
diferentemente do que acontecia no caso desses autores Nietzsche praticashy
mente nao fala do sublime e quando fala nem sempre parece dizer a mesma
coisa Poisna verdade nio hi uma teo ria do sublime em suaobra mas apeshy
nas uIlfas poucas passagens em que seu conceito aparece em geral para exshy
plicar ttragedia48
A rimeira questao a ser investigada ea seguinte haved em 0 nascimento da tragedia uma concepltao da beleza como forma e do sublime como informe ou da belezacomo sonho e do sublime como embriaguez 0 queidentificaria a bela com 0 apoUneo e 0 sublime com 0 dionisiaco 0 fragmento p6stumo
7[46] do periodo entre 0 final de 1870 e abril de 1871 cheio de questoes sobre
o belo e 0 sublime poderia dar essaimpressao quando diz USe 0 belo repousa
[beruht] sabre urn sonho do ser 0 sublime repousa sobre a embriaguez do ser Mas minha hip6tese nao e exatamente essa Penso inclusive que mesmo esse fragmento parece dar uma pista para pensar a identificacao do sublime nao propriamente com 0 dionisiaco mas com 0 tragico Vimos que quando salishy
entava 0 carater onrdeo da epopeia no inlcio de 0 nascimento da tragedia
Nietzsche nao dizia propriamente que 0 bela era degsonho mas que 0 sonho era
a condiCao do apareciqlento das belas figuras Aqui Nietzsche parece expor
essa mesma ideia ao indicar que 0 bela repousa sobre urn sonho do ser E do mesmo modo tambem parece indicar nao exatamente que 0 sublime seja a embriaguez 0 extase 0 entusiasmo dionisiacos mas que os tenm por base os tenha em sua origem como condiltao fisio16gica
onascimento da tragedia quase nao se refere ao -su---bn-ru-e Mas no final do sect7
hi uma passagem importante para se pensar nao 56 0 que Nietzsche entendia
nessa epoca por sublime como tambem a utilizaltao que faz desse conceito
para pensar 0 tragico Trata-se de uma simples menCao ao sublime como sushy
jeiltao artistica do horror [Udas Erhabene als die kiinstlerische Bandigung des Entsealichenj- ideia que pode ser mais bern compreendida pelo sect3 de A vishy
sao dionisiaca do mundo que define 0 sublime exatamente com as mesmas
palavtas porem emais expHcito do que a breve menltiio de 01ldScimentoda trashy
gedia Sua formul~ao e a seguinte lmporta antes de cudo transformar 0 penshy
samento de desgosto com respeito ao horror e ao absurdo da existencia em~~~
representaltOes que permitam viver sao 0 sublime [aqui os erutores das obras
complecas indicam que Nietzsche anotou na margem do manuscrito 0 mlmeshy
ro de uma pagina de 0 mundo como vontade erepresentctfao] como sujeiltao arclsshy
~ 2~jl~
223 222 0 nascimenro do tragilto
tica do horror eo ridfculo como aHvio artistico do desgosto do absurdo Esses
dois elementos entrela~ados estiio unidos em uma obra de arre que imita a
embriaguez que joga com a embriaguez I Deixando de lade 0 ridiculo que diz respeito ao comico hreio que essas
duas passagens permitem pensar 0 sublime como modelo nao propriamente do dionisiaco mas cia acte tragica como rela~ entrE 0 apolfneo e 0 dionisfashyco Pois nito sera claro que Nietzsche esta dizendo nelas que a tragedia eolushy
gar de uma passagem do horror ao sublime OU mais explicitamente que a
arte sublime da tragedia nao exdui ou reprime 0 terrivel da natureza mas
transforma 0 desgosto com respeito ao horror daexistencia presence no
slaco em representaoes que tornam a vida possiveI
Ora a relaltao entre 0 horror e a represent~ que encontramos nessa ideia esta em continuidade com uma das caracteristicas do sublime em geral independentemente dos teemos que ele relaciona ou do te6rico que 0 conceishy
tuou Estou pensando na existencia de uma desproponao entre esses rermos
desproporao que produz urn conflito Urn desacordo uma dissonancia uma
desarmonia entre des mas que leva finalmente a urn acordo Com isso estou
querendo salientar que Nietzsche se insere na tradi~ao do sublime pensado
a panir da dualidade de principios imagina~ao e razao no caso de Kant senshysivel e supra-sensivel no caso de Schiller intui~ sensivel e contempla~ao absoluta no caso de Schelling representa~ao e ideia no caso de Schopenshyhauer Em Nieczscheessadualidadeeado apolfneoedo 0 quese
observa portanto quando se comparam esses pensadores eque tanto em
Nietzsche quanto em seus antecessores a partir de Kant 0 sublime esempre
definido levando em considera~ao dois termos de nlveis peso ou potencia
diferentes urn marcado pelo finiro pela Iimitaxao pela forma 0 outro pelo
infinito pela ilimitaao pelo informe Essa desproporao essa imensurabilishydade entre um condicionado e urn incondicionado marca 0 pensamento do sublime de Kant a Nietzsche
Deixo de lado Hegel porque ele s6 utiliza 0 conceiro de sublime para caracrerizar a relaltao enshy
tre os elementos sensivel e espiritual na aHe simb6lica sem panamo ver nele importancia
a teoria da tragedia Tambem niiovejo a relevancia do sublime paraa inrerpretacao holderliniana
da tragedia Wagner q uase nilo pensa 0 sublime mas em set Beabwwen ele explica a musica a parshytir do sublime defendendo que ela provoca 0 extase supremo proveniente da consciencia do ilishymitado (Beethoven p33) AMm disso tambem explica 0 drama a panir da musica (p69) COnsideshyrando-o reflexo da rnusica que se cornou visfvel (p77)
Nietzsche e a ~o do dionisiaco
Alem dis so 0 sublime tambem foi sempre pensado como possibilitando
uma apresentaao negativa como disse Kant de uma instfulcia infinita que
pennaneceria inacesslvel se nao fosse refletida no espelho de wna instancia finishy
taFoisempre um modo de apresemar 0 que nao podia ser apresemado 0 que
o supra-sensi vel em Kant e Schiller 0 abso I uto em Schelling a ideia (urn tipo de ideia) em Schopenhauer 0 ilirnitado em Wagner No caso de Nietzsche 0 wonishyS1acO Assim mesmo se um dos teemos e dominante a ele s6 se tem acesso peIo
outro termo marcado por uma inferioridade seja no que diz respeiro agrandeshy
za seja no que diz respeito afor~ apotencia ao poder Urn so pode aparecer
simboIizado pelo outro isto e deixando em parte de ser ele mesmomiddot
Assim os dois tetmos importantes na apropriaiio nietzschiana do sublishy
me sao 0 horror dionisfaco e a representaao apolinea ou a embriaguez e a
inU~ E nessa rela~ao de prindpios opostos nao eo hotTOr dionisiaco que esublime mas a representa~ao teatral do horror Nio e a embriaguez que e sushy
blime mas a imita=ao a representaao apolfnea da embriaguez 0 jogo com a
embriaguez logo que rem como funao aliviar a propria embriaguez Deste
modo 0 sublime nao se identifica ao dionislaco averdade aessencia da natushy
reza Eurn elemento intermediario entre a belezae a verdade entre a bela apashy
renciae a verdade enigmaticae tenebrosa possibilitado pela uniiio de Apolo e Dioniso existente na tragedia Pois na tragedia a aparencia e saboreada nao mais como aparencia como no caso da arte da a epopeia mas como
simbolo como signa da verdade A tragedia arte simb61icaarre em que a vershy
dade esimbolizada expressa a verdade arraves da aparencia da ilushy
sao apolinea da beleza diferentemente da em~ue a beleza e um veu
que oculta a verdade 0 acordo discordante caracteriscico do sublime em
contraposi=ao ao acordo harmonioso do belo que s6 e possivel pela exclusao
pda recusa da essencia arerrorizadora do mundo se da em Nietzsche entre 0
apolineo eo dionisiaco ~ntre as belas formas e a verdade profunda e informe
proveniente de seu desacordo iniciaL Neste sentido atcageciiae a arte sublime
que produz 0 dominio simb6lico do monstruoso da natureza
No sect3 de A visao dionisfaca do mundo que esrou comentando Nietzsche da uma indica~iio
importante de como 0 Seu conceito de sublime esta relacionado ao da tradiao acrescentando
logo a seguir que 0 sublime da urn passo a1em da beleza da bela aparenda porque e sentido romocontradicao 0 fragmento3[42] diz 0 pensamento traglco que concradiz a belezajorra damlisica
224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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ras1993
220 o nascimento do tragico
derlin pensaram de forma mais ou menos semelhante 0 dualismo tragico
como uma unidade dos cOntrarios produzida pe1a inversao de urn dos termos
no outro Quer dizer mesmo queO nascimento da tragidia seja urn livro dialerishy
co talvez isso nao fa~a do Nietzsche dessa epoca necessariamente urn hegeliashy
no pois pensar a tragedia diaJeticamente - q uestao que diz menos respei to a contradiltao ou aoposiyao propriamente do que ao tipo de reJaltiio existente entre os prindpios antagonicos - nao foi uma singuJaridade de Hegel na Aleshymanha do final do seculo XVIII e inkio do seculo XIX
Mas sera 0 livro dialetico Lacoue-Labarthe tambem defende essa posishyltao Sempre interessado em seus estudos na questao da mimesis na modershynidade ele tambem segue essa pista ao investigar 0 ripo de amagonismo
caracteristico da tragedia no primeiro livro de NietzscheAssim ele interpreta
a relayao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco como uma re~ de imitalt3o em que 0 elemento dionisfaco e urn primeiro reflexo uma primeita copia urn prishymeiro espelho do mundo ou davonrade e 0 elemento apolfneo uma imitaltao do dionisiaco A partir daf ele observa que quando 0 antagonismo aparece em
o nascimento da tragedia urn conflieo entre duas forltas ou potincias iguais no
inicio do livro onde a relaltao entre as duas forltas epensadaatraves da metafoshy
ra da uniao dos sexos a 16gica dessa rela~ao mimetica ea dialetica E deste
modo Lacoue-Labarthe e levado aconcluir que para Nietzsche a tragedia e a
filha ou a substituiltao [releve] dialeticada contradiltaoque opoe e nao cess a de referir um ao outro os dois principios antagonicos46
Mas nao seria possivel explicar a relaltao entre essas duas forltas esteticas da natureza - que apesar da tensao que persiste entre elas se cornam compleshy
mentares - de maneira diferente E0 que faz por exemplo Sarah fOfman ao
negar que a relaltiio entre Apolo e Dioniso devaser pensadaa partir 0 modelo
diaietico como uma eontradiCao entre duas ideias que poderiam ersubstishy
tuidas [(relevees] por uma terceira a tragedia Ela prefere pensa-la peIo moshydelo heradftico de uma relaao conflitual entre dois tipos de fora cada um por sua vez vencedor 0 triunfo provis6rio de urn dos dois lutadores dando a
aparencia de uma harmonia enquanto a guerra e a luta sao de faro permashynentes47
Retomando os passos da refl~xao sobre 0 rragico penso que e possivel
compreeI-der essa uniao conjugalr do dionisiaco e do apolineo pela vinculashy
lt30 entre a tematica nietzschiana do tragico e a teoria do sublime que ja foi
usada por Schiller Schelling e Schopenhauer para explicar a reJaltao e1tre os
Nietzsche e a representafio do ltlionisfaco
dois principios constiturivos da tragedia A dificuldade no entanto e que
diferentemente do que acontecia no caso desses autores Nietzsche praticashy
mente nao fala do sublime e quando fala nem sempre parece dizer a mesma
coisa Poisna verdade nio hi uma teo ria do sublime em suaobra mas apeshy
nas uIlfas poucas passagens em que seu conceito aparece em geral para exshy
plicar ttragedia48
A rimeira questao a ser investigada ea seguinte haved em 0 nascimento da tragedia uma concepltao da beleza como forma e do sublime como informe ou da belezacomo sonho e do sublime como embriaguez 0 queidentificaria a bela com 0 apoUneo e 0 sublime com 0 dionisiaco 0 fragmento p6stumo
7[46] do periodo entre 0 final de 1870 e abril de 1871 cheio de questoes sobre
o belo e 0 sublime poderia dar essaimpressao quando diz USe 0 belo repousa
[beruht] sabre urn sonho do ser 0 sublime repousa sobre a embriaguez do ser Mas minha hip6tese nao e exatamente essa Penso inclusive que mesmo esse fragmento parece dar uma pista para pensar a identificacao do sublime nao propriamente com 0 dionisiaco mas com 0 tragico Vimos que quando salishy
entava 0 carater onrdeo da epopeia no inlcio de 0 nascimento da tragedia
Nietzsche nao dizia propriamente que 0 bela era degsonho mas que 0 sonho era
a condiCao do apareciqlento das belas figuras Aqui Nietzsche parece expor
essa mesma ideia ao indicar que 0 bela repousa sobre urn sonho do ser E do mesmo modo tambem parece indicar nao exatamente que 0 sublime seja a embriaguez 0 extase 0 entusiasmo dionisiacos mas que os tenm por base os tenha em sua origem como condiltao fisio16gica
onascimento da tragedia quase nao se refere ao -su---bn-ru-e Mas no final do sect7
hi uma passagem importante para se pensar nao 56 0 que Nietzsche entendia
nessa epoca por sublime como tambem a utilizaltao que faz desse conceito
para pensar 0 tragico Trata-se de uma simples menCao ao sublime como sushy
jeiltao artistica do horror [Udas Erhabene als die kiinstlerische Bandigung des Entsealichenj- ideia que pode ser mais bern compreendida pelo sect3 de A vishy
sao dionisiaca do mundo que define 0 sublime exatamente com as mesmas
palavtas porem emais expHcito do que a breve menltiio de 01ldScimentoda trashy
gedia Sua formul~ao e a seguinte lmporta antes de cudo transformar 0 penshy
samento de desgosto com respeito ao horror e ao absurdo da existencia em~~~
representaltOes que permitam viver sao 0 sublime [aqui os erutores das obras
complecas indicam que Nietzsche anotou na margem do manuscrito 0 mlmeshy
ro de uma pagina de 0 mundo como vontade erepresentctfao] como sujeiltao arclsshy
~ 2~jl~
223 222 0 nascimenro do tragilto
tica do horror eo ridfculo como aHvio artistico do desgosto do absurdo Esses
dois elementos entrela~ados estiio unidos em uma obra de arre que imita a
embriaguez que joga com a embriaguez I Deixando de lade 0 ridiculo que diz respeito ao comico hreio que essas
duas passagens permitem pensar 0 sublime como modelo nao propriamente do dionisiaco mas cia acte tragica como rela~ entrE 0 apolfneo e 0 dionisfashyco Pois nito sera claro que Nietzsche esta dizendo nelas que a tragedia eolushy
gar de uma passagem do horror ao sublime OU mais explicitamente que a
arte sublime da tragedia nao exdui ou reprime 0 terrivel da natureza mas
transforma 0 desgosto com respeito ao horror daexistencia presence no
slaco em representaoes que tornam a vida possiveI
Ora a relaltao entre 0 horror e a represent~ que encontramos nessa ideia esta em continuidade com uma das caracteristicas do sublime em geral independentemente dos teemos que ele relaciona ou do te6rico que 0 conceishy
tuou Estou pensando na existencia de uma desproponao entre esses rermos
desproporao que produz urn conflito Urn desacordo uma dissonancia uma
desarmonia entre des mas que leva finalmente a urn acordo Com isso estou
querendo salientar que Nietzsche se insere na tradi~ao do sublime pensado
a panir da dualidade de principios imagina~ao e razao no caso de Kant senshysivel e supra-sensivel no caso de Schiller intui~ sensivel e contempla~ao absoluta no caso de Schelling representa~ao e ideia no caso de Schopenshyhauer Em Nieczscheessadualidadeeado apolfneoedo 0 quese
observa portanto quando se comparam esses pensadores eque tanto em
Nietzsche quanto em seus antecessores a partir de Kant 0 sublime esempre
definido levando em considera~ao dois termos de nlveis peso ou potencia
diferentes urn marcado pelo finiro pela Iimitaxao pela forma 0 outro pelo
infinito pela ilimitaao pelo informe Essa desproporao essa imensurabilishydade entre um condicionado e urn incondicionado marca 0 pensamento do sublime de Kant a Nietzsche
Deixo de lado Hegel porque ele s6 utiliza 0 conceiro de sublime para caracrerizar a relaltao enshy
tre os elementos sensivel e espiritual na aHe simb6lica sem panamo ver nele importancia
a teoria da tragedia Tambem niiovejo a relevancia do sublime paraa inrerpretacao holderliniana
da tragedia Wagner q uase nilo pensa 0 sublime mas em set Beabwwen ele explica a musica a parshytir do sublime defendendo que ela provoca 0 extase supremo proveniente da consciencia do ilishymitado (Beethoven p33) AMm disso tambem explica 0 drama a panir da musica (p69) COnsideshyrando-o reflexo da rnusica que se cornou visfvel (p77)
Nietzsche e a ~o do dionisiaco
Alem dis so 0 sublime tambem foi sempre pensado como possibilitando
uma apresentaao negativa como disse Kant de uma instfulcia infinita que
pennaneceria inacesslvel se nao fosse refletida no espelho de wna instancia finishy
taFoisempre um modo de apresemar 0 que nao podia ser apresemado 0 que
o supra-sensi vel em Kant e Schiller 0 abso I uto em Schelling a ideia (urn tipo de ideia) em Schopenhauer 0 ilirnitado em Wagner No caso de Nietzsche 0 wonishyS1acO Assim mesmo se um dos teemos e dominante a ele s6 se tem acesso peIo
outro termo marcado por uma inferioridade seja no que diz respeiro agrandeshy
za seja no que diz respeito afor~ apotencia ao poder Urn so pode aparecer
simboIizado pelo outro isto e deixando em parte de ser ele mesmomiddot
Assim os dois tetmos importantes na apropriaiio nietzschiana do sublishy
me sao 0 horror dionisfaco e a representaao apolinea ou a embriaguez e a
inU~ E nessa rela~ao de prindpios opostos nao eo hotTOr dionisiaco que esublime mas a representa~ao teatral do horror Nio e a embriaguez que e sushy
blime mas a imita=ao a representaao apolfnea da embriaguez 0 jogo com a
embriaguez logo que rem como funao aliviar a propria embriaguez Deste
modo 0 sublime nao se identifica ao dionislaco averdade aessencia da natushy
reza Eurn elemento intermediario entre a belezae a verdade entre a bela apashy
renciae a verdade enigmaticae tenebrosa possibilitado pela uniiio de Apolo e Dioniso existente na tragedia Pois na tragedia a aparencia e saboreada nao mais como aparencia como no caso da arte da a epopeia mas como
simbolo como signa da verdade A tragedia arte simb61icaarre em que a vershy
dade esimbolizada expressa a verdade arraves da aparencia da ilushy
sao apolinea da beleza diferentemente da em~ue a beleza e um veu
que oculta a verdade 0 acordo discordante caracteriscico do sublime em
contraposi=ao ao acordo harmonioso do belo que s6 e possivel pela exclusao
pda recusa da essencia arerrorizadora do mundo se da em Nietzsche entre 0
apolineo eo dionisiaco ~ntre as belas formas e a verdade profunda e informe
proveniente de seu desacordo iniciaL Neste sentido atcageciiae a arte sublime
que produz 0 dominio simb6lico do monstruoso da natureza
No sect3 de A visao dionisfaca do mundo que esrou comentando Nietzsche da uma indica~iio
importante de como 0 Seu conceito de sublime esta relacionado ao da tradiao acrescentando
logo a seguir que 0 sublime da urn passo a1em da beleza da bela aparenda porque e sentido romocontradicao 0 fragmento3[42] diz 0 pensamento traglco que concradiz a belezajorra damlisica
224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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223 222 0 nascimenro do tragilto
tica do horror eo ridfculo como aHvio artistico do desgosto do absurdo Esses
dois elementos entrela~ados estiio unidos em uma obra de arre que imita a
embriaguez que joga com a embriaguez I Deixando de lade 0 ridiculo que diz respeito ao comico hreio que essas
duas passagens permitem pensar 0 sublime como modelo nao propriamente do dionisiaco mas cia acte tragica como rela~ entrE 0 apolfneo e 0 dionisfashyco Pois nito sera claro que Nietzsche esta dizendo nelas que a tragedia eolushy
gar de uma passagem do horror ao sublime OU mais explicitamente que a
arte sublime da tragedia nao exdui ou reprime 0 terrivel da natureza mas
transforma 0 desgosto com respeito ao horror daexistencia presence no
slaco em representaoes que tornam a vida possiveI
Ora a relaltao entre 0 horror e a represent~ que encontramos nessa ideia esta em continuidade com uma das caracteristicas do sublime em geral independentemente dos teemos que ele relaciona ou do te6rico que 0 conceishy
tuou Estou pensando na existencia de uma desproponao entre esses rermos
desproporao que produz urn conflito Urn desacordo uma dissonancia uma
desarmonia entre des mas que leva finalmente a urn acordo Com isso estou
querendo salientar que Nietzsche se insere na tradi~ao do sublime pensado
a panir da dualidade de principios imagina~ao e razao no caso de Kant senshysivel e supra-sensivel no caso de Schiller intui~ sensivel e contempla~ao absoluta no caso de Schelling representa~ao e ideia no caso de Schopenshyhauer Em Nieczscheessadualidadeeado apolfneoedo 0 quese
observa portanto quando se comparam esses pensadores eque tanto em
Nietzsche quanto em seus antecessores a partir de Kant 0 sublime esempre
definido levando em considera~ao dois termos de nlveis peso ou potencia
diferentes urn marcado pelo finiro pela Iimitaxao pela forma 0 outro pelo
infinito pela ilimitaao pelo informe Essa desproporao essa imensurabilishydade entre um condicionado e urn incondicionado marca 0 pensamento do sublime de Kant a Nietzsche
Deixo de lado Hegel porque ele s6 utiliza 0 conceiro de sublime para caracrerizar a relaltao enshy
tre os elementos sensivel e espiritual na aHe simb6lica sem panamo ver nele importancia
a teoria da tragedia Tambem niiovejo a relevancia do sublime paraa inrerpretacao holderliniana
da tragedia Wagner q uase nilo pensa 0 sublime mas em set Beabwwen ele explica a musica a parshytir do sublime defendendo que ela provoca 0 extase supremo proveniente da consciencia do ilishymitado (Beethoven p33) AMm disso tambem explica 0 drama a panir da musica (p69) COnsideshyrando-o reflexo da rnusica que se cornou visfvel (p77)
Nietzsche e a ~o do dionisiaco
Alem dis so 0 sublime tambem foi sempre pensado como possibilitando
uma apresentaao negativa como disse Kant de uma instfulcia infinita que
pennaneceria inacesslvel se nao fosse refletida no espelho de wna instancia finishy
taFoisempre um modo de apresemar 0 que nao podia ser apresemado 0 que
o supra-sensi vel em Kant e Schiller 0 abso I uto em Schelling a ideia (urn tipo de ideia) em Schopenhauer 0 ilirnitado em Wagner No caso de Nietzsche 0 wonishyS1acO Assim mesmo se um dos teemos e dominante a ele s6 se tem acesso peIo
outro termo marcado por uma inferioridade seja no que diz respeiro agrandeshy
za seja no que diz respeito afor~ apotencia ao poder Urn so pode aparecer
simboIizado pelo outro isto e deixando em parte de ser ele mesmomiddot
Assim os dois tetmos importantes na apropriaiio nietzschiana do sublishy
me sao 0 horror dionisfaco e a representaao apolinea ou a embriaguez e a
inU~ E nessa rela~ao de prindpios opostos nao eo hotTOr dionisiaco que esublime mas a representa~ao teatral do horror Nio e a embriaguez que e sushy
blime mas a imita=ao a representaao apolfnea da embriaguez 0 jogo com a
embriaguez logo que rem como funao aliviar a propria embriaguez Deste
modo 0 sublime nao se identifica ao dionislaco averdade aessencia da natushy
reza Eurn elemento intermediario entre a belezae a verdade entre a bela apashy
renciae a verdade enigmaticae tenebrosa possibilitado pela uniiio de Apolo e Dioniso existente na tragedia Pois na tragedia a aparencia e saboreada nao mais como aparencia como no caso da arte da a epopeia mas como
simbolo como signa da verdade A tragedia arte simb61icaarre em que a vershy
dade esimbolizada expressa a verdade arraves da aparencia da ilushy
sao apolinea da beleza diferentemente da em~ue a beleza e um veu
que oculta a verdade 0 acordo discordante caracteriscico do sublime em
contraposi=ao ao acordo harmonioso do belo que s6 e possivel pela exclusao
pda recusa da essencia arerrorizadora do mundo se da em Nietzsche entre 0
apolineo eo dionisiaco ~ntre as belas formas e a verdade profunda e informe
proveniente de seu desacordo iniciaL Neste sentido atcageciiae a arte sublime
que produz 0 dominio simb6lico do monstruoso da natureza
No sect3 de A visao dionisfaca do mundo que esrou comentando Nietzsche da uma indica~iio
importante de como 0 Seu conceito de sublime esta relacionado ao da tradiao acrescentando
logo a seguir que 0 sublime da urn passo a1em da beleza da bela aparenda porque e sentido romocontradicao 0 fragmento3[42] diz 0 pensamento traglco que concradiz a belezajorra damlisica
224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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224 o nascimento do iligieo
Creio inclusive que 0 fragmento p6stumo 3[74] escrito entre 0 inverno de
1869 e a primavera de 1870 em que Nietzsche caracteriza 0 mundo helenico
como 0 terrivel sob a mascara do belo como uma boadefini~o da tragedia 0
tempel ea natureza a verdade dionisfaca a mascara e a aparencia 0 apolfneo
Dioniso simbolo da natUreza terrivel renebrosa monstruosa nao se da diretashymente nao se apresenta em pessoa mas atraves de m3scaras A tragedia e a uniao dos dois impulsos das duas for~as 0 horror dionisiaco da natureza e a beshy
leza apolinea da arre Dito mais explicitarnente a tragedia eo a utilizacao de urn
dos elementos a mascara como forma artfstica que permite 0 acesso pelo disshy
tanciamento apolineo da vi sao ao informe da natureza A impossibilidade de
uma apresentaao direta de Dioniso exige aintervenao de Apolo que estende 0
veu da aparencia como urn modo de tomar suporcavel a presena do deus ao
homem Retomando express5es de Kant a respeito do sentimento sublime seshyria possivel dizer que 0 sublime para Nietzsche e uma apresentaIYaO indireta uma apresentaao negativa do terrivel da natureza da vontade do uno origishy
nario possibilitada pela arte tragica
A musica a cena e a ealavra
Essa uniao conjugal essa alianIYa fraterna do dionisiaco e do apoHneo pode ser compreendida de modo mais explicito pelo estudo dos elementQS
constitutivos da tragedia por urn lado a musica por outro a cena e a palavra
o modo como se da a passagem da luta para a reconcili~ao entre 0 dionishy
slaco e 0 apolineo reconciliaii1 que possibilita 0 nascimento da tragedia - e
descrit por Nietzsche como u~a transformaao de urn fen6meno natural
em urn fenomeno artistico 0 fenomeno natural e 0 dionisfaco puro selvashygem barbaro e titmico 0 fenomeno artistico ea arte tragica 0 [earroj a trageshydia49 Estabelecer uma alianIYa entre 0 dionisiaco eo apolfneo etransfbrmar 0
saber dionisiaco em arte em saber artistico Processo que nao esimples e em
cuja interpretaao Nietzsche assinala tanto as identidadesquanto as diferenshy
ltas entre 0 que chama natural e artfstico
o ponto importante da interpretaao e a ideia de urn liame entre 0 culto
dionislaco e a arte tragica liame que 0 nascimento da tragidia procura estabeleshy
cer atraves de uma continuidade entre a turba satirica e 0 coro entendido como causada tragedia e do tragico No entanto paraencaminhar sua hip6teshy
Niettsche e a repres~ do dionisfac ~~5
se do coro migico comodrama original Nietzsche sente a necessidade de reshy
jeitar as formas esteticas correntes que veem 0 coro como representante do
povo e como espectador ideal50
A primeira forma estetica rejeitadae possivelmente a de Hegel que como
vimos defendia na Esecttitica que 0 coro grego representava a sabedoria do povo exprimia os pensamentos e os sentimenoos coletivos em conttaposiao ao disshy
curso individual Nietzsche indica que essa interpreta~iio esci baseada em Arist6teles salientando seu cariter politico demoeratico e sua oposiao a reashyleza da cena Condul entao que as raizes puramente religiosas da tragedia exshy
cluem essa oposi~ao do povo ao principe e que seria uma blasfemia falar ate
mesmo de pressentimento de uma representaao constitucional do povo na
Grecia anriga A segunda forma estetica 0 nascimento da tragMia indica como sendo a de August-Wilhelm Schlegel que ve 0 coro como a substancia e 0 exshytrato da multidao dos espectadores Mas Nietzsche acredita ser impossivel
tirar do publico por idealizaltao 0 coro tcigieo pois 0 espectador tern consshy
cienciadeestarassistindo a uma obradearte enquanto 0 eorovenacena figushy
ras reais e niio urn esperaeulo 0 coro das Oeeanides ere verdadeiramente
tet sob seus olhos 0 Tita Prometeu e se ve tao real q uanto 0 deus em cena diz
Nietzsche no sect7 do sel) primeito livro
Nietzsche nao rejeita no entanto todas as teorias modemas do coro Ao contrario nesse mesmo sect7 ele elogia como infinitamente mais rica do que as precedentes a interpretaao de Schiller que considerava 0 coro como uma
muralha viva que a tragedia estende asua volta a fim de se isolar totalmente
do mundo real e preservar seu espao ideal e sua liberdade poerica Frase que
e uma parafrase quase literal de uma afirmaao do prefacio de A noiva de
Messina inritulado Sobre 0 uso do coro na tragedia escrito de Schiller
de 1803 em que 0 coro epensado como a principal arma contra 0 naturalismo e para salvaguarda da ilusao poetica e dramadca 51
E Schillervai numa direltao ainda mais imeressante para Nietzsche quanshy
do defende que a tragedia originou-se poeticamente do espirito do coro ao
afirmar que a linguagem lirica do coro leva 0 poeta a elevar proporcionalshy
mente 0 nivel da linguagem da ttagedia reforando com isso 0 poder sensivel
da expressao emgeral52 Assim a ideiade que a tragedia teriacomo origem 0
cora nao ede Nietzsche ela se encontra em Schiller que a explicita ao dizer
que a tragedia autiga precisava do coro como de um acompanhamento neshycessario Encontrara-o na natureza e 0 usava porque 0 tinha encontrado
226 o nasamento do tragicltgt
Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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Consequentemente na tragedia antiga 0 coro era mais urn orgao natural que
provinha da propria forma poetica da vida realS3
Retomando de Schiller aideia da importanciado coro na tragedia anciga
a hip6tese de Nietzsche ede que no momento em que eapenas coro a trageshy
dia grega imita 0 fenomeno da embriaguez dionisiaca 0 coro tragico ea imishytacao artistica do fenomeno natural do cortejo exa1tado dos servos de Oioniso Essa passagem do lirismo do coro it imi~ do dionisfaco e uma
originalidade de Nietzsche em relaltao a Schiller
Essa interpretacao alias parece estar em continuidade com a constatashy
lt30 que Arist6teles faz na Poetica de que a tragedia nasceu dos solistas do ditishy
rambo acrescentando a seguir que a poesia tragica tinha uma origem
satirica 0 que talvez indique 0 CarateI satirico do dicirambo cujo coro seria
composto de satiros54 Mas como interpretar estahipOtese Jean-Pierre Vershynant para quem 0 assunto das tragedias nao tern absolutamente nada aver com Oioniso a interpreta como expressando 0 desejo que tern Arist6teles de
marcar as transformacoes que levaram a tragediaa romper com sua origem dishy
tirambica para se tornar outracoisass E Pierre Vidal-Naquet no prefacio a trashy
ducao de Paul Mazon as tragedias de SOfodes radicaliza a posicao de Vernant
ao defender que nao hi outra origem da tragedia a naoser a propria tragedia
Que 0 protagonista saia do coro que canta urn ditirambo em honra a Dionishyso que urn segundo (com Esquilo) depois urn terceiro ator (com S6focles) veshynham se juntar a ele no confranto entre deg her6i eo coro 1ao se pode explicar ern termos de origenss6
A origem da tragedia parece ser uma dessas questOes filologicamente inshy
soluveis De todo modo Nietzsche defende a continuidade entre a turba satshy
rica e 0 coro dionisiaco Mas como ele estabelece essa relaao entre a arte
tragica e 0 culto satirico Antes de tudo por uma interpretaao da figura do satiro Segundo Nietzsche 0 satiro ser natural ficticio fingidoS7 era para
o grego a autentica verdade da natureza a natureza intocada pelo conhecishy
mento a imagem e 0 reflexo da natureza em seus impulsos mais fortes 0
Poetica IV 1449 a 9-15 Eis 0 reecho completo Mas nascidade urn princjpio improvisado (tanto a tragedia como a co media a tragedia dos soliscas do dirirambo a cony~dia dos solistas dos cantos filicos composisoes estasainda hoje esrimadas em muiasdas nossas cidades) [a tramiddot gedia] pouco a POllCO foi evoluindo a medidaque se desenvolvia rudo quanto ~ela se manifesta va ate que passadas muitas transform~oes a tragedia se deteve logo que atingiu a sua forma natural
Nietzsche e a re~o do dionisfaco 227
anunciador da sabedoria que sai do iimago mais profundo da natureza a
Iproto-imagem do homems8 Ora enunciando a verdadeirasabedoria diontshy
siaca ele p5eem questao a ilusao dacultura apolinea que reduz deghomem dshy
vilizado a uma caricatura mentirosa Assim 0 satiro esta para 0 homem
civilizado como a musica dionisia~ esta para a civiliza~o E ~ exatamenre no culeo dionisiaco dos cortejos embri~gados extaticos das bacantes que 0 grego se vi transfonnado melhor ainda encantado em sariro Sob 0 efeito de tais
disposicoes de animo e cognicoes exulta a turba entusias~ dos servidores
de Dioniso eo poder dessas disposicoes e cognic5es os ttansforma diante de
sellS proprios olhos de modo que veern a si mesmos como se fossem genios da
natureza restaurados como satiross9
Mas resta ainda explicar como a arte tragica nasce dessa multidao encanshy
tad que se sente transfonuada em satiros e silenos como se liwsse entrada em out 0 corpa em urn personagem Ora a explicacao de Niettsche e dada peIoitema tradicional da imita~ao Estou querendo dizer com isso que Nietzsche
permanece fiel adefiniltao aristotelica da arte como imitacao 0 que pode ser
notado por exemplo no sect2 de 0 nascimento da tragtfdi4 quando ele diz que
todo artista eurn imitador e faz referencia aexpress3o arlscotelica imitashy
io da naturezaGO A diferena e que na concepao metafisica nietzschiana
independentemente do artista sem a mediaio do artista humano - a propria natureza ji e artistica por ser constituida pelas pulsOes esteticas aposhylineae dionisiaca Assirn 0 que diz Nietzsche e que em facedesses estados arshy
tlsticos imediatos da natureza todo artista e urn imitador A arte imita uma
natureza que ja e artfstica que ja epulsao forlta artist~ imita as condilt5es
criadoras imediatas da natureza
Assim se Nietzsche da impoftiincia a teoria schilleriana do cora como
muralha viva contra 0 realismo ou 0 naturalismo e porque como ele esdarece
no sect24 de 0 nascimento da tragedia a arte nao eapenas uma imitaao da realishy
dade natural mas urn suplemento metafisico dessa realidade natural colocashy
da jUnto dela a fim de ultrapassa-la Se mesmo concebidacomo imitaltao a
arre tragica tem como finalidade uma transfiguraltao metafisica e porque
ela imita nao a realidade fenomenal mas 0 que Schopenhauer chamou de
vontade e Nietzsche de uno originario a essencia da natureza
Eseguindo esse raciocfnio que para dar conta cia rel~ do coro com 0
cortejo dionisiaco ele acrescenta no sect8 do livro A constituicentio posterior do coro tragico nao sera mais do que imitacao pelos meios daarte desse fen601eshy
228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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228 o nascimento do trigico
no natural [0 cortejo exaltado dos servos de Dioniso] Isto significa exshy
plicitamente que no momenta em que se constitui como fen6meno artistico
primordial protofenomeno dramatico no momento em que e apenas
coro construido como uma arma~iio suspensa de urn fingido estado natural
com firrgidos seres naturais61 a tragedia reproduz imita espelha simboliza 0
fenomeno da embriaguez dionisiaca responsavel pelo aniquilamento da indishyvidualidade e pelo desaparecimento dos prindpios apolineos criadores da inshydividua~ao a medida e a consciencia de si
para que essa hip6tese se revele em tada sua originalidade e preciso sashylientar 0 seu aspecto mais importante 0 que tama a imitacento do dionisiaco
possivel ea musica Vejamos entao 0 que significa dizer que arragedia nasce do
espirito da mtisica que a origem da tragediae a possessao causadapela musica
No sect16 de 0 nascimento da tragedia Nietzsche faz uma longa citacao do sect52 de 0 mundo como vontade e representtlfao destacando urn pequeno trecho que ele considera 0 conhecimento maisimp~rtante da estecica Ejustamente a passagem em que Schopenhauer diz que a mUsica difere de rodas as outras
faro de nao ser reflexo [AbbildJ do fenomeno ou mais corretamente
da adequada objetividade da vontade mas reflexo imediato da propria vontashy
de e ponanto exprime 0 metafisico para tudo 0 que efisico nomundo a coisa
em si para todo fenomeno
Vimos 0 quanto 0 nascimento datragMia e inspirado em Schopenhauer so- bretudo pela aproprialtao que faz dos pares fen6meno-coisa em si representashy~ao-vontade para pensar as duas for~as artisticas da natureza 0 apolineo e 0
dionisiaco Pois e tambem profundamente inspirado em Schopenhauer e na
aproprialtio que dele faz Wagner em seu Beethoven que Nietzsche pensara a
musica como espelho dionisfaco do mundo considerado como essencia ou
fundamento e ponanto como umaarte essencialmente metafisica Schopenshy
hauer define a mUsica como conhecimento imediato da essencia do mundo como reflexo reproducao tradu~iio expressao imediata e universal da vontashyde da vontade impessoal e universal do centro e nueleo do mundo da forshy~a que eternamente queI deseja e aspira for~a cega ca6ticasem caos
originario Wagner que ve Schopenhauer como 0 primeiro adefinit com clashy
reza filosofica a diferen~a da musica com rela~ao as ourras artes por ser uma
lingua que todos podem compreender imediatamente reroma a definiltao
schopenhaueriana ao considerar que ill musica e a propria ideia do mundo
que se revela alternando sofrimento e alegria felicidade e dorti2
Nietzsche e a represen~ d dionisiao
A teoria nieuschiana da musica e uma transposicao da concepltao de
Schopenhauer eWagner para 0 ambito de seu proprio esquema conceitual
de interpret~ao daarte a partir dos dois impulsos esreticos da natureza Essa
transposi~ao 0 leva a distinguir uma musiea apoHnea e uma musica dionisiashy
ca A apolineaeumacompanhamento ritmico pela citara dos poemas homeshy
ricos definida como uma arquiterura darka de sons apenas insinuados63
Mas Nietzsche asvezes tambem se refere a uma musica exelusivamente dionishysiaca que inteiramente isenta de imagem eum reflexo do ser primordial do
uno originario como no sect5 de 0 nascimentoda tragedia Haveria portanto dois
tipos de musica uma que reproduz 0 fenomeno outra que reproduz a vontashy
de Em outros momentos no entanto Nietzsche explica a musica pelos eleshy
mentos a constituem a melodia a harmonia e 0 rirmo ii entao que I
privilegiando a harmonia e a melodia a torrente uniraria da melodia e 0
mundo absoluramente incomparavel da harmonia em detrimento da badshyda ondulante do rirmo ele ve a musica como uma arre essencialmente dionishy
siaca que nao se restringindo ao mundo do fen6meno estabelece uma
rela~ao imediatacom a vontade Acredito a esse respeito que se Nietzsche diz
que a tragedia leva a musica aperfeiltao como no sect21 eporqueela aperfeishy
ltoa a musica exclusivamente dionisiaca orgiastica aquela que no curso sobre
a tragedia ltitiea ele chamou de musica natural (Naturmusik) indicando que
fIxar a musica natural das dionisias demoniacas durante as quais explode a embriaguez do sentimento todo-poderoso em formas artisticas foi 0 primeishy10 passo dado emdirecao da tragedia64
Essa conce~ da musica se assemelha muito aOque sem se referir ao
apolineo e ao dionisiaco Wagner disse na mesma epoca em uma linguagem
profundamente schopenhaueriana no Beethoven Enquanto a harmonia dos
sons livre do esp~o e do tempo permanece como 0 elemento espedfico da
musicao mtisico criador por mdo da sucessao ritmica de suas manifestaC5es estende a mao conciliat6ria ao mundo dos fen6menos em estado de vigiliamiddot Que se compare esse texto ao que diz Nietzsche em A visao dionisiaca do
mundo e a semelhanlta entre os dois pensadores torna-se ainda mais evidenshy
bull Beethoven p30 Noeusaio Do destine da opera de 1871 Wagner escreve quemiddoto drama amigo
atingiu sua originalidade rragica pOl urn compromisso entre 0 elememo apolineo e 0 elemenco
dionislaco afinn~em que Nieczsche viu uma revelasao indiscreca do que ele iria dizer em 0 nascimento cia tragidiaLieberr Nietzsche et la musique p52 nl)
I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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I 0 nasdmento do tragico
te Enquanto 0 ritmo e a dinamica sao ainda de ceno modo aspectos externos
da vontade que se exprime por sfmbolos enquanto trazem quase que em si
proprios a caracteristica do fenomeno a harmonia e simbolo da essencia pura
da vontade Portanto no ritmo e na dimlmica 0 fenomeno isolado deve ainda
ser caracterizado como fenomeno e vista sob esse aspectoJ amusica pode sertratadaJ
como arte da aparencia A harmonia residuo indivisfvel fala da vontade de fora e de dentro de todas as faemas do fen6meno e portanto uma simb6lica nao apenas do sentimento mas do mundo List also nicht bloss Gefols- sondern Welt-rymbolik] 65
Como se poderia preyer pelo que foi dito anteriormente pensar a musica
como arte essencialmente dionisiaca significa dizer que ela eo meio mais imshy
portantede que 0 homem dispoe para se desprenderdesi proprio para se desshyfazer da individualidade66 e entrar em comunhao com 0 uno originario expressando com a i~tensifica~o maxima de todas assuas capacidades simshybolicas a dor e 0 prazer da vontade
Se entao utilizando a dualidade schopenhaueriana representa~ao-vonshytade em sua interpreta~ao da tragedia Nietzsche pensaque por ser apenas reshy
presentaaoo individuo her6ico ao ser aniquilado nao afeta a vida eterna da
vomade e e capaz de proporcionar alegria isso se deveasuaideia de que a trashy
gedia atraves do coro absorve a musica orgiastica levando-a aperfeivao Eis duas cita~oes de 0 nascimento da tragedia que VaG neste sentido A consolaao mecafisica lte que a vida no fundo das coisas apesar de coda a mudana das
aparencias fenomenais e indestrutivelmente poderosae cheia de alegria apashy
rece com nitidez corp6rea como coro satirico como coro de seres naturais
que vivem por assim dizer indestrutiveis por tras de todaciviHzaao e que a
despeito de toda mudanva de geraoes e das vicissitudes cia historia dos povos permanecem perenemente os mesmos Somente a partir do espirito da mushy
sica compreendemos a alegria do aniquilamenw do individup Pois s6 nos exemplos individuais de tal aniquilamento eque fica claro par~ nos 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca a qual leva aexpressao a vontacfe rm sua oniposhy
tencia por assim dizer por tras do principium individuationis a vida eterna para
aIem de toda aparencia e apesar de todo aniquilamentogt67
A continuidade portanto entre 0 dionisiaco como fenomeno natural
caracterizado por uma embriaguez que rompe 0 principio de individualtao e abole a subjetividade possibilitando aos seres isolados se sentirem unificados com 0 mais profundo da natureza eo dionisiaco como fenomeno artisticq
~
Nietzsche e a representasao do dionisiaco 231
tal como se da no rearro se deve aimtisica considerada como expressao imedishy
ata da vontade Mas se a mlisicaIem sua completa ilimi~ao eo principal
elemento que perm ite expIicar 0 nascimen to da rragedia rara dar conta to talshy
mente desse fen6meno artistico epreciso ir alem e acrescentar ao lado da mushy
sica 0 componente essencialmente dionisiaco da tragedia seus componentes apolineos a palavra e a cena
Essa analise da relaao entre os componentes da tragedia e introduzida
PENietzsche a partir de uma interpreta~ao da poesia liriea que assinala seus
c ponentes apolineo e dionisiaco a palavra e a musica e salienta a prevashy
Ie cia da ffitisica nessa rela~ao Eis urn trecho significativo do modo como
Nietzsche equaciona 0 problema no sect5 de 0 nascimento cIa tragidia Como arshy
tista dionisiaco 0 poeca lfrico antes de cudo identificou-se inteiramente ao uno origiruirio com sua dor e sua conrradiltao e proauziu ac6pia [AbbildJ desshyse uno origiomo em forma de musica em seguida e~sa miisica se cornou visivel parade como numa imagem onirica simbolica [anal6giea gleichnissartishy
gen] sob a influencia do sonho apoHneo Ideia que Nietzsche introduz a parshy
tir de uma observa~iio de Schiller a Goethe sobre 0 seu pr6prio modo de
composi~ao em que 0 estado preliminar do aro poetico e descrito como uma
predisposiaomusical 0 sentimento se me apresenta no comeo sem urn obshy
jew claro edeterminado este so se forma mais tarde Primeiro vem uma certa predisposi(3o musical e_ s6 depois eC)ue se segue a ideia poericaraquo68 Essa relaltao entre musica e palavra e alias retomada no sect6 de 0 nascimento da tragidia de
modo bemsemelhante ao anterior quando Nietzsche se refereacan~ao popushy
lar como espelho musical do mundo como meloltt~a origimiria que agora
procura uma aparencia onirica paralela e a exprime na poesia A tnelodia e portanto 0 que ha de primeiro e mais universal podendo por isso suportar multiplas objetivalt6es em muitos textos a melodia da aluz a poesia
Ora e aplicando esse principio da superioridade da mtisica na poesia l11ishyca que Nietzsche pensa a relaltao entre 0 apolineo e 0 dionisiaco na tragedia Isso se notaclaramente por exemplo no sect8 de 0 nascimentocIatragedia quanshy
do alem de explicitar como a tragedia surge do ditirambo dionisfaco 0 que
ja vimos - Nietzsche the acrescenta urn elemento radicalmente diferente da
musica 0 onirico mundo apolineo da cena do qual 0 coro eo seio matershy
no e derme a tragedia como urn coro dionisfaco que incessantemenre se descarregaem urn mundo apoHneode imagens A tragediae0 coro dionisiashyco que se expande projetando fora de si imagens apolineas diz 0 sect2 L
232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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232 o nascimento do tragico
Esse mundo apolfneo de imagens gerado pea musiea na tragedia eo mito
tragico cujo conteudo nao deixa duvida para Nietzsche os sofrimentos de Dion1so Pois 0 coro da tragedia alem de se ver metamorfoseado em sariro
tambem contempia Dioniso arrives de uma nova visao apolinea 0 sect8 afirma
a esse respeito A possessao epdr eonseguinte a eondi~ao previa de toda ane
dramarica possufdo 0 exaltado de Dioniso se ve como satiro ecomo satiro
entao ve 0 deus Isso significa que metamorfoseado ele percebe comol exterior
a ele uma nova visao que ea inretra real~o apolinea de seu estado Ecom essa nova visao que 0 drama acaba de se constimir Dioniso e para Nietzsche o heroi de todas as tragedias no sentido de que as figuras famosas do teatro
grego como Prometeu eom seu amor tiranico pelos homens e Edipo com
sua sabedoria desmesurada sao apenas suas mascaras Ese na ttagedia 0 ioshy
niso se objetiva nas aparencias apolineas aparecendo em cena individualizashy
do na mascara de um heroi lutCl-dor e como que enredado nas malhas da
vontade individual e justamente para sofrer os padedmentos cia individuashy
sao e apresentar 0 estado de individuasao como a causa do mal a fonte do
sofrimento evidendando a necessidade de sua rejeiltao em nome da universashy
lidade de tudo 0 que existe69
Ve-se como 0 mim migico gerado pela musica e jusramente por ser gerashy
do por ela inverte 0 mito epico tomando-o veiculo da sabedoria dionisfaca
Deslocando-se das ac6es heraicas para 0 pathos os sofrimentos dos herois a I
tragedia representa a queda degocaso 0 aniquilamento a catistrofe a derrocashy
da do individuo e sua uniao com 0 ser primordial 0 uno origin2ric Ao curso de inumeras explosoes sueessivas 0 fundo primitivo da tragedia produz por
irradialtao uma visao dramatica que e inicialmence um sonho isto e tem nashy
tureza epica por outro lado objerivando urn estado dionisiaco representa
nao a redentao apolinea pela aparencia mas ao contrario 0 naufragio do inshy
divfduo e Sua absor~ao no ser originario70
Estamos no imago da relacao da uniao conjugal da redproca necessishy
dade dos dois elementos constitutivos da tragedia 0 dionisiaco presence na
musica 0 apolfneo presente na cena e na palavra
Por um lado a importancia da imagem No teatro 0 mito tragico e uma
transposiltao da sabedoria dionisiaca instintivamente inconsciente para a
linguagem das imagens e a representatao simb6lica [Verbildlicbung] da sabeshy
doria dionisiaca atraves dos meios artisticos apolineos71 Se 0 milagre realiza-
Nietzsche e a representaio do dlOOisiaco )33
do peio teatro grego e salvar 0 individuo cia forlta dest~uidora do dionisiaco existente no auto-aniquilamenco orgiastico aliviando-o de uma unificaYao
imediata com a mtisica dionisiaca72 isso se deve it imagem no sentido de que
a abolilt1io dos iimites da individualidade e a restaura~1io da unidade origishy
niria sao na cena rearral apenas representadas Assim a negacao dos valoshy
res apolineos s6 se realiza em forma de representacao de imagem isto e
apolineamente Pela influencia do sonho apolineo a musica coma a forma de
umsonho Servindo-se da aparEncia da representasao 0 canto e a dana nao sao
mais embriaguez instintiva da naturezagt a massa coral excitada por Dioniso
nao e mais a massa popular apreendida inconscientemente peIo instinto da
primavera servindo-se da aparencia 0 dionisiaco artistico e uma irnitacao
da embriaguez urn jogo com a embriaguez urn estado de embriaguez em que
nao se perde a lucidez um estado em que embriagado se observa a propria
embriaguez 0 artista tragieo e aquele que na embriaguez dionisiacae naaushy
to-alienaltao mistica prosterna-se solitario e it parte dos coros entusiastas e
por meio do influxo apolineo do sonho 0 seu proprio estado isto esua unishy
dade com 0 fundo mais intimo do 111 undo se the revela em uma imagem onirishy
ca simbalica7J Ao afirmar que I
Apolo ensina a medida a Oioniso Nietzsche
esta assinalandoquena tragedia a imagem apolinea imp6e a beleza ao instinshy
to dionisfaco ttansfigurando idealizando espiritualizando a orgia musical
transformando urn veneno em um remedio4 Mesmo que os motivos que 0
levam a essa afirmasao tenham variado a tragedia sempre sera pensada por Nietzsche como tendo 0 efeito terap~utico de um toni~o A especificidade desshy
se momento de sua prodult1iO filosafiea em que pensa 0 tragico a partir de
dois principios antagonicos - 0 apolineo e 0 dionisiaco - ever na imagem
apolinea a condicao que coma 0 fundo dionisiaco possivel de ser vivido transshy
formando um veneno em um remedio
Por outro lado a imagem apolinea euma projecao uma expansiio uma
descarga uma irradialtao do eanto coral que absorve 0 orgiastico musicaL 0 que era a tragediaem sua origem senao uma lirica objetiva um canto modulashy
do saido do estado de espirito de seres mitol6gicos determinados e vestido
com suas roupas Antes de tudo urn coro ditirambico de homens fanrasiados
de sitiros e silenos que dava a entender 0 que 0 tinha mergulhado em semeshy
lhante excitacao ele indicava ao es pectador que 0 compreendia rapidamente
234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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234 6 nascimento do tragico
urn detalhe escolhido dos combates e dos sofrimentos de Dioniso75 A musishyca e 0 elemento determinante prevalecente originario na re~ao entre 0 aposhylinea e 0 dionisiaco
Se a hip6tese mecafisica de 0 nascimento da tragidia eque 0 ser verdadeiro
Cem necessidade da aparencia para sua libert~o 0 que possibilita essa tranSshy
figur~iio da vontade ea propriavontade Ver 0 seu ser tal como ele e em urn
es pelho que 0 transfigura e se proteger com esse espelho contra a Medusa era
a es trategia genial da yontade helenica Com os gregos a vontade q ueria se
ver transfigurada em obra de arre Foi com essa arma fa bdeza] que a vontashy
de helenica lutou contra 0 talento para 0 sofrimento e paraa sabedoria do 50shy
frimemo correlato ao talento artistico A tragedia nasceu dessa Iuta como
monumento da vit6ria diz 0 sect2 da Visao dionisiaca do mundo evidencianshy
do que a vontade esta por cras nao apenas da arte dionisiaca mas ate mesmo
da arte apolinea 0 que mostra mais uma vez como Nietzsche esta proximo de
Schopenhauer A tragedia grega e 0 fruto de um ato mecaflSico miraculoso da
vontade como 0 proprio mundo olimpico cdado pela epopeiafoi urn espelho transfigurador que a vontade colocou diante de si mesmo parase contemplar
e se Iibertar pela aparenciamiddot Assim em ultima analise e a vontade a essencia
do mundo da natureza da vida que na tragedia transformaa nausea causashy
da pelo horror e absurdo da existencia caracterfstica do dionisiaco puro seIshy
vagem em re-presenta~oes que tornam a vida posslvel
Desse modo na tragedia se realiza a reconcilia~ao nao-dialetica das duas
for~as esteticas da natureza que apesar da eensao que persiste entre elas agoshyra se tornam complementares A reconcilia~ao de dois adversarios com a rishy
gorosa determina~ao de respeitar doravante as respeccivas linhas fronteiricas
e com 0 periodico envio mutuo de presentes honorificos no fundo 0 abismo
nao fora transposto por nenhuma ponte76 Com a cragedia temos nao mais
um caos nem propriamente urn cosmo mas um caosmo podedamos dizer
retomando a bela palavra de Joyce de que Deleuze tanto gosta 0 que nos tershy
mos de Nietzsche significa na tragedia Dioniso fala a linguagem de Apolo Apolo fala a linguagem de Oioniso
Cf o nasdmentodatragidia sectl 3 e 4 0 sect5 dizNamedidaem que 0 sujeitoeumartistaee jase libertou de sua vontade individual e tornou-se por assim dizer urn medim atraves do Qual 0
mica sujeito que existe verdadeirarnente celebra sua reden~ao na aparencia
Nietzsche e a represen~ do dionis(aco 235
A finalidade da tragedia
Estamos agora em conditoes de pensar a finalidade dessa reconcilia~ao de
principios realizada pda tragedia E antes de expor a posicao nietzschiana e
importante conhecer sua critica a outras soIuc6es ao problema
E no sect22 de 0 nascimento da tragidia que Nietzsche escuda mais detidashy
mente a finalidade da tragedia ou mais precisamente de uma verdadeira
tragedia musical Etamhem nesse momenta que ele cri rica as interpreta~oes do efeito trigico de Arist6teles e de Schiller que segundo ele em vez de recoshy
nhecerem 0 jogo estetico da tragedia sao moralizantes Eis 0 texeo mais
cito sobre a questao Nunca desde Arist6teles foi dada a respeito do efeito
tragico uma explicacao da qual se pudessem inferir estados amsncos uma
acividade estetica do ouvinte Ora sao a compaixao e 0 temor [Furcbtsamkeit]
que devem ser impeUdos por serias ocorrencias a uma descarga [Entladung] alishy
viadora ora devemos nos sentir exaltados e entusiasmados com a vit6ria dos
bons e nobres principios com 0 sacrificio do heroi no sentido de uma consid1shyra~ao moral do mundo
Em sua critica a 0 nascimento da tragedia Wilamowitz-Mollendorff acusa
Nietzsche de usar uma arte de dissimulacao em relacao a Arist6teles ao travar
uma polemica latente com ele - dada a autoridade que Arist6teles cinha na
epoca devido sobretudo a Less ing e fazer rocieios para evitar a catarse Ora Ia cririca a Arist6teles e clara na unica men~ao explicita acatarse feita no sect22 E entao que referindo-se a ela como uma descarga patQJogica que os fi1610gds
nao sabem sedeve ser computad~ entre os fenomenos medicos ou morais
Nietzschedefende contra os efei~os substitutivos procedentes de umaesfera
extra-esterica contra 0 processo ~atoI6gico-moraI que 0 patetico era para
os gregos apenas um jogo estetico8 Postulando 0 carater medico e moral da
catarse definida como descarga patologica Nietzsche interpteta que para
Aristoteles remor e compaixao deveriam ser eliminados do homem pela [rageshy
dia como pot urn purgante Crftica ainterpreea~ao patologica da catarse em nome de umaexplica~ao estritamente esterica da cragedia que logodepois de
aplfundar 0 sentido da cricicaveremos propriamente 0 que significa
Quando me referi a tese aristotelica sobre a catarse ponderei que Aristoshy
tel possivelmente quer dizer que temor e compaixao sao emOloes penosas
que a tragedia deve despertar no espectador com a finalidade de purifica-Ias
236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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236 o nascimento do trigico
fazendo-o reconhece-Ias ern sua essencia em sua forma pura Alem disso obshy
servei que essa experiencia emotiva purificada substitui no espectador 0 soshy
frimento pelo prazer ou mais precisamenre que e a inteleccao das formas do
temor e da compaixao tal como aparece na catarse tragica que produz prazer
Ora em vez de imerpretar temor e compaixao como produtosda atividashy
de mimetica como parece sugerir Aristoteles na Poetica Nietzsche os ve como
uma experiencia patol6gica do espectador Por que Talvez porque sualeitura da catarse seja marcada pela Politica
No Capitulo 7 do Livro 8 da Politica ao classificar as melodias em eticas
(que representam as disposic6es estaveis do carater e sao importantes para a
educacao) praticas (que representam a acao) e possessivas entusiisticas (que
representam os diversos estados de disturbios emocionais) Aristoteles obsershy
va que ao estimularem em quem escuta perrurbat6es como 0 medo eacomshypaixao estas ultimas melodias exercem urn efeito sedativo a maneira de urn tratamento medico e de uma purgacao ou como tambem diz Arist6teles
uma certa purg~o e urn alivio acompanhado de prazer
Valorizando a metafora medica presence na explicacao aristotelica da cashy
rarse musical Nietzsche ve a catarse tragica como uma descarga de determinashy
dos humores cuja concentracao anormal seria acausa do estado patologico
descarga que teriacomo fonte 0 proprio disturbio no sentido de quequando
este cessa produz 0 prazer do alivio Epossivel inclusive que Nietzsche teshy
nha sido marcado pela interpretacao deJacob Bernays - fil610go traducor da
Politica de Aristoteles e autor do artigo Aristoteles e 0 efeito da tragedia _
bull Cf Arist6teles Politica 1342 a-b nota de Dupont-Roc e LaHot in Poitique p191 Concordando
com 0 comentirio dos tradutores franceses Lacoue-Labarthe observa que a compreensao da cashy
tarse trigica no sentido medico de purgaltao baseia-se provavelmeme na rna inrerprefaao da passagem da Politica sobre a catarse musical passagem em que segundo ele 0 uso medico do tershyrno eexplicitarnente metaf6rico (cf Poetique de Ihistoire p91)
Dupont-Roce Lallot em seus comentarios a Poitica defendem que a catarse musicaJque edishyferente da catarse tragica nada tem a ver com uma descarga de humor pois em momento a1gum
Arist6teles diz que a purgaltao operada pela musica supoe a interrupltiio do disturbioque ela proshy
voca Eles preferem explicar 0 prazer proporcionado pea catarse musical como resulrando direshy
tameme do fato de a musica ser em si mesma agradavel ou uma fome de prazer A catarse
musical para eles consiste na neutralizaltao pelo prazer da pena que ela provoca 0 alivio e
co-extensivo ao disnirbio e a nocividade do mal eanulada para dar lugar aalegria (inArist6teles Poetique p192)
Nietzsche e a representa~ao do dionislafo 28
que utiliza a teoria da catarse musical da Politica pata imerpretar a passagem
da Poetica sobre a catarse tragicamiddot
Mas isso nao e rudo a respeito da crftica as interpretac6es da finalidade cia
tragedia pois Nietzsche tambem diz Na epocade Schiller foi levada a serio a
tendencia de empregar 0 teatro como uma instituicao para a formacao moral
do povo Nao e possivel saber com certeza em quem Nietzsche estaria penshy
sando com a expressaoepoca de Schiller alem do proprio Schiller evidenteshy
mente Mas e provavel que seja em Lessing pois 0 carater eminentemente
moral da tragedia que teria como fim supremo a melhoria dos costumes foi
defendido por Lessing que se refere inclusive na Parte 77 da Dramaturgia de
Hamburgo) ao fim moral que Arist6teles atribui a tragedia acrescentando
que todos aqueles que se degararam contra esse fim nao entenderam Arisroshy
teles Ebern provavel portanto que seja nele que Nietzsche se baseia para afirmar 0 carater moral da catarse tragica
Por outro lado proximo de Lessing a esse respeito Schiller pensa a trageshy
dia como a imitacao de uma acao que tern como finalidade suscitar no especshy
tador 0 prazer da compaixao Esse prazer eo deleite que 0 conflito tragico
proporciona ao espectador que presencia 0 triunfo da ordem moral com a vishy
toria da razao da voRtade humana da liberdade sobre 0 sofrimento Se 0 esshy
pectador pode sentir prazer alegrar-se com a representacao da dor e porque a
raiaq ou melhor a vontade do her6i tragico e capaz de triunfar dessa dor e cashy
paz de se comportar perante essa dor com a maior dignidade ao se manter lishy
vre ~o impulso egoista Assim como 0 prazer eo fim supremo da arte a
tragedia proporcionao prazer moral mais elevado deleitando atraves da dor
porque apresenta a autonomia legislativa da razao atraves da vito ria da lei
moral sobre 0 sofrimento
Com que fmalidade entao segundo Nietzsche a tragedia transforma 0
mito epico em mito tcigico reconciliando Apolo e Dioniso A de fazer 0 esshypectador aceitar 0 sofrimento corn alegria como parte integrante da vida por-
I
bull Sabe-se que Nietzsche retirou esse texto na biblioteca da Universidade da Basileia em maio deJ 1871 No artigo contra Wdamowitz Filologia retr6grada argumentando que Nietzsche tinha
razao em nao integrar como elemento determinante de suas consideralt6es a catarse - interpreshy~ tada a partir de Bernays e privilegiando a Politiea como descarga apaziguadora ou cura medica 1 do medo e da compaixao- Erwin Rohde defende que a interpretaltao de Bernays do sexto capitushy
lo da Poetica ea unica aceicivel (cf Nietzsche e a polemica sobre 0 nascimento cia tragedia p121-32)~ Ii
238 o nasamento do Iragico
que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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que seu proprio aniquilamento como individuo em nada afeta a essencia da
vida 0 mais intimo do mundo da vontade Para Nietzsche 0 efeito tragico
possibilitado em tlitima analise pela musica - da ele se referir a tragedia como musical e ao espectador como ouvinte - e a consoJasao metafisica (metaphysische Trost) Se ao apresentar a sabedoria dionisiaca arraves de meios
apoHneos a tragedia produz alegria com 0 aniquilamento do ihdividuo eporshy
que a representaltao tragica ecapaz de fazer 0 proprio individJo experimentar
temporariamente por tras das aparencias das figuras mutam~ 0 eterno prashy
zer da existencia pela identificatao pela fusao com 0 ser primordial 0 uno
originario Fundada na musica a tragedia nao apenas di 0 conhecimento
da vontade como tambem p roporciona a afirma4)ao da vontade grande origishynalidade do primeiro livro de Nietzsche em rela-ao ii teoria da tragedia de Schopenhauer
Essa tese de que a consolaltao metafisica produzida pela tragedia transshy
forma 0 horror e 0 absurdo da vida em noc5es que permitem viver como e dito no sect7 de 0 nascimento da tragidia eobjeto de avaliatao do sect7 da Tentativa de autocritica Assim quinze anos depois ja independente de Schopenhauer e Wagner Nietzsche critica sua antiga n04)ao de arte da consolaltao rnetafisishycan ligando-a ao romantismo e ao cristianismo e sugerindo que se aprenda a arte da consolacao daqui de baixo que se aprenda a rir pois talvez em conseshy
qUenciadisso rindo mandareis umdiaaodiabo toda essaconsolaltiio metaffshy
sIca a comecar pela propria metansica Ora uma afirmaciio como essa
alem de evidenciar 0 distanciamento do ultimo Nietzsche dessa ideia refona
sua importancia na concepiio da tragedia de seu primeiro livro
Essa ideja aparece varias vezes em 0 nascimento da trageJia 0 sect7 diz que a consol~ao metafisica possibilitada por toda verdadeira tragedia e 0 pensamenshyto segundo 0 qual a vida no fundo ltas coisas e apesar do carater mutante dos
fenomenos e toda de prazer em sua potencia indestrutfveL 0 sect8 diz mats uma
vez que a tragedia por sua consolaiio metafisica sugere a etemidade do nlicleo
da existenda apesar da incessante destruitao dos fenomenos do mesmo modo
que 0 simbolismo do coro exprime por analogia a relaiio originiria da coisa em
si e do fenomeno Eo sect 17 volta ii quesrao expondo a mesma ideia a tragedia nos
persuade do prazer eterno da existencia com a condiao de procurarmos este prazer nao nos fenomenos no turbilhio ltas formas mutantes que nascem e
morrem mas atras deles Alem diso ahescenta que pela arte dionisiaca nos soshy
mos momentanearnente deg proprio ser primordial sentimos seu desejo e seu
~~
Nietzsche e a representa~o do dionisiaco 239
prazer de existir Afelicidade que a tragedia proporciona diz respeito ao vivente tinico com 0 qual nos confundimos Ideia que volta mais uma vez no inicio do
sect 18 quando ao definir a cultura migica Nietzsche esclarece que se a tragedia proporciona uma consolaltao metafisica e porque convence 0 espectador de que sob 0 turbilhio dos fenomenos a vida etema continua fluindo_
Essa consolacao metaffsica proporcionada pela ttagedia euma alegria
um p razer Melbor ainda uma alegria urn prazer metafisico Como edito no
sect16 A alegria metaflsica com deg tragico euma transpositao da instintiva e inshy
consciente sabedoria dionisiaca para a linguagem das imagens 0 heroi a sushy
prema manifestaio da vontade e negado para 0 nosso prazer porque e apenas manifest~ao e pm-que 0 seu aniquilamenro em nada afeta a vida etershynadavontadeNola-se portanto pelo modo como Nietzsche defmea alegria
eo prazer que eles sao sinonimos de consolacento Ese 0 adjetivo metafisicoe empregado para qualifici-Ios eporque eles dizem respeito ao aniquilamento
do individuo eaidentificaltao momentanea do espectador com 0 ser primorshy
dialo uno originano a vontade universal
Perguntando no sect24 em que reside 0 prazer estetico Nietzsche reconheshyce que muitas ltas imagens tragicas podem produzir de vez em quando urn deleite moral em forma de compaixao ou de triunfo moral Mas defende
ao mesmo tempo que para aclarar 0 mito tragico a primeira exigencia eproshy
curar 0 prazeraele peculiar na esfera esteticamente pura sem qualquer intrushy
sao no terreno do remor (Furcht) da compaixiio ou do moralmente sublime
(Sittlich-Erhabenen)middot Ora quando ele diz em formula famosa no sect24 do livro
que somente como fenomeno estetico aexistencia e ltNnundo aparecem justishy
ficados isso nlio reduz sua analise da tragedia a uma estetica Urn de seus obshyjetivos e certamente esciarecer contra Schopenhauer que a vida nao pode ser justificada moralmente Mas contrapondo-se a uma interpret~io moral da
tragedia 0 que ele faz e propor uma interpretatao metafisica que ve na trageshy
Mas os escritos p6srumos preparat6rios a 0 nascimentodatragedia nao criticarn acompaixao 0
drama musical grego diz a tflrefa da musica e are mesmo da palavra era transformar 0 sofrishymemo do deus edo heroi ern potente compaixao nosouvintes (I p528 ed fr p28) Socrates e
a tragedia diz queatragedia nasceu da fonce profunda da compaixao (I p546 ed fr p43) Analisando Tristao eholda 0 sect21 de a nascimento do tragidia faz 0 seguinte elogio da cornpaixao e1a nos salva do sofrimento primordial do mundo do mesmo modo que a imagem simb61ica
[GleichnissbildJ do nUw nos salva da inruiao imediata da ideia suprema do mundo e 0 pensashy
mento e a patavra nos salvam da efusao desenfreadada vontade inconsciente
240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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240 o nascimento do trigico
dia musical na tragedia em que 0 mito tragico e expressao da musica uma
metaflsica de artista
Assim interpretando por exemplo que 0 mico tragico deve convencer 0
espectador de que mesmo 0 feio e 0 desarmonico 0 conteudo do mito tragishyco - sao um jogo artisrico que a vontade jogaconsigo propria fenomeno prishy
mordial que s6 pode ser cartado pela dissonancia musical e que 0 prazer com
o mito tragico e identico ao prazer com a dissonancia musical suametafisica
da arte evidencia que a justifica~ao do mundo como fenomeno estetico e
dada pela musica considerada como umaarte metaflsica e nao pela moral79
Por que Porque a mUsica expressa 0 dionisfaco ou melbor ainda a vontade Como diz 0 inkio do sect22 quando se trata de uma verdadeira tragedia musishycal 0 mito tragico da ao espectador uma onisciencia que 0 faz indo alem da superficie das~coisas penetrar no interior e com a ajuda da musica enxergar
as ebulic6es da vontade a lura dos motivos e a torrente transbordante das
paixoes vendo com nitidez 0 her6i tragico mas alegrando-se com 0 seu anishy
quilamento 0 que torna 0 ouvinte estecico da tragedia na verdade um oushy
vinte metafisico i Se para 0 nascimento da tragedia a atte tragica e urn remedi uma Burna
de todas as potencias curativas profiLiticas que tinha a funcao rapeutica de excitar [erregen] purificar [reinigen] e descarregar [entladen] a vida do povoso
e1a e urn remedio metafisico Nao um purgante como Nietzsche interpreta a
posi~ao de Arisc6teles nem urn calmante como pensava Schopenhauer mas
um t6nico urn estimulante capaz de fazer 0 espectador alegrar-se com 0 sofrishy
mento e ate mesmo com a morte porque a destruicao da individualidade nao e
o aniquilamento do mundo da ida da vomade Foi isso que Nietzsche chashymou nessa epoca de consolaaol metafisica proporcionada pela tragedia
Grtkia A1emanha e 0 renascimento da tragedia
Hiem 0 nascimento da tragedia uma reflexao sobre 0 valor da Grtcia para a Aleshy
manha que insere 0 primeiro livro de Nietzsche no projeto de politicacultural iniciado por Winckelmann pensador que teve urn papd fundamental na mashyneira de pensar os gregos e sua imporranda para a constituicao da moderna cultura alema Nesse sentido como vimos Winckelmann marcou decisivashy
mente sua epoca inclusive Goethe e Schiller ao defender em 1755 nas Rejle-
Nietzsche e a represen~ do dionislaDo 24~
xOes sobre a imitaio daartegrega na pintura e na escultura duas ideias importantes
por urn lado que 0 cwer geral das obras-primas gregas e uma nobre simplishycidade e uma serena grandeza tanto na atitude quanto na expreSSaOSI por outro que 0 caminho para os alemaes tornarem-se inimitaveis seria a imitashy~o dos antigos au mais precisamente da Antigiiidade heIenia
I
Nietzsche atesta a presenca desse projeto em 0 nascimento da tragiJia
quando em carta de 30 de janeiro de 1872 a seu antigo professor e protetoro
filalogo Friedrich Ritschl refere-se ao livro como rico de esperancas para
nossa ciencia da Antigiiidade rico de esperan~as para a germanidade Ideia
que volta na carta de Rohde a Nietzsche de 10 de abril de 1872 quando diz que os filologos deveriam aprender com 0 nascimento da tragidia que apenas com os gregos eles podenam encontrar a modelo pelo qual se guiar
E na verdade 0 livro que se refere aos gregos como nossos luminosos guiass2 alem de reconhecer que a partir Winckelmann Goethe e Schiller 0
espitito alemao elltrou na escola dos gregos chega a lamentar 0 enfraquecishy
mento do projeto de imitacao da cultura he1enica para a constitui~ao da culshytura alema Continua vivo em Nietzsche 0 projeto de Goethe e Schiller a respeito do que deve sera obra de arte moderna e da imp 0 rtancia de uma refleshyrio sabre a Grecia para repensar 0 mundo modemo Como 0 jovem Nietzsche tambem 5eSente como urn pensador que pade entender melhor sua
~ epoca por meio da Grecia antiga 1 Mas isso nao significaque Nietzsche aceite os clados iniciais do problemaj isto e a caracteriza~da Grecia pela serenidade como se os gregos tivessem J 1
~
1 0 nascimento da tragidia sect20 No inlcio do paragrafo Nietzsche referemiddotse iI nobilissima Utade
Goethe Schiller e Winckelmann pela cultura Alem disso pode-se notar perfeitamente a idiia da superioridade dos gregos sobre os romanos quando por exemplo no curso Introdu~aos
I 1
estudos de filologia cLlssica do verno de 1871 e Ie afirma No que diz respeico amissao cultl1l3l
humanisea ja nos oriencamos para alem dos romanos as obras dos gregos sao sempre mais inashy
cesslveis e mais dignas de admirasw as dos romanos sao sempre mais superficiais sem sabor e J ardficiais (p119-20) Lendo urn rexeo como esse nao se pode deixar de pensar no que esamri1 Nietzsche em 1888 no CrepUrculo do fdolos 0 que devo aos anrigos sect2 depois de indicaraamshy~1 biltio de estilo romano deAmm falouZaratustra e 0 encanro inigualivel que Horacio lhe proporoshy
onava Na~ aos gregos absolutamente nenhuma impressao tao forte e para dize-Io diretamente des nao podem ser para nos 0 que sao os romanos Nao se aprende com os gregosshyseu modo de ser e demasiado esttanho tambem e demasiado fluido para rer urn feito impcrarishy
vo classico Quem teria aprendido a escrever com Um grego Quem reria aprendido scm os roshy
manosJ
middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
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middot 242 o nascimento do lrigico
sido exdusiva ou essencialmente apoHneos Criticando os pensadores que tishy
veram essa visao do problema Nietzsche reladonara a serenidade com urn asshy
pecto mais profundo da Grecia 0 dionisiaco Se entao ele critica 0 que
pensadores como Winckelmann e Goethe disseram da serenidade grega e por
considerar que a Grecia so pode ser pensadaa partir do fundo asiatico do dioshy
nislaco que nlio ceria sido levado em conca por eles
Essa busca de urn ouero principio constitutivo do mundo grego - alem da serenidade - nao e porem uma originalidade de Nietzsche 13 como temos visco uma constante em toda interpret~ da Grecia desde 0 nascimento do
tragico isto e da interpretaao filos6fica ou ontologica da tragedia como
apresentando uma visao tragica A continuidade de Nietzsche com a reflexao
sobre 0 rnigico que 0 antecedeu esta no faro de sua estetica ser uma metafisica
que interpretaattagedia a partir da dualidade de principios 0 que talvez exshy
plique a cdticaviolenta que os fila logos lhefizeram na epoca da publica~ao do livro a ponto de no ano seguinte ele rer ficado praticamenre sem aluno a quem ensinar83
Essa valoriza~o metafisica da tragedia grega que teria sido invalidada
pelo racionalismo socrarico do qual a modemidade e mais uma metamorfose
do que uma cdrica radical implicara que a imita~ao dos gregos s6 pode ser
para Nietzsche urn renascimento de uma arte dionisiaca 0 sect16 do livro diz
que 0 renascimento da tragedia -e uma das bem-aventuran~as para 0 ser aleshymao 0 sect 19 preve ltJue rudo 0 que chamamos agora de cultura edu~ao cishy
viliza~ao tera algum dia de comparecer perante 0 infaliveI j uiz Dioniso E 0
sect23 termina dizendo Se 0 alemao olhar hesitante asua volta em busca de
urn guia que 0 reconduza de novo apitria hi muito perdida cujos caminhos e
sendas ainda mal conhece - que ele ou~ao chamado deliciosamente sedutor
do passaro dionisfaco que sobre ele se balou~a e quer indicar-Ihe 0 caminho para lamiddot
Essa referencia aAlemanha como uma patria perdida a que se podera ter acesso pelo dionisfaco e muito importante Pois com isso Nietzsche quer dishy
zer que se 0 genio alemao viveu a servi~o de perfidos anoes ~o mais profunshy
Alusao ao pissarodoSiegtned de Wagner Alimdobemedo mal iindase refere afigutade Siegfried
a crialtiio mais nocavel de Richard Wagner como aquele homem muiro livre de faxo IM-e demais
duro demais alegre demais sadio demais anticatltilicv demais para 0 gosto dos velhos muito veshylhos povos civillzados (sect256)
Nietzsche e a representao do dionisiaco 243
do de si mesmo ele se conservava intaceo com coda a sua for~a dionisiaca
como se 0 espirito tragico existente na Grecia premiddotsocratica embora reprimishy
do em vez de ter sido totalmente riquilado peIo espirito s~cratico se tivesse
mantido vivo na profundeza adoenecida do espirito alemao Dat Nietzsche
acreditar e o enunciar no sect23 que 0 nucleopuro evigoroso do ser alemaoexshy
pulsara os elementos estranhos implantados afor~a tornando possivel que 0
espirito alemao retome a si mesmo reconscientizado E chega mesmo a fepeshyti-Io com todas as letras em uma passagem do final do sect24 cheia de alusOes a personagens de mitos germanicos recomados por Wagner e interpretados por
Nietzsche como mitos dionisfacos 0 espirito alemao intacto em sua esplenshy
dia saude profundidade e for~a dionisiaca qual urn cavaleiro prostrado em
so 0 repousava e sonhava em urn abismo inacessfvel abismo de onde se eleva
at nos a can~o dionisiaca para nos dar a entender que tambem agora esse cashy
valdro alemao aindasonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco em visOes ausshyteras e beatificas Que ninguem crcia que 0 espirito alemao renha perdido para
sempre a sua pitria mitica posto que continua compreendendo com tanta
clareza as vozes dos passaros que falam daquela patria U mdia ele se encontrashy
ra desperto com todo 0 frescor matinal de urn sonho imenso entao matara 0
dragiio aniquilad os perfidos anoes e acordari Brunhilda - e nem mesmo a
lan~a de Wotan podera barrar-Ihe 0 caminho Continuidade entre 0 mito trashy
gico grego e 0 mito alemao que faz do nascimento de uma era tragica do esp[rishyto alemao apenas urn retorno a si mesrno urn bem-aventurado reevcontrar-se a si proprio depois que par longo tempo enormes poderes conquistadores
vindos de fora haviarn reduzido aescravidao de sua (ltlrma 0 que vivia em deshy
samparada barbarie da forma como e dim no final do sect19 do livre
Se com Winckelmann Goethe e Schiller 0 espiriw ale mao entrou naescoshy
la dos gregos por que Nietzsche pensa que ate mesmo Goethe e Schiller nao
conseguiram abrir a porta magica que daacesso amontanha encantadado heshy
lenisrno84 A resposta esimples Porque nao usaram a boa chave para isso a
musica ou melhor ainda a tragedia musical A originalidade de Nietzsche nao
e propriamente sua concepltao da musica no fundo bastante semelhante na
epoca as de Schopenhauer e Wagner Suaoriginalidade foi inspirado na conshy
cep~ao schopenhaueriana da musica e na ideia wagnenana de drama musical
valorizar a musica para pensar a tragedia grega como uma arte essenciaImente
musical ou como tendo origem no espirito da musica Mas tambem rer anishy
culado Schopenhauer com 0 movirnento de utilizacao da Grecia para pensar a
244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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244 0 nascimento do trigico
I
cultud alema atraves de urn ren1ascimento do espfrito tragico ideia que nao
existe em Schopenhauer Eo do que possibilirou iS50 foi certamence Wagner
Que se pense a esse respeito no Beethoven onde Wagner constata qucent 0 granshy
de pedodo do renascimento alemao mesmo com Goethe e Schiller econsideshy
rado com certo desprezo as vezes dissimuladoe ao mesmo tempo destaca a
importiincia incomparavel que a mUS1ca adquiriu para 0 desenvolvimento de nossa civiliza~aomiddot
Embora Nietzsche insista postedormente no quanto a esperanlta e urn
sentimento negativo no tnfdo de sua produltao intelectual a Grecia da trageshy
dia musical e 0 principal motivo de sua esperan~a na Alemanha Pois nao e ele
quem diz que naAnriguidade helenica reside a esperan~a de uma renova~ao e
de uma purifica~ do espirito ale mao pelo jogo magico da musica Ideia
que aparece com a conotaltao de uma volta aos gregos que elide todo progresshyso no final de 0 drama musical grego 0 que esperamos do futuro jii foi uma vez realidade - em urn passado que tern mais de dois mil anos Esse vinshyculo entre 0 renascimento alemao da Antigilidade grega e a musica considerashy
da como uma condiyao essencial do despertar do espirito dionisiaco aparece I
ate no curioso eIogio ao profundo corajoso e inspirado coral de Lurero
como primeiro chamariz dionisiaco no sect23 do livro Mas ele e ainda mais
forre quando estabelecendo no sect19 uma verdadeira hist6ria da musica dio nisiaca Nietzsche defende que do fundo do espfriro alemao a m usica alema alshy=ou-se em seu poderoso curso solar de Bach a Beethoven e de Beethoven a Wagner
Se 0 nascimento da tragedia e urn livro profundamente ale mao que utiliza
expressoes como problema ale mao esperan~as alemiis genio ale mao
espirito ale mao ser alemao epeia importancia que da it musica 0 sect6 da
Tentativa de autocritiea quinze anos depois lamenta que 0 livro tenha esshy
Wagner Beethoven p79 Em carta a Rohde de 9 de dezembro de 1868 Nietzsche considera Wagner a melhor i1us~ do que Schopenhauer chama de genio Em A arte e a revoUfaode 1849 depois de estabelecer a superioridade da ane grega sobre a arre romana e a crista Wagner
confronra a acre grega com a modema para marcar sua diferen~a e defender que 56 a prirneira
era de fato arre A conseqiienciaque ete tira eque a obra de arte do fueuro genuina atividade ar
tfstica s6 pode existir em oposi~ao aos valores correntes mas carnbem nao deve set uma reproshy
du~ao da arre grega Elevar a arre adignidade que the compere dev~lvetaarre sua nohre voc~ao erecuperar 0 eemento vital dos gregos mas segundo ele em urn grau muito mais e1evad6 Cpound sobrerudo os Capitulos 3 5 e 6
Nietzsche e a Ifsen~ao do dionisfaco M5 ~
tragado 0 problema grego misturando-o a coisas modemas por haver fabulashy
do com base nas wtimas manifestaltoes da musica ale~a a respeito do ser
alemao Essa autocritica bern posterio r evidencia no entanto 0 quanto 0 lishy
vro estava impregnado nao sO de ideias germiinicas como tambem da ideia de
que amusica demonio surgido de profundezas inexauriveis unico espirito
de fogo limpo puro e purificador e a fot=a a partir da qual Nietzsche faz sua critica a cultura alemi Como se 0 jovem professor de filologia no desejo de pensar 0 seu tempo tivesse aeatado 0 conselho de Wagner em carta de 12 de
fevereiro de 1870 Perman~fil61ogo para poderserdirigido peIa musicass
o nascimento da tragidia estabelece a origem musical da tragedia grega e
sua importincia como metafisica ardstica para justificar legitimar a arte wagshy
neriana fazendo com que 0 renaseimento do espirito dionisiaco tenha como
expressaomais forte para Nietzsche 0 drama musical wagneriano Vendo na 6peta de Wagner 0 renascimento da tragedia grega 0 nascimento da tragidia vai aacre tragica para explicar a ar~e wagneriana Essa ideia ereal~ada por exemshyplo na prime ira resenha (rejeitada) de Rohde sobre 0 livro quando pouco deshy
pois de defender a necessidade de aprender com os gregos 0 que hi de mais
elevado isto e a despertar aarte apolfneo-dionisfaca da trageciia a fim de inaushy
gurar uma civiliza9io nova e promissora acrescenta que a essa formaltao
tultural aprofundada corresponderia entao como 0 mais esplendido dos floshyrescimencos a maissublime das obras de arte a tragedia nascida da mlisica alema au quando indicaainda mais explicitamente em sua resenha publicashyda Nas obras drarnaticas de Richard Wagner [Nietzsche] identifiea a potenshy
cia maravilhosa do canto harmonioso da mais elevadaatte apolineo-dionisfaca
Nesse compositor ele ve a aurora de uma nova cultura ale rna que surge da
mais profunda compreensao artistica do mundoS6 Assim como a tragedia
nasce da musica diorusiaca Wagner e0 renascimento do dionisiaco ou meshy
Ihor da tragedia grega na modernidade com sua obra de arte totaL Daf Nietzsche confessar no fragmento p6stumo 9[34J de 1870 Reconheyo na vida grega a unica forma de vida e considero Wagner a tentativa mais sublime do ser alemao na dite~o de seu renascimento
Se 0 nascimento da trap e urn centauro nascido do cruzamento da arte
dacienciae da filosofia- como disse 0 seu autoremcartaa Rohde do final de
janeiro de 1870 - e em uma de suas passagens mais poeticas que se revela de modo mais veemente 0 tom militante em favor do renascimenco do migico pela for=a cdadota do dionisiaco musical Estou pensando na passagem inspishy
246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
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246 o nascimento do trigico
rada nas Bacantes de Euripides em que Nietzsche sugere a seus amigos leitores
(para ironia de Wllamowitz-M6llendorff que propoe que ele abandone a Unishy
versidade e sejao primeiro a seguir 0 seu conselho) Coroai-vos de hera tomai o tirso na mao e ruio vos admireis se tigres e panteras se deitarem acariciadoshyres a vossos pes Ousai ser homens tragicos pois serds redimidos Acompashynhareis da India ate a Grecia a procissao festiva de Dioniso Armai-vos para
uma dura peleja mas crede nas maravilhas de vosso deus 87
1 1
bull Notas
Introdu~ao bull Teatro e politica cultural na Alemanha p7-22
L Cf Lacoue-LabarthePoetique de ihistaire p23
2 Haberrnas 0 discurro fiJosofico da modernidade pll 16 26-7 51
3 Cf Nabais Metafoiudoitrdgico plS 21 22
4 Hegel Vorlesungen fiber die Asthetik I in Werke pA8 Cursos de ertetiea yoU p50 Thomas
Mann chama Schiller de primeiro dramaturgo alernao (Esrai sur Schiller plO)
1 5 Schiller 0 reatroconsiderado como instiruiltao moral in Teoria da tragedia pAS Emseu
livro Du sublime (cf p74) Pierre Hartmann sugere a importancia da teoria kantiana do sublime
para a constiruiltao de urn [earrO nacional alemao privilegiando a exemp[o de Schillerj 6 Cf Mann Essai sur Schiller p1S Mas nao se deve esquecer que Schiller rambem aiticotJ 0I
cuLrivo d~ assuntos nacionais pelaarte literaria como se Ie em Sabre 0 patttico sectSO (in Temia
1 datragedia p142)
l 7 Winckelmann Rifluions sur I imitation Gedanken uberdie Nachahmung p102-3 106-7 j 8 Ibid p9S-9
9 Ibid p1l4-5 10 Ibid p142-3
11 Cf ibid p96-7 142-3 146middot7
12 Ibid p120-I
13 Ibid pl24-5
14 Cf Pommier Windelmann inventeurde lhistoire de Iart p187-S
15 Sabre aincerpre~odaimiraltao Como inspiraltiiocfainrroduao de Leon Mis a sua crashy
dwao francesa de Gedanken Riflexions sur I imitation Gedanken ber die Nachahmung p14-20
16 Ibid p94-S I
17 Cf a correspondencia de Goethe e Schiller Parte dessacorrespondencia foi publicada no
Brasil com 0 titulo Goetbee Schiller Compa~eiros de viagem I
18 Cf Goethe Para 0 dia de ShakesPf~re in Escritos sobre literatura p26-8
19 Goethe Shakespeare e 0 sem fim in ibid pSO-7
20 Ibid p27
21 Goethe A Iftgeniade Goethe pIS
22 Ibid p2l
23 Cf ibid p63
24 Ibid p35
25 Cf Euripides Ifiginiaem Tduride Pro[ogo e v533-4
247
248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
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248 o nascimento do tragico
26 Cf Rosenfeld Teatro moderno p14-7 27 Goethe A Ifigenia de Goethe p31 43 45
28 Ifigenia ereconhecidacomo uma bela alma na p117 da edi~o citada Para 0 hist6rico da bela alma vale a pena ciear por sua concisao e runplitude 0 Dicionirio Hegel de Michael Inshywood verbere Mente e alma (p223) 0 conceito de bela almaoriginou-se com os misticos esshy
panh6is do seculo XVI (alma bella) aparece depois em Shaftesbury e Richardson como beleza do
cora~o (beauty ofthe heart)e naNwaHeloisa (1761) de Rousseau como la belleame e foi inrrodushy
zido na Alemanha por Wieland como a schOne Seele em 1774 Para Schiller ela representa uma harmonia ideal entre os aspectos marais e esteticos de uma pessoa entre dever e inclina~llo O~shyvro VI de Os anos de aprendiudo de Wilhelm Meister de Goethe consiste nas Confissoes de ~ bela alma
29 Cf a carta de Schiller a Goethe de 26 dez 1797 30 Cf a Carta de Goethe a Schiller de 9 dez 1797
31 Goethe A Ifigeni4 de Goetbep65 83-5105139 e 145 respectivamente 32 Ibid p153
33 lntrodultao a Propileus (1798) in Goerhetiliritos sobre am p94
34 Antigo e moderno in ibid p236
35 Cf a esse respeito Luciks Goethe et son epoque 36 Winckelmann in Herdere Goethe Ie tombeau de Winckelmann p79 87
Capitulo Zero bull Poetica da tragedia e filosofia do tragico p23-49
L Szondi Ensaio sobre 0 trigieo p23-4 Na mesma [inha de raciodnioJacques Taminiaux con
sidera que Schelling faz a primeira leitura deliberadamence especulariva da rragedia grega Ie theatre des philosophes p247
2 Arist6teles Fifica 194 a21-22 e 199 a 16-18
3 Atribuir a Arist6teles a patemidade da ideia segundo a qual a acte no sentido artistico e U01a imira~o da natureza implica uma transferlncia de signif1~o do plano da fisica para 0 da poetica cla arte no sentido de teclme para a arre no senrido de poiesis dizemJacqueline Lichtensshy
tein e Elisabeth Decultot no verbete mimesis do Vocabulaireeuropien des philosophies organizado por Barbara Cassin (p789)
4 Cf Arist6teles Poetica 1448 b 4-23
5 Para se rer uma ideia do problema basta observar que a Bibliografia da Poetica elaboracla
par Cooper e Gudeman ttaz 150 posi~oes a respeito cia catarse do seculo XVI ate 1928 data da publica~ao do livr~ Em seus Discursos sobre a ucilidade e as partes do poema dramatico de 1660 Corneillej~ observavaque em 1613 Paolo Beni pro fessorde Pidua assinalou a existencia de 12 au 15 inrerpreta~6es as quais refutou antes de propor a sua
6 Arist6teles ReMrtca II 51382 a 21middot25 e 8 1385 b 13-16 7 Arisr6teles Poetica 1453 a 3-7
8 Ibid 1453 b 12 f 9 Esta exposiltao se baseia em grande parte na nora sobre a catarse dos traducor s franceses
do livro de Arist6teles Roselyne Dupom-Roc e Jean Latloe Mes010 pensando que or nao cer sido dada par Arist6teles naPotiticA qualquer explicacao da catarse rragica perman ce necessa-
Notas 249
riamente hipocetica os tradutares propoem a sua fundada naPoitiC4 levando em conca Politica e se inspirando em estudos de vmosautores sobre 0 tema Cf Arisroreles Ut potitique p188-93
10 Cf Poitique de Ihiftoire p8S-7
11 Horacio Arte poetica 343-4
12 Corneille e0 inimigo principal de Lessing muito mats do que Racine Na 81 parte da Dmshy
~ de Hamburgv Lessing explica essa escolha Eque dos dois foi Corneille quem inlligiu
maior dano e exerceu influenda mais corrupta nos poetas tragicos franceses Pois Racine transshy
viou apenas pelo exempIo ao passoque Corneille 0 fez pelo exemplo e pelo ensinamento
13 Corneille 0eu1milS comperesp830 14 Cr ibid p822middot3 15 [bid p830 16 Ibid p832
17 Cf ibid p831
18 Lessing euma unanimidadequanto ao reconhecimento de sua importilncia para a culmmiddot
ra alerna Heine na Contribuicento ahistOria da religitio e filosofia na Alemanha dtra que ele e0 maior e
melbor alemao desde Lucero Nietzsehe em 0 nascimento da tragidia 0 chamara de 0 mais honmiddot
rado do~ homens te6ricos Friedrich Schlegel 0 saudara como aquele que produziu uma revolumiddot
~ genU e duravel na critica Schiller como 0 mais claro 0 mais agudo e aquele que pensou sabre a lute com mais liberdade e 0 velho Goethe consideradque ele possula uma culrura ao lado dalqual todos os escritores contemporaneos erarn barbaros
19 C[ Lessing carca de 16 fey 1759 in De teatro e literatura p109 20 Lessing Dramaturgia deHamburgo 81 pane in De teatroeliteratura p89 21 Sobre essa nomenclatura c[ Szondi Teorta do drama burgues p144
22 Heine Contribuifio abistOriada religiao e filosofia na Alemanha p85
23 Sobre a descriltao de Virgt1iocf Eneida II203-17
24 Cf Lessing Laocoonre oUfobreasfronteiras da pintura e da poesia caps IV V VI e XVI No sect46
de 0 mundo como f)ontade e representacento Schopenhauer procura explicar por que Laocoonre nilo grita Depois de se referir as interpreta~oes de Wincketmann Lessing Goerhe Hire e Fernow ele defende - a meu ver inspirado em Lessing mesmo pensando queeste nao resolveu a questiio -a posi~o de que 0 grico que eo essencia1mente som eincompadvel corqos meios de expressao das
artes plasticas
25 Szondi Teoria do drama bUFpis p157
26 Cf Lessing Dramaturgia de Hamburgo 46 parte in De teatro eliteratura p44-6
27 Lukacs observa que IU[3ndo em nome de Shakespeare contra a idealizaltao abstraca do
drama no classicismo frances Lessing argumenta que as exigencias reais da poesia antiga e cla
poetica de Arist6teles sao satisfeiras em seu espirito em Shakespeare (como em S6focles) enshyquanto a mane ira literal como elassio rea1izadas nos clasicos franceses s6leva a uma caricatura abstrata (Cf Lukics Goetheetsoaepoque pB1 144)
28 Lessing Dramaturgiade Hamburgo 77 partt in De teatro e literatum p66 29 Ibid 74 parte in Deteatmeliteratura p52 53 Refletindo sobre Ricardo lII Lessing define
o rerror como 0 estarrecimenro diantemiddotcle-wmes inconceb[veis 0 horror em face de monstruosishy
clades que ultrapassam nossacompreensao 0 arrepio de pavor que nos acomete ao percebermos
atrocidades deliberadas que sao perperradas por prazer Ibid p50
30 Ibid 75 parte in De teatroe literatura p55
31 Ibid p56 e ibid 76 parte p60 respectivamente
1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
dade delena no semestre deinverno de 1792-93 e nao publicado por Schiller nao se encontra na
coletanea Teona da tragidia mas foi induido ern Textos sabre 0 hew degsublime e 0 trdgico
32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
tragedia p125-31 Textossobreo bela pln-s
33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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1 250 o nascimento do tnigico
32 Ibid 76 parte in Deteatra e literatura p60
33 Sobre 0 assunto cf ibid 76 parte in De teatro e litenUwa p62-4
34 Ibid 75 parte in Deteatro e literatura pS7
35 Cr sobre 0 assuntoibid 77 e 78 partes in De teatrrJeliteratura p69 e p71-3 36 Ibid 77 parte inDereiUTO e literatura p69
37 Ibid 78 parte in Deteatro e literatura p74-5
38 Cf Most Da tragedia ao tragico in Rosenfield Fit)scji4 eliteratura 0 trdgico p32
39 Cr Platao 0 sojistaZ35c
40 Platao Timeu 28a
41 Plarao A repubampa X 600e-601c 60Sb 607a respectivameme Cf sobre 0 assunro
593a-60Sb 42 Taminiaux formulasua hipetese ace rca das visoes til0s6ficas de Platao e Arist6teles sobre
a tragedia servindo-se de ideias de Hannah Arendt A esse respeito consuItar 0 CapIII UOkis_
tOte au bios politikos et iiladJreoria rragique de seu livro 1A filIede Thrace et Ie penseur professioanel
43 Cr Platao As leis VlJ817a
44 Platao Republica X603c
45 Cf Lacoue-Labarthe -La cesure du speculatif e LAntagonisme in LImitfon desmodermiddot
nes pA7 49-51 120 A conferencia La cesure du speculatif esea traduzidana cole1anea brasileishy
ra A imitaf-W MS modernos que apesar do titulo igual nao contem os mesmos textos de l Imitation
des modernes
46 Szondi Ensaia sobreOlTrigco p26 47 Lacoue-Labarthe uLacesure du speculatif in LImiuticn des modernes p3940 43 48 Cf Courcine Extasedela nJison plO 45-6 A esse respeito ele cieao seminario dedicado a
Hegel e it Differenzschrift em que Heidegger diz Essa proximidade [enere Holderlin e Hegel) no
entaneo eproblematica Poisdesde essaepoca [1798-1800Jeapesardetodas as aparenciasdedishy
aletica que os Ensaios possam apresemar 0 poeta ja atravessou e se ~astou do idealismo espeshy
culativo enquanto Hegel oestaconstiruindo (p46) Varios textos desse livre estao traduzidos
na coletanea bra~ilcira de renos de Courtine A tragedia e 0 tempo d4 hist6ria
49 Lacoue-Labarthe Holdrlin et les Grecs in LImitaJion des modernes p 7 4-5
50 Philonenko introd~o a Delbos De Kant aux postkantiens p96-7
Capitulo Um bull Schiller e a representafao da liberdade p50-79
I cr sobre 0 assumo porexemploas cartas de Schillerde4abr de 19 abre de 26 dez 1797
2 Esse comentario integra a coletanea de textos de Goethe Escritos sabre literatura
3 Cpound carta de Schiller a Goethe de 5 mai 1797
4 Na Introdultao it sua Estitica Hegel cita a Poitica de Arist6reles ao lade da Ars poetica de Horacio e do Sobre a sublime de Longino como exerrtplo de ciencia cia arte que se ocupa apenas de seus aspectos exteriores parrindo do empirico - do particular e do exisrente e fonnando criterios e enunciados gemis ou numa generalizacao ainda mais formal as teorias das anes
(Voriesungen iiher die Asthetik I in Werke p30-1 Cursas de estitica I p39)
5 Poetica 1451 a-b
6 Eckermann Conversacentescom Goethe 14 nov 1823
Notas 251
7 Cf a Introdultao de Anatol Rosenfeld it cole tinea de textOS de Schiller Teo1i4 d4 tragfdio p9
8 Cf Hegel Voriesullgen jjber die Astbetik J in Werke pS9-91 Cursos de estetica I p7S-S0
9 Cr Sobre 0 sublime sect18 in Teona do trdgico p60 Thxtos sabre 0 bela 0 sublime e 0 trdgico p225 AMm de dar a referenciadacoletanea brasileira de texeos de Schiller publicada pela EPU
darei tambem a referencia da coletanea portuguesa lan~ada pela Imprensa Nacional- e alias
mais completa Indico os paragrafos seguindo uma sugestao da traducao portuguesa
10 Cf Sobre 0 patetico sect11-22 in Teoria do trdgico p119-24Textos sobreo bela pl69-73
II Cf Tragedie et sublimite in Dusublime p223 225226middot7
12 Schiller Sobre 0 patetico sect1 in Teoria da tragedia pll Textos sobre a belobull p165
13 1A philosophie critique de Kant p4l
14 Sobre 0 paretieo sect17 in Teoria da tragedia p121 Textos sabre a bela p169-70 15 Esse eurn tema recOlTentede Sobre 0 paretico comose pode ver pelos sect 1 2 3 81516
1721 dO
16 Gaia ciiincia sect335
17 Cf Sobre 0 sublime sectlO in Teoria da tragidia p54 Textos sobre 0 belo p222
18 Cf Criticadafaculdadedojuho sect27 p102
19 Ibid sect24 p93
20 Ibid sect23 p91
21 Cr ibid sect27 pl05 No sublime analisado matematicamente trata-se da razio no uso te6rico no sublime analisado dinamicamente trata-se da razao no Seu uso pnicico
22 Ibid p100 e 101
23 A Observacento geral identifica promocao e inibiltao das forltas vitais a bem-estar e
mal-estar
24 Cf ibid sect23 p90
25 Ibid sect26 p98
26 Ibid p106
27 Sobre 0 sublime sect3
28 Cf Sobre 0 sublime sect16 in Teona da tragedia p58-9 Textes sabre 0 belo p224
29 Schiller Teana da trag6dia p55 Textos sabre 0 bela p222
30 Formulo deste modo a posiltio do tnigico em Schiller pensando nas palavras de Ernest Hemingway em seu livroO vefhoe 0 mar 0 homem podeserdesrruido mas nao derrotado
31 Do sublime sect40middot3 Esse texto redigido provavelmenre a partir dos cursos na Universishy
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32 Sobre a interpre~aoschillerianadc Laocoonte cf Sobreo patetico sect22-31 in Teoriada
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33 Cf Do sublime sect21 in Textos sabre 0 belo 0 sublimeeotragico p147
34 Kant Observtifoes sabre 0 helo eo sublime (in Werke II p834 Oeuvres philosophiques I pA60) e
Criticada faculdade da juizo p114
35 Do sublime sect28 in Textas sabre 0 bela p149
36 Estabelecendo como principio a da raziio pranca no sentido kantiano Schiller
depreciava a tragedia grega e nao escondia sua predileltiio cxcmplos de heroismo moral
propostos por CorneiHe Taminiaul( Le theatre des philasophes p279
70 o nasdmento do tragico
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Bibliografia 291
L6gicadopior Rio de Janeiro Espaso eTempo 1989 SAFRANSKI Rudiger Schopenhauer and the Wild Years ofPhilosophy Cambridge Harvard
University Press 1990 ___ Schopenbauer et les annees folles de la philosophie Paris PUF 1990 SANS Edouard Richard Wagner et fa pensee schopenhauerienne Paris Klincksieck 1969 ___ Du philosophe artiste a lartiste philosophe in Jean Lefranc
nhauer Paris LHerne 1997 SCHMIDT A Ideeund Weltwille SchopenhaMerlllsKritiker Hegel Munique Hanser 1988 SCHOPBNHAUER Arthur Ie monde comme IIOlonti et comme representation Paris PUF
1966 ___ Samtliche Werke 5 vols Frankfurt Suhrkamp 1986 ___ Esthitiqueetmetaphysique Paris Le livre de Poche 1999 ___0 mundocomo vontade e represent4fiio Rio de Janeiro Contraponro 200L ___ 0 mundocomo vontade e como reprnenf4cento Sao Paulo Unesp 2005
SIMMEL Georg Scbopenhauerund Nietzsche Leipzig Verlag von Duncker amp Humboldt 1907
___ Schopen~yNietzsche Buenos Aires Anaconda 1950 ___ SchopenhttuerandNietvche UrbanalChicago University ofIllinois Press 1991 VBCCHIOTTI lSchopenhauer Lisboa Edioes 701986 WEISMANN K Vrdaeobra de Schopenhauer Belo Horizonce Itatiaia 1980 YOUNG Julian Wdlingand Unwilling A StudyinthePhilosophyof Arthurschopenhauer Dorshy
drecht Mardnus Hijhoff 1987
CaptubJ Seis bull Nietzsche e a ~epresenta~ao do dionisfaco
ANDLER Charles Nietvche sa vie et sa pensee 3vols Paris Gallimard 1958 BAEMBR Max Das moderne Phanomen des Dionysischen und seine Entdeckung
durch Nietzsche Nietzsche Studien 6 1977 shyBEHELER Ernst Die Auffasung des Dionysischen durch die Br(ider Schelegel und F
Nietzsche Niewche-Studien 12 1983
BERTALLOT Hans-Werner Holderlin-Niewche Untersuchungen zum hymnisches Stil in Proshysa und Verso Berlim sn 1967 I
BoHRER Karl Heinz Der Abschied Theorie der Trauer Baudelaire Goethe Nietzche Benjashymin Frankfurt Suhrkamp 1997
BOLZ Norbert Die Verwindung des Erhabenen Nietzsche in Christine Priess DasErhabeneZwischen GrenzetfahrungundWahnsinn Weinheim Oldenbourg 1989
BOUDOT Pierre La momie et Ie munden NIeI7Sthe Lyon Laffont 198 BREUMER Marx L Nietzsche and the tradition of the Dionysian in James OFlashy
herty Timothy Sellner e Robert Helm (orgs) Studies in Nietzsche and the Classical Trashydition Chapell Hill University of North Carolina Press 1976
CACCIARI Massimo Aforisma tragedia liriea Nuova corrente 6869 1975middot1976 CAVALCANTI Anna Hartmann Smbolo eaegDri4 a genese da concePfiio de linguagem em
Nietache Sao Paulo Annablume 2005
rPlIi ~ f
272 0 nascimento do tragico
CAZNOK Yara e Alfredo Naffah New Ouvir Wagner ecos nietzsehianos Sao Paulo Musa 2000
Centre de Recherches Dhistoire des Idees de Nice Nietzsche Holderlin et14 Greece Paris Belles Leccres 1987
CHAVES Ernani Culturae politica 0 jovem Nietzsche eJacob Burckhardt Cadernos NieJ1sche 9 2000
Etica e estetica em Nietzsche crftica cia compaixao como crftica aos efeitos catarticos da arte Cadernos Academicos Ethica vol II n1 e 2 romo 1 2004
DELEUZE Gilles Nietzscheetfaphilosophie Paris PUP 1962
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DlAS Rosa Maria Nietzsche ea musica Sao Pauloljui Discurso EditorialEditora Ijui 2005
--- Nietzsche e Schopenhauer uma pdmeira ruptura in Charles Feitosa Mishyguel Angel de Barrenechea e Paulo Pinh~iro (orgs) A fidelidade aterra assim JaWu Nietzsche Iv Rio de Janeiro DPampA 2003
Musica schopenhaueriana na filosofia cia arte de 0 nascimento da dia Revista Tempo Brasikiro 1432000
--_ Nietzsche ea quescao do g~nio in Miguel Angel de Barrenechea e Ol[mpio Jose Pimenra New (orgs) Assim falou Nietzsche Rio de Janeiro 7Letras 1999
A influencia de Schopenhauer na filosofia da arte de Nietzsche Cadernos Nietzsche 3 1997
DIXSAUT Monique Querelleautourde La naissancede latragedie Paris Vrin 1995 FERRAZ Maria Cristina Katharsis e arte no pensamentode Nietzsche in Nove variashy
fOes sobre temas nietzschianos Rio de Janeiro Relume Dumara 2002 FINK Bugen Nietzsches PhiUJsophie Stuttgart Kohlhammer 1960 GEISENHANSLOKE Achim Ie sublime chez Nietsche Paris LHarmattan 2000 GENTILU Carlo Bernays Nierzsche e la nozione di tragico alle origine di una nuova
imagine della Grecia Rivista di Iitterature Modernee Comparate vol XLVII fasc 1shyjan-mar 1994
HAAR Michel NietIJcbe et la metaphysique Paris Gallimard 1993 --_ La critique nietzscheenne de Schopenhauer in Jean Lefranc (org) Schopeshy
nhauer Paris LHerne 1997 HEIDEGGBR Martin Nietzsche I Paris Gallimard 1971 HEFTRlCH Drs Nietzsches Analyse des Mideids in Wagner- Nietzsche - Thomas Mann
Frankfurt Vittorio Klosrernann 1993 HEILKE Thomas Nietzsches Tragic Regime Culture Aesthetics and Political Education Deshy
kalb Northern Illinois University Press 1998
HIGGINS Kathleen Nietzsche on music Journal ofthe History ofIdeas out-dez 1986
]ANZ Cun Paul Friedrich Nietzsches Biographie Munique Carl Hansen 1978 -- Nietzsche Biograpbie Paris GaUimard 1985 JONES Hugh L Nietzsche and the study of the Ancient World inJames OFlaherty
Timothy Sellner e Robert Helm (orgs) Studies in NietJsche and the Classical Traditicn Chapell Hill University ofNorth Carolina Press 1976
KESSLER Mathieu LEstbetique de Nietzsche Paris PDF 1998 KOfMAN Sarah Nietzscbeetlametaphore Paris Payor 1972
Bibliogndia 273
NietIJche et 14 scene pbilosophique Paris Minuit 1018 1979 LACOUE-LABARTHE Philippe Histoire et mimesis e Lantagonisme in L Imitatiun
des modemer Paris Galilee 1986
LAMBERT B Les grandes theories Nietzsche et Ie theme Iittirature 9 Paris 1973 LARGE Duncan Nosso maior mestre Nietzsche Burckhardt e 0 conceito de cultushy
ra Cadernos Nietzsche 9 2000 LAsSERRE Pierre_ Les ideesIkNzetncbe sur la musique la periDde wagnerienne Paris Mercushy
re de France 1097 LEBRUN Gerard Quem era Dioniso Kriterion 1985
LENSON David The Birth ofTragedy A Commentary Boston Twayne 1971 LIEBERT Georges Nietzsche et fa musique Paris PUF 1995 Lypp Bernhard Dionysisch-Apollinisch ein unhaltbarerGegensatz NietzschesPhyshy
siologie der Kunst als Version dyonisischen Philosophierens Nietzsche Studien 131984
LOVE Frederick Nietzsches quest for a new aesthetic ofmusic Nietzsche Studien 6 1977
LOWITH Karl Von Hegel V NletZSche Stuttgart S Fischer 1969 MCGINTY Park Interpretation and Dionysos Method in the Study ojthe God Haia Parisi
Nova York sn 1978
MACEDO Iracema Nietzsche Bayreuth e a epoca tragica dos gregos Kriterion 2005
___ Nietzsche Wagnere aepoca tragjca dos gregos Sao Paulo Annablume 2006 MACHADO Roberto Nietzsche e a verdade Rio de Janeiro Graal 1999
Zaratustra tragedia nietzschiana Rio de J anei ro Jorge Zahar 1997 ___ Nietzsche Holderlin e 0 tragico moderno in Evando Nascimento e Maria
Clara Castelloes de Oliveira (orgs) Literatura e filosofia diJIogos Juiz de Fora UFJF 2004
___ Nietzsche e 0 renascimento do migico Kriterion 112 jul-dez 2005
___ (org) Nietzsche eapoIemica sobre 0 nascimento da tragedia Rio deJaneiro]orge Zahar2005 shy
MARTIN Nicolas Nietzsche and Schiller Untimely Aesthetics Oxford pxford University 1Press 1996 I
MAY Keith Nietzsche and the Spirit ofTr1gedy Nova York Saint-Martin 1990 MOLLER-LAUTER Wolfgang Nietzsche Seine Philosophie tier Gegensiitze und die Ge)ensat(e
seiner Philosophie BerlimNova York Walter de Gruyter 1971 NABAlS Nuno Metaftsicadotrdgico Lisboa ReL6gio DAgua 1997 NIETZSCHE Friedrich samtliche Werke ediltao critica organizada por G Colli e M
Montinari BerlimNova York Walter de Gruyter 1967-1977 ed fro Paris Gallishymard1977
_ _ Samtliche Brieje BedimNova York Walter de Gruyter 1975 Correspondance Paris Gallimard 1986 0 nascimento datmgtdia Siio Paulo Companhiadas Letras 1993 Introduction awe efons sur LOedipe-Roi de Sophocle Introduction aux etudes de~p ilologie classique Paris Encre Marine 1994
___ Cinco prefados para cinco livros nao escritos Rio deJaneiro 7Letras 1996
274 o nasdmento do tragico
___ Introdu~4o a tragedia de Sofoeles Rio de JaneiroJorge Zahar 2006 PIPPIN Robert Nietzsche and the origin of the ideas of modernism Inquiry 22
1983 REIBNITZ Barbara von EinKommentar zu Fiedrich Nietzsche Die Geburtder Tragooie aus
dem Geist-der Musik Stuttgart Metzler 1992 REUBER Rudolf Aesthetische Lebensformen bei Nietzsche Munkjue Wilhelm Fink 1989 RODRIGUES Luzia Gontijo Nietvche e os gregos Sao Paulo Annablume 1998 RUPP G Rhetorische Strukturen und kommunikative Determinanz Studien sur Textkonstitutishy
on des philosophisch Dirkurses im Werk F Nietzsches Bema-Frankfurt Lang 1976 SALUS John Crossing Nietvche and the Space ofTragtJy Chicago The University of
Chicago Press 1991
SCHLOPMANN Heide Friedrich Nietzsches asthetische Opposition Stuttgart sn 1977 I
SCHMIDT Be rcram Der ethische Aspekt der Musik NieIzsches laquoGeburtder Tragoedie)J unddie Wiener KLassische Musik Wiirburg Konigshausen amp Neumann 1991
SCHRIFT Alan D Language metaphor rhethoric Niel7ampches deconstruction ofepisshytemologylournal ofthe History ofPhilosophy 23 n3julI985
SILK MS e JP Stern Nietvche on tragedy Cambridge Cambridge University Press 1981
SLOTERDIJK Peter Thinker on Stage Nietzsches Materialism Minneapolis University of Minnesota Press 1989
SUAREZ Rosana Platao professor aos olhos do professor Nietzsche in Angel de Barshyrenechea e OHmpioJose Pimenta Neto (orgs) Amm falou Nietzsche Rio de Janeiro 7Letras 1999
___ Nota sobre ser e representa~ao em 0 nascimento da tragedia in Charles Feitosa e Miguel Angel de Barrenechea (0rgs) Assimfaiou Nietsche II Rio de janeiro Relume Dumara 2000
_____ Nietzsche e os cursos sobre a ret6rica OquellOsfozpensar 13 Rio de Janeiro set 2000
WITTE Erich Das Problem des Tragischen bei Nietzsche Halle Karmmerer 1904
YOUNG Julian Nietzsches Philosophy oiArt Cambridge Cambridge Universiry Press
1992
ZUCKERMAN Elliot Nieczsche and music The birtboftragedy and Nietzsche contra ner Symposium 28 primavera 1984
Obras gerais
BEISTEGUI Miguel de e Simon Sparks (orgs) Philosopbyand Tragedy LondresNova York Routledge 2000
BOWfE--Andrew Aestetics and Subjectivity from Kant to NretzJche Manchester Manchester University Press 1990
___ Esteticay subjetividad Lafilosofta alemana de Kanta Nietvche y La teona estitica actual Madri Visor 1999
BUTLER EM The Tirany ofGreece over Germany Boston Beacon Press 1958
BiblioJirafia 273
COURTINE Jean-Fran~ois A tragidia e 0 tempo cIa hist6ria Sao Paulo Edi tora 34 2006 FERRY Luc Homo aestheticus Paris Grasset 1990 FIGUEIREDO Virginia Por uma conceplTiio tragica da obra de arre Folhetim 3 jan
1999 HARTMANN Pierre Du sublime Paris PUF 1997 LACOUE-LABARTHE Philippe LImitation des modernes Paris Galilee 1986 ___A imitdfiio dos modemes Ensaios sobre arte e filosofld Sio Paulo Paz e Terra 2000 NANCYJean-Luc (org) Du sublime Paris Belin 1988 NAUEN F Revolution Idealism and Human Freedom Schelling H olderlin and Hegel and the
Crisis ofEarly German Idealism Haia Nijhoff 1973 NOVAUS F et al Fragmentos para una teoria romantica del arte Madri Tecnos 1987 PAETZHOLD H kthetikdesdetschen Idealismus Zur Idee des asthetichen R4tionalitat bei Bamiddot
umgarten Kant Schelling Hegel und Schopenhauer Wiesbaden Franz Steiner 1983 ROSENFELD Anatol Teatro moderno Sao Paulo Perspectiva 1977 $CHAEFFERJean-MarieLAntierage moderne LEsthetiqlleetla philosophie de IartduXVII1
sieck anos jours Paris Gallimard 1992 --- shySPENLE jean-Edouard La pensie allemande de Luther Ii Nietvche Paris A Colin 1955 STAlGER Emil Der Geistdcr Liebe und das Schicksal Schelling Hegel und Holderlin Leipzig
sn 1935 STEINER George Antigonas Lisboa Anttopos 1995 SZONDI Peter Poesie et poitique de lidealisme allemand Paris Minuic 1974
I Ensaio sabre atrali-co Rio de JaneiroJorge Zahar 2004 TAMI~IAUxJacques La nostalgie de La Grece a[aube de idealisme allemand Haia Nijhoff
1967 ___ Le theatre des philosophes Grenoblejerome Millon 1995 TERRAY Emmanuel Unepassion allemande Luther Kant Schiller Hiilderlin Kleist Paris
Seuil 1994 WIESE Benno von Diedeutsche Tragodie von Le5sing his Hebbel Hamburgo Hoffman und
Campe 1955 ZELLE Carsten Die doppelte Astbetik der Maderne Revisionen lie5 SchOnen von Boileau bis Nimiddot
etzsche Stuctgart Metzler 1995
Obras complementares
ARENDT Hannah La condition de lhomme moderne Paris Calmann-Levy 1983 ___ Sobre a humanidade em tempos sombrios Reflexoes sobre Lessing in Hoshy
mens em tempos sombrias Sio Paulo Companhiadas Letras 1987 ARlSTOTELES La Poetique trad e noras Dupont-Roc e Lallot Paris Seuil 1980 ___ Poetica rrad preficio inrrodwao comencirio e apendice de Eudoro dtgt Soushy
sa Lisboa Imprensa NacionalCasa da Moeda 1998 5 ed AYRAULT Roger La genese du romantisme allemand Paris Aubier 1976 BENJAMIN Walter OconceitoJecritica de arte no romantismoaemao Sio Paulo Iluminushy
ras1993
70 o nasdmento do tragico
GUEROULT MarciaL Schopenhauer et Hehte Paris Les Belles Lettres 1946 GRANAROLO Philippe Le maitre gue permit aNietzsche de devenir ce guil ecaic in
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LHerne 1997 HDBSCHER Arthur Denker gegen den Strom Schopenhauer Gestern-Heute-Morgen Bonn
Bouvier 1973 JACQUETIE Dale (org) Schopenhauer Philosophy and the Arts Cambridge Cambridge
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]ANAWAY Christopher Self and World in Scbopenbauers Philosophy Oxford Oxford Unishyversity Press 1989 I
__ Willing and Nothingness Schopenh~as Nietzschegts Educator Oxford Clarendon Press 1998
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____ Schopenhauer Sao Paulo Loyola 2003
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MAlA MurieL A outra face do nada Sobre 0 conhecimento metafisico na Estetica de Arthur Schopenhauer Petr6polis Vozes 1991
MALTER R Arthur Schopenhaucr -Pmnszendentalphilasopbie und Metaphysik das Willens Stuttgart Friedrich Fromman 1991
MANN Thomas Schopenhauer in 0 pensamento vivo de Schopenhauer Sao Paulo Ushyvraria Martins Edirora 1975
MOST Otto Zeitliches und Ewiges in der Philosophie Nietzsches und Schopenhauers Frankshyfurt Vittorio Klostermann 1977
PERNIN Marie-Jose Nietzsche et Schopenhauer Paris LHarrnattan 2000 ___ Schopenhauer Rio de Janeiro Jorge Zahar 1995 PHILONENKO Alexis Schopenhauer une philosophie de la tragidie Paris Vrin 1980 ___ Brevemediration sur la philosophie de la rragedie de Schopenhauer in Le
transcendental et la pensee modeme Paris PUF 1990 ___ La metaphysigue du beau in Jean Lefranc schopenhauer Paris
LHerne 1997 V-ifc=-IJ Lehre von tierempirischen Anschauung bei Schopenhauer und
ihre historischen VoraussetzUngen HalleSaale Niemeyer 1914 ROSSET Clement Schopenhauer philosophe de labsurde Paris PUF 1967
--- Schopenhauer Paris PUF 196B --- LEsthitique de Schopenhauer Paris PUF 1969
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nhauer Paris LHerne 1997 SCHMIDT A Ideeund Weltwille SchopenhaMerlllsKritiker Hegel Munique Hanser 1988 SCHOPBNHAUER Arthur Ie monde comme IIOlonti et comme representation Paris PUF
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BOLZ Norbert Die Verwindung des Erhabenen Nietzsche in Christine Priess DasErhabeneZwischen GrenzetfahrungundWahnsinn Weinheim Oldenbourg 1989
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CACCIARI Massimo Aforisma tragedia liriea Nuova corrente 6869 1975middot1976 CAVALCANTI Anna Hartmann Smbolo eaegDri4 a genese da concePfiio de linguagem em
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HAAR Michel NietIJcbe et la metaphysique Paris Gallimard 1993 --_ La critique nietzscheenne de Schopenhauer in Jean Lefranc (org) Schopeshy
nhauer Paris LHerne 1997 HEIDEGGBR Martin Nietzsche I Paris Gallimard 1971 HEFTRlCH Drs Nietzsches Analyse des Mideids in Wagner- Nietzsche - Thomas Mann
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kalb Northern Illinois University Press 1998
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Bibliogndia 273
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LAMBERT B Les grandes theories Nietzsche et Ie theme Iittirature 9 Paris 1973 LARGE Duncan Nosso maior mestre Nietzsche Burckhardt e 0 conceito de cultushy
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re de France 1097 LEBRUN Gerard Quem era Dioniso Kriterion 1985
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LOWITH Karl Von Hegel V NletZSche Stuttgart S Fischer 1969 MCGINTY Park Interpretation and Dionysos Method in the Study ojthe God Haia Parisi
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___ Nietzsche Wagnere aepoca tragjca dos gregos Sao Paulo Annablume 2006 MACHADO Roberto Nietzsche e a verdade Rio de Janeiro Graal 1999
Zaratustra tragedia nietzschiana Rio de J anei ro Jorge Zahar 1997 ___ Nietzsche Holderlin e 0 tragico moderno in Evando Nascimento e Maria
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274 o nasdmento do tragico
___ Introdu~4o a tragedia de Sofoeles Rio de JaneiroJorge Zahar 2006 PIPPIN Robert Nietzsche and the origin of the ideas of modernism Inquiry 22
1983 REIBNITZ Barbara von EinKommentar zu Fiedrich Nietzsche Die Geburtder Tragooie aus
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___ Nota sobre ser e representa~ao em 0 nascimento da tragedia in Charles Feitosa e Miguel Angel de Barrenechea (0rgs) Assimfaiou Nietsche II Rio de janeiro Relume Dumara 2000
_____ Nietzsche e os cursos sobre a ret6rica OquellOsfozpensar 13 Rio de Janeiro set 2000
WITTE Erich Das Problem des Tragischen bei Nietzsche Halle Karmmerer 1904
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1992
ZUCKERMAN Elliot Nieczsche and music The birtboftragedy and Nietzsche contra ner Symposium 28 primavera 1984
Obras gerais
BEISTEGUI Miguel de e Simon Sparks (orgs) Philosopbyand Tragedy LondresNova York Routledge 2000
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___ Esteticay subjetividad Lafilosofta alemana de Kanta Nietvche y La teona estitica actual Madri Visor 1999
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BiblioJirafia 273
COURTINE Jean-Fran~ois A tragidia e 0 tempo cIa hist6ria Sao Paulo Edi tora 34 2006 FERRY Luc Homo aestheticus Paris Grasset 1990 FIGUEIREDO Virginia Por uma conceplTiio tragica da obra de arre Folhetim 3 jan
1999 HARTMANN Pierre Du sublime Paris PUF 1997 LACOUE-LABARTHE Philippe LImitation des modernes Paris Galilee 1986 ___A imitdfiio dos modemes Ensaios sobre arte e filosofld Sio Paulo Paz e Terra 2000 NANCYJean-Luc (org) Du sublime Paris Belin 1988 NAUEN F Revolution Idealism and Human Freedom Schelling H olderlin and Hegel and the
Crisis ofEarly German Idealism Haia Nijhoff 1973 NOVAUS F et al Fragmentos para una teoria romantica del arte Madri Tecnos 1987 PAETZHOLD H kthetikdesdetschen Idealismus Zur Idee des asthetichen R4tionalitat bei Bamiddot
umgarten Kant Schelling Hegel und Schopenhauer Wiesbaden Franz Steiner 1983 ROSENFELD Anatol Teatro moderno Sao Paulo Perspectiva 1977 $CHAEFFERJean-MarieLAntierage moderne LEsthetiqlleetla philosophie de IartduXVII1
sieck anos jours Paris Gallimard 1992 --- shySPENLE jean-Edouard La pensie allemande de Luther Ii Nietvche Paris A Colin 1955 STAlGER Emil Der Geistdcr Liebe und das Schicksal Schelling Hegel und Holderlin Leipzig
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I Ensaio sabre atrali-co Rio de JaneiroJorge Zahar 2004 TAMI~IAUxJacques La nostalgie de La Grece a[aube de idealisme allemand Haia Nijhoff
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etzsche Stuctgart Metzler 1995
Obras complementares
ARENDT Hannah La condition de lhomme moderne Paris Calmann-Levy 1983 ___ Sobre a humanidade em tempos sombrios Reflexoes sobre Lessing in Hoshy
mens em tempos sombrias Sio Paulo Companhiadas Letras 1987 ARlSTOTELES La Poetique trad e noras Dupont-Roc e Lallot Paris Seuil 1980 ___ Poetica rrad preficio inrrodwao comencirio e apendice de Eudoro dtgt Soushy
sa Lisboa Imprensa NacionalCasa da Moeda 1998 5 ed AYRAULT Roger La genese du romantisme allemand Paris Aubier 1976 BENJAMIN Walter OconceitoJecritica de arte no romantismoaemao Sio Paulo Iluminushy
ras1993
rPlIi ~ f
272 0 nascimento do tragico
CAZNOK Yara e Alfredo Naffah New Ouvir Wagner ecos nietzsehianos Sao Paulo Musa 2000
Centre de Recherches Dhistoire des Idees de Nice Nietzsche Holderlin et14 Greece Paris Belles Leccres 1987
CHAVES Ernani Culturae politica 0 jovem Nietzsche eJacob Burckhardt Cadernos NieJ1sche 9 2000
Etica e estetica em Nietzsche crftica cia compaixao como crftica aos efeitos catarticos da arte Cadernos Academicos Ethica vol II n1 e 2 romo 1 2004
DELEUZE Gilles Nietzscheetfaphilosophie Paris PUP 1962
DE MAN Paul Alegorias da leitura Rio de Janeiro Imago 1996
DlAS Rosa Maria Nietzsche ea musica Sao Pauloljui Discurso EditorialEditora Ijui 2005
--- Nietzsche e Schopenhauer uma pdmeira ruptura in Charles Feitosa Mishyguel Angel de Barrenechea e Paulo Pinh~iro (orgs) A fidelidade aterra assim JaWu Nietzsche Iv Rio de Janeiro DPampA 2003
Musica schopenhaueriana na filosofia cia arte de 0 nascimento da dia Revista Tempo Brasikiro 1432000
--_ Nietzsche ea quescao do g~nio in Miguel Angel de Barrenechea e Ol[mpio Jose Pimenra New (orgs) Assim falou Nietzsche Rio de Janeiro 7Letras 1999
A influencia de Schopenhauer na filosofia da arte de Nietzsche Cadernos Nietzsche 3 1997
DIXSAUT Monique Querelleautourde La naissancede latragedie Paris Vrin 1995 FERRAZ Maria Cristina Katharsis e arte no pensamentode Nietzsche in Nove variashy
fOes sobre temas nietzschianos Rio de Janeiro Relume Dumara 2002 FINK Bugen Nietzsches PhiUJsophie Stuttgart Kohlhammer 1960 GEISENHANSLOKE Achim Ie sublime chez Nietsche Paris LHarmattan 2000 GENTILU Carlo Bernays Nierzsche e la nozione di tragico alle origine di una nuova
imagine della Grecia Rivista di Iitterature Modernee Comparate vol XLVII fasc 1shyjan-mar 1994
HAAR Michel NietIJcbe et la metaphysique Paris Gallimard 1993 --_ La critique nietzscheenne de Schopenhauer in Jean Lefranc (org) Schopeshy
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kalb Northern Illinois University Press 1998
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Bibliogndia 273
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___ Nietzsche Wagnere aepoca tragjca dos gregos Sao Paulo Annablume 2006 MACHADO Roberto Nietzsche e a verdade Rio de Janeiro Graal 1999
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_ _ Samtliche Brieje BedimNova York Walter de Gruyter 1975 Correspondance Paris Gallimard 1986 0 nascimento datmgtdia Siio Paulo Companhiadas Letras 1993 Introduction awe efons sur LOedipe-Roi de Sophocle Introduction aux etudes de~p ilologie classique Paris Encre Marine 1994
___ Cinco prefados para cinco livros nao escritos Rio deJaneiro 7Letras 1996
274 o nasdmento do tragico
___ Introdu~4o a tragedia de Sofoeles Rio de JaneiroJorge Zahar 2006 PIPPIN Robert Nietzsche and the origin of the ideas of modernism Inquiry 22
1983 REIBNITZ Barbara von EinKommentar zu Fiedrich Nietzsche Die Geburtder Tragooie aus
dem Geist-der Musik Stuttgart Metzler 1992 REUBER Rudolf Aesthetische Lebensformen bei Nietzsche Munkjue Wilhelm Fink 1989 RODRIGUES Luzia Gontijo Nietvche e os gregos Sao Paulo Annablume 1998 RUPP G Rhetorische Strukturen und kommunikative Determinanz Studien sur Textkonstitutishy
on des philosophisch Dirkurses im Werk F Nietzsches Bema-Frankfurt Lang 1976 SALUS John Crossing Nietvche and the Space ofTragtJy Chicago The University of
Chicago Press 1991
SCHLOPMANN Heide Friedrich Nietzsches asthetische Opposition Stuttgart sn 1977 I
SCHMIDT Be rcram Der ethische Aspekt der Musik NieIzsches laquoGeburtder Tragoedie)J unddie Wiener KLassische Musik Wiirburg Konigshausen amp Neumann 1991
SCHRIFT Alan D Language metaphor rhethoric Niel7ampches deconstruction ofepisshytemologylournal ofthe History ofPhilosophy 23 n3julI985
SILK MS e JP Stern Nietvche on tragedy Cambridge Cambridge University Press 1981
SLOTERDIJK Peter Thinker on Stage Nietzsches Materialism Minneapolis University of Minnesota Press 1989
SUAREZ Rosana Platao professor aos olhos do professor Nietzsche in Angel de Barshyrenechea e OHmpioJose Pimenta Neto (orgs) Amm falou Nietzsche Rio de Janeiro 7Letras 1999
___ Nota sobre ser e representa~ao em 0 nascimento da tragedia in Charles Feitosa e Miguel Angel de Barrenechea (0rgs) Assimfaiou Nietsche II Rio de janeiro Relume Dumara 2000
_____ Nietzsche e os cursos sobre a ret6rica OquellOsfozpensar 13 Rio de Janeiro set 2000
WITTE Erich Das Problem des Tragischen bei Nietzsche Halle Karmmerer 1904
YOUNG Julian Nietzsches Philosophy oiArt Cambridge Cambridge Universiry Press
1992
ZUCKERMAN Elliot Nieczsche and music The birtboftragedy and Nietzsche contra ner Symposium 28 primavera 1984
Obras gerais
BEISTEGUI Miguel de e Simon Sparks (orgs) Philosopbyand Tragedy LondresNova York Routledge 2000
BOWfE--Andrew Aestetics and Subjectivity from Kant to NretzJche Manchester Manchester University Press 1990
___ Esteticay subjetividad Lafilosofta alemana de Kanta Nietvche y La teona estitica actual Madri Visor 1999
BUTLER EM The Tirany ofGreece over Germany Boston Beacon Press 1958
BiblioJirafia 273
COURTINE Jean-Fran~ois A tragidia e 0 tempo cIa hist6ria Sao Paulo Edi tora 34 2006 FERRY Luc Homo aestheticus Paris Grasset 1990 FIGUEIREDO Virginia Por uma conceplTiio tragica da obra de arre Folhetim 3 jan
1999 HARTMANN Pierre Du sublime Paris PUF 1997 LACOUE-LABARTHE Philippe LImitation des modernes Paris Galilee 1986 ___A imitdfiio dos modemes Ensaios sobre arte e filosofld Sio Paulo Paz e Terra 2000 NANCYJean-Luc (org) Du sublime Paris Belin 1988 NAUEN F Revolution Idealism and Human Freedom Schelling H olderlin and Hegel and the
Crisis ofEarly German Idealism Haia Nijhoff 1973 NOVAUS F et al Fragmentos para una teoria romantica del arte Madri Tecnos 1987 PAETZHOLD H kthetikdesdetschen Idealismus Zur Idee des asthetichen R4tionalitat bei Bamiddot
umgarten Kant Schelling Hegel und Schopenhauer Wiesbaden Franz Steiner 1983 ROSENFELD Anatol Teatro moderno Sao Paulo Perspectiva 1977 $CHAEFFERJean-MarieLAntierage moderne LEsthetiqlleetla philosophie de IartduXVII1
sieck anos jours Paris Gallimard 1992 --- shySPENLE jean-Edouard La pensie allemande de Luther Ii Nietvche Paris A Colin 1955 STAlGER Emil Der Geistdcr Liebe und das Schicksal Schelling Hegel und Holderlin Leipzig
sn 1935 STEINER George Antigonas Lisboa Anttopos 1995 SZONDI Peter Poesie et poitique de lidealisme allemand Paris Minuic 1974
I Ensaio sabre atrali-co Rio de JaneiroJorge Zahar 2004 TAMI~IAUxJacques La nostalgie de La Grece a[aube de idealisme allemand Haia Nijhoff
1967 ___ Le theatre des philosophes Grenoblejerome Millon 1995 TERRAY Emmanuel Unepassion allemande Luther Kant Schiller Hiilderlin Kleist Paris
Seuil 1994 WIESE Benno von Diedeutsche Tragodie von Le5sing his Hebbel Hamburgo Hoffman und
Campe 1955 ZELLE Carsten Die doppelte Astbetik der Maderne Revisionen lie5 SchOnen von Boileau bis Nimiddot
etzsche Stuctgart Metzler 1995
Obras complementares
ARENDT Hannah La condition de lhomme moderne Paris Calmann-Levy 1983 ___ Sobre a humanidade em tempos sombrios Reflexoes sobre Lessing in Hoshy
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274 o nasdmento do tragico
___ Introdu~4o a tragedia de Sofoeles Rio de JaneiroJorge Zahar 2006 PIPPIN Robert Nietzsche and the origin of the ideas of modernism Inquiry 22
1983 REIBNITZ Barbara von EinKommentar zu Fiedrich Nietzsche Die Geburtder Tragooie aus
dem Geist-der Musik Stuttgart Metzler 1992 REUBER Rudolf Aesthetische Lebensformen bei Nietzsche Munkjue Wilhelm Fink 1989 RODRIGUES Luzia Gontijo Nietvche e os gregos Sao Paulo Annablume 1998 RUPP G Rhetorische Strukturen und kommunikative Determinanz Studien sur Textkonstitutishy
on des philosophisch Dirkurses im Werk F Nietzsches Bema-Frankfurt Lang 1976 SALUS John Crossing Nietvche and the Space ofTragtJy Chicago The University of
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SCHLOPMANN Heide Friedrich Nietzsches asthetische Opposition Stuttgart sn 1977 I
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SCHRIFT Alan D Language metaphor rhethoric Niel7ampches deconstruction ofepisshytemologylournal ofthe History ofPhilosophy 23 n3julI985
SILK MS e JP Stern Nietvche on tragedy Cambridge Cambridge University Press 1981
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___ Nota sobre ser e representa~ao em 0 nascimento da tragedia in Charles Feitosa e Miguel Angel de Barrenechea (0rgs) Assimfaiou Nietsche II Rio de janeiro Relume Dumara 2000
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1999 HARTMANN Pierre Du sublime Paris PUF 1997 LACOUE-LABARTHE Philippe LImitation des modernes Paris Galilee 1986 ___A imitdfiio dos modemes Ensaios sobre arte e filosofld Sio Paulo Paz e Terra 2000 NANCYJean-Luc (org) Du sublime Paris Belin 1988 NAUEN F Revolution Idealism and Human Freedom Schelling H olderlin and Hegel and the
Crisis ofEarly German Idealism Haia Nijhoff 1973 NOVAUS F et al Fragmentos para una teoria romantica del arte Madri Tecnos 1987 PAETZHOLD H kthetikdesdetschen Idealismus Zur Idee des asthetichen R4tionalitat bei Bamiddot
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Seuil 1994 WIESE Benno von Diedeutsche Tragodie von Le5sing his Hebbel Hamburgo Hoffman und
Campe 1955 ZELLE Carsten Die doppelte Astbetik der Maderne Revisionen lie5 SchOnen von Boileau bis Nimiddot
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