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deixar o homem entregue à incerteza, pois fica sem a segurança infalível do instinto, que,
no mundo animal, mantém uma adequação com a vontade. O mundo fenomênico está
submetido a uma necessidade absoluta, pois a natureza está marcada também pela
necessidade. Só a vontade, sem representação, é livre. O homem, em seu caráter inteligível
(essência), é um ato de vontade exterior ao tempo. Porém, essa vontade comanda a conduta
do homem.
A liberdade empírica, portanto, é uma grande ilusão, para Schopenhauer. As
ações autônomas dos humanos não têm nenhuma liberdade, pois é a vontade (inacessível
ao intelecto) e não a razão que escolhe. Intelecto aqui não significa um pensar lógico, mas a
esfera da consciência em que se forma um quadro intuitivo do mundo em geral. A vontade,
com sua força pulsante, nega o livre-arbítrio. Como, para Schopenhauer, a vontade é o
fundamento do mundo, a escolha feita através do conhecimento é impossível. O homem
primeiro deseja e somente depois conhece o que desejou. Assim, a subordinação da vida
empírica à vontade faz de qualquer conhecimento apenas uma repetição de seu caráter
inteligível, que é imutável.
O caráter inteligível do homem é a vontade que se torna um destino interior,
que constitui animais, minerais e vegetais. O caráter empírico é apenas um desdobramento
da vontade, onde cada um representa suas próprias tendências. Para Schopenhauer a única
liberdade possível é a negação da vontade. Tal negação da vontade é exemplificada por nós
na idéia que Schopenhauer tem do gênio.
Para Schopenhauer existem dois tipos de conhecimento: um que é intuitivo e
outro que é racional. O filósofo não deixou de seguir Kant no que se refere à distinção entre
fenômeno e coisa-em-si. Para Schopenhauer, o mundo como nós vemos é puro fenômeno,
mas a coisa-em-si, que para Kant é inacessível, para ele pode ser atingida. A coisa-em-si é
o fundamento do mundo, e se difere do mundo fenomênico, comandado pela causalidade.
Assim o fundamento do mundo dever ser regido de outra forma que não seja a dacausalidade. A coisa-em-si existe, para Schopenhauer, fora do mundo da representação.
Schopenhauer então pensa em uma forma do ser humano conseguir descobrir
este enigma. Tal forma é possível através do corpo. É através da percepção da vontade
vivida no corpo humano que se pode chegar à essência do mundo, ou seja, vontade. É no
corpo humano o lugar onde o homem faz a experiência de uma força que o domina e a qual
ele obedece maquinalmente1.
1 Brum, José Thomaz. O Pessimismo e suas Vontades – Schopenhauer e Nietzsche. Rio de Janeiro:Rocco Editora,1998,p.23
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O conhecimento científico é, portanto, conhecimento de relações que são
fornecidas por tal princípio (tempo, espaço, causalidade). O princípio da razão coloca os
objetos em relação com o corpo e por conseguinte com a vontade. O conhecimento
científico, ou pragmático, valoriza tais relações. A forma então distingue o conhecimento
científico racional do conhecimento intuitivo.
O conhecimento científico, porém, está submetido ao princípio da razão que,
por sua vez, está intimamente ligado à vontade.
“O conhecimento submetido ao princípio de Razão constitui o conhecimentoracional; só tem valor e utilidade na vida prática e na ciência: acontemplação, que se abstrai do princípio da razão, é própria do gênio, ela
só tem valor e utilidade na arte.”2
Schopenhauer, ao falar do conhecimento intuitivo, adota uma posiçãoambivalente, ora concorda que tal conhecimento transgride a limitação kantiana espaço-
tempo, ora não concorda que esta transgressão possa ser operada pelo conhecimento
intuitivo. Mas Schopenhauer parece ser mais adepto da idéia de que a coisa-em-si pode ser
dada somente pelo conhecimento objetivo, e não pela experiência subjetiva. O
conhecimento objetivo não é conhecimento do próprio sujeito e portanto não é
conhecimento no sentido de representação. Schopenhauer, ao nosso ver, é um filósofo do
corpo, e portanto não diferencia o “eu transcendental” do “eu empírico”, como fez Kant.Para Kant, existe uma antinomia entre o “eu transcendental” e o “eu empírico”.
O Eu só se conhece com outro (submetido à forma do tempo). Para Kant só temos acesso
ao “eu empírico”. Schopenhauer, por sua vez, diferencia o “eu penso” do “eu quero”. A
experiência, para Schopenhauer, é o conhecimento da vontade. Schopenhauer, por vezes,
concorda com Kant que não temos conhecimento da coisa-em-si, mas, em relação à arte,
ele abre uma exceção, pois o conhecimento que cada um tem do próprio querer é uma
forma de acesso à coisa-em-si.
Schopenhauer faz restrições ao conhecimento interno kantiano, por este
também não poder escapar do tempo. Ele acredita que só pensamos a vontade em atos
isolados ou seja, enquanto manifestação no tempo e não no todo. O todo seria o substrato
permanente, a unidade. A vontade, para Schopenhauer, é unidade, pois se contrapõe à
pluralidade do fenômeno (individuação).
2 Schopenhauer, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação, Rio de Janeiro: Editora contraponto,2001, p.194.
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A relação entre sujeito e objeto produz o belo que, por sua vez, é diferente do
sublime. O belo e o sublime acontecem somente na idéia, ou melhor, no conhecimento
intuitivo, que é sem relações. O gênio em Schopenhauer está ligado à produção (fazer uma
obra) e também está ligado à contemplação artística. Diferentemente de Kant, não há
separação entre a contemplação artística e a produção. A arte é, para Schopenhauer, a
comunicação de um conhecimento.
Se a contemplação é a intuição maior na filosofia de Schopenhauer, a condição
de gênio é, segundo José Thomaz Brum, condição antropológica fundamental. Para
Schopenhauer somente o artista e o filósofo se assombram diante da própria existência. O
gênio se opõe ao homem comum, pois ele não é escravo da vontade. Tal homem tem
apenas acesso à forma acidental do fenômeno na idéia. Por exemplo, ao vermos fatos como
guerras, brigas políticas, etc, estamos vendo somente a aparência dessas ações, que estão
completamente distantes da idéia que, para Schopenhauer, constitui a objetividade mais
perfeita da vontade.
“Sob os múltiplos aspectos da vida humana, sob a mudança incessante dosacontecimentos, considerar-se-á apenas a idéia como permanente eessencial; é nela que a vontade de viver atingiu sua objetividade mais
perfeita; é ela que mostra as diferentes faces nas qualidades, paixões, errose virtudes do gênero humano, no egoísmo, ódio, amor,temor,audácia,temeridade, estupidez,manha, inteligência, gênio, etc, é assim que
continuam sem cessar, a grande e a pequena história do mundo os motivose acontecimentos diferem, é verdade, mas o espírito dos acontecimentos é omesmo.” 3
Dentro de uma leitura prioritária da arte, podemos dizer que de Platão a
Leibniz houve uma confusão entre razão de juízos e a relação causa-efeito. A razão de
juízos é dominada pela sensação do que é agradável ou desagradável. Tal sensação, ao
chegar na consciência, passa pelo entendimento e passa a ser questionada pelos ditames da
razão, que se baseiam nas seguintes questões: qual é a causa? ; onde e quando? ; como eusei? (lógica); o que ela quer?
O pensar, portanto, constrói conceitos, categorias, juízos. Existe uma
diferença entre conhecer e pensar. O conhecer relaciona o entendimento com a
sensibilidade. O idealismo alemão, para Schopenhauer, valorizou somente a razão. A
vontade é, para Schopenhauer, fundamental; já a representação é secundária. A vontade é a
chave do aparecimento. A idéia, como já dissemos, é o aspecto inteligível da vontade.
3 Schopenhauer, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação, Rio de Janeiro: Editora Contraponto,2001, parágrafo 35, p.192
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O gênio em Schopenhauer é marcado por um conhecimento intuitivo que se
insere dentro de uma concepção da filosofia mais como arte do que como ciência. O
conhecimento das idéias é intuitivo. A relação entre o princípio de razão e vontade pode ser
relacionada com o conhecimento do terceiro gênero em Spinoza (a idéia adequada à
essência, singularidade).
Kant, ao criticar a autonomia do sujeito em Descartes, mostra que entre o
transcendental (pensamento) e o empírico existe o espaço–tempo que regula todas as
nossas relações. Antes de Schopenhauer, Schelling já havia pensado na possibilidade de
uma representação do absoluto a partir dos três níveis do conhecimento propostos por
Spinoza: 1)As afecções: visão física do corpo; modificação de um corpo; 2) As idéias:
conhecimento pela causa e não pelo efeito; 3) Essência: conhecer Deus (absoluto) é
conhecer como ele conhece. Schelling então levanta a questão: De onde poderia Spinoza
ter tido a idéia de intuição intelectual de Deus senão da intuição intelectual de si mesmo?
A arte, para Schopenhauer, reproduz as idéias eternas por meio da
contemplação pura (estética). O verdadeiro objeto é então a idéia. O desinteresse permite à
contemplação estética se libertar da vontade. O gênio é então, para Schopenhauer, a
capacidade de se abstrair da razão.
Embora mais tarde Nietzsche tenha se distanciado da filosofia de
Schopenhauer, é incontestável a influência que O Mundo como Vontade e Representação
exerceu sobre o nosso filósofo. Schopenhauer, com a idéia de uma vontade cega que rege
tudo, mostrou para Nietzsche um mundo despojado de caráter divino. A vontade como
totalidade do mundo marcou toda a filosofia de Nietzsche. A vontade gerou então uma
percepção trágica em Nietzsche, onde tudo era comandado pela contingência da vontade.
Ao constatar este sofrimento a Filosofia de Nietzsche acaba também por se tornar uma luta
contra o sofrimento. Assim Nietzsche elabora seus questionamentos sobre o valor da
existência.Se Nietzsche considera Schopenhauer seu educador, como veremos a seguir, é
porque foi através dele que Nietzsche passou a julgar todas as questões a partir da vida. É
preciso sempre ter em mente que Nietzsche usa como parâmetro para sua filosofia uma
definição específica de vida. Para ele vida é vontade de poder 4. A vida quer sempre
4 Conforme tradução de Flavio Kothe dos Fragmentos Finais (Brasília: Editora UNB, 2002) há umatendência nas traduções de determinados conceitos nietzschianos a procurar um correspondente único e exato
para tais conceitos como Wille zur macht , geralmente traduzido por vontade de poder. Khote propõediferenciar a tradução conforme o contexto em que a expressão apareça: “A preposição ‘zu’ corresponde a ‘para’, ‘na direção de’. Na versão vigente, faz-se de conta que ‘zur’ e ‘de’ são iguais. A preposição ‘zu’
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expandir e nunca estagnar. Os valores metafísicos que devem ser superados são, para o
filósofo, moldados de uma forma que impede que a vida seja expansão e vontade de
domínio. Assim, toda moralidade metafísica é construída para que o homem não se
expanda, mas se conserve. É a partir destes pressupostos que Nietzsche pensa, ao nosso
ver, a transvaloração de todos os valores.
O conceito de vida em Nietzsche mostra a reunião dos fenômenos interiores
em um fim comum, ao qual estão subordinados todos os fins individuais. A vida é mostrada
como um valor absoluto que se evidencia nas diversas manifestações da existência. O
querer (sinônimo de conhecer e sentir) compreende a vida em todas as nossas funções
particulares.
É interessante notar que se em Nietzsche o processo da vida se apodera da
vontade como seu órgão, em Schopenhauer, ao contrário, a vontade adquire aquele
significado absoluto, no qual a vida não é mais que uma de suas revelações, um meio de
expressar si mesmo e construir seu caminho. Para Nietzsche queremos porque vivemos,
enquanto para Schopenhauer vivemos porque queremos5. Mas em ambos a função
intelectual se subordina a estas determinações. O valor ideal que se atribui à verdade é
baseado em um impulso prático e que emana da vida e da vontade. É graças a este impulso
prático que conteúdos do entendimento são objetivados. Assim, tais conteúdos perdem sua
substantividade e seus valores independentes, e a verdade se torna súdita da vontade e se
transforma na forma voluntária da nossa existência.
Estas observações de Schopenhauer constituem uma contribuição para o culto
romântico do gênio. Schopenhauer enxergou no gênio alguém que não operacionalizasse
tudo através dos instrumentos lógicos. O gênio, diferentemente do cientista, seria capaz de
demonstrar algo fundamental, além da mera representação.
“Todos estes estudos, cujo nome genérico é ciência, conformam-se, nessaqualidade, com o princípio da razão, considerado nas suas diferentesexpressões; a sua matéria é sempre apenas o fenômeno, considerado nas
suas leis, na sua dependência e nas relações que daí resultam. Mas não
equivale ao inglês ‘to’, sendo o ‘-r’ equivalente ao artigo ‘the’ na regência do dativo, o que em portuguêsredundaria antes em algo como ‘a vontade voltada para o poder’, ou ‘a vontade direcionada para o poder’.Tomada isoladamente, a expressão ‘vontade para o poder’ pode ter o defeito de significar ‘aquilo que para o poder é vontade’, quando significa antes uma vontade devotada ao poder. Há momentos em que ‘Wille zur Macht’ até pode ser traduzido por ‘vontade de poder’, desde que esteja claro ao leitor que se trata de umavontade que quer ter poder. Tudo depende, portanto, do contexto em que a expressão aparece. Não se pode seguir um sistema mecanicista. Para Nietzsche, devia ser importante que ‘wille’ é uma palavra masculina, e‘Macht’, feminina, mas isso é invertido nos termos ‘equivalentes’ em português, o que perverte o
entendimento da expressão.” ( Fragmentos Finais, Nota do tradutor, pág.17)5 Simmel, George. Schopenhauer y Nietzsche (tradução para o espanhol de José Pérez-Bances). Madrid:Editora Francisco Beltrán,1963, p.117
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existirá um conhecimento especial que se aplica àquilo que no mundo subsiste fora e independentemente de toda representação àquilo queconstitui, para falar com rigor, a essência do mundo e o verdadeiro
substrato dos fenômenos, aquilo que está liberto de toda mudança e, porconseguinte, é conhecido como uma verdade igual para todos os tempos, em
uma palavra, às idéias, as quais constituem a objetividade imediata eadequada da coisa em si, da vontade? – Este modo de conhecimento é aarte, é a obra do gênio.A arte reproduz as idéias eternas que concebeu pormeio da contemplação pura, isto é, o essencial e o permanente de todos os
fenômenos do mundo; aliás, segundo a matéria que emprega para estareprodução, toma o nome de arte plástica, poesia ou música”6
Nietzsche também viu no gênio o afastamento do procedimento meramente
racional; só que depois de O Nascimento da Tragédia a idéia schopenhauriana de
objetividade imediata da coisa-em-si já não é tão forte, como veremos melhor no quartocapítulo. O gênio não é mais quem transmite determinada verdade, mas quem é capaz de
criar valores que afirmem a vontade, sendo ela satisfeita ou não.
3.2. A Contemplação artística e o homem de gênio
A novidade que Schopenhauer apresenta ao abordar a idéia de gênio é que ele
também o vê no âmbito da contemplação. Schopenhauer mostra que, de vez em quando,
existe a possibilidade do homem se livrar da vontade. Ele argumenta que não se trata de
fundamentar como podemos sepultar na intuição toda representação de um objeto – onde
estão todas as excitações que ordinariamente sentimos e que não são dadas veladamente, ou
seja, os impulsos da vontade.
No momento de absoluta contemplação estamos, de tal modo, plenamente
saturados da imagem da coisa, que desaparece a condição da vontade e da causa do
tormento que nos proporciona sentir a distância entre o eu e o objeto. Ambos estão
separados por um abismo insondável de caráter especial e temporal. Submergidos
plenamente na contemplação de um fenômeno, não sentimos um “eu” que estivesse
separado de seu conteúdo, mas nos sentimos perdidos neste.
Com isso desaparece todo egoísmo, pois também desaparece o eu no qual
estava contido todo querer e todo poder. Na intuição plena temos o quanto queremos e o
quanto podemos querer da coisa. A felicidade e a infelicidade, atributos da vontade,
permanecem além do limite em que começa a pura intuição, em que as coisas não existem
para nós como excitantes, sendo meramente representações.
6 Schopenhauer, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação, Rio de Janeiro: Editora Contraponto,2001, parágrafo 36, Livro III, p.193-194.
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“ É apenas através desta contemplação pura e completamente absorvida noobjeto que se concebem as idéias; a essência do gênio consiste em uma
preeminente aptidão para esta contemplação; ela exige um esquecimentocompleto da personalidade e das suas relações; assim, a genialidade éapenas a objetividade mais perfeita,isto é, a direção objetiva do espírito,
oposta a direção subjetiva que termina na personalidade, isto é, na vontade. Por conseguinte, a genialidade consiste em uma aptidão para se manter naintuição pura e aí se perder, para libertar da sujeição da vontade oconhecimento que lhe estava originariamente submetido.”7
Este é o núcleo da situação estética. Ela se dissocia completamente do mundo
enquanto representação – que fora daqui é o que eleva e o que impulsiona. A existência das
coisas em nosso intelecto, que fora dele é colocada a serviço dos fins de nossa vida, se
separa da vontade e vive em uma esfera própria, sem desejar uma existência independente.
O eu também tem que se dissolver na imagem e na representação. Esta é a
inversão radical do homem interior, a salvação pelo estado estético que pode ocorrer
perante qualquer objeto, sempre que seu conteúdo, refletido em uma representação, não
servir ao interesse da vontade. Ao contrário do gênio, o homem ordinário experimenta uma
satisfação particular com a rotina, com o mundo das relações, onde encontra seus iguais.
Schopenhauer chama de belos aqueles objetos que nos facilitam a
contemplação da imagem, separada de toda vontade. O gênio artístico é o homem que
consegue isto de modo mais pleno e perfeito que os demais. A obra de arte, de certo modo,
nos força à contemplação e nos eleva a uma existência própria do conteúdo das coisas e dos
destinos, destituídos de toda complicação.
Schopenhauer considera a arte como a visão das idéias que são a primeira
“objetivação” da vontade de viver. Ele vê na própria arte a “pura contemplação” e, por isso,
a essência do gênio na preponderante aptidão a tal contemplação.8 A contemplação, para
Schopenhauer, requer um esquecimento total da própria pessoa e de suas relações. Pois,
segundo ele, a genialidade é a mais completa objetividade, isto é, a direção objetiva doespírito, que se opõe à direção subjetiva que tende à própria pessoa, ou seja, a vontade.
3.3. O Gênio e a Loucura
Para Schopenhauer, a vontade não existe no gênio. Pois o gênio não contempla
um objeto baseando-se em relações a fim de situá-lo em determinada categoria e assim
7 Schopenhauer, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação, Rio de Janeiro: Editora Contraponto,
2001, parágrafo 36, p. 195.8 Arthur Shopenhauer, O Mundo como Vontade e Representação. Rio de Janeiro: Ed. Contraponto, 2001 ,(vol.I, § 36)
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compreendê-lo. O gênio contempla o objeto distante das relações, tentando compreender o
próprio mundo através dele.
“ Para os homens comuns, a faculdade de conhecer é a lanterna que iluminao caminho; para o homem de gênio, é o sol que revela o mundo. Esta
maneira tão diferente de encarar o mundo manifesta-se bem depressa,mesmo fisicamente. O homem em que o gênio respira e trabalha distingue- se facilmente, pelo seu olhar que é igualmente vivo e firme, que traz amarca da intuição, da contemplação; é o que podemos constatar pelosretratos dos poucos homens de gênio que a natureza produz de tempos emtempos entre inumeráveis milhões de indivíduos: pelo contrário, no olhardos outros, se não é insignificante ou átono, vê-se facilmente um carátercompletamente oposto ao da contemplação, quero dizer, a curiosidade, ainvestigação. Conseqüentemente, a expressão genial de uma cabeçaconsiste, portanto, em que aí se pode ver uma preponderância marcada doconhecimento sobre a vontade, em que aí se encontra a expressão de um
conhecimento isento de qualquer relação com uma vontade, isto é, aexpressão de um conhecimento puro. Ao contrário, nas fisionomias comuns,a expressão da vontade é preponderante e vê-se que o conhecimento só seexerce nelas através de um impulso da vontade, isto é, que só se guia
segundo motivos”.9
O conhecimento intuitivo das idéias é possível com o gênio, que é uma espécie
de hipertrofia ou seja, uma anomalia: “no homem de gênio, a faculdade de conhecer,
graças à sua hipertrofia, subtrai-se por algum tempo a serviço da vontade”10 (MVR,
parágrafo 36 p.197)
Dessa maneira, o conhecimento intuitivo do gênio é completamente oposto ao
principio de razão que guia o conhecimento discursivo. O homem de gênio raramente tem
faculdade discursiva. Ele é contudo mais freqüentemente ligado à violentas afeições e
paixões insensatas. Isto acontece não por uma fraqueza da razão, mas devido à sua
constituição própria, onde existe uma energia extraordinária da vontade que se revela na
veemência de todos os seus atos voluntários. Há então a preponderância do conhecimento
intuitivo dos sentidos sobre o conhecimento abstrato, e uma tendência à contemplação,onde a impressão presente se apodera de tal forma dos gênios que os levam a irreflexão, ao
arrebatamento e à paixão.
“ É igualmente por isso, e, em geral, porque o seu conhecimento se subtraiu,em parte, a serviço da vontade, que na conversa pensam menos na pessoaque os escuta do que na coisa de que falam e que evocam vivamente perante
si; daqui resulta que, para os seus interesses,têm uma maneira de julgarbastante objetiva; eles tagarelam e não sabem guardar para si o que teria
9
Schopenhauer, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação, Rio de Janeiro: Ed. Contraponto, 2001, parágrafo 36, Livro III, páginas 197-198.10 Idem op. cit. p. 197.
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sido mais prudente calar, e assim por diante. São enfim, levados aomonólogo e, em suma, capazes de mostrar muitas fraquezas que beiramverdadeiramente a loucura.” 11
Como vimos no capítulo 1, gênio e loucura estão relacionados em Aristóteles
assim como também em Schopenhauer. Na Grécia antiga chamou-se o entusiasmo poético
de uma espécie de loucura, pois os poetas separam as idéias eternas das coisas efêmeras. O
filosofo de Dantzig, em suas visitas a sanatórios, observou alguns seres onde o gênio se
manifestava através da loucura. Porém, neles a loucura tinha se tornado completamente
dominante. O caráter de exceção da loucura leva Schopenhauer a associá-la ao indivíduo de
gênio, que também é um ser de exceção, ou seja, um acontecimento raro na natureza.
“ É suficiente, para nos convencermos disto, calcular o número de homens
de gênio que a Europa culta produziu na antiguidade como nos temposmodernos, contando, bem entendido, apenas aqueles que produziram obrasdignas de conservar em todas as épocas um preço imortal aos olhos doshomens; que se compare em seguida esse número com os 250 milhões dehomens que vivem sem cessar na Europa.” 12
Schopenhauer afirma que percebeu ligeiros índices de loucura nas pessoas
intelectualmente superiores. A capacidade intelectual que supera a dos homens ordinários é
considera assim uma anomalia que predispõe à loucura. Ainda não se conseguiu determinar
claramente o que distinguiria o homem louco do homem sensato, pois não se pode dizerque aos loucos falta razão e entendimento. Eles raciocinam, por vezes, com bastante
precisão e compreendem o encadeamento das causas e dos efeitos.
É preciso distinguir delírio de loucura pois a primeira falseia a percepção e a
segunda falseia o pensamento. Os loucos raramente se enganam com as coisas que estão à
sua frente. Suas divagações estão sempre presas na relação entre aquilo que é passado e o
presente, assim a loucura atinge a memória. Mas não a suprime por completo, pois muitos
loucos sabem muitas coisas de cor, o que ela faz é quebrar o encadeamento contínuo
tornando impossível que as lembranças do passado apareçam de forma coordenada.
O louco confere ao passado toda a vivacidade do presente, e as lacunas dessas
lembranças são preenchidas por ficções. Tais ficções podem ser sempre as mesmas e
tornarem-se idéias fixas – o que chamamos de monomania ou melancolia – ou podem
modificaram-se sem cessar, o caracterizaria a demência. O verdadeiro e o falso confundem-
se na memória do louco e, embora o presente imediato seja conhecido, ele é falseado pela
11
Idem op.cit . p.200.12 Schopenhauer, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação, Rio de Janeiro: Ed. Contraponto, 2001, p.201.
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relação feita entre o presente o passado. Os loucos consideram as outras pessoas como
personagens do seu passado de fantasia; embora tenham uma percepção exata do presente,
atribuem a este presente relações falsas com o passado.
“O conhecimento do louco e do animal confundem-se na medida em queambos estão restritos ao presente; mais eis o que os distingue: o animal nãotem, para falar com rigor, nenhuma representação do passado consideradocomo tal; ele sofre, sem dúvida, o efeito desta representação por intermédiodo hábito, quando, por exemplo, reconhece após vários anos o seu antigodono, isto é, aquele cuja visão produziu nele uma impressão habitual,
persistente; o que é verdade é que não existe nenhuma lembrança do tempoque tenha passado desde então: o louco, pelo contrário, conserva sempre na
sua razão o passado in abstracto; mas é um falso passado que existe apenas para ele e que é um objeto de crença constante ou somente momentânea: ainfluência deste falso passado impede-o, embora conheça exatamente o
presente, de tirar daí qualquer partido, enquanto que o próprio animal écapaz de utilizá-lo. Eis como explico o fato de que violentas dores morais,acontecimentos terríveis e inesperados ocasionem freqüentemente aloucura.” (idem, p.203)
Tal sentimento de dor ao relembrarmos de algum fato passado é passageiro se
não ultrapassar nossas forças. Porém, se o sentimento as ultrapassa tornando-se
completamente insuportável, a natureza, tomada de angustia, recorre à loucura como seu
último recurso. O indivíduo torturado rompe com sua memória encadeada e a preenche
com ficções. O que há de comum entre o homem de gênio e o louco é que ambos
negligenciam as relações que estão incluídas no princípio de razão.
O homem de gênio vê e procura nas coisas as suas idéias, e apreende a essência
que se manifesta no contemplativo. Ele entende que uma determinada coisa representa toda
a sua espécie. O gênio consegue, através da contemplação, transformar coisas imperfeitas
em idéias, ou seja, em perfeição. O gênio vê em todos os lugares apenas extremos e não
sabe ter moderação. Os gênios conhecem perfeitamente as idéias e não os indivíduos: “Um
poeta pode conhecer a fundo o homem e conhecer bastante mal os homens; é facilmentemanobrado e torna-se um brinquedo nas mãos de pessoas maldosas” (idem, p.204)
Schopenhauer é, assim, o filósofo da alegria, onde os heróis sacrificam as
alegrias fenomênicas por uma alegria superior. É desta maneira que ele enxerga os heróis
trágicos. Para Schopenhauer, Schiller e Nietzsche a tragédia cura a doença. A música em
Schopenhauer expressa diretamente a idéia, enquanto que as outras artes apenas
representam a idéia. O conhecimento parte do princípio de que vontade é dor e sofrimento.
Assim o conhecimento artístico é a vontade, contra ela própria, libertando o homem de seusdesejos.
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Diz Schopenhauer: “a arte sempre chega ao fim”. Colocada entre o gênio
criador e o indivíduo receptivo, a arte é, ao mesmo tempo, efeito e causa da emancipação
do puro intelecto (da vontade), de onde deriva toda a significação da metafísica de
Schopenhauer. A individualidade e a particularidade do homem no tempo e no espaço
desaparecem diante do sujeito.
3.4. Schopenhauer como educador de Nietzsche
Ainda em 1865, Nietzsche começara estudar Schopenhauer, filósofo que muito
o influenciou o seu conceito de gênio. O estilo de Schopenhauer o impressionou muito, por
este escrever de forma diferente da erudita, fazendo-o lembrar Goethe, que só diz o que é
profundo e o que comove. Schopenhauer escreve para si mesmo e se tornou o filósofo
defensor desta máxima: “Não engane ninguém, nem a ti mesmo”.13 Tal autenticidade
marca a idéia que Nietzsche tem de um novo tipo humano onde a criação é imprescindível.
Schopenhauer, ao retirar a razão de seu trono, fornece a Nietzsche as ferramentas para
elaborar seu próprio pensamento. E deste exemplo pessoal Nietzsche modela seu
ensinamento para adquirirmos uma nova forma de sentir o mundo.
Para entendermos como se dá a relação entre obras de Nietzsche escritas em
diferentes períodos, recorremos ao ensaio Schopenhauer como Educador , escrito entre
1873 e 1875. Em Assim Falou Zaratustra, como veremos no capítulo IV, Nietzsche tentou
promover algo capaz de realizar o tipo de função “educativa” que ele discutia naquele
ensaio, considerando o que Schopenhauer realizou por ele.
Trata-se de um tipo especial de educação, que requer um tipo especial de
educador, e Nietzsche estava convencido de que a experiência de tal enfrentamento como
educador é completamente essencial para encontrar o caminho para um novo sim para a
vida, que não dependa de comprar as várias formas de ilusão, que ele (em O Nascimento da
Tragédia) acreditava serem os únicos meios de evitar o pessimismo schopenhauriano e acalamidade do fim-mortal niilista.
“Certamente, existem outros meios de se encontrar a sim mesmo...mas nãoconheço coisa melhor do que lembrar nossos mestres e educadores. È porisso que vou lembrar hoje o nome do único professor, o único mestre dequem eu posso me orgulhar, para só me lembrar de outros mais tarde.”14
13
Nietzsche, F. Schopenhauer como Educador . Rio de Janeiro/ São Paulo: Editora PUC-Rio e Loyola, 2003.§7 (20) 3.14 Idem op. cit. p.142
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Em 1868, Nietzsche inicia sua amizade com Richard Wagner, e este, por ser
profundo conhecedor de Schopenhauer, se torna ainda mais simpático aos olhos do
filósofo. Em Schopenhauer como educador , Wagner aparece como o gênio através do qual
floresce a cultura, que seria o locus da humanidade elevada, que pode ser alcançada se
todos nos representarmos e sustentarmos nossos papéis. Wagner passa a ser então um
depositário de todas as esperanças nietzschianas de renovação da cultura alemã. Tudo isto
faz Nietzsche acreditar que encontrou um verdadeiro mestre, alguém capaz de guiá-lo.
Nietzsche via em Wagner, assim como em Schopenhauer, a figura do gênio, que seria
capaz, através de sua música, de converter a arte em potência educadora da nação.
Mas, em 1876, Nietzsche percebe que Wagner era apenas um homem de teatro.
Sua música servia de narcótico à burguesia, sua arte havia se tornado uma mercadoria de
luxo, e seu público, composto de políticos e gente da sociedade, era medíocre, ávido de
prazer e de divertimento.
Nietzsche então propõe uma outra concepção de educação e de cultura. A
cultura não deve estar envolta na educação histórica e tampouco no preparo do “ filisteu da
cultura”. A educação moderna é, para o filósofo, sinônimo de domesticação. O ideal deste
tipo de educação é formar o jovem para ser erudito, comerciante ou funcionário do estado,
transformá-lo em uma criatura dócil, frágil, indolente e obediente aos valores em curso.
Para Nietzsche, a educação devia ser vista como uma espécie de adestramento
seletivo. Adestrar um jovem significa, para o filósofo, fazê-lo obedecer a certas regras e
adquirir novos hábitos, torná-lo senhor de seus instintos e hierarquizá-los, de modo que não
se sobreponha o instinto de saber a qualquer preço. O produto deste adestramento não é um
indivíduo adaptado às condições de seu meio, e sim um ser forte, capaz de crescer a partir
do acúmulo de forças deixadas pelos gregos, sendo capaz de mandar em si mesmo.
“A aspiração por uma natureza mais forte, por uma humanidade mais sadiae mais simples, era em Schopenhauer uma aspiração por si mesmo e logoele tinha de ver em si mesmo com olhos espantados, o gênio.” 15
Mas, posteriormente, o verdadeiro educador, para Nietzsche, é aquele que se
encontra com quem de fato somos nós – transformados e impelidos na direção da máxima:
ser o que se é – e contribui para a intensificação da vida. Isto deve ser entendido antes
como um estímulo do que uma liderança a ser seguida ou um paradigma a ser imitado.
15 Nietzsche, F. Schopenhauer como Educador . Rio de Janeiro/ São Paulo: Editora PUC-Rio e Loyola, 2003, p. 150-162.
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Enquanto educador pode ser um tipo de exemplo, mas nada além de um instrutor, de quem
as informações são recebidas e as regras e procedimentos são apreendidos.
Para Nietzsche, os homens têm uma propensão à preguiça e, por isto, se
encostam aos costumes e opiniões. É o comodismo que impulsiona o homem a pensar e
agir como animal de rebanho. Somente os artistas detestam esta negligência onde
predominam opiniões postiças. Para Nietzsche, quando Schopenhauer despreza o homem
ordinário é a preguiça deles que ele despreza. A preguiça confere então aos homens o
aspecto indiferente de objetos fabricados em série, impossibilitadas de contato e de ensino.
“O homem que não quer pertencer à massa só precisa deixar de serindulgente para consigo mesmo; que ele siga a sua consciência que lhe
grita: Sê tu mesmo! Tu não és isto que agora fazes, pensas e desejas.”16
Em Schopenhauer como educador , Nietzsche celebra Schopenhauer como seu
educador, mas sem discorrer detalhadamente sobre as opiniões de Schopenhauer. Nietzsche
não supõe que Schopenhauer possa ou deva ser o educador de todos, ele está preocupado
em saber de onde vêm ou virá aquilo de que o educador precisa, para fazer com outros
aquilo que Schopenhauer fez com ele.
"onde estão na verdade para todos nós, eruditos e ignorantes, grandes e pequenos, nossas celebridades e nossos modelos morais entre nossoscontemporâneos, visível encarnação de toda moral criadora nessa
época?(...) Jamais tivemos tanta necessidade de educadores morais e jamais foi tão pouco provável encontrá-los.” 17
Nietzsche pretendia chamar a atenção de todas as jovens almas para o que se
precisa: a coragem e a habilidade para dar ouvidos ao chamado "ser você mesmo" –
entendido não como auto-indulgência, mas em um senso que a " tua essência verdadeira
não está oculta no fundo de ti, mas colocada infinitamente acima de ti (idem, op.cit .
p.129). Por eles, ele levantou uma questão e colocou um desafio que conseqüentemente o
levou a uma variedade de caminhos:
“Ora, no meio destes perigos da nossa época, quem então doravanteconsagrará seus serviços de sentinela e cavalheiro à idéia de humanidade,ao tesouro do templo sagrado e inatingível que as várias gerações pouco a
pouco acumularam? Quem erguerá ainda a imagem do homem, se todos só percebem neles o verme do egoísmo e um medo sórdido, e se desviam tanto
16 Nietzsche, F. Schopenhauer como Educador . Rio de Janeiro/ São Paulo: Editora PUC-Rio e Loyola, 2003,
p.145-14617 Idem op. cit . p.139
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dessa imagem, que acabam caindo na animalidade, ou seja, numa rigidezmecânica?” ( idem, p.168)
O protótipo de Nietzsche do espírito livre, em Schopenhauer como Educador, é
o tipo schopenhauriano de humanidade. Ele faz um esboço para distinguir não apenas o
tipo Humano demasiado humano ou sócio-animal que ele considera ser a regra humana,
mas também as duas imagens alternativas e paradigmas de uma humanidade mais genuína
que ele chama pelo nome dos mais proeminentes representantes: Rousseau e Goethe. O
homem rousseauriano, para ele, representa a humanidade naturalizada, renovada e
revitalizada através da emancipação das amarras da sociedade e da restauração dos básicos
instintos. O homem goetheano é a imagem da humanidade contemplativa, cultivada e
sofisticada, mas separada do envolvimento ativo na vida. O homem schopenhauriano, para
Nietzsche, combina elementos de ambos e também os substitui como a imagem da
"verdade ativa": uma humanidade criativa em uma humanidade muito mais vital,
espiritualizada e verdadeira.
O significado dessas imagens para Nietzsche em Schopenhauer como Educador
é que elas têm poder para liberar, estimular e inspirar – resumindo, para educar. Os dois
modelos de humanidade propostos são diferentes não apenas no tipo mas também no valor.
Nietzsche defende o que chama de expressão schopenhauriana e evoca a promessa de uma
forma alternativa de humanidade, saudável e suficientemente vital para ser viável neste
mundo; e suficientemente criativa e espiritualizada para se justificar e, junto com isto,
justificar a vida e o mundo.
A vida cultural pertence a este domínio, então, é pela celebração e o serviço da
cultura que Nietzsche olha para sua responsabilidade de um desafio que estabelece para si
quando escreve:
“O mais difícil está por fazer: dizer como se extrai deste ideal um novociclo de deveres e como se pode, com um propósito além do maistranscendente, colocar-se em contato com uma atividade regular, em suma,mostrar que este ideal educa. Poder-se-ia, ao contrário, achar que não setrata aqui de outra coisa senão da intuição benéfica, ou seja, da intuiçãoembriagadora, que nos oferecem certos instantes, para logo cada vez maisnos deixar e nos abandonar numa lassidão cada vez mais profunda.” (idem,
p.175)
É claro que a resposta de Nietzsche é afirmativa, e não é de pequena relevância
se observarmos sua elaboração sobre isto: “é preciso que sejamos erguidos – e quem são
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estes que nos erguem? Os homens verdadeiros, aqueles que não são animais, os filósofos,
os artistas e os santos”18.
Ele estava convencido que o objetivo da cultura é "promover o ser humano
verdadeiro e nada além disso" (idem, p.164); então a sua preocupação era com o que seria
preciso para intensificar esta promoção. Nietzsche tenta resolver a seguinte questão: Como
a vida individual pode adquirir valor mais elevado e como ela seria menos desperdiçada?.
A resposta de Nietzsche é que o homem deveria procurar a cultura. Cultura
entendida como hostilidade em relação às influências, aos hábitos, às leis e as instituições
que não reconhecem o objetivo fundamental da cultura humana, que é o engendramento do
gênio. Os estabelecimentos de ensino reproduzem um modelo de educação onde consiga se
extrair do conhecimento a maior quantidade possível de lucro. A intenção dos
estabelecimentos modernos em relação à cultura é completamente diferente da cultura que
Nietzsche almeja: “ A mim me parece, às vezes que os homens modernos experimentam um
tédio infinito ao seguirem juntos, e acabam por achar necessário se tornarem interessantes
com a ajuda de todas as artes” (idem, p. 187)
A cultura promotora da ciência só enxerga problemas de conhecimento,
portanto o sofrimento para os cientistas é algo incompreensível. O erudito não tem
sensibilidade para a angústia do gênio. Os cientistas e eruditos se perdem na utilidade e se
preocupam com a fama e jamais podem ser considerados homens de gênio. Pois estes
experimentam uma angustia própria ao verem engajados numa luta penosa com perigo de
destruir a si próprio e de serem descartados pelo egoísmo da visão estreita dos
comerciantes e pela presunção dos eruditos.
18 idem op. cit . p.179
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