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DAMIEN Jacquelyn Frank Desde o início dos tempos existem os Nightwalkers - seres noturnos que vivem nas sombras. Um dos mais poderosos deles é Damien, o príncipe dos vampiros. Mas uma mulher o tentará com um desejo mais forte de tudo que ele conhece e, juntos, eles enfrentarão um inimigo atemorizante e implacável... Como príncipe dos vampiros, Damien experimentou todos os prazeres possíveis. Cansado de aventuras, ele agora concentra suas energias em proteger seus semelha ntes. A guerra entre humanos e Nightwalkers avança, e quando o inimigo rapta Syreena, a princesa licantropo, Damien audaciosamente vai atrás e consegue resgatá- la... mas não está preparado para o desejo que aquela mulher lhe desperta! Dotada de raras capac idades, Syreena cresceu confinada, proibida de fazer contato com outras pessoas, porém a atração que Damien sente por ela é imediata e impossível de resistir. No entanto, o desejo por Syrenna pode ter repercussões desastrosas para um homem como Damien, e d eixar seus inimigos ainda mais perigosos que antes...

Nightwalkers 04 - Damien

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DAMIEN

Jacquelyn Frank

Desde o início dos tempos exis tem os Nightw alkers - seres noturnos que vivem nas sombras.

Um dos mais poderosos deles é Damien, o príncipe dos vampiros . Mas uma mulher o tentará com um desejo mais forte de tudo que ele conhece e, juntos , eles enfrentarão um inimigo atemorizante e implacável...

Como príncipe dos vampiros, Damien já experimentou todos os prazeres possíveis. Cansado de aventuras, ele agora concen tra su as energias em proteger seus semelhantes. A guerra entre humanos e Nightwalkers avança, e quando o inimigo rapta Syreena, a princesa licantropo, Damien audaciosamente vai atrás e consegue resgatá-la... mas não está preparado para o desejo que aquela mulher lhe desperta!

Dotada de raras capacidades, Syreena cresceu confinada, proibida de fazer contato com outras pessoas, porém a atração que Damien sente por ela é imediata e impossível de resistir. No entanto, o desejo por Syrenna pode ter repercussões desastrosas para um homem como Damien, e deixar seus inimigos ainda mais perigosos que antes...

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Doação: Mana Digitalização e Revisão: Alê M.

Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos, de fãs para fãs. Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida.

Cultura: um bem universal.

Querida leitora, Qu an d o Dam ien , o ch arm os o príncipe vam piro, s egue s eus in s tin tos para

s alvar S y reen a d as forças que am eaçam os Nigh tw alk ers , vê-se irremediavelmente a traíd o pela princes a lican tropo. Determ in ad o, ele en fren ta a res is tência d es s a cria tu ra ún ica que o encan ta e s ed uz , fazendo-o an s iar pelas s ens ações negad as d uran te tan tos s écu los aos d e s u a es pécie. Porém , enquan to experim en tam a pod eros a un ião a que es tão d es tin ad os , e les têm d e en fren tar os traid ores que põem em risco o fu tu ro d e tan tos povos ...

Leonice Pomponio Editora

TRADUÇÃO Débora Guimarães Copyright © 2008 by Jacquelyn Gentilella

Originalmente publicado era 2008 pela Kensington Publishing Corp. PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP

NY, NY —USA Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com

pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. TÍTULO ORIGINAL: DAMIEN EDITORA Leonice Pomponio ASSISTENTES EDITORIAIS Patrícia Chaves Paula Rotta

Vânia Canto Buchala EDIÇÂO/TEXTO

Tradução: Débora Guimarães Revisão: Giacomo Leone ARTE Mônica Maldonado

MARKETING/COMERCIAL Andrea Riccelli PRODUÇÃO GRAFICA Sónia Sassi

PAGINAÇÃO Andrea Carmassi

© 2009 Editora Nova Cultural Ltda. Rua Paes Leme, 524 — 10° andar — CEP 05424-010 — São Paulo - SP

www.novacultural. com. br Premedia, impressão e acabamento: RR Donnelley

PRÓLOGO

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Inglaterra, 1562

E lizabeth riu alto, e o som ecoou pelo salão de baile, apesar de seu estado

ofega n te. Pres s ion a va com u m a da s m ã os u m la do da cin tu ra , ju s ta m en te on de o corpete cos tu m a va redu zir s u a ca pa cida de res p ira tór ia . Porém , s ó os m a is ín t im os s a ber ia m des s e deta lh e. Pa ra todos n a cor te, a jovem ra in h a Bes s a pen a s adotava uma postura elegante ao dançar.

Seu pa rceiro era im pla cá vel, con du zin do-a giro a pós giro p elos com plexos pa s s os da coreogra fia . Ha via pou ca s pes s oa s n a cor te da ra in h a Eliza beth cu ja pa ixã o e en ergia pa ra a da n ça s e equ ipa ra va m à da m on a rca . Apa ren tem en te, o p r ín cipe rom en o com qu em Bes s da n ça va n ã o s ó con s egu ia a com pa n h á -la , com o a levava ao limite de sua energia.

Rober t Du d ley, o con de de Leices ter , a s s is t ia à cen a com u m olh a r s om br io, cob iços o, e u m tiqu e leve, m a s revela dor , em s u a m a n d íbu la . Lorde Bu rgh ley n ã o resistiu à oportunidade de provocar o negligenciado favorito da rainha.

— Du dley, pa rece qu e n os s a Bes s es tá m u ito im pres s ion a da com o pr ín cipe Damien. Não me lembro de ter visto nossa rainha travar amizade tão rapidamente com outro dignitário visitante antes.

Dudley n ã o res pon deu de im ed ia to. Era força do a ver p reten den tes de vá r ios pa ís es cor teja n do s u a Bess, m a s es s e p r ín cipe rom en o ter ia o m es m o s u ces s o de s eu s a n teces s ores , s e p reten d ia propor ca s a m en to à n otor ia m en te caprichosa rainha da Inglaterra.

O coração dela é meu, pensou com ardor.

Mes m o qu e Cecil orga n iza s s e u m a pa ra da de belos dignitários interessados em desposá-la, Bess nunca trairia seu coração... ou o dele.

Damien finalmente se curvou para a rainha ao final da dança.

— Você me superou esta noite — a soberana declarou ofegante, deixando-se leva r de volta a o t ron o. — Com o a pren deu a da n ça r n os s a s da n ça s m a is modernas com tanta energia e habilidade?

O príncipe coçou a barba como se considerasse a questão.

— Ach o qu e m e em pen h ei m u ito. Ou vi d izer qu e a m elh or m a n eira de a tra ir a a ten çã o da s obera n a in gles a é pela da n ça . — Ele em it iu u m s u s p iro d ra m á t ico. — E a gora qu e revelei m eu a rd il, s u s peito de qu e va i m e m a n da r em bora e m e proibir de voltar a pisar em sua bela pátria.

— Tudo depende de seus motivos para tentar atrair minha atenção.

— Pos s o in ven ta r u m m otivo ocu lto e d ia bólico, s e a s s im o deseja r . Ca s o contrário, terei de confessar que fui impelido por pura curiosidade.

Elizabeth inclinou a cabeça para trás e riu. Seu charme e seu humor franco ca u s a va m es câ n da lo n a cor te in gles a , m a s era eviden te qu e o p r ín cipe n ã o s e

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in com oda va . Ela gos ta va d is s o. Fica ra en ca n ta da com Damien des de o m om en to em qu e ele a cu m prim en ta ra qu a tro d ia s a trá s . O p r ín cip e s e a p res en ta ra com a ir reveren te obs erva çã o de qu e n ã o es ta va a li pa ra cor tejá -la ou im pres s ion á -la, qu e ela n ã o devia es pera r n en h u m a p ropos ta de ca s a m en to, porqu e ele s a b ia qu e ela era boa demais para ele e estaria muito melhor sem sua inoportuna presença.

Ha via s ido u m a form a ú n ica de qu ebra r o gelo, qu e a tranquilizara em relação à s s u a s in ten ções , e des de en tã o eles es ta va m s em pre ju n tos . Elizabeth via em Damien u m igu a l, ta lvez u m pos s ível con fiden te ca pa z de en ten der s u a posição única no mecanismo mundial.

— Ca m in h e com igo, Damien — ela con vidou , leva n ta n do-s e do t ron o com a energia renovada.

Conduziu-o a os recôn d itos d o gra n de pa lá cio de Lon dres . Es ta va m s en do s egu idos , é cla ro, pela s da m a s de com pa n h ia da ra in h a , m a s os dois s obera n os ignoraram a presença do grupo.

— Gracejos à parte, Damien, qual é seu verdadeiro propósito aqui?

— Nã o ten h o u m p ropós ito. Es tou s im ples m en te via ja n do e con h ecen do o mundo.

— E seu povo? Seu país? Não precisam de seu príncipe?

— É cla ro qu e s im . Ma s m eu principado n ã o é com o o s eu rein a do. Min h a cultura... Bem, é muito diferente da sua. Minha ausência pode ser tolerada de vez em quando.

— É um homem de muita sorte, então.

Damien olh ou pa ra ba ixo, a va lia n do-a de s u a con s iderá vel es ta tu ra , e s or r iu de leve. Nã o era frequente qu e s e m is tu ra s s e a es s a cu ltu ra , m a s a lgu m a s vezes obtinha in form a ções s ob re os a con tecim en tos n o m u n do e s e s en t ia compelido a verificar por si mesmo.

A jovem ra in h a da In gla terra era s in gu la r . Seu fu tu ro con t in h a u m a p rom es s a e u m poten cia l qu e pod ia m s u pera r a té m es m o s u a s p rópr ia s expectativas. Seria uma pena deixar de obter uma visão mais próxima da mulher. Es ta va a li com a in ten çã o de s e d iver t ir , e a qu ele pequ en o n ich o do m u n do t in h a s u a s delícia s in tr iga n tes . As s om bria s tra m a s polít ica s da cor te in gles a era m s u ficien tes pa ra des per ta r s u a cu r ios ida de. As s u t ileza s era m ta n ta s , qu e a pen a s tentar acompanhá-las se transformava em um exercício mental.

— Bem, milady, receio ter de ped ir s u a licen ça — ele d is s e s or r in do, os olhos negros cintilando com irresistível magnetismo.

Elizabeth a p recia va s u a beleza . Ele era a lto, m a is do qu e a m a ior ia dos h om en s , t in h a u m a den s a ba rba n egra , e u m a pele pá lida e acetinada qu e n ã o p recis a va de pó ou ou tro t ipo de m a qu ia gem pa ra a dqu ir ir a qu a lida de t ra n s lú cid a qu e exigia a m oda . Ele ta m bém n ã o u s a va gordu ra n a ba rba ou n o b igode, n em os deixa va cres cer exces s iva m en te pa ra retorcer a s pon ta s , com o em voga. Em vez disso, ele os mantinha limpos, como os cabelos, que estavam presos n a a ltu ra da n u ca por u m a fita de s eda a zu l qu e com bin a va com o n egro cintilante das mechas abundantes.

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Qu a lqu er qu e fos s e s u a pos içã o en tre s eu povo, ele n ã o era u m m on a rca qu e repou s a va ocios o em s eu tron o. Seu corpo t in h a a força e a a gilida de de u m habilidoso guerreiro acostumado ao peso da espada. A potência dos braços não se desen volvia n a tu ra lm en te, e a la rgu ra dos om bros pa recia poder s u s ten ta r o pes o do m u n do. As pern a s era m lon ga s , musculosas, e n ã o h a via u m gra m a de gordu ra extra em s u a cin tu ra . O con ju n to era s u ficien te pa ra fa zer a té u m a ra in h a u m edecer os lá b ios em a n tecipa çã o. Felizm en te, o h om em a o s eu la do n ã o podia ler pensamentos.

— Eu o proíbo de pa r t ir — ela d is s e, detes ta n do a ideia de s epa ra r -s e do ú n ico h om em n a In gla terra qu e n ã o es pera va dela m a is do qu e o p ra zer de s u a companhia. Era um luxo, sabia, mas, como rainha, tinha direito a alguns deles.

Infelizmente, não era a rainha dele.

— Norm a lm en te, m in h a doce da m a , eu m es m o m e p roib ir ia de pa r t ir . Porém , es ta n oite, s ou força do a p r iva r -m e da com pa n h ia de Su a Ma jes ta de pa ra cuidar de assuntos de Estado. Minhas humildes desculpas.

— Não, Damien, n ã o é n eces s á r io s e des cu lpa r . Nós , s obera n os , s om os s em pre m a is es cra vos de n os s o povo d o qu e s om os líderes . Pode ir , des de qu e p rom eta volta r a m a n h ã à n oite. Tem os u m a a p resen ta çã o m a rca da pa ra n os s o entretenimento, e sei que vai se encantar.

— Sem dúvida. Seu gosto é impecável.

Damien levou a os lá b ios a m ã o a dorn a da por a n éis e beijou a pele pá lida e s en s ível da pa r te in tern a do pu ls o. Ele a com pa n h ou o ges to com u m a p is ca da ou s a da . Depois , a fa s tou -se com u m s orr is o, cu rva n do-s e s u tilm en te a o pa s s a r pelas sorridentes e agitadas damas da rainha.

— Damien — Da wn cu m prim en tou -o n o m om en to em qu e ele en trou n o castelo que usavam como gabinete na periferia de Londres.

Don os de s en t idos a gu ça dos , os va m piros detes ta va m viver n a s cida des . As ru a s ch eira va m m a l, os h u m a n os t in h a m h á b itos repu gn a n tes , o r io era u m es goto a céu a ber to, e n em m es m o ga lões de per fu m e fra n cês pod ia m en cobr ir a fa lta de a p reço dos h u m a n os pelo h á b ito de ba n h a r-s e. Eles a cred ita va m qu e o contato constante com a água os faria adoecer, quando o contrário correspondia à realidade.

— Meu bem — ele retr ibu iu o cu m prim en to com u m grunhido de a p recia çã o, r in do a o ver qu e ela s e a p roxim a va com a s p res a s pron ta s pa ra mordê-lo. — Tenho coisas a fazer antes de lidar com seus apetites.

A ru iva in s olen te s orr iu , revela n do qu e n ã o fica r ia a fa s ta da por m u ito tem po. E, s e t ives se de a ten der à s dem a n da s do corpo com u rgên cia , ela n ã o h es ita r ia em p rocu ra r ou tro volu n tá r io. Com exceçã o do des ejo m ú tu o, n ã o h a via entre eles nenhum compromisso.

Damien removeu as luvas e desarmou-se da espada que levava na cintura e da a da ga qu e es con d ia n a bota . En tregou a s a rm a s a Racine, qu e es ta va p ron ta , com o s em pre. Depois , pu xou u m de s eu s lon gos ca ch os ca s ta n h os de m a n eira afetuosa antes de deixá-la levar suas coisas.

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Atra ves s ou o s a gu ã o e u m a s a la com u m n a d ireçã o do s a lã o p r in cipa l. Lá , ocu pa n do ca deira s , divãs e sofá s , form a n do u m círcu lo acolhedor qu e ocu pa va toda a circu n ferên cia da s a la , es ta va m os m em bros de s u a cor te qu e o h a via m s egu ido pa ra a In gla ter ra . Simone a cen dera a la reira , com pleta m en te depen den te daquele conforto. Ela repousava em uma poltrona bem na frente do fogo.

— Damien — ela o chamou com aquele tom petulante que prenunciava uma queixa. — É sempre tão tedioso aqui? Quando nos mudaremos?

— Acabamos de chegar, meu bem — ele lembrou.

— Bem , é a borrecido. Es s a s pes s oa s s ã o m u ito... fed ida s . E ter r ivelm en te sem graça. Não podemos voltar a Bizâncio?

— Você s em pre qu er volta r a Bizâncio — Lind com en tou em tom s eco, erguendo a cabeça loura dos seios fartos de Jéssica, onde cochilava.

Damien ign orou a s qu eixa s e olh ou em volta , es tu da n do os dez a du ltos qu e s e con s idera va m s eu s a m igos m a is p róxim os . Troca r a cor te de Elizabeth Tudor por a qu ela s a la on de todos s e ves t ia m com o s e n em pen s a s s em m u ito n o a s s u n to exigia sempre alguma adaptação.

Diferen tes dos h u m a n os da qu ela déca da , qu e s e ves t ia m com in ú m era s ca m a da s de saiotes e corpetes e ou tra s peça s des n eces s á r ia s , os va m piros n o círcu lo ves t ia m o m ín im o pos s ível. Algu m a s m u lh eres u s a va m ca lça , ou tra s preferiam kilts m a s cu lin os . Tu do era u m a qu es tã o de gos to. Em bora s u a es pécie n orm a lm en te s e or igin a s s e em s u a ter ra n a ta l rom en a , ca da u m deles h a via n a s cido em u m s écu lo d iferen te, e Damien a cu m u la va a m iza des com o ou tros colecion a va m u m a va r ieda de de s a fra s de vin h o. O m odo de ves t ir deles cos tu m a va reflet ir a época e a cu ltu ra em qu e h a via m n a s cido, ou u m a combinação simbólica daquilo que os deixava mais confortáveis.

Damien n ã o s e im porta va com a a pa rên cia dos a m igos . Nã o s e im por ta va n em com o qu e fa zia m , des de qu e n ã o fos s e con tra a s leis e n ã o os expu s es s e a r is cos . O qu e o es pa n ta va era o ch oqu e de cu ltu ra qu e s ofr ia s em pre qu e pa s s a va do reino humano ao mundo dos vampiros.

Olh ou pa ra a ú n ica pes s oa qu e n ã o es ta va deita da , a ba n don a da a o téd io. Jasmine permanecia em pé, a ten ta , olh a n do pela ja n ela , a s pern a s a fa s ta da s e levem en te flexion a da s , os pés ca lça dos por bota s . Aproxim ou -s e, s a lta n do a lgu n s pares de pernas no caminho.

— Milorde — J a s m in e cu m prim en tou -o, e torceu o n a r iz a o s en t ir s eu cheiro. — Precisa de um banho.

— Por que perder tempo antes da caçada dessa noite?

— Faz sentido.

— O que temos hoje à noite, Jasmine?

— Além de p regu iça , luxúria e u m a va r ieda de de ou tros peca dos m or ta is ? — ela perguntou, inclinando a cabeça em direção aos ocupantes do aposento.

— Mes m o com rela çã o a tu do is s o, es tá olh a n do pa ra o la do er ra do — ele p rovocou , s a ben do qu e J a s m in e n ã o dem on s tra va o téd io com o os de s u a gen te. Ela era u m a pensadora. Sem pre con tem pla va a s pectos m a is p rofu n dos qu e

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gra t ifica çã o im ed ia ta . Com o s eu irm ã o Hora tio, por qu em fora cr ia da . Ele h a via recu s a do o con vite pa ra a com pa n h á -los à In gla terra . Na verda de, Damien se surpreendera quando Jasmine aceitara no lugar dele.

— Estou olhando para o futuro, Damien — ela disse com tom suave, o olhar perd ido n a d is tâ n cia a lém da ja n ela . — E de repen te m e ocorre qu e s ei por qu e alguns de nós dormem décadas seguidas.

— Por qu ê? — ele in da gou , em bora h ou ves s e en con tra do es s a m es m a resposta havia quatrocentos anos, mais ou menos.

— Pa ra n ã o en lou qu ecer , s eja de téd io, ou pelo ca os de toda s a s es pécies s e m is tu ra n do n es s e p la n eta . Pen s a r n is s o m e fa z s en tir exa u s ta e com von ta de de dormir.

— Você s ó tem cinquenta e qu a tro a n os . Um a cr ia n ça . J ovem dem a is pa ra pen s a r n a a videz por en treten im en to em s u a velh ice, e a in da m a is jovem pa ra s e preocupar com o destino de tantas espécies espremidas no nosso planeta.

— Ele a beijou n o ros to com a feto. Com o todos os va m piros , ela n ã o h a via en velh ecido a pós a t in gir s u a m a tu r ida de s exu a l a os vin te a n os . — Porém , s e is s o a fa z s e s en t ir m a is s a t is feita , pos s o p rom eter m u ita d ivers ã o, ca s o u m d ia s e sinta entediada. Só p recis a ped ir m in h a a ju da . — Sorr in do, virou -s e pa ra olh a r a sala. Pigarreou, a tra in do a a ten çã o de todos . Algu n s a té s e s en ta ra m , revela n do expectativa.

— Meu tem po n a cor te tem s ido m u ito p rodu t ivo. Há u m leva n te religios o na França. Protestantes, católicos, e aquele absurdo habitual.

— Oh! Estão enviando homens jovens? — Jéssica perguntou animada.

— É um exército ou só um bando de rebeldes?

— Sim, você precisa quantificar, Damien — Lind insistiu.

— Diga m os a pen a s qu e o ta l leva n te é s u ficien te pa ra en cobr ir n os s a ch ega da e n os s a ca ça da por a lgu m tem po — d is s e, r in do. — Pa r t irem os em u m a semana.

Na n oite s egu in te, Damien ch egou a o pa lá cio e des cobr iu qu e Elizabeth estava enferma e que, por isso, não presidiria a corte. Ficou preocupado. Londres, m es m o n o in vern o, era s olo fér t il pa ra ter r íveis p ra ga s e ou tra s en ferm ida des traiçoeiras. Elizabeth Tu dor n ã o lh e da va a im pres s ã o de s er p ropen s a a doen ça s ou in clin a da a bu s ca r a ca m a a o m en or s in a l de fra qu eza . Ela era u m a m u lh er teimosa e entusiasmada; por isso mesmo, ele a apreciava tanto.

Decid iu en con tra r ou tro ca m in h o pa ra a s a com oda ções da ra in h a depois de ter s ido a legrem en te d is pen s a do por Rober t Du dley. Poder ia ter in flu en cia do o homem com facilidade para entrar, mas estava entediado com as ideias de Dudley sobre o que constituía um jogo de poder.

Dirigiu-s e, con fia n te, à a la on de fica va m os a pos en tos pes s oa is de Elizabeth, aproximando-s e o s u ficien te pa ra ou vir a s con vers a s p reocu pa da s e toda s a s in form a ções pos s íveis , con s tru in do u m pa n ora m a da s itu a çã o. As s im qu e t ives s e cer teza de qu e a doen ça da m on a rca n ã o era im por ta n te e de qu e logo

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ela es ta r ia bem , reu n ir ia s u a com it iva e pa r t ir ia pa ra os ca m pos de ba ta lh a n a França, onde novos entretenimentos os aguardavam.

Porém , p recis ou a pen a s de u m m om en to pa ra com preen der qu e Elizabeth não ficaria bem. Na verdade, ela provavelmente morreria antes do final da noite.

A rainha contraíra a fatal varíola.

Que amolação, Damien pensou, zangado.

Afastou-s e da pa rede em qu e estivera a poia do e a tra ves s ou o s a lã o. Nã o foi detido, pois n in gu ém tin h a con s ciên cia de s u a p res en ça . En trou n o qu a r to de Elizabeth e ca m in h ou a té a ca m a dela , a fa s ta n d o a s cor t in a s . Ao vê-la , fra n ziu a tes ta em fu r ios o des gos to. Ela pa recia fra ca e pá lida , qu a s e com o se n ã o fos s e a mesma pessoa que rira, dançara e flertara com ele na noite anterior.

Ha via du a s m u lh eres s en ta da s m u ito per to da ca m a . Damien s egu rou ca da u m a pelo qu eixo por u m b reve m om en to, fita n do-a s n os olh os a té m a n ipu la r suficientemente seus pensamentos e percepções. Depois, olhou para Bess, apoiou u m joelh o n a ca m a e a s u s ten tou con tra o peito. Su a ca beça pen d ia com o a de uma boneca de pano enquanto ele afagava os cabelos ruivos.

Damien ergu eu o qu eixo, s u a s p res a s s u rgin do cin t ila n tes e en con tra n do o caminho para o pescoço da jovem rainha da Inglaterra.

O p r ín cipe va m piro s en tiu o s a n gu e, superaquecido pela feb re, flu in do pa ra den tro de s u a boca . Com o n ã o t in h a ca ça do a n tes , s en tiu a qu ele s ú b ito p ra zer p rovoca do pela saciedade de s u a fom e, qu e s em pre a com pa n h a va a p r im eira infusão do sangue de uma vítima.

Apes a r da en ferm ida de e da feb re, Elizabeth rea giu à in va s ã o. Ela gem eu ba ixo, bu s ca n do à s cega s toca r o b ra ço qu e a a m pa ra va . Damien n ã o pod ia ignorar a carícia dos dedos e os movimentos do corpo em seus braços. O estímulo a u m en ta va o p ra zer da a lim en ta çã o da m es m a form a qu e o a to da n u tr içã o s em pre des per ta va a s en s u a lida de in s t in t iva da vít im a . A ú n ica cois a qu e ter ia ca u s a do m a is s a t is fa çã o era m edo, ra iva ou o qu e qu er qu e p rovoca s s e u m a descarga de adrenalina humana imediatamente antes da perfuração da pele. Esse era o tempero perfeito.

Ela já es ta va fra ca e, por ta n to, ele n ã o s orveu tu do qu e gos ta r ia . Nem per to d is s o. Ma s m a n teve a boca s ob re a fer ida qu e a b r ira . A ca rót ida pu ls a va freneticamente con tra s u a lín gu a , e n ela ele ca u s ou a s egu n da per fu ra çã o, in jeta n do n o orga n is m o de Elizabeth os a gen tes coagulantes qu e fica va m es toca dos em s u a s p res a s , com o o ven en o qu e é inoculado por u m a s erpente. Mas, ao contrário do veneno, essa inoculação não causaria mal a ela.

Pelo con trá r io. Em a lgu m lu ga r , m is tu ra do à qu ím ica dos coagulantes que continham o sangramento, estava o anticorpo de que ela precisava para combater o invasor que ameaçava sua vida.

Pou cos va m piros era m velh os ou for tes o ba s ta n te pa ra en fren ta r u m a infecção da m a gn itu de e da com plexida de da va r íola . Porém , a qu eles qu e, com o Damien, era m s u ficien tem en te poderos os , t in h a m a ca pa cida de de loca liza r e iden t ifica r o pa tógen o, extra í-lo da s célu la s doen tes e forçá -la s a p rodu zir o a n t icorpo n eces s á r io. Nã o era fá cil, e va m piros des prepa ra dos pa ra a ta refa

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pod ia m s e en ven en a r com a doen ça . Felizm en te, todos pod ia m s en tir es s a s anomalias em suas vítimas antes do ataque.

A recom pen s a pa ra o r is co de con ver ter a doen ça em cu ra era u m a lem bra n ça pa tológica do a n ticorpo, qu e s e u n ia a cen ten a s de ou tra s m em ória s e era a d icion a da a o coagulante in jeta do n a vít im a a o fin a l da a lim en ta çã o. Damien h a via m ord ido u m a pes s oa in fecta da pela va r íola a n tes , e is s o h a via perm itido qu e s eu corpo cr ia s s e o a n ticorpo do qu a l Elizabeth a gora poder ia des fru ta r . Nã o s e a lim en ta va dela por s en t ir fom e. A saciedade era s ó u m pequ en o bôn u s . Alimentava-se dela para curá-la.

Afastou-s e da ra in h a , deita n do-a gen tilm en te s obre vá r ios tra ves s eiros de plumas. Su a m ord ida n ã o era u m a cu ra m ila gros a . Era a pen a s u m a ta lh o qu e da r ia a o s is tem a imunológico da vít im a u m a gra n de va n ta gem . Elizabeth era for te e lutadora. A combinação a ajudaria na recuperação. Só levaria algum tempo.

Ele ir ia à Fra n ça , s e banquetearia com s eu s com pa n h eiros n os ca m pos de batalha, e retornaria depois, esperando encontrá-la viva, bem e feliz por revê-lo.

CAPÍTULO I

San Jose, Califórn ia, tem po atu al

Damien s e virou a o s en tir a lgu ém m u ito per to. O m ovim en to repen tin o fez

a t ra n ça n a a ltu ra de s u a n u ca es ta la r com o u m ch icote con tra a la tera l do pescoço.

A es cu r idã o era com pleta . A a u s ên cia da lu a cr ia va a im pres s ã o de qu e u m pesado manto negro cobria a paisagem. As lâmpadas das ruas, espaçadas demais u m a s da s ou tra s n o s u bú rb io da Ca lifórn ia , n ã o era m s u ficien tes pa ra pen etra r a escuridão.

Mas Damien não se importava com aquilo. Pelo contrário. Era seu ambiente n a tu ra l, pois ele pos s u ía s en t idos a gu ça dos qu e fu n cion a va m m elh or à n oite. Mesmo assim, alguma coisa o incomodava.

Nã o era u m s er h u m a n o qu e s e a p roxim a va , con fia n te. Hu m a n os n orm a is n ã o pod ia m ch ega r tã o per to s em qu e ele os n ota s s e. Ten tou a d ivin h a r qu em , ou o que, o seguia.

Pr im eiro, t in h a de determ in a r s e a pers egu içã o era p ropos ita l ou a ciden ta l. Meneou a ca beça . Tu do qu e des eja va a qu ela n oite era pa r t icipa r de u m a boa

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ca ça da e depois volta r pa ra ca s a em pa z. Ma s , pa ra des fru ta r des s a tranquilidade, não podia ter inimigos.

In felizm en te, va m piros t in h a m m u itos in im igos . E o p r ín cipe n orm almente t in h a dez vezes m a is qu e o n ú m ero com u m à m a ior ia deles . Sem m en cion a r a polít ica extern a , os h u m a n os in trom etidos e ou tra s ra ça s de Nightwalkers, os va m piros t in h a m a ir r ita n te ten dên cia de d is pu ta r a lidera n ça u n s com os ou tros . A m a ior ia s a b ia qu e n ã o devia des a fiá -lo, m a s s em pre h a via u m ou ou tro qu e s u peres t im a va a p róp r ia ca pa cida de e ten ta va depor o va m piro rea l de s eu t ron o. Vivia m em u m a s ocieda de n a qu a l a s ob revivên cia dos m a is for tes es ta va n o cen tro de m u ita s m otiva ções . No ca s o do t ron o, ela determ in a va qu em lidera r ia a espécie.

Damien s e torn a ra p r ín cipe h a via s écu los der rota n do o m on a rca a n ter ior . Ma s s eu a n teces s or era u m ca n a lh a e h a via m erecido a decapitação ritual, pensou, esperando que seu perseguidor o alcançasse.

J á s a b ia qu e o pers egu idor n ã o era u m va m piro. Pa ra is s o, s ó t ivera de a ju s ta r a s pequ en a s m em bra n a s ocu lta s n a a n a tom ia de s eu s olh os . Es s a m em bra n a da va a ele a ca pa cida de de vis u a liza r u m a a u ra b r ilh a n te qu e va r ia va com a quantidade de calor que um corpo desprendia.

Va m piros n ã o t in h a m u m a circu la çã o n a tu ra l, m a s ret in h a m o ca lor do corpo da s vít im a s en tre u m a a lim en ta çã o e ou tra , e pod ia m m a n ter s u a tem pera tu ra , des de qu e s e a lim en ta s s em a ca da vin te e qu a tro h ora s . Porém , a fa lh a n es s e s is tem a era qu e a s extrem ida des , com o dedos da s m ã os e dos pés , perd ia m es se ca lor a r t ificia l m a is dep res s a . Sen do a s s im , em s u a percepçã o vis u a l, u m va m piro qu e a in da n ã o t ives s e s e a lim en ta do ter ia o efeito de u m a lvo desen h a do. Peito e cora çã o s er ia m o cen tro b r ilh a n te, por con cen tra rem m a is ca lor , m a s es s e círcu lo es ta r ia cerca do por ou tros n u m a p rogres s ã o de cores , verm elh o, la ra n ja e ros a , a té pés e m ã os s e torn a rem p ra tica m en te im percep tíveis à visão de calor, misturando-se à temperatura do ambiente.

Um vampiro que já tivesse caçado seria de um vermelho uniforme, diferente de u m h u m a n o, qu e form a va u m a s ér ie em con s ta n te tra n s form a çã o com pos ta por b ra n co e d iferen tes ton s de verm elh o. Os n íveis de ca lor h u m a n o es ta va m sempre se alterando com o movimento, o esforço, a doença ou a excitação, e havia u m per íodo percep tível de tem po a n tes de o corpo com pen s a r es s a s m u da n ça s , nivelando-as de alguma forma. Porém, os que tinham olhar mais aguçado e maior con h ecim en to pod ia m determ in a r com fa cilida de a d iferen ça en tre u m va m piro aquecido e um mortal, especialmente após um ou dois séculos de prática.

Quem o seguia não era humano ou vampiro. Mas era um Nightwalker capaz de da r a o corpo a tem pera tu ra des eja da , ou , m a is es pecifica m en te, u m dem ôn io. A ra ça era fa m os a por s u a tem pera tu ra corpora l vá r ios gra u s m a is ba ixa qu e toda s a s es pécies exis ten tes n o p la n eta . O corpo qu e s e p rotegia n a s s om bra s atrás dele tinha temperatura bastante baixa.

As es pécies dos Nigh twa lkers era m a qu ela s qu e vivia m a pen a s n a n oite, ocu lta s d e u m a va r ia çã o a m pla de efeitos n ega t ivos ca u s a dos pelo s ol. Den tre es s a s es pécies , os dem ôn ios era m a s egu n da m en os p rová vel a ca u s a r s ofr im en to ou rep res en ta r per igo pa ra o p r ín cipe va m piro. Dem ôn ios era m recon h ecida m en te m ora is e res erva dos , foca n do-s e n eles m es m os e n a p rópr ia polít ica de con s ta n te

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controle da raça, e não saíam de seus domínios para causar problemas em outros locais.

Normalmente. Problemas ocorridos recentemente tornavam tudo possível.

Podia ser um habitante das sombras. Os seres pequeninos e ardilosos eram os m es tres da ca m u fla gem . Equ iva len tes a o ca m a leã o, eles ca u s a va m s em pre gra n de a borrecim en to. Tin h a m pou ca ou n en h u m a es tru tu ra polít ica , perambulando em clã s ou a grem ia ções religios a s , frequentemente ca u s a n do m a is per tu rba çã o e p rob lem a s do qu e dever ia m . Era m com o cr ia n ça s rebeldes im por tu n a n do os Nigh twa lkers , b r iga n do en tre s i, e u s a n do os m orta is com o brinquedos por pura diversão.

Damien com preen dia o en ca n to exis ten te n is s o. Ta m bém s e en volvera com mortais em sua juventude.

Bem, talvez juventude fosse força de expressão.

Honestamente, ainda era capaz de brincar com as raças que o cercavam, se fosse adequado à sua disposição. Ele riu. Gideon, um velho demônio e amigo, já o a cu s a ra de s er u m in trom etid o cós m ico, e n ã o pod ia d izer qu e a a cu s a çã o era inteiramente mentirosa.

An tes de s e con ven cer de qu e o dem ôn io em qu es tã o ta m bém era u m amigo, precisava reverter as posições na perseguição e surpreendê-lo.

In es pera da m en te, a s om bra deixou o es con der ijo e ca m in h ou em s u a d ireçã o. Aborda gem d ireta . Is s o s ign ifica va a pen a s du a s cois a s : in cr ível es tu p idez ou a dm irá vel a u sên cia de m edo. Ada p ta n do a vis ã o pa ra es tu da r o ros to da qu ele que se aproximava, percebeu que a resposta, nesse caso, era a coragem.

— Noah! — excla m ou , deixa n do a s s om bra s pa ra ir a o en con tro d o rei dos demônios.

Noah sorriu e apertou a mão estendida.

— O qu e o tra z a qu i, tã o lon ge de ca s a ? — Damien pergu n tou . Noa h vivia n a In gla ter ra , m u ito lon ge da Ca lifórn ia , on de ele a tu a lm en te es ta belecera s eu território.

— Vim tra ta r de n egócios . E peço des cu lpa s por ter ch ega do bem n a h ora do jantar — ele brincou.

Damien fez u m ges to in d ica n do qu e n ã o t in h a im por tâ n cia , e o gra n de ru b i no anel em seu dedo médio brilhou.

— Tudo bem. Eu ainda nem havia escolhido a presa.

— Eu percebi — confessou Noah.

O rei era u m dem ôn io do Fogo. Todos os dem ôn ios t in h a m u m poder decorren te da a fin ida de com u m determ in a do elem en to do m u n do n a tu ra l qu e os cercava e compunha. O fogo era o mais volátil e impressionante desses elementos. Com o ta l, Noa h pod ia s en t ir pa d rões en ergéticos e, a pós s eis s écu los de vida , t in h a p rá t ica s u ficien te pa ra s a ber s e ele já pos s u ía u m a lvo pa ra o ja n ta r daquela noite.

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Noa h con qu is ta ra s eu t ron o, com o Damien, m a s fora es colh ido por eleiçã o por s u a força in qu es t ion á vel e s u a eviden te ca pa cida de de lidera n ça . O rei a n ter ior t ivera de m orrer pa ra qu e a s u ces s ã o pu des s e a con tecer . E ele h a via m orr ido de ca u s a s n a tu ra is , porqu e os dem ôn ios rep rova va m lu ta ou m or te en tre eles mesmos embora, sendo basicamente imortais, raramente ocorria um episódio de morte natural em qualquer uma das raças da noite.

Norm a lm en te, o fim era decorren te de a s s a s s in a to. Nes s e ca s o, porém , u m dem ôn io n ã o s er ia eleito rei depois de ter a s s a s s in a do o a n teces s or . Os dem ôn ios consideravam grave afronta matar um monarca.

Noa h ja m a is poder ia s er des t itu ído de s eu pos to. O Gra n de Con s elh o o elegera , m a s n ã o pod ia depô-lo. A m orte s er ia a ú n ica m a n eira de s u bs titu í-lo. Em tem pos m en os civiliza dos , s e o Con s elh o decid is s e ter com etido u m en ga n o, haveria uma trama de assassinato para promover a substituição do rei.

Por ou tro la do, n en h u m a ra ça de Nightwalkers era in teira m en te civiliza da . Damien acreditava que isso jamais ocorreria.

— Que tipo de negócios? — Damien convidou o soberano a caminhar ao seu lado.

— A biblioteca.

— Ah, sim. Não esqueci. O que você quer?

— Pa ra s er bem ob jet ivo, es tu d ios os da s u a s ocieda de. Nã o tem os a in ten çã o de m a n ter ocu ltos os m is tér ios con tidos n es s a Bib lioteca Nightwalker. Trata-s e de u m a coleçã o u n ivers a l de m u ita s h is tór ia s d a s ra ça s da n oite. Nã o volta m os a o loca l des de qu e ele foi des cober to n a s ca vern a s do ter r itór io licantropo. O povo de Siena também não voltou lá. — Noah sorriu ao mencionar o n om e da ra in h a lica n tropo qu e s e ca s a ra recen tem en te com o com a n da n te do exército dos dem ôn ios . Elija h , o ca p itã o gu erreiro, era es t im a do pelo govern a n te. — Nós ... Qu ero d izer , Sien a e eu decid im os qu e s er ia ju s to con vida rm os os va m piros pa ra in tegra r es s e gru po de es tu d ios os qu e va i com eça r a pes qu is a r a im por tâ n cia da qu ele lu ga r . Com o n en h u m de n ós ja m a is es teve lá a n tes e todo o m a ter ia l foi com pila do da s lin gu a gen s da s ra ça s Nigh twa lker , é ju s to qu e ca da u m a des s a s ra ça s ten h a u m a ch a n ce de con h ecer o con teú do da qu ele m a ter ia l. Chances iguais para todos.

— É m u ito ju s to, rea lm en te, m a s n ã o p recis o lh e d izer qu e m eu povo n ã o é do t ipo eru d ito. Com exceçã o da n os s a es tru tu ra polít ica e da m in h a cor te m u ito com pa cta , s om os u m a n a çã o de tr ibos . Fu n cion a m os em gru pos pequ en os e in depen den tes , n os p reocu pa m os ba s ica m en te com a a lim en ta çã o, evita n do os ca ça dores h u m a n os e bu s ca n do s en s u a lida de. Se n ã o podem os con s u m ir , m a ta r ou celebrar com um determinado objeto, ele não nos interessa.

Noah r iu . As pa la vra s de Damien des crevia m de m a n eira res u m ida basicamente todas as raças de Nightwalkers. Mas o rei dos demônios sabia que os va m piros era m a rep res en ta çã o m a is pu ra des s e es tereót ipo. O téd io dos va m piros era a lgo a s s u s ta dor . Qu a n d o n ã o es ta va entretido ou d is tra ído, u m va m piro pod ia ca u s a r gra n de com oçã o. Ma s Damien t in h a s u a m a n eira bem pecu lia r de policia r a es pécie. Atu a lm en te, s eu s s ú d itos n ã o es ca pa va m a o controle como no passado. O príncipe havia amadurecido.

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— Se eu m a n da r a lgu m in teres s a do — ele p ros s egu iu —, es s e in d ivídu o cer ta m en te terá m otivos es cu s os . Ta lvez qu eira es tu da r es s a es tra n h a b ib lioteca pa ra con s egu ir poder . Nã o h á n a da qu e u m va m piro a p recie m a is do qu e poder . Se m a n da r a lgu ém qu e n ã o ten h a in teres s e, cer ta m en te s ó va i a tra pa lh a r . Prefiro ob ter toda s a s in form a ções per t in en tes por você m es m o, Noa h . Os es tu d ios os demônios e licantropos são os melhores para esse tipo de tarefa.

— Eu s a b ia qu e es s a s er ia s u a decis ã o, m a s a ch ei m elh or vir pergu n ta r . E fico surpreso por não demonstrar nenhum interesse pessoal.

— Pelo con trá r io, es tou a rden do de cu r ios ida de. Um a b ib lioteca com livros em va r ia dos id iom a s de m u ita s ra ça s de Nigh twa lkers tem im p lica ções in tr iga n tes . A qu e con s idero m a is in tr iga n te é com o con s egu im os perm a n ecer n o m es m o a pos en to pelo tem po n eces s á r io pa ra pen s a rm os em con s tru ir es s e lu ga r , e a in da en ch erm os toda s a qu ela s p ra teleira s . Tu do is s o s u gere h is tór ia s tã o antigas que nem nós, os mais velhos, conhecemos. É uma situação que flerta com a ideia de qu e n ós , os Nigh twa lkers , podem os ter or igen s com u n s da s qu a is n em s u s peita m os . E ta m bém a b re a pos s ib ilida de de con tra r ia r os elit is ta s pu r is ta s existentes em todas as raças, arrogantes preconceituosos que somos. Resumindo, isso vai causar problemas.

— E eu sei o quanto você gosta de problemas.

— Adm ito qu e tem ra zã o. — Damien riu. — Ten h a cer teza de qu e irei da r u m a es p ia da n o s eu tra ba lh o de vez em qu a n do. Além d is s o, Hora tio s erá instruído a comparecer às reuniões e informar-se de todas as descobertas. Ele me manterá informado.

— Hora t io? Des de qu a n do d ip lom a ta s s ã o bon s es tu d ios os ? A h is tór ia e os dados registrados são factuais demais para eles! Para Horatio, tudo seria material de propaganda.

— Ain da a s s im , ele já in tegra s u a cor te. Is s o fa cilita a in tera çã o. E ta m bém há Kelsey. Ela es tá n a cor te de Siena n o m om en to. Com a a ju da dos dois e m in h a s vis ita s oca s ion a is , s ei qu e terei u m a boa ideia do progres s o da s pesquisas.

— Muito bem, mas não deixe de me avisar se mudar de ideia.

— Eu raramente mudo de ideia.

— Eu s ei. — Noa h pa rou e es ten deu a m ã o. — Obriga do por ter m e ou vido, Damien. Espero que compareça à cerimônia de nomeação.

— Quando sua irmã terá a criança?

— Em u m ou dois m es es . Norm a lm en te, u m a fêm ea de dem ôn io tem ges ta çã o de treze m es es com pletos , m a s Gideon s en te qu e a cr ia n ça es tá a n s ios a pa ra n a s cer . Com o Ma gda legn a ta m bém es tá a n s ios a pelo fim da gra videz, n ã o tenho dúvida de que terei mais um sobrinho em breve.

— Tra n s m ita a ela m in h a s felicita ções . Hora t io m e in form a rá s ob re o nascimento.

Noah assentiu, a cen ou , e des a pa receu n u m a es p ira l de fu m a ça qu e perm a n eceu por a lgu n s in s ta n tes on de a n tes estivera o h om em a lto e de om bros largos, antes de subir ao céu e se perder na noite.

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Sozinho, Damien voltou a pensar no jantar.

* * *

Syreen a ch egou a o ch ã o com u m gru n h ido a lto, fa zen do s u b ir u m a n u vem de poeira qu e pen etrou em s eu s pu lm ões . Ela tos s iu , cu s p iu o s a n gu e da boca e se contorceu para olhar para a pessoa que a atingira.

Devia dizer as pessoas.

Eram Os Três.

E ela os havia enfurecido.

— Levante-se, criança — ordenou a figura central coberta por seu manto.

Ela obedeceu a o com a n do. Em pé, jogou pa ra t rá s os lon gos ca belos , misturando m om en ta n ea m en te a s m ech a s de du a s cores , ca s ta n h o-cla ro e cin za m etá lico, a n tes de ela s s e d ivid irem em du a s ca m a da s u n iform es , u m a cor pa ra cada hemisfério da cabeça. Os olhos dela estavam iluminados pela fúria. Também tin h a m d u a s cores , ca s ta n h o e cin zen to, con tra s ta n do com a cor do ca belo por es ta rem em la dos opos tos . O efeito a r lequ im era s in is t ro, m a s , a o m es m o tem po, curioso.

— Nã o s ou u m a cr ia n ça — ela decla rou ir r ita da , con ten do o m edo qu e Os Três causavam nela desde a infância. — Não vou me desculpar por meus atos.

— Sua insubordinação é inaceitável, Syreena. Não condiz com a criação que recebeu.

— Eu s ei com o fu i cr ia da — ela d is pa rou , cu s p in do m a is u m a vez a n tes de lim pa r a boca com o dors o da m ã o. — Há qu in ze a n os m e liber tei do Pr ide, Sila s . Se n ã o s e lem bra , vocês m e rejeita ra m . Mandaram-me pa ra a cor te dos licantropos para que eu pudesse servir a minha irmã.

— Você n ã o foi rejeita da . Foi en via da em u m a m is s ã o. Os m on ges do Pr ide es tã o s em pre s ervin do du p la m en te. O tem po todo. Por qu e h a ver ia de s er diferente com você? É monja e é conselheira da rainha.

— E s ou u m a p r in ces a . Sou m em bro da fa m ília rea l. Min h a irm ã exa lta s u a s a bedoria e recon h ece o p rotocolo exigido em determ in a da s oca s iões , m a s ela a in da rein a s ob re você e todos os m em bros da ra ça lica n tropo. Es s e poder a gora ta m bém é m eu . Você m e d is s e qu e era h ora de tom a r m eu m a n to de rea leza , e agora me pune por isso!

— Nós a pu n im os — d is s e a figu ra à es qu erda —, porqu e a ta cou u m de seus irmãos sem motivo.

— O ca n a lh a a r roga n te ou s ou qu es tion a r a s ob revivên cia de m in h a irm ã quando ela estava à beira da morte. Ela foi envenenada pelo sol, estava sofrendo e corren do r is co de n ã o volta r à vida , e ele a in s u ltou , d im in u in do a im por tâ n cia de s eu es forço por u m a pa z pela qu a l ela s e d is pu n h a a m orrer! Fiz m es m o, e fa rei tudo de novo se alguém...

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— Ninguém toca em um membro do Pride! — Silas gritou, perdendo a calma pela primeira vez desde o início do incidente.

— Ora , m a s n ã o a ca bou de toca r em m im ? Fa ça o qu e eu d igo, n ã o fa ça o qu e eu fa ço? Is s o pod ia fu n cion a r qu a n do eu era cr ia n ça , m a s a gora cres ci. Sou u m a a du lta exper ien te, e a gra deço pelo t rein a m en to qu e ta n to bem m e fez. Ma s , Sila s , eu o p revin o: s e en cos ta r u m dedo em m im n ova m en te, va i des cobr ir o qu e tenho contido durante todos esses anos de aprendizado. É melhor parar enquanto pode. Não vai me subjugar nunca mais. Esse tempo passou.

Sila s s a b ia do qu e a p r in ces a era ca pa z, e s a b ia ta m bém qu e n ã o t in h a a tota l m ed ida de s u a força . Nin gu ém a con h ecia rea lm en te, em bora ela h ou ves s e passado o último século sob a tutela das melhores mentes do Pride.

Syreen a era u m a a n om a lia lica n tropo. A cu ra de u m a doen ça da in fâ n cia ca u s a ra u m a m u ta çã o d ra m á tica . Ao a t in gir a pu berda de, ela s e des en volvera em um ser jamais visto antes.

Todo lica n tropo pod ia exis t ir em três form a s . O a s pecto h u m a n o, o a s pecto do a n im a l qu e exis t ia em s eu s a n gu e, e u m a com bin a çã o dos dois qu e adotava forma humana e era chamada de duoforma.

Syreen a t in h a dois a s pectos a d icion a is , u m a d ivis ã o qu e p rom ovia a form a e a du oform a de u m a n im a l a d icion a l. Is s o da va a ela u m a pos içã o de p recedên cia . Nin gu ém s a b ia a o cer to qu a l era o lim ite de s u a s h a b ilida des . Ninguém a não ser ela mesma. E ninguém se dispunha a desafiá-la para conhecer seus limites.

As s im , em bora Os Três fos s em os m a is tem idos e poderos os m on ges do Pride, Syreena n ã o s e s u rp reen deu qu a n do eles recu a ra m . Em s ilên cio, Sila s s e retirou da sala de disciplina seguido pelos outros dois.

Syreen a exa lou ru idos a m en te, tom a da pela revolta . Era temperamental, e s ó pelo trein a m en to e pela m ed ita çã o con s egu ia con trola r a n a tu reza beligera n te qu e h erda ra da fa m ília . Siena ta m bém h a via con trola do es s a n a tu reza violen ta . Ta n to qu e, a gora , era u m a ren om a da pacificadora. Ha via u m a d iferen ça en tre a política de Sien a e su a pers on a lida de, u m a d is t in çã o qu e s e torn a va eviden te n o homem que escolhera para marido: um guerreiro.

Syreen a perm a n eceu n a s a la s u b ter râ n ea do m on a s ter io, a n da n do de u m la do pa ra o ou tro n u m a ten ta t iva a flita de ga s ta r a en ergia em ocion a l a cu m u la da . Hon es ta m en te, já es pera va por es s a ten ta t iva de con ten çã o. Depois de qu a se ter es tra n gu la do os d ois m on ges qu e ou s a ra m du vida r de s u a von ta de e da s in ten ções de s u a irm ã , n ã o p od ia es pera r n a da d iferen te. A cen s u ra era in evitá vel para quem ameaçasse um membro do Pride. Até mesmo para Siena.

Ma s is s o n ã o qu er ia d izer qu e Sien a a ceita r ia a cen s u ra . Ela n ã o ter ia permitido que Silas a agredisse, caso ele fosse insano o bastante para tentar. Mas Syreen a era s ó u m a jovem p r in ces a a os olh os dos m on ges , h erdeira do t ron o somente a té Siena ter o p r im eiro filh o. Nã o h a via por ela a m es m a es t im a e o mesmo respeito dispensado à sua irmã.

Nã o im por ta va n em m es m o o fa to de poder s e torn a r ela m es m a u m a da s integrantes do grupo denominado Os Três.

E isso a incomodava, embora jamais demonstrasse.

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J ogou os ca belos pa ra t rá s , exib in do a pen a s a m eta de ca s ta n h a . Depois s a cu d iu a ca beça e o corpo, cob r in do-s e tota lm en te com a s m ech a s . Cabelos transformaram-s e em pen a s , a s rou pa s fica ra m n o ch ã o, e u m fa lcã o-peregrino deixou o porão do monasterio e a caverna do Pride.

Siena virou a ca beça a o ou vir o s om de a s a s ba ten do. Pelo ca n to do olh o, ela viu o fa lcã o pen etra r n o a pos en to qu e u s a va pa ra s u a s m ed ita ções , transformando-s e im ed ia ta m en te n a p r in ces a qu e a ter r is s ou s ob re pés . A ra in h a ergueu-se de sua posição de meditação, de joelhos, ajeitando o vestido.

Syreen a perm a n ecia n u a , obs erva n do a irm ã cu jos a bu n da n tes ca ch os ca s ta n h os cob r ia m a s cu rva s exu bera n tes de s eu corpo com m a is d is cr içã o qu e o ves t ido m in ú s cu lo. A n u dez n a da s ign ifica va pa ra ela s e pa ra os de s u a es pécie. u m licantropo não podia mudar de forma dentro da restrição das roupas, por isso u s a va m pou ca ou n en h u m a ves t im en ta . O qu e ves t ia m era ra p ida m en te descartado antes ou durante a transformação.

— Como foi?

— Vamos dizer apenas que tão cedo ninguém vai me convidar para o chá.

As du a s irm ã s era m opos ta s . Sien a era a lta e curvilínea, t in h a ca belos e pele dou ra dos e u m a beleza s edu tora . Syreen a era pequ en a , esguia e exótica com s eu ca belo bicolor e os olh os de arlequim. Siena cres cera cerca da pela s in tr iga s da cor te e com a liberda de de in tera gir com ou tra s ra ça s de Nightwalkers en qu a n to Syreen a fora cr ia da n o monasterio, reclu s a e is ola da do m u n do rea l desde o instante em que fora identificada como diferente.

Nã o h a via s ido d is cr im in a da n em sofrera precon ceito. Pelo con trá r io. Os licantropos apreciavam uma boa mutação, especialmente se fosse poderosa, como a dela . Fora en via da a o Pr ide n ã o s ó pa ra receber trein a m en to e edu ca çã o, m a s pa ra s er p rotegida da qu eles qu e poder ia m u s á -la com o a rm a pa ra ob ter poder . Ma is es pecifica m en te, pa ra con qu is ta r o t ron o qu e o pa i dela ocu pa ra a té qu in ze a n os a trá s e qu e, depois de s u a m or te, a irm ã h erda ra . Siena exigira o retorn o de Syreen a n o d ia em qu e a s cen dera a o tron o, a rra n ca n do-a da exis tên cia a b r iga d a pa ra colocá -la em s eu pos to de h erdeira e fa zer u s o de s u a s h a b ilida des e de s eu conhecimento de diplomata, nomeando-a sua conselheira-chefe.

No d ia em qu e a p r in ces a volta ra pa ra ca s a , a s du a s s e h a via m des cober to praticamente estranhas, apesar da constante troca de cartas durante a separação de u m s écu lo. Syreena s e s en t ira u m a fora s teira , m a s Sien a s e torn a ra imediatamente uma irmã amorosa e dedicada.

Syreen a des cobr ira qu e era fá cil a m á -la , a pes a r de ter s ido cr ia da e edu ca da pelos fr ios m on ges . Nu n ca im a gin a ra qu e era capaz de a m a r , a té s er tã o bem acolhida.

— Espero que não tenham sido duros demais — Siena comentou.

— Se es tá s e refer in do a o cor te n o m eu lá b io, n ã o s e p reocu pe. Nã o é n a da sério.

— Nã o gos to de pen s a r qu e a lgu ém a a gred iu . Devia s er t ra ta da com o mesmo respeito que eu mereço.

— Eu disse isso a eles. E tenho certeza de que Os Três me ouviram.

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— Nes s e ca s o, s e já en cer rou s eu ep is ód io com os m on ges , a ch o qu e va i poder me fazer um favor.

— Que favor?

— Quero que se junte ao grupo de estudiosos que vai pesquisar a biblioteca. Mu itos s erã o m on ges do Pr ide, é cla ro. E com o você tem u m pé n a cor te e ou tro n o m on a s ter io, é m in h a m elh or es colh a pa ra a p roxim a r es s es dois in teres s es tã o afastados. Terá o respeito pelo estudo e pela tradição, indispensável aos olhos dos membros do Pride, e manterá em vista meus interesses.

— Parece fácil.

— Fá cil, Syreen a , é u m a pa la vra qu e ja m a is va i s ervir pa ra des crever tu do qu e es tá liga do à Bib lioteca Nightwalker. E h á ou tra ra zã o pela qu a l qu ero en via r você.

— Uma ra zã o qu e deve es ta r rela cion a da a o fa to de eu s em pre ga n h a r u m a briga.

— Todos os m on ges do Pr ide s a bem lu ta r , em bora s ó u t ilizem es s a h a b ilida de em defes a p róp r ia e de s eu s in teres s es . Nã o es tou p reocu pa da com a defes a deles , porqu e s ei qu e ca da u m pode cu ida r de s i m es m o. Além do m a is , já n otei qu e, pes s oa lm en te, você é m a is pa cifis ta qu e gu erreira . Apes a r de tu do is s o, devo con s idera r qu e fom os força dos a des tru ir u m a ca m pa m en to de nigromantes, ca ça dores e tra idores da ra ça dos dem ôn ios , e es s e a ca m pa m en to es ta va loca liza do m en os de t r in ta m etros a cim a e d is ta n te da ca vern a on de fica a biblioteca. Além do mais, tudo isso fica no nosso território, e estaremos recebendo outros Nightwalkers n es s a exped içã o de con h ecim en to. Precis o de a lgu ém qu e ten h a t ido a lgu m con ta to com ou tros Nigh twa lkers , a lgu ém qu e s eja ca pa z de con s idera r a s egu ra n ça e o bem -es ta r dos n os s os vis ita n tes . Nã o pos s o coloca r u m a b r iga da m ilita r n a qu ela á rea . A pa z en tre lica n tropos e dem ôn ios a in da é recen te dem a is , depois de ta n tos s écu los de gu erra , e os Nigh twa lkers têm m em ória s m u ito du ra dou ra s . Os dem ôn ios qu e es ta rã o en tre n ós s erã o estudiosos, mas ainda existe um grande potencial para algum tipo de explosão.

— Entendo.

— E n ã o tem os com o s a ber qu e in form a çã o a b ib lioteca va i revela r . Podem surgir questões capazes de transformar o debate teórico em conflito de interesses. Há m u ita s va r iá veis , m u itos fa tores qu e es ca pa m a o n os s o con trole. Você é a ú n ica qu e con h eço com o poder e, eviden tem en te, com a correçã o de ca rá ter indispensável pa ra im por-s e d ia n te de m em bros de toda s a s ra ça s . Nã o tem e o Pr ide, n ã o tem precon ceito con tra os dem ôn ios , e con h ece m eu des ejo de m a n ter a pa z es ta belecida . Sem pre defen deu m eu s in teres s es e m in h a von ta de polít ica , e ta m bém n ã o tem m edo dos dem ôn ios . Depois de m im m es m a , você é a m elh or es colh a pa ra in tegra r es s a m is s ã o. Con fio em você, Syreen a , e p recis o de s u a ajuda nessa questão.

— Eu en ten do. Sou p r in ces a em s u a cor te, m a s s ou u m a ra in h a qu a n do o assunto é correr com um pé de cada lado da cerca.

— Fa la com o s e a ca pa cida de de con s idera r todos os â n gu los de u m a situação fosse um defeito, não uma virtude. Essa é uma de suas habilidades mais valiosas, Syreena.

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— Sim, eu sei.

O qu e Sien a n ã o perceb ia era qu e todos va lor iza va m e a dm ira va m a natureza multifacetada dela . O p rob lem a era en con tra r u m pon to de con cilia çã o. Nã o com a irm ã , p orqu e ela a res peita r ia e a m a r ia m es m o qu e t ives s e vin te ca beça s e u m a pers on a lida de pa ra ca da u m a dela s . Ma s n in gu ém n a qu ela s ocieda de a via com o u m s er in d ividu a l. Ela era s em pre s in gu la r por s u a ra r ida de, m a s n u n ca in d ivis ível a os olh os a lh eios . Sem pre h a via a lgu ém ca pa z de a p recia r u m ou ou tro de s eu s a s pectos , m a s ra ra m en te era a dm ira da com o u m todo.

A cor te s e en ca n ta va com s u a a u ra de m is tér io. O Pr ide s e ga ba va de ter des cober to s u a s ca ra cter ís t ica s ú n ica s . Os m on ges qu er ia m d is cip lin á -la . O povo a queria casada e procriando.

Era com o u m ca va lo s elva gem pa ra os h u m a n os qu e o ca p tu ra va m . In teligen te, per igos a , for te e bela . Ter ia de s er dom a da pa ra a ceita r a s ela e procriar, perpetu a n do a lin h a gem e a s u per ior ida de gen ét ica . Devia s ervir com docilidade a causas alheias, mas nunca poderia percorrer os próprios caminhos.

Se tivesse algum caminho próprio.

Hon es ta m en te, n ã o s a b ia pa ra on de ir ia , s e pu des se es colh er . Nã o s a b ia s e era um ser inteiro, ou duas metades tentando compor um todo.

— Syreena?

— Hum? Ah, eu... sinto muito. O que estava dizendo?

— Perguntei se alguma coisa a incomoda.

— Nada de extraordinário.

— O ordinário, então...? — Segurando o braço da irmã, ela a levou ao fundo da caverna, onde ficava a residência real.

— Es ta va a pen a s pen s a n do s e es tou à a ltu ra da ta refa qu e m e p ropõe. Va i m e coloca r em á gu a s tu rbu len ta s , e es tou m a is h a b itu a da a evita r es s a s s itu a ções de con flito. Es tou m a is p repa ra da pa ra a tu a r com o s u a con s elh eira , s u ger ir form a s de a çã o, coloca r ou tra s pes s oa s em s itu a çã o de con flito pa ra defen der s eu s in teres s es . Por ou tro la do... — Ela s u s p irou . — Ta lvez s eja bom pa ra m im . No fu tu ro, s a berei con ter a a n s ieda de de a t ira r ou tra s pes s oa s a os lobos. — Ela riu.

— Essa é a voz da filósofa, sempre ávida pela chance de aprender algo novo.

— É claro.

— Syreena... está feliz aqui?

— É claro que sim. Acha que não me adaptei bem?

— Não é isso. Demorou um pouco, mas está perfeitamente ajustada à vida e à s res pon s a b ilida des de u m m em bro da rea leza . Ma s n ã o foi is s o qu e eu perguntei. Quero saber se está feliz. Pessoalmente feliz.

— Nã o ta n to qu a n to você — ela s or r iu —, porqu e n ã o ten h o u m m a r ido para me fazer feliz todas as noites... e todas as manhãs, pelo que ouvi dizer.

Siena gargalhou com evidente satisfação.

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— Às vezes eu odeio s er ra in h a . Nã o pos s o n em u s a r o b a n h eiro s em qu e a lgu ém perceba ! Apos to qu e m in h a s cr ia da s já es tã o a com pa n h a n do m eu s ciclos antecipando a chegada de um herdeiro!

— E eu também devo ficar atenta?

— Nã o! Vou fica r bem lon ge de Elija h qu a n do en tra r n o m eu per íodo fér t il. Pelo menos por alguns anos.

Aquela era uma proeza que Syreena gostaria de ver!

— Elija h n ã o a ceita r ia du a s s em a n a s de celibato, mesmo que fosse somente du a s vezes por a n o! E você n u n ca teve u m per íodo fér t il a o la do de u m companheiro. Acha que vai conseguir ficar longe dele?

— Vou me esforçar para isso. Elijah e eu temos de aprender a viver um com o outro antes de colocarmos mais ingredientes nessa receita.

— Min h a es pos a es tá a n a lis a n do n os s a vida conjugal? — As d u a s s e vira ra m qu a n do o com en tá r io pa s s ou por ela s com o u m a b r is a n o in ter ior da caverna. Num piscar de olhos, o guerreiro demônio se materializou a partir de seu elemento, metamorfoseando vento em matéria numa fração de segundo.

Sien a correu a a b ra çá -lo, e a reverên cia com qu e ele a a per tou con tra o peito a fez parecer ainda mais delicada. Eles eram a definição do que os demônios chamavam de marca. Almas gêmeas, como rotulavam os humanos. Casal perfeito. Um encontro de forças da vida que transcendia os limites do corpo.

Syreen a es ta va feliz por eles , m a s ta m bém os in veja va . Ela s em pre h a via deseja do con s t itu ir fa m ília e con s tru ir u m la r de a m or e com preen s ã o. Sien a s em pre ju ra ra ja m a is s e ca s a r , tem en do repetir os er ros da m ã e, u m a m u lh er doce qu e des pos a ra u m s a n gu in á r io s en h or da gu erra . Na s ca r ta s qu e t roca ra com Sien a a o lon go de déca da s , s em pre fa la ra de s eu s on h o de ter u m a ca s a ch eia de filh os . Os n obres lica n tropos pod ia m ter a pen a s u m com pa n h eiro. Somente u m pa rceiro. Qu a n do es colh ia m u m a m a n te, es s a es colh a equ iva lia a t roca r votos etern os . O elo ter ia de perdu ra r pela etern ida de, e de u m a vida a outra.

E Syreena sonhava com isso.

— Bem , a pes a r de m a n terem u m a liga çã o telepá t ica , ten h o cer teza de qu e a estadia de Elijah na corte de Noah foi repleta de eventos que ele está ansioso para com pa r t ilh a r . Sen do a s s im , vou deixa r vocês dois s ozin h os . — Syreen a s e ret irou antes que um deles pudesse protestar.

— Maldição — Siena resmungou.

— O que é? — Elijah indagou preocupado.

— Na da . Só perceb i qu e ela n ã o res pon deu à pergu n ta qu e fiz a n tes de você chegar.

— Rep ita a pergu n ta m a is ta rde, en tã o. Agora ... Qu ero s a ber s e s en tiu minha falta. — Ele sorriu.

— Você s en tiu a m in h a ? — ela in da gou in s in u a n te, des liza n do a s m ã os pelas costas do marido e puxando-o contra o corpo.

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Da m ien en trou em ca s a depois da ca ça da , levita n do por s obre a s m u ra lh a s e aterrissando em u m a s a ca da do terceiro a n da r . A va ra n da da va pa ra u m a b ib lioteca bem ilu m in a da , e ele en trou , cu r ios o pa ra s a ber qu em h a via ch ega do antes dele na mansão em Santa Bárbara.

J a s m in e lia , con for ta velm en te in s ta la da em u m a polt ron a . Ela n ã o en velh ecera u m d ia em qu a s e qu in h en tos a n os . Os ca belos n egros era m abundantes e brilhantes, os olhos eram expressivos e a pele era perfeita. Ela era a única presença de que não conseguia se cansar.

Olh a r pa ra ela foi s u ficien te pa ra s a ber qu e ela n ã o s a íra pa ra ca ça r . Seu corpo es ta va fr io, n ã o em a n a va o ca lor recen tem en te a bs orvido de u m h u m a n o. Ma s ela pa recia bem con for tá vel com s eu livro, s em n en h u m a in ten çã o ou necessidade de sair tão cedo.

— Jasmine? — Qu a n do ela leva n tou a ca beça , pergu n tou : — Por qu e n ã o saiu?

Ela fechou o livro sem marcar a página.

— Ainda vou sair. De repente decidiu vigiar meus passos?

— Nã o é repen t in o. Você fa z pa r te do m eu gru po h á tem po s u ficien te pa ra s a ber qu e vigio tod os os pa s s os . — Ele s e s en tou s ob re a m es a de cen tro d ia n te dela, fitando-a nos olhos. — Está melancólica outra vez.

— O nome atual não é "depressão"?

— Nã o s om os h u m a n os . Es s es term os adotados por eles ja m a is s ervirã o para nós.

— Su pon h o qu e n ã o. E n ã o es tou m ela n cólica . Nem a borrecida . Nã o s e preocupe. Não vou criar problemas para me distrair.

— Então, por que está tão retraída?

— Acho que nasci assim. Sempre fui um pouco... instável.

— O qu e vejo n ã o é in s ta b ilida de. Con h eço você, J a s m in e. Va i com eça r a s e negligenciar, cair em torpor, e não a verei por um século inteiro.

J a s m in e s or r iu . Ele rea lm en te a con h ecia bem . O p r ín cipe era s eu m a is velho amigo; seu mentor, de fato. Ficaria surpresa se ele não a conhecesse.

— Eu n ã o s er ia a p r im eira a m e ret ira r , e você n ã o fica pers egu in do os ou tros qu e se des en ca n ta m e decidem repou s a r por u m tem po p rolon ga do. Por que se preocupa comigo? Por que está sempre insistindo nesse assunto?

— Porque sinto sua falta quando você me deixa. Ainda preciso dizer?

— Ta lvez. É bom ou vir . Ma s eu es tou bem . Ta lvez s in ta fa lta de a lgo com que me ocupar, apenas. Não sei.

Da m ien s orr iu , e o s or r is o con fer iu a in da m a is b eleza a os t ra ços harmoniosos e eternamente jovens.

— Acon tece qu e ta lvez eu ten h a es s a ocu p a çã o qu e p rocu ra — ele anunciou.

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O s om d e pa s s os ecoou n a s ca vern a s qu e leva va m à b ib lioteca recém -des cober ta , con form e Syreen a s e a p roxim a va . As a rm a d ilh a s h a via m s ido rem ovida s , e a s fech a du ra s es ta va m tem pora r ia m en te des p rovida s de s egredos . A pedra qu e h a via p rotegido a m is ter ios a b ib lioteca fora a fa s ta da , e es tu d ios os de d iferen tes ra ça s de Nigh twa lkers percorr ia m os corredores en tre a s es ta n tes com uma constância que só fazia crescer.

Ela pa rou n a en tra da , s ob re o ta pete m a n ch a do por s écu los de umidade e poeira , m a s a in da vib ra n te em s eu s va r ia dos ton s de verm elh o e dou ra do. Era s u a s egu n da vis ita . O ch eiro de umidade h a via d im in u ído. Adm irou o es pa ço. Ha via p ra teleira s do teto a o ch ã o, do extrem o d ireito a o extrem o es qu erdo. Nela s , livros de ta m a n h o e es pes s u ra va r ia dos s e es p rem ia m em fileira s per feita s . Em u m a p r im eira olh a da , s ó con s egu iu ler u m de ca da dez t ítu los . Era im pres s ion a n te, porqu e pod ia ler e es crever em d ivers os id iom a s , h u m a n os e Nightwalker.

O corredor principal era largo o bastante para abrigar várias mesas. Alguém providen cia ra la m pa rin a s a óleo e qu eros en e qu e era m m a n tida s a ces a s . Toch a s p res a s à s pa redes ta m bém es pa lh a va m s u a lu m in os ida de dou ra da . Syreen a sentia os olhos ardendo pelo excesso de luz.

J á h a via dois m on ges e u m demônio n a s a la de leitu ra . Devia h a ver ou tros es tu d ios os n os corredores , a lém de s eu ca m po de vis ã o. Todos com eça va m por a lgu m lu ga r , a b r in do o p r im eiro livro qu e lh es des per ta va o in teres s e. Até on de s a b ia , n in gu ém con h ecia o s ign ifica do da s m a rca s en ta lh a da s n a s pa redes , s ob re as prateleiras, mas certamente eram símbolos.

Prova velm en te in d ica r ia m a lgu ém pa ra cu ida r de tu d o por a li. Um b ib liotecá r io, ta lvez. Algu ém qu e pu des s e coorden a r o es forço, im ped ir qu e o m es m o tra ba lh o fos s e rea liza do por vá r ios es tu d ios os . Algu ém qu e regis t ra s s e os volu m es e os m a n tives s e em ordem , qu e in form a s s e a n eces s ida de de repa ros e quaisquer problemas que pudessem danificar os livros.

Os Nigh twa lkers d ivid ia m a im por ta n te des cober ta , m a s Syreen a s a b ia qu e ja m a is ch ega r ia m a u m a cordo s obre a es colh a de u m b ib liotecá r io. De qu a lqu er m a n eira , fa r ia a s u ges tã o a Sien a . Afin a l, a b ib lioteca es ta va em ter r itór io lica n tropo. Ta lvez, s e des ign a s s em a lgu ém s em con s u lta r os ou tros , a es colh a fosse aceita como norma. Não haveria questionamento ou dificuldades.

Uma Nightwalker surgiu em seu campo de visão. Ela era pequena, delicada, e pa recia m u ito in s egu ra . Percorr ia a exten s ã o da s p ra teleira s com o s e ten ta s s e entender que objetos eram aqueles enfileirados.

Nã o era u m a fêm ea de dem ôn io. Dem ôn ios era m a ltos , b ron zea dos , gra cios os e im pon en tes e, a pes a r de bela , a cr ia tu ra en igm á tica p a recia ter r ivelm en te frá gil. Ta m bém n ã o era lica n tropo ou va m p iro. Os lica n tropos s e recon h ecia m , e va m piros n ã o em it ia m s in a is de circu la çã o de s a n gu e. Nã o depois de cer ta ida de, pelo m en os . E a qu ela cr ia tu ra t in h a pu ls a çã o rá p ida e flu xo sanguíneo muito eficiente.

Quem mais pudia estar estudando a Biblioteca Nightwalker?

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Syreena aproximou-se da desconhecida, que se virou com ar amedrontado e recuou, colando as costas em uma prateleira.

Nesse momento, percebeu quem ela era.

— Olá. Meu nome é Syreena. Você é mistral, não é?

Só t ivera opor tu n id a de de ver u m a cr ia tu ra m is tra l em toda a s u a vida , e era s u rp reen den te qu e a gora s e depa ra s s e com a s egu n da . Ela s era m s em pre reclu s a s , n ã o s e a s s ocia va m a n in gu ém fora da es pécie, e, em bora vives s em em pequ en os vila rejos , ra ra m en te s e reu n ia m . Tin h a m pa vor de m u lt idões , e certamente temiam os que tinham algum tipo de poder.

A jovem assentiu. A princesa sabia que ela não falaria. As fêmeas de mistral era m ch a m a da s de s ereia s por u m m otivo m u ito ra zoá vel. A m elod ia de s u a voz era en ca n ta dora , h ipn otiza n d o qu em a ou via . Era u m m eca n is m o de defes a m a is qu e a dequ a do. Com o o s in is tro ch oca lh o da ca u da de u m a ven en os a s erpen te, s eu efeito era u n ivers a lm en te paralisante. Ma s , ta m bém com o a s á b ia s erpen te, ela s p refer ia m s e es con der a pa r t icipa r de u m con fron to. Porém , em ca s o d e necessidade, podiam causar graves danos ao oponente.

A delicada jovem apertou a mão que Syreena estendeu, tremendo da cabeça a os pés . Apes a r do pa vor a pa ren te, ela devia s er m u ito cora jos a pa ra deixa r s eu refúgio e aceitar o convite para conhecer a biblioteca.

Syreen a s oltou s u a m ã o e olh ou pa ra a s m es a s m a is p róxim a s . Sorr in do pa ra a mistral, pegou u m a folh a de pa pel de u m a p ilh a n o ca n to de u m a prateleira, apontando para a caneta que a jovem segurava.

— Qual é seu nome?

A mistral s or r iu , pegou a folh a de pa pel, qu e a poiou n o livro qu e s egu ra va , e escreveu: "Ária".

Syreen a sen t iu u m a im ed ia ta s im pa t ia por ela . Tin h a m m u ito em com u m , em bora o povo mistral s ó s e tra n s form a s s e em a ves , en qu a n to os lica n tropos pod ia m ter a form a de qu a lqu er cr ia tu ra do rein o a n im a l. Porém , com o com pa r t ilh a va m a form a de u m a a ve, ta lvez pu des s em com pa r t ilh a r cen á r ios e exper iên cia s . Ser ia s ó u m a qu es tã o de con qu is ta r a con fia n ça da cr ia tu ra a té convencê-la a ba n ir o en ca n ta m en to de s u a voz, com o u m a cob ra qu e m a n tém pa ra do o ir r ita n te ch oca lh o, pa ra poderem con vers a r . O rela cion a m en to de Siena com ou tra mistral chamada Windsong prova va qu e exis t ia es s a pos s ib ilida de, mesmo que fosse rara.

Ár ia recu ou u m pa s s o e s e en colh eu , repen tin a m en te n ervos a . Syreen a olhou por cima de um ombro tentando identificar o que ela vira.

O ar ficou preso em seu peito.

Damien.

Ha via con h ecido o p r ín cipe va m piro em ou tra oca s iã o, e ter ia s ido im pos s ível es qu ecê-lo. Ele era a lto com o u m dem ôn io, esguio, em bora a t lét ico, e don o de om bros s in gu la rm en te la rgos , con s idera n do o por te delica do dos de s u a es pécie. Ele s e m ovia com a qu ela gra ça qu e pa recia s er in eren te a todos os va m piros . Da va a im pres s ã o de p regu iça , des cu ido, rela xa m en to e des ca s o, m a s

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tu do a qu ilo era s ó u m a en cen a çã o. Um a ca m u fla gem . O p r ín cipe m a n tin h a -se alerta a ponto de ser mortal para um eventual inimigo.

Sien a o vira lu ta r , e h a via com en ta do qu e ja m a is a n tes tes tem u n h a ra a lgu ém s e m over com ta n ta ra p idez ou dem on s tra r ta m a n h a a legr ia n a tu ra l p or matar.

A im pres s ã o de Syreen a era d iferen te. Fica va n ervos a qu a n do o via , em bora n ã o s ou bes s e por qu ê. Nã o s e a pa vora va com o a jovem Ária , m a s p refer ia redu zir ao mínimo o tempo de convivência.

O im pu ls o de fu gir a ir r ita va , porqu e n ã o era de s u a n a tu reza s e a s s u s ta r ou s en tir m edo. Nã o com ta n ta fa cilida de. E com o poder ia cu m prir s eu dever a li, s e o deixa s s e in t im idá -la ? Seu ú n ico con s olo era qu e ele n ã o s a b ia d e s u a rea çã o. Ou n ã o s a ber ia , en qu a n to ela m a n tives s e a o m en os o con trole n eces s á r io pa ra impedir a detecção telepática.

Ária havia desaparecido. Garota esperta!

Vampiros eram imprevisíveis, temperamentais. Syreena também gostaria de s e ret ira r , m a s , com o n ã o pod ia , decid iu in s pecion a r o pr ín cipe e a m u lh er qu e o a com pa n h a va . Alta , com lon gos ca belos n egros e u m a r m ela n cólico, ela era certamente vampira. E não parecia animada com a visita.

Com o n ã o es pera va rep res en ta n tes dos va m piros , decid iu a bordá -los pa ra des cobr ir o qu e p reten d ia m . Era m bem -vin dos , com o todos os ou tros , m a s , n a n oite a n ter ior , du ra n te u m a reu n iã o pa ra decla ra r a a ber tu ra oficia l da b ib lioteca aos estudiosos, Noah havia informado que Damien recusara o convite.

A m u lh er de repen te olh a va em volta com gra n de in teres s e, fa s cin a da pelos livros . Um a va m pira es tu d ios a ? Qu e in teres s a n te pa ra doxo! J a m a is s ou bera qu e eles direcionavam sua interminável energia para coisas que não fossem... carnais.

Damien notou-a im ed ia ta m en te. Além da colora çã o de arlequim, ela era u m a p resen ça im pon en te e for te, em bora n ã o t ives s e a s en s u a lida de eviden te d a irmã.

— Syreena — Damien a cumprimentou com entusiasmo. — Jasmine, essa é a princesa Syreena. Syreena, essa é Jasmine. Ela é... — Ele se interrompeu ao ver qu e, depois de u m a cen o des in teres s a do, J a s m in e já s e d ir igia a u m a da s prateleiras. — Ela está ansiosa para começar.

— Não esperava ninguém além de Kelsey ou você. Por que a mudança?

— J a s m in e é u m a excelen te es tu da n te e é m u ito lea l a m im . Se es tá preocupada, posso assegurar que ela não vai causar problemas.

— Que contradição! Um vampiro que não causa problemas?

Ele r iu . Sem a s p res a s , ret ra ída s n es s e m om en to com o a s ga r ra s de u m ga to, ele era belís s im o e m u ito a tra en te. Da m ien u s a va ba rba cu r ta e b igode, o qu e a cen tu a va o con torn o m á s cu lo do qu eixo. Ou tra a n om a lia . Va m piros era m qu a s e s em pre des p rovidos de pelos fa cia is . Era ra ro qu e u m deles cu lt iva s s e ba rba e b igode, com o o p r ín cipe. Es ta r ia ele des a fia n do a s n orm a s cu ltu ra is ? E por quê?

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Os olh os a zu is b r ilh a va m , ilu m in a n do os t ra ços s in gu la res . Um a tra n ça es pes s a ca ía s obre s eu s om bros , a pon ta a lca n ça n do a pa r te in fer ior do m ú s cu lo peitora l. Su a beleza era ta m a n h a , qu e ele da va a im pres s ã o de s er o h om em m a is inofensivo do planeta.

E era isso que fazia Syreena sentir arrepios.

Não confiava nele.

Não devia con fia r n ele. Qu em pod ia con fia r em u m m em bro de u m a es pécie qu e con ta va ju s ta m en te com a con fia n ça a lh eia pa ra a r ra n ca r do ou tro s u a nutrição?

— Não há proteção aqui — ele comentou.

Con s idera n do qu e o lu ga r era ocu pa do a pen a s por es tu d ios os , e qu e h a via pou co tem po in im igos ferozes t in h a m es ta do es ca va n do a s u perfície p rocu ra n do ju s ta m en te por a qu ela b ib lioteca , ele t in h a cer ta ra zã o pa ra es ta r a d m ira do. Ma s Syreena se sentiu pessoalmente insultada.

— Eu estou aqui — ela respondeu.

— Sim ... es tá . Nã o qu ero s u bes t im a r s u a força , m eu bem , m a s n ã o vejo com o poder ia en fren ta r u m ba n do de s egu idores de m a gia n egra e ca ça dores h u m a n os lidera dos por u m a fêm ea de demônio vira-ca s a ca , ca s o eles decida m voltar.

— Bem, m eu bem , com o eles fra ca s s a ra m n a p r im eira ten ta t iva , s u pon h o que não conheçam este lugar...

— Ainda — ele interferiu.

— ...e não saibam da existência de Nightwalkers na caverna neste momento — Syreena concluiu com tom debochado e hostil.

— Qu a n tos s ã o? Dez? Cin co? In clu in do J a s m in e, vejo a pen a s qu a tro. Um n ú m ero pequ en o dem a is pa ra s ob reviver a u m a ta qu e. Som os força dos a dorm ir du ra n te o d ia ; n os s os in im igos h u m a n os n ã o têm es s a lim ita çã o. Ta lvez n em a traidora dos demônios, agora que desenvolveu poder tão impressionante.

Ele tinha razão. Então, por que se sentia tão ofendida?

Damien tinha de admitir que a provocação era deliberada. Queria perturbar a ca lm a qu e ela u s a va com o u m m a n to. Depois da n oite em qu e a vira defen der a irm ã , n u n ca m a is con s egu ira es qu ecer s u a determ in a çã o e cora gem , ou o fogo que havia iluminado seus olhos.

O pr ín cip e en trou n a b ib lioteca e s e a p roxim ou de J a s m in e, en la ça n do-a pela cin tu ra e coch ich a n do a lgu m a cois a em s eu ou vido. A m u lh er olh ou n a direção de Syreena, dando a impressão de que ela era o assunto.

Syreen a res p irou p rofu n da m en te, ten ta n do con ter a fú r ia . Recen tem en te, era com o s e n ã o fizes s e ou tra cois a . Com o s e es t ives s e a n s ios a por u m a boa b r iga . Tu do qu e qu er ia era es m u rra r o n a r iz per feito do p r ín cipe dos va m piros . Con s equ ên cia s polít ica s à pa r te, a té Sien a ter ia recon h ecido qu e ele m erecia o castigo.

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Perdera a von ta de de es tu da r . Sa iu , olh a n do em volta a o p a s s a r pela por ta . As ra m ifica ções da ca vern a era m ta n ta s qu e n ã o con s egu ia es colh er . Por is s o os lica n tropos gos ta va m ta n to de viver em ca vern a s . Era m protegida s , a con ch ega n tes , ch eia s de fon tes de á gu a fres ca e n a s cen tes m orn a s , e n u n ca h a via m u lt idões ou per tu rba ções . A tem pera tu ra era con s ta n te, e o a m bien te era fresco e confortável. E como se não bastasse, ali era sempre noite.

Com o a expos içã o a o s ol era ven en os a pa ra eles , es s a era u m a va n ta gem in d is cu t ível da s ca vern a s . Um lica n tropo intoxicado pelo s ol pa s s a va d ia s de ter r ível a gon ia , com dores h orr íveis e o corpo cober to por bolh a s , a té m orrer . Siena escapara por pouco dessa morte.

No m u n do da s u perfície, era in vern o. Um in vern o ru s s o, porqu e era lá qu e fica va o ter r itór io lica n tropo. As ca vern a s t in h a m dezen a s de s a ída s , e Syreena en tra ra pelo ca m in h o qu e a n tes con du zia a o loca l de h ibern a çã o de u m a lica n tropo ch a m a da J in a er i. Ela s e m u da ra pa ra ou tro lu ga r a n tecipa n do a m ovim en ta çã o qu e a b ib lioteca a ca ba r ia p rovoca n do, o qu e ter ia p reju d ica do s eu repouso de inverno.

Syreen a a dora r ia es ta r h ibern a n do. Precis a va m es m o de pa z e s olidã o. Ma s o fa lcã o e s u a ou tra form a , o golfin h o, era m cr ia tu ra s m igra tór ia s . Seu im pu ls o ped ia m a is u m a m u da n ça n a loca liza çã o em bu s ca de ca lor do qu e u m s on o p rolon ga do. Ta lvez por is s o n ã o con s egu is s e fica r qu ieta . Ta lvez por is s o es t ives s e tão agitada recentemente, tão propensa à irritação.

Escolheu um dos caminhos dentro da caverna.

Quando Damien s e virou , a p r in ces a lica n tropo h a via des a pa recido. Olh ou a o redor do en orm e a pos en to, fra n zin do a s s obra n celh a s , m om en ta n eamente con fu s o. Ela n ã o p a recia do t ipo qu e fu gia , m a s ta lvez s u a p rovoca çã o a t ives s e leva do a is s o. In clin ou u m pou co a ca beça , u s a n do s eu s s en tidos pa ra ten ta r localizá-la . Porém , n ã o foi bem -s u ced ido; a s ca vern a s cr ia va m es tra n h os ecos em s u a rede sensorial. A ú n ica cois a de qu e t in h a cer teza era qu e ela n ã o es ta va por perto. Decidiu procurá-la, embora não soubesse por que se importava.

Syreen a p is ou n o s olo cober to de n eve e en ch eu os pu lm ões com o a r gela do. Ao m es m o tem po, cru zou os b ra ços d ia n te do peito pa ra p res erva r o ca lor do corpo. Us a va a pen a s u m ves t ido qu e m a l a lca n ça va os joelh os , e os ca lça dos a ber tos era m im própr ios pa ra ca m in h a r n a n eve. Ma s , com o t in h a em s u a natureza uma porção animal, estava equipada para enfrentar essas dificuldades.

Encontrava-s e n a flores ta . Com eçou a a n da r , ou vin do o ra n ger dos pa s s os s ob re o s olo gela do. Sen t ia -s e ten ta da a des p ir -s e e vira r fa lcã o, pois a m a va voa r livrem en te n a n oite, m a s t in h a res pon s a b ilida des n a n oite de a ber tu ra da b ib lioteca . Ter s e a fa s ta do h a via s ido u m er ro. Da r ia a pen a s u m a rá p ida e refrescante ca m in h a da , e depois volta r ia . A in ten çã o era es fr ia r a ca beça , recu pera r a pers pect iva . Tin h a o dever de s er cord ia l e d ip lom á tica com todos os Nightwalkers qu e n ã o a a m ea ça s s em , e já h a via t ra ta do com im perdoá vel rispidez o p r ín cipe va m piro. Um in s u lto, n a s s ocieda des beligera n tes em qu e vivia m , poderia ser suficiente para causar uma guerra.

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Segu iu em fren te pela n oite es cu ra e s em lu a r . Precis a va en ten der o qu e es ta va a con tecen do com ela . Tin h a cen to e oito a n os de ida de, fora bem -educada, bem treinada... Não podia se comportar como uma criança temperamental.

Pa rou a o ou vir u m ba ru lh o. Na form a h u m a n a , s en tia -s e s em pre m a is vu ln erá vel. Pa s s a va m a is tem po com o fa lcã o, e ter ia escolh ido o golfin h o com o forma dominante, se houvesse algum outro lugar de águas profundas além de um ou ou tro la go n a ca vern a . Nes s a s form a s , pod ia a o m en os regu la r a tem pera tu ra do corpo pa ra en fren ta r tem pera tu ra s extrem a s , com o a qu e exper im en ta va agora.

O s om s e repetiu a t rá s dela . Aba ixou -s e, a poia n do-s e s obre u m a da s m ã os pa ra olh a r em volta e va r rer a es cu r idã o. Na da . Ma s s a b ia qu e h a via m a is a lgu ém ali.

Sen t iu u m repen t in o des loca m en to de a r . Os pelos em s u a n u ca s e a r rep ia ra m , e ela s e virou com velocida de es pa n tos a . Ao fa zer is s o, percebeu qu e havia caído numa armadilha. Agora dava as costas para o atacante.

Ou a a ta ca n te. Era u m a m u lh er qu e s u rgia n a es cu r idã o. Ca belos lou ros emolduravam o rosto de olhos azuis dominados pela loucura e pelo ódio.

— Vamos brincar, princesa — a voz pastosa e desequilibrada convidou.

Ruth.

Identificar a traidora que abandonara os demônios de sua raça para unir-se a h u m a n os qu e b r in ca va m com m a gia corrom pida s obre a qu a l n a da s a b ia m foi a única coisa que teve tempo de fazer antes de ser atacada.

Pen s ou em correr . Nã o pod ia perm itir qu e Ru th a toca s s e, ou o demônio da Men te a telepor ta r ia pa ra lon ge da s egu ra n ça , da fa m ilia r ida de e do a poio de s eu ter r itór io. A cr ia tu ra a gora era u m a a berra çã o, u m demônio qu e u s a va m a gia n egra , a lgo qu e n in gu ém ja m a is fizera a n tes , e ela já s e h a via m os tra do ca pa z de poder e crueldade extraordinários.

— Va m os ver qu a n to s u a irm ã a m a o a s s a s s in o qu e ch a m a de m a r ido. Quando ela souber que o guerreiro é responsável por sua morte...

Syreen a foi tom a da por u m pâ n ico repen t in o. A cr ia tu ra pen etra va s u a m en te, a ltera n do s u a percepçã o e a m ea ça n do s eu equ ilíb r io. Um a on da de n á u s ea a la n çou a o ch ã o. In s t in t iva m en te, virou a ca beça pa ra u m la do, expon do a porção castanha do cabelo.

Ma s Ru th antecipou-se e, com o u m ra io de lu z, telepor tou -s e pa ra s u a s cos ta s , ob r iga n do-a a vira r o ros to pa ra a n eve a fim de s u s ten ta r o pes o in es pera do. Syreen a sentiu-a a ga rra n do s eu s ca belos , pu xa n do-os a té fazê-la gritar de dor.

Com os ca belos p res os , a t ra n s form a çã o n ã o era pos s ível, e es s e t ipo de p r is ã o era o p ior pes a delo de u m lica n tropo. Além d is s o, a gora Ru th t in h a o contato fís ico de qu e p recis a va pa ra rem ovê-la da flores ta ru s s a . A p r in ces a s a b ia qu e s eu ú n ico recu rs o era in ter fer ir n a ca pa cida de de con cen tra çã o do demônio. Levando a m ã o à s cos ta s , u s ou a s u n h a s pa ra fer ir o ros to e o pes coço da atacante, que gritou.

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Em s egu ida , Ru th pu xou s eu s ca belos com m a is força , a r ra n ca n do ta n tos qu e ch egou a s e s olta r , ca in do pa ra t rá s . Syreen a m u dou im edia ta m en te de pos içã o. De qu a tro, viu o s a n gu e qu e jor ra va do loca l on de os fios h a via m s ido arrancados formando pequenas poças na neve. A dor era fenomenal.

Ruth levantou-se e agarrou-a pelo pes coço, lem bra n do-a de qu e ela h a via s ido u m a gu erreira n o pa s s a do. Um a gu erreira for te e com peten te qu e s ervira n a gu erra de trezen tos a n os en tre demônios e lica n tropos . Ela con h ecia toda s a s fraquezas do inimigo e sabia como explorá-las.

E Syreena pensara estar à altura do desafio?

Ru th es ta va im ped in do a pa s s a gem de a r por s u a ga rga n ta , força n do o medo a pen etra r s u a m en te a té s eu s pen s a m en tos s e torn a rem con fu s os . Dom in a da , Syreen a n ã o con s egu ia pen s a r ou contra-atacar. J a m a is h a via enfrentado um demônio antes. E só agora dava-se conta do incrível poder daquele povo.

Essa foi a última coisa que pensou antes de mergulhar na escuridão.

Da m ien s egu ia a s pega da s da p r in ces a n a n eve. De olh os fech a dos , ten ta va ign ora r o fr io cor ta n te, u s a n do os s en t idos pa ra loca lizá -la . Era d ifícil. Ta lvez Syreena houvesse voado.

Abr iu os olh os e con t in u ou a n da n do, n ota n do a qu ietu de in com u m qu e o cerca va . Mem bra n a s en cobrira m s eu s olh os e, a o lon ge, u m a m a n ch a ros a da de ca lor res idu a l s e des ta cou com o u m fa rol. Nã o h a via n en h u m s er vivo a li, m a s alguém passara pelo local recentemente. Continuou rastreando os sinais.

Nã o s a b ia por qu e s e s en tia com pelido a ped ir des cu lpa s pa ra a p r in ces a , mas sempre seguia seus instintos.

As pegadas na neve se modificavam. Havia um segundo jogo de marcas, um desenho que ele não conseguia identificar.

Retom a n do a vis ã o n orm a l, ajoelhou-se. Nenh u m s in a l leva va pa ra fora daquele círculo, embora o rastro de Syreena terminasse ali.

Ela devia ter voado. Mas... se não estava com as membranas de detecção de calor ativadas, por que via aquela névoa rosada no chão, como se...

Tocou a área. E tocou a calça no local em que se sujara ao ajoelhar.

Sangue.

Tu do fica va repen tin a m en te cla ro. J a m a is ter ia deixa do de s en tir o ch eiro de s a n gu e. Nem em u m m ilh ã o de a n os . Deixara-se en volver por u m tru qu e barato, magia de principiante.

Levantou-s e, p rojeta n do toda a s u a ca pa cida de de percepçã o pa ra a lém da influência externa que havia confundido sua mente.

Sentia agora o odor e a vibração da luta. Medo, raiva, desespero... e o cheiro de s a n gu e. Sa n gu e de lica n tropo. Syreen a . E h a via ca belos n a n eve. Ca belos cinzentos.

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Agora qu e gra va ra em s u a m em ória in s t in t iva o ch eiro do s a n gu e de Syreena, poderia encontrá-la mais depressa.

E isso era tudo que importava.

Ru th jogou a p r in ces a lica n tropo em u m ca n to da s a la de p is o de ped ra . Seu p ra zer era in equ ívoco. Syreen a p rotegeu a ca beça pa ra im ped ir qu e a á rea ferida se chocasse contra a parede, aumentando a hemorragia.

Nu m p r im eiro m om en to, ela a pen a s s e p rotegeu . Em s egu ida , em pé, in ves t iu con tra a fêm ea de demônio. O b íceps poderos o en con trou a ga rga n ta de Ruth, jogando-a no chão. Mas, rápida, Ruth aproveitou sua posição para dar uma ra s teira n a p r in ces a , qu e ca iu de cos ta s s ob re a ped ra , ba ten do violen ta m en te a ca beça . Além da perda de s a n gu e, a gora s en t ia ta m bém a ton tu ra p rovoca da pela pancada.

Ru th t irou p roveito da des or ien ta çã o da a dvers á r ia e gr itou u m a fra s e n u m idioma incompreensível. Um encantamento.

Um demônio usando magia.

Syreen a s en tiu qu e m ã os in vis íveis a ga r ra va m s eu pes coço. Qu er ia lu ta r , m a s n ã o h a via n a da a en fren ta r . Na d a qu e pu des s e ver ou a ga rra r . Em s eu pes coço h a via a pen a s o cordã o com a pedra -da-lu a , s ím bolo de s u a pos s ib ilida de de ascensão ao trono licantropo.

Ru th , tota lm en te recu pera da , ajoelhou-se a o la do da vít im a , s or r in do, satisfeita.

— As s im é m elh or — d is s e, toca n do a tes ta da p r in ces a . Verm elh a , Syreen a chutava violentamente, em busca de algum alvo.

— Se ficar quieta, eu solto você — Ruth prometeu.

Syreen a n ã o a cred ita va n ela , e a dú vida devia es ta r es ta m pa da em s eu s olhos. Morreria nas mãos da criatura enlouquecida, mas nunca se submeteria.

— Fa ça com o qu is er , en tã o. — Ruth irritou-se, ba ten do pa lm a s u m a vez para encerrar o encantamento.

Syreena arfava, tentando levar ar aos pulmões, e lutava contra a náusea e a dor de cabeça que explodia atrás de seus olhos inchados.

— Mu ito bem , va m os deixa r cla ro a lgu m a s cois a s a qu i. Sou u m demônio da Mente, por isso posso ler seus pensamentos.

Ela estava mentindo. Só os homens tinham o dom da telepatia.

— Nã o es tou m en tin do — Ru th s u s s u rrou , r in do. — Hou ve u m tem po em qu e t ive de a ceita r a s lim ita ções im pos ta s a o m eu s exo. Ma s , des de qu e m e des ligu ei da qu ela cu ltu ra h ip ócr ita , en con trei o ca m in h o pa ra des en volver toda s as habilidades contidas em mim. Sendo assim, vamos poupar seu tempo e o meu.

— Vadia!

— Sei de on de t irou es s a ideia , ta m bém . E a cu lpa é da s u a irm ã . Ela n ã o devia ter leva do pa ra a ca m a a qu ele a s s a s s in o s em cora çã o. Con s or te rea l! Fra n ca m en te! Pelo m en os , ela teve o bom s en s o de n ã o coroá -lo rei! Pode

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im a gin a r? Logo, eles terã o u m h erdeiro, p r in ces a , e você s erá obs oleta . Sen do a s s im , é m elh or u s á -la a gora , en qu a n to a in da tem a lgu m va lor . — Aga rrou -lhe os cabelos. — Você e s u a irm ã es tã o fis ica m en te liga da s ? Notei com o s e m ovem em h a rm on ia n o ca m po de ba ta lh a . Exis te u m a liga çã o? Nã o? Ah , qu e pen a ! Pen s ei que ela poderia sentir... isto. — Puxou a mecha com toda a força.

Os ca belos s e s olta ra m do cou ro ca belu do, p rovoca n do u m s a n gra m en to a bu n da n te e im ed ia to. Era com o s e Ru th h ou ves s e a m pu ta do o pé ou a m ã o de Syreena. A perda de s a n gu e e a dor era m , cer ta m en te, incomparáveis. A p r in ces a gritou, ba ten do os pés con tra o ch ã o e s ofren do u m a violen ta con vu ls ã o. Us a n do a força qu e lh e res ta va , fu giu pa ra o ou tro ca n to da s a la , on de ficou en colh ida , tremendo como um animal acuado, incapaz de enxergar a atacante ou o ambiente por conta da cortina de sangue que lavava seu rosto.

Ruth examinou a mecha cinzenta em sua mão e sorriu.

— Isso vai ser divertido.

Pelo m en os h a via u m ra s tro. E u m a for te ten s ã o n a qu ela p is ta , in d ica çã o cla ra de qu e a lgu ém leva ra Syreen a con tra s u a von ta de. Sa b ia com o ela h a via s ido ca p tu ra da . Sen t ia o ch eiro de dem ôn io em ca da eta pa do ca m in h o, e s ó u m a cr ia tu ra s er ia s u ficien tem en te lou ca pa ra p ra t ica r ta m a n h a t ra n s gres s ã o em território real.

Ruth.

Ela e a filha Mary haviam causado mais dor e morte para a comunidade dos demônios no último ano do que ele jamais teria imaginado ser possível. Agora que Ma ry es ta va m or ta , a ciden ta lm en te a s sa s s in a da pela p róp r ia m ã e n u m a ten ta t iva deses pera da de pôr fim à vida de Elija h , era im pos s ível p rever o qu e ela poder ia fa zer com Syreen a . Siena rea gir ia , a pes a r de su a n a tu reza pa cífica . Com o os demônios interpretariam sua reação era algo difícil de antever.

Damien decid iu voa r pa ra s egu ir a tr ilh a deixa da pelo telepor te. Ruth era for te, m a s t in h a s u a s lim ita ções . Ela n ã o pod ia ter ido a lém do continente eu ropeu . Ma s , com a a ju da d a s a r tes n egra s ... Nin gu ém pod ia s a ber qu e poderes ela tinha ao seu dispor.

Jasmine s ó n otou a a u s ên cia p rolon ga da de Damien u m a h ora depois de s u a pa r t ida . Com o es ta va m em ter r itór io es tra n h o, cerca do por Nightwalkers, in icia n do u m a ta refa n a qu a l ele p rom etera a com pa n h á -la pa ra s e cer t ifica r de que tudo era seguro e tranquilo, ficou intrigada.

Era p reocu pa n te, s em dú vida . Nã o qu er ia ba n ca r a gu a rd iã de u m va m piro com o dobro de sua idade e o triplo de poder, mas...

Saiu da b ib lioteca e olh ou pa ra os tú n eis qu e s e es ten d ia m em tod a s a s direções. Não foi difícil encontrar o rastro deixado por Damien, e ela o seguiu com grande cautela.

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Damien a ter r is s ou em u m a á rea qu e a cred ita va per ten cer à per ifer ia de Paris.

De território lican tropo à terra mistral?

Ruth fora expu ls a da Rú s s ia h a via pou co m a is de u m m ês , depois de ter es ca va do a ter ra s ob re a regiã o on de os Nightwalkers a lia dos h a via m en con tra do a m on u m en ta l b ib lioteca . Agora es ta va a li, n ova m en te em ter r itór io de Nightwalkers de outra raça.

O qu e fa zia ? E por qu e telepor ta r ia Syreen a pa ra tã o lon ge? Devia es ta r es gota da depois da via gem de ida e de volta , es pecia lm en te por ter t ra n s por ta do uma passageira que devia ter lutado com unhas e dentes durante o processo. Mas ele s a b ia qu e n ã o devia con ta r com es s e t ipo de va n ta gem . Ruth es ta va cerca d a de ca ça dores e u s u á r ios de m a gia n egra , cr ia tu ra s qu e n ã o h es ita r ia m em torturá-lo por pura diversão.

Ela era louca. Não era estúpida.

Damien se misturou às sombras. Estava em uma rua de pedras tomada por con s tru ções dos dois la dos . Era u m a cida de a n t iga , exa ta m en te o t ipo de lu ga r on de n ã o s er ia d ifícil en con tra r m is tra is . Porém , h a via n o loca l m a is de qu a trocen tos h a b ita n tes , e u m povoa do mistral ra ra m en te exced ia du a s dezen a s de moradores.

Ruth h a via p refer ido s e p roteger , em vez de in s ta la r-s e en tre os m is tra is com o gru po a s s u s ta dor qu e a s egu ia . Em u m a m bien te rea lm en te mistral, ela s e destacaria.

Ele s a b ia qu e es ta va ca da vez m a is per to de Syreen a . A b r is a da n oite s op ra va a fragrância qu e s ó u m s eleto gru po poder ia iden t ifica r com o dela . Um grupo do qual ele mesmo, Siena e Jacob, o demônio Defensor, faziam parte.

O idea l s er ia en con tra r u m a form a de res ga tá -la e pa r t ir s em s er n ota do. A p r im eira cois a a fa zer era determ in a r s e ela es ta va viva . Nes s e ca s o, ter ia de a gir s em dem ora . Se n ã o, ter ia tem po pa ra ir bu s ca r reforços . Recu pera r ia m o corpo dela e puniriam os culpados de maneira exemplar.

A ideia era lógica e p rá t ica , m a s ele n ã o con s egu ia a ceitá -la . Pod ia es ta r caindo em uma armadilha preparada por Ruth para capturar quem fosse resgatar a princesa, Siena e Elijah, por exemplo, mas não pouparia esforços para salvá-la.

Aproximou-s e de u m ga lpã o on de term in a va a t r ilh a . Qu a n do tocou a pa rede, s in a is de a la rm e s oa ra m em s u a m en te e des per ta ra m tod os os s eu s in s t in tos . O ch eiro de m a gia era in con fu n d ível, repu gn a n te. Pod ia s e a p roxim a r s em ser n ota do, m a s s ó por determ in a do tem po. Ruth logo des cobr ir ia qu e u m a p res en ça extern a a m ea ça va s eu s p la n os . Mes m o com todo o poder m en ta l, Damien jamais poderia enfrentar com igualdade um demônio da Mente.

Ca m in h ou deva ga r pelo per ím etro da s m u ra lh a s , tes ta n d o com cu ida do o poder que emanava daquele lugar.

Ruth s e a perfeiçoa va com o tem po. Su a p r is ã o a gora era feita pa ra a com oda r todos os Nightwalkers, e n ã o s ó os dem ôn ios . E la h a via a p ren d ido bem a liçã o des de qu e os Nigh twa lkers h a via m s e u n ido pa ra en fren tá -la . Ela n ã o era

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a pen a s u m a ren ega da ten ta n do s e vin ga r do p róp r io povo. Era u m a a m ea ça e u m terrível perigo para todos.

Damien piscou pa ra ba ixa r a s m em bra n a s s en s íveis em s eu s olh os , e foi ofu s ca do pela lu m in os ida de in ten s a gera da pelo ca lor de m u itos corpos reu n idos n o cen tro de u m a pos en to. Ha via ou tra s s a la s , e em toda s ela s os corpos emanavam calor.

Ma s es ta va p rocu ra n do pelo ca lor abrasador de u m lica n tropo, e n ã o foi d ifícil en con tra r es s a lu z. Ela es ta va en colh ida n o ch ã o em u m qu a r to do a n da r superior, ao lado do corpo mais frio e ereto daquela que a capturara.

Tin h a de s e es força r pa ra con ter o ód io por Ruth. Era a b s u rdo qu e u m a cr ia tu ra tã o p rocu ra da fos s e ca pa z de en ga n a r os m a is h á beis ca ça dores do p la n eta . E qu a n do a en con tra va m , com o a con tecera n a ú lt im a ba ta lh a , a cru elda de com qu e ela s e d is pu n h a a s a cr ifica r dezen a s de h u m a n os p a ra defender-se os confundia, possibilitando sua fuga.

E a gora n ã o era d iferen te. Ruth m a n tin h a m u itos h u m a n os n os côm odos da qu ela ca s a , e n ã o h es ita r ia em s a crificá -los. Damien p recis a va en con tra r u m meio de impedi-la de jogá-los contra ele.

Levitou, erguendo-s e do ch ã o a té s e a p roxim a r de u m a ja n ela de on de ele pod ia ver o côm odo on de Ruth m a n tin h a s u a ca t iva . A ja n ela era m u ito pequ en a , pouco maior que a mão dele.

Muito astuto...

Era tã o p equ en a qu e pod ia im ped ir a en tra da de qu a lqu er cois a , exceto, é cla ro, de u m dem ôn io do Ven to em s u a form a m olecu la r iza da . E, s em dú vida , equ ipa da com u m d is pos it ivo qu e fech a r ia a p a s s a gem im ed ia ta m en te depois de s u a en tra da , com o u m a ra toeira s e fech a n do s ob re o pes coço do ra to qu e va i buscar o queijo. E Syreena era o queijo.

Es perou pa cien tem en te qu e Ruth saísse da s a la . Em du a s h ora s , n o m á xim o, ele e Syreen a s er ia m im ped idos de s e locom over em es pa ço a ber to, pois o s ol es ta r ia n a s cen do. Ruth era ca pa z de con trola r a leta rgia qu e a im pelia a dorm ir du ra n te o d ia . Dem ôn ios m a is velh os e poderos os s em pre pod ia m contornar essa necessidade, pelo menos por algumas horas.

Ele e Syreen a n ã o t in h a m a m es m a s or te. Syreen a m orreria pelo en ven en a m en to ca u s a do pelos ra ios s ola res , e ele s e torn a r ia u m a p ilh a de cinzas.

Tudo isso em duas horas.

Qu a ren ta m in u tos d epois , con s ta tou qu e Ruth h a via deixa do a p r is ion eira s ozin h a . Nã o s a b ia por qu a n to tem po ela s e a u s en ta r ia , m a s s a b ia qu e, qu a n do con s egu is s e res ga ta r a p r in ces a , ter ia de pen s a r em u m m eio de im ped ir Ruth de rastreá-los, com o ele a ca ba ra de fa zer . Pod ia en cobr ir os p róp r ios ra s tros , m a s não os de Syreena.

Ela es ta va en colh ida em u m ca n to p róxim o da ja n ela , fora de s eu ca m po de visão. Damien en xerga va a pen a s a s pa redes de pedra cober ta s por a m u letos e en ca n ta m en tos . Nã o poder ia pa s s a r por ta n ta s cerca s m ís t ica s s em s er n ota do. Sendo assim, recorreria à abordagem direta. Invasão era a palavra de ordem.

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Syreena os cila va en tre a con s ciên cia e a inconsciência qu a n do a s pa redes de ped ra exp lod ira m em torn o dela . A força m on s tru os a s a cu d iu o a pos en to com o u m ter rem oto. Um a es pécie de ca m po de força a cerca va , u m poder tã o in ten s o qu e ela o s en t ia com o u m a dor fís ica . Felizm en te, es ta va a ba t ida d em a is pa ra s e incomodar.

Era com o s e u m a tem pes ta de de fogo s op ra s s e em s u a d ireçã o, e ela n ã o d is pu n h a de n a da a lém do p róp r io corpo pa ra s e p roteger . Es ta va en colh ida , a pa vora da , a tu rd id a ... E , a in da a s s im , a ba ixou a ca beça , ten ta n do res p ira r enquanto esperava que o calor intenso a queimasse... ou passasse.

Nes s a pos içã o, ela s en t iu a s m ã os for tes s egu ra n do s eu s b ra ços , ten ta n do colocá-la em pé. Mas suas pernas não podiam sustentá-la.

Ela foi ergu ida do ch ã o. Sen t ia -s e pes a da , com o s e t ives s e u m m ilh ã o de toneladas. Como era possível que alguém a levantasse com tanta facilidade?

Houve uma mudança de posição, uma exclamação abafada, e de repente ela era arremessada no ar para a noite escura.

Damien s a iu do a pos en to dem olido da m es m a form a qu e en tra ra , pela abertura criada pelo impacto de seu corpo contra a parede.

Syreen a pes a va em s eu s b ra ços . Ruth la n ça ra s obre ela u m en ca n ta m en to, a u m en ta n do s eu pes o dezen a s de vezes . Era com o ten ta r voa r ca rrega n do u m elefante.

Ain da a s s im , ele con s egu iu s a ir da ca s a e s u b ir ru m o à s es trela s qu e pontilhavam o céu es cu ro. Era esgotante, es pecia lm en te depois do a bu s o de magia a que se expusera momentos antes.

O a s pecto pos it ivo era qu e Ruth n ã o pod ia voa r , en tã o s eu s poderes de teleporte era m in ú teis . Ela poder ia s e telepor ta r a o céu e s u rgir d ia n te dele, s e quisesse, mas cairia em seguida para a morte.

Ter ia de recorrer a ou tros m eios , e Damien já pod ia s en t ir qu e ela ten ta va extra ir de s u a m en te o des t in o da qu ela ter r ível via gem . Se ela con s egu is s e, esperaria por eles em seu destino.

Por is s o, ele a gira por im pu ls o, s em p la n eja r . Nin gu ém pod ia a r ra n ca r de sua mente o que nem ele mesmo sabia.

Os u s u á r ios de m a gia pod ia m levitar, o qu e os expu n h a a r is cos a té m es m o n o a r . J á pod ia s en t ir os pers egu idores s e ergu en do do ch ã o. Des ca n s a dos e s em nenhuma carga extra, elas logo o alcançariam.

Olh a n do pa ra ba ixo, p rojetou s obre os h u m a n os u m m a n to de terror , espalhando o medo como ondas emitidas por uma bomba nuclear.

O ca os im ed ia to des tru iu a con cen tra çã o do gru po. Corpos ca íra m por ter ra , e a té a in va s ã o de Ruth em s u a m en te perdeu força . Ela ten ta va m a n tê-lo sob vigilância e combater os efeitos hipnóticos de sua projeção.

Mesmo com seu formidável poder, ela fracassaria.

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Damien tirou p roveito des s e in s ta n te e ba n iu defin it iva m en te a in va s ora de s u a m en te, en cer ra n do-a com u m a violên cia qu e, pa ra o in va s or , t in h a u m efeito doloroso, algo como prender o dedo na porta de um carro.

Con form e s e a fa s ta va m da fon te do feit iço, o pes o em s eu s b ra ços ia d im in u in do. Dez m in u tos depois de ter in icia do a jorn a da , Damien carregava Syreen a s em n en h u m a d ificu lda de, com o s e ela n em t ives s e pes o, a pes a r de s eu corpo estar frio e totalmente inerte.

Ela h a via s ido b ru ta liza da de vá r ia s m a n eira s , a lgu m a s a in da des con h ecida s pelo poderos o p r ín cipe dos va m piros . O ch eiro for te do s a n gu e des per ta va s eu s s en t idos , e ele s e en vergon h a va por pen s a r n o p róp r io p ra zer qu a n do ela es ta va à beira da m or te, in con s cien te e in defes a . O efeito era tã o poderoso, que ele começou a tremer.

Nã o h a via ca ça do a n tes de a com pa n h a r J a s m in e a té a b ib lioteca n a n oite a n ter ior , porqu e n ã o t ivera tem po de ped ir perm is s ã o a S ien a . Sa b ia qu e ela o a u tor iza r ia a bu s ca r a lim en to em s u a s ter ra s , porqu e os va m piros n u n ca p reju d ica va m ou t ira va m a vida da qu eles qu e os n u tr ia m , m a s era u m a qu es tã o de cor tes ia polít ica . Por is s o, es ta va fra co e fa m in to, vu ln erá vel a o a rom a do s a n gu e qu e Syreen a perdera e a in da perd ia . Precis a va en con tra r a ju da p a ra salvá-la, e não tinha muito tempo para isso.

— Lyric, por favor, traga-me o cesto de costura.

A jovem delica da e pequ en in a ergu eu os olh os do livro pa ra fita r os gra n des olhos azuis de sua companheira.

— Mas hoje é quarta-feira, e você só costura às quintas — ela disse.

— Nã o é exatamente u m a lei. E , em breve, terem os h ós pedes . Precis o reparar meu vestido azul — Windsong explicou com um sorriso paciente.

— Hóspedes?

Nu n ca t in h a m h ós pedes ! Vivia m em u m pequ en o vila rejo fra n cês , a pen a s u m a gru pa m en to de ch a lés , u m lu ga r ch a m a do Br is e Lu m in eu s e, cu ja popu la çã o total era de quinze pessoas, sem contar as crianças pequenas.

Em s eu s dezenove a n os de vida , n en h u m fora s teiro ja m a is h a via vis ita do o loca l. Em dez a n os com o a pren d iz de Win ds on g, t in h a m a pen a s dois vis ita n tes recorrentes, que viviam ali.

— Quem? — ela perguntou, tentando conter o tremor das mãos.

— Lyric, não me faça perguntas. Vá buscar o cesto.

Damien aterrissou de form a pou co gra cios a . De joelh os , deitou Syreen a n o solo úmido, n ota n do qu e ela perd ia ca lor ra p ida m en te e já res p ira va com dificuldade. Não podia seguir viagem sem correr o risco de tê-la morta nos braços, mesmo sentindo que o inimigo se reagrupara e já estava em seu encalço.

Ela estava morrendo. Ruth havia arrancado mechas de seus cabelos longos, p rovoca n do o a bu n da n te s a n gra m en to. Su a in ten çã o de m a ta r a vít im a era cla ra ,

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ta n to qu a n to s u a d is pos içã o pa ra tor tu rá -la a n tes . E qu a n do term in a s s e, ela devolver ia o corpo s em vida a o terr itór io ru s s o, en via n do s u a m en s a gem de vingança.

Olh ou em volta , ten ta n do en con tra r a ju da . Nã o s a b ia com o s a lvá -la . Ha via superstições, protocolos, detalhes que não podia deixar de considerar. Se fizesse o que o instinto pedia...

Se ela fos s e va m piro, n ã o h es ita r ia n em por u m m in u to. Ma s ela era de uma raça distinta. Uma licantropo. E isso fazia toda a diferença.

Por ou tro la do, den tre toda s a s ra ça s de Nigh twa lk ers , va m piros e lica n tropos era m a s m a is p róxim a s em h a b ilida des , pen s a m en to, cu ltu ra e in s t in to. Se h a via u m a pos s ib ilida de pa ra o qu e es ta va im a gin a n do, es s a ch a n ce remota existia entre eles.

Es ta va es cr ito n a h is tór ia dos va m piros o qu e era ou n ã o a ceitá vel pa ra s eu paladar. Por exemplo, o sangue de um usuário de magia negra os envenenaria em pouco tempo.

Sa n gu e h u m a n o era a ba s e de s u a p irâ m ide a lim en ta r . Apes a r da cren ça popu la r , va m piros n ã o m a ta va m com s u a m ord ida . Era fis ica m en te im pos s ível s orver m a is do qu e a m eta d e do s a n gu e de u m s er h u m a n o, e m es m o es s a qu a n tida d e era u m exa gero, s e o va m piro n ã o es t ives s e fer ido ou perden do s a n gu e ra p ida m en te, ten do, por ta n to, qu e repô-lo. A fra qu eza era in evitá vel, m a s os s eres h u m a n os s e recu pera va m ra p ida m en te. Na p ior da s h ipótes es , s ofr ia m de um quadro de anemia.

Va m piros n ã o era m es tú p idos . Por qu e ca u s a r da n o à fon te a lim en ta r , s e pod ia m s orver pequ en a s qu a n t ida des s em qu e o h u m a n o em qu es tã o perdes s e u m s egu n do s equ er de s u a vida ? As s im , a p res a con tin u a va viva e s ervia de alimento outras vezes.

Com o tod a s a s cois a s n a n a tu reza , o in s t in to determ in a va qu e u m va m piro compensas s e de a lgu m a form a a qu ilo qu e tom a va . Em s u a op in iã o, por is s o eles era m m u n idos de s is tem a s coagulantes pa ra im ped ir a p res a de s a n gra r a té a m or te, s em m en cion a r o n otá vel efeito cola tera l de u m a tra n s ferên cia de anticorpos que podia curar a maioria das enfermidades humanas.

Ma s pou ca s cois a s n a n a tu reza era m u n ivers a is . Algu m a s doen ça s m u da va m tã o ra p id a m en te, qu e m u itos a n ticorpos s e torn a va m obs oletos . O qu e s ign ifica va qu e exis t ia m cois a s qu e n em os va m piros pod ia m cu ra r . Ha via , por ta n to, a qu es tã o do qu e era n u tr it ivo, o qu e era ben ign o, o qu e era m orta l e o que era desconhecido.

Todo va m piro s a b ia qu e u m lica n trop o n ã o pod ia s e ben eficia r da cu ra proporcionada por seus anticorpos. O que ainda era desconhecido era o que podia a con tecer a o va m piro qu e s orvia s a n gu e de u m lica n tropo. Nightwalkers eram ta bu s pa ra os va m piros , com o a çú ca r pa ra d ia bét icos : pod ia m con s u m ir , ta lvez até sobreviver, mas era impossível prever que sofrimento teriam de enfrentar.

E esse era o dilema de Damien naquele momento.

Exau s to com o es ta va , tem ia s e ver ob r iga do a u s a r s eu s poderes para con trola r u m a even tu a l rea çã o n ega t iva à in ges tã o da qu ele s a n gu e. De qu a lqu er

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m a n eira , t in h a m a is ch a n ce de s obreviver n es s a s circu n s tâ n cia s s om br ia s do qu e Syreena sem sua ajuda.

O a u xílio de qu e ela p recis a va es ta va den tro de s eu corpo, n a form a de fatores coagulantes in jetá veis qu e en tra va m em a çã o im ed ia ta m en te depois qu e u m va m piro s e a lim en ta va da vít im a . Ma s , pa ra a cion a r es ses fa tores , ele ter ia de s orver o s a n gu e dela . E ela já h a via p erd ido m u ito s a n gu e. Tom a r m a is poder ia matá-la antes de curá-la. Não fazer nada certamente a levaria à morte.

Damien tomou sua decisão.

Pa s s a n do u m bra ço s ob os om bros de Syreen a , a com odou -a s ob re s u a s pern a s . Com u m a gen t ileza qu e beira va a reverên cia , a fa s tou os ca belos cin zen tos . Os olh os en con tra ra m a a r tér ia qu e pu ls a va , fra ca , em s eu pes coço, e ele fez u m a p rece rá p ida ped in do pela s egu ra n ça e pelo ben efício dela . Ped iu também por si mesmo.

Nã o es ta va p repa ra do pa ra a in cr ível exper iên cia . A fom e era vora z, u m a s en s a çã o repen tin a com o n en h u m a ou tra , u m a ca rên cia qu e o fa zia t rem er . Era s om br ia , p rofu n da , pers is ten te e, de repen te, ele percebeu qu e a u rgên cia exis t ia h a via m u ito tem po em seu s u bcon s cien te e em s u a s veia s , s ilen cia da a pen a s pelo seu fabuloso autocontrole.

Pres a s s u rgira m em s u a boca , bu s ca n do o a lvo com ferocida de con t ida . A n eces s ida de o in va d ia n a form a de on da s s u ces s iva s , erót ica com o a n oite, u m m is tér io p ron to pa ra s er expos to. Sem h es ita r , ele a m ordeu com a velocida de de uma serpente dando o bote.

Um a fra çã o de s egu n do a n tes do con ta to, Syreen a a b r iu os olh os . Algo n o in ter ior da Nightwalker s a b ia qu e ela es ta va s en do a ta ca da e a em pu rra va de volta à con s ciên cia , n a es pera n ça de prom over u m a defes a qu a lqu er . Com o n u m estado de choque, aquele era o último esforço do corpo para se salvar.

As s im , ela es ta va con s cien te qu a n do a s p res a s de Damien perfu ra ra m s eu pes coço. E ta m bém es ta va fra ca dem a is pa ra fa zer qu a lqu er cois a a lém de em itir u m a excla m a çã o de s u rp res a . Nã o por s en tir dor — a per fu ra çã o foi rá p ida e p recis a dem a is pa ra ca u s a r s ofr im en to p rolon ga do. A boca , porém , era qu en te como fogo, comparada ao frio mortal que dominava seu corpo, e foi esse contraste qu e a es pa n tou a pon to de leva r u m a gra n de qu a n t ida de de a r a o in ter ior dos pulmões.

Im edia ta m en te a pós a m ord ida , os lá b ios s e s ela ra m em torn o da s du a s perfurações, a língua deslizando ocasionalmente pela pele, uma carícia aveludada e úmida que a fez tremer nos braços dele. A sucção tinha uma intensidade erótica que crescia a cada instante.

Damien s en tiu o trem or do corpo em s eu s b ra ços . Sa b ia qu e a a qu ecia com seu calor, e sentia o sangue fluindo e descendo por sua garganta como um uísque forte e de boa qualidade.

Sorvera s a n gu e de m u lh eres h u m a n a s m ilh a res de vezes , e os feromônios con tidos n ele s em pre o a feta va m im edia ta m en te, in u n da n do-o com uma sensação pulsante qu e em m u ito s e a s s em elh a va a o des ejo s exu a l. Ma s o s a n gu e de Syreena era d iferen te de tu do qu e já p rova ra , de tu d o qu e pod ia im a gin a r en con tra r . Ha via poder , es t ím u lo, s en s u a lida de... Com o u m a droga poderos a ,

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in va d ia s eu orga n is m o e o leva va a u m es ta do de rela xa m en to qu e era qu a s e u m coma.

Ele s e s en tou s obre o s olo ú m ido, a per ta n do-a con tra o peito. Precis a va pen s a r . Tin h a de lem bra r tu d o qu e era tã o im por ta n te m a n ter em m en te, m a s a ú n ica p res en ça con s ta n te em s u a con s ciên cia era o s a n gu e de Syreen a , o corpo em s eu s b ra ços , os gem idos qu e ela em itia . Os dedos des liza va m por s u a s cos ta s como se ela desejasse acariciá-lo.

— Damien...

Ou vir Syreen a p ron u n cia r s eu n om e com a qu ela voz rou ca des per tou s eu corpo com a velocidade e a força de um raio cortando o céu.

Nã o era u m a rea çã o b iológica a o ferom ôn io con tid o n o s a n gu e qu e a ca ba ra de in ger ir . A d iferen ça era cla ra . Seu corpo qu eim a va , tom a do por u m a n eces s ida de qu ase incontrolável. Nã o devia s en t ir es s a s cois a s . Nã o qu a n do h a via tanto em jogo.

Ma s era in evitá vel. Syreen a era a fa n ta s ia de u m sensualista. O ch eiro, o s a bor , a m a n eira com o ela s e contorcia lentamente, friccionando o corpo con tra o dele... Cerrou os punhos, agarrando o tecido fino do vestido.

Deixe-a! Deixe-a agora! Sua consciência tentava afastá-lo dali, mas o clamor contrariava tudo que ele realmente queria. E ele queria Syreena.

Nes s e m om en to, a s m ã os dela s e a fa s ta ra m de s eu corpo, ca in do in er tes . A s en s a çã o de perda o fez a br ir os olh os e volta r à rea lida de. A vida dela es ta va em risco.

A ú lt im a cois a qu e Syreen a s en t iu a n tes de m ergu lh a r n a es cu r idã o foi a s egu n da m ord ida , e depois dela u m a s en s a çã o qu en te qu e s e es pa lh a va com o fogo do pescoço para todo o corpo.

* * *

Damien ca iu deita do de cos ta s , arfante, a per ta n do Syreen a con tra o peito. O fr io e a u m ida de pen etra va m por s u a s rou pa s , m a s ele n em n ota va . Nã o con s egu ia s e m over . Nã o pod ia pen s a r . Den tro dele h a via u m tu m u lto de s en tim en tos e s en s a ções qu e a s con d ições extern a s n ã o pod ia m toca r ou modificar.

Es ta va s u cu m bin do a o efeito inebriante de s en ti-la den tro de s i. Era u m a es pécie de tra n s cen dên cia , com o ir a lém de s u a liga çã o com o tem po e o es pa ço. Olh a va pa ra a s á rvores e a s via de u m a pers pect iva d is torcida , t r id im en s ion a l. As estrelas giravam no céu num carrossel cintilante, desenhando trilhas de luz.

Fech ou os olh os pa ra com ba ter a n á u s ea , d izen do a s i m es m o qu e tu do era a pen a s u m a leve alucinação. O qu e n ã o pod ia d es ca r ta r com a m es m a fa cilida de era a excitação que dominava seu corpo.

Sentia o hálito morno de Syreena em seu pescoço, um sinal claro de que ela h a via s ob revivido, e s e s en tia gra to por is s o. Com o pa s s a r da s h ora s e da n oite, ela foi se tornando mais e mais quente em contato com seu corpo.

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Lembrou-s e de qu e n ã o pod ia perder m a is tem po e expô-los a o per igo, m a s n ã o con s egu ia s e m over . Era com o s e h ou ves s e con s u m ido u m a d roga paralisante. Não podia se movimentar, mas sentia tudo com mais intensidade.

E foi então que a dor começou.

Damien gr itou qu a n do ela exp lod iu em s eu corpo com repen t in a b ru ta lida de. O s om ecoou n a n oite e en tre a s á rvores , u m rugido feroz de a gon ia . Era com o s e veia s e a r tér ia s fos s em a r ra n ca da s de s eu corpo, com o s e m ú s cu los , tendões e pele s e ra s ga s s em . Con vu ls ões violen ta s o s a cu d ia m . Sa b ia qu e era vít im a de u m a ta qu e b ru ta l. Com a a ltera çã o fís ica vin h a a a ltera çã o m en ta l. Por u m m om en to de h orror , ele im a gin ou o p róp r io peito exp lod in do, a b r in do ca m in h o pa ra o golfin h o saltitante qu e, de a lgu m a form a , es ta va p res o den tro dele. Ao saltar para a liberdade, o animal se transformou em um falcão. De falcão, ele assumiu a forma de um pombo.

A a ve delica da pou s ou a o la do de s u a ca beça . Ele p is cou e, n o in s ta n te seguinte, estava olhando para delicados pés descalços.

Atordoa do, foi s egu in do a lin h a dos torn ozelos e da s panturrilhas a té es ta r olhando para uma mulher que jurava ter visto antes.

Windsong ajoelhou-s e a o la do do p rín cipe va m piro e tocou s u a pele, ver ifica n do o ca lor do corpo. Era a ú n ica m a n eira de s a ber s e u m va m piro es ta va vivo ou n ã o, des de qu e n ã o es t ives s e deca p ita do ou tra n s form a do em cin za s . Essas eram mortes fáceis de identificar.

Mes m o n a es cu r idã o, ela pod ia ver o s a n gu e n os lá b ios dele. Con s idera n do os ferimentos no pescoço da licantropo, era fácil compreender o que Damien havia feito e o qu e o força ra a tom a r tã o ter r ível decis ã o. O s a cr ifício qu e ele fizera pa ra salvar a licantropo emocionava a sensível mistral.

— Lyric — ela disse ao sentir a aproximação de sua aprendiz e ouvir o bater de s u a s a s a s . A a ve delica da s e tra n s form ou n a jovem com qu em ela con vivia h a via a n os . — Tem os de im provis a r macas pa ra levá -los pa ra ca s a . Eles p recis a m de tratamento e proteção.

— Mas como vamos proteger seres tão fortes e...

— Da m es m a form a com o n os p rotegem os , qu er ida . Com a voz, o ca n to e o coração. Eles estão sendo perseguidos. Depressa, não há tempo a perder.

Lyric começou a recolher galhos, enquanto Windsong os examinava.

Ela fech ou os olh os e in s p irou p rofu n da m en te. Depois , com eçou a ca n ta r u m a poderos a ca n çã o de p roteçã o. Com ela , im ped ir ia a detecçã o da p res en ça de todos eles , cr ia n do u m círcu lo de con for to. A expa n s ã o des s e círcu lo s ó depen d ia do quanto sua voz poderia se aquecer e ganhar força. Em poucos momentos, toda a flores ta vib ra va com a s n otas qu e ia m s u b in do n a es ca la m u s ica l. A m elod ia enfeitiçava e con fu n d ia todos os qu e es t ives s em n o círcu lo form a do por s u a ressonância, ou que nele tentassem penetrar.

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— Syreena — Siena sussurrou. Levantou-se da neve ensanguentada e olhou para a fêmea de vampiro. — Acha que Damien foi atrás dela?

— Com o é im prová vel qu e ele a ten h a a ta ca do, es s a é a ú n ica a ltern a tiva lógica — Jasmine respondeu. — O ch eiro m e trou xe a té a qu i, m a s é im pos s ível s egu ir o ra s tro, porqu e ele m orre a qu i, com o o de s u a irm ã . A m en os qu e eles tenham fugido para se divertir...

— É im p res s ã o m in h a , ou es tá s e d iver t in do com a s itu a çã o? — Sien a irritou-se.

— Es tou in tr iga da , s ó is s o. É n a tu ra l d a m in h a es pécie. Sor te s u a , porqu e esse foi o motivo que levou Damien a seguir a princesa.

— Ora, sua...

— Sien a , J a s m in e n ã o qu is ofen der n in gu ém ! — Elija h s en t ia a ten s ã o aumentar entre as duas. — Ela está apenas relatando fatos.

— Exatamente — confirmou Jasmine.

— Pode rastreá-los? — Sien a pergu n tou a o m a rido, ign ora n do a fêm ea de vampiro.

— Eu pos s o — J a s m in e a n u n ciou . — Pos s o s egu ir Damien s em pre qu e ele qu is er s er en con tra do. E já perceb i qu e ele n ã o en cobr iu s eu ra s tro. Ele qu er s er en con tra do. E é p rová vel qu e es teja p recis a n do de a ju da . Seu con s or te e eu podemos voar até ele, mas você vai ter de ficar.

Sien a n ã o gos ta va de ou vir a fora s teira lh e d izen do o qu e pod ia ou n ã o fa zer , m a s t in h a de a dm it ir qu e ela es ta va cer ta . Su a form a a n im a l era u m pu m a , e por isso estava presa ao chão.

— Sien a , fiqu e — Elija h a con s elh ou . — Algu ém tem de es ta r a qu i, ca s o Damien retorn e com Syreen a . Se is s o a con tecer , você va i poder n os a vis a r , e n ós retorn a rem os im edia ta m en te. Tra rem os s u a irm ã de volta . Se ela pu der volta r , nós a traremos.

— Eu sei — ela respondeu amargurada.

Jasmine a b r iu os b ra ços , a s pa lm a s da s m ã os volta da s pa ra o céu e pa ra a n oite, e s eu corpo com eçou a s u b ir . E lija h des ped iu -s e da es pos a com u m beijo breve e a seguiu, alcançado-a imediatamente.

— Para onde? — ele perguntou.

— Seja paciente. Isso vai levar algum tempo, guerreiro. O rastro está frio.

— Eu sei — ele respondeu, olhando para baixo com evidente preocupação.

A tern u ra do dem ôn io gu erreiro por s u a es pos a era s u ficien te pa ra com over até a endurecida fêmea de vampiro.

CAPÍTULO II

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Damien a b r iu os olh os pa ra a lu z b r ilh a n te qu e o cerca va . As s u s ta do,

exibiu as presas e olhou em volta com um grunhido, pensando em se defender.

A jovem s en ta da a o s eu la do gr itou a pa vora da e cor reu , der ru ba n do a cadeira.

— Ten h a ca lm a , Lyric — d is s e u m a voz doce. — Ele n ã o va i lh e fa zer m a l. Vai, Damien?

— Windsong? — Ele a reconheceu de imediato.

— Sim, sou eu.

Era d ifícil con cilia r toda s a s in form a ções qu e receb ia a o m es m o tem po, n ã o só por estar em choque, mas porque a voz de Windsong era um hipnótico natural. Um va m piro de s eu poder e de s u a ida de es ta va im u n e a o en ca n ta m en to, m a s h a via s em pre u m efeito n a voz de u m a mistral qu e n ã o s e pod ia ign ora r . Porém , como ela estava bem intencionada, não havia perigo.

— Desculpe — ele m u rm u rou , d ir igin do-s e à jovem qu e qu a s e m a ta ra de pavor.

O a lívio qu e o in va d ia era in des cr it ível. Es ta va m em s egu ra n ça . A es colh a de Br is e Lu m in eu s e h a via s ido in ten cion a l. Preten dera bu s ca r a b r igo n o vila rejo, s e fos se n eces s á r io e, pa ra s u a s or te, Win ds on g percebera s u a p res en ça n o momento de maior necessidade.

— Es pero qu e m e des cu lpe, Lyric — ele repet iu , des s a vez com m a is firmeza. Depois olhou para Windsong. — Sua aprendiz?

— Sim. Como se sente?

— Cansado.

Aparentemente, sobrevivera ao experimento de ingerir sangue de licantropo. Porém , s a b ia qu e n ã o devia repet ir o a to de cora gem n o fu tu ro p róxim o. Ain da s e lembrava da dor, e sabia que essa memória o atormentaria por muito tempo.

Sentia-se pesado e exausto, mas não estava com fome. O corpo ainda lidava com os da n os ca u s a dos pela exper iên cia . A recu pera çã o ca u s a va u m a s ensação de impotência que ele odiava.

— E Syreena?

— Está descansando — respondeu Windsong.

— Ela está bem? Vai sobreviver?

— Gra ça s a você, Damien, sim — res pon deu a mistral, revela n do ter conhecimento do que ele fizera em sua tentativa desesperada de salvá -la.

— Graças à sorte — ele a corrigiu com um suspiro cansado.

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— Nes s e ca s o, devem os fa zer u m a p rece de a gra decim en to por s u a s or te antes de irmos dormir esta manhã.

— Qu a n to tem po tem os a té o a m a n h ecer? — Norm a lm en te, s eu corpo s a b ia exa ta m en te qu a n ta s h ora s fa lta va m pa ra o retorn o do s ol, m a s n ã o s e surpreendia com o temporário entorpecimento de suas sensibilidades internas.

— Já está amanhecendo — informou a aprendiz.

— Obr iga do, m eu bem . No m om en to, a ch o qu e es ta r ia a rden do a n tes de perceber.

Lyric riu.

— En tã o, es tá es tu da n do pa ra s er u m a cu ra dora ... Nã o poder ia ter m elh or tutora. A m u lh er qu e s a lvou h oje n ã o ter ia ch ega do à ida de a du lta , s e n ã o fos s e por Windsong.

— Ah , bem , n orm a lm en te p rodu zim os m edica m en tos à ba s e de erva s . Windsong não me permite acompanhá-la nos casos mais sérios.

— Porqu e a in da es tá a p ren den do. Um d ia de ca da vez — exp licou a m a is velha. — Não é espantoso, Damien, como os jovens estão sempre ansiosos para se meter em confusão?

Damien con cordou , r in do. Con h ecia va m piros p recoces com es s a m es m a característica. Jasmine era uma delas.

— Agora , Lyr ic, volte a o s eu lu ga r e retom e s u a ca n çã o de recu pera çã o — Win ds on g a in s tru iu . — Lyr ic tem u m a voz excepcion a l, Damien. Ela o a ju da rá a adormecer.

— Não duvido disso — ele respondeu.

Relaxan do ta n to qu a n to era pos s ível n a ca m a des con h ecida , ele fech ou os olh os e ten tou ign ora r os ecos e res ídu os da dor qu e pers is t ia em s u a m em ória e em seus nervos.

Lyric com eçou a ca n ta r a s ca n ções qu e h a via p ra t ica do du ra n te a n os , s em pre es pera n do por u m a ch a n ce de u s á -la s . Era fa s cin a n te e u m a h on ra qu e seu primeiro paciente fosse o poderoso príncipe dos vampiros.

A voz da mistral fluía pelo corpo de Damien como uma brisa lenta. A canção era rep leta de im a gen s relaxantes, de ca m pos e a r fres co e lu a r cintilando s obre a pa is a gem s eren a . Ele s e deixou en volver por es s a form a es pecia l de m a gia . Enquanto Windsong estivesse ali, todos teriam segurança.

Mergulhou num sono profundo depois de pensar nisso.

Damien acordou com uma canção poderosa em algum cômodo distante. Era fá cil recon h ecer o ta len to e a voz a in da des tem pera da de Lyr ic. Ma is a lgu m a s décadas de estudo com sua eficiente mentora, e ela seria insuperável.

Ficou ou vin do o coro da s du a s m is tra is , deixa n do-s e leva r à qu ele es ta do semi-h ipn ót ico qu e a ca lm a va a té a m a is du ra da s a lm a s . Ela s p repa ra va m a p r im eira refeiçã o da n oite e ca n ta va m . O ca lor da cozin h a e s eu s a rom a s tentadores acompanhavam as notas melodiosas.

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Sentou-s e e alisou os ca belos com os dedos . En tã o, n otou a s egu n da ca m a no quarto, colocada em posição perpendicular à direita da dele.

Levantou-s e, h es ita n do a o n ota r qu e a s rou pa s s u ja s de s a n gu e h a via m s ido rem ovida s de s eu corpo e qu e ele s e en con tra va n u s ob a cober ta . Des p i-lo devia ter s ido u m a in con tes tá vel n eces s ida de, con s idera n do qu e a raça mistral era mais conservadora e recatada que a dele.

Sorr iu . Ha via m u ito tem po n ã o p recis a va pen s a r com o u m ca va lh eiro. Enrolou-s e n o len çol e s a iu da ca m a . Sen t ia u m pou co de fom e, o qu e era b om sinal, e tinha o coração leve. Devia ser efeito da canção.

Aproximou-s e da ca m a de Syreena, inclinando-s e pa ra toca r a s bandagens qu e cob r ia m s eu cou ro ca belu do. Sen tia s u a pu ls a çã o es tá vel, for te, e o ch eiro da s erva s u s a da s pa ra tra tá -la e ba n h á -la . Era u m for te per fu m e de lavanda, um de seus favoritos.

Sentou-s e n a beira da da ca m a pa ra u m a in s peçã o m a is deta lh a da . Syreen a t in h a h em a tom a s h orr íveis n o ros to e n o pes coço. A perda de s a n gu e reta rda va s u a recu pera çã o, n orm a lm en te rá p ida , ou já es ta r ia m qu a s e p ron tos pa ra volta r para casa.

As m ã os dela es ta va m en volta s em cu ra t ivos e fa ixa s , e ele rem oveu a s bandagens de u m a dela s pa ra des cobr ir o qu e h a via a con tecido. Ao ver os fer im en tos qu e pen etra va m profu n da m en te a s m ã os delica da s , n ã o con teve u m grunhido furioso.

A ca dela doen te n ã o h a via a pen a s a rra n ca do a s pen a s da p r in ces a , m a s ta m bém cor ta ra s u a s a s a s . Os fer im en tos n ã o du ra r ia m u m décim o do tem po pelo qual perdurariam as lembranças de sua aquisição.

Tocou a s fer ida s com delica deza . Sen tin do qu e a pu ls a çã o dela s ofr ia u m a im ed ia ta a ltera çã o, fitou o ros to pá lido. Os olh os de Syreen a es ta va m a ber tos . Ou m elh or , qu a s e a ber tos . Era im pos s ível ergu er com pleta m en te a s pálpebras inchadas.

— Bem-vinda de volta — ele murmurou.

Ela não respondeu. Em vez disso, olhou em volta, obviamente confusa.

— Veio atrás de mim?

A voz s oa va rou ca , res u lta do da ten ta t iva de es tra n gu la çã o qu e a r reben ta ra muitos vasos no interior da garganta.

— Sim, quando percebi o que havia acontecido.

— Obrigada. — Su s p irou , fech a n do os olh os e ten ta n do s e m over . O gem ido de dor foi suave, considerando o sofrimento físico que devia estar enfrentando.

— Nã o p recis a s e m exer . Es tá receben do cu ida dos e tra ta m en to. Va i s e recuperar.

Ela abriu os olhos novamente.

— Onde estamos?

— Brise Lumineuse.

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Sa b ia qu e ela con h ecia o lu ga r e s eu s h a b ita n tes . Windsong salvara Siena do en ven en a m en to por lu z s ola r pou co m a is de u m m ês a trá s . Pelo olh a r dela , percebeu que tinha consciência de que estava aos cuidados da generosa mistral.

Syreen a olh ou pa ra a m ã o qu e ele a in da a fa ga va , e Damien s en tiu u m a incrível tristeza ao ver de novo os terríveis ferimentos.

— Sinto muito — ele disse.

— Por quê?

— Por ter demorado tanto a encontrá-la.

Ele n ã o t in h a m otivo pa ra s e des cu lpa r . Ta n ta s en s ib ilida de e p reocu pa çã o vindas de uma fonte tão improvável a enchiam de uma emoção que não conseguia exp lica r , e qu e m a n tin h a s ob r ígido con trole des de qu e todo a qu ele tormento com eça ra . Lá gr im a s b rota ra m em s eu s olh os , m a s ela virou o ros to en qu a n to ten ta va recu pera r o dom ín io s ob re os s en t im en tos de m edo, ra iva , e... e ta n tos outros que nem podia reconhecer.

— Não faça isso — ele pediu, tocando seu rosto para que o fitasse. — Não se envergonhe do que sente.

— É es tra n h o ou vir es s e con s elh o do p r ín cipe de u m a es pécie qu e s en te pouco e expressa menos ainda.

— Como pode saber? — Ele sorriu. — Só conheceu dois vampiros em toda a s u a vida ! O qu e s a be s ob re n ós é o qu e a pren deu com s eu s m on ges , e os livros não nos retratam com fidelidade.

Syreen a s a b ia d is s o. J á percebera a lgu m a s d iferen ça s im por ta n tes . Ma s não gostava de se sentir vulnerável e exposta.

Notou qu e Da m ien es ta va des p ido, e s ó en tã o pen s ou qu e ele pod ia ter s ido fer ido, ta m bém . Lembrava-se de u m a violen ta exp los ã o e do des en ca dea m en to de poderos a m a gia qu a n do ele s u rgira pa ra s a lvá -la . A experiên cia cer ta m en te h a via sido dolorosa, e só alguém com a força do príncipe poderia ter sobrevivido.

— Você es tá bem ? — ela pergu n tou , já qu e n ã o con s egu ia iden tifica r s in a is de fer im en tos gra ves . Na verda de, ele pa recia s a u dá vel dem a is pa ra a lgu ém qu e enfrentara tantos perigos em uma só noite.

— Até agora, sim — ele respondeu sério.

O com en tá r io deixou de s er m is ter ios o n o in s ta n te s egu in te, qu a n do a s lembranças a atingiram. Sentou-se tão repentinamente, que o surpreendeu com o movimento.

— Damien! — ela excla m ou ch oca da , exa m in a n do-o com m a is a tenção. — Você es tá bem ?

— Sim, estou — ele garantiu, empurrando-a de volta sobre os travesseiros.

— Por que fez isso? Podia ter morrido!

— Não morri.

— Arriscou sua vida pela minha como se não tivesse responsabilidades com toda uma raça! Foi uma atitude tola e ridícula!

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— Não gosto de ser criticado por meus atos, Syreena.

— Pois devia s e a cos tu m a r . Eu ja m a is ter ia perm itido qu e Sien a com etes s e tamanha loucura!

— É mesmo? Por isso a impediu de quase morrer para salvar o marido?

O com en tá r io teve o efeito de u m golpe fís ico, e Da m ien com preen deu qu e ela rea lm en te s e cu lpa va pelo in for tú n io qu e qu a s e leva ra a irm ã à m orte n o último mês de outubro.

— O que esperava, Syreena? Acha que eu devia ter deixado você sangrar até a morte? — ele perguntou, tentando fazê-la esquecer a dor que acabara de causar com a s pa la vra s impensadas. — Por qu e a ch a qu e m in h a vida va le m a is qu e a sua?

— Porqu e n ã o s ou tã o es pecia l qu e tod a u m a ra ça deves s e s er p r iva da de seu monarca por minha causa!

— Para sua sorte, não concordo com isso.

Ela o en ca rou por u m in s ta n te, com o s e qu es tion a s s e s u a s a n ida de m en ta l. Depois, sem nenhum aviso, ergueu-se para beijá-lo.

Da m ien rea giu em ch oqu e a o a to ou s a do e ilógico, m a s ficou a in da m a is ch oca do qu a n do s en tiu o s a bor s a lga do da s lá gr im a s dela . Syreen a s e a fa s tou a pen a s a lgu n s cen tím etros , o corpo trêmulo s ob a s m ã os dele, os olh os revela n do uma terrível confusão de emoções e sensações, provocando nele idêntica resposta.

— Por que você...

— Damien — ela o interrompeu, emocionada —, isso é um conto de fadas. E nos contos de fadas, a princesa sempre beija o príncipe que a salva.

Era u m com en tá r io ingênuo e en ca n ta dor . Syreen a era u m a m u lh er for te, in s tru ída , don a de u m a ra cion a lida de qu e n ega va toda e qu a lqu er ilu s ã o de in gen u ida de, m a s t in h a corr ido o r is co de s e expor com o idea lis ta rom â n tica pa ra exp res s a r s u a gra t idã o. A revela çã o des s a fa ceta tã o p rotegida de s u a pers on a lida de s ign ifica va m a is pa ra Da m ien do qu e o m a is eloqu en te agradecimento.

— Syreen a , n ã o s ou u m h erói — ele d is s e. — Nã o ten te m e tra n s form a r em um.

Ela o beijou n ova m en te, e Da m ien corres pon deu com a rdor . Nen h u m dos dois con s egu ia com preen der o im pu ls o, o des ejo de es ta r p róxim o do ou tro. Ma s Syreen a exib ia em s u a s a t itu des u m a cer teza in a ba lá vel. Sa b ia o qu e qu er ia , e es ta va d is pos ta a torn a r a qu ele m om en to m u ito p recios o Pa ra a m bos . Logo chegaria o momento seguinte. Mas esse momento...

Es s e m om en to era de gra t idã o, de gen t ileza e, a cim a de tu d o, u m m om en to para sentir algo que não fosse dor, luta ou consequências imediatas.

Aquilo seria simplesmente o que era. Um beijo.

Um beijo entre um homem e uma mulher.

Não Nightwalkers. Nem príncipe e princesa. Nem vampiro e licantropo.

Simplesmente um homem e uma mulher.

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Damien s e s en tia in u n da do pela pu reza do a to. Perceb ia , de repen te, qu e Syreena t in h a s a bor , ca lor , textu ra , qu e era líqu ida , s ólida e m a cia , e toda s a s outras qualidades essenciais naturais à vida.

Ao m es m o tem po, perceb ia qu e ela n u n ca h a via beija do u m h om em a n tes . Nunca, em todo o seu século de vida.

Vivi em u m am bien te fech ad o, n o claustro, privad a d e tod as as oportun id ad es d e form ar ligações ou afe ições fora d o relacion am en to en tre profes s or e aluno. No in ício, s en ti fa lta d e tud o, m as d epois m e s en ti tão en torpecid a pela falta d es s e n u trien te d a v id a, qu e nunca pens ei em procurá-lo.

Esses eram os pensamentos que ele lia com facilidade, embora não pudesse analisá-los.

O beijo foi ta m bém u m a to de cora gem . Um des n u da r da a lm a e de s u a vu ln era b ilida de, u m a revela çã o de s u a tota l in exper iên cia . Devia s er des con for tá vel e con s tra n gedor , m a s n ã o era . Depois de ter pa s s a do boa pa r te da vida como aluna, ela revelava toda a sua capacidade de aprender e se adaptar.

Os lá b ios s e entreabriram. As lín gu a s s e en con tra ra m pa ra u m a da n ça sensual e quente.

Damien perdeu a n oçã o de tu do, tom a do pela delica deza s in gu la r da qu ele beijo e dom in a do pelo cres cen te in teres s e de s eu corpo. Sen tia o ch eiro de lavanda e de ou tra s es s ên cia s , u m a m is tu ra qu e o leva ra a cru za r ocea n os pa ra encontrá-la e res ga tá -la . Os dedos da m ã o cu jos cu ra t ivos ele h a via rem ovido a ca r icia va m s u a n u ca , des a fia n do os s en tidos e a ra zã o. O beijo ga n h a va intimidade e despertava apetites mais primitivos.

Des lizou a m ã o pela s cos ta s n u a s de Syreen a , qu e es tre- m eceu e colou o corpo a o dele. In terrom peu o beijo a o s en t ir os s eios roça n do s eu peito, o ca lor da pele n u a in cr ivelm en te in ten s o e p rovoca n te. Ele s e es força va pa ra recu pera r o equilíbrio, repousando a testa na dela.

J a m a is h a via im a gin a do qu e pu des s e exis t ir ta n ta p rofu n d ida de em u m s im p les con ta to fís ico. O ca lor qu e o in va d ia des per ta va lem bra n ça s do s a bor do s a n gu e de Syreen a , de com o ela gem era de p ra zer a o s en t ir a in va s ã o da s p res a s e os lábios sugando-lhe o pescoço.

Damien gem eu , e o s om tra iu u m in ten s o des ejo, u m a m is tu ra de s en s u a lida de e fru s tra çã o. Ele a a b ra çou , cola n do a fa ce à dela , res p ira n do profundamente antes de soltá-la e se afastar.

— Não... — Syreena pediu.

— É necessário.

— Por quê?

— Por várias razões.

— E não há nenhuma razão para ficar?

— Mu ita s m a is — ele con fes s ou , m a n ten do a d is tâ n cia en tre eles . — J á m e a gra deceu , Syreen a , e de m a n eira en ca n ta dora . Ma s es s e é o pon to em qu e a gra t idã o d eve a ca ba r . Qu a lqu er cois a a lém d is s o... pode a con tecer , ta lvez, ou tro dia... por razões distintas.

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Com um suspiro resignado, ela se deitou sobre os travesseiros.

— Há u m a cois a qu e u m va m piro de ida de a va n ça da a p recia m a is do qu e tu do n o m u n do — Damien disse. — E é s er delicios a m en te s u rp reen d ido. Você é uma coleção inesgotável de surpresas, doçura.

Ela s orr iu . O p r ín cipe s e in clin ou pa ra beijá -la n a tes ta e s a iu de per to de sua cama.

Elija h percorr ia a á rea da cela len ta m en te, ten ta n do en ten der o qu e via . Su a pa rceira tem porá r ia es ta va a ba ixa da em um ca n to on de h a via m u ita s manchas escuras de sangue.

— A p r in ces a foi m a n tida n es s e a pos en to, n ã o h á dú vida m u rmurou Jasmine. — Ca ça dores , u s u á r ios de m a gia ... u m dem ôn io. — En ca rou -o, intrigada.

— Ruth. Uma traidora.

— Ah, sim. Ela. — Damien havia lhe contado a história.

— Bem , todos a ba n don a ra m o lu ga r com gra n de p res s a . E terã o m u ita s horas de vantagem sobre nós, já que tivemos de parar para nos proteger da luz do sol.

— Vamos pensar nisso mais tarde. Damien e Syreena...

— Não consigo localizar o rastro. Ele deve ter se escondido para despistar os pers egu idores . Ma s s in to per feita m en te o s a n gu e de Syreen a . Ela es tá s a n gra n do muito.

Elija h já h a via n ota do a s m a n ch a s a s s u s ta dora s . Nã o con s egu ia im a gin a r com o ela poder ia s obreviver a tã o gra ve perda de s a n gu e, por m a is qu e Da m ien obtivesse ajuda rapidamente.

— Estamos em território mistral — Elijah observou. — E eles estiveram aqui por u m b om tem po. — Podia ver s u pr im en tos e res tos , evidên cia s de u m a es ta d ia prolongada.

— Nã o pa rece qu e es ta va m p repa ra dos pa ra pa r t ir — J a s m in e com en tou , pa s s a n do a o cômodo vizinho. — Veja is to. Es ta va m n o m eio da refeiçã o qu a n do Damien chegou.

— Mesas longas ainda sustentavam pratos com comida e canecas cheias. — Nã o en ten do. Por qu e u m exército s e rega la com u m a la u ta refeiçã o, qu a n do mantém um prisioneiro perigoso na sala ao lado?

— Ta lvez n em s ou bes s em qu e h a via u m pr is ion eiro. Ten h o a s en s a çã o de que Ruth agia por conta própria, deixando seus tolos seguidores no escuro.

— Tem ra zã o. Ela é m es m o lu n á t ica ! Só pes s oa s des equ ilib ra da s fa zem essas escolhas tão impulsivas.

— Nã o foi a s s im qu e en s in ei Ru th a pen s a r . Sei qu e ela é ca pa z de m uito mais. — Olh ou pa ra J a s m in e. — É m elh or con t in u a rm os s egu in do Da m ien e Syreen a . Por m a ior qu e s eja m in h a von ta de, n ã o pos s o pers egu ir es s es nigromantes agora. Não enquanto não tiver certeza de que os dois estão seguros.

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— De acordo — ela respondeu.

Aquela ca pa cida de de con trola r o in s t in to e im por a lógica era a gra n de d iferen ça en tre u m gu erreiro e u m líder gu erreiro. Era o qu e a fa zia ter cer teza a bs olu ta de qu e Elija h pega r ia Ru th n o fin a l. Ru th n ã o t in h a ca pa cida de de lidera n ça . Des perd iça va s u a en ergia e s eu s recu rs os pa ra s a t is fa zer n eces s ida des emocionais próprias, em vez de obedecer a uma estratégia adequada.

Jasmine seguiu o guerreiro que já localizava o rastro de Syreena.

Da m ien es ta va em pé n a es cu r idã o gela da , deixa n do o ven to fr io en volver seu corpo. As rajadas sacudiam suas roupas limpas e a trança refeita.

Precis a va s e a lim en ta r . Porém , deixou de la do es s a n eces s ida de. Nã o pod ia s a ir do ch a lé e a ba n don a r s eu s ocu pa n tes , m es m o qu e por pou co tem po. Win ds on g e Lyr ic s e expu n h a m a gra n de r is co por eles , e n ã o a s deixa r ia des p rotegida s depois de ter p ra t ica m en te con du zido in im igos ferozes à por ta d a ca s a dela s . A p roteçã o da s ca n ções de Win ds on g era im pres s ion a n te, m a s n ã o du ra r ia pa ra s em pre, n em poder ia m a n ter a fa s ta da u m a cr ia tu ra com o Ru th . Francamente, estava surpreso por ela ainda não ter aparecido.

Era eviden te qu e Ru th h a via a ba n don a do toda n oçã o de a u top res erva çã o, bu s ca n do a pen a s vin ga n ça . En fu recida e des equ ilib ra da , ela n ã o t in h a m a is lógica ou n oçã o de per igo. Se s eu s s egu idores n ota s s em o gra u de lou cu ra da líder , cer ta m en te deixa r ia m de a ca ta r s u a s orden s . Se fos s em elim in a dos da equ a çã o, ca p tu rá -la s er ia m u ito m a is fá cil. A m á gica era u m recu rs o n ã o qu a n tificá vel, des t itu ído de diretrizes, rep leto de pos s ib ilida des . Até o m om en to, ninguém jamais soubera que um Nightwalker podia usar magia.

Es s a era u m a pers pect iva a terror iza n te. A m a gia n egra t in h a u m a verda de u n ivers a l: cor rom pia de m a n eira u n â n im e. Por is s o, os u s u á r ios exa la va m u m cheiro tão repugnante para os Nightwalkers. O aroma era a essência da corrupção da alma, da podridão da consciência.

Era a antítese do amor entre almas gêmeas.

Elija h e Sien a era m a lm a s gêmeas. O a m or qu e os u n ia t ra n s cen d ia o ta bu cu ltu ra l, a in depen dên cia es p ir itu a l, e des a fia va toda s a s regra s es cr ita s do mundo Nightwalker. A m a gia ta m bém pod ia p rodu zir es s a s cois a s , m a s a diferença estava nos efeitos.

Siena e s eu pa rceiro era m a gora u m s er s in cron iza do. Ha via m s e h a rm on iza do pa ra cr ia r u m a força u n ifica da im pres s ion a n te e s u per ior . Es s a união destruíra rapidamente muralhas de preconceito e desconfiança; eliminava a pos s ib ilida de de gu erra s fu tu ra s en tre a s du a s s ocieda des e con s tru ía u m a possibilidade para os que viviam o presente, e para seus filhos no futuro.

Ma gia s ó cr ia va d is córd ia . Doía , fer ia , ra s ga va cos tu ra s de pon tos firm es e cu ida dos os . A n a tu reza s ofr ia des equ ilíb r io e dor s ob s u a in flu ên cia ven en os a . Um exem plo d is s o era a intimação, n a qu a l o dem ôn io n om ea do era rou ba do de s u a vida , a p r is ion a do em u m pen ta gra m a ven en os o, s u b ju ga do pela força n egra da m a gia . Es s e p roced im en to os tra n s form a va em m on s tros s em a lm a e s em con s ciên cia , e rep res en ta va o in s u lto s u prem o a u m m em bro de u m a es pécie normalmente moral e consciente do próprio comportamento.

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A m a gia ta m bém t in h a s u a m a n eira de a t in gir os va m piros . Damien os vira m or tos por ela , deca p ita dos , eviscerados e pa ra lis a dos , prostrados a té a ch ega da do sol que os transformava em cinzas.

Essa praga jamais seria erradicada até que o último livro de magia, o último pergaminho de pa la vra s a m a ld içoa da s fos s e qu eim a do e des tru ído, a té qu e fos s em des tru ídos ta m bém os qu e gu a rda va m es s a s m es m a s pa la vra s n a memória.

Era u m a ta refa im pos s ível. A des cober ta de com pên d ios de en ca n ta m en to e m a gia n a b ib lioteca ocu lta era p rova d is s o. Por cem a n os a m a gia fora s u foca da e con trola da , m a s eu res s u rgim en to recen te era a p rova de qu e ela n ã o ser ia erradicada. Não realmente.

— Damien?

Ele se virou ao ouvir a voz melodiosa.

— Syreena, devia estar descansando.

— Não consigo dormir.

Ela s e en rola ra n o cober tor pa ra p res erva r o ca lor do corp o, e era pos s ível ver o tecido a zu l qu e cob r ia s u a s pern a s a té a a ltu ra dos joelh os . Windsong devia ter em pres ta do a ela u m de s eu s ves t idos pa ra s u bs t itu ir o qu e fora ra s ga do. Seus pés estavam descalços sobre o piso frio.

— Sente-se aqui — ele s u ger iu , a pon ta n do pa ra u m ba n co de pedra a o s eu la do. O ba n co era a lto, e ele a ergu eu pa ra a com odá -la . Es tu dou -a com in teres s e e preocupação.

— Só estive doente uma vez em toda a minha vida — Syreena contou.

— Isso não é doença.

— A sensação é a mesma. Ou pior. A primeira vez foi quando me tornei essa criatura... bicolor. — Ela s or r iu . — Hoje n em m e lem bro m a is de qu e cor era m eu ca belo. Fu i in s u por tá vel du ra n te a lgu m tem po, e a gora ... E en gra ça do com o cois a s qu e pa recia m tã o im por ta n tes n a ju ven tu de perdem a im por tâ n cia com o passar do tempo.

— Ta m bém n ã o m e lem bro m u ito dos m eu s pr im eiros cem a n os — ele confessou, rindo. Era mentira, é claro.

— Não lembra? Ou prefere não lembrar? Você deve ter sido terrível.

— É, eu fu i. Ma s m e d iver t i m u ito. Ma is ta rde, com ecei a s en t ir u m desen ca n ta m en to qu e s e t ra n s form ou em torpor , e es s a foi a p ior cois a qu e já s en ti em toda a m in h a vida . Pa s s ei cen to e vin te e u m a n os dep r im ido, en colh ido em u m bu ra co. Qu a n do a cordei, p rom eti a m im m es m o qu e s er ia m a is gen til e com ed ido com m in h a d ivers ã o, qu e s a ber ia a p recia r m elh or a dá d iva do tem po e do en treten im en to. Des de en tã o, n u n ca m a is p recis ei m e recolh er pa ra s u pera r a depressão.

— E por is s o a cu m u lou poder e s a bedor ia pa ra s e torn a r o p r ín cipe de s u a raça.

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— Ach o qu e s im . Nu n ca s e res s en t iu con tra o fa to de s u a vida ter s ido sempre decidida por terceiros?

— Res s en t im en to é u m a pa la vra for te dem a is . Cr ia n ça s s e res s en tem . Adultos ficam frustrados.

Damien entendia bem a distinção. A posição que Syreena ocupava não dava a ela o direito de ter uma crise temperamental.

— Talvez um dia você possa seguir o caminho que escolher — ele disse.

— Ta lvez. Qu a n do Sien a t iver filh os e a s s egu ra r a s u ces s ã o a o t ron o. E, m es m o en tã o, a in da s erei s u a con s elh eira e con fiden te. Sou a lógica qu a n do ela é emoção. Siena precisa de mim.

— E você, Syreena? Do que precisa?

— Preciso ser necessária. Por que me pergunta isso?

— Na verdade, a questão é "Por que não pergunta isso a si mesma?".

— De repente me conhece tão bem assim?

— Sei o qu e s ign ifica ter res pon s a b ilida des e s er o foco de toda s a s expecta t iva s . Sei o qu e s ign ifica s er da rea leza . Além de s u a irm ã , s ou a pes s oa mais parecida com você.

Ele t in h a ra zã o, e con s ta ta r qu e u m es tra n h o era ca pa z de in terp retá -la tã o bem a deixa va expos ta , vu ln erá vel e fu r ios a . A s en s a çã o de fra gilida de sem pre a incomodara.

— Es cu te, s eu dever com m in h a irm ã es tá m a is do qu e cu m prido. Nã o precisa mais ser tão gentil comigo.

Ela saltou do banco, e ele a seguiu, intrigado.

— Su a irm ã n em m e pa s s ou pela ca beça qu a n do decid i ir a t rá s de você, Syreena.

Ela parou e se virou com os olhos cheios de suspeita e raiva.

— Não se atreva a me tratar com essa condescendência paternal!

— Não é o que estou fazendo.

— Por qu e is s o a gora ? Por qu e a in da es tá a qu i? Por que con tin u a m e seguindo?

— Porqu e você p recis a de proteçã o. E , com o d is s e h á pou co, p recis a s er necessária.

Da m ien en ten d ia a expres s ã o de s u rpres a dela . Nã o s a b ia de on de h a via tirado essa última colocação.

— De que maneira posso ser necessária para você?

A in fin ida de de res pos ta s qu e in u n dou s u a con s ciên cia teve o poder de fazer até um vampiro corar.

— Nã o sei. E n ã o vou con s egu ir en con tra r res pos ta s s e você in s is t ir em fugir delas.

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— Não precisa ter pena de mim só porque chorei nos seus braços há pouco. Não sou uma menina mole que precisa de elogios e tapinhas na cabeça.

— Todos n ós p recis a m os de elogios . E s e fos s e m ole, Syreen a , m erecer ia minha aversão, não minha piedade. Não tenho paciência para gente que fica pelos cantos choramingando, esperando que alguém as salve.

Era d ifícil fica r fu r ios a com a lgu ém qu e pen s a va com o ela . Da m ien es ta va surpreso por constatar como ela era parecida com o pai nesse aspecto.

— Não sou! — ela reagiu furiosa.

— Eu n ã o d is s e n a da , Syreen a . Apen a s pen s ei. E n ã o m e lem bro de ter permitido seu acesso aos meus pensamentos.

O qu e ele n ã o d is s e era qu e es ta va ch oca do por ela ter con s egu ido in va d ir s eu s pen s a m en tos . Era m pou ca s a s cr ia tu ra s qu e con s egu ia m ler s eu s pen s a m en tos , m es m o com s u a perm is s ã o. E com o ela con s egu ira ? Lica n tropos não eram telepatas. Apenas adivinhavam as coisas, valendo-se de uma coleção de da dos vib ra tór ios e de u m s exto s en t ido m u ito p recis o. E Syreen a lera s eu pensamento literalmente.

Ela também estava confusa.

— De qu a lqu er m a n eira — ele p ros s egu iu , a ba la do —, eu es ta va pen s a n do n o s eu tem pera m en to, n ã o n a es s ên cia de qu em você é. Na da qu e você já n ã o saiba.

— Nã o p recis o de u m es tra n h o m e d izen do qu em s ou — ela p rotes tou , m a s a s pa la vra s perdera m a in ten s ida de. Es ta va ca n s a da , per tu rba da e fa zen do u m grande esforço para culpá-lo por seus sentimentos.

— Precisa descansar. Ainda não se recuperou.

— Pare de me dizer o que devo fazer, por favor.

Ela caiu onde estava, tão exausta que nem conseguia mais sustentar o peso do p rópr io corpo. Da m ien moveu-se dep res s a , amparando-a a n tes qu e ela chegasse ao chão.

Tomou-a n os b ra ços e en cos tou o ros to n o dela , deixa n do s en t ir s eu ca lor e a segurança de sua presença.

— Pa re com is s o — ele m u rm u rou . — Pa re de ten ta r m e m os tra r com o é cheia de qualidades.

— Mas eu não... Não entendo você. Não entendo o que quer!

— Eu sei, e não estou surpreso.

— O que você quer, Damien?

— Eu qu ero... Qu ero s a ber o qu e você qu er . E , com o voe n ã o s a be, vou ter de es pera r a té poder des cobr ir . Agora voe va i des ca n s a r . — En trou n o ch a lé carregando-a .

Deitada, Syreena teve de a dm it ir qu e h a via u s a do Damien com o u m a vá lvu la de es ca pe pa ra o m a u h u m or e a revolta qu e s en tia con tra s i m es m a por

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ter s e m etido n es s a s itu a çã o. Ele s u por ta ra tu do com pa ciên cia , s a bedor ia e infinita serenidade.

Sentou-se na cama e começou a remover as bandagens da mão, cansada da res tr içã o e da s en s a çã o de invalidez. Nã o pod ia fa zer o m es m o com a s fa ixa s d a ca beça , m a s já s e con ten ta va em poder m ovim en ta r os dedos . Ain da s en tia dor , m a s n a da qu e n ã o pu des s e s u por ta r com u m pou co de con cen tra çã o. Ma is algumas horas, e tudo desapareceria.

Porém , leva r ia m u ito tem po pa ra ter de volta os lon gos ca belos . Sen tia -se com o Sa n s ã o, t ra íd a e a ba n don a da com a fra qu eza res u lta n te da m u tila çã o. Com o o pers on a gem b íb lico perm it ira qu e o a m or fos s e s u a fra qu eza , ela ta m bém s e deixa ra en fra qu ecer pelo a m or por Siena? Ou o a m or de Siena por ela deixa va a ra in h a vu ln erá vel? Detes ta va ideia de s er u m a fra qu eza pa ra a irm ã . Pior , u m a fragilidade que podia ser usada por inimigos.

— Pare!

Syreena sobressaltou-se ao ouvir a batida da porta. Viu a fúria nos olhos de Damien e olhou para as mãos livres das bandagens.

— Não preciso delas...

— Nã o m e refiro a os cu ra t ivos , Syreen a ! — Ele s e a p roxim ou e s e a joelh ou a o la do da ca m a . — Por qu e in s is te em s e ca s t iga r? Va i s e deixa r in flu en cia r pela a t itu de de u m a lou ca ? Se Ruth decid iu com s u a lógica d is torcida fa zer de você u m m eio pa ra a ta ca r s u a irm ã , va i a ceita r o pa pel de in s tru m en to? Va i s e s en t ir culpada?

— Como?...

— Você é ca pa z de tes ta r a pa ciên cia de u m s a n to! Ou es tá qu eren do s e torn a r s a n ta ? Nã o tem des ejos , n ã o tem a m bições , n ã o tem a m a n tes ... Tu do pa ra os ou tros , n a da pa ra você? O qu e es pera com es s e t ipo de con du ta ? Eu n ã o consigo entender!

— Nem eu ! Ao con trá r io de você, o m u n do n ã o tem s ido u m pa rqu e de d ivers ões pa ra m im . Um d ia fu i u m a cr ia n ça com u m , com toda a liberda de da infância, e no dia seguinte acordei de uma febre e tudo havia mudado. Minha vida es ta va m a pea da . Eu h a via s ido form a ta da , p repa ra da pa ra obedecer à s ideias de outras pessoas sobre quem e o que deveria ser. E isso é tudo que sei!

— É tu do qu e s e perm ite s a ber . J á vi você se opor à s u a con d içã o a n tes , n o dia em que desafiou seus professores para defender Siena. Por que não pode fazer o mesmo por você?

— Quem pensa que é? Já tem muita gente me dizendo o que fazer!

— Ma s foi pa ra m im qu e você es colh eu m os tra r a cr ia n ça qu e foi u m d ia , Syreena. A criança que ousa ter esperança, apesar de tudo e de todos.

O beijo.

Era a isso que ele se referia. Parte dela sabia que havia verdade por trás das pa la vra s de Damien. Tin h a m es m o m os tra do es s e a s pecto de s i m es m a . Beija ra -o s im p les m en te porqu e s en t ira von ta d e. Nin gu ém m a n da ra , n in gu ém es pera ra aquilo dela. Havia sido um impulso, uma manifestação das carências que relegara

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a o fin a l da lis ta de cois a s qu e u m d ia res olver ia , s e t ives s e tem po, depois de fa zer tudo o que era esperado dela.

— Pare de falar comigo como se soubesse quem sou — ela exigiu.

— Só quando admitir que nem você mesma sabe quem é.

— Cale a boca!

— Tanta educação, e essa é a única resposta que consegue me dar?

Ela resmungou uma palavra ainda menos sofisticada. Damien riu.

— Sa be, a ch o qu e s eu tem pera m en to é a ú n ica cois a qu e a in da res ta de realmente seu.

Syreena o agrediu. Uma bofetada. Forte.

Ela gritou de dor, segurando a mão e soprando a área onde a pele fina ardia ter r ivelm en te. Su a ú n ica s a t is fa çã o era ver a im pres s ã o de s eu s dedos logo a cim a da linha da barba dele.

Ta m bém h a via p rovoca do u m cor te n o lu ga r em qu e o lá b io en tra ra em contato com os dentes, e Damien tocava o local do sangramento com um dedo.

— Parece que Siena não é a única explosiva na família — ele observou.

— Ora, seu...

Syreena atacou-o, atirando-se sobre seu peito sem pensar que ele era muito m a is for te, e poder ia tê-la detido s em n en h u m es forço, s e qu is es s e. Ma s Damien ca iu de cos ta s n o ch ã o, ba ten do a ca beça n a s tá bu a s com u m ba qu e ru idos o. Ela colocou-se sobre ele, tentando agarrar seu pescoço.

O pr ín cip e a s egu rou pelos pu ls os , e n ã o h a via n en h u m a pos s ib ilida de de vencê-lo n u m con fron to d ireto. Ela s ó percebeu qu e es ta va en cren ca da qu a n do, de repente, ele rolou, deitando-a no chão e imobilizando-a com o próprio corpo.

— Saia de cima de mim!

Damien con t in u ou on de es ta va . Pa ra lis a da , ela percebeu qu e con s egu ira s e colocar em posição muito delicada. Literalmente.

Com o s e n ã o ba s ta s s e es ta r deita da s ob o corpo musculoso, ainda conseguira a proeza de encaixá-lo entre as pernas.

Ele a exa m in a va , u s a n do o olfa to. Com eçou pelo pes coço, es t im u la n do-a com seu hálito morno, depois passou ao ombro, ao colo, ao vale entre os seios.

Era u m ges to a lta m en te erót ico. E ela n ã o con s egu ia im a gin a r por qu e ele agia dessa maneira.

Damien qu er ia m a n tê-la a ba la da . Sa b ia qu e ela n ã o con s egu ia ra ciocin a r qu a n do era dom in a da pelo in s t in to. Em s u a op in iã o, ela devia recorrer m a is aos instintos.

Ma s ele h a via s e es qu ecido de leva r em con ta os p rópr ios in s t in tos . Syreen a ch eira va a lavanda, e a gora tra zia ta m bém o ch eiro da n oite, ten do a qu ecido em sua pele o aroma pungente.

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De todos os Nightwalkers, os licantropos eram os que tinham a temperatura corpora l m a is eleva da . Sa b ia d is s o por m eio de s u a vis ã o de detecçã o de ca lor . Porém, nada o preparara para estar tão perto desse calor.

— Damien, não...

— Nã o o qu ê? — Ergu eu -s e u m pou co pa ra fitá -la n os olh os . — O qu e n ã o quer que eu faça? Ou melhor, o que quer de mim?

— Eu... Eu não quero isso!

— Is s o o qu ê? — Ele s e in clin ou n ova m en te pa ra ch eira r s eu pes coço. — Não faça isto, é o que quer dizer?

— Não... — ela m u rm u rou , fech a n do os olh os e ten ta n do n ã o rea gir a o estímulo poderoso.

— Então, eu devo fazer isto? — Ele repetiu a ação.

— Damien...

— Não é o bastante? — Ele aperfeiçoou o toque, utilizando os lábios.

Ela virou o ros to, oferecen do o pes coço s em n em s equ er perceber qu e o fazia.

Damien viu-s e s u b ita m en te en reda do em u m a teia qu e ele m es m o tecera . A veia qu e pu ls a va n o pes coço delica do o ten ta va , latejando em s eu lá b io com u m ritmo provocante.

Obrigou-se a se afastar da tentação.

Syreen a a b r iu os olh os a o s en t ir o m ovim en to a bru p to e vê-lo ergu er a ca beça , p ra gu eja n do. Foi n es s e m om en to qu e p ercebeu qu e n ã o era a ú n ica a rea gir à m a n ipu la çã o dos s en t idos . E com preen deu qu a l era a in ten çã o dele com toda es s a p rovoca çã o. Ele qu er ia fa zê-la en ten der qu e h a via es colh a a lém da s imposições com que se deparava. Precisava apenas ouvir os próprios instintos.

Damien soltou-a e s e p repa rou pa ra s a ir de cim a dela . Em n en h u m m om en to t ivera a in ten çã o de colocá -la em per igo. Nã o p reten dera es t im u la r -se da qu ela m a n eira . Devia ter perceb ido des de o in ício qu e a qu ele jogo n ã o era s egu ro. Ela p rovoca va s eu s s en tidos com m u ita fa cilida de. Era d iferen te, ú n ica , e era esse tipo de coisa que o atraía.

E depois de ter provado o sabor de Syreena...

Não, es pere u m m inu to! Es s a era a n ovida de. Nu n ca s e in teres s a va du a s vezes pela m es m a cois a . Nã o qu a n do s e a lim en ta va . Repet ir a fon te de n u tr ien tes era como jantar sobras. Sem graça, morno, sem sabor.

Confuso, ele se levantou. Ou tentou...

Nã o es pera va qu e ela o s egu ra s s e pelos ca belos e o pu xa s s e de volta . Por isso, cedeu sem resistir. Seu nariz deparou-se com o pescoço dela, e percebeu que t in h a s ido a li qu e tu do com eça ra . Com s u a boca p res s ion a da n a veia pulsante. Ela envolveu-o com as pernas.

Ótim o! Agora ela m os tra ter von tad e própria!

— Syreena, não...

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— Não o quê?

Ela vira va o jogo de form a m a gis tra l. Se es t ives s e a s s is t in do à cen a de longe, ele teria rido. Mas estava perto demais para se sentir confortável.

— Syreena, ainda não me alimentei esta noite.

Ela não respondeu. Damien sentiu-a virar a cabeça e passar o nariz por seu pes coço, orelh a e ca belo. Qu a n do percebeu qu e ela o ch eira va len ta m en te, teve que conter um gemido.

Syreen a n ã o s a b ia por qu e p rovocá -lo a excita va ta n to, m a s n ã o con s egu ia s e con ter . E s a b ia qu e ele es ta va reagindo. Pod ia s en tir ca da m ilím etro de s eu corpo, ca da pon to de con ta to com o dela . Ele ten ta ra a m edron tá -la , m a s ela n ã o tinha medo dele. Nem mesmo depois do aviso.

En ten deu qu e n ã o s en t ia m edo porqu e con fia va n ele. Porqu e ele dera dezenas de motivos para isso. Acima de tudo, dissera-lhe a verdade. Uma verdade que nem mesmo sua irmã conhecia.

— Ach o qu e p recis o retr ibu ir u m fa vor — ela s u s s u rrou . Damien n ã o s a b ia do qu e ela es ta va fa la n do, m a s t in h a u m es tra n h o p res s en t im en to. Ten tou s e a fa s ta r m a is u m a vez, m a s ela es colh eu a qu ele m om en to pa ra coloca r a boca onde sua pulsação estaria.

O pes coço de u m va m piro era u m a zon a erógen a . E torn ou -s e eviden te pela form a com o ela percorr ia s u a pele com os den tes qu e ela s a b ia d is s o. Damien praguejou, ofegou e tentou se desvencilhar.

Porém , ela o a ga rrou , rola n do com ele a té es ta r s obre s eu corpo ou tra vez. Ele estendeu a mão até a cintura delgada, tentando empurrá-la.

— Era você qu em qu er ia s a ber o qu e eu des eja va — ela lem brou -o, esquivando-s e da s ten ta t iva s dele de a fa s tá -la , e cola n do o pes coço a os s eu s lábios.

Des ta vez, Damien n ã o con s egu iu refrea r o ru ído qu e s u rgiu em s u a garganta. Ela riu de deleite quando ele emitiu um som de prazer e envolveu-a pela nuca.

— Syreena, está brincando com fogo...

— J á m e qu eim ei em s u a s ch a m a s a n tes — ela res pon deu . Ele a ga rrou -a pelos ca belos , dem on s tra n do qu e es ta va en volvido a pon to de s e es qu ecer de s er cu ida dos o com s eu s fer im en tos . Era inebriante sentir-s e poderos a a pon to de ameaçar o equilíbrio do príncipe dos vampiros.

Sentiu-o a ca r icia r s eu pes coço com a lín gu a . Logo depois , pa recen do perceber o que fazia, ele tentou novamente se afastar.

— Syreena, pare!

— Por quê? Não gosta de mulheres agressivas?

— Gosto demais!

— Que bom...

De repen te, a s m ã os dela s e torn a ra m ou s a da s . Ela a s des liza va por s eu peito, pelo a bdôm en , pelo qu a d r il. O cam inho de volta foi a in da m a is p rovoca n te,

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com os dedos Pres s ion a n do a regiã o do u m bigo e a s u n h a s a rra n h a n do os mamilos.

Damien n ã o con s egu ia m a is s e con trola r . Atu rd ido, ergu eu a ca beça e lambeu-a no pescoço, onde a veia pulsava convidativa.

Dessa vez, não havia como deter sua reação. As presas surgiram reluzentes, e a eru pçã o violen ta o deixou ton to. O in s t in to a s s u m iu o com a n do e, a pa r t ir des s e m om en to n a da res ta va de civiliza do pa ra im ped ir a n a tu ra l s u ces s ã o dos eventos.

A m ord ida foi tã o rá p ida , qu e ela qu a s e n em a s en t iu . Mas Syreena sentiu os lá b ios s e fech a n do s obre a s du a s a ber tu ra s circulares. Um gem ido de p ra zer b rotou de s eu peito. Seu corpo libera va en dorfin a s e a d ren a lin a em res pos ta à in va s ã o dos a n t icorpos de Damien, e a rea çã o qu ím ica a deixou a tu rd ida . Precis ou de a lgu n s m om en tos pa ra perceber qu e es ta va n ova m en te deita da s ob o corpo dele.

Ela o s egu ra va pela n u ca , tem en do qu e ele in ter rom pes s e o con ta to. En qu a n to s orvia s eu s a n gu e, ele p res s ion a va , o corpo con tra o s eu , a n u n cia n do a incrível excitação com o s ú b ito ca lor e r igidez. Es ta va m tã o p róxim os , tã o u n idos , qu e ela s e via pelos olh os dele. Por u m m om en to, s en t iu o qu e ele s en t ia , e pôde in clu s ive exper im en ta r o s a bor do p róp r io s a n gu e em s u a boca , a força com qu e sua seiva o nutria.

E também soube com perfeita clareza como ele a via.

Como uma pessoa inteira. Um indivíduo.

Qu a n do retorn ou a s i, Syreen a foi tom a da por u m in im a gin á vel s en tim en to de p len itu de. Em u m ú n ico m om en to, h a via exper im en ta do a fu s ã o qu e bu s ca ra es ta belecer en tre s u a s du a s m eta des du ra n te toda a vida . Vira -se inteira pelos olh os de ou tro s er , a lgu ém qu e n ã o a con h ecia com o d u a s im a gen s d is t in ta s , es tu da n te ou con s elh eira , fa lcã o ou golfin h o. Ele via tu do. Gos ta va de tu do. Queria tudo.

Se pos s ível, Syreen a era a in da m a is doce do qu e da p r im eira vez. Ma is inebriante. O m a is es pa n tos o era o tem pero dos n íveis h orm on a is eleva dos pela excitação. Sen tia o pes o de s eu s s eios , o ca lor en tre s u a s pern a s . Pela p r im eira vez na vida, ele se tornava consciente da possibilidade da morte.

Se es t ives s e den tro dela , m ergu lh a do em s eu ca lor e pa r t ilh a n do o p ra zer qu e a dom in a va , poder ia s e en trega r à ideia da m or te s em p is ca r . A exper iên cia s er ia o pináculo da p róp r ia vida . Ma s com o era pou co p rová vel qu e m orres s e dessa maneira, ele pensou que poderia repetir a visita muitas e muitas vezes.

Com o s e res pon des s e à s u ges tã o m en ta l, ela arqueou a s cos ta s e gr itou n u m êxta s e incontrolável. Ele a bs orveu o im pa cto do corp o fem in in o, o ca lor qu e dele emanava, e gravou o cheiro almiscarado que se desprendia dela.

Só quando ela ficou quieta e sem ação, Damien começou a recobrar a razão.

E, naquele segundo de horror, ele percebeu o que estava fazendo.

Sa ltou pa ra lon ge dela , ca in do n o ch ã o com u m ba qu e s u rdo. Um gos to a m a rgo en ch ia s u a boca , e ele s e deu con ta de qu e h a via es qu ecido a m ord ida final.

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Ten tou s e m over , volta r pa ra per to dela , im ped ir o qu e ser ia in evitá vel, s e não concluísse a alimentação de maneira apropriada.

Mas estava paralisado, e era incapaz de se movimentar.

De on de es ta va , ele via o s a n gu e form a r u m a poça aterrorizante s ob a cabeça e o pescoço de Syreena.

— Merde!

Windsong n ã o con s egu iu im ped ir a excla m a çã o a o a b r ir a por ta do qu a r to e ver o príncipe e a princesa caídos no chão.

Syreen a es ta va desfalecida em u m a poça do p rópr io s a n gu e, e Damien se retorcia.

— Lyric!

Win ds on g s e a joelh ou a o la do da p r in ces a lica n tropo, coloca n do a m ã o sobre a ferida em seu pescoço para estancar o sangramento.

— O que é? Por que está gritando tanto?

Lyric parou de falar ao se deparar com a cena de horror.

— Vá bu s ca r a s erva s ! Depres s a , m en in a ! — ela orden ou . En qu a n to Lyric cor r ia de volta à cozin h a , Win ds on g p res s ion a va a m ã o con tra o peito de Damien e com eça va a en toa r s u a m a is poten te ca n çã o de cu ra . Lyric voltou e s e a joelh ou a o la do da m en tora , s egu ra n do a ca beça do va m piro pa ra im ped ir qu e, em s u a a gita çã o, ele s e fer is s e a in da m a is . En qu a n to is s o, ela en toa va ou tra m elod ia cu jo propósito era acalmar um corpo em choque.

Lyric ret irou da bols a de erva s tu do d e qu e p recis a va pa ra p repa ra r u m bá ls a m o coa gu lante pa ra o pescoço de Syreen a . As erva s s u r t ira m o efeito deseja do, m a s ela n ã o in ter rom peu a ca n çã o pa ra s u s p ira r a livia da . Pelo con trá r io, con tin u ou tra ba lh a n do, des peja n do n a boca da lica n trop o u m líqu ido pa ra p rom over a form a çã o de glóbu los verm elh os e repor o s a n gu e perd ido. A pu ls a çã o da p r in ces a a in da era fra ca , m a s p rogred ia ra p ida m en te, e is s o era tu do que importava.

Era hora de cuidar do outro paciente.

A pele de Da m ien t in h a u m pa voros o tom a cin zen ta do, depois s e torn ou a verm elh a da , depois a dqu ir iu u m a es tra n h a colora çã o ca s ta n h a qu e lem bra va o b ron zea do de u m dem ón io. Win ds on g n ã o s a b ia o qu e fa zer . Va m piros n ã o, t in h a m circu la çã o, pu ls o ou res p ira çã o qu e s e pu des s e m on itora r , e os m is tér ios de s eu s is tem a de n u tr içã o era m por ela des con h ecidos . Tu do qu e pod ia fa zer era sustentá-lo com sua canção e encorajar Lyric a fazer o mesmo.

Syreena acordou de repente. A primeira coisa que notou foi o sentimento de vazio, a ausência de peso.

Ou a falta do peso de Damien sobre seu corpo.

Aparentemente, havia desmaiado outra vez.

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Ela virou a ca beça , es t ra n h a n do a dor n o pes coço. Nã o lem bra va n it ida m en te a p r im eira vez qu e ele s e a lim en ta ra de s eu s a n gu e, m a s n ã o s en tira aquela dor, disso estava certa.

Sentou-se e teve de bu s ca r u m a poio, porqu e o m u n do girou . A m ã o es ten d ida tocou ca b elos m a cios , e ela s e virou a s s u s ta da . Lyr ic dorm ia n a ca deira ao lado de sua cama.

— Lyric?

— Ten tei a cordá -la , m a s ela es tá exa u s ta . Pobrezin h a . Syreen a recon h eceu a voz de Windsong, que descansava em outra cadeira ao lado da cama de Damien. Alguma coisa estava errada.

— O que aconteceu?

— Ta lvez você pos s a m e d izer . Por qu e Da m ien repetiu u m a to qu e qu a s e o matou da primeira vez?

— Qu a s e o... m a tou ? Ma s ele d is s e qu e... Ele fa lou com o s e fos s e a lgo simples, comum!

— Nã o foi. Agora a tem pera tu ra dele es tá os cila n do, do qu en te a o fr io, e s ei qu e is s o n ã o é n orm a l. A tem pera tu ra de u m va m piro ca i a o lon go do d ia , e s ó volta a s u b ir qu a n do eles s e a lim en ta m . Qu a n d o s e a lim en ta m com n orm a lida de, quero dizer.

— O que vai acontecer, Windsong? Ele vai sobreviver?

— Ach o qu e s im . Ele s ob reviveu da ú lt im a vez. Lyr ic e eu in ter fer im os em tempo.

Era a p r im eira vez qu e fa zia u m a es colh a , qu e decid ia qu e ca m in h o s egu ir . E qu e bela es colh a fizera ! Pis cou pa ra deter a s lá gr im a s . Nã o ch ora r ia com o uma criança. Isso não traria bem algum.

Pare com isso...

Syreen a r iu com h is ter ia a o s e lem bra r da s pa la vra s de Da m ien . Se ele a o menos soubesse no que estava se metendo...

Eu s ei. E n ão m e arrepend o.

Ela ofegou a o perceber qu e ou via a voz dele em s eu s pen samentos. Esforçou-se pa ra s e leva n ta r , pa s s ou pela con fu s a m is tra l e ca iu s obre a ca m a d o príncipe.

— Damien? Pode me ouvir?

Qu a n do o tocou , ela s en t iu a pele qu en te, qu a s e feb r il, s e is s o era pos s ível entre os de sua raça, e soube que ele estava vivo.

— Syreena... — chamou a mistral.

— Shhh... — a princesa a silenciou.

Syreena...

— Damien! Por que fez isso, se ia machucá-lo? Por que não me disse?

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Pare d e s e preocupar. Eu vou ficar bem em pouco tem po. Agrad eço o fa to d e você n ão es tar ferid a. Fiquei preocupado de ter machucado você.

— Não, eu estou bem. Apenas cansada.

Perp lexa a o ver a p r in ces a fa la n do s ozin h a , Win ds on g logo dedu ziu qu e ela o ouvia em seus pensamentos.

Va m piros pod ia m fa la r à m en te a lh eia . Norm a lm en te u s a va m im a gen s e ilusão, m a s con vers a r ta m bém era pos s ível, a ju lga r pelo qu e es ta va p res en cia n do. O p r ín cipe da va a im pres s ã o de es ta r m ergu lh a do n u m s on o p rofu n do, e es ta va , m a s s ó s eu corpo dorm ia . A m en te perm a n ecia a ler ta, a ten ta ao bem-estar de Syreena.

Win ds on g s e leva n tou e s a iu do qu a r to. Da r ia a pen as u m in s ta n te a os dois , e depois os faria dormir, mesmo que não quisessem.

Qu a n do retorn ou , en con trou a p r in ces a dorm in do n a ca m a de Da m ien , a ca beça a poia da em s eu peito e a m ã o s egu ra n do a dele, com o s e tem es s e qu e o príncipe desaparecess e. Es ta va tã o exa u s ta qu e a dorm ecera a s s im qu e t ivera certeza de que ele estava bem.

Decid iu deixá -la dorm ir . Sorr in do, aproximou-se de Lyr ic e a fez deita r n a ca m a va zia . E com o já pa s s a va do m eio d ia , ela m es m a foi s e deita r n o s ofá d a sala para descansar também.

J á es ta va es cu ro h a via u m a h ora qu a n do Elija h e J a s m in fin a lm en te ch ega ra m à ca s a de Win ds on g, leva dos a té a li por u m em a ra n h a do de p is ta s confusas e de deduções.

A m is tra l n ã o s e s u rp reen deu a o recebê-los n a por ta . Era com o s e os es t ives s e es pera n do. Ela n ã o fa la va , u m a cor tes ia com o demônio qu e n ã o t in h a recursos para se defender do efeito de sua voz, mas gesticulava para convidá-los a en tra r . Sa ben do o qu e os leva ra a té a li, a b r iu a por ta do qu a r to e os deixou da r uma rápida olhada em Syreena e Damien.

J a s m in e n ã o con teve o ch oqu e d ia n te da cen a . Da m ien a in da dorm ia , àquela h ora da n oite, e es ta va a b ra ça do a u m a delica da fêm ea lica n tropo. Ela o ter ia a corda do pa ra ped ir exp lica ções , n ã o fos s e pela firm eza com qu e a m is tra l a removeu da porta e a levou de volta à sala.

Elija h es ta va s a t is feito por s a ber qu e Syreen a es ta va viva e receben do cuidados apropriados. Pela ligação que mantinha com Siena, transmitiu seu alívio imediatamente e sentiu a resposta igualmente aliviada da esposa.

— Sien a m e pede pa ra tra n s m it ir s u a gra t idã o — ele d is s e a Win ds on g. — Ela diz que se precisar de alguma coisa algum dia...

A m is tra l ergu eu a m ã o pa ra s ilen ciá -lo. Ela s a b ia o qu a n to Sien a es ta va a gra decida e com o a qu ilo poder ia even tu a lm en te s ervir a ela , a s s im com o Elija h t in h a con s ciên cia de qu e ta lvez h ou ves s e u m d ia em qu e o fa vor pu des s e s er retr ibu ído. O gu erreiro s e deu por s a t is feito. J a s m in e, por ou tro la do, n ã o es ta va tã o con ten te. Tin h a dezen a s de dú vida s e qu er ia s a ber , p r in cipa lm en te, com o podia estar na mesma casa que Damien e não sentir sua presença.

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Syreen a a b r iu os olh os , virou o ros to e s e depa rou com os olh os a zu is , escuros como a noite, e com o lindo sorriso debochado.

— Olá — ele a cumprimentou.

— Olá? — Ela s e a poiou s obre u m cotovelo pa ra en ca rá -lo. — Olá ? É tu do que tem para me dizer?

— É um começo tradicional.

Syreena se levantou da cama e apoiou os punhos cerrados na cintura.

— Da m ien , qu a l é o p rob lem a com você? Qu er m orrer? Por qu e n ã o m e disse... Por que não me avisou...

Ele s orr iu n ova m en te e ergu eu u m a s obra n celh a . O ges to des preocu pa do a enfureceu ainda mais.

— Você é um maluco!

— Syreena...

— Nã o m e ven h a com es s e tom , com o s e eu fos s e u m a h is tér ica deses pera da com o ra to qu e viu corren do pela cozinha! Damien, você p recis a de uma babá!

Ele des is t iu de s e defen der . Ela n ã o o deixa r ia fa zer is s o e ele n a verda de a com preen d ia . Nã o pod ia exp lica r s eu com por ta m en to in s a n o. Com etera u m a estupidez, mas não permitiria que ela se culpasse por sua irresponsabilidade.

De repente, ela parou de falar e inclinou a cabeça, alerta.

— O que é? — Damien perguntou.

— Ah, que maravilha!

Ele também havia sentido a vibração.

— Es pera va qu e s u a irm ã fica s s e s en ta da es pera n do por s u a volta ? — ele perguntou.

Syreena n ã o d is s e o qu e ele pod ia fa zer com o comentário perfeitamente lógico. Em vez d is s o, a r ra n cou a camisola com qu e Windsong a ves t ira e a trocou pelo ves t ido a zu l em pres ta do pela don a da ca s a . Su rp reen den tem en te, o ves t ido havia sido lavado e não exibia uma única mancha de sangue.

Vestida, ela se virou para Damien.

— Nã o qu ero qu e Siena s a iba d is s o. En ten deu ? — Ela já es con d ia a s m a rca s em s eu pes coço u s a n do os ca belos e o cola r da pedra -da-lu a , s ím bolo de s u a pos içã o n a ca s a real. — Nos s a s ocieda de tem regra s , ta bu s , s u pers t ições ... Desrespeitamos tantas leis, que fico tonta só de pensar.

— Es tá ton ta porqu e perdeu m u ito s a n gu e. Des res peita r a s leis a deixa apavorada.

— E você também devia sentir uma dose saudável de medo, Damien! É uma a m ea ça pa ra você m es m o, s a b ia ? u m a a legr ia s a ber qu e vou es ta r bem longe enquanto vai destruir em outro lugar qualquer!

A princesa licantropo saiu do quarto, batendo a porta.

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— Gatinha?

— Hum?

— Va i a b r ir u m bu ra co n o ta pete. Sien a pa rou de a n da r de u m la do pa ra o outro e encarou o marido, que estava estendido na cama como se não tivesse uma única preocupação na vida. Sentiu vontade de espancá-lo por isso.

— Eu ouvi — ele disse, rindo.

— Tem cer teza ? Qu ero d izer , tem cer teza a bs olu ta ? — ela pergu n tou pela décima vez naquela noite.

— Siena...

— Qu ero s a ber com o ela con s egu e! Com o a cret in a pode des a pa recer n o a r des s e jeito? Nos s os m elh ores ca ça dores ten ta ra m loca liza r Ruth. Os m eu s , os s eu s , os de Damien, e n en h u m deles en con trou o ra s tro da vadia t ra idora ! Nem mesmo Jacob! Ele é o Defen s or de s eu povo, en ca r rega do de ca ça r os ren ega dos de sua espécie, e nem ele conseguiu localizá-la! Quero saber como ela faz isso!

— Ruth tem u m poder con s iderá vel — Elija h exp licou . — Podem os es ta r bem a trá s dela , m a s ela m a n ipu la n os s a m en te e n os fa z a cred ita r qu e es tá a m ilh a res de qu ilôm etros . Qu er s a ber qu em va i con s egu ir pôr a s m ã os n ela u m dia?

— Quem?

— Eu a pos to m eu d in h eiro em Damien. Ou Ma gda legn a . Legn a é o ú n ico dem ôn io da Men te s u ficien tem en te poderos o pa ra en fren ta r Ruth e ven cê-la u s a n do os m es m os tru qu es . In felizm en te, ela n ã o pode a gir en qu a n to n ã o der à luz.

— E Damien? — Siena foi se deitar ao lado do marido.

— Damien é im u n e a os tru qu es de Ruth, des de qu e es teja a ten to a eles . Depois de Jacob, ele é o melhor caçador que conheço.

— Ma s a in da n ã o con s egu iu n a da , e es se tormento com eçou h á cerca de um ano!

— Sien a , os d ia s de Ruth es tã o con ta dos . Ela va i a pa recer n ova m en te, e então...

— Sim , eu s ei qu e ela va i a pa recer . E é d is s o qu e ten h o m edo. Ru th está tra m a n do a lgu m a cois a . E é a lgu m a cois a rela cion a da à b ib lioteca e a o território mistral. Não gosto disso. Sinto arrepios quando penso que ela está solta por aí. — Sien a s e a n in h ou em s eu peito, ten ta n do ba n ir do corpo a s en s a çã o de fr io e medo. — É você qu e ela odeia , Elija h . Na m en te d is torcida da qu ela lu n á t ica , você é res pon s á vel pela m or te da filh a dela . Ten h o m edo de qu e ela o s u rp reen da e faça alguma coisa como fez...

— Nã o va i m a is a con tecer , Siena. Sei qu e com eti u m er ro qu e qu a s e m e levou à m orte, m a s pode ter cer teza de qu e n ã o va i m a is a con tecer . Nã o ten h a m edo dela . É is s o qu e Ruth d eseja . Ela qu er qu e você ten h a m edo por m im , por Syreena...

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— Nã o vou ter m edo dela ... n ã o depois de ra s ga r a vadia a o m eio e a r ra n ca r seu coração negro!

Elijah riu.

— Esta é minha garota — disse, beijando-a e conduzindo-a por um caminho repleto de outros tópicos.

Syreena se levantou depois de ter passado algum tempo ajoelhada diante do a lta r , on de estivera m ed ita n do pela m a ior pa r te da s ú lt im a s vin te e qu a tro h ora s . Nã o pod ia jejuar en qu a n to s e recu pera va do ch oqu e fís ico qu e sofrera uma s em a n a a trá s , e la m en ta va qu e os m on ges in s is t is s em n a p roib içã o. Sen tia -se bem , e a ch a va qu e o jeju m torn a r ia m a is fru t ífera s a s ten ta t iva s de m ed ita r . Sempre havia funcionado no passado.

Não... Honestamente, a alimentação não tinha nada a ver com a dificuldade de concentração.

Precisava saber como Damien estava depois de tudo que havia passado. Por n ã o ter con ta do tu do a Sien a , s u a irm ã n ã o ju lga ra n eces s á r io bu s ca r m a is informações sobre o bem-estar do príncipe dos vampiros.

Sa b ia qu e n ã o h a via dem on s tra do s u a a p recia çã o por tu do qu e ele fizera . Nã o con s egu ia en ten der por qu e fica va tã o ir r ita da e volá t il qu a n do es ta va per to dele. As lem bra n ça s volta ra m a per tu rbá -la e, in qu ieta , com eçou a a n da r pelos corredores do monasterio subterrâneo do Pride.

Crescera a li, e con h ecia o lu ga r m elh or do qu e con h ecia o ca s telo rea l. De cer ta form a , a ca vern a de m u ita s câ m a ra s en cra va da n a im en s a m on ta n h a ru s s a era s eu la r , m a is do qu e o lu ga r on de n a s cera . Ao m es m o tem po, n ã o h a via a m or ou ternura entre as paredes de rocha fria. Professores, aulas, disciplina, sim, mas nada que se aproximasse de carinho ou bondade genuína.

Por is s o, bu s ca ra o refú gio do m on a s tér io. Ali, n in gu ém se in teres s a r ia por ela o s u ficien te pa ra des cobr ir o qu e a in com oda va . Se fica s s e com Siena, a ca ba r ia en lou qu ecen do s ob s u a con s ta n te a p reen s ã o. E s e perdes s e o con trole e revelasse o que acontecera entre ela e Damien...

Um rubor t in giu s eu ros to. Por qu e fica va tã o a gita da s em pre qu e pen s a va n ele? En qu a n to vivera n o m on a s tér io, fora força da a a dota r o celibato. Como pr in ces a , t in h a de m a n tê-lo a té en con tra r o pa rceiro qu e fica r ia a o s eu la do por toda a vida . En tre u m a cois a e ou tra , a ca ba ra s e con form a n do com a s itu a çã o e nunca havia considerado essa exigência um fator de grande interesse.

Damien era o primeiro a forçá-la a rever esse conceito.

Agora en ten d ia toda s a s res tr ições im pos ta s a o cru za m en to en tre ra ça s de Nightwalkers. Sien a e Elija h era m a exceçã o, e o a ju s te n ã o fora fá cil pa ra n en h u m dos en volvidos . De fa to, a cor te e o povo de Sien a a in da ten ta va m s e adaptar à novidade, e havia os mais resistentes.

Ma s , pelo m en os , eles n ã o ca u s a va m m a l u m a o ou tro. Es ta va m felizes e s a u dá veis . Ta l cois a ja m a is s er ia pos s ível en tre Damien e ela . En tã o, por qu e n ã o s e con ven cia des s a im pos s ib ilida de e pa ra va de pen s a r n is s o? Por qu e, a pes a r de tudo, tinha esse impulso quase irresistível de ir procurá-lo?

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Ha via ou tra s cois a s qu e a in com oda va m . A m a n eira com o todos qu e a via m olh a va m pa ra os es pa ços va zios em s u a ca beça , por exem plo. Se tolera s s e a opressã o, já ter ia a dota do o u s o do véu s ó pa ra s e p roteger dos olh a res cu r ios os . Mas nenhum licantropo suportava a ideia de cobrir os cabelos. E os dela levariam anos para crescer novamente. E enquanto o cabelo crescia, o golfinho permanecia con fin a do, a dorm ecido den tro dela . Era qu a s e com o s e es t ives se s ofren do u m a pu n içã o cós m ica pelo res s en t im en to qu e n u tr ira con tra s u a s du a s m eta des . Agora qu e u m a dela s es ta va fora de s eu a lca n ce, rem ovida com os ca belos cinzentos, queria desesperadamente tê-la de volta.

Ajeitou os ca belos ca s ta n h os de form a a cob r ir a s á rea s va zia s em s u a ca beça . Melh or m is tu ra r a s cores , ou o qu e res ta va dela s , a s e exib ir com a qu ela a pa rên cia pa tét ica . Ha via em s u a cu ltu ra os qu e t in h a m ca belos n a tu ra lm en te m es cla dos em du a s ou m a is cores . Os qu e n ã o a con h ecia m n em olh a r ia m du a s vezes para o novo arranjo.

Infelizmente, eram poucos os que não a conheciam.

O príncipe vampiro estava carrancudo.

Jasmine s u s p irou a o olh á -lo da va ra n da da m a n s ã o. Era ir r ita n te! Norm a lm en te, ele a obs erva va e s e p reocu pa va com s u a m ela n colia con s ta n te, m a s a gora n ã o t in h a m a is tem po pa ra fica r m ela n cólica . Es ta va p reocu pa d a demais com Damien para se incomodar com o tédio.

Ele caminhava pelo jardim sob o manto da noite, dirigindo-se ao rochedo de on de pa s s a r ia m a is a lgu m a s h ora s olh a n do pa ra o ocea n o Pa cífico. Sa b ia qu e ele olhava para a Rú s s ia . Nã o qu e ele h ou ves s e feito confidências sobre os dia s qu e passara com a princesa licantropo, mas... Bem, ela tirara as próprias conclusões.

A pr in ces a pod ia es con der a verda de de s u a irm ã e de s eu povo recorren do à es tét ica e à s jóia s , m a s u m va m piro n ã o se deixa va en ga n a r por es s e t ipo de t ru qu e. A m ord ida de u m va m piro era com o a dem a rca çã o de u m ter r itór io por um animal, uma declaração de poder dentro de certos limites.

Um va m piro s em pre s en tia on de o ou tro t in h a es ta do a n tes . Com o s eres territoriais, era assim que evitavam invadir o espaço alheio.

Em s u m a , qu a lqu er va m piro qu e s e a p roxim a s s e da p r in ces a lica n tropo s a ber ia qu e Da m ien es t ivera a li. E , com o s e is s o n ã o ba s ta s s e, ela os vira dormindo abraçados na casa da mistral.

Damien se deitava com muitas mulheres, mas nunca dormia com elas. E se ele a a ceita va com o a m iga , s e a a dm it ia com o p res en ça con s ta n te em s u a vida , J a s m in e s a b ia qu e is s o s ó a con tecia porqu e n ã o o in com oda va . Nu n ca t in h a m s ido a m a n tes , n u n ca s e a pa ixon a ra por ele, n u n ca fizera cobra n ça s . Era es s a liberdade que os havia mantido próximos por tantos séculos.

O en volvim en to com a p r in ces a ca u s a ra u m a im porta n te m od ifica çã o n ele. Es ta va p reocu pa da , porqu e m u da n ça s era m s em pre vis ta s com o s in a is de fra qu eza em s u a s ocieda de. O qu e qu er qu e a con teces s e, n in gu ém devia n ota r a transformação.

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Ela m es m a n ã o con s egu ia perceber a n a tu reza des s a s m u da n ça s , porqu e ele a bloqueava. Sozinho, passava horas sentado naquele rochedo, olhando para o ocea n o. E ela gu a rda va s egredo. Se u m ú n ico s u s s u rro s ob re es s es n ovos even tos u lt ra pa s s a s s e a s m u ra lh a s da m a n s ã o, a s consequências s er ia m ter r íveis . Vampiros ambiciosos passariam a cobiçar a coroa, certos de que o príncipe estava enfraquecido.

J a s m in e n ã o era u m a cr ia tu ra m u ito pa cien te. Por is s o s e ca n s a va com ta n ta fa cilida de do m u n do qu e a cerca va . Ergu eu os b ra ços e flu tu ou s ob re a s á rvores , d ir igin do-s e a o roch edo de on de Damien a p recia va o Pa cífico. Ater r is s ou ao lado dele sem fazer barulho.

Damien in s p irou p rofu n da m en te. Es pera va o con fron to e s a b ia qu e ser ia impossível adiá-lo por muito mais tempo.

— Jasmine, por que não desiste?

— Se pa ra r de s e a r ra s ta r pela m a n s ã o com o s e ca r rega s s e o m u n do n a s costas, não farei mais perguntas.

— Não estou me arrastando.

— Es tá m ela n cólico, dep r im ido... Con h eço você, Damien. Sei, por exem plo, qu e es s e com por ta m en to pode levá -lo a pôr em r is co cois a s qu e s ã o im por ta n tes para você.

— Talvez não sejam mais tão importantes.

A s itu a çã o era m a is s ér ia do qu e ela im a gin a va . Damien n u n ca qu es t ion a va suas prioridades e seus objetivos!

— Damien, s ou s u a m elh or a m iga . Por qu e n ã o m e con ta o qu e es tá acontecendo? De onde vem esse sofrimento?

Ele s e s en tiu en volvido pela tern u ra de J a s m in e. Sa b ia que ela o via com o era a gora , u m s er t ra n s form a do e a torm en ta do, a lgu ém qu e n u n ca m a is s er ia o m es m o. Nã o t in h a o d ireito de p reocu pá -la des s a m a n eira s em da r exp lica ções que pudessem confortá-la.

— Lembra-se de 1562? — ele perguntou.

— A revolta na França?

— Antes disso.

— Ah... A rainha sardenta da Inglaterra.

— Sim . Pou co a n tes de eu des cobr ir qu e ela h a via con tra ído va r íola . Foi a última vez que estivemos todos juntos.

— Simone, Racine, Lind, Jéssica...

— Dawn.

— Men in a tola ! Entregar-se à m or te em u m ca m po de ba ta lh a n a Fra n ça ! Transformar um banquete em um funeral!

— Foi u m er ro. Todos n ós os com etem os . In felizm en te, o dela foi fa ta l. Deve lem bra r qu e fora m m u itos os er ros da qu ele gru po n o s écu lo s egu in te. En fim ... eu a havia rejeitado naquela noite na Inglaterra. Sempre achava que haveria tempo...

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— Damien, ela aquecia sua cama, não seu coração.

— Eu s ei, m a s ela é o exem plo de tu do qu e s em pre pen s ei poder retom a r mais tarde, mas nunca mais tive oportunidade de recuperar.

— Por que está falando nisso agora?

— Porqu e h á a lgo qu e p recis o retom a r . Nã o a m a n h ã . Nã o da qu i a u m a semana. Agora.

— A p r in ces a lica n tropo — ela dedu ziu , in crédu la . — Da m ien , ela n ã o significa nada para você!

— Tem certeza?

Jasmine o encarou.

— Nã o ten h o cer teza de m a is n a da qu e es teja rela cion a do a você. O qu e a con teceu ? Qu ero en ten der . Nã o pos s o a poiá -lo s em en ten dê-lo. E s e es tá pensando o que acho que está pensando, vai precisar de muito apoio!

Damien refletiu por u m in s ta n te, o olh a r perd ido n o ocea n o. Depois , fa lou em voz baixa:

— Sabe por que não nos casamos, Jasmine?

— Porqu e p recis a m os de va r ieda de. Nã o a cred ita m os em p rá t ica s tola s e ultrapassadas como as que são adotadas pelos demônios e licantropos.

— Ou porqu e n ã o fa zem os o qu e é n eces s á r io pa ra en con tra r es s e t ipo de parceiro.

— Não entendo.

— Sou o m a is velh o m em bro de n os s a es pécie. Em todo es s e tem po, n u n ca vi u m va m piro s e a pa ixon a r , ca s a r , ou s e u n ir a a lgu ém pa ra s em pre, por toda a vida. E acho que entendi por quê.

— Damien...

— Porque não nos alimentamos de Nightwalkers.

— Não entendo o que isso tem a ver com...

— Ta lvez pos s a m os en con tra r exp lica ções n a b ib lioteca . A h is tór ia dos Nigh twa lkers es tá con tida n a qu ela ca vern a , e exis tem a li exp lica ções m u ito m a is a n t iga s do qu e eu ou qu a lqu er ou tro s er da n oite a in da vivo n es s e p la n eta . Ta lvez lá es teja a verda deira exp lica çã o pa ra a p roib içã o de beberm os s a n gu e de ou tros Nigh twa lkers . Pen s e n is s o. Pen s e em com o s om os , em tu do qu e n os fa lta . Por exemplo, por que você não me ama?

— Que pergunta ridícula!

— Nã o é r id ícu la ! Nós n os con h ecem os h á s écu los . Você veio m ora r em m in h a ca s a h á qu in h en tos a n os . Som os os dois va m piros m a is p róxim os do p la n eta . J a m a is con h eci em n os s a cu ltu ra a lgu ém qu e m e des s e ta n ta a m iza de, compreensão e companheirismo. Então, por que não existe amor entre nós?

— Porque o amor não funciona desse jeito.

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— E com o fu n cion a ? J á s e a pa ixon ou , J a s m in e? Por qu e exper im en ta m os todos os ou tros s en tim en tos qu e exis tem , ta n to pa ra h u m a n os qu a n to p a ra Nigh twa lkers , m a s des con h ecem os o a m or? Con h ece a lgu m va m piro qu e já ten h a amado?

— Não. Somos egoístas demais para...

— Qu e des cu lpa con ven ien te! Até os h u m a n os , qu e pen s a m es ta r a pa ixon a dos e depois m u da m de ideia , a ch a va m qu e a m a va m . Nós n u n ca com etem os n em m es m o es s e en ga n o! Sim plesm en te a firm a m os qu e n ã o fom os feitos pa ra is s o. Você m es m a d is s e h á pou co qu e eu n u n ca a m ei Da wn . Com o s e a cred ita s s e n a pos s ib ilida de do a m or pa ra u m va m piro. Agora d iz o con trá r io, afirma que esse amor não é possível. O que é isso, afinal?

— Es tá m e con fu n d in do, Damien. Qu a l é s u a in ten çã o? J u s t ifica r o des ejo de voltar para a mutante?

— Se fos s e a pen a s des ejo, eu poder ia ign orá -lo, com o bem sa be. É obs es s ã o. Nã o con s igo pen s a r em m a is n a da . Nã o qu ero m a is n a da . Min h a m en te se limita a repetir certos... incidentes que ocorreram conosco.

— Paixão.

— Um rótu lo con ven ien te pa ra en cobr ir os verda deiros s en tim en tos da qu eles qu e deseja m ju s t ifica r com por ta m en tos in u s ita d os . — Ele s e leva n tou . — Mas eu já senti essa paixão a que se refere. Sei que é intensa, mas passageira.

— Então...?

— Jasmine, is s o é o qu e a con tece qu a n do u m va m piro a bs orve em s eu corpo o sangue de um licantropo.

— E o que é? Amor? — Ela riu. — Tem ideia de como isso soa ridículo?

— Tem ou tro a rgu m en to a p ropor? Pa ra os dem ôn ios , u m s im p les toqu e é s u ficien te pa ra a t iva r a con exã o com a a lm a gêm ea . Pa ra os lica n tropos , é o a to s exu a l. Até os m is tra is e os h a b ita n tes da s s om bra s pos s u em ga tilh os semelhantes. E nós? O que temos?

— Es tá d izen do qu e o ga t ilh o pa ra n ós é s orver o s a n gu e de u m Nightwalker? Mas nós... bebemos uns dos outros!

— Mas nunca nos alimentamos de outros Nightwalkers.; Nunca. É um tabu, um limite que nenhum vampiro ousa ultrapassar. Mas não por temermos a morte que essa prática poderia acarretar, como é certa a morte causada pela ingestão do s a n gu e en ven en a do de u m p ra tica n te de m a gia n egra . En tã o, de on de vem es s e medo? Como ele foi plantado em nós?

— Onde quer chegar, Damien?

— Nã o s ei. Nã o ten h o p rova s , n ã o h á a rgu m en tos lógicos ... Sã o a pen a s suposições. E só conheço duas maneiras de encontrarmos essas respostas.

— E uma delas obviamente requer um encontro com certa princesa...

— Nã o vou n ega r . Ela s e torn ou pa r te de m im . J á m e a lim en tei de m u itos s eres , m a s o s a n gu e da p r in ces a perm a n ece n o m eu s is tem a . E d is s o eu ten h o prova. Não notou nada em mim, Jasmine?

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Ela fech ou os olh os e ten tou es tu dá -lo com os s en tidos des en volvidos e a gu ça dos . Ha via m u ito des eja va rea liza r es se exa m e e, por is s o, a ceitou o con vite s em qu es t ion á -lo. Um s egu n do m a is ta rde, a b r iu os olh os , qu e exib ia m u m br ilh o chocado.

Podia sentir em Damien o cheiro da princesa. Dentro dele.

— Com o pode ser? Nu n ca gu a rda m os a m a rca da p res a . Ela leva n os s a marca.

— E qu em ca ça o p reda dor , J a s m in e? Qu em corres pon de a o per igo pa ra n ós ? Ach o qu e ca da u m de n ós en fren ta u m r is co d iferen te. Pa ra m im , o per igo é u m a m u lh er de olh os de cores d iferen tes e qu e a gora es tá do ou tro la do do mundo.

— E n u n ca pen s ou qu e pode s er a s s im s im p les m en te por ela s er u m a m u ta çã o? Ela é a n orm a l, Damien! É ven en o pa ra você! Vi em qu e con d içã o s e encontrava quando chegamos à casa da mistral. Doente, cansado, fraco...

— Veneno é algo que mata. E eu ainda estou vivo.

— Alguns venenos matam lentamente, outros causam necrose...

— E outros nos tornam mais fortes, Jasmine.

— De qu e m a n eira s en te qu e es tá m a is for te? Só vejo in s egu ra n ça , dú vida , fra gilida de... E é o qu e todos verã o qu a n do olh a rem pa ra você! E a lgu n s n ã o hesitarão em matá-lo diante dessa fraqueza aparente.

— Acho que não.

J a s m in e n ã o teve tem po de res pon der , porqu e, d ia n te de s eu s olh os , Damien desapareceu no ar.

Apavorada, ela sentiu algo cair em seu rosto. Uma pena de corvo.

Ainda assustada, ouviu o bater de asas.

A ave sobrevoou sua cabeça e pousou na rocha ao seu lado. Houve mais um estranho lampejo, como um piscar de olhos, e Damien se materializou no lugar do pássaro.

— Min h a s a ter r is s a gen s a in da deixa m a des eja r , mas a ch o qu e pos s o melhorar com o tempo e com muita prática.

— Mas isso... não é possível! Essa é uma característica do povo mistral!

— Ou o resultado do sangue de um licantropo no corpo de um vampiro.

Jasmine es ta va s em fa la . Mes m o qu e con s egu is s e pen s a r , ter ia s ido im pos s ível expres s a r-s e. A tota l im pos s ib ilida de de rea çã o se es ten deu por a lgu n s segundos.

— E qu a l é o ou tro ca m in h o? — ela pergu n tou fin a lm en te. — Dis s e qu e s ó havia duas maneiras...

— A biblioteca, Jasmine. E, para isso, vou precisar da sua cooperação.

— Qu er qu e eu en con tre o Sa n to Graal? Um tes ou ro de cu ja exis tên cia n em tem certeza? Quer que eu comece uma cruzada que pode ser infrutífera?

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— Tem ra zã o, ta lvez es s e m a ter ia l n em exis ta . Ma s , s e exis t ir , va m os p recis a r de a lgu ém qu e con h eça n os s o a n t igo id iom a pa ra decifra r os textos . Algu ém qu e defen da n os s os in teres s es n es s a bu s ca colet iva . Sei qu e s em pre foi determ in a da , m a s a gora qu ero qu e s eja obs tin a da . Se n ã o por m im , pelo efeito qu e es s a des cober ta pode ter pa ra m u itos de n ós . Sei qu e va i s e a cova rda r d ia n te de tudo que puder representar uma ameaça de compromisso, mas resista! Sei que va i s en t ir es s e pa vor , porqu e h á u m a s em a n a eu ter ia s en tido a m es m a cois a . Eu m e n ega r ia a a cred ita r qu e a lgu m a cois a pode m e liga r irrevogavelmente a ou tro s er , m a s a gora s in to es s a pos s ib ilida de em m im , n o s a n gu e qu e perm a n ece em meu sistema.

— Se s a be qu e n ã o pos s o s en t ir o qu e você s en te a gora por qu e m e en via nessa missão?

— Não sei. Mas espero que você possa me trazer respostas.

— Eu... raramente sinto medo, Damien, mas isso tudo me deixa apavorada.

— Con fie em m im . E p rocu re a s res pos ta s . Precis o en ten der o qu e es tá acontecendo ou vou enlouquecer.

— Mu ito bem , vou m e em pen h a r n es s a bu s ca . Nem qu e s eja pa ra p rova r qu e você es tá er ra do. E s e des cobr ir qu e a lica n tropo é a es colh a er ra da pa ra você, fa rei tu do qu e pu der pa ra s epa rá -lo dela pa ra s em pre. Se ela for o ven en o, n ã o vou h es ita r em a dm in is tra r o a n t ídoto. Prefiro m a tá -la e correr o r is co de enfren ta r s écu los de gu erra a perder você pa ra a lgo qu e, n o fin a l, s erá s u a destruição. Precisamos muito de você. Eu preciso muito de você.

A decla ra çã o n ã o o per tu rbou , com o era s u a in ten çã o. No pa s s a do, a s palavras de carência e afeto o teriam afastado rapidamente por serem incômodas.

Ma s a gora ele qu er ia s a ber o qu e era p recis o pa ra s u pr ir es s a n eces s ida de n o ou tro e em s i m es m o. Ele des eja va des cobr ir o qu e era en con tra r em a lgu ém uma alma complementar.

E isso mudava tudo.

— O qu e va i fa zer , Damien? Es tá pen s a n do em correr pa ra a Rú s s ia e decla ra r s eu a m or por u m a es tra n h a ? — Nã o s u por ta va a ideia de vê-lo a gir de maneira tão irracional.

— Nã o. Nem es tou d izen do qu e a a m o. O qu e qu ero des cobr ir é s e is s o é possível. Se sou capaz de amá-la.

CAPÍTULO III

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S yreen a rola va n a ca m a . Ain da fa lta va u m a h ora pa ra o a n oitecer . A luz

do d ia n ã o pen etra va n a s p rofu n deza s do m on a s tér io, m a s ela n ã o qu er ia s e leva n ta r . Es ta va exa u s ta de va ga r pelos corredores . A in qu ieta çã o fís ica e m en ta l que experimentava estava ameaçando levá-la à loucura.

Era h ora de volta r pa ra per to de Sien a . Lá , ter ia alguma cois a pa ra fa zer além de refletir sobre si mesma. Preferia estar ocupada. Sabia que os sentimentos e os p rob lem a s n ã o des a pa recia m qu a n do era m ign ora dos , m a s pelo m en os teria uma trégua, o que já seria um alívio.

Além do m a is , em a lgu m m om en to ter ia de en ca ra r s eu povo. Nã o pod ia fica r a fa s ta da es pera n do o ca belo cres cer pa ra fu gir dos olh a res qu e ta n to a in com oda va m . J á con s egu ira ter a ces s o a o fa lcã o du a s vezes por b reves per íodos ! As penas que faltavam não impediam o voo. Na medida em que fosse superando o trauma, poderia passar mais tempo na forma da ave.

Era o que esperava.

Nã o con fes s a ra is s o a n in gu ém , e ch ega va a la m en ta r ter recon h ecido pa ra si mesma, mas algo havia mudado na experiência da transformação.

Era d ifícil iden t ifica r ou des crever o qu e m u da ra . Form a s e cores a in da era m a s m es m a s , o p roces s o de con cen tra çã o e o ba la n ça r da ca beça a in da era m fu n da m en ta is pa ra a ida , com o o foco e o ba la n ça r do corpo era m necessários para a volta à forma humana, e podia voar, planar e usar a voz do falcão. Em sua s egu n da form a , ela a in da era u m a m u lh er cober ta por pen a s de fa lcã o e com lon ga s a s a s . Nã o con s egu ia ter a ces s o a o golfin h o, n em à s ereia res u lta n te da combinação entre mulher e golfinho. Mas isso já era esperado. Então, o que havia mudado?

Tem ia volta r pa ra a ca s a d a irm ã s em es s a res pos ta . Fru s tra da com a in qu ieta çã o, ela s e virou de b ru ços e en ter rou o ros to n o t ra ves s eiro. Com a s mãos cobrindo as orelhas, começou a cantar, repetindo a melodia várias vezes até s en tir o in ício de u m a on da de con for to. Qu in ze m in u tos m a is ta rd e, ela s e s en tiu relaxar e cochilou.

Da m ien s orr iu a o ou vir Syreen a ca n ta r e coch ila r repetida s vezes . A aproximação de uma nevasca escondera o sol mais cedo, mas ela não podia saber d is s o com o ros to en ter ra do n o tra ves s eiro, es con d ida n a s p rofu n deza s do m on a s tér io. Fora fá cil en con trá -la . Depois de ter pa s s a do o d ia com o h ós pede de Noah na Inglaterra, usara a tempestade para transportá-lo até ali.

A va n ta gem do corvo em qu e de repen te pod ia s e t ra n s form a r era qu e n en h u m lica n tropo qu es tion a r ia a p res en ça da a ve n os s u b ter râ n eos do monastério. Quase todos ainda dormiam, mas os poucos pelos quais passara nem haviam olhado em sua direção.

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Gostava de ser u m a a ve, pen s ou , aproximando-se da ca m a de Syreen a . Além da leveza , s eu n ovo corpo era ca pa z de a t in gir im pres s ion a n te velocida de. A forma aerodinâmica era incrível, apesar da aparente vulnerabilidade.

De repente, entendia como era a vida de Syreena.

Liberdade e velocidade, mas, em troca, vulnerabilidade.

Sem pre h a via u m a troca . Qu a is s er ia m a s vu ln era b ilida des da terceira forma da princesa?

Pa rou pa ra a p recia r o corpo esguio e a t lét ico s ob re a ca m a . Ela es ta va deita da de bruços, e era pos s ível ver a s cu rva s per feita s e s in u os a s s ob a colch a de tecido fino.

Pod ia ta m bém s en t ir o ca lor d a qu ele corpo. Con s idera n do a tem pera tu ra de suas mãos àquela hora da noite, quando ainda não havia caçado, se a tocasse ela certamente pularia alto o bastante para tocar o teto.

Ma s o m om en to n ã o era p ropício pa ra es s e t ipo de tru qu e. Um a br in ca deira dessa natureza naquela fase de sua vida poderia lhe custar a cabeça.

Ela ca n ta va , e o ca n to in cer to e entrecortado expressava a d ificu lda de pa ra a dorm ecer , u m prob lem a qu e ele com preen d ia per feita m en te bem . E qu e o con for ta va . Era o p r im eiro s in a l de qu e ele n ã o era o ú n ico en fren ta n do dificuldades.

Ao ver os ca belos dela es pa lh a dos , m a is ca s ta n h os do qu e cin zen tos , exper im en tou u m a for te on da de pes a r . Ruth m erecia qu e ele s e vin ga s s e s im p les m en te pelo qu e ela fizera com Syreena. Pen s a r n a va d ia en s a n decid a tocando-a fa zia s eu s a n gu e ferver n u m a rea çã o de u ltra je pos s es s ivo. Era u m sentimento que o fortalecia e enchia de vigor e, por isso, nem tentava evitá-lo.

Pa ixã o. Nã o h a via n a da de fr io, ted ios o ou blasé nela, e gos ta va des s a eferves cên cia . Des a pa recer ia com o tem po? Era s ó m a is u m a delícia pa s s a geira que perderia o encanto?

Ta lvez, m a s n es s e m om en to, tom a do com o es ta va pela s en s a çã o, n ã o pod ia imaginar seu enfraquecimento.

Ajoelhou-s e a o la do da ca m a , debru çou -s e s obre o ombro de Syreen a e soprou delicadamente os cabelos que cobriam suas costas.

Ela sacudiu um ombro, mas não despertou.

Damien repetiu o gesto do outro lado, rindo.

Ela a cordou de repen te e leva n tou a ca beça . Olh os a zu is com o a n oite a espreitavam.

— Damien — ela m u rm u rou , in u n da da por u m in exp licável entusiasmo. Nã o s a b ia de on de vin h a , m a s n ã o lu ta r ia con tra o s en tim en to. Era a m elh or cois a qu e exper im en ta va des de... bem ... des de a ú lt im a vez qu e o toca ra . — Damien...

Ele n ã o es pera va es s a rea çã o. Ha via im a gin a do qu e ela s e za n ga r ia , e qu e ta lvez res is t is s e a vê-lo n ova m en te. Afin a l, n o ú lt im o en con tro, gr ita ra com ele, tomada por uma mistura de frustração e medo.

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Medo por ele.

Era is s o. A a legr ia em vê-lo s ign ifica va qu e Syreen a es ta va a livia da com s u a recuperação. Emocionado, ele não conseguiu falar nem para cumprimentá-la.

Ela s e s en tou , s egu ra n do-o pelos om bros pa ra in s pecion á -lo. Damien sentou-s e s ob re a ca m a , e ela s e a joelh ou , exa m in a n do-o a ten ta m en te. As m ã os seguiam os olhos, tocando os ombros, o rosto, o peito.

— Você está bem? — ela sussurrou aflita.

A res pos ta foi u m beijo a rden te. Syreen a em itiu u m s om qu e n ã o tra du zia surpresa, mas que expressava todo o seu alívio. Damien estava aliviado, também.

Segurou-a pela ca beça , de form a qu e ela n ã o s e a fa s ta s s e. As m ã os dela s e ergu era m e o toca ra m n a fa ce, e Syreen a entreabriu os lá b ios , a ca r icia n do-o com a língua.

A a tm os fera n o qu a r to m u dou ra p ida m en te. Son s ofegantes ecoa va m n a s pa redes de ped ra , e a ca m a ra n geu qu a n do ela s e m oveu pa ra cola r o corpo a o dele.

Damien s en t ia n ova m en te o torpor , a qu ela s en s a çã o de em br ia gu ez qu e h a via exper im en ta do da p r im eira vez em qu e s e a lim en ta ra dela , m a s , n o momento, seu único alimento era o néctar dos beijos doces e íntimos.

Foi qu a n do ele percebeu qu e n ã o h a via s ido o s a n gu e de Syreen a qu e ca u s a ra a qu ela rea çã o a n ter ior . Ha via s ido ela . Pon to. A qu ím ica , o m ovim en to... a paixão.

In terrom peu o beijo de repen te, de form a a poder fitá -la n os olh os . Examinando-lhe os traços, logo percebeu qual havia sido seu erro.

Com o n u n ca h a via con h ecido a pa ixã o, fica ra pa ra lis a do pelos s en t im en tos que Syreena libertara em sua alma. Paixão ou amor? Amor ou um incrível desejo? Nã o s a b ia d izer . Tu do qu e s a b ia era qu e n u n ca t in h a s en tido n a d a pa recido, e que a dor de abrir mão daquilo era insuportável.

De repen te, ele r iu , u m a ga rga lh a da de compreensão e a lívio depois do turbulento período de confusão.

— Eu s a b ia — Damien murmurou. — Sa b ia qu e devia con fia r n os m eu s instintos. — An tes qu e ela pu des s e fa zer pergu n ta s , beijou -a n ova m en te. — Eu s a b ia qu e você n u n ca poder ia m e m a ch u ca r — ele s u s s u rrou com os lá b ios roçando os dela. — Apenas lamento ter ferido você.

— Você n ã o m e fer iu . Pelo con trá r io. Nu n ca s en ti n a da pa recido em toda a minha vida.

— Quase sangrou até a morte.

— Is s o s ó a con teceu porqu e você n ã o es ta va p repa ra do pa ra o qu e s en t iu . Não é isso?

— Como você pode saber? Se eu só consegui entender isso agora.

— Não sei como, Damien, eu apenas percebi.

— Ah, bem... De qualquer maneira, já me sinto melhor.

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Syreena r iu e o a b ra çou . Porém , qu a n do ele tocou -a n a s cos ta s , ela n ã o con teve u m gr ito d e ch oqu e e des con for to, m exen do-se com ta n ta força qu e foi parar no chão.

Damien im ed ia ta m en te percebeu o qu e a con tecera e p ra gu ejou em uníssono com ela conforme se virava para ajudá-la.

— Des cu lpe, eu es qu eci — ele d is s e com s in cer ida de. — Es tou gela do porqu e h á u m a nevasca lá fora , e a in da n ã o t ive opor tu n ida de de ca ça r . Perdoe-me.

— Is s o s egu ra m en te des per ta u m a ga rota à n oite. — Ela aceitou a m ã o estendida, deixando-o erguê-la enquanto ele ria de sua observação.

— Com certeza. Sinto muito.

— Eu s ei. Nã o p recis a s e descu lpa r . — Exp irou e pôs a m ã o s obre o peito. — Dê-m e a pen a s u m in s ta n te pa ra recu pera r o fôlego. —De repen te, ela voltou -se para olhar ao redor. — Damien, não sei se percebeu, mas... está no monasterio do Pride.

— Eu sei. Já estive aqui e fui bem recebido pelos monges.

— Ta lvez, m a s n ã o n o qu a r to da h erdeira rea l, u m a m on ja de qu em s e espera o celibato.

— Bem, depois do encontro das minhas mãos com suas costas, celibato não vai ser problema — ele debochou.

Syreen a r iu , com preen den do qu e ser ia fá cil s e en treter n a com pa n h ia do p r ín cipe, s e con s egu is s em pa s s a r u m tem po ra zoá vel do m es m o la do de u m interesse qualquer.

— Ma s , s e m in h a p res en ça ca u s a des con for to ou a preen s ã o, pos s o ir embora.

— Não! Quero dizer... bem, sim. Não, o que quero dizer é que...

— Talvez — ele a in ter rom peu , depos ita n do u m b eijo em s u a m ã o —, ta lvez eu saia para caçar e a encontre mais tarde fora do monasterio.

Ela ficou u m s ilên cio por u m m om en to, e Damien teve de fa zer u m gra n de esforço para resistir à tentação de invadir seus pensamentos.

— Por que veio até aqui?

— Você sabe por que, Syreena. Por você.

— Mas... Damien, eu n ã o pos s o... Nã o ten h o a liberda de qu e você tem . Sou da família real, e isso significa...

— Eu s ei o qu e s ign ifica — d is s e com firm eza . — Is s o s ign ifica qu e va m os n os en con tra r m a is ta rde pa ra d is cu t ir a qu es tã o. No m om en to, ou ço pa s s os n os corredores . Os m on ges es tã o des per ta n do. Com o n ã o qu ero des res peita r n en h u m a regra , p refiro en con trá -la m a is ta rde n a ca s a de s u a irm ã . Nã o a ch a que é melhor assim?

— Sim — ela m u rm u rou , assentindo en qu a n to ele a a ca r icia va n os ca belos destruídos. O toque era terno e cativante, como se ele visse um atrativo adicional, em vez da mutilação que todos os outros, incluindo ela mesma, viam.

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Depois, Damien afastou-s e e, pa ra ch oqu e de Syreen a , m eta m orfos eou -se em um corvo e voou para fora do quarto.

— Ele fez o quê? — Siena murmurou atônita.

— Tomou meu sangue. Duas vezes.

— Duas vezes?

Sim . E a ca bei de ver Damien s e tra n s form a n do em u m corvo. Nu n ca ou vi falar em vampiros se metamorfoseando!

— Eu já.

As du a s irm ã s olh a ra m pa ra Elija h . Es ta va m reu n idos n o qu a r to de Syreena na casa real.

— E você ta m bém já — Elija h d is s e a Siena. — É u m a len da dos h u m a n os . Vampiros que se transformam em animais...

— Os h u m a n os ta m bém pen s a m qu e u m a es ta ca n o peito de u m va m piro é suficiente para matá-lo — Syreena argumentou.

— E não estão completamente errados. Um trauma dessa magnitude levaria u m va m piro a s a n gra r a té a m or te, s e ele n ã o con s egu is s e repor a perda . Com o qualquer um de nós.

— É verda de — Sien a con cordou . — Ma s m eta m orfos e? Sem pre ou vi d izer que essa era uma característica dos licantropos e dos mistrais, apenas.

— E dos dem ôn ios . E dos h a b ita n tes da s s om bra s ta m bém , pa ra s er m a is preciso.

— Elijah — Syreen a in ter rom peu —, es tá d izen do qu e vocês s e torn a m o elem en to de qu e s e or igin a m , e qu e os h a b ita n tes da s s om bra s s e t ra n s form a m em sombras para esconder a substância de seus corpos?

— Ah , vejo qu e u m s écu lo n a es cola s erviu pa ra a lgu m a cois a — ele brincou.

— En tã o, os va m piros s ã o a exceçã o — Sien a con clu iu . — Nightwalkers que não mudam de forma.

— Nos a n t igos es cr itos dos h u m a n os , h á rela tos s ob re va m piros s e transforma n do em m orcegos , a ves , lobos , névoa e s om bra . Eu a ch o qu e deve h a ver ou tra s form a s , m a s n ã o s ou o es tu d ios o a qu i, por is s o n ã o pos s o d izer qu a is s ã o. Ma s vou pergu n ta r à n os s a es tu d ios a o qu e ela pen s a des s a lis ta em particular.

— A lis ta rep res en ta vá r ia s form a s de ca da es pécie de Nigh twa lkers — Syreen a res pon deu . — Ma s ... s e Damien tom ou m eu s a n gu e e s e t ra n s form ou em ave, o que aconteceria se ele tomasse o sangue de um habitante das sombras?

— Ele ter ia o poder da s s om bra s ? — Sien a a r r is cou . — E s e tom a s s e o sangue de um demônio?

— Dependeria do demônio — Elijah respondeu.

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— Águ a , Fogo, Terra , e Ar ... Men te e Corpo. Sã o es ses os elem en tos do s eu povo, Elijah.

— Névoa, fu m a ça , poeira , ven to... telepor te e cu ra — ele p ros s egu iu . — Li ficçã o h u m a n a es cr ita n o a lvorecer da h u m a n ida de, e os va m piros já era m citados. Esses textos afirmam que eles podem fazer todas essas coisas. Então, por que os vampiros que conhecemos são diferentes? Exceto por Damien, é claro.

— Porque Damien tomou meu sangue para salvar minha vida...

— E porqu e eles a cred ita m qu e os Nigh twa lkers s ã o o m a ior ta bu , depois dos u s u á r ios de m a gia — Sien a a cres cen tou . — Damien s e a lim en tou de você pa ra poder in jeta r os coagulantes de qu e p recis a va qu a n do es ta va perden do s a n gu e pelo ca belo lesionado. Todos n ós s a bem os qu e, pa ra u m lica n tropo, u m a les ã o ca p ila r é tã o gra ve qu a n to cor ta r u m a a r tér ia , depen den do de qu a n to ca b elo perdemos.

— Perd i o s u ficien te — Syreen a d is s e m ela n cólica , toca n do a regiã o a feta da . — E, contrariando tudo que sempre soube e respeitou, ele arriscou-se para salvar minha vida.

— Um ato de grande importância — Siena concordou.

— Sim , u m a to cu ja s ra m ifica ções s ã o m u ito elu cida t iva s — reflet iu Elija h . — Fico im a gin a n do s e é a pen a s Syreen a ... Se é u m efeito cu m u la t ivo, ou s e h á u m lim ite, a lgo com o u m efeito por pes s oa . Ele pode tom a r m eu s a n gu e, por exem plo, e depois s er ca pa z de s e tra n s form a r em corvo e em ven to? Ou is s o elim in a r ia o corvo e deixa r ia a pen a s o ven to? Ou a gora é s ó o corvo e n a da m a is ? Aposto que Damien também tem essa dúvida.

Por a lgu m a ra zã o s om bria , Syreen a n ã o gos ta va de pen s a r em Damien mordendo pescoços aleatoriamente para acumular poder.

Na verda de, n ã o gos ta va de pen s a r n ele m orden do pescoços. Por n en h u m a razão.

Especialmente pescoços femininos.

Sen t ia qu e h a via p ra zer en volvido qu a n do va m piros s u ga va m o s a n gu e do s exo opos to, in depen den tem en te da es pécie. E qu e eles n ã o es ta va m im u n es a s e envolver com humanos.

— Ser ia in teres s a n te ver ifica r s e exis te n a b ib lioteca a lgu m m a ter ia l s ob re isso — sugeriu Siena.

Mas Syreena não prestava atenção. Estava tomada pelo desejo de encontrar Damien, de tê-lo a o s eu la do. Sa b ia qu e n ã o t in h a o d ireito de s en t ir ciú m es , m a s a lógica era insuficiente para sufocar o sentimento.

Sem dizer nada, transformou-se no falcão-peregrino, deixando cair o vestido vazio.

— Syreena!

Tarde demais. O falcão já voava pelos corredores escuros da caverna.

Damien deixou a presa adormecida no solo gelado.

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Paciente, o cão esperava e abanava a cauda enquanto Damien se afastava.

— Bom m en in o — o p r ín cipe d is s e a o a n im a l. — Nã o s e es qu eça de da r u m a s boa s la m bida s n o ros to do s eu a m igo depois qu e eu for em bora , porqu e a s s im ele des per ta rá . Nã o o deixe n o fr io por m u ito tem po, porqu e os h u m a n os não têm pelos para aquecer o corpo.

Um a n im a l en ten d ia os ciclos da n a tu reza e a rela çã o en tre p reda dor e presa. Desde que Damien não fizesse mal ao humano, o animal não o atacaria.

Afastou-se do guarda e de seu cão, voltando às sombras do edifício que eles p rotegia m . Con cen tra do, p rodu ziu u m a percepçã o a ltera da n o h om em de qu e s e a lim en ta ra , con fu n d in do a rea lida de e im ped in do-o de ver n o p róp r io pes coço a s marcas deixadas por seus caninos. Ninguém mais as veria.

Qu a n do fez a ú lt im a ver ifica çã o sensorial n a á rea pa ra s e cer t ifica r de qu e a n im a l e h om em fica r ia m em s egu ra n ça , s u rp reen deu -s e a o detecta r a aproximação de Syreena.

— Nã o a ch a qu e es tá u m pou co fr io pa ra fica r voa n do por a í? — ele perguntou quando ela aterrissou ao seu lado.

— É engraçado que saiba disso.

Ele n ã o s e da r ia a o t ra ba lh o de fin gir qu e n ã o s a b ia qu e ela s e refer ia a o corvo.

— Ah, sim. Você notou, é?

— Eu ter ia qu e s er es tú p ida com o u m pos te n o qu a l você n ã o es t ives s e empoleirado pa ra n ã o perceber . Pos s o im a gin a r a teor ia por trá s des s a n ovida de, mas adoraria ouvir mais sobre o assunto.

— Podem os con vers a r em a lgu m lu ga r m a is con for tá vel? — Ele a s egu rou pelo b ra ço, pu xa n do-a pa ra per to do corpo qu en te e recém -alimentado. — Va i a ca ba r con gela n do. Nu a n u m a n oite com o es ta ... Ven h a , va m os en con tra r u m abrigo.

Ele ten tou en volvê-la com os b ra ços , m a s Syreen a es qu ivou -s e. Ba la n ça n do a ca beça , ela s e cob r iu ra p ida m en te de pen a s , m a s p res ervou a form a fem in in a . As a s m u ito gra n des s e a b r ia m em s u a s cos ta s , e ela s e ergu eu n o a r , fita n d o-o por um momento antes de subir ao céu.

Ma n ten do a form a h a b itu al, Damien a s egu iu pa ra a s ca vern a s on de fica va o ca s telo da ra in h a lica n tropo. Syreen a o gu iou por u m a en tra da s ecu n dá r ia qu e pou cos devia m con h ecer e, qu a n do ch ega ra m à verda deira en tra da do ca s telo s u b ter râ n eo, já h a via m percorr ido a s en tra n h a s da ter ra por pelo m en os vin te minutos.

Syreen a s e deteve em u m a alcova com u m a p is cin a de á gu a qu en te n o cen tro. Nova m en te n a form a h u m a n a , ela m ergu lh ou de ca beça n a á gu a fumegante. A n a s cen te era u m a excelen te m a n eira de s e a qu ecer depois de enfrentar o frio da noite de nevasca.

Damien es perou qu e ela volta s s e à s u perfície, con s cien te de qu e ela n ã o poder ia a dota r s u a s egu n da form a n o m om en to. Porém , m es m o s em s e t ra n s form a r n o golfin h o, a in da pod ia perm a n ecer s u bm ers a por qu a n to tem po

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qu is es s e. Pa ra ela , a á gu a era tã o n a tu ra l qu a n to o a r . Se fos s e n eces s á r io, Syreen a poder ia via ja r por ter ra , por á gu a ou pelo a r . Era u m a excelen te h a b ilida de. Ca pa z de a lca n ça r velocida de ver t igin os a , ela n ã o s e deixa va deter por quase nada.

Da m ien n ã o gos ta va m u ito de á gu a , m a s n a da va bem e o fa to de n ã o p recis a r de a r era u m gra n de ben eficio. Ca m in h a va s obre a ter ra , com o ela , e pod ia voa r . E, com a m u dança no tamanho do corpo proporcionada pela t ra n s form a çã o em corvo, ob t in h a u m a n ova m obilida de qu e já com eça va a apreciar.

Syreena voltou à superfície e empurrou os cabelos para trás.

— Melhor? — Damien perguntou.

— Um pouco.

A res pos ta era en igm á tica , m a s ela s e a fa s tou n a da n do a n tes qu e ele pu des s e ped ir exp lica ções . Seu corpo m olh a do s e retorcia e gira va , im ita n d o os movimentos de u m golfin h o, oferecen do delicios a s vis ões de pele des n u da e cin t ila n te, de pern a s lon ga s e pés delica dos . Depois de u m tem po, ela n a dou em direção à margem onde ele se encontrava. Apoiou-se e ergueu-se na pedra seca. A á gu a qu e es corr ia de s eu s lon gos ca belos m olh ou o ch ã o, os pés dele e a pa r te in fer ior da s ca lça s . Da m ien ergu eu u m a s ob ra n celh a , perceben do qu e h a via cer ta malícia no suposto acidente.

— Es s e t ipo de com por ta m en to n ã o com bin a com você — in form ou -a com suavidade.

— Nem ciú m es — ela d is s e, ten s a . — E, a in da a s s im es tou s en t in do. Ta lvez possa me dizer por quê.

— Ciúmes? — Ele refletiu s ob re o term o com os ten s iva cu r ios ida de, qu e continha um pouco de divertimento demais para o gosto dela.

— Não seja convencido — avisou. — Não até que tenha visto uma licantropo enciumada. — Ros n ou com im pa ciên cia . — Diga -me por qu e m e s in to a s s im ! Ma l o con h eço. Nã o tem os d ireitos u m s ob re o ou tro. Você pa rece s a ber a lgo s ob re tudo isso que eu não sei. Quero que me diga o que está acontecendo!

— Sua premissa é um erro. Temos, sim, direitos um sobre o outro.

— Porque bebeu meu sangue? Foi só uma refeição!

— Cer tos a lim en tos s ã o es pecia is , Syreen a . J á pen s ou qu e pode ter s ido a refeição mais deliciosa que já provei? Depois de você, tudo ficou sem graça.

— E a s s im qu e m e vê? — pergu n tou , obvia m en te es pa n ta da . — Eu a dm ito qu e n ã o ten h o ideia . Tu do qu e a con teceu en tre n ós a té a gora foi p rovoca do por n eces s ida de ou im pu ls o. Es tou perd ida , m a s você pa rece ter u m con s iderá vel conhecimento.

— É essa a sua impressão? — Tocou-a no rosto, secando algumas gotas que escorriam de sua testa. — Não, Syreena. O que tenho é a experiência de uma vida lon ga gu ia da por m eu s in s t in tos . E s em pre fu n cion ou bem a s s im . O qu e você percebe com o con h ecim en to ou fa cilida de de com preen s ã o é s ó fa m ilia r ida de de ação.

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— Ta lvez eu ten h a m edo ju s ta m en te d is s o — ela con fes s ou , dirigindo-se à outra sala, onde ficavam seus aposentos.

Damien a seguiu.

— Você se importaria de esclarecer o comentário?

Ela o ign orou en qu a n to a br ia o a rm á r io, es colh ia u m ves tido cu r to de s eda verde e o colocava.

Da m ien a p roveitou pa ra a va lia r o a pos en to. O a m bien te era es pa r ta n o, com o o do m on a s ter io. Ela n ã o t in h a da m a s a o s eu d is por , pa ra a ten der à s s u a s n eces s ida des , com o a irm ã . Siena a p recia va os p r ivilégios e, a pes a r da s rou pa s qu e Syreen a u s a va e do tecido de s eu s len çóis , qu e dem on s tra va m qu e ela também gostava de alguns luxos, era evidente que não ia além disso.

Ela era u m a pes s oa reserva da , com o ele s e torn a ra a o lon go dos a n os . Era u m a pen s a dora , a lgu ém qu e m edita va a res peito de s u a s a borda gen s , pen s a m en tos e ações, m a n ten do u m a m bien te s im ples qu e evita va distrações e perturbação.

— Sou simplesmente a mais recente escolha do seu instinto, Damien?

— A m a is recen te? Sim . Sim ples m en te? Nã o. Su a n a tu reza ja m a is perm itira que tal escolha fosse simples.

— Vampiros são difíceis de impressionar e raramente mostram sentimentos. É o que sei. Mas você está contraria n do a n orm a , com o já fez ta n ta s ou tra s vezes . Por quê?

— Não sei por quê. Só sei que é assim.

— E depois ? Am a n h ã ? O qu e va i s er? Va i tom a r o s a n gu e de ou tra fêm ea e agir por instinto, também?

Ah! O ponto! Damien conteve um sorriso.

— Digamos que seja assim. Isso vai mudar o que você sente?

— Depen de do qu a n to vou perm itir qu e es s a s itu a çã o p rogr ida . Nã o m e arriscaria a tu do, com o fez m in h a irm ã . Ela a pos tou qu e fa zer a m or com u m h om em qu e n ã o fos s e da n os s a es pécie s u s pen der ia a s regra s de pa rcer ia e a ca s a la m en to. E perdeu a a pos ta , em bora , n o fin a l, ten h a ga n h a do m u ito. Elija h é s eu pa r per feito, n ã o h á dú vida d is s o. Só a lgu ém com o ele poder ia m odera r a personalidade de minha irmã.

— E que tipo de homem moderaria a sua, princesa?

Syreena o en ca rou e teve certeza de qu e a con vers a o divertia. Damien se deliciava com quem ela era.

— Se tem in ten çã o de s er es s e h om em , p r ín cipe, deve s a ber qu e, pa ra m im , é im pos s ível volta r a t rá s . Nã o h a ver ia a ltern a t iva s . Pelo res to da vida , eu s ó desejaria você, e ninguém mais. Está escrito no código genético em cada célula do meu corpo. Nenhum membro da casa real jamais conseguiu desafiar essa regra. E nem tentou ou desejou contrariá-la.

— E, se entendi bem, ela também se aplica ao seu parceiro.

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— Norm a lm en te. Ma s es s e é u m ter r itór io a in da por des b ra va r . Você n ã o é licantropo.

— Deu certo com Elijah.

— Um extra ord in á r io golpe de s or te. Os dem ôn ios têm a m a rca . Nós ta m bém a tem os , m a s a ch a m a m os por ou tro n om e. Nu n ca ou vi fa la r des s e t ipo de elo entre vampiros.

— Va m piros n u n ca s e t ra n s form a ra m a n tes — ele lem brou , toca n do s eu ros to n ova m en te. Era qu a s e u m a com pu ls ã o, com o s e n ã o pu desse m a n ter a s m ã os lon ge dela . — Syreen a , n ã o pos s o ga ra n t ir o qu e n em eu m es m o en ten do. Com preen do o r is co en volvido n a s u a es colh a , e s ei qu e n ã o con s idera a m in h a es colh a u m r is co igu a lm en te eleva do, m a s qu ero qu e s a iba qu e s ó pen s ei em você des de qu e n os s epa ra m os . Nã o con s igo dorm ir , n ã o s in to p ra zer qu a n do m e alimento... Jasmine d iz qu e m e a r ra s to pela m a n s ã o em con s ta n te m ela n colia . Nã o en fren to es s e es ta do de des en ca n to h á qu a s e oito s écu los , e n ã o pos s o m e da r a o lu xo de m ergu lh a r em u m a dep res s ã o, porqu e p recis o cu ida r de toda u m a es pécie. Ma s es tou des a n im a do. Nen h u m a ou tra fêm ea de qu a lqu er es pécie m e a fetou com o você. Nu n ca . J á t ive obs es s ões e pa ixões , m a s n a da pa recido. Era is s o qu e qu er ia s a ber , doçu ra ? Ou qu er m e ou vir d izer qu e n ã o vou ten ta r es ca pa r de s eu s b ra ços n o d ia em qu e m e ca n s a r de você? Ta lvez qu eira u m a p rom es s a de qu e n ã o a leva rei pa ra a ca m a pelo s im p les p ra zer de con h ecer n a in t im ida de u m a cria tu ra tã o s in gu la r , a lgu ém s em equ iva len te gen ét ico? Nã o im por ta . Toda s a s ju ra s e p rom es s a s s erã o in s u ficien tes pa ra ba n ir s u a p reocu pa çã o. Su a in s egu ra n ça . Precis a a cred ita r m a is em você m es m a , Syreen a . — Aca r iciou -a n o ca belo a té toca r n o pon to s en s ível a t rá s da orelh a , fa zen do-a estremecer. — Tu d o qu e pos s o d izer é qu e, des de qu e a vi pela pr im eira vez, en xergu ei beleza . Força , determ in a çã o... Vi a doçu ra do a m or qu e s en te por s u a irm ã . E vi tu do is s o qu a n do es tá va m os n a es cu r idã o. Lem bra ? Nã o vi s eu s olh os n em s eu s ca belos , n ã o vi s u a coroa . Nã o tom ei n a da de su a corren te sanguínea. Fiqu ei in tr iga do e des ejei-a . Ta lvez p orqu e es t ives s e a m ea ça n do m in h a vida . Considero isso particularmente sensual.

— Damien! — Ela riu, estendendo a mão para tocar o peito largo e forte.

— Seu cora çã o é u m arlequim, com o o res ta n te de você. Cin zen to em alguma s á rea s , n a tu ra l em ou tra s . Gos ta r ia de con h ecer toda s ela s , s e pu der . E em bora n ã o n egu e m in h a in ten çã o de pa s s a r m u ito tem po exp lora n do tu do em você, s ei qu e, n es s e ca s o, devo deixá -la decid ir qu a n do va i qu erer m e p rocu ra r e saciar esse desejo.

Syreena fech ou os olh os pa ra s a borea r o beijo su a ve qu e ele depos ita va em s eu s lá b ios . En ten d ia o qu e Damien es ta va p ropon do. Ele s e d is pu n h a a s a ir de cen a , da r a ela tem po e es pa ço pa ra pen s a r . Ma is tranquila, ela pôde a br ir os pensamentos para possibilidades até então fora de seu alcance.

— Suspeito de que isso não seja possível — ele murmurou.

— O que não é possível?

— Apla ca r m eu des ejo por você. Nã o im a gin o u m a fom e com o a qu e s in to sendo saciada por uma pequena prova.

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Syreena fech ou os olh os , deixa n do-s e a b ra ça r e in s p ira n do p rofu n da m en te, deliciando-s e com a s eviden tes m u da n ça s n o ch eiro de Damien. Era im pres s ion a n te con s ta ta r a in ten s ida de do desejo qu e des per ta va n ele simplesmente estando perto. Registrava todas as atraentes e deliciosas mudanças n a qu ím ica do p r ín cipe, e ela s pa recia m circu la r por s eu s a n gu e, des per ta n do respostas poderosas em seu sistema.

Ele es ta va pen etra n do n a qu ele terr itór io de des con trole s ob re a s fu n ções do p róp r io corpo. O reflexo s e revela va em s u a res p ira çã o arfante, n a ten s ã o mus cu la r , em ou tros s in a is qu e, es tra n h a m en te, des per ta va m em Syreen a u m a sensação de poder.

— Gosta do efeito que tem sobre mim — ele comentou.

— Su a s a t is fa çã o ra d ia com o u m s ol a qu ecen do m eu corpo. — Ele a beijou com a rdor . — Ten h a cu ida do, p r in ces a , ou va i com eça r u m in cên d io qu e n ã o poderei controlar.

Qu a n do ele a toca va e beija va com o es ta va fa zen do, Syreen a es qu ecia a s consequências.

— Nã o s ei m a is o qu e fa zer com você — ela con fes s ou , a ga r ra n do a ca m is a qu e cobr ia s eu peito. — Diz a s cois a s cer ta s , faz a s cois a s cer ta s ... Até a s cois a s qu e con s idero er ros , você con s egu e exp lica r com o s e h ou ves s e n ela s toda a lógica do mundo. De onde tira essa certeza inabalável, Damien?

—Pa ra m im , is s o é in s t in to de s ob revivên cia . Sem es s a cer teza , m eu t ron o ca ir ia em ou tra s m ã os ... e m in h a ca beça ca ir ia n o ch ã o. Nã o pos s o m e da r a o luxo de sentir insegurança.

— Não imagina como eu gostaria de poder dizer o mesmo.

— Você s a be qu e pode. Nã o p recis a da r s a t is fa ções a n in gu ém . Só p recisa des cobr ir o qu e tem de pergu n ta r a s i m es m a . Sei qu e eu poder ia in flu en ciá -la com toda a facilidade.

— Pa ra p rova r o qu e d izia , ele tocou a veia qu e pu ls a va em s eu pes coço e a viu fech a r os olh os , en trega n do-s e à rea çã o ca u s a da pelo con ta to. — Syreen a , você perm ite qu e o m u n do m a n ipu le s u a vida . Nã o vou lh e d izer o qu e fa zer . Só vou relacionar as opções.

— Diga a pen a s o qu e qu er de m im , Damien. De n ós , s e é qu e is s o é possível.

Ele fitou os olh os bicolores e s ou be exa ta m en te o qu e ela qu er ia ou vir . E surpreendeu-se ao perceber o quanto desejava dizer aquilo.

— Qu ero a p ren der a a m a r você, Syreen a . E n ã o m e refiro a fa zer a m or com você. Is s o é fá cil de a pren der . Qu ero des cobr ir por qu e e com o você p rovocou es s a s m u da n ça s den tro de m im , ta n to n o a s pecto fís ico, qu a n to n o es p ir itu a l. Qu ero s a ber com o a lgu ém com o eu , tã o des t itu ído de em oçã o e s en tim en to, pode s e s en t ir tã o a ba la do por u m a cr ia tu ra delica da com o você. O qu e es ta m os viven do n ã o é s ó u m a fa s e pa ra m im . Nã o é u m ca p r ich o qu e va i pa s s a r . Vivi o suficiente para saber o que faz parte da minha natureza e o que é novo para mim, o qu e va i fica r e o qu e va i pa s s a r . Se qu er p rom es s a s , en con tra rei m a n eira s de fazê-la s e cu m pri-la s . Se qu er a etern ida de, doçu ra , viverei com p ra zer m a is u m

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milênio. — Ele a s oltou com eviden te relu tâ n cia . — Agora , é você qu em deve decid ir s e is s o é s u ficien te pa ra fa zer você feliz, s e qu er a m es m a cois a qu e eu qu ero. E lem bre-s e de qu e tu do is s o tem dois la dos . Nós dois tem os res pon s a bilida des qu e vã o m u ito a lém da n os s a vida pes s oa l. Se n ã o pu derm os con cilia r es s a s cois a s , va m os ter de es colh er o qu e s a cr ifica rem os em p rol de nossa felicidade. Nem eu mesmo tive tempo para pensar nisso. Só tive tempo para con s ta ta r qu e is s o n ã o é m a is tã o im porta n te pa ra m im qu a n to foi n o pa s s a do, e talvez esse seja o primeiro passo. Entende o que eu quero dizer, Syreena?

— Sim , es tá fa la n do do t ron o. O s eu e o dos lica n tropos . En tã o, exis te alguém, ou alguma coisa a quem devemos satisfações, afinal.

— Apenas se quisermos.

— Nã o é u m a qu es tã o de von ta de, Damien. Sou h erdeira de Siena, e n a da vai mudar essa situação.

— Só s e você n ã o qu is er qu e m u de. Ma s n ã o é es s a a qu es tã o im ed ia ta . Es s a é s ó u m a consequência da res pos ta . Des cu bra u m a , e depois s e p reocu pe com a outra.

— Es tá s u ger in do qu e devo des cobr ir o qu e m eu cora çã o qu er , s em considerar minhas responsabilidades?

— Pa ra você, is s o pode s oa r ir res pon s á vel. Eu s ei. Ma s é a m a rca d a verdadeira liberdade. Seguir seu coração e o instinto acima de tudo.

Damien beijou-a n a tes ta e s e virou pa ra pa r t ir . Syreena qu er ia a ga rrá -lo, s a lta r s ob re ele, im ped i-lo de ir . A pele gr ita va a dor de s u a a u s ên cia , o cora çã o a inundava com um fluxo de sangue excessivo, resultante do medo. Era como se ele es t ives s e p res o a o s eu es p ír ito. Com o s e, a o pa r t ir , ele leva s s e u m a pa r te de s u a alma.

— Damien, espere!

Ela se projetou contra suas costas antes de ele cruzar a soleira, envolvendo-o com os braços. Havia em seus olhos lágrimas de alívio.

Damien fech ou os olh os e s egu rou u m a da s m ã os em s eu s om bros . Qu er ia ficar. Mais do que tudo. Mas ela ainda tinha muitas dúvidas.

— Syreena...

— Você tem ra zã o! A es colh a é m in h a , e n ã o s u porto ver você pa r t ir . Por favor, Damien...

Ele se virou devagar, deixando-se abraçar.

— Em dez minutos, você vai duvidar de mim outra vez — disse.

— Não vou!

Ela o en ca rou , s egu rou s u a s m ã os e levou -a s a o própria pescoço. Damien compreendeu imediatamente o significado do gesto.

Ha via u m for te m is t icis m o n a s jóia s qu e os lica n tropos u s a va m n o pes coço. Ela s s em pre s e a ju s ta va m à form a da qu ele qu e a u s a va , qu a lqu er qu e fos s e es s a forma. Mas, ainda mais importante, ninguém sabia como remover o colar. A lenda da jóia dizia que só havia um meio de retirá-la.

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Pela mão do único e verdadeiro parceiro do membro da família real.

— Se você for minha alma gêmea, suas mãos me dirão.

— Entendo. Então, não pode decidir, afinal. Mais uma vez, prefere depender de um fator externo.

Ele ten ta va ign ora r o doloros o des a pon ta m en to, m a s o s en t im en to era for te demais. Livrou-se dos braços que o envolviam.

— Cresça, menininha! — Ele ir r itou -se. — E, en qu a n to n ã o cres cer , n ã o m e a torm en te com s u a s p rovoca ções e s eu s ped idos va zios . Apes a r do qu e d izem , eu ta m bém ten h o u m cora çã o, e ele é s en s ível com o qu a lqu er ou tro. — Metamorfoseou-se violentamente em corvo e partiu.

Ch oca da , Syreen a perm a n eceu on de es ta va , a in da com os dedos toca n do o cola r em s eu pes coço, tom a da por u m a dor com o n u n ca s en t ira a n tes . In ca pa z de sustentar-se sob o peso do sofrimento, ela caiu no chão do quarto.

— Elijah, Syreena não é assim — Siena repetiu, preocupada.

— Ga tin h a , p recis a pa ra r de s e p reocu pa r com u m a m u lh er qu e tem m a is de cem a n os de ida de! — O giga n te lou ro a a b ra çou , ten ta n do a ca lm á -la. — Além do m a is , ela p recis a de es pa ço. Se qu iser a ju da , s u a irm ã s a be on de en con trá -la. Não interfira, ou vai acabar afastando-a ainda mais.

— Ma s eu m e s in to perd ida s em ela , Elijah! Syreen a é s em pre a voz p rá t ica em meu ouvido.

— Agora h á ou tra voz, ga t in h a . E ela p recis a s er livre pa ra s egu ir o p róp r io caminho. Os dias de proteção e segurança chegaram ao fim.

— Ela es tá t r is te! E pos s o s en t ir qu e es s a t r is teza es tá ligada a Damien. Ele fez a lgu m a cois a ! Precis o en con tra r o p r ín cipe e s a ber o qu e h ou ve, ta lvez en fia r um pouco de juízo naquela cabeça oca e arrogante!

Elijah suspirou e olhou para o jardim sob a varanda onde estava ao lado da esposa. Syreen a con tin u a va s en ta da em u m ba n co, t r is te e s olitá r ia . Nos ú lt im os d ia s , ela s e m os tra va inconsolável. Nã o h a via n en h u m a em oçã o eviden te, m a s também não havia mais o brilho de interesse pela vida, a curiosidade, a energia.

Siena s ofr ia com a a m a rgu ra da irm ã e, por consequência, com o s eu pa rceiro, ele ta m bém s en tia toda es s a dor . Sen t ira -s e ten ta do a p rocu ra r Damien, con vers a r com ele e ten ta r en ten der ... Ou , ta lvez, fos s e a pen a s o des ejo de Sien a in ter fer in do em s eu s pen s a m en tos . Sa b ia qu e a recíp roca era verda deira , qu e ela ta m bém s en t ia s u a s em oções e, por is s o, a s gu a rda va em segredo, es pecia lm en te nesse caso. Esperava que o tempo reduzisse a intensidade de sua apreensão.

— Eu não apostaria o castelo nisso — ela murmurou.

O guerreiro riu e beijou-a no topo da cabeça.

— A esperança é a última que morre, gatinha — disse.

Jasmine lia os t ítu los dos livros , ten ta n do en con tra r entre eles a lgo qu e pudesse ajudar em sua pesquisa.

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Su a ca s a vivia o ca os qu e s e in s ta la ra em s eu s en h or. Damien n ã o revela va a or igem do con flito, m a s ela s a b ia qu e o p r ín cipe en fren ta ra a lgu m t ipo de rejeição por parte da caprichosa princesa licantropo.

Cria tu ra in s uportável, pensou, com forte ressentimento.

Damien n ã o con h ecia a dor da rejeiçã o. Con s idera n do a es pera n ça qu e in ves t ia n a in gra ta p r in ces a , a n ovida de s e torn a va a in da m a is doloros a e humilhante.

Sem con h ecer os deta lh es da s itu a çã o, res ta va a ela a pen a s fa zer s u pos ições . Em s u a p reocu pa çã o com o bem -estar do p r ín cipe, a pes a r de es ta r con ven cida de qu e a es n obe lica n tropo n ã o o m erecia , J a s m in e p recis a va encontrar prova s des p ida s de p recon ceito pa ra s u s ten ta r a s n ova s crença s de Damien. Era a ú n ica m a n eira de ret ifica r a terrível s itu a çã o. Se pu des s e p rova r que as teorias dele estavam baseadas em fatos, a mutante teria ao menos de ouvi-lo e considerar as possibilidades.

Só lamentava não ser capaz de ler mais depressa.

* * *

Damien ca m in h a va pelo ja rd im da m a n s ã o en volta pelo m a n to da n oite, pen s a n do em u m a m u lh er qu e vivia do ou tro la do do m u n do. Nã o h a via ca ça do des de a ú lt im a vez qu e a vira , e o fr io em s eu corpo com bin a va com o gelo qu e s e in s ta la ra em s u a a lm a . Dis tra ído com o es ta va , n ã o s er ia s en s a to s a ir e expor-se a os in ú m eros per igos qu e o a m ea ça va m n o m u n do exter ior . Se n ã o t ives s e cuidado, acabaria morto.

Na verda de, já s en t ia poderos a s p res en ça s em torn o de s eu ter r itór io. Era m va m piros , dois deles , e es pera va m por u m a opor tu n ida de de con fron to. Norm a lm en te, já os ter ia en fren ta do, m a s es ta va des in teres s a do e s em in clin a çã o pa ra lu ta r . Eles qu e s e a r r is ca s s em e s u por ta s s em a s consequências. Pa ra qu e m a is vivia , s e n ã o pa ra en treter oca s ion a is pers on ifica ções de cobiça ? Eles qu e cobiçassem sua posição, suas propriedades e sua casa, se quisessem.

Na verdade, podiam ficar com tudo. Nesse momento, nada o incomodava.

J a s m in e fica r ia bem s ozin h a . Ela já h a via decla ra do vá r ia s vezes qu e n ã o p recis a va dele ou de s u a p roteçã o. E devia es ta r cer ta . Ele a pen a s a estivera u s a n do pa ra s e m a n ter s ob re a s u perfície da ter ra por todos a qu eles s écu los . Precisava dela mais do que ela dele.

Uma ocorrência comum entre as mulheres que atraía ultimamente.

Maldição!

Deixara Syreena h a via du a s n oites . Em todo es s e tem po, ela a in da n ã o con s egu ira tom a r u m a decis ã o? E por qu e ele s e s u rp reen dia ? Ela n ã o fizera u m a es colh a pes s oa l em toda a s u a vida ! Ta lvez p recis a s s e de m a is cem a n os pa ra des cobr ir com o is s o era pos s ível. Nã o fica r ia s en ta do es pera n do por ela . Nã o continuaria sofrendo e se martirizando.

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Nã o es ta va h a b itu a do com a in ten s ida de dos s en tim en tos qu e o a torm en ta va m , e is s o o con fu n d ia e per tu rba va , s a b ia qu e es ta va fa zen do a lgo qu e ja m a is fizera em toda a sua lon ga vida : a gia con tra r ia n do os in s t in tos . Su a bússola in tern a a pon ta va pa ra a Rú s s ia . Devia volta r lá e a ceita r Syreena como ela era , a ceita r s u a lógica . Qu e im por tâ n cia t in h a o ca m in h o qu e ela percorr ia , s e esse caminho a levasse aos seus braços? O que importava se, no final, o resultado seria o mesmo?

Ma s n ã o s er ia a m es m a cois a . Se m a n ipu la s s e a es colh a de Syreen a , s e a coa gis s e n o s en t ido de u m a decis ã o, da r ia a ela a in da m a is es pa ço pa ra du vida r . Se ela n ã o a cred ita va n ele a gora , n ã o a cred ita r ia n u n ca ! Tin h a cer teza de qu e tu do n ela cla m a va por ele, a s s im com o todo o s eu s er s u p lica va por ela . Ma s ela res is t ia , lu ta va con tra s i m es m a , ca m ba lea va pela vida es pera n do qu e a lgu ém lh e dissesse qual era a escolha certa.

Ela já sabia. Como ele sabia.

Se Syreen a qu er ia ga ra n t ia s , s ó a s en con tra r ia d en tro de s i m es m a . Ele já h a via d ito tu do qu e pod ia s ob re o a s su n to. Ma s , a pa ren tem en te, n ã o h a via s ido s u ficien te. E por qu e s er ia ? Se ela n ã o con fia va em s i m es m a , com o con fia r ia em outra pessoa?

Sentou-s e s obre a roch a qu e s e torn a ra s eu la r recen tem en te. Olh a va pa ra o ocea n o e s en t ia o ven to gela do e ú m ido. Es ta va dep r im ido, en fra qu ecen do. Logo ter ia de s u pera r es s e es ta do ou ir pa ra o fu n do da ter ra , pois s ó a s s im poder ia s ob reviver . Se con tin u a s s e s e expon do n o es ta do em qu e s e en con tra va , n ã o demoraria muito até alguém desafiá-lo. E, na condição em que estava, as chances de vitória eram nulas.

Eles qu e tom a s s em tu do en qu a n to ele dorm ia p rotegido pela ter ra . A in decis ã o de Syreen a o m a ta va a os pou cos , m a s n ã o perm itir ia qu e os gananciosos de sua raça recolhessem seus ossos.

Quando Damien a cordou , h ora s m a is ta rde, o céu s e t in gia de ros a com a ch ega da do a m a n h ecer . Sen tou -s e de repen te, perceben do qu e dorm ira n a roch a s ob re o m a r e, no m om en to, s e depa ra va com toda a força do s ol n a s cen te. Ch oca do, pôs u m b ra ço s ob re os olh os , qu e já la cr im eja va m pela doloros a expos içã o. Ha via dois d ia s , m u n ido de toda a s u a força , ter ia s u por ta do es s a lu z m a tin a l a in da pá lida . No es ta do en fra qu ecido em qu e s e en con tra va , a h is tór ia era bem diferente.

La m en ta n do a fa lta de ca u tela , leva n tou -s e. Precis a va correr pa ra ca s a , bu s ca r p roteçã o... Ma s , de repen te, com o s e decid is s e qu e tu do era s ó u m truque da mente, ele parou.

Deva ga r , ba ixou os b ra ços e s e virou pa ra olh a r o s ol n a s cen te. Qu e cois a lin da pod ia s er o s ol m or ta l! De cer ta form a , ta m bém era u m p reda dor , e es ta va n o topo da ca deia a lim en ta r . Alim en ta va -s e de tu do. En golia a es cu r idã o com u m a m ord ida vora z. Depois , m a s t iga va os Nightwalkers com o se fos s em a s ob rem es a . Su ga va a en ergia dos dem ôn ios , ca u s a va bolh a s fa ta is n os licantropos, desidratava os vampiros até transformá-los em uma pilha de cinzas.

— Damien, o que está fazendo?

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Jasmine agarrou-o. O pâ n ico a in va d ia com o u m a on da violen ta , e ela u s ou toda a força pa ra d om in á -lo. Nã o foi d ifícil, con s idera n do s eu es ta do de leta rgia . Levou-o pa ra den tro da m a n s ã o, pa ra a s egu ra n ça p roporcion a da por pes a da s cortinas e janelas fechadas.

Supera do o per igo im ed ia to, a com odou -o em u m s ofá e s e a joelh ou d ia n te dele, agarrando suas mãos geladas e fitando-o com desespero.

— Damien, ela não merece tudo isso! Nenhuma mulher é digna de sua vida! Podia ter morrido. Por favor, pare de se m achucar desse jeito!

Mas ele não a escutava. Seu olhar estava perdido na distância, vazio.

— Damien! — Jasmine gritou, à beira das lágrimas.

Abraçou-o, decidindo que não o deixaria mais sozinho. Não era seguro. Mas s u a p res en ça s er ia a pen a s u m a m edida pa lia t iva . Se n ã o ca ça s s e, ele en tra r ia em torpor . Ma is dois ou três d ia s , e es s e es ta do s er ia in evitá vel. Repen tin a m en te, entendeu o sofrimento que causara a Damien cada vez que caíra ela mesma nesse torpor.

Ele es ta va fr io a o toqu e, e já era pos s ível s en tir ta m bém o fr io qu e em a n a va de s u a a lm a . Jasmine qu er ia m a ta r a lica n tropo! Ain da a b ra ça da a o velh o a m igo, murmurou:

— Você precisa se alimentar. Venha... — disse, oferecendo o pescoço.

Damien n ã o t in h a fom e. Nã o qu er ia exper im en ta r a s s en s a ções qu e acompanhavam o momento da saciedade, especialmente com uma mulher.

Soltou-s e dos b ra ços qu e o en volvia m e s e leva n tou , s a in do da s a la s em d izer n a da . Ir ia pa ra o qu a r to e dorm ir ia a té a es cu r idã o cob r ir o m u n do novamente.

A primeira coisa registrada pelos sentidos sonolentos de Damien foi o cheiro de lavanda. Chocado, sentou-se e olhou em volta. Havia ao lado da cama um vaso com flores e ramos variados, entre eles... lavanda.

Ca iu s obre os tra ves s eiros s ob o pes o da decepçã o. Fu r ios o e fru s t ra do, a ga r rou o va s o e a rrem es s ou -o con tra a pa rede, ca u s a n do u m gra n de es tron do e espalhando água e flores em todas as direções.

Com etera ta n tos peca dos qu e m erecia es s e a m a rgo ca s t igo? E qu a n to à s com pen s a ções ? Qu a n ta s vida s s a lva ra com s u a in terferên cia ? Perdera a s con ta s m u ito a n tes de ter s a lva do a vida da ra in h a in gles a qu e rein a ra s obera n a por s eten ta a n os . Sem pre a ch a ra qu e a h era n ça do Ren a s cim en to Eliza beta n o h a via s ido extra ord in á r ia , u m a con tr ibu içã o va lios a pa ra o des en volvim en to da ra ça h u m a n a . E a qu ela era poder ia n em ter exis t ido, s e a ra in h a h ou ves s e m orr ido de varíola no ano em que a conhecera.

Não merecia uma recompensa por isso?

O a ta qu e de fú r ia s ó s ervira pa ra torn a r a in da m a is in ten s o o perfu m e de lavanda n o qu a r to. Leva n tou -s e e ca m in h ou a té o gu a rda -rou pa , d is pos to a vestir-s e e s a ir pa ra ca ça r . Era per igos o fa zer is s o gu ia do a pen a s pela em oçã o,

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m a s n ã o s e im porta va com m a is n a da . Melh or a rr is ca r a vida ten ta n do recu pera r a saúde do que continuar afundando em autocomiseração e melancolia.

Ma s , a n tes de s a ir , qu eim a ria a s m a ld ita s flores e ba n ir ia o per fu m e de s u a ca s a . Ves t ido a pen a s com a ca lça , virou -s e pa ra recolh er a s flores e qu a s e ca iu em cima de Syreena.

— O qu e fa z a qu i? — ele pergu n tou em tom fu r ios o, s em s a ber s e devia ou n ã o a cred ita r n o qu e via e s en t ia . O ca lor do corpo s in u os o o en volvia , o per fu m e invadia seus sentidos e, de repente, experimentava uma forte necessidade de tê-la n os b ra ços . — Nã o ten h o a s res pos ta s qu e p rocu ra . Vá em bora . Teve três d ia s e três noites para falar comigo, mas perdeu a chance.

Ou perd erá, as s im que eu pud er s air d e perto d e você e obter u m pouco d e calor para meu corpo.

Syreen a en ten d ia o m otivo de toda a qu ela fú r ia . E ele t in h a ra zã o. Pa s s a ra d ia s in s egu ra a res peito de a lgo qu e, de repen te com preen d ia , n ã o era rea lm en te uma questão de escolha.

Damien s a b ia d is s o des de o in ício. A ú n ica es colh a qu e t in h a era ign ora r a s dem a n da s do cora çã o e do es p ír ito, o qu e cer ta m en te ten ta ra fa zer . Ma s , n o fin a l, tivera de reconhecer que não havia opção.

Pertencia a ele. E ele era dela.

— Damien... — ela protestou, precisando dizer que compreendia tudo agora. Entendia o que ele tentara dizer, o que ele aceitara baseado na fé e no sentimento en qu a n to ela s e deba tera , ca u s a n do-lh e o qu e devia ter s ido u m a in s u por tá vel agonia.

— Já disse para não falar comigo! — ele rosnou, avançando com violência.

Ela recu ou u m pa s s o, m a s logo repen s ou a a çã o e a p roxim ou -s e ou tra vez, chocando-se com seu corpo.

Damien h es itou qu a n do ela n ã o cedeu , in s in u a n do-s e em seu es pa ço pes s oa l. O ca lor , o a rom a e a p res en ça dela o inva d ira m com o u m víru s , fa zen do res s u rgir s eu des ejo. Ela ergu eu a m ã o, tocando-o n o peito. Ele a ga rrou -lhe o pulso, torcendo-o para dissuadi-la da proximidade.

—Pode qu eb rá -lo, s e qu is er . Is s o n ã o va i m e deter .—Tocou-o com a ou tra mão, estremecendo ante o frio de sua pele.

Ele sorriu com amargura.

— Eu n ã o ca cei des de a ú lt im a vez qu e n os vim os . Es tá m e oferecen do u m a refeição? Como pode ver, seria bom que eu me aquecesse um pouco. Uma mulher ou outra não fará diferença.

— Tem certeza?

— Abs olu ta . Seu s a n gu e poder ia m e a qu ecer , Syreen a , m a s m eu cora çã o permaneceria frio para você como está no momento.

— Certo. — Ela ofereceu o pes coço. O cola r de pedra da lu a cintilou na es cu r idã o. Seu s olh os es ta va m fech a dos e o corpo pu ls a va , em a n a n do u m ca lor que, para Damien, era irresistível.

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Ma s , em vez dos lá b ios , foi a m ã o do p r ín cipe qu e tocou s eu pes coço. Ela abriu os olhos ao sentir a pressão que a sufocava.

— Perdeu a ra zã o? — ele pergu n tou n u m s u s s u rro a m ea ça dor . — Se qu er b r in ca r com fogo, p r in ces a , s u giro qu e vá p rocu ra r ou tra ch a m a . Nã o vou m order a isca, se me permite um trocadilho!

— Por qu e n ã o? É s ó m a is u m a refeiçã o, n ã o é? Você tem , u m a necessidade; eu posso supri-la. É simples. Lógico.

— Lógico? — Tu do pa ra ela s e res u m ia a ra zã o, lógica , p ra t icidade. — A lógica determ in a qu e, qu a n do u m va m p iro es tá fu r ios o, é m elh or fu gir , porqu e ele pode rasgar sua garganta!

— Cachorro que late... não morde! — provocou.

Ele a em pu rrou con tra o gu a rda -rou pa com ta n ta força qu e, por u m instante, Syreena ficou s em a r . O qu a r to girou , e ela exper im en tou u m a for te ver t igem . An tes qu e pu des s e recu pera r o equ ilíb r io, ele a p res s ion a va com o corpo. Nã o era u m a bra ço. Era u m a pu n içã o, u m a a m ea ça , m a s ... Nã o pod ia deixa r de ver n o con ta to u m a recom pen s a . Sen t ir n ova m en te o corpo de Damien con tra o s eu era a rea liza çã o de u m s on h o. Mes m o com a m ã o a per ta n do s eu pes coço e d ificu lta n do a res p ira çã o, n ã o t in h a m edo. Sa b ia qu e ele ja m a is fa r ia qualquer coisa que pudesse prejudicá-la.

E esse era o centro de todas as recentes revelações.

Damien jamais a machucaria. Nem no aspecto físico, nem no psíquico, nem n o em ocion a l. Mes m o qu e ela o h ou ves s e fer ido tã o p rofu n da m en te n es s a s três esferas.

Era hora de compensá-lo por não ter sido tão gentil com ele.

Com firm eza , s egu rou -lh e o pu n h o e pa s s ou u m a pern a por t rá s de s eu joelh o, em pu rra n do-o. Qu a n do ele ca iu , ela deitou -s e s obre s eu corpo. Com u m a da s m ã os em s eu pes coço e u m joelh o en tre s u a s pern a s , ela n ã o teve d ificu lda de pa ra im ob ilizá -lo. E , a n tes qu e ele pu des s e fa la r , p rotes ta r ou ten ta r rea gir , inclinou-se e aproximou a boca de seu pescoço.

O con ta to ca u s ou u m ch oqu e violen to em Damien. O ca lor o in va d iu a n tes m es m o de s en t ir a m ord ida s u rp reen den te. Ma s n ã o s e deixa r ia m a n ipu la r . Nã o ceder ia à s exigên cia s do corpo. Nã o perm it ir ia qu e ela o dom in a s s e qu a n do qu is es s e pa ra , em s egu ida , m u da r de ideia e deixá -lo en tregu e à dor e à desolação. Não daria a ela mais poder.

Agarrou-a pelo ca belo, ten ta n do m a n tê-los en tre os dedos , a pes a r da res is tên cia dos fios qu e s e contorciam com vida p róp r ia . Syreena leva n tou a cabeça, sufocando um grito de dor. O movimento repentino expôs seu pescoço e a veia que nele pulsava, convidativa. Era difícil resistir. Não podia negar o efeito que ela exercia sobre seu sistema.

Des es pera do, ele a jogou pa ra lon ge, e a violên cia do ges to a fez des liza r pelo ch ã o a té o ou tro la do do qu a r to. Syreen a ba la n ça va a ca beça , ten ta n do superar a tontura, quando ele se levantou.

— Pare de se comportar como uma tola, Syreena! Você é uma princesa, pelo amor de...

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— Ah , e de repen te is s o é im por ta n te? — ela gr itou fu r ios a , leva n ta n do-s e e in ves t in do con tra ele. Su a a proxim a çã o era tã o exp los iva e a gres s iva , qu e Damien teve m edo de qu e ela en con tra s s e u m a m a n eira de tocá -lo n ova m en te. Sem s a ber se poderia resistir a um novo contato, ele recuou.

Até deparar-se com uma parede.

Syreen a con t in u ou a va n ça n do a té cola r o corpo a o dele. Determinada, beijou-o com os lá b ios ú m idos e entreabertos. Depois de des per ta r s eu s s en tidos e s u a m em ória com o h á lito qu en te, ela a fa s tou -s e u m pou co e des lizou a s u n h a s por seu peito nu com violência.

Damien u rrou de u lt ra je e dor , e o s om a in da m orr ia em s u a ga rga n ta qu a n do ela o beijou n ova m en te. Era u m beijo a gres s ivo e dom in a dor . O es t ím u lo o levou ra p ida m en te à qu ele ter r itór io en tre s u a porçã o civiliza da e s eu la do selvagem e incontrolável.

Por u m in s ta n te, ele s e es qu eceu de qu e a en s in a ra a beija r . Ela u s a va os in s t in tos de u m a form a qu e n ã o s e rela cion a va com o qu e h a via m a p ren d ido ju n tos . O con ta to era s elva gem e inebriante, roubando-o de s u a von ta de e res is tên cia , com o ela s a b ia qu e a con tecer ia . Ela pu xou -o pelo ca belo pa ra a fa s tá -lo, e ele em it iu u m ru ído es tra n gu la do qu e era u m m is to de pes a r pela a u s ên cia dos lábios dela e fúria pelo tratamento agressivo.

E então ela o esbofeteou com força.

Des s a vez, qu a n d o a en ca rou , ele já exib ia a s p res a s a m ea ça dora s . Des con trola do, s egu rou -a pelos b ra ços e a lterou s u a s pos ições , em pu rra n do-a contra a parede sem desgrudar o corpo do dela.

Syreena o leva ra a té on de des eja va . Pa ra a lém do lim ite. Pa ra a lém da ra zã o, da dor , da ca pa cida de de fa zer qu a lqu er cois a qu e n ã o fos s e in s t in t iva . Precis a va des se des con trole pa ra a lca n çá -lo a tra vés da fú r ia teim os a com qu e ele se protegia.

Ela virou s u a ca beça , expon do o pes coço. Os den tes per fu ra ra m s u a pele. Os lá b ios com eça ra m a s u ga r . As s im qu e s en tiu o p r im eiro con ta to da boca fa m in ta , ela s ou be qu e Damien n ã o s e deteria a n tes de s a cia r a fom e dos ú lt im os t rês d ia s . Ela pegou a s m ã os con tra ída s e con du ziu -a s a té s eu corpo, leva n do-as aos seios, ofegando ao sentir o toque frio nos mamilos.

A s en s a çã o do corpo qu en te e dos s eios a r redon da dos em s u a s m ã os pen etrou a névoa da vora cida de com n it idez ch oca n te. Com bin a va -s e a o efeito n a rcót ico e erót ico da qu ím ica in va d in do s eu s is tem a , leva n do-o a u m n ovo patamar sensorial, p rovoca n do u m a excitação qu e com eça va den tro dele e exp lod ia pa ra o exter ior com u m a força a va s s a la dora . Syreen a gem ia , e a voz rouca em seu ouvido alimentava o desejo.

En qu a n to m a n tin h a u m a da s m ã os s obre o s eio firm e, a ou tra des liza va pela s cos ta s e des cia len ta m en te, pa s s a n do pela s n á dega s per feita s , exp lora n do u m a coxa musculosa e retorn a n do pelo m es m o ca m in h o. O ca lor qu e o in va d ia era revigorante.

Syreena sentia seu corpo se aquecer e se contorcia sob as carícias ousadas. Tocou-lh e a s cos ta s com u m a m es cla de des es pero e s en s u a lida de. E, du ra n te todo o tem po, os lá b ios s u ga n do s eu pes coço a en lou qu ecia m , p rovoca n do

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a r rep ios e u m fogo abrasador qu e n ã o poder ia s er rem ovido de s eu corpo, por m a is qu e ele a s u ga s s e. Afa gou -o n o peito, tom a n do o cu ida do de recolh er a s ga r ra s des s a vez, porqu e n ã o qu er ia ca u s a r dor . A pele dele era m a cia e firm e, e a fr ieza ia s en do ba n ida ra p ida m en te. Ca da carícia fa zia s u b ir a tem pera tu ra , ca da gota de sangue era uma gota de poder recuperado.

A exper iên cia de s en t i-lo pa s s a r de fra co e gela do a for te e qu en te era inebriante, in es qu ecível. Sen tia os con torn os dos m ú s cu los n a pon ta dos dedos e n a pa lm a da s m ã os , gra va n do n a m em ória ca da deta lh e da es cu ltu ra de ra ra beleza e per feiçã o. Aca r iciá -lo era u m p ra zer . Qu a n to m a is o toca va , m a is o queria.

Depois de s u b ir e des cer pelo peito la rgo e pela s cos ta s musculosas duas vezes , in trodu ziu u m a da s m ã os n o cós da ca lça , t ra ça n do o con torn o da n á dega firm e e a lca n ça n do u m a coxa poderos a , con torcen do-s e pa ra es t ica r o b ra ço sem interromper o contato da boca com seu pescoço.

Damien s e s en t ia com o s e ela o t ives s e in cen d ia do. As ch a m a s o con s u m ia m . As m ã os qu e a té en tã o a fa ga va m s u a s n á dega s a gora bu s ca va m a pa r te fron ta l de s eu corpo com ou s a d ia . No m om en to em qu e ela en con trou o qu e procurava, ele a mordeu pela segunda vez.

Syreen a gem eu a o s en t ir o ca lor a gora fa m ilia r in va d ir seu pes coço e u m ca lor des con h ecido em s u a s m ã os cu r ios a s . Ele es ta va tota lm en te excita do, e o membro ereto implorava por seu toque. Damien finalmente a fastou a boca de sua pele e inclinou a cabeça para trá s , gem en do com a intensidade do prazer provocado pela carícia íntima.

Colados u m a o ou tro, dom in a dos pelo des ejo, eles es correga ra m pa ra o ch ã o n u m em a ra n h a do de b ra ços e pern a s . Ele a des eja ra por tem po dem a is , a qu er ia m a is do qu e tu do. Agora ela o in va d ia de toda s a s m a n eira s , pon do em p rá tica u m a ir res is t ível m a gia fem in in a pa ra a qu a l n ã o h a via pos s ib ilida de de resistência. Ajudou-o a rem over a ca lça qu e a im ped ia de tocá -lo com tota l liberdade.

Depois, deitada de costas, Syreena o convidou a cobrir seu corpo com o dele e o en la çou com a s pern a s , toca n do o ros to p a rcia lm en te cober to pela ba rba e a ca r icia n do orelh a s , pes coço e n u ca . Ergu en do a ca beça , bu s cou a boca úmida e qu en te. Da m ien a rd ia com u m fogo qu e era in teira m en te dela , de u m a form a ou de outra, e correspondia ao beijo com uma paixão violenta e voraz.

Syreen a p recis a va res p ira r . En qu a n to ela ten ta va leva r a r a os pu lm ões , ele s e ba n qu etea va s orven do o s a bor de ca da cen tím etro de pele a cet in a da , beija n do om bros , colo, s eios , ven tre e coxa s n u m a s u ces s ã o len ta e p rovoca n te. De repen te, ele ca p tu rou u m m a m ilo in tu m es cido en tre os lá b ios , s u ga n do-o a té ouvi-la gritar de prazer.

As p res a s a in da s a lien tes a r ra n h a va m s u a pele, a m plifica n do a s en s a çã o e a cres cen ta n do u m n ovo es t ím u lo a o contato já tã o erót ico. Ela gr itou , a ga r ra n do-se aos ombros largos, arqueando-se em uma reação selvagem.

— Damien, me perdoe, por favor...

Ele se deteve para fitar os olhos repletos de paixão e an siedade.

— E se eu não perdoar, Syreena?

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— En tã o... a pen a s fa ça a m or com igo — ela s u s s u rrou . — Mes m o qu e s eja só esta vez. Não importa. Eu sei o que eu quero. E eu quero você.

— Qu e pa r te de m im , doçu ra ? — En qu a n to a en ca ra va ele s e pos icion ou pa ra pen etrá -la , des liza n do o m em bro ereto pela fen da úmida e qu en te. — Esta parte?

— Damien! — Arqueando as costas, ela foi ao encontro dele sem reservas ou hesitação.

Ele ra n geu os den tes e em it iu u m ru gido ba ixo e rou co qu e b rota va do fu n do de s eu peito, ca u s a n do u m a vib ra çã o in ten s a e en volven te. Com u m a da s m ã os a poia da n o ch ã o, a ou tra s egu ra n do u m a coxa de Syreen a , ele fez exatamente o oposto de tudo que pretendia.

Planejara manter-se a fa s ta do, ga ra n t ir o es pa ço n eces s á r io pa ra ou vir a s res pos ta s qu e ela n ã o dera . Ma s era ta rde dem a is pa ra is s o. Nã o pod ia m a is deixá-la , n em s e m a n ter fora dela . Penetrou-a com u m m ovim en to determ in a do, in va d in do u m es pa ço es treito, a in da m en or por ca u s a d a ten s ã o dos m ú s cu los que reagiam à presença nova e inesperada.

Ela ergu eu os om bros e a ca beça a o s en tir a pen etra çã o, perceben do, de repen te, qu e s a b ia m u ito pou co s obre a rea lida de des s e m om en to. Era a lgo in des cr it ível. Pa ra u m h om em s em circu la çã o, era im pres s ion a n te com o ele pu ls a va den tro de s eu corpo. O en ca ixe era perfeito, com o s e ele h ou ves s e sido desen h a do pa ra s u pr ir s u a s n eces s ida des , com o s e fos s em du a s m eta des de u m todo.

— Boa Deu s a , eu devia es ta r lou ca — ela m u rm u rou , con torcen do-s e de prazer.

Da m ien s or r iu , com preen den do exatamente o s en tim en to. Ela era p recios a e per feita pa ra ele, e n a da qu e ele fizes s e ou s en tis s e poder ia a ltera r es s a realidade.

Aprofu n dou u m pou co m a is a pen etra çã o, delicia n do-s e com a exper iên cia sublime. Beijou-a, a bs orven do s eu s gem idos , e com eçou a s e m over . Des s e m om en to em d ia n te, perdeu a n oçã o de tu do qu e o cercava, exceto dela e do corpo pulsante e quente sob o seu.

Com a lgu n s m ovim en tos , Syreen a pa s s ou do p ra zer in ten s o a o êxta s e. O qu e Da m ien fa zia com ela era qu a s e m ís t ico. Era m á gico. Nã o a m a gia pervers a qu e en ven en a e des trói, m a s o en ca n ta m en to dos con tos de fa da e dos a n jos , a mágica boa, doce e limpa.

Uma magia que era muito mais forte por sua pureza.

Da m ien obs ervou o ros to dela s e torn a r u m m a pa de belas reações. Sabia que vivia uma experiência única.

Ele a amava.

Amava-a com loucura, e esse sentimento fazia toda a diferença.

— Syreena — murmurou, emocionado. — Doce Syreena...

Qu a n to m a is s e m ovia , m a is s en tia qu e pa s s a va a fa zer , pa r te dela . Se a lgu ém pod ia rea lm en te pos s u ir ou tra pes s oa , ela o pos s u ía n es s e m om en to e

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para sempre. Tudo nela se mistu ra va a ele. Syreen a s e en ca m in h a va ra p ida m en te pa ra u m a exp los ã o sensorial a n u n cia da por gem idos ca da vez m a is in ten s os e gr itos s u foca dos , u m êxta s e qu e ele n ã o pod ia n em s equ er com eça r a en ten der . Ma s , em in s ta n tes , des cobr iu qu e es ta va en ga n a do. De repen te, era m u m a s ó con s ciên cia , u m a ú n ica s en s a çã o res u lta n te da m is tu ra dos corpos ferventes, dominados por emoções de intensidade espantosa.

Damien n ã o pod ia m a is s e con ter . Fa zia a m or com ela com u m a pa ixã o s elva gem qu e beira va a b ru ta lida de, e ela o en cora ja va a p ros s egu ir , acompanhando-o n a qu ela via gem de in ten s a s en s u a lida de e a rdor , u m a experiência que desafiava a sanidade.

Ele a lca n çou u m a u ge n u n ca a n tes im a gin a do, perden do todo o s en s o de rea lida de e equ ilíb r io, todo o cen tro e todo o foco. E da li, do p ico do m u n do, m ergu lh ou pa ra o a b is m o de u m clím a x pulsante e poderos o. En qu a n to is s o, Syreen a im p lod ia n o êxta s e m a is ru idos o e p rolon ga do qu e ele ja m a is p res en cia ra em u m a fêm ea . Era com o s e ela fos s e u m a va m pira , com o s e bebesse dele com voracidade in s a ciá vel. Agora , Damien era a p res a , e en con tra va im en s o p ra zer n es s a t roca de pa péis . Mesm o qu e ela o s u ga s s e a té o es gota m en to, n ã o protestaria. Nem agora, nem no futuro. Nunca. E, como poderia, se arriscar a sua vida por ela antes mesmo de conhecê-la?

Fin a lm en te, ca iu s ob re o corpo dela com u m gem ido de in cr ível s a t is fa çã o. O poder qu e ela exercia s obre ele era com pleto. Syreen a a in da s u s p ira va e gem ia , perd ida em a lgu m trech o do ca m in h o de volta a o m u n do rea l. A con h ecida dormência dom in ou os b ra ços dela , e ele s en tiu a s m ã os des liza n do por s u a s cos ta s a té ca írem in er tes a o la do de s eu corpo. Exa u s ta , ela m ergu lh a va em u m estado de semiconsciência.

Damien levantou-s e e t irou -a do ch ã o. Depois de deitá -la em s u a ca m a , acomodou-s e a o la do dela . Nã o s e lem bra va de ter es ta do tã o a qu ecido em toda a sua vida, e não queria perder o confortável e delicioso calor.

Virou-a de la do, de cos ta s pa ra ele, e a a b ra çou , a com odando-a con tra o peito. Com u m b ra ço em torn o de s u a cin tu ra , ele pen s ou qu e Syreen a n u n ca mais poderia deixá-lo ou se afastar sem que ele soubesse.

Damien a cordou a s s u s ta do, s u rp res o por ter d orm ido, e a p r im eira cois a qu e n otou foi qu e Syreen a n ã o es ta va m a is em s eu s b ra ços . Ela con s egu ira s e virar na cama de forma a manter os pés bem perto de seu rosto.

Beijou um pé delicado, contente por tê-la ali. Ela mudou de posição e voltou a dormir.

Tocou a s ola do ou tro pé, e qu a s e foi a t in gido por u m ch u te n a ca beça . Syreena, a herdeira do trono licantropo, tinha cócegas!

— En cos te n o m eu pé m a is u m a vez, e a r ra n co s u a ca beça — ela a m ea çou de onde estava.

— É importante demais para ter cócegas, princesa?

Syreen a gr itou a o s en t ir a m ã o em s eu pé. Vira n do-se, ten tou ch u tá -lo enquanto ria.

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— Estou avisando... — disse entre uma gargalhada e outra.

Pa ra es ca pa r , ela s e jogou n o ch ã o. Damien teve a ou s a dia de olh a r pa ra baixo, como se a procurasse.

— Esse tipo de conduta não condiz com uma princesa — ele provocou.

— E u m olh o roxo n ã o con d iz com u m pr ín cipe. Nã o é u m com pa n h eiro de cama muito atencioso.

— Não me lembro de ter ouvido queixas ontem à noite.

— Talvez porque estivesse roncando alto demais para ouvir alguma coisa. — Riu ao vê-lo franzir a testa. — O quê? É importante demais para roncar, príncipe?

— Por qu e qu a n do você d iz "p r ín cipe" des s a form a , eu m e s in to u m pa s tor de ovelhas?

— Se a ca ra pu ça s ervir ... — Ergu eu -s e e a jeitou os ca belos com u m m ovim en to d ign o da rea leza . Depois , s en tou -s e n a ca m a , fita n do s u a exp res s ã o divertida. — Sa be, eu n u n ca pen s ei n is s o a n tes ... — In terrom peu -s e, com o s e estivesse refletindo.

Ele não se deixou enganar. Reconhecia uma armadilha quando via uma. No entanto, permitiu que ela prosseguisse.

— Pensou no quê?

— Nu n ca im a gin ei qu e você pu des s e s er divertido. E eu a ch a n do qu e o s exo seria meu único entretenimento...

— Bem, suponho que deva se considerar uma criatura de sorte. Já eu...

Syreena sorriu com malícia ao vê-lo devolver a provocação.

— Você o quê?

— Acho que tenho ainda mais sorte.

A seriedade da resposta a surpreendeu.

— Por quê?

— Porqu e n in gu ém ja m a is teve con d içã o de m e in form a r qu e eu ron co, e é delicioso ouvir isso.

— Não entendi.

— Nu n ca dorm i com n in gu ém , Syreen a . Ach o qu e é u m a qu es tã o de confiança...

— Eu... nunca pensei nisso antes.

— Ma s eu ten h o de pen s a r n is s o s em pre. Gos to de ter a ca beça bem firm e em cima dos ombros. E já a teria perdido se não fosse tão desconfiado.

— Mas Jasmine...

— Jasmine? — Ele r iu . — Ela ter ia p refer ido correr n u a s ob o s ol a dorm ir com uma criatura como eu! Jasmine é muito mais sensata que você.

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— Es tou com eça n do a a cred ita r nisso. — Ela in clin ou -se s ob re o peito dele até seus narizes quase se encostarem. — Agora, deixe-me perguntar outra coisa... Pode me devolver? Damien piscou, confuso por um instante, e depois sorriu.

— Ah... não pensei que tivesse percebido.

Syreen a r iu e es ten deu a m ã o. Damien pegou s ob o t ra ves s eiro o ob jeto qu e ela reclamava.

Ouro e pedras-da-lua foram depositados na palma de sua mão.

J a s m in e es ta va s en ta da n o s ofá do s a lã o, folh ea n do u m gra n de livro u m pouco embolorado. Virava as páginas lentamente.

— Isso é da biblioteca?

Ergu eu os olh os a o ou vir a voz de Syreen a e fitou -a com eviden te rep rova çã o. A lica n tropo u s a va u m a ca m is a de Damien, qu e a cob r ia a té a a ltu ra dos joelhos.

Percebera a p res en ça es tra n h a n a ca s a a s s im qu e retorn a ra da vis ita à biblioteca . A ju lga r pela s ves t im en ta s da p r in ces a e pela s ga rga lh a da s qu e ou vira no quarto de Damien, eles haviam conseguido se reconciliar. Era bom saber que o príncipe estava feliz, mas ainda não havia esquecido os dias de desespero.

— É, s im . Su a irm ã des ign ou u m a b ib liotecá r ia pa ra or ien ta r a s eleçã o dos volu m es . Ela es tá t ra ba lh a n do h á dois d ia s , e já con s egu iu fa cilita r a s pes qu isa s . Agora podemos retirar os livros e estudá-los em casa.

— Quem ela escolheu?

— Uma morena delicada e sexy com uma marca muito singular no pescoço.

— Jinaeri.

— Se n ã o s e im porta , eu es ta va es tu da n do. — Voltou a o livro e virou a página, embora nem houvesse concluído a anterior.

Syreen a n ã o era es tú p ida . Sa b ia qu e a fêm ea de va m piro n ã o gos ta va dela . Norm a lm en te, n ã o ter ia s e in com odado. Ma s , com o Jasmine era im porta n te pa ra Damien, p recis a va s e p reocu pa r . Ha ver ia tem po pa ra m elh ora r a rela çã o en tre elas mais tarde. Por isso, retirou-se e deixou-a em paz com sua leitura.

Ain da h a via vá r ia s cois a s pa ra ver n a m a n s ã o do p r ín cipe dos va m piros . As janelas eram todas escuras, exceto as da cozinha e da biblioteca. A cozinha, como n ã o era m u ito u t iliza da , t in h a os vid ros a pen a s u m pou co es cu recidos , ca s o a lgu ém precis a s s e ir a té lá . Na b ib lioteca , n o en ta n to, a pes a r de o ca s o s er o mesmo, havia uma varanda de onde era possível ver o jardim. Damien a prevenira do perigo ao vê-la sair do quarto.

A p r in ces a tocou s eu cola r . Ao con trá r io da irm ã , con h ecia o s egredo pa ra devolvê-lo a o pes coço. Nã o devia ter es s a in form a çã o en qu a n to n ã o s e ca s a s s e, mas a encontrara em um manual no monastério. Só não sabia como retirá-lo. Não tinha importância. Agora, só precisava pedir a ajuda de Damien.

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Su a es colh a fora feita . Nã o h a via m a is com o volta r a trá s . Exis t ia m cer im ôn ia s pa ra form a liza r ta is cois a s , m a s , n o m in u to em qu e Damien rompera sua virgindade, ele se casara com sua alma.

Com o s e o a to s exu a l t ives s e a lgu m a cois a a ver com is s o, reflet iu com h u m or . A a lm a de Damien ca p tu ra ra a d ela m u ito a n tes d is s o. Ele a con qu is ta ra com s a bedor ia , pa la vra s per feita s , gen tileza , com preen s ã o. Com o res is t ira a tu do isso e por quê... Não conseguia compreender.

Foi a té a cozin h a pa ra p rocu ra r a lgu m a cois a pa ra com er . Es ta va exa u s ta e fraca depois da noite de amor e de ter dado seu sangue para fortalecer o parceiro. Nã o qu e s e a r repen des s e... Pelo con trá r io. Ha via s ido erót ico, m ís t ico... in cr ível! E m a is ta rde, qu a n do t in h a m feito a m or s em o bôn u s da a lim en ta çã o, s eu p ra zer também havia sido pleno.

— Com fome?

Ela s e virou , a s s u s ta da , a o ou vir a voz do p r ín cipe. De pos s e de s eu s poderes m a is u m a vez, ele recorr ia a o velh o t ru qu e de s e m over pa ira n do n o a r e surgir de repente atrás dela.

— Precis a m e en s in a r com o fa z is s o — ela com en tou a dm ira da , s or r in do a o sentir o braço em torno de sua cintura e o beijo na nuca.

— É u m tru qu e da m en te. Ser ia in teres s a n te des cobr ir s e você con s egu e realizá-lo. Não duvido que consiga.

— Nem eu — ela concordou com petulância, fazendo-o rir.

Damien beijou-a , es t im u la n d o-a . Em pou cos m in u tos , ele s egu ra va s eu corpo com o s e m a n ipu la s s e a rgila m a cia , fa zen do dele o qu e bem en ten d ia . Ela cor res pon deu com pa ixã o, s a ben do a gora o qu e o a gra da va . Um a la m bida , u m a m ord ida ... Um des ejo incomparável por ele qu e o a feta va por s u a in ten s ida de e a ba n don o. Ela a ceita va com a legr ia a s carícias, encorajando-o, em itin do s en s u a is ruídos de prazer.

Qu a n do ele fin a lm en te s e a fa s tou da boca con vida tiva , n ã o foi m u ito lon ge. Ela o a ga rrou , en volven do-o com u m a da s pern a s , os b ra ços a o redor de s eu s ombros.

— Syreena... — ele murmurou com voz rouca, abraçando-a.

Ela con h ecia ca da s en t im en to n ã o verba liza do qu e a com pa n h a va o ges to. Sentia-se da mesma forma.

— Sou u m a m u lh er de m u ita s or te — s u s s u rrou em s eu ou vido. — Agora en ten do. Des s e m om en to em d ia n te, s em pre en con tra rei o ca m in h o de volta pa ra os s eu s b ra ços , Damien. Sa berei qu e s eu s beijos , s eu s a bra ços e s u a gen tileza es ta rã o s em pre es pera n do pa cien tem en te por m im , com o m eu cora çã o s erá s em pre s u a ca s a , u m lu ga r pa ra on de poderá volta r . Se a lgu m d ia n os s epa ra rm os por u m des en ten d im en to qu a lqu er , s e m e m a goa r , ou s e eu volta r a magoá-lo, com o já fiz, s a berei on de en con trá -lo ou fica rei es pera n do por você. E farei qualquer coisa por nós. Pela nossa felicidade.

Damien en goliu a em oçã o qu e desabrochava em s eu peito. Nã o es pera va uma declaração como essa, uma manifestação de total confiança e entrega.

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— Eu jamais a magoaria.

— Não deliberadamente, eu sei. Mas também sei que vamos discutir, vamos ter des en ten d im en tos . Se eu a ch a s s e qu e exper im en ta r ía m os a pen a s u m m a r de rosas e sexo glorioso, eu seria uma fêmea tola e ingênua.

— O que você não é — ele assegurou, com uma risada. — Glorioso, hum?

Ela riu, mordiscando-lhe o pescoço sensível.

— Como se o seu ego precisasse de afagos...

— Na verda de, eu n ã o es ta va pen s a n do n o ego... — Des lizou a s m ã os por s u a s cos ta s a té s egu ra r a s n á dega s firm es e a r redon da da s de m a n eira insinuante.

— Damien! — Ela r iu . — Es tou com fom e. — Os dedos con tin u a va m acariciando sua pele, se esgueirando pela barra da camisa de seda. — Damien...

Ele des lizou a s m ã os s ob o tecido, toca n do-a n o ven tre, n os s eios , deten do-s e n os m a m ilos , p ros s egu in do a té o pes coço e a n u ca . Qu a n do ele com eçou o caminho de volta, Syreena gemia, ofegante. Segurou-se aos ombros dele, sentindo os músculos sob seus dedos conforme ele se movia para afagar seu corpo.

— Também es tou fa m in to — ele m u rm u rou , pa ra n do pa ra beija r a pon ta de sua orelha. — Acho que meu apetite por suas guloseimas é insaciável, doçura.

— Eu já percebi.

Qu a n do tocou n ova m en te s u a s n á dega s , ele a t irou do ch ã o e colocou-a s ob re u m ba lcã o en cos ta do a u m a pa rede, a com oda n do-s e en tre s eu s joelh os . As m ã os con t in u a va m pa s s a n do por s eu corpo, des cen do pelo ven tre a té toca r a pele suave e sedosa entre as coxas. Ela tentou protestar, mas estava presa.

Ele des lizou os dedos pelo ca lor úmido de s u a in t im ida de, es t im u la n do a região sensível de forma incrivelmente habilidosa.

— Va m os a p la ca r s u a fom e, p r in ces a — ele m u rm u rou em tom s en s u a l e debochado.

Ela riu, um som rouco que era uma mescla de divertimento e prazer.

— Hum... Ainda está com fome? Vamos tentar outra coisa, então...

A m ã o livre s e fech ou em torn o de s u a n u ca , s egu ra n do-a de form a a impedi-la de des via r os olh os dos dele. Syreen a s en t ia a in va s ã o de s eu s pen s a m en tos e percepções . Por u m m om en to, foi com o s e ele exis t is s e den tro de s u a ca beça , m a s logo s u a con s ciên cia o a colh eu com o pa r te dela , oferecendo-lhe livre acesso.

No m es m o in s ta n te, Da m ien p la n tou den tro dela a percepçã o de s er toca d a em toda s a s pa r tes do corpo a o m es m o tem po. Era com o s e o s en t is s e em tod a a exten s ã o da pele, u m a ca r ícia giga n tes ca e p rovoca n te. Es trem eceu . A boca dele apoderou-se da s u a , s u foca n do s eu s gem idos com beijos a rden tes . Ele a m a n ipu la va com o s e es cu lp is s e u m a obra de a r te, dem on s tra n do con h ecer de m a n eira ín t im a lu ga res qu e a té bem pou co tem po a trá s ja m a is h a via m s ido toca dos . Mis tu ra va com perfeiçã o os m is tér ios do toqu e, do beijo e da fa n ta s ia ,

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envolvendo-a em s en s a ções qu e era m leves o ba s ta n te pa ra des a fia r a lei da gravidade. Habilidoso, ele se despiu e invadiu o santuário de seu corpo trêmulo.

Tê-lo den tro de s i levou-a a u m p ra zer exp los ivo. Gritou , a ga rra n do os om bros dele. Da m ien gru n h iu , m oven do-s e com ím peto a té ta m b ém a lca n ça r o á p ice, n o in s ta n te em qu e s en t iu os m ú s cu los s e con tra írem em torn o de s eu membro. Foi um clímax poderoso, duradouro e mútuo.

Logo, ela apoiou-se n ele, ten ta n do recu pera r o fôlego. Riu qu a n do ele a ret irou do ba lcã o e sentou-se com ela em u m ba n co, mantendo-se den tro dela e acomodando-a sobre as pernas.

— Que recanto mais aconchegante — ela provocou.

— Mu ito a colh edor , m es m o — ele res pon deu com m a lícia , m oven do a s sobrancelhas com lascívia.

Syreena riu até perder o fôlego.

No corredor , do ou tro la do da por ta da cozin h a , J a s m in e con t in u a va a poia da a u m a pa rede. Ela s e vira ra u m m om en to a n tes de s er vis ta , qu a n do Da m ien m u da ra de pos ição. Ele es ta va tã o en volvido com o n ovo b r in qu edo, qu e nem notara sua presença.

Com eça va a perceber qu e pa ga r ia u m preço m u ito a lto pela felicida de do m on a rca . Ta lvez n ã o im ed ia ta m en te, m a s n o fu tu ro p róxim o, s er ia força da a deixa r a qu ela ca s a . E era egoís ta dem a is pa ra s e p reocu pa r m a is com a felicida de dele do qu e com os p róp r ios in teres ses . Em u m p is ca r de olh os , a lica n tropo invadira seu mundo e mudara tudo.

Um piscar de olhos, contra cinco séculos de amizade.

E a piscada venceria sem fazer nenhum esforço.

Se fica s se, a ca ba r ia p rom oven do u m con fron to com Syreena, e n ã o s er ia u m a cen a bon ita de s e ver . Damien a a m a va , m a s es ta va apaixonado pela lica n tropo. Sen do a s s im , qu a lqu er cois a qu e a s du a s fizes s em pa ra fer ir u m a à outra acabaria por magoá-lo também.

E essa era uma consequência inaceitável.

Jasmine não conseguia conter as lágrimas.

O que faria sem ele?

Damien andava pela casa procurando por Jasmine. Syreena saíra em busca de algo para comer, mas prometera voltar logo. Ele seguiu o sentido que o impelia a ir p rocu ra r n a adega, u m lu ga r en cra va do n a roch a e tota lm en te s egu ro, ca s o s en tis s em n eces s ida de de ga ra n tir p roteçã o du ra n te o s on o. Só h a via u m a en tra da , qu e era in vis ível a os olh os h u m a n os . Ta m bém era n eces s á r ia gra n de força para remover e recolocar o portal de pedra que dava acesso ao local.

Ficou des a pon ta do a o con s ta ta r qu e J a s m in e h a via decid ido dorm ir a li. En ten d ia a des con fia n ça p rovoca da pela n ova p res en ça n a ca s a , e s a b ia qu e fa r ia o mesmo, se suas posições estivessem trocadas, mas não conseguia impedir certa tr is teza . Res olveu deixá -la des ca n s a r . Ter ia m ou tra s opor tu n ida des pa ra conversar.

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Voltou a o s a lã o, fech a n do a pa s s a gem pa ra a es ca da qu e con du zia a o s u b ter râ n eo da m a n s ã o. Sozin h o, s en tou -s e n o s ofá e viu s obre a m es a cen tra l o livro qu e ela estivera es tu da n do. Com tu do qu e h a via a con tecido, p ra t ica m en te es qu ecera a b ib lioteca . E es s a s m es m a s d is tra ções o im ped ia m de folh ea r o livro naquele momento. Preferia tomar um banho e trocar de roupa antes do retorno de Syreena.

J a s m in e es perou a té Damien en tra r n o ba n h o. En tã o, cor reu a té a s a la e resgatou o livro que ele nem chegara a abrir.

O volu m e era três vezes m a is velh o qu e ele e con t in h a exp lica ções pa ra m u ita s qu es tões com plexa s . Sim , es s a s dú vida s devia m s er es cla recida s n os ou tros livros da Bib lioteca Nightwalker, m a s a d iferen ça era qu e Damien não a pa recer ia por lá tã o cedo. Ele n ã o s e m os tra va m a is in teres s a do n es s a s in form a ções , n ã o precis a va m a is dela s e, por is s o, n ã o s e s en t ia com pelida a d ivu lga r o qu e es ta va des cobr in do. Se ele pergu n ta s s e d ireta m en te, a s itu a çã o s er ia ou tra . Ma s , por en qu a n to, gu a rda r ia com zelo o velh o com pên d io e s eu conteúdo.

O que Damien desconhecia não podia atingi-lo ou fazê-lo sofrer.

CAPÍTULO IV

A pen u m bra ga ra n t ia s u a s egu ra n ça , e Syreen a s egu ia a es tra da pa ra a

cida de s itu a da a lgu n s quilômetros a o s u l pelo litora l. Ter ia s ido u m a jorn a da m en os dem ora da , s e n ã o fos s e força da a ca m in h a r . Da m ien e os m is tra is con s egu ia m rea liza r a m eta m orfos e s em s e des p ir , porqu e a s rou pa s a com pa n h a va m a s n ova s form a s , m a s com os lica n tropos is s o n ã o era pos s ível. Por is s o, t in h a de ir a n da n do, ou correr ia o r is co de a terr is s a r n o m eio de u m a loja ch eia de h u m a n os ... com pleta m en te n u a . Us a va a s rou pa s qu e Da m ien h a via t ira do do a rm á rio de J a s m in e, e s e s en t ia pou co con for tá vel n a ca lça com prida e na blusa de seda. Como se não bastasse, Jasmine era mais alta que ela.

Com passos vigorosos e uma determinação inabalável, logo chegou à cidade litorânea, e lembrou por que preferia evitar as metrópoles humanas.

Eles era m m u itos ! Tu do era s em pre ch eio, ba ru lh en to... s u foca n te. E a popu la çã o h u m a n a cres cia a s s u s ta dora m en te, com o s u a ga n â n cia e a n eces s ida de con s ta n te de con s u m o. O p la n eta es ta va em r is co. O qu e poder ia proteger os Nightwalkers desse tipo de efeito avassalador? Essa era uma pergunta que nem os monges haviam conseguido responder.

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Na Rú s s ia , a polít ica e o clim a in ós p ito h a via m m a n tido a tundra e ou tros s is tem a s p rotegidos . Mes m o a s s im , a lgu m a s es pécies des a pa recia m ra p ida m en te de s u a s terra s , com o era o ca s o do t igre s iber ia n o. Se u m a cr ia tu ra tã o lin da era des res peita da e a s s a s s in a da s em clem ên cia , o qu e os h u m a n os poder ia m fa zer com os Nightwalkers que consideravam perigosos?

A con s idera çã o dos Nigh twa lkers pelos h u m a n os n ã o era corres pon d ida . Os ca ça dores qu e a torm en ta va m o povo de Da m ien e de Syreen a era m u m exem plo d is s o. A ú n ica defes a à d is pos içã o dos Nigh twa lkers era s eu en orm e e va r ia do poder . In felizm en te, h a via em con tra pa r t ida u m a fra qu eza qu e pod ia s er explorada com facilidade: a vulnerabilidade à luz do d ia . E tu do fica va p ior gra ça s a s écu los de folclore e m itos qu e os h u m a n os t in h a m cr ia do s obre eles . Ha via u m fundo de verdade em cada uma dessas histórias, o suficiente para causar grandes danos.

Qu a n do en trou n o m erca do, percebeu qu e tu do is s o a p reocu pa va porqu e, pela p r im eira vez, es ta va con s idera n do o qu e a con tecer ia em s eu fu tu ro. Su a s a p reen s ões s em pre t in h a m s e lim ita do a o qu e os ou tros es pera va m dela . Es s e círcu lo s e a m plia ra pa ra in clu ir os in teres s es de Sien a e s eu bem-estar havia qu in ze a n os . Agora , Da m ien ta m bém fa zia pa r te d is s o, e com ele vin h a m ou tros . Eles era m pa r tes in deléveis de s u a ps iqu e e de s u a s em oções e, por is s o, s e volta va pa ra cois a s rela cion a da s à s egu ra n ça de todos eles . Nã o era u m a pes s oa fr ia , com o m u itos pen s a va m . Era a pen a s in exper ien te com determ in a dos sentimentos.

Mu n ida de u m a ces ta de com pra s , com eçou a percorrer os cor redores do m erca do. Sen tia fa lta dos s is tem a s de ilu m in a çã o e refr igera çã o. Os lica n tropos a p recia va m os con for tos da vida m odern a , em bora vives s em em ca vern a s , m a s , des de qu e em ba ixa dores dos demônios e dos va m piros h a via m se m u da do pa ra o ter r itór io lica n tropo, Siena orden a ra qu e tu do volta s s e a s er com o a n tes , com iluminação a gás e sem nenhuma conveniência tecnológica. A química desses dois grupos n ã o com bin a va com tecn ologia . Os a p a relh os qu eim avam, exp lod ia m , en tra va m em cu r to ou s im p les m en te n ã o funcionavam. Agora qu e o demônio Elija h m ora va n a cor te lica n tropo, e con s idera n do qu e s eu n ovo pa rceiro era u m va m piro, ela s u pu n h a qu e s ó s e a p roxim a r ia de eletricidade em oca s iões com o a que estava vivendo agora.

Fez es colh a s rá p ida s , devora n do du a s m a çã s de u m a em ba la gem p ré-pesada antes mesmo de chegar ao caixa.

Din h eiro era u m con ceito in teres s a n te pa ra ela . Es ta va h a b itu a da a o es t ilo rea l, u m a vida n a qu a l tod a s a s n eces s ida des era m s u p r ida s e d in h eiro s e res u m ia a n ú m eros em u m a folh a de pa pel. En tregou o qu e Da m ien lh e h a via da do e recebeu olh a res in tr iga dos qu a n do r iu a o s en t ir o fr io da s m oeda s n a pa lm a da m ã o. Qu a n do s a iu do m erca do, a in da inspecionava a textu ra e a form a dos estranhos pedaços de metal.

De repente, todos os seus sentidos entraram em alerta.

Alguém a seguia.

Nã o devia fica r a la rm a da . Nã o era a s s im qu e Ru th e s u a gen te cos tu m a va m a gir , da n do à p res a a opor tu n ida de de perceber s u a p res en ça . Ma s es ta va

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des con fia da , porqu e s en tia qu e n ã o era u m h u m a n o qu e s e es gu eira va pela s sombras atrás dela.

Também não era Damien. Ela o teria reconhecido imediatamente, agora que eram como uma extensão do outro.

Ten s a , jogou a s m oeda s n a s a cola e tes tou o cós da ca lça . Se t ives s e de s e transformar rapidamente, como se livraria das roupas?

Segu iu ca m in h a n do, deixa n do o pers egu idor ra s t rea r s eu s pa s s os . Qu a n to mais o levasse para perto do território de Damien, melhor seria.

Era a lgu ém do s exo m a s cu lin o, e s e a p roxim a va . Es ta va qu a s e u lt ra pa s s a n do os lim ites da p rop r ieda de de Da m ien , qu a n do s en t iu a p res en ça invadindo seu espaço pessoal. Ainda faltava um bom trecho até a porta da casa, e era eviden te qu e ele p reten d ia con fron tá -la a n tes qu e pu des s e en tra r . O significado dessa urgência era claro: quem a seguia sabia bem onde estava.

Ela parou e se virou.

— Sei que está aí — disse.

Ele s a iu da s s om bra s im ed ia ta m en te. Era a lto e m a gro, pá lido e ru ivo. Sorriu e ergueu as mãos num gesto eloquente.

— Não quero lhe fazer mal nenhum. Estava apenas observando...

Um va m piro. Nã o o vira a n tes , m a s pod ia recon h ecê-lo pela fa lta de ca lor e pelos traços clássicos. Além do mais, ele não tinha pulsação discernível.

— Damien o mandou?

— Bem, de certa forma... Ele não me disse exatamente para ir atrás de você, porque sei que ficaria ofendida com a ideia...

— Tem ra zã o. E, m es m o s a ben do d is s o, decid iu correr o r is co de ofender-me?

— Nã o in ten cion a lm en te. Só es tou fa zen do o qu e qu a lqu er a m igo do príncipe faria para proteger seus outros... amigos.

Nin gu ém a lém de Da m ien e J a s m in e s a b ia s ob re s eu rela cion a m en to com o p r ín cipe. En tã o... Algu ém h a via m a n da do o ta l va m piro s egu i-la . Da m ien ? Ou Jasmine?

Jasmine mal reconhecia sua presença na casa, então...

Doía des cobr ir qu e Da m ien n ã o con fia va n ela , qu e n ã o a con s idera va ca pa z de cu ida r de s i m es m a . Era es s a a im pres s ã o qu e da va ? Sim , s a b ia qu e ele fora força do a res ga tá -la , e qu e n ã o dem on s tra va gra n de ca pa cida de pa ra fa zer escolhas, mas acreditava que ele a conhecia um pouco melhor.

— Quem é você?

— Nicodemus. Mas todos me chamam de Nico.

— Bem , Nico, es tou cu r ios a pa ra s a ber a té on de leva rem os es s a brincadeira.

— Brincadeira? — Seu desconforto era evidente.

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— Sim . Va m os en tra r ju n tos , ou va m os fin gir qu e m eu pr ín cipe con s egu iu me proteger sem que eu percebesse?

— Seu... — Ele rela xou e s or r iu . — Seu p r ín cipe fica r ia a borrecido s e n os visse entrando juntos na mansão.

— Nes s e ca s o, creio qu e deve volta r pa ra a s s om bra s . — Ela s e virou pa ra entrar.

— Mas... — Nico a s egu rou pelo b ra ço. — Ma s eu n ã o gos ta r ia de m en tir para ele.

Syreena olh ou com a r de reprova çã o pa ra os dedos s ob re s u a pele s en s ível. O va m piro n ã o en ten deu o olh a r e con t in u ou s egu ra n do s eu b ra ço. Ela s orr iu , encarou-o e a cer tou s eu n a r iz com o pu n h o fech a do, em prega n do ta n ta força n o golpe qu e foi pos s ível ou vir o s om do os s o s e qu ebra n do. Em s egu ida , la rgou a bols a de com pra s , u s a n do o b ra ço qu e ele s egu ra va pa ra torcer o dele, gira n do o corpo em s en tido con trá r io a té o va m piro gr ita r e ca ir de joelh os . Con clu iu o a ta qu e com u m a joelhada n a n u ca da vít im a . Nico ca iu , e ela p is ou em s u a s costas para imobilizá-lo.

— Agora , p res te a ten çã o: pos s o a r ra n ca r s u a ca beça do pes coço com u m m ovim en to s im p les e rá p ido, s e eu qu is er , m a s p refiro lh e da r a ch a n ce de explicar por que estava me seguindo.

— Já disse, eu...

Ela a u m en tou a p res s ã o. Sen t iu a s m ã os s egu ra n do s eu torn ozelo, m a s ele teria uma ingrata surpresa, se acreditava ser capaz de superá-la.

— Es ta va s egu in do a m u lh er do p r ín cipe va m piro, e decid iu a bordá -la pou co a n tes da en tra da da ca s a , qu a n do a in da pod ia m a n tê-la fora da á rea de telepa t ia de Damien? Ele poder ia s en tir m in h a p res en ça e a s u a , m a s n ã o s a ber ia que estava me ameaçando. E tudo isso foi só uma coincidência?

Mais pálido que antes, o vampiro a encarou com surpresa.

— Você não é humana!

— Uau! — ela excla m ou , zom ba n do da con s ta ta çã o, va m piro devia s er jovem dem a is pa ra perceber a d iferen ça en tre h u m a n os e lica n tropos com s u a vis ã o de in fra verm elh o. E ju ven tu de s em pre a n da va de m ã os da da s com a m biçã o. E es tu p idez. — Ach ou qu e o p r ín cipe es ta va fra qu eja n do, n ã o é? Ma s a in da es tou cu r ios a . O qu e es pera va ob ter de m im ? Nã o p ode s er o tron o. O qu e p la n eja va fa zer? Us a r-m e pa ra ba ter n a ca beça dele? — Era eviden te qu e ele n ã o t in h a u m plano. — Em dez s egu n dos , você es ta rá livre. Em s eu lu ga r , eu leva r ia em con s idera çã o a lgu n s fa tores . Pr im eiro, pos s o correr m u ito m a is d o qu e você. Segu n do, s e m e pega r , eu n ã o s erei tã o gen t il ou t ra vez. E terceiro e ú lt im o fa tor , se eu encontrar uma única maçã amassada naquela sacola, posso mudar de ideia e arrancar sua cabeça. Por isso, sugiro que corra. Muito.

E la rem oveu o pé, e o va m piro s e a r ra s tou pa ra lon ge, leva n ta n do-s e com gra n de d ificu lda de e olh a n do em s u a d ireçã o com o s e p reten des s e d izer a lgu m a coisa. Mas ela já se abaixava para pegar a sacola de compras.

Nico correu muito.

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— Cria n ça s ... Nã o s e pode viver s em ela s , e n ã o s e pode m a tá -la s a té qu e cresçam...

Syreen a s e virou a o ou vir o com en tá r io em voz gra ve. Um m om en to depois , u m s egu n do va m piro a a ga r ra va pelo pes coço com força des com u n a l. Ele era m u ito m a is a lto qu e Damien, e a t irou do ch ã o p a ra ergu ê-la a té a a ltu ra de s eu s olh os . Ela ten tou s e liber ta r , m a s n ã o con s egu iu . O va m piro qu e a a ta ca va a gora era adulto, dono de indescritível poder.

— Precis a perdoa r m eu filh o — ele d is s e com u m s orr is o gela do. — Ele tem a a m biçã o do pa i, m a s é fra co com o a m ã e. Felizm en te, foi a s tu to e s e a p res en tou com m eu n om e. Você ter ia d ito a o p r ín cipe qu e Nico a s egu iu . Damien ter ia vin do a trá s de m im , en qu a n to ele s e es con der ia em a lgu m lu ga r . Um a lica n tropo? Escolha interessante...

Nico a pu xou pa ra m a is per to, e a s pern a s dela s e ch oca ra m con tra o corpo do vampiro, que a inspecionava como se examinasse uma boneca de pano.

Syreen a s a b ia qu e n ã o poder ia pa s s a r m u ito m a is tem po s em res p ira r . Tin h a de s e s a lva r , e n ã o pod ia s u perá -lo u s a n do força b ru ta , com o fizera com o filh o. Ter ia de recorrer à in teligên cia e a o con h ecim en to a cu m u la do em déca da s de estudo.

— Is s o m es m o. O qu e u m lica n tropo a p ren de s obre com o m a ta r u m vampiro?

Droga ! Ele pod ia ler s u a m en te. Tin h a de s er m a is cu ida dos a . Se pod ia ler seus pensamentos, também seria capaz de manipulá-los.

— Ca s o es teja cu r ios a , n ã o p reten do u s á -la pa ra ba ter n a ca beça do príncipe — Nico con tin u ou com s eren ida de. — Só pa ra a tra í-lo pa ra fora da ca s a . Pos s o cu ida r de Da m ien . Ma s de Da m ien e de J a s m in e já é u m a s itu a çã o bem d iferen te. In felizm en te, ela n ã o des gru da do p r ín cipe. Su pon h o qu e poder ia tê-la usado e poupado você de tudo isso, mas ela é uma praga. De qualquer maneira, o qu e ela qu er é poder . A iden t ida de do p r ín cipe n ã o im por ta , des de qu e ela fa ça parte da residência real. E Damien deve tirar proveito dessa ambição desmedida... en tre u m a pa ixã o e ou tra , qu ero d izer . En tre liga ções com o a qu e m a n tém com você.

Syreen a n ã o en ten dia por qu e a s pes s oa s gos ta va m de fa la r ta n to qu a n do es ta va m ten ta n do m a ta r a lgu ém . Ela leva n tou os dois pés e u s ou o peito do vampiro como base para executar um salto mortal para trás.

Segu ra r u m objeto em rota çã o cer ta m en te qu ebra r ia s eu pu ls o e, por is s o, ele a s oltou . Syreen a aterrissou em pé, res p ira n do pela p r im eira vez em vá r ios minutos.

O va m piro s e recu pera va ra p ida m en te da s u rp res a . Ela a ga rrou o objeto m a is p róxim o, s u a s a cola de com pra s , e girou-a, acertando-o n a ca beça com força.

Nico os cilou a o receber o golpe, ch oca do com s u a velocida de e com a força de s eu s m ú s cu los . Ma s Syreen a s a b ia qu e n ã o t in h a ch a n ce de ven cê-lo n u m confronto direto, e teria ainda menos oportunidades se desse a ele a possibilidade de brincar com sua cabeça.

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Por is s o, ela cor reu . En qu a n to corr ia e s en tia a p res en ça do opon en te ca da vez m a is p róxim a , decid iu recorrer a u m a m edida des es pera da . Sem s e deter , ra s gou a b lu s a e s a ltou de den tro da ca lça já n o m eio da tra n s form a çã o. Qu a n do a ga rrou s eu b ra ço, o va m piro s egu rou a pen a s u m pu n h a do de pen a s . Ele levitou , ga n h a n do a lt itu de, m a s , s en do m en or e m a is veloz, ela con s egu iu a u m en ta r a d is tâ n cia qu e os s epa ra va . Ma s s a b ia qu e s er ia por pou co tem po, con s idera n do o grande poder do adversário.

De repen te, s u a a s a d ireita s e ch ocou con tra u m objeto s ólido. A dor dom in ou o fa lcã o, gira n do-o n o a r . Syreen a percebeu qu e h a via ba t ido con tra u m a á rvore. O va m piro m a n ipu la ra s u a m en te, convencendo-a de qu e ga n h a ra m a is a lt itu de do qu e rea lm en te h a via a lca n ça do, in du zin do-a a ir de en con tro a u m ga lh o. Mes m o a s s im , ela con s egu iu s e m a n ter n o a r com a a s a ín tegra , m a s girava em círculos descendentes em função da imobilidade de seu lado direito.

Des equ ilib ra da e fer ida , ca iu s obre o leito de folh a s s eca s do bos qu e em torn o da m a n s ã o. Nico ta m b ém aterrissou. A p r in ces a n em con s egu iu s e m over antes de ser alcançada.

E dessa vez não teria nenhuma vantagem. O vampiro a invadia com o pavor qu e pod ia p la n ta r n a a lm a da p res a . Syreen a rela xou e s e deixou dom in a r pela s reações n a tu ra is p rovoca da s pelo pâ n ico. Um a for te des ca rga de a dren a lin a invadiu seu sistema, alterando o equilíbrio químico do organismo.

Da m ien foi a t in gido em ch eio pelo pa vor de Syreen a . Ch oca do, ele s e virou com ta n ta violên cia qu e der ru bou u m a es tá tu a de m á rm ore, ca u s a n do for te es tron do. Ha via em s u a m en te u m terror tã o a bs olu to, qu e por cerca de vin te segundos ele não conseguiu enxergar nada.

Ma s , recu pera do, com preen den do o qu e a con tecia , cor reu pa ra fora da mansão, atravessando o bosque como uma sombra negra.

Não devia ter se descuidado. Sabia que eles estavam por perto.

Ma s n ã o im a gin a ra qu e in com oda r ia m Syreen a , u m a vez qu e n in gu ém tinha conhecimento da importância da licantropo em sua vida. E agora ela pagava caro por sua falta de cautela.

Fu r ios o, ele s a ltou s ob re Syreen a e u s ou a força do corp o pa ra a t in gir o va m piro qu e a a ta ca va . Os dois ca íra m n o ch ã o lon ge dela , o qu e h a via s ido s u a intenção inicial. Nico caiu de costas, e Damien não perdeu tempo. Ágil, fincou um joelho no peito do inimigo, pressionando-lhe as costelas e imobilizando-o.

— Nico, s eu ba s ta rdo m is erá vel, vou m a ta r você por ter toca do n ela ! — As p res a s exp lod ira m e ele rugiu, en ter ra n do u m pu n h o n o pes coço do a dvers á r io. Su a in ten çã o era a r ra n ca r a ca beça do va m piro com a s m ã os , m a s Nico era poderoso demais para permitir isso. Ele reagiu, jogando o príncipe contra o tronco de uma árvore. O som da madeira golpeada ecoou por toda a área.

Nico levantou-s e e a va n çou , tom a do por u m a fú r ia in s a n a , exib in do os ca n in os a lon ga dos , u rra n do. Porém , a n tes qu e pu des s e a lca n ça r o p r ín cipe, foi a t ropela do por u m ra io de ca belos ca s ta n h os e cin zen tos . A m u lh er de Damien era forte para o tamanho que tinha, e, mais importante, era astuta. A licantropo o a t in giu n a pa r te de trá s dos joelh os , der ru ba n do-o. Nico ca iu em cim a dela , e aproveitou a confusão momentânea para tentar agarrá-la pelos cabelos.

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Porém , s u a s m ã os con t in u a ra m va zia s , exceto, ta lvez, por du a s mechas, qu e ele s oltou pa ra in ves t ir n ova m en te con tra Damien. O p r ín cipe es ta va em pé e pronto para enfrentá-lo.

Nico t irou do ca n o da bota u m a fa ca cu r ta e encurvada e a ta cou o adversário.

A m ã o de Damien s e m oveu com velocida de im percep tível, des a rm a n do o opon en te a n tes qu e ele pu des s e cor ta r s u a ga rga n ta . A lâ m in a fer iu s u a m ã o, mas agora ele estava armado.

Nico s a b ia qu e a qu a n t ida de de s a n gu e der ra m a do determ in a va ven cedores e perdedores , e já con s egu ira t ira r o p recios o líqu ido do corpo do p r ín cipe. A m ã o dele s a n gra va . Mu n iu -s e de ou tra fa ca qu e leva va n a ou tra bota e a ta cou com velocidade espantosa.

Damien s en tiu a per fu ra çã o n o la do es qu erdo do corpo, n o ba ixo-ventre, m a s n ã o s e deixou deter . Na verda de, perm itiu o a ta qu e pa ra poder pa s s a r u m b ra ço em torn o do pes coço do opon en te. A lâ m in a pen etrou a in da m a is p rofu n da m en te em s eu corpo qu a n do ele pu xou o in im igo con tra o peito, enterrando a faca em suas costas.

Nico gru n h iu de dor , m a s os dois va m piros s e a fa s ta ra m a in da a rm a dos . Damien sentia o sangue ensopando a camisa e a cintura da calça, mas ignorava a fer ida . Em u m a ba ta lh a en t re va m piros , o perdedor era s em pre a qu ele qu e ced ia a o m edo de perder s a n gu e. A d is t ra çã o p reju d ica va a s h a b ilida des de lu ta , e era difícil de evitar.

Damien n ã o vivera a té os 974 a n os ceden do a es s a s fra qu eza s . Es s a era a pa r te p r in cipa l de s eu poder : n ã o s en t ia m edo. Nã o s e p reocu pa va com a possibilidade da morte.

Os va m piros s e ch oca va m em m ú lt ip la s in ves t ida s , a r ra n ca n do s a n gu e u m do ou tro. Damien olh a va fixa m en te n os olh os de Nico. Ma n ipu la r a m en te do in im igo era u m gra n de feito n es s e t ipo de ba ta lh a . E ta m bém era p ra t ica m en te impossível, porque todo oponente se mantinha atento a essa possibilidade.

Mas Damien não era um vampiro normal.

Nico atacou, mas o príncipe desapareceu diante de seus olhos. Sentindo um tru qu e, ele s e virou , ten ta n do qu ebra r a ilu s ã o e loca liza r o a dvers á r io. Tu do qu e viu foi o falcão voando sobre sua cabeça.

De repen te, Nico s en tiu o corpo exp lod ir da s cos ta s pa ra o peito, dom in a do por u m a dor in im a gin á vel. Ch oca do, viu o ga lh o qu e b rota va de s eu peito provocando um jato de sangue.

Virando-s e, ele a rra n cou a ou tra extrem ida de do ga lh o da s m ã os de s eu a ta ca n te. A lica n tropo a in da t in h a en tre a s m ã os a lgu m a s folh a s , e s eu s a n gu e manchava a pele nua e acetinada.

Nico olh ou pa ra cim a , ten ta n do loca liza r o fa lcã o. A ilu s ã o s e des fez, e ele identificou Damien n o corvo qu e s obrevoa va o loca l, a tra in do s u a a ten çã o pa ra que a licantropo pudesse atacá-lo pelas costas.

Derrota do, cor ren do r is co de m or te, Nico ba teu em ret ira da . O ga lh o qu e a tra ves s a va s eu corpo ia s e ch oca n do con tra t ron cos de á rvores e ou tros ga lh os ,

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p rovoca n do u m a dor h orr ível a té ele s e ergu er a cim a da s copa s fron dos a s . Mas ele n ã o s e detin h a . Damien ta m bém h a via des a pa recido, e s a b ia qu e ele n ã o o deixaria escapar com a cabeça sobre os ombros, se o pegasse.

Ma s ele n ã o p recis a va ter s e p reocu pa do, porqu e a p r in cipa l p reocu pação de Damien era Syreena. Ela perdera m a is a lgu m a s pen a s e fra tu ra ra u m bra ço, mas ia ficar bem. Carregando-a, ele a levou para casa.

— É u m a fra tu ra — d is s e Gideon, u m velh o dem ôn io do Corpo e m éd ico competente. — Com o s a be, n ã o pos s o cu ra r lica n tropos , m a s pos s o im ob iliza r a fratura e deixar seu organismo cuidar do resto.

— Fico feliz por tê-la trazido para casa, Damien — Siena confessou aliviada.

— Bem , com dois de n ós t rês fer idos , a ch ei qu e es s a era a m elh or alternativa — disse o vampiro, sentando-se ao lado da cama de Syreena.

— Isso é ridículo! Ele está muito mais ferido que eu — Syreena protestou.

— E perdeu s a n gu e da Ca lifórn ia a té a qu i — Jasmine a cres cen tou em tom seco.

— Gideon já conteve a hemorragia.

— Ma s você p recis a ca ça r — in s is t iu J a s m in e. — Es tá fr io com o a m or te e fraco como uma criança!

— Irem os a s s im qu e Gideon term in a r s eu t ra ba lh o por a qu i. Até lá , n ã o quero sair de perto de Syreena.

— Ela não vai morrer se você sair de perto.

— Chega, Jasmine.

Ela s e ca lou , con s tra n gida e fu r ios a com a a t itu de in com preen s ível e pou co p rá t ica do p r ín cipe. Syreen a a ta ca ra u m dos m a is tem íveis in im igos de Damien, litera lm en te com u m b ra ço a ta do! Em bora o m ito da es ta ca n o peito fos s e in ver íd ico, porqu e n ã o ca u s a va a m orte in s ta n tâ n ea , h a via n ele u m fu n do de verda de. Ao rem over o ga lh o qu e o atravessara, Nico poder ia s a n gra r a té a m or te. A p r in cesa p rova velm en te o elim in a ra . Sen do a s s im , ela n ã o era u m a cr ia tu ra frá gil ou d elica da . Nem poder ia , porqu e Damien n ã o ter ia s e en ca n ta do com u m a mulher desse tipo.

Sacrificar sua saúde por causa de um braço quebrado era ridículo.

— Se não quer sair daqui, pelo menos se alimente — ela disse, afastando os cabelos do pescoço.

— Jasmine.

O a vis o de Damien veio a pen a s u m s egu n do a n tes qu e u m grunhido predatório e ameaçador surgisse da mulher deitada na cama.

J a s m in e olh ou pa ra a p r in ces a e leu o a vis o em s eu corpo ten s o. Ela a expulsava do território que delimitara e marcara como dela.

Sua propriedade.

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Com o s e a treve a in terferir? Quem ela pen s a que é? Apoiei e s us ten te i Damien d uran te tod a a m in h a vid a!

— Faça como quiser — Jasmine disparou irritada antes de se retirar.

Assim que ela desapareceu, Syreena olhou para o parceiro.

— Desculpe. Não sei por que fiz isso.

— Sabe — Sien a in ter fer iu . — Eu fa r ia o m es m o se u m a m u lh er s e oferecesse para Elijah na minha frente. Ela foi insensível.

— Nã o. E la foi p rá t ica , a pen a s — Damien a corr igiu . — Com o s em pre. Syreena e ela têm em comum essa característica, essa objetividade. Além do mais, ela es tá con fu s a com tu do qu e a con teceu n os ú lt im os d ia s . — Decid iu en cerra r o assunto. — Tem certeza de que ela vai ficar boa, meu amigo?

— O b ra ço s ofreu u m a fra tu ra . O h em a tom a é feio, eu sei, m a s va i des a pa recer qu a n do o os s o cola r . Se n ã o con fia em m im , ta lvez deva p rocu ra r u m dos monges que praticam a cura.

— Con fio em você. Foi s ó u m a pergu n ta , e você ta m bém s e p reocu pa r ia , s e tivesse de colocar a saúde de Magdalegna em outras mãos. Todos os Nightwalkers protegem suas esposas com a própria vida, se for necessário.

Elija h a s s is t ia à cen a em s ilên cio. Se a u n iã o en tre u m dem ôn io e u m a lica n tropo h a via s ido d ifícil, en tre u m a lica n tropo e u m va m piro s er ia praticamente impossível!

Siena também estava preocupada.

Nos s o povo aceitará d ois con s ortes d e raças d iferen tes para a rain h a e a princesa? Aind a nem s ei s e você foi com ple tam en te aceito!

Minh a preocupação vai além d is s o, ga tin h a. Os vam piros pod em ten tar m atar o príncipe, quando souberem que ele tomou uma licantropo por parceira.

Por quê? Os vam piros n ão têm n ad a con tra nós !

Vam piros têm poucas regras na v id a, S ien a, e por is s o res peitam as que têm . Por algu m a raz ão, es s as le is proíbem que Damien s e alim en te d e s u a irm ã. Jun te a is s o a im ens a gan ância por pod er e pela pos ição que Damien ocupa, e vai perceber que a s egurança d o príncipe es tá em risco.

En tão, s e ficarem aqu i, e les en fren tarão cen s ura e hos tilid ad e. E s e forem para lá , en fren tarão o m es m o ou pior.

Elija h olh ou pa ra o p is o de ped ra , s em poder con s ola r a es pos a n a qu ele aposento cheio.

S e m e tocas s e agora, eu com eçaria a chorar com o u m a criança.

Eu s ei. E a ún ica cois a que m e m an tém afas tad o d e você.

Siena virou a cabeça, sentindo as lágrimas arderem em seus olhos.

— Ga tin h a , va m os deixa r o m édico cu ida r dos pa cien tes — Elija h d is s e de repente.

O ca s a l s a iu do qu a r to. Do la do de fora , Elija h a b ra çou Sien a e deixou -a chorar em seu ombro toda a angústia que ela enfrentava pelo futuro da irmã.

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Syreena dorm ia com a ca beça a poia da n o peito de Damien. Nes s e m om en to de tranquilidade, o p r ín cipe refletia s obre a s du ra s es colh a s qu e ter ia de fazer. Jasmine, por exem plo. Nã o s er ia a corda em u m ca bo-de-gu erra en tre a s du a s m u lh eres m a is im porta n tes de s u a vida . Precis a va en con tra r u m a s olu çã o pa ra es s e con fron to, e t in h a de s er rá p ido. Sa b ia qu e Syreen a ja m a is o p res s ion a r ia pa ra qu e es colh es s e en tre ela , s eu gra n de a m or, e J a s m in e, s u a m elh or a m iga . Ma s J a s m in e n ã o es ta va a cim a d is s o. A n a tu reza dos va m piros era ba s ica m en te egoís ta . O qu e n ã o en ten d ia era por qu e a va m pira s e s en t ia a m ea ça da a gora , depois de terem con vivido du ra n te cin co s écu los . O qu e a leva va a pen s a r qu e tudo mudaria de repente?

Ta m bém h a via perceb ido a qu e t ipo de per igo es ta va expon do Syreen a . As ações agressivas de Nico abriram seus olhos para a realidade. Estava habituado a lu ta r pelo t ron o, porqu e es s e era u m fa to da vida , m a s n ã o pod ia m a is s e da r a o lu xo de s er in d iferen te qu a n to a is s o. Nã o t in h a m edo de m orrer . Ma s a gora p recis a va con s idera r os in teres s es de Syreen a ta m bém . Nã o s u por ta va a ideia de fazê-la sofrer. E, apesar de ela não ter dito nada ainda, sabia que ela o amava.

Além d is s o, com o telepa ta qu e era , s en tira o in tercâ m bio ocorr ido h a via pou co en tre Elija h e Sien a . Sa b ia qu e a ra in h a tem ia pela felicida de da irm ã e a n tecipa va cer to des con ten ta m en to de s eu povo. Es s a pos s ib ilida de era a ra iz do maior conflito de Syreena nesse momento.

Ca n s a do e fa m in to, Damien decid iu a proveita r qu e ela dorm ia pa ra ca ça r . Volta r ia o m a is dep res s a pos s ível, revigora do e p ron to pa ra a poiá -la em s u a recuperação.

Nico es ta va fu r ios o. Tra n s torn a do. Se con s egu is s e pôr a s m ã os n a qu ela vers ã o lica n tropo de meretriz, n ã o h es ita r ia em u s a r s u a fa ca m a is a fia da pa ra cortá-la em dezenas de pedaços.

In felizm en te, pa ra is s o ter ia de s obreviver à rem oçã o do ga lh o cra va do em seu corpo.

Depois da lu ta , refu gia ra -s e n o des er to de Neva da , porqu e a li en con tra r ia a reia em qu a n t ida d e s u ficien te pa ra p reen ch er o bu ra co qu e a rem oçã o do ga lh o a b r ir ia . Depois d is s o, en con tra r ia u m a b r igo pa ra es ca pa r do s ol e de h u m a n os e animais, e se entregaria ao torpor durante o período de cura.

Sa n gu e fres co era s em pre u m excelen te fortificante, mas n ã o poder ia ca ça r naquelas condições. Teria de se contentar com o torpor. Dormiria e refletiria sobre o que dera errado. Havia algo de muito estranho na situação.

Um va m piro s e deita n do com u m a lica n tropo era in u s ita do, mas Damien h a via beb ido o s a n gu e da Nightwalker. Ma is de u m a vez, s e in terp reta ra bem a s m a rca s n o pes coço dela . Ha via m u itos va m piros qu e t ira r ia m p roveito des s a informação. Talvez pudesse explorar essa vantagem mais tarde.

Mas havia algo além disso. Era velho e experiente demais para não perceber quando coisas estranhas estavam acontecendo. O truque do falcão e do corvo, por exemplo. Como era possível?

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E Cyril... Seu p rópr io filh o o a ba n don a ra . Fu gira com o u m h u m a n o cova rde. O ra pa z era a m bicios o, m a s n ã o t in h a in telecto ou cora gem . De on de havia tirado a ideia de que poderia superar Damien, o príncipe dos vampiros?

— Precisa de ajuda?

Ajoelh a do n o ch ã o de a reia , s egu ra n do o ga lh o com a s du a s m ã os , Nico olh ou pa ra cim a . Es ta va tã o es gota do e depa u pera do pela dor e pela perda de flu idos es s en cia is , qu e n em ou vira a a p roxim a çã o da des con h ecida qu e o a borda va . Ela era a lta , jovem , lou ra e m u ito bon ita . A pele b ron zea da a tes ta va qu e n ã o era va m piro, m a s a a t itu de in d iferen te d ia n te de s u a con d içã o s u ger ia tratar-se de uma Nightwalker.

Ela o fita va com olh os a zu is e fr ios , dem on s tra n do in teligên cia e tota l fa lta de temor. A mistura o intrigou.

— Posso ajudá-lo — ela sussurrou.

— E cer ta m en te va i qu erer a lgo em troca . Obr iga do, m a s pos s o cu ida r de mim mesmo.

— Não m e refer ia s ó a es s a boba gem . — Ela r iu , a pon ta n do pa ra o ga lh o atravessado em seu peito.

— En tã o, fa le de u m a vez o qu e qu er , e s eja rá p ida . O tem po é im porta n te aqui.

— Posso ajudá-lo a conseguir o que quer. Posso lhe dar a cabeça de Damien em uma bandeja de prata. E com o coração de uma licantropo ao lado.

— Quem é você? — perguntou, intrigado.

— Apen a s a lgu ém qu e s a be com o Damien o der rotou . Algu ém qu e pode torná-lo m a is for te do qu e ja m a is im a gin ou s er pos s ível. Sou s eu verda deiro a n jo, Nico.

Ela agarrou o galho e o puxou com força.

Nico gr itou , e s eu u r ro foi ou vido por toda s a s cr ia tu ra s do des er to. Tom a do pela dor , ele a ga r rou a m u lh er e a jogou n o ch ã o de joelh os . Perd ia s a n gu e s u ficien te pa ra m orrer em pou ca s h ora s , m a s a n tes a es pa n ca r ia por tê-lo surpreendido daquela maneira.

Ela r iu . Depois , tocou com dois dedos a fer ida a ber ta e com eçou a s u s s u rra r pa la vra s qu e ele n ã o com preen d ia . A m u lh er m is tu ra va la t im , á ra be, e m a is t rês id iom a s qu e ele iden tificou im ed ia ta m en te. O res ta n te era des con h ecido para o vampiro.

Nico s en t ia a fer ida s e fech a n do s ob s eu s dedos , com eça n do pelo cora çã o e seguindo na direção da pele.

— Você é um demônio — ele acusou.

— Humm...

— E es tá u s a n do m a gia . Nã o é cen s u ra da por is s o? — Ao vê-la r ir , prosseguiu: — Ah, já sei. Seria censurada... se eles soubessem.

O en con tro era m u ito in teres s a n te do pon to de vis ta de Nico. Pelo qu e a des con h ecida revela ra a té a qu ele m om en to, era eviden te qu e ela qu er ia s e vin ga r

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de Damien ou da lica n tropo. Prova velm en te a s s is t ira a o con fron to en tre eles e o s egu ira a té a li p rocu ra n do por u m a lia do. E, a pa ren tem en te, es ta va d is pos ta a tudo para conquistá-lo.

Com o s e pu des s e ler s eu s pen s a m en tos , ela o s egu rou pelos ca belos , beijando-o n a boca com u m a vora cida de es pa n tos a . Es frega va o corpo n o dele de form a p rovoca n te, ten ta n do-o, a té qu e, tom a do pela s en s u a lida de n a tu ra l dos vampiros, Nico reagiu e correspondeu. Então, ela se afastou.

— Quer saber como Damien conseguiu tanto poder de repente?

— Eu adoraria...

Ela afastou os cabelos e inclinou o pescoço, chamando-o a mordê-la.

— Bom apetite — Ruth murmurou com um sorriso transtornado.

Jasmine olh ou em volta , cer t ifica n do-s e de qu e n ã o h a via es qu ecido n a da . Era m pou ca s a s cois a s qu e des eja va leva r . Ao la do da bols a com a lgu m a s rou pa s estava o livro qu e tom a ra da b ib lioteca . O t ítu lo es cr ito em vampyr, o idioma mais antigo de sua raça, dizia apenas Razão.

Um títu lo tã o m odes to pa ra u m tóp ico tã o p rofu n do. Na s ú lt im a s qu a ren ta e oito h ora s , n ã o fizera n a da a lém de exa m in a r e reexa m in a r a p rópr ia ra zã o, tom a da p ela s en s a çã o de es ta r pen s a n do em círcu los , d ila cera da en tre lógica e em oçã o. Sen t ia -s e com o u m a cr ia n ça ch ora n do porqu e ou tra cr ia n ça pega ra s eu b r in qu edo, en qu a n to u m a du lto a cen s u ra va e exp lica va por qu e ela devia compartilhar.

Ha via d ivid ido Damien com s u a s m u lh eres a n tes . Por qu e des s a vez era tã o difícil?

— Porque ela não é vampiro e não entende o nosso jeito — ela explicou para o silêncio da mansão.

Um a lica n tropo p od ia en ten der com o va m piros com pen s a va m téd io e s olidã o com u m a in t im ida de de toqu e qu e n a da t in h a a ver com s exo? A pr in cesa a ceita r ia qu e ela e Damien pa s s a s s em o d ia todo tra n ca dos em u m côm odo, simplesmente conversando, como costumavam fazer antes?

Se term in a s s e de fa zer a s m a la s e pa r t is s e, qu em es ta r ia fer in do? Damien e ela m es m a , a pen a s . Syreena ja m a is com preen der ia a p rofu n d ida de des s a m u da n ça n a d in â m ica da ca s a . Su a pa r t ida em n a da a a feta r ia . A m en os qu e s ofres s e com o s ofr im en to de Damien, o qu e s ign ifica r ia qu e ela rea lm en te s e preocupava com ele.

E isso era o que Jasmine não queria aceitar.

Sua mente cansada focou o segundo dilema de ação e consequência. Dentro da qu ele livro es ta va a p rova qu e Damien qu er ia , a s ra zões e a s consequências pela s qu a is va m piros evita va m , ou m elh or , era m veem en tem en te con trá r ios a s e alimenta r de ou tros Nightwalkers. Pa r te do qu e lera con firm a va a s s u s peita s de Damien e res u m ia tu do qu e ele qu er ia ou vir . A in form a çã o o liga r ia a in da m a is à licantropo, se isso fosse possível.

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Ma s todo es s e m a ter ia l ta m bém exp lica va por qu e s e en volver com ou tros Nigh twa lkers s e torn a ra ta bu em s u a s ocieda de. A lógica do a rgu m en to era tã o in con tes tá vel, qu e poder ia a fa s ta r Damien de s eu s u pos to a m or e, com s or te, conduzi-los de volta à pacata rotina de antes.

Ma s J a s m in e od ia va rot in a e n orm a lida de. Ha via du a s s em a n a s s e preparara para buscar o subterrâneo e lá ficar por um século. Agora estava diante de in ú m era s pos s ib ilida des de a ven tu ra . Ma s devia pôr em r is co o bem -es ta r de Damien pelo p róp r io en treten im en to? Nã o qu e o per igo fos s e defin it ivo. Se fos s e, ela não hesitaria em agir. Afinal, Damien estava acima de tudo.

Morreria por ele.

E es s a s p er igos a s verda des e consequências ta m bém poder ia m m orrer . Por exem plo, s e a b ib lioteca des m oron a s s e, s e qu eim a s s e a té vira r cin za s , e s e n ela es t ives s e o livro qu e a gora repou s a va s ob re s u a ca m a ... Um a toch a per to de u m livro... Todos os segredos retornariam à tumba de onde nunca deveriam ter saído. E ninguém perderia nada. Se haviam sobrevivido por tanto tempo sem eles...

Sobrevivido. Meramente sobrevivido.

E o volu m e tã o ch eio de in form a ções poder ia levá -los a u m a exis tên cia muito mais plena e bela do que a sobrevivência vazia que conheciam.

Estava de volta ao início. Círculo completo. De volta ao zero.

Com toda a s u a ida de e exper iên cia , n ã o con s egu ia decid ir o qu e fa zer com u m livro es tú p ido e u m a m u lh er pequ en in a ? Se Damien s e ca s a s se com Syreen a , ela s er ia s u a rainha! Jasmine s er ia s ú d ita de u m a cr ia tu ra qu e n em im a gin a va como poderia beneficiar a raça dos vampiros.

E, ca s a do com ela , Damien n ã o poder ia p res cin d ir de s u a a ju da . Deixá -lo o torn a r ia dom es tica m en te vu ln erá vel. Stephan, ch efe da s força s de lu ta de Damien, era muito competente para lidar com outras raças e caçadores humanos, m a s n ã o o ju lga va ca pa z de m a ta r os de s u a p rópr ia ra ça , e em m a s s a , ca s o eclodisse u m a gu erra civil. E m es m o qu e con s egu is s em evita r u m leva n te in tern o, a in da h a ver ia os in term in á veis des a fios pelo t ron o. Damien precis a va de a lgu ém confiável ao seu lado. Alguém que fosse capaz de matar por ele.

Algu ém qu e n ã o ter ia o bracinho qu ebra do n o p r im eiro con fron to. Ma s , s e ficasse, teria de apoiar rei e rainha. Teria de aguentar a Madame Delicadeza.

Não suportava essa ideia.

Por que não matava logo a vadia e acabava com isso?

Um es ta lo em s u a ca beça a fez olh a r em volta . Ha via a lgu ém n a ca s a . Um intruso. E não era vampiro.

J a s m in e s e virou pa ra a por ta n o exa to in s ta n te em qu e a p res s ã o n o qu a r to s ofreu u m a violen ta a ltera çã o. Qu a n do Ruth s e m a ter ia lizou , ela já exib ia as presas e rugia furiosa.

— Qu e m edo... — Ruth com en tou com u m trem or tea tra l. — Sen ta da , menina — ela d is s e, com o s e lida s s e com u m ca ch orro. — Nã o qu ero m a ch u ca r você.

— Nem poderia, se quisesse.

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— Se você d iz... Só vim tra zer u m reca do pa ra s eu p r ín cipe, a vadia qu e o a com pa n h a e todos os ou tros m is erá veis , in clu s ive o gu erreiro qu e m a tou m in h a filh a . Diga a eles qu e tu do va i m u da r de a gora em d ia n te. Se eles pen s a m qu e cr iei p rob lem a s a n tes , qu e es perem pa ra ver o qu e vou fa zer a gora . Meu poder s ó va i cres cer , ga ra n to. Com o m in h a fú r ia e m in h a s ede de vin ga n ça . É extraordinário, Jasmine. Ah, mas você já sabe disso agora. Não sabe?

A fêm ea de dem ôn io es tu dou J a s m in e por u m m om en to e, de repen te, exp lod iu em s u a m en te. Toda a força da va m pira era n a da com pa ra da a o poder que invadia seus pensamentos.

— Pobre m en in a con fu s a ... — Ruth murmurou. — Aqu eles lica n tropos s ã o m es m o u m p rob lem a , n ã o s ã o? Por qu e s e martiriza ta n to? Você s a be o qu e deve fa zer . E eu pos s o lh e m os tra r com o tê-lo de volta . Nin gu ém ja m a is va i des con fia r . Eu pos s o... — De repen te, olh ou pa ra a ca m a e a r rega lou os olhos. — On de con s egu iu a qu ilo? — Pegou o volu m e com a s du a s m ã os , fa s cin a da . J a s m in e qu er ia detê-la , m a s es ta va pa ra lis a da . Ruth com eçou a gr ita r . — Um a b ib lioteca ? Um a Bib lioteca Nightwalker? Ma s es s e dever ia s er o meu tes ou ro! Pa s s ei m es es ca va n do a qu ela s m a ld ita s ter ra s gela da s ! Você viu o Tom o Negro! — excla m ou . — Sabia que estávamos perto. Posso senti-lo!

J a s m in e s a b ia s obre o qu e Ruth es ta va fa la n do. Ha via u m livro n a b ib lioteca , u m volu m e qu e fica va s obre u m pedes ta l cen tra l, com ca pa p reta e páginas in fin ita s de en ca n ta m en tos e m a gia em todos os id iom a s im a gin á veis e, como outros livros escondidos naquelas prateleiras, alguns até inimagináveis.

Es ta va fu r ios a e im poten te. Sen t ia ra iva de Ruth, m a s , a cim a de tu do, s en tia ra iva de s i m es m a . Su a m en te s e torn a ra u m a m in a de d ia m a n tes pa ra o dem ôn io, qu e a es ca va va , extra in do dela tes ou ros va lios os . Devia ter s ido ca pa z de impedir a invasão.

— Ah , m a s eu n ã o s ou u m dem ôn io qu a lqu er . Nã o ou viu fa la r de m im ? Na verda de, a ch o qu e pos s o d izer qu e n em s ou m a is u m dem ôn io. E por qu e deseja r ia s er? Toda a qu ela h ipocr is ia , todo a qu ele clim a de per feiçã o e s a n t ida de... Aqu ilo m e en joa ! E s a be... Creio ter a s res pos ta s qu e es tá p rocu ra n do. Com o foi m u ito ú t il pa ra m im , vou retr ibu ir com gen eros ida de. Há m u ita s pergu n ta s p er tu rba n do s u a pa z, J a s m in e. Pod ia ter a vida excita n te qu e sempre quis e todas as respostas. Juro, todos os dias aprendo alguma coisa nova. Vejo cois a s n a s qu a is você n ã o ia a cred ita r . O m u n do é m in h a pérola , e você n ã o im a gin a o qu e Pérola s com o es ta — a fa gou a ca pa do livro — podem fa zer! E a maior de todas, o Tomo Negro... O que não faríamos com ela! Aprendi muito sobre m a gia . Es ta va s em pre p rocu ra n do u m nigromante h u m a n o poderos o pa ra ju n ta r-s e a m im . Agora s ei qu e is s o n ã o exis te! Por is s o, s em pre os derrota m os . A m a gia n ã o é pa ra eles . É pa ra n ós ! Nã o h á lim ites pa ra o poder qu e podem os ter . Eu já ten h o m eu b ra ço d ireito, m a s você pode s er m eu b ra ço es qu erdo. Pode ocu pa r o lu ga r da m in h a filh a . Com igo, você n u n ca s en t irá fa lta de n a da . Nem s erá a ba n don a da ou troca da por ou tro, porqu e n ã o s ou volú vel com o os h om en s . Nã o va i en fra qu ecer pelo s ofr im en to. Pelo con trá r io, terá m a is poder do qu e ja m a is teve! Sei qu e es tá pen s a n do n is s o. Eu s in to. Va m os , deixe-m e m os tra r a s verdades que transformam em mentiras tudo que você aprendeu.

Jasmine não conseguia falar. Quem ela poderia ser sem Damien?

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Era desanimador perceber que estava presa em outro círculo sem fim.

Syreena acordou com dor no braço, mas feliz por estar cercada pelo calor de s eu pa rceiro. Virou-s e pa ra ele, a con chegando-s e com u m s u s p iro. Ele des per tou do sono, buscando sua face com os lábios e os dedos gentis.

— Eu poderia facilmente me acostumar com isso — ela sussurrou.

— Ach o qu e va i s er obr iga da a s e a cos tu m a r — ele res pon deu , com u m r is o baixo. — Não despertará ao lado de mais ninguém em toda a sua vida.

— Essa é uma promessa bastante prolongada, príncipe Damien.

— Qu e eu p reten do m a n ter , p r in ces a Syreen a . — Ele a beijou pa ra s ela r o ju ra m en to s olen e. — Precis a m os con vers a r s ob re a lgu n s a s s u n tos , m a s m a l s ei por onde começar.

— Vamos começar por Jasmine.

— Cer to. O qu e pos s o fa zer pa ra s a t is fa zer vocês du as. Hon es ta m en te, eu não sei.

— Pos s o d izer o qu e p refiro qu e n ã o fa ça . Nã o s e a lim en te dela de n ovo. Eu n ã o s u por ta r ia o a rom a em você. Nu n ca a ch ei qu e eu fos s e ciu m en ta , m a s a ch o que sou.

— Nã o m a is do qu e eu s er ia . Nã o p reten do m e a lim en ta r de ou tra fêm ea de n ovo. Ser ia com o perm it ir qu e ou tro va m piro s orves s e s eu s a n gu e. Ten h o cer teza de que minha reação seria possessiva e provavelmente violenta.

— Bem, então concordamos quanto a isso. O que mais posso dizer? Não vou ped ir qu e deixe de s er s eu a m igo. Ela s e s en te a m ea ça da e terem os de en con tra r uma forma de fazê-la entender que não é minha intenção excluí-la.

— Nã o, você n ã o fa r ia is s o. Serem os a m igos , m a s ela terá de decid ir s e va i ou não ficar sob meu teto. Odiaria perdê-la.

— Ela poder ia a ju dá -lo a p roteger n os s o ter r itór io. Ach o qu e va m os precisar.

— Logo terei qu e receber m eu s équ ito. Terem os p r iva cida de em n os s os aposentos, mas a casa terá uma dinâmica diferente assim que eles voltarem.

— Bem , a ch o qu e n ã o fa rem os a m or n a cozin h a du ra n te a lgu m tem po. — Ela riu.

— Eles n ã o s e im por ta r ia m . Por fa la r n is s o, a s cois a s ta lvez seja m u m pouco liberais para o seu gosto. E bastante conservadora, para um licantropo.

— En tã o, terem os qu e n os a da p ta r . Con ta n to qu e eu s eja a ceita , o res ta n te são detalhes.

— Con cordo. Qu a n do à a ceita çã o, a cred ito qu e os qu e s ã o lea is a m im acabarão aceitando. Aqueles que se opõem apenas por prazer, irão criar polêmica, m a s is s o logo va i pa s s a r . O qu e m e p reocu pa s ã o os qu e s e res s en tem do m eu poder . Terem os de n os m a n ter a ten tos . — Ficou em s ilên cio por a lgu n s in s ta n tes . — E, qu a n do vier govern a r com igo, m eu a m or , o qu e s erá da h erdeira de s u a irmã?

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— Ela va i ren u n cia r a is s o. Os lica n tropos n u n ca a ceita rã o dois m a ch os de ou tra es pécie ca s a dos com a rea leza em s eu terr itór io. Nã o a r r is ca rei o t ron o de Siena com o poten cia l pa ra u m a rebeliã o. Se eu m e ca s a r em s olo es tra n geiro, is s o pode s er u s a do com o... u m t ipo d e p ropa ga n da . Se eu n ã o t iver u m pé em seu trono, eles acharão fácil celebrar nosso... nos celebrar.

— Você pode d izer — fa lou s u a vem en te. — Nos s o ca s a m en to. Pode fa la r nisso como um fato consumado, pois nós dois sabemos que é.

— Vampiros não se casam — lembrou-o.

— Va m piros n ã o s e ca s a m a gora — ele cor r igiu . — Nós n os ca s á va m os a n tes . Porém , n os torn a m os m u ito m im a dos e ca pr ich os os em n os s o egoís m o para encontrar necessidade e sentido nisso. Eu encontrei as duas coisas, amada.

— Você é meu amado, Damien. Sinto isso no fundo do meu coração.

— Eu sei. Eu senti seu coração em cada beijo, em cada toque. Seria um tolo se confundisse isso.

— Gos ta r ia de ter a s u a con fia n ça . — Su s p irou . — Tive d ificu lda des em expres s a r m eu s s en tim en tos e, a in da a s s im , você a cred itou n eles com ta n ta certeza. Você pareceu saber antes de mim.

— Apen a s porqu e du ra n te m in h a vida a p ren d i a d is cern ir a verda de da con fu s ã o. Você ta m bém a pren derá , u m d ia , qu a n do t iver vivido ba s ta n te. — Hes itou p or u m m om en to, beija n do-a n o ros to. — Ain da n ã o d is s e s e qu er s e casar comigo.

Para seu desconforto, ela riu.

— On de es tá o s r . Con fia n ça a gora ? O qu e a con teceu com o "fa to consumado"? — Ela não conseguia parar de rir.

— Você é uma menina ingrata.

— Porqu e eu ou s o r ir de você, m eu p r ín cipe? Sofrerá es s e t ipo de cois a s e pen s a em ca s a r com u m a p r in ces a qu e n ã o s e deixa im pres s ion a r por u m t ítu lo. Ma s você ca u s a im pa ctos de ou tra s m a n eira s , m eu a m or. Eu n ã o m e p reocu pa r ia muito.

Ele sorriu ante aquelas palavras.

— Diga d e n ovo — exigiu em u m s u s s u rro. — Se s ou bes s e com o eu a doro escutar...

— Meu a m or — ela repet iu , corando. — Eu n ã o ter ia fu tu ro s em você, Damien. — Beijou -o com a feto. Ao a fa s ta r -s e, pergu n tou : — Há a lgo m a is qu e gostaria de discutir?

— Sim . Qu ero fa la r s obre Ruth. Ela es ca pou do qu e fez a você, a s s im com o tem s e esqu iva do da s consequências de toda a dor e m orte qu e es tá p rovoca n do. Ela p recis a s er pu n ida . Ach o qu e é h ora de fa zerm os u m es forço con ju n to dos Nightwalkers para combatê-la.

— Con cordo tota lm en te com is s o. Ela perdeu a ra zã o. Lou cu ra e m a lda de formam a pior combinação.

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— Acres cen te a is s o in teligên cia e gra n de poder , e ch ega -s e a o m otivo pelo qual ela tem escapado repetidas vezes.

— Acred ito qu e ela é a m a ior a m ea ça — Damien op in ou n o Sa lã o Pr in cipa l do ca s telo de Noah. — Se n os d ivid irm os pa ra p rocu rá -la , e a in da d ivid irm os n os s os es forços en tre ela e os nigromantes, va m os n os en fra qu ecer e fica r vu ln erá veis . Acred ito qu e é is s o qu e n os im pede de ca p tu rá -la de u m a vez por toda s . Ela s e a liou a ou tra s es pécies , e por is s o a gora tem m u ito m a is poder . Nós também devemos combinar culturas.

Os líderes Nigh twa lkers o ou via m com gra n de a ten çã o. Aqu ela era u m a reu n iã o s em p receden tes . Toda s a s es pécies es ta va m repres en ta da s n o en con tro organizado às pressas.

Lá es ta va m Siena e Elija h , ra in h a e con s or te dos lica n tropos ; Noa h , rei dos demônios; Hawk, o mistral ba rdo, e Windsong, a mistral s ereia , a m bos en tre os m a is idos os e res peita dos da es pécie; Isabella, a p r im eira druida a em ergir do es ta do de dormência; e, pa ra s u rp res a de todos , Malaya e Tristan, os dois a ltos ch a n celeres dos h a b ita n tes da s s om bra s , qu e n ã o cos tu m a va m s e rela cion a r com a s ou tra s es pécies . Por ca u s a deles , a ilu m in a çã o era a m en a , res tr ita a o fogo b ra n do n a la reira e a a lgu m a s vela s es pa lh a da s pelo s a lã o. Todos con h ecia m sua s en s ib ilida de à lu z, e eles era m os qu e m a is des per ta va m cu r ios ida de en tre os dignitários vis ita n tes . Seu s tra ços com bin a va m o exotismo do Orien te Médio com a força dos a m er ín d ios , e a m bos t in h a m ca belos n egros e lis os qu e b r ilh a va m como ônix polido. Vestiam-se com elegância e sofisticação.

— Nós ta m bém devem os com bin a r cu ltu ra s — Da m ien repetiu . — Nã o s ó u m a ou du a s , m a s toda s . Todos os Nigh twa lkers cor rem o r is co de s er a t in gidos pelas tramas de Ruth. Ela já atacou demônios, druidas, licantropos, e foi vista em território mistral.

— On tem ela es teve n o ter r itór io dos va m piros . Da m ien e todos os ou tros olharam para Jasmine, autora da declaração.

— O que aconteceu? — perguntou o príncipe.

— Esteve com Ruth? — indagou Noah.

— Pa s s ei boa pa r te da n oite com ela . Ru th ch egou por volta da s on ze e partiu uma hora depois do amanhecer. Deve ter planejado o horário da partida de forma a me impedir de segui-la.

— Oh, Deus! — exclamou Isabella.

— J a s m in e, por fa vor , conte-nos o qu e a con teceu — in s is t iu Da m ien , estran h a n do qu e J a s m in e h ou ves s e es ca pa do iles a de u m en con tro com Ru th . Es ta va a livia do, s im , m a s a in da lem bra va o qu e Syreen a h a via s ofr ido n a s m ã os daquela criatura diabólica e transtornada.

— Vou com eça r d izen do qu e tu do qu e você m e d is s e s ob re Ru th era mentira , Da m ien . Pelo m en os é a gora . Ela é dez vezes m a is poderosa do qu e m e d is s e. Usa n do a pen a s a força da m en te, ela m e fez p r is ion eira du ra n te todo o tem po qu e pa s s ou com igo. Tu do qu e eu s a b ia , a gora ela s a be. E is s o in clu i... a localização da biblioteca.

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— Pela Deu s a ! — Sien a excla m ou . — J in a er i es tá des p rotegida ! Exis tem apenas alguns guardas, e os Nightwalkers que lá estão agora...

— Por is s o vim a s s im qu e pu de. Pode fica r ca lm a , Sien a — J a s m in e a tranquilizou. — Estive com Anya, a general de seu exército, e ela está cuidando do assunto. Ela me disse onde eu poderia encontrá-los. — Olhou para Damien.

— Não sei o que aconteceu depois disso. Se Ruth é capaz de viajar sob a luz do sol ou teleportar-se por grandes distâncias talvez seja tarde demais.

— Nenhum de n ós pode fa zer n a da a gora — Elijah manifestou-se. — Ruth teve o d ia todo pa ra a gir . Sei qu e ela é for te o b a s ta n te pa ra en fren ta r a leta rgia qu e n os dom in a du ra n te a s h ora s de lu m in os ida de, m a s n ã o pode res is t ir por m u ito tem po. Ain da podem os es pera r qu e ela ten h a es pera do pela n oite pa ra causar problemas.

— Elijah, não posso ficar aqui sentada e...

— Sien a , is s o pode s er o qu e Ru th qu er . Correr pa ra a b ib lioteca com o u m a m a lu ca é o m es m o qu e pu la r n a ra toeira . Ela deve ter t ido u m bom m otivo pa ra permitir qu e J a s m in e ch ega s s e a qu i iles a . Ta lvez a ra zã o s eja exatamente essa: ela qu er qu e o a la rm e s eja da do, porqu e a s s im va m os correr todos pa ra a s armadilhas que ela já preparou.

— Nã o en ten do — Ma la ya fa lou com s u a voz m elod ios a pela p r im eira vez, atraindo a a ten çã o de todos . — Por qu e u m demônio ren ega do es tá a ta ca n do vampiros e licantropos?

— Ma la ya , es s a é u m a lon ga h is tór ia qu e en volve o ra ciocín io d is torcido de uma mulher desequilibrada — disse Noah.

— Não — Jasmine o contrariou. — É um erro pensar que não há método na lou cu ra de Ru th . Qu a n do fa lou com igo, ela revelou lógica e in teligên cia a s s u s ta dora s , a pesa r da r is a da en lou qu ecida . Ta lvez a n tes ela ten h a feito ameaças vazias, mas agora está claro que ela tem um plano traçado com astúcia.

— J a s m in e es tá cer ta — d is s e Elija h . — Nós a en con tra m os a ciden ta lm en te n os ú lt im os m es es n os lu ga res m en os es pera dos , n os m om en tos m en os p rová veis fazendo coisas para as quais não tínhamos explicação. Se unirmos tudo isso...

— Ela es tá p rocu ra n do a lgu m a cois a — deduziu Syreen a . — Sa b ía m os qu e ela procurava a biblioteca quando a encontramos escavando território licantropo.

— O Tomo Negro — revelou Jasmine. — É isso que ela quer.

— E já deve ter con s egu ido pegá -lo! Pela Deu s a ! — Syreena rea giu com pavor e ultraje. — Você tinha razão, Noah! Devíamos ter queimado o livro!

Noa h olh ou pa ra Isabella, ú n ica qu e s e opu s era à des tru içã o do livro, e leu a culpa em sua expressão. Precisava aliviar sua consciência.

— Podemos queimar o livro agora, se decidirmos. Esta lá embaixo.

— Está... onde?

— Na b ib lioteca dos dem ôn ios . Siena e eu d is cu t im os o a s s u n to h á a lgu m tem po e decid im os qu e, depois da a ber tu ra da b ib lioteca , o Tom o Negro es ta r ia m a is s egu ro a qu i. Es pecia lm en te com Ru th pera m bu la n do pelo ter r itór io

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lica n tropo. Depois do qu e a con teceu com você, Syreena, achei m elh or a gir rapidamente.

— Mas eu vi o livro no pedestal há poucos dias — argumentou Jasmine.

— É cla ro qu e viu . Nã o s er ia s en s a to revela r a todos os frequentadores da b ib lioteca o qu e h a via a con tecido com o tom o, ca so Ruth en con tra s s e o lu ga r e com eça s s e a in va d ir s eu s pen s a m en tos . Con h eço o in im igo, J a s m in e. Deixei n o lu ga r dele u m com pên d io de a pa rên cia idên tica , m a s ch eio de poem a s de demônio. — Ele sorriu.

Todos riram, reconhecendo a inteligência do ato.

— Então, essa Ruth levou u m vers o de r im a s in ocen tes em vez do poderos o compêndio que esperava — comentou Tristan, sorrindo.

— Só es pero qu e ela ten h a perceb ido a troca depois de levá -lo, e n ã o a n tes — Noa h com en tou , p reocu pa do. — Nã o qu ero pen s a r n o qu e Ruth pode fazer durante um ataque de fúria.

— Tem os de tom a r p rovidên cia s pa ra m a n ter o livro fora do a lca n ce des s a criatura — J a s m in e op in ou . — Ela a cred ita qu e o u s o da m a gia é d ireito dos Nightwalkers, qu e os h u m a n os s ã o fra cos dem a is pa ra dom in á -la , m a s qu e n ós , seres da noite, podemos usá-la sem sofrer nenhuma influência do Mal.

— Ela n ã o deve s en t ir o p róp r io ch eiro — d is s e Elija h . — É pos s ível s en tir de longe a mácula da magia negra e do Mal.

— Agora ela fa z pa r te do Ma l, por is s o n ã o s en te o ch eiro em s i m es m a — disse Siena.

— Há mais alguém com ela — Jasmine revelou.

— Mais alguém? Quem? — Noah agitou-se.

— Qu a n d o m e con vidou pa ra fa zer pa r te de s eu gru po de s egu idores , Ruth revelou a exis tên cia de u m bra ço d ireito. Ela con s egu iu a licia r ou tro Nightwalker. Não sei quem é ou como ela fez isso, mas sei que aconteceu.

— Se con s egu iu a licia r o p r im eiro, ela va i ten ta r con qu is ta r ou tros a lia dos — Elijah comentou.

— Sim , ela s a be qu e os h u m a n os s ã o fra cos dem a is pa ra n ós . Sa b e qu e p recis a do a poio de Nigh twa lkers . Por is s o ela n ã o fez n a da con tra m im , Damien. Qu er ia qu e eu fos s e a por ta d ora des s e reca do. Ela qu er qu e todos vocês s a iba m que não vai ser fácil derrotá-la com os novos seguidores.

— Ela es tá b lefa n do — Noa h op in ou . — Qu er n os deixa r com m edo, porqu e o medo reduz nossa força.

— Está funcionando — Isabella confessou.

A discussão prosseguiu, mas Jasmine cochichou alguma coisa no ouvido do p r ín cipe, qu e ped iu licen ça pa ra ret ira r -s e por u m in s ta n te com a velh a a m iga . Syreen a os viu s a ir e ten tou n ã o s en tir ciú m e da eviden te cu m plicida de en tre os dois.

No jardim, certa da privacidade que os cercava, Jasmine não perdeu tempo.

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— Damien, ten h o u m a con fis s ã o a fa zer . Sei qu e va i fica r m u ito za n ga do comigo, mas preciso falar, porque há muitas coisas importantes em jogo.

— O que é?

— Ruth levou o livro que eu estava lendo.

— Eu já im a gin a va . E ela terá a ces s o a todos os ou tros qu e exis tem n a biblioteca, se Anya não a detiver.

— Sim, mas não sei qual é a importância dos outros livros. Já o que eu lia... Bem , recon h eci s u a im por tâ n cia h á a lgu m tem po, e n ã o pos s o ign ora r s eu potencial de dano.

— O que quer dizer?

— Você m e in cu m biu de p rocu ra r por u m preceden te pa ra s u a rela çã o com aquela... com Syreena. E eu encontrei o que buscava nas páginas daquele livro.

— Há quanto tempo?

— Há dias. Desde que Jinaeri foi designada bibliotecária. Mas você já estava recon cilia do com a ... com Syreen a . Dis s e a m im m es m a qu e você n ã o p recis a va mais da explicação, mas cometi um erro, agora eu sei. Há coisas... coisas terríveis e maravilhosas que você precisa saber.

— Jasmine, vamos direto ao ponto, está bem?

— Mu ito bem . O livro rela ta ou tra s u n iões en tre va m piros e lica n tropos . Na verda de, ele rela ta cer im ôn ia s es tr ita m en te des ign a da s pa ra es s es ca s a m en tos . Há m ilh a res de a n os , a ocorrên cia era com u m e, com o você s u s peita va , foi a pa r t ir da í qu e s u rgira m os m itos s ob re va m piros qu e m u da va m de form a . E n ã o era m m itos . Se u m va m piro e u m lica n tropo s e s en t ia m a tra ídos e era m com pa tíveis , pod ia m desen volver u m a p rá t ica ch a m a da de t roca . A troca é o p r im eiro pa s s o em u m a cer im ôn ia den om in a da u n iã o. Um ca s a m en to, em term os m a is s im ples . A t roca é exa ta m en te is s o. O va m piro s e a lim en ta da pa rceira . Ao s orver s eu s a n gu e, ele a bs orve u m a s pecto da pa rceira e o in corpora definitivamente em sua estrutura.

— O corvo, no meu caso.

— Sim , m a s is s o a in da va i m a is lon ge. É u m círcu lo com pleto. Ela p recis a do s eu s a n gu e pa ra con clu í-lo. Qu a n d o es s e círcu lo s e fech a , ela a bs orve u m a s pecto s eu . Nã o sei qu a l, m a s é a lgu m a cois a com a qu a l n os s os a n ces tra is ficara m m u ito im pres s ion a dos e p reocu pa dos . Ta m bém des cobr i qu e h á u m bom m otivo por t rá s dos ta bu s qu e h erda m os . Em bora s ó pos s a h a ver u m a u n iã o en tre u m va m piro e ou tro Nightwalker, pode h a ver dú zia s de troca s . Você en ten de? Seu cora çã o va i es ta r liga do a o da qu ela m u lh er por toda a etern ida de a pa r t ir do m om en to em qu e ela s e a lim en ta r de s eu s a n gu e. Na da , n en h u m a força n a ter ra va i poder m u da r es s a s itu a çã o. Só a m or te. O m es m o va le pa ra ela . Ela estará unida a você até a morte.

— E o que...

— Ain da n ã o term in ei. O ter ror vem do va m piro, Damien. O va m piro qu e s e a lim en ta de Nightwalkers pode colecion a r poder com o u m a cr ia n ça a cu m u la b r in qu edos , a u m en ta n do s eu es toqu e a ca da m ord ida , a bs orven do a s pectos d e

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todos a té ter den tro de s i tod a s a s cr ia tu ra s . En ten de o qu e es tou d izen do? Um va m piro pode s e torn a r in des tru tível. A es colh a de n ã o s e a lim en ta r de Nigh twa lkers foi m ora l. Nos s os a n ces tra is s e reu n ira m e ju ra ra m en s in a r a os des cen den tes o pa vor de s orver o s a n gu e de ou tro Nigh twa lker . Cr ia ra m fá bu la s e histór ia s e os en ch era m de m edo, con trola n do a s gera ções fu tu ra s pa ra evita r o poder des m ed ido. Foi u m s a cr ifício, Damien, com in ú m era s ra m ifica ções . Eles con s egu ira m o qu e qu er ia m , e a s s im n os t ra n s form a ra m n o qu e s om os a gora . Qu a n do t ira ra m de n ós es s a pos s ib ilida de de u n iã o tã o es pecia l, rou ba ra m ta m bém n os s a ch a n ce de con h ecer o a m or e a p rofu n d ida de de em oções qu e o a com pa n h a . Pr iva ra m -n os da exper iên cia qu e a gora você es tá viven do com es s a m u lh er qu e es colh eu . É is s o qu e n os fa z t r is tes , Damien. A s olidã o. Nã o tem os m a is a pos s ib ilida de de n os torn a rm os m on s tros de poder in ven cível, m a s também não podemos encontrar nosso ser complementar.

— Entendo...

— Por is s o h á tã o pou ca s cr ia n ça s . Sem o a m or verda deiro, pou cos s e s en tem com pelidos a ter filh os e cr iá -los . Tem os filh os , m a s n u n ca os cr ia m os . Eles s im ples m en te... cres cem . Tem os s exo, m a s n ã o a m or . Nã o tem os p ra zer verda deiro, porqu e o bu s ca m os de m a n eira con s ta n te e in d is cr im in a da pela s en s u a lida de. Qu erem os , p rocu ra m os , m a s n ã o s a bem os rea lm en te o qu e buscamos. Desconhecemos o medo, mas também não sabemos o que é felicidade.

— Como os demônios quando destruíram os druidas.

— Sim , m a s eles n ã o s a b ia m o fu tu ro qu e es ta va m cr ia n do pa ra eles m es m os . Nos s os a n ces tra is s a b ia m , eu a ch o. Há m u itos eu fem is m os n o livro. Eles es crevera m a h is tór ia com a es pera n ça de qu e u m d ia t ivés s em os a m a tu r ida de n eces s á r ia pa ra rea b r ir a s pos s ib ilida des . Por a ciden te, foi o qu e você fez. A troca . Pode im a gin a r o qu e ou tros fa r ia m delibera da m en te, s e s ou bes s em disso? E agora Ruth tem o livro. Se ela descobrir...

— Se encontrar um vampiro que possa atrair como aliado...

— Nos s o p rob lem a va i s er m u ito m a ior do qu e en fren ta r u m demônio que u s a m a gia . E a in d a n em d iscu t im os a qu es tã o da in form a çã o p rop r ia m en te d ita , da importância dessa descoberta para o nosso povo.

— Sim, eu sei. Devo deixar meu povo continuar melancólico e sozinho? Dou a todos a ch a n ce de p rocu ra r o a m or qu e en con trei por a ca s o? Com o u m h om em pode tom a r u m a decis ã o tã o im por ta n te s ozin h o? Com o pos s o s ela r o des t in o de tantos?

— Esse é seu dever de príncipe.

— Nã o, n ã o é! Um govern o n ã o tem o d ireito de decid ir s e o povo p ode ou n ã o s er feliz! E n ã o es ta m os fa la n do s om en te do m eu povo, J a s m in e. Os líderes reu n idos n a s a la qu e a ca ba m os de deixa r com a n da m in d ivídu os qu e ta m bém serão afetados. Quantos Nightwalkers vivem solitários por não poderem encontrar os parceiros vampiros?

— Ou os pa rceiros demônios — ela a cres cen tou , pen s a n do em Elija h e Siena.

Nã o era a p r im eira s u ges tã o qu e en con tra va m de qu e ra ça s d is t in ta s de Nigh twa lk ers h a via m s e liga do n o pa s s a do. A b ib lioteca era a m a ior de toda s ela s .

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Um es forço com bin a do en tre clã s qu e s e torn a ra m con h ecidos pela tota l fa lta de cooperação.

— J a s m in e, percebe qu e é a p r im eira vez qu e n ã o exis te u m a gu erra en tre Nightwalkers? Sem pre exis t iu a lgu m a cois a , u m a d iferen ça en tre du a s ra ça s ... Desde que Siena foi coroada, restou apenas a guerra fria entre todas as raças e os h a b ita n tes da s s om bra s . E n ã o m e lem bro de n en h u m a h os t ilida de p ra t ica da por eles a o lon go dos s écu los , m a s h a via u m a des con fia n ça en cober ta , a cu s a ções vela da s ... Hoje, qu a n do olh ei pa ra os ch a n celeres , pen s ei qu e eles podem ter s ido bodes expiatórios para muitas coisas.

— O que quer dizer?

— Ta lvez s eja h ora de deixa rm os de s epa ra r a s s u n tos de va m piros , de demônios e de lica n tropos , e com eça r a tra ta r tu do com o a s s u n tos de Nightwalkers. O que acabou de me contar afeta a todos igualmente.

— Damien! Não pode estar pensando em entrar naquela sala e contar isso a todos os líderes ! Eles n os verã o com o u m a a m ea ça qu a n do fa la r s ob re a t roca e o poder que podemos absorver.

— Ta lvez. E ta lvez es teja m cer tos . Ma s eles têm o d ireito de s a ber qu e podem os es ta r ca u s a n do a s olidã o de m u itos em toda s a s ra ça s . Sei qu e n ã o s e im por ta com es s a boba gem em ocion a l, qu e con s idera tu do is s o u m a gra n de fra qu eza , m a s é a lgo im por ta n te. Repres en ta u m a força . Am a r e s er a m a do é a maior fonte de poder que pode existir.

— Um poder que o faz querer torrar ao sol? — ela disparou com sarcasmo.

— Ou beber veneno na cripta da família, ou trair o rei de Camelot, ou trocar pés por nadadeiras a o ver s eu a m or s e ca s a r com ou tra . S im , toda s es s a s cois a s h orr íveis e m u ito m a is . Ma s , qu a n do dá cer to, qu a n do tem u m a ch a n ce de s e realizar, acontece a marca, você tem a união, e passa a eternidade feliz ao lado de s u a a lm a com plem en ta r . Você fica s ob re a ter ra , J a s m in e, e a p ren de a lgo n ovo todos os dias. Não há mais tédio. Não quer viver essa alegria?

— Nu n ca m a is qu ero s en tir a dor qu e con h eci n es s a ú lt im a s em a n a , qu a n do pen s ei qu e es ta va p erden do você. Am a r a lgu ém e s en tir is s o... Nã o suporto nem pensar!

Ma s h a via a lgo n os olh os de Da m ien , em s eu tom de voz, u m a es pécie de vibração nova que despertava nela o desejo de conhecer essa emoção. De repente, queria saber o que estava perdendo.

Não.

Não era de repente.

Sempre. Todos os d ia s de s u a vida s ou bera qu e fa lta va a lgu m a cois a . Ma is s en s ível qu e os ou tros , ca íra m u ita s vezes em des es pero s em n em s equ er s a ber por quê.

E se esse fosse o motivo?

— Droga!

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O p r ín cip e viu Jasmine s e a fa s ta r , dom in a da por in ú m eros conflitos. Pa s s a ra por is s o m u ita s vezes n a ú lt im a s em a n a . Ma s a gora s a b ia qu e s ó h a via uma verdade em tudo isso, uma única verdade a que tudo se resumia.

E iria ao fim do mundo para ver a amiga feliz como ele estava.

Arriscaria tudo por isso.

Es ta va cer to des de o in ício. Tin h a o dever de d izer a verda de e deixa r ca da u m decid ir por s i. Su a res pon s a b ilida de s er ia con ter a qu eles qu e ten ta s s em u s a r es s e n ovo con h ecim en to pa ra o Ma l. Es colh er ia a lgu ém pa ra des em pen h a r em s u a s ocieda de o pa pel qu e era de Jacob en tre os dem ôn ios . Um Defen s or . Algu ém que conteria e puniria os que abusassem do privilégio da troca.

Jasmine voltou ao ler seus pensamentos.

— Stephan — ela d is s e. — Ele tem u m exército s ob s eu com a n do, e com o n ã o es ta m os em gu erra ... Bem , podem os da r u m p ropós ito a o com a n da n te e s eu s com a n da dos . Steph a n s em pre es colh eu e t rein ou s eu s s olda dos com com petên cia e ded ica çã o. Se os es pa lh a rm os pelos ter r itór ios cer tos ... va m piros , Nightwalkers, humanos... Bem, seria como ter uma... uma...

— Um a rede sensorial — Damien concluiu. — Um s is tem a de m on itora m en to ca pa z de in tercep ta r e deter va m pi- ros m a l-in ten cion a dos a n tes que possam ir longe demais.

— Melh or qu e is s o. Um a rede ca pa z de in tercep ta r Nigh twa lkers em gera l. Nã o fa r ía m os n a da con tra os de ou tra s ra ça s , m a s poder ía m os a ler ta r o govern o responsável sobre os crimes praticados.

— Entende agora o que digo? Se as seis espécies de Nightwalkers se unirem des s a m a n eira , podem os a s segu ra r n os s a p roteçã o de cr ia tu ra s com o Ruth. Deve h a ver u m a vers ã o de Ruth, ou vá r ia s vers ões , em ca da u m a de n os s a s s ocieda des . Os qu e s em pre con s egu em s e m a n ter fora do a lca n ce dos n os s os métodos de policiamento.

— Como Nico. Você teve s or te, Damien por ele ter m orr ido n a qu ele con fron to. Ta lvez deva form a r e m a n ter u m a cor te, a fin a l, pa ra ga ra n t ir s u a p roteçã o. E a de Syreena, ta m bém . Eles n ã o h es ita r ia m em ca p tu rá -la pa ra chegar até você.

— Eu s ei e, a pes a r de ela s er for te, p refiro n ã o expô-la a es se des ga s te. Es pecia lm en te s e... — Ele pa rou , olh ou pa ra o ch ã o e ch u tou u m a ped ra com u m s orr is o a ca n h a do. — Es pecia lm en te s e qu erem os com eça r u m a fa m ília , e eu s ei que ela quer. Graças a você, Jasmine, agora sei que isso é possível.

— Você me surpreende, Damien. Nunca quis ter filhos!

— Você também não.

— Não sou do tipo maternal.

— Não perca a oportunidade de mudar isso, Jasmine.

— Eu, grávida? Nunca!

— E quanto a se apaixonar?

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— É pa ra os poeta s , n ã o pa ra m im . Qu ero d izer , n ã o a gora . Nem tã o cedo. Tenho uma tarefa importante diante de mim. Preciso ajudar Stephan a preparar o exército, e ten h o de coorden a r os es forços com n os s os em ba ixa dores . Depois , vou ter de ajudá-lo a escolher embaixadores para a corte dos habitantes das sombras, porqu e s ei qu e es tá pen s a n do em en viá -los . Precis a m os de a lgu ém pa ra ir viver en tre os m is tra is . Algu ém m en ta lm en te for te pa ra res is t ir a o en ca n to de s u a s vozes , e m u s ica l, ta lvez, pa ra poder a p recia r o n ovo pos to. Algu ém s ilen cios o e recatado, que fale pouco, mas que, quando abra a boca, tenha muito a dizer.

— Ah , é bom s a ber qu e vou ter u m a rede de s egu ra n ça . Sin to qu e a lgu ém está cobiçando meu trono — ele brincou.

— Isso significa que vai ficar conosco?

— Vou fica r n a corte — ela o corr igiu . — Ach o qu e devia s e in s ta la r n a Romênia, Damien. Nos s a ter ra n a ta l. A p rop r ieda de que m a n tém lá é gra n de o ba s ta n te pa ra expa n d ir s u a cor te com o é n eces s á r io, s em perder a p r iva cida de. E a in da va i s ob ra r es pa ço pa ra receber todos os h ós pedes qu e qu is er . Além d is s o, é m a is per to da s ter ra s de s u a es colh ida . Des s a m a n eira , ela va i poder vis ita r a irmã mais vezes. E, quanto mais visitas ela fizesse, melhor.

— Prometa-m e u m a cois a , Jasmine. Se Syreena prova r qu e é d ign a do m eu trono, vai tratá-la com o respeito que ela merece?

— Sim . Em pú b lico, s em pre s erei a s ú d ita qu e você es pera qu e eu s eja . Mas, honestamente, nunca deixarei de pensar que ela é fraca demais para ser sua rainha.

Damien r iu e a b ra çou -a . J a s m in e s u s p irou , con ten te com a dem on s tra çã o de a feto. Era com o s e n a da en tre eles h ou ves se m u da do. Com o s e n a da ja m a is fosse mudar.

Fa lta va m du a s h ora s pa ra o a m a n h ecer qu a n do eles fin a lm en te recebera m n otícia s s ob re o qu e a con tecera n a b ib lioteca . Damien já h a via revela do a s recen tes des cober ta s s ob re a h is tór ia dos va m piros e s eu s pos s íveis des dobra m en tos pa ra o fu tu ro, e oferecera u m em ba ixa dor pa ra a cor te dos habitantes das sombras, o que fora prontamente aceito.

A m en s a geira en via da por An ya , Nita , a ba n don ou a form a de coru ja e curvou-se diante de Siena e de todos os dignitários presentes.

— Min h a ra in h a , t ra go n otícia s da b ib lioteca . Qu a n do lá ch ega m os , ela havia sido saqueada. Jinaeri é a única sobrevivente. Só se salvou porque adquiriu a form a de lêm u re e es ca lou a s es ta n tes pa ra s e es con der em u m ca n to a lto afastado. Os monges... Todos os outros...

— Kelsey? — Damien perguntou.

— Nã o s obreviveu . Sin to m u ito. Ha via qu a tro gu a rdas, três m on ges , e u m a mistral, além de Kelsey. Lamento todos.

— Prossiga.

— Jinaeri relata que Ruth não estava sozinha. Havia um... vampiro com ela.

— O quê? — Damien explodiu. — Como ela sabe que era um vampiro?

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— Ele ra s gou o pes coço da mistral e a deixou s a n gra r a té a m or te. Só u m va m piro poder ia s u pera r o ca n to de u m a mistral e exib ir s u a s p res a s . Eles ch ega ra m telepor ta dos , a ta ca ra m e s a qu ea ra m a b ib lioteca . Nã o h á ra s tro qu e possamos seguir. E isso é tudo que sabemos.

— Eu posso ir atrás dela. Vou matar aquela...

— Não, Damien. Nã o pode en fren ta r Ruth s ozin h o. E ela es tá a com pa n h a da por u m va m piro — Noah argumentou. — Ch egou a h ora de rea liza rm os u m esforço concentrado.

— Quanto mais tempo eles tiverem, pior será — opinou Jasmine.

— Tem os qu e correr o r is co — pers is t iu Noa h . — Precis a m os n os p repa ra r . Não vou sacrificar mais gente por causa dessa psicótica. E meu povo é o que corre maior risco com a associação desse vampiro a Ruth. Estamos todos em risco, mas são os demônios que têm o tipo de poder que os vampiros cobiçam. Por enquanto, o m elh or a fa zer é fica r lon ge dela . Va m os a ler ta r todos os m em bros de n os s a s s ocieda des . Se os deixa rm os es pa lh a dos e desprevenidos, eles s erã o com o cordeiros esperando pelo sacrifício.

Damien começou a andar pela sala, impaciente.

— Nã o pos s o tolera r es s a fa lta de a çã o pelo tem po qu e es tã o p ropon do — ele d is s e, s u b ita m en te. — Ser ia im perdoá vel deixa r es s a opor tu n ida de pa s s a r quando Ruth pode ser rastreada agora... hoje.

— E depois fa rem os o qu ê? Lu ta rem os con tra s eu poder incomensurável a s s im com o o do va m piro des con h ecido? Um poder qu e m a tou d ivers os Nightwalkers de u m a vez? — qu es tion ou Siena. — Sin to-m e com o você, Damien, m a s perd i m u ita s pes s oa s boa s pa ra es s a vadia a s s im com o Noa h , e a p ren d i qu e caçá-la em u m im pu ls o n u n ca n os leva a lu ga r n en h u m . Pes s oa lm en te, voto pela sua ideia or igin a l de cr ia r u m a rede, u m s is tem a de m on itora m en to. Ruth vai tropeçar nos próprios pés e...

— Com s or te a n tes de ela ter poder s u ficien te pa ra n os m a ta r à s cen ten a s — disse Damien, com sarcasmo. — Minha ideia s e refer ia a fu tu ra s ocorrên cia s , e n ã o a ign ora r o p res en te. Ma s d iga m os por u m m om en to qu e qu eira m os qu e es s e tipo de colaboração funcione no futuro. Que melhor maneira de provar aos nossos s egu idores qu e da rá cer to do qu e s e todos n es ta s a la e a qu eles m u ito poderos os tomarem conta agora de Ruth de uma vez por todas?

— E a r r is ca r o gru po de líderes qu e, a pós m u itos m ilên ios , con s egu iu a pa z en tre a s es pécies ? Se a lgu m de n ós m orrer , Damien, as consequências afetarão todos os povos, e essa calma é muito recente para sobreviver a isso.

Damien olhou Syreena com fr ieza a s s im qu e ela s e m a n ifes tou . Fora a lgo im pu ls ivo d izer o qu e es ta va pen s a n do, s em s e p reocu pa r com a m a n eira com o ele receber ia o com en tá r io. Ela s e a cos tu m a ra a m a n ifes ta r s u a op in iã o m es m o con tra a a u tor ida de de Siena. Até s en t ir o des a gra do do p r ín cipe, n ã o t in h a perceb ido com o ele pod ia en ca ra r s u a pos içã o, qu a n do es pera va a poio de s u a pa r te. Porém , n ã o s e a r repen der ia do com en tá r io, n em s equ er por a m or a ele. Havia muito em risco.

— Enquanto isso — Syreena prosseguiu com mais suavidade —, deveríamos leva r a ca bo a s a ções qu e d iscu t im os , a s s im com o a lgu m a s ou tra s . A b ib lioteca ,

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ou o qu e res tou dela , deve s er t ra n s fer ida . Ain da h á m u itos tes ou ros n o a cervo, cois a s qu e Ruth n em im a gin a . É a s s im qu e va m os n os p roteger , gu a rda n do es s e conhecimento pelo bem das gerações futuras que um dia podem precisar dele.

— En tã o, tem os u m p la n o — Malaya con clu iu com firm eza . — E m u ita s eta pa s a rea liza r a n tes de pô-lo em prá t ica . O p r im eiro pa s so é qu e n os aperfeiçoemos no policiamento, para manter a ordem entre os nossos.

— Em s egu n do lu ga r , p recis a m os coloca r em ba ixa dores em toda s a s cor tes pa ra con h ecerm os m elh or u n s a os ou tros . A verda de. Sem es pecu la çã o ou preconceito — acrescentou Tristan.

— Em terceiro, devem os p roteger a b ib lioteca — d is s e Syreen a . — Ela s erá in s ta la da em loca l com u n itá r io on d e pos s a s er vis ita da com fa cilida de e segurança, um lugar protegido por todos nós.

— E, por fim , tem os de a ler ta r todos os Nightwalkers s ob re a a m ea ça a qu e estamos expostos — lembrou Damien. — E vamos formar uma rede multicultural. Uma versão Nightwalker das Nações Unidas, podemos dizer.

— É is s o. Policia m en to, p repa ro, p roteçã o, e tranquilidade — res u m iu Syreena, com um sorriso.

— E p ropa ga n da — Noah sugeriu. — Um a reu n iã o m en s a l com o es s a qu e tem os a qu i, a ber ta , bem d ivu lga da , de form a qu e a qu eles qu e n os s egu em en ten da m perfeita m en te qu a is s ã o os ob jet ivos . Des s a vez, fa rei tu do qu e pu der pa ra m a n ter a ber tos os ca n a is de com u n ica çã o en tre os Nigh twa lkers de toda s a s raças.

Todos concordaram.

CAPÍTULO V

S yreen a a n da va pelos corredores do ca s telo de Da m ien n a Romênia. Ele

s a íra pa ra ca ça r , e J a s m in e fora a té a m a n s ã o n a Ca lifórn ia , m a s retorn a r ia em b reve. A p r in ces a es ta va s egu ra en tre a s es pes s a s pa redes de pedra . O lu ga r era u m a m is tu ra de ca s telo e m on a s tér io, com tor res s e ergu en do em torn o de u m a área retangular de on de s e a b r ia m d ivers os a pos en tos . Da m ien pa s s a ra déca da s lon ge da li, m a s n ã o n egligen cia ra a p rop r ieda de. Nã o fos s e pelo b ra ço fraturado, ela s e ter ia t ra n s form a do n o fa lcã o pa ra s ob revoa r o lu ga r e a p recia r m elh or s u a beleza. E ainda poderia fugir das teias de aranha que via nos cantos. As criaturas causavam arrepios que ela não conseguia conter!

— Eca! — reclamou ao sentir no rosto uma das armadilhas sedosas.

— Acho que você tem uma aranha no cabelo.

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Syreen a ofegou , leva n do a m ã o a o ca belo con form e vira va pa ra en ca ra r Damien.

— Onde?

— Bem a trá s da qu ela pa r te de s u a ca beça qu e gos ta de m e con tra d izer diante de mais de meia dúzia de dignitários visitantes.

— Damien! — Bateu com força no ombro dele, obrigando a recuar um passo enquanto ele ria. — Não tem graça.

— A ex-monja trein a da pa ra m a ta r com a s p rópr ia s m ã os tem m edo de aranhas?

— É m in h a fu n çã o con tra d izer egos rea is in fla dos , es pecia lm en te qu a n do eles querem sair correndo para ter a cabeça arrancada.

— Nunca percebi que tinha tão pouca confiança em minhas habilidades.

— Você mesmo sabe que não enfrentaria Ruth sozinho. Por que não fez isso qu a n do foi m e res ga ta r? Teve a opor tu n ida de, o tem po e a força e todo o s eu poder. Por que não a eliminou de uma vez por todas?

— Porque eu estava ocupado salvando seu traseiro insolente e ingrato.

— Uma vida em troca de dúzias de outras que estaria salvando?

— Uma vida muito importante para mim.

— Bom. Lembre-se d is s o da p róxim a vez qu e eu con tra r iá -lo d ia n te de m a is de meia dúzia de dignitários.

Ele suspirou profundamente.

— Lembrar-me ou me arrepender?

— Muito engraçado.

Damien sorriu, incapaz de se conter. Ela o encantava.

— Acho que nós dois podemos mesmo fazer isso dar certo a longo prazo.

— Fico feliz que você acredite nisso — ela disse, com um sorriso travesso.

Damien puxou-a para perto de seu corpo.

— Você vai ser feliz aqui? — Ele a abraçou. — Longe da sua casa?

— É cla ro qu e s im . Sien a n ã o p recis a m a is de m im . Ta lvez m in h a a u s ên cia s irva pa ra ela s u pera r o m edo de ter filh os . O povo es pera u m h erdeiro pa ra o trono.

— Siena tem medo de ser mãe?

— Pa vor! Ela a in da n ã o percebeu , s ó is s o. E Elija h ta m bém n ã o n otou qu e ela está adiando a procriação.

— Elija h ... pa i! — Da m ien n ã o con teve o r is o. — Ele n ã o va i s a ber o qu e fazer com um bebê!

— Tem ra zã o. Pen s a n do bem , fico feliz por n ã o es ta r lá . Eles m e deixa r ia m exausta!

— As crianças?

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— Não, os pais!

— E você, doçura? Não quer ter filhos?

— Você quer?

— Es s a é u m a da qu ela s qu es tões im por ta n tes qu e a in da n ã o d is cu tim os , não é?

— Sim. Eu sempre quis encher uma casa de filhos...

— Não essa casa, espero. — Ele riu.

— Nã o! Defin it iva m en te n ã o ta n tos pa ra en ch er es s a ca s a . — Ela s or r iu . — Bem, talvez possamos procurar uma maior...

— Engraçadinha... Falando sério, Syreena, o que você quer?

— Qu ero s er feliz — ela res pon deu com s im plicida de. — Um d ia de ca da vez. Um a d is cu s s ã o de ca da vez. Um filh o de ca da vez. A vida é m u ito volá t il p a ra planejarmos o futuro distante. Especialmente agora.

— En ten do. Ma s n ã o a ch o qu e devem os s u s pen der nossa vida por m edo do que Ruth possa fazer.

— Ma s podem os a gir à s p res s a s e n os a r r is ca r? Damien eu n ã o en ten do você. Segu ro pa r te do tem po, des cu ida do em s egu ida ? Você m e deseja e qu er filh os , e h á m en os de u m a h ora es ta va con s idera n do a lgo p róxim o do s u icíd io. Não espero qu e s en tem os tranquilamente en qu a n to ou tros s e a r r is ca m por n ós , m a s es pero qu e você s e lem bre de qu e n ã o o ú n ico a con s idera r a gora . Nã o s a be que leva meu coração com você aonde vai?

— As s im com o você leva o m eu . — In clin ou -s e pa ra beijá -la n a tes ta . — Você tem razão, e eu sinto muito. Prometo que vou ser mais cuidadoso em relação a os s eu s s en t im en tos e op in iões n o fu tu ro. Eu es ta va a borrecido a n tes . Ain da estou me adaptando a essa nova e súbita profundidade de sentimentos.

— Eu sei... Damien, você confia em mim?

— Que tipo de pergunta é essa?

— Es ta va a pen a s pen s a n do s e a lgu m d ia va i con tem pla r a pos s ib ilida de da troca comigo.

— Por que não?

— Porqu e é a s s u s ta dor! Da r pa r te de s i m es m o s em s a ber o qu e va i a con tecer ... Eu n ã o s a b ia o qu e es ta va fa zen do qu a n do você recebeu a qu ela pa r te de mim que fez de você corvo. Não tive de escolher.

— Está arrependida?

— Nã o. Es tou feliz por tu do ter a con tecido com o foi. Nã o s ei s e ter ia s ido ca pa z de es colh er . Lem bre-s e, eu n ã o era m u ito boa pa ra decid ir a s cois a s sozinha. Ainda não sou.

— Mas está melhorando. Você quer completar a troca, Syreena?

Ela h es itou , s en tin do-o obs ervá -la com expecta t iva . Fica ra s a ben do da qu ilo apenas algumas horas antes, e sua maior preocupação era o que aconteceria com ela . Nã o qu e t ives s e m u ito a tem er . Qu a n do era cr ia n ça e a doecera , Windsong a

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cu ra ra des peja n do n ela s eu es p ír ito por m eio da s ca n ções m ís t ica s , e des s a in terven çã o s e or igin a ra s u a porçã o a ve. Os m is tra is s ó s e t ra n s form a va m em pá s s a ros . Nã o pod ia s er coin cidên cia qu e ela fos s e ta m bém u m fa lcã o. Depois s u rgira o golfin h o, e a gora pa r te de Damien s e m es cla r ia à qu ela miríade qu e era sua personalidade.

— Damien...

— Eu s ei. Sin to m u ito, m a s a cu r ios ida de levou a m elh or . Nã o con s egu i resistir a espiar seus pensamentos.

— Então, já sabe minha resposta.

— Sim.

Damien es ten deu a s m ã os p a ra pu xá -la pa ra m a is per to, a ga r ra n do-a n a pa r te in fer ior dos joelh os pa ra deslizá-la em s u a d ireçã o. Ela es corregou com fa cilida de s ob re os len çóis a té qu e os qu a dr is toca s s em a pa r te in tern a de s u a s coxa s , e a s pern a s bem torn ea da s o en volves s em . Sen ta va m -s e fa ce a fa ce, m u ito p róxim os . Ele colocou a s m ã os n a cin tu ra delga da . Sua s tes ta s s e toca va m en qu a n to ele a beija va d ivers a s vezes . Es ta va m n u s . Os mamilos roça va m s eu peito, e ele se deliciava com a própria reação.

— Adoro senti-la — murmurou de encontro aos lábios inchados.

Syreena sorr iu b revem en te, a n tes de receber ou tro beijo s en s u a l. Aca r iciou -o n a s cos ta s , en ca n ta n do-s e com a m a ciez e o ca lor da pele firm e. Qu a n do Damien tocou s eu s ca belos , a s mechas en volvera m os b ra ços dele a té a a ltu ra do cotovelo com o cobra s fa m in ta s . O ch eiro com bin a do de s u a s peles in u n da va o aposen to p r in cipa l do ca s telo, on de s e en con tra va m . Ela corres pon deu com a rdor a o beijo, s em a ba n don a r a len ta exp lora çã o do corpo musculoso. Pa recia qu e n ã o se tocavam havia muito tempo.

— Solte m in h a s m ã os — ele d is s e bem -h u m ora do, pu xa n do de leve u m caracol de seu cabelo.

— Por que eu faria isso?

— Porque quer que eu toque você.

Ela não podia contrariá-lo, e então relaxou, libertando-o.

Assim que ele se soltou da amorosa prisão, afagou-a no rosto, nos ombros e b ra ços . Com a s pon ta s dos dedos , s egu iu a t r ilh a do pes coço a os mamilos intumescidos, antes de tomar os seios nas mãos.

Syreena sentia o corpo inteiro pulsar, sensibilizado com as carícias eróticas. Fechou os olhos, inspirando profundamente, tomada pelo calor.

— Damien, a doro s en t ir s eu toqu e — m u rm u rou de en con tro a os lá b ios dele.

Ele ca p tu rou s eu s lá b ios en qu a n to percorr ia com a s m ã os s u a cin tu ra e quadris. Agarrou-a com firmeza, colocando-a no colo, posicionando-a com incrível in t im ida de s obre ele. Ela ofegou, s u rp res a , a o s en t ir o m em bro ereto pressionando-a, mas logo se abandonou à sensação prazerosa, gemendo.

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— Sen t i s u a fa lta — ele s u s s u rrou em s eu ou vido. — Nã o fa z m a is de u m d ia qu e es t ive a qu i, tã o per to de s eu corpo, en volvido em s eu ca lor , m a s a in d a assim senti sua falta.

— Você a in da n ã o es tá en volvido em m eu ca lor — ela p rotes tou , contorcendo o corpo de encontro ao dele, demonstrando a frustração em relação a isso.

— Pa rece im pa cien te, doçu ra — ele p rovocou , s or r in do, a n tes de mordiscar o lóbulo de sua orelha, fazendo-a estremecer.

— Diga-m e qu e você n ã o es tá — exigiu , pon tu a n do o ped ido com u m movimento provocante dos quadris.

— Estou. — Damien em it iu u m grunhido a o s en tir o pu ls a r da gru ta ú m ida e quente que o recebia com evidente prazer.

Deliciou-s e com s u a rea çã o s em res erva s e com a m a n eira com o ela in clin a va a s cos ta s , p rom oven do u m con ta to a in da m a is ín t im o. Os beijos a com pa n h a va m a s en s a çã o in igu a lá vel da qu ele con ta to tã o in ten s o. Nes s e m om en to, ele s en tia qu e Syreen a con fia va n ele com pleta m en te. Ca s o con trá r io, não se entregaria ao ato de completa exposição e vulnerabilidade.

Syreena apoiou a mão em seu peito, empurrando-o alguns centímetros para fitá-lo n os olh os . E a qu ele olh a r pen etra n te o fez lem bra r por qu e es ta va m a li naquele momento.

Ela pegou a adaga de metal com uma inscrição em vampyr no cabo.

— S erá cravad a em qu alquer coração con trário ao m eu — ela leu em voz alta, impressionando-o com a habilidade de compreender seu idioma.

— É um lema de família — ele explicou sorrindo.

— Pa s s ion a l dem a is pa ra u m va m piro. — Ela des lizou a lâ m in a fr ia por s eu peito. — Diga-me onde — pediu.

— Em qualquer lugar. A escolha é sua, Syreena.

A escolha era dela. Essa era a base do relacionamento entre eles.

Mas, dessa vez, ela não vacilaria. Com seus corpos perfeitamente unidos e a confiança que Damien depositava nela, não havia necessidade de escolher.

Moveu-s e tã o dep res s a , qu e ele qu a s e n em s en t iu o fr io da lâ m in a n o pes coço. Um a gota de s a n gu e b rotou do cor te, cor ren do ra p ida m en te pelo peito e pelo a bdôm en . O ra s tro deixa do pela s eiva da vida s e es ten deu a té a t in gir o loca l on de s eu s corpos s e u n ia m . Syreena s oltou a a da ga n o ch ã o e s e in clin ou , aproximando os lábios do pescoço de Damien.

No momento em que a boca tocou sua pele, ele teve a sensação do equilíbrio do m u n do s e a ltera n do à s u a volta . As p res a s s u rgira m com violên cia qu a n do ela começou a sugar.

Syreen a t in h a con s ciên cia do efeito qu e exercia . O m em bro ereto pulsava den tro dela , e ele gem ia com eviden te p ra zer . O s a bor n ã o era o qu e ela es pera va . Diferente da mistura de sal e metal que antecipara, era quase doce. E havia poder em s eu s a n gu e. Aqu ilo era d iferen te de tu do qu e ela poder ia ter es pera do. Era

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u m a m is tu ra den s a , erótica , en torpecen te. Nã o es ta va p repa ra da pa ra o fogo qu e exp lod iu em s eu ven tre e s e es pa lh ou por s eu s m em bros , qu a s e com o s e qu ises s e sair pelas extremidades das unhas e dos cabelos.

Damien es ta va a u m pa s s o do clím a x, exper im en ta n do toda s a s s en s a ções qu e Syreen a des cobr ia e ou tra s qu e ele con h ecia . Ela en cerrou o con ta to da boca com s eu pes coço. J á h a via s orvido m a is qu e o s u ficien te. Ele a en volveu com os b ra ços e con t in u ou s e m oven do, u r ra n do com o u m a n im a l n o cio, a s p res a s brilhando intensamente.

Ton ta , ela fech ou os olh os e s e en tregou a o erotis m o, deixa n do-s e leva r a o a b is m o de on de m ergu lh a r ia pa ra o p ra zer m a is a bs olu to qu e já s en t ira . Damien cra vou os ca n in os a lon ga dos em s eu pes coço, em bora já h ou ves s e ca ça do n a qu ela n oite. O ca lor do corpo de Syreen a o in u n dou , a lim en ta n do a luxúria. Nes s e m om en to, Damien en ten deu por qu e tu do en tre eles t in h a de s er com o era. Aqu ele era o tem pero da vida . Era em oçã o e pa ixã o em form a líqu ida , e s a b ia qu e n u n ca s e ca n s a r ia da s en s a çã o. Nem em u m m ilên io. Era a u n iã o de a lm a s , o casamento de espíritos, sangue, e corpo.

Era tudo. Ela era tudo.

— Eu a m o você — Syreen a arfou bem per to de s eu ou vido, a ga r ra n do-s e a ele. Damien s elou a s fer ida s a ber ta s em s eu pes coço e fitou -a. — Eu a m o você — ela repetiu, ao ver seus olhos azuis. Ela soluçou, chorando de emoção e prazer.

Damien n u n ca s en t ira o a rder da s lá gr im a s . En ter rou o ros to n a cu rva do pes coço dela , os cílios ú m idos em res pos ta a os s en t im en tos expos tos com ta n ta honestidade.

Qu a n do ela ch egou a o clím a x, foi com o s e s ofres s e u m a con vu ls ã o. Todo o corpo s e en r ijecia e pu ls a va em es pa sm os s u ces s ivos , a com pa n h a n do os r itm os dos soluços que ela não podia conter.

Damien t in h a a im pres s ã o de es ta r deixa n do o m u n do rea l. Qu a n do ch egou ao orgasmo com a pa rceira , teve cer teza de qu e n en h u m a ou tra força do p la n eta podia ser tão intensa.

Ele ca iu s ob re os t ra ves s eiros , e Syreen a la rgou -se s ob re s eu peito. Am bos res p ira va m com d ificu lda de, ten ta n do s e recu pera r . Damien n ã o im a gin a va n a da mais completo do que o que experimentara.

Ela h a via decla ra do s eu a m or . Sem pre s ou bera da exis tên cia do sentimento, mas ouvir as palavras o afetara de uma maneira nova e ofuscante.

De repente, acreditava ser capaz de qualquer coisa.

Porqu e o a m or de Syreen a por ele s ign ifica va m u ito m a is do qu e o a m or dele por ela.

Acon ch ega da a o pa rceiro, Syreen a viu a lu m in os ida de qu e in d ica va o n a s cer do d ia . Sen t ia -s e con ten te e s egu ra . Algo qu e s em pre fora tem ido por s eu povo, o s ol a gora a n u n cia va qu e os in im igos es ta va m in a t ivos , e qu e n en h u m deles deixa r ia a for ta leza n ova m en te a n tes do a n oitecer . Além d is s o, es ta r p res a no mesmo aposento que Damien reforçava a sensação de intimidade e segurança.

— Eu pos s o ou vir es s es pen s a m en tos a bs tra tos m es m o sem ten ta r — ele murmurou.

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Ela s orr iu e percebeu qu e n u n ca s or r ira ta n to em s u a vida . Sem pre fora u m a pes s oa m u ito s ér ia . Des cobr ira o h u m or a o ir viver com a irm ã . Ma s era Damien qu em p rovoca va u m s orr is o a trá s do ou tro de u m a m a n eira qu e n u n ca im a gin a ra s er pos s ível. Sen tia -s e con for tá vel con s igo m es m a pela p r im eira vez n a vida, e isso era necessário para tornar-se bem-humorada e feliz.

— Vai sempre se tornar tão filosófica depois de fazermos amor?

Ela riu, erguendo a cabeça para fitá-lo.

— Es pero qu e s eja a telepa tia a pa r te de você qu e vou a dqu ir ir . Gos ta r ia muito de bisbilhotar seus pensamentos.

— Doçu ra , eu a dora r ia is s o, pois m e pou pa r ia a s p relim in a res — ele provocou.

— Hu m m , ten h o cer teza qu e s im — d is s e, des cren te. — Ach o qu e você ficaria aborrecido se subtraíssemos as mordidas no pescoço disso tudo.

— É verdade — ele con cordou , r in do. — Sin to m u ito s e m e deixei leva r . Nã o consigo me conter.

— Nã o s e des cu lpe, Da m ien . Pa rece n a tu ra l qu a n do a con tece. Nã o é u m a invasão. Pelo contrário, amplifica as sensações.

— Acred ito n is s o. Nu n ca s en t i n a da pa recido a n tes . Você da r ia u m a vampira excelente.

— Obrigada.

Syrena ergueu-se, apoiando-s e n os b ra ços , m a s pa rou , em it in do u m ru ído de desconforto ao sentir o corpo protestar.

— Dolorida?

— Um pouco. Eu me sinto... Eu sinto como...

— Como se tivesse sido virada do avesso? — ele completou

— Sim. Claro, você sabe.

— Mas acredito que foi um pouco mais violento para mim.

— Permita-me discorda r . Es tou a ch a n do violen to n o m eu ca s o. — Gemeu ao mexer-se um pouco mais.

Sen t iu a s m ã os dele s e es ten derem pa ra a ju dá -la , m a s en tã o ele ficou imóvel, e ergueu o queixo como se ouvisse alguma coisa.

— O que foi?

Ele a olhou como se estivesse surpreso.

— Na da . Nã o, n ã o é verda de. Nã o é n a da m a u . Rela xe, doçu ra , es ta m os seguros aqui.

— Como sabe disso?

— Es ta m os cerca dos por va m piros . Eles s a bem qu e retorn ei, e n u n ca permitiriam que um invasor se aproximasse da propriedade.

— Pensei que vampiros não se congregassem na mesma área.

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— A Romênia é n oss a ter ra n a ta l. Aqu i é d iferen te. Os va m piros des s e pa ís es tã o liga dos à s m in h a s lin h a gen s por gera ções . Exis tem cer ta s lea lda des . Por is s o J a s m in e s u ger iu qu e viés s em os pa ra cá . Ela s a b ia qu e es ta r ía m os p rotegidos de todas as ameaças quando eu me cercasse de aliados.

— Então, o que está ouvindo?

— Era uma mensagem telepática.

— Que tipo de mensagem? E por que sonega tanta informação?

— Ach o qu e n ã o es tou h a b itu a do a ... bem , es qu eça . Foi s ó u m a s a u da çã o. Um cu m prim en to m u ito a n t igo s em equ iva len te lin gu ís t ico. — Pa rou pa ra ten ta r pen s a r em u m a exp lica çã o. — É u m a es pécie de "tu do es tá bem ". An u n cia o a m a n h ecer , m a rca a pa s s a gem do tem po e revela qu e tu d o es tá s ob con trole. Se a lgu ém res pon der , s ign ifica qu e h á a lgo er ra do. É s em pre bom fica r a ten to pa ra o caso de haver uma resposta.

— Isso é tão... licantropo!

— Não somos tão diferentes quanto podem pensar.

— Es tou perceben do is s o. Eu ... — Ela pa rou a o s en t ir o qu a r to gira r violentamente.

— O que foi? — Damien inquietou-se.

— Na da . Só u m a ton tu ra . Aí es tá , es s a é a pa r te de você à qu a l es tou destinada. A falta de equilíbrio.

— Nã o b r in qu e qu a n do, de fa to, n ã o es tá s e s en t in do bem . Es pero qu e n ã o tenhamos sido irresponsáveis ao fazer essa troca com tão poucas informações.

— Ma s fom os in form a dos ... — ela s e in ter rom peu n ova m en te, a gora sacudida por um tremor.

— Syreena?—Ha via u m a fa lta de tônus em seu corpo qu e o p reocu pa va . Ele a a m pa rou , s en ta n do-a s ob re a s pern a s e a poia n do s u a ca beça con tra o peito, esperando que a vertigem amenizasse.

— Vai passar — ela murmurou.

— Sa be, m e ocorreu qu e você n ã o tem s e a lim en ta do, des de qu e com eçou a passar muito tempo com dois de nós, que não precisam de comida. Pode ser isso.

— É, deve ser isso. Claro.

Ela respirou profundamente e desmaiou nos braços dele.

Damien es ta va en cu rra la do. Nu m a ca s a va zia , com o s ol b r ilh a n do do la do de fora , s em s u p r im en tos e s em m eios de ob ter a ju da . Syreena res p ira va com d ificu lda de. Deita da n a ca m a , cober ta por u m len çol, ela perd ia ca lor ra p ida m en te. Ele n ã o con s egu ia en con tra r exp lica çã o pa ra is s o, s e n ã o a qu ela que mais temia.

Ele sobrevivera à sua parte da troca, mas fora por pouco. Jasmine garantira qu e a troca t in h a s ido bem -s u ced ida d ivers a s vezes n o pa s s a do. Ma s , e s e a s m u ta ções de Syreen a a torn a s s em d iferen te dos ou tros Nightwalkers? Se a lgu m a coisa acontecesse a ela em função da experiência, ele não sobreviveria.

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Obrigou-s e a s e tranquilizar. Ela es ta va pa s s a n do por u m a a ltera çã o dramática em sua estrutura fisiológica. Precisava de tempo para se recuperar. Ele m es m o leva ra u m d ia pa ra s u pera r o efeito. Pen sa r n is s o o im ped iu de en tra r em pânico, mas não o ajudou a relaxar.

Passou o dia em vigília, tão atento que sabia quantas vezes ela respirava em u m a h ora . Cerca de cin co h ora s depois do des m a io, ela com eçou a res p ira r melhor, como se apenas dormisse.

Sustentando-a con tra o peito, fech ou os olh os , m a s n ã o dorm iu . Cerca de três horas antes do anoitecer, ela começou a ficar inquieta, piscando sem abrir os olh os e retorcen do a boca em in terva los ir regu la res . De repen te, com eçou a s e contorcer b ru ta lm en te, com o s e t ives s e u m pes a delo. Sa ber qu e ela m es m a fizera a escolha não amenizava o desconforto que ele sentia diante de seu sofrimento.

Ela trem ia , e os trem ores s e in ten s ifica ra m a té qu e ele teve a im pres s ã o de qu e s u a colu n a s e qu ebra r ia com os es pa s m os violen tos . Na qu ele m om en to, desejou qu e J a s m in e n u n ca t ives s e m en cion a do a t roca . Na da qu e d is s es s e res peito a o a m or e à u n iã o dever ia s er tã o doloros o, pen s ou com ra iva . Es qu eceu -s e de qu e ele m es m o n ã o t in h a s e im porta do ta n to a p ós en fren ta r o p roces s o. Porém, tudo que ele conseguia ver era a mulher que amava sofrendo.

Fin a lm en te, u m a h ora a n tes do a n oitecer , ela m ergu lh ou n u m s on o p rofu n do. Nã o h a via m a is s on h os . A tem pera tu ra do corpo volta va a o n orm a l como a respiração. A transpiração abundante havia cessado.

Ele trocou o len çol e, deita do a o la do dela , con tin u ou a corda do, a in da s u s ten ta n do s u a ca beça con tra o peito. Mes m o a s s im , n ã o n otou a s om bra cin za n a lin h a da tes ta , on de os ca belos n ovos cres cia m ra p ida m en te, con torn a n do o rosto de Syreena. O cinza ia ganhando um tom mais escuro e o castanho também s e torn a va m a is p rofu n do. Pela p r im eira vez des de a en ferm ida de qu e qu a s e a m a ta ra n a in fâ n cia , ela a dqu ir ia u m tom qu a s e u n iform e de ca belo. No fin a l, toda s a s mechas era m n egra s , relu zen tes , em bora de u m tom m en os in ten s o qu e o de Damien. Res ta va m a lgu m a s mechas cin zen ta s e ca s ta n h a s , e o m a n to qu e com eça va em s u a ca beça e des cia pela s cos ta s s e d ivid ia a gora em p reto, castanho e cinza, com o negro predominante.

Qu a n do Syreen a fin a lm en te a b r iu os olh os , já era n oite. Sen tiu -se in cr ivelm en te feliz a o perceber qu e des per ta va en tre os b ra ços do p a rceiro. Todos os t ra ços de ver t igem h a via m des a pa recido, m a s s en t ia a lgu m a s á rea s do corpo doloridas. Não sabia o quanto a metamorfose poderia ser precisa.

Damien s en tiu s eu s pen s a m en tos a n tes m es m o de ela s e m over , e a b r iu os olh os ra p ida m en te, fita n do-a . A m u da n ça e o cres cim en to dos ca belos era m d ra m á ticos , e ele p recis ou de a lgu n s in s ta n tes pa ra a bs orver o im pa cto. Ain da n ã o s e h a via recu pera do qu a n do viu os olh os de Syreen a . Agora a m bos era m negros, com reflexos cinzentos, castanhos, e de um azul-escuro.

Por um momento, foi como fitar os olhos de uma estranha. Mas ela sorriu, e ali estava Syreena, a mulher que ele amava. Suspirou, aliviado.

— Acho que tenho uma ideia do que vai absorver de mim — ele disse.

— Incomoda-se de compartilhar?

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— Bem... — Ele se debruçou na beirada da cama e pegou a faca no chão. — Olhe para a lâmina.

Ela viu o reflexo distorcido do próprio rosto.

— Eu combino!

Era u m a excla m a çã o in fa n t il de deleite, e ele ficou u m pou co con fu s o. Im a gin a ra qu e ela pu des s e fica r per tu rba da com a qu ilo, e n ã o lh e ocorrera qu e a n ova u n iform ida de de cores poder ia s er prazerosa pa ra ela . E en ten deu o motivo. Apes a r de a cor a in da s er ú n ica , n ã o era a lgo qu e a m a rca s s e com o u m s er d iferen te. Ela con t in u a va vira n do a lâ m in a pa ra a p recia r s u a n ova a pa rên cia de diferentes ângulos.

— Eu gostaria de saber o que significa — ela disse suavemente.

— O que significa?

— O negro, Damien. Lembra? A cor do cabelo de um licantropo representa a forma que ele toma.

— Um corvo?

— É pou co p rová vel. Eu lh e dei es s a form a . Du vido qu e pos s a devolvê-la . E m eu b ra ço... — Ela s e s en tou e rem oveu a ba n da gem e a ta la , s or r in do a o movimentá-lo perfeitamente. — Quero voar!

— Syreena!

Mas ela já corria para a janela e a abria.

— Syreena! E se você perdeu o falcão?

— Eu saberia. Ele ainda está comigo.

Ela m ergu lh ou n o a r a in da em s u a form a h u m a n a . Da m ien correu a té a janela com o coração apertado, quase temendo olhar para baixo. Logo, avistou-a.

Seu corpo a t lét ico des creveu u m a rco a s cen den te, pa s s a n do d ia n te da ja n ela com o u m a flech a . A lu a b r ilh a va s ob re os ca belos n egros de s u a form a mista, asas largas transportando-a pelo céu como uma criatura mítica, um anjo.

No in s ta n te em qu e o corvo s a ltou pa ra unir-se à pa rceira , ela s e t ra n s form ou n o fa lcã o, qu e a gora os ten ta va a n ova cor d e s eu ca belo. As cos ta s era m n egra s , a ba rr iga era de u m cin za s u a ve, e todo o res ta n te do corpo era escuro como carvão.

Fa lcã o e corvo m ergu lh a ra m com a s in cron ia im pres s ion a n te da s a ves . Syreen a o con du zia . Sa b ia qu e s er ia n eces s á r io a lgu m tem po a té ele des en volver s u a s h a b ilida des , m a s já h a via a p ren d ido o s u ficien te pa ra s e m a n ter n o a r . Ela tom ou a d ireçã o do la go e, m a is u m a vez, transformou-se n o a r , a s s u m in do a form a de qu e ta n ta fa lta s en t ira , o á gil golfin h o. Ela cor tou a s u perfície da á gu a em a lta velocida de e s em ca u s a r res p in gos . O golfin h o s e m ovia com o u m ra io cinzento, desafiando o olhar com sua espantosa velocidade.

Da m ien pou s ou n a m a rgem do la go, retom a n do s u a form a m a is n a tu ra l. Ela emergiu como mulher, sua risada exultante enchendo-o de alegria.

— Só uma semana, mas parece tanto tempo! — Syreena exclamou.

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— Então, existe alguma diferença além da coloração?

— Sim, certamente, mas ainda não sei o que é.

— Não consegue ouvir meus pensamentos?

— Sim, eu escuto, mas não tem nada a ver com telepatia.

— Ela ergueu uma das mãos, chamando-o com sensualidade.

— Humm, o resultado é o mesmo — ele disse, mergulhando.

Quando ele emergiu, emitiu um chiado ofegante.

— Isso mesmo. Estamos no inverno, não?

— Deixe-me adivinhar: não está sentindo a temperatura da água?

— Não muito — ela concordou, deixando-se abraçar.

— Mas sinto suas mãos frias.

— Mas não como antes.

— Porqu e eu es ta va p repa ra da . E porqu e n ã o es tou n a m in h a form a inteiramente humana.

Só então ele sentiu uma longa cauda batendo em suas pernas.

— Ora , ora , s e n ã o é a pequ en a s ereia . — Ele r iu , a ca r icia n do s u a s cos ta s e sentindo a textura da região onde pele encontrava escamas.

— Não me peça para cantar! Sou muito desafinada.

— Até m es m o com o es p ír ito da s ereia em você? Difícil de a cred ita r . — Beijou-a antes que ela pudesse responder.

— Ach ei qu e t ives se ou vido recla m a ções qu a n to à tem pera tu ra da água — ela murmurou, aconchegando-se ao corpo imerso.

— Sim , m a s con form e perco o ca lor do corpo, fica m a is fá cil. Ach o qu e você n ã o pode d izer o m es m o. Im a gin o com o va i rea gir à s m ã os gela da s do p r ín cipe desta vez.

Ela riu e se soltou, mergulhando com surpreendente agilidade.

— Pa ra des cobr ir , va i ter qu e m e pega r! — gr itou , a gita n do a ca u da de maneira insolente para espirrar água nele.

Da m ien n ã o a s egu iu . Pa ra do on de es ta va , es perou qu e ela t ives s e de volta r à ton a p a ra res p ira r . Qu a n do is s o a con teces s e, ter ia de a qu ecê-lo com o penitência.

J a s m in e en trou n o ca s telo e ten tou iden t ifica r a poderos a m a rca da presença de Damien.

Ele es ta va lá fora . Im pa cien te, s u s p irou a o recon h ecer a p res en ça de s u a nova sombra. A mulher nunca o deixava em paz?

Ter ia de s e res ign a r com is s o. Da m ien p reten d ia mantê-la a o s eu la do com o os h u m a n os m a n tin h a m a n im a is de es t im a çã o. Um a com pa ra çã o m u ito

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apropriada, considerando-se qu e ela era m a is a n im a l do qu e qu a lqu er ou tra coisa.

J a s m in e ter ia de s e a da p ta r à s m u da n ça s . Consolava -se com os a con tecim en tos qu e s e a p roxim a va m tã o ra p ida m en te. Pelo m en os , n ã o fica r ia en ted ia da . Por ou tro la do, p rova velm en te h a ver ia a lgu m a s ba ixa s in des ejá veis . E Damien tinha grande chance de estar no topo da lista.

Porém , já fizera s u a es colh a . Decid ira fica r a li. Perm a n ecer ia a o la do do h om em qu e era com o u m irm ã o e u m pa i pa ra ela . E s u por ta r ia a p res en ça de Syreen a . Da m ien p recis a va de s u a a ju da , e n ã o o a ba n don a r ia em u m m om en to tão perigoso.

Em bora h ou ves se s ido decid ido qu e s e es pera r ia pelos in im igos , J a s m in e h a via tom a do u m a decis ã o pes s oa l. Con corda va com a n eces s ida de de tem po e es forço pa ra a borda rem a s itu a çã o da m a n eira m a is a p ropr ia da , m a s h a via a lgo que podia e devia ser feito imediatamente.

Depois de pen s a r n is s o o d ia todo, decid ira in clu ir Da m ien em s eu s p la n os . Ele m a n ifes ta ra s u a op in iã o s ob re o a s s u n to de ta l form a qu e, a gora , t in h a recursos para convencê-lo de seu ponto de vista.

Des de qu e s u a a m igu in h a n ã o t ives s e opor tu n ida de de s e opor . Nes s e ca s o, Syreen a o a fa s ta r ia do ca m in h o qu e ela t ra ça ra . Algo qu e cos tu m a va fa zer com uma frequência irritante.

O tru qu e con s is t ia em s epa rá -los por tem po s u ficien te pa ra con ven cer Da m ien de qu e s u a ideia era boa . Tin h a u m p la n o pa ra is s o, e já com eça ra a colocá-lo em p rá t ica . Em pou co tem po, a lia dos com eça r ia m a ch ega r , e eles reorga n iza r ia m e revita liza r ia m o ca s telo. E s er ia m a is ca idea l pa ra a princesinha.

Segu iu pa ra os a p os en tos qu e s em pre ocu pa ra n o ca s telo. Agora , era m p róxim os dem a is dos de Da m ien , e, por is s o, es colh er ia ou tros n a a la m a is afastada do adorável casal.

En qu a n to es pera va pela ch ega da dos ou tros , com eçou a t ra n s fer ir s u a s coisas.

Damien interrompeu o beijo para olhar para o castelo.

— Temos companhia — ele disse.

— Vamos ver se adivinho...

— Sim , é J a s m in e. — Ele r iu . — Ma s eu n ã o m e p reocu pa r ia com is s o. Há va m piros s e m oven do n es s a d ireçã o. Vá r ios . Devem s er os a lia dos qu e vã o fica r conosco no castelo.

— Lembre-m e de d izer a ela o qu a n to s ou gra ta por is s o — Syreena com en tou com iron ia . Em u m a cor te ch eia e m ovim en ta da , ter ia m pou ca s opor tu n id a des pa ra a delicios a in t im ida de qu e vivia m n o m om en to. Depois de qu in ze a n os s en do con s ta n tem en te obs erva da , a dora r ia ter m a is tem po pa ra viver em paz, sem olhos atentos acompanhando cada um de seus passos.

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— Ela n ã o é tota lm en te res pon s á vel. Os ou tros s en t ira m m in h a p res en ça e foram atraídos por uma combinação de tradição e curiosidade.

Damien s a b ia qu e ela en ten d ia qu e s er ia m elh or a s s im , em bora o m om en to fosse de perigo. A relação entre eles se tornaria conhecida, e teriam de enfrentar a op in iã o pú b lica e a rea çã o do povo. Ela devia es ta r p reocu pa da . Ma s va m piros n ã o era m com o os lica n tropos n es s e s en tido. Os qu e d is corda s s em da ideia do rela cion a m en to n ã o a n u n cia r ia m a ber ta m en te, p refer in do gu a rda r s egredo e a dequ a r a s itu a çã o a p ropós itos p rópr ios . A m a ior ia , porém , deixa r ia de s e in teres s a r pela h is tór ia rela t iva m en te dep res s a . Es s a era u m a circu n s tâ n cia em que a instabilidade dos vampiros seria conveniente.

Syreen a e Damien retorn a ra m ju n tos pa ra a n ova ca s a , on de s e ves t ira m para receber os qu e logo ch ega r ia m . Ela ficou p ron ta p r im eiro e, qu a n do es ta va saindo, chocou-se contra Jasmine.

A fêm ea de va m piro com eçou a s e des cu lpa r , m a s ca lou -s e a o perceber a a ltera çã o n os ca belos e n os olh os da p r in ces a . Syreen a com preen dia a s u rp resa em s eu s olh os , e via cla ra m en te qu e, a lém do ch oqu e, h a via ta m bém u m profundo descontentamento com a transformação.

— Pelo qu e vejo, vocês con clu íra m a t roca — ela com en tou fin a lm en te. — Eu os con gra tu lo por is s o. Sã o os p r im eiros em m ilh a res de a n os a rea liza r es sa eta pa da u n iã o. Se p recis a r de a ju da pa ra o res ta n te da cer im ôn ia , n ã o h es ite em me procurar.

— É cla ro. — Syreen a es ta va s u rp res a com a in u s ita da generosidade. — Damien me disse que os aliados estão chegando.

— Sim, logo estarão aqui. Suponho que esteja ansiosa.

Ma is u m a vez, Syreen a teve a s en s a çã o de qu e J a s m in e es con d ia a lgu m a cois a e qu e, por is s o, s en t ia gra n de pra zer com u m a a firm a çã o a pa ren tem en te banal.

— Por quê?

— Agora , é a s en h ora des s e ca s telo, p r in ces a . E, com o ta l, terá de tom ar todas as providências para que funcione perfeitamente. Sempre desempenhei esse papel, mas agora ele é seu.

— Ah , s im , en ten do. Bem , es tou fa m ilia r iza da com is s o. Adm in is trei a ca s a de minha irmã dessa mesma maneira.

J a s m in e s or r iu . Ser ia d iver t ido ver a lica n tropo ten ta n do da r orden s pa ra uma equipe de vampiros.

— En tã o, s u giro qu e vá recebê-los . Eles já es tã o n a por ta . — Segu ra n do o b ra ço de Syreen a , ela a con du ziu n a d ireçã o cer ta . — E vã o con tin u a r ch ega n do du ra n te toda a n oite. Você va i con s egu ir d iferen cia r os cr ia dos dom és ticos dos serviçais de pos içã o m a is eleva da , é cla ro. Syb il, qu e n o pa s s a do foi n os s a govern a n ta , s erá a p r im eira a a pa recer , s e a con h eço bem , e s erá u m a excelen te assistente para você.

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Damien es ta va en cos ta do a u m a pa rede, os b ra ços cru za dos s ob re o peito, os olh os es cu ros s egu in do a pa rceira qu e, a gita da , s e in cu m bia de orga n iza r tu do n a ca s a . Ela or ien ta va cr ia dos , cu m prim en ta va h ós pedes , e t ra ta va a todos com cor tes ia e a ten çã o. A ca s a , ela exp lica va , es ta r ia em ordem em a lgu m a s n oites , e en tã o ela orga n iza r ia u m a reu n iã o pa ra todos qu e des eja s s em p res ta r s u a s h om en a gen s a o p r ín cipe. Ela evita va ofen dê-los recu s a n do d ireta m en te a com pa n h ia deles , va len do-s e de u m a s im pa t ia e de u m a gra ça qu e era m pu ra diplomacia.

Percebeu qu e n in gu ém qu e n ã o es t ives s e m u ito a ten to d ir ia qu e ela n ã o era va m piro. Pr im eiro, era u m a ideia in con ceb ível qu e Damien es ta beleces s e u m a u n iã o com u m a fêm ea qu e n ã o per ten cia à ra ça e, por ta n to, n ã o h a via ra zã o pa ra es pera r por is s o. Os qu e es ta va m in tr iga dos por ela n ã o des per ta r a qu ela s en s a çã o qu e a ler ta va os va m piros pa ra a p res en ça u n s dos ou tros n ã o ia m a lém de u m in tr iga do ergu er de s ob ra n celh a . Se a lgu ém a exa m in a s s e va len do-s e da s membranas oculares s en s íveis a o ca lor , s a ber ia im ed ia ta m en te a verda de, porqu e ela seria um lampejo fulgurante de vermelho na visão daquelas criaturas.

E n es s e m om en to h a ver ia u m a rea çã o. Por is s o, Damien os obs erva va atentamente, pronto para interferir em caso de alguma resposta adversa.

Logo o equ ilíb r io en tre a qu eles qu e a li es ta va m pa ra t ra ba lh a r ou m ora r n a ca s a ch egou a o pon to a pa r t ir do qu a l Damien pod ia rela xa r . Aqu ela s era m a s pessoas mais leais que conhecia, seres que haviam defendido sua casa arriscando a p róp r ia vida . Do m ordom o à lavadeira, s u a s fa m ília s o s ervia m h a via era s e con s idera va m is s o m otivo de orgu lh o. Pa ra ele, n ã o im porta va qu e fos s em os m en os poderos os da es pécie, o qu e os lim ita va à qu ela ca m a da s ocia l n a cu ltu ra dos vampiros. Havia nesse povo aparentemente submisso um poder que superava de longe os daqueles com quem Damien se relacionava na esfera pessoal.

Era o poder do con ten ta m en to, da lea lda de, da s a t is fa çã o, cois a s tã o elu s iva s pa ra os qu e detin h a m h a b ilida des s u per iores . Só a gora en ten d ia tu do is s o. Es s e poder vin h a da tranquilidade, de n ã o terem de s e p reocu pa r com a pos s ib ilida de de, a qu a lqu er m om en to, a lgu ém os es fa qu ea r pela s cos ta s ou a r ra n ca r s u a ca beça . Era m cr ia tu ra s qu e h a via m es ta do s em pre lim ita da s à m es m a ter ra , a o m es m o clã , a os m es m os rela cion a m en tos . Sem pre. E is s o da va a eles segurança, em vez de tédio.

Damien estava fascinado.

Agora qu e ta m bém en con tra ra con ten ta m en to, ele s en tia u m a gra n de a legr ia em poder a s s is t ir à qu ela d in â m ica . Evita ra a qu ela ter ra e a qu ela s pes s oa s por m u ito tem po porqu e eles o a borrecia m e fru s tra va m com s eu s p ra zeres aparentemente simplistas. Antes, não compreendia a vida como agora.

Podia perceber, pela atmosfera jubilante, que todos estavam felizes com seu retorno. Tinham sentido falta da presença de seu príncipe. S e os d e pos ições m ais elevadas o recebes s em tão bem ... Mas lidaria com isso quando fosse a hora.

Qu a n do p ercebeu qu e h a via n o s a lã o pelo m en os dez va m piros dom és ticos con h ecidos , a fa s tou -s e da pa rede. Nin gu ém ca u s a r ia p rob lem a s , a gora qu e todos t in h a m vis to qu e Syreena com a n da va a ca s a com s u a a p rova çã o. Os qu e a gora a cerca va m ga ra n t ir ia m s u a p roteçã o, ca s o a in da h ou ves s e a lgu m tolo com a

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in ten çã o de des a fiá -la . Era eviden te qu e ela era a pa rceira do p r ín cipe, e s er ia respeitada e protegida tanto quanto ele.

Ele a p roveitou a opor tu n ida d e pa ra p rocu ra r Jasmine, qu e h a via s olicita do u m a a u d iên cia p r iva da a s s im qu e fos s e con ven ien te. Com o qu er ia fa zê-la en ten der qu e a in da era im porta n te e qu e va lor iza va m u ito s u a op in iã o e s u a presença, decidiu que era uma boa hora para atender ao pedido.

Jasmine in s tru ía Lú cia , u m a cr ia tu ra pequ en in a e delica da , s ob re com o ela qu er ia qu e o qu a r to fos s e m a n tido, e com o s u a s cois a s devia m s er orga n iza da s , quando Damien a en con trou . Ela h a via s e m u da do pa ra u m a a la a fa s ta da , depois de cinco séculos ocupando o quarto em frente ao dele.

Ele s en tia u m a in ten s a dor em s eu cora çã o a o obs erva r es s a res is tên cia pa s s iva à s m u da n ça s em s u a vida , m a s fizera todo o pos s ível por ela , e a gora ela fa zia tu do qu e pod ia pa ra s e a da p ta r . Ta lvez o tem po trou xes s e s olu ções melhores.

— Queria falar comigo? — Damien perguntou ao entrar.

Teve de con ter o r is o a o ver Lú cia fitá -lo com olh os m u ito a ber tos e a s s u s ta dos . J ovem , ela n u n ca h a via es ta do n a p res en ça do p r ín cipe va m piro antes, e devia se sentir intimidada por histórias e rumores que tinha ouvido.

— Damien — J a s m in e o cu m prim en tou com u m s orr is o tern o, cor ren do a abraçá-lo. — Fico feliz por ter vindo. Há algo que gostaria de discutir com você.

Com o b ra ço en trela ça do a o dele, conduziu-o pa ra u m a a n tes s a la empoeirada e vazia.

— Está tra m a n do a lgu m a cois a — ele com en tou a s s im qu e a por ta s e fechou.

— Con fes s o qu e s im . Da m ien , con cordo com tu do qu e já foi deba tido s ob re es s a s itu a çã o en volven do os ren ega dos Nigh twa lkers , m a s a cred ito qu e h á a lgo que devemos fazer.

— Jasmine, está procurando encrenca.

— Exatamente! E você ta m bém dever ia es ta r ! Da m ien , você é o p r ín cipe, e eu s ou s u a con s elh eira m a is confiável. Sem pre es t ive n o com a n do d os a s s u n tos dom és ticos , e você s em pre os delegou a m im . Des de qu a n do perm itim os qu e ou tros decida m n os s a s qu es tões in tern a s ? Tem os u m a res pon s a b ilida de à qu a l devem os n os ded ica r im ed ia ta m en te. O pa t ife va m piro. Tem os de des cobr ir s u a iden t ida de. Precis a m os s a ber qu em é o t ra idor , ou correm os o r is co de divulgarmos informação a quem não deve tê-la.

Damien estudou-a, ten ta n d o en con tra r a s rea is m otiva ções em s u a exp res s ã o e n a lin gu a gem corpora l. O qu e ela d izia fa zia s en t ido, m a s era im pos s ível ign ora r a im pres s ã o de qu e h a via m otivos ocu ltos por t rá s da lógica . Por outro lado, Jasmine sempre os tinha.

— É bem prová vel qu e o t ra idor s eja u m da qu eles n os qu a is n u n ca confiamos — ele argumentou.

— E se não for? Você nunca ignorou possíveis ameaças, Damien.

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— J a s m in e, n ã o m e s in to feliz com o qu e vou d izer , m a s n ã o p reten do promover um confronto com um vampiro que tem o apoio de alguém como Ruth... e de m a gia n egra , ta m bém . Qu em qu er qu e seja , ele já m a tou u m in ocen te. Is s o o modificou para sempre.

— Sim , e n ós dois s a bem os em qu e pode s e t ra n s form a r u m va m piro qu e a tra ves s ou es s e lim ite. No pa s s a do, você n ã o des ca n s a r ia en qu a n to n ã o det ives s e esse ser. Por que hesita agora?

— Porque não penso mais somente em mim mesmo.

— Está dizendo que tem medo de preocupar sua frágil parceira?

— Estou dizendo que tenho um povo para comandar, e que sou responsável por liderar essa gente nessa era de paz. Se eu morrer agora, quem pode saber que tipo de vampiro vai me suceder?

— Prova velm en te s er ia eu . — Ela r iu . — Ach a qu e eu n ã o m a n ter ia s u a s ideias?

— Você? — Da m ien ga rga lh ou , p rovoca n do s u a in d ign a çã o. — Jasmine, você n ã o con s egu e pa s s a r m a is de u m s écu lo s ob re a ter ra ! Ser ia depos ta n a primeira crise de melancolia.

— Agora está sendo injusto!

— Nã o es tou , ou você n ã o es ta r ia tã o a borrecida . Meu bem , você n ã o tem pa ciên cia pa ra govern a r . Você s a be qu e a a m o e con to m u ito com você, m a s ta m bém a con h eço com o n in gu ém . No fu n do, s a be qu e es tou cer to. Min h a m or te, con d içã o in d is pen s á vel pa ra você s u b ir a o tron o, s er ia s u ficien te pa ra la n çá -la num poço sem fundo de dor e depressão.

— Es tá s u peres t im a n do s u a im por tâ n cia — ela d is pa rou . Ma s a m bos s a b ia m qu e era b ra va ta . — De qu a lqu er m a n eira , n ã o es tou s u ger in do qu e pa r t icipe pes s oa lm en te des s a ba ta lh a . Ma s a ch o qu e dever ía m os ten ta r u m reconhecimento. Não quer saber quem traiu nosso povo dessa maneira tão vil? Se n ã o es tá cu r ios o, s ó p recis a m e d izer , e n u n ca m a is ten ta rei con ven cê-lo a descobrir o nome do culpado.

Jasmine o conhecia bem.

— Su pon h o qu e já tem u m a ideia de com o podem os descobr ir qu em é o traidor?

— Devem os com eça r pela b ib lioteca . É pos s ível qu e en con trem os a lgu m a cois a por lá . Se t iverm os s or te, o ra s tro de Ru th a in da n ã o terá es fr ia do por completo. Só nós poderíamos nos aproximar dela sem sermos detectados.

— E s e o va m piro qu e a a com pa n h a for s u ficien tem en te poderos o pa ra perceber nossa presença?

— Nin gu ém tem es s e poder . Va m os n os en cobr ir . Nin gu ém ja m a is n os percebeu nessas condições.

Damien ficou em s ilên cio por u m m om en to, ten ta n do pen s a r com cla reza , em vez de agir por impulso. Queria descobrir o traidor e puni-lo. Se conseguissem s a ber o n om e do cu lpa do, ter ia m u m a va n ta gem , pois ele a cred ita r ia poder s e m over por en tre os de s u a ra ça s em s er iden tifica do pela du p licida de. Ta lvez

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a s s im pu des s e s epa rá -lo da fêm ea de dem ôn io, torn a n do ca da u m deles m a is vu ln erá vel. En tã o, ca s t iga r ia o tra idor de form a exem pla r , com o s em pre fizera . E is s o s ó s er ia pos s ível n es s e m om en to, a n tes de Ruth ter a ch a n ce de exp lora r s eu con h ecim en to s ob re a t roca , ou a n tes de o va m piro com eça r a a p ren der os truques de magia negra com a nova aliada.

— Muito bem — ele decidiu. — Dê-me apenas um instante com Syreena...

— Nã o tem os tem po, Damien. Os lica n tropos es tã o es va zia n do a b ib lioteca . Logo não haverá mais um rastro a ser encontrado.

— Nã o pos s o deixá -la s ozin h a em u m a ca s a ch eia de va m piros qu e n ã o percebem quem e o que ela é!

— Ela é tã o frá gil a s s im ? Depois de ter m a ta do Nico, im a gin o qu e con s iga manter na linha um punhado de meros criados.

Jasmine tinha razão. Estava sendo superprotetor. Syreena era mais forte do qu e im a gin a va , e es ta va a cos tu m a da a cu ida r de u m a ca s a ch eia de cr ia dos e de h ós pedes es tra n h os . Nã o h a via n in gu ém ca pa z de fa zer m a l a ela . Se con s egu ira derrota r s ozin h a e com fa cilida de o filh o de Nico, cer ta m en te s a ber ia s e im por diante dos criados.

O des ejo de s a ber qu em era o pa t ife era m a ior do qu e tu do, e Damien sucumbiu ao impulso. Apressado, deixou o castelo acompanhado por Jasmine.

* * *

Passou-s e m a is de u m a h ora a n tes qu e Syreen a percebes s e qu e Damien deixa ra a p rop r ieda de. Nes s e per íodo, estivera ocu pa da d is t r ibu in do ta refa s e ignorando olhares desconfiados de mais e mais recém-chegados em todas as salas em qu e en tra va . A equ ipe de va m piros com eça va ra p ida m en te a perceber qu e ela n ã o era u m deles . Sa b ia d is s o, pois era ca da vez m a is d ifícil fa zê-los res pon der à s suas solicitações.

Nã o qu er ia cor rer ch ora n do pa ra os b ra ços de Damien e, por is s o, s e em pen h a ra em res olver a s itu a çã o s ozin h a , m a s n ã o t in h a u m ú n ico a lia do, e a dificuldade começava a prejudicar sua eficiência.

J a s m in e cer ta m en te es pera va a lgu m a cois a des s e t ipo e, por is s o, t in h a desaparecido.

Syreen a h a via es pera do a lgu m a s d ificu lda des , m a s n ã o im a gin a ra qu e Damien a deixa r ia s ozin h a em con d ições tã o h os tis . Por ou tro la do, es ta va s a t is feita por ele ter s a ído do ca m in h o e deixa do tu do em s u a s m ã os , em vez de ficar tentando cercá-la de cuidados e proteção.

— Bem, não posso ter as duas coisas — ela resmungou.

Ele devia ter s a ído pa ra ca ça r . Com ou s em J a s m in e. Nã o t in h a importância. Só queria que ele voltasse logo.

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Viu u m a cr ia da qu e devia es ta r va rren do a s la reira s va ga n do pelo s a lã o. E era a terceira vez qu e a s u rp reen d ia em fla gra n te des obed iên cia . Era h ora de mostrar quem estava no comando.

Abordou-a qu a n do ela en tra va n o s a lã o p r in cipa l, on de ou tros qu a t ro serviçais ten ta va m pôr tu do em ordem . Ali a la reira já h a via s ido va rr ida . Respirou fundo para conter a ira.

— Oria!

O s ilên cio a ba teu -s e s obre o s a lã o. O tom de voz da n ova s en h ora n ã o deixava dúvidas quanto ao motivo do chamado.

— Sim? — respondeu a jovem indolente.

— A lareira desse salão já foi varrida.

— E...?

Syreena notou o interesse dos outros quatro criados.

— E... A m en os qu e qu eira la va r os ba n h eiros , s u giro qu e volte a va r rer a s la reira s qu e a in da n ã o es tã o lim pa s . E, s e ou s a r m e des obedecer ou des res peita r , será expulsa dessa casa e nunca mais voltará a ela. Fui clara?

— Nã o pode m e pôr pa ra fora . Você n ã o é n a da ! Logo Da m ien terá ou tra mulher em sua cama, e ninguém vai nem se lembrar do seu nome.

Ris a da s a ba fa da s s oa ra m n a s a la , m a s du ra ra m a pen a s três s egu n dos . Foi o tem po de qu e Syreen a p recis ou pa ra a ga rra r a jovem in s u bord in a da pelo pescoço e s egu rá -la con tra a pa rede m a is p róxim a com u m es tron do a s s u s ta dor. A cr ia da em it iu u m s om es tra n gu la do, ten ta n do s e livra r da m ã o qu e era com o uma garra de aço.

Quando os outros se aproximaram para tentar ajudá-la, Syreena os recebeu com um grunhido que os deteve.

— Ten tem toca r em m im , e des cobr irã o exatamente qu a l é a im por tâ n cia da m in h a p res en ça n a ca s a d e s eu p r ín cipe. Pos s o ga ra n tir qu e ele n ã o va i s e contentar em simplesmente expulsá-los daqui.

A dem on s tra çã o de con fia n ça os a t in giu , e eles recu a ra m . Syreen a olh ou novamente para a jovem criada mantida contra a parede.

— Todos vã o a pren der com a s u a liçã o, m en in a . Nã o gos to de m e repet ir , e s ó a vis o u m a vez. Sou u m a p r in ces a lica n tropo, e es tou a cos tu m a da a s er obedecida s em qu es tion a m en to. Nã o a ceita rei m en os dos cr ia dos qu e s ervem n a casa de meu parceiro.

O a vis o s e es pa lh a r ia ra p ida m en te en tre os va m piros . Os qu a tro cr ia dos qu e h a via m a s s is t ido à cen a con ta r ia m a os ou tros s ob re a n a tu reza volá t il da princesa licantropo, e sobre como não era sensato provocá-la.

— Sa ia des s a ca s a por con ta p rópr ia , ou va i ter de s a ir pela s m in h a s m ã os . E n ã o es qu eça qu e s ó a vis o u m a vez — Syreen a d is s e, s olta n do-a . Ign ora n do a ga rota qu a s e des fa lecida a os s eu s pés , virou -s e pa ra os ou tros s or r in do. — Estão fazendo u m excelen te tra ba lh o a qu i n o s a lã o. Qu a n do term in a rem , Syb il da rá n ova s in s tru ções . Lembrem-se, a voz dela é a m in h a voz a qu i den tro, e m in h a voz

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é a voz de Da m ien . — Após la n ça r u m olh a r de des dém pa ra Or ia , s a iu pa ra procurar o príncipe.

As s im qu e Syreen a s e ret irou , a in d ign a da fêm ea de va m piro s e leva n tou e caminhou para os outros.

— Nã o é a bs u rda a ou s a d ia des s a fora s teira ? Qu em ela pen s a qu e é? Pa rceiro? Pa rceira de Da m ien ? Ele ja m a is s e liga r ia a a lgu ém qu e n ã o fos s e vampiro!

— Ca le a boca , Or ia — u m dos h om en s a cen s u rou . — O qu e s a be a res peito dele? O p r ín cipe pa s s ou m u ito tem po lon ge da qu i. Ma is tem po do qu e você tem de vida.

— Se s a be o qu e é bom pa ra você, m en in a , s u giro qu e vá em bora — disse outro. — Se o qu e ela d iz é verda de, Da m ien va i a r ra n ca r s u a ca beça por ter ousado desafiá-la.

Sem a lia dos , Oria com preen deu qu e s eu des t in o es ta va s ela do. A mutante vencera, ela havia perdido, e nada podia fazer para mudar a situação.

Ultrajada, deixou o castelo.

Um a h ora s e pa s s a ra , e Da m ien a in da n ã o t in h a retorn a do. Syreen a começava a se perguntar onde ele poderia ter ido. Não o conhecia muito bem, mas ele n ã o devia s er o t ipo de h om em qu e p rolon ga va u m a ca ça da qu a n do h a via ta n to por fa zer . J a s m in e ta m bém n ã o h a via volta do, o qu e s ó a u m en ta va s u a preocu pa çã o. Depois do in ciden te com Oria , a cr ia da gem a obedecia s em qu es tion a r , e ela os deixa ra cu ida n do da s ta refa s qu e d is t r ibu íra . Segu iu pa ra os n ovos a pos en tos de J a s m in e. Ta lvez lá pu des s e des cobr ir a lgu m a cois a s obre o paradeiro dos dois.

Ao a br ir a por ta , en con trou u m a fêm ea de va m piro m u ito jovem dobra n do rou pa s e pen du ra n do peça s delica da s n o guarda-roupa. A ga rota s e a s s u s tou a o vê-la . Rá p ida , ela s e cu rvou n u m a reverên cia , o qu e a fez s or r ir . Era o p r im eiro ato de respeito de alguém da criadagem.

— Olá, minha jovem. Sabe onde está sua senhora?

— Diante de mim, alteza.

Syreena sorriu novamente.

— Cer ta m en te. Porém , Jasmine va i qu erer qu e s eja m a is lea l a ela do qu e a mim, e não a culparei ou punirei se estiver em conflito. Qual é seu nome?

— Lúcia.

— Lúcia, por acaso viu meu... seu príncipe?

— Sim , s en h ora . Ele s a iu com m in h a s en h ora h á du a s h ora s , aproximadamente.

— Sabe para onde ele foi?

Lúcia hesitou.

— Es cu te, s ó qu ero s a ber porqu e... es tou p reocu pa da com es s a dem ora . Eles já deviam ter voltado. Se n ã o ten h o ra zões pa ra m e p reocu pa r , s ó p recis a m e dizer. Vou acreditar em você.

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— Nã o pos s o d izer is s o. Eu n ã o devia s a ber pa ra on de eles fora m , m a s ... eu sei.

— Pode ser mais clara?

— Eu es ta va n o s a lã o e ou vi m in h a s en h ora ... J a s m in e, qu ero d izer , conversando com o príncipe na antessala de sua suíte. Eles vão tentar descobrir a identidade do vampiro que chamam de traidor.

Syreen a teve a s en s a çã o de qu e o cora çã o pa ra va de ba ter . Sa b ia a qu e a jovem se referia, embora ela mesma nem desconfiasse.

— Agradeço por sua franqueza, Lúcia.

— Eu é qu e devo m a n ifes ta r m in h a gra t idã o, s en h ora . Os ou tros ja m a is d irã o, m a s todos qu er ia m qu e Damien volta s s e. Se ele es tá a qu i a gora por s u a causa, todos devemos ser gratos.

Syreen a m oveu a ca beça , des ped in do-s e e a gra decen do a o m es m o tem po. Depois se retirou, levando com ela uma avalanche de emoção e especulações.

De m a n eira es tra n h a , a n a lis ou p r im eira m en te a porçã o m a is in ofen s iva da in form a çã o. Nã o h a via percebido qu e Damien se mantivera lon ge de ca s a du ra n te u m per íodo tã o lon go. Pelo qu e Lú cia d is s era , os va m piros t in h a m s e s en tido negligenciados, e isso exigiria um tempo razoável. O que o mantivera a fa s ta do por tanto tempo?

Só en tã o a qu es tã o m a is s ér ia ch a m ou s u a a ten çã o. Damien e J a s m in e h a via m s a ído pa ra fa zer exa ta m en te o qu e ele p rom etera qu e n ã o fa r ia ! Ele pa recia ter com preen d ido qu e correr r is cos des n eces s á r ios s er ia ir ra cion a l e tolo, e havia prometido refletir antes de agir.

Syreen a s en tia u m m edo incontrolável. E s en t ia -s e t ra ída , ta m bém . Qu er ia acreditar que ele e Jasmine podiam se defender, mas como confiar em um homem qu e n ã o m a n tin h a a pa la vra ? Com o poder ia pa s s a r o res to da vida com a lgu ém qu e m en tia pa ra ela , qu e fa zia p rom es s a s va zia s e es pera va pelo m om en to oportuno para quebrá-las? Como poderia acreditar nele?

Doía pen s a r qu e ele era ca pa z d is s o. Ter ia erra do ta n to a o ju lga r s eu caráter? Teria um discernimento tão ruim?

Nã o. Nã o pod ia s er tã o du ra con s igo m es m a n em com ele. Damien estava per tu rba do com a ideia da exis tên cia de u m tra idor em s eu povo. Es ta va h a b itu a do com a n a tu reza egoís ta dos va m piros e com s u a pers on a lida de pou co con fiá vel, m a s s ó a té cer to pon to. E depois des se pon to... Bem , era eviden te qu e ele considerava traição uma questão pessoal. Sabia que Siena reagiria de maneira muito parecida, caso algo semelhante ocorresse em sua corte.

Ma s ela s em pre a con s elh a va a irm ã a ter ca u tela , e s a b ia qu e s u a s op in iões era m a ceita s com s in cer ida de. A ra in h a n ã o fin gia con corda r pa ra depois a gir de maneira contrária.

Damien ter ia de en ten der qu e n ã o pod ia tra tá -la des s a m a n eira . Aceita r ia s eu es t ilo de vida e s eu s h á b itos de va m piro, in clu in do o téd io e os es tra n h os relacionamentos e entretenimentos, mas não aceitaria duplicidade.

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Precis ou a pen a s de a lgu n s s egu n dos pa ra dedu zir por on de eles começariam a busca. Determinada, aproximou-se da janela e saltou.

Voou pa ra a b ib lioteca n a ca vern a com toda a velocida de. Nã o s a b ia o qu e fa r ia qu a n do os en con tra s s e, m a s es ta va com pleta m en te in u n da da por em oções e por u m a determ in a çã o qu e d irecion a va s eu s a tos . Via ja r ia qu ilôm etro a quilômetro, tomando as decisões na medida em que progredia.

Ch ega n do à ca vern a , n otou o s ilên cio e a ba gu n ça n o in ter ior da b ib lioteca . O lu ga r es ta va ilu m in a do a pen a s por u m a toch a e, pelo qu e s e pod ia ver , fora des t itu ído do qu e res ta va de s eu in ven tá r io e da m ob ília . O qu e a n tes t in h a s ido orga n iza çã o, a gora era s ó des ordem . Era pos s ível s en t ir n o a r o ch eiro de s a n gu e de todos os tipos.

Hes itou n a soleira, s en t in do a violên cia da s m or tes a li ocorr ida s . Nã o era cova rde ou s u pers t icios a ; a pen a s a ch a va qu e a s itu a çã o devia s er t ra ta da com res peito. Ha via n o a r u m s en t im en to es tra n h o, com o em u m a tu m ba p rofa n a d a por ladrões.

Além do ch eiro da m or te e dos ra s tros va r ia dos deixa dos pelos lica n tropos qu e cu ida va m da t ra n s ferên cia da b ib lioteca , h a via n o a r o ch eiro de va m piros . Um cheiro recente.

E um daqueles odores agora era familiar para ela.

Damien.

Ch ega ra a ter es pera n ça s de qu e Lú cia es t ives s e en ga n a da , m a s h a via s ido u m a fa n ta s ia tola . Damien era a pa ixon a do por s eu povo. Mu ito m a is do qu e por ela. Sufocando o desapontamento, abaixou-se na escuridão para seguir o rastro.

Damien e Jasmine h a via m deixa do a ca vern a ju n tos . Mu ito bem . Ma s ... Seria capaz de rastreá-los no ar?

Era a força do ra s tro deixa do por Damien qu e a leva va a a cred ita r qu e s im . Ou ele n ã o fa zia n en h u m es forço pa ra es con der s u a s a ções , ou ela des en volvera u m a h a b ilida de es pecia l pa ra en con trá -lo. Rastreá-los foi m a is fá cil do qu e es pera ra . Eles n ã o t in h a m m otivos pa ra en cobr ir a s p is ta s , m es m o qu e Ruth e s eu s s egu idores decid is s em loca lizá -los por a lgu m a ra zã o. Ma s , s e Ruth decidisse encontrá-los, isso significaria que ela era a vencedora no jogo, qualquer que fosse, e es s a era u m a ideia qu e lh e ca u s a va u m a dor in s u por tá vel. Voou com vigor redobrado.

Su a va n ta gem era qu e s egu ia u m ra s tro recen te, d iferen te de Damien e J a s m in e, qu e ia m a trá s de p is ta s m a is a n t iga s . Por is s o, via ja va m u ito m a is depres s a qu e eles . Só es pera va poder a lca n çá -los a n tes qu e s e m etes s em em alguma confusão.

Seu cora çã o pa s s ou a ba ter a celera do, tom a d o pela a n s ieda de, qu a n do percebeu qu e a s p is ta s a leva va m de volta à Fra n ça , pa ra ter r itór io mistral. Era com preen s ível qu e es t ives s e p reocu pa da , pois sofrera u m gra n de t ra u m a em s u a ú lt im a via gem à qu ela regiã o. Ma s n ã o era s ó is s o. Pen s a r em Damien s e expon do a o r is co de en con tra r a qu ela fêm ea de dem ôn io lou ca e ren ega da a en ch ia de pavor.

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Agora , obs erva va tu do com m a is a ten çã o, voa n do ba ixo, u s a n do a s copa s da s á rvores com o es con der ijo. Sa b ia qu e es ta va per to de Br is e Lu m in eu s e. Ta m bém n ota ra qu e o ra s tro term in a r ia em breve. Ruth t in h a u m a m otiva çã o recente para andar por terras mistrais, e era bem provável que ela ainda estivesse por ali, buscando realizar seus propósitos.

Is to é, s e a s in form a ções con t ida s n o livro qu e ela rou ba ra de J a s m in e n ã o h ou ves s em d irecion a do s u a s pa ixões . Afin a l, ela já h a via es ta do em ter r itór io va m piro e recru ta do u m a lia do en tre eles . Qu em poder ia d izer qu e n ã o volta r ia tentando aliciar mais Nightwalkers?

Pou s ou n u m ga lh o pa ra or ien ta r-s e. Sa b ia qu e es ta va per to. Mu ito perto. De repen te, teve m edo de s e a p roxim a r m a is dos dois . J a s m in e e Damien pos s u ía m h a b ilida des m en ta is qu e os p roteger ia m da detecçã o de Ruth. Se con tin u a s s e voa n do, e os va m piros es t ives s em es con d idos por a lgu m a ra zã o, ela os entregaria simplesmente com seus pensamentos.

Era tão culpada quanto Damien por não ter pensado antes de agir. E estava fu r ios a , ta m bém . Se ele p recis a va de a ju da , com o poder ia s a ber? Com o poder ia ajudá-lo n a qu ela s circu n s tâ n cia s ? Se con s egu is s em es ca pa r da qu ela s itu a çã o inteiros, ela o mataria!

Fech ou os olh os , res p irou fu n do e ten tou s e a ca lm a r . Se con tin u a s s e a gita da com o es ta va , a n u n cia r ia s u a loca liza çã o pa ra qu a lqu er u m ca pa z de percebê-la . Com o fa lcã o, era im pos s ível d is t in gu i-la dos ou tros a n im a is , a m en os que alguém se aproximasse o suficiente para ver o colar em torno de seu pescoço, meio escondido entre as penas.

Ma is ca lm a , olh ou n a d ireçã o s egu ida pelos dois va m piros . Deixa n do o galho onde estava, voou por entre folhas e ramos até as garras encontrarem outro ga lh o. A m u da n ça de pos içã o foi per feita m en te s ilen cios a , e o ga lh o s ob s eu pes o qu a s e n em s e m oveu . O s ilên cio perm it iu qu e ela ou vis s e a s a s ba ten do n o a r . Os olh os va r rera m a es cu r idã o. O b r ilh o d a s a s a s n egra s con tra a lu a p ra tea da foi a visão mais linda que ela já teve.

O corvo m ergu lh a va do céu em s u a d ireçã o, em a lta velocida de e com a bs olu ta p recis ã o. Porém , o ba la n ça r da s a s a s era p reocu pa do, a gita do... Um d ia , ele ter ia a h a b ilida de tota lm en te des en volvida , e n es s e d ia poder ia s e con fu n d ir com lica n tropos e m is tra is qu e s em pre h a via m voa do. Ma s , por en qu a n to, a in d a era possível identificá-lo como um inexperiente vampiro.

Syreena pu lou do ga lh o. Qu a n do ch egou a o ch ã o, já h a via a dqu ir ido s u a forma humana.

O corpo for te de Damien s e des dobrou do corvo, e ela s u s p irou a livia da a o vê-lo inteiro, sem nenhum ferimento.

— Ficou maluca?

— Era exatamente o que eu ia perguntar! O que está fazendo aqui, Damien?

— Depois — ele res pon deu , s ilen cia n do-a com u m ges to b reve. — Es tá muito perto de Ruth. Se eu pude sentir sua presença, ela também pode. Precisa ir embora antes que...

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— An tes qu e eu pos s a ver a m a lu ca qu ebra r s eu pes coço? An tes qu e eu perca a cabeça e mate você antes dela?

— Esse não é o melhor momento para isso, Syreena.

— Exa ta m en te! Ma s você veio a trá s dela , m es m o depois de tu do qu e foi discutido e acertado. Mesmo depois de ter prometido...

— Só es tou ten ta n do des cobr ir qu em é o va m piro t ra idor! Nã o ten h o n en h u m a in ten çã o de en tra r em con fron to com Ruth, m a s , s e você n ã o for embora agora, posso me sentir forçado a fazer exatamente isso!

— Nã o s e a treva a m e cu lpa r ! Você p rom eteu , Damien, e qu eb rou a promessa! É um mentiroso, um egoísta sem consideração!

— Damien, faça-a ficar quieta, ou eu mesma o farei.

Syreen a recon h eceu o s u s s u rro fem in in o n a es cu r idã o. O ultraje t in giu s eu ros to de verm elh o. Com os pu n h os cerra dos e a mandíbula ten s a , fitou Damien com os olh os reflet in do toda a in ten s ida de de s u a s em oções . Os olh os dele era m frios.

— Nã o es tou a cos tu m a do a repor ta r toda s a s m in h a s a ções com o s e eu fosse criança, Syreena, e lamento se isso a incomoda, mas não creio que esse seja o melhor momento para uma discussão dessa natureza.

— Mu ito bem . Vá bisbilhotar terr itór io per igos o com es s a encrenqueira, se qu is er , m a s s e a ch a qu e va i m e en con tra r es pera n do dócil e suplicante quando voltar, está completamente enganado!

— Pense bem antes de fazer ameaças e agir precipitadamente.

— Com o você fez, por exem plo? "Fa ça o qu e eu d igo, n ã o fa ça o qu e eu fa ço"? Ach a qu e s ou cr ia n ça ? Ou u m a n im a l de es t im a çã o a s er t rein a do pa ra se torn a r obed ien te? Sem pre in cen tivou m in h a in depen dên cia , m a s a gora , qu a n do ela o con tra r ia , você decide qu e ela é in des ejá vel? Nin gu ém m a is va i m a n da r em m im ! Nu n ca m a is ! Serei s u a com pa n h eira , a lgu ém d ign a do s eu res peito, da s u a consideração e da sua lealdade, ou não serei nada para você!

Virou-s e de repen te pa ra pa r t ir , s u rp reen den do Jasmine, qu e s e aproximava dela pelas costas.

— En cos te u m dedo em m im , va m pira , e a rra n co s eu cora çã o com m in h a s mãos!

— Se n ã o ca la r es s a boca , vou ter de pôr à p rova s u a força , p r in ces a . E n ã o s erá con tra m im , m a s con tra Ruth e s eu s s egu idores . Será qu e pode s e con trola r antes que ela apareça no meio de tudo isso?

_Que venha! Pelo menos ela é honesta em suas motivações!

— Obrigada pelo elogio, princesa.

Syreena s en t iu os dois va m piros s e sobressaltarem a o ou virem a voz de Ruth. Ela , porém , m a n teve-s e ca lm a . Virou -s e, a fa s tou os pés e cer rou os punhos, com o coração batendo forte no peito.

— Temos uma pendência — ela sussurrou, fitando a fêmea de demônio, que sorria.

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— Ima gin o qu e s im . Ven h a , m en in a , e m os tre do qu e é ca pa z, s e t iver coragem.

— Syreena!

O gr ito de Damien foi in ú t il, pois a p r in ces a lica n tropo já in ves t ia con tra a nigromante dem ôn io. Syreen a m u dou de form a n o m eio do s a lto, des en volven do a s a s e ga rra s , m a s m a n ten do o corpo de m u lh er . Ruth n u n ca h a via lu ta do con tra a s form a s a ltera da s de Syreen a a n tes , e o m om en to de s u rp res a deu -lhe vantagem.

Com a con cen tra çã o per tu rba da , Ruth n ã o con s egu iu s e telepor ta r . Porém , a in da pod ia s e m over e a gir com o a gu erreira qu e fora u m d ia . Mes m o a s s im , s ofreu n o om bro es qu erdo o violen to im pa cto d a s ga r ra s qu e ra s ga ra m rou pa e carne de um só golpe.

Damien e Jasmine s e p repa ra ra m pa ra lu ta r , m a s fora m detidos pela fu m a ça n egra qu e exp lod iu en tre eles e a s du a s opon en tes . As n u ven s s e dissiparam rapidamente revelando uma figura conhecida.

— Nico — Damien sibilou furioso.

— Faz sentido — Jasmine opinou em tom neutro.

Nico d is s e u m a ú n ica fra s e, rá p ida e p recis a , a pon ta n do os dedos da m ã o aberta para os inimigos.

O chão da floresta ganhou vida sob os pés deles. Raízes brotavam do chão e envolviam os tornozelos dos vampiros, imobilizando-os com eficiência.

A s olu çã o de Damien foi rá p ida . O corvo s u rgiu de repen te, es ca pa n do da a rm a d ilh a m á gica . J a s m in e foi m en os cr ia t iva e delica da . Fu r ios a , a r ra n cou com as próprias mãos as raízes que a prendiam, jogando-as longe enquanto rugia.

Damien voou con tra a ca beça de Nico, m u da n do de form a n o m eio do m ovim en to pa ra ga n h a r pes o. O ch oqu e der ru bou os dois , e eles rola ra m pelo chão da floresta. Quando pararam, Damien estava em cima do inimigo, agarrando sua camisa e exibindo as presas.

— Finalmente, Nico, chegou o momento que você tanto esperava. Vamos ver quem merece meu trono!

Jasmine pairava sobre a terra, fora do alcance das raízes enfeitiçadas, perto da lu ta en tre os dois va m piros . Damien pod ia cu ida r de Nico. A p r in ces a deixa ra s u a m a rca em Ruth e con segu ira lida r com ela a té o m om en to. Porém , a s u rp res a havia sido sua principal arma, que agora perdera o efeito.

Aproximou-s e da s du a s opon en tes n o exa to in s ta n te em qu e Ruth investia con tra Syreen a com u m gr ito de fú r ia . Syreen a h a via s ido a p r im eira a a r ra n ca r s a n gu e da a dvers á r ia , e is s o a feta va s er ia m en te a auto imagem da fêm ea de dem ôn io e s u a ideia de in vu ln era b ilida de. Ruth gr itou u m encantamento, for ta lecido pela ira , e toda a flores ta foi s a cu d ida pela exp los ã o cu jo ep icen tro era Damien.

J a s m in e e Syreen a fora m la n ça da s n o a r pela força do des loca m en to e s e ch oca ra m con tra a s á rvores . Atu rd ida dem a is pa ra u s a r a s a s a s , Syreen a ca iu n o

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ch ã o e foi a t in gida por u m a ch u va de es com bros qu e a deixou ton ta por a lgu n s momentos.

Mas Jasmine não precisava de asas para flutuar. A dor lancinante podia ser ign ora da por u m m om en to, em bora t ives s e cer teza de qu e h a via fra tu ra do algumas costelas no impacto.

Seu p rob lem a im ed ia to era ca la r Ruth. Com o? En qu a n to ela pu des s e fa la r , n ã o ter ia m com o s u perá -la . Os en ca n ta m en tos era m des con h ecidos , in es pera dos e in defen s á veis . Mas, J a s m in e pen s ou , ela n ão pod eria recitar encan tam en tos s e sua língua fosse arrancada.

Logica m en te, s a b ia qu e n u n ca con s egu ir ia s e a p roxim a r o s u ficien te pa ra tanto. Precisava encontrar uma alternativa.

Damien e Nico ta m b ém h a via m s ido a r rem es s a dos lon ge pela exp los ã o, e os dois estavam feridos depois de terem rolado pelo chão coberto por raízes e plantas espinhosas. Des s a vez, Nico con s egu iu u m a pos içã o de va n ta gem s ob re Damien. Ele m a n tin h a o m on a rca n o ch ã o, im ob iliza do, va len do-s e a pen a s do pes o do p róp r io corpo, da s pern a s for tes e da s m ã os firm es n o pes coço do p r ín cipe. E , agora que tinha um alvo fixo, tentava usar sua adaga. Mas, quando tentou atingi-lo n o cora çã o, Damien ergu eu o b ra ço. A flores ta t rem eu com o s om es tr iden te de metal contra metal.

Nico ten ta va a b r ir ca m in h o n a ca rn e de Damien, cor ta r o cou ro da ja qu eta qu e ele ves t ia , m a s era com o s e a pele do p r ín cipe fos s e de a ço. Em p en h a do, ele ten tou u m s egu n do a ta qu e, e des s a vez con s egu iu a b r ir u m a b rech a n o cou ro, mas não foi além disso.

Sa b ia qu e ja m a is ven cer ia o p r ín cipe n u m con fron to d ireto, es pecia lm en te se Damien mantives s e m a is a rm a s es con d ida s s ob a rou pa . Ao ra s ga r o cou ro da ja qu eta , ele vira o b r ilh o de ou tro pu n h a l em s eu b ra ço, s ob re a m a n ga d a camisa.

O va m piro t ra idor n ã o t ivera m u ito tem po pa ra a p ren der en ca n ta m en tos , m a s já s a b ia a lgu n s t ru qu es ú teis , com o o rosnar h ipn ót ico qu e pod ia im ob iliza r u m a dvers á r io. Com o o p r ín cipe es ta va n o ch ã o, decid iu a p roveita r a va n ta gem pa ra tes ta r o con h ecim en to a in da tã o recen te. Agora qu e o m a n tin h a p res o, s er ia muito perigoso que o príncipe mudasse de forma.

Nico começou a pôr em prática o feitiço que faria de Damien um alvo imóvel e vulnerável sob sua lâmina.

Por u m m om en to Syreena n ã o con s egu iu res p ira r . Os pu lm ões n ã o fu n cion a va m , e ela con tin u ou ca ída , a poia da s obre a s m ã os e os joelh os n o ch ã o da flores ta . Fin a lm en te, tos s in do e in s p ira n do p rofu n da m en te, con s egu iu expa n d ir os pu lm ões con tra a s cos tela s dolor ida s . Com d ificu lda de, leva n tou -s e e olh ou em volta , bu s ca n do loca liza r a in im iga a n tes m es m o de es ta r completamente ereta.

A p r im eira cois a qu e viu foi Jasmine, qu e in ves t ia con tra u m a lvo. De on de es ta va , Syreen a n ã o con s egu ia ver qu em era . Com o im pa cto, retorn a ra à form a h u m a n a . Hes itou p or u m in s ta n te, ten ta n do decid ir qu e cr ia tu ra a la da s er ia m a is conveniente naquele momento, quando um baque metálico soou atrás das árvores

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con tra a s qu a is ela h a via s ido a rrem es s a da . Girou s ob re os ca lca n h a res pa ra olh a r a lém do tron co em qu e s e a poia va , e viu a lâ m in a de Nico b r ilh a n do a o lu a r e bu s ca n do o cora çã o de s eu opon en te. En qu a n to ergu ia a a da ga , ele p ron u n ciou uma frase num idioma desconhecido.

Raízes brotaram do chão e se enroscaram em Damien, con torn a n do pern a s , braços e pescoço, imobilizando-o. Syreena foi imediatamente dominada pela fúria. Valendo-se de toda a velocidade, voou até onde eles estavam.

Damien sentiu s u a a p roxim a çã o, u m peta rdo de ca belos es cu ros e in s t in to p rotetor . Ela a t in giu o in im igo com toda a força do corpo. O im pa cto foi s u ficien te pa ra m over u m h om em do ta m a n h o de Nico. Na verda de, ter ia s ido s u ficien te pa ra m over u m a m on ta n h a ! Ela o rem oveu de cim a de Damien, e os dois rola ra m pelo ch ã o da flores ta . En qu a n to is s o, o p r ín cipe s e liber ta va do ca t iveiro de ra ízes en ca n ta da s , u s a n do toda a s u a força pa ra a rreben ta r a s t ira s res is ten tes , qu e, pou co a pou co, ced ia m s ob s u a determ in a çã o. Qu a n do a s ra ízes de u m m em bro eram rompidas, outras brotavam da terra e o prendiam novamente. As árvores em torn o dele s e in clin a va m per igos a m en te em s u a d ireçã o, a ba la da s pela interferência em suas raízes. Todo o equilíbrio da floresta era alterado pelo feitiço.

Enqua n to is s o, Nico a p ren d ia a verda deira defin içã o de com petên cia do pon to de vis ta de u m a m on ja bem trein a da n o Pr ide. Ao der ru bá -lo, Syreen a o des a rm a ra com des treza es pa n tos a . J á n o ch ã o, ela o p res s ion a va u s a n do u m joelho contra seu pescoço e se preparava para desferir o golpe fatal.

A a da ga ra s gou -lh e a pele, a b r iu ca m in h o n a ca rn e e rom peu os s os e m ú s cu los , bu s ca n do o cora çã o. Nico ru giu de dor e u lt ra je qu a n do ela fin a lm en te a t in giu o órgã o vita l. Syreen a repetiu o golpe, e o va m piro rugiu novamente, inca pa z de a cred ita r qu e ela o h a via a t in gido pela s egu n da vez. E des s a vez era m u ito p ior . Ela con s egu ira rem over a lâ m in a , a b r in do o bu ra co qu e fizera a o cravá-la , p rom oven do u m ja to de s a n gu e qu e a la va va com o u m a ch u va reden tora . E a n tes qu e ele pu des s e rea gir , a lica n tropo o a ta cou m a is u m a vez. Seu s olh os t in h a m o b r ilh o da ira e da lou cu ra , s u a ga rga n ta em it ia u m rugido feroz, e os ca belos em oldu ra va m s eu ros to e s eu corpo com o s e t ives s em vida p róp r ia , m oven do-s e em toda s a s d ireções . Ela rem oveu a fa ca n ova m en te, aumentando a hemorragia.

Nico ten tou detê-la , s egu ra n do a s m ã os qu e bu s ca va m a t in gi-lo m a is u m a vez, e a res is tên cia s ó a en fu receu a in da m a is . Syreena lu tou con tra s u a força , descobrindo que, apesar dos ferimentos, ele ainda era capaz de enfrentá-la. Nico a t irou da p os içã o de va n ta gem com u m poderos o giro do corpo, ten ta n do s ela r a s fer ida s a ber ta s em s eu corpo com a pa lm a da s m ã os , ra s teja n do de joelh os n a d ireçã o da a dvers á r ia . Syreen a es ta va em pé, a rm a da com a a d a ga ensanguentada.

Em ou tra pa r te d o violen to cen á r io, Jasmine s e es qu ivou de Ruth, surpreendendo-a por um momento. Mas logo o demônio da Mente percebeu que a n a tu reza da va m pira era m u ito s em elh a n te à dela . Sem elh a n te dem a is , pa ra in felicida de de Damien. Des de qu e n ã o a a m ea ça s s e d ireta m en te, J a s m in e n ã o a r r is ca r ia o p róp r io pes coço por n en h u m p ropós ito qu e n ã o fos s e a bs olu ta m en te pes s oa l. Seu ód io pela n ova pa rceira do p r ín cipe era eviden te. Por qu e en tã o ela tentava salvar a pele da princesa licantropo?

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Ruth teleportou-s e, s u rgin do a o la do de Damien. Depois de con s ta ta r qu e ele não representava uma ameaça imediata, pois lidava com as raízes encantadas, ela s e telepor tou n ova m en te, a pa recen do a gora a o la do do a lia do e da lica n tropo que o ferira gravemente.

— Fin a lm en te vou pôr a s m ã os em você — d is s e Ruth com u m p ra zer evidente.

Enquanto Nico in ves t ia con tra a p r in ces a , Ruth es ten deu a m ã o pa ra agarrá-la pelos ca belos , s eu pon to m a is fra co e, a o m es m o tem po, s u a fon te de força.

Pa ra s u rp res a dos dois , eles pa s s a ra m d ireto pelo a lvo e s e ch oca ra m u m con tra o ou tro. Ruth s e en fu receu con tra Nico; Nico a xin gou e em pu rrou com violência, tentando localizar a criatura que conseguira escapar novamente.

Qu a n do os dois fin a lm en te en con tra ra m Syreen a , ela es ta va em pé a o la do de Damien, não muito longe deles.

— Impossível... — Ruth murmurou furiosa.

— É um truque! Uma ilusão! — disse Nico.

— Im pos s ível! — insistiu o demônio da Mente.

— Certamente não é — Damien respondeu em tom firme e seco.

Ruth levantou-s e pa ra a ta ca r o ca s a l qu e a s u pera ra , cer ta da s u p rem a cia de s eu con s iderá vel poder m en ta l. Ela a in da n em h a via s a ído do lu ga r qu a n do foi violen ta m en te a ga rra da por trá s , s u a ca beça pu xa da com ta n ta força qu e foi quase impossível se manter em pé. Gritou de dor.

J a s m in e u s ou a ou tra m ã o pa ra cob r ir s u a boca , in trodu zin do n ela o pu n h a do de lodo qu e recolh era a n tes do a ta qu e, p reen ch en do com pleta m en te a cavidade e silenciando-a com grande eficiência.

Damien s a cou o pu n h a l qu e leva va p res o à m a n ga da ca m is a , e ele e Syreen a a va n ça ra m ju n tos con tra Nico. Perceben do qu e es ta va fer ido dem a is e m u ito fra co pa ra ten ta r s e defen der , Nico fech ou os olh os e des a pa receu imediatamente numa nuvem de fumaça negra.

— Maldição!

— Teleporte.

— Pa rece qu e Ruth en con trou u m m eio de d ivid ir s eu poder com ele — Jasmin e com en tou . — Nã o é m es m o, m in h a qu er ida ? — ela pergu n tou , pu xa n do pelo ca belo a m u lh er qu e qu a s e s u foca va com a boca ch eia de ba rro. — Nã o gos ta r ia de m e con ta r on de es con deu m eu livro? — Ela olh ou pa ra Damien e Syreen a com u m s orr is o ra d ia n te e s a t is feito. — Ops ... Eu es qu eci. Nã o pode falar... — Ela m a n tin h a a m ã o s ob re a boca de Ruth, impedindo-a de cu s p ir a pasta.

— O qu e va m os fa zer? Ma ta m os a des gra ça da , ou a en trega m os a Noah? — Damien refletiu em voz alta.

— Vamos matá-la. Acabamos com ela antes que...

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As pa la vra s de Jasmine fora m s u foca da s por u m a violen ta exp los ã o e fu m a ça n egra . A n u vem rolou en tre s eu s b ra ços , de on de Ruth havia desaparecido. Damien e Syreena ou vira m o gr ito fu r ios o da fêm ea de va m piro, uma clara manifestação de frustração e ultraje.

O príncipe olhou para sua parceira.

— Nico... — os dois deduziram em uníssono.

De m a n eira gera l, a m is s ã o h a via s ido vitor ios a , em bora J a s m in e a in da n ã o s e con form a s s e com a perda da im por ta n te p r is ion eira . Syreen a s a b ia qu e a qu ela h a via s ido a pen a s a p r im eira de u m a lon ga s ér ie de ba ta lh a s , e qu e a in da ter ia m de percorrer u m a lon ga es tra da a té n eu tra liza r a força in im iga . E a gora a in da t in h a m de con s idera r a força a d icion a l de Nico. Apesar do in des ejá vel des fech o, deviam s e orgu lh a r do feito rea liza do. Su pera r a du p la h a via s ido u m gra n de pa s s o ru m o à vitór ia fin a l. E s a b ia qu e Da m ien pen s a va com o ela . Nem por is s o poder ia m evita r a iminente d is cu s s ã o. Sen tou -s e n a ca m a on de eles h a via m completado a troca na noite anterior. Damien entrou no quarto com uma bacia de á gu a , pa n os lim pos e m a ter ia l pa ra cu ra t ivos . Sen tou -s e a o s eu la do, deixou a bacia sobre o criado-mudo, umedeceu um pano, e só então a encarou.

— Vire-se — disse com firmeza.

Ela obedeceu , deixa n do-o lim pa r os in ú m eros cor tes em s u a s cos tas. Damien ficou em silêncio por alguns minutos antes de dizer:

— Tem todo o d ireito de es ta r za n ga da com igo. Apes a r de tu do qu e d is s e, s ei qu e deixei J a s m in e m e con ven cer a fa zer o qu e fizem os . E ela n em p recis ou s e esforçar muito. Estava pensando em vingança por causa da morte de Kelsey e por que um vampiro se aliara a Ruth. Não sou nenhum idiota, mas imagino que, para você, eu estivesse agindo como um.

— Nã o m e im por to s e é ou n ã o u m id iota , Damien. O qu e m e in com oda é qu e qu ebrou u m a p rom es s a qu e h a via feito h ora s a n tes . Con fiei em você completamente sem pedir nada em troca, e na primeira oportunidade...

— Eu s ei, eu s ei... — ele a in ter rom peu con s tra n gido, beija n do s eu om bro n u m ges to ca r in h os o. — Nã o a gi correta m en te. Pior a in da foi ten ta r cu lpá -la pela m in h a decis ã o. Tem i por s u a s egu ra n ça . J a s m in e e eu n ã o h a vía m os s ido detectados, mas quando senti sua presença...

— Essa parte foi minha culpa. Agi de maneira irresponsável e impulsiva. Sei qu e poder ia ter p rovoca do a m or te de todos n ós . Damien continuou lim pa n do os fer im en tos da pa rceira . Era m s u perficia is , e es ta r ia m tota lm en te cica tr iza dos n a n oite s egu in te, m a s qu er ia cu ida r dela . Em pa r te pa ra s e des cu lpa r , em pa r te porque estava mesmo preocupado, e principalmente por gratidão. Ela se mostrara corajos a con tra in im igos qu e já a h a via m s u pera do u m a vez, e des de en tã o repres en ta va m u m a a m ea ça con s ta n te e u m a fon te de gra n de pa vor pa ra ela . Syreen a era a cr ia tu ra m a is cora jos a qu e ele já con h ecera e orgu lh a va -s e de tê-la ao seu lado, em sua vida.

Quando fin a lm en te term in ou de lim pa r os fer im en tos , Syreen a fez o m es m o por ele, des es pera n do-s e a o n ota r pela p r im eira vez os a n éis de laceração que marcavam sua pele.

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— Damien! — O en ca n ta m en to h a via s ido m a is poderos o do qu e percebera a p r in cíp io, es tra n gu la n do-o em vá r ia s pa r tes do corpo com a força da s ra ízes . O dano parecia severo, e a dor devia ser intensa. — Eu sinto muito!

— Va i des a pa recer em u m ou dois d ia s — ele lem brou , s or r in do. — Va leu a pen a , porqu e a gora s ei qu em é o va m piro tra idor . Eu ja m a is ter ia des cober to s em es s e con fron to. De cer ta form a , você n os a ju dou a des cobr ir exa ta m en te o qu e queríamos saber. Você os fez deixar a proteção do esconderijo.

— Na verda de, foi u m a trem en da con fu s ã o, e t ivem os s or te por es ca pa rm os relativamente ilesos.

— A p ropós ito, s erá qu e pode m e d izer com o con s egu iu en ga n a r Nico e Ruth? Como os fez pensar que estava em um lugar onde não estava?

— Eu.... realmente não sei. Apenas tive um impulso... Um instinto...

— Um instinto de projetar uma ilusão de si mesma enquanto deixava a área visada. — Damien sorriu. — Bem , a ch o qu e já podem os pa ra r de es pecu la r s ob re qu e pa r te de m im você recebeu n a troca . Qu ero d izer , foi u m tru qu e bem poderos o, es pecia lm en te s e con s idera rm os a h a b ilida de m en ta l dos opon en tes que conseguiu enganar. E sendo você uma amadora...

—Você não é um amador.

— Nã o. Ma s você tem vá r ia s form a s , é com peten te em toda s ela s , e eu n ã o herdei essa característica na troca.

— Ta lvez ten h a h erda do, s im . Nã o todos os deta lh es , m a s s ã o n eces s á r ia s vá r ia s déca da s a té qu e s e pos s a m u da r de form a com a fa cilida de qu e você dem on s trou u m ou dois d ia s depois da t roca . E h oje você s e tra n s form ou du ra n te o voo, algo que poucos conseguem fazer.

— Cer to. En tã o, ta lvez você pos s a p rojeta r poderos a s ilu s ões , m a s va i p recis a r de tem po e p rá t ica pa ra poder en xerga r es s es m es m os tru qu es praticados por outras pessoas.

— Ah! Então, são duas habilidades diferentes?

— Sim , tota lm en te d is t in ta s , doçu ra . Ma s , s e m e en s in a r a a ter r is s a r , eu ensino você a projetar ilusões mais fortes.

— Acho que vou gostar dessa habilidade. Por um tempo, cheguei a ter medo de me ver desenvolvendo caninos.

— Teve m edo? Eu t ive es pera n ça de qu e is s o a con teces s e — ele con fes s ou com um sorriso malicioso e sensual.

— Pervertido. — Ela riu. — Você nunca pensa em nada além de sexo?

— Com você sentada do meu lado? Nua? Como poderia?

— Pa re com is s o — ela o cen s u rou , ba ten do n a m ã o qu e des liza va por s u a coxa. — Es tou cober ta de s a n gu e e tod a m a ch u ca da , e ta lvez a in da es teja m u ito zangada com você. Ainda não decidi.

— Por qu e a ch a qu e es ta r cober ta de s a n gu e a torn a m en os a tra en te pa ra um vampiro?

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— Porqu e o s a n gu e em qu es tã o per ten cia a u m va m piro corrom pido pela magia negra.

— Ah ... Bem , es s e é u m a rgu m en to in con tes tá vel. — Ele a tom ou n os braços para levá-la até a banheira.

— Damien! O que está fazendo?

— Nã o ten te m e con ven cer de qu e n ã o qu er tom a r u m ba n h o. Eu s ei qu e quer.

— Por qu e s em pre s e com porta com o s e pu des s e des ven da r todos os m is tér ios da m in h a m en te? É cla ro qu e qu ero tom a r ba n h o! No m eu lu ga r , qu em desejaria outra coisa?

— In felizm en te, a á gu a es tá fr ia — ele d is s e, deixa n do-a n o ch ã o pa ra a b r ir a torn eira da a n t iga ba n h eira de pés a ltos . — O s is tem a de a qu ecim en to p recis a s er repa ra do, pelo qu e m e in form a ra m . Ma s im a gin o qu e is s o va i in com oda r m a is a mim do que a você.

— Se qu is er , pos s o m a n da r a qu ecer á gu a pa ra o s eu ba n h o — ela s u ger iu , entrando na banheira sem se incomodar com a temperatura da água.

Damien ajoelhou-se n o ch ã o do la do d e fora , cru za n do os b ra ços s obre a borda de metal e fitando-a diretamente nos olhos.

— Lamento ter preocupado você.

Syreena suspirou, refletindo por um instante antes de responder:

— Nã o é es s e o pon to, Damien. Você qu eb rou u m a p rom es s a . Is s o é o qu e m a is m e a borrece, e tu do qu e ped i foi qu e n ã o com etes s e n en h u m a lou cu ra . Pod ia ter fa la do com igo, s e t in h a u m n ovo p ropós ito e u m n ovo a rgu m en to. Eu n ã o ter ia fica do feliz por vê-lo deixa r o ca s telo com Jasmine, m a s ter ia s ido m elh or do qu e des cobr ir por con ta p rópr ia qu e h a via s a ído s em m e a vis a r . Se h ou ves s e m e con ta do a on de ia e por qu e, n ã o ter ía m os pa s s a do pelo h orror des s a noite. Você prometeu considerar meus sentimentos, e tudo que levou em conta foi qu e, s e d is cu t ís s em os o a s s u n to, eu m e opor ia e ten ta r ia im ped i-lo de fa zer o qu e qu er ia . E a verda de, Damien, é qu e eu ter ia vis to a lógica e os r is cos por trá s de sua intenção. Sempre fui capaz de ver os dois lados de uma questão. Gostaria que t ives s e pen s a do, m es m o qu e s ó por u m m om en to, em m e ju lga r ca pa z d is s o. Ma s você p refer iu a gir s em m e da r s a t is fa çã o. Fu giu com o s e eu m ereces s e s er enganada.

— Já expliquei que não estou habituado a dar satisfações.

— Nã o é es s e o pon to. Nã o ten h o a m en or in ten çã o de colocá -lo n u m a coleira, n em de t rein a r s u a obed iên cia . Is s o ir ia con tra r ia r a p róp r ia es s ên cia do qu e m a is m e a tra i em você. Tu do qu e qu ero é qu e n os s a rela çã o s eja de fa to u m a parceria, uma ligação que envolva reciprocidade. Sei que é capaz disso. Vejo como s e rela cion a com Jasmine. En ten do qu e va m os p recis a r de tem po pa ra desen volver es s e m es m o gra u de familiaridade e con for to qu e tem com ela , m a s espero ao menos que se lembre de tentar.

— Syreena, a in da es ta m os a p ren den do a n os com u n ica r . Seu ped ido é ra zoá vel, e s ei qu e ter ia t ido por m im m a is con s idera çã o do qu e dem on s trei por

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você. Con tra r iei u m a decis ã o qu e h a vía m os tom a do ju n tos , e es tou ped in do desculpas por isso.

— Eu ta m bém com eti u m er ro gra ve. Agi s em pen s a r , fu i a o en con tro do per igo s em pen s a r n a s consequências, e tu do porqu e es ta va fu r ios a e qu er ia manifestar minha revolta.

— Tem razão — ele concordou apressado.

Syreena riu.

—Agora fique quieto e me ajude a livrar-me desse sangue.

— Suavizou o comando com um beijo nos lábios do parceiro.

— Ach o qu e cr iei u m m on s tro — ele com en tou , r in do. — Es tá com eça n do a soar bastante autoritária ao manifestar seus desejos, princesa.

— Lamento informar, mas vai ter de se acostumar com isso.

— Acho que não vai ser difícil, doçura.

—Nes s e ca s o, s ou ob r iga da a con corda r com você. Ach o qu e n ós dois podemos mesmo fazer isso dar certo, afinal.

EPÍLOGO

J a s m in e s en tou -s e n a s om bra , n ã o n eces s a r ia m en te dep r im ida , m a s

afastada das festividades que se desenvolviam em toda a parte.

Damien conseguira. Ele se casara com a princesa licantropo.

Agora p r in ces a dos va m piros , depois de p rom eter a o povo lica n trop o u m a a bd ica çã o form a l por oca s iã o do n a s cim en to do p r im eiro filh o de Siena. Havia s ido u m ges to des ign a do pa ra a p la ca r u m a pos s ível revolta d ia n te do ca s a m en to com u m pa rceiro de ou tra ra ça , m a s a a u s ên cia de lica n tropos n a cer im ôn ia expressava com clareza como a união era aceita.

Ha via a u s ên cia s qu e Damien con s idera va ra zoá veis , com pa n h eiros qu e n ã o haviam comparecido, apesar de próximos. Mas isso não surpreendia realmente os qu e a lm eja va m des eja r felicida de à u n iã o da s du a s ca s a s rea is de Nightwalkers. Era u m rom pim en to de ta bu s a r ra iga dos e p roib ições a n t iga s , de n orm a s en ra iza da s p rofu n da m en te n a p s iqu e dos va m piros por m u ita s gera ções . A ú n ica cois a qu e os im ped ia de p rom over u m a gu erra civil ou u m a m a n ifes ta çã o de p rotes to era m os textos da b ib lioteca . Lá es ta va m a s con firm a ções do qu e J a s m in e rela ta ra , a h is tór ia de r itu a is com o a qu ele, rea liza dos m u ito a n tes do surgimento do tabu.

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Mes m o a s s im , o ca s a l h a via es pera do a p r im a vera pa ra rea liza r a cer im ôn ia . Só en tã o, tranquilos n a cer teza da orga n iza çã o e da eficiên cia do sistema dom és tico de policia m en to, eles a n u n cia ra m o ca s a m en to form a l. Ha via s ido u m a s á b ia decis ã o. O m om en to fora es colh ido cu ida dos a m en te de form a qu e a in form a çã o ju s t ifica n do o ca s a m en to fos s e d ivu lga da a pen a s qu a n do a rede de s egu ra n ça des t in a da a con ter o com porta m en to dos va m piros es ta va devida m en te in s ta la da . Todos já es pera va m pela n ot ícia , é cla ro, porqu e Damien e Syreena presidiam a corte juntos e publicamente. Porém, as reações a essas manifestações deviam ser contidas por Jasmine e Stephan. Esse era o trabalho deles, agora.

Ela s or r iu . A a t ivida de a mantivera bem lon ge do téd io. Era es tra n h o com o a lgo com qu e n ã o con corda va pes s oa lm en te pod ia gera r u m repen tin o s en t im en to de s a t is fa çã o e rea liza çã o. As in tr iga s n a cor te dos va m piros a m a n tin h a m em esta do de a ler ta con s ta n te, s em m en cion a r a ten s ã o cres cen te em toda s a s comunidades Nightwalkers. Toda a a tm os fera polít ica com eça va a m u da r d e maneira dramaticamente pública.

O m om en to era de gra n de vola t ilida de. E is s o a a gra da va m u ito. O qu e n ã o a a gra da va era o s ilên cio n o rein o dos tra idores . Nã o h a via n en h u m s in a l deles , com o s em pre. Nem m es m o com a expa n s ã o da rede de s egu ra n ça pelos con tin en tes . Nã o h a via com o s a ber s e Nico es ta va vivo ou m or to. Nã o h a via com o a d ivin h a r qu a l s er ia a p róxim a tá t ica d e Ruth. Na verda de, eles n u n ca s a b ia m o qu e ela es ta va tra m a n do, e J a s m in e s u s peita va de qu e a fêm ea de dem ôn io s e torn a r ia m a is ca u telos a n a m es m a m edida em qu e des en volvia s eu poder . Ao exp lora r s u a fra qu eza , J a s m in e a pu s era em gu a rda con tra eles . No fin a l, s ó conseguira piorar ainda mais a situação.

Porém , s e Nico s ob revives s e m a is u m a vez, ele pa s s a r ia m u ito tem po em es ta do de torpor a n tes de retorn a r pa ra ca u s a r m a is p rob lem a s com a n ova a lia da . J a s m in e pen s ou qu e, com u m pou co de s or te, ta lvez t ives s em o tem po de qu e n eces s ita va m pa ra s e for ta lecer a n tes de u m n ovo con fron to com a du p la . Tin h a de recon h ecer qu e o créd ito era da p r in ces a lica n tropo. Su a s a ções e a habilidade de luta haviam garantido esse tempo de preparação.

— Se o casamento a desagrada tanto, por que veio?

Jasmine olhou para a mulher que acabara de falar. Era Malaya, a chanceler dos habitantes das sombras.

— J á s u perei m eu des con ten ta m en to in icia l — J a s m in e res pon deu , en colh en do os om bros . — Mes m o a s s im , n ã o pos s o fin gir qu e es tou eu fór ica. Fico satisfeita com a felicidade de Damien, mas é só isso.

— Ten tei m e coloca r n o s eu lu ga r . Com o eu m e s en tir ia s e m eu irm ã o, co-governante da nossa espécie, se casasse com alguém de outra espécie?

— Chegou a alguma conclusão?

— Sim . Perceb i qu e, com o n ã o s ou va m pira , n ã o pos s o m e coloca r n o s eu lugar. Mesmo que acontecesse comigo, seria diferente.

J a s m in e s or r iu a o ou vir a decla ra çã o de gra n de s a bedor ia . O s or r is o de Malaya brilhou na penumbra.

— Sei menos sobre seu povo do que você sobre o meu, por isso também não teria mais sorte na comparação — Jasmine confessou.

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— En ten do. No en ta n to, s ei recon h ecer u m a u n iã o perfeita qu a n do a vejo. Lu ta r con tra u m a força des sa n a tu reza s er ia o m es m o qu e ten ta r deter u m a on d a do mar estendendo a mão. É enfrentar o inevitável. Tolice.

— Concordo. Sendo assim, já respondeu à sua questão inicial.

— Su pon h o qu e s im . Con h eci o filh o da p rofecia perd ida do dem ôn io — ela contou. — O recém -n a s cido da irm ã do rei. Acred ita -s e qu e es s a cr ia n ça va i leva r um novo poder aos demônios.

— O qu e s ign ifica qu e va i ter de s er p rotegido s em pre. Ruth con h ece a p rofecia , com o qu a lqu er dem ôn io, e va i ten ta r pôr a s m ã os n es s a cr ia n ça . O menino e sua contraparte, u m a m en in a qu e va i n a s cer dos Defen s ores . Os dois terã o de a p ren der a con viver com o per igo con s ta n te. Por qu e a lgu ém tem filh os num período tão volátil, expondo os pequenos a tão grande perigo? Não entendo!

— Aparentemente, seu governante não concorda com essa avaliação.

— O que quer dizer?

— Qu ero d izer qu e a p r in ces a es tá em s eu ciclo de procriação, e o p r ín cipe n ã o s e com porta com o qu em preten de fica r lon ge da pa rceira n a s p róxim a s semanas.

Malaya t in h a ra zã o. Damien toca va a pa rceira s em es con der s u a pa ixã o por ela , beijando-a s em pre qu e t in h a u m a opor tu n id a de, coch ich a n do em s eu ou vido cois a s qu e a fa zia m r ir . Syreena n ã o s e com por ta va com o h a b itu a l con s erva dor is m o, a pes a r de h a ver dezen a s de tes tem u n h a s pa ra a s demonstrações de afeto.

— É Belta n e — Jasmine argumentou. — E eles s ã o recém -ca s a dos . Todos se comportam de forma um pouco mais... liberal nessa noite.

— Es tá u s a n do a pen a s os olh os . Eu a n a lis o a s itu a çã o com s en t idos m a is abrangentes. Ela está no cio, e é certo que vai haver um herdeiro para o trono dos vampiros. O primeiro em milênios. Filho de um vampiro e uma licantropo. É de se supor...

— Por favor, já estou com dor de estômago. Não piore a situação.

— Não gosta de crianças?

— Odiei s er cr ia n ça . E n ã o gos to de pen s a r n a s com plica ções qu e u m filh o deles pode t ra zer . Ma s é boba gem es pecu la r s obre o fu tu ro. Na da é cer to. Nu n ca . Pode s er qu e es s e lon go per íodo de ta bu s ten h a des tru ído a com pa tib ilida de necessária para a procriação entre as espécies.

— Nã o s e deixe des a n im a r por is s o. Su a vida va i s er ch eia de excitação e realizações, mesmo que Damien não faça parte dela.

— Chanceler, é evidente que não me conhece bem.

— Nã o, m a s con h eço o fu tu ro com o ou tros Nightwalkers ja m a is poderã o vê-lo. E n ã o fa ça pergu n ta s , porqu e es s a é u m a in form a çã o qu e n ã o d ivu lga m os a s eres de ou tra s ra ça s . Es tou fa la n do com você por u m a ra zã o. Su a t r is teza tem ra ízes n a h is tór ia , em u m pa s s a do m a is d is ta n te do qu e você im a gin a , e s u a felicida de depen de em gra n de pa r te do extrem o des es pero de ou tros . De qu a lqu er m a n eira , s eu des t in o é es pecia l, e com eça a qu i, h oje, com es s a cer im ôn ia . Nã o

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ten h o deta lh es es pecíficos , por is s o n ã o m e fa ça pergu n ta s . Só pen s ei qu e olh a r ia com m a is gen eros ida de pa ra s u a s itu a çã o a tu a l s e s ou bes se qu e Damien e Syreen a u m d ia s erã o in teira m en te res pon s á veis pela vida qu e n o fu tu ro você va i conhecer.

J a s m in e es ta va s em fa la . Tu do qu e pod ia fa zer era p is ca r a tu rd id a en qu a n to a ou tra m u lh er s e a fa s ta va dela com u m a gra ça e u m a elegâ n cia qu e lembravam em grande parte os movimentos de Damien.

Depois de u m m in u to, ela s e perm it iu olh a r n ova m en te pa ra o ca s a l feliz e apaixonado com qu em con vivia fa zia a lgu n s m es es . Eles t in h a m con s egu ido aprender a viver um com o outro, respeitando suas contribuições mútuas.

Ta lvez, e a pen a s ta lvez, eles pu des sem ir m u ito a lém d is s o com o pa s s a r do tempo.

É cla ro qu e is s o depen d ia ta m bém de J a s m in e, e ela p refer ia ca u s a r m a is a lgu n s p rob lem a s pa ra a m u lh er qu e rou ba ra dela o m elh or h om em qu e já conhecera, antes de ceder de má vontade ao impulso crescente de gostar dela.

*** FIM ***

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