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36ª Reunião Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goiânia-GO1 A ABORDAGEM DE BERNARD LAHIRE E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO Cláudio Marques Martins Nogueira UFMG A obra de Lahire se define, em grande medida, a partir do diálogo, explícito ou não, que estabelece com a Sociologia de Bourdieu. Por um lado, é possível identificar uma linha clara de continuidade entre as perspectivas teóricas dos dois autores. A obra de Lahire se insere claramente nos limites da teoria da prática inaugurada por Bourdieu (1980) a partir de sua crítica ao subjetivismo e ao objetivismo. Embora Lahire (1999a, 2002c) dirija uma série de críticas à teoria do habitus, apontando basicamente para certas generalizações abusivas feitas a partir desse modelo teórico (sobretudo a suposição de um sistema unificado de disposições, sempre transferível para todos os contextos de ação), em linhas gerais, sua própria concepção do ator social é bastante similar à de Bourdieu. Fundamentalmente, o ator social é visto como um ser que se constitui por meio dos processos de socialização, adquirindo um patrimônio de disposições que passa a orientar suas ações, como um senso prático, nos contextos subsequentes. Embora com algumas ressalvas, Lahire mantém, portanto, toda a crítica boudieusiana às perspectivas subjetivistas ou individualistas, que concebem o ator como capaz de tomar decisões, predominantemente, de maneira reflexiva, racional ou mesmo livre. Mantém igualmente o afastamento estabelecido por Bourdieu em relação ao objetivismo estruturalista, que reduziria a ação à execução de constrangimentos estruturais impostos de forma mecânica, ou seja, sem a cumplicidade de uma subjetividade previamente configurada em contextos sociais que tendem a ser, em alguma medida, análogos aos atuais. Se, por um lado, as afinidades ou mesmo a continuidade entre as perspectivas teóricas dos dois autores são evidentes, por outro, Lahire se afasta de Bourdieu ao propor um olhar mais atento em relação à diversidade de experiências de socialização a que um mesmo ator é submetido (mais ou menos precoces, intensas, sistemáticas e coerentes entre si), ao caráter plural ou mesmo contraditório das disposições assim constituídas (mais ou menos fortes, estáveis e transferíveis) e à multiplicidade dos contextos de ação (nem sempre passíveis de serem descritos como um campo). Fundamentalmente, o argumento de Lahire é o de que é necessária uma análise empírica mais detalhada, por um lado, dos processos de socialização por meio dos quais as disposições são incorporadas e, por outro, dos contextos de ação, nos quais parte do passado incorporado é reativada. Segundo ele, a Sociologia, em geral, e Bourdieu, em particular, tendem a evocar de maneira abstrata os processos de incorporação do passado pelos atores e de uso desse passado em situações práticas de ação, sem investigá-los empiricamente em toda sua complexidade.

NOGUEIRA, Claudio. a Abordagem de Bernard Lahire e Suas Contribuições Para a Sociologia Da Educação

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NOGUEIRA, Claudio. a Abordagem de Bernard Lahire e Suas Contribuições Para a Sociologia Da Educação

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  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO1

    A ABORDAGEM DE BERNARD LAHIRE E SUAS CONTRIBUIES PARA A

    SOCIOLOGIA DA EDUCAO

    Cludio Marques Martins Nogueira UFMG

    A obra de Lahire se define, em grande medida, a partir do dilogo, explcito ou no, que

    estabelece com a Sociologia de Bourdieu. Por um lado, possvel identificar uma linha clara de

    continuidade entre as perspectivas tericas dos dois autores. A obra de Lahire se insere claramente

    nos limites da teoria da prtica inaugurada por Bourdieu (1980) a partir de sua crtica ao

    subjetivismo e ao objetivismo. Embora Lahire (1999a, 2002c) dirija uma srie de crticas teoria do

    habitus, apontando basicamente para certas generalizaes abusivas feitas a partir desse modelo

    terico (sobretudo a suposio de um sistema unificado de disposies, sempre transfervel para

    todos os contextos de ao), em linhas gerais, sua prpria concepo do ator social bastante

    similar de Bourdieu. Fundamentalmente, o ator social visto como um ser que se constitui por

    meio dos processos de socializao, adquirindo um patrimnio de disposies que passa a orientar

    suas aes, como um senso prtico, nos contextos subsequentes. Embora com algumas ressalvas,

    Lahire mantm, portanto, toda a crtica boudieusiana s perspectivas subjetivistas ou individualistas,

    que concebem o ator como capaz de tomar decises, predominantemente, de maneira reflexiva,

    racional ou mesmo livre. Mantm igualmente o afastamento estabelecido por Bourdieu em relao

    ao objetivismo estruturalista, que reduziria a ao execuo de constrangimentos estruturais

    impostos de forma mecnica, ou seja, sem a cumplicidade de uma subjetividade previamente

    configurada em contextos sociais que tendem a ser, em alguma medida, anlogos aos atuais.

    Se, por um lado, as afinidades ou mesmo a continuidade entre as perspectivas tericas dos

    dois autores so evidentes, por outro, Lahire se afasta de Bourdieu ao propor um olhar mais atento

    em relao diversidade de experincias de socializao a que um mesmo ator submetido (mais

    ou menos precoces, intensas, sistemticas e coerentes entre si), ao carter plural ou mesmo

    contraditrio das disposies assim constitudas (mais ou menos fortes, estveis e transferveis) e

    multiplicidade dos contextos de ao (nem sempre passveis de serem descritos como um campo).

    Fundamentalmente, o argumento de Lahire o de que necessria uma anlise emprica mais

    detalhada, por um lado, dos processos de socializao por meio dos quais as disposies so

    incorporadas e, por outro, dos contextos de ao, nos quais parte do passado incorporado

    reativada. Segundo ele, a Sociologia, em geral, e Bourdieu, em particular, tendem a evocar de

    maneira abstrata os processos de incorporao do passado pelos atores e de uso desse passado em

    situaes prticas de ao, sem investig-los empiricamente em toda sua complexidade.

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    Para Lahire, os riscos dessa evocao abstrata dos processos de socializao e de uso do

    passado incorporado revelam-se, sobretudo, quando se passa da escala coletiva para a escala

    individual de anlise. Ao se tratar da caracterizao de um grupo ou de uma classe social, por

    exemplo, seria perfeitamente possvel afirmar que seus membros majoritariamente ou tipicamente

    incorporam certas disposies, associadas aos contextos em que so socializados, e que, em funo

    dessas, tendem a agir predominantemente de determinada maneira. Quando se toma um individuo

    como objeto sociolgico, a realidade mostrar-se-ia, no entanto, bem mais complexa. Esse raramente

    poderia ser tomado como representante puro de um nico grupo ou categoria social. Ao contrrio,

    ao longo de sua trajetria, os indivduos tenderiam a viver, em diferentes espaos sociais,

    experincias mltiplas, em alguma medida incoerentes ou mesmo contraditrias, que os

    constituiriam como seres plurais, portadores de um patrimnio de disposies diversificado, no

    unificado, e cuja transferncia e utilizao nos diferentes contextos de ao no seria

    automaticamente garantida. Fundamentalmente, o que Lahire salienta , ento, que os modelos

    macrossociolgicos so uma simplificao da realidade social tal como vivida no plano individual.

    Eles so teis por permitirem uma viso de conjunto da sociedade e dos processos sociais. No

    poderiam, no entanto, ser transpostos diretamente para a escala individual, sob o risco de

    produzirem uma viso grosseira e enganadora da realidade individual.

    As reflexes de Lahire e o trabalho emprico produzido por ele tm um duplo impacto do

    ponto de vista terico e epistemolgico. Diretamente, afirmam a legitimidade e a possibilidade

    concreta de uma sociologia em escala individual. A realidade individual seria essencialmente social,

    mas o social se apresentaria a de maneira especfica (complexa, plural) e exigiria, portanto, ser

    analisado de uma forma particular, capaz de revelar toda essa complexidade. O esforo central de

    Lahire o de revelar a amplitude da diversidade inter e intraindividual, normalmente negligenciada

    pelas Cincias Sociais, e de apontar os caminhos para uma abordagem adequada desse plano da

    realidade. Indiretamente, no entanto, ao sublinhar a especificidade do plano individual e, portanto,

    sua irredutibilidade aos modelos macrossociolgicos, Lahire produz simultaneamente uma crtica s

    generalizaes apressadas feitas com base nesses modelos. Em outras palavras, a abordagem de

    Lahire evidencia os limites de validade das explicaes macrossociolgicas.

    No campo da Sociologia da Educao, essa dupla contribuio de Lahire se revela

    plenamente em Sucesso escolar nos meios populares: as razes do improvvel1. Nessa obra, ficam

    1 Traduo brasileira, de 1997, de Tableaux de familles heurs et malheurs scolaires en milieux populaires, de 1995.

    Na obra so analisados os casos de 27 crianas oriundas de famlias com baixo capital cultural e econmico (a maioria, imigrantes), moradoras de um bairro perifrico de Lyon, na Frana. Apesar de suas semelhanas, essas crianas apresentavam desempenho escolar contrastante no 2 ano do nvel equivalente ao Ensino Fundamental, 13 estando em situao de sucesso e 14 em situao de fracasso escolar (classificao feita com base nas notas obtidas numa

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    por um lado, demonstrados a especificidade da realidade individual e a possibilidade de sua

    compreenso sociolgica por meio da investigao detalhada dos processos de socializao e dos

    contextos de ao. Embora todas as crianas consideradas na pesquisa possuam uma origem

    semelhante do ponto de vista socioeconmico, uma srie de diferenas secundrias, ligadas

    composio, s prticas e s dinmicas de suas famlias, faz com que elas passem por experincias

    socializadoras diferenciadas, incorporem um patrimnio de disposies distinto e, finalmente,

    estabeleam uma relao particular com a escola e os processos de ensino e aprendizado. Fica claro,

    assim, que essas crianas no so simples representantes de uma categoria socioeconmica, mas

    seres complexos, cujo comportamento escolar s pode ser compreendido a partir de uma anlise

    atenta diversidade inter e intraindividual. Ao desenvolver empiricamente essa anlise, Lahire

    evidencia simultaneamente os limites da explicao macrossociolgica, especialmente

    bourdieusiana. No bastaria, por exemplo, identificar a presena ou ausncia de pais com capital

    cultural elevado. Seria preciso identificar se esse capital encontra as condies de sua transmisso

    no interior da configurao familiar em que o indivduo est inserido e da qual fazem parte, no

    apenas os pais, mas irmos, tios, avs, entre outros. Seria necessrio considerar ainda outros

    elementos, como as prticas cotidianas de escrita, as condies e disposies econmicas, a ordem

    moral domstica, os modos de exerccio da autoridade, as prticas familiares de escolarizao, que

    se apresentam de forma diferenciada em cada famlia, que interferem no processo de socializao

    de cada indivduo e que repercutem em sua relao com o mundo escolar. Evidencia-se, assim, a

    necessidade de refinamento dos modelos macrossociolgicos, de modo a no se produzir

    generalizaes precipitadas, que negligenciem toda a complexidade presente na escala individual.

    Na primeira parte deste texto, faremos uma apresentao sinttica da sociologia em escala

    individual de Lahire, ressaltando os pontos de continuidade e ruptura em relao a Bourdieu.

    Na segunda parte, discutiremos, algumas das contribuies de Lahire para a Sociologia da

    Educao, partindo do livro j mencionado, Sucesso escolar nos meios populares, as razes do

    improvvel.

    Na terceira e ltima parte, apontaremos alguns riscos ou limites que nos parecem associados

    perspectiva de Lahire e que se relacionam ausncia, para alm do esforo de investigao

    emprica, de uma teoria geral e explcita sobre o modo como os indivduos lidam com as mltiplas

    influncias a que so submetidos, aceitando-as ou rejeitando-as em maior ou menor grau.

    avaliao nacional e tambm no julgamento dos professores das crianas). Para se investigar as bases sociais dessas diferenas de desempenho foram feitas entrevistas minuciosas com os pais ou responsveis e observaes diretas sobre o ambiente familiar.

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    LAHIRE E O PROGRAMA DE UMA SOCIOLOGIA EM ESCALA INDIVIDUAL

    bom comear uma discusso sobre a obra de Bernard Lahire afastando alguns possveis

    mal entendidos. Apesar do autor ter chegado, provocativamente, a proclamar o programa de uma

    Sociologia Psicolgica (1999a, 1999b), sua abordagem no se confunde de maneira alguma com

    aquela da Psicologia2. O que ambas tm em comum o fato de terem os indivduos como objeto

    principal de suas anlises. Como o prprio Lahire enfatiza, no entanto, no o objeto e sim a

    abordagem que define a vinculao disciplinar de uma investigao. Seguindo esse critrio, a

    abordagem de Lahire pode ser considerada estritamente, ou at radicalmente, sociolgica. Ele toma,

    sem nenhuma reserva, as realidades individuais como sociais e socialmente produzidas. Segundo

    ele, a Sociologia no precisa respeitosamente se limitar realidade coletiva, reservando aos

    psiclogos a sociologicamente impenetrvel caixa preta da subjetividade individual. Ao contrrio,

    os aspectos mais singulares de uma realidade individual poderiam e deveriam ser analisados como

    fenmenos socialmente produzidos3.

    Partindo dessa defesa da possibilidade de tomar o indivduo como objeto da Sociologia,

    Lahire vem se dedicando, ao longo de sua obra, basicamente, a explicitar as especificidades da

    realidade individual e, em funo dessas, a propor mtodos de pesquisa voltados para a investigao

    de tal objeto. No que se refere s especificidades da realidade individual, o autor observa que o

    social se apresenta no plano individual de uma forma mais complexa, heterognea, plural do que

    aquela em que captado quando se investigam realidades coletivas (Lahire 1999a, 2002a, 2002c,

    2003, 2006, 2013). Ao definir suas categorias coletivas de anlise, a Sociologia simplificaria a

    realidade. Ela se distanciaria metodologicamente das realidades individuais concretas e passaria a

    investigar o que mais provvel ou tpico entre indivduos de uma dada categoria social. Assim

    possvel dizer que os membros de determinada classe social apresentam certos comportamentos

    tpicos ou ainda que eles tm uma probabilidade especfica de agir de determinada forma. O

    problema apontado por Lahire que nenhum indivduo concreto se reduz ao seu pertencimento a

    uma nica coletividade, seja ela a famlia, a classe social, o grupo de status, a religio, ou qualquer

    outra. Assim, a realidade individual caracterizar-se-ia justamente pela combinao de mltiplas

    propriedades, mais ou menos coerentes, constitudas em funo da participao do indivduo,

    simultaneamente ou no, em diferentes universos sociais.

    2 Lahire (2013, p. 12) afirma que deixou de utilizar o termo Sociologia Psicolgica, justamente, pelas expectativas

    equivocadas que o mesmo suscitava. 3 Lahire (2002a, 2002c, 2005, 2006, 2013) insiste que no existiria uma fronteira natural entre o social e o individual e

    por decorrncia, no existiriam objetos naturalmente reservados aos psiclogos. No apenas os comportamentos mais explcitos, mas os pensamentos e emoes mais ntimos de um indivduo poderiam ser analisados sociologicamente.

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    Lahire no nega a pertinncia e a importncia do conhecimento macrossociolgico da

    realidade social4. O que ele procura enfaticamente demonstrar que no se pode reduzir as

    realidades individuais a simples manifestaes de regras gerais, tpicas ou probabilsticas,

    estabelecidas numa escala coletiva de anlise. O fato de sabermos, por exemplo, que o nvel de

    escolaridade dos pais est diretamente relacionado ao desempenho escolar dos filhos no nos

    permitiria deduzir que determinado adolescente, filho de pais altamente escolarizados, tem ou ter

    bom desempenho escolar. Se pretendermos compreender o comportamento de um adolescente

    especfico, estaremos lidando com uma realidade muito mais complexa do que aquela normalmente

    desenhada pela Sociologia da Educao. Os pais so escolarizados, mas como foram suas trajetrias

    escolares, que relaes cada um deles mantm com o conhecimento e que significados atribuem ao

    processo de escolarizao? Como eles se relacionam com este filho? Quais outras pessoas mantm

    laos significativos com o adolescente (irmos, avs, vizinhos, amigos, empregados domsticos,

    outros parentes, etc)? Como foi ao longo do tempo e como atualmente organizado o cotidiano

    dessa famlia e do adolescente em particular? Qual o lugar da televiso, da internet, das prticas

    culturais, do lazer, dos esportes, dos namoros e da religio na vida desse indivduo? Trata-se de um

    adolescente de qual sexo, de qual cor ou raa, de uma cidade pequena ou grande, com pais

    separados ou casados, que exercem sua autoridade de forma mais rgida ou flexvel? Essas questes

    so suficientes para revelar como, na perspectiva de Lahire, as realidades individuais so

    multidimensionais. Um adolescente especfico no se reduz categoria dos filhos de pais altamente

    escolarizados. O fato de pertencer a essa categoria um fato muito importante, pode ser uma pista

    central para se tentar compreender alguns dos seus comportamentos, mas se quisermos efetivamente

    realizar uma anlise sociolgica desse indivduo teramos que construir uma abordagem mais

    complexa.

    O trabalho de Bernard Lahire pode ser lido, como ele prprio reconhece (2002b),

    simultaneamente, como uma crtica e um prolongamento da obra de Bourdieu. No que se refere ao

    conceito de habitus, o autor argumenta (1999a) que os limites desse se revelam quando se passa do

    estudo de grandes categorias coletivas, como as classes sociais, para a anlise do que ele chama de

    o social individualizado, ou seja, para a investigao do modo como indivduos especficos

    vivenciam mltiplas e, em parte, incoerentes experincias sociais, as incorporam, e as utilizam em

    suas aes prticas. O conceito de habitus poderia ser aplicado para se referir a determinadas

    disposies gerais que se mostram recorrentes entre indivduos que compartilham uma mesma

    posio social, uma categoria profissional, por exemplo. Seria possvel verificar que esses

    4 Ao contrrio, ele tem insistido (2002c, 2012, 2013) sobre a legitimidade de se trabalhar em Cincias Sociais em

    diferentes escalas de anlise e a partir de diferentes interesses de pesquisa.

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    indivduos tipicamente se comportam de determinada maneira em determinados tipos de situao, o

    que sugere que eles se orientam por um conjunto comum de disposies. A anlise torna-se muito

    mais complexa, e a utilidade do conceito torna-se menos evidente, quando o foco da investigao

    deixa de ser uma categoria coletiva e passa a ser, concretamente, o prprio indivduo.

    Nos termos de Lahire, o corpo individual no qual se reflete o social tem por particularidade

    atravessar as instituies, os grupos, as cenas, os diferentes campos de fora e de luta (1999a,

    p.125). Assim, analisar sociologicamente a experincia individual implicaria considerar o efeito

    sincrnico e diacrnico de mltiplas experincias sociais, em parte contraditrias e mesmo

    antagnicas, agindo sobre o mesmo indivduo5. Implicaria, ainda, considerar o modo como os

    indivduos reativam os produtos dessas mltiplas experincias em diferentes contextos de ao.

    Na perspectiva de Lahire, a anlise do social individualizado, ou seja, do social tal como ele

    se apresenta no plano individual exigiria, ento, o enfrentamento de dois conjuntos de questes que,

    segundo ele, normalmente, seriam negligenciadas nas abordagens macrossociolgicas. Primeiro:

    como se constituem socialmente as disposies individuais? Como se d, efetivamente, o processo

    de incorporao do social? Como, a partir de mltiplas e, s vezes, contraditrias experincias de

    socializao, os sujeitos constituem suas disposies? Segundo: como o passado incorporado pelos

    indivduos reativado nos contextos de ao? Como, em cada momento, a partir de um conjunto

    mais ou menos heterogneo de disposies e competncias incorporadas, algum elementos so

    selecionados e efetivamente utilizados? Com que frequncia e intensidade cada uma das disposies

    incorporadas se manifesta ao longo da vida? Em que medida cada uma delas transposta para

    esferas da vida social diferentes daquelas nas quais foram constitudas? Qual a possibilidade de que

    uma disposio seja enfraquecida ao longo do tempo, ou mesmo seja abandonada?

    Com relao constituio das disposies, Lahire prope uma anlise emprica detalhada

    do processo concreto de socializao do ator individual. Ter-se-ia que considerar a precocidade, a

    intensidade e a regularidade de cada experincia de socializao vivida pelo indivduo, bem como o

    grau de coerncia entre essas mltiplas experincias. A fora maior ou menor que uma disposio

    assumiria na vida de um indivduo, o carter mais ou menos irreversvel com que ela seria

    incorporada, o grau em que ela seria transferida para seus diversos contextos de atuao, tudo isso

    s poderia ser compreendido a partir da reconstituio sociolgica do seu processo de socializao.

    Com relao ao uso que os sujeitos fazem do seu passado incorporado, Lahire nos fala

    (1999a, p. 141) de um mecanismo de inibio colocao em viglia / ativao colocao em

    5 O grau de heterogeneidade da experincia social dos indivduos variaria em funo do contexto histrico e social no

    qual eles se encontram; seria menor, por exemplo, nas chamadas sociedades tradicionais, e maior nas sociedades urbanas e industriais (Lahire, 2002c, 2012, 2013).

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    ao das disposies. O passado incorporado no se converteria automaticamente e nem

    necessariamente em prtica efetiva. Esse passado seria formado por mltiplas e nem sempre

    coerentes disposies incorporadas, que, como tais, no poderiam ser colocadas simultaneamente

    em ao. O modo e a freqncia com que uma disposio seria atualizada s poderiam ser

    compreendidos considerando-se, por um lado, o lugar ocupado por ela no processo de socializao

    do indivduo e, por outro, a natureza atual dos contextos sociais frequentados pelo mesmo,

    contextos que podem ser mais ou menos favorveis a essa atualizao.

    No que se refere ao uso concreto que os atores fazem de suas disposies, Lahire

    desenvolve, na verdade, basicamente trs argumentos. Em primeiro lugar, observa (1999a. p. 132)

    que o modelo bourdieusiano da necessidade feita virtude ou do amor ao necessrio designa de

    fato uma modalidade particular de existncia do social incorporado e de sua atualizao, no

    podendo, no entanto, ser generalizado. Os indivduos no seriam, necessariamente, guiados de

    modo irresistvel pelas suas disposies incorporadas. A atualizao de uma determinada disposio

    poderia ocorrer tanto de uma forma apaixonada, como algo que move irresistivelmente o indivduo,

    quanto como algo que se efetiva por simples rotina ou mesmo por obrigao. Seria necessrio,

    inclusive, (p. 132) distinguir, com maior freqncia, entre a capacidade de fazer certas coisas e o

    gosto ou desejo de faz-lo. As duas coisas no viriam necessariamente juntas.

    Em segundo lugar, Lahire argumenta que a tese da transposio das disposies para

    contextos variados, tambm, no pode ser aprioristicamente generalizada. O grau em que uma

    disposio seria transposta para outros contextos dependeria, por um lado, do carter mais ou menos

    especfico da disposio e, por outro lado, do lugar ocupado por ela no quadro heterogneo das

    disposies incorporadas pelo ator individual. No seria adequado, por exemplo, supor,

    aprioristicamente, independentemente de anlise emprica detalhada, que o habitus profissional se

    transfira automaticamente e seja central na orientao do indivduo nas suas diversas esferas de

    atuao.

    Finalmente, em terceiro lugar, Lahire observa que a possibilidade maior ou menor de

    mudana, enfraquecimento ou mesmo abandono de uma disposio, tambm, s poderia ser

    definida a partir de uma anlise emprica detalhada do processo de socializao e da insero social

    atual do ator que a sustenta.

    Em sntese, o que Lahire (1999b, 1999a, 2001, 2002a, 2002c 2003, 2006, 2012, 2013)

    prope uma anlise emprica mais detalhada dos processos de constituio das disposies

    individuais e de atualizao dessas em contextos especficos. Por um lado, ter-se-ia que analisar

    detalhadamente as mltiplas experincias de socializao vividas pelo indivduo, considerando o

    grau de coerncia existente entre elas e sua maior ou menor intensidade, regularidade e precocidade.

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    Por outro, ter-se-ia que observar e comparar o modo como o mesmo indivduo age em diferentes

    contextos sociais (na vida familiar, profissional e escolar, por exemplo), buscando identificar a

    existncia de possveis regularidades em seu comportamento. Tendo em mos esses dois conjuntos

    de informaes, buscar-se-ia identificar possveis relaes entre as experincias de socializao

    vividas pelo indivduo ao longo do tempo e as regularidades no seu comportamento atualmente

    observadas. Essas relaes seriam interpretadas como indcios da constituio, incorporao e

    atuao de um conjunto determinado de disposies.

    As disposies seriam justamente aquilo que foi incorporado a partir do processo de

    socializao e que, supostamente, passou a orientar o indivduo em suas aes subseqentes.

    Correspondendo a experincias de socializao mais ou menos precoces, intensas, regulares e

    diversificadas, os indivduos incorporariam um conjunto de disposies mais ou menos fortes,

    duradouras, transferveis e coerentes entre si.

    LAHIRE E A SOCIOLOGIA DA EDUCAO

    possvel dizer que em Sucesso escolar nos meios populares: as razes do improvvel

    encontram-se condensadas as principais contribuies de Lahire para o campo da Sociologia da

    Educao. Vale notar que nessa obra retomada a tese fundamental desenvolvida em seus trabalhos

    anteriores relativa ao papel da escrita na produo do sucesso ou do fracasso escolar6. A escrita

    seria o elemento central da cultura escolar. A escola suporia em sua forma de organizao, nas

    atividades que prope e nos seus instrumentos de avaliao uma atitude racional por parte dos

    alunos, ou seja, o uso da abstrao, da reflexo, do planejamento e do clculo. Todas essas

    habilidades estariam diretamente relacionadas ao distanciamento em relao s situaes imediatas

    propiciado pela escrita. Mais do que um simples instrumento de registro ou de transmisso do

    conhecimento, a escrita estaria na base de um modo mais racional de organizao do pensamento e

    da realidade prtica. Assim, as crianas socializadas em famlias em que h uma maior presena da

    cultura escrita tenderiam a ter maior facilidade na escola, no apenas no que se refere s atividades

    diretamente ligadas ao aprendizado e uso da lngua, mas em relao ao conjunto de atitudes e

    comportamentos valorizados pela instituio.

    Em Sucesso escolar nos meios populares: as razes do improvvel, Lahire vai, no entanto,

    muito alm do tema da escrita. O autor considera quatro outras dimenses em relao s quais as

    famlias se distinguiriam e que teriam impacto sobre a escolarizao das crianas. Uma primeira

    seriam as condies e disposies econmicas. Mesmo entre famlias com uma situao

    6 Ver, por exemplo: Culture crite et ingalits scolaires. Sociologie de l' "chec scolaire" l'cole primaire, 1993.

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    socioeconmica semelhante, existiriam diferenas secundrias relacionadas ao tipo de atividade

    econmica exercida e regularidade e estabilidade profissionais dos pais ou responsveis. A

    situao socioeconmica seria afetada ainda por aspectos contingentes, como divrcio, morte,

    doenas ou uma situao de desemprego. De um modo geral, uma situao mais estvel e regular

    favoreceria uma gesto mais racional do cotidiano familiar, permitindo o planejamento das

    atividades e horrios a serem cumpridos, a organizao de um oramento e a definio de objetivos

    a serem perseguidos em um prazo mais longo7. Na perspectiva de Lahire, essa organizao racional

    do cotidiano tenderia a afetar os processos de socializao, favorecendo a constituio nas crianas

    de disposies consonantes com esse ambiente familiar, ou seja, uma maior propenso para o uso

    racional do tempo, para o cumprimento dos horrios e para o planejamento das atividades. Essas

    disposies seriam, por sua vez, de grande importncia para uma boa adaptao dos alunos aos

    prazos, horrios e aos objetivos de curto, mdio e longo prazo associados vida escolar.

    Uma segunda dimenso considerada por Lahire a chamada ordem moral domstica. O

    autor observa que algumas famlias, apesar do seu baixo capital cultural, favorecem a escolarizao

    dos filhos indiretamente, por meio da criao de um mundo ordenado, no qual impera o respeito

    pela autoridade (inclusive dos professores), a definio clara de obrigaes (incluindo a realizao

    dos deveres escolares), o estabelecimento de horrios para a realizao de atividades (entre as quais,

    os estudos), o controle sobre as relaes de amizade, entre outros. Essas famlias, mesmo que de

    forma no inteiramente intencional ou consciente, preparariam seus filhos para atenderem certas

    expectativas prprias ao oficio de aluno: disciplina, bom comportamento, respeito s regras,

    perseverana, cuidado na apresentao das atividades escolares, etc. Mais do que isso, Lahire

    sustenta a tese de que a ordem moral e material8 familiar tende a se traduzir numa ordem cognitiva.

    As crianas socializadas num ambiente estvel e ordenado tenderiam a adquirir estruturas

    cognitivas ordenadas, capazes de pr ordem, gerir, organizar os pensamentos (1997, p, 26),

    habilidades altamente valorizadas pela escola.

    Lahire considera ainda as formas especficas de exerccio da autoridade familiar. Em

    algumas famlias a autoridade se exerce sobretudo de fora para dentro, por meio da vigilncia e da

    punio imediata dos atos incorretos, usualmente por meio de sanes fsicas. Em outras famlias,

    ao contrrio, o exerccio da autoridade se realiza por meio do dilogo e do estmulo ao raciocnio da

    7 Lahire (1997, p. 24) observa, no entanto, que a gesto mais racional do cotidiano no decorre diretamente da

    situao socioeconmica vivida pela famlia. Diante da mesma situao objetiva, as famlias podem se organizar de formas diferentes em funo de suas prprias trajetrias passadas e, portanto, das disposies econmicas que tenham anteriormente interiorizado. Assim, possvel encontrar entre famlias com situao econmica bastante semelhante hbitos de planejamento e poupana bastante diferentes. 8 No sentido, acima discutido, de uma situao econmica estvel e regular.

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO10

    criana, de forma que ela entenda e incorpore as normas de comportamento e passe a se

    autocontrolar mesmo na ausncia de uma vigilncia e do risco de uma punio externa imediata.

    Lahire observa que este segundo tipo de famlia propicia o desenvolvimento da autonomia e da

    autodisciplina por parte das crianas, qualidades que as tornam mais aptas a atender s regras

    escolares. As crianas socializadas em famlias do primeiro tipo, por outro lado, tenderiam a ter

    dificuldade de se adequar ao regime disciplinar escolar, uma vez que estariam acostumadas a seguir

    as regras somente diante da vigilncia externa imediata e da ameaa direta de punio, em muitos

    casos, fsica.

    Uma ultima dimenso destacada por Lahire diz respeito s formas de investimento

    pedaggico utilizadas pelas famlias. O autor se contrape tese segundo a qual o sucesso escolar

    nos meios populares dependeria de um superinvestimento escolar por parte dos pais. Ele argumenta

    que a superescolarizao (presena constante da famlia na escola, ajuda intensa na execuo dos

    deveres de casa, proposio de atividades extras de complementao do aprendizado,

    monitoramento e cobrana constante de desempenho escolar, etc) uma forma por meio da qual o

    sucesso escolar pode ser alcanado, mas no a nica possvel. Algumas famlias apoiariam a

    escolarizao de seus filhos de forma mais discreta e indireta e mesmo assim obteriam bons

    resultados. Inversamente, o autor sublinha a existncia de casos de superinvestimento escolar

    paradoxais, em que os resultados no correspondem intensa mobilizao familiar. De um modo

    geral, seria preciso observar em que medida os meios adotados pelas famlias para monitorarem,

    estimularem e cobrarem bons resultados escolares dos filhos so de fato pedagogicamente

    adequados e, sobretudo, em que medida h uma consonncia entre as concepes educativas,

    normalmente implcitas, adotadas pelas famlias em suas prticas e aquelas empregadas pela escola.

    Algumas crianas viveriam entre dois regimes educativos incongruentes, o familiar e o escolar.

    Um argumento central desenvolvido por Lahire em Sucesso escolar nos meios populares: as

    razes do improvvel o de que na anlise de casos particulares, como as realizadas nessa obra, as

    diferentes dimenses da vida familiar no devem ser tomadas como fatores isolados. As cinco

    dimenses ou traos pertinentes da leitura sociolgica sublinhados por ele (cultura escrita,

    condies e disposies econmicas, ordem moral domstica, formas de autoridade familiar e

    formas familiares de investimento pedaggico) deveriam ser considerados de maneira combinada.

    Os efeitos de cada uma dessas dimenses sobre a escolaridade de uma criana poderiam ser

    potencializados ou enfraquecidos em funo do modo como as demais se apresentam na

    configurao familiar especfica que est sendo analisada. Lahire observa ainda que normalmente

    nenhuma dimenso seria suficiente para garantir o sucesso escolar, assim como nenhuma delas seria

    indispensvel para que o mesmo ocorra. A presena, por exemplo, de uma forte cultura escrita ou

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO11

    do capital cultural em geral no garantiria o sucesso escolar. Por outro lado, a ausncia desses

    elementos poderia ser compensada, em alguma medida, pela existncia, por exemplo, de uma forte

    ordem moral.

    Lahire observa tambm que essas dimenses no poderiam ser tomadas de maneira abstrata,

    desencarnada, descontextualizada, como seria o caso nos modelos macrossociolgicos. O autor

    procura investigar justamente o modo como as vantagens ou desvantagens so transmitidas s

    crianas a partir de processos de socializao concretos, vividos em configuraes familiares reais.

    Aqui fica clara a distino entre as escalas coletiva e individual de anlise estabelecida pelo autor9.

    Numa escala coletiva, baseada em regularidades estatsticas, seria possvel afirmar que, em geral,

    determinado fator favorece ou prejudica o sucesso escolar. J na anlise de casos individuais, seria

    preciso investigar como um fator geral, como o gosto do pai pela leitura, por exemplo, encontrou ou

    no condies de ser efetivamente transmitido ao filho, por meio de um contato significativo e de

    prticas socializadoras precoces, intensas, regulares e coerentes. O pai pode adorar ler e mesmo

    assim no conseguir transmitir essa disposio, seja por falta de tempo para ler para o filho ou para

    conversar com o mesmo sobre o que l, seja por ter uma relao emocionalmente distante ou

    conflituosa com a criana. Caberia, ainda, analisar em que medida a influncia do pai em matria de

    leitura mostrou-se confluente ou contraditria em relao s recebidas de outros membros da

    famlia ou mesmo de pessoas externas ao crculo familiar. O gosto do pai e sua possvel influncia

    podem estar sendo neutralizados, por exemplo, pela forte averso da me pela leitura. Seria

    necessrio pesquisar, portanto, a rede concreta de relaes sociais em que a criana esteve e est

    inserida, no interior da qual ela teve acesso a um conjunto especfico de experincias socializadoras

    e incorporou um patrimnio particular de disposies.

    Partindo dessa ltima observao, cabe destacar aqui um dos aspectos centrais da

    abordagem desenvolvida por Lahire em Sucesso escolar nos meios populares: as razes do

    improvvel. As famlias so consideradas nessa obra em sua heterogeneidade. Em primeiro lugar,

    como j foi mencionado, o desenho da pesquisa supe a busca justamente de diferenas secundrias

    entre famlias pertencentes a um meio social relativamente homognio, marcado por baixo capital

    cultural e econmico. Lahire procura ressaltar que essas diferenas secundrias so suficientes para

    configurarem experincias socializadoras contrastantes, propiciarem a incorporao de um

    patrimnio diferenciado de disposies e, finalmente, favorecerem o alcance de resultados escolares

    9 Embora j aparea aqui de forma clara, a distino entre as escalas individual e coletiva de anlise ser feita de

    forma mais explicita em obras posteriores do autor (por ex. 1999a, 2002a, 2002c). So tambm em obras posteriores que o projeto de Lahire de uma Sociologia em escala individual atinge sua mxima realizao em termos empricos (por ex. 2002a, 2006, 2010). Essas obras, no entanto, diferentemente da que est sendo discutida aqui, no tm os processos de escolarizao dos indivduos como seu foco principal.

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO12

    mais ou menos positivos. O autor enfoca, no entanto, no apenas as diferenas entre as famlias,

    mas tambm as diferenas internas ao grupo familiar. Neste sentido, observa que mesmo quando se

    assemelham do ponto de vista de certos atributos classicamente considerados pela Sociologia da

    Educao, como o nvel de escolaridade, pais e mes so seres sociais distintos, com trajetrias

    sociais e escolares prprias e que, portanto, tendem a submeter os filhos a lgicas socializadoras, at

    certo ponto, contrastantes, ou mesmo contraditrias. A heterogeneidade interna das famlias

    resultaria ainda da participao de outros membros, como avs, tios, irmos, que tambm fariam

    parte da rede de interdependncia familiar e interfeririam nos processos de socializao vividos

    pelas crianas10

    . Lahire considera ainda as diferenas relacionadas ao gnero no interior das

    famlias. Seria necessrio considerar no apenas as diferenas nos papis ocupados por pais e mes

    e suas repercusses sobre a socializao dos filhos, mas os laos de identidade e as distncias

    relativas que tendem a se estabelecer, por exemplo, entre os irmos, conforme sejam do mesmo

    sexo ou do sexo oposto.11

    .

    O esforo de Lahire no sentido de captar a heterogeneidade das famlias coerente com sua

    tese central relativa especificidade da escala individual de anlise. Para entender os resultados

    escolares de uma criana especfica no bastaria a caracterizao geral e abstrata do grupo social a

    que ela pertence. Seria necessrio investigar a configurao familiar concreta na qual ela est

    inserida, a fora relativa dos laos de interdependncia que a unem a cada um dos outros membros

    do grupo, a natureza mais ou menos contraditria das lgicas socializadoras a que ela submetida,

    sincrnica e diacronicamente. Seria preciso considerar, ainda, que as configuraes familiares so

    no apenas, em alguma medida, internamente heterogneas ou mesmo contraditrias, mas tambm

    instveis. Em um dado momento, a me pode ter maior disponibilidade para cuidar da criana, em

    outro, pode ser necessrio apelar para os cuidados dos avs ou dos irmos mais velhos, num

    terceiro, possvel que o pai, agora desempregado, possa estar mais presente e, assim por diante.

    Cada uma dessas mudanas modificaria, em alguma medida, as relaes de interdependncia em

    que a criana est inserida e as experincias socializadoras a que est submetida. Conforme estejam

    mais ou menos presentes e atuantes, pais, mes, irmos ou avs tero oportunidades maiores ou

    menores de estreitar seus laos com a criana e, de alguma forma, influenci-la em diferentes

    aspectos.

    10

    Lahire analisa vrios casos em que membros da famlia estendida desempenham papel importante nos processos de socializao da criana e mesmo no acompanhamento direto de sua escolarizao. Cabe destacar situaes em que a principal fonte de capital cultural no so os pais, mas um irmo ou irm, que passa, assim, a desempenhar papel decisivo no apoio escolarizao da criana. 11

    Lahire analisa, por exemplo, um caso no qual a Irm, bem sucedida na escola, tem dificuldades para influenciar o irmo mais novo, que se mostra bem mais receptivo diante de seu outro irmo, do mesmo sexo, com o qual estabelece fortes laos de identificao.

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO13

    No que se refere especificamente aos processos de escolarizao, Lahire ressalta que os

    adultos normalmente transmitem s crianas no apenas informaes objetivas sobre o

    funcionamento e sobre os contedos inerentes ao aprendizado escolar, mas tambm uma

    interpretao subjetiva e emocional sobre o mundo escolar, baseada, em grande medida, em sua

    prpria experincia como alunos. As experincias de sofrimento, fracasso, humilhao ou, ao

    contrrio, de sucesso e realizao pessoal vividas na escola tenderiam a ser repassadas s crianas,

    mesmo que de maneira involuntria, por meio de prticas e comentrios cotidianos relativos, por

    exemplo, ao nvel de dificuldade, de relevncia e de prazer associado s diferentes disciplinas, ou

    ainda sobre o modo de funcionamento da escola e o comportamento dos professores (descritos, por

    exemplo, como mais ou menos comprometidos, competentes e sensveis s necessidades das

    crianas).

    De forma mais ampla, Lahire observa que os membros de cada famlia transmitem para as

    crianas, por meio de seus intercmbios cotidianos, uma certa definio do lugar simblico da

    escolarizao. Assim, um pai que escuta atentamente o filho e que o questiona de maneira

    interessada sobre suas atividades na escola demonstraria, mesmo que de forma no intencional, a

    importncia que atribui vida escolar da criana. Do mesmo modo, um pai pouco escolarizado que

    pede ajuda ao filho para lidar com assuntos prticos, como a leitura de um documento ou o

    preenchimento de um formulrio, por exemplo, indiretamente, estaria demonstrando o

    reconhecimento que atribui ao conhecimento escolar. Esses aspectos mais sutis precisariam ser

    considerados para se compreender o lugar efetivo que a escolarizao ocupa nos processos de

    socializao a que um indivduo especfico submetido.

    Sinteticamente, possvel dizer que em Sucesso escolar nos meios populares: as razes do

    improvvel, Lahire lana as bases de uma Sociologia da Educao em escala individual. Para se

    compreender as relaes que uma criana particular tem com a escola e os resultados que alcana na

    mesma, seria necessrio investigar, com a maior riqueza de detalhes possvel, os processos de

    socializao, sobretudo familiares, vividos por ela. Mesmo dentro de um mesmo meio social,

    definido em termos do nvel de capital cultural e econmico, as famlias seriam muito diferentes

    entre si. Cada criana seria submetida, assim, a um conjunto singular de experincias

    socializadoras, tornado possvel pela configurao especfica de relaes sociais presentes em sua

    famlia em determinado momento e ao longo do tempo. Como produto dessas experincias e dessas

    relaes sociais, a criana tenderia a incorporar um conjunto mais ou menos diferenciado ou mesmo

    contraditrio de disposies. Conforme esse patrimnio de disposies incorporado, ela estaria mais

    ou menos apta a atender as exigncias da instituio escolar. O sucesso escolar nos meios populares

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO14

    se mostraria mais vivel nos casos em que se observa uma consonncia, pelo menos parcial, entre as

    lgicas socializadoras prevalecentes na famlia e os princpios educativos presentes na escola.

    Lahire (1997, p. 31) chama ateno, de qualquer forma, para o fato de que so possveis

    diferentes estilos de sucesso escolar: atravs do ofcio de aluno ou de desempenhos brilhantes,

    atravs de qualidades literrias ou cientficas, em uma forma tmida ou arriscada, rigorosa ou

    criativa.... Temos aqui sugerido, embora no plenamente desenvolvida, a tese de que, assim

    como a famlia, o contexto escolar tambm heterogneo e, em alguma medida, contraditrio. A

    realizao plena da Sociologia da Educao em escala individual proposta por Lahire exigiria uma

    anlise do contexto escolar to minuciosa quanto a feita em relao famlia.

    Cabe finalmente ressaltar, que embora central, a contribuio de Lahire para a Sociologia da

    Educao no se reduz a obra aqui discutida. Apesar de no ter priorizado o tema da educao aps

    Sucesso escolar nos meios populares: as razes do improvvel, Lahire continua a influenciar esse

    campo disciplinar com sua proposta de uma anlise emprica minuciosa dos processos de

    socializao e uso do passado incorporado por indivduos especficos. Vale sublinhar que em

    algumas de suas obras seguintes, como em Retratos Sociolgicos, o autor aprofunda essa proposta,

    enfatizando, por um lado, os mltiplos cenrios em que um indivduo socializado, para alm do

    ambiente familiar, e, por outro, a diversidade dos contextos nos quais esse mesmo indivduo

    levado a agir, reativando, de forma nem sempre coerente, partes do seu complexo patrimnio de

    disposies. Embora a educao escolar no seja o ponto central dessa obra, tem-se aqui trabalhado,

    de forma inovadora, um dos temas centrais da Sociologia da Educao: a socializao. Cabe

    tambm destacar a contribuio de Lahire para o debate, de grande importncia para a Sociologia da

    Educao, sobre legitimidade cultural. Em A cultura dos indivduos, servindo-se mais uma vez de

    uma abordagem em escala individual, o autor nos revela que os indivduos so menos coerentes em

    suas atitudes e prticas culturais do que se poderia prever com base nos modelos

    macrossociolgicos. O alinhamento rgido em relao s hierarquias culturais e, mais

    especificamente, em relao s fronteiras entre o legtimo e o ilegtimo seria a exceo e no a

    regra. Instaura-se aqui todo um amplo e rico debate com a Sociologia da Cultura e da Educao de

    inspirao Bourdieusiana12

    .

    LIMITES E RISCOS ASSOCIADOS PERSPECTIVA DE LAHIRE

    12

    Esse debate continua a ser alimentado por algumas das obras mais recentes de Lahire (por ex. 2010), nas quais so analisadas as vidas e obras de grandes escritores e demonstrado que suas atitudes e comportamentos no decorrem de forma simples e direta de sua posio mais ou menos prestigiosa no campo cultural.

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO15

    Como foi discutido nas duas primeiras partes deste texto, o programa sociolgico proposto

    por Lahire consiste, antes de tudo, num convite a uma apreenso empiricamente mais detalhada da

    realidade individual. Prope-se, basicamente, um esforo de investigao da pluralidade de

    experincias socializadoras vividas sincrnica ou diacronicamente por indivduos especficos, bem

    como uma anlise detalhada dos mltiplos contextos em que diferentes componentes do patrimnio

    de disposies e competncias de um mesmo indivduo se manifestam. Cabe reiterar que o valor

    desse projeto cientfico no se restringe ao conhecimento especfico que ele pode gerar sobre as

    experincias passadas e os modos atuais de ao de indivduos singulares. Sua maior contribuio

    talvez seja a de nos tornar epistemologicamente mais atentos em relao aos riscos de uma

    transposio mecnica, indevida e inadvertida de conhecimentos gerados em escala macrossocial

    para o plano individual. Um indivduo no seria normalmente um representante de um nico grupo

    ou posio social, mas o produto complexo de experincias vividas em mltiplos cenrios sociais e

    suas aes, realizadas em diferentes contextos, refletiria a complexidade e muitas vezes a

    incoerncia ou mesmo a contradio interna de seu patrimnio incorporado.

    Se os mritos do programa sociolgico de Lahire parecem inegveis, seus limites tambm

    parecem bastante claros. Fundamentalmente, argumentar-se- nesta ltima parte do texto que, para

    alm do detalhamento emprico proposto, falta ao projeto de Lahire uma teoria mais consistente

    sobre o modo como os indivduos lidam com seu contexto, seja no passado ou no presente,

    incorporando ou rejeitando, em maior ou menor grau e de maneira consciente ou no, diferentes

    influncias sociais. O ator na perspectiva do autor, basicamente, um suporte onde se armazenam, a

    partir das experincias de socializao, competncias, hbitos ou disposies mais ou menos fortes

    que funcionam como esquemas de ao potenciais, passiveis de serem reativados conforme as

    caractersticas dos novos contextos de ao. No h uma teoria geral sobre o funcionamento interno

    ou psquico dos indivduos e sobre o modo como esses interagem ativamente com seu ambiente de

    ao, aceitando ou resistindo s possveis influncias externas13

    . Qualquer teoria geral sobre a

    subjetividade humana descartada em nome da defesa de uma anlise emprica detalhada do

    patrimnio de disposies incorporado por indivduos concretos e especficos e de seus contextos

    de ao. A nica afirmao geral sobre a subjetividade humana justamente a de que essa no tem

    uma lgica prpria de funcionamento14

    . Qualquer reao individual sempre explicada pelo

    13

    Observaes semelhantes sobre o trabalho de Lahire so feitas por Rochex, 2000. 14

    Nas palavras do autor (2002c): o dentro ou o interior (o mental, o cognitivo, etc) apenas um fora ou um exterior (formas de vidas sociais, instituies, grupos sociais, processos sociais, etc. dobrado. E mais a frente: o interior no outra coisa que o exterior amassado ou dobrado e no tem nenhum primado ou anterioridade nem qualquer especificidade irredutvel. Para compreender o interior s h uma soluo: fazer o estudo mais exato, circunstanciado e mais sistemtico possvel do exterior.

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO16

    contexto externo passado, que foi incorporado, e pelo contexto atual de ao. Os atores so

    impregnados pelas foras do contexto externo durante sua socializao e passam a reativar nas

    situaes atuais, de maneira basicamente involuntria,15

    (Lahire, 2002c, p. 72) os esquemas por

    meio dos quais lidaram com suas experincias passadas.

    O problema que as experincias de socializao no se definem a partir de um contexto

    externo fixo ao qual os indivduos passivamente se submetem. Elas so construdas interativamente

    pelos atores envolvidos. O sujeito que est sendo socializado pode intensificar sua participao

    nessa experincia, ampliando seu tempo de exposio e o grau de seu investimento material e

    emocional na mesma, assim como normalmente pode, em alguma medida, buscar se afastar ou

    reduzir seu envolvimento com a mesma ao mnimo necessrio. At mesmo diante da escola,

    instituio de socializao sistemtica, prolongada e relativamente precoce, possvel adotar

    atitudes de resistncia, de recusa ou, mais comumente, de aceitao formal da imposio

    institucional, sem um envolvimento efetivo com o projeto de escolarizao proposto. No parece

    suficiente explicar essas variaes na reao dos indivduos a um mesmo contexto de socializao

    afirmando que essas expressam a reativao de esquemas de ao aprendidos em contextos

    anteriores. No h dvida de que os indivduos mobilizam recursos do passado para interpretarem e

    se orientarem nos contextos atuais. Mas isso explica apenas parte do que constitui suas aes. Mais

    do que isso, parece necessrio, continuando no mesmo exemplo, entender porque para alguns

    alunos a escolarizao faz sentido e se torna um foco de investimento intenso e de realizao

    pessoal, enquanto para outros ela um sacrifcio contnuo, frente ao qual todas as estratgias de

    resistncia ou mesmo de desero parecem vlidas. O sentido da ao individual, indicado pela

    intensidade e direo dos investimentos e pelas estratgias de resistncia e evitamento, no parece

    compreensvel como simples efeito da transferncia de esquemas de ao passados para situaes

    de ao anlogas no presente. Parece-nos necessrio acrescentar a esse esquema interpretativo uma

    teoria explicita sobre o funcionamento da subjetividade humana, sobre o que motiva os indivduos a

    investirem ou a se afastarem de diferentes experincias sociais, a se sujeitarem ou resistirem s

    mltiplas e muitas vezes incoerentes e contraditrias tentativas de influncia recebidas de seu

    ambiente externo.

    Em sntese, pretendemos argumentar que os limites do programa sociolgico de Lahire,

    sintetizado na frmula passado incorporado + contexto presente = prticas observveis (2012,

    p.25) encontram-se na ausncia de uma teoria slida sobre a relao dos indivduos com seu

    ambiente externo. O que faria com que um sujeito aceitasse ou mesmo buscasse ativamente

    15

    Mesmo a adoo de uma postura mais reflexiva por certos atores seria algo, basicamente, involuntrio, fruto do encontro de uma disposio reflexiva, anteriormente incorporada, com um contexto propcio sua atualizao.

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    incorporar uma nova disposio ou competncia no interior de uma experincia potencialmente

    socializadora, enquanto outro resistiria de maneira mais ou menos ativa a essa mesma possvel

    influncia social? O que faria, num segundo momento, com que um sujeito transferisse para um

    novo contexto um mesmo modo de ao, j aplicado em contexto anlogo, enquanto outro, tendo

    vivido experincia similar, buscaria romper com o passado, evitando a situao ou reagindo

    mesma de maneira diferente? Como j dissemos, no nos parece suficiente explicar essas reaes

    individuais apenas como manifestaes de disposies incorporadas, reativadas pelos contextos

    atuais. preciso tambm considerar a lgica interna por meio da qual os indivduos reagem s

    experincias socializadoras e aos contextos de ao.

    A discusso sobre os modos ou os mecanismos por meio dos quais se estabelece a relao

    dos indivduos com seu meio social se desenvolve no campo da Sociologia por meio da j clssica

    discusso, acirrada a partir dos anos 80 (Alexander, 1987), sobre indivduo e sociedade, estrutura e

    ao, individualismo e holismo. Lahire (2002c, 2005, 2012, 2013) sustenta uma postura

    basicamente crtica em relao a toda essa discusso. Segundo ele, esse debate estaria baseado

    numa separao equivocada entre indivduo e sociedade, como se fossem duas entidades

    independentes, sendo que na verdade elas deveriam ser consideradas como dimenses inseparveis

    de uma mesma realidade.

    Inspirado pelas teses de Norbert Elias explicitadas em A sociedade dos indivduos, 1994,

    Lahire insiste que no existiriam duas realidades separadas, cujo modo de articulao se precise

    investigar. Os indivduos seriam produto da incorporao do social e este, por sua vez, s existiria

    enquanto instncia separada dos indivduos que o compem na medida em que

    metodologicamente reconstitudo pelo pesquisador a partir da agregao e categorizao de

    propriedades individuais. Na realidade emprica, o que teramos seria uma sociedade formada por

    redes de indivduos interdependentes, cujas caractersticas pessoais so definidas em funo de sua

    participao nessas redes16

    .

    Sem dvida, Lahire tem boas razes para rejeitar tanto os reducionismos individualistas

    quanto coletivistas, tanto a iluso atomista de um ser associal, existindo anterior e

    independentemente em relao realidade social, quanto um certo holismo sociolgico, que reifica

    e personaliza as coletividades, transformando-as em entidades mais ou menos autnomas em

    relao aos indivduos que as compem.

    16

    Lahire (2002c, 2006) lembra ainda - seguindo Durkheim e, mais uma vez, Elias que a prpria noo de indivduo, como ser dotado de relativa autonomia e contraposto realidade social, tem sua histria, no podendo ser, portanto, tomada como algo naturalmente dado..

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO18

    A concepo alternativa da realidade social, esboada por ele a partir de Elias, tambm

    parece bastante atraente. A realidade social definir-se-ia como uma rede de relaes de

    interdependncia entre indivduos que se definem precisamente pelo modo como se inserem nessas

    redes. Empiricamente, o social s existiria incorporado em indivduos concretos e os indivduos por

    sua vez, s existiriam como seres socialmente constitudos.

    Embora seja possvel concordar com as crticas que Lahire e Elias fazem aos reducionismos

    e s falsas dicotomias que perturbam nosso entendimento sobre as realidades sociais e mesmo

    considerar que eles propem uma concepo mais sofisticada da vida social, por meio da noo de

    redes de interdependncia, no se pode considerar que essas crticas e essa proposta sejam

    suficientes para que se descarte, de uma vez por todas, o problema da relao entre indivduos e

    contexto social. Mesmo que tenhamos em mente que os indivduos comeam a ser socialmente

    constitudos desde a mais tenra idade, e que, portanto, a sociedade j est incorporada neles desde a

    infncia, considero que permanece, de qualquer forma, o desafio de compreender como eles lidam,

    a cada novo passo de suas trajetrias, com as novas influncias a que so submetidos. No preciso

    hipostasiar a realidade social e contrap-la a uma realidade individual associal para se justificar a

    colocao e o enfrentamento do problema terico da relao de um indivduo (certamente j

    socializado) com seu meio social. Mesmo que aceitemos, com Lahire, que cada indivduo

    fundamentalmente o social incorporado, permanece o problema de se compreender como esse ser

    socialmente constitudo mantm ou modifica suas propriedades a partir de cada nova interao que

    estabelece com os demais, ou seja, em que medida se submete ou resiste a cada nova influncia

    socializadora.

    Acredito que Lahire insistiria em responder a essa questo de maneira essencialmente

    emprica. Segundo ele, no seria necessrio criar ou recorrer a nenhum conceito ou proposio

    terica para se pensar sociologicamente a relao dos indivduos com seu contexto social. No seria

    preciso formular teorias gerais sobre o que os indivduos buscam em sociedade ou sobre o modo

    como eles agem. O que os indivduos buscam e o modo como eles agem seria determinado pelos

    processos de socializao a que foram submetidos e pelos contextos atuais da ao, mais ou menos

    favorveis manifestao das disposies incorporadas. Todo o comportamento dos indivduos

    (conformista ou desviante), bem como os pensamentos, percepes, emoes, que podem estar na

    base de suas reaes diferenciadas, seriam explicados pela socializao passada que se preserva na

    forma de disposies incorporadas. Se eles so receptivos a uma nova experincia socializadora

    porque as disposies que os levam a isso foram solidamente incorporadas e encontram um

    contexto favorvel sua manifestao. Se resistem, por outro lado, isso se deveria atuao de

    outras disposies mais fortes e/ou existncia de um contexto diferente do anterior.

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO19

    Os sujeitos so reduzidos a depositrios de disposies constitudas a partir de seus

    ambientes sociais e suas aes so transformadas em manifestaes, variveis conforme os

    contextos sociais, dessas mesmas disposies. Na ausncia de uma teoria geral sobre a

    subjetividade ou mais especificamente sobre o que motiva consciente ou inconscientemente os seres

    humanos a manter ou romper seus laos sociais (se sujeitando ou resistindo possveis experincias

    socializadoras), temos, na verdade, em ltima instncia, a dissoluo do sujeito como dimenso

    explicativa prpria, ou seja, sua reduo s determinaes do contexto social objetivo passado

    (experincias de socializao) e presente (suas condies atuais de ao).

    Discutindo o conceito de habitus de Bourdieu, Alexander (2000) afirma que trata-se do

    Cavalo de Tria do determinismo. Apresentado como instrumento de introduo da dimenso

    subjetiva na teoria social, o conceito realizaria, na verdade, de maneira ainda mais profunda, a

    reduo da subjetividade aos determinismos sociais. O problema, segundo Alexander, que faltaria

    a Bourdieu uma teoria positiva da subjetividade, ou seja, uma concepo clara sobre como os

    sujeitos lidam com a realidade social ao longo de toda a sua socializao e nas situaes atuais de

    ao. O conceito de habitus seria, num certo sentido, vazio. Ele apenas afirmaria que a

    subjetividade humana seria produzida a partir da incorporao das estruturas sociais externas e que

    as aes presentes seriam a expresso dessas estruturas incorporadas, preservadas internamente na

    forma de um habitus. No haveria, propriamente, uma teorizao sobre como os indivduos lidam

    com a realidade externa, aceitando-a ou rejeitando-a parcialmente, sobre como filtram as influncias

    a que esto submetidos, sobre o que os motiva em ltima instncia, para alm de seus objetivos

    imediatos, empiricamente variados. Na ausncia dessa teoria, deslizar-se-ia facilmente para uma

    concepo unilateral, que reduz a complexa relao indivduo sociedade a um determinismo

    sociolgico simplificador.

    As mesmas crticas feitas por Alexander ao conceito de habitus de Bourdieu podem, em

    alguma media, ser feitas ao conceito bem mais especfico, preferido por Lahire, de disposio. O

    conceito seria vazio de contedo. No refletiria uma concepo positiva sobre o papel dos

    indivduos na relao que estabelecem com a realidade social. Referir-se-ia apenas s marcas

    deixadas nesses pela realidade social, marcas essas passveis de serem reativadas em outros

    contextos.

    No se trata de negar o determinismo em favor de uma defesa ingnua e ideologicamente

    orientada da autonomia individual. No se busca aqui apoiar moralmente a imagem que os

    indivduos modernos tendem a fazer de si mesmos como seres autnomos e racionais, contra a

    lgica implacvel e, muitas vezes incmoda, do determinismo sociolgico. O que se est apontando

    apenas a falta de uma teoria geral sobre como os seres humanos lidam com as mltipas influncias

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO20

    sociais a que so submetidos sincrnica e diacrnicamente, aceitando-as ou rejeitando-as em maior

    ou menor grau. Construir uma teoria geral sobre a subjetividade humana, sobre o que os indivduos

    buscam e sobre o modo como processam internamente o universo social em que esto inseridos no

    significa reeditar a contraposio equivocada entre indivduo (associal, racional, consciente) e

    sociedade. Significa apenas tornar mais explcitos os mecanismos gerais ou universais por meio dos

    quais indivduos j socializados lidam com novas influncias sociais, aceitando-as ou rejeitando-as

    em maior ou menor grau.

    Na ausncia de uma teorizao mais explcita sobre o modo como os indivduos se orientam

    frente s diferentes foras sociais, o esforo de anlise emprica da realidade individual proposto

    por Lahire corre sempre o risco de produzir explicaes ad hoc. Esse problema pode ser dividido

    em duas partes.

    A primeira refere-se relao entre o indivduo em questo e as mltiplas influncias

    recebidas por ele ao longo do processo de socializao. Na ausncia de um modelo terico capaz de

    oferecer uma explicao coerente e sistemtica sobre o modo como o indivduo se relacionar com

    essas vrias influncias (especialmente com as contraditrias ou antagnicas), aceitando-as ou

    rejeitando-as em grau e forma variada, incorre-se, com muita facilidade, num tipo viciado de

    explicao post factum: conhecido o comportamento presente do sujeito, tende-se a supervalorizar,

    entre as vrias influncias que ele recebeu, aquelas que de maneira mais bvia podem t-lo

    conduzido incorporao das disposies necessrias adoo do comportamento observado. Em

    relao escolha de um curso superior, por exemplo, se se sabe que um candidato decidiu-se por

    Msica, tende-se a conferir uma grande importncia s experincias socializadoras vividas pelo

    indivduo que, de uma maneira mais evidente, podem contribuir para a formao de um gosto

    musical (como a freqncia a um curso de msica na infncia) e a, simultaneamente, minimizar o

    peso de outras influncias. Se esse mesmo indivduo tivesse escolhido Engenharia, apesar de ter

    recebido a mesma formao musical, tenderamos a minimizar a importncia dessa iniciao

    musical e a superestimar a fora socializadora do pai ou do tio engenheiro17

    .

    O mesmo raciocnio vale para a segunda parte do problema: aquela que se refere relao

    entre disposies incorporadas e contextos de ao. Se o ator age de uma determinada maneira num

    determinado contexto, tendemos no apenas a superestimar a fora das disposies que podem t-lo

    conduzido a isso, mas tambm a sobrevalorizar a influncia estimulante que o contexto pode ter tido

    sobre ele. Para tomarmos outro exemplo relacionado escolha do curso superior: se soubermos que

    um indivduo est preparando-se de forma metdica e intensiva para o vestibular, tendemos, por um

    17

    Sobre a interpretao sociolgica do processo de escolha dos estudos superiores, ver: Nogueira, 2004, 2012.

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO21

    lado, a superestimar suas disposies ascticas e as experincias de socializao que as podem ter

    constitudo e, por outro, a enfatizar as caractersticas favorveis do contexto, como o fato de estar

    cursando um curso pr-vestibular bastante exigente e de poder contar com as facilidades de um

    ambiente familiar silencioso e tranqilo, ou seja, propcio aos estudos. Assim, subestimamos

    possveis influncias em sentido contrrio, e, talvez, igualmente forte, que se exercem

    simultaneamente sobre o indivduo por parte, por exemplo, dos seus amigos de bairro, mais

    envolvidos com atividades de lazer.

    O raciocnio post factum e as explicaes ad hoc que o acompanham nascem, na verdade, da

    falta de uma resposta terica para o problema da relao dos indivduos com seu meio social ou, de

    forma mais clara, para o problema da orientao social da ao individual. Lahire no nos prope

    um modelo terico a partir do qual seja possvel explicar e muito menos predizer o modo como os

    indivduos vo relacionar-se - aceitando-as ou rejeitando-as, parcial ou completamente - com as

    mltiplas (em parte contraditrias ou mesmo antagnicas) influncias sociais que recebem ao longo

    de suas trajetrias sociais e no contexto imediato de ao. At que ponto o indivduo vai submeter-

    se influncia dos pais, dos irmos, dos professores ou do grupo de amigos na definio de seu

    curso superior? Que peso relativo pode assumir, no processo de tomada de deciso, a presso dos

    pais a favor do curso de Direito, a influncia de um crculo de amigos no qual predomina a opo

    por Administrao e o fato de se ter tido uma primeira experincia profissional, bem sucedida,

    numa firma de Engenharia Civil?

    Na ausncia de uma teoria mais geral sobre o modo como os indivduos se relacionam com

    seu meio externo, restam apenas duas possibilidades. A primeira consiste em descrever, da forma

    mais detalhada possvel, as experincias de socializao, os contextos de atuao e as prticas

    sociais efetivamente realizadas por indivduos especficos. No se chega, nesse caso, a estabelecer,

    explicitamente, nexos causais entre as experincias de socializao e as aes prticas realizadas,

    mas apenas se identifica a existncia de certas correlaes entre essas duas dimenses. Embora

    Lahire jamais adote deliberadamente essa orientao epistemolgica modesta, ela existe

    logicamente como uma das possibilidades de desenvolvimento do seu programa de pesquisa e, mais

    do que isso, aparece de forma embrionria no modo como so construdos os seus retratos

    sociolgicos (Lahire, 2002a). Faramos uma interpretao sobre o sentido da ao dos indivduos

    em questo, mas no chegaramos a tentar explic-lo.

    A segunda possibilidade consiste em tentar explicar efetivamente os comportamentos com

    base nas experincias de socializao e nas supostas disposies incorporadas pelos indivduos.

    Essa explicao, no entanto, enfrentaria duas dificuldades. A primeira, o fato de que disposies

    so tendncias, inclinaes, e no regras de ao e, portanto, no parecem suficientes para explicar

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO22

    comportamentos especficos dos indivduos. A segunda, diretamente relacionada ao raciocnio post

    factum, acima discutido, consiste na explicao ad hoc. De acordo com as necessidades heursticas

    do momento, reala-se essa ou aquela experincia socializadora vivida pelo indivduo, acentua-se a

    fora de determinada disposio e no de outra, ou ainda, enfatizam-se certas propriedades do

    contexto que estimulariam a ao em detrimento de outras que a desfavoreceriam. Este tipo de

    deslize interpretativo aparece ocasionalmente nos retratos sociolgicos produzidos por Lahire

    (2002a) e tambm em seus estudos de casos de sucesso e fracasso escolar nos meios populares

    (1997).

    Fundamentalmente, buscou-se argumentar nesta parte final do texto que no basta descrever

    empiricamente a intensidade, a precocidade e o carter mais ou menos sistemtico e coerente de

    cada uma das mltiplas influncias sociais a que um indivduo foi ou exposto. Os indivduos no

    se submetem s foras sociais de forma mecnica. Eles aceitam ou resistem a elas de maneira mais

    ou menos intensa18. preciso entender, portanto, a lgica das reaes individuais, ou seja, os

    mecanismos bsicos que determinam a aceitao ou a resistncia dos indivduos frente s

    influncias externas. Dito em outras palavras, preciso formular uma resposta terica ao problema

    da relao do indivduo com seu meio social que nos permita no apenas interpretar, mas explicar

    (Archer, 2003), simultaneamente, as atitudes de sujeio e de resistncia dos indivduos diante das

    vrias influncias sociais a que so expostos.

    preciso reconhecer que o que se est chamando aqui de problema da orientao social da

    ao individual no diz respeito apenas abordagem de Lahire, mas que, ao contrrio, constitui um

    desafio a ser enfrentado pelo conjunto das Cincias Sociais. Quando se trabalha em escala

    macrossociolgica, utilizando-se categorias coletivas de anlise, pode-se, em alguma medida, evit-

    lo, utilizando-se o raciocnio estatstico ou servindo-se de tipos ideais. Afirma-se que os ocupantes

    de uma dada posio social agem, com certa probabilidade ou tipicamente, de certa forma, diante de

    determinado tipo de contexto. A importncia de certa influncia ou o efeito de um determinado

    contexto sobre o comportamento dos ocupantes de uma dada posio social pode, portanto, ser

    prevista e, at mesmo, mensurada estatisticamente.

    Quando se trabalha em escala individual, como se prope Lahire, o problema da orientao

    social da ao individual se torna, ao contrrio, premente. Se a experincia de vida de um indivduo

    especfico no se determina pela sua localizao numa nica e bem delimitada posio social, mas,

    ao contrrio, constitui-se a partir de mltiplas e mais ou menos incoerentes influncias sociais,

    passa a ser fundamental entender como o indivduo se relaciona com essas mltiplas influncias. O

    18

    Isso no significa dizer que eles decidam consciente e autonomamente se sujeitar ou resistir a cada uma das influncias a que so expostos.

  • 36 Reunio Nacional da ANPEd 29 de setembro a 02 de outubro de 2013, Goinia-GO23

    que faz com que cada uma delas se torne mais ou menos relevante como princpio de orientao de

    suas aes?

    Antes de finalizar este texto, cabe ainda assinalar rapidamente um ltimo risco associado

    abordagem de Lahire: o da hipostasiao das disposies individuais. Tende-se, com muita

    facilidade, a pensar nas disposies como algo que tem vida prpria, que se ausenta, mas depois

    reaparece, que estabelece com outras disposies relaes de fora ou de cumplicidade, que nasce e

    que, talvez, morra. Passa-se facilmente, como dizia Bourdieu em relao concepo de estrutura

    social, do modelo da realidade realidade do modelo. As disposies so tratadas como algo bem

    delimitado, j pronto, predefinido em relao ao momento da ao. Esquece-se, nesses casos, que a

    bagagem de cada indivduo no apenas utilizada em cada contexto, mas, mais do que isso,

    construda, ou, no mnimo, reconstruda por meio de um processo de interao e negociao entre

    os atores envolvidos. Esquece-se, igualmente, que as disposies so construes hipotticas feitas

    pelo observador a partir da identificao (sempre, em alguma medida, arbitrria) de traos

    recorrentes no comportamento dos indivduos. Empiricamente, s existem aes, nunca disposies.

    Lahire parece consciente (Cf. 1998, p.63-69) do risco de substancializao das disposies. Um dos

    seus objetivos ao enfatizar a necessidade de se definir as disposies a partir de mltiplas

    manifestaes parece ser, justamente, o de minimizar esse problema. Resta, de qualquer forma, a

    necessidade de mantermo-nos atentos19

    .

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    LAHIRE, Bernard. Culture crite et ingalits scolaires. Sociologie de l' "chec scolaire" l'cole

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    19

    Os argumentos apresentados nesta terceira parte do texto encontram-se desenvolvidos de modo mais detalhado em Nogueira, 2004.

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