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Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado) Convênio: UNESP/INCRA/Pronera Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes O ACAMPAMENTO DO MST COMO ESPAÇO DE LUTA PELA TERRA NO PONTAL DO PARANAPANEMA - 1990 – 2009. VALMIR ULISSES SEBASTIÃO Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.. Orientador: Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes Co-orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano Monitora: Lara Cardoso Dalperio Presidente Prudente 2011

O ACAMPAMENTO DO MST COMO ESPAÇO DE LUTA PELA TERRA NO ... GEGEO... · O ACAMPAMENTO DO MST COMO ESPAÇO DE LUTA PELA TERRA NO PONTAL DO PARANAPANEMA - 1990 – 2009. VALMIR ULISSES

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Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado)

Convênio: UNESP/INCRA/Pronera Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes

O ACAMPAMENTO DO MST COMO ESPAÇO DE LUTA

PELA TERRA NO PONTAL DO PARANAPANEMA - 1990 –

2009.

VALMIR ULISSES SEBASTIÃO

Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.. Orientador: Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes Co-orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano Monitora: Lara Cardoso Dalperio Presidente Prudente

2011

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O ACAMPAMENTO DO MST COMO ESPAÇO DE LUTA

PELA TERRA NO PONTAL DO PARANAPANEMA - 1990 –

2009.

VALMIR ULISSES SEBASTIÃO

Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes. Co-orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano

Presidente Prudente 2011

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Valmir Ulisses Sebastião

O ACAMPAMENTO DO MST COMO ESPAÇO DE LUTA

PELA TERRA NO PONTAL DO PARANAPANEMA - 1990 –

2009.

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Presidente Prudente, novembro de 2011

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus em primeiro lugar pelas graças recebidas. Agradeço especialmente

a minha mãe Maria Julia e meu pai Jose Ulisses, por todo o apoio, por tudo que representam

em minha vida.

No período em que fiz este trabalho, passamos muitas dificuldades com a perda do

meu irmão Claudinei, que em vida foi o que transmitiu muita força para eu estudar. Ele

representa muito em minha caminhada, assim como meus outros irmãos pelas pessoas

maravilhosas que são: Valdemir, Valdelice, Claudomiro, Cicero, Carlos, Jose Nilson, Maria

Jose, Maria Rosani. Quero agradecer com muito carinho a minha esposa e meu filho Maria de

Fátima e Felipe, pelo amor, pelo companheirismo, pela amizade.

Agradeço a meus familiares por todo o apoio recebido todos os sobrinhos e sobrinhas.

Agradeço também, em especial Luciana pelo apoio no inicio da minha caminhada.

Agradeço aos professores Bernardo Mançano Fernandes e Carlos Alberto Feliciano

que confiaram em minha capacidade e orientaram a pesquisa.

Agradeço finalmente aos colegas pesquisadores do NERA (Núcleo de Estudos,

Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária), pelo apoio e companheirismo que nunca faltou

nestes cinco anos. Em especial: Lara, Camila, José Sobreiro, Rubens e Nallígia, que ajudaram

nesta construção, meu muito obrigado.

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RESUMO

Este trabalho tem como finalidade analisar os acampamentos como espaço de luta

das famílias vinculadas ao MST. Buscamos também analisar as mudanças das formas de

organização dos acampamentos dos trabalhadores rurais sem terra entre 1990 e 2009. A

ocupação de terra é a principal forma de conquista da terra no Pontal do Paranapanema. Para

isso, demonstraremos como se deu a história da grilagem de terras no Pontal, destacando

algumas análises recentes sobre a grilagem, e as ações dos governos frente à luta pela terra.

Enfatizamos a luta pela terra, através das ocupações e formação dos acampamentos, devido a

sua importância na conquista dos territórios camponeses.

ABSTRACT

This work aims to analyze the camps as a place of struggle of the families linked to the MST.

We seek also to analyze the changing forms of organization of the camps of landless rural

workers between 1990 and 2009. The occupation of land is the main way to obtain land in the

Pontal. For this, we demonstrate how was the history of land grabbing in Pontal, highlighting

some recent analysis on land grabbing, and government actions against the struggle for land.

We emphasize the struggle for land, through occupations and training camps because of their

importance in the conquest of the territories peasants.

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LISTA DE SIGLAS

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ITESP Instituto de Terra de Estado de São Paulo

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Pontal do Paranapanema: ocupações de terras realizadas pelos movimentos socioterritoriais – 1988 a 2009 por período de governo

15

Gráfico 2 - Processos Judiciais criminais movidos aos integrantes dos seis movimentos socioterritoriais de maior atuação no período de 1988 a 2009 nos dez fóruns da região

15

Gráfico 3 – Pontal do Paranapanema - Números de ocupações 1990-2009 30

Gráfico 4 – Pontal do Paranapanema - Números de assentamentos rurais 1990-2009

31

ÍNDICE DE QUADRO

Quadro 1 – Propostas do texto da lei 11.600/2009 de regularização de terras no Pontal do Paranapanema

17

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 - Números de ocupações de 1990-2009 no Pontal do Paranapanema 33 Tabela 2 – Número de Assentamentos Rurais - Famílias - Áreas por Municípios - 1990-2009

35

ÍNDICE DE MAPAS

Mapa 1 - Pontal do Paranapanema – Geografia das ocupações de terras – 1990-2009 –Número de Ocupações

22

Mapa 2 - Pontal do Paranapanema – Geografia dos Assentamentos Rurais – 1990-2009 –Número de Assentamentos

23

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1 – Planta do Grilo Pirapó- Santo Anastácio 09 Figura 2 – Romaria da Terra 21 Figura 3 – Luta pela terra no Pontal do Paranapanema 27 Figura 4 – Pontal do Paranapanema luta pela terra na forma de ocupação 35

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO 1: GRILAGEM E LUTA PELA TERRA NO PONTAL DO

PARANAPANEMA

8

1.1 – Grilagem do Pontal 8 1.2 – Grilagem e luta pela terra 12

1.3 - A grilagem de terras e as ações do governo 14

1.4 – As lutas pela terra no Pontal 18 CAPÍTULO 2: OS ESTUDOS SOBRE ACAMPAMENTOS NA LUTA PELA TERRA 20

2.1 – A importância da ocupação e do acampamento na luta pela terra 24 2.2 – As ocupações de terra no Pontal do Paranapanema 28

2.3 - Grilos que viraram assentamentos 34

CAPÍTULO 3: AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS ACAMPAMENTOS E

SUAS MUDANÇAS DE 1990 A 2009

37

3. 1 – As famílias nos espaços de luta e resistência 37

3. 2 – Os membros das famílias nos espaços de luta e resistência 39

CONSIDERAÇÕES FINAIS 46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 47

ANEXOS 49

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INTRODUÇÃO

Nesta monografia, procuramos escrever sobre a importância dos acampamentos do

MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e sobre as formas de ocupações de

terra, na disputa territorial. Nosso objetivo é contribuir com as análises da luta pela terra.

Trabalhamos com os conceitos de espaço e território para estudar o processo de formação dos

acampamentos e sua importância na luta pela terra.

Trazer estes conceitos para analisar o acampamento é importante para uma

compreensão da luta pela terra, a partir de uma leitura geográfica, contribuindo para o estudo

das desigualdades sociais que foram intensificadas pela concentração de terra, de renda,

portanto de riqueza, no controle do território do campo e da cidade.

O desenvolvimento territorial rural, a partir do modelo capitalista, não dá conta de

resolver as situações das famílias que necessitam da terra para trabalhar. Sua produção está

baseada na monocultura em grande escala para o mercado global, através do sistema

agroexportador, ou seja, este modelo precisa cada vez mais de terra e de menos gente. Vale

lembrar que este modelo é hegemônico e que os movimentos camponeses têm enfrentado

cada vez mais dificuldades para se territorializar.

Esta abordagem sobre os processos socioterritoriais rurais esta vinculada à disputa

territorial. É neste sentido que tentamos trazer o acampamento como forma de disputa do

território e questionamento da posse das terras griladas.

As lutas camponesas sempre foram uma constante na história do Brasil. As

ocupações atuais realizadas pelo MST e por outros movimentos populares são ações de

resistência contra a exploração do capital e as grandes concentrações fundiárias.

No primeiro capitulo trabalhamos com a história e atualidade da grilagem de terras

no Pontal do Paranapanema a partir das ações dos governos e enfatizando a luta pela terra. No

segundo capitulo analisamos a importância do trabalho de base, das ocupações e dos

acampamentos no processo de luta pela terra e conquista do território camponês. No terceiro,

demonstramos as mudanças ocorridas nas formas de organização dos acampamentos entre

1990 e 2009.

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CAPÍTULO 1: GRILAGEM E LUTA PELA TERRA NO PONTAL DO

PARANAPANEMA

1.1 – GRILAGEM DO PONTAL

O Pontal do Paranapanema1 localiza-se no extremo oeste do estado de São Paulo, na

microrregião de Presidente Prudente. Desde sua ocupação, tem sido palco de inúmeros

conflitos fundiários entre posseiros, grileiros e o Estado. Fernandes (1990) faz um relato

histórico sobre o inicio da grilagem de terras na região:

A história da grilagem das terras do Pontal começou entre 1886/1890 e remonta ao ano de 1856. Em maio deste ano, Antonio José Gouveia teria registrado, na Paróquia de São João Batista do Rio Verde (hoje município de Itaporanga, região Sul do Estado de São Paulo, próximo aos municípios de Itapeva e Itaberá) uma gleba de aproximadamente 238.000 alqueires ou 583.100 ha. E a denominou fazenda Pirapó-Santo Anastácio. Antonio José Gouveia declarara residir na gleba desde 1848 (FERNANDES, 19990, p. 230).

O desmatamento sempre foi alvo dos grileiros para controle da região desde o início

do século XX, passou por um intenso processo de grilagem. Na década de 1990, nesta região

havia o equivalente a 238 mil alqueires de terras, que o Estado estava requerendo através de

ações reivindicatórias. São terras devolutas pertencentes ao Estado, que foi grilada por

fazendeiros que, em parte, arrendaram para produção de amendoim, algodão e mais

recentemente foram utilizadas para a criação de gado de corte (Fernandes, 1990).

O Pontal do Paranapanema tem como parte integrante o grilo Pirapó-Santo Anastácio

(ver figura 1), supostamente registrada pelo grileiro Antônio José de Gouvêa, junto à Paróquia

de São João Batista do Rio Verde (hoje Itaporanga) em 1848. Gouveia teria vendido o grilo

para Joaquim Alves de Lima, em 1861, que teria deixado por herança para seu filho João

Evangelista Alves de Lima. Com a tentativa de validar as posses das fazendas, os grileiros

realizaram diversas atividades ilícitas, como a falsificação de documentos, de assinaturas e

mudavam até mesmo as delimitações das áreas, etc. As falsificações ocorreram porque os

“proprietários” deveriam legitimar as posses das áreas após a Lei n. º 601 de 1850 (em anexo),

1 Possue 32 municipios que se reconhecem como membros do Pontal do Paranapanema: Alfredo marcondes, Alvares Machado, Anhhuma, Caiabu, Caiuá, Emilianopólis, Estrela do Norte, Euclides da aCunha Paulsita, Iepê, Indiana, João Ramalho, Marabá Paulista, Martinopolis, Mirante do Paranapanema, Nantes, Narandiba, Piquerobi, Pirapozinho, Presidente Bernardes, Presidente Epitácio, Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Rancharia, Regente Feijó, Ribeirão dos Índios, Rosana, Sandovalina, Santo Anástacio, Santo Expedito, Taciba, Tarabai e Teodoro Sampaio.

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ou seja, com a elaboração da Lei de Terras que pôs fim às declarações de posse de terra por

meio dos registros paroquiais (Leite, 1998)

No processo da ocupação do Pontal é importante destacar as ações de José Teodoro

de Souza, que grilou a Fazenda Rio do Peixe ou Boa Esperança do Água Pehy, cujo registro

paroquial obtivera junto ao vigário Modesto Marques Teixeira na Vila de Botucatu. Com a

demarcação dessas duas Fazendas, iniciam-se as vendas irregulares de lotes de terras para

pequenos e grandes proprietários, ocorrendo assim à sucessão das áreas griladas (LEITE,

1998). A criação de vilas como Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio, Euclides da

cunha paulista e Rosana, cada uma em seu tempo, formadas a partir da expansão do Ramal

Dourados, da Estrada de Ferro Sorocabana, era ao mesmo tempo criação e criadora da

grilagem de terras na região 2 se tornou também, um passo importante para o transporte das

pessoas e de mercadorias .Deste modo, foi estabelecido o controle territorial na região do

Pontal do Paranapanema.

Figura 1- Planta do Grilo Pirapó – Santo Anastácio

Fonte: Leite, 1998, p. 40

Os sucessores das posses griladas procuraram legitimar as áreas griladas. Notáveis

foram os erros técnicos verificados neste processo, em uma das cartas, por exemplo, o rio

Paranapanema cruza o rio Paraná (Leite, 1998, p. 41). Feliciano (2009) destaca que:

2 Algumas das principais avenidas da região receberam o nome de seus principais coronéis como, por exemplo, as avenidas Coronel Goulart e Coronel Marcondes, em Presidente Prudente, que foram os dois coronéis mais influentes na formação territorial do Pontal.

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Com o apoio e orientação de seu conterrâneo, o capitão Tito de Mello, em 1954, avançou pelo sertão até onde seu “arrojo e coragem comportassem”. A estratégia adotada foi realizar um reconhecimento preliminar da área, (mesmo que não fosse em toda) e colher referências geográficas que o habilitassem a descrever minimamente as divisas com segurança, no caso de ser questionado. (FELICIANO, 2009, p. 229).

Outro grilo importante no processo de ocupação do Pontal é a Fazenda Rio do Peixe

ou Boa Esperança do Água Pehy, de ocupação primária de Francisco de Paula Moraes, genro

de José Teodoro de Souza. Esse latifúndio também passou por sucessores, por exemplo, o

coronel José Rodrigues Tucunduva. A Fazenda Boa Esperança também foi declarada pelo

agrimensor Manoel Pereira Goulart, afirmando residir no local desde 1850, onde havia cultura

de café, cana-de-açúcar, mandioca, milho e pastagem. Feliciano (2009) destaca que:

As informações sobre a precariedade do título, por esta se localizar em terras devolutas, assim, como a possibilidade de confronto com os “selvagens”, dificultou o interesse dos paulistas na ocupação da área. Consequentemente, Teodoro de Souza voltou para sua província natal a fim de divulgar aos conterrâneos as terras conquistadas e, deste modo, convencê-los a migrarem. (FELICIANO, 2009, p. 231).

Como Manuel Goulart e João Evangelista prevendo que não conseguiriam legalizar

seus grilos, antes de finalizar os processos referentes às sentenças das glebas, João

Evangelista e Goulart permutaram a fazendas no Tabelionato de Santa Cruz Rio Pardo - SP no

ano de 1890. Após a permuta dos grileiros, de terras griladas, Goulart solicitou permissão para

trazer colonos estrangeiros para trabalhar em parte da fazenda Pirapó-Santo Anastácio (Leite,

1998).

Nesse contexto, Goulart vende e troca parte das terras, surgindo centenas de outros

grilos na Fazenda Pirapó-Santo Anastácio. Em dezembro de 1930, a Fazenda do Estado de

São Paulo opõe-se à divisão da Fazenda Pirapó-Santo Anastácio, porque os títulos originais

de posse eram falsificados, tendo como referências os registros paroquiais desde 1856 e a

permuta de 1890. Nas análises dos documentos, os peritos gráficos identificaram que o

registro paroquial elaborado em São João do Rio Verde com a assinatura do Frei Pacífico de

Monte Falco eram falsificados.

Foram “vários os episódios, desde a falsificação de papéis e até mesmo assinatura,

tendo como protagonistas os mineiros José Teodoro de Souza, João da Silveira e Francisco de

Paula Marques (FELICIANO, 2009 p.229). As divisões das fazendas Pirapó-Santo Anastácio

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e a Rio do Peixe ou Nova Esperança do Aguaphey, facilitou a multiplicação de grilos, através

do comércio ilegal destas áreas.

A grilagem do Pontal do Paranapanema é um exemplo de como se formou uma

fração do território capitalista, disputada por classes distintas, em um movimento contínuo e

contraditório de apropriação e expropriação como, por exemplo, nos territórios indígenas, que

em todo o processo de ocupação do Pontal foram destruídos para serem construídas as bases

de uma sociedade fundamentada no modo capitalista de produção. Ou seja, ao mesmo tempo

em que ocorria a destruição do território indígena o território capitalista era construído a partir

da disputa entre posseiros e grileiros.

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1.2 – GRILAGEM E LUTA PELA TERRA

Para compreender a questão agrária do Pontal é necessário entender como ocorreu o

processo de ocupação e de luta pela terra. Nesta região, como apresentado na parte 1, a

grilagem de terras foi um dos maiores crimes praticados pela classe latifundiária. São

milhares de hectares de terras públicas sendo usadas em todo Pontal, onde os grileiros são

chamados de “proprietário” dessas terras3. Esta ideia de que são proprietários é legitimada, em

parte, pelo exaustivo trabalho da mídia conservadora que desinforma a população

transformando os grileiros em “vítimas” deste processo. A mídia corporativa4 legitima a

propriedade dos grileiros, defende o latifúndio em detrimento dos camponeses. Frases como

“o MST invade fazenda”, invalida a luta, contribuindo com a alienação da sociedade,

escondendo a verdade do fato dos sem-terra reivindicarem a desapropriação das terras

devolutas. Esta forma de colocação pela mídia mostra uma postura ideológica em defesa dos

grileiros, já que a ocupação de terra é uma forma de retomar o que pertence ao povo.

Entre 1990 e 2009, por meio do trabalho de base, milhares de famílias organizadas

no MST realizaram centenas de ocupações de terras além da ocupação de prédios públicos do

INCRA - Instituto de Colonização e Reforma Agrária e do ITESP-Instituto de Terras do

Estado de São Paulo. Foram realizados inúmeros atos públicos, caminhadas e machas com o

intuito de pressionar o governo e avançar na luta pela terra no Pontal do Paranapanema.

Segundo Fernandes, essas ocupações pressionaram o Estado para a realização da reforma

agrária:

Quando um grupo de famílias começa a se organizar com o objetivo de ocupar terra, desenvolve um conjunto de procedimentos que toma forma, definindo uma metodologia de luta popular. Essa experiência tem a sua lógica construída na práxis. Essa lógica tem como componentes constitutivos a indignação e a revolta, a necessidade e o interesse, a consciência e a identidade, a experiência e a resistência, a concepção de terra de trabalho contra a de terra de negócio e de exploração, o movimento e a superação (FERNANDES, 1999, p. 271).

3 Na década de 1990, o Estado reivindicava 238 mil alqueires de terras devolutas grilada por fazendeiros. Boa parte destas terras eram usadas para a produção de amendoim, algodão e, mais recentemente, para a criação de gado de corte (Fernandes, 1990). 4 Como, por exemplo, a Rede Globo, Rede Record, SBT e a Rede Bandeirante de Televisão, além dos jornais O Estado de S. Paulo, a Folha S. Paulo, O Imparcial (escala regional) e o Oeste Notícias (escala regional).

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Neste período, o MST teve algumas derrotas políticas, com a prisão de algumas

lideranças, como na ocupação da Fazenda São Domingos I, em Sandovalina, onde oito

pessoas foram feridas a bala por jagunços5. Outra derrota que cabe destaque, diz respeito à

Fazenda Santa Maria, no município de Teodoro Sampaio, onde ocorreram várias ocupações

em uma área de 4.800 ha.

5 Em 2010, a fazenda São Domingos foi declarada terra devoluta e está em processo de desapropriação. Nesta fazenda já ocorreram vários conflitos, o filho do proprietário já foi autuado com forte armamento. Atualmente, a São Domingos esta arrendada para o plantio de cana-de–açúcar, soja, milho e pasto

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1.3 - A GRILAGEM DE TERRAS E AS AÇÕES DO GOVERNO

Na década de 1990 o ITESP implantou vários assentamentos no Pontal a partir de

negociações com os grileiros. De 2001 a 2009, houve um retrocesso em relação à arrecadação

de terras devolutas devido à desestruturação do Instituto que passou a se dedicar a

regularização fundiária. Na época o secretário de justiça Alexandre de Moraes afirmou que

precisamos ter paciência para resolver a questão agrária e o MST sabe disso6:

O Estado tem um cronograma para assentar os sem-terra. Ele salientou que o MST conhece esse planejamento, mas mesmo assim realizou as invasões. Segundo Moraes, mais de cem mil hectares devem ser destinados para a reforma agrária no estado, mas ainda dependem de autorização da Justiça. A meta é assentar 5 mil famílias até o final do governo Geraldo Alckmin. Essas invasões só prejudicam o processo. Paralisam o processo na Justiça e atrapalham a reforma agrária - afirmou o secretário (GLOBO ONLINE, 2004).

O que está em questão na fala do secretário são dois tempos distintos: o tempo do

Estado que projeta uma meta e não consegue cumprir e o tempo do Movimento que embora

não tenha uma meta, as famílias acampadas têm a necessidade de construírem seus futuros a

partir da conquista da terra.

Entre 2002 e 2008, durante os governos Geraldo Alckmin e José Serra tivemos uma

aumento da repressão aos Movimentos de luta pela terra em relação ao governo Mario Covas

entre 1995 e 2001. A política adota pelos governos Alckmin e Serra foi de intensificação do

processo de repressão. Os movimentos camponeses fizerem 252 ocupações no governo Covas

com 6 processos judiciais, enquanto nos governos Alckmin e Serra, foram 293 ocupações com

281 processos (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2011, apud,

ROMÃO DE SOUZA, 2011). Isto demonstra as diferentes políticas adotadas pelos governos,

enquanto um dialogava e negociava o outro reprimia e criminalizava (Ver gráficos 1 e 2).

6 Jornal O Globo on line. Acesso em junho de 2009.

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Gráfico 1 -

Gráfico 2 -

O MST nunca conseguiu fazer uma reunião com o governador José Serra. Ocorreu

apenas uma reunião com o Secretário da Justiça Defesa e Cidadania responsável pelo ITESP.

Este fato comprova que os últimos governos paulistas, não tiveram nenhum compromisso

com a reforma agrária e com o processo de retomada das terras griladas do Pontal do

Paranapanema. As negociações estão praticamente paralisadas e os processos de arrecadação

de terras caminham na velocidade do Poder Judiciário que demora décadas para julgar um

processo. No que se refere à Reforma Agrária houve poucas conquistas de assentamentos. Em

seu governo houve a obtenção de apenas 14 assentamentos, com 930 famílias assentadas em

10.633 há. Nos últimos dez anos poucos assentamentos foram criados no Pontal e em todo

estado de São Paulo foram implantados 48 assentamentos com o assentamento de 3.019

famílias numa área de 47.378 ha (DATALUTA, 2010).

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No governo Mario Covas, o ITESP era bem estruturado com técnicos e equipes de

arrecadação de terras devolutas, principalmente no Pontal do Paranapanema. Após a morte do

governador Covas em 2001, assume o Vice Geraldo Alckmin que consegue a reeleição ficando

no poder entre 2001 e 2006. Mesmo após a morte de Covas, seu compromisso político de

arrecadação de terras públicas para fins de reforma agrária prosseguiu com menos intensidade.

No final do segundo governo Alckmin foi aprovada a lei no 11.600 de 2003, que objetivava

regularizar áreas griladas de até 500 ha. Antes da aprovação d a lei, ocorreu um grande debate

dentro dos movimentos sociais, visto que, além da regularização de terras devolutas, seria

criado o Fundo de Desenvolvimento do Pontal do Paranapanema que não tinha relação com a

criação de novos assentamentos. Como sempre acontece no Pontal, nada se concretizou, nem

ocorreu a regularização e nem o Fundo foi criado.

Mas, essa lei abriu procedência para que no Governo Serra fosse aprovada a lei de no

578 de 2007. De acordo com a Assessoria do Partido dos Trabalhadores essa lei objetivava:

O PL 578/2007 proposto pelo governador José Serra propõe mecanismos para a regularização de terras devolutas ou presumivelmente devolutas do Pontal do Paranapanema. Ele dá elementos para legalizar todos os grileiros do Pontal, consolidando os latifúndios lá existentes e inviabilizando a arrecadação de terras para implantação de assentamentos de trabalhadores rurais (Assessoria do Partido dos Trabalhadores, 2009).

Se o texto da lei 11.600/2003 já não agradava os movimentos socioterritoriais (são os

movimentos que tem como objetivo a conquista do território), a lei proposta pelo governo

Serra buscava, além da regularização das terras griladas, acabar com o processo de

arrecadação de terras para novos assentamentos rurais. Desde 2003 ocorrem várias tentativas

de transferência de terras do Estado na região do Pontal para os grileiros. A exemplo dessas

alterações (ver quadro 1), podemos citar o substitutivo do deputado Campos Machado que

diminuiu as porcentagens das áreas que deveriam ser entregues ou pagas na operação de

compra e venda, facilitada pela eliminação de juros anuais e correções exclusivas. As

porcentagens de terra a serem entregues ou pagas ao Estado passam a ser as seguintes:

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Quadro 1 – Propostas do texto da lei 11.600/2009 de regularização de terras no Pontal do Paranapanema

Proposta Original Proposta do Substitutivo Tamanho da Posse (ha) % da Área Tamanho da Posse (ha) % da Área 500 a 1.000 15 500 a 1.000 10 1.000 a 2.000 20 1.000 a 3.000 12 + de 2.000 25 + de 3.000 15 Fonte: Texto da Lei 578/2007 (Lei de Regularização Fundiária do Pontal do Paranapanema)

Mais uma vez, estas propostas não vingaram. Dentre todos os aspectos abordados,

observamos que nunca ocorreu uma política eficiente para a realização da reforma agrária no

estado de São Paulo. Para efetivação da Reforma Agrária é necessária vontade política dos

governos, principalmente no sentido de agilizar a arrecadação das terras devolutas, pressionar

a Secretaria de Justiça e a Procuradoria do Estado com o intuito de agilizar os pedidos de

reivindicação das terras griladas e acelerar o andamento das ações judiciais pendentes. De

todas as formas os movimentos socioterritoriais estão cercados de leis que paralisam suas

ações, principalmente as leis que incriminam as ocupações.

Na última década o MST teve dificuldades nas ocupações por conta dos interditos

proibitórios7. Por isso o movimento adotou uma nova estratégia passando a ocupar áreas que

não eram de interesse para o movimento, mas que tinham situações jurídicas julgadas corretas

para a realização da reforma agrária. Na atualidade a questão agrária no Estado de São Paulo

está relacionada ao avanço do agronegócio, com a monocultura da cana-de-açúcar, através

dos arrendamentos de terras que estão se expandindo, sobretudo no Pontal do Paranapanema

diminuindo a produção de alimentos e, inclusive, da pecuária que é uma cultura tradicional na

região. O avanço da cana-de-açúcar provoca uma reação em cadeia porque algumas culturas

tradicionais do Centro-Sul acabam migrando para outras regiões do país, principalmente para

as áreas florestadas, aumentando o desmatamento e a diminuição de nossa biodiversidade.

Outro atrativo do Pontal do Paranapanema é a questão da água, a região é circundada pelos

rios Paraná e Paranapanema, por isso as empresas do grande capital estrangeiro estão

investindo na região, seja na aquisição de propriedades ou no controle total da produção. Isso

tende a ser intensificado devido a priorização, por parte dos governos, do agronegócio em

detrimento da agricultura familiar e camponesa. É necessária uma política de reforma agrária

que substitua essa lógica criando novos assentamentos rurais e apoiando a produção. 7 Onde o juiz determina que pessoas representantes do MST, estão proibidas de realizarem ocupações por um determinado tempo

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1.4 – AS LUTAS PELA TERRA NO PONTAL

O Pontal do Paranapanema é uma das principais regiões da luta pela reforma agrária

no Brasil. De acordo com o Censo Agropecuário de 2006 (IBGE, 2006) o Brasil tem os

maiores índices de concentração de terras do mundo assim, onde cerca de 15 mil

latifundiários possuem 98 milhões de hectares, ou seja, 1% de todos os proprietários

controlam 46% das terras.

A Constituição Federal de 1988 estabelece que as propriedades com baixa

produtividade, que não respeitam o meio ambiente, que não respeitam os direitos trabalhistas

e são usadas ilegalmente no cultivo de monoculturas, em grandes extensões de terras, como

no caso das terras devolutas devem ser desapropriadas. Por isso, as ocupações de terras

ocorrem nas fazendas que têm sua origem na grilagem.

Os inimigos da Reforma Agrária (os grileiros, o grande capital nacional e

internacional, os políticos e etc.) tentam transformar as ocupações de terras em atos terroristas,

criminalizando os movimentos e influenciando a opinião pública com falsos debates a

respeito da função social da terra, com o intuito de impedir a realização da reforma agrária em

defesa dos seus interesses. A violência é uma arma muito utilizada quando se trata da

manutenção de privilégios, ela vem tanto do Poder Público, nos processos de reintegração de

posse quanto do poder privado, pelas mãos dos conhecidos jagunços comandados pelos

fazendeiros. É importante ressaltar que os movimentos respeitam as famílias dos

trabalhadores das fazendas, durante as ocupações de terras.

Os trabalhadores rurais são vítimas da violência por defenderem a causa da reforma

agrária. Entretanto, são raros os indivíduos que recebem punições quando praticam algum

crime contra os sem-terra8. As famílias acampadas recorrem à ocupação como última

alternativa, no intuito de chamar a atenção da sociedade para o absurdo que é a lentidão da

reforma agrária, ainda mais em uma região com “estoque” de terras públicas griladas como no

Pontal do Paranapanema.

As articulações entre os latifundiários e os setores conservadores do Poder Judiciário

fazem parte de uma complexa relação de forças contrárias ao processo reformista e isto é um

grande desafio tanto para o MST quanto para outras organizações de luta pela terra e pela

Reforma Agrária. O MST luta há mais de 25 anos, por uma Reforma Agrária Popular e 8 Um exemplo foi o ocorrido na ocupação da Fazenda São Domingos em 1997, onde muitos militantes foram mortos ou feridos. Os acusados foram soltos pela Justiça por falta de provas concretas (Jornal Agência Folha, São José do Rio Preto, 26 fev. 1997, p. 4B)

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verdadeira. Obtivemos muitas vitórias tanto na região do Pontal quanto em escala estadual e

nacional. Segundo a Secretaria Nacional do MST, aproximadamente 500 mil famílias sem-

terra organizadas no Movimento, foram assentadas.

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CAPÍTULO 2: OS ESTUDOS SOBRE ACAMPAMENTOS NA LUTA PELA TERRA

O acampamento é um espaço de construção e de socialização dos sem terra: os

trabalhadores e trabalhadoras sem-terra vivem debaixo dos barracos de lona preta,

enfrentando o frio, o calor, a chuva, a fome, a repressão e compartilhando a solidariedade no

debate caloroso, nas reflexões coletivas em suas inquietações individuais. Dessa forma o

camponês passa a viver momentos significativos numa coletividade diferente das suas

experiências anteriores. Cada ação segue um processo individual e cada sujeito produz e

reproduz suas aprendizagens e práticas diferenciadas.

O ato de ocupar áreas improdutivas, não é apenas um ato de coragem, é uma ação

baseada na necessidade econômica e no desejo de se auto-sustentar. Por isso, a ocupação é

uma luta reivindicatória, de caráter transformador tanto do sujeito quanto do espaço social no

qual vive. Podemos destacar também o aspecto político das ocupações que interferem na

política agrária, pressionando o poder político garantindo as conquistas sociais, políticas e

econômicas para o campesinato. Nas duas últimas décadas as ocupações tornaram-se ainda

mais um processo importante de recriação do campesinato. Segundo Fernandes (1990):

A elaboração e não realização de políticas de reforma agrária como o Estatuto da Terra e o Plano Nacional de Reforma Agrária são partes desse conjunto de fatores condicionantes. Portanto, quanto mais se intensificam a expropriação e a exploração, mais cresce a resistência. Nessa realidade, a ocupação da terra é criação dos trabalhadores sem-terra para a sua própria ressocialização (FERNANDES, 1990. p. 270)

Em 1990, o Movimento dos Sem Terra chegou na região do Pontal do Paranapanema

em um momento que muitas famílias estavam sem emprego porque duas usinas hidrelétrica

estava sendo concluídas. O MST organizou essas famílias para ocuparem terras na região.

A força do trabalho de base MST é na organização do acampamento, onde as pessoas

começam a entender a possibilidade de mudar a sociedade. Neste sentido, ocorreu a primeira

ocupação de terras do MST no Pontal, na Fazenda Nova do Pontal em 14 de julho de 1990

com a participação de 350 famílias. O trabalho de base foi extremamente importante para esta

ação. Esses trabalhos ampliam a consciência das pessoas, capacitando os militantes e

contribuindo com os debates políticos das organizações e das regiões onde estão inseridos.

Assim, Fernandes (1999) trabalha com a forma de organização e aprendizado no processo de

luta:

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O espaço interativo é um contínuo processo de aprendizado. O sentido da interação está nas trocas de experiências, no conhecimento das trajetórias de vida, na conscientização da condição do espaço interativo é um contínuo processo de aprendizado (FERNANDES, 19999. p. 272).

Após a primeira ocupação, o MST continuou a organizar novas famílias para

contribuírem com a luta pela terra na região. O mapa 1, mostra a espacialização da luta pela

terra no Pontal do Paranapanema. O resultado desta luta pode ser observado no mapa 2 onde

apresentamos a territorialização dos assentamentos rurais.

Com a conquista dos assentamentos novas parcerias são feitas para a territorialização

com o objetivo de fortalecer a luta pela terra, como podemos observar na figura 2, que mostra

a parcerias entre o MST e a CPT, na Romaria da Terra.

Figura 2 – Romaria da Terra

Fonte: Jornal Imparcial 29 de julho 2003 - Foto de Monica Pereira do Santo

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Mapa1

Mapa 1 -

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Mapa 2 -

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2.1 – A IMPORTÂNCIA DA OCUPAÇÃO E DO ACAMPAMENTO NA LUTA PELA

TERRA

A matriz principal e organizativa dos movimentos que lutam pela terra são as

ocupações. É através dessa prática que os trabalhadores se mobilizam contra o latifúndio. Nos

acampamentos desenvolvemos as instâncias coletivas da participação da mulher, da juventude

e de toda a família. É nesse espaço concreto que se manifestam os valores da solidariedade, da

cooperação, do trabalho e etc. Quanto mais os camponeses estiverem arraigados nesse pensar

mais vontade terão de resistir e se constituir como sujeito coletivo. Os camponeses se

estabelecem em uma cultura comunitária, se educando e produzindo uma nova identidade

coletiva, como seres sociais que cumprem com o seu papel histórico. Na luta pela terra dois

projetos distintos disputam o território: o da classe dominante, que luta pela manutenção da

estrutura fundiária e do modelo agroexportador, e do campesinato que luta pela mudança na

estrutura fundiária e pela soberania alimentar. Segundo Feliciano (2009):

Hoje, no auge de um modo de produção baseado em relações capitalistas, em que o individualismo é característica preponderante, esse direito ganha proporções ainda mais gritantes. Quando uma área rural é ocupada por trabalhadores rurais sem terra, seja qual for sua motivação (improdutividade, grilagem etc.), logo surge a defesa do mais santificado dos direitos: o da propriedade. O direito de propriedade não é outra coisa senão concentrar a produção em uma parcela determinada de terra e, na atualidade, transformar essa concentração em proveito de uma única ou mais pessoas. (FELICIANO, 2009. p. 45)

Para esse grupo, que sempre teve o seu poder e domínio histórico, baseado na

expropriação do território e na exploração do trabalho do outro, o projeto da classe

trabalhadora, a ocupação de fazendas que pressionam o Estado, pela implantação de políticas

públicas para o campo, é visto como um atraso.

No projeto camponês os trabalhadores constroem sua identidade no fazer da luta

cotidiana, na medida em que participam dos movimentos sociais, como sujeitos construtores

de um processo de luta, embutidos de novos valores. Os movimentos sociais se transformam

em espaços de construção de novos sujeitos e novos processos contra o projeto do capital.

Essas lutas, com todas as suas intencionalidades se inserem na política e possibilita aos

sujeitos se educarem no próprio MST num movimento histórico, processual e relacional. É

através desse movimento dialógico que os trabalhadores aprendem muitas lições e

desenvolvem a consciência social crítica e organizativa, que o constituem como sujeito

coletivo, dando vida ao novo potencial político e social que lhes pertencem enquanto classe de

sem terra.

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O mais fascinante é perceber, em um acampamento, como as transformações desses

sujeitos ocorrem em todos os âmbitos da vida. Essas transformações são uma forma de ver o

mundo, se ver no mundo e atuar no mundo a partir de outro lugar, que não o da passiva

aceitação dos desígnios do capitalismo. Entretanto, essas transformações trazem consigo

muitos conflitos pessoais. Como são múltiplos os sujeitos, são múltiplas as formas e os

tempos de adaptação de cada um ao novo projeto.

Uns tantos se redescobrem e vão conscientemente dando conta de romper com o

opressor que habita dentro deles, no ato cotidiano de ver e atuar na vida, uma destas formas de

atuação são as ocupações. Todavia, outros sujeitos não conseguem romper com a opressão

histórica e acabam sendo passivos. Esses trabalhadores passam a criticar e a desarticular a

organização, quebrando a unidade do grupo, já que seus interesses pessoais não foram

contemplados no coletivo. Geralmente esses camponeses se isolam nos lotes, não participam

efetivamente dos espaços de discussões e de conquistas dos territórios e, consequentemente

não interferem nos rumos da luta. Esses comportamentos ocorrem no acirramento das

contradições e deficiências do processo de formação dos camponeses. É precisamente nestes

conflitos que o camponês constrói os alicerces de sua formação, enquanto sujeito de atuação

e transformação.

Quando os trabalhadores constroem sua unidade e têm clareza dos objetivos a serem

alcançados na luta, o que parecia impossível se torna possível e viável. Organizados, os

trabalhadores (as) transformam-se em uma força política forte e preocupada em entender que

“A ocupação da terra é uma forma de pressionar o governo a fazer a Reforma Agrária. Foi o

único jeito que os trabalhadores encontraram para conquistar a terra” (Em assembléia

Gercina do Acampamento Vitória, no município de Presidente Bernardes, 2009).

Na ocupação se constituem espaços de socialização das dificuldades, das decepções,

como também das esperanças, de partilha, de vida, dos sonhos. O acampamento se transforma

em um ambiente agradável, que promove muitas possibilidades de aprendizado.

O sistema predominante (mas, não o único) que rege a nossa sociedade é o

capitalismo, logo a sociedade é consumista, e a classe dominante tenta nos fazer acreditar que

tudo na sociedade deve ser comprado, ou seja, tudo é mercadoria. Essa lógica desumaniza as

pessoas e as transforma em objetos que podem ser vendidos por um valor de mercado, com

embalagem e etiqueta. Por isso, a solidariedade, entre os trabalhadores e trabalhadoras, é

definida aqui como valor da vida comunitária que o modelo econômico capitalista tenta

cotidianamente destruir.

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Para formar a consciência da classe trabalhadora é necessário que o ambiente

educativo, no qual o trabalhador está inserido, possibilite a prática de ações solidárias de

apoio nos momentos de dificuldade, como na escassez de alimentos e falta de infra-estrutura,

assistência médica e educacional além do desenvolvimento do comportamento social

cooperado. No acampamento, esse sentimento de igualdade é inerente aos integrantes da luta.

Levando em consideração o valor da solidariedade, valor que organiza e politiza, esta

deve também ocorrer não só internamente no acampamento, mas com outros setores da

sociedade, categorias, grupos sociais, etc. Assim, as ações nos acampamentos e assentamentos,

devem visar à organização dos trabalhadores nos núcleos de base, nos grupos comunitários,

nas associações, contribuindo com a construção coletiva como um todo e em todos os setores

da organização. É essencial que todos os setores funcionem organicamente e solidariamente.

Para isso, não basta mudar o sistema explorador dominante, é preciso transformar o ser

humano visando a sua totalidade e complexidade.

Quando se constitui o acampamento, uma das principais preocupações é a

organização do território ocupado, para que ele fique agradável, limpo e organizado.

Agradável se compreende um sentimento do camponês, que alimenta a subjetividade do que é

bonito, do que é bom e do revigorador, que constrói uma estética dando forma e embelezando

o lugar e valorizando o ser humano nesse espaço místico.

Deste modo, inicia-se a montagem do acampamento que se organiza de várias formas,

por exemplo, se um acampamento é montado na beira de uma rodovia ele recebe o nome de

um militante, com o intuito de homenagear e lembrar a sua luta. A construção da infra-

estrutura do acampamento como barracos de moradia e escola, acontece a partir de mutirões

organizados pelos dirigentes e por todo o conjunto da comunidade. O local da assembléia é

um dos mais trabalhados, pois é lá que ocorrem as reuniões gerais do acampamento e tomadas

de decisões sobre os rumos da luta. A figura 3, mostra a formação de um acampamento, o

momento da montagem dos barracos. Observa-se que desde o inicio coloca-se a bandeira do

MST, como uma forma de identidade daquele território.

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Figura 3 – Luta pela terra no Pontal do Paranapanema

Fonte: Arquivo pessoal

O grande desafio na constituição do acampamento é organizar os espaços necessários

para viver enquanto a regularização da área é resolvida. Naquele território começa a nascer o

sonho da terra conquistada, deixando para traz uma história de expropriação e de negação dos

direitos. Durante este processo os trabalhadores começam a plantar feijão, arvores frutíferas e

legumes, garantindo com isso maiores condições para a sobrevivência de todos.

Imagine um acampamento sem essa beleza, sem essa criatividade, sem essa

identidade, sem essa dimensão da subjetividade e sem esperança, ele torna-se vazio. A

persistência vem a contribuir significativamente no processo de resistência dos trabalhadores

inseridos na luta pela conquista da terra e por uma nova forma de vida.

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2.2 – AS OCUPAÇÕES DE TERRA NO PONTAL DO PARANAPANEMA

O desejo de ocupar áreas que são questionadas pelos movimentos, depende da

decisão das pessoas, seja ela individual ou coletiva, movidas pela necessidade da obtenção de

terras, de ter um lugar para trabalhar e dar sustento aos seus filhos. Essa é a posição assumida

pelos movimentos camponeses, que vêm historicamente elaborando um processo de formação

política para os acampados e assentados de reforma agrária, é necessário que os homens,

mulheres, crianças, jovens e adultos destituídos pelo capital, tenham uma formação digna.

Cada ação traz consigo tempos e espaços cotidianos, produzidos e recriados

intencionalmente, dentro de uma totalidade pedagógica voltada para a formação dos sujeitos

do MST. Nas ações concretas se materializam muitos ingredientes pedagógicos originados

das práticas cotidianas, diferentes e específicas de cada momento no movimento em que a

própria dinâmica das lutas produz. Toda luta se realiza, em determinado território, baseada na

prática da informação que são levantadas antes das ações dos camponeses, assim, construímos

um novo jeito de criar os territórios a partir do trabalho de base.

A questão fundiária na região do Pontal do Paranapanema tem sido ao longo de

décadas uns dos pontos definidores das políticas públicas e palco das tensões sociais

envolvendo o Estado e os diferentes movimentos sociais que vivem no campo.

A história do Pontal está baseada nos conflitos entre grileiros e posseiros e mais

recente entre grileiros e os sem-terra. Esta conflitualidade além de prejuízos sociais causa gera

também graves problemas ambientais. Com o objetivo de retomar terras públicas ameaçadas

de ocupação irregular e também proteger a cobertura vegetal o Governo Estadual trabalha no

sentido de recuperar essa vegetação nos novos assentamentos, visto que, 20% do total dos

assentamentos no Pontal ficam nas antigas reservas permanentes que se juntam com as três

antigas reservas florestais: Morro do Diabo, Lagoa São Paulo e Pontal.

Além da conquista da terra existem outras formas de se constituir os assentamentos

rurais como, no caso, dos reassentamentos. No Pontal os reassentamentos existem devido a

construção das usinas hidrelétricas (como exemplos, Engenheiro Sergio Motta, a Usina de

Rosana e a Usina de Taguaruçu ambas do grupo Duke Energy Brasil) dos Rios Paraná e

Paranapanema, onde várias famílias foram atingidas pelas águas da represa. Segundo

Fernandes (1996):

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Com a desaceleração das obras das usinas na década de 1980 e a demissão em massa que a isso se seguiu, emerge um forte movimento de reivindicação por terras no Pontal. Em 15 de novembro de 1983, aproximadamente 350 famílias de ex-operários das obras das hidrelétricas, ocuparam as fazendas Rosanela e Tucano, dando início a uma série de conflitos sociais e conseqüentes ações públicas que marcam a região justamente no período compreendido pela análise empreendida neste trabalho. Nesse mesmo ano, o governo Franco Montoro (1983-1986) desapropriou uma área de mais de 15 mil hectares entre os municípios de Rosana e Euclides da Cunha e assentou cerca de 572 famílias: surgiu o assentamento Gleba XV de Novembro, uma referência na luta pela terra por parte dos trabalhadores sem-terra da região (FERNANDES, 1996. p.189).

A supracitada insegurança fundiária e à ação que os governos do período da transição

democrática fizeram com que os diferentes agentes sociais da região criassem a União

Democrática Ruralista – UDR – que foi uma reunião dos pecuaristas.

Os pecuaristas estavam inseguros a respeito da regularização de terras, pois os

tiravam os direitos as posses das terras. Assim, em 1990 o MST começa um importante

processo na luta pela terra no estado de São Paulo. (FERNANDES, 1996)

Desde então o conflito entre os sem terras e os clamados “fazendeiros”, grileiros

“pecuaristas” tem pontuado a história da região, foram centenas de ocupações, milhares de

trabalhadores mobilizados e acampados, dezenas de ações judiciais discriminatórias

promovidas pelo Estado, no sentido de identificar e arrecadar as terras devolutas

irregularmente ocupadas. Nesse cenário, o incremento da política de assentamentos na região

aconteceu, sobretudo na primeira gestão do Governador Mário Covas, como resultado de

intensas negociações para arrecadação de áreas e o assentamento de milhares de famílias

acampadas. Tudo isso culminou, no que se configura hoje o Pontal do Paranapanema que é a

maior região em número de assentamentos criados e famílias assentadas no Estado de São

Paulo e uma das maiores do Brasil, alguns assentamentos fazem parte da história da luta pela

terra. Os dirigentes do MST definiram esses assentamentos, conquistados através de várias

lutas, como pilares da luta pela terra na região9. A implantação de assentamentos é resultado

das ocupações de terra, como já citado. No período de 1990 á 2005, ocorreram grandes

transformações no território do Pontal devido ao aumento na luta pela terra.

9 Podemos destacar os assentamentos Che Guevara, São Bento, Nova do Pontal, Água Sumida, Rosanela,

Ribeirão Bonito, Areia Branca e Gleba XV de Novembro.

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Gráfico 3 -

Neste período tivemos algumas oscilações no número de ocupações de terras, o ano

com maior número de ocupações é 1997, devido, sobretudo a relação adversa entre o MST e o

Governo Federal da época, pois havia se passado quatro anos e a promessa de reforma agrária

não cumprida. De 1999 a 2001 ocorreu uma diminuição no número de ocupações, devido à

falta de interesse em arrecadação de terra e a demora para concluir os processos das áreas que

deveriam ser destinadas a reforma agrária porque faltava elaborar todos os levantamentos dos

perímetros, em via judicial. No ano de 2003 foram registradas apenas 8 ocupações de terras,

desta vez devido a relação favorável e amistosa entre o MST e o Governo Federal, que tinha

como proposta assentar todas as famílias acampadas do Brasil.

É necessário intensificar as ações dos movimentos para acelerar a implantação de

assentamentos rurais. As ocupações são a principal forma para as conquistas desses territórios,

muitas delas são pequenas frente à demanda que se tornou grande. Desta forma, muitas

famílias que vão para os acampamentos desistem da luta e abrem mão da conquista de seus

lotes, porque há uma grande demora no processo de arrecadação de terras.

O resultado da luta pela terra no Pontal veio com a implantação de 109

assentamentos rurais (ver gráfico 4). Destacamos o ano de 1996 onde foram obtidos 23

assentamentos. Entre 1990 e 1994 ocorre uma estagnação em relação a obtenção de terras

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destinadas a reforma agrária, esse número se torna crescente de 1995 a 1998 e vem oscilando

a cada ano.

Gráfico 4

Se compararmos o gráfico 03 e o gráfico 04 entre 1990 e 2009 foram necessárias

várias ocupações de terras para acelerar o processo de obtenção de terras e implantação dos

assentamentos rurais.

É nas ocupações de terras que a luta se materializa, tornando plenamente visível toda

à insatisfação dos trabalhadores e trabalhadoras em relação a concentração de terras e aos

problemas sociais e ambientais do país. Para isso necessitamos de uma organização

consciente e não espontânea, que tenham como objetivo a realização de ações que expressem

a resistência e rebeldia daqueles que se contrapõem aos aparelhos repressores do Estado ou

dos grupos paramilitares, armados pelos latifundiários para destruir e desmobilizar a luta.

Como sustenta a autora Graciele Fabrício (1999), “a ocupação é um elemento novo, pode-se

dizer que a ocupação e a organização do acampamento são formas de resistência que afrontam

o conceito de propriedade e ordem estabelecida que transgridem”. (FABRÍCIO, 1999. p. 44).

Assim, sem a ocupação que pressiona o Estado a conquista do território se daria de forma

mais lenta.

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Todas as conquistas de territórios no Pontal só foram possíveis através de muitas

lutas dos trabalhadores devido, sobretudo ao forte trabalho de base do MST, que consistem

nas tarefas de conscientização da população de forma geral. No trabalho de base buscamos

mostrar a indignação com a situação das terras na região do Pontal do Paranapanema e com a

forma de distribuição de renda e de riqueza cada vez mais preconizadas, trabalhando a idéia

de que cada um tem direito a terra para sua sobrevivência.

Os trabalhadores têm muita força para chegar ao objetivo final de forma coletiva ou

mesmo individual na conquista de seu lote de reforma agrária e, com a mudança do território

muda também as composições familiares que habitam aquele território. Segundo Martins

(1984):

Um verdadeiro pacto de classes que excluiu da cena política os trabalhadores rurais, como meio de protelar uma transformação no direito de propriedade, que alteraria na raiz as bases de sustentação dos grandes latifundiários, das classes dominantes e da forma brutal que a exploração do trabalho e a acumulação do capital assumem em nosso país ( apud, Fernandes,1999. p. 48).

A retomada da questão agrária vem aos poucos fazendo este contra ponto com os

latifundiários em todo Brasil, mas no Pontal, em particular, a luta pelo acesso a terra ganhou

uma grande dimensão devido por ser terras públicas e griladas. Analisando de uma forma

mais detalhada a luta no Pontal do Paranapanema (ver tabela 1), observamos os municípios

que tiveram ocupações e famílias em acampamentos no período de 1990 a 2009.

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Tabela 1 - Números de ocupações de 1990-2009 no Pontal do Paranapanema

Munícipios Ocupações Famílias Alvares Machado 2 94 Caiuá 43 2.746 Emilianópolis 1 N.I Euclides da Cunha Paulista 54 6966 Iepê 9 526 João Ramalho 3 74 Marabá Paulista 12 3.484 Martinópolis 49 2.580 Mirante do Paranapanema 171 33.527 Nantes 4 465 Narandiba 5 417 Piquerobi 9 302 Pirapozinho 7 900 Presidente Bernardes 48 3.300 Presidente Epitácio 81 9.135 Presidente Prudente 4 620 Presidente Venceslau 54 2.657 Rancharia 33 5.750 Regente Feijó 3 55 Riberão dos Índios 1 60 Rosana 23 2.197 Sandovalina 38 11.882 Santo Anastácio 12 1.424 Taciba 2 190 Tarabai 1 400 Teodoro Sampaio 74 11.529 TOTAL 743 10.1280 Fonte: DATALUTA: Banco de Dados da Luta pela Terra, 2010. Org. Valmir U. Sebastião Como podemos observar na tabela todos os municípios do Pontal tiveram ocupações

que correspondem a 743 com 101280 famílias. Assim, a ocupação de terra surge como

enfrentamento ao grande capital, como o questionamento das terras a serem destinadas a

reforma agrária não só no Pontal, mas em todo o país.

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2.3 - GRILOS QUE VIRARAM ASSENTAMENTOS

A maioria dos assentamentos rurais surgiram da luta e da pressão social de milhares

de famílias sem terra, aqueles latifúndios que antes simbolizavam a concentração da terra e a

exploração do trabalho alheio e representavam o poder político da burguesia foram

transformados em território da agricultura familiar e camponesa. Assim, os assentamentos

passaram a simbolizar a distribuição de terras para milhares de famílias. Eles expressarem a

luta social e a constituição de novas relações sociais sobre as fazendas griladas gerando um

novo território. Ao mesmo tempo o assentamento é um território de disputa ideológica e

econômica entre a burguesia e os latifundiários, pelo controle e a permanência no território.

Os assentamentos impulsionam o debate da reforma agrária fortalecendo a disputa entre o

campesinato e o latifundiário.

Um dos “grilos” fundamentais para a luta pela terra no Pontal foi a Gleba XV de

Novembro. A ação dos posseiros fez com que as fazendas fossem transformadas em um

grande território camponês. Para Fernandes (1999):

A perspectiva de desapropriação das terras griladas, promoveu o aumento do número de famílias no acampamento. Em março de 1984, o governo decretou as primeiras desapropriações e arrecadou uma área de 15.110 hectares, de algumas fazendas, para assentar cerca de quatrocentos e sessenta famílias. Depois de um século de grilagem, pela primeira vez, o Estado ensaiava a recuperação das terras devolutas, griladas por grandes latifundiários, governadores, prefeitos e grandes empresas (FERNANDES, 1999. p. 49).

Posteriormente várias outras conquistas vieram por meio das lutas, o grilo da fazenda

nova do pontal fui o primeiro a se ocupado por famílias sem terra do MST mas se

materializou no grilo da fazenda São Bento no município de Mirante do Paranapanema como

podemos observar na figura 4 em uma das vinte e três (23) ocupações.

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Figura 4 – Pontal do Paranapanema luta pela terra na forma de ocupação

Fonte: Bernardo Mançano Fernandes, 1992

Após todas estas consistências na conquista deste grilo, várias outros se tornaram

território dos camponeses como podemos observar na tabela 2.

Tabela 2 – Número de Assentamentos Rurais - Famílias - Áreas por Municípios - 1990-2009

Municípios Assentamentos Famílias Área Euclides da Cunha Paulista 9 517 10.933 Iepe 1 50 68 João Ramalho 1 40 54 Marabá Paulista 5 173 4.600 Martinópolis 2 124 2.744 Mirante do Paranapanema 33 1.625 34.984 Piquerobi 3 84 2.594 Presidente Bernardes 7 266 7.189 Presidente Epitácio 4 342 7.533 Presidente Venceslau 6 342 7.702 Rancharia 2 178 4.264 Ribeirão dos Índios 1 40 852 Rosana 4 243 6.122 Sandovalina 2 198 4.017 Teodoro Sampaio 19 735 18.467 TOTAL 99 4.957 112.123

Fonte: DATALUTA: Banco de Dados da Luta pela Terra, 2010. Org. Valmir U. Sebastião Se compararmos as duas tabelas (1 e 2) referentes as ocupações e o os assentamentos

vejamos que no município de Mirante do Paranapanema das 171 ocupações, 33 grilos se

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tornaram assentamentos, isto se deu por causa dos julgamentos conjunto em todo perímetro e

não apenas de uma propriedade.

No município de Presidente Epitácio corresponde a segunda maior concentração dos

sem terras e foram implantados 4 assentamentos e em Teodoro Sampaio foram 19

assentamentos. Podemos constatar que nem sempre as áreas ocupadas se tornam

assentamentos, sendo que dos 32 municípios do Pontal, apenas 15 obtiveram assentamentos

num total de 743 ocupações.

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CAPÍTULO 3: AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS ACAMPAMENTOS E SUAS MUDANÇAS DE 1990 A 2009 Neste capítulo, analisamos dois tipos de acampamentos resultantes das mudanças na

conjuntura agrária. Estes tipos representam dois momentos que ajudam a compreender as

mudanças recentes na luta pela terra. Na década de 1990, os acampamentos eram formados

por famílias que após o começo do trabalho de base participavam predominantemente da luta.

Na década de 2000, os acampamentos passaram a ser formados, predominantemente, por

membros da família. Esta mudança teve vários significados, como por exemplo: diminuição

das ações de luta: ocupação e marcha. A seguir, analisamos estes momentos.

3. 1 – AS FAMÍLIAS NOS ESPAÇOS DE LUTA E RESISTÊNCIA

No estado de São Paulo, o desenvolvimento pleno das forças produtivas no campo

não conseguiu retirar a reforma agrária da pauta política, elevando o enfrentamento das

classes trabalhadoras. Este desenvolvimento carrega consigo suas contradições, pois ao

mesmo tempo em que elevou a produtividade do trabalho, revolucionou as relações sociais de

produção, apresentou formas, de sub-assalariamento.

Os formuladores de políticas voltadas para modernização da agricultura

consideravam que a estrutura fundiária não precisava ser modificada, negando a existência da

luta dos movimentos. Todavia, verificamos cada vez mais, um processo violento de

centralização das terras, dos meios de produção, da natureza e do capital, evidenciado na

exploração da força de trabalho, da fertilidade natural do solo e da disponibilidade hídrica.

Com a força do capital na região, os movimentos sociais, em especial o MST,

acabam sofrendo com dificuldades no processo de organização de novas bases e no embate

contra a ideologia do agronegócio. Além da luta pela superação do modo de produção

agrícola, também há uma necessidade de desconstruirmos a ideologia dominante que é

empregada na subjetividade de cada pessoa.

A atualidade da questão agrária na região do Pontal do Paranapanema pode ser

dividida em dois momentos específicos. O primeiro momento entre 1990 e 2001 corresponde

à identificação e classificação das terras no Pontal, que tinha como finalidade definir as ações

que deveriam ser realizadas nas terras da região. Neste período, mais de 6 mil famílias foram

assentadas, uma média de 600 famílias assentadas por ano, o que possibilitou o crescimento

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do MST na região (DATALUTA, 2010), os acampamentos eram marcados pela intensa

participação das famílias.

No segundo momento entre 2002 e 2009, ocorreu um descenso da luta de classes e a

consequente fragmentação do MST. Neste período, o agronegócio da cana de açúcar se

territorializou e as ocupações diminuíram, os acampamentos passaram a ser formados apenas

por membros das famílias. O Movimento neste contexto enfrentou inúmeras dificuldades

relacionadas à organização interna, a falta de negociação e ação dos governos, a violência

contra os trabalhadores sem terra e as inúmeras reintegrações de posse e interditos proibitórios

emitidas pelo Poder Judiciário. Origuela (2010) explica que além “do agronegócio o papel do

poder judiciário na tentativa de inibir as ocupações de terra também foi fundamental nos

últimos anos, consolidando outras mudanças nas ocupações e na questão agrária” (p. 7). Com

todas estas dificuldades o MST não pode de modo algum abandonar a bandeira da reforma

agrária. Por isso, devemos pensar em alternativas para a elaboração de ações na base do

“acampamento” como forma de pressionar os governos, na continuidade de vistoriar novas

áreas e continuar com o processo de arrecadação das terras devolutas.

As famílias que lutam pelos seus direitos são chamados de desordeiros e vagabundos

por uma pequena parcela que defende o latifúndio como, por exemplo, a UDR - União

Democrática Ruralista. Sobre o papel da UDR Cledson Mendes (apud ORIGUELA, 2010)

destaca que:

Na década de 1980, principalmente, as ocupações que a gente fazia era mais com o latifundiário do boi, criador de pecuária extensiva. A relação se dava diretamente com o movimento e o latifundiário, e o latifundiário armado, a UDR era muito forte nessa década de 80 começo da década de 90. A UDR tinha o papel de armar os fazendeiros, os jagunços para defender as propriedades, o direito da propriedade da terra. E nos dias de hoje eles se defendem mais dentro de uma unidade de classe, então eles têm unidade de classe, então hoje o enfrentamento não é mais com o latifundiário atrasado e, sim com um latifundiário moderno, ligado ao agronegócio (Entrevista com Cledson Mendes, 2010. apud ORIGUELA, 2010)

Este trecho revela claramente a mudança da figura do proprietário de terras, assim

muda-se também a conjuntura da luta. No subcapítulo seguinte abordaremos os sujeitos que

lutam dentro dos acampamentos.

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3. 2 – OS MEMBROS DAS FAMÍLIAS NOS ESPAÇOS DE LUTA E RESISTÊNCIA

As atividades do MST seguiram as mudanças na conjuntura agrária porque o

latifúndio que o Movimento considerava atrasado foi ocupado pelo agronegócio. Estas

mudanças impactaram os acampamentos e mudaram os rumos da luta pela terra. O

acampamento perdeu força e pessoas.

Umas das principais ações dos movimentos socioterritoriais é a ocupação de terra. É

na prática direta dessa ação, que os trabalhadores se mobilizam contra o latifúndio. O MST vê

no acampamento umas das formas de participação de toda a família, mas atualmente ocorre a

diminuição das famílias nos acampamentos, onde se manifestam os valores da solidariedade

construída no/pelo cotidiano.

Os anos iniciais da década de 1990 do século XX foi um momento que necessitava

realizar avaliações conjunturais. O MST manifestou-se contra as propostas de expropriação e

exclusão formuladas por determinados grupos de poder que tentavam sob o argumento da

propriedade privada da terra auferir maior acumulação, a partir da exploração do território e

do trabalho alheio. Dentro do que historicamente o movimento alinha por questão agrária, traz

em seu bojo uma composição de lutas, sejam elas econômicas, sociais, políticas.

Contemporaneamente, com as lutas do campo, se estabelece no ato de ocupar um

instrumento direto de ruptura com as estruturas de poder, evidenciando as contradições do

modo capitalista de produção. Porém desta mesma forma, ao conquistar a terra surgem outras

contradições, como por exemplo, as negociações com órgãos estatais que continuam no

controle legal do território, são os mesmos que os movimentos até então estavam com

dificuldade de negociar propostas rumo a um novo projeto de coletividade, baseado

inicialmente pelo acesso a terra. Neste sentido o MST enfrentava um desafio nas suas

organizações, dividindo em setores para facilitar a própria organização já que participavam

todas as famílias. A luta tinha como objetivo no primeiro momento de estabelecimento do

movimento a conquista da terra e logo as suas lideranças observaram que era necessário

inserir outras bandeiras baseadas nas necessidades das famílias como saúde, educação de

qualidade.

Desde a formação do MST, acreditava-se no modelo de Reforma Agrária clássica e

tradicional, sendo que o próprio capitalismo que as colocavam como necessidades para sua

manutenção e desenvolvimento. E se tinha um entendimento que a Reforma Agrária teria que

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cumprir o papel de democratizar o acesso à terra, garantir o desenvolvimento da indústria

nacional e fortalecer o mercado interno.

No caso do Brasil essa Reforma Agrária foi realizada, devido impedimento

construído pela elite brasileira, que entendia, equivocadamente, que ela seria um limite para o

desenvolvimento do Brasil. Mas nosso acúmulo de experiência nos permite afirmar com

clareza que este modelo tradicional está superado. Hoje o movimento tem lutado para a

realização de uma Reforma Agrária Popular que garanta primeiramente o assentamento de

todas as famílias acampadas. Porém, não podemos deixar de registrar que hoje no Brasil

existem varias formas de acesso a terra além do processo via desapropriação. Cada estado tem

a sua política de assentamento, mas não uma reforma agrária que assente todas as famílias que

não têm terra e que garanta de forma massiva a democratização da terra casada com um

projeto de desenvolvimento para o campo. Tal projeto deve estabelecer um novo jeito de

produzir, uma nova matriz produtiva e tecnológica, estimulando práticas agroecológicas que

priorize a produção de alimentos, de preservação das sementes, alinhada a uma produção que

respeite e cuide do meio ambiente.

É preciso repensar tudo isso na atual lógica da estrutura fundiária. Precisamos E

pensar em uma Reforma Agrária que possa se aproximar dos grandes centros das cidades, que

viabilize não só esta relação, mas que minimize custos, permitindo que a produção chegue às

cidades e que o trabalhador urbano tenha acesso a alimentos diversificados, saudáveis e a

custos baixos. Uma Reforma Agrária que garanta as condições estruturais de acesso à escola,

educação universal em todos os níveis, que respeite a diversidade cultural. Nesse mesmo

sentido, deve-se pensar, uma Reforma Agrária que não esteja restrito somente a distribuição

de terra, mas que desenvolva o mercado interno e a indústria nacional. E não pode ser feita de

forma pontual, somente para resolver os conflitos. É necessário dar uma nova cara ao campo,

dando atenção ao conjunto das necessidades sociais e culturais do povo brasileiro.

É necessário demandar ao Estado as necessidades do povo. Há uma diferença de

atuação do Estado dentro dos acampamentos e assentamentos. Uma delas é que o

acampamento para o Estado não é reconhecido, pois para uma parte dos interpretadores do

código civil, a prática da ocupação é ilegal. Isso é contraditório, porque as pessoas acampadas,

independente das condições, teoricamente têm direito a uma série de coisas, e não é preciso

ser assentado para ter acesso a esses direitos. Mas, pela dinâmica do Estado, esses direitos são

negados, ou então reconhecidos somente quando transformam-se de acampados para

assentados.

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Com o território transformado em assentamento, o Estado passa a reconhecer e inseri

quase de imediato a criação, placas identificando o assentamento como uma ação do Estado

para o desenvolvimento da região, como se os acampamento fossem apenas responsabilidade

e problema dos movimentos sociais. Com a conquista do território, o Estado procura inserir

uma lógica de querer agir como tutor, inclusive tirando ou dificultando a presença dos

movimentos destes assentamentos. O movimento “MST” tem clareza que o Estado tem um

papel a cumprir, tem que garantir as políticas públicas e subsidiar a agricultura, não se pode

deixar de garantir as políticas que seriam necessárias para desenvolver os assentamentos.

Entendemos que a presença do Estado deve existir, mas não pode se confundir com a

organização política, com o referencial de organização que cabe aos movimentos sociais.

Dentro da compreensão de ampliação das lutas e do entendimento do papel que seria

uma Reforma Agrária Popular deve cumprir; há uma mudança do perfil dos acampados, pois

a luta pela Reforma Agrária extrapolou o território do que vem a ser o rural. A regional do

Pontal do Paranapanema o MST entende que é de fundamental importância que os

movimentos e organizações urbanas, que não fazem a luta pela terra, se engajem na luta pela

Reforma Agrária. A luta é uma forma de resolver os problemas do campo, mas entendemos

que parte destes problemas também está presente nas cidades, como fruto da lógica de

mudança na sociedade. Há um tempo, a maioria da população estava no campo e hoje se

concentra nos grandes centros urbanos, como Presidente Prudente - SP a maior cidades da

região do Pontal, sendo uma cidade que se concentra todas as informações e os debates

políticos. É neste sentido que o MST ganhou aliados e apoiadores com a compreensão de que

as transformações da sociedade em geral passam necessariamente pela realização da Reforma

Agrária.

A história da luta pela terra nos oferece elementos para compreender a formação dos

acampamentos, partindo da analise que raramente as famílias se mobilizam se não tiverem

uma organização, mesmo que os objetivos, tanto das famílias como das organizações sejam

complementares, porém distintos, tomando como exemplo o MST que visa à transformação

social.

Nas últimas décadas com o surgimento do MST, e mais tarde com as incorporações

de diversos movimentos, que surgem na região do Pontal do Paranapanema com várias

concepções organizativas que incorporaram aprendizados históricos da classe, fez com que o

MST organizasse os acampamentos incorporando muitos aprendizados, sendo que antes todos

os integrantes das famílias iam para os acampamentos e hoje apenas parte das famílias

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participam do acampamento. Os movimentos vão incorporando a idéia de que a força está no

número de pessoas que conseguirem mobilizar e organizar. Quanto maior o número de

pessoas, maior será a força e quanto mais força, mais rápida se dá a conquista da terra,

hipoteticamente.

Este processo de luta para conquista da terra é tanto de produção quanto de

reprodução do trabalho familiar camponês, assim o campesinato também se recria na luta,

segundo Fernandes:

o movimento de formação do campesinato acontece simultaneamente pela exclusão e pela geração das condições de realização do trabalho familiar na criação, destruição e recriação das relações sociais como a propriedade camponesa da terra, a posse, o arredamento, a meação e a parceria. (FERNANDES, 1999, p. 269)

Para se ter um número maior de pessoas, era preciso a mobilização de toda família.

Daí a necessidade de todos participarem de todas as atividades proposta pelo Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra: crianças, jovens, adultos e os idosos. Também se incorpora

nessa conjuntura a necessidade de que a família fique todo tempo no acampamento, para dar

sentido de controle e posse do novo território, pois conquistar a terra não é simples ato

ingênuo de montar um barraco, colocar o nome num caderno de candidatos á terra, e seguir

cuidando de sua vida de forma individual. O acampamento é um ato social.

Assim como houve essas articulações do movimento para fortalecer e resistir na luta

pela questão agrária, a classe latifundiária também se organizou para manter o status quo

vigente. Além da UDR, ocorrem criações de associações dos fazendeiros: No caso Itamar, toma uma postura de negociar [com o movimento] os latifundiários não se conformam vão se articular, tira a bandeira da UDR, porém eles continuam se articulando. Agora em associações de pecuaristas e associações de agricultores, para que encontrar estratégias novas e diferentes para continuar as repressões contra os acampamentos e os assentamentos, então no FHC tem um governo apóia os latifundiários, porém com um jeito novo de modificar a estrutura de repressão, porque agora a pistolagem continua, mas não é a principal ação, agora o Estado vai reprimir através da polícia e vão se articular também pelo judiciário com mais força utilizando-se tabém de modo oficial dentro dos acampamentos. (Entrevista com Jonas Borges dirigente do MST, 2011)

Neste sentido, vemos que a violência sempre foi marcante contra os militantes e que

as articulações entre latifundiários e o Estado culminaram de alguma forma para essa

violência:

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Para manter a estrutura fundiária no Brasil e para manter a violência contra os sem terras os latifundiários vão mudar seu método de ação e vão capitaniar várias frente de articulação no executivo, no judiciário e também no legislativo [...] Nessa mudança de qualidade, não é mudança de violência, a violência pelo contrario continua de forma muito mais perigosa, porque agora é sutil e essa sutileza de uma nova forma também vai classificar a sua ação para poder avançar mais na repressão. (Entrevista com Jonas Borges dirigente do MST, 2011)

A classe dos grandes proprietários de terra, latifundiários, vem obtendo conquistas

fundamentais para manter a estrutura fundiária atual, baseada em alta concentração da

propriedade da terra, sendo que na região do Pontal do Paranapanema, as terras em sua

maioria são públicas, griladas e cuja posse, deveria ser retomada pelo Estado. Estas

conquistas por parte dos latifundiários estão relacionadas a uma iniciativa do Estado, de

regularização fundiária, na qual legitima os atuais proprietários e regulariza a grilagem de

terras no Pontal.

Na década de 1990 houve várias formas de trabalho de base para formação de

acampamentos, esses trabalhos eram feitos por militantes, mas quem marcava as reuniões

eram os próprios moradores para garantir a segurança dos militantes que levavam as

informações. Tinham como objetivo, fazer uma análise de como seria a melhor forma de

realizar as atividades, como acampamento, ocupação etc. Estes trabalhos de base devem ter

um bom planejamento para ser iniciado na região, porém podem mudar de acordo com a

necessidade, por exemplo, ao extrair determinadas informações de um bairro, confrontamos

com a realidade do mesmo e observamos que, os dados são em partes diferentes, sendo

necessário alterar o planejamento inicial.

Com o êxodo rural que vem ocorrendo há décadas, inclusive de elevado número de

pequenos produtores rurais familiares, o empobrecimento relativo dos assalariados rurais, o

desrespeito com os direitos dos agricultores do campo, a violação das terras e povos nativos

que foram historicamente destruídas pelo uso da força e da violência, não restando na região

do Pontal área que seja denominada como terras dos nativos. Enfim, as conquistas populares

foram suprimidas pelas ofensivas das classes dominantes. Devemos perceber que todas essas

amplas massas de trabalhadores, informais (na sua maioria) ou mesmo os formais (porém, em

situação de precariedade), vivem em alguma comunidade.

Parte da classe trabalhadora se deslocou para os bairros mais periféricos ou migrou

para zonas semi-rurais. São sujeitos sociais que trabalham no campo e moram na cidade,

buscando manter ou reconstruir a sua identidade, participando, em muitos casos, de novas

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lutas no território onde vive. As maiorias dessas famílias enfrentam graves problemas de

acesso às políticas públicas como moradia, saneamento, luz, água potável, saúde e são

justamente por essas questões que vem no acesso a terra a possibilidade de se recriarem

enquanto sujeitos sociais. Não é principalmente pelo conhecimento de que as terras do Pontal

são griladas ou devolutas, que aderem a luta, mas sim no aspecto de possibilidade de

segurança, trabalho e autonomia.

Dentro do acampamento o sujeito tem a autonomia de expressar suas opiniões, mas é

no assentamento que ele tem uma total autonomia, que também abarca a produção. Sendo o

acampamento um dos primeiros processos de formação do território camponês. A questão do

território, também passa pela redefinição do conceito de representação a partir de uma

dimensão sociopolítica, que prioriza a participação direta através das lutas em busca de novos

acampamentos, fazendo deste local um cenário das disputas e das construções de uma nova

sociedade no que se refere á consciência política, á unidade entre a reivindicação e a luta e ao

projeto de transformação da sociedade. Devemos pensar a relação território e hegemonia, para

além de uma concepção de domínio territorial, exclusivamente.

Todavia, a questão do domínio territorial como local concreto de enfrentamento,

também se faz necessária como processo de construção da resistência. Estabelece-se como

síntese objetivo-subjetiva no processo de luta popular, desde que se possa estabelecer uma

relação dialética entre ambos os fatores, e que os mesmos contribuam para a construção da

consciência da classe trabalhadora. O caso expressivo é a existência de acampamentos e

assentamentos rurais em grande quantidade numa mesma região, a retomada da discussão do

controle político da terra possibilita uma maior articulação dos sem terras nas regiões, fazendo

com que eles tenham maior poder de articulação, de estabelecer um bom debate com a

sociedade e pressionar o governo por melhorias sociais.

Para evitar represálias externas, os cuidados com os dirigentes e suas militâncias são

de fundamental importância, uma forma bem organizada dos trabalhos de base que procura

mostrar as famílias à possibilidade de conquistar a terra que estava sobre o poder de um

fazendeiro, mas que tinha uma suspeita de ser devoluta. Nesse trabalho também é realizada a

distribuição de panfletos explicativos na tentativa de atrair um maior número de famílias que

se encontravam em situação problemática de renda.

Enfim, formado um grupo, determinada quantidade de famílias interessadas que

acreditavam nos seus direitos, realizavam a ocupações das áreas e instalam os acampamentos

nas respectivas áreas de latifúndios improdutivos e devolutos. Um fator de grande valia para

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o MST foi a desapropriação de um território grilado, que foi transformado em território

camponês denominado Gleba XV de Novembro (que já foi trabalhado no capítulo anterior)

logo no momento em que se consolidava uma postura sobre as terras publicas nesta região

Esta postura de conquista, ao longo do tempo vem sendo estremecidas por vários fatores,

tanto por ação do governo quanto por falta de uma organização mais forte do MST.

As ações do governo após os anos de 2002, trazem vários elementos de retrocesso na

luta pela terra tirando das lideranças, a principal interlocução dos acampamentos e do trabalho

de base. Esse processo ocorreu com a inserção de vários planos e ações políticas

compensatórias como Bolsa Família, que somado ao aumento de empregos na construção

civil que favorecem principalmente a classe de baixa renda, mas tem dificultado a

organização de novas famílias em participar da luta já que tem outro objetivo na sua vida

pessoal. Neste sentido o caráter da luta também muda e se reflete na organização, com a

participação de poucas pessoas nos acampamentos (nessa conjuntura participa uma pessoa por

família diferentemente dos anos 1990 em que todas as famílias participavam de todas as

atividades propostos pelo movimento).

Assim as mudanças foram expressivas nas formas de organizações dos

acampamentos. Porém, o modo de luta continua o mesmo (com as ocupações), somados a

novos elementos no enfrentamento ao grande capital no campo, como procuramos tratar nessa

pesquisa.

Neste sentido vemos que as ocupações de terras e as formações dos acampamentos

vêm para enfrentar o avanço do grande capital, questionar as posses das áreas, por melhores

condições de vida, para mudar a estrutura fundiária. Mas, o trabalho de base tem um papel

fundamental para essas mobilizações retomando os territórios dos grilos e transformá-los em

territórios camponeses, sendo assim a luta que seria pela terra passa a ser em luta na terra.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se analisarmos a história do MST ao longo da sua trajetória, não só no Pontal do

Paranapanema, mas em âmbito nacional, veremos que conseguimos várias conquistas e

melhoramentos em diversos aspectos. Neste sentido, a luta foi de extrema importância, onde

esta vem através de trabalhos de base, considerando também a experiência de montar

acampamentos.

O acampamento e as ocupações estão atreladas aos questionamentos das áreas, que

por exemplo, no caso do Pontal áreas griladas. Onde ao longo da história, para barrar as lutas

pela questão agrária muitos posseiros, grileiros e o próprio Estado usaram de vários atos

criminosos, como assassinatos, atentados violentos etc.

O Movimento Sem Terra tem como um dos objetivos, melhorar a vida de todos os

trabalhadores (as), sendo um dos pontos mais difíceis é após a conquista do território visto

que, é o Estado que passa a controlar o assentamento e consequentemente toda a mística de

organização de grupo de famílias é quebrada e passa a se individual.

MST, é uma das principais referências atuais quando se discute as formas modernas

de organização e mobilização camponesas, assim como um importante ator na formulação e

proposição de modelos de agricultura e na luta contra as desigualdades sociais.

A importancia do MST nestas questões se deve ao acúmulo de experiências

implementadas durante seus 26 anos de existência. Sua concepção sobre a reforma agrária, a

formação de quadro para ajudar no debate do modelos de produção agrícola, formuladas a

partir de uma preocupação ambiental aliada à garantia de condições de vida para os

camponeses. Assim a luta se faz por meio das ocupações e dos acampamentos e quando

obtidos os assentamentos, começasse uma nova luta.

O Pontal do Paranapamena tem cada vez mais importancia, pois é um lugar

estratégico e que se faz de uma nova organização, na qual o setores do MST estão ligados em

uma linha politica do país inteiro e não apenas na regional do Pontal, sendo um grande

diferencial.

Assim, o MST tem uma influência determinante no desenvolvimento e modificação

da estrutura agrária em uma determinada região, mudando também nas formas de

organizações e proposições dos camposenes.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Perspectivas e dilemas numa quadra de mudanças. Brasilia: M. M. Oliveira, 1997

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Anexos:

Terras devolutas

A Lei de Terras - Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, define, de forma ainda hoje

aceita, são divididas em quatro pontos; terras devolutas: “Art. 3º São terras devolutas”: §1º As que não se acharem aplicadas a algum uso público, nacional, provincial ou

municipal; § 2º As que não se acharem no domínio particular por qualquer título, nem forem

havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em

comisso por falta de cumprimento das condições de mediação, confirmação e cultura; § 3º As que se acharem dadas por sesmarias ou outras concessões do Governo que,

apesar de incursas em comisso, fossem revalidadas por esta Lei; § “4º As que não se acharem ocupadas por posses que, apesar de não se fundarem em

título legal, forem legitimadas por esta Lei”

Segundo o artigo 3º descrito, são terras devolutas as que não se acharem aplicadas a

algum uso público nacional, provincial ou municipal. As que não se acharem no domínio

particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões

do governo geral ou provincial, não incursas em comisso por falta de cumprimento das

condições de medição, confirmação e cultura. As que não se acharem dadas por sesmarias ou

outras concessões do governo e apesar de não se fundarem em título legítimo, forem

legitimados por esta lei. Refere-se, portanto às terras desocupadas. Áreas sem destinações, algumas vazias à

disposição de qualquer individuo, permanecendo essa definição até hoje. O art. 9º da Lei n.º 4504, de 30 de novembro de 1964 – Estatuto da Terra cuidou do

assunto, quando situou as terras devolutas entre as terras públicas, não se preocupando,

contudo, em explicitar as espécies ou defini-las:

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“Art. 9º Dentre as terras públicas, terão prioridades, subordinando-se aos fins

previstos nesta Lei, as seguintes”: I - as de propriedade da União, que não tenham outra destinação específica; II - as reservadas pelo Poder Público para serviços ou obras de qualquer natureza,

ressalvadas as pertinentes à segurança nacional, desde que o órgão competente considere sua

utilização econômica compatível com a atividade principal, sob a forma de exploração

agrícola; III - “as devolutas da União, dos Estados e dos Municípios.” Manter e consignar, ainda, que remarque-se, por fim, que as terras devolutas

representam um estágio de transferência do patrimônio público para o privado” Já o artigo 5º do Decreto-lei 9.760/46 tem uma definição mais ampla. Segundo o

dispositivo, seriam devolutas, na faixa de fronteira, nos Territórios Federais e no Distrito

Federal, as terras que, não sendo próprias nem aplicadas a algum uso público federal, estadual

ou municipal, não se incorporarem domínio privado: a) por força da lei n.º 601, 18.09.1850,

Decreto n.º 1.318, de 30.1.1854, e outras leis de decretos gerais, federais e estaduais.

b) em virtude de alienação, concessão ou reconhecimento por parte da União ou dos

Estados;

c) em virtude de lei ou concessão emanada de governo estrangeiro e ratificado ou

reconhecido, expresso ou implicitamente, pelo Brasil, em tratado ou convenção de limites;

d) em virtude de sentença judicial com força de coisa julgada;

e) por se acharem em posse contínua e incontestada com justo título e boa-fé, por

termo superior a 20 anos.

f) por se acharem em posse pacífica e ininterrupta, por 30 anos, independentemente

de justo título e boa-fé;

g) por força de sentença declaratória nos termos do artigo 148 da Constituição

Federal de 1937.14, classificam-se como bens dominicais. (fonte, documento cedido pelo o

itesp) ano?

No Estado de São Paulo, como consignado outrora, consideram-se terras devolutas

municipais as descritas no Decreto Lei Complementar n.º 9, de 31 de dezembro de 1969 (Lei

Orgânica dos Municípios), que dispõe da seguinte forma:

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Art. 60. Pertencem ao patrimônio municipal às terras devolutas que se localizem

dentro de um raio de 8,0 Km, contados do ponto central da sede do Município, e de 12,

contados da Praça da Sé, no município de São Paulo. Parágrafo único. Integram, igualmente,

o patrimônio municipal as terras devolutas localizadas dentro do raio de 6 km, contados do

ponto central dos seus distritos. Desde a edição de referido diploma legislativo formou-se uma grande celeuma

jurídica no Estado de São Paulo, pois as terras devolutas inseridas no círculo municipal, com

raio de 8 Km, e no círculo distrital, com raio de 6 Km, foram transferidas ao domínio dos

Municípios todavia, estes mesmos municípios foram esquecidos pelo legislador federal

quando da edição da Lei 6.383/76, deixando de mencionar a respeito de sua competência para

promover ações discriminatórias. Sobre o tema, já se manifestaram os tribunais: DISCRIMINATÓRIA - Terras Devolutas - Município - Parte legítima para

demandar - Omissão irrelevante da Lei nº.6.383, de 1976 - Recurso provido para esse fim.

(Apelação Cível n.º 287.101. RJTJESP 63/81 - Rel. Des. Gomes Corrêa). MUNICÍPIO - Terras Devolutas - Ação Discriminatória - Legitimidade para propô-la

- Terras devolutas concedidas aos Municípios paulistas pelo Estado - Irrelevância da omissão

da Lei n.º 6.383, de 1976, não dispondo sobre a aplicação do processo discriminatório às

terras devolutas municipais - Recurso provido para esse fim (Apelação Cível n.º 287.923 -

RJTJESP 67/128 - Rel. Des. Valentim Silva). TERRAS DEVOLUTAS - Ação discriminatória proposta por Prefeitura Municipal -

Indeferimento da inicial “ex vi” do disposto no art. 295, I, e parágrafo único, III do CPC -

Decisão mantida por maioria de votos - Inteligência do Art. 27 da lei 6.383/76”22 (Terra e

Cidadãos; 2000:43). Deste modo, tem-se que a legitimidade para promover ação discriminatória, em

consonância aos dispositivos da Lei 6383/7623, pertence à União e ao Estado, cabendo às

decisões jurisprudenciais dos tribunais paulistas o reconhecimento da legitimidade dos

municípios do Estado de São Paulo (Terra e Cidadãos, 2000:43).

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22 RT 145/119.

23 Artigo 27 da Lei 6383/76: “O processo discriminatório previsto nesta Lei aplicar-

se-á, no que couber, às terras devolutas estaduais, observado o seguinte: I - Na instância administrativa, por intermédio de órgão estadual específico, ou

através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, mediante convênio; II - Na instância judicial, na conformidade do que dispuser a lei de Organização

Judiciária local.” DO PROCEDIMENTO DISCRIMINATÓRIO Quanto ao procedimento para a extremação das terras particulares, das terras

públicas devolutas, diz-se que será administrativo ou judicial. O procedimento administrativo será iniciado por meio da publicação de um edital de

convocação do particular para que se habilite com os títulos que possuir a fim de que possa a

União ou o Estado-Membro, como autor e parte ao mesmo tempo, examiná-los e ao final,

decidir sobre a separação e extremação do que é devoluto e particular. Tanto o procedimento

discriminatório administrativo quanto o judicial possui três fases, sumamente importantes:

1 a) a fase de convocação/citação dos terceiros interessados;

2 b) a fase contenciosa, na qual se processam a contestação, a produção de

provas, a instrução e finalmente, a publicação de sentença;

3 c) a demarcatória, fase essa meramente administrativa, para o conhecimento

físico e materialização em campo da área discriminada. Pode-se afirmar que o procedimento discriminatório, seja administrativo ou judicial,

é um produto made in Brazil. A ação discriminatória é a única ação no campo do direito que

tem como objeto a extremação das terras particulares das terras públicas devolutas; nenhum

outro país do mundo disciplina semelhante instituto jurídico. FASES DA AÇÃO DISCRIMINATÓRIA (Procedimento Judicial) Fase Citatória

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O processo discriminatório judicial, de competência da Justiça Federal, será

promovido pelos procuradores judiciais do INCRA, que representarão judicialmente a União,

quando o processo discriminatório administrativo for dispensado ou interrompido por

presumida ineficácia; contra aqueles que não atenderem ao edital de convocação ou à

notificação (artigos 4º e 10 da presente Lei); e quando configurada a hipótese do art. 25 da Lei

n.º 6383/76.

1

Para tanto, far-se-ão necessárias as seguintes providências:

a) croqui do perímetro a ser trabalhado;

b) plantas e/ou croquis dos perímetros confrontantes;

c) lançar nas fotos aéreas o croqui do perímetro, fechando as divisas dos mesmos

com base nos perímetros confrontantes, respeitando-se as divisas dos perímetros já

discriminados;

d) consultar todo o material cartográfico disponível, sobre a região, observando-se as

divisas territoriais de distritos e municípios, círculos municipais, estradas e rodovias públicas,

restrições ambientais, limites dos terrenos de marinhas etc.;

e) em se tratando de perímetro no qual houve desistência ou improcedência da ação,

preliminarmente coletar os elementos fundamentais do processo anterior, observando os

motivos pelos quais a Fazenda do Estado desistiu da ação, o despacho referente à desistência

ou a sentença que julgou a improcedência.

De posse dos elementos colhidos nos procedimentos mencionados neste item,

proceder-se-á às seguintes atividades:

Técnicas:

a) cadastro da malha fundiária do perímetro;

b) coleta de documentos;

c) elaboração de over-lay (planta preliminar);

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Jurídicas:

a) análise dos documentos apresentados;

b) busca em cartório dos documentos relativos a cada imóvel (gleba) retroagindo, se

possível, a 1916;

c) elaboração das cadeias sucessórias dos imóveis;

d) elaboração e revisão do rol de ocupantes com base nos documentos apresentados.

Lei de terras (1850-1856) A edição da lei de terras era pressionada pela cessação

legal do tráfico legal de escravos (legislação de 7 de outubro de 1850), pois era urgente a

identificação de terras destinadas à colonização de mão de obra livre estrangeira.

Segundo Inácio Pinto (2002: 05):

Não é possível pensar a Lei de Terras brasileira de 1850, sem analisar o contexto geral das mudanças

sociais e políticas ocorridas nesta primeira metade de século. No cenário mundial, os países europeus, como

França e Inglaterra, haviam sofrido um grande processo de modernização tanto política como econômica nestes

últimos cinquenta anos: eram as grandes potências mundiais e viviam a euforia da sociedade capitalista. Nesse

quadro, a historiadora Emília Viotti da Costa considera que o desenvolvimento capitalista atuou diretamente

sobre o processo de reavaliação política de terras em diferentes partes do mundo. No século XIX, a terra passou

a ser incorporada à economia comercial, mudando a relação do proprietário com este bem. A terra, nessa nova

perspectiva, deveria transformar-se em uma valiosa mercadoria, capaz de gerar lucro tanto por seu caráter

específico quanto pela sua capacidade de produzir outros bens.4 Procurava-se dar à terra um caráter mais

comercial, e não apenas de status social, como fora típico nos engenhos do Brasil Colonial.

Além disso, existia verdadeira complexidade no sistema dominial, cuja indefinição

exigia a edição de diploma legislativo para colocar cobro no verdadeiro caos então existente,

como podemos ver a seguir:

1 • Sesmarias concedidas antes de 1822, confirmadas e reconhecidas por Lei;

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2 • Sesmarias concedidas antes de 1822, mas não confirmadas por falta de

ocupação, demarcação ou produção. Não eram reconhecidas como propriedade plena, mas

poderiam ser reconhecidas como propriedade pela Lei Imperial, desde que em 1850

estivessem ocupadas e em produção;

3 • Glebas ocupadas por simples posse. Não eram propriedades, mesmo que

houvesse algum reconhecimento anterior a 1850. Em determinadas condições poderiam ser

reconhecidas como propriedade, desde que o Governo as legitimasse segundo a Lei Imperial;

4 • Terras ocupadas para algum uso da Coroa, ou governo local como praças,

estradas, escolas, prédios públicos etc., que foram reconhecidas como de domínio público;

5 • Terras sem ocupação, que passaram a ser consideradas terras devolutas e,

portanto, somente reconhecida a concessão posterior, segundo os critérios da própria lei;

COSTA, Emília Viotti da. Política de terras no Brasil e nos EUA. In: “Da Monarquia

a República”. p. 127. 22

1 • Terras ocupadas por povos indígenas. O reconhecimento anterior foi

confirmado pela lei 601/1850.

No dia 18 de setembro de 1850, finalmente, foi promulgada a Lei n.º 601, sendo

posteriormente regulamentada pelo Decreto n.º 1318, de 30 de janeiro de 1854.

“A finalidade precípua da Lei de Terras e de seu Decreto Regulamentador foi

legalizar a irregular situação dos sesmeiros e concessionários inadimplentes, e dos posseiros

não amparados em qualquer título legal. Contrapondo-se ao sistema anterior, que possibilitou

a formação de latifúndios, a Lei n.º 601 possibilitou a legalização da pequena propriedade,

surgido com o regime das posses instaurado em 1822.Além de definir o que eram terras

devolutas, a Lei de Terras:

1 a) proibiu a aquisição de terras devolutas por outro título que não o de compra;

2 b) tratou da revalidação das sesmarias e outras concessões;

3 c) estabeleceu a legitimação das posses mansas e pacíficas;

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4 d) autorizou a venda de terras devolutas em hasta pública (leilão) ou fora dela,

sendo obrigatória a demarcação, medição, etc.

O art. 1º da lei de terras vedava a concessão gratuita de terras, impondo que, só por

meio de alienação onerosa as terras devolutas seriam desmembradas do patrimônio público.

O art. 2º tratava dos danos ambientais (prevenção contra depredação de florestas e

outros)6.

O art. 3º definia terras devolutas, como se observará adiante.

COSTA, Hélio Roberto Nóvoa da. Discriminação de Terras Devolutas. São Paulo:

Livraria e Editora Universitária de Direito, 2000, p. 52. 6 “Art. 2º. Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nela derribarem

matos, ou lhes puserem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de benfeitorias, e demais

sofrerão a multa de dois a seis meses de prisão e multa de 100$000, além da satisfação do

dano causado. Esta pena, porém, não terá lugar nos atos possessórios entre os heréus

confinantes.”23

1

O art. 4º tratava da revalidação das sesmarias. Mesmo aquele que deixasse de medir

sua sesmaria ou concessão, poderia manter sua cultura efetiva e morada habitual.

O art. 5º tratava da revalidação da posse. Reconhecia aos sesmeiros e posseiros o

direito de área devoluta igual à área efetivamente cultivada, assim como a indenização

daquele ocupante que não revalidara sua posse.

O art. 6º previa que simples roçados, derrubada e queima de mato ou campo,

levantamentos de ranchos não caracterizavam princípio de cultura.7

O art. 7º cuidava da medição da área. A medição é uma condição implícita na

concessão, pois é por intermédio dela que a posse se efetiva.8

O art.8º dispunha sobre a manutenção da área efetivamente cultivada, mesmo aquele

inadimplente com suas obrigações.9

O art. 10 estabelecia a obrigação de o Governo extremar (discriminar) o domínio

público do particular. Para isso instituiu a figura do Juiz Comissário das Medições, cuja

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atribuição era medir, por requerimento e à custa dos interessados, terras integrantes de

sesmarias e concessões revalidáveis e das posses legitimáveis. Suas ações previam a interface

entre o administrativo e o judicial.

O art. 11 tratava das sanções pela não medição ou providência de requerimento do

título. Porém, o art. 8º anulava este, visto que tais obrigatoriedades não existiam.10

O art. 12 dispunha sobre as terras reservadas, de uso especial.

7 “Art. 6º. Não se haverá por princípio de cultura para a revalidação das sesmarias ou

outras concessões do Governo, nem para a legitimação de qualquer posse, os simples roçados,

derribadas ou queimas de matos ou campos, levantamentos de ranchos e outros atos de

semelhante natureza, não sendo acompanhados da cultura efetiva e morada habitual exigidas

no artigo antecedente.” 8 “Art. 7º. O Governo marcará os prazos dentro dos quais deverão se medidas as

terras adquiridas por posses ou sesmarias ou outras concessões, que estejam por medir, assim

como designará e instruirá as pessoas que devem fazer a medição, atendendo às circunstâncias

de cada Província, comarca e município, e podendo prorrogar os prazos marcados, quando o

julgar conveniente, por medida geral que compreenda todos os possuidores da mesma

Província, comarca e município, onde a prorrogação convier”. 9 “Art. 8º. Os possuidores que deixarem de proceder à medição nos prazos marcados

pelo Governo serão reputados caídos em comisso, e perderão por isso o direito que tenham a

serem preenchidos das terras concedidas por seus títulos, ou por favor da presente Lei,

conservando-o somente para serem mantidos na posse do terreno que ocuparem com efetiva

cultura, havendo-se por devoluto o que achar inculto.” 10 “Art. 11. Os posseiros serão obrigados a tirar títulos dos terrenos que lhes ficarem

pertencendo por efeito desta Lei, e sem eles não poderão hipotecar os mesmos terrenos, nem

aliená-los por qualquer modo. Estes títulos serão passados pelas Repartições provinciais que o

governo designar, pagando-se 3$000 de direitos de Chancelaria pelo terreno que não exceder

de um quadrado de 300 braças por lado, e outro tanto por cada igual quadrado que de mais

contiver a posse; e além disso 4$000 de feitio, sem mais emolumentos ou selo”.24

1

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Embora o objetivo da Lei de Terras do Império não tenha sido alcançado, legou ela a

definição de terra devoluta. Extinta sua eficácia, não se extinguiu sua influência.