Câmpus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado)
Convênio: UNESP/INCRA/Pronera Parceria: Escola Nacional Florestan Fernandes
O ACAMPAMENTO DO MST COMO ESPAÇO DE LUTA
PELA TERRA NO PONTAL DO PARANAPANEMA - 1990 –
2009.
VALMIR ULISSES SEBASTIÃO
Monografia apresentada ao Curso Especial de Graduação em Geografia (Licenciatura e Bacharelado), do Convênio UNESP/INCRA/Pronera, para a obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia.. Orientador: Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes Co-orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano Monitora: Lara Cardoso Dalperio Presidente Prudente
2011
O ACAMPAMENTO DO MST COMO ESPAÇO DE LUTA
PELA TERRA NO PONTAL DO PARANAPANEMA - 1990 –
2009.
VALMIR ULISSES SEBASTIÃO
Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do curso de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista, para obtenção do título de Licenciado e Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Bernardo Mançano Fernandes. Co-orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano
Presidente Prudente 2011
Valmir Ulisses Sebastião
O ACAMPAMENTO DO MST COMO ESPAÇO DE LUTA
PELA TERRA NO PONTAL DO PARANAPANEMA - 1990 –
2009.
Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharel em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros:
Presidente Prudente, novembro de 2011
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus em primeiro lugar pelas graças recebidas. Agradeço especialmente
a minha mãe Maria Julia e meu pai Jose Ulisses, por todo o apoio, por tudo que representam
em minha vida.
No período em que fiz este trabalho, passamos muitas dificuldades com a perda do
meu irmão Claudinei, que em vida foi o que transmitiu muita força para eu estudar. Ele
representa muito em minha caminhada, assim como meus outros irmãos pelas pessoas
maravilhosas que são: Valdemir, Valdelice, Claudomiro, Cicero, Carlos, Jose Nilson, Maria
Jose, Maria Rosani. Quero agradecer com muito carinho a minha esposa e meu filho Maria de
Fátima e Felipe, pelo amor, pelo companheirismo, pela amizade.
Agradeço a meus familiares por todo o apoio recebido todos os sobrinhos e sobrinhas.
Agradeço também, em especial Luciana pelo apoio no inicio da minha caminhada.
Agradeço aos professores Bernardo Mançano Fernandes e Carlos Alberto Feliciano
que confiaram em minha capacidade e orientaram a pesquisa.
Agradeço finalmente aos colegas pesquisadores do NERA (Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária), pelo apoio e companheirismo que nunca faltou
nestes cinco anos. Em especial: Lara, Camila, José Sobreiro, Rubens e Nallígia, que ajudaram
nesta construção, meu muito obrigado.
RESUMO
Este trabalho tem como finalidade analisar os acampamentos como espaço de luta
das famílias vinculadas ao MST. Buscamos também analisar as mudanças das formas de
organização dos acampamentos dos trabalhadores rurais sem terra entre 1990 e 2009. A
ocupação de terra é a principal forma de conquista da terra no Pontal do Paranapanema. Para
isso, demonstraremos como se deu a história da grilagem de terras no Pontal, destacando
algumas análises recentes sobre a grilagem, e as ações dos governos frente à luta pela terra.
Enfatizamos a luta pela terra, através das ocupações e formação dos acampamentos, devido a
sua importância na conquista dos territórios camponeses.
ABSTRACT
This work aims to analyze the camps as a place of struggle of the families linked to the MST.
We seek also to analyze the changing forms of organization of the camps of landless rural
workers between 1990 and 2009. The occupation of land is the main way to obtain land in the
Pontal. For this, we demonstrate how was the history of land grabbing in Pontal, highlighting
some recent analysis on land grabbing, and government actions against the struggle for land.
We emphasize the struggle for land, through occupations and training camps because of their
importance in the conquest of the territories peasants.
LISTA DE SIGLAS
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ITESP Instituto de Terra de Estado de São Paulo
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Pontal do Paranapanema: ocupações de terras realizadas pelos movimentos socioterritoriais – 1988 a 2009 por período de governo
15
Gráfico 2 - Processos Judiciais criminais movidos aos integrantes dos seis movimentos socioterritoriais de maior atuação no período de 1988 a 2009 nos dez fóruns da região
15
Gráfico 3 – Pontal do Paranapanema - Números de ocupações 1990-2009 30
Gráfico 4 – Pontal do Paranapanema - Números de assentamentos rurais 1990-2009
31
ÍNDICE DE QUADRO
Quadro 1 – Propostas do texto da lei 11.600/2009 de regularização de terras no Pontal do Paranapanema
17
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Números de ocupações de 1990-2009 no Pontal do Paranapanema 33 Tabela 2 – Número de Assentamentos Rurais - Famílias - Áreas por Municípios - 1990-2009
35
ÍNDICE DE MAPAS
Mapa 1 - Pontal do Paranapanema – Geografia das ocupações de terras – 1990-2009 –Número de Ocupações
22
Mapa 2 - Pontal do Paranapanema – Geografia dos Assentamentos Rurais – 1990-2009 –Número de Assentamentos
23
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 – Planta do Grilo Pirapó- Santo Anastácio 09 Figura 2 – Romaria da Terra 21 Figura 3 – Luta pela terra no Pontal do Paranapanema 27 Figura 4 – Pontal do Paranapanema luta pela terra na forma de ocupação 35
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO 1: GRILAGEM E LUTA PELA TERRA NO PONTAL DO
PARANAPANEMA
8
1.1 – Grilagem do Pontal 8 1.2 – Grilagem e luta pela terra 12
1.3 - A grilagem de terras e as ações do governo 14
1.4 – As lutas pela terra no Pontal 18 CAPÍTULO 2: OS ESTUDOS SOBRE ACAMPAMENTOS NA LUTA PELA TERRA 20
2.1 – A importância da ocupação e do acampamento na luta pela terra 24 2.2 – As ocupações de terra no Pontal do Paranapanema 28
2.3 - Grilos que viraram assentamentos 34
CAPÍTULO 3: AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS ACAMPAMENTOS E
SUAS MUDANÇAS DE 1990 A 2009
37
3. 1 – As famílias nos espaços de luta e resistência 37
3. 2 – Os membros das famílias nos espaços de luta e resistência 39
CONSIDERAÇÕES FINAIS 46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 47
ANEXOS 49
7
INTRODUÇÃO
Nesta monografia, procuramos escrever sobre a importância dos acampamentos do
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e sobre as formas de ocupações de
terra, na disputa territorial. Nosso objetivo é contribuir com as análises da luta pela terra.
Trabalhamos com os conceitos de espaço e território para estudar o processo de formação dos
acampamentos e sua importância na luta pela terra.
Trazer estes conceitos para analisar o acampamento é importante para uma
compreensão da luta pela terra, a partir de uma leitura geográfica, contribuindo para o estudo
das desigualdades sociais que foram intensificadas pela concentração de terra, de renda,
portanto de riqueza, no controle do território do campo e da cidade.
O desenvolvimento territorial rural, a partir do modelo capitalista, não dá conta de
resolver as situações das famílias que necessitam da terra para trabalhar. Sua produção está
baseada na monocultura em grande escala para o mercado global, através do sistema
agroexportador, ou seja, este modelo precisa cada vez mais de terra e de menos gente. Vale
lembrar que este modelo é hegemônico e que os movimentos camponeses têm enfrentado
cada vez mais dificuldades para se territorializar.
Esta abordagem sobre os processos socioterritoriais rurais esta vinculada à disputa
territorial. É neste sentido que tentamos trazer o acampamento como forma de disputa do
território e questionamento da posse das terras griladas.
As lutas camponesas sempre foram uma constante na história do Brasil. As
ocupações atuais realizadas pelo MST e por outros movimentos populares são ações de
resistência contra a exploração do capital e as grandes concentrações fundiárias.
No primeiro capitulo trabalhamos com a história e atualidade da grilagem de terras
no Pontal do Paranapanema a partir das ações dos governos e enfatizando a luta pela terra. No
segundo capitulo analisamos a importância do trabalho de base, das ocupações e dos
acampamentos no processo de luta pela terra e conquista do território camponês. No terceiro,
demonstramos as mudanças ocorridas nas formas de organização dos acampamentos entre
1990 e 2009.
8
CAPÍTULO 1: GRILAGEM E LUTA PELA TERRA NO PONTAL DO
PARANAPANEMA
1.1 – GRILAGEM DO PONTAL
O Pontal do Paranapanema1 localiza-se no extremo oeste do estado de São Paulo, na
microrregião de Presidente Prudente. Desde sua ocupação, tem sido palco de inúmeros
conflitos fundiários entre posseiros, grileiros e o Estado. Fernandes (1990) faz um relato
histórico sobre o inicio da grilagem de terras na região:
A história da grilagem das terras do Pontal começou entre 1886/1890 e remonta ao ano de 1856. Em maio deste ano, Antonio José Gouveia teria registrado, na Paróquia de São João Batista do Rio Verde (hoje município de Itaporanga, região Sul do Estado de São Paulo, próximo aos municípios de Itapeva e Itaberá) uma gleba de aproximadamente 238.000 alqueires ou 583.100 ha. E a denominou fazenda Pirapó-Santo Anastácio. Antonio José Gouveia declarara residir na gleba desde 1848 (FERNANDES, 19990, p. 230).
O desmatamento sempre foi alvo dos grileiros para controle da região desde o início
do século XX, passou por um intenso processo de grilagem. Na década de 1990, nesta região
havia o equivalente a 238 mil alqueires de terras, que o Estado estava requerendo através de
ações reivindicatórias. São terras devolutas pertencentes ao Estado, que foi grilada por
fazendeiros que, em parte, arrendaram para produção de amendoim, algodão e mais
recentemente foram utilizadas para a criação de gado de corte (Fernandes, 1990).
O Pontal do Paranapanema tem como parte integrante o grilo Pirapó-Santo Anastácio
(ver figura 1), supostamente registrada pelo grileiro Antônio José de Gouvêa, junto à Paróquia
de São João Batista do Rio Verde (hoje Itaporanga) em 1848. Gouveia teria vendido o grilo
para Joaquim Alves de Lima, em 1861, que teria deixado por herança para seu filho João
Evangelista Alves de Lima. Com a tentativa de validar as posses das fazendas, os grileiros
realizaram diversas atividades ilícitas, como a falsificação de documentos, de assinaturas e
mudavam até mesmo as delimitações das áreas, etc. As falsificações ocorreram porque os
“proprietários” deveriam legitimar as posses das áreas após a Lei n. º 601 de 1850 (em anexo),
1 Possue 32 municipios que se reconhecem como membros do Pontal do Paranapanema: Alfredo marcondes, Alvares Machado, Anhhuma, Caiabu, Caiuá, Emilianopólis, Estrela do Norte, Euclides da aCunha Paulsita, Iepê, Indiana, João Ramalho, Marabá Paulista, Martinopolis, Mirante do Paranapanema, Nantes, Narandiba, Piquerobi, Pirapozinho, Presidente Bernardes, Presidente Epitácio, Presidente Prudente, Presidente Venceslau, Rancharia, Regente Feijó, Ribeirão dos Índios, Rosana, Sandovalina, Santo Anástacio, Santo Expedito, Taciba, Tarabai e Teodoro Sampaio.
9
ou seja, com a elaboração da Lei de Terras que pôs fim às declarações de posse de terra por
meio dos registros paroquiais (Leite, 1998)
No processo da ocupação do Pontal é importante destacar as ações de José Teodoro
de Souza, que grilou a Fazenda Rio do Peixe ou Boa Esperança do Água Pehy, cujo registro
paroquial obtivera junto ao vigário Modesto Marques Teixeira na Vila de Botucatu. Com a
demarcação dessas duas Fazendas, iniciam-se as vendas irregulares de lotes de terras para
pequenos e grandes proprietários, ocorrendo assim à sucessão das áreas griladas (LEITE,
1998). A criação de vilas como Mirante do Paranapanema, Teodoro Sampaio, Euclides da
cunha paulista e Rosana, cada uma em seu tempo, formadas a partir da expansão do Ramal
Dourados, da Estrada de Ferro Sorocabana, era ao mesmo tempo criação e criadora da
grilagem de terras na região 2 se tornou também, um passo importante para o transporte das
pessoas e de mercadorias .Deste modo, foi estabelecido o controle territorial na região do
Pontal do Paranapanema.
Figura 1- Planta do Grilo Pirapó – Santo Anastácio
Fonte: Leite, 1998, p. 40
Os sucessores das posses griladas procuraram legitimar as áreas griladas. Notáveis
foram os erros técnicos verificados neste processo, em uma das cartas, por exemplo, o rio
Paranapanema cruza o rio Paraná (Leite, 1998, p. 41). Feliciano (2009) destaca que:
2 Algumas das principais avenidas da região receberam o nome de seus principais coronéis como, por exemplo, as avenidas Coronel Goulart e Coronel Marcondes, em Presidente Prudente, que foram os dois coronéis mais influentes na formação territorial do Pontal.
10
Com o apoio e orientação de seu conterrâneo, o capitão Tito de Mello, em 1954, avançou pelo sertão até onde seu “arrojo e coragem comportassem”. A estratégia adotada foi realizar um reconhecimento preliminar da área, (mesmo que não fosse em toda) e colher referências geográficas que o habilitassem a descrever minimamente as divisas com segurança, no caso de ser questionado. (FELICIANO, 2009, p. 229).
Outro grilo importante no processo de ocupação do Pontal é a Fazenda Rio do Peixe
ou Boa Esperança do Água Pehy, de ocupação primária de Francisco de Paula Moraes, genro
de José Teodoro de Souza. Esse latifúndio também passou por sucessores, por exemplo, o
coronel José Rodrigues Tucunduva. A Fazenda Boa Esperança também foi declarada pelo
agrimensor Manoel Pereira Goulart, afirmando residir no local desde 1850, onde havia cultura
de café, cana-de-açúcar, mandioca, milho e pastagem. Feliciano (2009) destaca que:
As informações sobre a precariedade do título, por esta se localizar em terras devolutas, assim, como a possibilidade de confronto com os “selvagens”, dificultou o interesse dos paulistas na ocupação da área. Consequentemente, Teodoro de Souza voltou para sua província natal a fim de divulgar aos conterrâneos as terras conquistadas e, deste modo, convencê-los a migrarem. (FELICIANO, 2009, p. 231).
Como Manuel Goulart e João Evangelista prevendo que não conseguiriam legalizar
seus grilos, antes de finalizar os processos referentes às sentenças das glebas, João
Evangelista e Goulart permutaram a fazendas no Tabelionato de Santa Cruz Rio Pardo - SP no
ano de 1890. Após a permuta dos grileiros, de terras griladas, Goulart solicitou permissão para
trazer colonos estrangeiros para trabalhar em parte da fazenda Pirapó-Santo Anastácio (Leite,
1998).
Nesse contexto, Goulart vende e troca parte das terras, surgindo centenas de outros
grilos na Fazenda Pirapó-Santo Anastácio. Em dezembro de 1930, a Fazenda do Estado de
São Paulo opõe-se à divisão da Fazenda Pirapó-Santo Anastácio, porque os títulos originais
de posse eram falsificados, tendo como referências os registros paroquiais desde 1856 e a
permuta de 1890. Nas análises dos documentos, os peritos gráficos identificaram que o
registro paroquial elaborado em São João do Rio Verde com a assinatura do Frei Pacífico de
Monte Falco eram falsificados.
Foram “vários os episódios, desde a falsificação de papéis e até mesmo assinatura,
tendo como protagonistas os mineiros José Teodoro de Souza, João da Silveira e Francisco de
Paula Marques (FELICIANO, 2009 p.229). As divisões das fazendas Pirapó-Santo Anastácio
11
e a Rio do Peixe ou Nova Esperança do Aguaphey, facilitou a multiplicação de grilos, através
do comércio ilegal destas áreas.
A grilagem do Pontal do Paranapanema é um exemplo de como se formou uma
fração do território capitalista, disputada por classes distintas, em um movimento contínuo e
contraditório de apropriação e expropriação como, por exemplo, nos territórios indígenas, que
em todo o processo de ocupação do Pontal foram destruídos para serem construídas as bases
de uma sociedade fundamentada no modo capitalista de produção. Ou seja, ao mesmo tempo
em que ocorria a destruição do território indígena o território capitalista era construído a partir
da disputa entre posseiros e grileiros.
12
1.2 – GRILAGEM E LUTA PELA TERRA
Para compreender a questão agrária do Pontal é necessário entender como ocorreu o
processo de ocupação e de luta pela terra. Nesta região, como apresentado na parte 1, a
grilagem de terras foi um dos maiores crimes praticados pela classe latifundiária. São
milhares de hectares de terras públicas sendo usadas em todo Pontal, onde os grileiros são
chamados de “proprietário” dessas terras3. Esta ideia de que são proprietários é legitimada, em
parte, pelo exaustivo trabalho da mídia conservadora que desinforma a população
transformando os grileiros em “vítimas” deste processo. A mídia corporativa4 legitima a
propriedade dos grileiros, defende o latifúndio em detrimento dos camponeses. Frases como
“o MST invade fazenda”, invalida a luta, contribuindo com a alienação da sociedade,
escondendo a verdade do fato dos sem-terra reivindicarem a desapropriação das terras
devolutas. Esta forma de colocação pela mídia mostra uma postura ideológica em defesa dos
grileiros, já que a ocupação de terra é uma forma de retomar o que pertence ao povo.
Entre 1990 e 2009, por meio do trabalho de base, milhares de famílias organizadas
no MST realizaram centenas de ocupações de terras além da ocupação de prédios públicos do
INCRA - Instituto de Colonização e Reforma Agrária e do ITESP-Instituto de Terras do
Estado de São Paulo. Foram realizados inúmeros atos públicos, caminhadas e machas com o
intuito de pressionar o governo e avançar na luta pela terra no Pontal do Paranapanema.
Segundo Fernandes, essas ocupações pressionaram o Estado para a realização da reforma
agrária:
Quando um grupo de famílias começa a se organizar com o objetivo de ocupar terra, desenvolve um conjunto de procedimentos que toma forma, definindo uma metodologia de luta popular. Essa experiência tem a sua lógica construída na práxis. Essa lógica tem como componentes constitutivos a indignação e a revolta, a necessidade e o interesse, a consciência e a identidade, a experiência e a resistência, a concepção de terra de trabalho contra a de terra de negócio e de exploração, o movimento e a superação (FERNANDES, 1999, p. 271).
3 Na década de 1990, o Estado reivindicava 238 mil alqueires de terras devolutas grilada por fazendeiros. Boa parte destas terras eram usadas para a produção de amendoim, algodão e, mais recentemente, para a criação de gado de corte (Fernandes, 1990). 4 Como, por exemplo, a Rede Globo, Rede Record, SBT e a Rede Bandeirante de Televisão, além dos jornais O Estado de S. Paulo, a Folha S. Paulo, O Imparcial (escala regional) e o Oeste Notícias (escala regional).
13
Neste período, o MST teve algumas derrotas políticas, com a prisão de algumas
lideranças, como na ocupação da Fazenda São Domingos I, em Sandovalina, onde oito
pessoas foram feridas a bala por jagunços5. Outra derrota que cabe destaque, diz respeito à
Fazenda Santa Maria, no município de Teodoro Sampaio, onde ocorreram várias ocupações
em uma área de 4.800 ha.
5 Em 2010, a fazenda São Domingos foi declarada terra devoluta e está em processo de desapropriação. Nesta fazenda já ocorreram vários conflitos, o filho do proprietário já foi autuado com forte armamento. Atualmente, a São Domingos esta arrendada para o plantio de cana-de–açúcar, soja, milho e pasto
14
1.3 - A GRILAGEM DE TERRAS E AS AÇÕES DO GOVERNO
Na década de 1990 o ITESP implantou vários assentamentos no Pontal a partir de
negociações com os grileiros. De 2001 a 2009, houve um retrocesso em relação à arrecadação
de terras devolutas devido à desestruturação do Instituto que passou a se dedicar a
regularização fundiária. Na época o secretário de justiça Alexandre de Moraes afirmou que
precisamos ter paciência para resolver a questão agrária e o MST sabe disso6:
O Estado tem um cronograma para assentar os sem-terra. Ele salientou que o MST conhece esse planejamento, mas mesmo assim realizou as invasões. Segundo Moraes, mais de cem mil hectares devem ser destinados para a reforma agrária no estado, mas ainda dependem de autorização da Justiça. A meta é assentar 5 mil famílias até o final do governo Geraldo Alckmin. Essas invasões só prejudicam o processo. Paralisam o processo na Justiça e atrapalham a reforma agrária - afirmou o secretário (GLOBO ONLINE, 2004).
O que está em questão na fala do secretário são dois tempos distintos: o tempo do
Estado que projeta uma meta e não consegue cumprir e o tempo do Movimento que embora
não tenha uma meta, as famílias acampadas têm a necessidade de construírem seus futuros a
partir da conquista da terra.
Entre 2002 e 2008, durante os governos Geraldo Alckmin e José Serra tivemos uma
aumento da repressão aos Movimentos de luta pela terra em relação ao governo Mario Covas
entre 1995 e 2001. A política adota pelos governos Alckmin e Serra foi de intensificação do
processo de repressão. Os movimentos camponeses fizerem 252 ocupações no governo Covas
com 6 processos judiciais, enquanto nos governos Alckmin e Serra, foram 293 ocupações com
281 processos (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2011, apud,
ROMÃO DE SOUZA, 2011). Isto demonstra as diferentes políticas adotadas pelos governos,
enquanto um dialogava e negociava o outro reprimia e criminalizava (Ver gráficos 1 e 2).
6 Jornal O Globo on line. Acesso em junho de 2009.
15
Gráfico 1 -
Gráfico 2 -
O MST nunca conseguiu fazer uma reunião com o governador José Serra. Ocorreu
apenas uma reunião com o Secretário da Justiça Defesa e Cidadania responsável pelo ITESP.
Este fato comprova que os últimos governos paulistas, não tiveram nenhum compromisso
com a reforma agrária e com o processo de retomada das terras griladas do Pontal do
Paranapanema. As negociações estão praticamente paralisadas e os processos de arrecadação
de terras caminham na velocidade do Poder Judiciário que demora décadas para julgar um
processo. No que se refere à Reforma Agrária houve poucas conquistas de assentamentos. Em
seu governo houve a obtenção de apenas 14 assentamentos, com 930 famílias assentadas em
10.633 há. Nos últimos dez anos poucos assentamentos foram criados no Pontal e em todo
estado de São Paulo foram implantados 48 assentamentos com o assentamento de 3.019
famílias numa área de 47.378 ha (DATALUTA, 2010).
16
No governo Mario Covas, o ITESP era bem estruturado com técnicos e equipes de
arrecadação de terras devolutas, principalmente no Pontal do Paranapanema. Após a morte do
governador Covas em 2001, assume o Vice Geraldo Alckmin que consegue a reeleição ficando
no poder entre 2001 e 2006. Mesmo após a morte de Covas, seu compromisso político de
arrecadação de terras públicas para fins de reforma agrária prosseguiu com menos intensidade.
No final do segundo governo Alckmin foi aprovada a lei no 11.600 de 2003, que objetivava
regularizar áreas griladas de até 500 ha. Antes da aprovação d a lei, ocorreu um grande debate
dentro dos movimentos sociais, visto que, além da regularização de terras devolutas, seria
criado o Fundo de Desenvolvimento do Pontal do Paranapanema que não tinha relação com a
criação de novos assentamentos. Como sempre acontece no Pontal, nada se concretizou, nem
ocorreu a regularização e nem o Fundo foi criado.
Mas, essa lei abriu procedência para que no Governo Serra fosse aprovada a lei de no
578 de 2007. De acordo com a Assessoria do Partido dos Trabalhadores essa lei objetivava:
O PL 578/2007 proposto pelo governador José Serra propõe mecanismos para a regularização de terras devolutas ou presumivelmente devolutas do Pontal do Paranapanema. Ele dá elementos para legalizar todos os grileiros do Pontal, consolidando os latifúndios lá existentes e inviabilizando a arrecadação de terras para implantação de assentamentos de trabalhadores rurais (Assessoria do Partido dos Trabalhadores, 2009).
Se o texto da lei 11.600/2003 já não agradava os movimentos socioterritoriais (são os
movimentos que tem como objetivo a conquista do território), a lei proposta pelo governo
Serra buscava, além da regularização das terras griladas, acabar com o processo de
arrecadação de terras para novos assentamentos rurais. Desde 2003 ocorrem várias tentativas
de transferência de terras do Estado na região do Pontal para os grileiros. A exemplo dessas
alterações (ver quadro 1), podemos citar o substitutivo do deputado Campos Machado que
diminuiu as porcentagens das áreas que deveriam ser entregues ou pagas na operação de
compra e venda, facilitada pela eliminação de juros anuais e correções exclusivas. As
porcentagens de terra a serem entregues ou pagas ao Estado passam a ser as seguintes:
17
Quadro 1 – Propostas do texto da lei 11.600/2009 de regularização de terras no Pontal do Paranapanema
Proposta Original Proposta do Substitutivo Tamanho da Posse (ha) % da Área Tamanho da Posse (ha) % da Área 500 a 1.000 15 500 a 1.000 10 1.000 a 2.000 20 1.000 a 3.000 12 + de 2.000 25 + de 3.000 15 Fonte: Texto da Lei 578/2007 (Lei de Regularização Fundiária do Pontal do Paranapanema)
Mais uma vez, estas propostas não vingaram. Dentre todos os aspectos abordados,
observamos que nunca ocorreu uma política eficiente para a realização da reforma agrária no
estado de São Paulo. Para efetivação da Reforma Agrária é necessária vontade política dos
governos, principalmente no sentido de agilizar a arrecadação das terras devolutas, pressionar
a Secretaria de Justiça e a Procuradoria do Estado com o intuito de agilizar os pedidos de
reivindicação das terras griladas e acelerar o andamento das ações judiciais pendentes. De
todas as formas os movimentos socioterritoriais estão cercados de leis que paralisam suas
ações, principalmente as leis que incriminam as ocupações.
Na última década o MST teve dificuldades nas ocupações por conta dos interditos
proibitórios7. Por isso o movimento adotou uma nova estratégia passando a ocupar áreas que
não eram de interesse para o movimento, mas que tinham situações jurídicas julgadas corretas
para a realização da reforma agrária. Na atualidade a questão agrária no Estado de São Paulo
está relacionada ao avanço do agronegócio, com a monocultura da cana-de-açúcar, através
dos arrendamentos de terras que estão se expandindo, sobretudo no Pontal do Paranapanema
diminuindo a produção de alimentos e, inclusive, da pecuária que é uma cultura tradicional na
região. O avanço da cana-de-açúcar provoca uma reação em cadeia porque algumas culturas
tradicionais do Centro-Sul acabam migrando para outras regiões do país, principalmente para
as áreas florestadas, aumentando o desmatamento e a diminuição de nossa biodiversidade.
Outro atrativo do Pontal do Paranapanema é a questão da água, a região é circundada pelos
rios Paraná e Paranapanema, por isso as empresas do grande capital estrangeiro estão
investindo na região, seja na aquisição de propriedades ou no controle total da produção. Isso
tende a ser intensificado devido a priorização, por parte dos governos, do agronegócio em
detrimento da agricultura familiar e camponesa. É necessária uma política de reforma agrária
que substitua essa lógica criando novos assentamentos rurais e apoiando a produção. 7 Onde o juiz determina que pessoas representantes do MST, estão proibidas de realizarem ocupações por um determinado tempo
18
1.4 – AS LUTAS PELA TERRA NO PONTAL
O Pontal do Paranapanema é uma das principais regiões da luta pela reforma agrária
no Brasil. De acordo com o Censo Agropecuário de 2006 (IBGE, 2006) o Brasil tem os
maiores índices de concentração de terras do mundo assim, onde cerca de 15 mil
latifundiários possuem 98 milhões de hectares, ou seja, 1% de todos os proprietários
controlam 46% das terras.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que as propriedades com baixa
produtividade, que não respeitam o meio ambiente, que não respeitam os direitos trabalhistas
e são usadas ilegalmente no cultivo de monoculturas, em grandes extensões de terras, como
no caso das terras devolutas devem ser desapropriadas. Por isso, as ocupações de terras
ocorrem nas fazendas que têm sua origem na grilagem.
Os inimigos da Reforma Agrária (os grileiros, o grande capital nacional e
internacional, os políticos e etc.) tentam transformar as ocupações de terras em atos terroristas,
criminalizando os movimentos e influenciando a opinião pública com falsos debates a
respeito da função social da terra, com o intuito de impedir a realização da reforma agrária em
defesa dos seus interesses. A violência é uma arma muito utilizada quando se trata da
manutenção de privilégios, ela vem tanto do Poder Público, nos processos de reintegração de
posse quanto do poder privado, pelas mãos dos conhecidos jagunços comandados pelos
fazendeiros. É importante ressaltar que os movimentos respeitam as famílias dos
trabalhadores das fazendas, durante as ocupações de terras.
Os trabalhadores rurais são vítimas da violência por defenderem a causa da reforma
agrária. Entretanto, são raros os indivíduos que recebem punições quando praticam algum
crime contra os sem-terra8. As famílias acampadas recorrem à ocupação como última
alternativa, no intuito de chamar a atenção da sociedade para o absurdo que é a lentidão da
reforma agrária, ainda mais em uma região com “estoque” de terras públicas griladas como no
Pontal do Paranapanema.
As articulações entre os latifundiários e os setores conservadores do Poder Judiciário
fazem parte de uma complexa relação de forças contrárias ao processo reformista e isto é um
grande desafio tanto para o MST quanto para outras organizações de luta pela terra e pela
Reforma Agrária. O MST luta há mais de 25 anos, por uma Reforma Agrária Popular e 8 Um exemplo foi o ocorrido na ocupação da Fazenda São Domingos em 1997, onde muitos militantes foram mortos ou feridos. Os acusados foram soltos pela Justiça por falta de provas concretas (Jornal Agência Folha, São José do Rio Preto, 26 fev. 1997, p. 4B)
19
verdadeira. Obtivemos muitas vitórias tanto na região do Pontal quanto em escala estadual e
nacional. Segundo a Secretaria Nacional do MST, aproximadamente 500 mil famílias sem-
terra organizadas no Movimento, foram assentadas.
20
CAPÍTULO 2: OS ESTUDOS SOBRE ACAMPAMENTOS NA LUTA PELA TERRA
O acampamento é um espaço de construção e de socialização dos sem terra: os
trabalhadores e trabalhadoras sem-terra vivem debaixo dos barracos de lona preta,
enfrentando o frio, o calor, a chuva, a fome, a repressão e compartilhando a solidariedade no
debate caloroso, nas reflexões coletivas em suas inquietações individuais. Dessa forma o
camponês passa a viver momentos significativos numa coletividade diferente das suas
experiências anteriores. Cada ação segue um processo individual e cada sujeito produz e
reproduz suas aprendizagens e práticas diferenciadas.
O ato de ocupar áreas improdutivas, não é apenas um ato de coragem, é uma ação
baseada na necessidade econômica e no desejo de se auto-sustentar. Por isso, a ocupação é
uma luta reivindicatória, de caráter transformador tanto do sujeito quanto do espaço social no
qual vive. Podemos destacar também o aspecto político das ocupações que interferem na
política agrária, pressionando o poder político garantindo as conquistas sociais, políticas e
econômicas para o campesinato. Nas duas últimas décadas as ocupações tornaram-se ainda
mais um processo importante de recriação do campesinato. Segundo Fernandes (1990):
A elaboração e não realização de políticas de reforma agrária como o Estatuto da Terra e o Plano Nacional de Reforma Agrária são partes desse conjunto de fatores condicionantes. Portanto, quanto mais se intensificam a expropriação e a exploração, mais cresce a resistência. Nessa realidade, a ocupação da terra é criação dos trabalhadores sem-terra para a sua própria ressocialização (FERNANDES, 1990. p. 270)
Em 1990, o Movimento dos Sem Terra chegou na região do Pontal do Paranapanema
em um momento que muitas famílias estavam sem emprego porque duas usinas hidrelétrica
estava sendo concluídas. O MST organizou essas famílias para ocuparem terras na região.
A força do trabalho de base MST é na organização do acampamento, onde as pessoas
começam a entender a possibilidade de mudar a sociedade. Neste sentido, ocorreu a primeira
ocupação de terras do MST no Pontal, na Fazenda Nova do Pontal em 14 de julho de 1990
com a participação de 350 famílias. O trabalho de base foi extremamente importante para esta
ação. Esses trabalhos ampliam a consciência das pessoas, capacitando os militantes e
contribuindo com os debates políticos das organizações e das regiões onde estão inseridos.
Assim, Fernandes (1999) trabalha com a forma de organização e aprendizado no processo de
luta:
21
O espaço interativo é um contínuo processo de aprendizado. O sentido da interação está nas trocas de experiências, no conhecimento das trajetórias de vida, na conscientização da condição do espaço interativo é um contínuo processo de aprendizado (FERNANDES, 19999. p. 272).
Após a primeira ocupação, o MST continuou a organizar novas famílias para
contribuírem com a luta pela terra na região. O mapa 1, mostra a espacialização da luta pela
terra no Pontal do Paranapanema. O resultado desta luta pode ser observado no mapa 2 onde
apresentamos a territorialização dos assentamentos rurais.
Com a conquista dos assentamentos novas parcerias são feitas para a territorialização
com o objetivo de fortalecer a luta pela terra, como podemos observar na figura 2, que mostra
a parcerias entre o MST e a CPT, na Romaria da Terra.
Figura 2 – Romaria da Terra
Fonte: Jornal Imparcial 29 de julho 2003 - Foto de Monica Pereira do Santo
22
Mapa1
Mapa 1 -
23
Mapa 2 -
24
2.1 – A IMPORTÂNCIA DA OCUPAÇÃO E DO ACAMPAMENTO NA LUTA PELA
TERRA
A matriz principal e organizativa dos movimentos que lutam pela terra são as
ocupações. É através dessa prática que os trabalhadores se mobilizam contra o latifúndio. Nos
acampamentos desenvolvemos as instâncias coletivas da participação da mulher, da juventude
e de toda a família. É nesse espaço concreto que se manifestam os valores da solidariedade, da
cooperação, do trabalho e etc. Quanto mais os camponeses estiverem arraigados nesse pensar
mais vontade terão de resistir e se constituir como sujeito coletivo. Os camponeses se
estabelecem em uma cultura comunitária, se educando e produzindo uma nova identidade
coletiva, como seres sociais que cumprem com o seu papel histórico. Na luta pela terra dois
projetos distintos disputam o território: o da classe dominante, que luta pela manutenção da
estrutura fundiária e do modelo agroexportador, e do campesinato que luta pela mudança na
estrutura fundiária e pela soberania alimentar. Segundo Feliciano (2009):
Hoje, no auge de um modo de produção baseado em relações capitalistas, em que o individualismo é característica preponderante, esse direito ganha proporções ainda mais gritantes. Quando uma área rural é ocupada por trabalhadores rurais sem terra, seja qual for sua motivação (improdutividade, grilagem etc.), logo surge a defesa do mais santificado dos direitos: o da propriedade. O direito de propriedade não é outra coisa senão concentrar a produção em uma parcela determinada de terra e, na atualidade, transformar essa concentração em proveito de uma única ou mais pessoas. (FELICIANO, 2009. p. 45)
Para esse grupo, que sempre teve o seu poder e domínio histórico, baseado na
expropriação do território e na exploração do trabalho do outro, o projeto da classe
trabalhadora, a ocupação de fazendas que pressionam o Estado, pela implantação de políticas
públicas para o campo, é visto como um atraso.
No projeto camponês os trabalhadores constroem sua identidade no fazer da luta
cotidiana, na medida em que participam dos movimentos sociais, como sujeitos construtores
de um processo de luta, embutidos de novos valores. Os movimentos sociais se transformam
em espaços de construção de novos sujeitos e novos processos contra o projeto do capital.
Essas lutas, com todas as suas intencionalidades se inserem na política e possibilita aos
sujeitos se educarem no próprio MST num movimento histórico, processual e relacional. É
através desse movimento dialógico que os trabalhadores aprendem muitas lições e
desenvolvem a consciência social crítica e organizativa, que o constituem como sujeito
coletivo, dando vida ao novo potencial político e social que lhes pertencem enquanto classe de
sem terra.
25
O mais fascinante é perceber, em um acampamento, como as transformações desses
sujeitos ocorrem em todos os âmbitos da vida. Essas transformações são uma forma de ver o
mundo, se ver no mundo e atuar no mundo a partir de outro lugar, que não o da passiva
aceitação dos desígnios do capitalismo. Entretanto, essas transformações trazem consigo
muitos conflitos pessoais. Como são múltiplos os sujeitos, são múltiplas as formas e os
tempos de adaptação de cada um ao novo projeto.
Uns tantos se redescobrem e vão conscientemente dando conta de romper com o
opressor que habita dentro deles, no ato cotidiano de ver e atuar na vida, uma destas formas de
atuação são as ocupações. Todavia, outros sujeitos não conseguem romper com a opressão
histórica e acabam sendo passivos. Esses trabalhadores passam a criticar e a desarticular a
organização, quebrando a unidade do grupo, já que seus interesses pessoais não foram
contemplados no coletivo. Geralmente esses camponeses se isolam nos lotes, não participam
efetivamente dos espaços de discussões e de conquistas dos territórios e, consequentemente
não interferem nos rumos da luta. Esses comportamentos ocorrem no acirramento das
contradições e deficiências do processo de formação dos camponeses. É precisamente nestes
conflitos que o camponês constrói os alicerces de sua formação, enquanto sujeito de atuação
e transformação.
Quando os trabalhadores constroem sua unidade e têm clareza dos objetivos a serem
alcançados na luta, o que parecia impossível se torna possível e viável. Organizados, os
trabalhadores (as) transformam-se em uma força política forte e preocupada em entender que
“A ocupação da terra é uma forma de pressionar o governo a fazer a Reforma Agrária. Foi o
único jeito que os trabalhadores encontraram para conquistar a terra” (Em assembléia
Gercina do Acampamento Vitória, no município de Presidente Bernardes, 2009).
Na ocupação se constituem espaços de socialização das dificuldades, das decepções,
como também das esperanças, de partilha, de vida, dos sonhos. O acampamento se transforma
em um ambiente agradável, que promove muitas possibilidades de aprendizado.
O sistema predominante (mas, não o único) que rege a nossa sociedade é o
capitalismo, logo a sociedade é consumista, e a classe dominante tenta nos fazer acreditar que
tudo na sociedade deve ser comprado, ou seja, tudo é mercadoria. Essa lógica desumaniza as
pessoas e as transforma em objetos que podem ser vendidos por um valor de mercado, com
embalagem e etiqueta. Por isso, a solidariedade, entre os trabalhadores e trabalhadoras, é
definida aqui como valor da vida comunitária que o modelo econômico capitalista tenta
cotidianamente destruir.
26
Para formar a consciência da classe trabalhadora é necessário que o ambiente
educativo, no qual o trabalhador está inserido, possibilite a prática de ações solidárias de
apoio nos momentos de dificuldade, como na escassez de alimentos e falta de infra-estrutura,
assistência médica e educacional além do desenvolvimento do comportamento social
cooperado. No acampamento, esse sentimento de igualdade é inerente aos integrantes da luta.
Levando em consideração o valor da solidariedade, valor que organiza e politiza, esta
deve também ocorrer não só internamente no acampamento, mas com outros setores da
sociedade, categorias, grupos sociais, etc. Assim, as ações nos acampamentos e assentamentos,
devem visar à organização dos trabalhadores nos núcleos de base, nos grupos comunitários,
nas associações, contribuindo com a construção coletiva como um todo e em todos os setores
da organização. É essencial que todos os setores funcionem organicamente e solidariamente.
Para isso, não basta mudar o sistema explorador dominante, é preciso transformar o ser
humano visando a sua totalidade e complexidade.
Quando se constitui o acampamento, uma das principais preocupações é a
organização do território ocupado, para que ele fique agradável, limpo e organizado.
Agradável se compreende um sentimento do camponês, que alimenta a subjetividade do que é
bonito, do que é bom e do revigorador, que constrói uma estética dando forma e embelezando
o lugar e valorizando o ser humano nesse espaço místico.
Deste modo, inicia-se a montagem do acampamento que se organiza de várias formas,
por exemplo, se um acampamento é montado na beira de uma rodovia ele recebe o nome de
um militante, com o intuito de homenagear e lembrar a sua luta. A construção da infra-
estrutura do acampamento como barracos de moradia e escola, acontece a partir de mutirões
organizados pelos dirigentes e por todo o conjunto da comunidade. O local da assembléia é
um dos mais trabalhados, pois é lá que ocorrem as reuniões gerais do acampamento e tomadas
de decisões sobre os rumos da luta. A figura 3, mostra a formação de um acampamento, o
momento da montagem dos barracos. Observa-se que desde o inicio coloca-se a bandeira do
MST, como uma forma de identidade daquele território.
27
Figura 3 – Luta pela terra no Pontal do Paranapanema
Fonte: Arquivo pessoal
O grande desafio na constituição do acampamento é organizar os espaços necessários
para viver enquanto a regularização da área é resolvida. Naquele território começa a nascer o
sonho da terra conquistada, deixando para traz uma história de expropriação e de negação dos
direitos. Durante este processo os trabalhadores começam a plantar feijão, arvores frutíferas e
legumes, garantindo com isso maiores condições para a sobrevivência de todos.
Imagine um acampamento sem essa beleza, sem essa criatividade, sem essa
identidade, sem essa dimensão da subjetividade e sem esperança, ele torna-se vazio. A
persistência vem a contribuir significativamente no processo de resistência dos trabalhadores
inseridos na luta pela conquista da terra e por uma nova forma de vida.
28
2.2 – AS OCUPAÇÕES DE TERRA NO PONTAL DO PARANAPANEMA
O desejo de ocupar áreas que são questionadas pelos movimentos, depende da
decisão das pessoas, seja ela individual ou coletiva, movidas pela necessidade da obtenção de
terras, de ter um lugar para trabalhar e dar sustento aos seus filhos. Essa é a posição assumida
pelos movimentos camponeses, que vêm historicamente elaborando um processo de formação
política para os acampados e assentados de reforma agrária, é necessário que os homens,
mulheres, crianças, jovens e adultos destituídos pelo capital, tenham uma formação digna.
Cada ação traz consigo tempos e espaços cotidianos, produzidos e recriados
intencionalmente, dentro de uma totalidade pedagógica voltada para a formação dos sujeitos
do MST. Nas ações concretas se materializam muitos ingredientes pedagógicos originados
das práticas cotidianas, diferentes e específicas de cada momento no movimento em que a
própria dinâmica das lutas produz. Toda luta se realiza, em determinado território, baseada na
prática da informação que são levantadas antes das ações dos camponeses, assim, construímos
um novo jeito de criar os territórios a partir do trabalho de base.
A questão fundiária na região do Pontal do Paranapanema tem sido ao longo de
décadas uns dos pontos definidores das políticas públicas e palco das tensões sociais
envolvendo o Estado e os diferentes movimentos sociais que vivem no campo.
A história do Pontal está baseada nos conflitos entre grileiros e posseiros e mais
recente entre grileiros e os sem-terra. Esta conflitualidade além de prejuízos sociais causa gera
também graves problemas ambientais. Com o objetivo de retomar terras públicas ameaçadas
de ocupação irregular e também proteger a cobertura vegetal o Governo Estadual trabalha no
sentido de recuperar essa vegetação nos novos assentamentos, visto que, 20% do total dos
assentamentos no Pontal ficam nas antigas reservas permanentes que se juntam com as três
antigas reservas florestais: Morro do Diabo, Lagoa São Paulo e Pontal.
Além da conquista da terra existem outras formas de se constituir os assentamentos
rurais como, no caso, dos reassentamentos. No Pontal os reassentamentos existem devido a
construção das usinas hidrelétricas (como exemplos, Engenheiro Sergio Motta, a Usina de
Rosana e a Usina de Taguaruçu ambas do grupo Duke Energy Brasil) dos Rios Paraná e
Paranapanema, onde várias famílias foram atingidas pelas águas da represa. Segundo
Fernandes (1996):
29
Com a desaceleração das obras das usinas na década de 1980 e a demissão em massa que a isso se seguiu, emerge um forte movimento de reivindicação por terras no Pontal. Em 15 de novembro de 1983, aproximadamente 350 famílias de ex-operários das obras das hidrelétricas, ocuparam as fazendas Rosanela e Tucano, dando início a uma série de conflitos sociais e conseqüentes ações públicas que marcam a região justamente no período compreendido pela análise empreendida neste trabalho. Nesse mesmo ano, o governo Franco Montoro (1983-1986) desapropriou uma área de mais de 15 mil hectares entre os municípios de Rosana e Euclides da Cunha e assentou cerca de 572 famílias: surgiu o assentamento Gleba XV de Novembro, uma referência na luta pela terra por parte dos trabalhadores sem-terra da região (FERNANDES, 1996. p.189).
A supracitada insegurança fundiária e à ação que os governos do período da transição
democrática fizeram com que os diferentes agentes sociais da região criassem a União
Democrática Ruralista – UDR – que foi uma reunião dos pecuaristas.
Os pecuaristas estavam inseguros a respeito da regularização de terras, pois os
tiravam os direitos as posses das terras. Assim, em 1990 o MST começa um importante
processo na luta pela terra no estado de São Paulo. (FERNANDES, 1996)
Desde então o conflito entre os sem terras e os clamados “fazendeiros”, grileiros
“pecuaristas” tem pontuado a história da região, foram centenas de ocupações, milhares de
trabalhadores mobilizados e acampados, dezenas de ações judiciais discriminatórias
promovidas pelo Estado, no sentido de identificar e arrecadar as terras devolutas
irregularmente ocupadas. Nesse cenário, o incremento da política de assentamentos na região
aconteceu, sobretudo na primeira gestão do Governador Mário Covas, como resultado de
intensas negociações para arrecadação de áreas e o assentamento de milhares de famílias
acampadas. Tudo isso culminou, no que se configura hoje o Pontal do Paranapanema que é a
maior região em número de assentamentos criados e famílias assentadas no Estado de São
Paulo e uma das maiores do Brasil, alguns assentamentos fazem parte da história da luta pela
terra. Os dirigentes do MST definiram esses assentamentos, conquistados através de várias
lutas, como pilares da luta pela terra na região9. A implantação de assentamentos é resultado
das ocupações de terra, como já citado. No período de 1990 á 2005, ocorreram grandes
transformações no território do Pontal devido ao aumento na luta pela terra.
9 Podemos destacar os assentamentos Che Guevara, São Bento, Nova do Pontal, Água Sumida, Rosanela,
Ribeirão Bonito, Areia Branca e Gleba XV de Novembro.
30
Gráfico 3 -
Neste período tivemos algumas oscilações no número de ocupações de terras, o ano
com maior número de ocupações é 1997, devido, sobretudo a relação adversa entre o MST e o
Governo Federal da época, pois havia se passado quatro anos e a promessa de reforma agrária
não cumprida. De 1999 a 2001 ocorreu uma diminuição no número de ocupações, devido à
falta de interesse em arrecadação de terra e a demora para concluir os processos das áreas que
deveriam ser destinadas a reforma agrária porque faltava elaborar todos os levantamentos dos
perímetros, em via judicial. No ano de 2003 foram registradas apenas 8 ocupações de terras,
desta vez devido a relação favorável e amistosa entre o MST e o Governo Federal, que tinha
como proposta assentar todas as famílias acampadas do Brasil.
É necessário intensificar as ações dos movimentos para acelerar a implantação de
assentamentos rurais. As ocupações são a principal forma para as conquistas desses territórios,
muitas delas são pequenas frente à demanda que se tornou grande. Desta forma, muitas
famílias que vão para os acampamentos desistem da luta e abrem mão da conquista de seus
lotes, porque há uma grande demora no processo de arrecadação de terras.
O resultado da luta pela terra no Pontal veio com a implantação de 109
assentamentos rurais (ver gráfico 4). Destacamos o ano de 1996 onde foram obtidos 23
assentamentos. Entre 1990 e 1994 ocorre uma estagnação em relação a obtenção de terras
31
destinadas a reforma agrária, esse número se torna crescente de 1995 a 1998 e vem oscilando
a cada ano.
Gráfico 4
Se compararmos o gráfico 03 e o gráfico 04 entre 1990 e 2009 foram necessárias
várias ocupações de terras para acelerar o processo de obtenção de terras e implantação dos
assentamentos rurais.
É nas ocupações de terras que a luta se materializa, tornando plenamente visível toda
à insatisfação dos trabalhadores e trabalhadoras em relação a concentração de terras e aos
problemas sociais e ambientais do país. Para isso necessitamos de uma organização
consciente e não espontânea, que tenham como objetivo a realização de ações que expressem
a resistência e rebeldia daqueles que se contrapõem aos aparelhos repressores do Estado ou
dos grupos paramilitares, armados pelos latifundiários para destruir e desmobilizar a luta.
Como sustenta a autora Graciele Fabrício (1999), “a ocupação é um elemento novo, pode-se
dizer que a ocupação e a organização do acampamento são formas de resistência que afrontam
o conceito de propriedade e ordem estabelecida que transgridem”. (FABRÍCIO, 1999. p. 44).
Assim, sem a ocupação que pressiona o Estado a conquista do território se daria de forma
mais lenta.
32
Todas as conquistas de territórios no Pontal só foram possíveis através de muitas
lutas dos trabalhadores devido, sobretudo ao forte trabalho de base do MST, que consistem
nas tarefas de conscientização da população de forma geral. No trabalho de base buscamos
mostrar a indignação com a situação das terras na região do Pontal do Paranapanema e com a
forma de distribuição de renda e de riqueza cada vez mais preconizadas, trabalhando a idéia
de que cada um tem direito a terra para sua sobrevivência.
Os trabalhadores têm muita força para chegar ao objetivo final de forma coletiva ou
mesmo individual na conquista de seu lote de reforma agrária e, com a mudança do território
muda também as composições familiares que habitam aquele território. Segundo Martins
(1984):
Um verdadeiro pacto de classes que excluiu da cena política os trabalhadores rurais, como meio de protelar uma transformação no direito de propriedade, que alteraria na raiz as bases de sustentação dos grandes latifundiários, das classes dominantes e da forma brutal que a exploração do trabalho e a acumulação do capital assumem em nosso país ( apud, Fernandes,1999. p. 48).
A retomada da questão agrária vem aos poucos fazendo este contra ponto com os
latifundiários em todo Brasil, mas no Pontal, em particular, a luta pelo acesso a terra ganhou
uma grande dimensão devido por ser terras públicas e griladas. Analisando de uma forma
mais detalhada a luta no Pontal do Paranapanema (ver tabela 1), observamos os municípios
que tiveram ocupações e famílias em acampamentos no período de 1990 a 2009.
33
Tabela 1 - Números de ocupações de 1990-2009 no Pontal do Paranapanema
Munícipios Ocupações Famílias Alvares Machado 2 94 Caiuá 43 2.746 Emilianópolis 1 N.I Euclides da Cunha Paulista 54 6966 Iepê 9 526 João Ramalho 3 74 Marabá Paulista 12 3.484 Martinópolis 49 2.580 Mirante do Paranapanema 171 33.527 Nantes 4 465 Narandiba 5 417 Piquerobi 9 302 Pirapozinho 7 900 Presidente Bernardes 48 3.300 Presidente Epitácio 81 9.135 Presidente Prudente 4 620 Presidente Venceslau 54 2.657 Rancharia 33 5.750 Regente Feijó 3 55 Riberão dos Índios 1 60 Rosana 23 2.197 Sandovalina 38 11.882 Santo Anastácio 12 1.424 Taciba 2 190 Tarabai 1 400 Teodoro Sampaio 74 11.529 TOTAL 743 10.1280 Fonte: DATALUTA: Banco de Dados da Luta pela Terra, 2010. Org. Valmir U. Sebastião Como podemos observar na tabela todos os municípios do Pontal tiveram ocupações
que correspondem a 743 com 101280 famílias. Assim, a ocupação de terra surge como
enfrentamento ao grande capital, como o questionamento das terras a serem destinadas a
reforma agrária não só no Pontal, mas em todo o país.
34
2.3 - GRILOS QUE VIRARAM ASSENTAMENTOS
A maioria dos assentamentos rurais surgiram da luta e da pressão social de milhares
de famílias sem terra, aqueles latifúndios que antes simbolizavam a concentração da terra e a
exploração do trabalho alheio e representavam o poder político da burguesia foram
transformados em território da agricultura familiar e camponesa. Assim, os assentamentos
passaram a simbolizar a distribuição de terras para milhares de famílias. Eles expressarem a
luta social e a constituição de novas relações sociais sobre as fazendas griladas gerando um
novo território. Ao mesmo tempo o assentamento é um território de disputa ideológica e
econômica entre a burguesia e os latifundiários, pelo controle e a permanência no território.
Os assentamentos impulsionam o debate da reforma agrária fortalecendo a disputa entre o
campesinato e o latifundiário.
Um dos “grilos” fundamentais para a luta pela terra no Pontal foi a Gleba XV de
Novembro. A ação dos posseiros fez com que as fazendas fossem transformadas em um
grande território camponês. Para Fernandes (1999):
A perspectiva de desapropriação das terras griladas, promoveu o aumento do número de famílias no acampamento. Em março de 1984, o governo decretou as primeiras desapropriações e arrecadou uma área de 15.110 hectares, de algumas fazendas, para assentar cerca de quatrocentos e sessenta famílias. Depois de um século de grilagem, pela primeira vez, o Estado ensaiava a recuperação das terras devolutas, griladas por grandes latifundiários, governadores, prefeitos e grandes empresas (FERNANDES, 1999. p. 49).
Posteriormente várias outras conquistas vieram por meio das lutas, o grilo da fazenda
nova do pontal fui o primeiro a se ocupado por famílias sem terra do MST mas se
materializou no grilo da fazenda São Bento no município de Mirante do Paranapanema como
podemos observar na figura 4 em uma das vinte e três (23) ocupações.
35
Figura 4 – Pontal do Paranapanema luta pela terra na forma de ocupação
Fonte: Bernardo Mançano Fernandes, 1992
Após todas estas consistências na conquista deste grilo, várias outros se tornaram
território dos camponeses como podemos observar na tabela 2.
Tabela 2 – Número de Assentamentos Rurais - Famílias - Áreas por Municípios - 1990-2009
Municípios Assentamentos Famílias Área Euclides da Cunha Paulista 9 517 10.933 Iepe 1 50 68 João Ramalho 1 40 54 Marabá Paulista 5 173 4.600 Martinópolis 2 124 2.744 Mirante do Paranapanema 33 1.625 34.984 Piquerobi 3 84 2.594 Presidente Bernardes 7 266 7.189 Presidente Epitácio 4 342 7.533 Presidente Venceslau 6 342 7.702 Rancharia 2 178 4.264 Ribeirão dos Índios 1 40 852 Rosana 4 243 6.122 Sandovalina 2 198 4.017 Teodoro Sampaio 19 735 18.467 TOTAL 99 4.957 112.123
Fonte: DATALUTA: Banco de Dados da Luta pela Terra, 2010. Org. Valmir U. Sebastião Se compararmos as duas tabelas (1 e 2) referentes as ocupações e o os assentamentos
vejamos que no município de Mirante do Paranapanema das 171 ocupações, 33 grilos se
36
tornaram assentamentos, isto se deu por causa dos julgamentos conjunto em todo perímetro e
não apenas de uma propriedade.
No município de Presidente Epitácio corresponde a segunda maior concentração dos
sem terras e foram implantados 4 assentamentos e em Teodoro Sampaio foram 19
assentamentos. Podemos constatar que nem sempre as áreas ocupadas se tornam
assentamentos, sendo que dos 32 municípios do Pontal, apenas 15 obtiveram assentamentos
num total de 743 ocupações.
37
CAPÍTULO 3: AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DOS ACAMPAMENTOS E SUAS MUDANÇAS DE 1990 A 2009 Neste capítulo, analisamos dois tipos de acampamentos resultantes das mudanças na
conjuntura agrária. Estes tipos representam dois momentos que ajudam a compreender as
mudanças recentes na luta pela terra. Na década de 1990, os acampamentos eram formados
por famílias que após o começo do trabalho de base participavam predominantemente da luta.
Na década de 2000, os acampamentos passaram a ser formados, predominantemente, por
membros da família. Esta mudança teve vários significados, como por exemplo: diminuição
das ações de luta: ocupação e marcha. A seguir, analisamos estes momentos.
3. 1 – AS FAMÍLIAS NOS ESPAÇOS DE LUTA E RESISTÊNCIA
No estado de São Paulo, o desenvolvimento pleno das forças produtivas no campo
não conseguiu retirar a reforma agrária da pauta política, elevando o enfrentamento das
classes trabalhadoras. Este desenvolvimento carrega consigo suas contradições, pois ao
mesmo tempo em que elevou a produtividade do trabalho, revolucionou as relações sociais de
produção, apresentou formas, de sub-assalariamento.
Os formuladores de políticas voltadas para modernização da agricultura
consideravam que a estrutura fundiária não precisava ser modificada, negando a existência da
luta dos movimentos. Todavia, verificamos cada vez mais, um processo violento de
centralização das terras, dos meios de produção, da natureza e do capital, evidenciado na
exploração da força de trabalho, da fertilidade natural do solo e da disponibilidade hídrica.
Com a força do capital na região, os movimentos sociais, em especial o MST,
acabam sofrendo com dificuldades no processo de organização de novas bases e no embate
contra a ideologia do agronegócio. Além da luta pela superação do modo de produção
agrícola, também há uma necessidade de desconstruirmos a ideologia dominante que é
empregada na subjetividade de cada pessoa.
A atualidade da questão agrária na região do Pontal do Paranapanema pode ser
dividida em dois momentos específicos. O primeiro momento entre 1990 e 2001 corresponde
à identificação e classificação das terras no Pontal, que tinha como finalidade definir as ações
que deveriam ser realizadas nas terras da região. Neste período, mais de 6 mil famílias foram
assentadas, uma média de 600 famílias assentadas por ano, o que possibilitou o crescimento
38
do MST na região (DATALUTA, 2010), os acampamentos eram marcados pela intensa
participação das famílias.
No segundo momento entre 2002 e 2009, ocorreu um descenso da luta de classes e a
consequente fragmentação do MST. Neste período, o agronegócio da cana de açúcar se
territorializou e as ocupações diminuíram, os acampamentos passaram a ser formados apenas
por membros das famílias. O Movimento neste contexto enfrentou inúmeras dificuldades
relacionadas à organização interna, a falta de negociação e ação dos governos, a violência
contra os trabalhadores sem terra e as inúmeras reintegrações de posse e interditos proibitórios
emitidas pelo Poder Judiciário. Origuela (2010) explica que além “do agronegócio o papel do
poder judiciário na tentativa de inibir as ocupações de terra também foi fundamental nos
últimos anos, consolidando outras mudanças nas ocupações e na questão agrária” (p. 7). Com
todas estas dificuldades o MST não pode de modo algum abandonar a bandeira da reforma
agrária. Por isso, devemos pensar em alternativas para a elaboração de ações na base do
“acampamento” como forma de pressionar os governos, na continuidade de vistoriar novas
áreas e continuar com o processo de arrecadação das terras devolutas.
As famílias que lutam pelos seus direitos são chamados de desordeiros e vagabundos
por uma pequena parcela que defende o latifúndio como, por exemplo, a UDR - União
Democrática Ruralista. Sobre o papel da UDR Cledson Mendes (apud ORIGUELA, 2010)
destaca que:
Na década de 1980, principalmente, as ocupações que a gente fazia era mais com o latifundiário do boi, criador de pecuária extensiva. A relação se dava diretamente com o movimento e o latifundiário, e o latifundiário armado, a UDR era muito forte nessa década de 80 começo da década de 90. A UDR tinha o papel de armar os fazendeiros, os jagunços para defender as propriedades, o direito da propriedade da terra. E nos dias de hoje eles se defendem mais dentro de uma unidade de classe, então eles têm unidade de classe, então hoje o enfrentamento não é mais com o latifundiário atrasado e, sim com um latifundiário moderno, ligado ao agronegócio (Entrevista com Cledson Mendes, 2010. apud ORIGUELA, 2010)
Este trecho revela claramente a mudança da figura do proprietário de terras, assim
muda-se também a conjuntura da luta. No subcapítulo seguinte abordaremos os sujeitos que
lutam dentro dos acampamentos.
39
3. 2 – OS MEMBROS DAS FAMÍLIAS NOS ESPAÇOS DE LUTA E RESISTÊNCIA
As atividades do MST seguiram as mudanças na conjuntura agrária porque o
latifúndio que o Movimento considerava atrasado foi ocupado pelo agronegócio. Estas
mudanças impactaram os acampamentos e mudaram os rumos da luta pela terra. O
acampamento perdeu força e pessoas.
Umas das principais ações dos movimentos socioterritoriais é a ocupação de terra. É
na prática direta dessa ação, que os trabalhadores se mobilizam contra o latifúndio. O MST vê
no acampamento umas das formas de participação de toda a família, mas atualmente ocorre a
diminuição das famílias nos acampamentos, onde se manifestam os valores da solidariedade
construída no/pelo cotidiano.
Os anos iniciais da década de 1990 do século XX foi um momento que necessitava
realizar avaliações conjunturais. O MST manifestou-se contra as propostas de expropriação e
exclusão formuladas por determinados grupos de poder que tentavam sob o argumento da
propriedade privada da terra auferir maior acumulação, a partir da exploração do território e
do trabalho alheio. Dentro do que historicamente o movimento alinha por questão agrária, traz
em seu bojo uma composição de lutas, sejam elas econômicas, sociais, políticas.
Contemporaneamente, com as lutas do campo, se estabelece no ato de ocupar um
instrumento direto de ruptura com as estruturas de poder, evidenciando as contradições do
modo capitalista de produção. Porém desta mesma forma, ao conquistar a terra surgem outras
contradições, como por exemplo, as negociações com órgãos estatais que continuam no
controle legal do território, são os mesmos que os movimentos até então estavam com
dificuldade de negociar propostas rumo a um novo projeto de coletividade, baseado
inicialmente pelo acesso a terra. Neste sentido o MST enfrentava um desafio nas suas
organizações, dividindo em setores para facilitar a própria organização já que participavam
todas as famílias. A luta tinha como objetivo no primeiro momento de estabelecimento do
movimento a conquista da terra e logo as suas lideranças observaram que era necessário
inserir outras bandeiras baseadas nas necessidades das famílias como saúde, educação de
qualidade.
Desde a formação do MST, acreditava-se no modelo de Reforma Agrária clássica e
tradicional, sendo que o próprio capitalismo que as colocavam como necessidades para sua
manutenção e desenvolvimento. E se tinha um entendimento que a Reforma Agrária teria que
40
cumprir o papel de democratizar o acesso à terra, garantir o desenvolvimento da indústria
nacional e fortalecer o mercado interno.
No caso do Brasil essa Reforma Agrária foi realizada, devido impedimento
construído pela elite brasileira, que entendia, equivocadamente, que ela seria um limite para o
desenvolvimento do Brasil. Mas nosso acúmulo de experiência nos permite afirmar com
clareza que este modelo tradicional está superado. Hoje o movimento tem lutado para a
realização de uma Reforma Agrária Popular que garanta primeiramente o assentamento de
todas as famílias acampadas. Porém, não podemos deixar de registrar que hoje no Brasil
existem varias formas de acesso a terra além do processo via desapropriação. Cada estado tem
a sua política de assentamento, mas não uma reforma agrária que assente todas as famílias que
não têm terra e que garanta de forma massiva a democratização da terra casada com um
projeto de desenvolvimento para o campo. Tal projeto deve estabelecer um novo jeito de
produzir, uma nova matriz produtiva e tecnológica, estimulando práticas agroecológicas que
priorize a produção de alimentos, de preservação das sementes, alinhada a uma produção que
respeite e cuide do meio ambiente.
É preciso repensar tudo isso na atual lógica da estrutura fundiária. Precisamos E
pensar em uma Reforma Agrária que possa se aproximar dos grandes centros das cidades, que
viabilize não só esta relação, mas que minimize custos, permitindo que a produção chegue às
cidades e que o trabalhador urbano tenha acesso a alimentos diversificados, saudáveis e a
custos baixos. Uma Reforma Agrária que garanta as condições estruturais de acesso à escola,
educação universal em todos os níveis, que respeite a diversidade cultural. Nesse mesmo
sentido, deve-se pensar, uma Reforma Agrária que não esteja restrito somente a distribuição
de terra, mas que desenvolva o mercado interno e a indústria nacional. E não pode ser feita de
forma pontual, somente para resolver os conflitos. É necessário dar uma nova cara ao campo,
dando atenção ao conjunto das necessidades sociais e culturais do povo brasileiro.
É necessário demandar ao Estado as necessidades do povo. Há uma diferença de
atuação do Estado dentro dos acampamentos e assentamentos. Uma delas é que o
acampamento para o Estado não é reconhecido, pois para uma parte dos interpretadores do
código civil, a prática da ocupação é ilegal. Isso é contraditório, porque as pessoas acampadas,
independente das condições, teoricamente têm direito a uma série de coisas, e não é preciso
ser assentado para ter acesso a esses direitos. Mas, pela dinâmica do Estado, esses direitos são
negados, ou então reconhecidos somente quando transformam-se de acampados para
assentados.
41
Com o território transformado em assentamento, o Estado passa a reconhecer e inseri
quase de imediato a criação, placas identificando o assentamento como uma ação do Estado
para o desenvolvimento da região, como se os acampamento fossem apenas responsabilidade
e problema dos movimentos sociais. Com a conquista do território, o Estado procura inserir
uma lógica de querer agir como tutor, inclusive tirando ou dificultando a presença dos
movimentos destes assentamentos. O movimento “MST” tem clareza que o Estado tem um
papel a cumprir, tem que garantir as políticas públicas e subsidiar a agricultura, não se pode
deixar de garantir as políticas que seriam necessárias para desenvolver os assentamentos.
Entendemos que a presença do Estado deve existir, mas não pode se confundir com a
organização política, com o referencial de organização que cabe aos movimentos sociais.
Dentro da compreensão de ampliação das lutas e do entendimento do papel que seria
uma Reforma Agrária Popular deve cumprir; há uma mudança do perfil dos acampados, pois
a luta pela Reforma Agrária extrapolou o território do que vem a ser o rural. A regional do
Pontal do Paranapanema o MST entende que é de fundamental importância que os
movimentos e organizações urbanas, que não fazem a luta pela terra, se engajem na luta pela
Reforma Agrária. A luta é uma forma de resolver os problemas do campo, mas entendemos
que parte destes problemas também está presente nas cidades, como fruto da lógica de
mudança na sociedade. Há um tempo, a maioria da população estava no campo e hoje se
concentra nos grandes centros urbanos, como Presidente Prudente - SP a maior cidades da
região do Pontal, sendo uma cidade que se concentra todas as informações e os debates
políticos. É neste sentido que o MST ganhou aliados e apoiadores com a compreensão de que
as transformações da sociedade em geral passam necessariamente pela realização da Reforma
Agrária.
A história da luta pela terra nos oferece elementos para compreender a formação dos
acampamentos, partindo da analise que raramente as famílias se mobilizam se não tiverem
uma organização, mesmo que os objetivos, tanto das famílias como das organizações sejam
complementares, porém distintos, tomando como exemplo o MST que visa à transformação
social.
Nas últimas décadas com o surgimento do MST, e mais tarde com as incorporações
de diversos movimentos, que surgem na região do Pontal do Paranapanema com várias
concepções organizativas que incorporaram aprendizados históricos da classe, fez com que o
MST organizasse os acampamentos incorporando muitos aprendizados, sendo que antes todos
os integrantes das famílias iam para os acampamentos e hoje apenas parte das famílias
42
participam do acampamento. Os movimentos vão incorporando a idéia de que a força está no
número de pessoas que conseguirem mobilizar e organizar. Quanto maior o número de
pessoas, maior será a força e quanto mais força, mais rápida se dá a conquista da terra,
hipoteticamente.
Este processo de luta para conquista da terra é tanto de produção quanto de
reprodução do trabalho familiar camponês, assim o campesinato também se recria na luta,
segundo Fernandes:
o movimento de formação do campesinato acontece simultaneamente pela exclusão e pela geração das condições de realização do trabalho familiar na criação, destruição e recriação das relações sociais como a propriedade camponesa da terra, a posse, o arredamento, a meação e a parceria. (FERNANDES, 1999, p. 269)
Para se ter um número maior de pessoas, era preciso a mobilização de toda família.
Daí a necessidade de todos participarem de todas as atividades proposta pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra: crianças, jovens, adultos e os idosos. Também se incorpora
nessa conjuntura a necessidade de que a família fique todo tempo no acampamento, para dar
sentido de controle e posse do novo território, pois conquistar a terra não é simples ato
ingênuo de montar um barraco, colocar o nome num caderno de candidatos á terra, e seguir
cuidando de sua vida de forma individual. O acampamento é um ato social.
Assim como houve essas articulações do movimento para fortalecer e resistir na luta
pela questão agrária, a classe latifundiária também se organizou para manter o status quo
vigente. Além da UDR, ocorrem criações de associações dos fazendeiros: No caso Itamar, toma uma postura de negociar [com o movimento] os latifundiários não se conformam vão se articular, tira a bandeira da UDR, porém eles continuam se articulando. Agora em associações de pecuaristas e associações de agricultores, para que encontrar estratégias novas e diferentes para continuar as repressões contra os acampamentos e os assentamentos, então no FHC tem um governo apóia os latifundiários, porém com um jeito novo de modificar a estrutura de repressão, porque agora a pistolagem continua, mas não é a principal ação, agora o Estado vai reprimir através da polícia e vão se articular também pelo judiciário com mais força utilizando-se tabém de modo oficial dentro dos acampamentos. (Entrevista com Jonas Borges dirigente do MST, 2011)
Neste sentido, vemos que a violência sempre foi marcante contra os militantes e que
as articulações entre latifundiários e o Estado culminaram de alguma forma para essa
violência:
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Para manter a estrutura fundiária no Brasil e para manter a violência contra os sem terras os latifundiários vão mudar seu método de ação e vão capitaniar várias frente de articulação no executivo, no judiciário e também no legislativo [...] Nessa mudança de qualidade, não é mudança de violência, a violência pelo contrario continua de forma muito mais perigosa, porque agora é sutil e essa sutileza de uma nova forma também vai classificar a sua ação para poder avançar mais na repressão. (Entrevista com Jonas Borges dirigente do MST, 2011)
A classe dos grandes proprietários de terra, latifundiários, vem obtendo conquistas
fundamentais para manter a estrutura fundiária atual, baseada em alta concentração da
propriedade da terra, sendo que na região do Pontal do Paranapanema, as terras em sua
maioria são públicas, griladas e cuja posse, deveria ser retomada pelo Estado. Estas
conquistas por parte dos latifundiários estão relacionadas a uma iniciativa do Estado, de
regularização fundiária, na qual legitima os atuais proprietários e regulariza a grilagem de
terras no Pontal.
Na década de 1990 houve várias formas de trabalho de base para formação de
acampamentos, esses trabalhos eram feitos por militantes, mas quem marcava as reuniões
eram os próprios moradores para garantir a segurança dos militantes que levavam as
informações. Tinham como objetivo, fazer uma análise de como seria a melhor forma de
realizar as atividades, como acampamento, ocupação etc. Estes trabalhos de base devem ter
um bom planejamento para ser iniciado na região, porém podem mudar de acordo com a
necessidade, por exemplo, ao extrair determinadas informações de um bairro, confrontamos
com a realidade do mesmo e observamos que, os dados são em partes diferentes, sendo
necessário alterar o planejamento inicial.
Com o êxodo rural que vem ocorrendo há décadas, inclusive de elevado número de
pequenos produtores rurais familiares, o empobrecimento relativo dos assalariados rurais, o
desrespeito com os direitos dos agricultores do campo, a violação das terras e povos nativos
que foram historicamente destruídas pelo uso da força e da violência, não restando na região
do Pontal área que seja denominada como terras dos nativos. Enfim, as conquistas populares
foram suprimidas pelas ofensivas das classes dominantes. Devemos perceber que todas essas
amplas massas de trabalhadores, informais (na sua maioria) ou mesmo os formais (porém, em
situação de precariedade), vivem em alguma comunidade.
Parte da classe trabalhadora se deslocou para os bairros mais periféricos ou migrou
para zonas semi-rurais. São sujeitos sociais que trabalham no campo e moram na cidade,
buscando manter ou reconstruir a sua identidade, participando, em muitos casos, de novas
44
lutas no território onde vive. As maiorias dessas famílias enfrentam graves problemas de
acesso às políticas públicas como moradia, saneamento, luz, água potável, saúde e são
justamente por essas questões que vem no acesso a terra a possibilidade de se recriarem
enquanto sujeitos sociais. Não é principalmente pelo conhecimento de que as terras do Pontal
são griladas ou devolutas, que aderem a luta, mas sim no aspecto de possibilidade de
segurança, trabalho e autonomia.
Dentro do acampamento o sujeito tem a autonomia de expressar suas opiniões, mas é
no assentamento que ele tem uma total autonomia, que também abarca a produção. Sendo o
acampamento um dos primeiros processos de formação do território camponês. A questão do
território, também passa pela redefinição do conceito de representação a partir de uma
dimensão sociopolítica, que prioriza a participação direta através das lutas em busca de novos
acampamentos, fazendo deste local um cenário das disputas e das construções de uma nova
sociedade no que se refere á consciência política, á unidade entre a reivindicação e a luta e ao
projeto de transformação da sociedade. Devemos pensar a relação território e hegemonia, para
além de uma concepção de domínio territorial, exclusivamente.
Todavia, a questão do domínio territorial como local concreto de enfrentamento,
também se faz necessária como processo de construção da resistência. Estabelece-se como
síntese objetivo-subjetiva no processo de luta popular, desde que se possa estabelecer uma
relação dialética entre ambos os fatores, e que os mesmos contribuam para a construção da
consciência da classe trabalhadora. O caso expressivo é a existência de acampamentos e
assentamentos rurais em grande quantidade numa mesma região, a retomada da discussão do
controle político da terra possibilita uma maior articulação dos sem terras nas regiões, fazendo
com que eles tenham maior poder de articulação, de estabelecer um bom debate com a
sociedade e pressionar o governo por melhorias sociais.
Para evitar represálias externas, os cuidados com os dirigentes e suas militâncias são
de fundamental importância, uma forma bem organizada dos trabalhos de base que procura
mostrar as famílias à possibilidade de conquistar a terra que estava sobre o poder de um
fazendeiro, mas que tinha uma suspeita de ser devoluta. Nesse trabalho também é realizada a
distribuição de panfletos explicativos na tentativa de atrair um maior número de famílias que
se encontravam em situação problemática de renda.
Enfim, formado um grupo, determinada quantidade de famílias interessadas que
acreditavam nos seus direitos, realizavam a ocupações das áreas e instalam os acampamentos
nas respectivas áreas de latifúndios improdutivos e devolutos. Um fator de grande valia para
45
o MST foi a desapropriação de um território grilado, que foi transformado em território
camponês denominado Gleba XV de Novembro (que já foi trabalhado no capítulo anterior)
logo no momento em que se consolidava uma postura sobre as terras publicas nesta região
Esta postura de conquista, ao longo do tempo vem sendo estremecidas por vários fatores,
tanto por ação do governo quanto por falta de uma organização mais forte do MST.
As ações do governo após os anos de 2002, trazem vários elementos de retrocesso na
luta pela terra tirando das lideranças, a principal interlocução dos acampamentos e do trabalho
de base. Esse processo ocorreu com a inserção de vários planos e ações políticas
compensatórias como Bolsa Família, que somado ao aumento de empregos na construção
civil que favorecem principalmente a classe de baixa renda, mas tem dificultado a
organização de novas famílias em participar da luta já que tem outro objetivo na sua vida
pessoal. Neste sentido o caráter da luta também muda e se reflete na organização, com a
participação de poucas pessoas nos acampamentos (nessa conjuntura participa uma pessoa por
família diferentemente dos anos 1990 em que todas as famílias participavam de todas as
atividades propostos pelo movimento).
Assim as mudanças foram expressivas nas formas de organizações dos
acampamentos. Porém, o modo de luta continua o mesmo (com as ocupações), somados a
novos elementos no enfrentamento ao grande capital no campo, como procuramos tratar nessa
pesquisa.
Neste sentido vemos que as ocupações de terras e as formações dos acampamentos
vêm para enfrentar o avanço do grande capital, questionar as posses das áreas, por melhores
condições de vida, para mudar a estrutura fundiária. Mas, o trabalho de base tem um papel
fundamental para essas mobilizações retomando os territórios dos grilos e transformá-los em
territórios camponeses, sendo assim a luta que seria pela terra passa a ser em luta na terra.
46
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se analisarmos a história do MST ao longo da sua trajetória, não só no Pontal do
Paranapanema, mas em âmbito nacional, veremos que conseguimos várias conquistas e
melhoramentos em diversos aspectos. Neste sentido, a luta foi de extrema importância, onde
esta vem através de trabalhos de base, considerando também a experiência de montar
acampamentos.
O acampamento e as ocupações estão atreladas aos questionamentos das áreas, que
por exemplo, no caso do Pontal áreas griladas. Onde ao longo da história, para barrar as lutas
pela questão agrária muitos posseiros, grileiros e o próprio Estado usaram de vários atos
criminosos, como assassinatos, atentados violentos etc.
O Movimento Sem Terra tem como um dos objetivos, melhorar a vida de todos os
trabalhadores (as), sendo um dos pontos mais difíceis é após a conquista do território visto
que, é o Estado que passa a controlar o assentamento e consequentemente toda a mística de
organização de grupo de famílias é quebrada e passa a se individual.
MST, é uma das principais referências atuais quando se discute as formas modernas
de organização e mobilização camponesas, assim como um importante ator na formulação e
proposição de modelos de agricultura e na luta contra as desigualdades sociais.
A importancia do MST nestas questões se deve ao acúmulo de experiências
implementadas durante seus 26 anos de existência. Sua concepção sobre a reforma agrária, a
formação de quadro para ajudar no debate do modelos de produção agrícola, formuladas a
partir de uma preocupação ambiental aliada à garantia de condições de vida para os
camponeses. Assim a luta se faz por meio das ocupações e dos acampamentos e quando
obtidos os assentamentos, começasse uma nova luta.
O Pontal do Paranapamena tem cada vez mais importancia, pois é um lugar
estratégico e que se faz de uma nova organização, na qual o setores do MST estão ligados em
uma linha politica do país inteiro e não apenas na regional do Pontal, sendo um grande
diferencial.
Assim, o MST tem uma influência determinante no desenvolvimento e modificação
da estrutura agrária em uma determinada região, mudando também nas formas de
organizações e proposições dos camposenes.
47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOGO, Ademar. Lições da letra pela terra. Salvador: Memorial das letras, 1999 COSTA, Emilia Viotti da. Da monarquia a republica. São Paulo: Ed USP, 1992 COSTA, Hélio Roberto Nóvoa da. Discriminação de Terras Devolutas. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2000, p. 68-69. CIRNE, Ruy. Sesmaria e terra devolutas. Porto Alegre: Livraria Solino, 1954 DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra. Relatório 2010 FABRICIO, Graciele. Vozes que rondam: com a palavra, as mulheres sem terra. Dissertação de mestrado em Educação das Ciências. UNIJUÍ. Ijuí, RS, 1999. FELICIANO, Carlos Alberto. Territórios em disputa: Terras (re) tomadas no Pontal do Paranapanema. 2009. 575 f. Tese (Doutorado). Departamento de Geografia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo. FERNANDES, Bernardo Mançano. Espacialização e territorialização da luta pela terra: A formação do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Estado de São Paulo. 1994. 218 f. Dissertação (Mestrado). Departamento de Geografia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo. FERNANDES, Bernardo Mançano, Contribuição ao Estudo do Campesinato Brasileiro Formação e Territorialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST (1979 –1999), 1999, 316 f. (Doutorado em Geografia), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1999, São Paulo. FERNANDES, Bernardo Mançano, MST: formação e territorialização, São Paulo, Hucitec, 1996. FERNANDES, Bernardo M. A Formação do MST no Brasil. Vozes. Petrópolis, 2000 GANCHO, Cândida Vilares; LOPES, Helena de Queiroz Ferreira; TOLEDO, Vera Vilhena. A posse da terra. São Paulo: Ática S. A, 1991 LEAL, Gleison Moreira. Impactos socioterritoriais dos assentamentos do município de Teodoro Sampaio – SP. Presidente Prudente, 2003. Dissertação (Mestrado em Geografia) Programa de Pós–Graduação em Geografia, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista, campus de Presidente Prudente. LEITE, José Ferrari. A ocupação do Pontal do Paranapanema. São Paulo: Hucitec: Fundação UNESP, 1998. PORTO, José da Costa. Formação territorial do Brasil. Brasilia: Fundação Petrônio Portella, 1982
48
OLIVEIRA, Mauro Márcio. Pequenos Agricultores e reforma agrária no Brasil:
Perspectivas e dilemas numa quadra de mudanças. Brasilia: M. M. Oliveira, 1997
ORIGUELA, Camila Ferracini. Formação da REDE DATALUTA: um estudo das
mudanças das ocupações de terras no contexto da questão agrária atual. Relatório
FAPESP, Presidente Prudente, 2010.
FOLHA DE SÃO PAULO JORNAL ONLINE. Disponível em: <www.jusbrasil.com.br/...lei-
11600-03-sao-paulo>. Acesso em: 1 mar 2011.
49
Anexos:
Terras devolutas
A Lei de Terras - Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, define, de forma ainda hoje
aceita, são divididas em quatro pontos; terras devolutas: “Art. 3º São terras devolutas”: §1º As que não se acharem aplicadas a algum uso público, nacional, provincial ou
municipal; § 2º As que não se acharem no domínio particular por qualquer título, nem forem
havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em
comisso por falta de cumprimento das condições de mediação, confirmação e cultura; § 3º As que se acharem dadas por sesmarias ou outras concessões do Governo que,
apesar de incursas em comisso, fossem revalidadas por esta Lei; § “4º As que não se acharem ocupadas por posses que, apesar de não se fundarem em
título legal, forem legitimadas por esta Lei”
Segundo o artigo 3º descrito, são terras devolutas as que não se acharem aplicadas a
algum uso público nacional, provincial ou municipal. As que não se acharem no domínio
particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões
do governo geral ou provincial, não incursas em comisso por falta de cumprimento das
condições de medição, confirmação e cultura. As que não se acharem dadas por sesmarias ou
outras concessões do governo e apesar de não se fundarem em título legítimo, forem
legitimados por esta lei. Refere-se, portanto às terras desocupadas. Áreas sem destinações, algumas vazias à
disposição de qualquer individuo, permanecendo essa definição até hoje. O art. 9º da Lei n.º 4504, de 30 de novembro de 1964 – Estatuto da Terra cuidou do
assunto, quando situou as terras devolutas entre as terras públicas, não se preocupando,
contudo, em explicitar as espécies ou defini-las:
50
“Art. 9º Dentre as terras públicas, terão prioridades, subordinando-se aos fins
previstos nesta Lei, as seguintes”: I - as de propriedade da União, que não tenham outra destinação específica; II - as reservadas pelo Poder Público para serviços ou obras de qualquer natureza,
ressalvadas as pertinentes à segurança nacional, desde que o órgão competente considere sua
utilização econômica compatível com a atividade principal, sob a forma de exploração
agrícola; III - “as devolutas da União, dos Estados e dos Municípios.” Manter e consignar, ainda, que remarque-se, por fim, que as terras devolutas
representam um estágio de transferência do patrimônio público para o privado” Já o artigo 5º do Decreto-lei 9.760/46 tem uma definição mais ampla. Segundo o
dispositivo, seriam devolutas, na faixa de fronteira, nos Territórios Federais e no Distrito
Federal, as terras que, não sendo próprias nem aplicadas a algum uso público federal, estadual
ou municipal, não se incorporarem domínio privado: a) por força da lei n.º 601, 18.09.1850,
Decreto n.º 1.318, de 30.1.1854, e outras leis de decretos gerais, federais e estaduais.
b) em virtude de alienação, concessão ou reconhecimento por parte da União ou dos
Estados;
c) em virtude de lei ou concessão emanada de governo estrangeiro e ratificado ou
reconhecido, expresso ou implicitamente, pelo Brasil, em tratado ou convenção de limites;
d) em virtude de sentença judicial com força de coisa julgada;
e) por se acharem em posse contínua e incontestada com justo título e boa-fé, por
termo superior a 20 anos.
f) por se acharem em posse pacífica e ininterrupta, por 30 anos, independentemente
de justo título e boa-fé;
g) por força de sentença declaratória nos termos do artigo 148 da Constituição
Federal de 1937.14, classificam-se como bens dominicais. (fonte, documento cedido pelo o
itesp) ano?
No Estado de São Paulo, como consignado outrora, consideram-se terras devolutas
municipais as descritas no Decreto Lei Complementar n.º 9, de 31 de dezembro de 1969 (Lei
Orgânica dos Municípios), que dispõe da seguinte forma:
51
Art. 60. Pertencem ao patrimônio municipal às terras devolutas que se localizem
dentro de um raio de 8,0 Km, contados do ponto central da sede do Município, e de 12,
contados da Praça da Sé, no município de São Paulo. Parágrafo único. Integram, igualmente,
o patrimônio municipal as terras devolutas localizadas dentro do raio de 6 km, contados do
ponto central dos seus distritos. Desde a edição de referido diploma legislativo formou-se uma grande celeuma
jurídica no Estado de São Paulo, pois as terras devolutas inseridas no círculo municipal, com
raio de 8 Km, e no círculo distrital, com raio de 6 Km, foram transferidas ao domínio dos
Municípios todavia, estes mesmos municípios foram esquecidos pelo legislador federal
quando da edição da Lei 6.383/76, deixando de mencionar a respeito de sua competência para
promover ações discriminatórias. Sobre o tema, já se manifestaram os tribunais: DISCRIMINATÓRIA - Terras Devolutas - Município - Parte legítima para
demandar - Omissão irrelevante da Lei nº.6.383, de 1976 - Recurso provido para esse fim.
(Apelação Cível n.º 287.101. RJTJESP 63/81 - Rel. Des. Gomes Corrêa). MUNICÍPIO - Terras Devolutas - Ação Discriminatória - Legitimidade para propô-la
- Terras devolutas concedidas aos Municípios paulistas pelo Estado - Irrelevância da omissão
da Lei n.º 6.383, de 1976, não dispondo sobre a aplicação do processo discriminatório às
terras devolutas municipais - Recurso provido para esse fim (Apelação Cível n.º 287.923 -
RJTJESP 67/128 - Rel. Des. Valentim Silva). TERRAS DEVOLUTAS - Ação discriminatória proposta por Prefeitura Municipal -
Indeferimento da inicial “ex vi” do disposto no art. 295, I, e parágrafo único, III do CPC -
Decisão mantida por maioria de votos - Inteligência do Art. 27 da lei 6.383/76”22 (Terra e
Cidadãos; 2000:43). Deste modo, tem-se que a legitimidade para promover ação discriminatória, em
consonância aos dispositivos da Lei 6383/7623, pertence à União e ao Estado, cabendo às
decisões jurisprudenciais dos tribunais paulistas o reconhecimento da legitimidade dos
municípios do Estado de São Paulo (Terra e Cidadãos, 2000:43).
52
22 RT 145/119.
23 Artigo 27 da Lei 6383/76: “O processo discriminatório previsto nesta Lei aplicar-
se-á, no que couber, às terras devolutas estaduais, observado o seguinte: I - Na instância administrativa, por intermédio de órgão estadual específico, ou
através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, mediante convênio; II - Na instância judicial, na conformidade do que dispuser a lei de Organização
Judiciária local.” DO PROCEDIMENTO DISCRIMINATÓRIO Quanto ao procedimento para a extremação das terras particulares, das terras
públicas devolutas, diz-se que será administrativo ou judicial. O procedimento administrativo será iniciado por meio da publicação de um edital de
convocação do particular para que se habilite com os títulos que possuir a fim de que possa a
União ou o Estado-Membro, como autor e parte ao mesmo tempo, examiná-los e ao final,
decidir sobre a separação e extremação do que é devoluto e particular. Tanto o procedimento
discriminatório administrativo quanto o judicial possui três fases, sumamente importantes:
1 a) a fase de convocação/citação dos terceiros interessados;
2 b) a fase contenciosa, na qual se processam a contestação, a produção de
provas, a instrução e finalmente, a publicação de sentença;
3 c) a demarcatória, fase essa meramente administrativa, para o conhecimento
físico e materialização em campo da área discriminada. Pode-se afirmar que o procedimento discriminatório, seja administrativo ou judicial,
é um produto made in Brazil. A ação discriminatória é a única ação no campo do direito que
tem como objeto a extremação das terras particulares das terras públicas devolutas; nenhum
outro país do mundo disciplina semelhante instituto jurídico. FASES DA AÇÃO DISCRIMINATÓRIA (Procedimento Judicial) Fase Citatória
53
O processo discriminatório judicial, de competência da Justiça Federal, será
promovido pelos procuradores judiciais do INCRA, que representarão judicialmente a União,
quando o processo discriminatório administrativo for dispensado ou interrompido por
presumida ineficácia; contra aqueles que não atenderem ao edital de convocação ou à
notificação (artigos 4º e 10 da presente Lei); e quando configurada a hipótese do art. 25 da Lei
n.º 6383/76.
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Para tanto, far-se-ão necessárias as seguintes providências:
a) croqui do perímetro a ser trabalhado;
b) plantas e/ou croquis dos perímetros confrontantes;
c) lançar nas fotos aéreas o croqui do perímetro, fechando as divisas dos mesmos
com base nos perímetros confrontantes, respeitando-se as divisas dos perímetros já
discriminados;
d) consultar todo o material cartográfico disponível, sobre a região, observando-se as
divisas territoriais de distritos e municípios, círculos municipais, estradas e rodovias públicas,
restrições ambientais, limites dos terrenos de marinhas etc.;
e) em se tratando de perímetro no qual houve desistência ou improcedência da ação,
preliminarmente coletar os elementos fundamentais do processo anterior, observando os
motivos pelos quais a Fazenda do Estado desistiu da ação, o despacho referente à desistência
ou a sentença que julgou a improcedência.
De posse dos elementos colhidos nos procedimentos mencionados neste item,
proceder-se-á às seguintes atividades:
Técnicas:
a) cadastro da malha fundiária do perímetro;
b) coleta de documentos;
c) elaboração de over-lay (planta preliminar);
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Jurídicas:
a) análise dos documentos apresentados;
b) busca em cartório dos documentos relativos a cada imóvel (gleba) retroagindo, se
possível, a 1916;
c) elaboração das cadeias sucessórias dos imóveis;
d) elaboração e revisão do rol de ocupantes com base nos documentos apresentados.
Lei de terras (1850-1856) A edição da lei de terras era pressionada pela cessação
legal do tráfico legal de escravos (legislação de 7 de outubro de 1850), pois era urgente a
identificação de terras destinadas à colonização de mão de obra livre estrangeira.
Segundo Inácio Pinto (2002: 05):
Não é possível pensar a Lei de Terras brasileira de 1850, sem analisar o contexto geral das mudanças
sociais e políticas ocorridas nesta primeira metade de século. No cenário mundial, os países europeus, como
França e Inglaterra, haviam sofrido um grande processo de modernização tanto política como econômica nestes
últimos cinquenta anos: eram as grandes potências mundiais e viviam a euforia da sociedade capitalista. Nesse
quadro, a historiadora Emília Viotti da Costa considera que o desenvolvimento capitalista atuou diretamente
sobre o processo de reavaliação política de terras em diferentes partes do mundo. No século XIX, a terra passou
a ser incorporada à economia comercial, mudando a relação do proprietário com este bem. A terra, nessa nova
perspectiva, deveria transformar-se em uma valiosa mercadoria, capaz de gerar lucro tanto por seu caráter
específico quanto pela sua capacidade de produzir outros bens.4 Procurava-se dar à terra um caráter mais
comercial, e não apenas de status social, como fora típico nos engenhos do Brasil Colonial.
Além disso, existia verdadeira complexidade no sistema dominial, cuja indefinição
exigia a edição de diploma legislativo para colocar cobro no verdadeiro caos então existente,
como podemos ver a seguir:
1 • Sesmarias concedidas antes de 1822, confirmadas e reconhecidas por Lei;
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2 • Sesmarias concedidas antes de 1822, mas não confirmadas por falta de
ocupação, demarcação ou produção. Não eram reconhecidas como propriedade plena, mas
poderiam ser reconhecidas como propriedade pela Lei Imperial, desde que em 1850
estivessem ocupadas e em produção;
3 • Glebas ocupadas por simples posse. Não eram propriedades, mesmo que
houvesse algum reconhecimento anterior a 1850. Em determinadas condições poderiam ser
reconhecidas como propriedade, desde que o Governo as legitimasse segundo a Lei Imperial;
4 • Terras ocupadas para algum uso da Coroa, ou governo local como praças,
estradas, escolas, prédios públicos etc., que foram reconhecidas como de domínio público;
5 • Terras sem ocupação, que passaram a ser consideradas terras devolutas e,
portanto, somente reconhecida a concessão posterior, segundo os critérios da própria lei;
COSTA, Emília Viotti da. Política de terras no Brasil e nos EUA. In: “Da Monarquia
a República”. p. 127. 22
1 • Terras ocupadas por povos indígenas. O reconhecimento anterior foi
confirmado pela lei 601/1850.
No dia 18 de setembro de 1850, finalmente, foi promulgada a Lei n.º 601, sendo
posteriormente regulamentada pelo Decreto n.º 1318, de 30 de janeiro de 1854.
“A finalidade precípua da Lei de Terras e de seu Decreto Regulamentador foi
legalizar a irregular situação dos sesmeiros e concessionários inadimplentes, e dos posseiros
não amparados em qualquer título legal. Contrapondo-se ao sistema anterior, que possibilitou
a formação de latifúndios, a Lei n.º 601 possibilitou a legalização da pequena propriedade,
surgido com o regime das posses instaurado em 1822.Além de definir o que eram terras
devolutas, a Lei de Terras:
1 a) proibiu a aquisição de terras devolutas por outro título que não o de compra;
2 b) tratou da revalidação das sesmarias e outras concessões;
3 c) estabeleceu a legitimação das posses mansas e pacíficas;
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4 d) autorizou a venda de terras devolutas em hasta pública (leilão) ou fora dela,
sendo obrigatória a demarcação, medição, etc.
O art. 1º da lei de terras vedava a concessão gratuita de terras, impondo que, só por
meio de alienação onerosa as terras devolutas seriam desmembradas do patrimônio público.
O art. 2º tratava dos danos ambientais (prevenção contra depredação de florestas e
outros)6.
O art. 3º definia terras devolutas, como se observará adiante.
COSTA, Hélio Roberto Nóvoa da. Discriminação de Terras Devolutas. São Paulo:
Livraria e Editora Universitária de Direito, 2000, p. 52. 6 “Art. 2º. Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nela derribarem
matos, ou lhes puserem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de benfeitorias, e demais
sofrerão a multa de dois a seis meses de prisão e multa de 100$000, além da satisfação do
dano causado. Esta pena, porém, não terá lugar nos atos possessórios entre os heréus
confinantes.”23
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O art. 4º tratava da revalidação das sesmarias. Mesmo aquele que deixasse de medir
sua sesmaria ou concessão, poderia manter sua cultura efetiva e morada habitual.
O art. 5º tratava da revalidação da posse. Reconhecia aos sesmeiros e posseiros o
direito de área devoluta igual à área efetivamente cultivada, assim como a indenização
daquele ocupante que não revalidara sua posse.
O art. 6º previa que simples roçados, derrubada e queima de mato ou campo,
levantamentos de ranchos não caracterizavam princípio de cultura.7
O art. 7º cuidava da medição da área. A medição é uma condição implícita na
concessão, pois é por intermédio dela que a posse se efetiva.8
O art.8º dispunha sobre a manutenção da área efetivamente cultivada, mesmo aquele
inadimplente com suas obrigações.9
O art. 10 estabelecia a obrigação de o Governo extremar (discriminar) o domínio
público do particular. Para isso instituiu a figura do Juiz Comissário das Medições, cuja
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atribuição era medir, por requerimento e à custa dos interessados, terras integrantes de
sesmarias e concessões revalidáveis e das posses legitimáveis. Suas ações previam a interface
entre o administrativo e o judicial.
O art. 11 tratava das sanções pela não medição ou providência de requerimento do
título. Porém, o art. 8º anulava este, visto que tais obrigatoriedades não existiam.10
O art. 12 dispunha sobre as terras reservadas, de uso especial.
7 “Art. 6º. Não se haverá por princípio de cultura para a revalidação das sesmarias ou
outras concessões do Governo, nem para a legitimação de qualquer posse, os simples roçados,
derribadas ou queimas de matos ou campos, levantamentos de ranchos e outros atos de
semelhante natureza, não sendo acompanhados da cultura efetiva e morada habitual exigidas
no artigo antecedente.” 8 “Art. 7º. O Governo marcará os prazos dentro dos quais deverão se medidas as
terras adquiridas por posses ou sesmarias ou outras concessões, que estejam por medir, assim
como designará e instruirá as pessoas que devem fazer a medição, atendendo às circunstâncias
de cada Província, comarca e município, e podendo prorrogar os prazos marcados, quando o
julgar conveniente, por medida geral que compreenda todos os possuidores da mesma
Província, comarca e município, onde a prorrogação convier”. 9 “Art. 8º. Os possuidores que deixarem de proceder à medição nos prazos marcados
pelo Governo serão reputados caídos em comisso, e perderão por isso o direito que tenham a
serem preenchidos das terras concedidas por seus títulos, ou por favor da presente Lei,
conservando-o somente para serem mantidos na posse do terreno que ocuparem com efetiva
cultura, havendo-se por devoluto o que achar inculto.” 10 “Art. 11. Os posseiros serão obrigados a tirar títulos dos terrenos que lhes ficarem
pertencendo por efeito desta Lei, e sem eles não poderão hipotecar os mesmos terrenos, nem
aliená-los por qualquer modo. Estes títulos serão passados pelas Repartições provinciais que o
governo designar, pagando-se 3$000 de direitos de Chancelaria pelo terreno que não exceder
de um quadrado de 300 braças por lado, e outro tanto por cada igual quadrado que de mais
contiver a posse; e além disso 4$000 de feitio, sem mais emolumentos ou selo”.24
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Embora o objetivo da Lei de Terras do Império não tenha sido alcançado, legou ela a
definição de terra devoluta. Extinta sua eficácia, não se extinguiu sua influência.