Upload
haanh
View
213
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
O AFETO COMO VALOR JURÍDICO: UMA ANÁLISE A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
LANA CAROLINE BARBIERI
Itajaí, junho de 2010
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
O AFETO COMO VALOR JURÍDICO: UMA ANÁLISE A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
LANA CAROLINE BARBIERI
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito. Orientadora: Professor Msc. Denise Schmitt Siqueira Garcia
Itajaí, junho de 2010
AGRADECIMENTO
Agradeço primeiramente a Deus, que me deu todo
discernimento necessário para que eu conseguisse
concluir o presente trabalho, pois não foi uma tarefa
fácil, dou também os meus sinceros agradecimentos
aos meus familiares, que sempre me apoiaram,
sempre acreditaram na minha capacidade, nunca
permitindo que eu desistisse de realizar esse sonho,
em especial a minha mãe Nina, ao meu pai José
Antônio, ao meu namorado Anderson, e aos meus
irmãos Nando e Lais, que conseguiram compreender
quando eu pedia silêncio para poder estudar,
quando eu dizia não aos convites para sair, muito
obrigada. Agradeço igualmente aos meus amigos
Fabian, Gabriela e Giuliano, que estão desde o início
desta jornada ao meu lado, e que com certeza nada
teria sido tão maravilho como foi se eu não tivesse
contado com a presença, o carinho e a amizade
deles. Agradeço profundamente a minha professora
e orientadora Denise, que me deu todo o auxílio
necessário para que eu concluísse esta pesquisa. A
todos os citados, muito obrigada.
DEDICATÓRIA
Dedico o presente trabalho de conclusão de curso a
duas pessoas especiais e essenciais na minha vida,
sendo que uma me deu a vida e a outra me ensinou
a vivê-la da melhor maneira possível, que é amando.
Essas duas pessoas indispensáveis para a minha
existência e que foram de suma importância para
que eu chegasse até aqui, é a minha mãe Nina,
pessoa iluminada por Deus, e que nos momentos
difíceis, quando pensei em desistir, bastou apenas
um olhar dela para que eu ficasse cheia de força
para seguir em frente, e a outra pessoa é o meu
namorado Anderson, que me fez reaprender a viver,
e que permaneceu todo este tempo ao meu lado, me
dando todo o incentivo necessário para que eu
transformasse este sonho em realidade. Mãe e
Ander, esta realização é dedicada a vocês, pessoas
que são a razão do meu viver.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí, junho de 2010
Lana Caroline Barbieri Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Lana Caroline Barbieri, sob o título O
Afeto como Valor Jurídico: Uma Análise a Filiação Socioafetiva, foi submetida em 07
de junho de 2010 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:
Denise Schmitt Siqueira Garcia, orientadora, Marisa Schmitt Siqueira Mendes,
examinadora, e aprovada com a nota:
Itajaí, junho de 2010
Professora Msc. Denise Schmitt Siqueira Garcia Orientadora e Presidente da Banca
Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Família
(...) o conjunto de pessoas com o mesmo domicílio ou residência, e identidade de
interesses materiais e morais, integrado pelos pais casados ou em união estável, ou
por um deles e pelos descendentes legítimos, naturais ou adotados. 1
Casamento
Casamento é o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do
homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações
sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência. 2
União Estável
(...) consiste a união estável na ligação entre o homem e a mulher, sem casamento.
Por outras palavras, é a ausência de casamento para aqueles que vivem como
marido e mulher. O conceito generalizado de união estável tem sido invariavelmente
o de vida prolongada em comum, com aparência de casamento. 3
Família Monoparental
É a família formada por qualquer dos pais e seus filhos.
Família Eudemonista
Surgiu um novo nome para esta nova tendência de identificar a família pelo seu
envolvimento afetivo: família eudemonista, que busca a felicidade individual vivendo
um processo de emancipação de seus membros. 4
Família Anaparental
1 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 12.
2 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família. v. 6. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 19.
3 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 30.
4 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 48.
A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não-parentes, dentro de
uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da
existência de uma entidade familiar a merecer o nome de família anaparental.5
Família Homoafetiva
É a união de pessoas do mesmo sexo, que estão ligadas pelo afeto, uma vez que
essa união não está regularizada, não encontra amparo legal.
Filiação
(...) a filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais. Estabelecendo-se entre
pessoas das quais uma descende da outra. 6
Filiação Biológica
A filiação biológica ou natural, é aquela que se fixa por meio de um vínculo de
consangüinidade, entre uma pessoa e seu descendente em linha reta do 1° grua.7
Filiação Assistida
(…) é um conjunto de técnicas que tem a finalidade de provocar a gestação, que
devido a uma deficiência no processo reprodutivo, será mediante a substituição ou a
facilitação de alguma etapa.8
Filiação Adotiva
(…) modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural. Daí ser
também conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica,
mas de manifestação de vontade. 9
Filiação Socioafetiva
5 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 47.
6 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 315.
7 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. v. 7. coordenação: Águida Arruda Barbosa e Claudia Stein Vieira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.202.
8 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 202-203.
9 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. V. 6. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 327.
(…) socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse de estado de filho: a
crença da condição de filho fundada em laços de afeto.10
Posse de Estado de Filho
(…) é aquela relação afetiva íntima e duradoura, que decorre de circunstâncias de
fato, situação em que uma criança usa o patronímico do pai, por este é tratado como
filho, exercitando todos os direitos e deveres inerentes a uma filiação, o criando, o
amando, o educando e o protegendo, e esse exercício é notório e conhecido pelo
público.11
Afeto
O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da
convivência familiar e não do sangue.12
10
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 338.
11 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 85-86.
12 LOBO, Paulo Luiz Netto. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Familia: Afeto, Ática, Família e o Novo Código Civil. coordenação: Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 513.
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................... XI
INTRODUÇÃO .................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 ....................................................................................... 4
FORMAÇÃO DA FAMÍLIA .................................................................. 4
1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE A FORMAÇÃO DA FAMÍLIA. ................................................................................................................ 4
1.2 CONCEITO DE FAMÍLIA. .............................................................................. 10
1.3 FAMÍLIAS CONSTITUCIONAIS. ................................................................... 16
1.3.1 Casamento ................................................................................................. 16
1.3.2 União estável ............................................................................................. 23
1.3.3 Família monoparental ............................................................................... 27
1.4 OUTRAS FORMAS DE FAMÍLIA. ................................................................. 31
1.4.1 Família homoafetiva .................................................................................. 31
1.4.2 Família anaparental ................................................................................... 35
1.4.3 Familia eudemonista ................................................................................. 36
CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 38
DA FILIAÇÃO ................................................................................... 38
2.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ......................................................... 38
2.2 CONCEITO DE FILIAÇÃO ............................................................................. 43
2.3 FORMAS DE FILIAÇÃO ................................................................................ 55
2.3.1 Biológica .................................................................................................... 55
2.3.2 Assistida .................................................................................................... 56
2.3.3 Adotiva ....................................................................................................... 59
CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 65
O AFETO COMO VALOR JURÍDICO ............................................... 65
3.1 RECONHECIMENTO DO AFETO ................................................................. 65
3.2 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA ........................................................................... 70
3.3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ..................................................................... 77
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 86
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 88
RESUMO
A presente monografia é o resultado de um estudo
aprofundado acerca do Valor Jurídico do Afeto, mais especificamente no tocante a
Filiação Socioafetiva, realizado sob uma perspectiva teórica, a luz da doutrina, da
legislação e da jurisprudência. Objetiva-se com esta pesquisa, verificar se o Afeto
tem ou não Valor Jurídico, bem como, se a Filiação Socioafetiva possui força frente
a Filiação biológica, para tanto, será realizado um estudo sobre a formação das
famílias antigas, chegando-se as famílias autuais e suas várias formas de
constituição. Em seguida tratarse-á sobre a Filiação e suas formas, onde poderá ser
observado que com o advento da Constituição Federal de 1988, todas estas formas
de Filiação estão no mesmo patamar de igualdade, eis que não mais se admite
qualquer discriminação em relação a eles. Por fim, uma pesquisa em relação ao
reconhecimento do Afeto, da Filiação Socioafetiva, bem como uma análise
jurisprudencial acerca do assunto em questão. A Metodologia empregada na Fase
de Investigação foi o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o Método
Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é
composto na base lógica Indutiva.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto O Afeto como Valor
Jurídico: Uma Análise a Filiação Socioafetiva.
O seu objetivo é pesquisar se a Filiação Socioafetiva possui
força frente a filiação biológica, verificando assim, qual posicionamento
jurisprudencial acerca do presente tema, bem como, identificar as mudanças
ocorridas no instituto da família com o advento da Constituição Federal de 1988,
mais especificamente no tocante a filiação e ao reconhecimento do afeto.
Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando da Formação
da Família, realizando-se uma breve consideração histórica acerca de sua formação,
onde pode ser observado que ocorreram grandes mudanças após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, estabelecendo-se o seu conceito atual, e
posteriormente, elencando quais as formas de família, não apenas as amparadas
pela Cosntituição Federal, mas também aquelas contemporâneas, merecedoras de
amparo legal.
No Capítulo 2, tratando Da Filiação, iniciando-se com as suas
considerações introdutórias, verificando-se mais uma vez as inúmeras inovações
trazidas com a nova Cosnstituição Federal, abordando-se ainda as diversas formas
de filiação existentes.
No Capítulo 3, tratando do Afeto como Valor Jurídico,
discorrendo-se acerca do reconhecimento da afetividade, reconhecimento este que
passou a existir e a ter valor jurídico a partir da Constituição Federal de 1988,
demonstrando-se o que vem a ser a Filiação Socioafetiva, filiação esta fundada nos
laços de afeto, e realizando-se uma análise jurisprudencial acerca do presente
assunto, para que se posse identificar o verdadeiro valor jurídico dessas relações
paterno filial calcadas no afeto.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o Valor
Juríco do Afeto no tocante a Filiação Socioafetiva.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
A partir do reconhecimento da união estável que é constituída
pela afetividade, é necessário reconhecer que a Constituição Federal de 1988
legitimou o afeto, concedendo-lhe efeitos jurídicos. Partindo daí, o afeto passou a
merecer tutela jurídica não só nas relações interpessoais como também nos vínculos
de filiação.
A Filiação Socioafetiva, é aquela em que não se leva em conta
os laços consanguíneos ou biológicos, mas sim os laços de amor, carinho,
dedicação, é aquela que une pais e filhos pelo simples vínculo afetivo.
Atualmente tem-se verificado grande aumento reconhecimento
da Filiação Socioafetiva nos Tribunais, onde os laços de amor e afeto tem obtido
força frente a filiação biológica.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação13 foi utilizado o Método Indutivo14, na Fase de Tratamento de Dados o
Método Cartesiano15, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente
Monografia é composto na base lógica Indutiva.
13
“[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.
14 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.
15 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas
do Referente16, da Categoria17, do Conceito Operacional18 e da Pesquisa
Bibliográfica19.
16
“[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), mais especificamente em relação a filiação e ao reconhecimento do afeto do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.
17 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.
18 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.
19 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.
4
CAPÍTULO 1
FORMAÇÃO DA FAMÍLIA
1.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE A FORMAÇÃO DA
FAMÍLIA.
Este capítulo se iniciará com uma breve consideração histórica
sobre a formação da família, onde será possível observar que as crenças e
costumes das famílias antigas diferem muito da família atual. Terá como base a obra
A Cidade Antiga de Fustel de Coulanges.
As famílias antigas não tinham seus princípios baseados
unicamente na geração e no afeto natural, pois o nascimento e o afeto não eram
base para a formação da família grega e romana, e sim a associação religiosa.20
O que unia os membros da família antiga era algo mais poderoso que o nascimento, o sentimento ou a força física: e esse poder se encontra na religião do lar e dos antepassados. A religião fez com que a família formasse um só corpo nesta e na outra vida. 21
Havia no centro das casas dessas famílias antigas um altar, no
qual a família se reunia em torno para fazer suas preces ao fogo sagrado, e nos
pátios dessas casas encontrava-se a segunda morada dessas famílias, onde existia
o túmulo de varias gerações de seus antepassados. 22
Em certos dias, determinados pela religião doméstica de cada família, os vivos reúnem-se aos antepassados, levam-lhes o banquete fúnebre, derramam sobre eles leite e vinho, oferecem guloseimas e frutas ou queimam para eles as carnes de alguma
20
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Trad. Jean Melville. São Paulo: Marin Claret. 2002. p. 44-45.
21 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 45.
22 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 44.
5
vitima. Em troca dessas oferendas invocam sua proteção; tratam-nos por seus deuses e pedem-lhes que tornem seu campo fértil, a casa próspera, os corações virtuosos. 23
Em contrapartida, se interrompidas essas oferendas, esses
mortos passariam a ser demônios. Cada família possuía seus ritos religiosos, seus
hinos, havendo assim uma religião doméstica. 24
As cerimônias dos casamentos antigos, mais precisamente os
gregos, possuíam três fases, sendo a primeira realizada no lar do pai:25
Na casa paterna, na presença do pretendente, o pai, rodeado ordinariamente de sua família, oferece o sacrifício. Terminado este, pronunciando certa formula sacramental, declara dar sua filha ao rapaz. Essa declaração é absolutamente indispensável no casamento, pois a jovem não poderia adorar o lar do esposo, enquanto o pai não a tivesse antes desligado do lar paterno. Para entrar em sua nova religião, deve estar livre de todo o lar e de todo vinculo com sua primitiva religião. 26
A segunda fase do casamento grego era a passagem da casa
paterna para a casa do marido:
A jovem é levada à casa do marido. Às vezes é o próprio marido quem a conduz. Em algumas cidades, o encargo de conduzir a jovem cabe a um desses homens que entre os gregos tinham caráter sacerdotal, chamados arautos. Ordinariamente a moça segue de carro, tendo o rosto coberto com um véu e levando uma coroa à cabeça. A coroa era de uso em todas as cerimônias de culto. O vestido é branco, pois o branco era a cor dos vestidos em todos os atos religiosos. Alguém a precede, levando um archote, o archote nupcial. 27
Ainda na segunda fase do casamento grego, ocorriam outros
atos, como por exemplo, o fato do marido simular um rapto, carregando a jovem
23
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 44.
24 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 52-53.
25 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 48.
26 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 48.
27 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 48.
6
casa adentro, pois não era permitido que a moça entrasse na nova casa por si
mesma. 28
A última fase da cerimônia do casamento grego era realizada
na casa do marido:
Diante do fogo sagrado, a esposa é colocada em presença da divindade doméstica. É aspergida com a água lustral e toca o fogo sagrado. São proferidas orações depois, os dois esposos dividem entre si um bolo, um pão e algumas frutas. Essa espécie de ligeira refeição, que começa e termina por uma libação e uma oração, essa partilha de alimento diante do fogo sagrado coloca os dois esposos em comunhão religiosa entre si e em comunhão com os deuses domésticos. 29
Para a mulher o casamento era algo de muita importância, algo
que acabava fazendo com que ela mudasse de religião, dessa forma passando a
adorar outros deuses, pois não era permitido pertencer a dois lares, sendo assim,
ela deixava de pertencer a religião doméstica de seus pais para pertencer a religião
doméstica de seu marido. 30
A mulher casada tem ainda o culto dos mortos; mas já não é aos antepassados que essa mulher oferece o banquete fúnebre, pois não mais tem esse direito. O casamento desligou-a por completo da família do pai e quebrou todas as ligações religiosas com ela. Agora, é aos antepassados de seu marido que vai levar a oferenda, agora que são de sua família e se tornaram seus antepassados. O casamento deu-lhe segundo nascimento. 31
A dissolução do casamento só era possível mediante uma nova
cerimônia religiosa, pois acreditava-se que como a religião havia unido o casal,
apenas ela teria o poder de separa-los. 32
Os dois esposos, ao quererem separar-se, apresentavam-se pela ultima vez diante do fogo comum, presentes um sacerdote e
28
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 49.
29 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 49.
30 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p.46-50.
31 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 51.
32 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 51-52.
7
testemunha. Apresentava-se aos dois esposos, como no dia do casamento, um bolo de flor de farinha. Mas, provavelmente, em vez de comê-lo, rejeitavam-no. Depois, no lugar de preces, pronunciavam fórmulas “de um caráter estranho, severo, odiento e terrível”, espécie de maldição pela qual a mulher renunciava ao culto e aos deuses do marido. A partir desse momento o laço religioso estava rompido. 33
Um motivo importante para a dissolução do casamento seria a
esterilidade da mulher, já que o casamento era apenas um meio para a perpetuação
da família. Em caso de esterilidade por parte do marido, não era isso motivo para
dissolução do matrimonio, pois nesse caso outras regras eram estabelecidas. 34
Em casamento estéril por causa do marido, não era menos imperiosa, para a família, sua continuação. Então um irmão ou parente do marido devia substituí-lo, e a mulher era obrigada a entregar-se a esse homem. A criança nascida dessa ligação seria considerada como filha do marido e continuadora do seu culto. 35
Nestes tempos remotos, a família teria sua continuação por
meio de seus filhos homens, pois estes eram os únicos que poderiam dar
seguimento aos seus cultos, havendo assim uma grande desigualdade entre o filho
homem e a filha mulher. Devido a isto, o celibato era algo proibido, tanto por lei
como pela religião. 36
(...) o celibato devia ser considerado como impiedade grave e desgraça: impiedade, porque o solteiro punha em risco a felicidade dos manes de sua família; desgraça, pois ele próprio não receberia nenhum culto depois de sua morte e não conheceria assim “aquilo que da prazer aos manes”. Seria, ao mesmo tempo, tanto para si como para os seus antepassados, uma espécie de maldição. 37
Quando um casal não possuía filhos, era concedido a estes o
direito a adoção, pois sem filhos esta família não poderia dar continuidade as
cerimônias fúnebres. 38
33
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 52.
34 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 55-56.
35 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 56.
36 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 54-58.
37 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 54.
38 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 58-60.
8
A adoção era, pois, zelar pela continuidade da religião domestica, pela salvação do lar, pela continuidade das oferendas fúnebres, pelo repouso dos manes dos antepassados. A adoção justificava-se apenas pela necessidade de prevenir a extinção de um culto, e só se permitia a quem não tinha filhos. 39
O parentesco nessas antigas gerações não se dava por meio
de laços de sangue, e sim pela prática do mesmo culto religioso, esses parentes
então eram chamados agnados, porém, não havia parentesco por parte da mulher.
40
“Dois homens poderiam dizer-se parentes se tivessem os
mesmo deuses, o mesmo lar, as mesmas oferendas fúnebres”. 41
Com relação ao direito de propriedade, este também tinha seus
princípios baseados na religião, pois os túmulos onde eram realizadas as oferendas
fúnebres, não podiam ser destruídos nem deslocados, deste modo, não podendo as
famílias saírem da terra onde tinham seus antepassados enterrados. 42
A família tomou posse desta terra colocando nela os seus mortos, e fixando-se ai para sempre. O descendente vivo dessa família pode dizer legitimamente: esta terra é minha. E tal modo lhe pertence que lhe é inseparável, e nem ele mesmo tem o direito de renunciar à sua posse. O solo onde repousam os mortos converte-se em propriedade inalienável e imprescritível. 43
Como visto anteriormente, o filho varão era quem dava
continuidade a religião domestica de sua família, e devido a isso, este era o herdeiro
necessário, este herdava de pleno direito, pois a filha mulher não podia cumprir o
dever de um herdeiro, que era continuar com os sacrifícios fúnebres de seus
39
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 59.
40 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 61-62.
41 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 61.
42 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 65-69.
43 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 70.
9
antepassados, isto porque ao casar-se pertenceria a religião domestica de seu
marido.44
(...) em primeiro lugar herdavam os filhos, como herdeiros diretos que eram; não havendo filhos, herdavam os agnados (parente por linha masculina) e, na falta destes os demais membros das gens. 45
Em busca de um meio para que a filha mulher pudesse
desfrutar da fortuna de seu pai, a lei acabou por autorizar o casamento entre irmãos.
46
A legislação ateniense visava manifestamente a que a filha, não sendo herdeira, pudesse ao menos casar com o herdeiro. Se, por exemplo, o falecido deixava um filho e uma filha, a lei autorizava o casamento da irmã com o irmão, desde que não tivesse nascido da mesma mãe. 47
Este tipo autorização, que permitia o casamento entre irmãos e
entre agnados, também se dava para que a herança ficasse na mesma família. 48
(...) a fortuna de uma rica herdeira que se casa passa ao marido dela, quer dizer, a outra gens, com o que se destrói todo o fundamento do direito gentílico; dessa forma, não apenas se terá por lícito mas ainda por obrigatório, nesse caso, o casamento da jovem núbil no seio da sua gens, para evitar a saída das riquezas. 49
Para um melhor entendimento da formação das famílias
antigas, se faz necessário compreender o que vem a ser a gens, que para os
romanos, seu significado tinha ligação com origem comum, e nada mais era, que a
própria família. 50
44
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 78-82.
45 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Trad. Ruth M. Klaus. 3 ed. São Paulo: Centauro. 2006. p. 126.
46 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 83.
47 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 83.
48 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 103-104.
49 ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. p. 103.
50 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 109-116.
10
Do que foi dito, conclui-se não ser a gens associação de famílias, mas a própria família. Podia indiferentemente compreender uma única linhagem ou produzir ramos numerosos, mas não deixaria de ser uma só família. 51
Assim, os membros das gens eram aqueles que muitas vezes
não tinham laços de sangue, mas adoravam um antepassado em comum, assim
pertencendo a mesma religião doméstica. 52
Deste modo, verifica-se que a formação e continuação das
famílias antigas, eram estabelecidas por meio da religião, e esta também ditava as
regras para o direito a propriedade, o direito sucessório, bem como em tantos outros
casos. As leis existiam, mas a religião sempre se sobrepunha a elas, assim, se pode
concluir que as mudanças foram muitas, pois nos tempos atuais são as leis que nos
direcionam e não a religião.
1.2 CONCEITO DE FAMÍLIA.
Como visto anteriormente, a família, em todos os seus
aspectos, sofreu grandes modificações ao longo do tempo, sendo assim, para um
melhor entendimento deste capítulo, se faz necessário identificar o conceito de
família, pois o mesmo também passou por alterações.
Em tempos remotos, o direito romano reconhecia dois tipos de
família, a família jure próprio, e a família communi júri, sendo a família jure próprio, o
grupo de pessoas submetidas a uma única autoridade.53
O termo família exprimia a reunião de pessoas colocadas sob o poder familiar ou o mando de um único chefe – o pater familias, que era o chefe sob cujas ordens se encontravam os descendentes e a mulher, a qual era considerada em condição análoga a uma filha.
51
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 117.
52 COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. p. 112-119.
53 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 10.
11
Submetiam-se a ele todos os integrantes daquele organismo social: mulher, filhos, netos, bisnetos e respectivos bens. 54
Já a família communi jure, era a união de pessoas ligadas pelo
parentesco civil do pai, pois o parentesco por parte da mulher não era considerado,
sendo assim, apenas considerava-se a família patriarcal propriamente dita. 55
Esta concepção patriarcal, era igualmente dominante entre os
gregos.
(...) a família grega antiga, disciplinada por direito não escrito, é o grupo social, político, religioso e econômico, com sede na casa em que reside o ancestral mais velho, chefe da família investido de poderes absolutos e sacerdotais, que mantém a sua unidade e dispõe das pessoas e dos bens, e conserva a religião doméstica, transmitindo-o às novas gerações e às que a ela passam a pertencer, bem como, através do casamento de seus descendentes, com pessoas por eles escolhidas (...). 56
Ainda neste sentido, nosso Código Civil de 1916 guardou
traços profundos dessas famílias antigas, onde o poder patriarcal era dominante,
sendo a mulher e os filhos submissos à autoridade paterna. 57
“Nosso Código Civil de 1916 foi fruto direto dessa época. Os
filhos submetiam-se à autoridade paterna, como futuros continuadores da família,
em uma situação muito próxima da família romana”. 58
O conceito de família que predominava anteriormente a
Constituição da República Federativa do Brasil59 de 1988, era a que abrangia
apenas o grupo oriundo do casamento, pois seria este o único a apresentar a
moralidade e a estabilidade necessária ao preenchimento de sua função social,
54
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 10.
55 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 10.
56 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 10.
57 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. V. 6. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 29.
58 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 29.
59 Ao decorrer da pesquisa será citada apenas como Constituição Federal.
12
havendo assim, grande distinção de valores entre a família legítima e a família
ilegítima (união estável).60
A sociedade só aceitava a família constituída pelo matrimônio, por isso a lei regulava somente o casamento, as relações de filiação e o parentesco. O reconhecimento social dos vínculos afetivos formados sem o selo da oficialidade fez as relações extramatrimoniais ingressarem no mundo jurídico por obra da jurisprudência, o que levou a Constituição Federal a albergar no conceito de entidade familiar o que chamou de união estável. 61
Após o advento da Constituição Federal de 1988, o conceito de
família se ampliou, passando assim, a abranger como família não só o grupo
estabelecido pelo matrimônio, mas igualmente as uniões sem casamento, deste
modo, reconhecendo a união estável, e até mesmo as chamadas famílias
monoparentais. 62
Assim a família que realiza a função de célula da sociedade e que, por isso, “tem especial proteção do Estado” (art. 226, caput), tanto é aquele que provém do casamento, como a que resulta da “união estável entre o homem e a mulher“ (art. 226, § 3º), assim como a que se estabelece entre “qualquer dos pais e seus descendentes”, pouco importando a existência, ou não, de casamento entre os seus genitores (art. 226, § 4º). 63
Mesmo em tempos atuais, são vários os conceitos existentes
para definir a família:
Ora significa o conjunto das pessoas que descendem de tronco ancestral comum, tanto quanto essa ascendência se conserva na memória dos descendentes; ou nos arquivos, ou na memória dos estranhos, ora o conjunto de pessoas ligadas a alguém, ou a um casal, pelos laços de consanguinidade ou de parentesco civil; ora o conjunto das mesmas pessoas, mais os afins apontados por lei; ora o
60
GOMES, Orlando. Direito de Família. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 34.
61 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 1 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.31.
62 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 23.
63 GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 34.
13
marido e a mulher, descendentes e adotados; ora, finalmente, marido, mulher e parentes sucessíveis de um e de outra. 64
O significado de família dividi-se em três acepções, sendo:
amplíssima, lata e estrita. 65
“No sentido amplíssimo o termo abrange todos os indivíduos
que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a
incluir estranhos (...)”. 66
Em acepções lata, família significa:
(...) conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar. Nesse sentido, compreende os ascendentes, descendentes e colaterais de uma linhagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que se denominam parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se o cônjuge, que não é considerado parente. 67
E por fim, o significado estrito:
(...) limita-se aos cônjuges e seus descendentes, englobando, também, os cônjuges dos filhos. Designa a palavra família mais estritamente ainda o grupo composto pelos cônjuges e filhos menores. 68
Em busca de uma melhor definição para a família, a legislação,
com base nas acepções acima referidas, se reporta a alguns critérios, sendo o
primeiro, o critério sucessório: 69
Pelo critério sucessório a família constitui o grupo formado pelos cônjuges e parentes próximos. Determina a lei que uns sucedem aos outros, no pressuposto de que se acham unidos pelo vínculo familiar.
64
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 11.
65 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. 5. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.p. 9.
66 MONTEIRO, Washington de Barros apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. p. 9.
67 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 16.
68 GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 33.
69 GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 35.
14
Compreenderia, nestas condições, todos os parentes em linha reta, inclusive os afins e os colaterais até o quarto grau. 70
Prosseguindo, outro critério é o alimentar: 71
“Para efeitos alimentares consideram-se família os
ascendentes, os descendentes e os irmãos (CC, arts. 1.695 a 1.697)”. 72
Neste mesmo sentido, segue o critério da autoridade:
Pelo critério da autoridade a família restringe-se a pais e filhos, pois nela se manifesta o poder familiar, ou seja, as autoridades paterna e materna, que se fazem sentir na criação e educação dos filhos. 73
Outro critério utilizado para definir a palavra família, é o fiscal:
Pelo critério fiscal, em relação ao imposto de renda, a família reduz-se ao marido, à mulher, aos filhos menores, aos maiores inválidos ou que frequentam a universidade às expensas do pai, até a idade de 24 anos, às filhas enquanto solteiras e ao ascendente inválido que vivam sob a dependência econômica do contribuinte, e aos filhos que morem fora do ambiente doméstico, se pensionados em razão de condenação judicial. 74
E por último, o critério previdenciário:
Para efeitos previdenciários a família abrange o casal, os filhos até 18 anos ou inválidos e as filhas solteiras de qualquer condição, menores de 18 anos ou inválidos, incluindo convivente do trabalhador, inclusive em concorrência com os filhos. 75
Tais critérios, se analisados separadamente, não formam
elementos que bastem para o melhor entendimento do que vem a ser família, mas
pode-se destacar seu sentido técnico, onde a família é considerada um grupo
70
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 35.
71 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. p. 11.
72 PEREIRA, Caio M. S. apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. p. 11.
73 PEREIRA, Caio M. S. apud DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. p. 11.
74 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. p. 11.
75 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. p. 11.
15
fechado de pessoas, formado pelos genitores e filhos, e com efeitos limitados,
incluindo os demais parentes, onde encontram-se em uma única e mesma economia
e direção, unidos pela convivência e comunhão de afetos. 76
Após análise das acepções e critérios citados, pode-se chegar
a um conceito de família, que para o mundo jurídico é o mais adequado:77
(...) o conjunto de pessoas com o mesmo domicílio ou residência, e identidade de interesses materiais e morais, integrado pelos pais casados ou em união estável, ou por um deles e pelos descendentes legítimos, naturais ou adotados. 78
Ainda em busca da melhor conceituação para família, é que se
observa que devido ao fato de esta ter recebido novos contornos, tornou-se difícil
encontrar um único conceito para defini-la, e assim sendo, nos dias atuais, tem-se
verificado que outro meio para definição da família, é aquele onde se prioriza as
relações de afetividade. 79
A família é um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família patriarcal que desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas. O novo modelo da família funda-se sob os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo uma nova roupagem axiológica ao direito de família. 80
Com base no delineado acima, observa-se que inúmeros são
os conceitos existentes para se definir o vocábulo família, isto, devido a esta ter
passado por várias modificações ao longo dos tempos, pois como relatado acima,
inicialmente a família se definia como aquela onde o poder patriarcal era dominante,
estando a mulher sob total comando do marido, e onde apenas por meio do
matrimônio se reconhecia a família, algo muito diferente em tempos atuais, onde
com o advento da atual Constituição Federal, há igualdade entre os cônjuges e entre
76
GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 35.
77 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 12.
78 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. p. 12.
79 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 39-40.
80 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 40.
16
os filhos, não havendo mais distinção entre legítimos e ilegítimos, e não sendo mais
necessário o casamento para se formar uma família, devido ao reconhecimento da
união estável.
1.3 FAMÍLIAS CONSTITUCIONAIS.
Neste subtítulo serão elencadas as famílias constitucionais,
aquelas expressas no art. 226, § 1º ao 4º, da Constituição Federal, ou seja, aquelas
formadas pelo casamento, pela união estável, bem como, aquelas constituídas por
qualquer dos pais e seus descendentes, denominadas família monoparental. No
entanto, é de suma importante ressaltar que, tais formas de famílias são apenas
exemplificativas, pois o referido dispositivo pode abranger outras entidades
familiares que não estejam expressamente previstas.
Inicialmente será realizado um estudo do casamento, em
seguida será analisada a união estável, e por fim uma abordagem sobre a família
monoparental.
1.3.1 Casamento
O casamento é reconhecido como o fundamento da sociedade,
base da moralidade pública e privada, deste modo, o livro do Código Civil que tratou
do direito das famílias se inicia pelo casamento, onde resta evidenciada a enorme
preocupação do legislador com a família decorrente do matrimônio. 81
Assim sendo, a legislação reservou inúmeros artigos para tratar
do casamento, deste modo, será realizado um breve estudo do casamento, onde
apenas conterá seus pontos principais.
81
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 1 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 142.
17
A lei não dá uma definição para o casamento, no entanto,
estabelece sua finalidade no art. 1.511 do atual Código Civil, ante a ausência de sua
definição, recorre-se a doutrina para sua obtenção: 82
Casamento é o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência. 83
A igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, já
encontra respaldo desde o advento da Constituição Federal de 1988, no entanto,
havia muita resistência a essa inovação, pois muitos doutrinadores ainda
consideravam a prevalência masculina na titularidade dos direitos inerentes à
sociedade conjugal. 84
Tal situação igualitária, apenas se concretizou com a vigência
do atual Código Civil, que em seu art. 1.511 dispõe que, “o casamento estabelece
plena comunhão de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos
cônjuges”, e, no seu art. 1.565, que “pelo casamento, homem e mulher assumem
mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos
da família”, deste modo, colocou-se fim à desigualdade entre os cônjuges. 85
A tônica do novo Código é a igualdade de direitos e deveres entre marido e mulher, por isso que o artigo 1.567 estabelece que compete a ambos a direção da sociedade conjugal, em mútua colaboração, sempre no interesse do casal e dos filhos. Em caso de eventual divergência, não mais prevalece a vontade do homem, sendo facultado a qualquer dos cônjuges recorrer à solução judicial. 86
82
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 144.
83 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família. v. 6. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 19.
84 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v. 2. 38 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 145.
85 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 145.
86 OLIVEIRA, Euclides; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito de Família e o novo Código Civil. coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.13
18
Ainda neste sentido, para demonstrar ainda mais a situação
igualitária entre os consortes, é que o Código Civil de 2002, traz inovação no seu art.
1.565, § 1º, no qual autoriza a qualquer dos nubentes aditar ao seu o patronímico
conjugal. 87
No passado, só à mulher se admitia acrescentar o sobrenome do marido. A nova lei é expressa ao facultar a qualquer deles, ou a ambos, a utilização do sobrenome do outro. O Código fala em acrescentar o nome da família do outro, de modo que o sobrenome original do cônjuge ficará sempre revelado. 88
Em relação à capacidade matrimonial, esta encontra respaldo
legal no art. 1.517 do Código Civil, onde resta evidenciado que, os homens e as
mulheres menores de dezesseis anos não podem se casar. Nesse sentido,
novamente se observa a igualdade entre o homem e a mulher.89
Houve, portanto, e ainda aqui, a equiparação entre o homem e a mulher (art. 1.520), enquanto o Código de 1916 estipulava, como idade parar casar, a de 16 anos para as mulheres e a de 18 anos para os homens (art. 183, inciso XII). 90
Embora relativamente incapazes para os atos da vida civil, os
menores com dezesseis anos podem se casar, no entanto, é exigida a autorização
de ambos os pais, ou de seus representantes legais. 91
Negado o consentimento por um dos pais, tutores ou curadores, é possível buscar o suprimento judicial do consentimento (1.519). Como é necessário o consentimento de ambos os pais, se um não anuir, a manifestação de vontade pode ser suprida pelo juiz (1.517 § único, I.519 e 1.631 § único). A ausência de consentimento torna o casamento anulável (1.550 II). Ainda que tenha sido outorgada autorização, a permissão pode ser revogada, mas somente até a data das núpcias (1.518). 92
87
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 124.
88 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 124-125.
89 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 82.
90 OLIVEIRA, Euclides; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito de Família e o novo Código Civil. coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. p. 21.
91 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 38
92 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 151.
19
Como visto acima, a idade mínima para o casamento, ou a
chamada idade núbel, é dezesseis anos, entretanto, existe exceção a este limite
mínimo, o qual está previsto no art. 1.520 do Código Civil, que dispõe que podem
casar-se aqueles que ainda não alcançaram a idade núbil para evitar a imposição ou
o cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez. 93
Com efeito, a lei permite que menores de dezesseis anos se consorciem, quando o fazem para evitar imposição de pena criminal. De fato, no caso de desvirginamento de menor, pode o autor do crime de defloramento ou de estupro, para evitar a imposição de pena e estando a vítima de acordo, desposá-la. Para tanto, ter-se-á de obter em juízo o suprimento de idade da menor. 94
Ainda neste sentido:
Outra possibilidade de autorização para o casamento precoce, de menores de dezesseis anos, dá-se no caso de gravidez da mulher. Prescinde-se, nessa hipótese, de eventual cometimento de crime. A gravidez poderia resultar de relacionamento sexual consentido. Ou mesmo de inseminação artificial autorizada pelo nubente. Justifica-se, nesse caso, antecipar a capacidade matrimonial, para proteção da prole vindoura. 95
No tocante aos impedimentos, esses são circunstâncias que
impossibilitam a realização do matrimônio, assim, se desobedecidas tais proibições,
fulminam de nulidade o casamento. Com o intuito de preservar a família, a
sociedade, tendo em vista considerações eugênicas e morais, edita sete proibições
constantes no Código Civil, em seu art. 1.521, onde estabelece que não podem se
casar: 96
Art. 1521 (...)
I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
93
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 84.
94 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 38.
95 OLIVEIRA, Euclides; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito de Família e o novo Código Civil. coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. p. 22.
96 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 74.
20
II – os afins em linha reta;
III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V – o adotado com filho do adotante;
VI – as pessoas casadas;
VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.
Tais proibições foram editadas com o intuito de preservar a
família, essas visam impedir núpcias incestuosas (o que se verifica nos incisos I a
V); preservar a monogamia (inciso VI); e evitar enlaces que deitem raízes em crime
(inciso VII).97
Realmente, os cinco primeiros impedimentos constantes do art. 1.521 do Código Civil vedam o casamento entre parentes consanguíneos ou afins, ou entre pessoas que se apresentam, dentro da família, em posição idêntica à dos parentes. Inspiram-se todos na idéia de repúdio ao incesto, que é correntia em nossa civilização. 98
Importante distinguir incapacidade matrimonial de
impedimento, pois, caracteriza-se a incapacidade quando a pessoa que se tem em
vista não pode se casar com quem quer que seja, como por exemplo, a pessoa já
casada. O impedimento se estriba na idéia de falta de legitimidade. 99
Já impedimento, em sentido estrito, é a impossibilidade de alguém casar com determinada pessoa. Trata-se de uma proibição que atinge uma pessoa com relação à outra ou outras. Assim, não podem casar ascendentes com descendentes, parentes até o terceiro grau. Não se trata de uma incapacidade para o casamento, mas apenas de
97
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 40.
98 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 40.
99 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 36.
21
um impedimento para casar com determinada pessoa, estando livre, no entanto, para casar com quem lhe aprouver. 100
A realização do casamento, acaba por gerar deveres entre os
cônjuges, e ao explicitar tais deveres conjugais, o Código Civil restringe-se aos
mútuos, que de forma igualitária compete tanto ao marido quanto à mulher. Esses
deveres acham-se enumerados no art. 1.566 do Código Civil de 2002, quais sejam:
fidelidade recíproca; vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência;
sustento, guarda e educação dos filhos; respeito e consideração mútua. 101
A fidelidade recíproca, merece destaque, por ser o primeiro e
mais importante dos deveres recíprocos dos cônjuges, ela representa a natural
expressão da monogamia, e não constitui apenas dever moral, o direito a exige,
igualmente, em nome dos interesses da sociedade. A infração a esse dever constitui
adultério ou quase adultério. 102
A infidelidade, é o que fere e perturba de modo mais profundo a vida da família. A infidelidade do marido ou da mulher representa a mais nítida manifestação de falência da moral familiar. 103
Muito se tem discutido em relação à natureza jurídica do
casamento, onde se questiona se esse é um contrato ou uma instituição. 104
Para dirimir tal questionamento, existem três concepções para
esclarecer a natureza jurídica do casamento, sendo: concepção contratualista:105
“(...) influenciada pelo direito canônico, que vê o casamento como um contrato de
vontades convergentes para a obtenção de fins jurídicos”.106
100
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 152.
101 OLIVEIRA, Euclides; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito de Família e o novo Código Civil. coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. p. 14.
102 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 146.
103 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 147.
104 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 144.
105 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 23.
106 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 144.
22
Concepção institucionalista: “(...) trata-se de instituição em que
os cônjuges ingressam pela manifestação de sua vontade, feita de acordo com a
lei”. 107
E por fim, a concepção eclética: “(...) o matrimônio é ato
complexo, ao mesmo tempo contrato e instituição; é mais que um contrato, porém
não deixa de ser contrato também”. 108
Ainda assim, tal discussão torna-se estéril e inútil, pois as
pessoas tem liberdade para se casar, no entanto, são submetidas aos efeitos do
casamento devido aos direitos e deveres, passando assim a aderirem a uma
estrutura jurídica cogente. Nesse sentido, muitos aderem a concepção
institucionalista. 109
Em face do elevado número de regras e imposições que surgem a partir da celebração do matrimônio, por determinação legal e não por livre manifestação do par, o casamento é considerado por muitos uma instituição. 110
No entanto, outros consideram o casamento um contrato sui
generis, sendo portanto, um contrato diferente, que possui características especiais,
não podendo se aplicar a esse, disposições legais dos negócios patrimoniais. 111
Para finalizar o estudo sobre o casamento, resta salientar como
a sociedade conjugal e o casamento se extinguem. O art. 1.571 do Código Civil
determina que a sociedade conjugal termina:
Art. 1571 (...)
I – pela morte de um dos cônjuges;
II – pela nulidade ou anulação do casamento;
107
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 21.
108 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 23.
109 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 145.
110 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 145.
111 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 145.
23
III – pela separação judicial;
IV – pelo divórcio.
Tanto a separação como o divórcio, são modalidades que
buscam o fim de um relacionamento, no entanto, a separação, apenas põe fim a
sociedade conjugal, não a dissolvendo, sendo que, somente a morte e o divórcio
dissolvem o casamento, 112
(...) enquanto o primeiro representa a mera separação de corpos e de bens, com a permanência do vínculo conjugal (o que impede novo casamento do separados), o segundo dissolve de maneira integral o matrimônio, legitimando os divorciados para se recasarem. 113
Nesse breve estudo acerca do casamento, se constatou
algumas inovações trazidas com o advento do atual Código Civil, bem como,
delineou as pessoas capazes de realizarem o matrimônio, os deveres recíprocos
decorrentes de tal celebração, chegando ao meio para o seu fim.
1.3.2 União Estável
Esta foi uma das maiores conquistas trazidas com a
Constituição Federal de 1988, pois deu nova dimensão à concepção de família ao
introduzir um termo generalizante: entidade familiar. Passou a albergar
relacionamentos outros além dos constituídos pelo casamento. Deste modo, a união
de fato entre um homem e uma mulher, passou a ser reconhecida como entidade
familiar com o nome de união estável.114
Tal inovação encontra amparo no art. 226, §3º, da Constituição
Federal: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
112
DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o novo Código Civil. coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. p. 73.
113 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 203.
114 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p.1 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p.161.
24
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento”.
Ainda que a união estável não se confunda com o casamento, ocorreu a equiparação das duas entidades familiares, merecedoras da mesma proteção. A Constituição acabou por reconhecer juridicidade ao afeto, ao elevar as uniões constituídas pelo vínculo de afetividade à categoria de entidade familiar. 115
Por alguns anos, o §3º da Constituição Federal ficou sem
utilização, havendo durante esse tempo, controvérsia a respeito de ele ser, ou não,
auto-aplicátivel. Durante esse período, manteve-se a Súmula 380116, que continuou
a ser aplicada. 117
Assim senso, em busca de uma regulamentação do preceito
constitucional, manifestou-se a Lei n. 8.971/94, que veio conferir direitos sucessórios
e alimentares aos companheiros. No entanto, não era a qualquer união estável, que
a lei deferia aos companheiros o pleito de alimentos, ou direitos sucessórios. 118
A Lei 8.971/94 assegurou direito a alimentos e à sucessão do companheiro. No entanto, conservava, ainda, um certo ranço preconceituoso ao reconhecer como união estável a relação entre pessoas solteiras, judicialmente separadas, divorciadas ou viúvas, deixando de fora, injustificadamente, os separados de fato. Também a lei fixou um prazo, só reconhecendo como estáveis as relações existentes há mais de 5 anos ou das quais houvesse nascido prole, como se tais requisitos purificassem a relação. 119
Quando foi editada a Lei n. 9.278/96, essa veio a estabelecer
algumas inovações:
115
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 163.
116 A Súmula n. 380 do STF estabelece: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
117 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família. v. 6. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 276.
118 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 277.
119 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 163.
25
“Mister observar, primeiramente, que o legislador abandonou a
idéia objetiva de ligação por cinco anos, para usar os termos “duradoura” e
“contínua” na identificação da união estável (art. 1º)”. 120
Outra inovação, foi que estabeleceu direitos e deveres entre os
conviventes, bem como, a presunção de que são fruto do trabalho e da colaboração
comum dos conviventes, os bens adquiridos, a titulo oneroso, na constância da
união, passando a pertencer, em partes iguais, a ambos. 121
A referida lei, tem mais uma vez significativa importância, pois,
fixou a competência das varas de família para o julgamento dos litígios. 122
“O art. 9º da lei de 1996 acabou com a dúvida. Diz ele que toda
a matéria relativa à união estável é de competência do juízo da Vara de Família,
assegurado o segredo de justiça”. 123
Com o advento do atual Código Civil, em seus artigos 1.723 a
1.727, a união estável passou a encontrar respaldo legal também nesse, onde
preconiza que: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, continua e duradoura, e
estabelecida com o objetivo de constituição de família”.124
Neste sentido, pode-se conceituar união estável da seguinte
forma:
(...) consiste a união estável na ligação entre o homem e a mulher, sem casamento. Por outras palavras, é a ausência de casamento para aqueles que vivem como marido e mulher. O conceito
120
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 279.
121 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. v. 2. 38 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 40.
122 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 164.
123 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 280.
124 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o novo Código Civil. coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 260.
26
generalizado de união estável tem sido invariavelmente o de vida prolongada em comum, com aparência de casamento. 125
Em ralação aos deveres dos companheiros, art. 1.724 do
Código Civil, esses são os mesmos dos cônjuges, como lealdade, respeito e
assistência. 126
“Ainda no campo pessoal, reitera os deveres de “lealdade,
respeito e assistência, e de guarda e educação dos filhos”, como obrigação
recíproca entre os conviventes”. 127
O Código Civil regula a união estável a imagem e semelhança
do casamento, estabelecendo os requisitos para seu reconhecimento, impondo
direitos e deveres entre os conviventes e, de maneira descabida, tenta impedir sua
constituição. 128
Dispõe a lei (1.723): a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do artigo 1.521. Ou seja, nas mesmas hipóteses em que é vedado o casamento, é proibida a união estável. No entanto, em que pese a proibição legal, se ainda assim a relação se constitui, não é possível dizer que ela não existe. O Estado não tem meios de, por exemplo, impedir o estabelecimento de uniões incestuosas entre pais e filhos ou entre irmãos, por mais repulsiva que seja essa possibilidade.129
Quanto aos efeitos patrimoniais, o Código Civil em seu art.
1.725, estabelece que, a menos que haja contrato escrito entre os conviventes, o
regime de bens será o de comunhão parcial. 130
No regime da comunhão parcial, todos os bens amealhados durante o relacionamento são considerados frutos do trabalho comum,
125
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 30.
126 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o novo Código Civil. coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. p. 270.
127 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 282.
128 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 169.
129 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 169.
130 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família.p. 282.
27
adquiridos por colaboração mútua, passando a pertencer a ambos, em partes iguais. 131
Para finalizar, se faz necessário salientar a dissolução da união
estável:
A convivência que caracteriza a entidade familiar pode ser dissolvida por acordo entre as partes, ou por decisão judicial que declara o fim da união estável, dispondo a respeito da partilha dos bens comuns, dos alimentos a quem deles necessitar, da guarda dos filhos e dos alimentos para eles. 132
Ademais, fica demonstrada o total reconhecimento da união
estável como entidade familiar, tendo amparo tanto na Carta Magna como no Código
Civil, deste modo, não mais predominando antigos preconceitos.
1.3.3 Família Monoparental
Neste momento, passa-se a tratar sobre a família
monoparental, a qual passou a ser reconhecida como entidade familiar apenas a
partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual da amparo legal para
esta forma de família no seu art. 226, § 4º.
Art. 226 (...)
§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
De conformidade com o texto Constitucional supracitado, pode-
se definir a família monoparental como:
“Uma família é definida como monoparental quando a pessoa
considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive
com uma ou várias crianças”. 133
131
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 172.
132 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. p. 50.
133 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães
28
Estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069/90), em seu art. 42, que os maiores de vinte e um anos podem adotar,
independentemente de estado civil, ficando cristalina a regulamentação da família
monoparental.
A adoção por solteiro constitui uma alternativa justa, quebrando-se as discriminações que existiam cocntra as familias monoparentais. Pode adotar aquele que tem condições de oferecer sustento, educação e afeto a uma criança. O seu bem-estar e o o seu interesse significam os elos fundamentais da filiação adotiva. 134
A família monoparental já existe há muitos anos, mesmo sem a
sua regulamentação, e o principal fator responsável pela sua existência é a
liberdade que as pessoas possuem para se unir e se desunir, seja por meio formal,
como ocorre no casamento, ou seja por meio informal, o que ocorre na união
estável. 135
(...) sempre existiram viúvos e viúvas, mães solteiras e mulheres separadas ou abandonadas por seu marido que assumem, por inteiro, o encargo de sua progenitura. Mas o crescimento dos divórcios, observado a partir dos anos 60 nos países industrializados, produziu um impacto sobre a configuração das famílias. Como a maioria dos casais desunidos tem filhos, os lares dirigidos por um só genitor sofreram um aumento considerável e uma intensa visibilidade.136
O parentesco biológico e os laços jurídicos são elementos
ultrapassados da família, pois é a vida comum que faz a família, é a relação
socioafetiva, e não a família que faz a vida comum. Deste modo, verifica-se que, a
solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 22.
134DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 199.
135 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 215.
136 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. p. 24.
29
família monoparental se constitui em situações de origem, de consequências e de
duração variáveis. 137
A monoparentalidade tem origem na viuvez, quando da morte de um dos genitores, ou na separação ou no divórcio dos pais. A adoção por pessoa solteira também faz surgir um vínculo monoparental. A inseminação artificial por mulher solteira ou a fecundação homóloga após a morte do marido são outros exemplos. A entidade familiar chefiada por algum parente que não um dos genitores, igualmente, constitui vínculo monoparental. Mesmo as estruturas de convívio constituídas por quem não seja parente, mas que tenha crianças ou adolescentes sob sua guarda, podem receber a mesma denominação. Basta haver diferença de gerações entre um de seus membros e os demais e que não haja relacionamento de ordem sexual entre eles para se ter configurada uma família monoparental. 138
Tal entidade familiar, pode se encaminhar em direção à
constituição de uma família, bem como, em direção à recomposição entre dois
núcleos familiares diversos. 139
Em se tratando de família “recomposta” (ou “reconstituída”), saímos do fenômeno monoparental, propriamente dito, entretanto a recomposição de novas famílias pode trazer esclarecimentos importantes sobre a maneira como se processa a “saída” da monoparentalidade, oriunda de um divórcio, de uma separação, ou de um celibato, pelo efeito de uma nova união que reúne, frequentemente, dois ex-monoparentais. 140
Por um longo período, a monoparentalidad era associada ao
fracaso pessoal, no entanto, o que antes era vivido como uma imposição,
atualmente mostra-se como uma escolha livre, pois os fatores decorrentes da
monoparentalidade se mostram como escolha de um dos membros da família, que
pode resultar da ruptura da vida conjugal (separação ou divórcio), bem como da
137
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. p. 30.
138 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 198.
139 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. p. 33.
140 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. p. 34.
30
decisão de ter um filho sozinho (adoção ou inseminação artificial), e dentre esses
fatores, pode-se destacar a opção por uma forma de união livre.141
Este novo modelo, porém, celibatório, e sem casamento, não implica “viver só”, como se poderia imaginar de forma superficial. Ao contrario, a maioria dos celibatários tem parceiros sexuais com os quais vivem em uniões livres (caracterizadas pela transitoriedade e total liberdade) ou vivem “como pessoas casadas” (mas liberadas de qualquer constrangimento de ordem legal), reforçando a ideia, anteriormente avançada, de não compromisso, de não comprometimento, de não obrigação. 142
Ainda neste sentido, tem-se outro fator que contribuiu para a
propagação da monoparentalidade, que é decorrente da emancipação econômica da
mulher, assim sendo, ela não está mais presa a uniões mantidas à custa do seu
sacrifício pessoal, pois ela conquistou o mesmo patamar de igualdade com o
homem. 143
A revolução sexual de 1960 e as consequências daí advindas no mundo feminino geraram uma certeza que a estrutura patrimonial jamais imaginara: a mulher não é mais compelida a se casar cedo para existir socialmente. O efeito da pílula, permitindo o ingresso na sexualidade sem culpas e traumas e a possibilidade de dispor do corpo sem risco de gravidez, gerou a mais espetacular mudança deste século: a possibilidade de dissociar o conceito de maternidade do conceito de casamento. Assim, hoje em dia, são frequentes as chamadas produções independentes.144
Em assim sendo, resta evidenciado os grandes avanços
trazidos pela atual Constituição Federal, que não apenas reconheceu como entidade
familiar àquela decorrente da união estável, mas também, aquela formada por
qualquer dos pais e seus filhos, deste modo, a família monoparental passou a ter
amparo legal.
141
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 197.
142 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. p. 35.
143 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p.216.
144 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 199.
31
1.4 OUTRAS FORMAS DE FAMÍLIA.
Anteriormente, foram delineadas as famílias Constitucionais,
aquelas a qual a atual Constituição Federal dá respaldo legal, no entanto, se faz
importante ressaltar as outras famílias, sendo elas contemporâneas e merecedoras
da devida normatização, até porque, as famílias elencadas na Constituição são
apenas exemplificativas.
Será realizado o estudo de apenas algumas dessas outras
formas de família, como a homoafetiva, a anaparental e a eudemonista.145
1.4.1 Família Homoafetiva
A Constituição Federal de 1988, ao reconhecer a união estável
como entidade familiar, introduziu expressamente o requisito que somente a união
ente o homem e a mulher configura tal entidade familiar, assim, excluindo a
possibilidade de reconhecimento da união homossexual, mesmo havendo objetivo
de constituir família, convivendo com lapso de tempo razoável e desimpedidos.146
Se o convívio homoafetivo gera família e se esta não pode ter a forma de casamento, necessariamente há de ser união estável. Não há outra opção. Trata-se de uma alternativa entre duas opções. Daí, é forçoso reconhecer que a união estável é um gênero que admite duas espécies: a heteroafetiva e a homoafetiva. 147
A própria Constituição Federal em seu art. 1º, III, consagra em
norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana, assim sendo, não se pode
deixar de conferir status de família, àquele vínculo que tem por base o afeto. 148
145
Os itens 1.4.2 e 1.4.3 deste capítulo serão baseados na obra Manual de Direito das Famílias, de Maria Berenice Dias, devido à escassez de outras bibliografias acerca do assunto.
146 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 544 – 545.
147 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 69.
148 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 1 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 45.
32
(...) a orientação sexual é direito da pessoa, atributo da dignidade. O fato de alguém se ligar a outra do mesmo sexo, para uma proposta de vida em comum, e desenvolver os seus afetos, está dentro das prerrogativas da pessoa. A identidade dos sexos não torna diferente, ou impede, o intenso conteúdo afetivo de uma relação emocional, espiritual, enfim, de amor, descaracterizando-a como tal. 149
A homoafetividade não é uma doença nem uma opção livre,
sendo assim, é necessário encarar a realidade sem discriminação, pois não se pode
estigmatizar a orientação homossexual de alguém. 150
Ainda que se desconheça a origem da homossexualidade, o certo é que se trata de uma tendência que não decorre de uma escolha livre. Se tivessem opção, muitos homossexuais prefeririam não o ser – o que é uma boa prova de que não existe opção. 151
Nos primeiros artigos da Constituição Federal, encontramos os
princípios fundamentais que regem a sociedade, como a dignidade da pessoa
humana, a promoção do bem estar de todos, a busca por uma sociedade livre, justa
e solidária, bem como a erradicação da marginalização dos indivíduos, não se
admitindo qualquer forma de discriminação e preconceito, seja por motivo de origem,
sexo, cor, idade ou raça. 152
É inquestionável que, à luz do texto constitucional de 1988, a orientação sexual da pessoa é atributo inerente de sua personalidade, merecendo respeito e acatamento por toda a sociedade, que dever ser livre, justa e solidária, preservando a dignidade da pessoa humana, independentemente de suas preferências ou opções sexuais.153
149
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família. p. 546.
150 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 45.
151 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. p. 48.
152 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. São Paulo: LTr, 2000. p. 52-53.
153 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família. p. 546.
33
A evolução científica acabou refletindo na estrutura familiar,
pois a pílula liberou o sexo da reprodução e a inseminação artificial liberou a
reprodução do sexo. 154
Se a prole ou capacidade procriativa não são essenciais para que o relacionamento de duas pessoas mereça a proteção legal, não se justifica deixar ao desabrigo do conceito de família a convivência entre pessoas do mesmo sexo. O centro de gravidade das relações de família situa-se modernamente na mútua assistência afetiva. 155
Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei nº 1.151/95,
que dispõe acerca do reconhecimento da denominada “parceria civil registrada”, que
atribui à união homossexual certos efeitos jurídicos próximos ou assemelhados ao
casamento, no entanto, enquanto o referido projeto não for convertido em lei, a
união homossexual irá continuar a não ser passível de registro oficial, assim sendo,
será tratada como sociedade de fato, pertencente ao Direito das Obrigações, não
gerando efeitos jurídicos no Direito de Família.156
Ainda que não constem da ordem constitucional federal, constituições estaduais e leis orgânicas municipais estão inserindo disposições que, de forma explicita, vedam a discriminação por orientação sexual. Assim as Constituições dos Estados de Mato Grosso e de Sergipe, bem como a Lei Orgânica do Município de Porto Alegra e de 74 outros Municípios gaúchos, que já a têm expressamente inserida em seus textos. 157
Sob a justificativa de inexistência de lei, a justiça acaba
negando prestação jurisdicional a essa entidade familiar, confundindo carência
legislativa com inexistência de direito, assim sendo, não pode o juiz negar direito
pela ausência de lei, pois a própria lei reconhece a existência de lacunas. 158
O aplicador do Direito deve subsidiar-se dos referenciais elencados no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Não há como fugir da
154
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. p. 67.
155 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. p. 67.
156 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família. p. 550.
157 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. p. 57-58.
158 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 194.
34
analogia com as demais relações que têm o afeto por causa e, assim, reconhecer a existência de uma entidade familiar à semelhança do casamento e da união estável. O óbice constitucional, estabelecendo a distinção de sexos ao definir a união estável, não impede o uso de tal forma integrativa de um fato ao sistema jurídico. A identidade sexual não serve de justificativa para se buscar qualquer outro ramo do Direito que não o Direito de Família. 159
No entanto, não se pode chancelar o enriquecimento
injustificado e deferir a herança aos familiares, como por exemplo, em caso de morte
do parceiro, e assim desamparar aquele que dedicou a vida ao companheiro,
ajudando-o a amealhar o patrimônio e derrepente se vê sozinho e sem nada. 160
Nesse sentido, na falta de reserva legal à união homossexual, aplica-se indubitavelmente a Súmula 380 do STF, que permite a partilha judicial dos bens adquiridos do esforço comum, comprovada a existência da sociedade de fato. E na ausência de bens, a remuneração por serviços prestados ao parceiro prejudicado com a dissolução da sociedade.161
Grande avanço se tem obtido no âmbito judiciário, onde essas
famílias começaram a encontrar reconhecimento, pois as barreiras do preconceito
vêm cedendo lugar ao amor, sem que se interrogue a identidade dos parceiros. 162
Felizmente, começa a surgir uma nova postura. Reconhecidas as uniões homoafetivas como entidades familiares, as ações devem tramitar nas varas de família. Assim, por analogia, deve ser aplicada a legislação da união estável, e assegurar partilha de bens, direitos sucessórios e direito real de habitação. 163
Como visto acima, são grandes os avanços acerca do assunto,
pois os tribunais, mesmo de forma tímida, já estão dando amparo as famílias
homoafetivas, passando a reconhecê-las como entidades familiares, possuindo
assim, os mesmos direitos que as outras famílias contidas na Constituição Federal.
159
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. p. 99.
160 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 45.
161 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p. 52.
162 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 191.
163 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 45.
35
1.4.2 Família Anaparental
Mesmo com a ampliação do conceito de família pela
Constituição Federal, ainda assim, não estão enumeradas no rol constitucional todas
as conformações familiares existentes na sociedade. 164
Como observado ao longo desse capítulo, o conceito de família
não se restringe mais ao conceito de casamento, tão pouco, se faz necessária a
diversidade de sexo para gerar efeitos no direito de família, e igualmente, a
diferença de gerações, não mais serve de parâmetro para se obter o
reconhecimento da estrutura familiar. 165
Não é a verticalidade dos vínculos parentais em dois planos que autoriza reconhecer a presença de uma família merecedora da proteção jurídica. Mas olvidou-se o legislador de regular essas entidades familiares. 166
Assim sendo, constitui-se a família anaparental da seguinte
forma:
A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não-parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de uma entidade familiar a merecer o nome de família anaparental. 167
Um exemplo dessa forma de família, é a convivência de duas
irmãs sob o mesmo teto, por longos anos, conjugando esforços para a formação do
acervo patrimonial de ambas, assim, constituindo uma entidade familiar, e na
hipótese de falecimento de uma delas, não se pode de forma igualitária dividir os
bens entre todos os irmãos, nem tão pouco, reconhecer como mera sociedade de
fato, concedendo apenas a metade dos bens a sobrevivente, pois desse modo,
164
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 47.
165 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 47.
166 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 47.
167 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 47.
36
acaba por gerar uma flagrante injustiça com quem ajudou a amealhar o patrimônio.
168
A solução que melhor se aproxima de um resultado justo é conceder à irmã, com quem a falecida convivia, a integralidade do patrimônio, pois ela, em razão da parceria de vidas, antecede aos demais irmãos na ordem de vocação hereditária. Ainda que inexista qualquer conotação de ordem sexual, convivência identifica comunhão de esforços, cabendo aplicar, por analogia, as disposições que tratam do casamento e da união estável. 169
Deste modo, conclui-se que, a família anaparental é outra
forma de família contemporânea, que ainda não está amparada por lei, mas que
ainda assim existe e necessita da proteção do Estado.
1.4.3 Familia Eudemonista
Aquela ideia de família formal, está cedendo lugar à certeza de
que é o envolvimento afetivo que garante a individualidade e assegura a privacidade
indispensável para o desenvolvimento do ser humano, pois é no âmbito das ralações
afetivas que se estrutura a personalidade da pessoa, sendo que é a afetividade, e
não a vontade, que constitui os vínculos interpessoais. 170
O afeto entre as pessoas organiza e orienta o seu desenvolvimento. A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. 171
Devido a este crescente reconhecimento das relações afetivas
é que se constitui a família eudemonista.
Surgiu um novo nome para esta nova tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo: família eudemonista, que busca a felicidade individual vivendo um processo de emancipação de seus membros. A possibilidade de buscar formas de realização pessoal e gratificação profissional é a maneira que as pessoas
168
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 47.
169 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 47.
170 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 48.
171 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 48.
37
encontram de viver, convertendo-se em seres socialmente úteis, pois ninguém mais deseja e ninguém mais pode ficar confinado à mesa familiar. 172
Assim sendo, resta identificada a família eudemonista pela
comunhão de vida, de amor e de afeto, existindo assim a igualdade, a solidariedade,
a recíproca responsabilidade, bem como, a liberdade. 173
No momento em que o formato hierárquico da família cedeu à sua democratização, em que as relações são muito mais de igualdade e de respeito mútuo, e o traço fundamental é a lealdade, não mais existem razões, morais, religiosas, políticas, físicas ou naturais que justifiquem essa excessiva e indevida ingerência do Estado na vida das pessoas. 174
Percebe-se então, que não se pode apenas reconhecer como
entidade familiar aquelas enumeradas no art. 226 da Constituição Federal, sendo
que as outras formas de famílias citadas neste capítulo existem, e necessitam de
amparo legal para não ficarem a mercê de injustiças, pois a partir do momento em
que o afeto passou a ser reconhecido como base da entidade familiar, tornou-se
inadmissível discriminar e desamparar essas famílias contemporâneas, porque em
todas elas o afeto é predominante.
172
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 48.
173 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 48.
174 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 48.
38
CAPÍTULO 2
DA FILIAÇÃO
2.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
O presente capítulo tratará sobre a filiação, se iniciando com as
considerações introdutórias acerca do assunto, onde observar-se-á que ocorreram
grandes modificações em relação a este instituto após o advento da Constituição
Federal de 1988.
O Código Civil de 1916, era calcado na ideia de que apenas os
filhos havidos na constância do casamento poderiam ser reconhecidos, deste modo,
os filhos que nascessem fora do casamento, eram colocados em uma situação
marginalizada, para que se garantisse a paz no lar formado pelo casamento do pai,
assim prevalecendo os interesses do matrimônio. 175
O Código Civil de 1916 centrava suas normas e dava proeminência à família legítima, isto é, aquela derivada do casamento, de justas núpcias. Elaborado em época histórica de valores essencialmente patriarcais e individualistas, o legislador do início do século passado marginalizou a família não provinda do casamento e simplesmente ignorou direitos dos filhos que proviessem de relações não matrimoniais, fechando os olhos a uma situação social que sempre existiu. 176
No regime de tal código, eram admitidas diferentes espécies de
filiação, como a legítima, a ilegítima, ou a legitimada, conforme houvesse ou não
casamento entre os pais. 177
175
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 322.
176 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004. v. 6. p. 276.
177 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p.192.
39
A filiação legítima tinha por base o casamento dos pais quando da concepção. A fonte da legitimidade era o casamento válido ou o casamento putativo. Nesse sentido, o art. 337 do antigo Código dispunha que eram legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda que anulado, ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé. O casamento subseqüente tinha o condão também de legitimar os filhos havidos pelo casal. 178
Ainda neste sentido:
À sua vez, a ilegitimidade podia envolver a concepção de filhos de pessoas que tivessem entre si, ou não, um impedimento matrimonial, e se dizia então: “filho natural” (de pessoas que poderiam casar, mas não casaram); “filho adulterino” (de pessoas que não podiam casar, em razão de uma delas já ser casada); “filho incestuoso” (de parentes próximos). 179
Os filhos incestuosos e adulterinos não podiam ser
reconhecidos, como assim dispunha o Diploma Civil de 1916, deste modo, a falta
era cometida pelos pais, no entanto, a desonra recaia sobre os filhos. 180
Negar a existência de prole ilegítima simplesmente beneficiava o genitor e prejudicava o filho. Ainda que tivesse sido o pai quem cometera o delito de adultério – que à época era crime – e infringido o dever de fidelidade, o filho era o grande perdedor. Singelamente, a lei fazia de conta que ele não existia. 181
Para esses filhos que eram considerados ilegítimos, os
incestuosos, os adulterinos, bem como os demais não fundados em casamento de
pessoas desimpedidas, foram previstas regras proibitivas de direitos.182
(...) dos inúmeros efeitos, pessoais e patrimoniais, produzidos entre os genitores (ou genitor) e o filho, tanto no plano da família como no das sucessões, alguns eram retirados, ou mesmo vedados, de certas categorias, em particular, da dos incestuosos (a mais discriminada) e da dos adulterinos, e depois, da dos adotivos. Havia, efetivamente, inúmeras dissonâncias em seu estatuto jurídico, em comparação ao
178
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 277.
179 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. v. 5 . 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 310.
180 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 322.
181 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 322.
182 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 190.
40
dos legítimos, pelo simples fato de o menor não ter nascido de união regular entre os pais, ou não decorrer do fenômeno da procriação. 183
No entanto, com o advento da Lei nº 883/49, tal situação
começou a ser modificada, pois o seu art. 1º dispunha que, dissolvida a sociedade
conjugal, era permitido a ambos os cônjuges o reconhecimento do filho havido fora
do casamento e ao filho, a ação para que lhe fosse declarada a filiação. 184
O advento de duas leis, nos anos de 1942 e 1949, autorizou o reconhecimento do filho havido fora do matrimônio, mas somente após a dissolução do casamento do genitor. O Máximo a que chegou o legislador foi conceder o direito de investigar a paternidade para o fim único de buscar alimentos, tramitando a ação em segredo de justiça. Ainda assim, tais filhos eram registrados como filhos ilegítimos e só tinham direito, a título de amparo social, à metade da herança que viesse a receber o filho legitimo ou legitimado. 185
Veio então a Lei do Divórcio, Lei nº 6.515/77, que garantiu o
direito à igualdade de condições a todos os filhos, bem como, admitiu a possibilidade
de ser o filho havido fora do casamento reconhecido, mesmo que na vigência do
casamento do genitor, exclusivamente por testamento cerrado. 186
A Lei nº 6.515, de 1977, no rumo da Doutrina que defendíamos, estabeleceu que qualquer que seja a natureza da filiação o direito à herança seria reconhecido em igualdade de condições (art. 51, nº 2). Aboliu o eufemismo do “amparo social”, qualificando o direito do filho como hereditário, e pôs fim a desigualdade de tratamento. 187
Continuando:
(...) Lei nº 6.515, de 26.12.1977, que dispôs que, ainda na vigência de casamento, qualquer dos cônjuges pode reconhecer o filho havido fora do casamento, em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho (...). 188
183
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 190
184 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 346.
185 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 323.
186 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 323.
187 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 346.
188 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 193.
41
Foi então promulgada a Constituição Federal de 1988, deste
modo, os valores que informaram a elaboração do Código Civil de 1916, os quais
apenas legitimavam os filhos e a família fundada no casamento, foram dando lugar a
uma nova dimensão, em que a igualdade e o afeto são elementos de maior relevo.
189
Ruem, sob os novos princípios constitucionais e legais, todas as regras que estabeleciam diferenciações entre os filhos, que desfrutam, pois, atualmente, de estatuto idêntico, tanto no âmbito familiar como no sucessório. 190
Estabelece o art. 227, § 6º, da atual Constituição Federal:
Art. 227. (...)
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
Assim, foram assegurados inúmeros direitos a criança e ao
adolescente, para que lhes seja permitido desenvolvimento digno e sadio, tais como:
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, dentre outros, vedando-
se deste modo, qualquer prática lesiva. 191
Adotava-se dois princípios centrais, os quais presumiam que a
maternidade era sempre certa (mater sempre certa est) e que o pai era quem
demonstrasse as justas núpcias (pater is quem nuptiae demonstrant). 192
O Código de 1916 adotou o sempre repetido princípio segundo o qual pai é quem assim demonstram as justas núpcias (pater is est quem nuptiae demonstrant). Presume o antigo legislador que o filho de mulher casada foi concebido pelo marido. A presunção, fundamentada no que usualmente ocorre, possuía um embasamento
189
FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 17.
190 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 191.
191 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 191.
192 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 198.
42
cultural e social, em prol da estabilidade da família, uma vez que impedia que se atribuísse prole adulterina à mulher casada. 193
Assim sendo, com o advento da Constituição Federal de 1988,
a qual proibiu qualquer discriminação em relação aos filhos, a Lei nº 7.841/89 foi
editada a fim de revogar a proibição ao reconhecimento dos filhos adulterinos e
incestuosos contida no Código Civil de 1916, assim, restou imprescindível fazer a
distinção entre os filhos adulterinos a patre e a matre, sendo o primeiro, filho de pai
casado e mãe solteira e o segundo, filho de mãe casada e pai solteiro, portanto, o
adulterino a patre podia ser reconhecido, já o adulterino a matre não. 194
Quanto ao “adulterino a matre”, filho de mãe casada, adotávamos a orientação no sentido de não poder ser reconhecido, porque a existência de casamento válido atribuía-lhe a condição de “filho havido de relações de casamento”, e, como tal, tinha pai conhecido. 195
Em contrapartida, a Lei nº 8.560/92, subverteu tal princípio, eis
que admitiu a investigação de paternidade contra homem casado, bem como pelo
filho de mulher casada contra seu verdadeiro pai. 196
Outros fatores que foram de suma importância para a evolução
do instituto da filiação, foram a edição da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), que veio a eliminar os qualificativos a filhos, incluindo os adotados,
bem como, o advento do Código Civil de 2002. 197
“Como ápice da evolução legislativa, o Código Civil de 2002
trouxe regulamentação cuja tônica é a absoluta igualdade entre os filhos,
independentemente de sua origem (art. 1.596 a 1.606)”. 198
193
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 280.
194 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 347.
195 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 347.
196 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. p. 280.
197 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 193.
198 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 193.
43
De acordo com o novo ordenamento jurídico, o direito à
convivência familiar se tornou fundamental, acabou por transformar a criança em
sujeito de direito, dando-se prioridade a dignidade da pessoa humana, ficando a
feição patrimonialista da família abandonada, e com base no art. 227, §6º, da
Constituição Federal, foram proibidas quaisquer designações discriminatórias à
filiação. 199
“Nessa esteira, a noção de filiação vai abandonando a relação
outrora necessária com o matrimônio, desvinculando-se, via de conseqüência, das
noções de legitimidade e ilegitimidade”. 200
Deste modo, entende-se que, o instituto da filiação, do mesmo
modo que o instituto da família passou ao longo dos anos por várias modificações, e
que aquelas idéias retrógadas de que apenas os filhos nascidos no constância do
casamento poderiam ser reconhecidos, ficaram para trás, e que atualmente, o que
prevalece é a igualdade entre os filhos, sendo vedada a discriminação entre eles.
2.2 CONCEITO DE FILIAÇÃO
Como visto anteriormente, não há mais a distinção entre os
filhos legítimos ou ilegítimos, assim sendo, se faz importante demonstrar qual o
conceito de filiação, já que tal instituto passou por varias modificações ao longo dos
anos.
Partindo da premissa que todos os filhos são iguais perante a
lei, não importando a sua origem, se resultante de um matrimônio, de uma união
estável, de uma relação eventual ou até mesmo, de uma relação incestuoso ou
adulterina, pois a distinção feita em tempos não muito remotos, deu lugar a uma
regra de isonomia, estabelecida pelo art. 227, §6º, da Constituição Federal. 201
199
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 324.
200 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. p. 17.
201 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. v. 7. coordenação: Águida Arruda Barbosa e Claudia Stein Vieira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 190.
44
Os filhos podem provir de origem genética conhecida ou não, de escolha afetiva do casamento, de união estável, de entidade monoparental ou de outra entidade familiar implicitamente constitucionalizada. O status de filho pode ser conquistado com o nascimento em uma família matrimonialmente constituída, com a adoção, com o reconhecimento da paternidade, voluntário ou forçado, sem que a causa que deu ensejo ao vínculo que se estabelece entre pai, mãe e filho seja a consanguínea. 202
Deste modo:
Filiação é, no nosso entender, o vínculo que se estabelece entre pais e filhos, decorrente da fecundação natural ou da reprodução assistida homóloga (sêmen do esposo ou do companheiro; óvulo da esposa ou da companheira) ou heteróloga (sêmen de outro homem ou óvulo de outra mulher, porém com o consentimento do esposo ou da esposa), assim como em virtude da adoção. 203
Ainda neste sentido:
(...) a filiação é a relação jurídica que liga o filho a seus pais. Estabelecendo-se entre pessoas das quais uma descende da outra é considerada como “filiação propriamente dita”, quando visa o lado do filho; e reversamente, encarada pelo lado do pai se chama “paternidade” e pelo da mãe, “maternidade”. 204
Mesmo com a expressa vedação constitucional a qualquer
tratamento discriminatório com relação aos filhos, os filhos havidos da relação de
casamento e os havidos fora do casamento, são tratados em capítulos diferentes no
Código Civil, sendo que o capítulo Da filiação (art. 1.596 a 1.606) cuida dos filhos
nascidos na constância do casamento, e o capítulo Do reconhecimento dos filhos
(art. 1.607 a 1617) trata dos filhos nascidos fora do matrimônio. 205
Como a Constituição manteve o casamento como fonte da família, desapareceu a designação discriminatória, mas permanece a distinção. Há um “resíduo diferenciador” sem que implique uma
202
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 326.
203 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 191.
204 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 315.
205 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 321.
45
ofensa ao principio da igualdade, porque distinguir não significa discriminar. 206
Assim, o capítulo referente à filiação, enumera as hipóteses em
que se presumem terem os filhos sido concebidos na constância do casamento.
Esta noção não tem mais importância para a configuração da filiação legítima, mas é
importante para a incidência da presunção legal de paternidade. 207
Portanto, a filiação matrimonial decorre de uma ficção jurídica: o pai sempre é o marido da mãe. Desse modo, os filhos de pais casados têm, e de pleno direito, estabelecidas a paternidade e a maternidade. O nascimento de alguém no seio de uma família constituída pelo casamento leva ao reconhecimento de que o pai é quem está casado com a pessoa que deu à luz uma criança. Acaba a norma jurídica imputando uma paternidade jurídica presumida a alguém. 208
Tais presunções estão previstas no art. 1.597 do Código Civil,
onde estabelece que:
Art. 1597 – Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;
II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
206
FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. p. 225.
207 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. v. 2. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 102 .
208 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 327.
46
Em relação ao inciso I, do referido artigo, é uma presunção
iruis tantum da paternidade (pater is est quem nuptiae demonstrant). O prazo de 180
dias se inicia a partir da convivência conjugal, e isto, porque o legislador objetivou
resguardar a condição de matrimoniais aos filhos cujos pais, logo após o casamento
se separam de fato, não tendo, portanto, iniciado a coabitação, ou em casos de
casamento por procuração. 209
“Não se conta o prazo da data das núpcias, porque motivos
vários podem distanciar dela a convivência efetiva, como sejam uma doença, o
afastamento, uma razão qualquer que a impossibilite”. 210
Continuando:
“Se o casamento se contraiu por procuração, o prazo se haverá
de computar a partir de quando se estabeleceu a “convivência conjugal”, e não do
dia em que as núpcias foram celebradas”. 211
Os dois primeiros incisos se baseiam nos períodos máximos e
mínimos de uma gestação viável, assim, o prazo aludido no inciso II deve se iniciar
da separação de fato, devidamente comprovada, eis que as anulações, separações
judiciais e os divórcios não se resolvem em um dia. 212
Admitindo-se, por outro lado, que não é provável um período de gestação maior de trezentos dias, a lei presume concebido na constância do casamento o filho que venha a nascer dentro deste prazo, computado a partir de quando a sociedade conjugal se dissolveu, pela morte do marido, pelo decreto anulatório, ou pela separação judicial, no pressuposto de que aí cessou a convivência (inciso II do art. 1.597). 213
209
FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 192.
210PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 316-317.
211 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 317.
212 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 103.
213 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 317.
47
No entanto, a presunção de legitimidade não socorrerá o filho
que nascer depois dos trezentos dias, a contar da morte do marido, e, neste caso,
caberá aos herdeiros o direito de propor ação impugnativa da filiação. 214
Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inc. II do art. 1.523 da codificação, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos 300 dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inc. I do art. 1.597 do Código (CC, art. 1.598). 215
Prevê o inciso III do art. 1.597, outra hipótese de presunção de
paternidade, qual seja, a fecundação artificial homóloga, sendo que se considera
artificial por não se originar de uma relação sexual, mas sim, de uma reprodução
assistida. 216
Neste caso o óvulo e o sêmen pertencem ao marido e à mulher. Este procedimento pressupõe o consentimento de ambos. Deve-se admitir, no entanto, a presunção de paternidade do marido falecido, se utilizado o material genético do falecido e esteja a mulher na condição de viúva, devendo haver ainda autorização escrita do marido. 217
Dispõe o inciso IV do art. 1.597, que presumem-se filhos,
aqueles havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários,
decorrentes de concepção artificial homóloga, sendo os embriões excedentários
aqueles resultantes de manipulação genética, mas, no entanto, não foram
introduzidos no ventre materno. 218
(...) cumpre esclarecer que embriões excedentários são aqueles resultantes da técnica de reprodução assistida, mas não introduzidos no útero da mãe. Assim, são filhos matrimoniais aqueles embriões excedentes (além daquele que foi transferido para o útero materno), decorrentes de fecundação artificial homóloga in vitro, que, após a
214
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 103.
215 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 199.
216 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 193.
217 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 318.
218 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 319.
48
sua transferência para o útero materno, nasçam com vida a qualquer tempo. Considerando-se que os embriões poderão ser congelados em câmaras criogênicas, para a sua utilização futura, impõe-se a obtenção da anuência expressa do marido e da mulher. 219
Por fim, estabelece o inciso V do art. 1.597 do Código Civil que,
é considerada a presunção de paternidade quanto aos filhos havidos por
inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. 220
Serão filhos matrimoniais aqueles resultantes de inseminação artificial envolvendo o óvulo do cônjuge virago e o sêmen de terceiro (doador anônimo), desde que tenha havido a priori a autorização do cônjuge varão. O terceiro promovera a doação de seu sêmen, por meio de documento escrito, a pessoas indeterminadas, uma vez que o sigilo do nome do casal receptor deverá ser resguardado. 221
Segue ainda:
Embora o legislador não tenha previsto expressamente no ordenamento civil, existe uma outra possibilidade de técnica de reprodução humana assistida heteróloga: aquela que se vale da utilização do sêmen do esposo e o ovulo de uma doadora anônima, com o consentimento prévio e expresso dado pela esposa. 222
A lei resiste em afastar as presunções que estabelece, assim
sendo, nem a confissão de adultério por parte da esposa ilide a presunção.223
Adotou-se, assim, sistema rígido de defesa da filiação, que somente nos casos expressamente contemplados pode desfazer-se, pela contraprova, a qual deve ser segura e convincente. Nessa diretriz, não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para elidir a presunção legal da paternidade (art. 1.600). 224
Em regra, a presunção de paternidade admite prova em
contrário, sendo que a impotência do cônjuge, para gerar, à época da concepção
219
FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 193.
220 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 319.
221 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 193 - 194.
222 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. ´;194
223 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 329.
224 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 199.
49
ilida a presunção, pois, na linha da impossibilidade física de coabitação, estava a
impotência, no entanto, esclarecia a doutrina que somente a impotência absoluta era
admitida como tal, exigindo-se a demonstração da impotência coeundi do marido.
Para ilidir a presunção de paternidade, o Código de 2002 destacou a impotência
generandi, deste modo, a prova de inaptidão para procriar foi aceita. 225
Exigia o Código de 1916 que a impotência fosse absoluta, isto é, total, insuscetível de ser sanada por intervenção médica, o novo diploma, todavia, não considera mais necessário que seja absoluta, o que reflete o avanço das provas técnicas existentes para a demonstração da filiação, dentre as quais se destaca o exame de DNA. Só a impotência generandi (não a coeundi ou instrumental) pode ser argüida pelo marido, provando a ausência total de espermatozóides em seu líquido seminal (azoospermia). 226
Como visto anteriormente, a presunção de paternidade é iuris
tantum, e admite prova em contrário, assim, mediante ação negatória de
paternidade, o marido pode ilidir a presunção. 227
Caracteriza-se a ação negatória de paternidade por seu caráter pessoal, podendo ser proposta tão somente pelo marido, o qual poderá promovê-la a qualquer tempo, posto ser imprescritível (CC, art. 1.601, caput). Uma vez contestada a filiação e havendo a morte do marido, os seus herdeiros terão legitimidade processual para prosseguir na ação (CC, art. 1.601, parágrafo único). 228
Observa-se deste modo que, poderá o marido negar a
paternidade do filho nascido na constância do casamento, quando presentes as
condições para tal.
(...) na defesa do suposto genitor (pai ou mãe), existem as ações contrárias, ou seja, destinadas à negação de imputação de paternidade ou de maternidade (ações declaratórias negativas), provadas as condições correspondentes (inexistência de coabitação; ausência; inexistência de gestação; deficiências orgânicas; e outros
225
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 320.
226 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 104.
227 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 103-104.
228 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 194.
50
fatores que inviabilizem a possibilidade de paternidade ou de maternidade). 229
Resta discorrer sobre os filhos extramatrimoniais, os quais
necessitam de reconhecimento.
Mesmo hoje, como a prova do DNA identificando a verdade biológica, para que se estabeleça este liame entre o filho biológico e os seus autores, torna-se mister a intercorrência de outro fato, revelando ou declarando a paternidade ou a maternidade: o reconhecimento. 230
O reconhecimento, dentro da órbita jurídica, fixa uma relação
parental entre os pais e o filho. 231
“Constitui espécie de ato jurídico em sentido estrito, pelo qual
se declara a filiação, estabelecendo juridicamente o parentesco entre o pai, ou a
mãe, e seu filho”. 232
Assenta-se o reconhecimento em um ato declaratório, visto que
não cria a paternidade, apenas declara um fato, do qual o direito tira consequências,
e de tal reconhecimento decorrem efeitos jurídicos. 233
É certo que juridicamente o núcleo do reconhecimento se assenta em uma declaração, donde há uma eficácia reflexa e uma eficácia direta. A eficácia reflexa projeta-se para o futuro em relação a determinados direitos, que se consumam no plano sucessório, alimentar e do estado de filho. A eficácia direta projeta-se nas alterações registrais, havendo necessidade de retificar o assento de nascimento. A circunstância de extraírem-se efeitos do reconhecimento não lhe retira o caráter essencialmente declaratório. 234
229
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 207.
230 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 340.
231 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 196.
232 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 119
233 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 196.
234 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. p. 230.
51
O meio para a integração do filho não havido de casamento,
como já delineado é o reconhecimento, e este poder ser voluntário ou judicial, por
ambos os pais, ou por um deles, sendo que o reconhecimento voluntário será feito
de acordo com o previsto no art. 1.609 do Código Civil. 235
Art. 1.609 (...)
I - no registro de nascimento;
II – por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III – por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV – por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Reconhecimento no Registro de Nascimento:
Ambos os pais, conjunta ou separadamente, poderão
comparecer perante o Oficial do Registro Civil, para efetuar o reconhecimento, e
sendo o pai o declarante, e fazendo constar o nome da mãe, esta só poderá
contestar a maternidade mediante prova de falsidade do termo ou das declarações
prestadas, casa seja a mãe a declarante, o Oficial do Registro Público enviará ao
juiz do Cartório a certidão do registro contendo o nome da pessoa apontada como
pai, a fim de se examinar a procedência ou não da alegada paternidade. 236
“Merece destaque a Lei nº. 8.560/92, que prevê a possibilidade
de a mãe indicar o nome do pai, o que devera ser objeto de averiguação oficiosa,
através de procedimento provocado pelo Oficial do Cartório”. 237
Reconhecimento por escritura pública ou escrito particular:
235
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 206.
236 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 197.
237 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 349.
52
“A essa forma de reconhecimento voluntario, há que se
observar que a escritura pública não precisa ser especifica para esse fim, podendo
ser incidental ou acessório”. 238
Do mesmo modo:
O reconhecimento voluntário de filho poder ser feito, também, por escrito particular, a ser arquivado em cartório (CC, art. 1.609, II). O Código Civil de 1916 só o admitia como começo de prova para a ação de investigação de paternidade. No atual diploma, vale por si só, como reconhecimento, desde que expresso. 239
Reconhecimento por testamento:
O reconhecimento por testamento (inciso III do art. 1.609), “ainda que por incidentalmente manifestado”, é ato personalíssimo e não comporta representação, devendo observar os respectivos requisitos da validade. Atente-se para a regra do art. 1.610, ao determinar que o reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo por outro testamento. 240
Reconhecimento por manifestação direita e expressa perante o
juiz:
Cabe ao juiz, em face da declaração do pai em manifestação diretamente a ele dirigida (inciso IV do art. 1.609), determinar a averbação da paternidade, desde que não haja oposição do filho se este for maior. O legislador admite a validade do reconhecimento “mesmo que não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém”. 241
Frise-se que, pode o reconhecimento preceder ao nascimento
do filho, ou até mesmo, suceder o seu falecimento. 242
O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho já concebido (CC, art. 1.609, parágrafo único), mas o filho que haja falecido só poderá ser reconhecido se tiver deixado descendentes (para evitar
238
FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 198.
239 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 110.
240 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 350.
241 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 350-351.
242 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 208.
53
reconhecimentos pó interesse, pois, se não deixou descendente algum, os seus bens irão para o ascendente que o reconhecer). 243
Vale ressaltar que, o filho maior não será reconhecido sem o
seu consentimento, enquanto o menor poderá impugnar o reconhecimento dentro
dos quatro anos que se seguem à emancipação, ou à maioridade. Deste modo, a
vontade do filho ao ato, integra-se a posteriori, e o referido prazo é decadencial,
acarretando o seu escoamento em um reconhecimento definitivo. 244
Em dois momentos, a vontade do reconhecimento é levada em conta. Quando se trata de um filho maior, faz-se necessário auferir seu consentimento. Em se tratando de filho menor, é possível depois postular o desligamento. Afinal, ninguém pode ser reconhecido contrariamente à própria vontade, e evitam-se reconhecimentos que não correspondam à realidade, dão que, se não se pudesse obstar o reconhecimento, qualquer um poderia reconhecer outrem. 245
Em se tratando de reconhecimento judicial, este é resultante de
sentença prolatada em ação proposta pelo filho, denominada investigação de
paternidade ou maternidade, tal ação é imprescritível, podendo ser proposta pelo
filho a qualquer tempo. 246
As ações em questão são de estado, indisponíveis, personalíssimas e, portanto, imprescritíveis, devendo-se observar o segredo de justiça (Lei nº. 8.069/1990, art. 27). A contestação pode ser oferecida, em qualquer caso, por pessoa que tenha justo interesse (CC, art. 1.615). 247
Os filhos extramatrimoniais, possuem legitimidade ativa para
promover a ação de investigação de paternidade, e a ação segue o procedimento
243
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 111.
244 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 208.
245 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. p. 233.
246 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 198-199.
247 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 209.
54
ordinário, sendo promovida pelo filho (investigante) contra o suposto pai
(investigado).248
Cabe ao investigante pessoalmente a iniciativa da ação investigatória ou, sendo menor de idade, por representação ou assistência da genitora. Determina o art. 1.606 do novo Código que a ação passa aos herdeiros se o investigante morrer menor ou incapaz. Acresce o parágrafo único a possibilidade de os herdeiros prosseguirem na ação iniciada pelo filho, salvo se julgado extinto o processo. 249
Os efeitos do reconhecimento podem ser de cunha patrimonial,
outros de caráter pessoal, não se admitindo restrições aos seus efeitos, o ato de
identificação da paternidade tem efeito retrooperante (ex tunc). 250
“O reconhecimento produz todos os efeitos a partir o momento
de sua realização e é retroativo (ex tunc), ou seja, retroage à data do nascimento,
sendo de natureza declaratória”. 251
Assim sendo:
Com o reconhecimento, voluntario ou judicial, afluem, de pronto, todos os efeitos derivados da relação de filiação, a saber: a incidência do poder familiar; o dever de assistência; a prestação de alimentos; o direito à sucessão, equiparado aos dos demais filhos, enfim, as consequências jurídicas normais a esse estado. 252
Em se tratando das provas da filiação, vários meios foram
utilizados, como por exemplo: posse de estado de filho, testemunhal, exame
odontológico e o exame de sangue, no entanto, foram falhos. 253
Na reunião das provas, há de se conjugar diferentes meios, de modo a possibilitar o pleno convencimento do juiz, diante das responsabilidades que decorrerem com efeitos dos laços de filiação.
248
FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 199.
249 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 363.
250 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. p. 352.
251 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. p. 120.
252 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 210.
253 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 200.
55
Mas, em matéria de paternidade, o DNA representa a prova definitiva. 254
Resta salientar que, a ação de investigação de paternidade
quando julgada procedente produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento.
Art. 1.616 – A sentença que julgar procedente a ação de investigação produzirá os mesmos efeitos do reconhecimento, mas poderá ordenar que o filho se crie e eduque fora da companhia dos pais ou daquele que lhe contestou essa qualidade.
De acordo com o explanado acima, fica demonstrado que é
expressamente proibida qualquer discriminação entre os filhos, independendo a sua
origem, mas, se faz uso de distinção entre estes, sendo que são tratados
separadamente no atual Código Civil, divididos em filhos havidos na constância do
casamento, caso em que se utiliza presunções para o estabelecimento da
paternidade, e os havido fora do casamento, neste caso, devendo os filhos serem
reconhecidos. No entanto, todos são filhos, advindo de casamento, de uniões
estáveis, ou qualquer outra forma.
2.3 FORMAS DE FILIAÇÃO
Para a finalização do presente capítulo, serão enumeradas a
seguir as formas de filiação, realizando-se apenas um breve estudo acerca de cada
uma, as quais sejam: biológica, assistida, adotiva e a Socioafetiva.
2.3.1 Biológica
A filiação biológica ou natural, é aquela que se fixa por meio de
um vínculo de consanguinidade, entre uma pessoa e seu descendente em linha reta
do 1° grua, assim sendo, essa relação de sangue pode ser traduzida por meio da
254
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. p. 209.
56
reprodução natural ou carnal, que é o meio de filiação biológica mais conhecida, ou
ainda, pelas várias técnicas de reprodução humana assistida. 255
A filiação resultante de reprodução humana natural ou carnal é aquela que envolve uma relação sexual entre um homem e uma mulher com a consequente concepção, pouco importando a sua origem: se ocorreu dentro do matrimônio, ou fora do matrimônio, ou entre noivos ou namorados, ou entre meros “ficantes” (termo contemporaneamente utilizado que significa aqueles que, ocasional e descompromissadamente, decidiram ter momentos de intimidade sexual), dos quais resultou a gravidez e o consequente nascimento de uma criança. 256
Vale ressaltar, que tudo mais acerca da filiação biológica já foi
devidamente explanado no item anterior, onde restou demonstrado que a
Constituição Federa de 1988 vedou qualquer tratamento discriminatório com relação
aos filhos havidos do casamento ou fora dele, bem como enumerou as hipóteses de
presunção legal da paternidade, aquelas elencadas no art. 1.597 do atual Código
Civil, e que devido aos avanços científicos, tais presunções podem ser confirmadas
por meio do exame de DNA, obtendo-se assim, a verdade real da filiação.
2.3.2 Assistida
Este tipo de filiação não tem como base a cópula carnal, a
filiação oriunda da reprodução assistida, é um conjunto de técnicas que tem a
finalidade de provocar a gestação, que devido a uma deficiência no processo
reprodutivo, será mediante a substituição ou a facilitação de alguma etapa. 257
A inseminação artificial é uma técnica de procriação humana medicamente assistida, em que o material genético masculino é depositado diretamente na cavidade uterina da mulher, não por meio de um ato sexual, mas sim, assexual (artificial), cuja técnica é dirigida ao casal fértil com dificuldades para fecundar naturalmente, em vista de deficiências físicas (impotenti coeundi), “má-formação congênita do aparelho genital externo, masculino ou feminino, diminuição do volume de espermatozóides (oligoespermia) ou de sua mobilidade
255
FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. v. 7. coordenação: Águida Arruda Barbosa e Claudia Stein Vieira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.202.
256 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 202.
257 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 202-203.
57
(astenospermia), dentre outras, que por força de perturbação psíquica (infertilidade de origem psicogênica)”. 258
Neste vértice:
As expressões “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial” incluem todas as “técnicas de reprodução assistida” que permitem a geração da vida, independentemente do ato sexual, por método artificial, científico ou técnico. 259
A filiação assistida, encontra amparo legal no art. 1.597 do
Código Civil:
Art. 1.597 - Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;
V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Em relação ao inciso III do art. 1.597, é homóloga, a
inseminação artificial que diz respeito à coleta de material genético dos cônjuges ou
conviventes, ou seja, o material genético (sêmen e óvulo) pertence ao casal. 260
“Chama-se de concepção homóloga quando decorre da
manipulação de gametas masculinos e femininos do próprio casal. Procedida à
fecundação in vitro, o óvulo é implantado na mulher, que leva a gestação a
termo”.261
258
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 217-218.
259 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 333.
260WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. p. 212-213.
261 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 333.
58
Importante salientar que, uma vez realizada a inseminação
artificial homóloga, mesmo havendo separação, anulação do casamento ou morte do
cônjuge, não há como se negar a paternidade e a maternidade. 262
Na fecundação artificial homóloga, não há necessidade de autorização do marido. A cláusula “mesmo que falecido o marido” deve ser interpretada tão-somente para fins do estabelecimento da paternidade, observado o prazo limite de 300 dias da morte do varão. O permissivo legal não significa que a prática da inseminação ou fertilização in vitro port mortem seja autorizada ou estimulada. 263
O inciso IV do citado artigo, trata dos embriões excedentários,
que são os embriões concebidos por manipulação genética, e que não foram
implantados no ventre de uma mulher. No procedimento de fertilização vários
embriões são gerados, para as diversas tentativas de concepção, sendo que os
embriões descartados e não utilizados permanecem armazenados na clínica que
levou a efeito a fertilização. 264
(...), o legislador, ao utilizar a expressão embriões “excedentários”, dá a entender que deve ter havido anterior inseminação artificial homóloga, da qual sobejaram embriões que não foram utilizados. É dizer, se não houve anterior inseminação, não é possível que haja embriões excedentes, pelo que não se presumirá a paternidade do marido em caso de embriões não excedentes, isto é, realizada a inseminação artificial homóloga pela primeira vez com embriões. 265
Ainda neste sentido:
Outrossim, o legislador, ao utilizar a expressão “a qualquer tempo”, significa que se presume a paternidade se a inseminação artificial ocorrer com os embriões excedentários durante ou após o casamento ou mesmo após a morte do marido. Significa, em tese, que a mulher detém o poder de gerar filho quando bem quiser, porque o marido, ao fornecer o material genético, autorizou previamente a inseminação artificial homóloga, mesmo se depois vier a separar-se da esposa ou morrer. 266
262
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. p. 213.
263 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 334.
264 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 333.
265 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. p. 213.
266WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. p. 213.
59
Por fim, o inciso V do mesmo artigo prevê a filiação assistida
heteróloga, a qual utiliza material genético de terceiro, doador anônimo. 267
A inseminação artificial heteróloga ocorre quando o material genético é oriundo de pais deferentes. Assim, se um casal resolver que a mulher deva ser inseminada com material genético de terceiro, o marido que der a autorização não poderá, durante ou após o casamento, negar a paternidade. 268
Sobre o assunto, segue:
A manifestação do cônjuge corresponde a uma adoção antenatal do filho, pois revela, sem possibilidade de retratação, o desejo de ser pai. Ao contrário das demais hipóteses, a fecundação heteróloga gera presunção júris et de jure, pois não há possibilidade de ser impugnada. Trata-se de presunção absoluta de paternidade Socioafetiva. 269
Assim sendo, denota-se que a filiação pode se dar não apenas
por meios naturais (conjunção carnal), mas também, por meio das técnicas de
reprodução assistida, como a homóloga e a heteróloga, e de qualquer forma, os
filhos são reconhecidos da mesma maneira, sem que haja distinção.
2.3.3 Adotiva
Tratar-se-á neste item sobre a filiação adotiva, a qual passou por
várias modificações ao longo dos anos, tudo em busca do melhor para o bem estar
da criança e do adolescente.
O conceito de adoção, tanto de maneira legal como de maneira
informal, tem variado ao longo da história, assim, existem algumas definições
jurídicas para tal, como a de gerar laços de paternidade, ou criar laços de filiação,
entre outras, neste sentido, segue um conceito mais amplo do que é a adoção: 270
267
FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. p. 203.
268 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. p. 213.
269 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 335-336.
270 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Pais e filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2001. p. 22.
60
A adoção é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural. Daí ser também conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica, mas de manifestação de vontade, conforme o sistema do Código Civil de 1916, ou de sentença judicial, no atual sistema do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), bem como no corrente Código. A filiação natural repousa sobre o vínculo de sangue, genético ou biológico, e a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustente sobre a pressuposição de uma relação não biológica, mas afetiva. A adoção moderna, é portanto um ato ou negócio jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas. O ato da adoção faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do vínculo biológico. 271
Por decorrer exclusivamente de um ato de vontade, a adoção
constitui um parentesco eletivo, onde a vontade de amar e de ser amado é o que
caracteriza a paternidade, é uma modalidade de filiação construída no amor. 272
É assim, a adoção, a prova mais cabal de que não é o vínculo consangüíneo, unicamente, que deve ser levado em conta, mas também a realidade da afeição, do amor sedimentado na convivência, na assistência, na amizade, na simpatia; a paternidade adotiva é a mais pura expressão de veracidade, é o amor por excelência, é a filiação querida e vivida. 273
Em um passado não muito distante, o enfoque da adoção era
aquele em que prevalecia a natureza contratual, ou seja, a busca de uma criança
para uma família, o objetivo era suprir as necessidades de casais inférteis,
atualmente, esta concepção tradicional mudou, e a adoção passou a significar a
busca de uma família para uma criança. 274
A adoção surgiu como um instituto com o objetivo de dar herdeiros a quem não o pudesse tê-los naturalmente, mas também passou por transformações. Atualmente adotar significa perpetuar laços jurídicos
271
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. V. 6. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 327.
272 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 434.
273 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001. p. 91.
274 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 434.
61
de filiação. Esse laço, hoje, revela muito mais do que simplesmente adquirir vínculo hereditário, tem como mola mestra a afetividade.275
Como visto acima, a adoção visava à proteção do adotante,
não existindo, portanto, a natureza jurídica definitiva da adoção, eis que a redação
do art. 377 do Código Civil de 1916 estabelecia que: “A adoção produzirá os seus
efeitos ainda que sobrevenham filhos ao adotante, salvo se, pelo fato do
nascimento, ficar provado que o filho estava concebido no momento da adoção”. Isto
porque, o art. 368 do mesmo Código, dispunha que apenas os maiores de 50 anos,
e sem prole poderiam adotar. 276
As possibilidades de adoção constantes no Código Civil brasileiro assemelhavam-se àquelas ditadas pelo Código Napoleônico. Eram excessivamente rígidas e, conseqüentemente, isto dificultava o seu uso social: somente podiam adotar os maiores de 50 anos, sem filhos legítimos ou legitimados.277
Importantes modificações para a adoção ocorreram com o
advento da Lei 3.133/57, onde a idade mínima do adotante passou para 30 anos e a
diferença de idade entre adotante e adotado para 16 anos, bem como passou a ser
permitida a adoção para o adotante que já tivesse filhos legítimos, no entanto, essa
possibilidade de adoção por famílias já compostas por filhos legítimos, suprimia o
direito do filho adotado de participar da sucessão hereditária. 278
A adoção passou, então, a ser admitida para casais que já tivessem filhos biológicos. Portanto, por analogia, os adotantes que não tivessem filhos legítimos, mas que viessem a tê-los após a adoção, eram alcançados pelo critério de afastar o adotado da sucessão hereditária. Assim a adoção passa a ser irrevogável, porém, com restrições de direitos, devido à supremacia da filiação legítima, pois seria impossível apagar os efeitos da relação jurídica, em decorrência de prole superveniente. 279
275
NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 90-91.
276 BARBOSA, Águida Arruda. Direito civil: Direito de família. v. 7. coordenação: Águida Arruda Barbosa e Claudia Stein Vieira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.206.
277 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Pais e filhos por adoção no Brasil. p. 51.
278 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Pais e filhos por adoção no Brasil. p. 52-53.
279 BARBOSA, Águida Arruda. Direito civil: Direito de família. p. 206.
62
Veio então a Lei 4.655/65, a qual admitiu a modalidade da
chamada legitimação adotiva, que fazia cessar o vínculo de parentesco com a
família biológica. 280
Um passo mais amplo foi dado através da Lei 4.655/65, que criou a Legitimação Adotiva, pela qual o adotado ficava quase com os mesmos direitos e deveres do filho legítimo, salvo no caso de sucessão, se concorresse com o filho legítimo superveniente à adoção. 281
Foi então instituído o Código de Menores, Lei 6.697/79, que
admitiu a doção plena contrapondo-se à adoção simples, deste modo, ampliando os
efeitos da adoção, passando a atingir os demais membros do grupo familiar,
garantindo assim, igualdade sucessória ao adotado, em relação aos demais
herdeiros. 282
Foi somente com a Lei 6.697/79, com a instituição do novo Código de Menores, que houve maior progresso na questão da adoção de crianças: passou-se a admitir uma forma de adoção simples, que era autorizada pelo juiz e aplicável aos menores em situação irregular e houve substituição da legitimação adotiva pela adoção plena. Com a instituição deste Código passou a haver três procedimentos básicos para a adoção: a Adoção simples e a Adoção Plena regidas pelo Código de Menores e a Adoção do Código Civil, feita através de escritura em cartório, através de um contrato entre as partes, e denominada também de “adoção tradicional ou adoção civil”. 283
A verdadeira revolução no sistema jurídico brasileiro ocorreu
com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual no seu art. 227, § 6º, proíbe
quaisquer designações discriminatórias em relação aos filhos, assim sendo, igualou
os direitos de todos os filhos. 284
“Desde o advento da Constituição, estão assegurados os
mesmos direitos e qualificações aos filhos havidos ou não da relação do casamento
280
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 433.
281 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Pais e filhos por adoção no Brasil. p. 53.
282 BARBOSA, Águida Arruda. Direito civil: Direito de família. p. 207.
283 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Pais e filhos por adoção no Brasil. p. 54.
284 BARBOSA, Águida Arruda. Direito civil: Direito de família. p. 207.
63
ou por adoção. Não cabe mais falar em filhos adotivos, mas em filhos por adoção”.
285
Contudo, foi por meio de um movimento social no Brasil, que
contou com a participação de diversos segmentos da sociedade civil, que resultou a
elaboração e a aprovação de uma nova lei, que vem a ser o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, lei esta que derivou do art.
277, § 6º da Constituição Federal, e é considerada uma das mais avançadas do
mundo.286
Buscando dar efetividade ao comando consagrador do princípio da proteção integral, o ECA deu prevalente atenção aos interesses de crianças e adolescentes. Passou a regular a adoção dos menores de 18 anos, assegurando-lhes todos os direitos, inclusive os sucessórios.287
O ECA acabou promovendo a adoção a um ato de amor, não
mais considerando-se simplesmente o interesse do adotante, a adoção passou a
atribuir condição de filho ao adotado, desligando este de qualquer vínculo com os
parentes biológicos, salvo os impedimentos matrimoniais, o adotado passou a ter os
mesmos direitos e deveres dos demais filhos, inclusive os sucessórios. 288
“Do vínculo de consangüinidade não resulta qualquer outro
efeito jurídico, pessoal ou patrimonial. A relação de parentesco se estabelece entre o
adotado e toda a família do adotante”. 289
Entre as espécies de adoção existe a adoção à brasileira, que
já está arraigada à historia do Direito de Família Brasileiro. Neste tipo de adoção, os
filhos alheios, recém-nascidos, são registrados como próprios, isto com o intuito de
285
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 435.
286 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Pais e filhos por adoção no Brasil. p. 56.
287 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 433.
288 WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Pais e filhos por adoção no Brasil. p. 62.
289 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 435.
64
inserir a criança no seio familiar, mediante a autorização da mãe biológica, e mesmo
se tratando de crime, os adotantes não são apenados pelo ato de afeto. 290
Há uma prática disseminada no Brasil – daí o nome eleito pela jurisprudência – de o companheiro de uma mulher perfilhar o filho dela, simplesmente registrando a criança como se fosse seu descendente. Ainda que este agir constitua crime contra o estado de filiação (CP 242), não tem havido condenações, pela motivação afetiva que envolve sua prática. 291
A adoção de menores de 18 anos, bem como a dos maiores de
18 anos, ocorrerá mediante processo judicial.
De acordo com preceito constitucional, a adoção será sempre judicial, conforme art. 227, § 5º. Tal preceito estende-se, igualmente, à adoção de maiores de dezoito anos e a proteção do Estado se realiza por sentença constitutiva. A sentença de adoção será averbada no Cartório do Registro Civil competente. 292
Em fim, atualmente para ocorrência da adoção, o adotante e o
adotado devem preencher as condições previstas nos arts. 39 a 52 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, bem como o disposto no art. 1.623 do Código Civil.
Vale ressaltar, que existe ainda outra espécie de filiação, qual
seja, a Filiação Socioafetiva, filiação esta construída com base no afeto, pouco
importando os laços consanguíneos, e por ser este o tema principal do presente
trabalho, será tratado em capítulo próprio.
290
BARBOSA, Águida Arruda. Direito civil: Direito de família. p. 209-210.
291 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 444.
292 BARBOSA, Águida Arruda. Direito civil: Direito de família. p. 210.
65
CAPÍTULO 3
O AFETO COMO VALOR JURÍDICO
3.1 RECONHECIMENTO DO AFETO
No presente capítulo, se abordará o valor jurídico do afeto,
afeto este, que no tocante as relações familiares antigas, não era reconhecido, não
tinha valor jurídico, eis que o predominante eram as relações formais, onde a família
apenas existia e era reconhecida a partir do casamento, bem como, os filhos
merecedores de qualquer proteção, eram os biológicos, chamados de legítimos,
aqueles nascidos na constância do casamento.
Para dar início a tal tema, se faz necessário demonstrar que o
desprezo ora dado ao afeto, foi deixado para traz, assim, neste primeiro momento,
discorrer-se-á sobre o reconhecimento do afeto, o qual é o laço que une as pessoas,
é o sentimento que nasce a partir da convivência.
Foi a contar da Constituição Federal de 1988, que o afeto
passou a ser reconhecido, e a ter valor jurídico, uma vez que a família passou a ser
composta não apenas pelo casamento, mas também pela união estável, e pela
comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos, passando assim, a ser
uma comunidade fundada no afeto, onde o sentimento de solidariedade une os seus
membros, é a chamada família sociológica. 293
A família passa a ser plural ao invés de singular, uma vez que a Constituição reconhece a multiplicidade de famílias, aumenta a tutela jurídica e a esfera de liberdade de escolha dos sujeitos que a compõe, assim aumentando as formas de constituição de famílias
293
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 36.
66
tendo como fundamento central o afeto e o desejo de estarem juntas.294
Ainda neste sentido:
A família sociológica se assenta no afeto cultivado dia a dia, alimentado no cuidado recíproco, no companheirismo, cooperação, amizade e cumplicidade, nesse ínterim, o afeto está presente nas relações familiares, tanto na relação entre homem e mulher como na relação entre pais e filhos, todos unidos pelo sentimento, na felicidade e no prazer de estarem juntos. 295
É neste novo modelo de família que leva em conta a
valorização de seus integrantes, importando os interesses individuais dos sujeitos
que a compõem, que denota-se a inversão dos valores tutelados antigamente, pois a
família atual valoriza o vínculo afetivo, e dispensa o vínculo anteriormente principal
na formação da família, qual seja, o patrimônio e o sangue. 296
O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar e não do sangue. A história do direito à filiação confunde-se com o destino do patrimônio familiar, visceralmente ligado à consanguinidade legítima. Por isso, é a história da lenta emancipação dos filhos, da redução progressiva das desigualdades e da redução do quantundespótico, na medida da redução da patrimonialização dessas relações. 297
Agora a família funda-se sobre os pilares da repersonalização,
da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, a tônica reside no indivíduo, e não
mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar, ou seja, a família-
instituição foi substituída pela família-instrumento, a qual contribui tanto para o
294
NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001. p. 48.
295 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 53.
296 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 44.
297 LOBO, Paulo Luiz Netto. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Familia: Afeto, Ática, Família e o Novo Código Civil. coordenação: Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 513.
67
desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e
formação da própria sociedade. 298
Sob as relações de afeto, de solidariedade e de cooperação, proclama-se, com mais acento, a concepção eudemonista da família: não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade. 299
Ao vedar o tratamento discriminatório dos filhos, a atual
Constituição Federal, a partir dos princípios da igualdade e da inocência, veio a
consolidar o afeto como elemento de maior importância no que tange o
estabelecimento da paternidade. 300
Assim, a tão desprezível discriminação dos filhos, finalmente
acabou, elevando todos os filhos ao patamar da igualdade, e a utilização das
designações de filhos legítimos, legitimados, adotivos, ilegítimos, espúrios
incestuosos e adulterinos, passou a ser proibida, eis que todos são simplesmente
filhos. 301
O alargamento conceitual das relações interpessoais acabou deixando reflexos na conformação da família, que não possui mais um significado singular. A mudança da sociedade e a evolução dos costumes levaram a uma verdadeira reconfiguração, quer da conjugalidade, quer da parentalidade. Assim, expressões como ilegítima, espúria, adulterina, informal, impura estão banidas do vocabulário jurídico. Não podem ser utilizadas, nem com referência às relações afetivas, nem aos vínculos parentais. Seja em relação à família, seja no que respeito aos filhos, não se admite qualquer adjetivação. 302
298
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 43.
299 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 31-32.
300 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. p. 22.
301 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 47.
302DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 41.
68
Grandes transformações ocorreram na forma do viver familiar,
devido a dinâmica e a renovação dos valores e tendências, esse processo de
transformação da família, é resultado de profundas modificações das estruturas
sociais, econômicas políticas e culturais. 303
A vastidão de mudanças das estruturas políticas, econômicas e sociais produziu reflexos nas relações jurídico-familiar. Os ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo voltaram-se à proteção da pessoa humana. A família adquiriu função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes. 304
O pluralismo das relações familiares operou verdadeira
transformação na família, rompeu o aprisionamento da família nos moldes restritos
do casamento, ocorrendo assim, a igualdade, o reconhecimento da existência de
outras estruturas de convívio, como a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do
casamento. 305
Uma família construída sobre novos parâmetros se fizeram sentir e receberam ampla proteção constitucional, tendo a dignidade e a igualdade como princípios orientadores, assim como a possibilidade de tentar tantas vezes quanto forem necessárias a formação de uma família feliz. 306
Continuando:
(...) a teoria e prática das instituições de família dependem, em ultima análise, da competência em dar e receber amor. A família continua mais empenhada que nunca em ser feliz. A manutenção da família visa, sobretudo, buscar a felicidade. Não é mais obrigatório manter a família – ela só sobrevive quando vale a pena. 307
Nos dias de hoje, para nominar as relações interpessoais como
família, se faz necessário a existência da afetividade, que é o envolvimento 303
NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 42.
304 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 40.
305 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 41.
306 CARBONERA, Silvana Maria. apud NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 41.
307 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 44.
69
emocional, que subtrai um relacionamento do âmbito do direito obrigacional para
inseri-lo no direito das famílias, onde o amor é o elemento estruturante que funde as
almas, gera responsabilidades e comprometimentos mútuos. Deste modo, o que
difere o direito obrigacional do familiar, é que um é fundado exclusivamente na
vontade, enquanto o outro é o afeto. 308
A presença do afeto na família patriarcal era presumido, podendo estar presente ou ausente. Na família atual, o afeto é a razão de sua própria existência, o elemento responsável e indispensável pela sua formação, visibilidade e continuidade. “Da família matrimonializada por contrato chegou-se à família informal, precisamente porque afeto não é um dever e a coabitação uma opção, um ato de liberdade”. 309
Como visto, o elemento identificador da família passou a ser a
afetividade, assim sendo, passou também a ser o elemento identificador da filiação.
Com isso, a filiação desligou-se da verdade genética, da origem biológica. 310
Trata-se do reconhecimento pelos tribunais de uma situação que se coloca como base das relações familiares. Se não há dúvida acerca da relevância do reconhecimento dos laços biológicos da filiação, o vínculo que une pais e filhos e que lhes oferece tais qualificações é mais amplo que a carga genética de cada um: diz respeito às relações concretas entre eles, o carinho dispensado, o tratamento afetuoso, a vontade paterna em se projetar em outra pessoa, a quem reconhece como filho, não só em virtude do sangue, mas em virtude do afeto, construído nas relações intersubjetivas concretas. 311
Hoje, a família expressa um espaço em que cada membro
busca a realização de si mesmo através do outro, a finalidade da família é a
realização da afetividade pela pessoa no grupo familiar, reinando o companheirismo,
a camaradagem, a solidariedade com o outro, onde o respeito e a igualdade são
praticas constantes. 312
308
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 43.
309 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 53-54.
310 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 331.
311 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. p. 22-23.
312 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto
70
A família concreta é aquela que garante as condições reais de igualdade e liberdade, que compõe pressupostos para a realização afetiva, “somente podem ser dignas e iguais as pessoas que respeitam as outras, e isto acontece de forma voluntária quando estas se unem em virtude do afeto”.313
Finalizando:
A família é uma estrutura de afetividade, seja qual for a realidade de sua construção, se articulada por pais separados, se formada por pessoas homossexuais, família com filhos adotivos, família sem pai, sem mãe, sem filhos, etc. A família é um lugar subjetivo, onde recorremos sempre que precisamos de referencias, apoio e conforto para tratar de questões que a vida nos apresenta. 314
Verifica-se, que grandes mudanças ocorreram para que se
chegasse nos dias atuais, onde o afeto esta presente em todas as relações
familiares, ele é o elemento essencial da família contemporânea, prevalecendo
sobre qualquer outro aspecto.
3.2 FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
No segundo capítulo do presente trabalho, foram enumerados
os tipos de filiação, no entanto, a Filiação Socioafetiva apenas será delineada neste
momento por ser o foco do trabalho em apreso.
Do mesmo modo que a família, a filiação passou por várias
modificações ao longo dos tempos. A verdadeira filiação, anteriormente a atual
Constituição Federal 1988, era aquela que derivava do matrimônio, onde o pai era o
marido da mãe, sendo esta a realidade biológica, no entanto, o verdadeiro pai
poderia não ser aquele que a lei atribuía como tal. Então, derrubando-se as
verdades jurídicas, com os avanços científicos, mais precisamente por meio do DNA,
chegou-se a verdadeira filiação biológica, mas ainda assim, o pai verdadeiro pode
como valor jurídico. p. 54.
313 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 54.
314 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 61.
71
não ser aquele que os exames laboratoriais determinam, eis que os verdadeiros pais
são aqueles que amam e dedicam sua vida a uma criança, pois o amor depende de
tê-lo e se dispor a dá-lo, os laços que fazem de alguém pai e mãe, são os laços
afetivos e não os de sangue. 315
O reconhecimento do fundamento biológico da filiação, com o desenvolvimento das técnicas da engenharia genética, a atenuação da pater is est, a vedação constitucional ao tratamento discriminatório e o consequente acesso dos filhos outrora ilegítimos ao estatuto jurídico da filiação, em patamar de igualdade com os denominados filhos legítimos, foram significativos avanços do Direito no que tange a questão do estabelecimento da paternidade. Todavia, sendo a paternidade um conceito jurídico e, sobretudo, um direito, a “verdade biológica” da filiação não é o único fator a ser levado em consideração pelo aplicador do Direito: o elemento material da filiação não é tão-só o vinculo de sangue, mas a expressão jurídica de uma “verdade socioafetiva”. 316
Assim, o critério afetivo adquire relevância para identificação da
filiação, pois a filiação biológica não consegue substituir a convivência necessária
para a construção dos laços de afeto, passando então a filiação, a assumir nova
feição que difere do critério jurídico ou biológico. A filiação socioafetiva, é marcada
pela solidariedade que demonstra o vínculo de filiação entre filho, pai e mãe. 317
O vínculo de sangue tem um papel definitivamente secundário para a determinação da paternidade; a era da veneração biológica sede espaço a um novo valor que se agiganta: o afeto, porque o relacionamento mais profundo entre pais e filhos transcende os limites biológicos, ele se faz no olhar amoroso, no pegá-lo nos braços, em afagá-lo, em protegê-lo, e este é um vínculo que se cria e não que se determina. 318
Vive-se uma nova realidade em relação à filiação, uma vez que
a filiação socioafetiva emerge da convivência diuturna entre os pais e os filhos, onde
315
NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001. p. 84.
316 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 18-19.
317 DONIZETTI, Leila. Filiação Socioafetiva e Direito à Identidade Genética. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 71.
318 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 85.
72
se tem como base o carinho, o cuidado, pequenas doses de amor, deste modo, o
modelo puramente genético para identificar a filiação se faz insuficiente, já que os
elementos que estruturam a filiação são outros, que vão além das bases biológicas.
319
Essas relações de cunha sentimental, em que se baseia a “filiação socioafetiva”, são decorrentes de uma construção diária, não se explicam por mero laço genético; estes muitas vezes coincidem, mas o vínculo de sangue e de afeto são duas verdades que nem sempre andam juntas, por isso não é o vínculo biológico que faz nascer a ligação afetiva com uma criança, mas o cuidado dispensado a ela diariamente.320
A Filiação Socioafetiva, ocorre quando os “pais”, desejando ter
um filho, acolhem um novo ser, proporcionando-lhe a criação, o bem-estar, os
cuidados, tudo que for necessário para o desenvolvimento do ser humano, pouco
importando se esta criança tem sua carga genética. 321
Assim se identificam os verdadeiros pais, nos pequenos gestos de carinho, nas palavras, nas ações, na capacidade em renunciar a favor do filho; são pais aqueles que amam, educam e protegem. Dessa forma, a filiação é um construído diário, pois o vínculo de sangue não traz consigo a garantia de amor.322
Não há como se falar em Filiação Socioafetiva, sem se abordar
acerca da Posse de Estado de Filho:
A filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse de estado de filho: a crença da condição de filho fundada em laços de afeto. A posse de estado é expressão mais exuberante do parentesco psicológico, da filiação afetiva.323
319
DONIZETTI, Leila. Filiação Socioafetiva e Direito à Identidade Genética. p. 24.
320 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 89.
321 DONIZETTI, Leila. Filiação Socioafetiva e Direito à Identidade Genética. p. 38.
322 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 93.
323 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 338.
73
Entende-se como posse de estado de filho, a relação intima e
duradoura do afeto entre os “pais” e a criança, que possui reconhecimento social,
onde ambos se tratam e comportam como pais e filhos, ela constitui a base
sociológica da filiação, está fundada nos laços de afeto.324
A noção de posse de estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato de vontade, que se sedimenta no terreno da afetividade, colocando em xeque tanto a verdade jurídica, quanto a certeza científica no estabelecimento da filiação. 325
Caracteriza-se a posse de estado de filho, quando alguém
assume o papel de filho em face daquele que assume o lugar ou papel de pai e ou
mãe, existindo ou não o vínculo biológico entre eles, é a exteriorização da
afetividade e da convivência familiar. A posse de estado de filho confere à
aparência. 326
Quando as pessoas desfrutam de uma situação jurídica que não corresponde a verdade, detém o que se chama de posse de estado. Quando se trata de vínculo de filiação, quem assim se considera, detém o estado de filho afetivo.327
Continuando:
A aparência faz com que todos acreditem existir situação não verdadeira, fato que não pode ser desprezado pelo direito. Assim, a tutela da aparência acaba emprestando juridicidade a manifestações exteriores de uma realidade que não existe.328
Para se ostentar o estado de filho, ter de fato o título
correspondente, é necessário identificar a exteriorização da condição de filho em
algumas circunstâncias, como: sempre ter levado o nome dos supostos genitores,
324
NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 112-113.
325 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 337-338.
326 LOBO, Paulo Luiz Netto. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Familia: Afeto, Ática, Família e o Novo Código Civil. coordenação: Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 510.
327 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 337.
328 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 337.
74
ter recebido continuamente o tratamento de filho, e ter sido reconhecido pela
sociedade e pelos supostos pais, como filho.329
A posse de estado consiste no desfrute público, por parte de alguém, daquela situação peculiar ao filho legítimo, tal o uso do nome familiar, o fato de ser tratado como filho pelos pretensos pais, aliado à persuasão geral de ser a pessoa, efetivamente, filho legítimo. 330
Ainda neste sentido:
“Posse de estado de filho” é aquela relação afetiva íntima e duradoura, que decorre de circunstâncias de fato, situação em que uma criança usa o patronímico do pai, por este é tratado como filho, exercitando todos os direitos e deveres inerentes a uma filiação, o criando, o amando, o educando e o protegendo, e esse exercício é notório e conhecido pelo público. 331
Como visto acima, são três os requisitos para estabelecimento
da posse de estado de filho: nominatio, tractatus e reputatio.
A nominatio, que é o nome, é ter o filho o apelido do pai; a tractatusé ser tratado e educado como filho; a reputatioé ser tido e havido por filho na família e na saciedade em que vive. Isso significa que o nome é o uso constante do apelido (sobrenome) da família da pai afetivo; o tratamento decorre do filho ser criado, educado, tido e apresentado à sociedade como filho; a fama ou reputação é a circunstância de ser sempre considerado, na família e na sociedade, como filho. 332
Não há a necessidade da existência de todos os referidos
elementos constitutivos para que haja a configuração da posse de estado de filho,
isto porque existem graus de maior ou menor importância entre os elementos. 333
329
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 151.
330 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. p. 24.
331 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 85-86.
332 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. p. 156-157.
333 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 116.
75
(...) a doutrina, em sua maioria, dispensa o requisito do nome, bastando a comprovação dos requisitos do tratamento e da reputação, visto que o filho é quase sempre identificado pelo seu prenome, pelo que “até mesmo a posição social e o grau de educação das pessoas envolvidas são fatores que deve considerar para a configuração e tipificação desses dois elementos essenciais”. 334
O tratamento de filho está dividido em duas condutas, onde a
primeira contempla os atos de proteção e amparo econômico (educação, sustento e
vestuário), e a segunda, a afetividade por parte dos supostos pais (amor, respeito,
carinho, ternura). Importante ressaltar, que o tratamento é o melhor índice de
reputação, pois reclama os atos inequívocos, públicos e de continuidade, eis que
não basta a prática de um ato isolado, exige-se a reiteração, a sequência. 335
O trato é elemento clássico de maior valor para que se estabeleça a “posse de estado de filho”, pois é o tratamento que os pais dispensam a seu filho, assegurando-lhe manutenção, educação, instrução, enfim, contribuindo de maneira efetiva para a formação dele como ser humano, que demonstra força para informar a “posse de estado de filho”.336
O requisito da reputação merece cuidado, pois os boatos não
constituem reputação, ela deve basear-se em fatos concretos, devendo ser
contínua, não servindo como prova os fatos avulso. 337
“O terceiro elemento, a fama, é a situação de uma criança ter
sempre sido considerada pela sociedade como filho “legítimo” daqueles que criam, é
a notoriedade ou reputação social desta situação”.338
Como realidade sociológica e afetiva, a posse de estado de
filho pode ocorrer em situações em que também está presente a filiação biológica,
334
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. p.157.
335 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. p.158.
336 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 116.
337WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. p.158.
338 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. p. 116.
76
bem como naquelas em que o afeto e a vontade são os únicos elementos, exemplo
disso encontramos na adoção. 339
A adoção é um ato de vontade e um ato jurídico, que se prova e se estabelece através de um contrato ou de um julgamento (ato de vontade do Juiz), mas que supõe previamente à vontade do (s) interessado (s). Esse instituto não foi criado recentemente, constando do art. 185 do Código de Hamurabi (1728-1686 a.C.), pois a verdade socioafetiva “é tão real como o que une o pai ao seu filho de sangue, e os efeitos que do primeiro emergem são tão reais como os que decorrem do segundo”. 340
Outro exemplo de que o afeto dispensado à criança irá
caracterizar a posse de estado de filho está na evolução tecnológica, pois quando o
homem da o seu consentimento para que a sua esposar gere um filho artificialmente
com material genético de um terceiro doador (inseminação artificial heteróloga), está
recebendo como filho uma criança que não possui biológico com ele, apenas existe
a verdade socioafetiva. 341
Por linhas invertidas, a tutela legal desse tipo de concepção vem fortalecer a natureza fundamentalmente socioafetiva, e não biológica, da filiação e da paternidade. Se o marido autorizou a inseminação artificial heteróloga, não poderá negar a paternidade, em razão da origem genética, nem poderá ser admitida investigação de paternidade, com idêntico fundamento, máxime em se tratando de doadores anônimos. 342
Pode-se ainda identificar a posse de estado de filho na filiação
socioafetiva do filho de criação, e na filiação socioafetiva decorrente da adoção à
brasileira:
A filiação afetiva também ocorre naqueles casos em que , mesmo não havendo nenhum vínculo biológico ou jurídico (adoção), os pais criam uma criança ou adolescente por mera opção, denominado filho de criação, (des) velando-lhe todo o cuidado, amor, ternura, enfim,
339
FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. p. 26.
340 WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. p.148.
341 FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. p. 26.
342 LOBO, Paulo Luiz Netto. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Familia: Afeto, Ática, Família e o Novo Código Civil. p. 510.
77
uma família “cuja mola mestra é o amor entre seus integrantes; uma família, cujo único vínculo probatório é o afeto”.343
Ainda neste sentido:
O reconhecimento da chamada adoção à “brasileira” visa a impedir o locupletamento de quem procedeu em desconformidade com a lei e a verdade. Tal atitude ainda que configure delito contra o estado de filiação (CP 242), nem por isso deixa de produzir efeitos, não podendo gerar irresponsabilidades ou impunidades. Como foi o envolvimento afetivo que gerou a posse de estado de filho, o rompimento da convivência não apaga o vínculo de filiação que não pode ser desconstituído. Assim, se, depois do registro, separam-se os pais, nem por isso desaparece o vínculo de parentalidade. Persistindo a certeza de quem é o pai, ou seja, mantida a posse de estado de filiação, não há como desconstituir o registro. 344
Deste modo, nota-se que a filiação não mais se identifica por
meio da origem genética como em outrora, uma vez que, com o advento da
Constituição Federal de 1988 a filiação socioafetiva passou a existir, e cada dia mais
possui força frente à biológica, eis que o que une os pais a seus filhos não é a carga
genética, é algo que vai muito alem desse dado biológico, é o laço afetivo, o amor.
3.3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Neste item, se realizará uma análise a alguns julgados
pertinentes ao tema do presente trabalho, e para tanto, serão utilizadas as
jurisprudências do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, entre os anos
de 2005 a 2009.
Para iniciar, se faz importante ressaltar o disposto no acórdão
do julgado abaixo: onde verifica-se que não há mais dúvidas acerca do valor jurídico
do afeto:
Em 1988 a novel Constituição deu um primeiro passo na seara do reconhecimento jurídico das entidades familiares estabelecidas tão-somente com base no afeto ao emprestar a devida proteção do Direito à União Estável. A partir de então houve um deslocamento do
343
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. p.148-149.
344 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 339.
78
conceito jurídico de família para a união de pessoas decorrente do vínculo de afeto, e não simplesmente na união jurídica advinda do ato formal representado pelo casamento. Com base nesta inovação legal engendrada pela Constituição, combinada com a aplicação prática do Princípio da Dignidade Humana, plenamente possível emprestar caráter oficial ao Estado de Filiação nascido e desenvolvido simplesmente com base no afeto. É inexorável o reconhecimento judicial de que a família na sociedade contemporânea é fruto muito mais do afeto e do sentimento de humanidade do que do DNA.345
De conformidade com o exposto acima, que colhe-se do
acórdão do referido julgado, verifica-se que não há mais dúvidas acerca do valor
jurídico do afeto, uma vez que os Tribunais já passaram a reconhecer a importância
do mesmo.
O julgado a seguir exposto, tratará de uma forma de filiação
socioafetiva por meio da adoção à brasileira. É um caso em que a filha propôs ação
de investigação de paternidade, eis que seu pai biológico manteve um
relacionamento amoroso com sua mãe, do qual resultou o seu nascimento, sendo
que o suposto pai se negou a registrá-la, e que sua mãe acabou por encontrar um
companheiro que veio a reconhecê-la como filha, registrando-a, e tratando-a como
se fosse sua filha de verdade. A decisão foi no sentido de reconhecer a paternidade
biológica apenas para fins genéticos, sem qualquer vínculo sucessório, mantendo-se
a paternidade socioafetiva.
DIREITO CIVIL - FAMÍLIA - INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA E ALIMENTOS - EXAME DNA POSITIVO - PROCEDÊNCIA PARCIAL EM 1º GRAU - INSURGÊNCIA DO INVESTIGADO - CERCEAMENTO DE DEFESA - AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS E INDEFERIMENTO DE 2º EXAME DNA - TESTEMUNHAS DEFERIDAS INDEPENDENTEMENTE DE INTIMAÇÃO - NOVA PERÍCIA - DESNECESSIDADE - LAUDO REGULAR - RECURSO IMPROVIDO - RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE - EXISTÊNCIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E GENÉTICA - PREVALÊNCIA DAQUELA - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA - PATERNIDADE PARA FINS EXCLUSIVAMENTE BIOLÓGICOS - MANUTENÇÃO DO REGISTRO CIVIL - SENTENÇA REFORMADA. No conflito entre paternidade socioafetiva e biológica - matéria de ordem pública –
345
TJSC. Apelação Cível n. 2006.018279-5, Relator: Denise Volpato, Data: 18/03/2010.
79
prevalece aquela por melhor acolher o princípio constitucional da dignidade humana. Existindo paternidade socioafetiva simultaneamente com a paternidade biológica, deve esta ser acolhida parcialmente para fins exclusivamente genéticos, sem parentalidade ou conseqüência sucessória, mas mantendo-se aquela até então existente.346
Colhe-se ainda do mesmo julgado :
Existindo parentesco socioafetivo, mesmo que independente da verdade biológica, a supremacia é do elo da afetividade. Por isso mesmo é que, conforme entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, é proibida a desconstituição do registro de nascimento concretizado espontaneamente por aquele que, não sendo o pai consanguíneo, tem a filha como sua.347
Como visto, a filiação socioafetiva acaba por prevalencer em
relação a biológica, e de acordo com o presente caso, no qual o pai afetivo registrou
a “filha” quando esta tinha apenas 09 meses, e durante 18 anos dedicou todo
cuidado, carinho, amor de pai para esta, não haveria outra decisão justa se não a de
manter a filiação socioafetiva.
A próxima jurisprudência trata de um pai que propôs ação
negatória de paternidade e a consequente anulação do registro civil, argumentando
que apenas registrou a criança como sendo seu filho por realmente achar que o
mesmo era, e após 10 anos veio a saber que estava enganado, no entanto, restou
comprovado que o mesmo sempre soube da verdade e mesmo assim registrou a
criança e a tratou como filho durante todo esse tempo.
DIREITO CIVIL - FAMÍLIA - NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - IMPROCEDÊNCIA EM PRIMEIRO GRAU - INCONFORMISMO - ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - PRELIMINAR AFASTADA - DOCUMENTO NOVO JUNTADO EM ALEGAÇÕES FINAIS - POSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO BIOLÓGICA - EXAME DNA NEGATIVO - ALEGAÇÃO ACOLHIDA - VÍNCULO GENÉTICO INEXISTENTE - ANULAÇÃO DO REGISTRO CIVIL FUNDADO EM VÍCIO DE CONSENTIMENTO - AFASTAMENTO - RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO - ATO IRREVOGÁVEL -
346
TJSC. Apelação Cível n. 2005.000406-5, Relator: Monteiro Rocha, Data: 01/08/2008.
347 TJSC. Apelação Cível n. 2005.000406-5, Relator: Monteiro Rocha, Data: 01/08/2008.
80
FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA QUE EXCLUI A BIOLÓGICA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 348
Assim, a sentança reconheceu a inexistência do vínculo
biológico, no entanto, manteve a paternidade socioafetiva e os dados constantes no
registro civil da criança.
Ainda em relação ao julgado acima, no tocante a permanência
do registro civil, fale ressaltar que, o pai não foi induzido a erro, deste modo não
podendo obter a anulação do registro civil do menor, eis que o mesmo é irrevogável.
O pai registral possui legitimidade para contestar paternidade de filho nascido durante relacionamento com a genitora, embora concebido anteriormente a esse lapso temporal. A teor do art. 397 do CPC é lícito às partes juntar aos autos documentos novos, em qualquer tempo, desde que respeitado o contraditório e ausente a má-fé. A inexistência de vínculo genético entre o requerente e o menor não exclui a paternidade socioafetiva, caso esta venha a ser demonstrada. O reconhecimento voluntário da FILIAÇÃO através de registro civil, sedimentado por elos de afetividade caracteriza relação paterna-filial socioafetiva em ato irrevogável, mormente quando ausentes quaisquer vícios formais ou materiais maculando a higidez do ato. No conflito entre paternidade socioafetiva e biológica, prevalece aquela, fulcrado no princípio constitucional da dignidade humana.349
Colhe-se da ementa a seguier, outro caso de pleito de
anulação de registro civil:
DIREITO CIVIL - FAMÍLIA - ANULATÓRIA DE REGISTRO CIVIL - IMPROCEDÊNCIA EM PRIMEIRO GRAU - INCONFORMISMO - CERCEAMENTO DE DEFESA - JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE - INOCORRÊNCIA - VÍNCULO GENÉTICO INEXISTENTE - NULIDADE DO REGISTRO DE NASCIMENTO - AFASTAMENTO - PEDIDO DE ANULAÇÃO FUNDADO EM MERO ARREPENDIMENTO - AUSÊNCIA DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO - RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO - ATO IRREVOGÁVEL - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO.350
348
TJSC. Apelação Cível n. 2006.015175-2, Relator: Monteiro Rocha, Data: 25/09/2008.
349 TJSC. Apelação Cível n. 2006.015175-2, Relator: Monteiro Rocha, Data: 25/09/2008.
350 TJSC. Apelação Cível n. 2007.002405-6, Relator: Monteiro Rocha, Data: 29/05/2009.
81
A presente ação foi proposta pelo pai afetivo com o intuito de
desconstituir o registro civil do menor, isto porque após o término da relação com a
mãe do infante, veio a se arrepender de tê-lo registrado como filho, bem como, pelo
fato do menor ter ajuizado execuçãos de alimento contra ele.
Para não restar dúvidas acerca da irrevogabilidade do registro
de nascimento, quando feito por ato voluntário, colhe-se do referido acórdão:
O reconhecimento de filiação feito de forma livre e espontânea não pode ser desconstituído, o que, à toda evidência, configura a hipótese dos autos, uma vez que o apelante fundou sua pretensão em mero arrependimento.351
Ainda neste sentido :
O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o 'pai registral' foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto" (Ministra Nancy Andrighi).352
Outrossim, denota-se que apenas quando restar comprovado
que o pai ou a mãe que registrou a criança, agiram de tal forma por terem sido
induzidos a erro, por terem realmente acreditado que o filho era seu, poderam ter o
pedido de anulação do registro de nascimento concedido, caso contrário, o registro
civil é irrevogável, eis que o que prevalece é o princípio do melhor interesse da
criança, deste modo, aquele pai que registrou a criança, que lhe deu toda a atenção
e carinho, fazendo existir uma filiação socioafetiva, deve realmente manter seu
estatus de pai, tanto no registro de nascimento, como para qualquer outro ato, pois
com certeza estará atendendo ao princípio citado.
No julgado a seguir exposto, os tios por parte materna,
ingressaram com o pedido de adoção da menor, bem como, com a consequente
modificação do seu registro civil, uma vez que,desde a morte da genitora, que 351
TJSC. Apelação Cível n. 2007.002405-6, Relator: Monteiro Rocha, Data: 29/05/2009.
352 TJSC. Apelação Cível n. 2008.047147-8, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Data: 26/06/2009.
82
ocorreu no parto, a criança está sob a guarda do tios, tios estes que dedicaram todo
amor, carinho e educação a esta criança, suprindo todas as suas necessidades,
existindo assim uma relação de pais e filho de afeto, sendo que o pai biológico da
infante nunca prestou auxílio algum a esta, vindo apenas a conhecê-la quando ela já
se encontrava com 6 anos de idade.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. FALECIMENTO DA MÃE BIOLÓGICA NO TRABALHO DE PARTO. ABANDONO MATERIAL E MORAL PELO PAI BIOLÓGICO. MENOR SOB OS CUIDADOS DOS TIOS HÁ LONGO TEMPO. LAÇOS FAMILIARES E AFETIVOS CONSOLIDADOS. MODIFICAÇÃO PREJUDICIAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. RECURSO PROVIDO. Não há justeza e nem razoabilidade permitir que a criança ou adolescente entregue aos cuidados de terceiros que desempenham fielmente e por aproximadamente 16 (dezesseis) anos o poder familiar em sua plenitude legalmente exigida, auxiliando na formação moral e intelectual do infante, e estreitando laços familiares e afetivos, seja impossibilitado de sublimar o sonho de realmente ser pai e mãe de direito por meio da adoção, em vista da contrariedade externada pelo pai biológico, diga-se, pessoa que a abandonou no momento do nascimento e a deixou a toda sorte por todo este tempo.353
Consta no acórdão do citado julgado, que o pai biológico,
mesmo tendo se ausentado da convivência com a menor durante longos anos, não
estabelecendo nenhem laço afetivo com a filha, se posicionou contra a adoção
pretendida pelos tios “pais socioafetivos” da criança, no entanto a decisão mais uma
vez foi no sentido de fazer prevalecer a realidade afetiva sobre a genética.
Mister frisar que o poder familiar compõe-se de direitos e deveres dos pais para com os filhos. No entanto, mostra-se descabida a insurreição dos pais no intuito de fazer valer o seu direito, quando nunca cumpriram com o seu dever, quer de prover o seu sustento, quer de dar-lhes afeto.354
Sempre que se estiver diante da filiação socioafetivos, seja ela
por meio da adoção, filhos de criação, adoção à brasileira, independente, sempre
será priorizado o bem estar da criança, se levará em conta aquilo que melhor
atender aos interesses do menor.
353
TJSC. Apelação Cível n. 2009.053581-6, Relator: Fernando Carioni, Data: 26/02/2010.
354 TJSC. Apelação Cível n. 2009.053581-6, Relator: Fernando Carioni, Data: 26/02/2010.
83
Embora a adoção envolva, em sua maioria, uma série de aspectos psicológicos, conflitos familiares, mágoas e traumas, deve-se atentar sempre ao primordial: a proteção ao bem estar da criança. É incontestável o dever de prevalência do interesse do menor em detrimento de qualquer outro bem juridicamente tutelado.355
Segue outro julgado que concretiza o princípio do melhor
interesse da criança:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO C/C GUARDA - MENOR ENTREGUE PELA MÃE BIOLÓGICA A SUPOSTO PAI - REGISTRO EM NOME DE AMBOS - AUTOR QUE AVOCA PARA SI A PATERNIDADE - EXAME DE DNA CONCLUSIVO ACERCA DE SUA PATERNIDADE - CASO PECULIAR - MENOR QUE JÁ CONTA COM MAIS DE TRÊS ANOS - INÉRCIA DO PAI BIOLÓGICO NA TOMADA DE MEDIDAS DE URGÊNCIA PARA TOMADA DA CRIANÇA - CONTRIBUIÇÃO DECISIVA PARA CONSOLIDAÇÃO DOS LAÇOS AFETIVOS - ESTUDO SOCIAL INDICANDO AS DIFICULDADES QUE A MODIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO ACARRETARÁ À MENOR - PATERNIDADE SOCIOAFETIVA - PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE - MANTENÇA DA GUARDA COM O CASAL QUE VEM CRIANDO A MENOR - ARTIGOS 6º E 33 DO ECA - PEDIDO INICIAL PARCIALMENTE PROCEDENTE - ÔNUS SUCUMBENCIAIS MODIFICADOS - RECURSO PROVIDO.356
No presente caso, onde a genitora entregou sua filha a um
casal, alegando que este era o pai da menor, assim sendo, o mesmo a registrou,
mas logo após, surgiu outra pessoa alegando ser o verdadeiro pai, que acabou por
restar comprovado por meio do exame de DNA, no entanto, somente anos depois de
tal comprovação, o pai biológico resolveu requer o reconhecimento da paternidade e
a guarda da filha, estando a criança durante todo este tempo com os pais afetivos,
recebendo todo amparo encontrado em uma família de verdade.
Tendo como foco a paternidade socioafetiva, bem como os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e do melhor interesse do menor, cabe inquirir qual bem jurídico merece ser protegido em detrimento do outro: o direito do pai biológico que pugna pela guarda da filha, cuja conduta, durante mais de três anos, foi de inércia, ou a integridade psicológica da menor, para quem a retirada do seio de
355
TJSC. Apelação Cível n. 2007.025667-7, Relator: Des. Edson Ubaldo, Data: 05/08/2008.
356 TJSC. Apelação Cível n. 2005.042066-1, Relator: Sergio Izidoro Heil, Data: 01/06/2006.
84
seu lar, dos cuidados de quem ela considera pais, equivaleria à morte dos mesmos.357
Uma das formas de filiação socioafetiva é o chamado filho de
criação, onde inexistem vínculos biológicos, jurídicos (adoção), ou registral, existe
apenas a vontade de ser pais de uma criança, e esta recebe todo cuidado, amor,
educação, alimento, tudo aquilo que se atribui a um filho.
DIREITO DE FAMÍLIA - ECA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DE MENOR PROPOSTA PELA AVÓ PATERNA - LIMINAR DEFERIDA - GENITOR FALECIDO - GENITORA SEGREGADA EM CUMPRIMENTO DE PENA POR TRÁFICO DE DROGAS - CRIANÇA ENTREGUE PELA MÃE À AUTORA QUANDO TINHA APENAS QUARENTA E DOIS DIAS DE VIDA - VÓ QUE AO ARGUMENTO DE NÃO TER CONDIÇÕES DE CRIÁ-LA A ENTREGA A TERCEIRO QUE, POR SUA VEZ, DEIXA-A SOB OS CUIDADOS DOS RÉUS/AGRAVANTES - AÇÃO DE ADOÇÃO AJUIZADA POSTERIORMENTE - ESTUDO SOCIAL FAVORÁVEL AO CASAL QUE TEM EXERCIDO A GUARDA HÁ MAIS DE ANO - EVIDÊNCIAS DE QUE A CRIANÇA TEM SE BENEFICIADO DE AMPARO MATERIAL, EDUCACIONAL, MORAL E PSICOLÓGICO - CONVIVÊNCIA CONSOLIDADA COM LAÇOS DE AFETIVIDADE E AFINIDADE - PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DO MENOR - INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DO ART. 6º DO ECA - MANUTENÇÃO DA GUARDA PROVISÓRIA COM A FAMÍLIA SUBSTITUTA - DECISÃO REVOGADA - RECURSO PROVIDO.358
Segundo consta no acórdão em apreso, a criança foi entregue
aos pais afetivos quando ainda tinha apenas 45 dias de vida, eis que sua avó
paterna não tinha condições de criá-la. A menor já se encontra sob a guarda dos
pais afetivos a mais de um ano, e estes pretendem ingressar com o pedido de
adoção da menor, no entanto, a avó resolveu reaver a guarda neta.
Em interpretação teológica do Estatuto da Criança e do Adolescente (v.g., art. 6º), evidencia-se como desaconselhável sob todos os aspectos a retirada de um menor do ambiente familiar onde se encontra por mais de um ano para devolvê-lo à avó paterna, que por sua vez não mostrou interesse em cuidá-lo em seus primórdios dias de vida, entregando-o para terceiro. Em tal circunstância, é
357
TJSC. Apelação Cível n. 2005.042066-1, Relator: Sergio Izidoro Heil, Data: 01/06/2006.
358 TJSC. Agravo de Instrumento n. 2006.011954-1, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data: 22/08/2006.
85
imprescindível ao juiz sopesar qual o melhor ambiente para resguardar o pleno desenvolvimento físico e mental e o bem-estar do infante, sem descurar que os laços afetivos devem se sobrepor aos sangüíneos.359
De conformidade com a pesquisa jurisprudencial realizada no
presente capítulo, verifica-se que a filiação socioafetiva está mais que reconhecida,
sendo que independentemente do tipo de filiação, seja ela por meio da adoção, filho
de criação, adoção à brasileira, pouco importa, o que prevalece é a existência do
amor, do afeto, do carinho dispensa aquela criança, onde o liame biológico resta por
ter pouca importância, eis que o que une os pais aos filhos não são os laços
consanguíneos, mas sim, os afetivos.
359
TJSC. Agravo de Instrumento n. 2006.011954-1, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data: 22/08/2006.
86
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o estudo realizado para a elaboração do presente
trabalho, pode-se concluir que foram inúmeras as mudanças ocorridas no instituto
da Família, eis que a formação das famílias antigas eram estabelecidas por meio da
religião, pois mesmo existindo leis, a religião sempre se sobrepunha a elas, já nos
tempos atuais as leis nos direcionam, não a religião. Devido estas grandes
modificações ocorridas ao longo dos anos, é que se pode observa que o próprio
conceito de família teve alterações, eis que inicialmente ela se definia como aquela
onde o poder patriarcal era dominante, deste modo, a mulher era submetida aos
comandos do marido, e apenas por meio do matrimônio se reconhecia a família. Nos
tempos atuais, desde o advento da Constituição Federal de 1988, existe igualdade
entre os cônjuges, bem como, entre os filhos, não sendo mais necessário o
casamento para se formar uma família, já que a união estável passou a ser
reconhecida.
A Constituição Federal de 1988 ainda amparou mais uma
forma de família, sendo a família monoparental, que é aquela entidade formada por
qualquer dos pais e seus filhos. Existem ainda outras formas de família que não
estão amparadas pela Constituição Federal, sendo famílias contemporâneas, como
por exemplo a família homoafetiva, que é a união de pessoas do mesmo sexo, e
como tal relação não tem amparo legal, o único laço que as une é o do afeto.
Importante ressaltar que todas essas formas de constituição de família merecem o
mesmo tratamento, eis que a partir do momento em que o afeto passou a ser
reconhecido como base da entidade familiar, não se admite mais discriminação, pois
em todas essas formas de família o afeto é predominante.
Passando agora a tratar sobre a Filiação, conclui-se que esta,
do mesmo modo que a Família, passou por várias modificações ao passar dos
tempos, assim, as ideias retrógradas de que somente os filhos nascidos da relação
de casamento poderiam ser reconhecidos, ficaram para trás, sendo que atualmente,
87
prevalece a igualdade entre os filhos, sendo vedada a distinção entre eles,
atualmente todos são apenas filhos, seja advindo do casamento, da união estável,
ou qualquer outra forma.
A discriminação entre os filhos foi vedada, no entanto, existe
algumas formas de Filiação, como a biológica, que é aquela estabelecida por
vínculos de sangue, a assistida, que é aquela na qual a vida é gerada
independentemente do ato sexual, por método artificial, científico ou técnico, a
adotiva, conhecida como filiação civil, e a Filiação Socioafetiva, que é o foco do
trabalho em apreso, sendo esta forma de filiação, estabelecida exclusivamente por
laços de amor e de afeto, construído no dia a dia entre pais e filhos, tendo-se como
base o carinho, o cuidado, as pequenas doses de amor, ficando demonstrado que o
liame biológico é insuficiente para se estabelecer uma relação paterno filial, eis que
os elementos estruturantes da família vão além das bases genéticas.
Finalmente, após toda a pesquisa realizada acerca do assunto
em questão, pode-se concluir, que as hipóteses levantadas para a realização desta
monografia restam confirmadas, sendo que o Afeto realmente tem Valor Jurídico, eis
que, com o advento da Constituição Federal de 1988, onde a união estável e a
família monoparentel, que são famílias fundadas no afeto, passaram a ser
reconhecidas, não existe mais dúvidas em relação ao Valor Jurídico do Afeto. No
tocante a Filiação Socioafetiva, esta é realmente aquela na qual não se leva em
conta os laços consanguíneos, mas sim os laços de amor e dedicação, que acaba
por unir os pais aos seus filhos pelo simples sentimento afetivo. Por fim, restou
demonstrado, por meio de análise jurisprudencial, que a Filiação Socioafetiva possui
sim, força frente a Filiação Biológica, independentemente de ter se estabelecido a
Filiação Socioafetiva por meio da adoção ou do filho de criação, tanto faz, pois o que
sempre prevalece é a existência do amor.
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
BARBOSA, Águida Arruda. Direito civil: Direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 7.
BITTAR, Carlos Alberto. Direito de família. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. São Paulo: LTr, 2000.
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Trad. Jean Melville. São Paulo: Marin Claret. 2002. DIAS, Maria Berenice. Direito de Família e o novo Código Civil. coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5.
DONIZETTI, Leila. Filiação Socioafetiva e Direito à Identidade Genética. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Trad. Ruth M. Klaus. 3 ed. São Paulo: Centauro. 2006.
FACHIN, Luiz Edson. Direito de família: elementos críticos à luz do novo código civil brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
FLORIANÓPOLIS. TJSC. Agravo de Instrumento n. 2006.011954-1, Relator: Marcus Tulio Sartorato, Data: 22/08/2006. FLORIANÓPOLIS. TJSC. Apelação Cível n. 2005.042066-1, Relator: Sergio Izidoro Heil, Data: 01/06/2006.
FLORIANÓPOLIS. TJSC. Apelação Cível n. 2006.015175-2, Relator: Monteiro Rocha, Data: 25/09/2008.
89
89
FLORIANÓPOLIS. TJSC. Apelação Cível n. 2006.018279-5, Relator: Denise Volpato, Data: 18/03/2010.
FLORIANÓPOLIS. TJSC. Apelação Cível n. 2007.002405-6, Relator: Monteiro Rocha, Data: 29/05/2009.
FLORIANÓPOLIS. TJSC. Apelação Cível n. 2007.025667-7, Relator: Des. Edson Ubaldo, Data: 05/08/2008. FLORIANÓPOLIS. TJSC. Apelação Cível n. 2008.047147-8, Relator: Luiz Carlos Freyesleben, Data: 26/06/2009. FLORIANÓPOLIS. TJSC. Apelação Cível n. 2009.053581-6, Relator: Fernando Carioni, Data: 26/02/2010.
FLORIANÓPOLIS.TJSC. Apelação Cível n. 2005.000406-5, Relator: Monteiro Rocha, Data: 01/08/2008.
FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Direito civil: Direito de família. coordenação: Águida Arruda Barbosa e Claudia Stein Vieira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 7.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
GOMES, Orlando. Direito de Família. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2.
LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
LOBO, Paulo Luiz Netto. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Familia: Afeto, Ática, Família e o Novo Código Civil. coordenação: Rodrigo da Cunha Pereira. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 38 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2.
NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A Filiação que se constrói: O reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória Jurídica, 2001.
90
90
OLIVEIRA, Euclides; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito de Família e o novo Código Civil. coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito de família. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 5 .
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o novo Código Civil. coordenadores: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 6.
SILVA, Ives Gandra da. Pena de Morte para o nascituro. O Estado de São Paulo, 19 set. 1998. Disponível em: http://www.providafamília.org/ pena_mortenascituro.htm. Acesso 19 set. 1998.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004. v. 6.
WEBER, Lidia Natalia Dobrianskyj. Pais e filhos por adoção no Brasil. Curitiba: Juruá, 2001.
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.