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O ÁLCOOL COMO REMÉDIO E VENENO NA FICÇÃO DE CARSON MCCULLERS: REFLEXÕES SOBRE A VIOLÊNCIA Júlia Reyes UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro RESUMO Minha pesquisa de doutorado investiga a ficção da escritora estadunidense Carson McCullers (1917-1967) estabelecendo um diálogo entre a análise literária e a teoria mimética desenvolvida pelo pensador francês René Girard (1923-2015). Em linhas gerais, trata-se de efetuar uma análise literária de obras escolhidas de Carson McCullers dialogando com as reflexões girardianas e abordando temas como a violência e suas dinâmicas e; em um polo oposto, destacando valores como a amizade, a fraternidade e a compaixão, sentimentos que seriam contrários ao rancor, ao ressentimento, aos ciúmes, à inveja e à vingança, ou seja, aos sentimentos baixos inscritos em situações de conflito violento segundo Girard. Verifico se Carson McCullers aborda situações de violência que ocorrem em torno de seus personagens outsiders, tais como surdo-mudos, anões, adolescentes tomboys, homossexuais, negros, judeus, mulheres, alcoolistas e resolve tais conflitos de formas violentas e especialmente não- violentas. Tanto McCullers quanto Girard se preocuparam com a questão das vítimas de violência em suas obras. Girard investiga como os conflitos humanos ocorrem em diferentes contextos, dialogando com a literatura em Mentira Romântica e Verdade Romanesca (1961), com a antropologia em A Violência e o Sagrado (1972) e com os Evangelhos e textos bíblicos em Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo (1978). Já McCullers, em suas histórias, descreve situações de violência que ora são resolvidas através de desenlaces violentos ora através de desenlaces fraternos e inusitados. Ambos os casos podem firmar diálogos com as reflexões de Girard. O álcool aparece no conto “A Domestic Dilemma”, presente em The Ballad of the Sad Café: the novels and stories of Carson McCullers (1951), na novela “The Ballad of the Sad Café”, no conto “Instant of the Hour After” e no conto “Who Has Seen the Wind?”. Na novela “The Ballad of the Sad Café” , destaco a descrição do efeito que o uísque fabricado pela srta. Amelia Evans causava em quem o consumia. Além de “The Ballad of the Sad café” ser uma de suas obras mais importantes, a descrição do efeito do uísque de srta. Amelia Evans nos trabalhadores têxtis de uma pequena cidade no Sul do Estados Unidos configura-se como um ponto significativo de sua obra. Com a personagem srta. Amelia

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O ÁLCOOL COMO REMÉDIO E VENENO NA FICÇÃO DE CARSON

MCCULLERS: REFLEXÕES SOBRE A VIOLÊNCIA

Júlia Reyes

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Minha pesquisa de doutorado investiga a ficção da escritora estadunidense Carson

McCullers (1917-1967) estabelecendo um diálogo entre a análise literária e a teoria mimética

desenvolvida pelo pensador francês René Girard (1923-2015). Em linhas gerais, trata-se de

efetuar uma análise literária de obras escolhidas de Carson McCullers dialogando com as

reflexões girardianas e abordando temas como a violência e suas dinâmicas e; em um polo

oposto, destacando valores como a amizade, a fraternidade e a compaixão, sentimentos que

seriam contrários ao rancor, ao ressentimento, aos ciúmes, à inveja e à vingança, ou seja, aos

sentimentos baixos inscritos em situações de conflito violento segundo Girard. Verifico se

Carson McCullers aborda situações de violência que ocorrem em torno de seus personagens

outsiders, tais como surdo-mudos, anões, adolescentes tomboys, homossexuais, negros,

judeus, mulheres, alcoolistas e resolve tais conflitos de formas violentas e especialmente não-

violentas. Tanto McCullers quanto Girard se preocuparam com a questão das vítimas de

violência em suas obras. Girard investiga como os conflitos humanos ocorrem em diferentes

contextos, dialogando com a literatura em Mentira Romântica e Verdade Romanesca (1961),

com a antropologia em A Violência e o Sagrado (1972) e com os Evangelhos e textos bíblicos

em Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo (1978). Já McCullers, em suas histórias,

descreve situações de violência que ora são resolvidas através de desenlaces violentos ora

através de desenlaces fraternos e inusitados. Ambos os casos podem firmar diálogos com as

reflexões de Girard. O álcool aparece no conto “A Domestic Dilemma”, presente em The

Ballad of the Sad Café: the novels and stories of Carson McCullers (1951), na novela “The

Ballad of the Sad Café”, no conto “Instant of the Hour After” e no conto “Who Has Seen the

Wind?”. Na novela “The Ballad of the Sad Café”, destaco a descrição do efeito que o uísque

fabricado pela srta. Amelia Evans causava em quem o consumia. Além de “The Ballad of the

Sad café” ser uma de suas obras mais importantes, a descrição do efeito do uísque de srta.

Amelia Evans nos trabalhadores têxtis de uma pequena cidade no Sul do Estados Unidos

configura-se como um ponto significativo de sua obra. Com a personagem srta. Amelia

Evans, Carson McCullers apresenta uma mulher que fabrica uísque e também fabrica

remédios caseiros para as pessoas doentes na cidade. O álcool, portanto, na ficção – e também

na vida pessoal da autora – tem uma presença significativa. O álcool pode ser usado para a

cura, como na fabricação de remédios caseiros para os moradores da cidade e para o estímulo

à contemplação através do consumo de seu uísque. Ao mesmo tempo, investigo como o álcool

pode ter um efeito nocivo em outros contos. Destacando a presença do álcool na ficção de

McCullers, abordo o tema da violência, observando como o álcool pode estar relacionado, na

obra de McCullers, tanto a episódios de profunda violência e destruição quanto a episódios de

fraternidade e contemplação. Busco assim lançar possibilidades de interpretação de sua obra

relacionando crítica literária e as concepções propostas por René Girard sobre a violência,

inaugurando novas perspectivas de leitura para a ficção de Carson McCullers e buscando

assim divulgar essa escritora ainda pouco conhecida no Brasil.

Palavras-chave: Carson McCullers. René Girard. Álcool. Violência.

O PARADIGMA MARY ROGERS: FEMINICÍDIO E DESAPARECIMENTO DE

MULHERES NAS OBRAS DE EDGAR ALLAN POE E ROBERTO BOLAÑO

Guilherme Mattos de Carvalho Nunes

UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Edgar Allan Poe afirmou, em The Philosophy of Composition (1846), que “a morte de

uma bela mulher é, inquestionavelmente, o assunto mais poético do mundo”, demonstrando

consciência manifesta de uma das principais obsessões em seus trabalhos. Mary Rogers,

conhecida pela imprensa americana como "the Beautiful Cigar Girl", apareceu morta no rio

Hudson em 1841 e o crime nunca foi solucionado. Imediatamente, a imprensa sensacionalista

urbana, recém-nascida, percebeu o potencial comercial das investigações e dissecou o cadáver

em suas páginas. Em The Mysterious Death of Mary Rogers: Sex and Culture in 19th-Century

New York (1995), a pesquisadora Amy Gilman Srebnick defende a tese de que a morte de Mary

Rogers deu forma e substância aos medos de desprotegidas mulheres em uma cidade cheia de

gangues e homens solitários perambulando pelos bares, hotéis e parques públicos. Para a

historiadora americana, o mistério da “morte da cigarreira”, como também é chamado, marca

“o ponto no qual a saga da morte feminina violenta tornou-se um crítico, talvez definitivo,

aspecto da cultura urbana moderna”. Poe se inspirou no caso e escreveu O mistério da morte

de Marie Rogêt (1842), um dos três livros que fundam o gênero no ocidente. Ao tomarmos

como premissa que Edgar Allan Poe lançou, na década de 1840, as bases do que hoje se entende

como literatura policial, é preciso analisar as condições de nascimento ー uma arqueologia ー

desse gênero, e por que os temas da mulher morta e da mulher desaparecida se tornaram centrais

em sua obra. Este trabalho visa a compreender, portanto, como o momento em que emerge a

literatura de Poe faz com que sua obra seja impulsionada a ponto de se transformar em um

paradigma de entretenimento para consumo, isto é, como as narrativas do feminicídio

cooperaram para a fundação da modernidade. A motivação dessa análise se deu, sobretudo, a

partir da percepção de que há, sem dúvida, a proliferação de narrativas sobre o feminicídio e o

desaparecimento de mulheres no cenário narrativo contemporâneo. Não se trata apenas de uma

literatura acadêmica ou de elite, mas de uma produção (inclusive audiovisual) comercial de

grande alcance, com um público consumidor bastante fiel e previsível. Além disso, em uma

perspectiva comparativa, a dissertação em construção analisa o romance 2666 (2004), do autor

chileno Roberto Bolaño. Um dos principais alicerces do romance é a sucessão de estupros,

feminicídios e desaparecimento de mulheres na cidade de Santa Teresa (nome fictício de

Ciudad Juárez, na fronteira entre os Estados Unidos e o México), desenvolvidos no capítulo

intitulado “A parte dos crimes”. Se a obra de Poe se inscreve no período que se convencionou

chamar Segunda Revolução Industrial, com a emergência das máquinas a vapor, da eletricidade,

da imprensa popular urbana e da vida citadina como a conhecemos hoje, por outro lado é

necessário circunscrever a obra de Bolaño em um problema territorial latinoamericano,

globalizado, fronteiriço. Enfim, como se produz o homo sacer das margens (fronteiras)

latinoamericanas? Por que são mulheres? Por que Roberto Bolaño deixou tantas pistas que

apontavam para o problema do feminicídio em Santa Teresa como uma chave para a

compreensão do contemporâneo, particularmente a questão do capitalismo de fronteira e do

capitalismo de entretenimento?

Palavras-chave: Literatura Policial. Feminicídio. Desaparecimento. Mulheres.

“PÍNCHE, CABRONA, VOU TE MOSTRAR QUEM MANDAAQUI”: CENAS DE

VIOLÊNCIA EM WHAT NIGHT BRINGS, DE CARLA TRUJILLO

Nathália Araújo Duarte de Gouvêa

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Apesar de atos de agressão física ou verbal encontrarem-se presentes em qualquer

sociedade e cotidianamente aparecerem na mídia, a representação de violência na literature

pode causar um impacto duradouro nos leitores. O machismo, a repressão e o preconceito geram

explosões de violência contra mulheres em várias partes do mundo. Sistemas opressores

frequentemente instituem uma grande quantidade de fatores geradores de agressão em grupos

dominados: padrões de abuso para manter a dominação, justificativas sociais, sigilo ou falta de

representatividade são alguns. Nas sociedades ocidentais, as mulheres tendem a ser vistas como

submissas, ou até, como as guardiãs das regras mas nunca as autoras delas. Na comunidade

chicana, um sistema patriarchal, há uma tendência forte de mulheres serem ostracizadas das

decisões públicas relevantes. As práticas do machismo inebriam e influenciam a estrutura de

poder. O romance What Night Brings de Carla Trujillo apresenta o processo de amadurecimento

de uma menina chicana em seus anos iniciais da puberdade passados em San Lorenzo,

Califórnia. Lá ela reside com sua irmã Corin, com seu pai extremamente controlador e violento

e com a sua mãe submissa. Essa criança, Marci Cruz, gradualmente descobre questionamentos

internos cruciais ao seu desenvolvimento identitário. Carla Trujillo dramatiza os conflitos

íntimos que Marci enfrenta ao perceber que seu desejo por outras meninas entra em choque

com as normas sociais e culturais. Sua resistência às normas socio-culturais cria um espaço de

confrontamento ao iniciar uma jornada de auto-descoberta e vagarosamente desconstruir os

binarismos hegemônicos que encontra diariamente. Seu desenvolvimento identitário e

sentimento de pertencimento são afetados pela dinâmica familiar e pelo ambiente religioso ao

seu entorno, fato que lhe permite realmente analisar a estrutura de sua comunidade e o que lhe

é exigido enquanto mulher e filha. No romance em questão, o efeito da violência doméstica

praticada contra crianças é narrado em detalhes gráficos por Marci, uma das vítimas. A

especialista em saúde mental de chicanas/os, Yvette Flores-Ortiz, traz que a violência a crianças

inserida na dinâmica doméstica é comum. Se uma criança transgride a hierarquia ou as regras

da casa, pais estão culturalmente autorizados a puní-las fisicamente como forma de educá-las

ou discipliná-as. Homens inseridos em sistemas de poder que endossam o machismo tendem a

ser chauvinistas, emocionalmente indisponíveis e controladores de sua família. Serão usadas as

noções sobre socialização chicana e violência de Carla Trujillo, Glória Anzaldúa, Yvette Flores-

Ortiz, entre outras. Também a noção de fato social de Èmile Drukheim para entender questões

de socialização como formas de agir, pensar e sentir externas ao indivíduo por estarem

entrelaçadas a um poder coercitivo.

Palavras-chave: Literatura chicana. Violência doméstica. Heterossexualidade compulsória.

VIOLÊNCIAS E EXCLUSÃO: UMA LEITURA DO CONTO MADRUGADA, DE

ONDJAKI

Renata Cristine Gomes de Souza

UFF - Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura

RESUMO

A literatura contemporânea procura trazer à tona a história dos vencidos, daqueles que

se encontram em um lugar de subalternidade. Sujeitos que antes não passavam de

personagens secundários passam a figurar os papéis centrais nas tramas. Essa visibilidade

mostra como as trajetórias dessas personagens são cercadas de violências, dentre elas o

apagamento, pois mesmo com o papel central nas narrativas, vemos que há a representação de

seu não lugar social. O passado de seus semelhantes – seja seu povo, pessoas com a mesma

raça, gênero ou classe – e o não lugar a eles relegados exemplificam como suas trajetórias

são marcadas pela crueldade e exclusão. Segundo a estudiosa Maria da Glória Bordini,

vivemos em um tempo em que os atos de violência estão muitos presentes. Tais atos

determinam a divisão social e criam espaços de exclusão. O presente artigo pretende tratar do

conto Madrugada, de Ondjaki, que tem como tema essas violências às quais o indivíduo

subalternizado está exposto. Dessa forma veremos como a condição e a identidade da

protagonista faz com que ela esteja exposta a vários tipos de violência, que são descritas ao

longo das quatro páginas que formam o texto. Apesar de curto, o conto tem uma força brutal,

mostrando que a classe e o gênero são determinantes para o desenvolver da história. O nome

do livro, E se amanhã o medo, diz muito sobre os contos que estão nele, histórias de um

passado que se reflete no presente e que se estendem para o amanhã. Há o medo de que as

ficções que lemos ao longo do livro ainda sejam possíveis no amanhã (e, infelizmente são,

visto que o livro foi publicado há cerca de 12 anos). Parte das histórias trata dessa relação

entre o medo e a violência, medo de não conseguir resistir, medo de ser que se é, medo de

uma felicidade momentânea, até mesmo o medo do outro, “do mais forte”. “Madrugada”,

conto composto por longos parágrafos, não tem diálogos, repletos de descrições, o que

ressalta o apelo visual das cenas narradas. O texto não foge dessa esfera do medo que permeia

o livro ao qual pertence. Ele tem como uma das temáticas o medo que é viver na cidade,

exposta a qualquer tipo de violência, e, mais do que isso, trata do horror que é ser uma mulher

nas ruas sem os direitos básicos de higiene e de proteção ao próprio corpo. Do medo de ser

uma minoria pertencente ao gênero feminino. No texto vemos uma série de violências pelos

quais passa uma moradora de rua que, menstruada, lida com a animalização, a exclusão, e a

violência. O conto se diferencia da grande maioria dos textos angolanos da

contemporaneidade, por não trazer uma relação com a história e nem com o espaço angolano.

Como não há indícios de localização na há história, o seu cenário pode se tratar de qualquer

cidade, em qualquer país. Luanda, Rio de Janeiro ou Maputo, não temos uma descrição que

nos dá indícios através das imagens criadas pelo narrador. Dessa forma o texto se distancia de

uma criação de imagem nacional que costumamos ver nos textos angolanos e que vemos em

outros contos que compõem o livro. Em nossa análise traremos teóricos como Linda

Huctheon, Maria da Gloria Bordini, Gayatri Spivak e Paul Ricoeur.

Palavras-chave: Violência. Subalternidade. Mulher. Exclusão.

CANTANDO A ESCÓCIA: A MEMÓRIA PRESERVADA EM CANÇÕES E

POEMAS EM A SCOTS QUAIR, DE LEWIS GRASSIC GIBBON

Carolina de Pinho Santoro Lopes

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Canções e poemas são parte fundamental da herança cultural de uma comunidade,

constituindo um elemento importante da memória coletiva. Segundo Maurice Halbwachs

(2015, p. 102), a memória coletiva se distingue por “uma continuidade que nada tem de

artificial, pois não retém do passado senão o que ainda está vivo ou é capaz de viver na

consciência do grupo que a mantém”. Assim, a memória está ligada à permanência e faz parte

da vida dos membros de uma comunidade. O objetivo deste trabalho é analisar como a

presença de canções e poemas em A Scots Quair (1932-4), de Lewis Grassic Gibbon, reflete

uma mudança de atitude em relação à tradição escocesa ao longo do tempo. Lewis Grassic

Gibbon é o pseudônimo adotado por James Leslie Mitchell (1901-1935) em suas obras mais

relacionadas com a Escócia. O interesse do autor por história e sua preocupação com a

desigualdade social têm forte influência em seus textos. Simpatizante de correntes de

esquerda, Gibbon se considerava “um escritor revolucionário”, chegando a declarar que

odiava o capitalismo e que todos os seus livros seriam “propaganda explícita ou implícita”

(GIBBON, 2001, p. 738-9). Ele produziu sua obra no período que ficou conhecido como a

Renascença Literária Escocesa moderna, caracterizado pela preocupação de, por meio de uma

reavaliação da história e da literatura nacionais, buscar entender o que formaria a identidade

escocesa e apontar o melhor caminho para o futuro da nação. Assim, é relevante se levar em

consideração o posicionamento político do autor na análise de seus textos. A trilogia A Scots

Quair tem como fio condutor a história de Chris Guthrie entre 1911 e os anos 1930,

acompanhando desde a adolescência até a vida adulta da personagem e mostrando também as

transformações na sociedade escocesa nesse período. Os três romances – Sunset Song, Cloud

Howe e Grey Granite – se passam em lugares ficcionais, mas localizados pela descrição do

autor no nordeste da Escócia, onde ele nasceu. A mudança de cenário a cada obra da trilogia

espelha a transição de uma sociedade rural para um ambiente urbano e industrializado. A

abordagem dos poemas e canções presentes na trilogia sofre mudanças ao longo dos três

romances. Como o título de Sunset Song sugere, as cantigas têm papel de destaque nessa obra,

fazendo parte do cotidiano da comunidade rural retratada. A título de ilustração, podemos

citar a canção The Flowers of the Forest, um lamento aos mortos em uma batalha do século

XVI, que é retomada em referência à Primeira Guerra Mundial. A saída de Chris do ambiente

rural marca uma mudança no tratamento dispensado pela comunidade à tradição folclórica e

literária. Em Cloud Howe, segundo romance do Quair, as referências a Robert Burns, poeta

nacional da Escócia, passam a ser mais irreverentes, a exemplo de: “lá nasceu o poeta Robert,

o que dormiu com quase tantas mulheres quanto Salomão, só que nem todas de uma vez”

(GIBBON, 2006, p. 271). Além disso, uma cantiga de Burns, Up in the Morning Early, que é

entoada de forma séria no casamento de Chris em Sunset Song, é parodiada em um protesto

no último romance, Grey Granite. Assim, a abordagem dos poemas e canções vai

modificando-se, com a subversão do enfoque mais sério usado antes, mas sem que eles

deixem de fazer parte da memória da comunidade.

Palavras-chave: Memória. Ficção escocesa. Canções.

A LITERATURA CONTEMPORÂNEA E SEUS PRECURSORES: A TERCEIRA

GERAÇÃO DE ESCRITORES JUDEUS, SAMUEL RAWET E ELISA LISPECTOR

Débora Magalhães Cunha Rodrigues

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A literatura contemporânea tem apresentado especial preocupação com questões que

dizem respeito à memória, à identidade e à mobilidade. Segundo as organizadoras do volume

O futuro pelo retrovisor – inquietudes da literatura brasileira contemporânea, “a atual literatura

brasileira está caminhando neste momento para uma releitura das tradições da modernidade,

saqueando ou revisitando o passado” (CHIARELLI; DEALTRY; VIDAL, 2013). A produção

literária contemporânea, portanto, notabiliza-se por aprofundar, questionar e (re)inventar as

tradições, as origens e seus percursos pelo mundo. Entretanto, para compreender a literatura

brasileira contemporânea será necessário esclarecer o que é o contemporâneo. Karl Erik

Schollhammer afirma que o contemporâneo “não é aquele que se identifica com seu tempo, ou

que com ele se sintoniza plenamente. O contemporâneo é aquele que, graças a uma diferença,

uma defasagem ou um anacronismo, é capaz de captar seu tempo e enxergá-lo”

(SCHOLLHAMMER, 2009, p.9). O que define o contemporâneo é, sobretudo, a capacidade de

distinguir as contradições e as nuances de seu tempo. Schollhammer continua sua elucidação

afirmando que a literatura contemporânea não é obrigatoriamente aquela que representa a

atualidade “a não ser por uma inadequação, uma estranheza histórica que a faz perceber as

zonas marginais e obscuras do presente” (2009, p.10). A capacidade de enxergar as sombras e

aquilo que não se vê com clareza, porque é sempre ocultado pelas ilusões cotidianas, são marcas

do contemporâneo. Deste modo, o escritor “parece estar motivado por uma grande urgência em

se relacionar com a realidade histórica”, mesmo que reconheça a impossibilidade de capturá-la

(2009, p. 10). O escritor é, portanto, o sujeito que, atento às sombras e às nuances da realidade,

intenta expressá-las de forma a dar a ver o que o cotidiano tenta esconder. Sendo assim, dentre

os escritores brasileiros contemporâneos, um grupo tem se destacado pelo desenvolvimento de

uma literatura atenta às sombras provocadas pelas narrativas canônicas, assim como às questões

referentes à memória, à identidade e à mobilidade. São os escritores da “terceira geração” –

brasileiros descendentes de imigrantes judeus, nascidos entre as décadas de 1960 e 1970, cuja

literatura ecoa as origens familiares – como denominou Eurídice de Figueiredo (2016, p. 81).

Este grupo é composto por escritores destacados como Noemi Jaffe, Michel Laub e Tatiana

Salem Levy, entre outros. Para Eurídice Figueiredo, estes escritores produziram ao menos uma

“narrativa de filiação” na qual tentam “refazer o percurso de chegada dos imigrantes e a

construção de uma família brasileira, sem abandonar as raízes judaicas” (2016, p. 81). Este

grupo relaciona-se com a realidade histórica, assinalando a urgência de se (re)pensar o passado,

a tradição e o estrangeiro, visto que estamos vivendo a “era do refugiado”, como assinalou Said

(2003, p. 47). Deste modo, pretendemos analisar em que medida a produção literária destes

autores contemporâneos colabora para a releitura de escritores como Samuel Rawet e Elisa

Lispector que, embora tenham recebido crítica favorável, foram esquecidos e somente agora

retornam à cena literária. Podemos considerar estes autores os precursores de nossos

contemporâneos, em especial da “terceira geração”? De que forma Rawet e Lispector

distinguiram as contradições e nuances de seu tempo, para que voltem a ser lidos pela atualidade

de seus textos?

Palavras-chave: Literatura brasileira contemporânea. Narrativa de filiação. Terceira geração.

Samuel Rawet. Elisa Lispector.

UMA CONSCIÊNCIA DA IMORTALIDADE EM ACROSS THE RIVER AND INTO

THE TREES, DE ERNEST HEMINGWAY, E DU CÔTE DE CHEZ SWANN, DE

MARCEL PROUST

Manoela Caroline Navas

UNESP/Ibilce – Programa de Pós Graduação em Letras

RESUMO

A presente comunicação tem como objetivo estudar as similaridades e divergências da

construção de mecanismos de confronto ao tempo e à morte nos romances Du côte de chez

Swann (1913), de Marcel Proust, e Across the river and into the trees (1950), de Ernest

Hemingway, com o objetivo de compreender como se dá a busca por uma consciência da

imortalidade frente ao obstáculo do dado finito da morte, e como isso pode estar associado ao

trabalho árduo de elaboração do lembrar e do escrever. A proposta deste trabalho começa com

a transcrição de um trecho de uma carta de Hemingway para seu amigo Arthur Mizener, em

22 de abril de 1950, sobre uma das suas obras recém-editada para publicação: “I am happy if

you like what you have seen of the book. I would like it [to] be better than Proust if Proust

had been to the wars and liked to fuck and was in love” (HEMINGWAY, apud BAKER,

1985, p. 691). A obra citada por Hemingway é seu romance Across the River and into the

Trees, publicado no mesmo ano. O conteúdo do relato revela uma comparação pouco

explorada ainda pelos estudiosos de Hemingway: uma relação com o autor francês Marcel

Proust. Qual seria então a conexão entre o romance e a obra-prima proustiana Em busca do

tempo perdido? Além disso, haveria alguma relação com o dado histórico da guerra e em que

medida isso diferencia as duas obras? Na tentativa de elaborar uma resposta, propomos,

primeiramente, estabelecer a chave do gênero dos dois romances, dado o caráter

autobiográfico encontrado nas obras (SAVIETTO, 2002), bem como será feita uma análise

das suas estruturas considerando suas complexas trocas temporais e suas reverberações no

trato com o tempo presente e com o tempo passado. Vale aqui uma colocação dada por

Gagnebin (2009) sobre a escrita proustiana ser “um trabalho de travessia, de prova, de escuta,

de exploração tateante de um imenso território desconhecido” (p.159). Essa citação tem como

intuito demonstrar as dimensões que assumem os relatos do narrador em Du côte de chez

Swann, que vão para além das enumerações das lembranças felizes, à qual muitas vezes a obra

é reduzida. Para se alcançar essas dimensões, a construção da narrativa assume um

mecanismo de trocas temporais disparadas pelo narrador em primeira pessoa, Marcel, que

acabam por evidenciar o imediatismo do tempo presente. E o mesmo pode ser dito sobre o

romance de Hemingway, contudo uma diferença evidente é o tratamento dado às conexões

estabelecidas nos narrativas. O narrador de Proust, Marcel, auxilia o leitor a se enveredar por

suas conclusões, enquanto que o Coronel de Hemingway deixa o trabalho de conexões a cargo

do leitor. Após, será apresentada uma análise no que concerne a identificação dos usos e

elaborações das memórias voluntárias e involuntárias (BAKER, 1974); (RICOEUR, 1995),

bem como as construções textuais que disparam essas memórias (STOLTZFUS, 2003).

Estabelecidas essas primeiras noções, poderão, por fim, serem abordados como ambos os

romances lidam com essas memórias para a construção de mecanismos de reconhecimento da

morte e do tempo (GAGNEBIN, 2009) que serão a chave para o entendimento desses

obstáculos, para que seja por fim possível desenvolver uma consciência de sobrevivência e,

consequentemente, o aspecto simbólico da imortalidade.

Palavras-chave: Hemingway. Memória. Proust. Sobrevivência.

O CONFLITO DE GÊNERO EM NA NOITE ESTRELECIDA: TORNANDO A

GALÍCIA UMA TERRA DE HOMENS

Thayane Gaspar Jorge

UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O discurso da herança celta serviu de fomento para a articulação e projeção dos

discursos nacionalistas do século XX tanto em um país como a Irlanda quanto em lugares onde

sua aceitação ainda é controversa e polêmica, como é o caso da Galícia. A raça celta e o passado

comum destas duas regiões, conforme a revisão histórica feita no livro Lebhar Gabhála

Éireann, tornaram a ideia do celtismo um recurso basilar para que Irlanda e Galícia

legitimassem seus anseios pela independência dos domínios britânico e espanhol,

respectivamente. Contudo, o tropo do celtismo sofreu uma deterioração a partir do discurso do

estereótipo colonial que feminizava as colônias e masculinizava as metrópoles. A feminização

das terras irlandesa e galega servia de argumento para endossar o exacerbado sentimentalismo

melancólico em detrimento da razão, do que resultava uma incapacidade de se autogovernar

por conta da sua inferioridade face às terras ditas masculinas que as subjugavam. William B.

Yeats e Ramón Cabanillas, autores expoentes do movimento nacionalista que buscavam uma

(re)valorização da cultura, idioma e literatura de seus países, e abordaram essas questões de

conflito de gênero nos poemas “The wanderings of Oisin” e “Na noite estrelecida”. Ambos se

desfizeram das figuras femininas, já amaldiçoadas pelo discurso imperialista, e buscaram a

virilidade de heróis celtas, como Oisin e Rei Arthur, como uma nova estratégia para subverter

esse estereótipo pejorativo. Através dessas obras, eles fizeram da Irlanda e da Galícia uma terra

de homens fortes capazes de lutar contra Grã Bretanha e a Espanha. O celtismo se torna o

sustentáculo do discurso nacionalista e fica no cerne da construção identitária e da resistência

cultural contra a hegemonia das metrópoles representadas pela Grã Bretanha e a Espanha. Esse

discurso e a utilização do mito celta protohistórico como a reivindicação de uma raça que diferia

do restante da Europa era algo perigoso que a qualquer momento poderia conceder ao

movimento nacionalista um caráter racista que poderia criar obstáculos na aceitação dessa

teoria. Contudo a virada utilizada para inviabilizar o movimento não passou pelo

questionamento do conceito de raça, mas pela associação entre o celtismo e o gênero feminino.

Por trás desse questionamento, encontramos também uma moralização em cima das

expectativas que recaíam sobre as mulheres dessa época em contraposição com a realidade das

mulheres galegas do começo do século. A origem céltica passou a representar

subdesenvolvimento, pensamento acrítico e imoralidade das mulheres galegas. No século XX,

proliferam-se narrativas que buscam fixar imagens de mulheres galegas que expressavam sua

sexualidade mais livremente. Há de se mencionar a situação atípica das mulheres galegas neste

contexto. De fato, as mulheres galegas gozavam de uma maior autonomia neste momento, em

contraste com outras localidades. E os fatores para essa situação eram as tradições e

principalmente a forte emigração masculina que incumbia as mulheres a serem chefes do lar, a

trabalharem e a criarem os filhos. Recaía sobre as mulheres responsabilidades que costumavam

serem exclusivas do gênero masculino.

Palavras-chave: literatura galega; celtismo; gênero.

O DISCURSO PEDAGÓGICO MATRIMONIAL N’A DEMANDA DO SANTO GRAAL:

A RAINHA GENEVRA COMO MODELO DE FEMINILIDADE MEDIEVAL

Ana Luiza Magalhães Poyaes

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A necessidade de controlar e vigiar as mulheres não são exclusivos da Idade Média,

porém é nesse período que a custódia se dá através da religião, onde o caráter moralizante das

Reformas Gregorianas perpassa toda a sociedade ocidental, desde o século XI. A consagração

do casamento aparece como um estatuto inquebrável, um código do comportamento coletivo

que deve ser seguido por toda a sociedade para garantir uma normatização das relações de

poder, instituindo dentro do matrimônio as definições de domínios e funções que seriam

relegadas a cada um dos sexos. O modelo conjugal cristão que está em voga na Idade Média

caracteriza-se pela valorização da virgindade das mulheres, pelo controle territorial e pela

obediência feminina à figura masculina, reforçando o caráter hierárquico da relação entre o

casal (DUBY, 1989, p. 18). A Demanda do Santo Graal é uma novela de cavalaria do século

XIII, tem origens na cultura celta, em textos franceses medievais e na Matéria de Bretanha.

Seu conteúdo foi, entretanto, cristianizado. É através da presença de princípios cristãos na

obra que podemos observar como o discurso eclesiástico visava moldar as feminilidades

medievais por intermédio do casamento – sendo a castidade, a devoção e a obediência as

principais características exigidas para uma “boa esposa”, modelo amplamente propagado por

intelectuais e eclesiásticos. A personagem Genevra é representada como um modelo desse

ideal que se estabelecia no seio da sociedade medieval, onde as rainhas e damas da alta

nobreza deveriam servir de exemplo para as demais mulheres. A infidelidade conjugal é outra

característica importante a ser observada na personagem, Genevra representa a mulher

católica que subverte princípios moralizantes da Igreja, como o matrimônio, mantendo uma

relação extraconjugal. A infidelidade de Genevra, desse modo, pode ser compreendida como

uma desobediência às normas de controle tão exaltadas e sacramentadas pela pedagogia

clerical. A traição da rainha estava ligada à insubordinação ao seu papel de mulher casada, em

que a fidelidade e submissão eram critérios fundamentais da lógica matrimonial imposta pela

pastoral do bom casamento, “onde a boa esposa é, por isso mesmo, boa cristã, irrepreensível

aos olhos de Deus” (VECCHIO. 1990, p.171). Ao escolher o texto A Demanda do Santo

Graal, tenho em vista a afirmação da historiadora Lênia Mongelli, segundo a qual se trata de

“um texto considerado o maior monumento literário da Idade Média portuguesa” (1995, p.

12), para a partir de então entrar em contato com os princípios do pensamento cristão

medieval português. A metodologia utilizada é analise do discurso, visando investigar a

retórica presente d’A Demanda do Santo Graal. O presente artigo busca analisar indícios de

como se davam as relações conflituosas entre dogmas católicos e a formação do arquétipo de

mulher casada através da literatura.

Palavras-chave: Matrimônio. Mulheres. Literatura Portuguesa. Idade Média.

OS SERMÕES DE SANTO ANTÔNIO DE LISBOA/ DE PÁDUA: ELEMENTOS

RETÓRICOS, TEOLÓGICOS E CONTEXTUAIS

Émili Feitosa Olenchuk

UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Santo Antônio de Lisboa / de Pádua viveu entre 1191 e 1231, período conhecido como

Baixa Idade Média (século XIII ao XV), estudou nos centros de ensino mais proeminentes de

Portugal em sua época, Mosteiro de São Vicente e Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, o que

lhe possibilitou assimilar vasto conhecimento que seria usado posteriormente na pregação e

no combate aos hereges, sobretudo os cátaros. Em uma época de efervescência religiosa, em

que os fiéis exigiam maior participação na vida eclesiástica, e de crescentes críticas, os

movimentos mendicantes foram o sustentáculo de Roma: os dominicanos com os estudos e

com a pregação, e os franciscanos com a pregação por meio sobretudo da vida exemplar. É

também nesse período que tem início o estabelecimento de uma arte de pregar medieval, que

possuía como referência a própria prédica dos primórdios do Cristianismo, baseando-se em

Jesus Cristo e no apóstolo Paulo. Além de tais referências, Antônio baseou-se nos Padres da

Igreja, principalmente Santo Agostinho e Gregório Magno; em autores pagãos como

Aristóteles, cuja filosofia e retórica se expandiram no ambiente religioso cristão; e em

diversos preceptores do século XIII, dentre eles Guiberto de Nogent, propulsor da

interpretação polissêmica das Escrituras, e Alan de Lille com o mais poderoso tratado

retórico produzido após Doutrina Cristã. O frade minorita compôs cinquenta e três Sermões

Dominicais e vinte Sermões Festivos, além de quatro sermões destinados às festas de Nossa

Senhora entre os anos 1227 e 1231. A obra obedece ao plano da liturgia do ano. Valeu-se de

todo o conhecimento adquirido nos mosteiros pelos quais passou e da ars praedicandi do

período, mostrando-se bastante familiarizado com as questões de seu tempo. Criticou

severamente aos sacerdotes iníquos, organizou de forma sistemática a teologia da Trindade e

se pôs como eco estrondoso do IV Concílio de Latrão. A importância de Antônio residia

justamente no fato de reunir em torno de si conhecimento substancial e conversão total ao

franciscanismo, evitando, assim, uma clericalização que tiraria o atrativo da ordem

franciscana. Em seus sermões, destinados aos pregadores, é possível verificar a presença de

vários elementos persuasivos que possuem como objetivo alcançar a benevolência do ouvinte

e, assim, atingir o propósito máximo, no dizer de Santo Agostinho: instruir para convencer e

comover. Para alcançar tal propósito, fez amplo uso das cláusulas, das Ciências Naturais, dos

Pais da Igreja, de escritores pagãos e dos bestiários medievais. Este último foi de vital

importância principalmente na pregação contra os hereges cátaros, que negligenciavam a

natureza como algo puro e de onde se poderia retirar preceitos espirituais ocultos. São esses

os objetos retóricos, textuais e contextuais, a serem observados na comunicação.

Palavras-chave: Retórica. Sermões. Santo Antônio. Idade Média.

TRÁGICO DESTINO DOS TRIÂNGULOS AMOROSOS NA NOVELA CAMILIANA

– UMA ANÁLISE DAS PERSONAGENS DE AMOR DE PERDIÇÃO E A SEREIA

Guilherme Nogueira Milner

UFF – Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários

RESUMO

Escrita por Camilo Castelo Branco em 1862, a novela Amor de Perdição é, sem

dúvidas, um dos grandes clássicos da literatura portuguesa oitocentista. Livro muito lido,

muito conhecido e que, por um bom tempo foi bastante estudado, vai contar a história dos

apaixonados Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, jovens ligados por uma grande e

sincera paixão que não poderia ser consumada visto o ódio entre a família Botelho e a

Albuquerque. Assim sendo, o primeiro triângulo amoroso da obra vai ser entre Simão, Teresa

e seu primo, Baltasar Coutinho, a quem ela foi prometida. Esse, que acaba assassinado por

Simão, dando lugar ao segundo triângulo amoroso da novela, entre Simão, Teresa e Mariana.

O pundonor de Tadeu de Albuquerque e Domingos Botelho, faz com que seus filhos ladrilhem

o caminho para a morte. Deixam-se morrer, primeiro, Teresa no convento, depois, Simão no

caminho para o degredo nas Índias. Mariana, que também não teve seu amor correspondido

por Simão, comete suicídio se jogando ao mar para abraçar o cadáver do amado. Todas as

personagens principais, assim, marcadas por um destino trágico: o suicídio. Este que, aqui,

estudamos de acordo com o trabalho teórico sobre a morte-voluntária conforme proposto por

Durkheim, Solomon e Stengel. Em A sereia, 1865, com um enredo parecido ao de Amor de

Perdição, os jovens também se apaixonam, só que, da mesma forma, encontram na família,

contra o relacionamento dos dois, o empecilho para consumir esse amor. Gaspar de

Vasconcelos, apaixonando por Joaquina Eduarda, era, contudo, prometido em casamento para

sua prima. Vemos que, se Teresa foi para o convento e Simão para a prisão pelo assassinato de

Baltasar, Gaspar acaba por roubar dinheiro de seu pai, Pedro de Vasconcelos, e seu tio, e foge

do país com Joaquina Eduarda. As dificuldades, todavia, forçam o casal a se separar,

começando, enfim, o rumo para desfecho trágico da narrativa e do triângulo amoroso.

Afastado de Joaquina e lidando com a intransigência de Pedro de Vasconcelos que ainda exige

o casamento com sua prima – que, também, acaba por morrer –, Gaspar tenta, sem sucesso,

cometer suicídio. Por sua vez, Joaquina Eduarda, longe do seu amado e se sentindo

abandonada, enlouquece. O reencontro dos apaixonados acontece tempos depois, com Gaspar

já usando o hábito eclesiástico, em um momento em que ele é chamado para dar os últimos

sacramentos para Joaquina Eduarda. O saldo dessa aproximação é a morte de Gaspar e o

suicídio por afogamento de Joaquina. Assim sendo, tanto em Amor de Perdição quanto em A

sereia, podemos perceber que o triângulo amoroso entre casais que não podem ter seu amor

consumado, geralmente pela intransigência ou o pundonor dos pais dos apaixonados, resulta

sempre na morte dos amantes que deixam-se morrer, quando não eliminam antes o rival.

Afinal, segundo Menninger, o suicídio uniria o “desejo de matar, o desejo de ser morto e o

desejo de morrer”. Afinal, o que seria a vida terrena perto da promessa de felicidade eterna na

outra vida? Neste trabalho, então, me preocupo em apresentar essa relação do Eros e

Thanatos, como proposta de acordo com Freud na novela camiliana, analisando a passagem

das personagens até seu derradeiro fim, sem esquecer, também, um outro famoso triângulo

amoroso do período romântico, de um livro supostamente responsável por uma grande onda

de suicídios na Europa, Os sofrimentos do Jovem Werther, que narra o amor da personagem

que dá nome ao livro pela bela Charlotte, prometida de Albert.

Palavras-chave: triângulo amoroso; suicídio; romantismo; Camilo Castelo Branco.

MULHERES LOUCAS. O MOMENTO DA LOUCURA NAS PERSONAGENS

FEMININAS DE CAMILO CASTELO BRANCO

Nayara Helenn Carvalho dos Santos

UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O século XIX foi uma época difícil para as mulheres. Camilo Castelo Branco constrói

suas personagens em meio a um contexto histórico opressor de uma sociedade onde os

homens tinham direitos e elas não. As mulheres tinham poucas opções de escolha na vida. No

início, para as fidalgas, as únicas duas alternativas viáveis eram o casamento ou o ir para o

convento, o que era marca do absolutismo na época. Já para as moças de família humilde,

restava a peleja da lavoura nos campos, o trabalho pesado no comércio, e depois de alguns

anos, nas fábricas. Quando as personagens são analisadas, notam-se aspectos vivenciados por

gerações femininas com modos diferentes do comportamento que era esperado para elas.

Comportamento medido pelo comedimento e pelo recato. No momento em que essas

mulheres saem do padrão, suas atitudes são interpretadas como indício de loucura, em uma

tentativa de justificar a rebeldia das moças. Personagens como Joaquina Eduarda do romance

A Sereia e Maria de Nazaré também conhecida como A doida do Candal, são consideradas

loucas quando demonstram características como inquietação, imprudência, excessos

passionais e se deparam com o destino que as alcançam ao final da história. Depois da

loucura, vem a morte. O principal objetivo da pesquisa é mostrar como as personagens

camilianas se relacionam com a sociedade portuguesa desse período, como Camilo dava

importância ao papel das mulheres com seus respectivos destinos e porque elas recebiam

atestado de loucura por agirem em desespero em meio a uma sociedade controladora e

machista. Muitas das obras de Camilo carregam, no título, referência ao feminino, como por

exemplo: A bruxa de monte Córdova; A mulher fatal; A viúva do enforcado; A doida do

Candal; A sereia; a Brasileira de Prazins; O retrato de Ricardina; entre outras. Isso mostra

como o autor ressalta o papel da figura feminina e como ele as inclui em problemáticas

sociais importantes para o desenvolvimento de Portugal. Nos romances camilianos a figura

feminina ganha espaço para atuar como protagonista. Diferente do que era esperado por uma

sociedade misógina, as mulheres descritas por Camilo não eram vistas como tolas. Elas

tinham capacidade de pensar, tomar decisões e eram relevantes na sociedade. Mesmo com

toda a padronização que existia no comportamento feminino da época, essas personagens

eram movidas pelo desejo apesar de haver o sentimento de culpa em meio a suas ações.

Talvez o desejo, o arrependimento, a saudade, a sexualidade, a infelicidade são características

que, naquela época, eram chamadas de loucura pelos conservadores.

Palavras-chave: Mulheres. Loucura. Personagens. Camilo.

IDENTIDADE EM TRÂNSITO: “CADERNOS DE MEMÓRIAS COLÔNIAS”, DE

ISABELA FIGUEIREDO

Elisangela Silva Heringer

UFF/CEDERJ

RESUMO

O presente trabalho, que tem como objeto literário a obra Cadernos de memórias

coloniais, de Isabela Figueiredo, pretende analisar como a memória evocada no livro e a teoria

pós-colonial permitem ou provocam uma outra leitura da presença colonial em Moçambique

através da problematização das identidades e dos discursos colonialistas. O pós-colonialismo e

a sua intenção de revisitação e de revisão do período imperial e colonial a partir das vozes

marginais, dos borramentos das fronteiras e do uso da ironia como estratégia política e textual

procura subverter, questionar e problematizar a presença do colonialismo em terras africanas

bem como a consequências vivenciadas por colonos e colonizados com a independência das

colônias. Desta forma, as tensões discursivas e identitárias se verificam em trânsito entre o

vivido pela narradora e o defendido no discurso colonial, visto que diferentes papéis

“identitários” são assumidos pela personagem: de colonizadora a regressada. Considerando que

a obra se origina do blog mantido pela própria autora, questões como memória pessoal e

memória coletiva perpassam o texto que se faz em uma espécie de diário, verificando como o

processo mneumônico resgata fragmentos e vestígios da história pessoal que parece ser

moldada pela história do processo de colonização e independência da nação africana. Além

disso, tensiona-se problematizar como estratégias textuais reforçam o posicionamento político

e ideológico da autora-personagem na obra posta em análise. Para tais reflexões, valemo-nos

de teóricos da memória como Todorov, Paul Ricoeur, Maurice Halbswachs, Beatriz Sarlo e

Myrian Sepúlveda dos Santos e, para nos auxiliar nas análises sobre identidade e discurso

colonial, convocaremos Stuart Hall, Boaventura Santos e outros. E, pensando nas estratégias

textuais da ironia, os postulados de Linda Hutcheon e de Lélia Parreira Duarte. Destarte, unindo

teoria e análise textual, história oficial e memória pessoal, e trânsito espacial, uma tentativa de

problematizar um “eu” inscrito em textos autoficcional se esboça.

Palavras-chave: pós-colonial. Identidade. Memória. Ironia.

SUBJETIVIDADES E CORPOS EM TRÂNSITO: CONCEPÇÕES DE “LAR” EM MY

BROTHER DE JAMAICA KINCAID E AT THE LISBON PLATE DE DIONNE

BRAND

Fernanda Vieira de Sant’Anna

UERJ/PPGL-FAPERJ

Jânderson Albino Coswosk

UERJ/PPGL-Ifes

RESUMO

Compreende-se que não há um entendimento fixo ou definitivo para “lar”,

especialmente quando lidando com subjetividades diaspóricas. Isto posto, pode-se desdobrar

múltiplas configurações de “lar” e sua relação com espaço, lugar e corpo, junto de

pertencimento/não-pertencimento e o entre-lugar. Para sujeitos diaspóricos, aqui fisicamente

e/ou socialmente deslocados, como povos originários que foram “estrangeirizados” em suas

terras nativas (MINH-HA, 1991, p. 261), como dito por Avtar Brah (1998), ‘lar’ é um lugar

mítico de desejo no imaginário diaspórico, é um lugar de não retorno, mesmo que seja possível

visitar o território geográfico que é visto como local de ‘origem’ (BRAH, 1998, p. 192). Este

trabalho pretende desdobrar a des(re)construção de “lar” imbuído em subjetividades no entre-

lugar através da escrita autobiográfica de My brother (2012 [1997]), de Jamaica Kincaid, bem

como do conto At the Lisbon Plate, de Dionne Brand, extraído de seu livro de contos Sans Souci

and Other Stories (1989). O remapear de Kincaid de lar e sua terra natal, Antigua, se coloca

como consideravelmente ambivalente enquanto descreve a paisagem e retrata o que confere

especificidade a um dado local, que é uma constelação de relações sociais particulares

(MASSEY, 1994, p. 154). Brand situa a inserção do corpo negro feminino nas mobilidades

globais – o corpo enquanto local primeiro de movimento, lar e espaço, representando esse corpo

diaspórico enquanto um “devir-corpo” – “corpo-mulher”, “corpo-lésbico”, “corpo-espaço-lar”.

O conto de Brand desafia regimes de corpos sexualizados e racializados, vítimas do patriarcado

e das heranças coloniais que os expõem como modelos únicos das diásporas pretéritas e

contemporâneas, dos afetos e da vida. Assim, tais deslocamentos permitem-nos notar a

heterogeneidade desses movimentos, os processos de subjetivação que neles ocorrem, além da

impossibilidade de capturar a complexidade dessas massas de corpos dispersas pelo mundo.

Levando em consideração que o feminino em trânsito também ocupa um território liminar que

é múltiplo, diverso e ambivalente (ALMEIDA, 2015, p. 59-60), um “lugar” como “lar” pode

ser entendido como um processo, ao invés de um ponto geográfico fixo. Contudo, é importante

ressaltar que “lar” como metáfora não pode ser considerado uma mera abstração, mas “a

materialidade discursiva de relações de poder” (BRAH, 1998, p. 198, tradução nossa). Em

síntese, como supramencionado, este trabalho se propõe a ampliar os conceitos de “lar” em

subjetividades diaspóricas, através da obra de Kincaid e Brand, At the Lisbon Plate (1989) e

My brother (2012 [1997]), debruçando-se sobre questões como outramento, pertencimento em

sujeitos confrontados pelo des-locamento e de que modo o corpo feminino negro se

instrumentaliza como um mapa, ao codificar suas relações com lar, espaço, gênero e raça.

Palavras-chave: Des-locamento. Entre-lugar. Lar. Corpo. Subjetividades em trânsito.

A IMAGINAÇÃO AFRICANA EM BLACK MAMBA BOY E THE ORCHARD OF

LOST SOULS DE NADIFA MOHAMED

Valeria Silva de Oliveira

UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A presente comunicação objetiva apresentar reflexões sobre algumas temáticas que

permeiam as obras Black Mamba Boy e The Orchard of Lost Souls, de Nadifa Mohamed. Críticos

têm tentado descrever as especificidades da literatura africana desde seu surgimento nos círculos

acadêmicos na década de 50. Segundo F. Abiola Irele (2001), um proeminente crítico de

literatura africana da época, o alemão Janheinz Janh (1961, 1966), sugeriu o termo “literatura

neo-africana” para se referir a “[...] um corpus específico de escritos produzidos por Negros na

Idade Moderna e em línguas europeias em ambos os lados do Atlântico [...]” (IRELE, 2001 p.3,

tradução minha). Esses escritos seriam caracterizados por conterem uma visão comum

compartilhada por africanos e afrodescendentes. Nos Estados Unidos na década de 60, escritores

e críticos associados ao Movimento das Artes Negras entendiam a experiência do ‘ser negro'

como parte integrante da literatura negra. Segundo Irele (2001), embora o alemão e os críticos

do movimento realizassem os seus estudos literários a partir de perspectivas e contextos

específicos, ambos convergiam ao pensar a escrita criativa produzida por africanos e

afrodescendentes como meio de expressão de uma identidade negra. Dessa forma, a imaginação

africana e afrodescendente se manifesta como um importante marcador e valorizador das

diferenças. Outra característica comum da escrita criativa negra é a convergência temática. No

caso da literatura africana especificamente, há uma tendência ao engajamento com questões

locais e históricas devido a uma recente experiência colonial traumatizante que permeia a

consciência coletiva até os dias atuais. Assim, a narrativa ficcional se realiza como meio de

resistência e reflexão dessa experiência, ao mesmo tempo em que reconstitui memórias e

questiona as versões estabelecidas pelo discurso do colonizador. Na esteira das escritas

periféricas surge a somali Nadifa Mohamed, filha da diáspora africana. Inspirada pela experiência

de seus familiares e pelos testemunhos das mulheres somalis, a escritora resiste ao apagamento da

memória de sujeitos africanos através da escrita imaginativa. Black Mamba Boy e The Orchard of

Lost Souls se destacam por se tratarem de obras que narram as experiências de sujeitos

deslocados geograficamente e moralmente. Esses sujeitos ocupam o espaço entre-lugar do

imaginário coletivo ao mesmo tempo em que se encontram em busca da construção e o

entendimento de suas identidades. Segundo Glissant (1999, p. 63), a criatividade seria vital no

processo de preencher as lacunas deixadas por uma versão imposta pelo colonizador. Assim, o

imaginário entra em ação reconstituindo histórias locais, reconstruindo vivências e transformando

as tradições através da literatura. Além de preencher as lacunas deixadas pela história oficial,

essas obras também contribuem para denunciar natureza da origem de traumas que são

compartilhados por uma consciência coletiva por diversas gerações.

Palavras-chave: Imaginação Africana. Memória. Violência. Linguagem.

JAMAICA KINCAID E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE SUAS

NARRADORAS EM A SMALL PLACE (1988) E MY BROTHER (1997)

Walter Cruz Caminha

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo a investigação dos principais elementos que constituem

as identidades das narradoras nas obras A Small Place (1988) e My Brother (1997), ambas da

autora antiguana Jamaica Kincaid. Ainda jovem, Kincaid mudou-se para os Estados Unidos,

país historicamente conhecido por suas práticas colonizadoras, e lá tornou-se uma escritora

renomada. Seus romances e textos não-ficcionais trazem representações de sua terra natal e do

Caribe de modo geral, representações estas que são inundadas de nostalgia e duras críticas.

Através do uso de elementos autobiográficos, em especial detalhes de sua infância e

adolescência na ilha de Antígua, Jamaica Kincaid descreve a vida em um país que passou por

processos de colonização e descolonização longos e devastadores. Como sugerido por Susheila

Nasta em seu artigo "‘Beyond the Frame’: Writing a Life and Jamaica Kincaid’s Family

Album” (2009), Kincaid re-imagina seu passado em uma obra de escrevivência ao invés de

escrever sua autobiografia nos moldes tradicionais. Em A Small Place (1988), a autora usa as

características de um guia turístico para denunciar ao visitante inglês contemporâneo - cujos

ancestrais foram responsáveis pela colonização da ilha – a pobreza e exploração presentes em

Antígua, além da negligência dos governantes em relação aos habitantes da ilha. O texto não-

ficcional também faz uma reconstrução da história do país já que apresenta o ponto de vista do

colonizado, confrontando o registro histórico eurocêntrico amplamente divulgado nos livros

didáticos. Já em My Brother (1997), Jamaica Kincaid escreve um memoir baseado na relação

com sua família em Antígua. Após décadas sem retornar, a narradora-personagem faz diversas

viagens à ilha em um curto espaço temporal para visitar seu irmão mais novo, que está morrendo

devido a complicações da AIDS. Estas viagens levam a uma reconstrução de seu passado em

Antígua, onde morou com sua mãe, padrasto e irmãos até os 16 anos, quando migrou para os

Estados Unidos. O resgate deste passado traz referências constantes a sentimentos de

pertencimento e não-pertencimento, já que o deslocamento geográfico e o longo período

afastada, além de sua relação turbulenta com a mãe, tiveram um caráter decisivo em seu

amadurecimento pessoal e profissional. Em ambas as obras, podemos observar características

da construção da identidade das narradoras através de três perspectivas principais: o uso da

língua inglesa como ferramenta de colonização e manutenção de poder sobre as colônias e,

posteriormente, seu uso como forma de denunciar e combater práticas coloniais; a importância

da reescrita da História através de um olhar descentralizado e não-europeu, o ponto de vista do

colonizado; e, por fim, o uso de elementos autobiográficos de Jamaica Kincaid na construção

da narrativa e das narradoras de suas obras.

Palavras-chave: Identidade. Pertencimento. Pós-colonialismo.

AS MÚLTIPLAS VOZES POÉTICAS E ELEMENTOS PROTOFEMINISTAS NA

POESIA DE ANNE BRADSTREET

Aline Fernandes Thosi

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Anne Bradstreet (1612-1672), nascida Anne Dudley em Northampton na Inglaterra,

foi a primeira pessoa nos Estados Unidos da América colonial a ser publicada como poeta.

Seu primeiro trabalho, The Tenth Muse Latetly Sprung Up in America, havia sido publicado

em Londres pelo seu cunhado sem seu consentimento ou conhecimento em 1650. Apesar de

não ter estudado em uma escola por ser mulher, Bradstreet teve acesso a uma boa educação. O

pai da poeta, Thomas Dudley, educado dentro do contexto da tradição elisabetana, dedicou-se

a compartilhar os mesmos estudos e leituras com a filha. Enquanto ainda residia na Inglaterra,

a poeta passava boa parte de seu tempo na biblioteca do Conde de Lincoln, onde seu pai

trabalhava. Por ter lido diversos autores clássicos e contemporâneos, tais como Virgílio,

Plutarco, Tito Lívio, Plínio, Suetônio, Homero, Hesíodo, Ovídio, Sêneca, e Tucídides, assim

como Spencer, Sidney Milton, Raleigh, Hobbes e Du Bartas, podemos presumir que

Bradstreet incorporou em sua escrita padrões da cultura retórica elisabetana, o que levou seus

contemporâneos a acusarem-na de copiar poetas masculinos. Apesar de ser Puritana,

Bradstreet não escrevia apenas sobre religião e família. A poeta dedicou-se a escrever também

sobre assuntos públicos tais como política e história. A sua voz poética pública sustentava o

direito das mulheres de escrever e debater sobre assuntos que, no século XVII, eram de

domínio exclusivamente masculino. Ann Stanford (1975, p.1) afirma que “seus escritos

desafiavam a política inglesa, engajavam-se em embates teológicos e dissecavam a história da

civilização.” Seus trabalhos mostram sua determinação em escrever em defesa da capacidade

intelectual das mulheres, opondo-se aos mais conservadores e dogmáticos de seus

contemporâneos. Ainda de acordo com Ann Stanford (1996, p.376), “[...] para Anne

Bradstreet, este dogma não significa que as mulheres não deveriam usar nunca a sua

inteligência. [...] Em outras palavras, ela não aceitaria mulheres confinadas apenas a assuntos

domésticos como era esperado por John Winthrop.”1 Além de sua voz poética pública voltada

para temas gerais, há outras vozes a escutar em seus poemas. A sua voz poética privada

também não se mostra conformada com os dogmas impostos por sua religião. Heidi L.

Nichols (2006, p.118) comenta que apesar dos puritanos serem considerados pessoas severas

e não expressarem seus sentimentos abertamente, o trabalho de Bradstreet veio acabar com

mais este estereótipo. A poesia de Bradstreet dialoga não somente com o momento em que

viveu, mas representa também uma reação, um desconforto com esse momento. Sua voz

poética foi construída dentro de um contexto histórico opressor que se mostra em seus poemas

engajada com a quebra da tradição patriarcal do século XVII. Este trabalho dedica-se à análise

das múltiplas vozes poéticas de Bradstreet, afim de explorar elementos protofeministas em

seus poemas.

Palavras-chave: Anne Bradstreet. Vozes Poéticas. Protofeminsmo.

1 “Yet for Anne Bradstreet this dogma did not mean that women were not to use their wits at all. […] In other

words, she would not have women confined to household affairs to the extent expected by John Winthrop.”

(Tradução minha)

DA VIVACIDADE DE LADICE À PASSIVIDADE DE MACABÉA:

ESTUDO COMPARATIVO DE EXALTAÇÃO, DE ALBERTINA BERTHA E A HORA

DA ESTRELA, DE CLARICE LISPECTOR.

Danielle da Silva Leal

UERJ - Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Letras

RESUMO

Os romances Exaltação e A Hora da Estrela são obras singulares da literatura

brasileira, ambas do século XX, mas separadas por mais de 60 anos. Na obra de Clarice

Lispector, aspectos como ingenuidade, anonimato e sua não presença no mundo, sua vida

miserável e seus sonhos ínfimos, chamam a atenção não só por sua construção, mas também

por sua essência, oca e fascinante. Em contraposição a toda essa passividade e silenciamento

diante da vida, está a protagonista do romance de Albertina Bertha, Ladice, personagem

romântica por excelência, que pulsa vida e ambições dignas de uma sonhadora. Exaltação,

livro de estreia da escritora carioca, apresenta tons de inovação e introspecção, este último

traço tendo sido muito caro a Lispector. Bertha, inserida na produção literária feminina do

início do século XX, romancista e ensaísta, teve participação ativa na imprensa periódica do

dado período. Lispector, autora que possui obras fundamentais para o cenário literário

brasileiro, cujo reconhecimento é inquestionável. A hora da estrela conta com vasta fortuna

crítica, que engloba as mais diversas temáticas apresentadas no livro. Por meio de estudos

realizados na área, o presente trabalho busca explorar a temática comparatista, levando em

consideração o período ao qual foram escritos os romances, bem como os entrecruzamentos e

divergências das personagens. O silêncio de Macabéa e o grito pela liberdade de Ladice

compõem as disparidades entre elas. Ao passo que, o de Clarice, se esconde à sombra de

todos, vivendo uma vida digna de pena, sem paixão pela mesma, muito menos ambições e

desejos vivaces e fervorosos. Ao contrário, a personagem o grito de Albertina Bertha mostra-

se para o mundo, sem medo de expor seus sentimentos, que não são levados a sério devido à

sua idade precoce e ao fato de ser mulher; Ladice vive em prol de um amor fantasioso,

pujante, que lhe dá sentido à existência. Tendo como base o processo de construção das

personagens, o presente trabalho pretende analisar duas obras de autoria feminina importantes

para o romance moderno brasileiro. Além de resgatar e ressaltar a importância de Albertina

Bertha nesse cenário, uma vez que a autora foi negligenciada pela historiografia e pela crítica

literárias. O viés comparatista do trabalho possibilita estudar Macabéa e Ladice: seus aspectos

em comum, envolvendo o caráter introspectivo, e suas divergências, principalmente no

tocante à construção de ambas e como se configuram nas narrativas romanescas em questão.

As duas protagonistas se aproximam no que tange à opressão. Entretanto, são opressões

sentidas de formas completamente diferentes. Macabéa, retirante, ignorante e mulher, é

fortemente oprimida, mesmo sem se dar conta, pela sua condição [mínima] social. Já Ladice,

muito esperta e atenta aos mecanismos de opressão, luta contra todas as imposições de uma

sociedade machista e hipócrita através de seu comportamento transgressor. Além disso,

vincular a essa pesquisa a temática muito recorrente em Clarice e explorada em Albertina, em

Exaltação: a interiorização dos personagens principais. A subjetividade, “o olhar para

dentro”, aproxima Ladice e Macabéa em um eixo temático e formal. E a construção dessas

mulheres as conecta e, ao mesmo, repulsa, considerando o olhar da época e a motivação para

tais caracterizações.

Palavras-chave: Escrita feminina. Viés comparatista. Passividade. Vivacidade. Clarice

Lispector. Albertina Bertha.

AS MULHERES DE MARIA BENEDICTA BORMANN/DÉLIA E CAROLINE VON

WOLZOGEN: REFLEXOS DO FEMININO NOS PRIMÓRDIOS DA SOCIEDADE

BURGUESA ALEMÃ E BRASILEIRA

Juliana Oliveira do Couto

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A Europa do século XVIII foi palco de uma drástica reconfiguração social provocada

pela ascensão e consolidação da burguesia, o que ocasionou uma alteração dos valores vigentes

e, consequentemente, uma nova visão do papel feminino na sociedade. Esta nova forma de vida

nos centros urbanos contou, porém, com um imenso abismo entre os gêneros: enquanto os

homens viam-se ante o progresso dos self made men, as mulheres ainda se encontravam sob o

jugo de uma sociedade criada por homens e para os homens. Os valores em voga, desse modo,

pautavam-se em uma rígida vigilância dos passos femininos, restringindo as mulheres e

meninas ao espaço doméstico, além da oferta de uma educação substancialmente inferior à

concedida aos meninos, a fim de prepará-las desde a mais tenra idade para a única função social

possível: o papel de mãe e esposa. As terras brasileiras abrigaram estes acontecimentos e suas

implicações somente no século seguinte. Vale salientar que esta reviravolta histórica não se

restringiu ao âmbito social, transpondo-se ao terreno literário seja ratificando, seja exprobando

os novos valores em voga. É justamente neste contexto que surge o romance moderno, grande

responsável por apresentar via literatura a nova estrutura social. Através da literatura do

período, apresenta-se ainda o ideal do amor romântico, calcado na idealização e na separação

dos corpos, o que reflete o modelo de virtude vigente. É nesta conjuntura que surgem os

romances alvo do presente trabalho: Agnes von Lilien, obra de Caroline von Wolzogen, surgida

na Alemanha em fins do século XVIII, e Lésbia, criação de Maria Benedicta Bormann (ou

Délia), vinda a lume no Brasil do fim do século XIX. O afastamento cronológico se justifica

pelo fato de as condições sociais dos países se tornarem análogas apenas através do

distanciamento temporal, afinal o Brasil presenciou as rupturas ocorridas em solo europeu

somente um século mais tarde. No que se refere ao conteúdo das obras, Lésbia se apresenta

como uma crítica feroz à posição feminina em uma sociedade que somente promove o seu

engessamento. A autora retrata uma protagonista consciente da gama de limitações à qual está

submetida e que encontra um meio de elevar sua voz em pleno domínio do patriarcado no

campo literário. Agnes von Lilien, por sua vez, não exibe o mesmo tom ácido, ao contrário: sua

protagonista adequa-se ao ideal de virtude imposto às mulheres de sua época, mas, ao longo da

obra, toma plena consciência dos encargos advindos deste ideal de conduta. A análise das obras

em questão configura-se, portanto, como o estudo de um importante marco no trajeto da história

das mulheres na forma como este comparece no discurso literário via pena feminina, isto é, as

protagonistas de Délia e Caroline von Wolzogen são mulheres criadas por mulheres em um

período de império da escrita masculina. Observar o peso das vozes destas mulheres se

apresenta, por conseguinte, como um retorno aos primórdios de uma problemática que, em

pleno século XXI, encontra-se longe de estar esgotada.

Palavras-chave: Papel da mulher. Délia. Caroline von Wolzogen.

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA NA LITERATURA DE

ENTRETENIMENTO BRASILEIRA – O PAPEL DAS LEITORAS-ESCRITORAS

Luciana Bastos Figueiredo

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Os dados divulgados pela quarta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do

Instituto Pró-livro, divulgada em 2016, mantém a afirmativa de que mulheres leem mais que

homens, principalmente entre os jovens de 14 a 25 anos, e aponta que a produção editorial

brasileira deste segmento cresce com vigor. Surgem, então, algumas hipóteses para justificar

esse crescimento: a) as mulheres avançam mais nos estudos e, consequentemente, atingem

níveis de escolaridade mais altos que as colocam em contato mais frequente com a literatura;

b) existem mais títulos principalmente indicados para elas do que para eles; c) a figura

feminina presente nesses livros é um fator de sedução no momento da escolha da próxima

leitura. Além disso, a meu ver, esse fenômeno pode ser reflexo de um cenário social recente

em que a mulher vem recebendo maior atenção e suas questões, ganhando maior visibilidade.

Há um novo tipo de movimento de mulheres, um novo tipo de feminismo, que pode estar

influenciando as novas vozes literárias femininas que estão transformando o mercado editorial

brasileiro. Destaco a literatura de entretenimento produzida, a partir dos anos 2010, pelo que

estou chamando de leitoras-escritoras: leitoras ávidas de romances femininos – inicialmente,

em sua maior parte, estrangeiros – que se tornaram escritoras expoentes utilizando-se

majoritariamente de plataformas digitais de autopublicação, para publicar livros que

abordassem o comportamento e a vida das adolescentes e jovens mulheres dos dias de hoje, e

de suas redes sociais, para manter estreito relacionamento com as leitoras conquistadas.

Diante dessa complexificidade de fatores, um constitui meu problema principal: a figura

feminina na literatura, presente nos livros que tanto atraem a atenção das leitoras, como

agente para a construção de marcos identitários contemporâneos. Então, interessa a mim

conhecer e estudar os conceitos de feminino e feminilidade que estão sendo apresentados

nessas obras. Parto do pressuposto de que tanto o fazer literário das leitoras-escritoras quanto

a experiência de leitura dessas jovens mulheres contemporâneas são instrumentos de

transformação e libertação através da linguagem, e cujos sentidos e possibilidades serão

internalizados pelo grande grupo de leitoras, para onde convergem, na essência, os dois

grupos citados – leitoras-escritoras e jovens mulheres contemporâneas. É a leitora, a partir de

sua experiência com a literatura, com a leitura e com o prazer experimentado, quem vai

definir essa literatura de entretenimento, e, como uma consequência lógica, o mercado

editorial e novamente as leitoras-escritoras, criando um círculo que se retroalimenta.

Importante questionar aqui, então, se esse círculo tão profícuo vai estagnar-se e apenas

reproduzir discursos pré-fabricados ou se continuará produzindo novos significados no

tocante à identidade feminina e ao lugar da mulher na sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Literatura contemporânea brasileira. Literatura de entretenimento.

Identidade feminina. Leitura. Leitoras-escritoras.

PERCEPÇÃO, TÉCNICA E LITERATURA NA BELLE ÉPOQUE

Eliane Waller

UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Nesta comunicação serão apresentados os elementos a serem estudados em minha tese

“Percepção, choque e técnica na Belle Époque”, como doutoranda em Teoria da Literatura e

Literatura Comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O trabalho de pesquisa se

concretizará a partir da análise da relação entre literatura e a técnica, no contexto da

modernização da percepção e da experiência urbana, nas primeiras décadas do século XX.

Buscará, também, perscrutar as mutações por que passa a subjetividade moderna, sobretudo no

que diz respeito às diferenças de percepção do indivíduo, suas novas relações espaço-temporais,

vinculadas e relacionadas ao desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação,

informação e deslocamento. A pesquisa partirá da análise da concepção de modernidade

neurológica, com base nas reflexões de Walter Benjamin, Siegfried Kracauer e Georg Simmel.

Esses pensadores fixaram-se na ideia de que tal concepção provocou um novo registro de

experiência subjetiva, caracterizado por choques físicos e perceptivos. Segundo Georg Simmel

(1950): “A modernidade envolveu a ‘intensificação da estimulação nervosa’, que resulta da

mudança rápida e ininterrupta de impressões interiores e exteriores”. Apesar da excelente

contribuição da Profa. Flora Sussekind, em Cinematógrafo das letras (1987), no qual ela sugere

uma história da literatura brasileira que leve em conta suas “relações com uma história dos

meios e formas de comunicação”, esse estudo pretende discutir a maneira como a literatura

assimilou essas inovações. O que Sussekind procurou fazer foi examinar de que forma a

aproximação da literatura com o horizonte técnico passa a “enformar” a produção cultural:

“Não se trata mais de investigar apenas como a literatura representa a técnica, mas como,

apropriando-se de procedimentos concernentes à fotografia, ao cinema, ao cartaz, transforma-

se a própria técnica literária”. (SUSSEKIND, F.: 1987, p. 23-4). Esse estudo pretende

aprofundar os estudos nos teóricos que discorrem sobre a concepção neurológica da

modernidade e identificar, em textos de Lima Barreto (1881-1922) e João do Rio (1881 – 1921),

como ocorreram modificações nos modos de percepção do sujeito, não só em relação a toda a

mudança de cenário ocorrida na cidade do Rio de Janeiro, num momento de grandes alterações

físicas, geradas pelo famoso “Bota -Abaixo”, mas também como os intelectuais da época

lidaram, em seus textos, com a tecnologia que transformava o cotidiano dos cidadãos. A

pesquisa apresenta a proposta de analisar os romances Recordações do escrivão Isaías Caminha

e Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá e contos escolhidos de Lima Barreto; as crônicas de

João do Rio (Vida Vertiginosa, Cinematógrafo), de Benjamim Costallat (Mistérios do Rio),

crônicas escolhidas de Olavo Bilac, publicadas na Gazeta de Notícias e reunidas por Antonio

Dimas; romances de Coelho Neto (Turbilhão, Esphinge) e de João do Rio (A profissão de

Jacques Pedreira), à luz da concepção teórica de modernidade neurológica, ou seja, a questão

das mutações por que passa a subjetividade moderna no que tange à percepção, no período da

Belle Époque.

Palavras-chave: Lima Barreto e João do Rio. Literatura e imprensa. Percepção. Sujeito.

Modernidade.

ESTÁTUA EM ROCHA VIVA: PERCEPÇÕES DE LUGAR, TEMPO E PESSOA EM

OS SERTÕES

José Maurício M. Bahri

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

No contexto das transformações que ocorreram ao longo do século XIX, o Liberalismo

tornou-se a principal corrente política e ideológica de um grupo que se firmava como

hegemônico no poder: a burguesia. Naquele momento, o Capitalismo estava se consolidando

como sistema. Após as revoluções que ocorreram ao longo do século, somadas aos debates

acerca dos direitos civis e da democracia, o Liberalismo teve um forte apelo entre a classe

burguesa, que adquiriu hegemonia política ao controlar os principais postos de comando na

estrutura burocrática que passou a constituir os Estados modernos. No seio deste processo, a

ciência concorreu para justificar a preponderância das classes mais abastadas sobre as mais

pobres, e dos povos “civilizados” sobre o que se considerava primitivo à época. No Brasil,

com a chegada do “bando de ideias novas”, e o fortalecimento de um corpo de intelectuais até

então alijados de participação política, os conceitos e teorias vindos da Europa e dos Estados

Unidos comporão a complexidade do movimento que ficou conhecido por geração de 1870.

Tais intelectuais não só reivindicaram uma presença mais efetiva na vida nacional como se

propuseram a pensar o país. No mesmo período, São Paulo começou a despontar com o

deslocamento do eixo econômico do Nordeste para o Sudeste, e foi particularmente atuante no

regime instaurado com a proclamação da República em 1889. Destarte, a elite paulista criou

recursos que visavam o melhor aproveitamento do solo nas plantações de café, tais como as

escolas agrícolas e a escola politécnica, bem como os institutos que cumpriam resgatar a

memória do estado na intenção de justificar a preponderância de São Paulo sobre o Brasil.

Portanto, aliando as ideologias de classe muito bem assimiladas por essa elite, que cresceu

política e economicamente na virada do século e a atividade dos intelectuais, chegamos ao

papel que Euclides da Cunha exerceu como escritor neste cenário. Não é demasiado reiterar

que o escritor foi um intelectual que se aproximou das elites paulistas no decorrer de sua vida,

e que manifestou parte dos conceitos científicos difundidos entre elas. Tais conceitos e a

crença firme do autor na ciência foram determinantes para sua escrita que é, ao mesmo tempo,

abrangente e labiríntica. E com isso queremos mencionar não somente a tentativa de abarcar

vários ramos de estudo – Antropologia, Sociologia, Botânica, Geologia etc. -, mas também o

emprego propositado de termos que confeririam à obra o caráter de um verdadeiro tratado.

Considerando sua colaboração para o jornal O Estado de São Paulo e a atuação como

correspondente durante a Guerra de Canudos, o presente trabalho pretende fazer uma leitura

que se utiliza da metáfora de uma estátua que vai se construindo ao longo das páginas de Os

Sertões, para o que contribui a compreensão de uma união entre as concepções de lugar,

tempo e pessoa. Iniciaremos com uma abordagem da pessoa que é o próprio Euclides da

Cunha, partindo de um pequeno estudo sobre o Liberalismo e suas concepções de classe, para

então verificar como esse observador se comporta ao narrar a Guerra de Canudos e

pormenorizar a região sertaneja, seu clima, seus habitantes e sua cultura.

Palavras-chave: Intelectuais. Elites paulistas. Século XIX. Ciência. Liberalismo. Euclides da

Cunha. Canudos.

UM ESTILO DE VIDA POR TRÁS DOS BASTIDORES DA BELLE ÉPOQUE:

UMA LEITURA DO CONTO “UM E OUTRO” (1913), DE LIMA BARRETO.

Márcio Revorêdo Rodrigues

UERJ – Programa de Pós-graduação em Letras

RESUMO

O conto Um e Outro, escrito por Lima Barreto em 1913, revela, sob o ponto de vista

narrativo, imagens de uma Belle Époque e uma breve representação da alma de sujeitos que

figuram o cenário do Rio em transformação; e, nos desperta para como os hábitos, os

costumes, as experiências urbanas e humanas foram atravessadas pelas mudanças

progressistas da época. As novidades científicas, tecnológicas, capitalistas invadem,

simultaneamente e com velocidade, corpo e alma desses sujeitos, que parecem despreparados,

naquele tempo/espaço, a lidar com as provocações surgidas pela transformação da cidade,

pela alteração de pensamentos e comportamentos, pelo superestímulo injetado às sensações

humanas. Através da leitura do conto, buscaremos compreender essas alterações, mudanças e

transformações – do tempo, do espaço, do sujeito – ao observarmos a representação das

personagens que figuram a narrativa. Podemos aproximar a narrativa Um e outro da

linguagem cinematógrafa – um dos símbolos da época – não só pela linguagem empregada,

mas pelas sensações que chegaremos a tomar enquanto observadores das ações da

protagonista, e, também, pela sugestão de ângulos e movimentos escolhidos pelo

“cinegrafista”. Através do discurso indireto-livre – e a exibição do fluxo de consciência –,

percebe-se a fusão entre o narrador-observador crítico barretiano e sua personagem-

protagonista. Ajustado à linguagem cinematógrafa, o narrador funde suas observações,

dotadas da experimentação do contexto da sociedade capitalista da fase de remodelamento do

Rio de Janeiro, com a consciência de Lola (a protagonista), a qual representa uma estirpe de

sujeitos modernos. Por se tratar de um conto, o nosso olhar para a narrativa será como o de

assistir a um curta-metragem, cujo cenário é enriquecido pelo contexto da Belle Époque

carioca, e o de assumir o papel de observadores das ações das personagens, do pano de fundo

e dos signos da época, sem deixarmos de apontar, no campo da linguagem, aspectos do

roteiro: a narrativa garante esse espaço para a representação de sujeitos do contexto da

modernidade em formação. É preciso, no entanto, inicialmente, compreender essa cidade que

serve de “pano de fundo” para a narrativa, porque os nossos olhares precisarão estar sensíveis

às experiências tanto urbanas quanto íntimas: a cidade pode inteferir na vida dos indivíduos

tanto quanto a vida dos indivíduos pode interferir na cidade. A ideia de uma análise próxima

da vivência (ou da experiência de vida) permitirá que enxerguemos os dois lados da moeda: o

físico e o emocional de uma cidade e de seus indivíduos, de uma Lola (a protagonista) por

fora e por dentro. Em Um e outro, ganha relevo a denúncia do materialismo vazio e estúpido

superestimulado pelos valores capitalistas que interpenetravam à cidade, alastrando-se por

meios tão sedutores quanto estratégicos, pelos quais se oportunizava consumir desde artefatos

mecânicos e tecnológicos a estilos de vida veiculado e ilustrado em revistas e filmes. Lola

“morde a isca” desse “mercado” e deixa-se levar por inteira, não percebendo que quanto mais

consumisse e quanto maior fosse a sensação de grandeza e liberdade, mais acorrentava-se à

“escravidão” do capitalismo.

Palavras-chave: Narrativa brasileira. Lima Barreto. Belle Époque carioca.

CALIBAN: A LITERATURA FESCENINA DE COELHO NETO NO GRANDE

SÉCULO XIX

Renata Ferreira Vieira

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Caliban era um dos pseudônimos mais conhecido na carreira profissional do escritor

maranhense Henrique Maximiano Coelho Neto (1864-1934). Tomado da peça shakespeariana

A Tempestade (1611), Caliban foi o nome buscado pelo Coelho Neto para assinar uma vasta

literatura fescenina do autor, repleta de “contos e poemas brejeiros” inspirados da cultura

popular da Fescênia, cidade da Etrúria onde o antigo povo romano celebrava orgias em

homenagem ao deus Baco, surgindo daí a origem do adjetivo fescenino para designar

libertino, licencioso ou obsceno. Essa literatura foi publicada, anteriormente, na coluna

satírica “O Filhote”, do jornal carioca Gazeta de Notícias, entre 2 de agosto de 1896 e 28 de

maio de 1897. Tendo fortes marcas do humanismo renascentista de Boccaccio e Rabelais,

esses textos foram reunidos em 6 volumes e publicados pela prestigiosa editora Laemmert em

1897 e 1898, com o título Álbum de Caliban. O sucesso de vendas dos seis volumes de Álbum

de Caliban, na última década do século XIX, trouxe de volta as “brejeirices de Caliban”, em

1905, na revista carioca O Malho, em formato de novelas ilustradas para agradar ao “público

de calças e causar invejar ao outro” (O Malho/RJ, 14/01/1905, p.4). Com textos semelhantes à

edição de estreia, Álbum de Caliban conquistou o gosto popular e rendeu ao O Malho um

aumento considerável de sua tiragem. O livro tornou-se na “sensação do momento”. Segundo

a imprensa, os “textos picantes” de Caliban, ao lado das “caprichosas ilustrações” de mulheres

seminuas, eram um regalo para todos que buscavam um “alegre passatempo” em meio à

“árdua labuta diária do ganha-pão” (O Malho/RJ, 21/01/1905, p.4). Após a repercussão em O

Malho, uma nova série do Álbum de Caliban foi reeditada em brochura (com fotos de

mulheres nuas) e colocada à venda nos pontos de jornais de Braz Lauria, na Rua do Ouvidor,

no centro da cidade do Rio de Janeiro. A partir desse contexto, a comunicação apresentará como

o escritor Coelho Neto construiu sua imagem de autor de literatura fescenina, nas décadas de

1890 e 1910, por meio do pseudônimo de Caliban para atender o mercado da “leitura alegre”, que

surgia nas práticas do comércio livreiro carioca para publicação de livros de conteúdos

licenciosos e pornográficos. Com o objetivo de compreender a construção do “obsceno e

brincalhão” Caliban pela escrita fescenina de Coelho Neto (A Notícia/RJ, 18/02/1898, p. 2),

este trabalho terá dois focos de interesse. O primeiro foco é a compreensão dos processos de

criação desse pseudônimo, que permitia Coelho Neto a expor sua “persona” mais atrevida e

desafiadora nos textos destinados para o mercado da “leitura alegre”. O segundo foco de

interesse é a investigação sobre a trajetória (de êxitos) de Caliban pelos jornais e pela livraria-

editora Laemmert na última década do século XIX, como também pelos circuitos alternativos

para a produção e venda de “livros perigosos”, das revistas cariocas O Malho e O Rio Nu na

primeira década do XX. Para cumprir o objetivo do trabalho, a pesquisa levantará

informações sobre a atuação de Coelho Neto no mercado da “leitura alegre” e a primeira

circulação do livro Álbum de Caliban durante o grande século XIX no Acervo da Hemeroteca

Digital Brasileira da Biblioteca Nacional, por meio dos pressupostos teóricos da história do

livro e da leitura (CHARTIER, 1990).

Palavras-chave: Coelho Neto. Caliban. Literatura fescenina.

PONTO DE VISTA NARRATIVO E SUBJETIVIDADE EM VIDAS SECAS, DE

GRACILIANO RAMOS.

Andréia Queila Santos Gomury

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A partir do esquema historiográfico teleológico realista apresentado por SODRÉ

(1964) e por BOSI (2006), observamos uma progressão evolutiva nos modos de representação

do real no sertanismo: sertanismo romântico como “pequeno realismo da minúcia” (1964, p.

324); sertanismo naturalista como “concepção mimética da prosa” (2006, p. 207); sertanismo

modernista um realismo de “visão crítica” (2006, p. 389). Esse esquema historiográfico pode

ser compreendido, em termos barthesianos, como um progressivo aumento do efeito de real

produzido pela nossa literatura, do romantismo ao modernismo, em direção àquilo que

BARTHES (1988) chama de “ilusão referencial”. Para Bosi e Sodré, Graciliano Ramos atinge

seu ponto alto com Vidas Secas, visto como “obra prima da sobriedade formal” na qual “o

esforço de objetivação foi bem logrado” (BOSI, p. 403). A leitura temática das obras de

Graciliano, em especial Vidas Secas, é questionada por CANDIDO (1989). Tal

questionamento vai ao encontro da análise de CRISTÓVÃO (1986) em relação ao ponto de

vista em 3ª pessoa em Vidas Secas. Por meio dessa análise, podemos entender a construção

deste ponto de vista na obra de Graciliano. O escritor não apreciava o tipo de narrador

onisciente, pois ultrapassava a experiência individual por saber demais, e incorreria na

inverossimilhança, violando o critério estipulado por ele do que seria a verdade na escrita.

Mesmo com a alegação de Cristóvão de uma “onisciência verdadeira da 3ª pessoa nas

descrições exteriores”, esta pode ser contestada quando lembramos, com RABATEL (2008),

que a ideia de uma “focalização zero” não resiste à análise, tampouco a de focalização

externa”, pois não há outra instância enunciativa e narrativa, além do narrador e personagem.

Segundo PAGEAUX (2011), “a imagem é uma espécie de língua, de língua segunda para

dizer o Outro e, consequentemente, para dizer um pouco de si, de sua cultura” (p.111).

Pageaux ainda explica que “num dado momento histórico, numa sociedade determinada e

num quadro cultural estabelecido, não se pode dizer tudo e qualquer coisa sobre o Outro” (p.

113). Essas afirmações podem ser suplementadas pela teoria da referenciação de MONDADA

& DUBOIS (2003). Para elas, a referenciação não está ancorada em um “valor de verdade”,

mas em verdade enquanto construção. A construções dos objetos de discurso é marcada pela

instabilidade das categorias, ou seja, “o problema não é mais, então, de se perguntar como a

informação é transmitida ou como os estados do mundo são representados de modo adequado,

mas de se buscar como as atividades humanas, cognitivas e linguísticas, estruturam e dão

sentido ao mundo” (2003, p.20). Segundo Rabatel “o sujeito, responsável pela referenciação

do objeto, exprime seu PDV, tanto diretamente, por comentários explícitos, como

indiretamente, pela referenciação, isto é, pelas escolhas de seleção, de combinação, de

atualização do material linguístico”. Percebemos em Vidas Secas, por meio, também, da

análise dos vocábulos, as marcas de subjetividade do narrador, a posição assumida que deixa

marcas de si em seu processo criador; as marcas de um Eu (o narrador) que constrói a imagem

do Outro, do sertanejo, no caso. Portanto, mesmo sendo considerado um romance

regionalista, marca não uma adesão pura e simples às tendências literárias dominantes da

época, mas as contemporiza e ultrapassa.

Palavras-chave: Historiografia. Imagem. Ponto de vista. Vidas Secas.

O TRÁGICO E OS DIFERENTES MODOS DE PERCEPÇÃO DA LITERATURA DE

LÚCIO CARDOSO

Erica Ingrid Florentino Gaião

UFRJ – Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

RESUMO

Lúcio Cardoso (1912-1968) é um autor importante para a historiografia da Literatura

Brasileira, pelo conjunto de sua obra que inclui romances, novelas, contos, poesias, peças

teatrais, roteiros para o cinema e autobiografia, pela sua intensidade narrativa, pela forma

poética com a qual desenvolve os seus temas e pelo movimento literário que participou entre

os anos 30 e 40, um período de grande relevância para a literatura nacional, conhecido como a

“Era do romance brasileiro”. Sua expressão no cenário da literatura decorre do fato de ter

aderido ao projeto intimista, a partir da publicação de seu terceiro livro, A luz no subsolo

(1936), consagrando-se como um autor da vertente psicológica do romance brasileiro,

imediatamente após ter publicado dois romances reconhecidos pela crítica literária como

obras de cunho regionalista, tendência da Literatura Brasileira predominante no período. Do

universo criado por Lúcio Cardoso emergem seres dominados por forças antagônicas, e na

constituição de suas personagens a presença do trágico se firma como a representação de um

dos aspectos fundamentais da condição humana. No antagonismo entre as forças – que ocorre

no centro da oposição apolínea e dionisíaca –, articulado pelas paixões, encontra-se a potência

que move as ações de suas personagens angustiadas, aflitas e ávidas por uma verdade

existencial e metafísica. Portanto, a experiência do trágico em Lúcio Cardoso remete o leitor à

identificação das condições existenciais circunscritas na própria realidade na qual o sujeito se

insere: a iminência da morte, a inexorabilidade do tempo, as relações com o Outro, o medo e a

angústia que contornam as experiências humanas, são fatores geradores de conflitos revelados

nos cenários construídos por Cardoso. Tomando como referência o trágico enquanto categoria

estética, a presente pesquisa tem por objetivo confirmar a existência de um fio condutor que

unifica a produção artística de Lúcio Cardoso, tendo como objeto de análise um corpus

ficcional composto por diferentes gêneros narrativos. Supõe-se que o fio condutor que

interliga as obras do ficcionista mineiro estrutura-se a partir da configuração do espaço e da

construção de suas personagens, estas dotadas de características específicas, mormente quanto

à questão relacionada ao dilaceramento interior e à morte, aspectos que permeiam a estética

trágica enquanto categoria da condição humana. Para comprovar tal hipótese tomou-se como

referencial ficcional as novelas Mãos vazias (1938) e O enfeitiçado (1954), o conto “A

escada” (1947) e a peça O escravo (1945). Obras escritas e publicadas em momentos distintos

da trajetória de Lúcio Cardoso, mas que apresentam elementos comuns no tocante aos espaços

e às personagens, embora as estruturas dos enredos sejam diferenciadas. Diante de um projeto

estético tão amplo e singular, entende-se que a relevância da pesquisa apoia-se

estrategicamente na intenção de investigar diferentes textos de Lúcio Cardoso, tendo como

referencial perspectivas comuns, para comprovar a hipótese de que a diversificada produção

artística empreendida por Cardoso está alicerçada por um fio condutor que a unifica.

Ademais, a presente proposta, amplia o olhar sobre um autor tão importante para a Literatura

Brasileira.

Palavras-chave: Trágico. Lúcio Cardoso. Literatura Brasileira.

HOMO FABULATOR: O ETERNO JOGO DA FÁBULA E DO MITO

Guilherme de Figueiredo Preger

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O presente resumo investiga as relações teóricas entre fábula e mito segundo a obra de

vários autores. Inicia debatendo a tese histórica de Yuval Noah Harari da “Revolução

Cognitiva” do Homo Sapiens que postula o mito como uma “ordem imaginada” social, porém

inexistente. O que caracteriza a espécie do Homo Sapiens, segundo o historiador, é sua

capacidade de produzir ficções que funcionam como ordens imaginadas e permitem a

colaboração simultânea de milhões de indivíduos. Depois o estudo enfoca a tese de Italo

Calvino de que a fábula precede o mito, num jogo entre variação e constância. O mito é uma

fábula privilegiada ou hegemônica e funciona como um “atrator de fábulas”, ou um filtro de

narrativas, selecionando as histórias que são do interesse das classes dominantes. A fábula, no

entanto, representa uma pulsão combinatória da fala e funciona como um “pulmão” do mito,

variando e oxigenando o repertório de narrativas sociais. Em seguida, aborda a concepção

cibernética de Bruce Clarke da narrativa como “organização social de traços”. Todo traço é

uma distinção entre um espaço marcado por uma observação e outro não marcado. Porém,

aquilo que não é marcado “reentra” necessariamente no marcado, como contexto não

observado ou como inconsciente. A narrativa é o jogo entre o que se diz e o que se observa e

também com aquilo que é silenciado e não visto. Em seguida, o tema clássico de Roland

Barthes da mitologia no mundo contemporâneo é discutido com sua concepção de que o mito

é uma “fala roubada”. A mitologia é um sistema semiológico secundário no qual um signo

material ocupa o lugar de significante. Com isso, um processo de significação sequestra o

lugar do significado anterior, deformando-o. Em seguida, numa interlocução com as obras

clássicas de Platão e Aristóteles, é realizada uma comparação entre a distinção fábula/mito e

diegesis/mímesis. Enquanto Platão reprova o poder ilusório da mimese, valorizando a diegese,

Aristóteles irá privilegiar a primeira em detrimento da segunda. Toda sua Poética se desdobra

numa discussão sobre a tragédia enquanto forma mimética. Finalmente, é proposta uma

comparação última com os conceitos de mutação e metamorfose, retirados tanto das ciências

biológicas, como das teorias semióticas de Julia Kristeva e Roland Barthes. Em particular, as

camadas conceituais de genotexto e de fenotexto são aquelas que produzem os efeitos textuais

da mutação e da metamorfose. Não há entre elas relação de causa e efeito, mas sim uma

relação não linear. Mutações no código linguístico provocam metamorfoses estilísticas. As

fábulas são assim veículos de mutações, enquanto os mitos são submetidos a deslocamentos

metamórficos. Todas essas teorias ajudam a defender a tese de que mais do que Homo

Sapiens, a espécie é antes a do Homo Fabulator. Fabulator é aquele que fala e fabula. Em

conclusão, o mito representa um controle sobre o ato da fala que gera a fábula, restringindo

sua proliferação e diversificação.

Palavras-chave: Fábula. Mito. Narratologia. Diegese. Mimese.

O SERTANEJO GRACILIÂNICO EM PERSPECTIVA INFRAGENÉRICA

Thayane Verçosa da Silva

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

No período entre março de 1941 e agosto de 1944, Graciliano Ramos colaborou

ativamente com a seção “Quadros e Costumes do Nordeste” de Cultura Política: Revista Mensal

de Estudos Brasileiros, o principal veículo doutrinário do Estado Novo. No artigo “A vida

sertaneja entre a ficção e o testemunho: os ‘Quadros e Costumes do Nordeste’ de Graciliano

Ramos” (2015), Thiago Mio Salla observa que “os textos [...] destacam-se [...] em função dos

recursos retórico-estilísticos mobilizados pelo escritor” e que “costumavam orientar-se pelo

efeito de ficção, aproximando-se, sobretudo, dos protocolos do conto e do retrato, seja de tipos,

seja de situações”. Na sequência, ele também afirma que “por mais que Graciliano se valesse da

ênfase em elementos ficcionais [...], avulta também a construção do efeito de real, em

decorrência, sobretudo, do enquadramento documental”. Para o autor, portanto, o efeito de real

está estritamente ligado ao documental, em oposição ao ficcional, oposição que não se mantém

em face da leitura dos célebres ensaios em que Roland Barthes tratou do assunto. Para Barthes, o

efeito de real emerge da “colusão direta” de um significante e de um referente, em detrimento do

significado, algo verificado nas mais diversas manifestações discursivas, verbais e não verbais:

“Há um gosto de toda a nossa civilização pelo efeito de real, atestado pelo desenvolvimento de

gêneros específicos como o romance realista, o diário íntimo, a literatura de documento, o

noticiário policial, o museu histórico, a exposição de objetos antigos, e principalmente o

desenvolvimento maciço da fotografia, cujo único traço pertinente (comparada ao desenho) é

precisamente significar que o evento representado realmente se deu” (BARTHES, “O discurso da

história”, 1967). A objetividade do que “realmente se deu” aparece como “uma forma particular

de imaginário, o produto do que se poderia chamar de ilusão referencial”, afirma Barthes,

concluindo: “Essa ilusão não é exclusiva do discurso histórico: quantos romancistas [...]

imaginam ser ‘objetivos’ porque suprimem nos discurso os signos do eu!” (Ibidem). Assim,

perguntamo-nos qual é a linha que separa, afinal, o documental do ficcional na obra de

Graciliano. Essa questão só pode ser enfrentada a partir de uma leitura “infragenérica”

(ARAÚJO, 2015) dos escritos do autor, isto é, de uma leitura que, sem ignorar ou negar a

existência de gêneros discursivos diversos, busca justamente rastrear o processo de constituição

dos mesmos. Ao tratar dos “Quadros” de Graciliano, Salla (2015) também afirma que: (a) “nos

textos que têm como cenário uma pequena cidade sertaneja, de maneira semelhante ao que fizera

em Caetés (1933) [...], a ênfase do cronista recai sobre o registro do cotidiano rasteiro da

municipalidade, povoado de tipos miúdos que se moviam na província ‘insípida’”; (b) “[n]as

crônicas que privilegiam o espaço rural [,] [...] tomam corpo, principalmente, uma galeria de

chefes rurais, mandões da mesma estirpe de Paulo Honório, de S. Bernardo (1934)”. Propomos,

então, uma análise da figuração do sertanejo em Graciliano, em duas partes: (i) comparação entre

a construção dos “tipos miúdos” dos “Quadros” e a dos personagens de Caetés; (ii) comparação

entre a construção dos “chefes rurais” dos “Quadros” e a de Paulo Honório.

Palavras-chave: Sertanejo. Graciliano. Perspectiva Infragenérica. Efeito de Real.

OS MUNDOS FICCIONAIS DE CONCEIÇÃO EVARISTO

Angélica Maria Santana Batista

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em Belo Horizonte em 1946.

Conciliando maternidade, docência e estudos (é mestre em literatura brasileira pela PUC e

doutora em literatura comparada pela UFF), conseguiu ser publicada em diversas antologias e

foi agraciada em 2015 com o prêmio Jabitu com seu livro de contos Olhos d’agua. Sua

literatura se propõe a ser uma “contrafala ao discurso oficial, ao discurso de poder” (Evaristo,

2004, p. 3), visto que, para a escritora, a representação dos negros, em especial da mulher

negra, nunca foi bem estruturada, pois o discurso oficial sempre foi branco, eurocêntrico e

elitista. Assim, torna-se necessário contar histórias, casos, personagens, tempos e espaços

ignorados. Os referentes extratextuais podem ser imitados ou desafiados de acordo com os

diferentes modos de sensação de realidade erigidos pelo texto. Dependendo da “fidelidade” da

realidade simulada, podem-se erigir diferentes gradações de realismo. A configuração da

realidade é a configuração de um dado mundo que respeita as construções ficcionais. Os

diferentes mundos possíveis ficcionais são escolhas e estratégias do autor em consonância

com os modos de leitura do receptor. Pode-se afirmar, por outro lado, que é possível inferir

que a narrativa contemporânea é uma criadora de mundos complexos, tendo em vista a

necessidade de perspectivação da contemporaneidade. Isso se dá pela insurgência de novas

forças que questionam e relativizam o próprio surgimento (e consistência) dos discursos. O

sentimento de fragilidade dos discursos nutre a produção de autores cujos mundos criados

tematizam histórias de personagens marginalizadas. Se as verdades não são eternas, as

figurações e representações também não o são. O centro questionado não é o falso

desaparecimento de ideologias, mas sim a multivisão e a inter-relação de mundos possíveis

(redimencionados quando se trata de ficção). Os textos de Conceição Evaristo constroem um

mundo que se insurge contra a representação tradicional da mulher negra. Isso ocorreu no

decorrer da história das ideias no Brasil porque “consideradas primitivas, as atividades

desempenhadas pelos afro-brasileiros eram vistas como uma patologia, evidenciando o

reflexo de um período de plena vigência do determinismo discursivo em que a hierarquia das

raças era pauta principal dos debates”. (SILVA, 2010, p.52). Como resposta a essa hierarquia,

os mundos representados nos textos de Conceição Evaristo são receptáculos de vivências de

mulheres, ou seja, são mundos formados por micromundos que, entrelaçados, são a resistência

contra a história oficial. Para a autora, narrar a diversidade de histórias de diferentes mulheres

negras é perpetuar a memória de um grupo a que ela pertence, é lutar contra a desmemória,

aspecto presente na realidade de culturas marginalizadas.

Palavras-chave: Mundos ficcionais. Conceição Evaristo. Personagem. Memória.

Contemporaneidade.

QUEER AS FOLK: A RESISTÊNCIA RADICAL DE HARRY/HARRIET COMO

IDENTIDADE HÍBRIDA EM NO TELEPHONE TO HEAVEN (1987) DE MICHELLE

CLIFF

Priscila Reis Catalão

UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

É seguro afirmarmos que não cabe mais analisarmos a produção literária

contemporânea de acordo com os padrões eruditos da tradição eurocêntrica e hegemônica que

durante muito tempo nortearam as teorias literárias. Ao debater assuntos como gênero, as

políticas de identidade e sexualidade, raça e classe devemos levar em consideração o mundo

globalizado e extremamente plural em que estamos inseridos. No entanto, uma breve pesquisa

pelos textos teóricos da área nos faz crer que muitos discursos críticos ainda pautam suas

análises das subjetividades representadas nos romances contemporâneos conforme um padrão

“branco, heterossexual, masculino e ocidental”. Se faz mister que novos olhares sejam

inseridos nos debates das políticas de identidade, gênero, raça e classe. É importante notar que

métodos que não consideram a hibridização das identidades no mundo globalizado não dão

conta da análise de obras como o livro No telephone to heaven (1987) da autora jamaicana

Michelle Cliff. Aqui nos propomos a analisar a personagem Harry/Harriet presente no livro de

Cliff com foco na hibridização de sua identidade e na performance de gênero, afinal

Harry/Harriet pode ser descrita como uma personagem que não se enquadra em padrões

heteronormativos ou mesmo que se recusa a se submeter a binarismos impostos pelo

patriarcado. Além disso, iremos levar em consideração a posicionalidade da personagem em

relação à sociedade jamaicana como está retratada no romance ele/ela expressa sua oposição

política através do que Angelique V. Nixon em sua dissertação “‘Relating across Difference’:

Caribbean Feminism, bell hooks, and Michelle Cliff’s Radical Black Subjectivity.’ chama de

“Radical Black Subjectivity” . Entre muitas identidades interessantes presentes no romance, é

fácil identificar Harry/Harriet como uma das mais fascinantes. A representação de sua

subjetividade como a personificação da resistência política é complexa e cheia de camadas.

Podemos analisar Harry/Harriet através da perspectiva da performatividade de gênero,

levando em conta a abordagem de Judith Butler em seu livro Problemas de gênero (1990) que

nos diz que a mera existência de subjetividades incoerentes como Harry/Harriet já põe em

cheque a noção que temos do que é uma pessoa per se e os próprios conceitos de sexo, gênero

e sexualidade, assim como também devemos encarar as relações de poder presentes na

sociedade jamaicana apresentados através da vivência de Harry/Harriet. Além disso, também

há espaço para a análise da personagem como uma metáfora para a ambiguidade da

identidade Crioula enquanto subjetividades híbridas e também como a súplica da própria terra

natal para que seus filhos retornem e lutem contra os efeitos nefastos do imperialismo. Vemos

então que No telephone to heaven é um romance que representa como a literatura pode servir

de ferramenta de resistência em um mundo onde países como a Jamaica ainda sofrem os

danos calamitosos causados por processos colonizadores e mais ainda, estão subjugados ao

imperialismo canibalista de nações hegemônicas. Sendo assim, propomos a análise de um de

seus protagonistas para que possamos sempre trazer à luz questões que não devem e nem

podem ser esquecidas.

Palavras-chave: Identidade, Hibridização, Gênero, Decolonização, Ficção Caribenha.

COMO AS PERSONAGENS DE THE COLOR PURPLE E THE BLUEST EYE

TRADUZEM O DRAMA DA MULHER NEGRA NOS ESTADOS UNIDOS PÓS-

COLONIAL

Patricia Bellas Raiz

UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Estamos enfrentando um apavorante retrocesso na luta contra o racismo. Os Estados

Unidos testemunham afro-americanos sendo mortos pela polícia em todo país e, em alguns casos,

os policiais brancos sequer são punidos. No presente artigo, pretende-se analisar através da

literatura, a questão de raça, gênero e trauma de afro-descendentes nos Estados Unidos pós-

colonial. Os romances The color purple da autora Alice Walker e The Bluest eye de Toni

Morrison são os objetos de estudo deste artigo e serão usados de forma comparativa. The Bluest

eye se passa em 1940, quando termina The Color purple, fazendo com que o paralelo das

histórias de vida das duas personagens seja em um contexto bastante aproximado. As

personagens principais de ambos os livros serão analisadas tanto sob a ótica do abuso sexual e

físico quanto emocional. Esse abuso tem a forma de figuras patriarcais afro-descendentes que

colocam as mulheres em questão em uma posição de inferioridade, silenciando suas vozes com

violência. No pós-colonialismo, elas deixam de ser propriedade do Estado para se tornarem

propriedade dos chefes de família, pais e/ou maridos. "You better not never tell nobody but God.

It´d kill your mammy." (THE COLOR PURPLE, 1982, p.1). Por serem apenas objetos nas mãos

de ambos, as mulheres se sentiam mais à vontade na companhia de amigas do mesmo gênero,

com quem podiam desfrutar de cumplicidade e sensação de segurança. Celie e Pecola lidam com

os traumas sofridos na infância de maneiras bastante diferentes e os desdobramentos decorrentes

disso ditam os destinos das personagens. Ambas são negras, jovens, pobres e lidam com a solidão

emocional. Pecola tem uma família violenta e alienada em relação à filha, já Celie perde a única

pessoa que a ama, sua irmã. Por estar intrinsecamente ligado aos abusos sofridos, também será

ressaltada a questão da beleza negra em relação às duas. Umberto Eco, em História da feiura,

afirma que "muitas vezes, as atribuições de beleza ou de feiura eram devidas não a critérios

estéticos, mas a critérios políticos e sociais." (2014: p.12). As meninas/mulheres têm uma relação

conflituosa com seus corpos, vendo-os não por seus próprios olhos, mas como um reflexo do que

a sociedade vê. Além disso, através da repetição de suas supostas falhas e fraquezas, acabam

aceitando a condição de inferioridade imposta pelo dominador. Suas identidades nesse aspecto

são criadas à partir do olhar do outro e assimiladas como tal, fazendo com que Pecola entre no

mundo da fantasia e Celie no mundo da invisibilidade como tentativa de sobreviver às pressões e

ameaças externas. Através de pontos em comum nas trajetórias divergentes das duas personagens,

será traçado um paralelo de como sujeitos femininos negros e pós-coloniais são retratados pelas

suas respectivas autoras.

Palavras-chave: Abuso, trauma, The color purple, The bluest eye, pós-colonialismo.

LITERATURA DA RESILIÊNCIA: A ESCRITA DE CAROLINA MARIA DE

JESUS.

Thiago Cesário Veloso

FEBP/UERJ/NEAB/SEEDUC

RESUMO

Este trabalho empenhou-se em refletir na literatura da resiliência, a literatura

feminina que resiste a dificuldade, porém que se faz. Dentre tantas escritoras da literatura

que designamos de literatura da resiliência, nos debruçamos na obra e vida da escritora

afro-brasileira Carolina Maria de Jesus e como se deu as produções de suas obras

literárias. Toda essa resistência, sobretudo na literatura, gera uma escrita que precisa se

sobressair e dá um outro acréscimo a literatura latino-americana o que gostaríamos de

conceituar de literatura da resiliência que é a habilidade de sobreviver aos infortúnios.

Toda essa luta traz para dentro do texto as marcas dessa resiliência e faz nascer uma

escrita que capta a atenção de leitores/as. Inicialmente o termo resiliência era designado

exclusivamente para a engenharia e ultimamente veio ser ressignificado na área de

humanas e constitui ter a capacidade de voltar ao seu estado normal após sofrer uma forte

pressão ou situação crítica na tentativa de alterar o seu estado natural. Utilizando-se desse

termo com a intenção de trazer esse termo para o campo literário sobretudo analisando a

escrita feminina. A escrita dessas mulheres muitas vezes enfrentou o anonimato para

poder constituir uma literatura que fosse captada pelo público em geral. Essa ação não se

deu somente na escrita, todavia na leitura também ao qual estavam limitadas somente aos

livros de culinária ou aos romances que eram feitos para mulheres. Dentre tantas

escritoras que se empenharam em criar romances, contos e memórias, gostaríamos de

trazer à baila uma escritora brasileira que faz parte do grupo de mulheres que ousaram

escrever e se junta a essa literatura de resiliência: Carolina Maria de Jesus. Mulher, negra

e moradora de uma das primeiras favelas de São Paulo. A criação das suas obras nasce de

ambientes insalubres, mas que a escritora faz uma literatura que se destaca no cânone

brasileiro e alcança notoriedade mundialmente sendo até hoje um livro lido com inúmeras

edições. Nos debruçamos sobre sua biografia e obra por se tratar de uma mulher que

resistiu ao preconceito, machismo e as lutas que travava diariamente com a fome. É

importante ressaltar as obras de Carolina Maria de Jesus que trazemos na discussão do

presente artigo. Sua obra resiste ao tempo e até hoje tem sido resiliente mesmo diante de

alguns críticos que afirmam que seus livros não são considerados obras literária pela

forma como foi escrito. Padrões, lugares de escrita, gênero foram alguns de padrões que

estabelecidos procuraram afastar essas mulheres do oficio literário. E as obras

Carolineanas sobrevivem e consegue ser como uma flor em meio ao deserto. Mesmo não

tendo apoio financeiro para o lançamento de outros livros, Carolina se conecta a outras

escritoras que também não tiveram o apoio mas que investem dos poucos recursos

financeiros para que fossem publicados.

Palavras-chave: Literatura; Carolina Maria de Jesus; escrita feminina