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O Brasil em contexto europeu e húngaro Brazília európai és magyar kontextusban

O Brasil em Contexto Europeu e Húngaro

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    O Brasil em contextoeuropeu e hngaro

    Brazlia eurpai s magyar

    kontextusban

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    O Brasil em contexto europeu e hngaro

    Brazlia eurpai s magyar kontextusban

    Estudos enviados para o simpsio de 20 a 21 de outubro de 2014Az 2014. oktber 20-21-i szimpziumra bekldtt eladsok

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    Centro de Estudos Brasileiros da ELE

    Az ELE BK Brazil anulmnyok Kzpontja

    Organizao de/Szerkesztette:Pl Ferenc

    Responsvel pela edio: Decano da FL da ELE

    A kiadsrt felel: az ELE BK Dknja

    Budapest/Budapeste, 2015

    ISBN: 978-963-284-688-0

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    ndice/Mutat

    ndice/Mutat

    Ferenc PL: Palavras preliminares/Bevezet Szavak

    Roberto VECCHI: Do que falamos quando falamos doBrasil? (Mirl beszlnk, amikor Brazlirl van sz?)

    Petar PEROV: A fortuna da Literatura Brasileirana Bulgria (A brazil irodalom Bulgriban)

    Ferenc PL: O processo do conhecimento do Brasilna Hungria (Brazlia megismersnek tja Magyarorszgon)

    Andrs GULYS: A guerra de Canudos revisitada. O Brasilnos romances de Sndor Mrai, Mario Vargas Llosae Guram Dochanashvili (A canudos-i hbor mg egyszer.Brazlia Mrai Sndor, Vargas Llosa s GuramDochanashvili regnyeiben)

    Regina ZILBERMAN: Paulo Rnai e a revista Provncia deSo Pedro(Rnai Pl s a Provncia de So Pedroc. folyirat)

    Zsuzsanna SPIRY: Uma ponte cultural. Paulo Rnai, um filhoda Hungria a servio da cultura brasileira (Kultrlis hd.Rnai Pl, Magyarorszg szltte a brazil kultra szolglatban)

    Arnaldo SARAIVA: A poesia exaltada e exaltante de AlexeiBueno (Alexei Bueno lelkeslt s lelkest kltszete)

    Blint URBN: Hungareses na literatura brasileira o casodo romance de Suzana Montoro (Magyarok a brazilirodalomban Suzana Montoro regnyrl)

    Eszter FRH: Adaptaes televisivas do romanceDona Flor e seus dois maridos (AFlr asszony s kt frje televzisadaptciirl)

    Andria Shirley aciana de OLIVEIRA: A importncia dastradues de obras literrias brasileiras para o idioma hngaro/magyar (A brazil irodalmi mvek magyarra fordtsnak jelentsge)

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    HAMZA Gbor: Kapcsolatok a brazil magnjog s a magyar

    magnjog kztt trtnetisg s aktualits (Contatos entrea direito civil brasileiro e direito civil hngaro historicidadee atualidade)

    ALBER Sndor: Az egzotikus relik fordtsi lehetsgeiMrio de AndradeMakunamacm regnyben(A possibilidade da traduo das realias exticas no romanceMacunama de Mrio de Andrade)

    ARNER Annamria: Belfldi piac vagyexportorientci? Brazlia pldja (Mercado Interno outendncia para exportao? O Exemplo do Brasil)

    SZILGYI gnes Judit: Brazlia az jabb trtnetiirodalomban Magyarorszgon (O Brasil nos estudos histricoshngaros da atualidade)

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    Palavras preliminares/Elljr szavak

    Palavras preliminares

    Os estudos que o leitor encontra neste livro que por razes tcnicassai primeiro em forma eletrnica foram pronunciados no simpsioque o projetado Centro dos Estudos Brasileiros da Universidade ELEorganizou em 20 a 21 de outubro de 2014, com o intuito de estimulare dar um foro aos estudos e pesquisas sobre o Brasil. No mencionado

    simpsio alm de estudiosos de vrios pases de Europa e do Brasil,participaram tambm pesquisadores hngaros que estudam vrios as-petos deste pas da Amrica do Sul. H entre eles que por carter deseus estudos preferem ou tem de faz-los em hngaro. Respeitandoesta peculiaridade, e no querendo perder a valiosa contribuio deeles, este livro sai em duas lnguas, alm da portugusa, tambm em

    hngara. Dado que nossas condies financeiras no permitiam tra-duzir os estudos em hngaro para portugus (e eventualmente os estu-dos portugueses para hngaro) traduzimos apenas o ttulo de cada umpara a outra lngua. Dado que esta edio dedica-se a um pblico in-teressado pelo Brasil, que supomos bilngue, esperamos que para estepblico no ser difcil ultrapassar as barreiras lingusticas.

    Budapeste, 21 de setembro de 2015

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    Palavras preliminares/Elljr szavak

    Elljr szavak

    A jelen kiadvnyban tallhat tanulmnyok amelyek technikai okokmiatt elszr elektronikus formban ltnak napvilgot azon a szim-pziumon hangzottak el, amelyeket az ELE formld Brazil anul-mnyok Kzpontja rendezett 2014. oktber 2021-n, azzal a cllal,hogy sztnzze s sszefogja a Brazlival kapcsolatos kutatsokat.

    Ezen a szimpziumon az Eurpa klnbz orszgaibl s Brazliblrkezett kutatk mellett olyan magyar kutatk is rszt vettek, akik en-nek a dl-amerikai orszgnak klnbz aspektusait tanulmnyozzk.Ez utbbiak kztt vannak, akik kutatsaik jellege kvetkeztben in-kbb s elssorban magyarul rnak. Ezt tiszteletben tartva, knyvnkkt nyelven is tartalmaz tanulmnyokat: a portugl mellett magyar

    nyelveket is. Mivel pnzgyi lehetsgeink nem tettk lehetv a ma-gyar tanulmnyok portuglra fordtst (s viszont), ezrt csak a tanul-mnyok cmt fordtotuk le a msik nyelvre. Mivel ezt a knyvet els-sorban olyan Brazlia irnt rdekld kznsgnek sznjuk, amelyrlfettelezzk, hogy mind a kt nyelven olvas, remljk, hogy nem okozlegyzhetetlen problmt a kt nyelv jelenlte.

    Budapest, 2015. szeptember 21.

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    Do que falamos quando falamos do Brasil?

    Do que falamos quando falamosdo Brasil?

    Roberto VecchiUniversidade de Bolonha

    Resumo:Reflexo sobre a complexidade de construo de um discur-so de qualquer discurso que tenha como objeto o Brasil, alm dasbanalizaes e esteretipos recorrentes. O percurso crtico esboado,que pode ser til em particular para quem lecione cultura brasileira noexterior, configura algumas possibilidades alternativas dentro de um

    cnone heterodoxo da literatura brasileira, transitando em particularpelos ns tericos implicados por um perspetiva que se inscreve na ti-ca do discurso.

    A pergunta no retrica mas expe um problema controverso.Alinha-se um pouco a um famoso livro de Roberto DaMatta que to-dos conhecemos e usamos para lecionar que O que faz do brasil oBrasil? (1984) que mostra como os esteretipos externos mas tambminternos condicionam e plasmam o nome Brasil (com b flutuante en-tre maisculo e minsculo). E o objeto temos que considerar alta-mente escorregadio: lembramos sempre o verso paradoxal conclusivode Hino nacional, em Brejos das almas de 1934, de Carlos Drum-mond de Andrade -quase um outro lugar comum da poesia moder-

    nista: Nenhum Brasil existe. E acaso existiro os brasileiros?1. Que

    1DRUMMOND 1983: 109.

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    Do que falamos quando falamos do Brasil?

    o Brasil seja uma significante instvel, oscilante, suspenso numa flu-

    tuao inexaurvel uma figura ao limiar do bvio. suficiente resga-tar a genealogia deste significante e h intrpretes magistrais quantoa esse nome material mas que acumula uma fora simblica extraordi-nria para percebermos como o significante Brasil em um movimen-to coerente com uma teoria do nome prprio realmente flutue desdeseus comeos problemticos entre o conhecido e o desconhecido, en-

    tre o desejo e o medo (paraso e inferno) entre o prprio e o impr-prio. A mediao que foi arranjada para conciliar estes polos extremosno foi uma terceira via, mas uma figura de sntese que conciliasseos extremos, numa direo portanto se diria anti-trgica: como foifuncionalmente o mito da ilha resgatado do arsenal lendrio medieval(por exemplo, o mito da viagem de S. Brando). E foi pela moderniza-o da histria cultural que o problema do nome Brasil foi inscrito nonum lugar fixo e permanente, mas sujeito a um movimento inexaur-vel, a uma precariedade e uma instabilidade que, porm, viram peloavesso o tabu em totem, tornando a falta ou a ausncia pelo contrriouma fora.

    A nossa pergunta inicial problematiza sobretudo isso: o que le-cionamos, penamos, representamos quando falamos do Brasil? O

    tema ganhou uma enorme evidncia em 2013, quando o discursode Luiz Ruffato, na abertura da Feira de Frankfurt, onde o Brasilera o pas convidado, com as polmicas que gerou2, na verdade seconcentrava sobre a mesma questo: de qual Brasil falamos quandofalamos do Brasil? Qual Brasil re-apresentar ou representar, falandoda cultura brasileira, para retomar a distino filosfica clssica entre

    Darstellunge Vorstellung, entre apresentao e representao? QualBrasil est em jogo dentro de um xadrez de mltiplas possibilidades

    2RUFFAO 2013.

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    Do que falamos quando falamos do Brasil?

    todas ideologicamente permeveis? O que derivamos de um conhe-

    cimento direto ou mediado por um contexto to complexo e nobanalizvel, que remete para a nossa capacidade limitada de fazer epensar a experincia?

    Para quem fala do Brasil perante uma audincia que reduz seusnicos conhecimentos s estereotipizaes que o Brasil projeta fora desi (a famosa frmula inglesa do Brasil dos 4 s: sun, sex, samba, soccer)

    a conscincia das dimenses ticas do problema da representao doobjeto de que se fala essencial para proporcionar elementos crticosque amaduream outras possibilidades de imagem do Pas. ele o ga-rante a testemunha da articulao de uma imaginao que seja coe-rente com o propsito antifalsificador.

    Esta responsabilidade de mediao encontra na literatura brasilei-ra um arquivo extraordinariamente rico para moldar um conhecimen-to no rebaixado ou banalizado do Brasil. Que se dirige, sobretudo noexterior, atrs da demanda de cultura brasileira se inscreve tambm,pelas melhores intenes, uma demanda de maior conhecimento docontexto, do que o Brasil e a literatura acaba se tornando um meioextraordinrio para chegar a este fim.

    Esta relao tensa entre contexto e arquivo da literatura brasileira,

    mais do que um limite da abordagem , justamente no caso da litera-tura brasileira, uma potencialidade que favorece aproximaes alter-nativas. Porque a literatura no foi s o repositrio das relquias nacio-nais no momento da fundao do Pas, quando foi pelo meio literrioque se criaram as mitologias de fundao se pense na fetichizao dondio, por exemplo, no contexto romntico das grandes narrativas

    nacionais, a prefigurao das alianas inter-raciais de qualquer modosempre conotadas com hegemonias bvias e os primeiros sinais doelogio acrtico da mestiagem.

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    Do que falamos quando falamos do Brasil?

    A literatura brasileira, ou parte clssica dela, tem desenvolvido

    no entanto o papel de conscincia crtica da modernizao do Pas,da violncia dos processos assimilatrios e de dominao, da constru-o hegemnica e autoritria de narrativas nacionalistas que se espe-lhavam em modernidades externas e alheias. Nas paragens do poderdas elites que se conservaram das antigas capitanias hereditrias, in-clusive dentro de uma independncia paradoxalmente imperial, mas

    ao mesmo tempo conscincia crtica e inconformada contra as consa-graes das retricas do poder, das miopias e restries inclusive inter-pretativas sobre a nao: a no coincidncia entre a ptria declamada ea nao real, esta ltima marcada por graves abusos, leses, subtraesda cidadania.

    Entre os muitos comeos possveis de uma perspetiva que nopode deixar de ser genealgica e no teleolgica (sendo a genealogia,como sugere Foucault, a articulao do corpo e da histria e devemostrar o corpo todo marcado pela histria: a histria que devasta ocorpo3) na perspetiva de escolher o Brasil no hegemnico em suasimagens s vezes menos palatveis, mas ao mesmo tempo um Brasilque, como fez Ruffato no seu discurso provocador, no se pode re-calcar, eu elegeriauma voz que marca uma das grandes e cannicas

    leituras da literatura brasileira.Poucas literaturas contam com um ensaio como O direito li-

    teratura de Antonio Candido de 1988 que pode ser o primeiro mo-mento de uma iniciao alis no s literria, s relaes entre cul-tura e justia frequentemente obscurecidas por uma acumulao dediscursos vcuos e historicamente inefetivos. Reivindicar, como ocorre

    neste texto, que a cultura um bem imaterial associado demanda le-gtima de outros bens essenciais que garantam as condies materiais

    3Cfr. FOUCAUL 1977: 37.

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    Do que falamos quando falamos do Brasil?

    de existncia no de poucos mas de todos, significa reformular a pr-

    pria narrativa de nao a partir de modelos inclusivos, que colocamno seu centro a ideia no abstrata mas positiva de justia, porque,como observa Candido no ensaio de 1988, o Brasil se distinguepela alta taxa de iniquidade, pois como sabido temos de um lado osmais altos nveis de instruo e de cultura erudita, e de outro a mas-sa numericamente predominante de espoliados, sem acesso aos bens

    desta, e alis aos prprios bens materiais necessrios sobrevivncia4

    .A partir deste limiar, da literatura como direito, torna-se fcil arti-cular uma linha que permita repensar nos muitos silncios do cnone(no sentido dos silncios internos das obras cannicas e, tambm, dasexcluses que foram operadas) valorizando as tentativas de vocali-zaes destes silncios que ao mesmo tempo, numa dorsal relevanteda literatura brasileira, ocorreram.

    Poder-se-ia iniciar de uma imagem dotada de uma enorme for-a significativa, no mimtica, como aquela realizada pelo fotografoFlvio de Barros (400 jagunos prisioneiros) escolhida por Euclidesda Cunha e renomeada As prisioneiras na primeira edio de Os ser-tes. Recentemente, republicada pelo Instituto Moreira Salles, depoisdo restauro na dcada de 80, a fotografia mostra uma massa pobre de

    mulheres, velhos e crianas, inermes e aterrorizados, flagrada comoresto que sobreviveu destruio da cidade5.

    Na tentativa de responder questo do que falamos, mais do queao saber sistemtico, oportuno recorrer prtica fragmentria e livrede citaes, no tanto dentro de uma dinmica de jogo sugestiva e des-construtivista, mas porque as citaes tambm exigem a mesma tica do

    Brasil pela qual, justapondo-as uma ao lado da outra, vai se constituindo4CANDIDO 1995: 262.5IMS 2002: 8283.

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    Do que falamos quando falamos do Brasil?

    uma montagem significativa e no casual. Entre as citaes possveis, se

    podem pr por exemplo outras imagens deste Brasil outro (por exemploaquela de Lima Barreto que a edio de oda Crnicaorganizada porBeatriz Resende e Rachel Valena desenterrou e mostra o retrato im-pressionante e ao mesmo tempo comum de um marginal marcadopela dura histria dos subrbios cariocas6.

    Assim, poderia surgir pela colagem de cacos de Brasis extintos e

    desfocados uma errncia dispersa - como no fundo sempre a genea-logia - entre grandes fragmentos literrios: de alguns detalhes aparen-temente perifricos mas cruciais de Machado de Assis, s passagensmais diretas dos citados Euclides e Lima Barreto, recortes de Vidassecas ou das Memrias do crcere de Graciliano ou de Grande sertode Guimares Rosa ou da Menina mortade Cornlio Penna ou dosSeverinos de Joo Cabral, para chegar a Quarupde Antnio Calladoou ao mais recente K.de Bernardo Kucinski, como sinais ou rastros deuma outra estao autoritria.

    H riscos de percurso numa proposta imediata como esta quetenta suprir lacunas e estabilizar a imagem movedia de um corpoque flutua sem rquie? Certamente existem, sobretudo porque po-deria subentender a presena subterrnea de uma outra retrica, no

    ednica mas pelo contrrio infernal e disfrica, que desde a fundaodo Brasil atua tambm paralelamente outra retrica contrria nasrepresentaes da colnia antes e da nao depois. H tambm riscosde encobrir a nao dentro de uma outra, diferente mas no menosperniciosa retrica populista que confunde o povo com o popular e seperde no labirinto de representaes da sociedade de consumo.

    No entanto e apesar dos riscos, a abordagem que chame a atenosobre os muitos Brasis que esto inscritos naquele Brasil compsito,

    6Cfr. BARREO 2004: 41.

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    Do que falamos quando falamos do Brasil?

    permite dar conta da existncia de uma complexidade problemti-

    ca que convida a estudar o Brasil e a literatura brasileira -e os mun-dos que por uma mediao inclusive muito ampla so implicados porela- como uma matriz extraordinria de diferenas incomponveis, dehistrias mutiladas e silenciosas, de mundos que reemergem e podemencontrar nas manifestaes culturais o rosto e voz que nunca lhespertenceu.

    Por isto, mesmo sem resposta, a nossa pergunta fica condiciona-da pela provocao que muitos Brasis existem e que a literatura brasi-leira permanece o grande arquivo onde, hegemnicas ou subalternas,suas narrativas se materializam e falam, inclusive revelia de seus au-tores. Quem responde pergunta do que falamos quando falamosdo Brasil? assume a responsabilidade de quebrar um silncio, depreencher um vazio e, ao comp-lo e interrog-lo, sabe muito bemque a sua ser mais uma imagem das muitas possveis, mas que noentanto tenta decifrar algo que resiste e no se deixa apagar. E talvezseja a esta resistncia, a esta fora dbil, em si muda e em absoluto in-decifrvel e no ensinvel, que podemos dar o nome, fora de qualquerpossvel historiografia constituda, de Brasil. O Brasil que resiste masque enfim, pelo meno um pouco, muito pouco, se deixa falar.

    BibliografiaANDRADE, Carlos Drummond (1983). Poesia e prosa, Rio de Janeiro,Nova Aguilar.BARREO, Lima (2004). oda Crnica. Organizao RESENDE, Beatriz /VALENA, Rachel Valena, Rio de Janeiro, Agir.

    CANDIDO, Antonio (1988). O direito literatura, Vrios escritos. ercei-ra edio, So Paulo, Duas Cidades. 235263.DAMAA, Roberto (1984). O que faz do brasil o Brasil, Rio de Janeiro:Rocco.

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    Do que falamos quando falamos do Brasil?

    FOUCAUL, Michel (1977). Nietzsche, la genealogia, la storia, Microfisi-

    ca del potere, raduo italiana de PROCACCI Giovanna / PAQUINO Pas-quale, orino, Einaudi. 2954.IMS (2002). Cadernos de Fotografia Brasileira, volume 1.RUFFAO, Lus (2013). http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,leia-a--integra-do-discurso-de-luiz-ruffato-na-abertura-da-feira-do-livro-de-frank-furt,1083463.

    http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,leia-a-integra-do-discurso-de-luiz-ruffato-na-abertura-da-feira-do-livro-de-frankfurt,1083463http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,leia-a-integra-do-discurso-de-luiz-ruffato-na-abertura-da-feira-do-livro-de-frankfurt,1083463http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,leia-a-integra-do-discurso-de-luiz-ruffato-na-abertura-da-feira-do-livro-de-frankfurt,1083463http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,leia-a-integra-do-discurso-de-luiz-ruffato-na-abertura-da-feira-do-livro-de-frankfurt,1083463http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,leia-a-integra-do-discurso-de-luiz-ruffato-na-abertura-da-feira-do-livro-de-frankfurt,1083463http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,leia-a-integra-do-discurso-de-luiz-ruffato-na-abertura-da-feira-do-livro-de-frankfurt,1083463
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    A fortuna da Literatura Brasileira na Bulgria

    A fortuna da Literatura Brasileirana Bulgria

    Petar PetrovUniversidade do ALGARVE / CLEPUL

    Resumo: O tema deste estudo a fortuna da Literatura Brasilei-ra na Bulgria, com destaque para a recepo do romance Vidas Secas,de Graciliano Ramos, para a publicao de quinze narrativas roman-ceadas da autoria de Jorge Amado, de onze ttulos da fico de PauloCoelho, bem como de alguns livros de contos e de poesia. No seu

    conjunto, as edies em causa, apresentam ao leitor blgaro textos dosmais importantes autores brasileiros dos sculos XIX e XX.1.Como ponto de partida para as minhas consideraes sobre

    a fortuna da Literatura Brasileira na Bulgria escolhi um artigo, intitu-lado Graciliano Ramos e a Bulgria, da autoria de Rumen Stoyanov(s.d.), poeta, professor, tradutor, investigador e adido cultural, entre1992 e 1995 e entre 2001 e 2004, na Embaixada blgara em Braslia.Merece referncia o seu percurso acadmico e profissional, uma vezque se trata do mais activo divulgador da literatura e cultura brasileirasna Bulgria. Nascido em 1941, Licenciado em Lngua Espanhola eLiteratura Cubana e Hispanoamericana pela Universidade de Hava-na, lecciona, desde 1969, na Universidade de Sfia Sveti Kliment

    Ohridski, tendo sido o primeiro responsvel pelo Curso de Filolo-gia Portuguesa, cujo funcionamento se iniciou, em 1992, com umnmero clausus anual de 20 estudantes.

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    Durante os ltimos 23 anos, Rumen Stoyanov professor de

    Literatura Brasileira na Universidade da capital blgara, sendotambm docente de cadeiras como Relaes Culturais Blgaro--Brasileiras, Literatura Blgara na Ibria e na Amrica Latina, Ci-vilizao Hispnica e raduo de Portugus para o Blgaro. Peloseu intenso trabalho de mediador, dedicado aproximao entre oBrasil e a Bulgria por meio da literatura, foi agraciado com o ttu-

    lo Doutor Honoris Causapela Universidade de Braslia, em 2012.Das suas 17 publicaes, destaco, em primeiro lugar, as traduespara blgaro do romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e deautores como Machado de Assis, Guimares Rosa, Carlos Drum-mond de Andrade, Ceclia Meireles, Murilo Mendes e Vincius deMorais. O seu livro Poemas do Brasil, escrito em portugus, foi edi-tado pela Civilizao Brasileira, em 1981, e na qualidade de inves-tigador editou o volume intitulado Drummond e a Bulgria, coma chancela da Universidade deBraslia, em 2007, em cuja sinopsese pode ler que se trata da reproduo das cartas trocadas entreRumen Stoyanov e o poeta mineiro, bem como de outros textosque documentam a presena do Drummond na Bulgria (). Olivro mostra que entre Drummond e a Bulgria deu-se uma ines-

    perada abundncia de vnculos, o que permite constatar que, noegrgio sentimento drummondiano no mundo, a Bulgria tem umlugar especial.

    Acrescento, a este propsito, que o lugar especial referido tema sua origem na composio de Drummond com o ttulo Anedo-ta blgara, publicada na Revista da Antropofagia, em 1928, e in-

    cluda na colectnea Alguma Poesia (1930), livro de estreia do au-tor. rata-se de um poema-piada, de brevidade epigramtica, bem moda modernista, no qual sobressaem o sarcasmo, o humor e a ironia,

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    A fortuna da Literatura Brasileira na Bulgria

    como se pode constatar pelos seus seis versos: Era uma vez um czar

    naturalista / que caava homens. / Quando lhe disseram que tambmse caam borboletas / e andorinhas, / ficou muito espantado / e achouuma barbaridade.

    Regressando ao artigo de Rumen Stoyanov, este centra-se em de-talhes relacionados com a publicao da traduo para blgaro do ro-mance Vidas Secas, que podem ser sintetizados assim:

    o livro foi publicado em Sfia, em 1969, pela Editora Narod-na Cultura (Cultura Popular), dedicada divulgao de textos estran-geiros e com grande prestgio junto dos leitores, entre 1944 e 2004,perodo da sua existncia;

    quanto fortuna da publicao, o romance teve uma tiragem de10 100 exemplares, esgotada rapidamente, facto importante, tendoem conta que a populao blgara, na altura, rondava os 8 000 000habitantes;

    na qualidade de tradutor, Rumen Stoyanov escreveu, a pedidoda editora, um breve posfcio, intitulado Sobre o autor e o livro,que, segundo o prprio, Hoje, impressiona com sua ingenuidade etestemunha uma no escassez seno uma comovedora falta de infor-mao do que so o Nordeste e o serto (2);

    dos cinco pargrafos que compem o posfcio, somente o pri-meiro resume a mensagem do romance, apresentando os restantesa vida e a obra de Graciliano Ramos, com expressa meno da mili-tncia ideolgica do escritor brasileiro:

    Firmemente convencido da necessidade de se construiruma nova sociedade, Ramos ingressa no Partido Comunista Brasilei-

    ro, a polcia o persegue e em 1935 bota-o na priso. Editados pos-tumamente, os dois tomos de Memrias do crcere evocam aquelesmeses difceis (3);

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    refere tambm Rumen Stoyanov que a publicao do livro no

    suscitou nenhum comentrio na imprensa (4). Os motivos para talsilncio so enumerados do seguinte modo: em 1969 na Bulgria fal-tavam pessoas capazes de escrever sobre literatura brasileira, podiam-secontar nos dedos das mos os indivduos que dominavam o portu-gus (id.)

    Viviam-se os anos da Guerra Fria, da Cortina de Ferro, do Muro de

    Berlim e, como se tudo isso fosse pouco, no Brasil o poder estava emmos de militares anticomunistas e, na Bulgria, os prprios comunistas[que] igualmente no gostavam dos generais de direita. (id. ibid.)

    Razo tem Rumen Stoyanov: apesar da existncia de relaes di-plomticas entre a Bulgria e o Brasil desde 1961, em finais dos anos60, a lngua portuguesa no constava de nenhum curriculum escolarou acadmico. O seu estudo iniciou somente em incios dos anos 90,em Sfia, tanto na Universidade como na Escola Secundria n 13,Santos Cirilo e Mtodo. Mencione-se que, na presente etapa, o es-tudo da lngua de Cames se verifica tambm no Liceu Cervantes,na capital blgara, na Licenciatura em Lnguas Estrangeiras Aplicadas,na Universidade de Veliko arnovo, e num curso superior na Univer-

    sidade de Plovdiv.2. A apresentao dos detalhes sobre a edio do romance de Gra-

    ciliano Ramos serve tambm de pretexto para Rumen Stoyanov traarum breve historial da fortuna da prosa brasileira na Bulgria, cujosdados me cabem destacar, completando-os com outras consideraes,referindo o meu modesto contributo relacionado com o tema da pre-

    sente comunicao.Assim, segundo Rumen Stoyanov, o primeiro livro de auto-res brasileiros publicado na Bulgria surgiu em 1938. Com o ttulo

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    A fortuna da Literatura Brasileira na Bulgria

    Dona Paula, era uma antologia de contos de Artur Azevedo e Ma-

    chado de Assis, traduzido, provavelmente, do francs. Somente onzeanos depois, em 1949, o leitor blgaro teria a oportunidade de conhe-cer um romance da autoria de Jorge Amado, intitulado Kakau i Krav(Cacau e Sangue), tambm traduzido da verso francesa, cujo ttulooriginal era erras do Sem Fim. O hiato de onze anos passvel de serexplicado por dois acontecimentos histricos: as alianas do Brasil e

    da Bulgria durante a Segunda Grande Guerra, pases pertencentesa pactos antagnicos no xadrez dos confrontos blicos, e a consequen-te tomada do poder na Bulgria pelo Partido Comunista, em 1944,acontecimento que acarretou profundas mudanas a nvel poltico,econmico e cultural.

    Em funo deste contexto, presumo que o interesse do regimeda Bulgria, aps o fim do conflito mundial, era a publicao de obrasestrangeiras que estivessem filiadas num modelo esttico prximo aodo chamado realismo socialista, ou seja, que fossem ideologicamenteinformadas pela filosofia marxista. este facto que deve ter estadona base da escolha da narrativa do escritor baiano, at porque, e como sabido, nos anos 40, Jorge Amado era membro do Partido Comu-nista Brasileiro, circunstncia que justifica plenamente a edio do

    livro em blgaro.Com o passar dos anos, os romances de Jorge Amado passaro

    a ser a principal fonte de conhecimento da realidade brasileira para opblico leitor. Dos seus quinze romances publicados na Bulgria, seispertencem primeira fase da obra do autor, nomeadamente erras doSem Fim, Seara Vermelha, So Jorge de Ilhus, Mar Morto, Jubiab e

    Subterrneos da Liberdade, com edies e reedies entre 1949 e 1975.Note-se que a escolha dos romances em causa no incua: trata-sede narrativas com forte cariz de crtica social, que serviam os interesses

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    ideolgicos do poder popular na Bulgria, uma vez que denunciam

    os malefcios do regime capitalista no Brasil, a injustia, a exploraoe a posterior tomada de conscincia por parte das classes oprimidas,fortalecendo-se, implicitamente, a ideia relacionada com as virtudesdos sistemas socialistas. Este facto assinalado em alguns prefciosdos livros traduzidos, como acontece tambm no assinado pelo pr-prio Jorge Amado edio blgara de So Jorge de Ilhus, em 1950,

    da seguinte forma:Na verdade, este romance, como o anterior, erras do Sem Fim,tem a mesma histria a histria das terras do cacau na Bahia do Sul.Nos dois livros tentei retratar objectivamente, mas com paixo, o dra-ma da economia do cacau, a usurpao da terra por parte dos coronisfeudais no incio do sculo e a posterior passagem das terras para asmos avarentas dos exportadores. E se o drama da conquista feudal pica, e a conquista imperialista triste, a culpa no do romancista.

    Joaquim diz que a prxima etapa estar cheia de herosmo, beleza epoesia e eu acredito nele (Amado 1950, traduo minha7).

    No que diz respeito fortuna dos livros da primeira fase da obra deJorge Amado, baseio-me na pesquisa de Rumen Stoyanov, feita na Bi-blioteca Nacional em Sfia, que fornece o nmero impressionante das

    tiragens dos romances Mar Morto e Jubiab, ambos publicados em1975, com 30 110 exemplares cada um.

    Os restantes dez ttulos traduzidos para blgaro pertencem se-gunda fase da obra de Jorge Amado, fase esta marcada por mudan-as de tnica temtica e de estratgias estruturais e estilsticas, e peloesbatimento, em certa medida, da ostensiva problematizao de as-

    pectos polticos e econmicos da conjuntura brasileira. Do ponto devista axiolgico, por exemplo, os motivos mais frequentes tm a ver

    7AMADO 1950 (traduo minha).

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    com o quotidiano de personagens das camadas sociais mais desfavore-

    cidas, identificadas com um determinado mundo de gente excluda oumarginal. rata-se de romances cujos enredos se centram na crtica decostumes, sendo exemplificativos Os Pastores da Noite, publicado emSfia, 1969, com 40 120 exemplares, e Os Velhos Marinheiros, comduas edies, em 1972 e 1978, num total de 52 829 exemplares. Es-tilisticamente, a stira social transmitida pela activao de uma lin-

    guagem irnica e humorstica, no faltando tambm a pardia, oparadoxo e uma certa carnavalizao, numa atitude autoral de sub-verso de preconceitos sociais e de afastamento de estticas literriasem voga nos anos 50 e 60 no Brasil. Verifica-se igualmente a valori-zao de personagens femininas, em intrigas com considervel dosede erotismo, como acontece nos romances Gabriela, Cravo e Canela,Dona Flor e Seus Dois Maridos, ereza Batista Cansada de Guerra eieta do Agreste, publicadosentre 1961 e 2012.Quanto s tiragens,os dados disponveis so os seguintes: Gabriela,Cravo e Canela,teveuma edio com 12 100 exemplares, Dona Flor e Seus Dois Maridos,duas edies com um total de 30 125 exemplares. A ttulo informa-tivo, os restantes livros de Jorge Amado traduzidos para blgaro soFarda, Fardo, Camisola de Dormir, ocaia Grande e Face Obscura e

    A Descoberta da Amrica pelos urcos, publicados em 1987, 1992 e2008, respectivamente.

    Apesar do abandono da crtica explcita do sistema capitalista bra-sileiro, os romances da segunda fase do escritor baiano so prova deque o seu autor continuou empenhado em defender um projecto lite-rrio realista, imbudo de ideais humanistas. A propsito da excelente

    recepo de Gabriela, Cravo e Canela pelo leitor brasileiro, por exem-plo, Jorge Amado prefaciou a publicao do romance na Bulgria, em1961, explicitando as razes da sua fortuna assim:

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    Primeiro: este um livro exclusivamente brasileiro. () o pblico

    brasileiro revelou que est j cansado e que no se interessa mais poraquela conhecida orientao da literatura que procura as suas fontesde inspirao na imitao de conhecidas formas decadentes, que su-bestima a vida brasileira, o povo e os seus problemas e no conheceo pas. Estes livros ntimos e desligados da realidade, aristocrticos epsicologizantes, representam um meio de fuga da vida e do homem.

    O pblico leitor est cansado ().Segundo: este um livro cheio de optimismo e de vida, ao qual sub-jaz a alegria de viver, (). O pblico leitor est cansado tambm dosconhecidos livros da negatividade, escritos com falsas tristezas, livros sobrea solido, () livros sem perspectivas, cheios de pessimismo. oda esta li-

    teratura burguesa sombria, desligada do povo e da vida, repugna o leitor.Com a recepo entusistica de Gabriela, Cravo e Canela, o pblico brasi-leiro quer mostrar a sua preferncia por uma literatura que cr no homeme no seu futuro(Amado 1961, traduo minha).

    Se do teor dos dois prefcios de Jorge Amado sobressai a ideia deque a literatura deve ser concebida como forma de arte com funosocial precisa, nas edies e reedies dos seus romances, aps a que-

    da do regime comunista na Bulgria, no h vestgios deste enten-dimento. Desprovidas de paratextos de carcter ideolgico, as maisrecentes publicaes, da responsabilidade da editora Colibri em Sfia,destacam, em poucas linhas e geralmente nas contracapas, aspectoslimitados a determinadas aces dos enredos, num registo na maiorparte das vezes hiperblico e abstracto. omem-se como exemplo, as

    seguintes referncias:

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    na sinopse da edio do romance Dona Flor e Seus Dois Maridos,

    em 2007, pode ler-se: Depois de uma breve luta entre a moralidade e odesejo, vem o desfecho o morto e o vivo complementam-se no parceiroideal do casamento. O erotismo e as receitas baianas misturam aromasna mais alegre obra de Jorge Amado ().(traduo minha)

    do mesmo modo, em 2008, o enredo de Gabriela, Cravo e Canela sintetizado assim: E neste romance de Jorge Amado paira o irresistvel

    aroma da cozinha baiana. al como em Dona Flor e Seus Dois Maridos,o prato principal o do amor, temperado com histria, mexericos, folcloremas com menos fantasia.(traduo minha)

    por seu lado, a intriga da narrativa ereza Batista Cansada deGuerra, publicada em 2012, descrita doseguinte modo:

    Realidade, folclore, mito e encantamento entrelaam-se de modo m-gico (). Mediante a histria da sua herona, o escritor pinta um sonoroe deslumbrante quadro do nordeste brasileiro. Este destaca-se com o esbelto

    ritmo do samba e com o estalo do chicote e do punhal, est coberto com ascores do carnaval, da paixo e da morte. O que fica um sabor de eterni-dade, de fora de tempo, de rio e de mar. (traduo minha)

    Merece ateno tambm o aspecto grfico das tradues: contra-riamente aos esboos sbrios a preto e branco nas capas dos livros at dcada de 80, os mais recentes apresentam desenhos sofisticados,com cores vivas e exuberantes, explorando tambm e explicitamentedimenses exticas e erticas, ou seja, imagens expressamente conce-

    bidas para chamar a ateno do potencial consumidor do produto.3. A fortuna da literatura brasileira na Bulgria no se esgo-ta com a publicao dos quinze livros de Jorge Amado. No domnio

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    da prosa merece referncia tambm a edio de mais dois romances,

    Sol do Meio Dia, de Alina Paim, em 1964, e A Escrava Isaura,em1988, cujo xito no se pode comparar com os da autoria do escri-tor baiano. No entanto, sucesso fenomenal parecem ter os livros deoutro escritor brasileiro, apesar de no haver dados sobre o nmerode exemplares editados em blgaro. Refiro-me s narrativas de PauloCoelho, com onze ttulos publicados em apenas onze anos (1997

    2008), surgindo ele como o segundo autor mais lido a seguir a JorgeAmado. Escuso de comentar o caso apesar de se tratar de fenme-no a nvel mundial: primeiro, porque considero que os textos nopossuem o valor esttico desejado e, segundo, porque no exploramtemas directamente relacionados com a realidade brasileira.

    Ainda no domnio da prosa, o gnero do conto tambm est bem re-presentado na Bulgria, graas, entre outros, ao apoio do DepartamentoCultural do Ministrio das Relaes Exteriores do Brasil. A representa-o diplomtica brasileira em Sfia, por exemplo, criou uma coleco delivros, trs dos quais antologias de narrativas breves, com os ttulosSeteContos Brasileiros, Outros Contos Brasileiros, publicados em 2003 e 2005,pela Five Plus, e Contos Brasileiros, em 2007, pela Editora Ogledalo. ra-ta-se de obras sem fins expressamente comerciais e de divulgao junto

    de alunos e estudantes que aprendem a lngua portuguesa. A ttulo in-formativo, nas colectneas so includas narrativas breves dos mais con-sagrados contistas, como Machado de Assis, Lima Barreto, GuimaresRosa, Clarice Lispector, Rubem Fonseca, Dalton ravisan, FernandoSabino, Otto Lara Resende, Autran Dourado, Lygia Fagundes eles, Ig-ncio de Loyola Brando e e Moacyr Scliar, entre outros. Acrescente-se

    a publicao de mais um livro da coleco patrocinada pela Embaixa-da do Brasil em Sfia, com o ttulo Poesia Brasileira Contempornea, em2006, pela Editora Five Plus.

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    Uma palavra devida ao trabalho profissional de alguns dos tra-

    dutores das obras brasileiras para a lngua blgara. Refiro-me, em par-ticular, s tradues directamente do portugus, que se destacam porum rigoroso domnio dos idiomas de partida e de chegada, da res-ponsabilidade de Rumen Stoyanov, odor zenkov, Emlia zenkova,

    Aleksandar Keremidarov, Snejina omova e Vera Kirkova.Por fim, o meu modesto contributo para a divulgao da lite-

    ratura brasileira na Bulgria tem a ver com o meu percurso escolare universitrio, realizado predominantemente no Brasil e em Por-tugal, com a concluso do ensino secundrio no Rio de Janeiro, doMestrado em Literaturas Brasileira e Africanas de Expresso Portu-guesa e do Doutoramento em Literatura Comparada Portuguesa eBrasileira na Universidade de Lisboa. Assim, no binio 1998/2000,na qualidade de Leitor do Instituto Cames na Universidade de S-fia, tive a oportunidade de reger disciplinas de literaturas lusfonas,estabelecendo pontes entre obras portuguesas, brasileiras e africanas.Da posterior investigao neste domnio, resultou a publicao dedois livros em portugus, em Sfia, pela Editora Five Plus, com osttulosAspectos de Literatura Brasileira. Estudos e Antologia, em 2006,e Comparatismo e Literaturas de Lngua Portuguesa, em 2007. rata-se

    de pequenas colectneas de ensaios sem fins comerciais, distribudasgratuitamente nos meios acadmicos, que incidem sobre a produ-o potica dos escritores brasileiros Gregrio de Matos, GonalvesDias, Castro Alves e Oswald de Andrade, bem como sobre a prosa deMachado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, GuimaresRosa e Rubem Fonseca. Como se pode deduzir, a fortuna destes livros

    na Bulgria quase nula, uma vez que os ensaios s podem ser lidospor um pblico que domine a lngua portuguesa. Entretanto, trs ou-tros livros, em verso bilingue portugus-blgaro, foram concebidos

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    para chegar a uma audincia mais vasta. O primeiro a minha ese de

    Doutoramento, traduzida por Rumen Stoyanov e intitulada O Realis-mo na Fico de Jos Cardoso Pires e de Rubem Fonseca, que saiu coma chancela da Editora Karina M, em Sfia, em 2003. Os outros dois,organizados e prefaciados por mim, em traduo de Antnia Peeva,so: Lugares Imaginrios. Antologia Potica de Gilberto Mendona eleseA Coleira do Co, colectnea de contos de Rubem Fonseca, ambos

    publicados pela Editora Five Plus, em 2005 e 2006, respectivamente.Desconheo a fortuna dos ltimos dois livros mas tenho a certeza quefica muito aqum do sucesso de qualquer narrativa de Paulo Coelho. Eassim , uma vez que na Bulgria j no existem editoras estatais que,durante a vigncia do regime comunista, procuravam publicar obrasde reconhecido valor sem olhar a meios, ou seja, no se interessavampelo aspecto comercial, contrariamente ao que acontece na presenteetapa, na qual o lucro da venda dos livros se sobrepe qualidade doque se edita.

    Por conseguinte, previsvel e lamentvel que nos prximos anosa imagem do que representa a literatura brasileira passe predominante-mente pela leitura das narrativas esotricas de Paulo Coelho, cuja for-tuna poder tornar-se algo sem precedentes.

    BibliografiaAMADO, Jorge (1950). Predgovor, Stranata na Zlatnite Plodove, Sofia, Na-rodna Kultura, traduo de francs de Gueorgui Jetchev.

    AMADO, Jorge (1961). Predgovor kam balgarskoto izdanie, Gabriela, Kra-vo i Kanela, Sofia, Narodna Kultura, traduo de portugus de Emilia zenko-va e odor zenkov.

    ANDRADE, Carlos Drummond de (1930).Alguma Poesia, Belo Horizonte,Editora Pindorama,SOYANOV, Rumen (s.d.). disponvel em http://www.bulgariario.org.br/site/documentos/graciliano_ramos_e_a_bulgaria.pdf.

    http://www.bulgariario.org.br/site/documentos/graciliano_ramos_e_a_bulgaria.pdfhttp://www.bulgariario.org.br/site/documentos/graciliano_ramos_e_a_bulgaria.pdfhttp://www.bulgariario.org.br/site/documentos/graciliano_ramos_e_a_bulgaria.pdfhttp://www.bulgariario.org.br/site/documentos/graciliano_ramos_e_a_bulgaria.pdf
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    O processo do conhecimento do Brasil na Hungria

    O processo do conhecimento do Brasilna Hungria

    Ferenc PlUniversidade ELE, Budapeste

    Resumo: O Brasil est presente na mente hngara a partir de segundametade so sculo XVII quando o insigne escritor e poltico, MiklsZrinyi no seu libelo, escrito contra a invaso turca props que os hn-garos trasladassem aos terrirrios do Brasil atual. Mas o verdadeiroconhecimento deste pas da Amrica do Sul comeou no sculo XIX,

    aps incio dos contatos diplomticos entre o Brasil e a Austro-Hun-gria. No presente estudo ilustramos o primeiro sculo do conhecimen-to do Brasil na Hungria.

    Se queremos estudar o conhecimento do Brasil, em seus diferentesaspectos geral, poltico, geogrfico, cultural ou literrio surgemnecessariamente vrios problemas metodolgicos. Alm do problemada lngua, o da posio do Brasil dentro do mundo criado pelos Portu-gueses, uma questo importante se a presena do Brasil se deve fazerpor uma via quantitativa, quer dizer fazer um inventrio objectivo detodas as coisas brasileiras presentes no meio de recepo, ou por umaoutra, qualitativa, diria subjectiva, que tenta de descobrir se o Brasil

    teve ou no um impacto no meio receptivo, e se nalgum momentochegou a se enraizar na conscincia comum, na mentalidade do meioreceptivo. E a propsito podemos citar as palavras de Michael Riffa-

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    terre sobre a intertextualidade que explicam que s aquelas obras so

    realmente conhecidas que tem um valor conotativo e tornam-se signi-ficativos dentro do meio de recepo1.

    Vejamos primeiro o problema do conhecimento da lngua, comoveculo das informaes. muito difcil encontrar dados directos edignos de f sobre o conhecimento da lngua portuguesa antes de cer-ta data. conhecido que o Brasil e a Hungria, ou melhor o Imprio

    Austraco, do qual mais tarde formava parte tambm a Hungria, apartir de 1817 tinham contatos diplomticos2, o que nos faz supor aexistncia de pessoas falando portugus, mas o fato que Os Lusadasde Cames, obra que na poca romntica tinha enorme popularida-de tambm nos pases desta zona centro-europeia, a leram os leito-res hngaros nas tradues francesa, de La Harpe, e latina, de omde Faria e uma primeira traduo foi feita de alemo, faz nos suporque faltavam pessoas falando portugus. Entretanto, em Polnia jem 1790 saiu uma traduo da epopeia, cujo tradutor, Jacek Idzi Pr-zybylski segundo Kalewska, tambm consultava o texto portugus3.

    A primeira traduo completa dOs Lusadas em Hngaro s saiu em18654, e o tradutor, Gyula Greguss, pelo menos la em Portugus, poistraduziu a obra do original.

    Realmente, esta a poca quando j existe um contacto vivo entreo Brasil e a Hungria formando esta parte do Imprio Austraco a partirde 1867. Este contato se deve em primeiro lugar emigrao. Entre os

    1Lintertextualit est (...) le mcanisme propre la lectura littraire. Elle seule, en effet,produit la signifiance, alors que la lecture, commune aus textes littraire e non littraire,ne produit que le sens. In: M. Riffaterre: La trace de lintertexte, La Pense Outubro de1980. Cita: Genette Palimpsestes, la littrature au second degr. Paris, Seuil, 1982. p. 9.

    2Cf. RAMIREZ, Ezekiel Stanley. As relaes entre a ustria e o Brasil, 18151889.abelas III. So Paulo, 1968, pp. 243244.3KALEWSKA 2007: 28.4PL 1987: 42.

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    primeiros emigrantes haviam supostamente hngaros cultos, porque

    na dcada de 1850 j temos notcias do Brasil, que dizem respeito satividades dos magiares. No nmero de 44, de 30 de outubro de 1859,o semanrio de Budapeste, Vasrnapi jsginforma na seo rhz(Depsito) que numa antologia geral, publicado no Rio de Janeiroacham-se onze poemas hngaros5. Esta notcia nos permite imaginarpessoas falando portugus acima dum nivel comum aos trabalhado-

    res rurais que emigravam para o Brasil. No ltimo tero do sculo,pois, se estabelecia uma comunicao mtua ou bilateral entre os doispases. Sabemos das pesquisas de gnes Szilgyi, que muitos dos emi-grantes, por no terem encontrado condies favorveis, regressaram Ptria6, e entre eles j devia haver pessoas que falavam a lngua.

    Nos jornais e revistas hngaras da segunda metade do sculo XIXpodemos ler muitas informaes sobre o Brasil. Quanto presenadeste pas no imaginrio hngaro da poca, as expectativas do pblicoso bem ilustradas pelo semanrio Vasrnapi jsgcujos textos publi-cados entre 1854 e 1860 os temos estudado do ponto de vista das re-ferncias ao Brasil. As folhas do semanrio trazem, em primeiro lugar,notcias curiosas s vezes abordadas mesmos de forma cientfica, sobrea flora e fauna brasileiras7, relatos sobre viagens a este pas e nomeada-

    mente ao Rio de Janeiro8, informando que a regio atrai os visitantescom a beleza da sua vegetao, mas que, na questo do urbanismo,provoca m impresso aos viajantes europeus. Alm de seus aspectosexticos, as notcias tambm mostram o Brasil como parceiro comer-

    5Vasrnapi jsg, 1854-1860. Cd-rom.6SZILGYI, 2004: 42.

    7Um relato sobre a fauna do rio Amazonas e do Rio Negro. Nro. 14 de 1854, 4 de junhode 1854.8ANDERSEN DR. HEGEDS: Utazs a fld krl(Viagem em torno da erra).Nro. 29 de 1854, de 17 de setembro de 1854.

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    cial e cultural da Hungria: por exemplo, podemos ler informaes so-

    bre o cultivo e comrcio do caf, e sobre o fato de que um comerciantehngaro transportou vinhos de Arad, cidade do sul da Hungria de en-to, para o capital do Brasil, Rio de Janeiro9; e curiosamente tambmse informa que a cantora Lagrange cantou uma ria do compositorhngaro Ferenc Erkel no eatro da pera do Rio de Janeiro, e que umaristcrata hngaro, Lszl Alvinczy morreu no Brasil10.

    O rpido desenvolvimento industrial e econmica da Hungria noltimo tero do sculo XIX, aumentou enormemente o nmero dosjornais e revistas publicados no pas, e estes informaram fartamente aseus leitores acerca dos acontecimentos ocorridos no mundo. Juntamen-te com informaes de carter poltico, como foi por exemplo o artigode 1889 sobre a visita de Dom Pedro II na Hungria nos anos 187011ouinformaes sobre a proclamao da Repblica no Brasil e outros acon-tecimentos de poltica interior, pretendia-se satisfazer a curiosidade peloexotismo do pblico leitor. Esta demanda pelo estranho, extico, pito-resco etc. satisfazem-na tanto os artigos publicados nos jornais, comoos livros publicados nesta poca. Um artigo de Vasrnapi jsg , daautoria de Rthy Frigyes e intitulado Egy magyar tengerszBrazliban(Um marujo hngaro no Brasil)12fala sobre o povo estranho que vive

    no Brasil, assim tratando a populao negra, inexistente em territriohngaro, Com estranhamento, tambm se fala na flora a fauna brasilei-ras. O artigo intituladoA vizi boa-kgy(A jibia serpente da gua)publicado no Hrmond13descreve certos animais repulsivos do Brasil.

    9Nro. 27 de 1857, 6 de setembro de 1857.10Nro.42 de 1858, 17 de outubro de 1858.

    11II. Dom Pedro brazliai csszr (D. Pedro II, imperador brasileiro).Vasrnapi jsg,Nro. 47 de 1889, p. 769.12Nro. 17 de 1883.13A vizi boa-kigy. In Hrmond. Nro. 23. de 1969, p. 274.

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    Entrementes o desenvolvimento econmico hngaro criou uma

    camada de populao que, muito alm dos artigos dos jornais pre-tendia desenvolver uma cultura livresca. As editoras, mais ou menosconscientemente, passaram a oferecer, em livros, um slido e fundadosaber universal, fomentando a publicao de obras de mais variadanatureza. Nos anos 1867 a 1870 saiu do prelo o livro de viagem deIstvn Gecze Utazs Brazliba s visszaI-II (Viagem ao Brasil, ida e

    volta)14

    ; e em 1905 um livro com o ttulo rimbombanteAz amazonokorszgai (Os pases das Amazonas)de Jen Oppel15. Estes livros jno queriam apenas deleitar os leitores, mas sim lher oferecer ao mes-mo tempo alguns dados teis, de teor cientfico.

    Paralelamente, tambm surgem as primeiras informaes exatas,completas e concisas sobre o Brasil na grande enciclopdia da poca,

    A Pallas Nagy Lexikona(A Grande Enciclopdia de Pallas) que umaenorme empresa da vida cientfica hngara publicada entre 1893 e1900, em 18 volumes. Esta enciclopdia no terceiro volume, sadoem 1993, publica um verbete de aproximadamente 18 mil caracte-res16sobre os Estados Unidos do Brasil, dando informaes sobre seuterritrio, guas, clima, produtos, populao, indstria e comrcio,constituio e administrao pblica, cultura e histria acompanha-

    da de uma abundante bibliografia, citando obras em ingls, alemoe francs e inclusive em portugus17. endo em conta o tempo queento requeriam os trabalhos de redao e impresso de um volume

    14Pest: Laufler, 18691870.15Ksmrk: 1905.16S a ttulo de comparao: sobre a Frana publicou-se um verbete de cca. 297 milcaracteres.17Entre os livros mencionados se encontra (sic!):Historia Geral do Brasilde Varnhagen(Rio de Janeiro, 1855), O Atlas do Imperio do Brazilde De Mello (Rio de Janeiro:1882), a Historia destablecimento da republica Estados Unidos do Brasilde Fialho Anfriso(Rio de Janeiro: 1890).

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    O processo do conhecimento do Brasil na Hungria

    de 900 pginas em grande formato, o verbete pode ser considerado

    muito atualizado, dado que trata de acontecimentos ocorridos em1891, mencionando como ltimo acontecimento histrico a rennciado presidente Fonseca e a tomada de poder do vice-presidente Peixoto,ocorrida a 24 de fevereiro de 1991.

    O acolhimento do Brasil na Hungria dcimonnica ilustra--o muito bem que o Brasil aparece nas obras dos dois importantes

    romancistas do sculo, Mr Jkai (18251904) e Mikszth Klmn(18471910).O primeiro, escritor romntico muito popular, foi alis um dos

    escritores preferidos do imperador D. Pedro. Uma comunicao darevista literria Nyugat18, informa que o imperador tinha em grandeestima a obra de Mr Jkai fornecendo a seguinte informao sobre avisita de D. Pedro a Budapeste, no incio da dcada de 1870:

    [Mr Jkai] em amigos soberanos. Dom Pedro, o interessante impe-rador brasileiro hospedou-se intencionalmente no Hotel Angol kirlyn,

    e no no apartamento oficial, condigno a um monarca, no Castelo deBuda, para poder ter um contacto mais ntimo e fcil com o seu parenteespiritual, o bondoso Mr Jkai.19

    Estudando as obras de Mr Jkai encontramos mais de uma alusoque nos faz supor que a imagem do Brasil era familiar para o pbliconacional. Nas obras dele aparecem o nome brazliafa (pau-brasil) eoutras plantas e animais caratersticos da flora e fauna brasileira comooagutiou agouti (cutia), a anakonda (anaconda), afernambuc fa(ou-

    18Nyugat, sine data.19A origem desta referncia se encontra na obra de Klmn MikszthJkai Mr s kora(MrJkai e sua poca) onde o romancista hngaro, discpulo literrio de Jkai, fala sobre estacuriosa visita no imperador brasileiro em Budapeste, no incio da dcada de 1870.

    http://www.nograd.net/irodalom/mikszath/http://www.nograd.net/irodalom/mikszath/http://www.nograd.net/irodalom/mikszath/http://www.nograd.net/irodalom/mikszath/
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    tro nome hngaro do pau-brasil), guaran (medicamento feito do

    semente do guaran) eguarana kenyr(po feito de guaran), mangifa(Mangueira),onka(ona). Pois, Jkai escreveu obras de fico nas quaiso Brasil o ambiente da aco, como no conto z milli dollr(Dezmilhes de dlares) cujos personagens passam uma semana no Rio de

    Janeiro20. Nos contos e romances de Jkai temos mais de duas dzias dereferncias ao Brasil, e a ttulo de exemplo citamos alguns. No romance

    Htkznapok(Dias teis, 1846), num episdio aparece uma mesa depau brazil no centro de uma sala (brazliafa asztal a kzpen). No Feke-te gymntok(Diamantes pretos, 1870) escreve que ... os peruanos e osbrasileiros sempre pagam com prata...21e emAz arany ember(O ho-mem de oiro, 1873) informa que A capital do Brasil o Rio de Janeiro. de l que transportam para c o algodo e o tabaco, l esto as minasde diamantes mais famosas. 22. Na fico fantsticaA jv szzad reg-nye(O romance do sculo vindouro, 1872) se lem divagaes de teoreconmico At no querermos mais do que a importao do caf, doalgodo e do petrleo [...] incluindo a China [...] o Japo e o Brasil...23.E no ltimo romanceAhol a pnz nem isten(Onde o dinheiro no deus,1905) aparece esta frase: A farinha foi um produto hngaro, opaquete Adria a transportou at o Rio de Janeiro24.

    O outro escritor famoso, Klmn Mikszth, que numa suaobra tambm faz meno do encontro do imperador brasileiro

    20Publicado nos nmeros de dezembro de 1957 do Vasrnapi jsg.21Segunda parte: ...a peruiak, brazliaiak mind csupa ezsttel fizetnek....(Jkai, sine data).22Primeira parte. Captulo: A senki szigete (Ilha de ningum): Brazlia fvrosaRio de Janeiro. Onnan hozzk a gyapotot meg a dohnyt, ott vannak a leghresebbgymntbnyk (Jkai, sine data).

    23 Primeira parte. Amg nem terjeszkednk tbbre, mint kv, gyapot s kolajbehozatalra [...] Kna [...] Japn s Brazlia befoglalsval (Jkai, sine data).24A liszt magyarorszgi termny volt, Rio de Janeiroig Adria gzs szlltotta (Jkai,sine data).

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    e do romancista hngaro Mr Jkai, com a maior naturalidade

    menciona o Brazil nos seus escritos.: O (conde) Zichi em seucavalo, que chegou a parar na cavalaria do imperador brasileiro,cruzou a nado o mar Mediterrneo...25ou noutro lugar: Con-tinuam a criticar-me por ter conduzido sob a mo a imperadorabrasileira na exposio de Philadelphia.26

    Esta poca de ouro quando o Brasil entra definitivamente na

    conscincia hngara , quer dizer a segunda metade do sculo XIXalm do aqui mencionado tem muito mais material, e requer aindaum estudo minucioso das futuras geraes de estudiosos, como foi ocaso do nosso aluno Gyula Varga que escreveu sua tese elaborando asnotcias do aviador Santos Dumont que saram na prensa hngara dapoca.

    BibliografiaA Pallasz Nagylexikona (A Grande Enciclopdia da Pallas). 18 volumes. Bu-dapeste, Pallas Irodalmi s Nyomdai Rszvnytrsasg, 18931900.BOGLR, Lajos (1997).Magyar vilg Brazliban(Vida hngara no Brasil).Budapeste, Szimbizis.KGL, J. Szeverin (1982).Magyarok Brazliban(Hngaros no Brasil). So

    Paulo, Knyves Klmn Szabadegyetem.Nyugat. 19081941. Egy irodalmi legenda digitlisan. cd-rom. Budapeste,Arcanum Adatbzis, s.d.REGULY, Ern. (org.) (1977). Latin-Amerika Bibliogrfia(Bibliografia Lati-no-Americana). Budapeste, Fvrosi Szab Ervin Knyvtr.Rvai Nagylexikona (Grande Enciclopdia da Rvai). 19 volumes. Budapeste,Rvai estvrei Irodalmi Intzet Rszvnytrsasg, 19111926.SZAB, Lszl (1982).Magyar mlt Dl-Amerikban(Passado hngaro na

    Amrica do Sul). Budapeste, Eurpa.25A gyarmat kzhelyei(Lugares comuns da colonia), 1873. (Mikszth, sine data).26A Fvrosbl(Da Capital), 1881. (Mikszth, sine data).

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    j Magyar Lexikon(Nova Enciclopdia Hngara). Budapeste, Akadmiai,

    19601972.Vasrnapi jsg, 18541860. cd-rom. Budapeste, Arcanum Adatbzis, s.d.

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    A guerra de Canudos revisitada

    A guerra de Canudos revisitadaO Brasil nos romances de Sndor Mrai, Mario VargasLlosa e Guram Dochanashvili

    Andrs Gulys1Embaixador, Budapeste

    um dia todos tero de ir a Canudos.Sndor Mrai2

    Resumo: Os dramticos acontecimentos ocorridos em Canudos em

    finais do sculo XIX constituem provavelmente um dos momentosde maior ressonncia exterior da histria do Brasil. Foram motivo deinspirao de obras literrias de transcendncia mundial. O presenteestudo analisa as causas deste fenmeno, e fornece, pela primeira vezem portugus, informao detalhada sobre o romance dum escritorgeorgiano sobre o tema.

    1 O Embaixador Andrs Gulys (1944, Budapeste) Doutor em Filologia Latino-Americana pela Universidade ELE de Budapeste. Adido Cultural no Rio de Janeiro,Braslia, Lima, Encarregado de Negcios em Maputo, Cnsul Geral em Barcelona,Embaixador em Luanda, Lisboa. Assessor Diplomtico da Presidncia da Repblica da

    Hungria 19962001, 20052010. radutor de Mario Vargas Llosa, Alejo Carpentier,Jorge Amado, etc. Conferencista regular sobre temas de histria e literatura latino-americana, espanhola, portuguesa, catal.2MRAI 2002: 106.

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    1. Introduo

    No ano 1897 no Nordeste do Brasil foras regulares do exrcito ani-quilam a seita de fanticos seguidores do falso profeta, AntnioConselheiro. Euclides da Cunha, correspondente da campanha, pu-blica em 1902 o seu livro Os sertes.Este clssico das letras brasileirasinspira mais tarde tlet Canudosban (Veredicto em Canudos)de SndorMrai em 1970 y La guerra del fin del mundode Mario Vargas Llosa

    em 1981. Mas o fascnio e apelo dessa histria remota no para a O tema de Canudos de indiscutvel atualidade. Prova disto o Cursode Mestrado de Literatura Brasileira anunciado pelo Instituto de Letras daUniversidade do Estado de Rio de Janeiro em 2013: O curso prope apre-sentar e discutir as ressonncias de Os sertes, de Euclides da Cunha. Poucasobras latino-americanas foram to capazes de estimular a reescrita de auto-res to diversos como Jorge Luis Borges, res versiones de Judas; RobertB. Cunninghame Graham, Um mstico brasileiro, Sndor Mari, Veredictoem Canudos; Mario Vargas Llosa, La guerra del fin del mundo; Jos JacintoVeiga,A casca da serpente. O curso partir de uma releitura de Os sertes, afim de melhor compreender o processo de reescrita das obras acima men-cionadas. Num segundo momento, discutiremos as ressonncias da obra deEuclides da Cunha atravs da leitura dos ttulos selecionados.3

    2. Contexto histricoO contexto histrico da Guerra de Canudos bem estudado e co-nhecido. S referirei alguns dos momentos que estiveram por detrsdos acontecimentos: 1877 seca, fome, 300 000 mortos, 1888 abolio da escravido, permanentes crises entre o monarca e o exr-cito, 1889 proclamao da Repblica.

    3 http://www.pgletras.uerj.br/horarios/2013_2/MLB/SEM_LI_BRAS_OPICOS_ESPECIAIS_2.pdfO acento no nome de Mrai, virado (Nota do Autor).

    http://www.pgletras.uerj.br/horarios/2013_2/MLB/SEM_LIT_BRAS_TOPICOS_ESPECIAIS_2.pdfhttp://www.pgletras.uerj.br/horarios/2013_2/MLB/SEM_LIT_BRAS_TOPICOS_ESPECIAIS_2.pdfhttp://www.pgletras.uerj.br/horarios/2013_2/MLB/SEM_LIT_BRAS_TOPICOS_ESPECIAIS_2.pdfhttp://www.pgletras.uerj.br/horarios/2013_2/MLB/SEM_LIT_BRAS_TOPICOS_ESPECIAIS_2.pdf
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    3. Sobre Os sertes

    Neste crculo no necessrio apresentar a obra de Euclides da Cunha.4Mas obviamente, no foi assim sempre fora do Brasil. O livro aindano est traduzido para hngaro. O fillogo hngaro-brasileiro PauloRnai apresentou assim Os sertesao pblico magiar h quarenta anosnuma enciclopdia de literatura mundial: A vadon- ttulo em hn-garo - d um quadro preciso das condies naturais, antropolgicas,

    sociolgicas e psicolgicas sobre a miservel vida dos habitantes dosenormes sertes do Nordeste do Brasil Narra a guerra com excep-cional fora dramtica e eloquncia pica Pela riqueza barroca dasua potica linguagem, o ritmo febril e entrecortado da narrao, asaltas qualidades literrias do seu estilo e a terminologia tecnicamenteimpecvel ocupa um lugar nico na literatura brasileira5

    4. Sndor Mrai e o seu Canudos 4.1. Sndor Mrai 19001989J nos anos 30 um dos escritores mais conhecidos e fecundos daHungria. Em 1948, quando a viragem comunista se torna irreversvel,vai para o exlio, passando o resto da su vida nos Estados Unidos eItlia. O seu ressurgimento e reconhecimento internacional comeamnos anos 90 na Itlia, e Alemanha.6

    Obras suas traduzidas para o portugus no Brasil: As brasas, O4Mais de 45 edices no Brasil, no contando as de Portugal. radues para o francs,italiano, alemo, espanhol, ingls, holands, dinamarqus, sueco, russo (parcial), chins,japons http://euclidesite.wordpress.com/trad/.5 RNAI, Pl (1972). Euclides da Cunha in: Vilgirodalmi lexikon II. Budapest,Akadmiai Kiad. p. 487.6A febre -Mrai comea em 1998 na Italia com a edio de Le braci(A gyertyk csonkiggnek, no Brasil As brasas), pela Editora Adelphi de Milano, vai pela 43a reedio, 400

    mil exemplares vendidos na Itlia. Na Alemanha das suas obras traduzidas vendeu-semais de um milho de exemplares. O Museu de Literatura Hngara Petfi IrodalmiMzeum nos seus arquivos regista mais de 315 edies em linguas estrangeiras. http://www.pim.hu/object.321a4096-b39b-4e45-9855-9b2bb71d1e30.ivy.

    http://euclidesite.wordpress.com/trad/http://www.pim.hu/object.321a4096-b39b-4e45-9855-9b2bb71d1e30.ivyhttp://www.pim.hu/object.321a4096-b39b-4e45-9855-9b2bb71d1e30.ivyhttp://www.pim.hu/object.321a4096-b39b-4e45-9855-9b2bb71d1e30.ivyhttp://www.pim.hu/object.321a4096-b39b-4e45-9855-9b2bb71d1e30.ivyhttp://euclidesite.wordpress.com/trad/
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    legado de Eszter, Veredicto em Canudos, Dovrcio em Buda, Rebeldes,

    Confisses de um burgus, De verdade, todas pela Companhia das Le-tras, traduzidas maioritariamente por Paulo Schiller. Sem falar j dasmuitas tradues em Portugal.7

    4.2. Veredicto em CanudosEsta obra um dos romances mais importantes escritos no exlio, emuitos crticos o situam entre os melhores livros de Mrai. O romancenarra o fim do stio. As tropas j ocuparam Nova Jerusalm, massa-craram todos, o Marechal celebra a sua vitria com uma confernciade imprensa, e os ltimos sobreviventes, antes de serem executados,so interrogados por Sua Excelncia. Ao longo do interrogatrio mostrada a verdadeira histria de Canudos, ou melhor dizendo, o queMrai pensa dela.

    Os leitores hngaros que fugiram aquando da derrota da Revolu-o de 1956, e j estavam a salvo em algum pas do Ocidente, leram--na estabelecendo uma relao directa com os processos sumrios daditadura.8

    4.2.1. Contacto com o tema

    15 de maio 1958. Primeira meno no Dirio9

    de Mrai Leitura:

    7As velas ardem at ao fim (As brasas no Brasil) 26 edies(!),A mulher certa, Rebeldes,

    Divrcio em Buda, A ilha, A conversa de Bolzano, A herana de Eszter, A irm.8Na Hungria o livro s publicado depois das mudanas democrticas, nos anos 90.9As citaes que se seguem so dos Dirios, em parte inditos, citados por SZAB(2010) e traduzidos por AG.

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    Euclides da Cunha Histria duma rebelio no Brasil10Foras regula-

    res do exrcito, milhares de soldados munidos de canhes levam mais demeio ano sem conseguirem matar alguns fanticos selvagens que no seconciliaram com as bendies da democraca branca Um livro commoralidade A leitura segue por dois meses, vrias referncias no dirio.

    9 de junho 1958. De noite o livro de da Cunha. Magnfico, co-movedor. uma epopeia herica desconhecida da Amrica

    18 de julho 1958. Acabei o livro de da Cunha. Pereceram todos,os rebeldes de Canudos, os seis mil velhos, midos, morreram desede, de fome, se lanaram contra os canhes, mas preferiram a morteantes que obedecer H AQUI ALGO

    4.2.2.H aqui algoEste algoque fascina a Mrai o seu dilema de sempre: ordem, siste-

    ma, anarquia: Creio, pessoalmente, que a gente sempre deve protes-tar, rebelar-se quando algum queira tornar Sistema a ordem natural,orgnica da vida

    4.2.3.O projecto do livro1 de Janeiro de 1961. J tem o ttulo definitivo: Veredicto em Canu-

    dos. 2 de agosto1966. Releio o livro de Euclides da Cunha. uma

    10Mrai ter encontrado a segunda edio americana de Os sertes, Te Rebellion in theBacklands, reeditada em 1957 (CUNHA 1957). de salientar que quando a obra aparece,em 1944, o jovem Claude Lvi-Strauss apresenta-a na Revista American Anthropologist.Cabe citar algumas das suas palavras: Com Os Sertescomea a literatura nacional doBrasil As suas ideias cientficas primitivas (que eram as do seu tempo), o pesado estilo, olento ritmo tm pouca importncia, comparando com o resultado final um generosoapelo, vibrante indigna, ardente amor pelo seu pas e os seus habitantes da mais baixa

    condio Os Serteshoje mesmo lembra os brasileiros que as conquistas da civilizaoindustrial no so to grandes, nem to indiscutveis que possam levar ao esquecimento asfontes virgens naturais e humanas nas quais todas as naes devem cimentar o seu melhore grandioso futuro raduo de A. Gulys (LVI-SRAUSS 1944: 396).

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    montanha de polenda11, atravess-la s com grande esforo Mas,

    no livro, no ajuste de contas de Canudos para mim h algo, como umtesouro escondido debaixo duma rocha no deserto

    4.2.4. EscrevendoComea a escrev-lo em Dezembro de 1966 ou comeos de 1967 emNova Iorque e continua depois da mudana para Salerno onde o acabano vero de 1969. rabalha nele mais de trs anos, com intervalos,paradas difceis.A rebelio dos estudantes de Paris, o ressurgimento daanarquia lhe do novos impulsos. Soyez ralistes, demandez lim-

    possibleser o leit-motiv do romance.

    4.2.5. O impossvel a nica coisa em que vale a pena acreditarO dilogo central do romance entre o Marechal e a Mulher gira exac-

    tamente sobre os temas da ordem, a necessidade de protestar e que svezes a nica opo o impossvel. O vencedor interrogando a prisio-neira pergunta se em Canudos havia anarquistas e a Mulher responde:

    Em Canudos no havia anarquistas. L havia ordem. Diferentedo lado de fora, no mundoPorm uma grande ordem. () Comose alguma coisa os fizesse felizes

    Passavam fome. No havia gua. Comiam barro, as crianas tam-bm. () O que os alegrava? O Paraso que o Conselheiro prome-tia?...

    No sei se o Paraso existe. E se existe, no sei onde ficaSeiapenas que Canudos fica perto Se conseguamos chegar l Derepente no havia mais nenhuma preocupao.12

    Seu marido tambm pegou?...

    11A montanha de polenda um obstculo difcil de atravessar nos contos folclricoshngaros.12MRAI 2002: 120.

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    O qu?

    Canudos. () Como uma doena.Canudos era outra coisa. No era doena.ExpliquePossibilidade.Na anarquia h fora, e a fora sempre possibilidade. Isso ns,

    democratas devotos, tambm sabemos. Mas a fora em que no existe

    razo possibilidade apenas no hospcio. Seu marido sabia disso?odos em Canudos sabiam que s vezes o impossvel a nicacoisa em que vale a pena acreditar13

    4.2.6. Euclides da Cunha no romance de MraiNo romance de Mrai aparece Euclides da Cunha, mesmo que este jno estivesse em Canudos no da 5 de Outubro de 1897, quando a

    imaginada conferncia de imprensa se realiza. Uma homenagem lite-rria de colega para colega

    Meus senhores, disse o marechal Bittencourt. escrevam o queviram. Nossa jovem Repblica trouxe ao serto a bandeira triunfal dasidias democrticas.A grande tarefa da democracia ser acabar coma falta de cultura, bero de toda maldade humana.

    A democracia deu incio extino da ausncia de culturacom a extino dos homens incultos.

    A ofensa explodiu como um petardo. O marechal inclinou-se desbito para a frente como se tivesse levado um gancho na altura doestmago.

    Seu nome, senhor?Euclides da Cunha.14

    13MRAI 2002: 126127.14MRAI 2002: 6768.

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    5. Mario Vargas Llosa e o seu Canudos

    5.1. MVLL Vida e obraNascido em 1936 em Arequipa, Per, est no top da literatura mun-dial desde a publicao de La ciudad y los perros em 1963. As suasobras15esto traduzidas e muito lidas no mundo inteiro. Em 2010 re-cebe o Premio Nobel de Literatura, pela sua cartografia das estructu-ras do poder e as mordazes imagens da resistncia, a revolta e a derrotado indivduo.A Guerra do fim do mundo, em vrias tradues paraportugus, no Brasil (Vargas Llosa 1981b) e Portugal (Vargas Llosa1981c), com abundantes referncias crticas, carece de apresentao.16

    5.2 Como nasceA guerra do fim do mundo?ambm para Vargas Llosa a primeira fonte foi Os Sertesque ter lido

    em 1972 ou 1974, quando ia fazer um roteiro cinematogrfico paraRuy Guerra.

    Uma das primeiras coisas que li em portugus foi Os Sertes,de Euclides da Cunha. Para mim, foi uma das grandes experinciasda minha vida de leitor. Foi como ter lido, quando garoto, Os rs

    15La casa verde (1966), Los cachorros(1967), Conversacin en la Catedral, Pantalen y lasvisitadoras(1973), La ta Julia y el escribidor(1977), La guerra del fin del mundo(1981),Historia de Mayta (1984), Quin mat a Palomino Molero(1986), El hablador(1987),Elogio de la madrastra(1988), Lituma en los Andes(1993), Los cuadernos de don Rigoberto(1997), Cartas a un joven novelista(1997), La fiesta del Chivo (2000), La tentacin de loimposible(2004), ravesuras de la nia mala(2006), Viaje a la ficcin(2008), El sueodel celta(2010), El hroe discreto(2013), etc.16Ao por no buscador Mario Vargas Llosa A guerra do fim do mundo h 292 000referencias... A citar s trs:http://portalmultirio.rio.rj.gov.br/portal/area.

    asp?box=N%F3s+da+Escola&area=Produtos&objeto=produtos&id=73835http://www.webartigos.com/artigos/a-guerra-do-fim-do-mundo/10201/ https://armonte.wordpress.com/2011/10/04/a-guerra-do-fim-do-mundo-a-sabedoria-epica-e-o-retrocesso-ideologico-de-mario-vargas-llosa/.

    http://portalmultirio.rio.rj.gov.br/portal/area.asp?box=N%F3s+da+Escola&area=Produtos&objeto=produtos&id=73835http://portalmultirio.rio.rj.gov.br/portal/area.asp?box=N%F3s+da+Escola&area=Produtos&objeto=produtos&id=73835http://www.webartigos.com/artigos/a-guerra-do-fim-do-mundo/10201/http://www.webartigos.com/artigos/a-guerra-do-fim-do-mundo/10201/https://armonte.wordpress.com/2011/10/04/a-guerra-do-fim-do-mundo-a-sabedoria-epica-e-o-retrocesso-ideologico-de-mario-vargas-llosa/https://armonte.wordpress.com/2011/10/04/a-guerra-do-fim-do-mundo-a-sabedoria-epica-e-o-retrocesso-ideologico-de-mario-vargas-llosa/https://armonte.wordpress.com/2011/10/04/a-guerra-do-fim-do-mundo-a-sabedoria-epica-e-o-retrocesso-ideologico-de-mario-vargas-llosa/https://armonte.wordpress.com/2011/10/04/a-guerra-do-fim-do-mundo-a-sabedoria-epica-e-o-retrocesso-ideologico-de-mario-vargas-llosa/https://armonte.wordpress.com/2011/10/04/a-guerra-do-fim-do-mundo-a-sabedoria-epica-e-o-retrocesso-ideologico-de-mario-vargas-llosa/https://armonte.wordpress.com/2011/10/04/a-guerra-do-fim-do-mundo-a-sabedoria-epica-e-o-retrocesso-ideologico-de-mario-vargas-llosa/http://www.webartigos.com/artigos/a-guerra-do-fim-do-mundo/10201/http://www.webartigos.com/artigos/a-guerra-do-fim-do-mundo/10201/http://portalmultirio.rio.rj.gov.br/portal/area.asp?box=N%F3s+da+Escola&area=Produtos&objeto=produtos&id=73835http://portalmultirio.rio.rj.gov.br/portal/area.asp?box=N%F3s+da+Escola&area=Produtos&objeto=produtos&id=73835
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    Mosqueteiros, ou, j adulto, Guerra e Paz, Madame Bovary ou Moby

    Dick. Foi realmente o encontro com um livro muito importante, umaexperincia fundamental. Um deslumbramento, realmente, um dosgrandes livros que j se escreveram na Amrica Latina.17

    descobri, no drama de Canudos, uma srie de fenmenos Oencontro violento de duas sociedades, incomunicveis entre si, emtempos histricos distintos, com mentalidades distintas, uma men-

    talidade regional e outra europia, uma mentalidade liberal e outrareligiosa, duas culturas distintas dentro de um mesmo pas, que pelafalta total de comunicao e dilogo se matam. odos os pases la-tino-americanos devem ter vivido em algum momento de sua histria ou seguem vivendo at hoje tragdias parecidas. 18

    Creio que este o mais importante dos meus livros e, em todocaso, se eu pudesse eleger, gostaria de ser recordado por esse livro.19

    5.3 A estrutura deAGuerra do fim do mundoEnquanto o romance de Sndor Mrai narra s algumas horas do lti-mo dia da ocupao de Canudos focando tudo no dramtico dilogodo Marechal e a Mulher, raras exepes do escrivo e de Euclides daCunha, o romance do peruano oferece um amplio panorama um

    mundo no fim do mundo no espao e no tempo com muitos actorescujos destinos se entrecruzam em numerosas ocasies.

    6. Guram Dochanashvili O Canudos do georgiano

    Mas e isto vem ao caso no contexto europeu da imagem do

    17SEI, Ricardo A. 1986. Conversas com Vargas Llosa. So Paulo, Brasiliense, p. 39.1801/11/2002 Revista Continente online MVLL a Antnio Arrais.19VARGAS LLOSA, Mario 1982. Entrevista in O Globo, 21-08-1982, p. 29.

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    Brasil temos o romance fantasma de um escritor georgiano. Na

    Internet, se navegamos s em pginas inglesas e de linguas ocidentais alm de um nome, um ttulo e a afirmao de que tem a ver com aBiblia combinada com a guerra de Canudos, no encontramos nadaem concreto.20

    Para mostr-lo, o ttulo que uma aluso melhor roupa que naparbola do filho prdigo o pai manda trazer para o filho, de volta a

    casa, em ingls aparece como Te first garment e en hngaro comoAz els ltny O primeiro fato. Foi preciso recorrer a amigos naGergia21e consultar pginas web em russo para saber mais sobre Gu-ram Dochanashvili e o seu romance Samoseli

    pirveli22 A melhor roupa

    6.1. Canudos no romance.

    No romance publicado em georgiano em 1975, Canudos parteimportante da longa peregrinao do protagonista. O jovem Do-menico, como o filho prdigo, deixa a sua aldeia, pai e irmo paraver o mundo, percorre muitas terras, passa pela cidade de Camore,cidade de criminosos, bandidos para chegar finalmente a Ca-nudos, onde encontra a terra prometida, terra de verdadeira fra-

    ternidade, f, amor. Convive com os vaqueiros os canudosetz(habitantes de Canudos). Participa na defesa contra os ataques do

    20 Ao por no buscador com letras cirlicas o nome do escritor ou do(s) ttulo(s) , h muitssimas refernciasrussas, e em georgiano, ainda mais: Samoseli pirveli (Nota do Autor).21 Os meus agradecimentos Sra. Nana Khurtsilava, assistente do

    Embaixador da Gergia na Hungria22Assim se deve pronunciar as belas letras georgianas. Se pomos no buscador da Internetas duas palavras, surgiro tambm elegantes roupas renacentistas de moda caucasiana(Nota do Autor)

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    Marechal Betancourt, ( na traduo russa) e assiste destrui-

    o de Canudos, morte dos cinco grandes mrtires de Canudos, entreeles, Manuelo Costa, Joo Abade, Mendes Maciel. Nas runas da cidadequeimada e abandonada Don Diego rende uma derradeira homenagemaos mrtires e se deixa arrastar pelas guas do rio. No se suicidava, dei-xava-se simplesmente morrer em nome dos irmos, o ltimo dos grandesde Canudos.23

    E no final do romance, Domenico volta para pai que lhe oferece umterceiro e ltimo presente, a palavra, o verbo, a obrigao de que conte estahistria para todos porque assim os mortos recebero tambma sua melhorroupa e vivero para sempre.

    A mensagem da obra, mistura de conto de fadas, de epopeia e grande tea-tralidade que a gente deve procurar o seu Belmonte, o seu Canudos passarpelo seu Camorra, aprender a distinguir entre bem e mal. emos a sensaode ler algo muito parecido com O Senhor dos Anis

    6.2 As fontes de DochanashviliAo contrrio de Sndor Mrai e Mario Vargas Llosa a fonte de Dochanash-vili no foram Os Sertes. preciso sublinhar que o escritor alm da sualingua materna s fala russo, e o livro de Euclides da Cunha at agora s tem

    uma traduo parcial.24

    Do que valeu o georgiano foi um artigo publica-do em 1969 em russo na Revista Vokrug Sveta25Volta ao Mundo:, (Canudos, nascimen-

    23DOCHANASHVILI 1984.24A Revista Literatura e Artede Moscou, publicou em 1959, no seu nmero5. trechos de Os Sertes, traduzidos por Inna erterian.25Fundada em 1861 em So Petersburgo, uma das revistas mais velhas em ininterrupta existnciana Rssia. Nos tempos soviticos pertencia ao KOMSOMOL, Juventudes Comunistas daURSS e, em 1969, ano da nossa referncia, se publicava com uma tiragem mensal de 2 700 000exemplares(!).

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    to, luta e destruio da repblica dos indigentes) do latino-americanista

    Vitaliy Sobolev.Como afirmara o prprio romancista ao autor destaslinhas, em recentes conversas telefnicas, alm de muito impressiona-do pela trgica histria dos defensores de Canudos, valeu-se da his-tria, do lugar afastado para assim desviar os olhos da censura da suanegao ao mundo do socialismo real que o rodeava. Como prova dasua inocncia, na edio russa terminava o romance com um Eplogo,

    transcrevendo o inteiro artigo de Sobolev.26

    6.3 Guram Dochanashvili Nasceu em 1939, em bilisi, capital da Gergia, estudou na Univer-sidade da mesma cidade, Historiador, arquelogo, msico, cineasta e,escritor por excelncia. Em 1956 condenado por atividades anti-so-viticas assinou um manifesto de solidariedade pedindo justia pelo

    sangue derramado em Poznan, Budapeste e bilisi.O romance que acabamos de apresentar muito popular, com

    muitas edies , seis em georgiano, trs em russo, e considerado umdos melhores romances escritos durante os tempos do totalitarismoem toda a Unio Sovitica.

    Para mostrar a popularidade do romance, no jornal de bilisi, em

    26 de Maro de 2014 foi publicada uma notcia sobre o escritor sau-dado pelo seu aniversrio: oday Dinamo footballers congratulated75thjubilee on legendary writer and Dinamo fan Guram Dochanash-vili. Footballers symbolically awarded the writer with ball with theirsignatures and Dinamo -shirt with number 1. Guram Dochanashvilidelivered the players his book Samoseli Pirveli with his signatures.Te whole club Dinamo bilisi congratulates Mr. Guram on the ju-bilee and wishes him health and longevity. We hope that writer who

    26SOBOLEV 1969.

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    is in love with literature and football will glad us with different mas-

    terpieces.27O evento foi um feliz encontro de literatura e futebol. Fazemos vo-

    tos que o livro em breve possa ser lido em portugus por futebolistase pblico em geral.

    7. Concluses finais algum lembra de So Paulo haver sido o tema de um nico grande

    romance escrito por um importante prosador contemporneo estrangeiro?Ou seja, a ironia: Canudos, no trrido Serto do Nordeste, um povo-ado de presumveis 20.000 habitantes, varrido do mapa h mais de cemanos pela artilharia de uma repblica recm-proclamada, fascina mais aimaginao de ficcionistas que a grandiosidade pica de So Paulo.28

    Partindo do resignado comentrio do professor e cineasta RuyVasconcelos, tentarei, para concluir, comprender qual seria a ltimarazo que colocou Canudos no mapa-mundi.

    O narrador do romance de Sndor Mrai, o escrivo, lembraCanudos da seguinte maneira: vi de perto a fora que depoisvira histriaNunca esqueci daquelas quatro horas Desde en-

    to decorreu meio sculo, vrias guerras devastaram o mundo, ma-tanas piores que a refrega de Canudos. distncia, aqui no Brasil,aprendemos o nome do imperador alemo, depois o de Hitler, ode Stalin e de outros que segundo se dizia - fizeram a histriado mundo Apesar disso h cinqenta anos atrs, no sertodo Nordeste do Brasil, homens lutavam, matavam e morriam

    27DOCHANASHVILI 1984 . . , 12, 1969.28http://www.fcdinamo.ge/en/news?n=2589.

    http://www.fcdinamo.ge/en/news?n=2589http://www.fcdinamo.ge/en/news?n=2589
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    matavam e morriam com paixo e convico, como se o banho

    de sangue que denominavam guerra tivesse alguma finalidadeEntretantoCanudos foi a minha guerrae cada um tem a guerraque lhe cabe29

    Mrai como outros, entre eles os aqui tratados Vargas Llosa e Gu-ram Dochanashvili, identifica no microcosmos de Canudos a barbrieinfinita de matar e morrer. Compartilho a opinio de Rogrio Souza

    Silva que dedica um brilhante trabalho ao tema e, partindo da tese dogrande historiador britnico Eric Hobsbawm de que o ano de 1914anuncia o incio do sculo XX na Europa, afirma que:

    As megamortes principiadas com a Primeira Grande Guerra, mu-daram a viso do homem sobre as noes de civilizao e barbrieNo Brasil, a guerra de Canudos 17 anos antes emerge como fronteira,entre esses dois termos. O lento ritual fnebre de nossa Belle poquetem inicio nas runas do Belo Monte30

    por isso que, pelo contexto no s europeu mas tambm univer-sal, a mensagem de Canudos continua vigente.

    Bibliografia

    CUNHA, Euclides da (1902). Os Sertes (Campanha de Canudos)Rio de Ja-neiro, Ed. Laemmert & Cia.CUNHA, Euclides da (1957). Rebellion in the Backlands. rad. Samuel Put-nam, University of Chicago Press (1a edio, 1944).CUNHA, Euclides da (1999). Os Sertes 39a ed. corrigida.Rio de Janeiro,Francisco Alves.DOCHANASHVILI, Guram (1975). Samoseli pirveli.A melhor roupa Primeira edio do romance em georgiano, bilisi.

    29VASCONCELOS 2008.30MRAI 2002: 8.

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    Paulo Rnai e a revista Provncia de So Pedro

    Paulo Rnai e a revista Provnciade So Pedro

    Regina ZilbermanUFRGS, Porto Alegre

    Resumo:A contribuio de Paulo Ronai revista Provncia de So

    Pedro, de Porto Alegre, estendeu-se de 1946 a 1951. O crtico encar-regou-se sobretudo das resenhas de livros de autores estrangeiros. Exa-minam-se particularmente as resenhas de escritores e obras pertencen-tes literatura hngara, publicadas em traduo ou na lngua original.

    Em 1883, foi fundada, em Porto Alegre, a Livraria do Globo,cuja atividade editorial expande-se especialmente depois dos anos

    1930. Sua reputao estava plenamente consolidada em meados dosanos 1940, quando lanado o peridico Provncia de So Pedro, diri-gido por Moyss Vellinho (19011980). Admirador de Ea de Quei-rs (18451900) e Machado de Assis (18391908), Vellinho nocompartilhava uma concepo paroquial da literatura. Assim, se Pro-vncia de So Pedroadotava uma denominao regionalista, devendoseu ttulo antiga denominao do Estado do Rio Grande do Sul, seucorpo de colaborad