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Coleções Científicas Luso-Brasileiras: patrimônio a ser descoberto
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O CONJUNTO DE OBJETOS DE ENSINO DO
LABORATÓRIO DE FÍSICA DO COLÉGIO PEDRO II
Marcela de Almeida Ferreira1
Marcus Granato2
Zenilda F. Brasil3
Alexandre Calvão4
nstituição fundada no Rio de Janeiro, em 1837, para oferecer ensino secundário aos
jovens da chamada boa sociedade, o Colégio Pedro II é um marco na história da
educação brasileira que atravessou, com a mesma excelência de trabalho, dois
momentos históricos significativos para o país: o período do Império e o surgimento
da República.
Ao conhecer seu laboratório de Física é possível perceber o diferencial no ensino que
os alunos do Colégio Pedro II puderam usufruir e o investimento público ali realizado para a
educação.
1 Formada em Museologia pela UNIRIO (2007), com especialização em Preservação de Acervos de C&T, pelo MAST (2009). 2 Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), Rua General Bruce 586, São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ; [email protected]. Formado em engenharia metalúrgica e de materiais pela UFRJ (1980), Mestre (1993) e Doutor (2003) em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Engenharia Metalúrgica (COPPE/UFRJ), sendo sua tese sobre Restauração de Instrumentos Científicos Históricos. A partir de 2004, volta a coordenar a área de Museologia no MAST e, a partir de 2006, torna-se professor do Mestrado em Museologia e Patrimônio (UNIRIO/MAST), onde atua como vice-coordenador entre 2006 e 2009. A partir de 2009, assume a coordenação do Curso de Especialização em Preservação de Acervos do C&T, do MAST. Atualmente é Coordenador de Museologia do MAST, pesquisador 1D do CNPq e líder de grupo de pesquisa na área de Preservação de Bens Culturais. 3 Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), Rua General Bruce 586, São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ; [email protected]. Formada em Museologia pela UNIRIO (1994), pós-graduada em Fotografia com Instrumento de Pesquisa nas Ciências Sociais pela Universidade Cândido Mendes (2002) e bolsista do MAST desde 2005. 4 Bacharel e Licenciado em Física pela FAHUPE (1979), M.Sc. em Engenharia Mecânica - COPPE/UFRJ (1994). Professor coordenador de Física da Unidade Centro do Colégio Pedro II.
I
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Ex-aluno e ex-diretor geral do Colégio, Wilson Choeri, em seu livro Histórias do Velho
Colégio Pedro II, conduz sua narrativa pelos corredores em visita ao Colégio de hoje e
relembra, em certo momento, que “o laboratório de Física, até hoje existente, possuía
aparelhos para ser ministrado ensino prático demonstrativo de mecânica, termologia,
acústica e eletricidade”, e também da ótica (CHOERI, 2004, p.28).
Esse conjunto de objetos, representativo dos procedimentos educativos em aulas
experimentais de física, especialmente do início do século XX, talvez seja o testemunho mais
significativo e importante no país nessa área. No entanto, todo o atual grupo de objetos ali
existente foi encontrado em estado de abandono devido ao não uso do espaço do
laboratório, apresentando sujidades generalizadas e objetos em diferentes estados de
conservação.
Dessa forma, esse texto aborda o tema das coleções de objetos de ensino, a partir do
grupo existente no Colégio Pedro II em sua unidade Centro. Inicialmente, será apresentado
um pequeno histórico do Colégio Pedro II, desde suas origens no Seminário São Joaquim,
passando por sua fundação em 1837, até os dias de hoje, abordando as questões
norteadoras, do contexto histórico brasileiro, de suas atividades educacionais e econômicas.
Far-se-á também uma descrição sumária das dependências atuais do colégio, que
ainda mantém as características de sua arquitetura Neoclássica em uma área de constante
crescimento na capital do estado do Rio de Janeiro. Em seguida, será feita uma análise
sobre o conjunto de objetos de ensino, primeiramente atendo-se às acomodações do
Laboratório de Física, lá instalado em 1929, utilizando para isso, dados presentes nos
relatórios organizados pelos Reitores e Diretores do Colégio.
Finalmente, o conjunto de objetos do Laboratório de Física será apresentado,
contextualizando-o no sentido de entender os objetos como fonte documental para a
pesquisa sobre a história do ensino e da ciência e tecnologia.
O COLÉGIO PEDRO II
O Colégio Pedro II foi a primeira instituição de ensino secundário oficial do Brasil. Sua
origem remonta ao Seminário São Joaquim, instituição destinada à criação de órfãos na
primeira metade do século XVIII, descendente do Colégio de São Pedro.
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Na era colonial conheceria o Rio de Janeiro duradoura instituição de ensino. Foi chamada o Colégio dos Órfãos de São Pedro. Fundou-se a Provisão de 8 de junho de 1739, do quarto Bispo do Rio de Janeiro desde 1725, D. Frei Antônio de Guadalupe (...). Duas criações assinalaram o múnus pastoral de D. Frei Antônio na futurosa cidade carioca, o estabelecimento do Seminário de São José e do Colégio de São Pedro, para meninos órfãos de pais pobres. (DORIA, 1997, p.17-18)
Conhecido popularmente por Seminário, o Colégio passou a funcionar na Rua São
Pedro em sobrado de três andares que, após sucessivas administrações, contava com
recursos para oferecer abrigo a um quantitativo de internos maior do que suportava suas
instalações.
Devido ao seu apoio social, os dias de tormento não perdurariam por tempo
excessivo. Tendo conhecimento das aflições pelas quais passava o Colégio dos órfãos,
Manoel de Campos Dias, homem que empregou seus recursos na obtenção de terras, doou
aos seminaristas propriedade no Valongo, atual Rua Camerino.
Das referidas terras, faziam parte uma capela consagrada a São Joaquim e os
terrenos próximos na Rua Larga onde, a mando do reitor, o padre Jacinto Pereira da Costa,
foi construído um prédio para satisfazer as necessidades ao funcionamento de um
seminário.
O final da construção do edifício e a conseqüente transferência dos seminaristas
ocorreram em dezembro de 1766, sendo reitor o Cônego Antonio Lopes Xavier.
Acostumando-se com a mudança, a população passou a identificar os órfãos de São Pedro
por seminaristas de São Joaquim. Nesse momento, o Rio de Janeiro passava a abrigar dois
seminários, o de São Joaquim e o também fundado pelo Bispo D. Frei Antônio de
Guadalupe, Seminário de São José.
Tendo 69 anos de existência desde a fundação do Colégio dos Órfãos de São Pedro,
em 1808, com a chegada da Família Real ao Brasil, o Seminário de São Joaquim iniciava
seu caminho rumo ao desaparecimento.
Nas palavras de Dória:
Tudo dependeu da substituição de ótimo reitor, sucedido por outro sem sorte, sendo inepto. Servia a contento geral o padre Mendes Carneiro. (...) o Príncipe Regente entendeu dispensar da reitoria o padre Carneiro. Ainda mais, infelizmente lhe deu sucessor desastrado, José dos Santos Salgueiro, Abade de Alvenca (...). A água benta da corte, para o padre Mendes Carneiro, foi a promoção a Cônego da Capela Real. (DÓRIA, 1997, p.19-20)
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Para o autor, a substituição da reitoria do Seminário São Joaquim atuou como ofensa
ao Bispo diocesano D. José Caetano da Silva, a quem cabia a direção dos seminários e,
conseqüentemente, a nomeação dos seus reitores. Dessa forma, ao desconsiderar a
autoridade do Bispo, o Príncipe Regente D. João VI conferiu ao Seminário seus últimos
momentos de existência, uma vez que “em fins de 1817 era o Bispo o primeiro a pugnar pela
extinção do seminário (...)” (DÓRIA, 1997, p.20).
No mesmo ano de extinção do Seminário de São Joaquim, 1818, chegaram ao Brasil
tropas portuguesas que bem fariam uso de seu edifício, com isso foram transferidos para o
de São José apenas os seminaristas certos da vocação eclesiástica, os demais passariam a
fazer parte do corpo de artífices das tropas instaladas nas suas acomodações.
Com a transferência dos seminaristas para o Seminário São José, foi passado
também todo o capital destinado à antiga instituição para a manutenção e tratamento de
seus ex-alunos.
Em 1821, após o retorno da Família Real a Portugal e atendendo à solicitação da
população, o Príncipe Regente D. Pedro restabeleceu o Seminário São Joaquim, devolvendo
a ele todos os seus bens, inclusive o reitor Cônego Mendes Carneiro. Todavia o seminário
voltaria a caminhar significativamente rumo ao cenário educacional brasileiro apenas em
1837, com a nomeação de Araújo Lima, segundo Regente do Brasil Império.
No dia imediato da renúncia de Feijó, chamava Araújo Lima o governo novo ministério, o de 19 de setembro de 1837. (...) Regente e Ministro, Araújo Lima e Bernardo (de Vasconcellos), ambos por coincidência interinos, voltaram vistas para o Seminário de São Joaquim. Avaliaram-lhe decadência, deliberando encampa-lo. Chamaram-no ao Estado absorveram-lhe o patrimônio de origem colonial, transformaram o seminário em estabelecimento modelo de letras secundárias. (DÓRIA, 1997, p.23)
Devido ao ensino secundário não ser de grande procura na época, não existiam no
país instituições públicas que focalizassem a educação de jovens, dessa forma a proposta
de criação de um colégio com ensino secundário já nasceu disposta a se tornar referência
para educação no país e destinada a formar profissionais da sociedade para cargos
públicos.
De acordo com Vera Lúcia Andrade (2002, p.12), o Colégio Pedro II foi “agência
oficial de educação e cultura, co-criadora das elites condutoras do país, (...) criado para ser
modelo da instrução pública secundária do Município da Corte e demais províncias, das
aulas avulsas e dos estabelecimentos particulares existentes”.
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Instituído pelo decreto de criação de 2 de dezembro de 1837, data da comemoração
do aniversário de doze anos do Imperador D. Pedro II, o colégio levaria seu nome e,
conseqüentemente, seus cuidados. Em seu artigo 1º e 2º, o decreto apresentava:
Art. 1° O Seminário de S. Joaquim é convertido em collegio de instrução secundaria. Art 2° Este collegio é denominado Collegio Pedro II. (COLÉGIO PEDRO II, 1914, p.44)
A fim de adaptar o antigo prédio do Seminário São Joaquim para utilização como
instituição de ensino com melhores condições de estudo, foi convidado o arquiteto
Grandjean de Montigny5, que trabalhou em um curto período de tempo, tendo em vista que o
decreto de fundação data de 2 de dezembro de 1837 e a abertura oficial do colégio de 25 de
março de 1838.
Figura 1 - Imagem atual da fachada principal do Colégio Pedro II – Unidade Centro.
As aulas no Collegio Pedro II tiveram início ainda em março, contando inclusive com
o comparecimento do próprio Imperador, figura sempre presente nos momentos
significativos para a história do Colégio, o que anunciava a importância que a Instituição teria
para a história do Brasil.
Sua fundação pretendia a formação da elite brasileira e, no âmbito educacional, já se
destacava por seu cuidado na seleção dos professores. Mais tarde, o próprio Imperador D.
5 Arquiteto e primeiro professor oficial de arquitetura no Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro em 1816, membro da Missão Artística Francesa vinda ao Brasil por iniciativa de D. João VI e realizou inúmeras obras em estilo Neoclássico, entre elas estão os projetos da antiga Academia Imperial de Belas Artes e do prédio da antiga Casa do Comércio, atual Casa França-Brasil.
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Pedro II se responsabilizaria por tais escolhas, além de assistir às provas e ainda conferir as
médias dos alunos.
Após quase duas décadas de atividades, o Colégio passava por um período de
grande crescimento administrativo, educacional e também físico, sendo criado, em 1858, um
Internato no bairro da Tijuca, ali permanecendo até 1888, quando foi transferido para o bairro
de São Cristóvão.
A unidade localizada no centro da cidade passou a ser denominada então de
Externato e, para acomodar as mudanças e a nova realidade da instituição, passou por mais
uma grande reforma no ano de 1874, ocasião em que foram inaugurados o Salão Nobre
(Figura 2a) e o Salão D. Pedro (Figura 2b) e onde passaram a ser realizadas cerimônias de
entrega de diplomas.
Figura 2 (a e b) - Imagens do Salão Nobre, à esquerda, e do Salão D. Pedro, à direita, inaugurados na unidade Centro em 1874.
Em 1889 o Imperador D. Pedro II presidiu concurso para provimento de vagas de
professores de inglês, seu último ato público. Com o advento da República, os tempos de
Colégio Imperial ficaram para trás.
Durante os anos iniciais da República, o Colégio passou a ser chamado de Instituto
Nacional de Instrução Secundária e, depois, de Ginásio Nacional, retomando o nome
Colégio Pedro II em 1911. Era ainda considerado padrão de ensino no Brasil, de modo que
alguns colégios da rede privada passaram a adotar seu currículo.
Da proclamação da República, em 1889, até 1925, o Governo brasileiro havia
promovido cinco reformas educacionais que buscavam implantar propostas e alterações no
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ensino brasileiro. O Decreto 16.782-A, conhecido por Reforma Rocha Vaz fazia constar que
os colégios adequariam seu ensino ao do Colégio Pedro II, conforme indica Dória:
Concedia o Decreto 16.782-A equiparação ao Pedro Segundo, mediante condições, aos estabelecimentos de ensino secundário oficialmente mantidos pelos Estados. (...) A estabelecimentos de ensino particular, de sede, poderia ser concedida a faculdade da obtenção de juntas examinadores para diferentes anos do curso secundário. Entre as condições para a concessão se enumerava a de provar o estabelecimento manter corpo docente idôneo, observando nos seus cursos programa igual ao do Pedro Segundo. (DÓRIA, 1997, p. 225 -226)
Tal Reforma providenciou ainda o desmembramento das cadeiras de Física e
Química, uma vez que esse ensino fora até o momento realizado de forma conjunta, em uma
única cadeira ministrada pelo mesmo professor catedrático, conforme estabelecia o
programa de aulas em seu Decreto de criação:
Art. 3° Neste colllegio serão ensinadas as linguas latina, grega, franceza, ingleza, rhetorica e os principios de geographia, historia, philosophia, zoologia, mineralogia, botânica, chimica e physica, arithmetica, algebra, geometria e astronomia. (COLÉGIO PEDRO II, 1914, p.44)
Sampaio (2004, p.37) indica que, em 1838, as disciplinas eram reunidas na cadeira
de Ciências Físicas e aponta que, enquanto a disciplina Latim contava um total de 50 lições,
Física e Química apresentavam apenas 6 lições e que o desmembramento da cadeira de
Física e Química conferia maior grau de relevância ao ensino das Ciências.
Em 1926, foi nomeado como diretor efetivo do Externato o Professor Euclides Roxo,
no cargo como interino desde a Reforma Rocha Vaz, em 1925. A ele coube a realização das
comemorações pelo centenário de nascimento de D. Pedro II, sendo inaugurada nessa
ocasião placa comemorativa ao centenário do patrono.
Dória (1997, p.240) afirma que no ano de 1929 o número de matriculados no colégio
era tal que necessitava a criação de turmas suplementares. Ainda segundo o autor, o edifício
do Externato não sustentava mais as necessidades educacionais e os horários de aula não
permitiam a criação de novas turmas, passando o Externato por algumas obras de
adaptação e remodelação. Em meio a essas necessidades, em 1930, com a Revolução que
pôs no poder o Presidente Getúlio Vargas, parte das instalações do Externato foi
transformada em quartel, espectro do que ocorrera em 1818.
Nas décadas seguintes, o Brasil passou por transformações econômicas que não
poderiam ser ignoradas no campo educacional, o país vislumbrava um crescimento baseado
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na economia industrial e esse desenvolvimento ocasionou, segundo Nunes (1992, p.35-36),
um desequilíbrio entre o ensino primário e o secundário para as distintas classes sociais.
Para a autora o ensino brasileiro não estava preparado para o desenvolvimento econômico e
industrial que se seguiram.
Dessa forma, fez-se necessária mais uma Reforma Educacional, dessa vez com o
Decreto 21.241/32 de Francisco Campos, primeiro ministro à frente do Ministério da
Educação, recém criado em 11 de abril de 1931. Nesse momento, dividiu-se o ensino
secundário em Curso Ginasial e Curso Complementar, esse último com duração de dois
anos, para especialização, preparava para o Ensino Superior, dividido em três campos:
jurídico, médico e politécnico.
No que se refere ao Colégio Pedro II, o Decreto 21.241/32 regulou o reinício de suas
atividades sendo definidos, no texto da nova lei, os requisitos para a equiparação de outros
colégios a ele, envolvendo instalações, material didático, ensino, corpo docente e
administrativo.
Quanto ao currículo, as disciplinas do ciclo fundamental ficariam divididas em
Desenho e Música, Português, Francês, Inglês, Latim, Alemão (facultativo), História,
Geografia, Matemática, Ciências Físicas e Naturais, depois desdobradas em Física, Química
e História Natural. No curso complementar, as variações se davam de acordo com as áreas,
assim constituídas:
Pré-Jurídico: Latim, Literatura, História, Noções de Economia e Estatística, Biologia Geral,
Psicologia e Lógica, Geografia, Higiene, Sociologia e História da Filosofia;
Pré-médico: Alemão e Inglês, Matemática, Física, Química, História Natural, Psicologia e
Lógica e Sociologia;
Pré-politécnico: Matemática, Física, Química, História natural, Geofísica e Cosmografia,
Psicologia e Lógica, Sociologia e Desenho. (NUNES, 1992, p.50)
De acordo com a mesma autora (1992, p.67), esta foi a última reforma a colocar, no
corpo da lei, menção ao Colégio Pedro II como padrão de ensino para o país. Entretanto, a
demanda por vagas era crescente e, em 1933, foi criado o curso noturno no Colégio.
Em meio às comemorações pelo seu centenário de fundação, em 1937, as condições
físicas do Externato não suportavam mais o crescimento da demanda por vagas, quando
ocorreu sua fusão com o Internato, o que demandou outras obras de adaptação. Para Nunes
esse fato atuou como renovação do prestígio do colégio no final da primeira fase da Era
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Vargas. A fusão significou que outras turmas seriam abertas no edifício onde funcionava o
Internato em regime de externato.
Em 1942, a Lei orgânica do Ensino Secundário 4244/42 deixa de mencionar o
Colégio Pedro II como Colégio Padrão, Nunes afirma que, entretanto, a lei não elimina “a
idéia de dar uniformidade ao ensino no país” e que “a idéia era balizar na própria lei toda a
direção do trabalho educativo como instrumento do estado na constituição da base
ideológica que forma a nação”. (NUNES, 1992, p.74)
O governo apresentava o ensino brasileiro como criação do Estado e, dessa forma,
um Colégio proveniente do Império não seria o modelo de educação a ser seguido pelo
regime, os colégios deveriam seguir as instruções que o governo deliberava tendo suas leis
como padrão para o ensino no país.
O ensino no Colégio Pedro II não enfraqueceu, extra-oficialmente continuou sendo
modelo educacional, uma vez que se encontrava na esfera do poder federal. Na década de
1950, a grande procura por vagas obrigou os dirigentes a ampliar suas instalações. Das
duas unidades existentes até aquele momento, o Externato e o Internato, seguiram-se novas
unidades, a Seção Norte, no Humaitá, e a Seção Sul, no Engenho Novo, ambas em 1952, e
um pouco mais tarde, em 1957, a Seção Tijuca.
As novas seções tiveram tamanho reconhecimento na sociedade que, a partir de
1979, as antigas seções passaram a ser denominadas Unidades Escolares. Cada Unidade
levava o nome do bairro onde estavam instaladas, da maneira seguinte: o Externato passou
a denominação de Unidade Centro, o Internato a Unidade Escolar São Cristóvão, a Seção
Norte a Unidade Escolar Engenho Novo, a Seção Sul a Unidade Escolar Humaitá e a Seção
Tijuca, a Unidade Escolar Tijuca.
Atualmente, o Colégio Pedro II possui seis unidades escolares na cidade do Rio de
Janeiro, no Centro, em São Cristóvão, no Humaitá, na Tijuca, no Engenho Novo e em
Realengo, além das unidades de Niterói e de Duque de Caxias, criadas já nos anos 2000.
A Unidade Centro guarda ainda seus amplos corredores e salas, sua arquitetura
imponente cravada no centro da cidade do Rio de Janeiro, despertando ainda memórias e
sonhos de um futuro promissor aos que lá ainda estudam. Essa mesma unidade possuiu
Gabinetes de Física, Química, Biologia e Geografia. Esses laboratórios estiveram fechados
por anos, uma parte tendo sido reformada, porém alguns de seus objetos lá foram mantidos
armazenados durante esse longo período.
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A seguir, serão apresentados dados referentes ao Laboratório e Gabinete de Física,
focando em seus objetos, que eram utilizados em aulas demonstrativas, como foram
utilizados e o atual estado de conservação de equipamentos tão modernos para a época e
que hoje contribuem para afirmar a história de uma instituição que estava à frente de seu
tempo.
O LABORATÓRIO DE FÍSICA
A criação do Colégio Pedro II proporcionou um salto na questão do ensino no Brasil,
sendo sua grade curricular baseada no modelo educacional similar ao modelo Europeu da
época.
No que se refere ao ensino da Física no país, Sampaio (2004, p.31-32) indica que
academias militares e escolas de medicina foram os primeiros centros a se dedicarem ao
estudo do tema no Brasil e afirma ainda ter sido “a inauguração do Colégio Pedro II o
primeiro passo na mudança do ensino secundário brasileiro (...), na valorização dos estudos
científicos”.
De acordo com Sampaio (2004, p.13), no período de 1838 até 1869, “a Física foi
apresentada de uma forma distinta da caracterização como disciplina científica”, para a
autora os métodos de ensino não contemplavam dados necessários à sua compreensão e,
dissociados do conteúdo matemático, não correspondiam à necessidade de aplicação da
disciplina.
Desde a primeira turma do Colégio Pedro II, em 1838, o ensino da Física esteve
ligado ao da Química, conjugados em uma mesma cadeira classificada como Ciências
Naturais. A autora indica que “a carga horária destinada ao conteúdo de Química e Física
era proporcionalmente menor que outras cadeiras, principalmente as da área das
Humanidades” (SAMPAIO, 2004, p.37) e que, sem muitos avanços na questão educacional,
apenas em 1870 teve sua carga horária aumentada passando a serem oferecidas também
nos dois últimos anos letivos.
As primeiras referências encontradas sobre o gabinete de Physica e Chimica do
Colégio Pedro II constam de um relatório apresentado pelo Diretor Dr. Carlos de Laet6,
6 O professor Carlos Maximiniano Pimenta de Laet foi diretor do Colégio Pedro II, Externato e Internato, de 14 de fevereiro de 1917 até 1925.
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apenas em 1919, onde relata “que coube ao Gabinete de physica e chimica do Internato a
importancia de 12:500$000, para sua reorganização (...). Igual quantia foi, tambem,
consignada ao Gabinete de physica e chimica do Externato (...)” (LAET, 1920, p.141).
Em seu relatório anual de 1920 apresenta que “do saldo de 2:213$415, constante do
relatório de 1919, foi consumida em 1920 a importância de 1:195$965.” (LAET, 1921, p.88),
e no de 1921 que:
Dos saldos de 1920 foram mandados applicar 2:499$462 para continuar o serviço de remodelação deste gabinete. O gabinete de physica e chimica do Externato consumiu até 31 de março de 1922 a importância de 14:936$335. Das verbas que foram consignadas para tal serviço existe o pequeno saldo de 63$127. (LAET, 1922, p.85).
Já no relatório de 1923 Laet aponta que:
(...) no anno proximo findo arrefeceu um pouco a actividade com que alguns Snrs. Professores se vinham esforçando para concluirem a remodelação dos seus gabinetes. O gabinete de physica e chimica do Externato a quem coube, dos saldos de 1922, a importancia de 10:000$000 para reforço da competente verba, gastou 3:393$000 (...). O saldo da verba deste gabinete é de 6:607$000. Está pendendo ainda do voto da Congregação se a este gabinete devem ser concedidos os 8:000$000 que a Commissão de Finanças entendeu distribuir por conta dos saldos de 1923, como reforço da verba de sua remodelação. (LAET,1924, p. 73)
Com base nos relatórios apresentados pelo Diretor Laet referentes aos anos de 1919,
1920, 1921, 1922 e 1923, destaca-se a iniciativa apontada por ele, da parte dos professores
em remodelar os laboratórios de ensino de suas disciplinas, o que indica o empenho dos
catedráticos de physica e chimica em implantar melhorias no ensino de sua área de atuação.
Porém, no ano de 1922, esses mesmos professores não indicavam mesmo ardor que
nos anos anteriores, possivelmente por não terem obtido sucesso na busca pela separação
dessas disciplinas, fato apresentado pelo Diretor em seu relatório de 1919 e destacado
Sampaio:
No relatório de 1919 apresentou os principais assuntos tratados pela Congregação em 28 de fevereiro daquele ano. Dentre eles, foi discutida a questão da separação das disciplinas e “houve uma votação e foi rejeitado o desdobramento da cadeira de Physica e Chimica por (9x6) (2004, p.101).
Apenas no ano de 1925, devido à Reforma Rocha Vaz7, ocorreu o desdobramento as
disciplinas Física e Química e as áreas obtiveram um maior desenvolvimento na abordagem
educacional com avanços mais significativos.
7 Segundo Corrêa (2004, p.7) a Reforma Rocha Vaz, em 1925, tentou romper com a idéia dos preparatórios ou parcelados, deixando, como única opção educativa, o modo de ensino seriado, e forçando a continuidade e a
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Ao ensino teórico das disciplinas, foi então acrescentada a questão do ensino prático,
a necessidade de modernização da didática e com isso a efetiva montagem de seus
laboratórios próprios.
Dória indica que no período de 1925 os professores já solicitavam que fosse
adicionado o ensino prático da Física ao ensino teórico e aponta:
Crédito de 150 contos votado pelo Congresso para os gabinetes de ciências físicas e naturais, permitiu em 1927, no Externato, aparelhar os gabinetes de Física e Química. Sensivelmente alargado, o primeiro ficou possuidor do que requer o ensino moderno da Física, podendo, segundo o diretor Roxo, sofrer confronto com qualquer estabelecimento congênere nacional ou estrangeiro. Ao professor Dodsworth, aos seus esforços, ficou devendo a cadeira de Física do Externato importantes melhoramentos materiais, uma das salas do gabinete tendo recebido o nome daquele professor. (DÓRIA, 1997, p. 235)
Dessa forma, o laboratório de Física do Colégio Pedro II foi equipado com o que
havia de mais moderno na época, aparelhos sofisticados que, empregados no ensino da
ciência física, provavelmente, proporcionaram anos de aprendizado experimental de
qualidade para os que por lá puderam estudar.
Sob a direção do Professor Roxo8, como consta em seu relatório referente aos anos
de 1927 e 1929, foram equipados os laboratórios de Física, Química, Geografia, e História
Natural, também sendo realizadas obras em suas dependências. Quanto às obras na Sala
de Física no ano de 1927, expõe a “(...) collocação de uma mesa pintada de branco com 4
roldanas;”. (ROXO, 1930, p.106)
Entretanto foi apenas no ano de 1929 que o Laboratório de Física passou por uma
grande aparelhagem contando ainda com mais obras para sua estruturação. Conforme
indica o diretor Roxo em seu Relatório. As obras realizadas para adaptação do novo
Gabinete de Física remodelaram as dependências do antigo Gabinete de Historia Natural.
A seguir, nas Figuras 4 e 5, serão apresentadas imagens que caracterizam o
Laboratório de Física em 1929.
articulação dos estudos obrigatórios. A reforma propôs que o currículo preparasse o aluno para a vida e não para o ensino superior e ainda instituiu bancas examinadoras de composição idônea. 8 O professor Euclides de Medeiros Guimarães Roxo foi diretor do Externato do Colégio Pedro II de 1925 até 1930.
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Figuras 4 e 5 - Gabinete de Física: Sala de Trabalhos práticos dos alunos (1929) e Sala de depósito dos aparelhos (1929).4
O laboratório de Física do Colégio Pedro II foi aparelhado considerando-se, segundo
Roxo (1930, p.117), “as necessidades do ensino moderno”, o diretor indica que as
orientações seguidas seriam no sentido de proporcionar uma observação mais direta dos
fenômenos e um maior aproveitamento de sua compreensão por meios experimentais, de
forma a despertar no aluno o que ele designa como “uma actividade pesquizadora (...), de
acordo com a materia ensinada”.
4 ROXO, Euclides de Medeiros Guimarães. Relatório concernente aos anos letivos de 1927 a 1929: apresentado ao Exmo. Sr. Diretor Geral do Departamento Nacional do Ensino pelo Prof. Euclides de Medeiros Guimarães Roxo. Rio de Janeiro: Colégio Pedro II, 1930, p.109-116.
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Para realizar o pretendido, o Colégio Pedro II contava com verbas destinadas
unicamente com o fim de equipar os Gabinetes de “Sciencias Physicas e Naturaes”, sendo
preparada para o Gabinete de Física uma área total de 300m2.
Roxo (1930, p.118) aponta que o material para equipar o laboratório foi todo adquirido
por concorrência pública e que a maioria viria da Alemanha e Estados Unidos.
Para que esses objetos fossem cuidadosamente tratados, o Colégio promoveu,
segundo Dória (1997, p.244), concurso para o cargo de Laboratorista, este estaria incumbido
de promover os cuidados exigidos no trato do material utilizado nas aulas.
Após o período de constituição do Laboratório de Física, não foram encontrados
registros que indiquem a época em que o espaço deixou de ser utilizado regularmente,
porém sabe-se que o último laboratorista a se aposentar trabalhou até o final da década de
1980, não tendo sido contratado outro para o cargo.
Brasil (2009, p.29) informa que o Laboratório de Física do Colégio Pedro II
encontrava-se fechado a mais de 10 anos “como um espaço para experimentação dos
objetos pelos alunos”, ela também se refere à figura do Laboratorista e atribui a desordem e
o abandono do laboratório a essa ausência.
Hoje, na falta deste profissional, o laboratório se encontra em desordem, sendo o espaço usado esporadicamente para aulas de reforço em Física. Alguns professores ainda fazem uso de objetos a título de demonstração em salas de aula. (BRASIL, 2009, p. 29)
Atualmente, o Laboratório de Física da Unidade Centro do Colégio Pedro II encontra-
se dividido em 3 salas - espaços básicos, um banheiro, uma pequena sala de depósito e
uma última sala que possui uma pia.
A primeira sala do Laboratório de Física na planta baixa do Colégio é identificada por
“Gabinete de Física” e possui três portas de acesso às outras salas, duas delas para a sala
de trabalhos e guarda dos objetos e uma porta para uma sala à frente. Essa primeira sala
possui piso de tacos e as paredes cobertas com azulejos brancos até 2m, acima possui
pintura a tinta na cor creme e teto na cor branca. A segunda sala permanece fechada, tendo
o mesmo tamanho da primeira, assim como os mesmos pisos, acabamentos de paredes e
teto.
A terceira sala é a de maiores dimensões e identificada na planta baixa por
“Laboratório de Física”. É nela que se localizam uma primeira área destinada aos trabalhos e
Coleções Científicas Luso-Brasileiras: patrimônio a ser descoberto
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uma segunda à guarda dos objetos. Esta sala possui piso de cimento, paredes recobertas
por azulejos até a altura de 2m, 4 janelas de madeira voltadas para a rua e 6 portas de
acesso para outras salas adjacentes.
Ao entrar na primeira sala é possível visualizar os antigos armários de ferro citados
pelo professor Roxo em seu relatório de 1929. Toda a área é destinada à guarda dos
objetos, com cinco fileiras de armários que formam corredores. As Figuras 6 e 7 mostram
imagens atuais dessa sala.
Figuras 6 e 7 - Imagens atuais da sala com antigos armários e janela ao fundo. (Fotos: Marcela de Almeida Ferreira)
Uma visita ao laboratório de Física impressiona o visitante pelas suas dimensões
grandiosas e pela quantidade de objetos e materiais ali localizados.
CARACTERIZAÇÃO DO CONJUNTO DE OBJETOS
A grande maioria dos objetos encontrados no Laboratório de Física do Colégio Pedro
II é de procedência alemã. Entre os fabricantes identificados a presença marcante de uma
determinada marca – Max Kohl A.G., da cidade de Chemnitz. Objetos de diversas categorias
foram fabricados e encomendados a essa fábrica. Outros fabricantes alemães como E.
Leybold’s Nachfolger A.G, Phywe, Carl Zeiss, Ernest Leitz são alguns exemplos. As fábricas
alemães eram localizadas principalmente nas cidades de Chemnitz, Göttingen, Jena e
Berlim.
A presença de objetos de fabricantes alemães no Brasil ocorre após a Alemanha ter
concluído sua unificação política em 1817. O país industrializou-se aceleradamente,
Coleções Científicas Luso-Brasileiras: patrimônio a ser descoberto
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equiparando-se à Inglaterra no início do século XX. Em 1914, a produção alemã de ferro e
aço dominou mercados anteriormente ingleses e franceses e sua indústria química e
manufaturada de instrumentos científicos liderava a produção mundial.
Contudo, a coleção do Laboratório de Física do Colégio Pedro II não é formada
apenas por fabricantes alemães. Em menor escala, existem ainda objetos de origem
francesa como Maison J. Salleron; Jules Duboscq; Chales-Chevalier e Les Fils & Deyrolle e
de outras origens com a italiana La Filotecnica e a americana E. Edelmann & Company. As
fábricas francesas em Paris e as demais em Milão, New Jersey e Chicago.
São poucos os fabricantes franceses, mesmo porque no final do século XIX e início
do XX as fábricas alemãs exportavam bem mais objetos de ensino para outros países. E o
Laboratório de Física é um exemplo disso.
O ato de colecionar, guardar e preservar faz parte do instinto do ser humano e,
graças a essa prática, pode-se estudar o passado e saber qual o caminho percorrido pela
humanidade.
Com o surgimento das primeiras sociedades letradas, surgiram também os primeiros
espaços dedicados a guardar e conservar documentos e objetos. Esses itens passaram
então a representar uma realidade passada. A sociedade acompanhou esse processo e
começou a perceber a relação existente entre o acervo, que lhe despertava fascínio e
curiosidade, e a formação de uma memória social.
Brenni (2007, p.168) faz uma breve reflexão a respeito da obsolescência que
proporcionou, no século XX, o desuso dos instrumentos didáticos adquiridos por “escolas,
colégios, universidades, observatórios, laboratórios, politécnicos, institutos de pesquisa e
institutos técnicos”. Segundo o autor, no início do século XX, os materiais utilizados para a
fabricação desses objetos, geralmente ferro, madeira, vidro e latão, foram substituídos em
decorrência da modernização alcançada após a Segunda Guerra Mundial. Exemplifica que,
enquanto eram fabricados com os mesmos materiais, o mesmo instrumento era utilizado por
anos ou até um século, sendo necessário realizar apenas alterações com o objetivo de
modernizá-lo para por novamente em uso.
Porém com as grandes transformações tecnológicas, a fabricação desses objetos
passou a utilizar materiais modernos como o alumínio e os plásticos, ocasionando uma
revolução. Conforme dispõe Brenni no trecho selecionado a seguir:
Coleções Científicas Luso-Brasileiras: patrimônio a ser descoberto
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Em um breve intervalo temporal, as escolas, as universidades, os institutos científicos, os observatórios se viram na situação de dispor de uma grande quantidade de instrumentos obsoletos: inúteis para a pesquisa, inadequados para o ensino e, ao mesmo tempo, não tão antigos para serem considerados dignos de interesse histórico. (BRENNI, 2007, p. 168)
Os objetos de ensino presentes no Laboratório de Física do Colégio Pedro II foram
adquiridos no inicio do século XX e, provavelmente, tornaram-se obsoletos em um período
relativamente curto. Sobre esse período Brenni, aponta que na Europa,
Até o final da década de 1970, era possível encontrar coleções de instrumentos científicos do século XIX sendo vendidas para antiquários ou, pior, como sucata pelo preço do quilo do metal. As perdas foram grandes. Em outros casos, os instrumentos foram armazenados em porões úmidos ou poeirentos, deteriorando-se lentamente. Na Itália, muitas coleções se salvaram da destruição, não pela sensibilidade de seus responsáveis, mas porque era mais simples abandona-las num depósito do que enfrentar o longo entrave burocrático necessário para alienar bens pertencentes a órgãos públicos. (2007, p.168)
No Brasil possivelmente pode ter ocorrido o mesmo, sendo que no laboratório de
Física do Colégio Pedro II a conservação dos objetos manteve-se devido à presença do
Laboratorista, figura responsável, até a década de 1980, por conservar todo o Laboratório e
controlar a utilização de seus objetos em aula pelos professores.
A recuperação desse espaço, desses objetos e, conseqüentemente, de vestígios
materiais da memória do ensino no período, se mostra necessária por seu caráter único.
Todo esforço para integrá-los a uma proposta que tenha o objetivo de preservar seu conjunto
de objetos e do próprio laboratório será válida para que esses objetos possam vir a constituir
uma fonte organizada para a pesquisa. (GRANATO, 2004)
Esse conjunto de objetos permaneceu anos sob os cuidados do Laboratorista,
praticamente abandonado e chegou até o século XXI sem maiores alterações, apesar de,
provavelmente, ter sido objeto de descarte ou perda.
Os laboratórios do Colégio Pedro II foram equipados com materiais e objetos
adquiridos para o ensino das disciplinas. O laboratório de Física, hoje resumido praticamente
em uma única sala, a de guarda, no piso inferior do prédio, possui um rico acervo de
materiais e objetos de ensino que possuem relevante valor como indícios da cultura material
da escola.
Atualmente, o Museu de Astronomia e Ciências Afins, juntamente com o Museu de
Ciências da Universidade de Lisboa, está empenhado em desenvolver o Projeto Thesaurus
Coleções Científicas Luso-Brasileiras: patrimônio a ser descoberto
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de Acervos Científicos em Língua Portuguesa. A fim de coletar os termos que identificam os
diferentes acervos científicos o projeto conta com a participação de instituições variadas,
como as que possuem objetos ou coleções de interesse científico, entre elas o Colégio
Pedro II, mais especificamente o Laboratório de Física. No desenvolvimento do projeto, a
equipe do MAST percebeu a necessidade de auxiliar o Colégio Pedro II na preservação do
conjunto de objetos históricos ali existentes. Assim, foi realizado um trabalho prévio de cópia
das fichas de registros antigas, localizadas num arquivo no próprio laboratório, para uma
primeira orientação. Verificou-se a existência de uma classificação, em categorias, dos
objetos, que permitiu seguir uma ordem e; além disso, foi elaborada uma ficha técnica
específica para a realização do inventário.
Entre o material existente no laboratório destaca-se o conjunto significativo de objetos
de estudo produzidos nas décadas iniciais do século XX. Um total de 738 objetos foi
inventariado nesse Laboratório. Os objetos foram encontrados armazenados nos dez
grandes armários de ferro e portas de vidro, do início do século XX, situação que não os
protegeu da poeira que tomava toda a sala.
Na grade sala de 115m2 tiveram início os trabalhos de registro e higienização que
foram seguindo a ordenação existente nas fichas de registro do próprio colégio, que
dispunha o conjunto da seguinte forma:
Armário 1 - Ótica, Armário 2 - Mecânica e Barologia, Armário 3 - Acústica, Armário 4 - Eletricidade, Armário 5 - Mecânica e Barologia, Armário 6 - Ótica, Armário 7 - Termologia, Armário 8 - Termologia, Armário 9 - Ótica e Armário 10 - Eletricidade. (BRASIL, 2009, p.10)
Apesar da aparente ordenação, que conta inclusive com fichas indicando a classe a
que se refere o armário, os objetos foram encontrados em locais diferentes da sua
classificação e muitas vezes amontoados e desmontados. Desde 2007 esse conjunto de
objetos vem sendo inventariado e foram dentificados: 124 objetos no armário de Ótica
(Figura 8), 140 objetos nos armários de Termologia e 152 objetos nos armários de Mecânica
e Barologia. (BRASIL, 2009, p.10-12). Em outros relatórios consta um quantitativo de 160
objetos no armário de Eletricidade e de 37 no armário de Acústica. No relatório apresentado
não existem referências sobre o quantitativo dos objetos de Termologia e Eletricidade
Coleções Científicas Luso-Brasileiras: patrimônio a ser descoberto
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Figura 8 - Organização de dois Armários de Ótica. (Foto: Marcela de Almeida Ferreira)
A identificação desses objetos foi realizada seguindo as especificações de uma ficha
de inventário, elaborada para atender ao Projeto Thesaurus de Acervos Científicos em
Língua Portuguesa.
Marta Lourenço afirma que:
Na sua maioria, os objectos históricos foram utilizados, numa “vida anterior”, num contexto de prática científica e/ou de ensino. Tendo em conta que cientistas e professores utilizam os objectos, em geral, num contexto de experimentação, quando o objecto histórico é incorporado num museu, existe uma perda de função: ele passa a um estado de imobilidade, com o objectivo de documentar a realidade da qual foi separado. (2000, p. 46)
Contudo, apesar de o conjunto de objetos estudados encontrar-se abrigado ainda no
mesmo laboratório em que foi utilizado, está sem utilização, depositado nos armários e
excluído do mundo, dos usos possíveis. Esses objetos estão subtraídos de suas funções
originais, o que os priva do seu contexto original.
Certamente que esses objetos foram criados com uma finalidade e que hoje estão
depositados fora da perspectiva desse mesmo uso, porém um olhar museológico sobre esse
conjunto proporciona uma re-significação, ao serem tratados como objetos de ciência e
tecnologia, artefatos de estudo para a história da ciência e do ensino.
Ao se encerrarem as aulas práticas e com a obsolescência dos equipamentos, por
falta de recursos para que fossem modernizados, o Laboratório permaneceu sem inovações.
Coleções Científicas Luso-Brasileiras: patrimônio a ser descoberto
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Em 2007, quando tiveram início os trabalhos de pesquisa, preservação e tratamento técnico
dos objetos, o laboratório não apresentava procedimentos necessários para a conservação
desses objetos.
É importante destacar, porém, que esses objetos não foram subtraídos de seu
contexto de forma proposital. Eles simplesmente foram esquecidos. Diferentemente das
coleções museológicas que são formadas por uma escolha que segue um critério e que
determina a mudança de status do objeto, no caso do conjunto do Laboratório de Física, não
há uma intenção de preservação, há apenas o esquecimento. O trabalho que está sendo
realizado pela equipe do MAST não assegura a sua preservação, mas contribui para isso.
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BRENNI, Paolo. Trinta anos de atividades. Instrumentos científicos de interesse histórico. In. ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de (org.). Caminho para as estrelas: Reflexões em um Museu. Rio de Janeiro: MAST , 2007. p.162-179.
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_____________. Relatório concernente ao ano letivo de 1920: apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Justiça e Negócios Interiores pelo Dr. Carlos de Laet. Rio de Janeiro: Colégio Pedro II, 1921.
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Coleções Científicas Luso-Brasileiras: patrimônio a ser descoberto
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