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O Credo do Físico Inocente Os principais dogmas, e as críticas do filósofo da ciência Mário Bunge seguem conforme o decálogo: 1) A observação é a fonte e a preocupação do conhecimento físico. Bungue comenta que o primeiro postulado, o qual converteria a observação na fonte e no objeto do conhecimento físico, é em parte verdadeiro. Não haveria dúvida de que a observação forneceria algum conhecimento rudimentar. Mas até mesmo o conhecimento comum iria muito além da observação quando postula a existência de entidades inobserváveis, como o interior de um corpo sólido e as ondas de rádio. E a física iria ainda mais longe inventando ideias que ela possivelmente não poderia extrair da experiência, como o conceito de elétron. Em resumo, seria falso que a observação seria a nascente da cada item do conhecimento físico. 2) Não há mais realidade do que o conjunto de experiências humanas. Esse axioma prescindiria do conceito de realidade, segundo Bunge. No mínimo tentaria colocar a realidade entre parênteses. Até a era do operacionalismo, todo físico pensava manipular coisas reais ou tendo ideias a respeito destas. É o que ele faz quando trabalha, não quando filosofa. Sem dúvida a física não exclui o conceito de realidade, mas o restringe ao nível físico, deixando às outras ciências a tarefa de investigar outros níveis. Embora experiências de vários tipos sejam necessárias para comprovar nossas ideias físicas, elas não constituem o referente destas. O referente pretendido de qualquer ideia física é a coisa real. Se acontecer que esta coisa particular não seja real, tanto pior para ela, segundo Bunge. 3) As hipóteses e teorias da física não passam de experiência condensada, sínteses indutivas de itens experienciais. Bunge argumenta que é verdade que muitos enunciados gerais são sínteses indutivas ou sumários de dados empíricos. Mas é falso que toda a ideia física geral seja formada por indução a partir de experiências individuais e observações. Quase todas as fórmulas da física teórica conteriam conceitos teóricos que se acham afastados da experiência imediata e acabam sugerindo novas observações e experimentos. 4) As teorias físicas não são criadas, mas descobertas: elas podem ser discernidas em conjuntos de dados empíricos, como em tabelas de laboratório. A especulação e a invenção quase não desempenham papel algum na física. A falsidade dessa tese, para Bunge, seguiria a falsidade do postulado três. Se as teorias são sínteses indutivas, então elas não são criadas, mas formadas por aglomeração de particulares empíricos. Mas, segundo Bunge, nenhuma teoria física

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O Credo do Físico Inocente

Os principais dogmas, e as críticas do filósofo da ciência Mário Bunge seguemconforme o decálogo:

1) A observação é a fonte e a preocupação do conhecimento físico.

Bungue comenta que o primeiro postulado, o qual converteria a observação nafonte e no objeto do conhecimento físico, é em parte verdadeiro. Não haveria dúvidade que a observação forneceria algum conhecimento rudimentar. Mas até mesmo oconhecimento comum iria muito além da observação quando postula a existência deentidades inobserváveis, como o interior de um corpo sólido e as ondas de rádio. E afísica iria ainda mais longe inventando ideias que ela possivelmente não poderiaextrair da experiência, como o conceito de elétron. Em resumo, seria falso que aobservação seria a nascente da cada item do conhecimento físico.

2) Não há mais realidade do que o conjunto de experiências humanas.

Esse axioma prescindiria do conceito de realidade, segundo Bunge. Nomínimo tentaria colocar a realidade entre parênteses. Até a era do operacionalismo,todo físico pensava manipular coisas reais ou tendo ideias a respeito destas. É o queele faz quando trabalha, não quando filosofa. Sem dúvida a física não exclui oconceito de realidade, mas o restringe ao nível físico, deixando às outras ciências atarefa de investigar outros níveis. Embora experiências de vários tipos sejamnecessárias para comprovar nossas ideias físicas, elas não constituem o referentedestas. O referente pretendido de qualquer ideia física é a coisa real. Se acontecerque esta coisa particular não seja real, tanto pior para ela, segundo Bunge.

3) As hipóteses e teorias da física não passam de experiência condensada,sínteses indutivas de itens experienciais.

Bunge argumenta que é verdade que muitos enunciados gerais são síntesesindutivas ou sumários de dados empíricos. Mas é falso que toda a ideia física geralseja formada por indução a partir de experiências individuais e observações. Quasetodas as fórmulas da física teórica conteriam conceitos teóricos que se achamafastados da experiência imediata e acabam sugerindo novas observações eexperimentos.

4) As teorias físicas não são criadas, mas descobertas: elas podem ser discernidasem conjuntos de dados empíricos, como em tabelas de laboratório. A especulaçãoe a invenção quase não desempenham papel algum na física.

A falsidade dessa tese, para Bunge, seguiria a falsidade do postulado três. Seas teorias são sínteses indutivas, então elas não são criadas, mas formadas poraglomeração de particulares empíricos. Mas, segundo Bunge, nenhuma teoria física

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jamais resultou da contemplação das coisas ou mesmo dos dados empíricos – todateoria física tem sido a culminação de um processo criativo que ultrapassa de muitoos dados à mão.Isso é assim porque toda teoria contém conceitos que não ocorremnos enunciados experimentais pertinentes a ela, mas também porque, fornecido umconjunto de dados, há um número ilimitado de teorias que pode responder por eles.

Bunge explica que as teorias não são fotografias, elas não se assemelhariam aseus referentes, mas seriam construções simbólicas erigidas em cada época com aajuda dos conceitos disponíveis na época.

5) O objetivo das hipóteses e teorias é sistematizar uma parte do repertóriocrescente da experiência humana e prever possíveis experiências novas. Em casoalgum se deve querer explicar a realidade; e muito menos tentar apreenderelementos essenciais.

Bunge diz que esse postulado é relativo à meta das ideias da física, que seriaunilateral e pressuporia que houvesse apenas uma única meta. A fim de explanaralgo, cumpre deduzi-lo, e a dedução exige premissas que vão além daquilo que estásendo explicado e tais premissas são outras tantas hipóteses contenedoras deconceitos teóricos. Há propriedades essenciais ou básicas, como massa e carga, quegeram várias outras propriedades e há igualmente padrões básicos ou essenciais queenvolvem algumas daquelas propriedades originais, como num construto em formade rede.

6) As hipóteses e teorias que incluem conceitos que não provenham daobservação, como os do elétron e do campo, não têm conteúdo físico: são meraspontes matemáticas em meio a observações reais ou possíveis. Esses conceitostransempíricos, portanto, não se referem a objetos reais, porém imperceptíveis,sendo apenas auxiliares desprovidos de referência.

Bunge nos fala que esse postulado é comum ao convencionalismo,pragmatismo e operacionalismo e que se adotado, a maioria dos referentes da teoriafísica seriam postos de lado e ficaríamos apenas com cálculos vazios. Se uma teorianão versa sobre uma classe de sistemas físicos, então ela não se qualificaria comouma teoria física.

7) As hipóteses e teorias da física não são mais ou menos verdadeiras ouadequadas: posto que correspondem a itens que existem nãoindependentemente, são apenas modos mais ou menos simples e efetivos desistematizar e enriquecer nossa experiência mais do que componentes de umretrato do mundo.

De acordo com Bunge, esse conceito procuraria eliminar o conceito deverdade (retrato do mundo), e decorreria das teses convencionalistas. Tal doutrinanão se enquadraria na prática do físico. Tanto o físico teórico como o experimentalempregam o conceito de verdade.

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8) Cada conceito importante tem que ser definido. Por conseguinte, tododiscurso bem organizado deve começar pela definição de seus termos chave.

Bunge considera esse postulado um absurdo. Segundo Bunge, todo conceito,se definido, é construído de tal maneira em termos de outros conceitos, que algunstêm de permanecer não definidos. Uma teoria bem edificada não começaria por ummaço de definições mas, antes, com uma lista de conceitos não definidos ouprimitivos. Daí que, segundo Bunge, seria errôneo esse postulado, ao qual, tantosmanuais de ensino tentariam ajustar-se.

9) O que atribui significado é a definição: um símbolo não definido não possuisignificado físico e, portanto, só pode ocorrer em física como auxiliar.

Para Bunge, o que atribui um significado a um símbolo físico básico não seriauma definição, mas toda uma teoria com três ingredientes: os pressupostos físicos,semânticos e matemáticos. Caso se verificasse que uma é falsa, seus elementosprimitivos ainda conservariam um significado definido, mas se tornariam inúteis(logicamente válida mas falsa).

10) Um símbolo adquire significado físico através de uma definição operacional.Tudo o que não seja definido em termos de possíveis operações empíricas é doponto de vista físico algo sem sentido e deve, portanto, ser abandonado.

Seja o símbolo “E”. Na física esse símbolo designa um conceito que seria aintensidade do campo elétrico. Na verdade pode acontecer que não existam camposeletromagnéticos, pois esse símbolo se origina de uma hipótese, assim como oconceito de elétron. Esse último dogma sustentaria que “E” adquire um significadofísico somente quando se prescreve um procedimento para medir valores de E. Masisso seria impossível, segundo Bunge, pois as mensurações que possibilitamoperações não atribuem significados, apenas os pressupõe e além disso, as medidasdo valor “E” são sempre indiretas. A crença de que existe uma definiçãooperacional, segundo Bunge, é uma confusão elementar entre definir (uma operaçãopuramente conceitual, além disso uma operação que não ocorre aos conceitosbásicos) e medir (uma operação que é não só empírica, mas também conceitual)

Assim se encerra a crítica de Bunge ao que ele chama de “Credo FísicoInocente”. Bunge não revela a fonte do decálogo que esse credo origina, e concluique na extensão em que sua crítica se justifica, a filosofia feita de um modo explícitopoderia ser útil para levantar algo da cerração que paira sobre a física.

Segundo Bunge, axiomatizar uma teoria a conduz à irrefutabilidade e àestética e que a filosofia auxiliaria nesse trabalho de axiomatização. A leitura defilósofos imaginativos poderia sugerir novas ideias aos físicos; o estudo da lógicaelevaria seus padrões de rigor e clareza; o hábito das análises semânticas o ajudariapara descobrir os genuínos referentes de suas teorias, e o amor à nitidez lógica e àclareza semântica haveria de levá-lo a preferir um formato axiomático para suasteorias.