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------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ VEREDAS ONLINE ESPECIAL 2012, P. 207-236 PPG LINGUÍSTICA/UFJF JUIZ DE FORA - ISSN: 1982-2243 207 AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM VOLUME ESPECIAL - 2012 ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------- O DEL à luz de hipóteses psico/linguísticas: Avaliação de habilidades linguísticas e implicações para uma possível intervenção em problemas de linguagem de natureza sintática Letícia M. Sicuro Corrêa (PUC-Rio/LAPAL) RESUMO: O DEL e de suas principais abordagens são caracterizados. Argumenta-se que um melhor entendimento dessa síndrome requer uma teoria procedimental da aquisição da linguagem e um modelo de computação sintática em tempo real, concebidas à luz de um modelo de língua. Pressupostos minimalistas são apresentados, nos quais se assenta a abordagem para o DEL aqui proposta. Custo de processamento é caracterizado e os resultados de uma ampla avaliação das habilidades de crianças em idade escolar a compreensão de estruturas previstas como de alto custo são sintetizados. Os critérios adotados para a identificação de crianças com problemas de linguagem no domínio da sintaxe (possíveis casos de DEL) são explicitados. Hipóteses de trabalho são formuladas, as quais orientam d um procedimento-piloto de estimulação/consciência dessas estruturas com crianças identificadas como possíveis caso de DEL. Palavras-chave: Aquisição da linguagem, Déficit Específico da Linguagem, Distúrbio Específico da Linguagem; computação on-line; minimalismo; custo computacional. Introdução O Déficit ou Distúrbio Específico da Linguagem (DEL) 1 vem sendo tradicionalmente investigado no âmbito da Psicologia Cognitiva do Desenvolvimento (CROMER, 1978; Este artigo traz um desdobramento da palestra intitulada A procedural model of language acquisition and itsimplications to SLI: towards a theoretically grounded evaluation and intervention in language impairment apresentada em mesa-redonda no VIII ENAL/ II EIAL Universidade Federal de Juiz de Fora, 17-19 de outubro, 2011. A pesquisa a esse artigo remete vem sendo desenvolvida com suporte da FAPERJ CNE, E- 26/152.270/2008 e do CNPq 304159/2008-5.

O-DEL-à-luz-de-hipóteses-psicolinguísticas-Avaliação-de-habilidades-linguísticas-e-implicações-para-uma-possível-intervenção-em-problemas-de-linguagem-de-natureza-sintática1.pdf

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    AQUISIO DA LINGUAGEM

    VOLUME ESPECIAL - 2012

    ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    O DEL luz de hipteses psico/lingusticas: Avaliao de habilidades lingusticas e

    implicaes para uma possvel interveno em problemas de linguagem de natureza

    sinttica

    Letcia M. Sicuro Corra (PUC-Rio/LAPAL)

    RESUMO: O DEL e de suas principais abordagens so caracterizados. Argumenta-se que um melhor

    entendimento dessa sndrome requer uma teoria procedimental da aquisio da linguagem e um modelo de

    computao sinttica em tempo real, concebidas luz de um modelo de lngua. Pressupostos minimalistas so

    apresentados, nos quais se assenta a abordagem para o DEL aqui proposta. Custo de processamento caracterizado e os resultados de uma ampla avaliao das habilidades de crianas em idade escolar a

    compreenso de estruturas previstas como de alto custo so sintetizados. Os critrios adotados para a

    identificao de crianas com problemas de linguagem no domnio da sintaxe (possveis casos de DEL) so

    explicitados. Hipteses de trabalho so formuladas, as quais orientam d um procedimento-piloto de

    estimulao/conscincia dessas estruturas com crianas identificadas como possveis caso de DEL.

    Palavras-chave: Aquisio da linguagem, Dficit Especfico da Linguagem, Distrbio Especfico da Linguagem;

    computao on-line; minimalismo; custo computacional.

    Introduo

    O Dficit ou Distrbio Especfico da Linguagem (DEL)1 vem sendo tradicionalmente

    investigado no mbito da Psicologia Cognitiva do Desenvolvimento (CROMER, 1978;

    Este artigo traz um desdobramento da palestra intitulada A procedural model of language acquisition and itsimplications to SLI: towards a theoretically grounded evaluation and intervention in language impairment

    apresentada em mesa-redonda no VIII ENAL/ II EIAL Universidade Federal de Juiz de Fora, 17-19 de outubro, 2011. A pesquisa a esse artigo remete vem sendo desenvolvida com suporte da FAPERJ CNE, E-

    26/152.270/2008 e do CNPq 304159/2008-5.

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    LEONARD, 1989; BISHOP, 2006) e tem despertado considervel interesse da parte de

    linguistas e psicolinguistas que recorrem a um modelo terico de lngua na caracterizao de

    suas manifestaes e na formulao de hipteses quanto sua natureza (CLAHSEN, 1989;

    RICE & WEXLER, 1996; FRIEDMANN & SCHULZ, 2011).

    Entende-se por DEL uma sndrome com manifestaes heterogneas no domnio da

    linguagem, detectadas ao longo do desenvolvimento lingustico, cujo diagnstico

    predominantemente de excluso. Ou seja, tais manifestaes no podem ser explicadas como

    decorrentes de traumatismo cerebral, de deficincia auditiva ou de qualquer

    comprometimento no aparato fonador. No podem ser imediatamente associadas a disfunes

    neurofisiolgicas nem so atribuveis a deficincias cognitivas que se estendam para a alm

    do domnio verbal. Condies socialmente adversas que impeam ou dificultem o

    desenvolvimento lingustico, assim como condies emocionais que possam repercutir na

    expresso e na interao lingustica, tambm no podem ser identificadas como fonte do

    desenvolvimento lingustico defasado e/ou atpico caracterstico do quadro do DEL. Fatores

    de ordem gentica, sugeridos pela incidncia de histrico familiar de problemas de linguagem

    em crianas com diagnstico de DEL, e pelo resultado de pesquisas com gmeos (BISHOP,

    1995; 2001) podem ser apontados como fonte dessas manifestaes. No h, contudo, at

    ento evidncias que permitam atribuir o DEL a um nico fator. Segundo Bishop (2006), o

    DEL se assemelha a desordens genticas complexas, tais como asma ou diabetes, que embora

    vinculadas a uma histria familiar, no apresentam um padro de transmisso hereditria que

    se identifique com os padres de dominncia conhecidos (BISHOP, 2006). Assim sendo, no

    h etiologia conhecida para esta sndrome, o que caracteriza o diagnstico de excluso

    (LEONARD, 1998).

    O objetivo da pesquisa sobre o DEL caracterizar as manifestaes dessa sndrome e

    buscar explicao para as mesmas. De um ponto de vista cientfico, este um meio de se

    adquirir maior conhecimento sobre a natureza e o modo de funcionamento das lnguas

    humanas e dos fatores que podem comprometer sua plena realizao. De um ponto de vista

    aplicado, esse conhecimento pode permitir que se desenvolvam procedimentos de interveno

    que contribuam para minimizar ou remediar as dificuldades encontradas no uso da lngua, as

    quais podem comprometer o desempenho escolar e a interao social da criana, assim como

    sua insero social futura.

    Este artigo parte da caracterizao das principais abordagens para o DEL e apresenta

    aquela que vimos desenvolvendo, a qual leva em conta o processo de aquisio de uma lngua

    e o modo como a computao lingustica pode ser conduzida em tempo real, luz de uma

    concepo minimalista de lngua. Com isso, visa-se a identificar os pontos crticos do

    processo de aquisio de uma lngua que podem comprometer o conhecimento lingustico

    adquirido e os fatores que possam tornar a conduo da computao sinttica custosa ou alm

    1 A sigla DEL equivale a SLI do ingls Specific Language Impairment, designao introduzida por Fey &

    Leonard (1983), a qual padronizou, internacionalmente, a referncia sndrome denominada afasia congnita no

    sculo XIX, que vinha sendo designada de diferentes formas desde ento (cf. JAKUBOWICZ, 2006). Sua

    traduo no se encontra, contudo, totalmente padronizada em portugus. SLI foi traduzido como Dficit

    Especfico da Linguagem (DEL) no mbito da pesquisa da psicolingustica (CORRA, 2000; SILVEIRA, 2002),

    em consonncia com o termo veiculado pela Sociedade Brasileira de Pediatria na caracterizao de uma das

    sndromes clnicas associadas a distrbios de linguagem na infncia (cf. MENEZES, on-line). No campo da

    Fonoaudiologia, DEL apresentado como Distrbio Especfico da Linguagem (BEFI-LOPES, 2004) Em

    portugus europeu, o termo usado PEL (Perturbao Especfica da Linguagem), que mais recentemente tem sido substitudo por PEDL (Perturbao Especfica do Desenvolvimento da Linguagem).

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    da capacidade de processamento de crianas com problemas de linguagem caractersticos do

    DEL. Focalizam-se, em particular, as estruturas sintticas previstas como de alto custo

    computacional e apresentam-se hipteses que possam orientar uma possvel interveno,

    levando em conta o tipo de informao gramaticalmente relevante que se faz presente no

    enunciado de estruturas de alto custo.

    O artigo tem a seguinte organizao. A seo 1 apresenta uma breve caracterizao das

    abordagens para o DEL, e discute o quanto o carter especfico dessas manifestaes pode ser

    tomado como indicativo de comprometimentos de processos especficos desse domnio. A

    seo 2 recupera os pressupostos minimalistas assumidos e apresenta o que permite prever

    uma teoria procedimental de aquisio da linguagem, em que se assume que toda informao

    relevante para a aquisio de uma lngua est legvel nas interfaces com sistemas de

    desempenho. A seo 3 trata da conduo da computao sinttica em tempo real, com base

    na qual o custo computacional e, de forma mais ampla, o custo total de processamento de

    sentenas podem ser previstos. Consideram-se os fatores pertinentes aquisio da lngua ou

    conduo do processamento lingustico que podem acarretar dificuldades no processamento

    dessas estruturas. A quarta seo remete aos resultados de uma ampla avaliao de

    habilidades lingusticas de crianas em idade escolar, os quais evidenciam dificuldades no

    processamento de estruturas de alto custo. A seo 5 apresenta as hipteses que norteiam um

    estudo em andamento com vistas criao de procedimentos de interveno teoricamente

    embasados que possam contribuir para um melhor desempenho. Para concluir, consideram-se

    as vantagens de uma abordagem em que se integram perspectivas lingustica e

    psicolingustica para o entendimento da natureza das dificuldades de linguagem manifestas

    por crianas.

    1. O estudo do DEL sob diferentes abordagens

    Ainda que o DEL se apresente como um problema passvel de ser tratado de forma

    interdisciplinar, este vem sendo abordado a partir de linhas de investigao que se

    desenvolvem praticamente em paralelo: abordagens conduzidas no mbito da Psicologia

    Cognitiva do Desenvolvimento, em larga medida dissociadas de qualquer tipo de teorizao

    lingustica; e abordagens lingusticas ou psicolingusticas, que tomam um modelo formal de

    lngua como referncia na formulao de hipteses sobre o DEL.

    O estudo DEL conduzido mais caracteristicamente na perspectiva da Psicologia do

    Desenvolvimento tem comparado o desempenho de crianas com diagnstico de DEL com o

    de crianas com o desenvolvimento tpico em diferentes tarefas experimentais de produo e

    de compreenso da linguagem. Esse estudo prov uma ampla caracterizao, em termos

    descritivos, das manifestaes dessa sndrome, no mbito da fonologia, da morfossintaxe, da

    sintaxe, assim como de comprometimentos de ordem pragmtica (cf. Leonard, 1998; Fey &

    Leonard, 1983). A identificao de marcadores clnicos do DEL uma das preocupaes que

    orientam esse estudo, com vistas a subsidiar a rea de sade (CONTI-RAMSDEN, 2003).

    Os resultados de um vasto conjunto de investigaes revelam comprometimentos em

    todos os subdomnios da lngua investigados, ainda que estes possam ser afetados de forma

    diferenciada em cada indivduo, de modo que o comprometimento em dado subdomnio no

    necessariamente implica comprometimento nos demais, em um mesmo grau. As

    manifestaes de natureza morfossinttica (como omisso ou uso errtico de afixos flexionais,

    determinantes, auxiliares, por exemplo) so as que mais chamam a ateno no desempenho

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    caracterstico do DEL, ainda que sua intensidade e o padro dessas manifestaes possa variar

    em funo do padro morfolgico das lnguas (BEDORE & LEONARD, 2001; DROMI,

    LEONARD & SHTEIMAN, 1993; LEONARD & BORTOLINI, 1998). Esses resultados

    tambm revelam que h diferenas entre indivduos nas modalidades de desempenho

    lingustico particularmente atingidas (produo, compreenso da linguagem ou ambas),

    sugerindo que os comprometimentos restritos a uma nica modalidade so de natureza

    distinta daqueles que se manifestam em ambas as modalidades de desempenho, ainda que os

    efeitos comportamentais possam ser semelhantes. Observa-se, ainda, luz desse tipo de

    resultados, que o desenvolvimento lingustico no DEL caracteristicamente defasado em

    relao ao desenvolvimento tpico, nos aspectos da lngua atingidos, sem que haja diferenas

    qualitativas entre os grupos (ainda que o grupo DEL possa cometer erros no usuais no desenvolvimento tpico). Diferentes padres de desenvolvimento podem, no entanto, ser

    identificados no conjunto das crianas diagnosticadas com DEL com superao ou no das dificuldades ou de determinados patamares ao longo do tempo (LEONARD, 1998).

    Hipteses sobre as possveis causas do desenvolvimento atpico, nessa linha de

    investigao, atribuem as manifestaes do DEL a dificuldades na percepo e no

    processamento do material lingustico. Essas hipteses remetem a amplas limitaes no

    tratamento dos dados da fala, como baixa velocidade de processamento, a qual afetaria a

    conduo de diferentes tarefas lingusticas, incluindo a de nomeao, que diz respeito ao

    acesso lexical na produo (KAIL, 1994; KAIL & SALTHOUSE,1994). Limitaes na

    velocidade do processamento aliadas baixa salincia perceptual de determinado material

    lingustico, como morfemas curtos e tonos, acarretariam as dificuldades constatadas no

    mbito da morfologia, como proposto na chamada hipteses da superfcie (LEONARD, 1989;

    LEONARD & BORTOLINI, 1998; LEONARD et al, 1992 LEONARD et al., 1997;

    LEONARD et al., 2003). O chamado dficit no processamento temporal prev, por sua vez,

    dificuldades na percepo e discriminao de estmulos curtos que se apresentam

    rapidamente, como as distines entre fonemas decorrentes de breve transio de formantes

    (TALLAL & PIERCY, 1973; TALLAL et al, 1980; TALLAL et al, 1996). De forma j mais

    especfica ao domnio da lngua, nesse contexto, tem-se a hiptese da memria fonolgica

    como responsvel pelas manifestaes do DEL (GATHERCOLE & BADDELEY, 1990;

    MONTGOMERY, 2003). Dificuldades na manuteno de uma representao do material

    lingustico em processamento, no chamado loop fonolgico da memria de trabalho, afetariam

    a conduo da anlise do material lingustico, assim como a recuperao de palavras novas ou

    pseudo-palavras tarefa que crianas com diagnstico de DEL tm dificuldade de realizar. As hipteses que atribuem o DEL a problemas no processamento do material lingustico

    apontam para fatores que podem contribuir para esse quadro. Seu carter geral no permite,

    contudo, explicar a existncia de comprometimentos diferenciados entre subdomnios da

    lngua, ou mesmo entre estmulos perceptualmente semelhantes e gramaticalmente distintos

    que so diferentemente atingidos, como o artigo le e o cltico le em francs (cf.

    JAKUBOWICZ, 2006). A atribuio das possveis causas do DEL a um nico fator no

    permite que se expliquem suas diferentes manifestaes. No claro, por exemplo, como a

    hiptese da superfcie ou do dficit no processamento temporal explicariam dificuldades na

    produo e na compreenso de sentenas com orao interrogativas ou relativas de objeto

    (como em O menino que a professora chamou correu e em Quem a professora chamou?, por

    exemplo) Com exceo da hiptese da memria fonolgica, que j se apresenta restrita ao

    processamento de material lingustico, as demais requerem que se d conta do porqu de o

    domnio da lngua ser particularmente atingido, sem que outros processos sejam

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    necessariamente afetados pelos fatores de carter geral apontados. Falta, portanto, a essas

    hipteses, articulao com teorias do processamento lingustico nas quais o papel dos fatores

    apontados seja caracterizado. A principal limitao das hipteses centradas no processamento

    do material lingustico reside, contudo, na dissociao entre o tratamento terico do DEL e

    uma teoria procedimental da aquisio da linguagem. Uma vez que no h referncia ao modo

    como o processamento do material lingustico pela criana possibilita a aquisio de sua

    lngua materna, no claro se os fatores aventados so, de fato, os mais relevantes na

    caracterizao da natureza do tipo de comprometimento que atinge esse processo.

    O estudo do DEL de orientao lingustica parte do pressuposto da lngua como um

    domnio especfico da cognio humana, um rgo mental no modo como Chomsky o apresenta (CHOMSKY, 1977).

    2 O fato de este domnio da cognio humana se mostrar

    comprometido enquanto os demais se mantm preservados, aliado a evidncias sugestivas de

    uma origem gentica para as manifestaes do DEL, mostra-se particularmente atraente luz

    da hiptese de trabalho da lingustica gerativista. Abordagens linguisticamente orientadas

    procuram delimitar, nos termos de um modelo formal de lngua, aquilo que poderia estar

    seletivamente afetado em um dado estado de desenvolvimento da lngua interna, e investigar

    suas implicaes para o desempenho lingustico, recorrendo s manifestaes do DEL mais

    para a verificao das previses oriundas do modelo do que para uma descrio das mesmas.

    Dada a relevncia assumida pelas categorias funcionais do lxico na representao do

    conhecimento gramatical especfico de uma dada lngua, em termos de traos formais, ao

    longo do desenvolvimento da teoria lingustica (BORES, 1984; CHOMSKY, 1995), uma srie

    de hipteses lingusticas sobre o DEL atribui suas manifestaes a comprometimentos na

    representao de uma dada categoria funcional (T (Tempo); C (Complementizador), por

    exemplo) e/ou subespecificao de seus traos formais (cf. RICE & WEXLER, 1996;

    CLAHSEN, 1989; CLAHSEN, BARKTE & GLLNER, 1997; HAMANN, PENNER &

    LINDNER, 1998). Levando em conta a computao sinttica, tal como caracterizada na

    derivao formal de expresses lingusticas, hipteses sobre o DEL tambm atribuem a

    natureza do dficit conduo da computao sinttica na produo e/ou na compreenso de

    enunciados verbais (VAN DER LELY, 1998; WEXLER, 2003). Haveria, por exemplo,

    limitaes ao nmero de operaes de checagem de traos conduzidas no decorrer da

    computao sinttica, acarretando manifestaes na morfologia da concordncia, por exemplo

    (WEXLER, 2003; WEXLER,. GAVARR & TORRENS, 2006). De forma menos especfica

    s operaes sintticas do modelo, um subtipo de DEL foi proposto (G-SLI ou DEL-gramatical), cujo comprometimento estaria no prprio sistema computacional lingustico (van

    der Lely, 1994; 2002). Diferentes manifestaes do DEL, como as que envolvem

    concordncia e dependncias de longa distncia, decorreriam desse comprometimento. Um

    critrio diferente para a definio de subtipos de DEL seria proposto em funo do

    subdomnio afetado, prevendo-se a possibilidade de haver grupos de indivduos com

    comprometimentos restritos a um dado domnio, como o fonolgico, o sinttico etc

    (FRIEDMANN & NOVOGROVSKY, 2008).

    Ainda nesse contexto, o desenvolvimento lingustico defasado explicado em termos da

    no superao ou da superao mais lenta de estgios identificados no desenvolvimento

    2 Chomsky denomina rgao mental sistemas altamente especficos, organizados de acordo com um programa

    gentico que determina sua funo, estrutura, e seu curso de desenvolvimento de forma detalhada, e cuja

    realizao particular depende da interao desses princpios fundamentais com o meio (CHOMSKY, 1977).

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    lingustico tpico , em partcula, como o suposto estgio do infinitivo opcional (RICE,

    WEXLER & CLEAVE, 1995).

    As hipteses lingusticas sobre o DEL caracterizam-se, assim, por atribuir a este um

    efeito no modo como conhecimento lingustico representado (possivelmente em decorrncia

    de um comprometimento gentico que afeta o processo de aquisio da linguagem) ou na

    conduo da computao sinttica no uso efetivo da lngua. Hipteses centradas em categorias

    funcionais especficas mostram-se, contudo, insatisfatrias para dar conta do conjunto das

    manifestaes do DEL em um dado indivduo e so dependentes da lngua em questo. Que

    fatores, no processo de aquisio de uma dada lngua, seriam responsveis por esses efeitos

    no questo que essas abordagens se coloquem. Quanto a dificuldades na computao

    sinttica, um comprometimento no sistema computacional, como o que caracterizaria o

    suposto G-SLI, faria prever uma disfuno maior do que a que se encontra no DEL, j que

    diferenas qualitativas com relao ao desenvolvimento tpico no so o que caracteriza esse

    quadro. Hipteses que remetem diretamente computao sinttica, tal como caracterizada

    em uma derivao lingusticas, deixam de levar em conta a discrepncia entre o modelo

    referido e o processo caracterizado. Modelos formais de lngua caracterizam as possibilidades

    de combinaes de elementos do lxico dando origem a expresses lingusticas reconhecidas

    como sentenas da lngua pelo falante nativo, sendo expresso de seu conhecimento

    lingustico. A computao sinttica, tal como caracterizada nesses modelos, no corresponde

    diretamente computao sinttica conduzida em tempo real, e o modo como a derivao

    sinttica se apresenta no adequado para esse fim (CORRA, 2008). Assim sendo, falta a

    hipteses de orientao lingustica no s uma teoria do processo de aquisio da lngua, a

    que faam referncia, como referncia a um modelo de base lingustica da computao

    sinttica conduzida em tempo real.

    importante observar que o fato de esses conjuntos de abordagens correrem, em larga

    medida, em paralelo decorre da perspectiva mais ou menos empirista que as orienta enquanto estudos de natureza mais empirista remetem a processos no necessariamente

    exclusivos do domnio da lngua, estudos que incorporam um modelo de lngua parecem

    supor processos exclusivos desse domnio, diante da hiptese de haver um programa

    biolgico especfico para que a faculdade de linguagem se desenvolva na espcie humana.

    Domnio especfico de manifestaes no necessariamente implica, contudo, recursos

    especficos de um nico domnio para sua realizao. Diferentes recursos neurofisiolgicos

    podem ser recrutados para um dado tipo de desempenho, cujo grau de especificidade ou

    dedicao pode, em princpio, variar. Explicaes funcionais para o DEL no precisam estar

    comprometidas a priori com hipteses relativas natureza dos recursos fsicos para a

    implementao dos processos que se propem a caracterizar, dado que explicaes funcionais

    e explicaes relativas implementao esto em diferentes nveis de anlise, sendo a

    mediao entre estes um problema em si prprio (MARR, 1982). H, no obstante, como foi

    observado, uma tendncia para que estudos acerca da aquisio da linguagem tpica ou

    comprometida, conduzidos no contexto da Psicologia cognitiva do desenvolvimento forneam

    explicaes funcionais para esses processos em termos de processos gerais, ou seja,

    requeridos em tarefas lingusticas e no lingusticas, ou de processos de natureza no

    gramatical, ainda que possam ser dedicados ao processamento de material lingustico (como a

    memria fonolgica, por exemplo). Estudos sobre o DEL de orientao lingustica referem-se,

    por sua vez, a unidades e operaes gramaticais na caracterizao do que pode estar afetado

    no DEL, o que parece sugerir que recursos dedicados ao domnio da lngua estejam sendo

    presumidos para sua realizao. Pode parece, portanto, que hipteses orientadas por um dado

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    modelo de lngua so irreconciliveis com hipteses direcionadas ao processamento do

    material lingustico, tendo em vista o carter geral ou especfico de domnio das entidades e

    processos caracterizados. importante, contudo, destacar que cada tipo de hiptese encontra-

    se em um nvel diferente de abstrao no tratamento da lngua. Hipteses sobre DEL

    formuladas em termos de um modelo da lngua interna esto em um nvel de abstrao maior

    do que hipteses relativas ao modo como o estmulo processado, visto que o modelo de

    lngua interna concebido independentemente das condies de uso dos recursos gramaticais

    na produo ou na compreenso de enunciados. Assim sendo, a possibilidade de explicaes

    formuladas em termos lingusticos envolverem processos e recursos com diferentes graus

    especializao e compartilhamento, uma vez consideradas do ponto de vista do processo de

    aquisio de uma lngua e da computao em tempo real, no pode ser, em princpio

    descartada. Do mesmo modo, o tipo de dados com que lidam processos compartilhados entre

    domnios pode garantir a especificidade das manifestaes. Observa-se, nesse sentido, que a

    investigao gentica acerca do DEL, ainda longe de ser conclusiva, tem sugerido que o

    comprometimento de mais de um processo cognitivo, independentes em si, pode acarretar

    efeitos na linguagem caractersticos do DEL, no parecendo haver um fator gentico nico ao

    qual atribuir suas manifestaes (BISHOP, 2006). Do ponto de vista neurolgico, o crtex

    frontal (particularmente o crtex frontal inferior) (rea de Broca) e o gnglios da base,

    particularmente o ncleo caudado, requerido em processos de aprendizagem, memria e

    feedback, parecem estar comprometidos em portadores do DEL, no estando ainda claro,

    contudo, se haveria, nesses recursos, circuitos dedicados (ou seja exclusivos) lngua

    (ULMANN & PIERPONT, 2005).

    Assim sendo, abordagens a princpio divergentes podem convergir ou se complementar

    uma vez que se defina um nvel de anlise comum. Essa convergncia favorecida a partir do

    Programa Minimalista (PM) (CHOMSKY, 1995-2007), uma vez que a faculdade de

    linguagem, vista em sentido amplo, prev interao da lngua com os diferentes sistemas

    necessrios ao desempenho lingustico (cf. HAUSER, CHOMSKY & FITCH, 2002).

    Uma abordagem para o estudo do DEL que se direciona para a criao de uma

    intermediao entre um modelo formal de lngua e o tratamento de processos conduzidos em

    tempo real a hiptese da complexidade computacional Jakubowicz, 2002; 2003). Com base

    na anlise dos determinantes, dos clticos e do tempo pass compos no francs, Jakubowicz

    questiona ambos os tipos de abordagem at ento descritas para o estudo do DEL e

    desenvolve uma perspectiva de anlise para essa sndrome em que se aproximam a ideia de

    processamento conduzido em tempo real, na produo e na compreenso de enunciados

    verbais, com a de computao lingustica, tal como caraterizada em um modelo formal de

    gramtica (JAKUBOWICZ, 2002; 2003). De acordo com essa hiptese, o nmero e a

    natureza das operaes sintticas ou morfolgicas necessrias derivao de uma dada

    estrutura podem ser tomados como determinantes da complexidade do processamento, com

    implicaes para o curso do desenvolvimento normal e comprometido (cf. JAKUBOWICZ,

    2006). Restaura-se, assim, no contexto do PM, a ideia de complexidade computacional em um

    modelo algortmico da computao em tempo real, abandonada nos anos 60 (cf. FODOR,

    BEVER & GARRETT, 1974), uma vez que a concepo de lngua agora veiculada incorpora

    o pressuposto de que as restries forma das lnguas humanas so decorrentes de imposies

    dos sistemas de desempenho que garantem processabilidade (percepo, articulao e

    interpretao semntica) de expresses lingusticas (cf. PHILLIPS, 1996; 2003; CORRA,

    2002; 2005; 2006; 2008).

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    A abordagem para o DEL que aqui se apresenta segue a linha de conciliao entre

    teoria lingustica e psicolingustica facilitada pela proposta do PM que essa hiptese inaugura.

    O DEL abordado do ponto de vista de uma teoria procedimental de aquisio da linguagem,

    em que se assumem pressupostos minimalistas (CORRA, 2009a; b), e de um modelo de

    computao on-line, que visa a explicitar o modo como estruturas sintticas so computadas

    em tempo real, como parte dos processos de produo e de compreenso de enunciados

    verbais, tendo como referncia uma derivao lingustica (CORRA & AUGUSTO, 2007).

    Uma teoria procedimental da aquisio da linguagem visa a explicitar o modo como a

    criana identifica a gramtica de uma lngua medida que processa enunciados lingusticos.

    A identificao de uma gramtica e o desenvolvimento de habilidades de processamento

    lingustico so, ento, concebidos de forma a se realimentarem no desenvolvimento

    lingustico. Nesse contexto, as possveis fontes de comprometimentos que acarretam as

    manifestaes do DEL podem ser localizadas no prprio processo de identificao da

    gramtica de uma lngua. No haveria, assim, uma nica causa para o DEL. As manifestaes

    do DEL podem vir de diferentes tipos de comprometimentos no processo de aquisio de uma

    lngua e/ou na conduo do processamento lingustico. Argumenta-se aqui que dificuldades

    no reconhecimento de informao pertinente s interfaces da lngua com sistemas de

    desempenho por parte da criana podem acarretar subspecificao de traos formais de

    categorias funcionais do lxico. Dificuldades de acesso lexical podem ser especficas de uma

    dada modalidade de desempenho. Dificuldades na conduo da computao sinttica podem

    decorrer tanto de traos formais subespecificados quanto de uma implementao custosa, se

    as pistas de interface que garantem a automaticidade e efetividade do processamento

    lingustico no forem atentadas ou processadas em tempo adequado. Argumenta-se, ainda,

    que dificuldades no processamento de estruturas previstas como de alto custo pelo modelo de

    computao on-line proposto podem ser comuns a diferentes quadros de problemas de

    linguagem e de aprendizagem, independentemente da possibilidade de um diagnstico de

    excluso. O que caracterizado como DEL pode ter, ento, diferentes fontes, no sendo claro

    o quanto manifestaes compartilhadas com problemas de outra ordem podem admitir

    semelhante explicao.

    2. Uma abordagem integrada para o DEL

    2.1. Pressupostos minimalistas

    Recapitulamos, brevemente, a concepo de lngua veiculada no PM. Nessa proposta, a

    lngua (interna) composta por um sistema computacional universal (conjunto mnimo de

    operaes sintticas), tido como parte da constituio biolgica do ser humano e por um

    lxico, constitudo a partir da experincia lingustica. O sistema computacional opera sobre

    elementos recuperados do lxico na derivao de expresses lingusticas. Estas so

    concebidas como um par formado por dois nveis de interface da lngua com os chamados

    sistemas de desempenho forma fontica (a interface fnica) e forma lgica (a interface semntica). A primeira apresenta o resultado da derivao lingustica de forma acessvel aos

    sistemas responsveis pela articulao e pela percepo da fala. A segunda expressa as

    relaes semnticas que se estabelecem entre os elementos do lxico na configurao sinttica

    em questo, ou seja, expressa a interpretao semntica garantida pelas sintaxe.

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    O sistema computacional universal identificado com a faculdade de linguagem em

    sentido estrito, uma vez que garante a gerao ilimitada de expresses lingusticas. Este

    sistema parte de uma faculdade de linguagem em sentido amplo que prev interao entre o

    domnio da lngua e outros domnios da cognio humana, na constituio de um lxico. Os

    elementos do lxico so constitudos de traos semnticos (que resultam da interao entre o

    domnio cognitivo da lngua e sistema conceituais e intencionais da cognio mais ampla), de

    traos fonolgicos, que compem sua forma fnica (decorrentes da interao entre a lngua e

    o sistema sensrio-motor que atua na articulao e na percepo da fala) e de traos formais

    (especificaes sobre o modo como os elementos do lxico podem ser sintaticamente

    relacionados), que os tornam acessveis ao sistema computacional na derivao de expresses

    lingusticas. Estes se apresentam como interpretveis nas interfaces e como no interpretveis,

    sendo que os ltimos so apenas instrumentais computao sinttica e eliminados ao longo

    da mesma. Ou seja, os traos formais de elementos do lxico possibilitam o tratamento de

    unidades de lxico como smbolos, tal como entendidos em gramticas formais (i.e. como

    unidades desprovidas de sentido, a serem semanticamente interpretadas em funo do modo

    como se relacionam sintaticamente) na computao sinttica, ao mesmo tempo em que

    captam o fato de as unidades do lxico das lnguas humanas, diferentemente das unidades do

    lxico de linguagens formais, terem propriedades de natureza semntica. Essa soluo formal

    explicita, assim, o que parece ser o mais caracterstico das lnguas humanas uma faculdade de linguagem (produto de evoluo biolgica, em termos de exaptao) possibilitar o uso de

    recursos computacionais (cuja especificidade ao domnio da lngua uma questo emprica)

    na manipulao de elementos de um lxico, criado mediante a experincia do indivduo no

    mundo e sua interao social.

    Os traos formais so particularmente relevantes para uma teoria do processamento e da

    aquisio da linguagem. De um ponto de vista semntico, codificam na lngua distines de

    ordem conceitual, intencional, lgica, classificatria tidas como gramaticalmente relevantes

    pelos seres humanos em geral (possivelmente dada sua relevncia cognitiva e/ou pragmtica)

    ou para um particular grupo social na constituio de uma lngua (o que, em parte, d conta da

    variabilidade entre as lnguas). No que diz respeito sua expresso, tornam-se visveis na

    interface fnica, naquilo que h de regular padres de ordem de palavras/constituintes, padres morfofonolgicos, padres prosdicos, os quais passveis de interpretao semntica

    e de integrao com informao de outra ordem em situaes de fala. Esse ponto, ainda que

    no enfatizado no PM, indicativo da relevncia dos traos formais na transmisso de

    informao (interpessoal), de forma a garantir o compartilhamento da mesma em um grupo

    social, com implicaes diretas para aquisio da linguagem. Nesse quadro, cabe criana

    atentar para o que h de regular, sistemtico, nos enunciados que a ela se apresentam, de

    forma consideravelmente varivel entre lngua, uma vez que essa informao seja tomada

    pertinente interface com a lngua por meio da qual aqueles foram gerados.

    A despeito da ampla variabilidade prevista na constituio de lxicos de lnguas

    naturais, a forma com que as gramticas das lnguas humanas se apresentam , no obstante,

    restringida pelas propriedades do aparato responsvel pelo processamento lingustico. Assim

    sendo, os princpios e parmetros tradicionalmente caracterizados em termos de uma

    gramtica universal (GU) so vistos como expresso de um princpio fundamental o de interpretabilidade plena nas interfaces, o qual, juntamente com restries gerais de economia,

    garante a processabilidade de expresses lingusticas. Isso implica que toda a informao

    necessria anlise sinttica e interpretao semntica de um enunciado lingustico

    encontra-se legvel nas interfaces da lngua com os sistemas responsveis pelo processamento

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    lingustico. Consequentemente, toda a informao necessria para que uma lngua seja

    adquirida se apresenta legvel nas interfaces.

    2.2. Processamento lingustico na aquisio da linguagem e o DEL

    O estudo psicolingustico da aquisio da linguagem visa a explicitar como a criana

    chega gramtica da lngua, caracterizando os procedimentos pelos quais esta percebe e

    analisa os dados da fala e representa informao pertinente lngua em questo. Teorias

    psicolingusticas da aquisio da linguagem podem se apresentar de forma mais empirista ou

    menos empirista, dependendo do quanto de restries especficas ao domnio da lngua so

    atribudas ao estado inicial do processo, e de forma mais/menos generalista, dependendo dos

    pressupostos iniciais quanto natureza mais geral ou especfica do domnio da lngua que se

    atribui aos processos envolvidos no processamento lingustico. A teoria lingustica tem como

    hiptese de trabalho a especificidade do domnio da lngua, ao conceber o estado inicial em

    termos de GU (teoria do estado inicial da aquisio da linguagem que se apresenta na forma

    de princpios e parmetros caraterizados nos termos de um modelo formal de gramtica).

    Teorias psicolingusticas da aquisio da linguagem no se apresentam necessariamente

    comprometidas com o conceito lingustico de GU, embora seja amplamente assumida uma

    disposio biolgica para que a aquisio da linguagem transcorra naturalmente. Essas

    diferentes posturas diante do estado inicial do processo e da especificidade dos recursos

    requeridos no processamento lingustico tem tradicionalmente dificultado uma maior

    aproximao entre teorias psicolingusticas e a teoria lingustica no tratamento da aquisio da

    linguagem, tal como visto no caso das abordagens para o DEL.

    Essa dificuldade pode ser, no obstante, minimizada no contexto do PM. Neste, os

    princpios de GU so reduzidos ao Princpio de Interpretabilidade plena nas interfaces

    (aliado a condies gerais de economia), o que permite que a noo de conhecimento inato

    seja claramente entendida em termos de adaptao, na prpria evoluo da espcie, decorrente

    de presses das interfaces. Ou seja, a forma com que as lnguas se apresentam restringida

    pelas propriedades do aparato processador e pelo fato de expresses lingusticas remetem a

    entidades e relaes que se estabelecem em um universo exterior lngua.

    Dada a compatibilidade entre a forma das gramticas das lnguas humanas e as

    propriedades do aparato responsvel pelo desempenho lingustico, a faculdade de linguagem

    fornece ao ser humano um procedimento de aquisio da linguagem que lhe permite tomar os

    dados da fala como informao pertinente interface que se estabelece entre a lngua interna e

    o aparato processador. Nesse ponto, o procedimento de aquisio da linguagem fornecido

    pela faculdade de linguagem pode ser entendido em termos do conceito de (GOULD &

    MARLER, 1987) e incorporado em abordagens psicolingusticas para a aquisio da

    linguagem (JUSCZYK, 1997; JUSCZYK & BERTONCINI, 1988). Segundo esse conceito,

    animais so programados a aprender determinadas coisas em um dado momento, de forma tal que padres comportamentais altamente complexos podem tomar forma muito

    rapidamente, desde que na presena do estmulo apropriado, durante um perodo crtico ou

    sensitivo do desenvolvimento. No caso da aquisio da linguagem, esse programa biolgico

    seria executvel em decorrncia da faculdade de linguagem que possibilita que o sinal da fala

    acessvel criana seja percebido como informao de interface com a lngua que est apta a

    adquirir.

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    O estudo psicolingustico da aquisio da linguagem que faz uso de dados do

    processamento da fala por bebs apresenta evidncias de discriminaes iniciais, nos sons da

    fala, de reconhecimento de padres prosdicos, fonotticos e distribucionais em geral, com

    possvel uso de procedimentos estatsticos, no tratamento dos dados da fala pela criana (cf.

    MORGAN & DEMUTH, 1996). Tais resultados podem ser tomados como indicativos do uso

    de procedimentos no especficos do domnio da lngua no tratamento dos dados da fala pela

    criana. No entanto, no contexto do PM, isso no se mostra um problema, dado que a

    computao sinttica depende do reconhecimento de informao pertinente a traos formais e

    estes se apresentam nas interfaces no que h de sistemtico e recorrente na lngua. Assim

    sendo, a criana seria guiada por fatores inatos (atribuveis a uma faculdade de linguagem) a

    tomar o que h de sistemtico nos enunciados lingusticos percebidos como informao de

    interface com a lngua em aquisio. Ao longo do primeiro ano de vida, o beb seria guiado a

    atentar para contornos prosdicos passveis de serem mantidos na memria de trabalho e

    tomados como unidades relevantes para a anlise sinttica de enunciados lingusticos (ainda

    que no haja total correspondncia entre unidades prosdicas e sintticas), uma vez que

    pistas prosdicas so cruciais como informao de interface. Padres rtmicos seriam, por exemplo, tomados como pistas para a identificao de padres de ordem na relao sinttica entre ncleo e complemento (CHRISTHOPHE et al., 2003). De forma anloga, o beb seria

    guiado a atentar para padres recorrentes na interface fnica e a conduzir uma anlise

    distribucional, de forma tal que elementos de classes fechada (composta por elementos

    funcionais) sejam identificados. Segundo a teoria procedimental de aquisio da linguagem

    que vimos desenvolvendo, a delimitao de classes fechada e aberta no lxico em

    constituio, assim como informao pertinente a padres de ordem constituiria os primeiros

    traos formais do lxico. Como o sistema computacional universal atua sobre traos formais,

    a regularidade dessas formas seria a informao de interface necessria para esse sistema ser

    posto em uso e, a partir de ento, a prpria computao sinttica passa a ser instrumental para

    a progressiva especificao dos traos formais dos elementos de categorias funcionais que

    definem o que h de especfico na gramtica de uma dada lngua (cf. CORRA, 2009b).

    Incorpora-se, portanto, a hiptese do bootstrapping fonolgico (MORGAN & DEMUTH,

    1996; CHRISTOPHE & DUPOUX, 1996; GERKEN, 2001). A anlise dos sons da fala seria

    guiada para as propriedades relevantes para a identificao de gramticas, desde os primeiros

    contatos do beb com a lngua (SHI, WERKER & MORGAN, 1999). Informao de ordem

    prosdica, habilidades discriminatrias e anlise estatstica seriam necessrias para a

    segmentao de unidades passveis de serem analisadas sintaticamente. Note-se, entretanto,

    que essa hiptese no explicita de que modo a passagem de uma anlise de natureza

    distribucional daria lugar a uma anlise sinttica. Incorporando-se pressupostos minimalistas,

    essa passagem se faz vivel pelo fato de o sinal acstico ser processado em termos de uma

    interface fnica. O conceito de interface , portanto, crucial para que a identificao de uma

    gramtica se viabilize.

    As manifestaes do DEL podem decorrer de um comprometimento (de ordem

    gentica) que afete o reconhecimento dos dados da fala como informao de interface. Se este

    o caso, possvel prever que algumas das conquistas provenientes do processamento na

    interface fnica, como as listadas abaixo, devero se manifestar de forma tardia ou atpica.

    - Sensibilidade a padres rtmicos que podem ser relacionados direcionalidade da

    relao ncleo-complemento da lngua identificada aos 2 meses, no desenvolvimento tpico

    (CHRISTOPHE ET AL, 2003);

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    - Sensibilidade a pausas, alongamento de slabas e alteraes de pitch, entendidos como

    marcadores prosdicos de fronteiras de orao, identificada aos 7 meses de idade (HIRSH-

    PASEK ET AL., 1987);

    - Sensibilidade a fronteiras lexicais e sintagmticas, a partir da convergncia de

    informao de natureza acstica e distribucional, aos 9 meses (MORGAN 1994;

    CHRISTOPHE & DUPOUX 1996);

    - Sensibilidade ao padro fonottico e fonolgico de elementos funcionais (de classe

    fechada) na lngua, identificada entre 10 e 12 meses (MORGAN, SHI, AND ALLOPENA

    1996; BAGETTI & CORRA, 2010);

    - Sensibilidade a determinantes e a seu papel na delimitao de nomes (BLENN,

    SEIDL, AND HHLE, 2002)

    O estudo de populaes de infantes com histrico familiar de DEL no fcil de ser

    conduzido, de modo h evidncias de que itens funcionais, em particular, cuja identificao

    ao fim do primeiro ano de vida seria crucial para o processamento sinttico, eliciam diferentes

    respostas eletrofisiolgicas de crianas com diagnstico de DEL e crianas do grupo controle,

    em contraste com palavras de classe aberta (NEVILLE et al., 1993; SHAFER et al., 2005).

    A progressiva especificao de traos formais ao longo do desenvolvimento

    lingustico funo da identificao de variaes morfofonolgicas (na interface fnica) e da

    busca pelo valor lingustico das mesmas a partir das relaes que se estabelecem entre a

    interface semntica e o universo de discurso. Ou seja, dado o procedimento natural de

    aquisio da linguagem, a criana teria de perceber essas variaes (como as variaes de

    gnero, nmero, pessoa, tempo etc, no portugus) e tom-las como gramaticalmente

    relevantes, o que implicaria a busca do tipo de efeito que estas acarretam. O reconhecimento

    do tipo de distino semntica expresso na morfologia teria como resultado a especificao de

    traos formais de categorias funcionais no lxico (nmero, com valor singular ou plural, por

    exemplo).

    Nesse sentido, uma teoria da aquisio da linguagem baseada na extrao de informao

    pertinente gramtica da lngua nas interfaces incorpora tambm o conceito de bootstrapping

    sinttico (GLEITMAN, 1995, ou seja, o uso de informao de ordem sinttica na na

    identificao de traos semnticos, na aquisio de significados lexicais e na prpria

    delimitao de categorias lexicais (cf. TEIXEIRA, 2009; TEIXEIRA & CORRA, 2008;

    NAME, 2007; 2008). No que diz respeito especificao de traos, constata-se que crianas,

    por volta dos 10 meses de idade, percebem os padres morfofonolgicos de morfemas

    flexionais (BAGETTI, 2009; BAGETTI & CORRA, 2010). A deteco desses padres,

    tomados como informao de interface, indicativa de que h diferentes valores assumidos

    por um trao formal. Na identificao desses valores, o pressuposto da concordncia

    (pareamento de traos) entre elementos sintaticamente relacionados pode ser operativo.

    Um dos aspectos relativos especificao de traos formais que vimos investigando diz

    respeito identificao de gnero como trao formal e seus valores. Gnero particularmente

    interessante, uma vez que se trata de um critrio de classificao de nomes que, de um ponto

    de vista sincrnico, pode remeter a categorias externas lngua ou no. Assim sendo, o nico

    meio de uma criana reconhecer e representar o gnero intrnseco de uma palavra nova (i.e o

    gnero de nomes que no flexionam em gnero) em portugus, por exemplo, estabelecer

    uma relao sinttica entre determinante e nome, pressupor que o gnero do primeiro decorre

    de uma relao de concordncia com o segundo e atribuir a este o gnero identificado na

    expresso morfolgica daquele. Resultados relativos identificao do gnero intrnseco de

    pseudo-nomes inanimados (NAME, 2002; CORRA & NAME, 2003) e animados

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    (CORRA, AUGUSTO & CASTRO, 2011) por crianas adquirido portugus brasileiro e

    europeu demonstram que estas fazem uso do pressuposto da concordncia mais do que do

    padro de terminao dos nomes na atribuio de gnero a estes. Esse tipo de resultado pode

    ser visto como evidncia a favor do uso de recursos computacionais lingusticos na

    especificao de traos formais, uma vez que variaes em padres morfofonolgicos sejam

    percebidas como informao gramaticalmente relevante nas interfaces.

    Uma das principais manifestaes do DEL na produo da fala consiste na omisso de

    elementos funcionais (determinantes, auxiliares, por exemplo), assim como no uso errtico

    (opcional) de morfemas flexionais (cf. SILVEIRA, 2002). O uso inconsistente de marcas de

    gnero aliado a essas omisses pode ser uma evidncia de uso de estratgias para

    identificao do gnero (como estratgias que levam em conta a terminao dos nomes em -o;

    -a ou e como indicativas do gnero do nome), as quais, diferentemente do uso da concordncia sinttica, no necessariamente acarretam sucesso na realizao morfolgica da

    concordncia de gnero (SILVEIRA, 2002; 2011).

    interessante observar que um comprometimento do procedimento natural de aquisio

    de linguagem resultaria no uso de procedimentos no especficos desse domnio. Evidncias

    obtidas na comparao entre crianas DEL falantes de italiano e crianas falantes de ingls

    so compatveis com essa linha de raciocnio. As primeiras apresentam menos evidncia de

    manifestaes de DEL na morfologia do que as segundas (LEONARD, 1992; 1998;

    LEONARD et al., 1997), possivelmente em funo da importncia dessa informao para o

    estabelecimento de distines lingusticas ficar mais bvia em lnguas de morfologia rica,

    como o italiano, dada sua frequncia. Maior dependncia frequncia da informao nos

    dados pode ser indicativa de um comprometimento no uso de recursos sintticos na

    identificao do valor de distines morfolgicas. Nesse caso, ncleos funcionais podem se

    ver atingidos em maior ou menor grau em funo da visibilidade de sua expresso na lngua

    (cf. VAN DER LELY & ULLMAN, 2001 e referncias ali contidas).

    Em suma: o DEL entendido como um comprometimento no processo de aquisio de

    uma lngua pode afetar o uso de pistas provenientes da interface fnica para a delimitao de unidades sintticas e elementos funcionais, fundamentais para o uso dos recursos

    computacionais de um sistema que opera sobre traos formais do lxico na especificao dos

    mesmos. Nesse sentido, observa-se que ateno a informao proveniente das interfaces

    tambm crucial implementao da computao sinttica que possibilita deslocamento de

    constituintes da posio cannica, na qual seu papel temtico pode ser atribudo. A

    possibilidade de deslocamento de um dado constituinte para a periferia esquerda da sentena

    (no caso de interrogativas QU e relativas, por exemplo), ou para posio de argumento (no

    caso de passivas), estaria representada no lxico ([+/- WH], [+/-passiva]voz, por exemplo)3,

    variando entre lnguas, ou seja, trata-se de conhecimento a ser adquirido. Para tal a criana

    dever estar sensvel informao de interface pertinente a este por exemplo, a presena de um elemento QU (DP), em foco, no incio da sentena, cuja funo sinttica pode ser

    recuperada a partir da estrutura argumental do verbo; a presena do

    complemetizador/pronome relativo que na periferia esquerda de uma orao relativa

    encaixada ou ramificada, cujo constituinte vazio (uma vez recuperada a estrutura argumental

    do verbo) sinaliza movimento; a presena de Aux+part, assim como de um PP introduzindo

    um agente, o que sinaliza o deslocamento do tema para posio de sujeito. A representao

    3 Ainda no h consenso quanto ao modo de representar esse tipo de conhecimento no lxico (cf. LIMA JUNIOR, 2012, para uma reviso do tratamento formal de passivas no minimalismo).

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    desse tipo conhecimento no lxico pressupe, de todo modo, habilidades de processamento

    para manuteno da estrutura em anlise na memria de trabalho para que posies vazias

    possam ser identificadas. O descolamento de constituintes acarreta aumento de custo de

    computacional (CHOMSKY, 1995), o que pode refletir no custo de se manter uma unidade

    semi-analisada na memria de trabalho para que relaes descontnuas se estabeleam. Assim

    sendo, custo computacional pode ser, por si s, um determinante de dficit lingustico,

    independentemente do quanto o processo de aquisio da lngua possa estar afetado. O

    modelo de computao on-line que vimos desenvolvendo permite prever o custo

    relativamente alto do processamento de estruturas que envolvem movimento sinttico.

    3. Dficit lingustico, computao on-line e custo de processamento

    Custo de processamento incluiu o custo inerente computao sinttica com o custo

    adicional das condies especficas de produo e de compreenso (CORRA & AUGUSTO,

    2009). Caracterizar os determinantes de custo computacional uma preocupao da teoria

    lingustica, particularmente no contexto do minimalismo, que explora a hiptese de o sistema

    lingustico operar de forma tima, com um mnimo de custo, assim como de abordagens para

    a aquisio da linguagem. O que assumido pela teoria lingustica como determinante de

    custo computacional no , contudo, claro. Operaes sintticas que acarretam deslocamento

    de constituintes de sua posio cannica (Move ou Merge interno (CHOMSKY, 2001)) so

    apresentadas na proposta minimalista como responsveis por custo computacional, ainda que

    a razo para tal no seja identificada nesse contexto.

    Diferentes fatores tm sido adicionalmente apontados como determinantes de custo

    computacional quando se considera a aquisio da linguagem e o DEL, levando em conta uma

    concepo minimalista de lngua. O nmero de unidades de c-comando foi, por exemplo,

    apontado como fator de determinante de custo computacional com implicaes para curso do

    desenvolvimento lingustico (LOPES, 2001). O nmero de ns funcionais requeridos em uma

    derivao lingustica e o quanto a presena destes se afasta de uma derivao cannica so

    fatores considerados como possveis determinantes de custo computacional (JAKUBOVICZ,

    2006). Suas consequncias para o DEL estariam evidenciadas, por exemplo, pelo cltico

    acusativo (le) em francs, mais custoso, de mais difcil aquisio e mais vulnervel a

    comprometimento no quadro do DEL do que o artigo le, uma vez que descolado da posio

    cannica de argumento JAKUBOVICZ et al, 1998; 1999; 2001).

    De um ponto de vista psicolingustico, custo computacional pode ser caracterizado luz

    de um modelo de computao on-line, ou seja, da computao sinttica conduzida em tempo

    real na produo e na compreenso da linguagem. Modelos psicolingusticos vm concebendo

    os processos de codificao gramatical na produo da fala e de parsing na compreenso de

    diferentes formas, sendo que a relao entre os procedimentos de processamento e as

    operaes sintticas concebidas em termos de um modelo formal de lngua est longe de ser

    suficientemente explcita nesses modelos. O modelo de computao on-line com que vimos

    trabalhando o Modelo Integrado de Computao on-line (MINC) (CORRA & AUGUSTO, 2007; 2011a) parte da compatibilidade observada entre a concepo de uma derivao

    minimalista e a conduo do processamento sinttico em modelos psicolingusticos de

    natureza estrutural, considerando-se, de todo modo, a impossibilidade de transposio direta

    de uma derivao concebida nos termos de um modelo formal da lngua (as possibilidades

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    combinatrias que a lngua permite), para a computao conduzida em tempo real nas

    condies especficas de produo e de compreenso.

    As figuras 1 e 2 apresentam esquemas bsicos dos processos de produo e de

    compreenso da linguagem nos quais o processo de computao sinttica situado.

    Fig. 1 Posicionamento da computao sinttica na produo Fig. 2 Posicionamento da computao sinttica

    na compreenso

    O esquema da Fig. 1 parte da inteno de fala que orienta o modo como uma ideia ou

    mensagem concebida, levando busca por elementos do lxico que possibilitem sua

    realizao lingustica. Estes seriam acessados em funo de seus traos semnticos e traos

    formais interpretveis (que possibilitam a interao entre o lxico e sistemas conceituais e

    intencionais da cognio mais ampla).

    Segundo os pressupostos do MINC, os traos semnticos de elementos lexicais

    interagem diretamente com sistemas conceituais, os traos semnticos/formais de elementos

    funcionais interagem mais diretamente com sistemas intencionais, que tm papel na

    codificao de informao pertinente fora ilocucionria e referncia. Uma vez que so

    recuperados do lxico os elementos que possibilitam a expresso da mensagem concebida na

    situao de fala, o sistema computacional universal acionado para que estes sejam

    combinados em estruturas hierrquicas de acordo com as especificaes prprias da lngua em

    questo, codificadas em seus traos formais. A formulao da sentena pode ser feita de

    forma incremental sem que todos os seus constituintes estejam plenamente especificados (cf.

    CORRA et al. 2008; CORRA, AUGUSTO & MARCILESE, 2009). O modo como os

    elementos do lxico so sintaticamente relacionados tem repercusso nas interfaces, uma vez

    que a ordem linear com que estes se apresentam nos enunciados lingusticos se encontra em

    correspondncia com sua posio na hierarquia do marcador frasal construdo na computao

    sinttica, a especificao de caso gramatical e o resultado da operao de concordncia podem

    estar expressas na morfologia, e a prosdia pode ser indicativa da fora ilocucionria (como

    nas interrogativas sim/no) no portugus. Esse tipo de informao, uma vez convertida em

    som (sinais grficos) o que torna as relaes semnticas e sintticas que se mantm entre os

    elementos do lxico suficientemente transparentes no enunciado, possibilitando sua

    reconstruo pelo ouvinte/leitor.

    No MINC, a computao sinttica concebida como um processo bidirecional. Do

    ponto de vista do falante, ncleos funcionais recuperados do lxico, a partir de uma inteno

    da fala, promovem a gerao de um esqueleto funcional partindo de CP, assim como de

    Inteno de fala

    Itens lexicais, funcionais Lemas

    Traos semanticamente interpretveis

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    esqueletos funcionais que partem de DPs, concebidos a partir de um tpico ou previstos a

    partir do acesso estrutura argumental do verbo. Este, como os demais elementos de

    categorias lexicais recuperado do lxico e d origem a uma derivao bottom-up, com a

    especificao dos requisitos semnticos e sintticos de predicadores. Os NPs e VPs assim

    constitudos so acoplados aos esqueletos funcionais em suas posies cannicas (para um

    detalhamento dessa derivao, ver CORRA & AUGUSTO, 2007; 2011a, assim como

    AUGUSTO & CORRA, neste volume).

    Manifestaes severas do DEL que comprometem a estruturao sinttica do enunciado,

    podem ser caracterizas em termos de dificuldades na conduo de processos de natureza top-

    down na produo de enunciados (CORRA & AUGUSTO, 2011a). Problemas decorrentes

    da especificao de traos formais de categorias funcionais acarretariam dificuldade na

    expresso da referncia (na codificao lingustica de definitude, tempo, aspecto, dentre

    outras) e comprometeriam a computao da concordncia. O acoplamento de um DP sujeito

    no esqueleto sinttico derivado de C pode acarretar dificuldades na expresso do sujeito

    gramatical, o que se apresenta como uma das manifestaes caractersticas do DEL

    (HAEUSLER, 2005; CORRA, AUGUSTO & HAEUSLER, 2005). A gerao a partir de

    ncleos lexicais, por outro lado, por permitir o acesso estrutura argumental, pode se mostrar

    menos custosa e preservada em casos de DEL, ainda que haja tendncia omisso de um dos

    argumentos no caso de verbos bitransitivos (HAEUSLER, 2005). interessante observar que

    o MINC permite prever comprometimentos diferenciados na produo e na compreenso,

    caso a dificuldade se deva recuperao de informao gramaticalmente relevante do lxico

    (informao pertinente aos traos formais de categorias funcionais) e no a seu

    reconhecimento na compreenso (CORRA & AUGUSTO, 2011a).

    Na Fig. 2, situa-se a computao on-line com o processo de parsing (processamento

    sinttico), na compreenso. Este conduzido a partir do reconhecimento lexical, em funo

    da forma e da posio linear dos elementos do lxico na interface fnica. O processador

    sinttico combina os elementos do lxico de forma hierrquica ao longo do tempo (da

    esquerda para a direita), o que possibilita o mapeamento imediato de DPs semanticamente

    interpretados a referentes (cf. FORSTER et al., 2010; AUGUSTO, CORRA & FOSTER,

    aceito). Assim sendo, o reconhecimento da informao gramaticalmente relevante nas

    interfaces que promove a utilizao de estratgias de ensaio para manuteno de informao no loop fonolgico da memria de trabalho (BADDELEY, 1990), no

    processamento de estruturas de alto custo computacional um tipo de habilidade que pode explicar algumas das manifestaes do DEL.

    Custo computacional no MINC visto como reflexo de demandas discursivas. Estas

    definem o nmero de ns funcionais requeridos, uma vez que estes codificam na lngua

    informao de natureza intencional, assim como a necessidade de alterao da posio

    cannica de constituintes. Constituintes so deslocados de sua posio cannica para a

    periferia esquerda da sentena, em interrogativas QU, por exemplo, mantendo-se, dessa forma

    em posio de foco, o que acarreta um maior estado de ativao na memria de trabalho do

    falante e do ouvinte. Em passivas, DPs que tm tema/paciente como papel temtico assumem

    a posio de sujeito (usualmente ocupada por DPs com papel de agente/experienciador) em

    condies discursivas especficas, o que acarreta demandas adicionais (cf. AUGUSTO &

    CORRA, neste volume). Em oraes relativas, uma sentena adjungida a um DP como

    modificador de um nome, o que implica mant-lo em estado de ativao como um operador

    ligado a uma posio sinttica na mesma. A manuteno desses elementos em estado de

    ativao requer o uso de estratgias de ensaio, o que pode ser a razo da carga que advm

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    do processamento dessas estruturas. Em interrogativas e relativas de objeto o tempo em que o

    DP deslocado tem de manter ativo na memria relativamente maior do que em construes

    de sujeito, o que torna tais estruturas mais propensas a terem seu processamento

    comprometido. De todo modo, o custo total de processamento pode ser variado em funo da

    natureza do DP sujeito se pronominal ou um DP completo (Friedmann, Beletti & Rizzi, 2009; Ribeiro, 2012), ou do modo como a orao relativa (restritiva) recupera informao

    contextual relativas de objeto cujo sujeito permite antecipar o referente do DP complexo podem acarretar menor custo (FORSTER et al, ; CORRA et al, aceito).

    Do ponto de vista da aquisio da linguagem, necessrio que a criana represente a

    possibilidade de deslocamento de constituintes em sua lngua, as posies que admitem tal

    deslocamento de modo a especificar os traos formais pertinentes a essas estruturas.

    Novamente, necessrio que a criana reconhea a informao relevante para esse fim nas

    interfaces a presena de um DP-QU movido levando em conta seu posicionamento em relao estrutura argumental do verbo, a identificao do que, como um operador que

    introduz um CP[rel], a presena de Aux+Particpio como indicativo de que o sujeito no tem

    papel de agente/experenciador. No caso de passivas, a reversibilidade dos papeis temticos

    assumidos pelos DPs da sentena facilita o uso de estratgia de atribuio do papel de agente

    ao sujeito, estratgia cujo uso pode ser acentuado nos casos em que a criana no reconhece

    ou no atenta para a informao gramaticalmente relevante nas interfaces.4

    O reconhecimento da informao gramatical pertinente ao deslocamento de

    constituintes pode ser comprometido por um problema de aquisio, de carter geral no

    tratamento dos dados da lngua em termos de informao de interface. Pode ser decorrente de

    uma dificuldade mais especfica da identificao de informao gramaticalmente relevante via

    a interface fnica, por ser esta dependente de uma janela de processamento relativamente

    ampla para que os padres de dependncias de longa distncia sejam reconhecidos e a

    informao pertinente a movimento sinttico seja representada em termos de traos formais.

    Contudo, mesmo que esses traos estejam representados no lxico, a recuperao dos mesmos

    na computao on-line pode se ver comprometida. Assim, dificuldades operacionais

    (decorrentes de um distrbio que afete diretamente a recuperao de informao

    gramaticalmente relevante do lxico) podem acarretar o acesso errtico (ou opcional a estas),

    como pode ser observado em muitas das manifestaes do DEL.

    Alm disso, mesmo que essa informao seja recuperada, a manuteno de informao

    de natureza sinttica na memria de trabalho pode ser custosa e esse custo pode ser varivel

    em funo de condies estruturais especficas (como o nmero de ns e traos mantidos)

    assim como de condies especficas de processamento. Nesse sentido, o processamento de

    estruturas que envolvem deslocamento de um objeto para a periferia esquerda, que requer o

    acoplamento de um DP sujeito (ou seja, diferente do elemento mantido na periferia esquerda)

    na orao em questo (interrogativa ou relativa) mais custoso do que o processamento de

    estruturas em que o sujeito deslocado, como vem sendo amplamente constatado (cf. reviso

    em MIRANDA, 2009). A complexidade estrutural do DP sujeito pode, no obstante,

    relativizar esse custo. Assim sendo o processamento de DPs ramificados teria maior custo do

    que o de DPs pronominais (FRIEDMANN, BELETTI & RIZZI, 2009; RIBEIRO, 2012).

    4 Reversibilidade de papis temticos , de todo modo, uma fonte de dificuldade em tarefas de compreenso de

    sentenas mesmo quando estas se apresentam na ordem cannica, mesmo aos 7 anos de idade (Silveira, 2002).

    Uma apreciao inicial das demandas da sentena ou uma pr-anlise baseada em informao lexical e ordem

    podem explicar essa dificuldade (cf. TOWSEND & BEVER, 2002).

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    O processamento de estruturas de alto custo pode, portanto, acarretar dificuldades que

    afetam uma ampla populao. Crianas com distrbio de ateno podem no atentar para

    informao de interface que as leve a fazer uso de estratgias de ensaio para manuteno de

    informao sinttica na memria, acarretando o uso de atalhos computacionalmente mais

    simples para uma pronta soluo tarefa. Crianas com problemas vinculados memria

    fonolgica (loop fonolgico da memria de trabalho) podem ter dificuldade especfica no

    processamento de estruturas de alto custo, sem que outras manifestaes do DEL se

    apresentem. Assim sendo, o custo de processamento dessas estruturas pode ser uma das

    causas de dificuldades no desempenho escolar, independentemente de sua natureza. Uma

    avaliao de habilidades sintticas de crianas em idade escolar , assim, fundamental no

    apenas para a identificao de possveis casos de DEL como para a deteco de uma possvel

    causa das dificuldades de linguagem de crianas que apresentam problemas de aprendizagem,

    independentemente de suas causas.

    A prxima seo apresenta os resultados de uma ampla avaliao das habilidades

    lingusticas no domnio da sintaxe de crianas em idade escolar. Os resultados, como

    veremos, mostram-se compatveis com a hiptese de custo de processamento um fator que

    compromete seu desempenho.

    4. Avaliao de problemas de linguagem no domnio da sintaxe

    A avaliao de habilidades lingusticas de crianas em idade escolar foi conduzida

    com o principal propsito de identificar possveis casos de DEL. Esta avaliao foi conduzida

    com crianas de 6 a 12 anos de idade da rede pblica de ensino do Rio de Janeiro por meio do

    Mdulo 1 do MABILIN (Mdulos de Avaliao de Habilidades Lingusticas) (CORRA,

    2000). Nesse mdulo, a compreenso de sentenas previstas como de alto custo

    computacional investigada por meio de uma tarefa de identificao de imagens. As

    estruturas testadas foram passivas, interrogativas QU (Quem) e QU+N (Que x) e relativas

    restritivas. Sentenas ativas foram tomadas como linha de base do teste. O mdulo consiste

    de 3 blocos contendo 8 instncias de cada tipo de estrutura. Bloco 1, ativas e passivas (com

    papis temticos reversveis para sujeito e objeto, e com papis temticos irreversveis); Bloco

    2, interrogativas QU e QU+N de sujeito e de objeto; e relativas ramificadas direita, de

    sujeito e de objeto; e Bloco 3, relativas encaixadas no centro, de sujeito e de objeto, com

    verbos transitivos e intransitivos. Para cada sentena-teste, trs opes de figuras foram

    apresentadas (cf. Fig.3): a figura-alvo (a), que descreve um evento correspondente quele

    apresentado pela sentena-teste; erro provvel (b), como tomar o agente como sujeito, em

    uma estrutura na voz passiva, e erro menos provvel (c), como a identificao dos

    personagens mencionados na sentena sem que desempenhassem uma ao ou de um

    personagem no mencionado na sentena. No caso das relativas, o erro menos provvel foi o

    correspondente compreenso da orao principal com referente distinto do alvo como

    sujeito/agente resposta tpica de crianas de at 4 anos para relativas de objeto, particularmente as encaixadas (CORRA, 1986; 1995). Para as sentenas interrogativas QU e

    relativas restritivas, uma cena contendo a informao prvia necessria para a interpretao

    adequada da sentena era apresentada (cf. Figs 4-5).

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    Fig. 3: Opo (a) alvo; (b) erro provvel; (c) erro pouco provvel

    Fig. 4 Opo (a) erro provvel; (b) alvo; (c) erro pouco provvel

    Fig.5 Opo (a) alvo; (b) erro provvel; (c) erro provvel

    Participaram 300 crianas da rede pblica de ensino no Rio de Janeiro, sendo

    aproveitados, por razes de ordem tcnica, os dados de 289 crianas (109 na faixa de 6-8 anos

    (63 meninos; 46 meninas) e 189 na faixa de 9-12 anos (102 meninos; 87 meninas).

    Apresenta-se aqui apenas uma sntese dos resultados estatisticamente significativos

    (p

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    encaixadas (A borboleta que a formiga enfeitou...) as que apresentaram maior dificuldade para

    as crianas. Determinou-se que um desempenho situado 2 desvios padro (SD) abaixo da

    mdia da faixa etria em pelo menos uma condio de teste seria tomado como indicativo de

    problemas de linguagem no domnio da sintaxe de moderado, (desempenho 2SD abaixo da mdia em at 3 das 13 condies de teste), a acentuado (desempenho 2SD abaixo da mdia

    em mais de 7 condies). Foram identificadas 27 crianas com problemas de linguagem em

    diferentes graus (9,3%). Dessas crianas, 10 foram identificadas como tendo problemas de

    aprendizagem pelas professoras e para 5 destas no foi possvel obter tal informao. Assim

    sendo, pelo menos 33% das crianas inicialmente avaliadas tinham o desempenho escolar

    comprometido.

    Custo de processamento, tal como previsto no MINC, , portanto, um fator que

    permite prever problemas de linguagem em crianas em idade escolar e o instrumento criado

    para avaliao de habilidades de processamento de estruturas de alto custo pode contribuir

    para a identificao de possveis casos de DEL (cf. CORRA & AUGUSTO, 2011b; 2011c;

    CORRA, AUGUSTO & BAGETTI, a sair).

    5. Hipteses para uma possvel interveno

    Um dos objetivos que orienta o estudo do DEL e de problemas de linguagem no

    contexto de problemas de aprendizagem consiste em prover subsdios tericos com

    sustentao emprica para o desenvolvimento metodologias, que possam ser utilizadas por

    fonoaudilogos, pedagogos e mesmo professores regentes, de modo a contribuir para um

    melhor desempenho lingustico, considerando-se as vantagens que isso pode acarretar para a

    criana, do ponto de vista de sua auto-estima e integrao social. Assim sendo, foi conduzido

    um estudo piloto com 16 das crianas identificadas com problemas de linguagem, no domnio

    da sintaxe5, sendo que destas, 10 apresentaram queixas de aprendizagem

    6 (CORRA &

    AUGUSTO, in prep.). Nesse estudo, foi conduzida uma avaliao da produo da fala, por

    meio de tarefas de produo eliciada de estruturas de alto custo e foi constatado que

    dificuldades de compreenso, tal como aferidas pelo MABILIN, permitem prever dificuldades

    de ordem sinttica na produo dessas estruturas, relativas de objeto em particular (CORRA,

    AUGUSTO E BAGETTI, a sair). Seguindo-se essa avaliao, as crianas foram submetidas a

    9 sesses semanais, individuais, de 50 minutos, conduzidas por pesquisadores do LAPAL7.

    Foram elaborados 3 blocos, cada qual com 3 sesses de atividades interativas, centradas na

    5 O projeto FAPERJ no qual este estudo se insere (CORRA, 2008) Relaes entre DEL (Dficit Especfico da

    Linguagem) e problemas de linguagem no quadro do DAp (Dificuldades de Aprendizagem): mdulo sinttico, interface gramtica-pragmtica e caminhos para intervenofoi aprovado pelo Comit de tica da PUC-Rio e

    pela Secretaria de Educao do Rio de Janeiro. 6 Algumas das crianas originalmente selecionadas no puderam participar da segunda etapa do estudo, por

    terem sido transferidas de escola. A reposio foi feita mediante indicao de crianas com problemas de

    aprendizagem por parte da professora, as quais foram submetidas ao MABILIN e classificadas segundo os

    mesmos critrios utilizados na constituio da amostra inicial. 7 Estes incluram a autora, responsvel por 5 crianas; a Dra. Tatiana Bagetti, pesquisadora pos-doc no LAPAL,

    responsvel por 4 crianas, a fonoaudiloga Nely Maccachero, (Mestre em Lingustica), responsvel por 3

    crianas, e trs alunas em Iniciao Cientfica, duas da PUC-Rio, Lucia Morabito e Ludmilla Salles (sob a

    orientao da autora), responsveis por 2 crianas e uma da UERJ, Odete Firmino (vinculada a projeto de

    extenso, sob orientao da Profa. Marina Augusto, integrante do grupo de pesquisa do LAPAL), responsvel

    por 2 crianas.

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    produo e/ou na compreenso de um das estruturas de alto custo trabalhadas (passivas e

    relativas), com vistas estimulao do uso e da compreenso das mesmas com custo de

    processamento variado, ao despertar de uma conscincia sinttica (ou seja, sensibilidade s particularidades da forma e da funo das estruturas trabalhadas) assim como de uma

    conscincia funcional no que diz respeito referncia definida especfica, particularmente no caso de oraes relativas. As atividades eram ldicas, com suporte de imagens

    apresentadas na tela de um laptop e iniciadas por narrativa, descrio de imagem ou

    adaptao de canto popular. Algumas das atividades envolviam o uso do mouse pela criana,

    para que esta alterasse a imagem apresentada em funo do que lhe era demandado. As

    atividades propostas e o material elaborado (pranchas em power-point) foram criados a partir

    das hipteses de trabalho, formuladas luz das teorias de aquisio da linguagem e

    processamento aqui brevemente expostas:

    1. Crianas com problemas de linguagem no domnio da sintaxe tm dificuldade em reconhecer informao de interface relevante para o desencadeamento de

    determinadas operaes sintticas (cf. ateno presena de AUX+Particpio nas

    passivas, presena do complementizador/pronome relativo, nas relativas);

    2. Crianas com problemas de linguagem no domnio da sintaxe tm dificuldade em manter ativa, na memria de trabalho, por meio de estratgias de ensaio

    (desencadeadas pelo reconhecimento de informao gramaticalmente relevante nas

    interfaces), uma representao correspondente ao marcador sinttico do enunciado

    analisado, necessria ao uso de estabelecimento de dependncias de longa distncia;

    3. Crianas com problemas de linguagem e de aprendizagem tm dificuldade na conduo de operaes de categorizao e subcategorizao necessrias produo e

    compreenso da referncia definida especfica, realizada por oraes relativas

    restritivas ou por mais de uma estrutura de adjuno.8

    Os resultados preliminares, baseados no contraste entre os resultados do MABILIN 1 e

    de tarefas de produo eliciada antes e aps o acompanhamento individual, sugerem que a

    estimulao intensa das estruturas em questo contribui significativamente para um melhor

    desempenho do grupo como um todo (nas estruturas trabalhadas, assim como em estruturas

    que envolvem operaes sintticas semelhantes, como as interrogativas QU). Em nvel

    individual, observou-se melhora significativa no desempenho de 73% das crianas (em um

    total de 15, dado que uma no foi submetida avaliao final), sendo que das 11 crianas cujo

    desempenho na primeira avaliao por meio do MABILIN (Mdulos de Avaliao de

    Habilidades Lingusticas, CORRA, 2000) foi indicativo de um comprometimento expressivo

    ou severo, apenas 1 no manifestou melhora na segunda avaliao.

    Paralelamente conduo do acompanhamento, as crianas selecionadas foram

    submetidas a testes fonoaudiolgicos, avaliao cognitiva por meio do WISCIII e

    encaminhadas audiometria e avaliao neurolgica. Apenas uma das crianas

    acompanhadas, com problemas de linguagem expressivos e queixas de aprendizagem, teve

    desempenho inferior faixa etria nas tarefas de cognio no-verbal. No foi possvel obter

    os resultados das demais avaliaes. Assim sendo, no foi possvel obter-se um diagnstico

    de excluso do DEL nos demais casos. Pode-se apenas dizer que essas crianas so possveis

    casos de DEL. Desse modo, os resultados obtidos sugerem que o tipo de estimulao

    8 Esta hiptese no foi diretamente motivada pela argumentao apresentada neste artigo.

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    conduzido pode contribuir para uma melhora no desempenho de crianas em idade escolar

    que apresentam um comprometimento de linguagem no domnio da sintaxe,

    independentemente de como venham ser diagnosticadas.

    Consideraes Finais

    Este artigo apresenta resultados de um programa de pesquisa que visa a integrar teoria

    lingustica, psicolingustica no desenvolvimento de uma teoria procedimental da aquisio da

    linguagem e de um modelo de computao on-line, vistos como fundamentais para um

    entendimento da natureza do DEL, de um ponto de vista funcional.9 Foram ainda apresentadas

    as hipteses que orientam um estudo acerca de procedimentos de estimulao e conscincia

    sinttica em crianas com problemas de linguagem de natureza sinttica. Independentemente

    das causas dos dficits de linguagem constatados em crianas em idade escolar, ateno

    informao de interface, a estimulao de processos dependentes de estratgias de ensaio, e o

    uso de certa conscincia sinttica de modo a remediar, via estratgias cognitivas, um processo

    de aquisio comprometido parecem trazer direcionamentos promissores para uma possvel

    interveno.

    ABSTRACT: SLI and its main approaches are characterized. It is argued that a better understanding of this

    syndrome requires a procedural theory of language acquisition and a model of on-line linguistic computation,

    grounded on a theory of language. Minimalist assumptions are presented, which are incorporated in the approach

    to DEL introduced here. Processing cost is characterized and the results of a broad evaluation of the abilities of

    school children in the comprehension of high costly structures. The criteria for the identification of children with

    impaired syntactic abilities are presented. Working hypotheses guiding a pilot investigation on possible

    interventions procedures are formulated.

    Key-words: language acquisition, SLI, on-line computation, minimalism, processing cost.

    Referncias

    AUGUSTO, M. R. A. CORREA, L. M. S. DEL, movimento sinttico e o caso das passivas:

    consideraes a partir de um modelo formal, neste volume.

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