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ADELINO JOSÉ DE CARVALHO DIAS O ENSINO SUPERIOR PRIVADO EM UBERLÂNDIA: precarização do trabalho docente Uberlândia 2006

O ENSINO SUPERIOR PRIVADO EM UBERLÂNDIA: precarização do ... · DIT – Divisão Internacional do Trabalho ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio ESAMC - Escola Superior de Administração,

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ADELINO JOSÉ DE CARVALHO DIAS

O ENSINO SUPERIOR PRIVADO EM UBERLÂNDIA: precarização do

trabalho docente

Uberlândia 2006

ADELINO JOSÉ DE CARVALHO DIAS

O ENSINO SUPERIOR PRIVADO EM UBERLÂNDIA: precarização do

trabalho docente

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Área de concentração: Políticas e Gestão em Educação Orientador: Professor Dr. Carlos Alberto Lucena.

Uberlândia 2006

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D541e

Dias, Adelino José de Carvalho, 1970- O ensino superior privado em Uberlândia : precarização do trabalho docente / Adelino José de Carvalho Dias. - 2006. 161 f. : il. Orientador: Carlos Alberto Lucena. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia, Progra- ma de Pós-Graduação em Educação. Inclui bibliografia.

1. Ensino superior - Uberlândia (MG) - Teses. 2. Professores univer-sitários - Teses. I. Lucena, Carlos Alberto. II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.

CDU: 378(815.12*UDI)

Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação

Agradecimentos

À parte o apoio das entidades e dos professores citados neste

estudo, em especial a Universidade Federal de Uberlândia pelos

sucessivos anos de formação, manifesto sincera gratidão ao Prof.

Dr. Carlos Alberto Lucena pelo modo e solidariedade dispensados

na orientação, à Gilvane Gonçalves Corrêa pelo apoio

necessário, à Jaqueline Nogueira Gopfert pelo companheirismo e

envolvimento em cada página e à Maria Aparecida de Carvalho

Dias pela dedicação de uma vida às maneiras dignas de se

realizar o trabalho humano. Dedico o trabalho especialmente à

Jaqueline e à Maria Aparecida, agradecendo ainda ao Edson Dias

da Silva por continuar resistindo às incertezas do amanhã.

Criar um mundo novo, revelar a nova vida, recordar que existe um limite, uma fronteira para tudo, menos para o sonho humano. Moldar com as mãos o mundo, revelar com os olhos a vida, recordar nos sonhos aquilo que virá. Sebastião Salgado, Trabalhadores

Companhia das Letras, 1996.

O ENSINO SUPERIOR PRIVADO EM UBERLÂNDIA: CONTRADIÇÕES DO TRABALHO DOCENTE

por ADELINO JOSÉ DE CARVALHO DIAS

Resumo

Esta dissertação tem por objetivo problematizar a precarização do trabalho docente que se desenvolve no Ensino Superior Privado no Brasil a partir dos anos 1990, discutindo a sua materialização em instituições particulares de Ensino Superior em Uberlândia/MG nos últimos cinco anos, especialmente em um centro universitário da cidade. Amparado no referencial teórico-metodológico marxiano, a pesquisa pressupôs que as condições verificadas nestas instituições não são exemplos que ocorrem nos limites desta cidade, mas produto das contradições e mediações dialéticas existentes entre as transformações do mundo do trabalho e a formação humana através do acesso à ciência, caminho que permite o entendimento do processo de precarização desta atividade humana no período contemporâneo.

O ENSINO SUPERIOR PRIVADO EM UBERLÂNDIA: CONTRADIÇÕES DO TRABALHO DOCENTE

por ADELINO JOSÉ DE CARVALHO DIAS

Abstract

The goal of this dissertation is to bring to attention the precariousness of teaching work that has been developing in Brazilian private higher education institutions since the 1990’s, arguing its materialization in Uberlândia/MG in the last five years, especially in one of the higher education institutes within the city. Supported by the referencial Marxist theoretical-methodology, the research pressuposes that the conditions verified in these institutions are not examples that occur solely within the city limits, but products of the contradictions and dialectic interfaces existing between the transformations of the world of work and the human formation through the access to science, a path that allows the understanding of the process of precariousness of this human activity in the contemporary period.

LISTA DE SIGLAS

ABMES – Associação Brasileira de Mantenedores de Ensino Superior

ABRACEC – Associação Brasil Central de Educação e Cultura de Uberlândia

ACP – Ação Civil Pública

ADUFU-SS – Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de

Uberlândia

ADUNIT - Associação de Docentes da UNIT

ANDES-SN – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino

Superior

Art. – Artigo

ASOEC – Associação Salgado de Oliveira de Educação e Cultura

Bird – Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento

BM – Banco Mundial

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CAS – Conselho de Administração Superior

CATÓLICA – Faculdade Católica de Uberlândia

CEE – Conselho Estadual de Educação

CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina

CFE – Conselho Federal de Educação

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNE – Conselho Nacional de Educação

CONAD – Conselho Nacional de Associações Docentes

CONFENEN – Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino

CONTEE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de

Ensino

DIT – Divisão Internacional do Trabalho

ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio

ESAMC - Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação

EUA – Estados Unidos da América

FACIMINAS - Faculdade de Ciências Aplicadas de Minas

FAIU – Faculdades Integradas de Uberlândia

FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador

FENEN – Federação Regional dos Estabelecimentos de Ensino

FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FIT – Faculdades Integradas do Triângulo

FMI – Fundo Monetário Internacional

FPU – Faculdade Politécnica de Uberlândia

GT – Grupo de Trabalho

IEES – Instituições Estaduais de Ensino Superior

IES – Instituição de Ensino Superior

IFES – Instituições Federais de Ensino Superior

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira

IPES - Instituições Particulares de Ensino Superior

MEC – Ministério da Educação

MPT – Ministério Público de Trabalho

MPU – Ministério Público da União

OIT – Organização Internacional do Trabalho

OMC – Organização Mundial do Comércio

ONU – Organização das Nações Unidas

PP – Projeto Pedagógico

PPI – Procedimento Próprio de Investigação

PROCON – Órgão Municipal de Defesa do Consumidor

PRT – Procuradoria Regional do Trabalho

PUC - Pontifícia Universidade Católica

SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

SBT – Sistema Brasileiro de Televisão

SESu/MEC – Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação

SINDUNIT – Seção Sindical dos Docentes do Centro Universitário do Triângulo

SINPRO-MG – Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais

SOCEUB – Sociedade Católica de Uberlândia

UFU – Universidade Federal de Uberlândia

UNIARAXÁ – Centro Universitário de Araxá

UNICERP – Centro Universitário de Cerrado Patrocínio

UNIESSA – Faculdade de Marketing e Negócios

UNIP – Universidade Paulista

UNIMINAS – União Educacional Minas Geral Limitada.

UNIPAC – Universidade Presidente Antônio Carlos

UNIPAM – Centro Universitário de Patos de Minas

UNITRI/UNIT – Centro Universitário do Triângulo

UNIUBE – Universidade de Uberaba

USP – Universidade de São Paulo

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Candidatos Inscritos por Vestibular e Outros Processos Seletivos nos Cursos de Graduação Presenciais em 30/06/2004 por Organização Acadêmica. ___ 69

Tabela 2: Concluintes em Cursos de Graduação Presenciais nos Brasil entre 2000 e 2004. _______________________________________________________________ 70

Tabela 3: Vagas oferecidas em 30/06/2004 nos cursos de graduação presenciais por Organização Acadêmica. _______________________________________________ 70

Tabela 4: Matrículas em Cursos de Graduação Presenciais no Brasil entre 2000 e 2004. _______________________________________________________________ 71

SÚMARIO

Introdução __________________________________________________________ 13

1 As transformações do mundo do trabalho ________________________________ 24

1.1 O fordismo para além da prosperidade econômica: modo de organização social e tendência à crise_____________________________________________ 30

1.2 A emergência de novas exigências do capitalismo mundial _____________ 36

1.3 A centralidade do trabalho na organização da sociedade capitalista. _____ 43

2 As novas condições de trabalho e seus impactos na Educação________________ 48

2.1 Estado, educação e ciência na sociedade capitalista ___________________ 52

2.2 Expansão da educação superior no Brasil como exigência do capital _____ 58

2.3 A educação superior na legislação nacional: Lei N° 9.394/96 e Constituição Federal de 1988 ____________________________________________________ 63

2.4 A expansão do Ensino Superior privado no Brasil a partir dos anos 1990 _ 68

3 O Ensino Superior privado em Uberlândia _______________________________ 75

3.1 A trajetória do Centro Universitário do Triângulo – Unitri. ____________ 80

3.2 O surgimento e as reações à Associação de Docentes do Centro Universitário do Triângulo ______________________________________________________ 86

3.3 Precarização do Trabalho no Centro Universitário do Triângulo ________ 94

4 A resistência dos docentes à precarização do trabalho _____________________ 110

4.1 As associações sindicais dos docentes do Ensino Superior privado ______ 112

4.2 As reações locais às práticas de precarização do trabalho docente ______ 120

Considerações finais _________________________________________________ 133

Referências Bibliográficas_____________________________________________ 138

Bibliografia consultada _______________________________________________ 144

Apêndice 1: Entrevista ________________________________________________ 147

Apêndice 2: Entrevista ________________________________________________ 154

Apêndice 3: Entrevista ________________________________________________ 157

Anexo 1: Excertos da Sentença judicial __________________________________ 160

13

INTRODUÇÃO

Para além de diversas justificativas que se possa apresentar, a

pesquisa desenvolvida teve uma razão bastante próxima e pessoal para se

realizar. Isto porque o interesse pela análise do processo de precarização que

atinge o trabalho docente realizado no Ensino Superior nas últimas décadas

possui sua gênese na nossa experiência profissional vivenciada nos últimos

anos. Em outras palavras, vivenciamos, como docente atuante em Instituições

Particulares de Ensino Superior (IPES) da região e como dirigente de uma

seção do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior

(ANDES-SN) que se criou no ano de 2001 na cidade de Uberlândia/MG, os

processos que ora são tratados, nos colocando em um lócus privilegiado para

refletir sobre um cenário que se delineava havia algumas décadas e que

assumia contornos de uma contradição tornada evidente, já que, por um lado,

as novas unidades de Ensino Superior presentes na cidade permitiram a

expansão acelerada da oferta de vagas, ampliando o acesso ao saber a

parcelas historicamente alijadas desta condição e, por outro lado, esta

condição determinou o aumento do número de docentes em atividade

submetidos a formas de trabalho não conhecidas até então.

As insatisfações manifestadas por professores mais experientes

em razão das novas exigências profissionais, as discussões com colegas

docentes que desenvolviam suas atividades acadêmicas em diferentes

instituições da cidade e região, as angústias e desafios inerentes ao

envolvimento na prática docente presentes no começo desta década foram

fatores que se conjugaram e determinaram a necessidade deste pesquisador

analisar uma situação instigante, logo definida como o problema que originou

este trabalho: como as transformações do mundo produtivo alteraram as

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condições de trabalho dos docentes que atuam no setor privado do Ensino

Superior no Brasil nas últimas décadas e, em especial, como repercutiram e

repercutem no interior dos estabelecimentos de Ensino Superior desta cidade,

enfatizando-se, em particular, a ocorrência deste processo em uma destas

unidades de ensino.

Compondo a população alvo, a pesquisa problematizou as

informações coletadas referentes a 08 (oito) instituições particulares de Ensino

Superior existentes na cidade de Uberlândia/MG, destacando-se como

população em estudo o Centro Universitário do Triângulo (hoje Unitri), cujos

dados foram manuseados em razão do destaque que esta unidade de ensino

alcançou no cenário local em face de ter sido a pioneira a oferecer à

comunidade regional uma grande quantidade de vagas em cursos de

graduação até então bastante concorridos nos sucessivos concursos

vestibulares realizados pela Universidade Federal de Uberlândia, condição que

lhe permitiu, em curto espaço de tempo, alcançar a expressiva quantidade de

13.000 alunos matriculados no ano de 1999 e permanecer desde então como a

maior IPES da cidade com aproximadamente 7.000 alunos nos dias atuais.

O ano de 2001 merece ser especialmente considerado por conta

da acelerada modificação das relações de trabalho que se impunha ao

conjunto dos docentes de uma destas instituições e, ainda, por ter sido criada

em seu interior uma associação de docentes que se organizava no seu próprio

local de trabalho, por sinal a primeira e a única desta cidade até agora, a

mantenedora da unidade realizou com alarde a sumária demissão de toda a

diretoria que compunha a nova entidade, manifestando publicamente que os

interesses daqueles professores demitidos não eram os mesmos dos

mantenedores1. O conflito se manifestou de tal forma que um dos

mantenedores, hoje senador da República do Brasil, chegou a afirmar que não

1 Em 25 de julho de 2001, durante o recesso acadêmico, todos os diretores da recém criada Associação

de Docentes da UNIT (ADUNIT) foram demitidos do Centro Universitário do Triângulo (UNIT) em razão da tentativa de transformar a associação dos professores em uma seção do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior – ANDES-SN. Na semana seguinte, no regresso às atividades acadêmicas, a instituição anunciou a demissão de mais 59 professores.

15

aceitaria, em hipótese alguma, atos daquela natureza em sua “casa”, referindo-

se à mobilização iniciada pelo conjunto de professores da então Unit em

resistência às demissões anunciadas2.

Este episódio foi significativo sob diversos aspectos. Contribuiu

para a problematização do campo profissional ao qual nos vinculamos,

permitindo construir hipóteses de análise em contínua fase de reelaboração e

que caminham no sentido de fortalecer a convicção de que os interesses do

capital encontram-se absolutamente dissociados dos interesses dos

trabalhadores atuantes na educação superior brasileira. Além de instigar o

envolvimento com o objeto a ser pesquisado, a ocorrência das demissões

caracterizou-se como um fato emblemático e revelador de um processo

necessariamente maior e bem mais complexo: as contradições e mediações

dialéticas existentes entre as transformações do mundo do trabalho, a

formação humana através do acesso à ciência e à contínua mudança nas

condições de desempenho do trabalho docente.

Mesmo que a dissociação de interesses de uns e de outros nunca

tenha sido novidade aos nossos olhos, hoje ela se transmuta sob diferentes

maneiras, fazendo-se presente pelas formas mais sofisticadas de atuação,

ocultando-se por meio de conceitos que se repetem insistentemente em todos

os lugares. Desse modo, a pesquisa indagou sobre antigas e novas

expressões que passaram a ser corriqueiras no meio acadêmico, tornando-se

urgente “reformular o projeto pedagógico”, “adaptar-se às novas diretrizes do

MEC”, “adequar-se à flexibilização dos currículos”, “estimular a autonomia de

gestão”, como se fossem situações “naturais” e “inevitáveis”, como se não

tratasse, cada qual destes anátemas, de processos históricos mais complexos

e que estão a exigir de nossa parte um maior empenho de compreensão.

2 Relato aos funcionários da instituição, alcançando repercussão na imprensa local, inclusive em razão de

artigo que assinamos publicado na edição do dia 29 de julho de 2001 no Jornal Correio, com acesso estimado à época de 20.000 leitores, além da reprodução de 1500 cópias promovida pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da então UNIT.

16

No decorrer do episódio das demissões, elaboramos uma nota de

esclarecimento aos alunos daquela instituição dirigida à comunidade

acadêmica local e que logo foi reproduzida em um periódico da cidade.

À parte a desconsideração de que o ensino ministrado pela iniciativa privada é uma concessão do Estado, que deve ser regido em [...] ‘cumprimento das normas gerais da educação nacional’, nos termos do art. 209 da Constituição Federal do Brasil; à parte a contradição demonstrada com a manutenção de um Curso de Direito na cidade com contínuo aumento da oferta do número de vagas ao mesmo tempo em que se cerceia o exercício de direitos elementares de seus próprios professores; à parte a inobservância das normas de boa conduta e de cordialidade devidas a qualquer profissional da educação, presumindo-se como inadmissível a ausência desses modos com professores de um curso jurídico, houve por parte da UNIT claro desrespeito a todos os educadores que incluem a ética no desempenho de suas atividades. (DIAS, 2001, p.2)

Ocorre que o episódio da demissão daqueles professores revelou-

se também significativo por ter demonstrado, já na sua origem, que as razões

que permitiam o aparecimento de novas instituições particulares de Ensino

Superior na cidade, à média de uma por ano desde então, eram as mesmas

determinantes das novas condições de trabalho a que passaram a ser

submetidos os trabalhadores da educação em geral. De certo modo,

inauguravam-se novos tempos no exercício da prática docente local e estes,

bem mais complexos no momento presente, tanto antes como agora, precisam

ser desnudados, atitude a que a presente pesquisa pretendeu não se furtar em

contribuir.

A avaliação do estado da arte permitiu apresentarmos a hipótese

de que o conflito que irrompeu no início daquele segundo semestre letivo

significava o embrião de um processo de transformação das maneiras de se

realizar o trabalho docente que se revelaria contínuo e incisivo nos anos

seguintes, de tal maneira que aquele episódio ainda não se podia fazer

compreender pelos sujeitos envolvidos no processo. De certa forma, os

mantenedores daquela instituição foram os primeiros a demonstrar de forma

inequívoca à sociedade local as condições que pautariam o tratamento ao

trabalho docente naquela unidade de ensino, de modo que, quando a análise

destes fatores se realiza em retrospecto, verifica-se que ocorria ali a

17

inauguração de um processo que hoje é vivenciado diuturnamente pelos

professores que atuam nas IPES espalhadas pela cidade.

Assim, os dados levantados surgiram da reunião de documentos

avaliados como importantes, não por conta de sua quantificação, mas porque

estão a requerer uma análise de natureza qualitativa, empreendida a partir do

entendimento de que há todo um movimento dialético que perpassa o objeto de

estudo que não pode ser desconsiderado. Desse modo, ainda que seja

importante mensurar os dados coletados, é de fundamental importância

relacioná-los entre si e cotejá-los com uma realidade dinâmica, complexa e

contraditória que pode ser analisada sob variados aspectos. Sabe-se inclusive

do risco presente nas pesquisas quantitativas sobre a temática do Ensino

Superior privado em razão da abundância de informações que os

mantenedores das IPES oferecem à sociedade, apresentando estatísticas e

comparações freqüentes que, ao pesquisador menos atento, podem desviar o

foco de abordagem e mesmo resultar em conclusões precipitadas acerca de

seu objeto de estudo.

São justificativas que apresentam a hipótese de que o acesso a

diversas fontes de informação nos permitiu trabalhar com diferentes

documentos de análise, alguns bastante estratégicos e prenhes de informação

a revelar. Desse modo, manuseamos o jornal de maior circulação de

Uberlândia, “Jornal Correio”, com tiragem de aproximadamente doze mil

exemplares, merecendo destaque reportagens específicas sobre aquela

instituição publicadas nos anos 1998, 2001 e 2005, além de entrevistas3

realizadas com sujeitos vinculados aos interesses docentes, como o professor

que era o principal articulador da associação criada no ano de 2001, um

dirigente de um sindicato dos trabalhadores de Ensino Superior atuante no

episódio da demissão dos professores daquela entidade e com um

representante sindical que teve atuação no interior desta instituição.

3 A transcrição literal e integral das entrevistas realizadas está no Apêndice deste estudo.

18

Os documentos são problematizados em uma abordagem

histórico-dialética de análise que entende a história em constante movimento.

Por esta razão são testemunhos de sua época, produzidos em meio a conflitos

de grupos que se relacionam e pugnam por pretensões inconciliáveis como,

por exemplo, aquelas que fortalecem os interesses corporativos dos

mantenedores do Ensino Superior privado no país e aquelas que definem as

relações de trabalho de parcela significativa dos docentes que atuam neste

setor. Por essa abordagem, esses documentos revelam contradições que

exigem do pesquisador o necessário afastamento da maneira como, por

exemplo, os positivistas tratariam esse material, reforçando o argumento de

que, apesar das fontes utilizadas tratarem principalmente de uma instituição de

ensino da cidade dentre as outras existentes, não se pode reduzir as

conclusões àquele local de investigação, já que o processo que ocorre

caracteriza-se, na verdade, como estrutural na medida em que remete a todo o

universo do Ensino Superior privado no Brasil.

Documentos produzidos no embate político por dois sindicatos de

docentes também foram considerados, destacando-se, no plano local, os

informativos especiais divulgados pelo Sindicato dos Professores do Estado de

Minas Gerais – SINPRO-MG e pela Seção Sindical dos Docentes da

Universidade Federal de Uberlândia – ADUFU-SS, entidade vinculada ao

ANDES-SN, tendo cada associação produzido nota de solidariedade aos

docentes demitidos no mês de julho de 2001 e àqueles que permaneceram em

atividade.

Parte considerável dos dados apresentados nesta pesquisa,

sobretudo aqueles referidos no capítulo terceiro, foram disponibilizados pelo

escritório local do SIMPRO-MG, caracterizando-se como importante fonte de

informações na medida em que os comunicados de demissão e de redução de

carga horária dos docentes das IPES da cidade costumam ser formalizados

nesta entidade, permitindo um viés de análise acerca das condições de

trabalho observadas nas instituições pesquisadas. Outrossim, a exploração

desta fonte foi necessária porque as instituições pesquisadas não forneceram

os dados acerca da quantidade e da situação acadêmica de seus docentes,

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negando-se, em regra, em informar o regime de trabalho a que estão

vinculados os seus professores, se na condição de docentes horistas ou de

tempo contínuo, não disponibilizando, inclusive, a qualificação acadêmica do

profissional contratado, o que permitiria conhecer com mais exatidão a

percentagem de professores graduados, especialistas, mestres que compõem

o seu corpo docente, nos termos exigidos pelas resoluções da Câmara do

Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE) e pelos decretos

expedidos pela Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação

(SESu/MEC).

O acesso a documentos de lavra de uma das instituições de

ensino pesquisadas também foi importante, em especial a análise das minutas

dos planos de reformulação curriculares e de relatórios que discutiram a

elaboração do projeto pedagógico, cuja produção ocorreu quase sempre nas

ocasiões de credenciamento e reconhecimento de seus cursos, processos que

se tornaram freqüentes na última década. O contato com estes documentos

ocorreu por meio de cópias disponibilizadas por ex-coordenadores de curso

que não mais compõem o quadro de pessoal do Unitri. Outros, merecendo

ênfase o plano de carreira protocolizado no Ministério da Educação e o

Regimento Interno da unidade de ensino utilizado neste estudo, foram retirados

de processos trabalhistas em que a principal instituição pesquisada figurou

como reclamada.

Do mesmo modo bastante revelador foi o contato com

documentos extraídos primeiramente de um inquérito civil instaurado no ano de

2003 pela Procuradoria Regional do Trabalho (PRT) situada nesta cidade,

sendo que, públicos por natureza, revelam fatos recentes do cotidiano

acadêmico da instituição. Quando em curso, a investigação realizada pelo

órgão do Ministério Público da União (MPU) produziu 05 (cinco) volumes de

documentos, tendo inquirido diversos professores acerca das condições de

trabalho a que estavam submetidos, além das próprias razões dos gestores

apresentadas no anseio de justificar a adoção de práticas nocivas à realização

da atividade docente. Das informações surgidas nesta investigação, todas

reduzidas a termo, resultou a proposição na Justiça do trabalho local de uma

20

Ação Civil Pública (ACP)4 em desfavor da Associação Salgado de Oliveira de

Educação e Cultura (ASOEC), pessoa jurídica de direito privado mantenedora

da Unitri, cuja sentença foi proferida recentemente após instrução processual

de aproximadamente 1000 páginas, merecendo análise neste estudo por ter

reconhecido de maneira fundamentada diversas práticas alegadas pelos

professores que nos últimos anos atuaram e ainda atuam na instituição

pesquisada. Partimos do princípio de que as fontes anunciadas não são

entendidas por elas mesmas, não falam por si só, mas pelo contrário: elas

representam um importante instrumento de análise que se explica a partir da

problematização da totalidade à qual elas estão inseridas.

A partir dos documentos referidos, o capítulo primeiro demonstra

como as relações de trabalho hoje estabelecidas em 08 (oito) IPES em

atividade na cidade de Uberlândia/MG não surgiram como “cogumelos que

repentinamente brotam do chão”, mas são resultados do desdobramento de um

processo mais amplo cujas transformações sociais situam o Brasil no universo

da divisão internacional do trabalho (DIT), processo que o mantém na condição

de consumidor de tecnologias no grande mercado instituído pela mundialização

do capital. Para tanto, referendando-se no conjunto de leituras utilizado como

fundamentação teórica, este capítulo entende que a complexa reestruturação

produtiva levada a cabo pelas transformações por que passa o capitalismo nas

últimas décadas, razão pela qual nele se enfatiza que o modelo fordista de

produção implantado no século XX representava bem mais que os seus

aspectos econômicos demonstravam, tratava-se, sobretudo, da constituição de

um novo modo de organização social que se alastrou por todo o planeta.

Afirmamos que tanto o processo que o construiu no final do século XIX e início

do XX, como o que o levou à desestruturação no final da década de 1960 são

4 Ação Civil Pública é uma ação judicial de natureza civil criada pela Lei nº 7.347/85 para promover a

defesa coletiva de indivíduos que vivenciam situações de ameaça ou quando são lesados em seus direitos pela prática indevida e reiterada de uma pessoa, empresa ou pessoa jurídica de direito público, como os municípios, estados e União. Na seara dos direitos trabalhistas a Ação Civil Pública é proposta, via de regra, pelo Ministério Público do Trabalho “[...] sempre que determinado procedimento patronal, por seu caráter genérico, atente contra direitos trabalhistas, como forma de cortar o mal pela raiz, em vez de permitir a multiplicação das ações individuais daqueles que se viram lesados pelos procedimentos mencionados, abarrotando a já assoberbada Justiça do Trabalho” (MARTINS Filho, 1992, p. 811].

21

problematizados a partir da dialeticidade existente entre as crises estruturais do

capitalismo tão bem apontadas por Marx no “Livro Terceiro de O Capital” e os

movimentos sociais em resistência à reprodução do capital, constituindo-se na

mediação tão contestada, mas ao mesmo tempo ainda tão relevante, central e

atual: a luta de classes como motor da história. No curso deste capítulo

discute-se também a emergência das novas exigências do capitalismo mundial

que definiram sua configuração para além das fronteiras nacionais,

transnacionalizando-se através das ininterruptas práticas de financeirização

definidas na sociedade mundial. Apontamos que estas exigências transformam

sobremaneira o trabalho humano, impondo às atividades laborais o impacto da

necessidade de se adaptar o tempo existente a diferentes padrões de

racionalidade e de produtividade, de tal modo que ele deve ser integralmente

dedicado a práticas de “qualificação” e “preparação”, a todo instante divulgadas

como ideais e as únicas capazes de permitir o acesso ao trabalho para aqueles

que estão à sua margem ou a sua manutenção para aqueles que o têm.

Este movimento teórico inicial foi necessário para discutirmos as

condições de trabalho em curso não só nas IPES como em todo o conjunto do

Ensino Superior do Brasil, temática desenvolvida no segundo capítulo desta

pesquisa. Neste, evidencia-se como a construção do conhecimento interliga-se

a este processo, verificando-se como aquelas exigências divulgadas pelo

capital sob a alcunha de qualificação profissional têm relação próxima com a

ampliação contínua da oferta de vagas no Ensino Superior privado, ainda que o

festejado “acesso ao saber” oferecido pelas instituições de ensino no Brasil

ocorra de modo subordinado ao universo da produção científica mundial.

Indica-se no desenvolvimento deste capítulo como no período do Estado Militar

brasileiro houve elementos determinantes na expansão verificada, travando-se

embates entre os grupos sociais envolvidos acerca dos modelos de Ensino

Superior pretendidos, estando expressos na elaboração da Lei de Diretrizes e

Bases (LDB) da educação nacional. A conjugação destes elementos permitiu

compreender como o Ensino Superior no Brasil assumiu o caráter

essencialmente privado que hoje possui, condição revelada, ao final do

capítulo, pela hegemonia alcançada pelos mantenedores das Instituições de

22

Ensino Superior (IES) que investem no setor das instituições particulares com

fins lucrativos.

No capítulo terceiro, a partir da realidade de um local em

particular, desenvolvemos análise acerca das contradições do trabalho docente

presentes nesta cidade, necessitando, em primeiro lugar, historiar a

emergência de 08(oito) unidades de ensino e a progressiva expansão de vagas

à comunidade regional promovidas por estas instituições para após, na

seqüência, em meio ao universo do Ensino Superior privado local, a pesquisa

poder se dedicar à análise de como alterações na gestão e nas relações de

trabalho havidas especificamente no Unitri representam a manifestação

inequívoca de um cenário que é estrutural e de modo algum exclusivo à

instituição pesquisada. As condições do trabalho docente verificadas nesta

IPES causaram insatisfação no conjunto dos trabalhadores da instituição, cujo

resultado foi a emergência das primeiras formas locais de organização docente

relatada no curso do capítulo e que exigiram a reação dos mantenedores à

entidade de classe criada pelos professores.

Ao final, no quarto capítulo, demonstramos como a manifestação

do conjunto dos trabalhadores em educação do país caracteriza-se como uma

resistência necessária às transformações havidas, estando as associações

sindicais que representam os docentes inseridas nos embates que se

materializam no setor do ensino privado brasileiro, inclusive manifestando

divergências quanto aos meios de atuação. O capítulo revelou como esta

correlação de forças opera no plano local e determina a reação que estabelece

às maneiras de se realizar o trabalho docente na cidade de Uberlândia,

ressaltando-se que este processo segue o seu curso e não se encerra nos

limites da instituição observada.

O caminho por este percurso nos permitiu argumentar, em sede

de conclusão, que não só o evento das demissões anunciadas na metade do

ano de 2001, ocorrido em uma destas instituições, mas as sucessivas

transformações nas condições de trabalho dos docentes que irromperam

nestas IPES desde então podem ser esclarecidas a partir das transformações

demonstradas nos capítulos anteriores. Este entendimento pode ser justificado

23

pelas atividades acadêmica e sindical que desenvolvemos, de modo que o

estudo elaborado implicou em teorizar a experiência vivenciada no curso

destes processos, implicando no desenvolvimento de um olhar crítico à medida

que a pesquisa revelava a dimensão de seu objeto. Ainda que surjam

aproximações com o problema a ser enfrentado, estas, quando presentes,

encontram-se referendadas pelas fontes anunciadas nesta introdução. Ao se

aproximar da idéia de experiência surge, quase que como um imperativo, a

necessidade de considerarmos os escritos de Thompson (1987) sobre o

conceito. O historiador inglês, sob a alcunha de ser um marxista empirista,

empenhou-se na valorização do termo “experiência” procurando entendê-lo a

partir do cotidiano vivenciado pelas pessoas no interior de sua própria história,

de modo que as ações praticadas e os comportamentos demonstrados por

cada um se apresentam como representativos de uma situação única que pode

ser apreendida e revelada sob diversos significados. Por esta senda, as

situações pelas quais passa cada um dos docentes do Ensino Superior privado

desta cidade, em meio à diversidade aparente, estando cada qual envolvido na

hipotética particularidade da ocasião, podem ser pensadas de modo a se

compreender que pertençam a uma situação comum experimentadas por

todos. Thompson pressupõe o desenvolvimento histórico das formas de

entendimento do homem sobre sua real condição de existência, de modo que a

vida particular e concreta de cada sujeito é definidora da elaboração da

consciência de si e do próprio mundo em que vive, para além de qualquer

sentido aparentemente abstrato e pré-elaborado.

Ao final restamos com a pretensão de que o texto apresentado

seja capaz de demonstrar como há uma coerência entre os escritos de

diversos autores que se propuseram a pensar as diferentes experiências de

realização do trabalho humano nos últimos tempos, sejam elas verificadas no

ambiente hostil das fábricas do continente europeu ao final do século XIX, nas

residências da metade do século passado nos Estados Unidos da América,

naqueles que foram os “anos dourados” refletidos por Eric Hobsbawn, ou,

ainda, nos dias atuais, no precário cotidiano das atividades acadêmicas das

unidades particulares de Ensino Superior materializadas em uma comunidade

urbana no centro do Brasil.

24

1 AS TRANSFORMAÇÕES DO MUNDO DO TRABALHO

Problematizar as mediações das relações de trabalho docente

existente nas instituições privadas de Ensino Superior presentes na cidade de

Uberlândia pressupõe o entendimento de que as condições apresentadas não

são exemplos que se apliquem apenas às instituições pesquisadas e tampouco

àquela que mereceu maior atenção neste estudo. Na realidade, o processo de

transformação das condições de trabalho que atinge as mais diversas

instituições de ensino manifesta tanto processos singulares denunciados pelos

professores através de suas organizações de classe, como processos

heterogêneos construídos através das particularidades de cada instituição. O

que se demonstra é que o movimento dialético que apresenta as articulações e

influências do capitalismo monopolista na educação não deve ser confundido

com um processo mecânico. Em outras palavras, todo processo dialético se

consolida também pelas resistências presentes em cada segmento educativo.

Entre essas resistências se verifica o pensamento e atuação dos dirigentes

educacionais e, principalmente, o nível de organização dos professores no trato

dessas questões. É nesse sentido que se consolidou o interesse pela pesquisa

desenvolvida.

De acordo com Ianni (2004), não há mais pruridos em se aplicar

às relações de ensino todas as regras existentes na economia de mercado

para se alcançar os lucros que este “produto” tem condições de produzir.

Desse modo, com a efetiva participação do Banco Mundial (Banco

Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, Bird/BM) na definição dos

caminhos a serem seguidos pelos sistemas de ensino nacionais, vem

ocorrendo desde os anos de 1950 a transformação daqueles espaços

tradicionalmente ocupados por trabalhadores com formação crítica,

25

divulgadores por excelência de uma cultura e valores humanistas, em mais um

dos muitos lugares de reprodução do capital, na medida em que também nele

se implementam as práticas, valores e diretrizes de caráter pragmático,

instrumental e mercantil que caracterizam o modelo de sociedade capitalista.

Ainda que seja necessário analisar como esse processo se realiza no âmbito

global, torna-se imperioso verificar como essa realidade se materializa no

universo das Instituições Particulares de Ensino Superior (IPES) no Brasil,

cenário de profundas transformações nas décadas recentes.

Tudo o que diz respeito à educação passa a ser considerado uma esfera altamente lucrativa de aplicação do capital; o que passa a influenciar decisivamente os fins e os meios envolvidos; de tal modo que a instituição de ensino, não só privada como também pública, passa a ser organizada e administrada segundo a lógica da empresa, corporação ou conglomerado. (IANNI, 2004, p.33).

Portanto, este capítulo demonstra como são inegáveis as

conseqüências deletérias da mundialização do capital no mundo do trabalho -

exemplificando-se como apenas um de seus efeitos mais evidentes o refluxo

do movimento sindical no mundo todo - refletindo-se como estes resultados se

manifestam no cotidiano dos trabalhadores do Brasil e, mais especificamente,

como operam no interior das unidades de Ensino Superior no setor das

particulares da cidade de Uberlândia/MG que, em rápida expansão, aceleram

modificações nas condições de trabalho de seus docentes, resultando como

dano grave dessa realidade a significativa desvalorização por que passa o

professor no desempenho de suas funções, o que, presume-se, transforma

sobremaneira as condições de elaboração de uma crítica consistente ao

modelo de ensino implantado, já que, sob a égide da “lógica da empresa”,

valendo-se da expressão de Ianni, altera-se substancialmente o saber que é

construído na atividade cotidiana do profissional do Ensino Superior no Brasil,

em especial aquele que se realiza no interior das IPES.

Ainda que na mesma “nau da transformação do mundo trabalho

que atravessa todos os portos do planeta”, o universo da transformação do

trabalho deste docente merece específica atenção, dentre outros fatores, por

ter se tornado bastante efetivo e acelerado na última década, dada a

proliferação desmesurada e contínua dessas unidades de ensino no país,

26

representando hoje algo além de três quartos do universo da educação

universitária brasileira, o que, por extensão, resultou em rápido crescimento do

número de docentes que se vinculam a essas instituições, fragmentando as

anteriores condições materiais de existência e erigindo a aura de intelectual

que caracterizou este trabalhador há algumas décadas, notabilizada pela

resistência que forjou aos projetos autoritários que se desejou implantar no

país no último quartel do século passado.

Antunes (1999) afirma inclusive que o conceito atual de classe

trabalhadora só pode ser compreendido se for ampliada a extensão do seu

significado, já que apenas a análise da totalidade dos trabalhadores

assalariados conseguiria demonstrar o alcance que as relações capitalistas

atingiram na sociedade atual. Mesmo que o trabalhador do sistema produtivo

clássico, aquele que continua desempenhando suas atividades no chão da

fábrica, ainda ocupe posição central na condição de criador do real trabalho

produtivo, entendendo-se por este o conceito formulado por Marx de trabalho

social coletivo, responsável pela contínua criação de valores de troca, Antunes

afirma a ocorrência de uma verdadeira simbiose entre o trabalho produtivo e

improdutivo no capitalismo contemporâneo, sendo de notar que a compreensão

atual de classe trabalhadora incorpora necessariamente as suas diferentes

dimensões, atendendo todas pelo conceito por ele formulado de classe-que-

vive-do-trabalho.

As afirmações de Antunes se assentam no clássico “O Capital”,

onde Marx explicita as condições fundamentais do processo de trabalho

capitalista, informando que o trabalho humano não perece em meio ao universo

produtivo, cujas relações resultam em mercadorias que criam unidades de

valor de uso e de valor de troca. Como demonstrou a obra marxiana,

considerando que as relações que envolvem o trabalho são construídas para

garantir o interesse dos capitalistas, há trabalho produtivo presente em cada

mercadoria produzida, representado por aquela parcela de trabalho

efetivamente realizado, mas não remunerado pelo proprietário daqueles meios

de produção. Esta condição engendra todo o sistema, já que no capitalismo

todos os homens não mais se distinguem na medida em que se transformam

27

em produtores de mercadorias, onde cada atividade que se desempenha só

existe se repercute em dinheiro e este, “como não cai do céu”, materializa-se

pela venda de produtos criados ou pela venda de serviços realizados.

Na produção capitalista, por um lado, a produção dos produtos como mercadorias, e, por outro, a forma de trabalho como trabalho assalariado, se absolutizam. Uma série de fundações e atividades envoltas outrora por uma auréola, e consideradas como fins em si mesmas, que se exerciam gratuitamente ou se pagavam indiretamente (como os profissionais (professionals), médicos, advogados (barristers) etc., na Inglaterra, que não podiam ou não podem se queixar, para obter o pagamento de seus honorários, por um lado se transformam diretamente em trabalhos assalariados, por diferente que possa ser seu conteúdo e pagamento; por outro, caem – sua avaliação, o preço dessas diversas atividades, desde a prostituta até o rei – sob as leis que regulam o preço do trabalho assalariado. Não cabe aqui examinar esse último ponto, mas sim numa análise especial sobre o trabalho assalariado e sobre o salário. Assim sendo, esse fenômeno, o de que com o desenvolvimento da produção capitalista todos os serviços se transformam em trabalho assalariado, e todos os seus executantes em assalariados, tendo, pois, essa característica em comum com o trabalhador produtivo, leva tanto mais à confusão entre uns e outros porquanto é fenômeno característico da produção capitalista, e por ela gerado. Ademais, dá aos apologistas ocasião para converter o trabalhador produtivo, pelo fato de ser assalariado, em trabalhador que simplesmente troca seus serviços (isto é, o trabalho enquanto valor de uso) por dinheiro. Dessa forma, passam felizes por alto sobre a diferença específica desse “trabalhador produtivo” e a produção capitalista como produção de mais-valia, como processo de autovalorização do capital, cujo único instrumento (agency), a ele incorporado, é o trabalho vivo. Um soldado é trabalhador assalariado, recebe soldo, mas nem por isso é trabalhador produtivo. (MARX, 1978, p.74).

Marx demonstra que a única diferença entre o trabalho produtivo

e o improdutivo opera-se por conta de, em certo momento, o trabalho trocar-se

por dinheiro como dinheiro e, noutro momento, o trabalho trocar-se por dinheiro

como capital, tratando-se apenas de modos distintos pelos quais se realiza a

exploração do trabalho, já que há situações em que a produção capitalista

ocorre de maneira limitada, como no caso da produção não material, onde ora

criam-se mercadorias que se isolam em relação ao seu próprio produtor, ora,

de modo diverso, não se consegue separar o produto do seu ato de produção5.

Referendado por esta matriz teórica é que Antunes enfatiza a condição atual da

5 Sobre a distinção entre trabalho produtivo e trabalho improdutivo, ver Lojkine (2005), em especial o

Capítulo IX, A divisão classista em questão.

28

classe trabalhadora, cujo conceito, porém, merece ser problematizado sob um

olhar mais amplo, capaz de absorver “a totalidade dos trabalhadores

assalariados”, ainda que “todo trabalhador produtivo é [seja] assalariado" e

"nem todo trabalhador assalariado é produtivo”. Trata-se de uma condição

posta pelo mundo contemporâneo, dado que as transformações ensejadas no

interior do sistema produtivo aproximaram e mesmo fundiram o chamado

trabalho produtivo e aquele considerado improdutivo, ocorrendo na verdade

uma maior aproximação entre as duas esferas, tornando mais incisiva a inter-

relação anunciada pelas reflexões de Marx acerca das diferenças presentes no

trabalho responsável pela execução de atividades fabris ou de serviços ou,

ainda, naquele que se materializa nas atividades de execução ou de

concepção, condição esta que repercute na manutenção do lócus central

ocupado pela classe trabalhadora no cenário de reestruturação produtiva em

curso no mundo atual.

A nova fase do capital, portanto, retransfere o savoir faire para o trabalho, mas o faz apropriando-se crescentemente da sua dimensão intelectual, das suas capacidades cognitivas, procurando envolver mais forte e intensamente a subjetividade operária. Mas o prover não se restringe a esta dimensão, uma vez que parte do saber intelectual é transferido para as máquinas informatizadas, que se tornam mais inteligentes, reproduzindo parte das atividades a elas transferidas pelo saber intelectual do trabalho. Como a máquina não pode suprimir o trabalho humano, ela necessita de uma maior interação entre a subjetividade que trabalha e a nova máquina inteligente. E, neste processo, o envolvimento interativo aumenta ainda mais o estranhamento e a alienação do trabalho, amplia as formas modernas da reificação, distanciando ainda mais a subjetividade do exercício de uma vida autêntica e autodeterminada. (ANTUNES, 2002, p. 42-43)

Pensar a condição dos trabalhadores que atuam na educação e,

no caso da pesquisa realizada, refletir de maneira mais próxima sobre o meio

no qual circundam as relações de trabalho dos docentes que atuam nas IPES

na cidade de Uberlândia significa um esforço para inseri-lo no debate que

envolve as transformações por que passa o capitalismo nas décadas recentes,

cuja compreensão dos conflitos narrados neste trabalho é pensada não

mediante uma perspectiva conjuntural e restrita à localidade em que os

episódios acontecem. Antes, significa também a valorização da categoria

trabalho como meio de análise e o convencimento de que a realidade

29

demonstrada pertence a um conjunto sistêmico que insere todas as

informações apresentadas, independentemente de terem sido verificadas no

interior desta ou daquela unidade de ensino, tornando como pouco relevante

que tenha sido diagnosticado nesta ou noutra cidade da região ou, ainda, em

qualquer localidade que reúna um agrupamento humano que vive do trabalho

nos dias atuais, já que, qualquer que seja ele, não poderá restar indiferente aos

inéditos desafios pautados pela contínua organização do capital.

Com efeito, há necessidade de se compreender a própria

essência do trabalho e sua relação com o ser que o realiza, tratando-se de um

debate que abriga pensadores dos mais diferentes matizes. Para Gramsci

(1995), amparado na obra marxiana, o trabalho precisa ser considerado na teia

formada pelas complexas relações sociais em que se inserem os homens, de

tal modo que ele, o trabalho, é produto de um homem historicamente

considerado que, a todo instante, transforma-se na relação que estabelece com

os outros homens. Esta a “natureza humana” concebida por Gramsci, sendo o

trabalho, portanto, o resultado de uma ação que se realiza de forma

consciente, já que se materializa a partir de opções presentes no cotidiano das

atitudes desse homem, ocupando posição central em sua própria existência.

O húngaro Mészáros (2002), herdeiro teórico de Georg Lukács, mantém

presente a importância desta questão, lançando luzes sobre a crise enfrentada

pelo capital no momento presente, afirmando que, diferentemente das

anteriores, esta se caracteriza por sua gravidade na medida em que o modelo

capitalista atual não encontra saída para sua expansão, atingindo no cerne as

conquistas alcançadas por aqueles que efetivamente realizam o trabalho

humano, impondo desemprego estrutural e precarização do trabalho aos

diversos cantos do mundo, seqüestrando inclusive o tempo de trabalho livre

existente em outras épocas, cenário que merecerá análise no curso deste

capítulo.

Nesse processo é que ocorre a incessante reprodução das

atividades desempenhadas pelo docente que atua na seara do ensino privado

superior, o que se exemplifica pela imposição de um trabalho a ser realizado

cada vez mais na condição de horista, distante, portanto, dos lugares da

30

pesquisa e da extensão, tradicionalmente reconhecidos como espaços de

reflexão, determinando-se profundas transformações na própria subjetividade

do trabalhador deste setor de serviços que, acossado pela extensa jornada

desempenhada no interior da sala de aula, enreda-se por condições materiais

de existência muito adversas, incorporando-se à dinâmica determinada pelo

capital. Para “problematizar” o conjunto das transformações que ocorreram no

mundo do trabalho no século passado e, em especial, como estas mudanças

atingiram o docente que atua nas IPES no Brasil, não o diferenciando de

qualquer outro trabalhador do cenário capitalista tradicional na medida em que

se encontra reduzido a criador de valores de troca necessários à reprodução

da ordem estabelecida (Marx, 1984), há necessidade de se entender a

importância alcançada pelo processo fordista como modo de produção e de

viver em sociedade e, por extensão, o significado que a sua tendência à crise

teve na configuração do mundo atual. Após, nos itens seguintes, avalia-se

como emergiram novas exigências determinadas por este modo de produção e

a posição ocupada pela categoria trabalho na sociedade.

1.1 O fordismo para além da prosperidade econômica: modo de organização social e tendência à crise

O modelo fordista de produção foi responsável pela pujança

econômica conhecida pelos Estados Unidos e parte da Europa Ocidental até a

metade do século passado, merecendo a alcunha forjada por Eric Hobsbawn

de “Era de Ouro” do capitalismo mundial. Amparada em altas taxas de

crescimento e contínua prosperidade econômica vivenciada por diversos

países do planeta, a reestruturação causada por este modelo determinou o

avanço acelerado do que hoje se rotula de transnacionalização da economia.

Ocorreu o que o historiador inglês chamou de Grande Salto Adiante da

economia mundial capitalista, tendo à frente aquele que se transformaria em

modelo de sociedade industrial a ser seguido, os EUA. Desde o início do

século XX, este país sentiu apenas o baque da chamada Grande Depressão, já

que não conheceu a devastação proporcionada pelas guerras daquele século,

tornando-se o exemplo a ser seguido pelas outras nações, o que impulsionou o

31

desenvolvimento econômico para diversas partes do planeta, ainda que

conotações regionais tenham sido evidentes.

Apesar disso, começou a surgir, sobretudo a partir da década de 1960, uma economia cada vez mais transnacional, ou seja, um sistema de atividades econômicas para as quais os territórios e fronteiras de Estados não constituem o esquema operatório básico, mas apenas fatores complicadores. No caso extremo, passa a existir uma “economia mundial” que na verdade não tem base ou fronteiras determináveis, e que estabelece, ou antes impõe, limites ao que mesmo as economias de Estados muito grandes e poderosos podem fazer. Em dado momento do início da década de 1970, uma economia transnacional assim tornou-se uma força global efetiva. E continuou a crescer, no mínimo mais rapidamente que antes, durante as Décadas de Crise após 1973. Na verdade, seu surgimento criou em grande parte os problemas dessas décadas. Claro que foi acompanhada de uma crescente internacionalização. Entre 1965 e 1990, a porcentagem do produto mundial destinado às exportações iria duplicar. (HOBSBAWM,1995, p.272).

No entanto, a dimensão ocupada pela maneira fordista de

construir um automóvel não se limitou a práticas revolucionárias de produção e

consumo de mercadorias para uma sociedade em expansão, conclusão

estreita a que se chega por meio de um viés economicista de análise. A sua

maior relevância, certamente, está em verificar sua manifestação como um

verdadeiro modelo de se viver em sociedade, representado, sobretudo pelos

novos hábitos a que o homem esteve sujeito desde então. Desse modo,

segundo Gramsci (1976), o fordismo desenvolvido nos Estados Unidos merece

ser compreendido como fundante de uma nova sociedade cujo objetivo passa a

ser a implantação do americanismo em todos os lugares do mundo. Ocorre,

portanto, o abandono do individualismo econômico, inadequado para a nova

sociedade de massas, para novas práticas sociais determinadas por uma

economia programática. Ainda que forças resistentes tenham se levantado

diante do processo de desenvolvimento em curso, o movimento de

americanização criava métodos e controles sobre o trabalho até então inéditos,

influenciando os modos, os pensamentos e os sentimentos daquele que o

realizava, sendo de notar, inclusive, que até mesmo a “moralidade” dos

operários precisava ser transformada.

Não há espaço na nova sociedade para as manifestações de

“humanidade” e de “espiritualidade” do trabalhador, de tal modo que não se

32

permite mais a identificação do trabalho que se realiza naquele que o realiza, já

que qualquer vínculo entre um e outro deve ser rompido em razão do fim

desejado de um “humanismo” de outros tempos, agora obstáculo à edificação

da nova ordem. Por este raciocínio, informa Gramsci, novos são os métodos

para garantir o conjunto dos trabalhadores em ação, o chamado trabalhador

coletivo de uma empresa, onde a continuidade da produção deve se realizar

com a constante renovação daqueles que produzem, não se colocando em

perigo o sistema como um todo. Neste ambiente, novas atitudes “educativas”

serão incorporadas a partir da combinação de coação com persuasão, auto-

disciplinando-se os trabalhadores por meio da oferta de altos salários e de

melhores meios de vida.

Harvey (1989), pela mesma linha de análise, afirma que o

fordismo merece ser compreendido para além de sua importância como um

sistema de produção em massa. Definia, antes, um modo de vida total a que

passou a estar sujeito o homem do pós-guerra, envolto agora na teia da

padronização do produto e do massivo consumo de mercadorias, mesmo que

tal sistema tenha sido incapaz de incorporar todos aos seus benefícios, sendo

evidentes em muitos momentos a insatisfação diante do modelo de vida

implantado à totalidade das pessoas, ouvindo-se vozes dissonantes em escala

crescente à margem do “canto de cisnes” da prosperidade anunciada.

33

Nem todos eram atingidos pelos benefícios do fordismo, havendo na verdade sinais abundantes de insatisfação mesmo no apogeu do sistema. Para começar, a negociação fordista de salários estava confinada a certos setores da economia e a certas nações-Estado em que o crescimento estável da demanda podia ser acompanhado por investimento de larga escala na tecnologia de produção em massa. Outros setores de produção de alto risco ainda dependiam de baixos salários e de fraca garantia de emprego. E mesmo os setores fordistas podiam recorrer a uma base não-fordista de subcontratação. Os mercados de trabalho tendiam a se dividir entre o que O´Connor (1973) denominou um setor “monopolista” e um setor “competitivo” muito mais diversificado em que o trabalho estava longe de ter privilégios. As desigualdades resultantes produziram sérias tensões sociais e fortes movimentos sociais por parte dos excluídos – movimentos que giravam em torno da maneira pela qual a raça, o gênero e a origem étnica costumavam determinar quem tinha ou não acesso ao emprego privilegiado. Essas desigualdades eram particularmente difíceis de manter diante do aumento das expectativas, alimentadas em parte por todos os artifícios aplicados à criação de necessidades e à produção de um novo tipo de sociedade de consumo. Sem acesso ao trabalho privilegiado da produção de massa, amplos segmentos da força de trabalho também não tinham acesso às tão louvadas alegrias do consumo de massa. Tratava-se de uma fórmula segura para produzir insatisfação. (HARVEY, 1989, p. 132).

A desestabilização era o fantasma cujo espectro punha-se no

horizonte, já que o modelo dependia do constante crescimento da produção e

esta, por sua vez, da capacidade dos homens daquele tempo de absorvê-la,

isto para manter estáveis os lucros auferidos. A crise estava anunciada porque

o aumento dos salários era condição indispensável para a manutenção do

mercado, o que significava a necessidade de redução dos lucros e de

diminuição da oferta, condições opostas aos interesses dos empreendedores

capitalistas. A crise do modelo fordista de acumulação deve ser problematizada

tendo como referência que o capitalismo, ao contrário dos modos de produção

que o antecederam, sobrevive a um processo de crises cíclicas que surgem em

meio ao conjunto de contradições que se manifesta em seu interior. Marx já

afirmara que o apogeu anunciava a catástrofe, entendendo que quanto mais o

capitalismo avançasse, em menor intervalo de tempo se manifestariam as suas

crises.

Lucena (2004) debate que a desigualdade consolidada pelo

modelo fordista serviu para acirrar as pressões sociais sobre os excluídos,

dividindo a sociedade em apenas duas espécies de homens por um único

critério: o do acesso ou da negativa de acesso aos bens de consumo.

34

Hierarquizada entre aqueles que consomem e aqueles cujo sonho é consumir,

este autor demonstra que a sociedade impõe limites à concepção do que é o

próprio homem, denominando este período como os “tempos de destruição”,

caracterizados pela crescente miséria de parcela considerável dos

trabalhadores que resistem mesmo na condição de incluídos no mercado de

trabalho, já que, no desespero pela ameaça constante da perda do emprego

conquistado, enfrentam as mais infames situações de trabalho, lutando não

mais pela emancipação de sua condição, mas sim pelo irônico direito à própria

exploração.

O aumento da miséria atinge também a parcela dos trabalhadores que ainda possuem emprego. Suas condições financeiras têm declinado nos últimos anos. A ausência de crescimento econômico atrelado à não-redução da jornada de trabalho, articulada ainda ao crescimento do desemprego, tem levado milhares de trabalhadores ao desespero. Os empregados, com o medo de perder essa condição, submetem-se a qualquer situação de trabalho para permanecer no emprego. Os desempregados vêem o tempo de retorno ao mercado de trabalho estender-se e são empurrados para o mercado informal. Consolida-se um período denominado “tempos de destruição”, com alicerces baseados no caos, no crime, na violência, na (des)qualificação profissional e na decadência das estruturas sociais. “Tempos de destruição” que colocam os homens em disputa entre si não mais por melhores salários ou conquistas sociais, mas pelo direitos de venda de sua força de trabalho. O emprego capitalista, materialização histórica de obtenção de mais-valia absoluta e relativa e da alienação, em vez de negado, transforma-se em uma utopia a ser atingida. Aqueles que vendem a sua força de trabalho passam a lutar pelo direito de serem explorados. (LUCENA, 2004, p. 13).

Diante deste cenário e dos vários elementos que apontam as

razões da crise do fordismo – crise que alcançou todos que se envolveram

direta ou indiretamente com o seu modelo - merece destaque o crescimento da

inflação e a queda ocorrida no sistema produtivo em geral que, não só por

razões de ordem técnica, mas também por razões sociais, demonstrou a atrofia

de um modelo sustentado na produção em massa que necessitava de um

mercado consumidor em contínua expansão. Àqueles que foram alijados do

processo de “inclusão”, isto é, que não tiveram acesso ao universo do consumo

capitalista e, portanto, não se identificaram como o modo de vida a ser seguido,

restaram a revolta social e o contínuo desemprego. A redução de salário

imposta aos trabalhadores que continuavam no emprego visava à contenção

35

do processo inflacionário, mas se tratava, na verdade, de mero paliativo, já que

a restrição do crédito em circulação implicava em maior incapacidade de

consumo, verdadeiro fantasma para os empreendedores da produção fordista.

Preparava-se o cenário de fragmentação das políticas de Estado vigentes e de

rápida desregulamentação da economia, o que significava, diante das novas

exigências postas, a mudança de rumo dos proprietários do capital em direção

a novas formas de reprodução. Agora, para além das fronteiras nacionais e a

despeito das razões de cada Estado, grandes grupos internacionais passaram

a gerenciar o capital e a dominar extensos setores produtivos. Este contexto

definiu o agravamento das condições internas de cada país, vez que o

mercado nacional tornava-se frágil diante do internacional, repercutindo em

crises locais representadas pelo desemprego estrutural e pela propagação da

barbárie mundo afora. Este cenário exigiu a reconfiguração do próprio papel do

Estado, cuja gestão, em tese voltada para assuntos cujo interesse é nacional,

passou a se realizar em meio ao fluxo de um conjunto de capital que agora é

transnacional, requerendo, portanto, a redefinição de sua atuação e mesmo a

reelaboração de conceitos que a ele se referem.

A gestão estatal torna-se contraditória por essência. Por um lado deve continuar a desempenhar o seu papel de mestre-de-obras na reprodução do capital nos níveis sociais e, sobretudo, políticos; e deve garantir as políticas de dominação nos limites do espaço nacional. Por outro lado, apesar do seu domínio sobre a reprodução do capital, a sua ação se enfraquece sensivelmente. A transnacionalização do capital torna praticamente impossível qualquer ação do poder central visando corrigir as desigualdades regionais. Com efeito, o próprio conceito de Estado entrou em crise. A transnacionalização também atingiu as empresas, transformando seu conceitos e atuações, mexendo com sua distribuição pelo planeta. As empresas transnacionais assumiram claramente a liderança do desenvolvimento econômico mundial, gerando uma dinâmica sobre a qual mesmo os países mais avançados têm pouca influência. (LUCENA, 2004, p. 102).

São novos tempos, cujos esforços dos Estados não são capazes

de determinar políticas consistentes diante das forças dos grupos que se

organizam de modo global e de conglomerados que especulam a despeito das

estruturas políticas existentes. O capital esteve acossado pela insuficiência de

respostas oferecidas pelo modelo fordista de produção, o que lhe obrigou a

abandonar a cria e a inventar novas de formas reprodução, isto é, restava-lhe

36

reinventar-se a si mesmo, razão pela qual novas demandas tiveram que ser

atendidas no curso do desenvolvimento capitalista, o que se demonstrará a

seguir.

1.2 A emergência de novas exigências do capitalismo mundial

Para Chesnais (1997), essa reinvenção se opera pela contínua

mundialização do capital, que centraliza e concentra o capital industrial,

operando por meio de grandes grupos econômicos cada vez maiores e mais

fortes que passam a determinar os caminhos a serem seguidos pelos grupos

menores, formados não só por pequenos conglomerados, mas também por

países fragilizados nas relações comerciais, parecendo não restar outra saída

senão ceder às pressões do capital que, em novas vestes, impõe-se por

padrões monetários e pelas regras da “financeirização”. Desse modo, o que se

seguiu após o período fordista não foi a expansão dos centros de produção do

capital, mas um verdadeiro deslocamento do lugar de sua atuação, restringindo

o palco a poucos atores, não mais de três: Estados Unidos, Japão e União

Européia. Chesnais demonstra como esta “tríade” reuniu praticamente 80% dos

investimentos no exterior, de tal modo que se impunha a reestruturação de

firmas e a redefinição dos rumos de produção, tarefa que contou com o pronto

apoio de Estados fragilizados e suas políticas de liberalização, de

desregulamentação e privatização.

O caráter rentista (especulativo) que hoje marca o capital engajado na produção deve-se, em parte, às numerosas interconexões entre o capital “produtivo” e o capital valorizado sob a forma financeira. Hoje o grande grupo é, quase sem exceção, uma sociedade holding. Mesmo que o hábito determine que as organizações capitalistas de implantação e operações transnacionais continuem sendo chamadas de “empresas” ou de “firmas”, o fato é que estamos diante de grupos financeiros com predominância industrial, onde tudo leva a distingui-los cada vez mais da massa de empresas. No quadro da mundialização financeira, cresceu consideravelmente aquilo que chamamos de “financeirização” de grupos. Eles constituem, em grau cada vez maior, grupos financeiros, certo que com predominância industrial, mas com diversificações nos serviços financeiros, bem como uma atividade sempre mais importante como operadores nos mercados de câmbio e nos mercados onde se negociam as formas mais notáveis de capital fictício. (CHESNAIS, 1997, p. 28).

37

Esta a nova roupagem pela qual o sistema do capital se

apresenta, relativizando a territorialidade dos países e fazendo circular as

mercadorias por todos os cantos do mundo, em incessante troca internacional

de matérias-primas, bens manufaturados, produtos da tecnologia, etc., de

modo que este fator agora tem impacto sobre as relações de produção até

então estabelecidas. Para Dowbor (1981), as esferas de circulação de

mercadorias são fundamentais para se analisar as condições presentes das

relações de produção. A determinante relação existente no capitalismo mundial

entre países centrais e países periféricos continua a existir, porém sob novas

formas, já que essa bipolarização se efetiva nos moldes de uma divisão

internacional do trabalho que se opera em meio à totalidade da economia

capitalista, cujos senhores são os conglomerados internacionais e os poucos

países industrializados que possuem voz no mercado mundial. Neste jogo, as

regras continuam sendo ditadas por esses senhores que, do centro, a partir

das necessidades de acumulação estabelecidas, determinam as relações que

devem ser observadas pelos países da periferia, vez que estes são o restante

das partes de uma mesma totalidade. Desse modo, mantendo para si as

estratégicas esferas de circulação, fazendo girar ao redor do mundo esses

capitais e matérias-primas, os países do centro mantêm a distância que

possuem dos seus “concorrentes” e ratificam a condição alcançada pelo

histórico de dominação das fases anteriores do capitalismo. Vê-se, assim, que

o domínio da produção ainda é determinante para assentar alguns países na

condição de agentes da circulação e outros, a imensa maioria, para serem

mantidos no atual estágio de vulnerabilidade e subdesenvolvimento

econômicos.

Deste modo, a circulação só existe na base da produção, e o centro do problema encontra-se na diferenciação, no centro e na periferia, dos sistemas produtivos. Mas não ver a dominância esmagadora dos sistemas produtivos do centro em relação ao resto do mundo capitalista é muito simplesmente uma questão de irrealismo. E é igualmente tão irrealista considerar que esta dominância não se manifesta nas esferas internacionais de circulação. Se a dominação dos países ricos sobre os países pobres se manifesta através da dominação exercida pelos primeiros sobre a circulação ao nível mundial, esta dominação apresenta-se no interior dos países subdesenvolvidos como determinante para o processo completo de reprodução do capital e não para a circulação ou a produção. (DOWBOR, 1981, p. 51).

38

A atual condição de reprodução do sistema do capital assume

nova configuração, estando transformada a divisão internacional do trabalho

ainda que continue a privilegiar os mesmos rincões do mundo que, reduzidos,

determinam a agonia do restante do todo, o que apenas revela, sob outra face,

o conhecido desequilíbrio inerente ao próprio desenvolvimento capitalista.

Assim como Dowbor, Paulani (2005) acompanha os argumentos de Chesnais

acerca do ocaso do “modo de regulação fordista” e da inauguração do modo de

regulação do capitalismo amparado no monetarismo e nas finanças. O novo

modelo, “rentista”, “curto-prazista”, “flexível”, antes desorganiza do que

propriamente regula, na medida em que mitiga todo argumento em favor de

qualquer gasto que seja público e despreza a atividade daqueles cuja

existência é determinada por seu próprio trabalho. Em nome dos interesses

dos credores, quaisquer que sejam eles, pouco importando as razões pelas

quais eles se tornaram credores e, ainda, em nome do conceito abstrato de

“estabilidade monetária”, deve se manter a receita de política econômica

adotada, atualizando-se a todo custo as vontades presentes do capital. A crise

fordista representou, portanto, um novo modo de aplicação das idéias liberais

que, jamais esquecidas, agora sob uma nova roupagem, deixavam a ante-sala

da cena capitalista.

Como se vê, em meio a esse quadro, não foi preciso nenhum grande esforço das idéias neoliberais engavetadas há trinta anos para que saíssem do mutismo desse mundo e ganhassem a esfera ruidosa e concreta da circulação capitalista. O mundo finalmente lhes prestava as devidas reverências. Objetivamente, o Estado ia se retirando de cena, as privatizações iam acontecendo no mundo desenvolvido e no não-desenvolvido, os mercados iam se desregulando, as políticas monetárias iam se arrochando, os gastos públicos iam minguando etc. A receita estava sendo aplicada e a pregação sobre as virtudes inatas do mercado finalmente se fazia ouvir. (PAULANI, 2005, p.135).

Foram mudanças no interior do próprio sistema capitalista,

sobretudo as experimentadas nas últimas quatro décadas, que permitiram o

retorno do discurso liberal, agora acompanhado da alcunha de “novo”, portanto

39

“neo” 6. A novidade existente, na verdade, era a necessidade de se garantir os

níveis de valorização do capital que estavam em declínio, requerendo o

investimento dos créditos extraídos na produção no sistema financeiro,

aumentando, com isso, toda sorte de pressões em favor de uma política

monetária que interessava aos credores. Neste processo, tornou-se imperioso

elevar os juros e liberar o trânsito dos capitais para que melhores condições de

valorização fossem alcançadas. Posto deste modo, parece que os caminhos

percorridos pelo sistema do capital neste período foram “óbvios e inevitáveis”,

pautados por regras criadas pela natureza e, portanto, possuidores de um

caráter imutável, blindando o discurso econômico deste jaez de toda crítica

capaz de desnudar as contradições inerentes ao sistema no qual ele se realiza,

tanto no âmbito de seu discurso como no de sua aplicação. Edifica-se,

portanto, o império do pragmatismo das políticas macroeconômicas e da

implantação de políticas inquestionáveis cujos destinatários não são os

coletivos humanos em geral, mas apenas aquela mínima parte que se agrega

ao lado dos credores internacionais.

Ergueu-se um pragmatismo econômico que não aceita a oposição

de qualquer barreira, fazendo-se acompanhar de uma padronização de

condutas políticas cujas atitudes que não aquelas pré-determinadas não são

bem vindas, já que se oporiam ao curso “natural que o rio da mundialização

deve seguir”, de tal modo que não há possibilidades distintas destas que estão

sendo determinadas pela corrente do globalismo mundial. Ianni (1996) é

esclarecedor ao revelar que esse processo, apesar da aura de progresso e

novidade que o envolve, merece uma análise do desenvolvimento do

capitalismo em retrospecto e uma avaliação de seus desdobramentos sociais,

6 Nos termos apresentados por La Garza, o chamado neoliberalismo pode ser conceituado sob os

seguintes aspectos: “[...] como formação sócio-econômica é uma configuração de configurações (não é sistêmico; também o caracterizam a contradição, a descontinuidade e a obscuridade). É por um lado uma concepção do mundo, cujo centro se encontra nas teorias da linha genética neoclássica e hoje da escola racional; é um tipo de política de ajuste macroeconômico, que enfatiza o combate à inflação através da depressão da demanda agregada e uma forma de mudança estrutural das economias dirigida de forma a permitir a 'ação' do livre mercado; é também uma forma de Estado que rompe com os acordos keynesianos e com os pactos corporativos que buscaram conciliar acumulação de capital com legitimidade política do Estado; e, é também uma forma de reestruturação produtiva, conseqüente com a abertura e a globalização das economias, assim como com a ruptura daqueles pactos corporativos (LA GARZA, 1997, p.129)”

40

movimento teórico capaz de, no primeiro caso, revelar que não se trata de uma

efeméride dos dias atuais e, no segundo, que há resultados que desafinam o

coro dos contentes da festejada aldeia global. Dessa maneira, o modo de

produção capitalista sempre se definiu por sua trajetória de expansão,

propagando-se por todos os lugares em incessante internacionalização, cuja

existência de qualquer obstáculo ou fronteira sempre foi algo provisório,

incapaz de determinar sua estagnação. Ocorre neste processo, antes, a

escolha de diferentes estratégias e a reformulação de práticas em razão de

resultados que se almeja alcançar, definindo-se e se redefinindo ações no

curso das próprias transformações históricas, tendo o capital como

protagonista na medida em que é o principal responsável pela intensidade e

pelo redirecionamento das mudanças que surgem.

Um processo de amplas proporções que, ultrapassando fronteiras geográficas, históricas, culturais e sociais, influencia feudos e cidades, nações e nacionalidade, culturas e civilizações. No longo de sua história, desde o século XVI, teve seus centros dinâmicos e dominantes na Holanda, na Inglaterra, na França, na Alemanha, nos Estados Unidos, no Japão e em outras nações, e em qualquer caso sempre recobriu, deslocou, dissolveu, recriou ou inventou fronteiras. Em sua marcha pela geografia e história, influenciou decisivamente os desenhos dos mapas do mundo, com os desenvolvimentos da acumulação originária, do mercantilismo, do colonialismo, do imperialismo, do multinacionalismo, do transnacionalismo e do globalismo. Ainda que tenha sido sucessiva e simultaneamente nacional, regional e internacional, juntamente com sua vocação colonialista e imperialista, o capitalismo se torna no século XX um modo de produção não só internacional, mas propriamente global. (IANNI, 1996, p. 135-6).

Há, portanto, uma espécie de autofagia das forças envolvidas no

processo de expansão do capital, havendo inclusive competição entre elas, ora

os sujeitos envolvidos determinando sua concentração, ora realizando a fusão

de mercados ou, ainda, quando e do modo necessário, implicando na sua

expansão para outros lugares, sempre tendo o lucro como norte e como glória

para aquelas forças que, na arena dos proprietários dos meios de produção,

demonstram-se mais ativas e capazes. Este o movimento determinado pelo

capital para realizar a sua reprodução, de modo que, para ampliar-se, não

importa se as atitudes tomadas se realizem nos limites das economias

nacionais, internacionais ou mesmo no âmbito da economia mundial

41

considerada em seus múltiplos aspectos. No curso de sua reinvenção, para se

manter e se tornar mais vasto, o capitalismo desmonta as mesmas barreiras

que criou no momento anterior e que foram criadas pela mesma razão de se

constituírem em necessidades daquele momento anterior. Com efeito, um olhar

estático sobre o processo de transformação inerente ao capitalismo apenas

será capaz de captar uma face parcial e momentânea de seu percurso e

restaria por negar a dialeticidade do seu próprio existir.

No final do século passado e início deste, a reinvenção de sua

trajetória assinala que os Estados nacionais não necessitam mais de seus

territórios para definir a reprodução do sistema do capital. Aquela antiga

condição assumida pelo Estado não mais prospera, sobretudo aqueles que

foram os mais fortes do século XIX e que se responsabilizaram pela

organização da tarefa do capital em direção à sua acumulação, oferecendo-lhe

de quando em quando políticas “públicas” e intervenções econômicas

travestidas de “projeto de desenvolvimento nacional”, todas absolutamente

“necessárias”, onde cada Estado fazia sua parte em favor da reprodução do

sistema no plano interno. O Estado de outrora, não mais útil, insere-se no

presente contexto de outro modo, atuando por meio de novas relações, agora

caracterizadas pela interdependência entre si e entre as grandes empresas

transnacionais, com práticas de atuação que se realizam no plano global diante

das regras que se verificam nas atuais relações produtivas e sociais humanas.

Segundo Ianni (1996), a aldeia global em que se vive transformou as antigas

estruturas mundiais de poder, determinando outras relações que, mesmo que

criadas a partir de condições geopolíticas antes existentes e ainda que um

Estado detenha no plano da aparência certa hegemonia, hoje são

essencialmente diferentes na medida em que ocorrem à margem de um

território fixo e aceleram sobremaneira a realização das novas forças de

produção, agora evidentes “na divisão internacional do trabalho, na fábrica e no

shopping center globais” Destaca-se, no globalismo em que se vive, a atuação

de organismos internacionais, estando a ONU, por meio da Unesco

(Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), o

Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Internacional do Trabalho

(OIT), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e Grupo Banco Mundial

42

(BM)7 como exemplos, cada qual efetivamente atuando no tabuleiro de um

mundo transnacionalizado, cujas jogadas são estratégicas no campo de seus

interesses interdependentes, estando a revelar que as relações vigentes

indicam um processo imperialista sob nova versão, a versão global.

Como se vê, nada de tão novo. Porém, no devenir de cada ciclo,

novas maneiras são determinadas pelas relações de produção e estas, por

movimento igual, são recriadas pelas manifestações das idéias, dos valores,

enfim, da cultura de cada etapa, constituindo a contradição fundante que

caracteriza a própria essência do processo capitalista. A escrita deste roteiro

tampouco é novidade, pois a chamada globalização e os passos de seus

atores já haviam sido demarcados pela obra marxiana há mais de 150 anos:

A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os instrumentos de produção e, por conseguinte, as relações de produção, portanto todo o conjunto das relações sociais [...] o contínuo revolucionar da produção, o abalo constante de todas as condições sociais, a incerteza e a agitação eternas distinguem a época burguesa de todas as precedentes. Todas as relações fixas e cristalizadas, com seu séqüito de crenças e opiniões tornadas veneráveis pelo tempo, são dissolvidas, e as novas envelhecem antes mesmo de se consolidarem. Tudo o que é sólido e estável se volatiza, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados a encarar com sobriedade e sem ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas. A necessidade de mercados cada vez mais extensos para seus produtos impele a burguesia para todo o globo terrestre. Ela deve estabelecer-se em toda parte, instalar-se em toda parte, criar vínculos em toda parte. Através da exploração do mercado mundial, a burguesia deu um caráter cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países. (MARX e ENGELS, 1988, p. 69)

Portanto, no interior das incessantes mudanças que revolvem as

relações sociais existentes, cada alteração havida no mundo do trabalho é a

demonstração da continuidade e do dinamismo deste processo, já que, como

7 Sobre as estratégias implementadas por estes organismos na caracterização da política educacional no

Brasil e na América Latina nos anos 1990, ver LIMA (2002). Dentre as orientações comuns, destacam-se as sugeridas pelo BM que substituem a lógica do acesso universal à educação pelo princípio da equidade, pelo qual cada indivíduo deve ser possuidor de uma gama de recursos conhecidos como habilidades e competência para que possa alcançar o ensino universitário, além das orientações aos países para que promovam a diversificação das instituições de ensino superior, a flexibilização da gestão administrativa, além da adequação dos currículos às demandas do mercado de trabalho e do fortalecimento do setor privado por meio da ampliação das fontes de financiamento.

43

referido, são os trabalhadores e o trabalho por eles realizado que ocupam o

plano central no arcabouço da reestruturação produtiva em curso. Esta

evidência, ainda que inconteste, não se exime de enfrentar um debate teórico

acerca da posição ocupada pelo trabalho no conjunto destas transformações.

1.3 A centralidade do trabalho na organização da sociedade capitalista.

A discussão sobre o posto que o trabalho ocupa na sociedade

contemporânea é importante, existindo neste debate, inclusive, posições

teóricas que vaticinam sobre o seu fim. Estas, ainda que contribuam para a

compreensão do conjunto da reestruturação produtiva, têm como padrão de

análise a estrutura produtiva vigente no século passado, mais exatamente nas

últimas décadas daquele século, período no qual vigorou na Europa o chamado

Estado de Bem-Estar Social A constituição do Estado de Bem-Estar Social,

também chamado de Welfare State, pressupõe a adoção de métodos de

intervenção do Estado na economia, de modo a mitigar as desigualdades

inerentes na relação entre o capital e o trabalho. Sob esta perspectiva, o capital

deve assumir a parte maior dos ônus nas estratégias adotadas. Esta relação

(...) caracteriza-se pela existência de direitos sociais, econômicos e culturais, como os relativos ao trabalho, à previdência social e à educação, que deverão ser garantidos pelo Estado. Seu auge se deu no segundo pós-guerra e seu declínio, nas últimas décadas, com a progressiva diminuição do tamanho do Estado, para repassar à iniciativa privada funções que não seriam essenciais, na óptica do neoliberalismo. (BARROSO, 1999, p.44)

Ressalte-se, por oportuno que, à época da implantação deste

modelo, privilegiava-se a avaliação da categoria trabalho quase sempre sob

sua manifestação assalariada, ao entendimento de que seria o salário a forma

comum e geral de valorizá-lo. Logo, tendo alcançado a centralidade nas

sociedades capitalistas em período não tão recente, o desempenho desta

categoria na avaliação da sociedade como um todo passou a ser reavaliado

quando a reestruturação capitalista atingiu suas formas tradicionais de

realização, definindo um novo cenário onde o desemprego, o subemprego e

toda sorte de meios precarizantes o atingem. Dentre autores que advogaram a

tese do "fim do trabalho", destacam-se os escritos do francês André Gorz

44

acerca das conseqüências anunciadas pela redução do emprego industrial e

pela ampliação de atividades em serviços. A análise deste autor, no entanto,

parte da premissa de que o trabalho assalariado, representado em regra pela

existência do emprego, não teria outro destino senão ser expurgado da vida

societal, o que ocorreria em favor da edificação de uma sociedade na qual o

tempo estaria liberado para a realização das mais diversas tarefas e ainda se

oporia à inevitável sociedade do desemprego.

[...] abolir o trabalho não significa [...] abolir a necessidade do esforço, o desejo de atividade, o amor à obra, a necessidade de cooperar com os outros e de se tornar útil à coletividade. Implica trabalhar menos para viver mais, poder realizar por si mesmo muitas coisas que o dinheiro não pode comprar e mesmo uma parte das coisas que ele atualmente compra (GORZ,1987, p. 11)

Ocorre que, aparentemente otimista quanto ao destino humano, a

argumentação de Gorz enredou-se por uma seara de análise bastante precária

na medida em que não reconheceu aos trabalhadores a condição de eles

mesmos serem os sujeitos de sua própria mudança social, no mesmo instante

em que negou ao trabalho a sua condição determinante na formação da

identidade de quem o realiza. No entanto, os indicadores econômicos e sociais

que se acumularam nas décadas posteriores à elaboração teórica de Gorz não

permitiram que suas idéias fossem sustentadas, especialmente pela

permanência do modus vivendi da sociedade capitalista e pela explosão do

desemprego que se assiste no mundo atual.

Em sentido diverso à abordagem de André Gorz, no entanto, há

outras análises que, mesmo reconhecendo a evidente diminuição do emprego

na modalidade assalariada, são incisivas em alardear que o fim do trabalho não

está no horizonte das investidas do capitalismo e que tampouco a atividade

laboral tenha perdido o valor social que lhe é inerente, sobretudo porque se

mantém como elemento fundamental na estruturação das sociedades atuais e

porque são inquestionáveis e evidentes as mais diversas relações de

subordinação do trabalho ao capital mantidas e espalhadas pelo planeta.

Dentre as análises desta questão, destaca-se a elaborada por

Robert Castel (1998) em razão da argumentação que realiza situando o

45

trabalho como fator central e responsável pelas transformações do capitalismo

no final do século passado e princípio deste. Para este autor, antes de

sentenciar sobre o seu suposto fim e engrossar o réquiem daqueles que

apenas exaltam os benefícios da globalização, é necessário atentar para os

processos de instabilidade que atingem o trabalho na atualidade e pensar a

sociedade a partir das crescentes manifestações de precariedade e exclusão

das formas de trabalho a que os homens estão submetidos. Castel vale-se do

termo desfiliação quando se refere às novas situações em que surgem os

trabalhadores sem trabalho, visíveis nas grandes levas da população que

sequer podem ser considerados como forças sociais, já que também se

tornaram alijados dos espaços de manifestação política. O termo por ele

cunhado significa que o cenário atual determina mais que a exclusão social dos

trabalhadores na medida em que o próprio trabalho é posto em xeque quanto à

sua tarefa de integrar os homens à sociedade em que vivem.

Falar de desfiliação não é ratificar uma ruptura, mas reconstituir um percurso. A noção pertence ao mesmo campo semântico que a dissociação, a desqualificação ou a invalidação social. [Já], a exclusão é estanque. Designa [...] estados de privação (CASTEL, 1998, p. 26).

Por este olhar mais abrangente e crítico, o foco de análise não

deve se limitar à verificação de estatísticas supostamente conclusivas que

dimensionam a quantidade de mão de obra empregada, a este ou aquele

indicador numérico que atesta a diminuição do assalariamento no mundo

moderno. Tão importante quanto é pensar sobre as formas atuais em que o

conjunto da sociedade se organiza e sobre as conseqüências da perda de

antigos liames determinados pelas relações de trabalho vigentes no último

quartel do século passado. Castel informa que a incessante exigência pela

diminuição dos custos produtivos leva à desvalorização do preço da força de

trabalho e à valorização da eficácia produtiva a qualquer custo, quase sempre

pago pelas crescentes manifestações de desemprego, individualização e

precarização do trabalho. Dentre estas conseqüências, não há dúvida de que a

primeira, o desemprego, é a manifestação mais visível deste processo,

expressando-se cotidianamente nos lugares de trabalho do planeta inteiro

46

como um espectro que a todos assusta. As recentes revoltas de cunho social

que ocorreram de forma espontânea ou que foram conduzidas pelos chamados

grupos anti-globalização são evidências deste grave cenário. A segunda

conseqüência, tão grave quanto, porém exigindo melhor percepção, são os

efeitos que as práticas de flexibilização impõem às tradicionais formas de

regulação coletiva, repercutindo no que Castel chama de individualismo

negativo na medida em que modificam os antigos hábitos de trabalho,

transformando-os de coletivos a celulares, representados de maneira

emblemática pelas práticas vigentes no mundo todo de imposição de contratos

individuais de trabalho independentemente da forma e do histórico das

relações laborais existentes.

A terceira conseqüência apontada por Castel também diz respeito

ao interesse mais próximo desta pesquisa. Considerada por ele a mais

importante, a precarização do trabalho se apresenta sob as mais diversas

formas de realização desta atividade humana que, de homogênea a partir do

processo de industrialização, agora se revela sob uma heterogeneidade

crescente e determinada pelas novas exigências do capitalismo mundial, em

especial pela inserção das novas tecnologias no ambiente produtivo. A

preocupação deste autor é quanto ao futuro de uma civilização que se edificou

pelo trabalho, estabelecendo elos de proteção por meio dele e que permitiu

resistir em diversos momentos no curso da história ao império total das regras

pretendidas pelo mercado, situação que se agudiza ainda mais no momento

presente em razão da continuidade dos processos de reestruturação produtiva

e das investidas das políticas de natureza neoliberal. Com efeito, a análise de

Castel enfatiza não só a centralidade do trabalho e sua condição de reunir os

homens em um meio coletivo e não individualizado, mas também alerta para os

graves riscos de desestabilização social que a sua negação pode impor.

Parece-me que a saída da civilização do trabalho é uma hipótese razoável, nenhuma formação social é eterna, mas sair da civilização do trabalho seria uma verdadeira revolução cultural, pois, há pelo menos dois séculos, toda a nossa organização social gravita em torno do trabalho. [...] Não vejo nada que hoje possa substituí-lo. Pode ser que daqui a dez ou vinte anos inventemos alguma outra coisa que não o trabalho para construir uma identidade social. Porém é no hoje que precisamos pensar, e a situação está apodrecendo. (CASTEL, 1998, p. 188-9)

47

O certo, em meio a esta discussão, é a permanência a olhos

vistos das formas de subordinação a que o trabalho humano se condiciona

atualmente, quando surgem novos meios que o utilizam como produtor de

desigualdade e desagregação sociais, não importando, na verdade, a área da

atividade humana em que ele se realiza. Desse modo, interessa refletir como

estas transformações ocorrem nos espaços de produção do conhecimento,

mais particularmente como são reelaboradas pelos trabalhadores que atuam

no campo da educação superior no Brasil. Este movimento, no âmbito da

presente pesquisa, leva ao entendimento de que a transformação das

condições de realização do trabalho docente no âmbito das IPES da cidade de

Uberlândia pode ser explicada a partir desse complexo processo estrutural do

capitalismo, no qual, entre as explicações possíveis, está presente a afirmação

que a ciência e tecnologia, em um processo de Divisão Internacional do

Trabalho, manifestam um discurso ideológico socializante e um movimento

material, cuja origem da produção é cada vez mais privada e centrada em

seletos grupos científicos objetivando alcançar mercados consumidores

determinados. Em outras palavras, deve-se problematizar a condição brasileira

de país consumidor de tecnologias, condição fundamental para o entendimento

do papel do Ensino Superior brasileiro, o que permite desnudar o que está

realmente em jogo em termos de formação humana e condições de trabalho

docente, temas desenvolvidos no próximo capítulo.

48

2 AS NOVAS CONDIÇÕES DE TRABALHO E SEUS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO

A dinâmica do desenvolvimento capitalista nos tempos

globalizados define as formas padronizadas em que as relações humanas

passaram a se realizar, de tal maneira que os modos das sociedades se

organizarem e as formas atuais de desenvolvimento das atividades laborais

demonstram a predominância de conceitos comuns para uns e outros lugares,

não havendo mais a divisão clássica entre o espaço da vida em geral e o

espaço reservado ao trabalho em particular. Esta nova dinâmica se orienta por

conceitos que a todos alcança, identificando os valores que, por excelência,

estavam restritos ao universo do mercado e da livre empresa e estendendo-os

a todos os homens em sociedade. Com efeito, ainda que alijado das relações

formais de trabalho ou quando temporariamente não está envolvido nas

relações de exploração, vivenciando as incertezas do desemprego, o homem

atual se encontra envolto em um ambiente que lhe informa das necessidades

de racionalização do tempo e do aumento da produtividade, acossando-o

cotidianamente com avisos de que o seu retorno ao mundo do trabalho ou

mesmo a manutenção das condições laborais em que se encontra depende

diretamente de seu desempenho e lucratividade, além de sua capacidade de

se adaptar de imediato às mudanças determinadas pela flexibilização e

inserção de novas técnicas no setor produtivo. Pelos processos antes

anunciados - explicitando as razões pelas quais ocorre a concentração e

centralização do capital, ao mesmo tempo em que diminui a interferência dos

interesses locais, regionais e nacionais, vez que os tempos são de contínuas

exigências globais -, verifica-se a propagação de um discurso unívoco tanto em

favor da “desestatização” e “liberalização” das regras político-econômicas como

em favor da “qualificação” e “preparação” para o acesso ao trabalho, como se

49

todos estivessem em “um mesmo barco” que só não irá naufragar caso todas

essas exigências sejam atendidas.

É nesse sentido que o termo “empregabilidade” é produto de um

discurso ideológico que impulsiona o crescimento do Ensino Superior no país,

donde a expressiva expansão da oferta de vagas ao Ensino Superior privado

no país deve ser problematizada tendo como referência as exigências

empresariais diante das transformações do mundo globalizado. Cabe aos

trabalhadores, se alijados do processo de exploração, encontrar os meios de

formação profissional individual capazes de definir sua inserção no universo

produtivo. Se ainda mantém vínculos com este universo, a tarefa cotidiana a

ser cumprida é preparar-se mais e melhor para a manutenção dessa relação,

de tal modo que o tempo que lhe resta fora do espaço de trabalho não mais lhe

pertence e tampouco é livre, vez que passa a existir em função desta

“empregabilidade”, devendo ser utilizado para garantir esta condição. Tanto

num como noutro caso, os trabalhadores tiveram que assumir para si os ônus e

os riscos de sua formação, o que antes era tarefa de investimento realizado

pelo próprio capital8. Deve-se levar em conta que atendendo a regras ditadas

pelo FMI, pelo Bird e pelo conjunto das organizações e corporações

multilaterais, a educação deve se voltar para a preparação para o trabalho

concreto, já que esta, ao lado da efetivação dos processos de “privatização” e

“liberalização” da economia, são os caminhos para se alcançar o

desenvolvimento e aumentar a produtividade e a lucratividade.

Aqueles que não cumprirem as "novas" exigências deste mundo

globalizado resta apenas, como destino, engrossar as fileiras do desemprego

que proliferam nos centros urbanos desde as últimas décadas. Portanto, a

necessidade de cumprir a cartilha da qualificação e da preparação para o

trabalho é realçada como a mais nova e a mais importante descoberta a ser

divulgada pelos quatro cantos do mundo, sendo imprescindível indicar os

passos que o homem deve seguir para evitar a sua permanência em meio a

8 Deve-se levar em conta que está em jogo o discurso que parte da premissa do “Estar Empregável”,

caracterizando-se como ideológico quando afirma a competência como suposta garantia de um emprego quando, na realidade, não existe qualquer certeza de se conseguir um posto de trabalho.

50

condições materiais de existência tão adversas. No entanto, as teses que se

amparam na valorização da progressiva formação e educação humanas,

também conhecidas como Teorias do Capital Humano, não acusam as suas

origens e tampouco demonstram que suas promessas não são inéditas. A

elaboração desta “teoria” foi resultado do trabalho sistemático de um grupo de

pensadores reunidos nos EUA nos anos 1950 sob a coordenação de Theodoro

Schultz, o que valeu a este autor, inclusive, o Prêmio Nobel de Economia em

1968 por ter “revelado” a existência de um novo fator capaz de explicar as

razões do desenvolvimento ou do atraso entre os países. Para além das razões

até então conhecidas, como o emprego de tecnologia, de insumos de capital e

de insumos de mão de obra no universo produtivo, os estudos deste grupo

afirmavam que o aumento do nível de escolaridade dos trabalhadores é capaz

de determinar necessariamente o aumento da capacidade produtiva em geral.

A idéia-chave é de que a um acréscimo marginal de instrução, treinamento e educação, corresponde um acréscimo marginal de capacidade de produção. Ou seja, a idéia de capital humano é uma “quantidade” ou um grau de educação e de qualificação, tomado com indicativo de um determinado volume de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que funcionam como potencializadoras da capacidade de trabalho e de produção. Desta suposição deriva-se que o investimento em capital humano é um dos mais rentáveis, tanto no plano geral do desenvolvimento das nações, quanto no plano da mobilidade individual (FRIGOTTO, 2000, p. 41).

Esta teoria não poderia ser mais adequada aos interesses do

capital, sobretudo quando divulgada nos países da América Latina, na medida

em que transfere às pessoas e à adoção ou não de condutas individuais a

explicação da origem e da manutenção das desigualdades econômicas. Com

efeito, os anúncios que divulgam o imediato acesso ao emprego ou a

proliferação de vagas de trabalho para todos aqueles que atendam aos

imperativos da auto-qualificação assentam-se sobre origens que remontam à

fase de crescimento econômico havida em meados do século passado, período

diagnosticado como "anos dourados" e já referido no curso do capítulo anterior.

Porém, após este apogeu, ocorreram significativas mudanças destacadas e,

por extensão, tornou-se manifesta a impossibilidade de fazer chegar as

benesses do capital a todos os prometidos, mesmo para aqueles que

conseguem de um modo ou outro ampliar gradativamente o seu nível de

51

escolaridade. Desse modo, a crise iniciada no período pós-fordista revela os

limites que se impõem ao discurso edificante do desenvolvimento profissional.

No campo da educação superior que se implementa em um país

que se mantém na periferia dos interesses do capital, colocando-se como fiel

agente de estação em torno da qual apenas giram as mercadorias e

investimentos do mundo transnacional, desenvolvem-se "políticas

educacionais" que visam o cumprimento das expectativas de aumento do nível

de escolarização das pessoas, não importando se os processos de formação

humana que estão em curso sirvam aos coletivos humanos de cada localidade

ou às exigências dos poucos senhores que se rotulam responsáveis pela

"definição" dos caminhos da globalização, como se esse processo pudesse ser

circunscrito a regras mecânicas e determinadas. Assim, apenas como uma de

suas evidências, o aumento indiscriminado da oferta de vagas de cursos cujos

currículos foram prévia e estrategicamente "flexibilizados", explica-se como

atitude necessária para que, de forma mais rápida e menos custosa, sejam

produzidos relatórios estatísticos em favor de um determinado "projeto

educacional"9.

Todo esse movimento do capitalismo monopolista10 aponta para

profundas incertezas que se manifestam nas fronteiras do trabalho abstrato e

do concreto. No primeiro, através da própria concepção de ciência e das suas

possibilidades de uso e de apropriação social, cada vez mais distanciada da

coletividade social. No segundo, articulado dialeticamente ao primeiro, aos

processos precarizantes que se consolidam tanto naqueles que vendem ou

procuram oportunidades de venda da força de trabalho, como naqueles – os

professores de Ensino Superior – que estão envolvidos na formação da parcela

de trabalhadores que procuram Faculdades, Centros Universitários e

9 Como exemplo, a experiência de reestruturação curricular implantada na instituição observada, cujos

desdobramentos estão indicados no terceiro capítulo deste estudo, insere-se nesta perspectiva de análise, tratando-se de uma realidade justificada naquele período por argumentos que continuam em bastante evidência e que, em síntese, apresentam-se como métodos e interesses do capital e desconsideram os custos humanos envolvidos neste processo. O quarto capítulo demonstra que o processo precarizante referido atinge as demais instituições citadas, não se limitando, portanto, à instituição na qual ocorreu a experiência de reestruturação curricular comentada.

10 Para compreender este movimento, ver Bravermam (1981).

52

Universidades como uma garantia futura de um posto de trabalho, mesmo que

essa garantia careça de políticas públicas que as materializem, existindo

apenas em suas cabeças. Para melhor compreensão deste processo, é

necessário verificar nos próximos itens como ocorrem as articulações entre o

Estado, o desenvolvimento científico e a definição dos projetos educacionais no

plano da sociedade capitalista, tornando necessária a expansão da Educação

Superior no Brasil, alterando, para tanto, o arcabouço legal pertinente.

2.1 Estado, educação e ciência na sociedade capitalista

A consolidação gradativa do capitalismo monopolista e suas

sucessivas revoluções tecnológicas colocam em destaque as mediações entre

o Estado, as classes sociais e a ciência. A produção científica não é neutra,

antes, ao contrário, manifesta conflitos e atende a pressupostos políticos de

uma classe social, a burguesia. O Estado tem um importante papel nesse

processo. Partimos da premissa que o Estado é uma instituição que se origina

das relações estabelecidas no meio social, sendo, portanto, produto das

relações que as classes engendram na sociedade, de tal modo que sua

existência só pode ser compreendida a partir das relações concretas

desenvolvidas ao longo da história e não como uma entidade que

aparentemente estaria acima dos homens, pairando sobre o mundo por eles

construído. Deste ponto de partida, a compreensão possível é de que o Estado

tem por função inerradável servir a uma determinada classe, organizando-se

de maneira eficaz e burocrática para oferecer as condições necessárias à

manutenção das diferenças sociais existentes, o que se concretiza por meio da

defesa intransigente da propriedade privada e do modo de produção capitalista.

Marx e Engels, em diversos escritos de diferentes momentos11, foram

incansáveis na revelação da real natureza do Estado na sociedade capitalista e

11 Em A Ideologia Alemã os autores dedicam-se à análise histórica do Estado, demonstrando a

constituição de seu caráter burguês. Mais tarde, em O Manifesto Comunista, Marx e Engels enfatizam a sua condição de gestor dos interesses do capital: “O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX e ENGELS, 1988, p. 23).

53

de como esta instituição serve exclusivamente aos interesses da classe

dominante.

É antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e mantê-lo dentro dos limites da ‘ordem’. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é o Estado (ENGELS, 1964, p. 135-6).

Esta natureza, no entanto, apresenta-se de forma complexa e

contraditória, já que também se caracteriza como função do Estado a

regulação do conflito entre o capital e o trabalho, mantendo-o sob o controle

estratégico e necessário. Para tanto, ao Estado cabe elaborar e investir em

políticas públicas que cumpram esta tarefa, representadas, em regra, pela

homologação de conquistas na legislação trabalhista, regulamentando a

atuação dos sindicatos e a presença dos partidos políticos de massa, de modo

a se evitar o colapso das relações sociais. Ocorre, pois, a concretização de um

ditado popular ensinado ao próprio Estado, para quem é melhor “ceder os

anéis para não perder os dedos”.

Dentre as tarefas assumidas pelo Estado sob esta feição, há a

necessidade de se legitimar as relações sociais construídas, apresentando-se

aos desavisados como uma entidade de natureza política capaz de representar

os diversos interesses da coletividade em geral, acima de suas diferenças

particulares e à parte dos conflitos presentes na relação entre o capital e o

trabalho, já que estes seriam, em tese, assuntos a serem resolvidos pelos

agentes econômicos que atuam na sociedade. Sob esta perspectiva, a de se

colocar acima dos antagonismos sociais, o Estado moderno estaria à margem

da estrutura produtiva do capital, nela não intervindo por estar aparentemente

neutro diante dos embates travados em um campo cujos fatores de explicação

seriam apenas econômicos, o que levaria ao equívoco de que nas demais

áreas, jurídica e cultural por exemplo, não haveria o império da lógica do capital

e, por extensão, seriam arenas imunes às exigências estruturais do modo de

54

produção capitalista. No entanto, como o curso da história insiste em

demonstrar, o Estado edificado a partir da modernidade nasceu com uma

função bem definida a desempenhar.

Desta ótica, historicamente se torna impossível desvincular o denominado Estado moderno da ordem burguesa e suas contradições subseqüentes. Assim sendo, passa, então, a ser cada vez mais visível que o Estado é capitalista e, mais do que isso, é do capital. O controle do poder político-econômico é exercido pelos proprietários dos meios de produção, não importando aqui o modo como estes estejam aglutinados, cabendo ao Estado fundamentalmente garantir a propriedade privada, entendida com fundamento da liberdade individual. O Estado, portanto, é um partícipe intrínseco da lógica do capital. (SANFELICE, 2003, p.162).

Distantes desta compreensão, alguns estudos e análises apontam

a educação ao largo do processo histórico de disputa hegemônica do poder e

que negam condições que lhe são inerentes, quais sejam a de determinar e ser

determinada pelas relações sociais nas quais se insere. Em sentido inverso,

este estudo entende que o processo de transformação das relações de

trabalho dos docentes que atuam no Ensino Superior no Brasil se constitui a

partir do conjunto das relações desenvolvidas pelos homens que desejam

conquistar (ou garantir quando já a possui) a apropriação privada dos

resultados do trabalho humano. Assim, a pesquisa desenvolvida não teve como

pressuposto a existência de dois universos distintos que conviveriam em

arenas educacionais diferentes, de modo que o tratamento de uma educação

supostamente pública poderia ser diverso da abordagem de uma educação

nominada como privada12. Ainda que mantendo suas especificidades, ambos

os rótulos não são capazes de impedir a compreensão de que o Ensino

Superior chamado de público e o Ensino Superior já referido pertençam a uma

unidade orgânica que reúne interesses aparentemente diferentes, mas que se

concretizam sob um único modo de produção. Este, por ser capitalista, tem em

sua constituição a própria contradição entre forças antagônicas, superando,

portanto, a elaboração de conceitos que se limitam ao plano da aparência e

que não reconheçam a materialidade histórica sobre a qual têm existência. Por

12 Sobre os conceitos de público e de privado na Educação Superior no Brasil, ver Minto (2005).

55

esta razão este trabalho partiu do entendimento de que não é possível

estabelecer uma distinção simplista entre os modos de organização do Ensino

Superior no Brasil, o que resultaria em uma separação estanque das formas

pelas quais se organizam o Ensino Superior Federal e o Ensino Superior

Privado, como se neste imperasse a lógica fria das regras de mercado e

naquele as decisões tomadas pelo Estado em favor de um bem alardeado

como “público”. O uso do termo “educação pública” como tem sido corrente é,

antes, a expressão de uma armadilha ideológica cuja presa é a idéia de que o

Estado teria condições de construir um sistema de ensino que atenderia a

todos, a despeito dos conflitos de classe existentes no cotidiano e expressos

na materialidade das coisas. Adotar o conceito sem colocá-lo em crise seria

aceitar que o Estado, por meio das chamadas Políticas Públicas Educacionais,

teria condições de atender aos interesses coletivos dos agrupamentos

humanos, satisfazendo suas mais diversas necessidades, esquecendo-se,

porém, de sua condição de instrumento classista e estratégico para a

satisfação de um projeto de sociedade apenas de um grupo determinado.

Por esta linha de raciocínio, reconhecendo que a Educação

organizada pelo Estado ou por entes particulares não consegue superar as

condições definidas pelo modo de produção capitalista, a pesquisa

desenvolvida sobre o Ensino Superior Privado parte do pressuposto de que

estão presentes neste terreno as diversas forças que colidem no processo de

constituição da sociedade capitalista, de modo que as relações que expropriam

a força de trabalho de quem o realiza operam ao mesmo tempo em que se

definem os meios de acumulação do capital em favor daqueles que mantém os

meios de produção sob seu poder. Nos limites deste trabalho, a expressão

“Ensino Superior Privado em Uberlândia” significa um campo de observação

em que se materializam as condutas de natureza mercantil assumidas pelos

mantenedores das IPES existentes nesta cidade como resultado das relações

materiais de produção sobre as quais elas se assentam, do mesmo modo que

as manifestações de indignação, desagrado e organização por parte dos

docentes que atuam nestas instituições de ensino significam a materialização

da resistência destes trabalhadores às condições de trabalho vigentes,

permitindo-se compreender este espaço a partir dos conceitos marxistas de

56

análise mediante a verificação de que nele se produz mais-valia e se

desenvolve a luta de classes opondo uns e outros13.

István Mészaros é enfático ao revelar como as práticas

educacionais não podem ser entendidas à parte das relações sociais em que

se inserem, de modo que transformações significativas na educação só teriam

condições de ocorrer se o espaço social sobre o qual ela se assenta também

passasse por necessária transformação. Pensar de outro modo é acreditar que

reformas realizadas no campo educacional sejam capazes de interferir

radicalmente no curso da sociedade, transformando-a a partir das mudanças

educacionais realizadas, como se o sistema engendrado no capitalismo fosse

passível de ser reformado por meio de interferências pontuais, localizadas e

periódicas. Aqueles que identificam na educação a condição de avatar de um

mundo novo não compreendem que o capitalismo é antes uma totalidade

sistêmica e, como tal, permanece impassível em sua essência diante de

utópicas medidas de correção.

O que há, quando muito, são ajustes que os diversos interesses

de grupos pleiteiam em favor de seus empreendimentos, o que é passível de

ser eventualmente atendido caso as medidas que lhes favoreçam não

interfiram na estrutura do sistema e, de modo algum, não coloquem sob risco

sua contínua reprodução. Por esta ótica, portanto, não é certo que haja real

oposição entre aqueles que defendem a ampliação da oferta de vagas nas

universidades públicas e aqueles que defendem a expansão contínua do

Ensino Superior Privado no Brasil se, antes, na origem da proposta, não existir

o desejo de apresentar uma alternativa que supere a lógica da oposição entre

capital e trabalho, por mais nobres que sejam as razões apresentadas. Sob

este prisma, esta discussão seria, na verdade, uma quimera porque não

ensejaria qualquer alteração fundamental na materialidade das relações

sociais, sendo útil, quando muito, para minorar as conseqüências danosas que

o sistema do capital espalha em sua trajetória.

13 Sobre a organização da educação sob a forma de trabalho produtivo ou improdutivo, ver Saviani

(1991).

57

A razão para o fracasso de todos os esforços anteriores, e que se destinavam a instituir grandes mudanças na sociedade por meio de reformas educacionais lúcidas, reconciliadas com o ponto de vista do capital, consistia – e ainda consiste – no fato de as determinações fundamentais do sistema do capital serem irreformáveis. Como sabemos muito bem pela lamentável história da estratégia reformista, que já tem mais de cem anos, desde Edward Bernstein e seus colaboradores – que outrora prometeram a transformação gradual da ordem capitalista numa ordem qualitativamente diferente, socialista -, o capital é irreformável porque pela sua própria natureza, como totalidade reguladora sistêmica, é totalmente incorrigível. (MÉSZÁROS, 2005, p. 26)

É importante situar que as contradições evidenciadas na

organização da educação não se realizam de modo isolado, já que estão

inseridas na própria organização da ciência no mundo atual14 que, também ela

refém de grandes conglomerados privados, submete-se às formas vigentes de

reprodução do capital e se distancia cada vez mais de servir à humanidade

como um todo, negando a promessa iluminista de propagar as benesses do

avanço científico aos diversos lugares do mundo, servindo antes à descoberta

de novas formas de exploração do homem sobre o homem, na medida em que

poucos decidem o que deve ser produzido, como deve ser produzido e para

quem será produzido 15.

As formas do conhecimento científico hoje passam

necessariamente pelo crivo do Estado, restando a este, em última instância,

decidir sobre a alocação de recursos para esta ou aquela área, o que resulta

na interferência direta nos experimentos realizados e na permissão da

aplicação desta ou daquela descoberta no meio social. Assim, ao escolher as

condições institucionais em que se produzirá o conhecimento científico, o

Estado revela os seus reais interesses e descortina a eventual idéia de que

nesta área, pelo menos, estaria agindo de forma neutra. Há, antes, uma

verdadeira batalha entre os Estados mais e menos poderosos para a

comercialização dos produtos tecnológicos criados pelo homem, imperando

nesta relação a lógica de que a tecnologia tornou-se mais uma das

14 Sobre a relação entre ciência e exploração do trabalho, ver Lucena (2005). 15 A propósito, ver Antunes (1999).

58

mercadorias produzidas para o consumo, de modo que também sobre ela

vigora a regra da produção para curta duração.

Tomando como referência a dimensão internacional presente na circulação de mercadorias, a própria divisão internacional do trabalho garante um movimento de utilização máxima das tecnologias que são produzidas, mantendo a velocidade de circulação sobre controle. Com efeito, ao mesmo tempo em que são criadas como novidades em países desenvolvidos, o seu processo destrutivo não implica no seu desaparecimento, mas sim o envio dessas tecnologias para países subordinados em termos de desenvolvimento tecnológico. A contradição entre a produção e a destruição garante a subordinação de continentes para continentes, de grupos transnacionais para Estados nacionais, etc. (LUCENA, 2005, p.11)

A abordagem da ciência sob esta condição demonstra a sua

utilização por parte do Estado de modo a evitar a propagação de um

conhecimento que seria válido ao desenvolvimento humano em geral, servindo

antes em favor de pequenas parcelas que se apoderam dos avanços da

ciência e deles se valem para garantir a manutenção dos antagonismos

sociais. Educar o homem para produzir o conhecimento científico caracteriza-

se, portanto, como mais uma armadilha trazida pela lógica do capital caso as

descobertas realizadas não venham em direção às necessidades que lhes são

essencialmente prioritárias, de modo que produzir em favor do avanço da

ciência não significa produzir em favor do desenvolvimento humano se, ao

final, não estejam presentes resultados que sirvam à diminuição do seu

sofrimento e das formas atuais de opressão a que está submetido. No entanto,

não tem sido esta a regra, estando o conhecimento científico sob a égide de

poucos grupos privados que se orientam pelas determinações do capital. Esta

concepção alienada de ciência e tecnologia incide sobre os processos de

formação humana repercutindo, no Brasil, especialmente quando da expansão

do Ensino Superior verificada a partir das políticas públicas implantadas pelo

Estado Militar pós 1960, como tratado no item a seguir.

2.2 Expansão da educação superior no Brasil como exigência do capital

Após a caracterização dos limites da educação como fator de

transformação social, o que significa compreendê-la a partir dos conflitos

59

existentes na sociedade e, portanto, como uma prática social que se realiza em

meio ao conjunto das disputas hegemônicas de seu tempo (FRIGOTTO, 2000),

de modo a verificar como nessa condição o Estado brasileiro empreendeu

medidas a partir das últimas décadas do século passado, sobretudo após a

promulgação da Constituição Federal de 1988.

Cunha (1989) informa que desde décadas anteriores, mais

precisamente desde o fim da Segunda Guerra Mundial, em razão da

contraposição de forças presentes na fase populista16 do Brasil, o Estado

projetou seus investimentos em favor do aumento da escolarização formal dos

brasileiros, sobretudo daqueles pertencentes às camadas médias e da força de

trabalho alocada nas indústrias que cresciam nos centros urbanos do país,

atendendo às novas necessidades de formação do capitalismo nacional. Foi

neste período que se assistiu ao avanço do Ensino Médio que, por extensão,

logo redundou na necessidade de se ampliar o número de vagas do Ensino

Superior, processo que não se desenvolveu de maneira mecânica e imediata,

já que a expansão da oferta pública de ensino atingiu os interesses daqueles

empresários da educação que se estabeleceram por meio dos lucros advindos

das escolas privadas, tanto assim que parte considerável destes investidores

deslocou seus negócios para as oportunidades de expansão que o Ensino

Superior passava a oferecer.

Além destes fatores, a ascensão dos militares ao poder a partir de

1964 foi determinante para que a expansão do Ensino Superior servisse de

palco dos interesses políticos e ideológicos das camadas que apoiavam o

regime, tornando-se uma arena privilegiada para que os empresários do ensino

e as instituições religiosas fortalecessem seus investimentos. Constituindo-se

como um movimento de natureza civil e militar, o novo regime manteve uma

16 Define-se populismo como a prática de movimentos políticos que defendem a idéia de que a massa

popular deve estar à frente das ações políticas, identificando as camadas urbanas direta e emocionalmente com o governante, o que pressupõe a presença de um líder cararismático e do enfraquecimento das formas de representação democrática. Presente em diversos momentos históricos da América Latina, identificou-se no Brasil após os anos 1930 com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, com o desenvolvimento industrial e com o enfraquecimento do poder político da aristocracia rural.

60

proximidade com o governo dos Estados Unidos da América que o apoiava,

condição que repercutiu sobremaneira no campo educacional, modificando as

estruturas nacionais vigentes mediante a assessoria e o financiamento de

reformas pontuais no Ensino Superior do país, quase sempre por meio da

expedição de decretos pelos militares de plantão, remodelando-o de acordo

com as exigências da chamada doutrina de segurança nacional17, o que definiu

a implantação de projetos de ensino neste setor sob a orientação dos norte-

americanos. Em 1968, na fase mais incisiva do regime, assistiu-se a

implantação da Lei de Reforma Universitária, considerada emblemática na

definição do modelo de educação superior implantado no Brasil.

A reforma universitária de 1968 determinava que a universidade fosse a forma de organização por excelência do ensino superior, restando à instituição isolada o status de forma excepcional e transitória. Entretanto, desde os primeiros momentos da ditadura, os novos detentores do poder buscaram substituir os membros do Conselho Federal de Educação (a quem competia autorizar o funcionamento e reconhecer estabelecimentos de ensino públicos e privados) por pessoas de confiança, critério este que incluía o fato de serem simpáticos aos grupos privatistas. Assim, no momento em que a reforma do ensino superior proclamava sua preferência pela universidade como forma por excelência de organização do ensino superior, o CFE já se empenhava em propiciar aceleração do crescimento dos estabelecimentos privados, a grande maioria isolados uns dos outros, numa ostensiva e radical oposição à lei aprovada pelo Legislativo. Mas, o Congresso Nacional, fechado pelo acirramento da ditadura menos de um mês após a promulgação da lei da reforma universitária, pouco pôde modificar a tendência atomizadora acionada pelo grupo privatista. (CUNHA, 1989, p.39/40).

Ocorre, porém, que o término do regime civil e militar iniciado em

1964 e o começo do processo de transição democrática não repercutiram em

alteração das práticas de privatização da educação acima referidas. Antes, a

atuação do Ministério da Educação e os embates que se travaram no interior

do Conselho Federal de Educação (CFE) representaram a continuidade das

políticas aplicadas anteriormente no Ensino Superior, agora sob novos

17 Esta doutrina teve como ideólogo o general Goubery do Couto e Silva e alinhava o Brasil aos

interesses dos EUA sob a perspectiva de romper com a defasagem tecnológica do país, o que ocorreria por meio da associação do Estado à iniciativa privada e da formação de uma elite tecnocrática, o que exigiria por parte dos governantes a centralização do poder e a supressão de “[...] alguns valores definidores da ordem democrática.”

61

argumentos que, os mais variados, determinaram a intensificação de práticas

privatizantes no Ensino Superior público por um lado e, por outro, exigiram do

Estado o envolvimento na manutenção e na ampliação das instituições

privadas de Ensino Superior18. O CFE fora criado em 1961. No entanto, em

razão de sucessivos decretos que se sucederam no início dos anos 80 do

século XX, ora ampliando o seu campo de atuação, ora mitigando a sua

interferência no setor, merece destaque o decreto de nº 8.600 de maio de 1981

que, apesar de restringir de maneira veemente a atuação do órgão até

dezembro de 1982, logo foi atropelado pelo decreto de nº 87.911 de 07 de

dezembro do mesmo ano que, por ele, liberou-se a criação dos

estabelecimentos de Ensino Superior no país, impondo inclusive, certas

exigências como, por exemplo, a iniciativa de se atender as necessidades

locais de ensino de primeiro e segundo graus, a necessidade social de se criar

universidades ou estabelecimentos isolados, por indicadores específicos e

objetivos e ainda a existência de meios para atender a instalação, manutenção

e funcionamento dos cursos que se criaram. Este Conselho, a partir de suas

novas atribuições, ficou com a responsabilidade de praticamente definir o

sistema do Ensino Superior no país, responsabilizando-se pela realização de

estudos e análises técnicas para definir os critérios e prioridades demandadas

pelo sistema. Tornou-se, portanto, um órgão bastante poderoso no seu campo

de atuação, sendo que, por meio de seus pareceres e normativas,

autorizavam-se ou negavam-se a abertura e o funcionamento de

estabelecimentos de ensino no Brasil. A extinção do Conselho Federal de

Educação ocorreu por meio da edição da Medida Provisória nº 661 de 18 de

18 Sobre o emprego de recursos públicos diretos e indiretos em benefício das instituições de ensino

superior privadas, com a conseqüente omissão de investimentos no sistema federal de ensino, ver Davies (2002). O autor aponta neste estudo como elemento estrutural desta prática o caráter patrimonialista do Estado brasileiro, pelo qual a coisa pública torna-se refém dos interesses pessoais, e um elemento de ordem conjuntural caracterizado pela ofensiva da perspectiva neoliberal vigente nas últimas décadas, pela qual os setores estatais com potencial econômico tornam-se alvo da lógica do mercado para saldar as dívidas públicas internas e externas. Seriam exemplos de práticas privatistas: “[...] podem ser vistos nas Constituições, nas leis (nas duas LDBs, por exemplo) e nos organismos estatais, como o Conselho Federal de Educação (CFE), o atual Conselho Nacional de Educação (CNE) e os Conselhos Estaduais de Educação, cujo controle privado, aliado, tanto às políticas federais de não-aumento do gasto público nas IES estatais para atender à demanda por ensino superior quanto aos mecanismos diretos e indiretos de financiamento público às IES privadas, possibilitou a grande expansão das IES privadas desde o final dos anos 1960” (p. 152).

62

outubro de 1994 por diversas razões para além daquelas de natureza jurídica e

representaram uma centralização do poder decisório do próprio Ministério da

Educação e do Desporto, que se ressentia da independência que o órgão

possuía quanto à normatização do Ensino Superior.

As razões para sua extinção, consubstanciadas na Exposição de Motivos encaminhada pelo ministro da Educação ao presidente da República, residiam no fato de a Lei Complementar nº. 73/93 haver assegurado a prerrogativa de interpretar as leis e a própria Constituição Federal, no âmbito administrativo, ao advogado-geral da União e às consultorias jurídicas dos ministérios, de modo que não se justificava a subsistência do art. 46 da Lei nº. 5.540/68 que dava ao Conselho Federal atribuição para interpretar, com exclusividade, as leis relativas ao ensino superior. (SAMPAIO, 2000, p. 130)

Ato sucessivo, o órgão foi transformando no Conselho Nacional

de Educação através da Lei nº 9.131/1995, não tendo havido, porém, uma

modificação fundamental do tratamento estatal da educação superior,

permanecendo presentes as mais diversas propostas de política educacional

no seu interior. No entanto, ainda que interesses específicos podiam ser

identificados na correlação de forças presentes neste órgão, houve acordos

momentâneos em favor de teses comuns que, em síntese, visavam ou

referendar as políticas propostas pelos representantes do governo federal ou

ampliar os espaços para os empresários explorarem o segmento dos serviços

educacionais ou, ainda, de setores que almejavam administrar este setor de

modo mais incisivo, seja mediante a fiscalização das instituições superiores de

ensino ou pelo fortalecimento das instituições de educação superior públicas.

No entanto, a partir mesmo de sua criação e de forma progressiva, o Conselho

Nacional de Educação foi perdendo seu caráter de órgão deliberativo referente

ao Ensino Superior, afastando-se da condição de entidade idealizadora de

políticas educacionais para o setor, ocorrendo, ao mesmo tempo, a perda

contínua de sua autonomia junto ao Poder Executivo. Como conseqüência do

esvaziamento deste órgão, além da deslegitimação desta arena como espaço

de disputa dos interesses que poderiam favorecer a educação superior de

natureza pública, restou o aumento da liberdade de atuação dos empresários

63

que atuavam no setor do Ensino Superior privado, lotando o órgão através de

seus fiéis representantes 19.

2.3 A educação superior na legislação nacional: Lei N° 9.394/96 e Constituição Federal de 1988

Antes, para problematizar as razões que levaram à expansão do

Ensino Superior privado brasileiro, importa demonstrar a que condição foi

submetida a educação superior com o advento da Lei nº 9.394/96, a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional e da atual Constituição da República

Federativa do Brasil. Tanto nesta como naquela houve significativos embates

pleiteando a inserção de interesses específicos no texto legal, demonstrando

que, para além da abordagem fria e objetiva de documentos desta natureza, é

preciso, antes, considerá-los a partir das relações sociais construídas pelos

agentes envolvidos em determinado processo histórico.

Quanto à Constituição Federal, o texto aprovado em 05 de

outubro de 1988 dedica, no Título VIII (“Da Ordem Social”), um capítulo à

educação, à cultura e ao desporto. Interessa tratar, particularmente, da Seção I

– Da educação, que compreende os arts. 205 a 214. A inclusão desta seção no

novo texto constitucional é considerada um significativo avanço na história da

educação nacional, já que as duas primeiras constituições nacionais, a imperial

de 1824 e a republicana de 1891, silenciavam-se quanto ao tema, a exemplo

de assuntos como a saúde e a previdência que, á época, do mesmo modo

ainda não estavam alçados à condição de obrigação estatal. Apenas o Texto

Constitucional de 1934 passou a considerar a educação “direito de todos e

deve ser ministrada pela família e pelos poderes públicos”, condição que se fez

presente nas Cartas Magnas de 1937, 1946, 1967 e 1969. No entanto, como

afirmado, a Constituição Federal de 1988 preocupa-se de maneira mais detida

com a questão, tanto assim que, em seu art. 205, estabelece que a educação,

além de ser um direito de todos, não é dever exclusivo do Estado, mas também

19 A propósito, ver Silva (2002).

64

da família, já que o objetivo declarado é alcançar o “pleno desenvolvimento da

pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho”. Nessa esteira, definem-se os princípios que passam a orientar o

ensino no país, sendo bastante significativos os relacionados nos incisos III e

VII do art. 206 da CF/88. Pelo primeiro, a educação nacional deve assegurar o

“pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de

instituições públicas e privadas de ensino”. Pelo segundo, deve-se envidar

esforços para se alcançar “garantia de padrão de qualidade”.

Para melhor compreensão deste processo, cabe considerar as

implicações surgidas a partir do art. 207 do Texto Constitucional que se

promulgou ao final dos anos 1980. Por esta norma, garantia-se às

universidades autonomia didático-científica, administrativa e de gestão

financeira e patrimonial, o que lhe impôs a obediência de efetivar o princípio de

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Desse modo, a partir de

então, por imposição constitucional, merecerá a alcunha de universidade e só

será reconhecida como tal aquela instituição que produzir, ao lado do ensino, a

pesquisa e a extensão de maneira indissociada, definindo-se um novo cenário

que terá, como uma de suas conseqüências, a posterior criação da figura do

Centro Universitário. Isto porque, em atendimento à Constituição Federal,

exigiu-se a edição de lei que regulamentasse a educação no país, elaborando-

se e aprovando-se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 20 de

dezembro de 1996, o que repercutiu na flexibilização de algumas exigências

constitucionais no que respeita a educação superior.

Ressalte-se que o capítulo referente à educação superior neste

texto legislativo rendeu um grande número de alterações no curso de sua

elaboração, fruto das posições antagônicas que discutiam e polemizavam no

entorno de seu texto, destacando-se, do mesmo modo, correntes que atuavam

em favor da caracterização de um Ensino Superior público que atendesse a

população de maneira universal e gratuita, representadas, em regra, pelas

associações sindicais formadas por professores de todo o Brasil e, de outro, a

presença de grupos que pleiteavam a expansão das práticas de massificação

intensiva do setor, representando os setores privatistas com destaque para a

65

atuação da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino –

CONFENEN. Ao final, dentre os vários projetos apresentados à Câmara

Federal, o embate foi vencido por estes setores mediante a aprovação do

chamado projeto Darcy Ribeiro, bem ao sabor das orientações dos organismos

internacionais chancelados pelo Ministério da Educação20.

No Capítulo IV da LDB, os arts. 43 a 57 trataram especificamente da

educação superior. No primeiro deles há a definição de suas finalidades,

apresentando, dentre seus sete incisos, a necessidade de “comunicar o saber

através do ensino”, além de “formar diplomados nas diferentes áreas do

conhecimento”, “incentivar o trabalho de pesquisa e da investigação científica”

e ainda “promover a extensão, aberta à participação da população”. A inclusão

destes itens com esta redação no mais importante texto legislativo referente ao

setor permite inferir, ao menos, que a concepção de educação presente no

documento restou limitada a uma relação que privilegia a transmissão e a

recepção de conhecimentos, aquém, portanto, de um texto mais incisivo e

direto em favor da valorização do espaço acadêmico como lócus de construção

do conhecimento e de transformação das relações sociais, razão pela qual o

projeto levado à aprovação na Câmara Federal suprimiu a expressão “a

educação enquanto instrumento de transformação social”21.

No art. 45 e seguintes reafirma-se, para o Ensino Superior, o

princípio constitucional da coexistência entre instituições públicas e privadas,

“com variados graus de abrangência ou especialização”. Aqui, nesta

passagem, é que ocorre a referida flexibilidade, já que a LDB, regulamentando

a CF/88, fará mais do que o previsto na Carta Magna, ao permitir tanto a

criação de universidades especializadas por campo do saber (art. 52, parágrafo

único) como dos centros universitários (criados pelo Decreto 2207, de 15 de

abril de 1997). Desta maneira, e por meio da LDB, alterava-se a concepção de

universidade construída no país nas fases históricas imediatamente anteriores.

Com efeito, a legislação educacional reconhecia uma instituição de Ensino

20 A propósito, ver Saviani (1998). 21 A propósito, ver Muranaka (1998) e Minto (2005)

66

Superior mediante a verificação da universalidade dos campos de

conhecimento, isto é, a instituição poderia ser uma universidade caso

possuísse vários cursos reconhecidos em áreas diferentes, o que tornava a

existência de pesquisa e de corpo docente qualificado como critério

secundário, não suficiente para determinar ou modificar o status de

universidade. Já pelo novo tratamento legal, de modo diverso, definiu-se que

apenas poderão obter o conceito de universidade as instituições que provarem

a existência de atividades de ensino, pesquisa e extensão, de forma

indissociada, verificando esta condição mediante o crivo de um processo de

credenciamento ou de recredenciamento capaz de avaliar o corpo docente e a

produção científica daquela unidade de ensino.

Ocorre, no entanto, que ao tratar da autonomia adquirida pelas

instituições de Ensino Superior, a LDB definiu possibilidades de exercício desta

condição não previstas na própria Constituição Federal. O § 2º do art. 54

daquela lei declarou textualmente que “atribuições de autonomia universitária

poderão ser estendidas a instituições que comprovem alta qualificação para o

ensino ou para a pesquisa, com base em avaliação realizada pelo Poder

Público”, concedendo uma espécie de bônus da autonomia para aquelas

instituições que, mesmo sem praticar pesquisa e extensão, tenham condições

de comprovar qualidade no ensino. Desse modo, por meio de interpretação

bastante flexível da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, é que

surgiu a possibilidade de criação dos chamados centros universitários,

legalmente consolidados pelo Decreto n. 2207, de 15 de abril de 1997.

O art. 4º deste diploma legal definiu que “quanto à sua

organização acadêmica, as instituições de Ensino Superior do Sistema Federal

de Ensino classificam-se em: I – universidades; II – centros universitários; III –

faculdades integradas; IV – faculdades; V – institutos superiores ou escolas

superiores”. No art. 6º os centros universitários são definidos como instituições

de Ensino Superior pluricurriculares, na medida em que abrangem uma ou

mais áreas do conhecimento e se caracterizam pela excelência do ensino

oferecido, o que se comprova pela qualificação do seu corpo docente e pelas

condições de trabalho acadêmico oferecidas à comunidade escolar, nos termos

67

das normas estabelecidas pelo Ministério de Estado da Educação e do

Desporto para o seu credenciamento. No entanto, atenção especial merece a

regulamentação do § 2º do art. 54 da LDB, pois os dois parágrafos que

completam o art. 6º do Decreto são bastante elucidativos, já que, no primeiro

deles, estende-se ao novo tipo de instituição de Ensino Superior autonomia

para criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de

educação superior. No seguinte, deixa-se à decisão do processo de

credenciamento a possibilidade de outras atribuições de autonomia

universitária, desde que especificadas.

O Decreto nº. 2207/97 foi logo substituído pelo Decreto n. 2306,

de 19 de agosto do mesmo ano, mantendo praticamente inalteradas boa parte

de suas normas. Houve, no entanto, uma novidade importantíssima surgida em

favor dos centros universitários. Embora o novo Decreto não tenha alterado as

condições gerais de organização acadêmica a serem seguidas pelas

instituições de Ensino Superior no país, quanto às atribuições de autonomia

para os centros universitários a nova regulamentação acrescentou, para além

da criação e extinção de cursos e programas, a possibilidade dos centros

universitários remanejarem e mesmo ampliarem o número de vagas dos cursos

existentes, como disposto no art. 12, § 1º do referido Decreto. Com efeito, os

centros universitários praticamente dispensaram a obrigatoriedade de, a

exemplo das universidades, comprovar atividades de pesquisa e de extensão,

já que se inseriram em regulamentação um pouco mais branda em razão das

duas importantes atribuições de autonomia recém-alcançadas: a criação e

extinção de cursos, assim como a ampliação do número de vagas.

Esta caracterização do arcabouço jurídico sobre o qual se assenta

a educação superior brasileira permite verificar mais uma das evidências de

como foram abertos os caminhos para que grupos da iniciativa privada

alcançassem o estabelecimento no ramo e permitissem a sustentação de seus

investimentos financeiros e projetos políticos para os períodos imediatamente

posteriores, respaldados constitucionalmente, inclusive, já que o art. 213 da

Constituição Federal passou a permitir de maneira expressa a transferência de

recursos públicos para instituições de ensino não necessariamente públicas,

68

como aquelas de direito privado sem fins lucrativos. Desse modo, os

empresários da educação puderam projetar as estratégicas úteis ao

fortalecimento da tendência de massificação do Ensino Superior no país

conduzida a partir dos interesses de investidores privados que, em menos de

duas décadas, responderam com eficiência à dinâmica de propagar a lógica do

capital no setor, como revelam dados colhidos para o próximo item.

2.4 A expansão do Ensino Superior privado no Brasil a partir dos anos 1990

Antes da verificação de dados que indicam o acelerado

crescimento do ensino organizado pela iniciativa privada no Brasil, é importante

considerar que, por intermédio da legislação nacional22, criou-se uma

classificação heterogênea do Ensino Superior privado no Brasil, dividindo-se as

instituições em quatro categorias de acordo com o caráter e a finalidade que

apresentam. Por esta divisão, as IPES podem ser mantidas e administradas

por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, sob a denominação de

particulares em sentido estrito quando instituídas e mantidas por uma ou mais

pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, não apresentando as

características que identificam as denominadas de comunitárias, confessionais

e filantrópicas. As instituições privadas de ensino comunitárias são instituídas

por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive,

se for o caso, por cooperativas de professores e alunos, exigindo-se a inclusão

na entidade mantenedora algum representante da comunidade na qual ela se

insere. Há as instituições privadas de ensino confessionais, que são aquelas

estabelecidas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas

jurídicas que atendam à orientação confessional e ideológica referida na

categoria anterior. Por fim, há as instituições privadas de ensino filantrópicas

que, instituídas na forma da lei, caracterizam-se pela prestação de educação

ou de assistência social à população, não lhes sendo devida qualquer forma de

22 Art. 20 da Lei N° 9.394/96.

69

remuneração porque desenvolvem atividades de natureza estatal. Por conta

desta classificação, as mantenedoras destas instituições estão sob diferentes

regimes jurídicos, divididas em instituições particulares com fins lucrativos e,

como tais, submetem-se à legislação pertinente às sociedades mercantis e

instituições comunitárias, confessionais e filantrópicas sem fins lucrativos, cujos

objetivos são fiscalizados a partir de outros critérios legais23.

Apresentamos nas Tabelas seguintes alguns dados que apontam

os rumos da expansão do Ensino Superior privado no Brasil, indicando, dentre

outras evidências, que o crescimento do setor ocorre principalmente em

unidades de ensino “não universitárias”, ou seja, realiza-se principalmente em

instituições de Ensino Superior que atendem a outras classificações.

Tabela 1: Candidatos Inscritos por Vestibular e Outros Processos Seletivos nos Cursos de Graduação Presenciais em 30/06/2004 por Organização Acadêmica.

Instituição Total Privada % Universidades 3.320.484 1.143.889 34,45 Centros Universitários 487.601 472.160 96,83 Faculdades Integradas 129.845 124.062 95,55 Faculdades/Institutos/Escolas. 934.880 828.224 88,59 Centros de Educ. Tecnológica 181.182 54.269 29,95

Total 5.053.992 2.622.604 51,89

Fonte: ABMES

Ainda que as inscrições para o acesso às universidades federais

ocorram em proporção bem superior, merece ser considerado o indicativo que

demonstra um crescimento, ainda que em proporções não expressivas, no

número de alunos que concluem os cursos iniciados nas instituições de Ensino

Superior privadas, o que aponta uma tendência do setor.

23 O decreto n° 3.860 de 09 de julho de 2001 dispõe sobre a organização do Ensino Superior e sobre a

avaliação de cursos e instituições.

70

Tabela 2: Concluintes em Cursos de Graduação Presenciais nos Brasil entre 2000 e 2004.

Ano Total Privadas % 2000 324.734 212.283 65,37 2001 352.305 235.664 66,89 2002 466.260 315.159 67,59 2003 528.102 359.064 67,99 2004 626.617 424.355 67,72

Fonte: ABMES

Outra evidência da ampliação do setor de Ensino Superior privado

no Brasil é o número de vagas oferecidas nos diferentes processos seletivos

promovidos pelas IPES nos anos recentes, cujo significado ganha maior

destaque quando se verifica que há uma projeção de crescimento para os

próximos anos24, ainda que a quantidade de alunos que concluem o curso seja

da ordem de 65% (sessenta e cinco por cento)25, o que permite problematizar o

aumento significativo do número de matrículas em relação ao número de

alunos que efetivamente concluem seus cursos, enfraquecendo, pelo menos

em parte, o argumento freqüentemente apresentado pelas mantenedoras de

que seriam eles os grandes responsáveis pela “democratização” do Ensino

Superior no país.

Tabela 3: Vagas oferecidas em 30/06/2004 nos cursos de graduação presenciais por Organização Acadêmica.

Instituição Total Privada % Universidades 1.028.931 777.556 75,57 Centros Universitários 379.622 374.328 98,61 Faculdades Integradas 126.307 121.967 96,56 Faculdades/Institutos/Escolas. 710.695 681.681 95.92 Centros de Educ. Tecnológica 74.866 56.397 75,33

Total 2.320.421 2.011.929 86,71

Fonte: ABMES

24 Ver Tabela 1. 25 Ver Tabela 2.

71

Os dados demonstram também que os mantenedores das

instituições de Ensino Superior privado continuam investindo na expansão do

setor.

Tabela 4: Matrículas em Cursos de Graduação Presenciais no Brasil entre 2000 e 2004.

Ano Total Privadas % 2000 2.694.245 1.6807.219 67,08 2001 3.030.754 2.091.529 69,01 2002 3.479.913 2.428.258 69,78 2003 3.887.771 2.750.652 70,75 2004 4.163.733 2.985.405 71,70 Fonte: ABMES

Interessante notar que o setor privado manteve índices

expressivos relativos à expansão da oferta de vagas desde os anos 199026,

estratégia que ainda não cessou apesar das constantes alegações de que o

segmento estaria saturado para novos investimentos e de que a grande

quantidade de vagas não são preenchidas, aliada à inadimplência de parte

considerável dos alunos, seria responsável pelo comprometimento da

expansão do setor27. Os dados apontam, no entanto, que o número de

matrículas realizadas nas IPES em relação à totalidade do Ensino Superior no

país é da ordem de quase 70% (setenta por cento)28. Destas, verifica-se que

as instituições de ensino que se classificam como particulares em sentido

estrito detém 36,3% (trinta e seis vírgula três pontos percentuais) e as demais,

excluindo-se as de natureza pública, 33,5% (trinta e três vírgula cinco pontos

percentuais) quando reunidas as instituições confessionais, comunitárias e

filantrópicas, o que indica a expansão do setor privado sobretudo em razão dos

investimentos realizados por mantenedores das instituições de caráter

essencialmente lucrativo voltadas para a reprodução do capital. Certamente 26 Ver Tabela 3. 27 Em publicação recente, a Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)

apresenta ensaio elaborado pelo economista Cláudio de Moura Castro, um dos arautos do setor, em que há a defesa da aplicação de medidas consideradas necessárias pela entidade em favor da redução dos custos para garantir a continuidade da expansão do ensino superior privado no Brasil. (CASTRO, 2004).

28 Ver Tabela 4.

72

por esta razão o maior número de cursos e matrículas nas instituições de

Ensino Superior privado cuja organização abrange as faculdades isoladas, as

faculdades integradas e os centros universitários em relação ao mesmo critério

quando se verificam as universidades privadas já que, nestas, há maior

incidência de cursos e matrículas nas instituições classificadas como

filantrópicas, confessionais e comunitárias.

Os dados apresentados permitem verificar como a partir dos anos

1990 o setor privado do Ensino Superior e, mais particularmente, o segmento

que oferece ensino de natureza particular inserido no setor, foi o responsável

por atender uma “demanda do mercado” e oferecer cursos e vagas ao grande

contingente de alunos egressos do Ensino Médio. A participação ativa deste

bloco no mercado educacional torna-se mais evidente quando se constata o

domínio exercido por poucas instituições no oferecimento de cursos e vagas

nos grandes centros urbanos do país. Segundo Minto (2005), a partir das

informações disponibilizadas no sítio do Ministério da Educação, o predomínio

da expansão do setor é monopolizado por determinadas mantenedoras.

Em 1991, 5% das maiores IES privadas concentravam 38% das matrículas. Quase uma década depois, em 2000, este número crescera para 45%.29 A Unip, de São Paulo, e a Estácio de Sá, do Rio de Janeiro, foram as instituições que mais cresceram neste mesmo período, tornando-se quantitativamente as duas maiores universidades do país. No ano de 2003, contavam com 92.023 e 100.617 estudantes matriculados, respectivamente, ultrapassando a USP, por muitos anos a maior das IES do país e que hoje tem “apenas” 44.281 estudantes matriculados na graduação. [...].

Se analisarmos o número de estudantes de graduação nas trinta maiores IES do país (em número de matrículas), veremos que essa concentração é ainda mais explícita: 20 delas são privadas, somando cerca de 71,4% das matrículas; 6 federais, com 14,2% e 4 estaduais, com outros 14,4%. [...] .

As 18 maiores universidades privadas, concentram quase 50% das matrículas em IES privadas com mais de 10 mil estudantes. O tamanho das IES é um dado importante neste caso, uma vez que há uma divisão interessante entre os estudantes matriculados. A tendência de expansão do setor privado verificada nos anos 90, foi a promover, simultaneamente, uma concentração das matrículas em grandes IES ao lado da pulverização das matrículas em IES de menor porte, com até 10 mil alunos. Se, em 1994, 27,7% das matrículas concentravam-se nas grandes IES (com mais de 10 mil), em 2003 esse número saltou para 46,7%. (MINTO, 2005, p. 250-1)

73

A demonstração do caráter essencialmente privado assumido

pela educação superior brasileira que os dados revelam29 não pode ser

compreendida como um movimento mecânico e inevitável, como se

informações estatísticas não fossem a materialização das atitudes de

determinados grupos sociais que projetaram seus interesses e, no caso em

estudo, daqueles que impõem à esfera da educação as condutas exigidas pelo

universo das empresas e dos conglomerados financeiros que se expandem

pelo mundo globalizado. Sob esta perspectiva, para além da frieza aparente

dos dados, a expansão do setor do Ensino Superior privado também pode ser

analisada a partir das conseqüências que causam na totalidade dos agentes

humanos envolvidos neste processo, de modo que os danos causados ao

trabalho humano dos docentes que desempenham suas atividades no interior

destas unidades de ensino devem ser contabilizados e revelados.

Com efeito, como verificado no capítulo anterior, as

transformações estruturais presentes no capitalismo monopolista manifesta a

irrupção dos impactos que processos dessa natureza operam no cotidiano da

classe-que-vive-do-trabalho, para utilizar a contundente expressão de Antunes.

Com efeito, há algo a unir a materialidade dos diversos atores sociais

espalhados pelo planeta, de modo que os operários das fábricas de calçados

de Franca (SP), os caminhoneiros que vivem no trecho e “passeiam em casa”,

os dekasseguis que migram aos milhares todo o ano para o Japão, os

bancários que insanamente têm que cumprir progressivas metas de produção,

as mulheres e crianças que adentram ao mercado de trabalho pelas portas da

economia informal representam, no Brasil, a face mais evidente da

regularidade de um fenômeno que se explica pela própria contradição social,

29 Comparando-se curto espaço de tempo, havia 1.097 instituições de ensino superior no país em 1999,

sendo 905 (82,50%) privadas. Já em 2001, das 1.391 instituições, 1208 (86,84%) eram privadas. O crescimento do número de docentes nas IPES, no mesmo período, também é acelerado: em 1999, de 145.950 docentes com pós-graduação, 77.763 (53,28%) lecionavam em instituições privadas; em 2001, eram 109.412 (58,43%) em 187.266 docentes com pós-graduação. Os dados mais recentes divulgados pelo MEC apontam a existência de 2.376 instituições de ensino superior no Brasil, estando as particulares respondendo hoje por 89,9% deste total, já que possuem 2.135 unidades de ensino. É de se notar ainda que a região Sudeste reúne praticamente a metade das instituições, com 1.157 unidades. (BRASIL/MEC/INEP, 2006)

74

como anteriormente demonstrado por teóricos do matiz de Harvey, Mészaros e

Hobsbawn.

Assiste-se hoje à dupla transformação do trabalho, tanto quanto ao conteúdo da atividade, tanto quanto às formas de emprego, transformação aparentemente paradoxal, pois esse duplo processo ocorre em sentidos opostos. De um lado há a exigência da estabilização, da implicação do sujeito no processo de trabalho, por intermédio de atividades que requerem autonomia, iniciativa, responsabilidade, comunicação ou intercompreensão. Por outro lado, verifica-se um processo de instabilização, precarização dos laços empregatícios, aumento do desemprego prolongado e flexibilidade no uso da força de trabalho. Em duas palavras: perenidade e superfluidade. E esse movimento é global e mundializado. (ANTUNES e SILVA, 2004, p. 10).

Importou entender nesta pesquisa que condições similares

àquelas vivenciadas por esses trabalhadores que subsistem do seu próprio

trabalho se manifestaram no campo da educação superior do Brasil nas últimas

décadas, estabelecendo um diálogo entre essas experiências de transformação

do trabalho com as mudanças ocorridas nas práticas docentes nos últimos

anos, especialmente quando estas são realizadas nas instituições que ofertam

Ensino Superior de natureza privada na cidade de Uberlândia, sobretudo na

unidade de ensino que se observou de maneira mais próxima.

75

3 O ENSINO SUPERIOR PRIVADO EM UBERLÂNDIA

O estudo realizado se concentrou em perceber como as

transformações do mundo produtivo atingiram as condições de trabalho

realizado pelos docentes que atuam nas unidades de Ensino Superior privadas

em Uberlândia/MG, delimitando-se o espaço da pesquisa em razão do

crescimento regional havido nas últimas décadas e das características

assumidas pela cidade nos últimos anos como pólo educacional no Triângulo

Mineiro e Alto Paranaíba, estendendo sua importância para o sul do Estado de

Goiás e norte do Estado de São Paulo em razão de sua centralidade

geográfica. Alves da Silva; Guimarães; Bertolucci Jr. (2001) demonstram que o

aglomerado urbano vinculado à cidade é constituído de seu núcleo e por mais

29 municípios interligados. O estudo demonstra ainda que 8,5% das famílias

não naturais residentes atualmente em Uberlândia migraram para a cidade

motivados pela possibilidade de acesso aos diversos níveis de educação

oferecidos pela cidade.

Uma das principais razões da cidade ter sido alçada a esta

condição foi o surgimento da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) a

partir da expedição do Decreto Nº. 762, de 14 de agosto de 1969. Deste então,

expandindo suas atividades, a instituição federal de Ensino Superior conta hoje

com três campi no interior da cidade e oferece à comunidade regional a média

de 2.680 vagas nos concursos públicos vestibulares periódicos que realiza para

o ingresso em seus 33 (trinta e três) cursos de graduação. A universidade

possui atividades que a inserem desde a educação básica, passando pela

educação profissional, à pós-graduação, representada hoje por 32 (trinta e

dois) cursos de mestrado e doutorado Stricto Sensu. De seus 1.276 docentes,

76

302 (trezentos e dois) são mestres e 606 (seiscentos e seis) são doutores,

dentre os 1.130 (mil cento e trinta) que atuam no ensino superior30.

No âmbito do Ensino Superior ofertado pelo segmento privado há

08 (oito) instituições desenvolvendo suas atividades na cidade, a saber: Centro

Universitário do Triângulo (UNITRI), Faculdade Politécnica de Uberlândia

(FPU), Faculdade de Ciências Aplicadas de Minas (FACIMINAS), mais

conhecida como Uniminas, Faculdade de Marketing e Negócios (UNIESSA),

Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação de Uberlândia

(ESAMC), Faculdade Católica de Uberlândia (CATÓLICA), Universidade de

Uberaba (UNIUBE) e Sistema Educacional de Uberlândia (UNIPAC),

merecendo, informar, no entanto, a condição diferenciada em que as duas

últimas desempenham suas atividades na cidade de Uberlândia.

Isto porque a Universidade de Uberaba tem sua sede na cidade

próxima de mesmo nome, distando aproximadamente 100 km desta localidade,

sendo que os cursos oferecidos em Uberlândia representam uma extensão de

suas atividades e fazem parte de um projeto de ampliação regional da

instituição. A instituição teve início a partir da fundação da Faculdade de

Odontologia do Triângulo Mineiro em 1947, tendo à frente como fundador o

político e escritor Mário Palmério que, dez anos após sua fundação, inaugurava

a Faculdade de Direito do Triângulo Mineiro e a Escola de Engenharia do

Triângulo Mineiro, alcançando o reconhecimento da condição de Universidade

anos depois, em 1988. Hoje, dos 32 cursos de graduação de Ensino Superior

oferecidos, dez deles desenvolvem suas atividades na cidade de forma

simultânea ou exclusiva àquelas do campus central: Ciências Aeronáuticas,

Engenharia Civil, Engenharia Elétrica, Engenharia de Computação, Engenharia

de Produção, Engenharia Ambiental, Sistemas de Informação, Administração,

Direito e Turismo. O Campus Uniube/Uberlândia foi autorizado pelo Ministério

da Educação e Cultura, através da Portaria Nº 2.728, de 25 de setembro de

2002 e, em rápida ascensão, conta com aproximadamente 1200 alunos e 85

docentes, oferecendo 450 vagas em diferentes modalidades de ingresso.

30 Conforme UFU (2005).

77

Já o Sistema Educacional de Uberlândia tem atividades na cidade

de Uberlândia em dois campi e está vinculado à Universidade Presidente

Antônio Carlos, o que, por extensão, submetida à organização do Sistema

Estadual de Educação de Minas Gerais e às determinações do Conselho

Estadual de Educação. Em termos legais, o Conselho Estadual de Educação é

um órgão autônomo, cuja composição, finalidade de competência foram

estabelecidas pela legislação federal, pela Constituição Estadual e pela Lei

Delegada n. 31, de 28.8.85. O órgão detém poder deliberativo, devendo

respeitar as diretrizes e bases da educação nacional e possui 24 membros

nomeados pelo Governador do Estado dentre pessoas que teriam, em tese,

notório saber e experiência na área educacional. A Unipac possui

aproximadamente 45 mil alunos espalhados por 160 cidades em todo o estado

de Minas Gerais, onde cerca de 2.500 docentes desempenhariam suas

atividades31. A instituição iniciou a oferta de cursos na cidade recentemente e

hoje oferece 1140 vagas de ingresso, tendo, em apenas uma das unidades de

ensino, cerca de 3.500 alunos matriculados e aproximadamente 150 docentes

desenvolvendo seus trabalhos.

A Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação

de Uberlândia é uma instituição de Ensino Superior privada de natureza

particular em sentido estrito, criada por meio da Portaria Ministerial nº 140/2000

do MEC publicada em 16 de fevereiro de 2000. A Esamc direciona suas

atividades reconhecidamente para as necessidades do mercado, investindo,

sobretudo, nas áreas de administração de empresas, direito empresarial e

comunicação mercadológica. A direção da instituição na cidade divulga que os

08 (oito) cursos que oferece mantém a mesma qualidade daqueles que são

ofertados em outras cidades do país onde a mantenedora possui unidades de

ensino, contabilizando mais de 8000 alunos32. Na cidade, são 1280 vagas

oferecidas nos processos seletivos realizados periodicamente e, segundo os

31 Conforme UNIPAC (2006). 32 Conforme ESAMC (2006).

78

dados disponibilizados pelo escritório local do SIMPRO/MG, a instituição possui

38 professores e aproximadamente 400 alunos matriculados.

A Faculdade de Ciências Aplicadas de Minas também é uma

instituição superior que se classifica como particular em sentido estrito, criada

por meio da Portaria Ministerial nº. 577/2000 do MEC, publicada em 05 de maio

de 2000. A Uniminas33, União Educacional Minas Gerais Ltda., é a

mantenedora da Faciminas, tendo sua direção inaugurado na cidade a oferta

de vagas em cursos até então não oferecidos pela UFU como, por exemplo, os

de Engenharia de Produção e Engenharia de Telecomunicações, apostando na

condição de centralidade geográfica da cidade para expandir sua atuação,

mantendo parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina ao oferecer

o curso de pós-graduação “stricto sensu” em Engenharia de Produção em

estreito vínculo com uma companhia de telefonia sediada na cidade. Contando

com 19 (dezenove) cursos, a instituição oferece em média 3250 vagas nos

seus processos seletivos realizados periodicamente, contabilizando, hoje, 3000

alunos em atividades realizadas por aproximadamente 100 docentes.

A Faculdade Politécnica de Uberlândia foi criada em 19 de agosto

de 1999 por iniciativa de dois empresários da educação da cidade, tornando-se

a terceira classificada na condição de instituição de Ensino Superior privada de

natureza particular em sentido estrito a ser autorizada apenas no ano de 2000,

criada por meio da Portaria Ministerial nº 2.104/2000 do MEC, publicada em 27

de dezembro de 2000. A instituição é mantida pelo Instituto Politécnico de

Ensino S/A, uma sociedade civil por cotas de responsabilidade limitada,

portanto com fins lucrativos, tendo alcançado autorização naquele ano para

iniciar suas atividades nos cursos de Administração e Sistemas de Informação.

O salto da instituição acontece a partir da autorização de funcionamento dos

cursos de Direito, Ciência Contábeis, Engenharia de Controle e Automação,

Engenharia Elétrica com ênfase em Telecomunicações e Comunicação Social

com habilitação em Publicidade e Propaganda. Hoje a instituição oferece 2340

33 Conforme UNIMINAS (2006).

79

vagas para os seus cursos em atividade, reunindo cerca de 2050 alunos

matriculados e 114 docentes vinculados.34

A Faculdade de Marketing e Negócios, conhecida como Uniessa,

é a mais recente das instituições superiores particulares em sentido estrito em

atuação na cidade de Uberlândia, tendo sido criada por meio da Portaria

Ministerial nº. 4.023/2004 do MEC publicada em 08 de dezembro de 2004.

Oferece 05 (cinco) cursos e 250 vagas nos seus processos seletivos,

divulgando o “foco na demanda do mercado por novas habilidades”35 não

atendidas pelas demais instituições da cidade, por esta razão oferecendo

vagas no curso de Administração Hospitalar por exemplo. Ainda incipiente, a

instituição contabiliza quase 120 alunos e 24 professores.

A Faculdade Católica de Uberlândia também é uma unidade de

Ensino Superior recente no cenário educacional do Ensino Superior

uberlandense e, a despeito da alcunha de “católica”, a instituição está

classificada como particular em sentido estrito, com criação homologada pela

Portaria Ministerial nº. 2.731/2001 do MEC publicada em 14 de dezembro de

2001. A Católica é uma faculdade mantida pela Sociedade Católica de

Educação de Uberlândia (SOCEUB), cuja iniciativa partiu da Diocese de

Uberlândia, idealizada a partir de um projeto social independente apresentado

pelo bispo Dom José Alberto Moura a um grupo de professores da cidade. O

bispo diocesano, inclusive, é quem preside a instituição mantenedora,

declarando independência e autonomia em relação às demais Pontifícias

Universidades Católicas (PUCs) espalhadas pelo país, certamente por esta

razão a faculdade de Uberlândia divulga que, mesmo sendo confessional e

possuindo o humanismo cristão como orientação acadêmica, está aberta às

influências dos valores presentes na sociedade como um todo e que não

persiste em práticas de natureza “sectária ou proselitista no sentido religioso”36.

A instituição tem ampliado o número de cursos oferecidos, tendo realizado no

34 Conforme FPU (2006). 35 Conforme UNIESSA (2006). 36 Conforme CATÓLICA (2006).

80

mês de julho de 2006 o seu primeiro vestibular para o curso de Direito,

oferecendo agora à comunidade regional 10 (dez) cursos e 1300 vagas,

ampliando o número de alunos matriculados para aproximadamente 750 e

possuindo 65 docentes a ela vinculados.

Atenta-se nos itens a seguir para a expansão do Centro

Universitário do Triângulo como a mais expressiva instituição de Ensino

Superior do setor, bem como das condições específicas de trabalho e

organização docente.

3.1 A trajetória do Centro Universitário do Triângulo – Unitri.

O Centro Universitário do Triângulo – Unitri mereceu um

tratamento mais próximo na pesquisa desenvolvida pelas razões explicitadas

na introdução deste trabalho e pela condição alcançada no cenário do Ensino

Superior local, sendo seguramente uma das mais importantes instituições

educacionais do entorno da cidade de Uberlândia se considerados variados

aspectos, não só referentes à quantidade de vagas oferecidas e número de

alunos efetivamente matriculados, mas, sobretudo, pela quantidade de

professores que formam e que já formaram o corpo docente da instituição,

responsável por ter protagonizado um capítulo especial na história recente do

Ensino Superior privado na cidade de Uberlândia.

Ainda que hoje seus mantenedores sejam empresários que se

situam no estado do Rio de Janeiro, suas origens são regionais e remontam ao

começo do século passado com a criação da Escola Normal de Uberabinha em

1924 que, incorporando o curso colegial duas décadas depois, em 1947,

passou a se denominar Colégio Brasil Central. Este colégio assumiu a Escola

Técnica em Química Industrial em 1966, unindo-se anos depois, em 1972, à

Associação Brasil Central de Educação e Cultura de Uberlândia – ABRACEC

que, por essa razão transformada em Faculdade de Serviço Social, logo se

transformou em Faculdade de Educação, Ciências, Letras e Estudos Sociais de

Uberlândia.

81

Já na expansão desenfreada do Ensino Superior privado

agudizada nos anos 1990, nos termos discutidos no capítulo anterior, os

mantenedores da instituição modificaram a razão social em 1988 quando, já no

ano seguinte, sob a denominação de Sociedade de Ensino do Triângulo S/C

Ltda., conseguiram a autorização para a prestação de serviços nos cursos de

Comunicação Social e de Fisioterapia. Em 1990, por conta da reunião destas

duas faculdades, novamente se alterou a denominação da instituição, agora

conhecida como Faculdades Integradas do Triângulo – FIT que, a partir daí, de

maneira acelerada, empreendeu rápida ampliação na quantidade de cursos, e

de alunos e docentes a eles vinculados aos seus cursos.

Desse modo, em 1991, absorveu os cursos de Administração e

Ciências Econômicas das Faculdades Integradas de Uberlândia – FAIU.

Poucos anos depois, em 1994, com a aprovação do então Conselho Federal de

Educação - CFE, cinco novos cursos iniciaram suas atividades na FIT,

permitindo-lhe oferecer dezoito cursos de graduação, o que a tornou

hegemônica na oferta de vagas no Ensino Superior na região. À parte o

destaque no cenário educacional alcançado, sobretudo na região do Triângulo

Mineiro e Alto Paranaíba, a instituição logo se beneficiou com a extinção do

CFE no mesmo ano, já que, deste período até a aprovação em dezembro de

1996 da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, não houve legislação

que regulamentasse suas atividades, senão decretos expedidos pelo Poder

Executivo que não possuía um órgão deliberativo que normalizasse o campo

da Educação no país, como demonstrado no capítulo anterior.

Assim ocorreu até a extinção do órgão em 1994, época de sua

substituição pelo Conselho Nacional de Educação criado por meio de medida

provisória que, após aprovação do Congresso Nacional, tornou-se a Lei nº

9.131 de novembro de 1995, que dentre novidades do novo texto legislativo,

ressalte-se a criação das duas câmaras de educação, a Básica e a Superior,

composta por doze conselheiros cada uma. Como demonstrado, houve todo

um campo aberto de possibilidades em razão da extinção do CFE e das

pressões constantes dos setores interessados em terminar com o cenário de

paralisação dos processos de abertura e credenciamento de novos cursos,

82

debate ocupado por opiniões divergentes quanto à política que deveria ser

aplicada ao setor das instituições de Ensino Superior privado. É no bojo deste

processo, notadamente por conta das incertezas que permeavam a

regulamentação do Ensino Superior privado no país, que exsurgem

significativas evidências de que o Centro Universitário do Triângulo – UNITRI,

por hipótese, tenha se valido de condições propícias para, além de outros

fatores, alcançar o vertiginoso crescimento verificado a partir da segunda

metade dos anos 1990, sobretudo após a aprovação da Lei n. 9.394, de 20 de

dezembro de 1996, a LDB, e do credenciamento da instituição como Centro

Universitário em 1997.

Em razão do contexto de breve desregulamentação relatado,

valendo-se da aprovação dos novos cursos realizada pelo extinto Conselho

Federal de Educação, as Faculdades Integradas do Triângulo rapidamente se

expandiram, tornando-se uma unidade de ensino bastante valorizada e

lucrativa, o que, tratando-se de um ramo de prestação de serviços em franca e

acelerada expansão, atraiu o interesse de importantes grupos que investiam no

setor privado da educação superior naquele momento, sedimentando desse

modo sua trajetória em direção à transformação em um importante centro

universitário de ensino. Assim, os novos cursos de Arquitetura e Urbanismo,

Ciências Contábeis, Ciência da Computação, Publicidade e Propaganda e

Direito atraíram expressivo número de alunos, sendo de notar que a instituição

realizou em 1994 o seu concurso vestibular mais concorrido para o Curso de

Direito, quando dezesseis candidatos pleitearam cada uma de suas oitenta

vagas.

Em outubro de 1997, na esteira da nova Lei de Diretrizes e Bases

da Educação, a instituição foi credenciada como Centro Universitário, assumiu

a nova denominação para aquelas unidades de Ensino Superior que divulgam

a pretensão de ser universidades, mas que, em razão do afastamento dos

centros de pesquisa e da impossibilidade ou do interesse imediato de implantá-

los, caracterizam-se, sobretudo, como prestadores de serviços que investem

prioritariamente na oferta de ensino, quando não exclusivamente.

83

Em verdade, os centros universitários são um eufemismo das universidades de ensino, isto é, uma universidade de segunda classe, que não necessita desenvolver pesquisa, enquanto alternativa buscada pelo atual governo para viabilizar a expansão e, por conseqüência, a “democratização” da universidade a baixo custo, em contraposição a um pequeno número de centros de excelência, isto é, as “universidades de pesquisa” que concentrariam o grosso dos investimentos públicos, acentuando o seu caráter elitista. (SAVIANI, 1998, p.141-2)

Verifica-se que o processo de credenciamento da instituição não

diferiu das experiências similares dos demais centros universitários do país,

ocasionando que o Centro Universitário do Triângulo, passando a ser

conhecido como UNIT, agora referendado por um decreto presidencial que lhe

concedia a liberdade pretendida para criar e organizar novos cursos, e mesmo

extingui-los se necessário, além das condições plenas de ampliação e

remanejamento de vagas, consolidou-se como um dos centros de ensino mais

importantes da região central do país, condição essa que atraiu o interesse de

grupos econômicos já organizados no ramo do Ensino Superior privado no

Brasil por sua aquisição37, o que efetivamente ocorreu no final do ano letivo de

1997 e início de 1998, quando a instituição foi adquirida pelo Grupo Universo,

da Associação Salgado de Oliveira de Educação e Cultura (ASOEC), com sede

no município de São Gonçalo, no estado do Rio de Janeiro. Este grupo é

gerido sob a forma de uma empresa de organização familiar e possui inserção

em diversificados ramos de atuação que, além dos negócios com educação,

investe em criação de gado, plantação de caju em extensas terras no estado

do Piauí, além de possuir concessões de rádio e de televisão, sendo

proprietário em Uberlândia da retransmissora do Sistema Brasileiro de

Televisão (SBT) e da TV Vitoriosa, canal 03 (três). Há alguns anos, desejando

ampliar a visibilidade que possuem na região para as fronteiras nacionais, a

holding Salgado de Oliveira passou a investir no ramo dos esportes,

merecendo destaque equipes de basquete nos estados de Goiás, Pernambuco

37 Na região do Triângulo Mineiro há o Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM), que oferece

2220 vagas em 27 cursos de graduação, o Centro Universitário do Planalto de Araxá (UNIARAXÁ), que disponibiliza 1079 vagas em 14 cursos e ainda o Centro Universitário do Cerrado de Patrocínio (UNICERP), com 14 cursos ofertando 910 vagas.

84

e Minas Gerais, além da recém criada equipe de futebol profissional, a

Associação Desportiva de Uberlândia.

Quando o controle acionário da instituição foi assumido pelo

grupo Salgado de Oliveira, alardeou-se o desencadeamento de um processo

de significativas mudanças a serem implantadas na gestão da então UNIT. Em

entrevista concedida ao Jornal Correio38, a magnífica reitora Marlene Salgado

de Oliveira fez questão de demonstrar que eram novos os tempos a serem

vividos pela instituição e que a condução de sua gestão seria firme e enérgica,

referendada por alegados 48 anos de experiência na área de educação.

Na ocasião, noticiou-se de imediato a pretensão daquele grupo

em transformar a UNIT em uma universidade, o que justificava o ambicioso

programa de investimento que se implantava ligando a instituição ao Ministério

da Educação e Desporto e ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social), cuja maior evidência era construção acelerada de um

novo campus apenas a face mais visível deste novo empreendimento. A nova

reitora rebateu com argumentos empresariais, justificando-os como meros

transtornos passageiros, a existência de insatisfações levadas ao Órgão

Municipal de Proteção ao Consumidor - PROCON da cidade em razão das

instalações físicas deficientes, da transferência obrigatória de centenas de

alunos de uma unidade de ensino existente em Araguari para a cidade de

Uberlândia e, principalmente, do número excessivo de alunos em muitas salas

de aula de seus cursos.

Tenho experiência homérica nestes 48 anos, já tive turmas de dez alunos, quatro alunos em curso que já começam com poucos alunos. E tenho turmas com 80, 50, 70, com alunos brilhantes, que se tornaram senadores, deputados, juízes, grandes cirurgiões. (OLIVEIRA, 1998, p. 8).

O tema da inadimplência igualmente mereceu atenção especial

nesta mesma entrevista:

38 Veja Oliveira (1998).

85

É claro que é um problema para nós, porque a inadimplência é grande. Mas nós vamos usar os meios contratuais, legais. É aquela história: nós estamos prestando um serviço. Temos que prestar o serviço a que nos propusemos. E aqueles que vêm buscar o nosso serviço têm que pagar por nosso serviço. Isso é da lei, temos um contrato, que é um instrumento jurídico perfeito. (OLIVEIRA, 1998, p. 8)

Do mesmo modo digno de nota foi o anúncio categórico da

gestora da instituição ao afirmar que, no prazo máximo de dois anos e meio a

partir daquela data, a edificação do novo campus estaria concretizada,

inclusive com a construção de uma biblioteca cuja existência seria “uma coisa

fenomenal, onde poderá entrar qualquer aluno, qualquer cidadão uberlandense

e do Brasil” (OLIVEIRA, 1998, p.8). A assunção do estabelecimento de ensino

realizada pela família Salgado de Oliveira em Uberlândia/MG em 1998 indicava

a continuidade do tratamento já assumido anteriormente por aquele grupo

empresarial no campo da educação no Estado do Rio de Janeiro, realizando

investimento no setor das instituições de Ensino Superior de natureza particular

em sentido estrito e com fins lucrativos, refletindo a tendência geral marcante

no setor nos anos 90 apontada no capítulo anterior.

No período debatido, a Associação Salgado de Oliveira é uma das

294 mantenedoras de estabelecimentos de Ensino Superior filiada à

Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior – ABMES sob o

código 2170739, cuja entidade representa desde o início dos anos 1980 até os

dias atuais exclusivamente os interesses do setor privado da educação

superior, contabilizando hoje 350 instituições de ensino filiadas. Neves (2002)

aponta a atuação desta entidade em favor de suas filiadas.

[...] passou a interferir na definição e na execução da política governamental para este nível de ensino. A ABM [hoje ABMES], na condição de uma sociedade civil, passou a aliar-se à Fenem, na condição de entidade sindical, visando assegurar os interesses dos empresários educacionais. (p.179)

Como atuante membro desta importante Associação, o Grupo

acompanha de perto as mudanças que se operam no setor da educação

39 Conforme ABMES (2006).

86

privada, mantendo-se próximo das propostas de reformulação que ocorrem no

âmbito do Conselho Nacional de Educação e do próprio Ministério da

Educação e Desporto. Desse modo, por meio deste vínculo, a mantenedora do

Unitri possui acesso imediato às novas políticas que estão sendo gestadas

para o setor, valendo-se, inclusive, da atuação da ABMES e das demais

associações de mantenedores nos bastidores daqueles órgãos.

Nesse sentido, sem deixar de lado suas formas tradicionais de atuação, a ABMES vem procurando inová-las, ajustando, assim, seu discurso às principais questões do debate contemporâneo sobre o ensino superior, ampliando e diversificando seus interlocutores. Isso vem ocorrendo sem perder de vista os interesses comuns aos associados que representa – o interesse das mantenedoras – e os temas pertinentes, da perspectiva dessa associação, ao sistema em seu conjunto. (SAMPAIO, 2000, p. 181).

É em meio a essas mudanças que se assiste, logo após a

aquisição do UNIT pelo Grupo Salgado de Oliveira, a criação de outros cursos

superiores, sendo seis dentre eles na área da saúde, o que elevou os cursos

oferecidos na graduação para vinte e dois até o ano 2000 que, em quatro

institutos de ensino, reuniram aproximadamente 10.500 alunos e 500 docentes

para a realização das atividades acadêmicas. Hoje, mesmo em razão da

diversificação das vagas oferecidas pelas demais instituições da cidade, o

Unitri continua hegemônico na condição de instituição de Ensino Superior

privada na cidade, contando com 36 (trinta e seis) cursos e oferecendo em

média 1781 vagas nos seus concursos vestibulares que realiza

periodicamente, contabilizando, segundo os dados fornecidos pelo escritório

local do SINPRO/MG aproximadamente 7000 alunos e 465 docentes

desenvolvendo suas atividades acadêmicas.

3.2 O surgimento e as reações à Associação de Docentes do Centro Universitário do Triângulo

O crescimento do Unitri apontado neste capítulo, articulado ao

processo de expansão do Ensino Superior no Brasil, repercutiram em

profundas contradições vivenciados pelos segmentos docente e discente. O

otimismo presente na expansão da instituição não foi acompanhado pelas

87

condições materiais oferecidas no cotidiano escolar. Em razão da expressiva

quantidade de professores e da rápida ampliação das atividades de ensino sem

a contrapartida necessária em investimentos nas condições de trabalho,

situação precipitada pela criação do anunciado novo campus universitário a

partir do mês de abril de 1998 que, em apertada síntese, significou a

precarização extrema da realização das atividades acadêmicas, já que estas

ocorriam a par e passo com as atividades dos operários e das máquinas

utilizadas na construção, ocorreram as primeiras iniciativas de organização dos

trabalhadores do então UNIT no sentido de pleitear junto aos mantenedores

melhores meios para a realização da prática docente.

Assim, em março de 2001, fundou-se a ADUNIT, Associação de

Docentes da UNIT (Centro Universitário do Triângulo), viabilizada a partir de

discussões de um grupo de professores que sentiam a necessidade de uma

organização para defender a qualidade do ensino e os direitos dos professores.

Em abril daquele ano, quando contavam com quatrocentos e sessenta e três

filiados dentre os quase 500 professores, foi eleita a primeira diretoria. Embora

até então vinculados ao SINPRO-MG, desde o início a Associação aproximou-

se do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior - ANDES-SN,

manifestando o interesse de se transformar em seção sindical daquele

sindicato nacional. Em 12 de julho, realizou-se assembléia em que se decidiu

pela criação da referida seção sindical. Ainda durante o recesso, mais

precisamente no dia 25 de julho, todos os nove diretores da ADUNIT, mais um

décimo professor - que, exercendo a profissão de advogado, assinara o

Estatuto da Associação para fins de registro em cartório -, foram demitidos da

referida Instituição de Ensino Superior.

À parte a surpresa causada pelas demissões à comunidade

acadêmica interna, logo o movimento de organização dos professores reagiu e

convocou assembléia para o dia 03 de agosto seguinte, criando-se na ocasião

a SINDUNIT, Seção Sindical dos Docentes do Centro Universitário do

Triângulo, com imediata eleição e posse da diretoria provisória com

praticamente todos os membros da diretoria demitida da ADUNIT. Nesse meio

tempo, tornando mais grave a crise provocada pelo anúncio da demissão

88

daqueles professores, a instituição revelou o desligamento de outros 49

professores pelo fato de reduzir as cargas horárias dos seus cursos, sob o

pretexto de adequação às novas diretrizes curriculares do MEC. Este evento

alcançou forte repercussão à época no plano local, regional e mesmo nacional,

tendo chegado ao conhecimento inclusive da Organização Internacional do

Trabalho – OIT por meio de denúncia encaminhada pelo Sindicato Nacional

dos Docentes das Instituições de Ensino Superior – ANDES/SN.

No princípio do mês de agosto de 2001 o Jornal Correio noticiou o

fato apresentando o esclarecimento oficial enviado pela assessoria de

comunicação da instituição de ensino, pelo qual ela justificava as atitudes

tomadas em razão do enquadramento de cada professor demitido a pelo

menos uma de quatro hipóteses que, nos termos da nota publicada, seria:

[...] professores cujo desempenho não corresponde às exigências do trabalho pedagógico; os que têm comportamento que não se orientam pelo princípio do diálogo; os que ferem os princípios da ética e do compromisso com os alunos, ao deixar de cumprir as atividades acadêmicas que lhe são atribuídas, e aqueles cuja carga horária, pequena, foi absorvida por outros professores do quadro. (GOVERNO, 2001, p. 7).

Pela mesma nota a instituição informava que se tratava de prática

rotineira a adequação do corpo docente aos projetos pedagógicos dos cursos

oferecidos pelas instituições particulares de ensino no exercício da autonomia

de gestão de pessoal que passaram a possuir, nos termos demonstrados no

capítulo anterior. Na mesma matéria veiculada, o presidente da então ADUNIT,

Prof. Pérsio Henrique Barroso informava que alguns cursos tiveram até dez

professores desligados de seu quadro. Para este dirigente sindical, a demissão

de toda a diretoria da Associação possuiu caráter nitidamente político, vez que

extinguia a organização recém criada, o que ocorreu porque os mantenedores

da instituição não aceitavam o fato de os docentes terem se organizado em

favor de seus próprios interesses e da melhoria das condições internas de

trabalho. Segundo este professor,

89

Fizemos uma reunião em julho, que coincidiu com período de muita turbulência na instituição devido à reestruturação dos cursos. Fomos comunicados da demissão em seguida. O mantenedor do Centro Universitário não gostou dos objetivos da Associação. Muitos professores estão amedrontados com o clima de intimidação, mas vamos fazer um trabalho de conscientização junto a eles. (UNIT, 2001, p.8).

Na semana seguinte a estes fatos, a mantenedora do Centro

Universitário do Triângulo poderia ser chamada pelo Governo Federal para dar

explicações sobre a demissão da diretoria do UNIT40. Esta informação foi

repassada pelo próprio presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das

instituições de Ensino Superior – ANDES – SN, Prof. Roberto Leher, que se

encontrava na cidade especialmente para a participação de um ato público que

reuniu aproximadamente quinhentas pessoas, entre estudantes, professores e

representantes de diversas entidades que atuam no campo da educação41.

Na mesma ocasião, o presidente daquela entidade informava que

colocaria a assessoria jurídica do sindicato à disposição dos professores

demitidos para providenciar o ingresso de requerimentos no Poder Judiciário,

visando defender a liberdade de organização sindical dos docentes. Já neste

momento, em meados do ano 2001, o Prof. Leher denunciava que as

instituições particulares de Ensino Superior que visam lucro, destacando-se a

então UNIT, estavam promovendo contínuos cortes nas grades curriculares

dos cursos, adaptando-os ao mínimo legal exigido e diminuindo,

conseqüentemente, a quantidade de docentes em atuação, especialmente

aqueles que já alcançaram qualificação acadêmica em nível de pós-graduação

“scricto sensu” e que, portanto, percebiam os salários mais altos da folha de

pagamento. Em regra, muitos destes profissionais haviam passado pelos

respectivos processos de credenciamento nos cursos em que atuavam.

O ocorrido naquela instituição ensejou uma série de apoio aos

professores demitidos e, por extensão, uma forte reação da comunidade local,

sobretudo partindo daquelas entidades diretamente vinculadas à educação, às

40 Veja Governo (2001, p.7). 41 Veja Governo (2001, p.7).

90

práticas que os mantenedores daquela instituição passaram a adotar no

exercício de sua gestão. No mesmo mês, em 19 de agosto de 2001, a Seção

Sindical dos Docentes da UFU – ADUFU/SS publicou nota no Jornal Correio 42repudiando as demissões daqueles professores, pleiteando a sua imediata

readmissão e apresentando denúncias que visavam ao esclarecimento da

sociedade e dos aspectos que envolviam aquela situação. Por este documento,

a ADUFU/SS pugnava pelo direito à organização autônoma e livre dos

trabalhadores em geral, demonstrando-se se tratar de uma conquista do

movimento operário historicamente construída e que, no cenário político

nacional, já se constituía como previsão constitucional expressa, lembrando,

porém, que, ainda que formalmente alcançada, tratava-se de uma maneira

comum de se atingir aqueles que efetivamente decidem se organizar por

melhores condições de trabalho e pela ampliação de seus direitos.

A nota publicada procurava desmistificar o conceito de

reestruturação curricular utilizado, denunciando-o como uma das justificativas

que exigira a redução do número de docentes, de modo que o que ocorria na

verdade era o enxugamento ao mínimo da carga horária dos cursos em

atendimento à política do MEC em fase de implantação em todo o Ensino

Superior. Segundo esta seção sindical, a lógica do capital impera de maneira

explícita na condução da gestão destas instituições, já que buscam oferecer

um mínimo de conteúdo acadêmico aliado ao mínimo de força de trabalho

docente, cobrando mensalidades que atingem o máximo possível, sendo tudo

devidamente respaldado por forte publicidade praticada pelo setor. Na

avaliação da ADUFU/SS, o que estava acontecendo naquela instituição era

digno de melhor reflexão.

No final da década de 70 e início dos anos 80, muitas foram as escolas particulares cujos proprietários ou gestores recorreram à ação agora reeditada pela UNIT. É assim mesmo que o capital age, quando à sua prática não é oferecida resistência. E a educação, crescentemente convertida em mercadoria, em fronteira de expansão para a valorização do capital, não se torna exceção.

42 Veja ADUFU (2001, p.3).

91

Estas situações são alguns dos simulacros do nosso tempo! Como é mistificadora a idéia de que o avançado é o ensino pago e atrasado é o ensino público! O clima de insegurança e de medo que se instalou entre os professores da UNIT evidencia como essa instituição desenvolveu uma prática política repressiva própria do início do século XIX.

[...] Entendemos, por fim, que isto diz respeito a todos os que desejam e estão comprometidos com uma educação para a liberdade, binômio incompatível com a atual Direção da UNIT. (ADUFU, 2001, p. 3)

Ato contínuo, dois dias após, o Sindicato dos Professores do

Estado de Minas Gerais – SINPRO-MG divulgou em nota o mesmo repúdio aos

atos praticados pelos mantenedores da UNIT, alegando, em síntese, as

mesmas razões apresentadas pela ADUFU/SS para justificar as demissões dos

professores que compunham a diretoria daquela associação. Registre-se, ao

menos, que as duas entidades mantinham posicionamentos distintos quanto à

representação sindical a que estariam vinculados os professores daquela

instituição, cada qual pleiteando estreitar seus vínculos com aquela base

profissional.

[A nota visava] repudiar a atitude arbitrária da direção da instituição de ensino que demitiu vários professores sob a alegação de redução do currículo. As demissões atentam contra a democracia e o direito de organização dos trabalhadores (SINPRO/MG, 2001).

Ainda que sob o pretexto de adequação às diretrizes curriculares

do MEC, o que ocorria era que o Centro Universitário do Triângulo realizava

uma “flexibilização” nos currículos de todos os seus cursos, não comunicando

inclusive aos alunos que haviam prestado o seu último concurso vestibular. Em

alguns cursos, inclusive, foram reduzidas mais de 600 horas de seu currículo,

de modo que passaram a desempenhar suas atividades com a quantidade

mínima de carga horária exigida pelo MEC, o que se caracteriza como nítida

evidência de que ocorreram prejuízos para a formação dos futuros profissionais

que ingressaram em seus cursos a partir daquele momento.

Aquela associação, logo tornada seção de um importante

sindicato nacional, cujas origens datam de 1982, ocupou uma visibilidade

momentânea que lhe permitiu pleitear uma melhor qualidade de ensino

92

oferecido pelo UNIT e, no período de sua curta atuação, pôde revelar diversas

irregularidades apontadas por alunos, professores e coordenadores de curso

da própria instituição, o que agora permite considerar a experiência vivenciada

como rica em possibilidade de avaliação e bastante significativa por ter retirado

o véu do embate que opunha, de um lado, em especial, docentes que

reivindicavam diferentes práticas de gestão do Ensino Superior e, de outro,

uma instituição forte, centralizadora e que passava pelo processo de

recredenciamento junto ao MEC de sua condição de Centro Universitário.

Passados cinco anos da deflagração daquele conflito, os

principais agentes envolvidos no episódio das demissões são capazes de

reavaliá-lo sob outra perspectiva, agora com um olhar distanciado que revela a

dimensão de um processo cujas características não são locais, dizendo

respeito a todo um movimento estrutural que se manifestava na região e que,

naquele momento, inaugura toda uma sorte de práticas que seriam reiteradas

pelo conjunto dos mantenedores das instituições de Ensino Superior privado

que se instalaram na cidade a partir de então. O professor Pérsio Henrique

Barroso, ex-coordenador do Curso de Direito da então UNIT relembra as

razões do conflito, argumentando que houve uma espontaneidade na

constituição da associação frente à materialidade das condições de trabalho

que irrompiam naquele momento na instituição, sendo certo que, a partir de um

crescendo nos períodos anteriores, foi efetivamente no mês de julho de 2001

que a situação se revelou mais aguda e estimulou a organização de um grupo

de professores.

[...] [ocorreu] uma aproximação um pouco maior com a questão sindical, tendo fundado com outros companheiros, outros colegas, a Adunit (Associação dos Docentes da UNIT), então vinculada ainda ao Simpro, mas desde então nós começamos uma conversação com o Andes-Sindicato Nacional para a transformação dessa associação numa seção sindical do sindicato nacional dos docentes do ensino superior que se deu por volta de junho ou julho. [...] a instituição da Sindunit aconteceu num momento em que a instituição estava passando por mudanças grandes nos projetos pedagógico dos cursos e mudanças grandes no seu quadro de professores, havia boatos de cortes gigantescos de carga horária, a Sindunit procurou se informar e fazer um trabalho de esclarecimento dos professores, uma reunião em torno de interesses comuns[...].(BARROSO, 2006)

93

Se, por um lado, havia um quadro de tensão vivenciado pelo

conjunto de docentes da então UNIT, por parte da direção da instituição o

estado não era diferente. A reitoria possuía ciência do movimento daqueles

professores deste o seu início, até porque foI comunicada formalmente pela

própria associação, razão pela qual os membros da direção passaram a

acompanhar detidamente as ações do grupo e a informar aos mantenedores

sediados no Estado do Rio de Janeiro o desdobramento dos fatos, assumindo,

a partir daí, envolvimento direto na condução das demissões.

[...] tentamos durante todo esse tempo fazer um contato com a então reitora, Profa. Ana Maria de Sousa, o que nos foi sistematicamente negado. Na véspera de uma reunião que nós faríamos, inclusive com a presença da vice-presidente do Andes, professora Lia, de Salvador, fui chamado à sala da reitora que teria me feito ou que me fez efetivamente uma ameaça velada que se nós fizéssemos aquela reunião marcada nós poderíamos ter algum tipo de problema, já que ali não era uma escola pública, uma universidade pública em que o patrão era o governo, e que portanto o governo não tem cara e não conhece diretamente os seus professores, os seus trabalhadores. Sendo ali uma instituição privada em que haveria essa relação mais direta entre os seus empregados, nós estaríamos correndo sérios riscos, realizamos essa reunião e na outra semana fui chamado junto com os outros diretores da Sindunit para uma conversa com a reitora e com a pró-reitora de graduação do ensino superior, professora Alzira Bizinoto, que nos comunicaram pessoalmente a demissão. (BARROSO, 2006).

Argüido especificamente acerca de possíveis ingerências por

parte da mantenedora na modificação abrupta do regime de trabalho dos

docentes da instituição, transformando professores com contrato de tempo

contínuo em professores chamados horistas sem a correspondente diminuição

da carga de trabalho a que os docentes continuavam submetidos, o ex-

coordenador do então maior curso de graduação da instituição revelou a

incidência da prática.

[...] uma das questões que nos levou a montar a associação foi à defesa dos interesses dos professores frente a casos como esses que a partir daí começaram a se tornar mais freqüentes. Eu tive notícias que principalmente após a minha saída da UNIT, houve esse tipo de situação em que os professores eram convidados, para não dizer obrigados, a pedir redução da sua carga horária sob a ameaça de serem demitidos se não o fizessem, e parece que um ou dois colegas do curso de direito tiveram essa ameaça cumprida quando negaram a assinar essa redução de carga horária e por isso foram demitidos no outro semestre. (BARROSO, 2006)

94

O atual presidente da ADUFU/SS, Prof. Bento Itamar Borges, tem

se dedicado a analisar as formas de precarização que têm tomado de assalto o

Ensino Superior no Brasil. À época da crise das demissões, o atual diretor da

seção sindical dos professores da UFU vinculada ao ANDES/SN era docente

filiado à entidade, acompanhando de perto situações desta natureza, o que lhe

permitiu analisar nos dias de hoje as possíveis especificidades que a

precarização do trabalho docente manifesta na região do Triângulo Mineiro,

ainda que se refira à situação a partir da compreensão de que ela faça parte de

um processo com características totalizantes.

[...] a criação recente de inúmeras faculdades particulares parece a muitos mais um sintoma da riqueza e da alardeada pujança da região do agrobusiness. E sabe-se que a cidade quase sempre foi administrada por forças conservadoras e tem uma população arredia a movimentos de esquerda. Por fim, para fazer justiça, é necessário lembrarmos de uma característica da região, que nos conduz a uma situação contraditória, que o movimento social e docente deveria reverter para sua luta em defesa da escola pública; é que em Uberlândia, sobretudo na década de 80, as escolas públicas é que detinham a qualidade, o compromisso social e os bons índices de aprovação nos vestibulares. Essa deve ser uma referência para a luta que continuamos a travar contra os interesses privados. (BORGES, 2006).

Como informado na introdução deste trabalho, ainda que as

transformações por que passa o Ensino Superior privado não repercutam do

mesmo modo em todos os locais em que se realizam as atividades docentes,

as condições verificadas no Centro Universitário do Triângulo se constituem

como evidências emblemáticas e reveladoras de um diagnóstico comum ao

universo das IPES da região e do Brasil, exigindo, pois, a aproximação

realizada a seguir.

3.3 Precarização do Trabalho no Centro Universitário do Triângulo

No ano de 2001, a partir do mês de agosto, em razão de

significativas alterações curriculares que se implantaram e que definiu

profundas conseqüências no modo de organização de toda a instituição e de

cada curso em particular, processo que merecerá melhor análise a seguir,

todos os 23 cursos que a instituição possuía à época tiveram seus currículos

95

alterados e, em regra, passaram por uma reestruturação em que foi diminuída

ao mínimo a carga horária exigida pelo MEC. Além disso, de 15% a 20%

(quinze a vinte por cento) da carga horária total de cada curso foi flexibilizada,

a ser cumprida em “atividades independentes”, as quais o aluno se

responsabiliza em cumprir em atividades extra-classe, sem haver a

necessidade de um professor. Uma disciplina que era de 60 horas, por

exemplo, passou a ser ofertada com 45h em sala de aula, sob

responsabilidade do professor, e as outras 15h por conta do aluno, que deveria

cumpri-la com exercícios ou atividades fora da sala de aula. Esta alteração se

apresentou especialmente significativa para os alunos dos cursos noturnos

que, em regra, não têm tempo para participar destas atividades extra-classe, o

que permite construir a hipótese de que esta mudança acarretou prejuízos de

ordem acadêmica principalmente para estes discentes. Claro que o Unitri não

foi pioneiro em aplicar alteração desta natureza na gestão de suas atividades,

até porque, como discutido no segundo capítulo, as mudanças empreendidas

neste momento estavam em consonância como o conjunto de políticas

educacionais que se pautavam pela diversificação de medidas especialmente

direcionadas para a massificação do Ensino Superior no Brasil. Sobre as

tendências das políticas públicas em direção à massificação do acesso ao

Ensino Superior, destacam-se quatro medidas que sintetizariam as tendências

anunciadas.

[...] a criação de centros universitários, com autonomia para o desenvolvimento de atividades na área de ensino e formação profissional; a regulamentação dos chamados cursos seqüenciais, isto é, cursos superiores de curta duração voltados para uma formação profissional específica ou para complementação de estudos, como ‘alternativa ao acesso da sociedade ao ensino de 3º grau; a flexibilização curricular que incentive o desenvolvimento de projetos pedagógicos mais específicos, procurando atender aos interesses regionais, combater a evasão, aumentar a participação dos setores que integram a formação e ampliar o espaço do aluno na definição do seu currículo, além de adequar os cursos às demandas do mercado de trabalho; o lançamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com a finalidade de diversificar o processo de acesso, oferecendo alternativa(s) de associação ou substituição do vestibular. (CATANI e OLIVEIRA, 2000, p. 67-8)

Sob o argumento da necessidade desta flexibilização curricular

que se justificou a demissão de 49 professores, além daqueles 10 demitidos

96

por razões cujas evidências apontam terem sido políticas. Constata-se, assim,

que um dos motivos primordiais, ou talvez o único desta reestruturação, foi a

redução de custos, principalmente porque não se diminuiu na época o valor

das mensalidades pagas pelos alunos. Parte-se da hipótese de que o número

de demissões seria maior e contínuo, porém não o foi devido à publicidade

alcançada pelo caso e à manifestação de parte considerável dos alunos. De

qualquer modo, o número de alunos por professor se elevou nos anos

seguintes, quando restaram pouco mais de 300 professores para os mais de

13.000 alunos que freqüentaram os seus campi no ano de 2002. Ressalte-se

que as mudanças curriculares não passaram pelo CAS – Conselho de

Administração Superior, nem foram publicadas no edital do vestibular daquele

semestre. Quando questionado sobre a atuação deste conselho na gestão do

Unitri, o ex-coordenador de curso entrevistado apontou a verticalização

existente na instituição.

Não me recordo especificamente da existência desse órgão, nesse plano fictício, mas de qualquer maneira o fato é que isso nunca aconteceu, lá os diretores de curso e pró-reitores e diretores substitutos e mesmo o reitor, o reitor nós sempre nomeamos diretamente pela mantenedora de uma forma mais direta e eu diria até que nesse ponto a administração chegava a ser até um pouco informal ou familiar, pouco profissional no tratamento dessas questões de preenchimento desses cargos não havia nenhum tipo de participação da comunidade acadêmica na decisão dessas escolhas. (BARROSO, 2006)

A reestruturação curricular realizada em 2001 foi conduzida de

forma diretiva pela mantenedora, não tendo passado pelas instâncias

acadêmicas. Na ocasião, os coordenadores foram obrigados a enquadrar os

currículos nas exigências apresentadas e os professores não participaram das

discussões sobre as novas grades, sendo comunicados a posteriori apenas

para remontar os novos programas de acordo com o que já havia sido mudado.

O processo de reformulação curricular implantado na instituição pode ser

analisado a partir das novas práticas de gestão que passaram a ser

implementadas em toda a educação superior do país, principalmente a partir

dos anos 1990, sendo inegável que no setor das instituições particulares de

Ensino Superior elas encontraram imediata aceitação por parte de seus

gestores, o que requereu, no entanto, a elaboração de um arcabouço teórico a

97

justificar as mudanças em curso, fazendo com que as instituições passassem a

alegar a premente necessidade de ajustar os tradicionais princípios e valores

até então divulgados para outros exigidos em razão de uma ordem mundial que

se encontra em transição, de modo que o Ensino Superior possa se adaptar ao

universo da informação e da globalização no qual se vive.

As experiências de reformulação curricular implantadas naquele

ano e no ano seguinte já haviam sido anunciadas uma década antes, quando,

em Conferência Mundial sobre Educação, foram apresentados os modelos que

passariam a orientar as reformas educacionais dos países periféricos do

mundo. Pelos novos caminhos a serem trilhados, não há outra condição posta

no horizonte senão alcançar certas “competências”, já que, por meio delas e

apenas por meio delas, é que se poderá pleitear o ingresso e a permanência

no mercado de trabalho. Esta a condição imperativa para garantir a inserção

dos coletivos humanos na nova sociedade que se preparava para inaugurar os

próximos século e milênio.

No Brasil dos anos de 1990, a posse de Fernando Collor de Mello na Presidência da República inicia a implementação do modelo inaugurado por Magareth Tatcher, há uma década. Este modelo mostra a sintonia e a conexão entre a exaltação às forças de mercado e a hegemonia conservadora sobre as formas de consciência social e suas ressonâncias com as práticas educativas. Repetindo a ideologia salvacionista de governos anteriores, atribui-se à educação o poder de sustentação da competitividade. Vasta documentação emanada de importantes organismos multilaterais propalou esse ideário mediante diagnósticos, análises e propostas de soluções consideradas importantes a todos os países da América Latina e Caribe, tanto no que se refere à educação quanto à economia. As bases para o projeto de educação em nível mundial foram determinadas na Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizada em Jomtien, Tailândia, de 5 a 9 março de 1990, cuja meta ‘viável’ é a Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (NEBAS), ‘entendendo que a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internaciona’ (Unesco. 1990). Posteriormente, no ano de 2000, foi realizado O Marco de Ação de Dakar, em Dakar, Senegal, no período de 26 a 28 de abril, no qual os participantes da Cúpula Mundial de Educação comprometeram-se a alcançar os objetivos e metas de Educação para Todos. (SILVEIRA, 2006)

Uma das evidências de que a instituição observada caminhava

atendendo às diretrizes pautadas pelas associações de mantenedores que

98

atuavam no setor é a produção de documentos próprios que procuravam

legitimar sua inserção neste processo por meio do empreendimento de um

esforço teórico capaz de justificar as medidas que estavam sendo adotadas,

incluindo-as no curso de uma pretensa inevitabilidade histórica, como se os

atos tomados não fossem opções de homens vinculados a seus grupos de

interesses e envolvidos nos seus respectivos processos de transformação,

razões pelas quais se identificam como responsáveis pelas conseqüências

advindas de suas escolhas. Por ocasião da segunda implantação das

alterações curriculares nos cursos do Unitri, a instituição elaborou documento

interno silenciando-se quanto a outros efeitos que esse processo poderia

ocasionar, limitando-se a divulgar a suposta inevitabilidade das mudanças que

ocorriam.

Engajados neste contexto e conscientes deste processo dinâmico e continuado de avaliação do currículo de seu curso, é que o colegiado dos Cursos de Graduação do Unitri decidiu desencadear este processo da construção de um novo projeto pedagógico para o curso, na expectativa de delinear mais do que um currículo como documento, uma nova trajetória que se pretende construir levando-se em conta os valores e as expectativas do mundo vigente. (UNITRI, 2004 ou 2005 a).

Por este documento43, o Unitri divulgou ter havido ampla

participação da comunidade acadêmica na condução de tão importante projeto

quando o que ocorria, na verdade, era o atendimento às exigências impostas

pelos órgãos oficiais para garantir o credenciamento e de recredenciamento de

seus cursos, processos a que se submetia naquele período, quando a

instituição chegou a alegar inclusive que o trabalho teria se iniciado com uma

competente análise “do currículo vigente pelos seguintes segmentos:

professores, alunos, ex-alunos egressos, ex-alunos evadidos e mercado de

trabalho”. Após, diz o documento, a comissão designada especialmente para

tratar desta reformulação curricular teria conduzido importantes discussões

que, transformadas em proposta de um novo projeto pedagógico da instituição,

43 O documento interno foi entregue aos professores da instituição no começo daquele semestre letivo na

semana de planejamento que antecede o início das aulas. A cópia utilizada neste trabalho foi cedida, a pedido, por um deles.

99

seriam apresentadas e avaliadas por cada Colegiado de Curso que, tão logo

realizasse suas discussões internas, teria aprovado por unanimidade a

“proposta” da Comissão. Como verdadeiros arautos da gestão democrática que

se desenvolvia no Unitri, os professores todos teriam participado de verdadeiro

“mutirão” para construir as ementas das novas disciplinas em cada um dos

cursos. Novamente com a alcunha de “proposta”, noticia-se neste documento

que as novas ementas teriam sido avaliadas pelo Colegiado e também elas

aprovadas por unanimidade. Pelo documento, informa-se ainda que todos os

Coordenadores de Curso apoiaram incondicionalmente o texto da referida

“proposta” da comissão, restando apenas o seu envio para a Pró-Reitoria de

Graduação que apenas cuidaria de sua “adequação aos princípios

institucionais”, além, é claro, de informar posteriormente que “alguns ajustes

foram promovidos”.

No curso da tarefa de justificar a implementação das novas

diretrizes curriculares, o Unitri divulgou as determinações legais que

orientavam a elaboração do seu novo Projeto Pedagógico e que deveriam ser

assumidas pela direção na condução de sua gestão e das novas atividades

educacionais a serem realizadas, exaltando, em especial, o modo democrático

em que teria se fundamentado sua elaboração.

O PP quer de curso ou da Instituição sempre existiu, mas a falta de participação coletiva dos professores na sua elaboração e a falta de clareza na compreensão da idéia de "projeto", favorecia sua implantação de forma burocrática e fragmentada. Por outro lado, a LDB anterior - Lei 5692/68, solicitava apenas o cumprimento das orientações provenientes do poder central. Visto da forma como é solicitado hoje, o PP é um projeto elaborado de forma participativa e colaborativa, originado no seio da coletividade docente, discente e administrativa que dá uma identidade à instituição ou ao curso. (UNITRI, 2004 ou 2005a).

A instituição enfatizava que a confecção de um novo projeto

pedagógico não se realizava apenas pela necessidade de responder à

solicitação formal dos órgãos executivos que dirigem a educação nacional.

Tratava-se, antes, dizia o documento, de uma reflexão que deveria expressar

as idéias do Unitri referentes à educação superior, de uma proposta de

universidade madura e capaz de realizar a função social a que estava

100

destinada. Por esta razão, o novo documento diretivo deveria ser elaborado

mediante “uma análise coletiva tanto da sua história (a que lhe deu as

características que apresenta no momento) quanto das direções intencionais

que serão assumidas”, devendo atentar ainda quanto às exigências de uma

Deliberação do Conselho Nacional de Educação que dispunha especificamente

sobre a autorização para funcionamento e reconhecimento de cursos e

habilitações novos oferecidos por qualquer Instituição de Ensino Superior. Por

esta normativa, o Unitri deveria elaborar seu Projeto Pedagógico contemplando

o perfil do profissional que se desejava formar, os objetivos gerais e específicos

de cada curso, a descrição do Currículo Pleno oferecido, com ementário das

disciplinas/atividades, além de bibliografia básica, da explicitação do número de

vagas iniciais e respectivo turno de funcionamento e da relação dos docentes e

especificação da composição por quantidade e percentagem de Doutores,

Mestres e Especialistas, contendo ainda informação detalhada relacionando o

acervo da Biblioteca, incluindo os livros e periódicos especializados, e ainda

das condições das instalações, equipamentos e laboratórios existentes na

instituição.

Em nome das novas capacidades que o aluno tem que

desenvolver, em especial a prática da pesquisar, de buscar informações e de

realizar a respectiva análise, além de uma capacidade própria de aprender e

apresentar soluções diante de novos desafios, justificava-se a necessidade de

se criar um novo perfil para o currículo dos cursos, demanda prevista pela LDB.

Sob a alegação de que a universidade ocupa papel estratégico neste processo,

cabe a ela, além da capacidade de reduzir os “elevados custos operacionais”

que a mantém, a tarefa de elaborar novos projetos pedagógicos que atendam

as novas expectativas da sociedade, do mercado e de cada indivíduo.

Impõe-se, assim, a urgência de que em cada curso em cada uma

das instituições superior de ensino, de natureza particular ou pública, reveja

suas práticas de atuação, alterando os currículos vigentes de modo que eles

fiquem palatáveis às necessidades do mercado. Neste sentido, o próprio MEC

se apresenta como o responsável por reelaborar novas Diretrizes Curriculares

que são oportunamente verificadas por suas comissões de especialistas

101

quando dos credenciamentos e recredenciamentos dos cursos, sempre nos

termos definidos pela LDB. Por esses novos encaminhamentos, divulga-se a

nova condição que se pretende oferecer a um formado em um curso superior,

sendo estes os caminhos inevitáveis ao sucesso de um profissional “crítico,

competente e portador de conhecimentos essenciais” na sua área de formação.

Assim, tais reformas serão marcadas pela padronização e massificação de certos processos administrativos e pedagógicos, sob o argumento da organização sistêmica, da garantia da suposta universalidade, possibilitando baixar custos ou redefinir gastos e permitir o controle central das políticas implementadas. O modelo de gestão escolar adotado será baseado na combinação de formas de planejamento e controle central na formulação de políticas, associado à descentralização administrativa na implementação dessas políticas. (OLIVEIRA, 2004, p. 1131).

Desse modo, atendendo às novas exigências e, por extensão,

acreditando nas novas diretrizes curriculares definidas por sua instituição, este

novo aluno sanaria as dificuldades que historicamente possuiu e, ainda, teria

acesso a “competências” esperadas pelo mercado de trabalho, dentre elas a

capacidade de expressão oral e escrita, de formular e resolver problemas e

ainda o domínio de uma língua estrangeira.

O documento elaborado enaltecia, inclusive, a condição de

autonomia pedagógica extraída da interpretação da LDB que, como verificado

no capítulo anterior, no seu art. 53, incisos I, II, III e IV, transferem competência

à universidade para fixar seus currículos, organizar seus programas e ainda

estabelecer os conteúdos programáticos de suas atividades e disciplinas.

Naquele momento, o Grupo Salgado de Oliveira demonstrava

domínio das informações estratégias para adequar as diversas instituições de

Ensino Superior por ele mantidas, tanto que o mesmo processo, à mesma

época, estava sendo desencadeado em cada uma de suas unidades

espalhadas pelo país. Nestas situações, de maneira enfática, explicitava-se o

fim da obrigatoriedade do currículo mínimo e da rigidez na estruturação dos

cursos, o que lhe permitiria não só organizar seus próprios currículos, mas

especialmente definir novas condições de operacionalizar a relação ensino e

aprendizagem até então implementada, o que se demonstrou adequado para

justificar as profundas modificações em curso na estruturação dos novos

102

Projetos Pedagógicos do Unitri, além de servir para aplacar as críticas

elaboradas pela comunidade acadêmica por conta de tão avassaladoras

conseqüências que a implantação daquela reformulação curricular ensejou.

Especificamente quanto à autonomia universitária permitida aos centros

universitários do país, verifica-se que a instituição realizou uma interpretação

bastante peculiar do art. 53 da LDB, especialmente de seu inciso V, pelo qual

se permite “fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional

e as exigências de seu meio”. Nos termos revelados pelo ex-coordenador do

curso de Direito, havia cerca de 300 alunos no curso ao final do ano de 1997

com programação de ingresso de 80 novos alunos a cada ano. Para 1998,

deveriam ser oferecidas 160 vagas, criando-se uma turma matutina. Entretanto,

com a assunção do Centro Universitário pela nova mantenedora, foram abertas

para o 1º semestre de 1998 naquele curso o total de 560 vagas. No 2º

semestre, foram abertas mais 240, totalizando a entrada anual de mais 820

alunos. Isto quer dizer que, de 1997 para 1998, houve um aumento de 1020%

no total de vagas oferecidas apenas para este curso. Nos anos seguintes, a

entrada continuou variando de 600 a 800 novos alunos, o que conduziu a um

dissenso na própria hierarquia da organização acadêmica.

[...] como havia ocorrido a venda da instituição de um grupo local de Uberlândia para o grupo Salgado de Oliveira do RJ e isso implicou numa série de mudanças no próprio curso de direito, com a transformação do número de vagas de 80 anuais para 820 durante 1998, 560 apenas no primeiro semestre, a prof. Djanira Radamés, frente à insatisfação com essa situação, acabou pedindo afastamento da direção, logo após se demitindo da instituição. Com isso fui convidado para assumir a coordenação e aceitei sabendo dos desafios e permaneci na coordenação até julho de 2000, por não ter mais condições emocionais de permanecer no cargo e a partir daí continuei até julho de 2001 quando fui demitido pela instituição. (BARROSO, 2006).

Por outro lado, à autonomia é dada outra interpretação pela

mantenedora quando se trata da independência acadêmica, não só dos órgãos

colegiados, como mesmo dos individuais. O órgão colegiado máximo, chamado

Conselho de Administração Superior (CAS), não tem poder de fato quanto às

decisões acadêmicas. De acordo com o ex-coordenador de curso e o

representante sindical do SINPRO/MG atuante na instituição, as decisões

importantes são tomadas pela mantenedora “ad referendum” do Conselho, que

103

pouco se reúne e do qual não é dada publicidade à comunidade acadêmica. Na

hierarquia administrativa, há uma confusão entre mantenedora e mantida. À

exceção da Reitora e dos Pró-reitores de Graduação e de Pós-Graduação,

Pesquisa e Extensão, todos os outros membros da hierarquia superior sequer

moram na cidade em que está a instituição, sendo todos vinculados à

mantenedora e unidos por laços familiares na condição de sócios da entidade

mantenedora.

[...] o fato é que a relação entre mantenedora e mantida era extremamente complexa e complicada, chegando até a ser delicada, então é óbvio que em se tratando de uma instituição privada, há ingerências muito grandes da mantenedora nas mantidas, mas eu diria que, em vários casos e em vários momentos ao longo desse tempo que lá eu passei, essas ingerências foram prejudiciais ao andamento dos trabalhos acadêmicos, à continuidade dos próprios cursos e à sua qualidade. Nesse sentido, poder-se-ia dizer que o só fato do aumento constante de vagas em razão da autonomia para isso conquistada ou concedida via LDB, com a criação dos chamados centros universitários e da transformação da UNIT em Centro Universitário, diria que realmente houve um abuso, já que o número de vagas era criado ao sabor do mercado, por assim dizer, não visando uma formação mais específica, então nesse sentido particular posso dizer que as coordenações de curso, mesmo as pró-reitorias ou mesmo a reitoria ficavam a mercê dos interesses de mercado da mantenedora. (BARROSO, 2006)

Neste cenário, permite-se elaborar a hipótese de que qualquer

menção à suposta autonomia financeira é mera ilusão, já que não há mínima

transparência quanto aos investimentos realizados, até porque sequer há

informações da realização de um planejamento orçamentário. Embora a

construção do campus próprio em Uberlândia, iniciado em 1998 e

recentemente concluído, tenha sido financiada pelos recursos advindos do

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, por meio de um

de seus órgãos, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e

Social), além de facilidades ofertadas pela prefeitura municipal, alegou-se

durante muito tempo que todo o dinheiro do centro universitário estava sendo

investido nos gastos da construção e que, após o término das obras do

campus, então, todas as condições necessárias para pesquisa e extensão,

com programação orçamentária, inclusive, seriam realizadas. Desde a

assunção da mantenedora vinculada à Associação Salgado de Oliveira, a

Reitoria não demonstrou possuir autonomia na condução dos assuntos

104

próprios da instituição, como se evidencia por um fato simbólico. Na ocasião

das demissões, em especial a demissão da diretoria da Seção Sindical dos

Docentes, a magnífica reitora na ocasião, Profa. Ana Maria Costa de Sousa,

em resposta a ofício encaminhado pelo Presidente Nacional do ANDES/SN,

Prof. Roberto Leher, que solicitava audiência para tratar das demissões de

professores, declarou publicamente não ter competência para tratar do

assunto44.

Dentre as irregularidades informadas por professores no último

lustro, destacam-se as falsas informações prestadas pela instituição ao MEC,

sobretudo a protocolização neste órgão de um Plano de Carreira docente que

se apresenta como mera “peça de ficção” quando cotejado com as reais

condições de trabalho vivenciadas pelos docentes. A apresentação do Plano

de Carreira Docente da instituição ao MEC é requisito essencial para

reconhecimento e recredenciamento dos cursos nas fases de avaliação. No

entanto, no próprio MEC, representantes do SINPRO-MG não conseguiram ter

acesso ao documento original em visita recente àquele órgão

Por este documento45, o Unitri informa de sua suposta

preocupação quanto à formação e aperfeiçoamento didático-pedagógico de

seus profissionais que atuam na graduação. Há referência expressa quanto à

necessidade de se desenvolver competências técnica, humana e política que

são próprias da prática docente, onde o professor deve ser um elemento capaz

de assumir a responsabilidade de um sujeito ativo na prática educativa que se

realiza em favor do desenvolvimento do potencial humano de cada aluno, de tal

modo que o docente seja o verdadeiro transmissor de importantes valores

pessoais e sociais ao discente, preparando-o para o desenvolvimento de um

senso de responsabilidade e de compromisso para com a sociedade.

44 A posição adotada pelo Unitri em face do ofício encaminhando formalmente à instituição foi de omissão,

recusando-se a responder à solicitação apresentada. Dias antes, na data das demissões, a Prof. Dra. Ana Maria Costa de Souza reconheceu a este pesquisador a competência acadêmica com que os professores haviam se dedicado à instituição, mas que, a contragosto, não lhe restara outra opção senão comunicar pessoalmente a dispensa a cada docente.

45 A cópia utilizada como documento nesta pesquisa foi disponibilizada por um ex-coordenador de curso que pertencia ao quadro de funcionários da instituição.

105

A instituição apresenta um Programa de Formação Continuada

que abrange a realização de cursos, seminários e de grupos de estudo. Quanto

aos primeiros, informa-se que sua promoção visa uma melhor capacitação do

profissional docente no que se refere à utilização de recursos didáticos e de

novas metodologias surgidas para aprimorar a avaliação da relação ensino e

aprendizagem. Quanto aos grupos de estudo, programados para o início de

cada semestre e, segundo este documento, realizados “com a participação

efetiva de todos os professores do quadro”, realizam-se por meio de palestras

que demonstram aos docentes a necessidade de se adaptar aos novos

paradigmas da educação superior e às novas regras da política educacional. É

digno de nota que uma das finalidades elencadas para justificar os referidos

grupos de estudo informados no Plano de Carreira do Unitri diz respeito

especificamente à relação interna a ser construída entre os próprios docentes,

estimulando-os a “divulgar práticas que se efetivam, coletivamente, no

companheirismo e solidariedade, rompendo com aquelas individualistas e

setoriais”, o que pressuporia, inclusive, a constituição de uma entidade

associativa como a natimorta Adunit para que pudesse contribuir na tarefa de

agregar os professores da instituição.

Por este mesmo documento, a instituição informa a elaboração de um

Guia de Orientação Acadêmica do Professor, justificando-o como um

instrumento de capacitação necessário aos professores para contribuir com

sua interação com a instituição, de modo que sejam divulgados os princípios

filosóficos e as diretrizes pedagógicas que orientam a prática docente do

profissional desta instituição. O documento é detalhista ao abordar diversos

pontos. De modo exemplificativo, o segundo capítulo trata do ingresso e do

acesso do docente aos diversos quadros da instituição que, expressos nos

artigos 12 a 16, prevê, por exemplo, a existência de uma comissão de seleção

formada por professores que detenham titulação equivalente à requerida dos

postulantes à vaga. Esta comissão seria designada pela reitoria mediante a

solicitação de contratação de professor realizada pelo coordenador de curso.

Os critérios a serem observados por esta comissão para seleção do

ingressante compreenderiam a análise de “currículum vitae” seguida de

entrevista para os candidatos ao cargo de Professor Assistente, nos regimes

106

de tempo especial ou parcial, e de concurso de Títulos, ou de Títulos e Provas

para os demais cargos e regimes de trabalhos. O documento protocolizado no

MEC, em seu art. 16, definia os níveis de progressão dos docentes existentes

na instituição. No entanto, estas etapas não eram concretizadas no cotidiano

profissional, permanecendo estranhas à realidade vivenciada pelos professores

que atuavam na instituição.

I - Inserção dos professores em categorias determinadas pela titulação, tendo em cada categoria percebimentos salariais distintos;

II - Inserção dos professores nas categorias: Professor Titular, Professor Adjunto e Professor Assistente, cujos critérios que irão caracterizá-los serão apresentados no momento de sua implementação. (UNITRI, 2004 ou 2005b).

Há, inclusive, previsão de apoio a participação dos docentes em

eventos acadêmicos realizados em congressos e reuniões científicas nacionais

e internacionais. Informa-se por este documento que desde 1999, por meio da

resolução nº 001/99, é oferecido apoio financeiro a professores dos diversos

cursos da instituição, oportunizando ao professor a participação em mais de um

congresso a cada ano. No entanto, contraditoriamente ao anunciado pelos

documentos institucionais, o delegado sindical do SINPRO/MG em atividade no

Unitri apontou a ocorrência do falseamento do regime de trabalho dos

professores para fins de autorização, reconhecimento e recredenciamento de

cursos, assinalando, inclusive, que os professores foram obrigados a assinar

declarações em alguns cursos informando que o seu regime semanal de

trabalho era integral (40hs/aulas) ou parcial (20hs/aulas), quando em realidade

seriam professores chamados horistas, tática implantada para que o curso

atingisse na avaliação o mínimo exigido pelo MEC.

O plano de carreira docente prevê uma evolução que vai desde o professor auxiliar até o titular, passando pelos cargos de assistente e adjunto. Os professores não têm tempo, incentivo ou mesmo necessidade de melhorar profissionalmente. A menos de uma minoria dos professores, que individualmente buscam através de contatos com o mundo externo melhorias de sua capacitação profissional, a maioria restante não vê necessidade alguma de manter-se atualizada por não ver reconhecida sua titulação (BERNARDINO, 2005).

107

Por esta mesma fonte, sobressaem informações de que alguns

professores que desempenhavam suas atividades em regime 40 horas por

semana, normalmente na condição de coordenadores de curso, ou

coordenadores de área, trabalhavam nos primeiros anos de 2000 mais de 20

horas em sala de aula, dificultando o desenvolvimento de atividades de

pesquisa e extensão. Ainda assim, a instituição apresentou nos relatórios de

reconhecimento de curso o Plano de Carreira que não existia, prevendo uma

classificação e fixação de cargos por categorias, quais sejam o titular, adjunto e

assistente, e níveis dentro das categorias. Apresentou, ainda, como regime de

trabalho o integral e o parcial. Contudo, os professores eram contratados em

regime “horista” cujo número de horas dependia necessariamente do número

de disciplinas ministradas, oscilando em semestres com extensas jornadas de

trabalho seguidos por outros com carga horária bastante reduzida. O delegado

sindical apontou ainda que o regime de tempo integral e parcial continuam a

ser a expressiva minoria na instituição, para os quais os salários são pagos

com base em valor de hora/aula dependendo da titulação, mas sem o respeito

às categorias e aos níveis previstos no referido Plano. Há, ainda, uma série de

benefícios aos professores nele previstos que não são aplicados na prática,

como os já citados critérios de progressão na carreira, por níveis dentro de

cada categoria, bem como os adicionais por função.

Aliás, esta não foi a única contrariedade ao disposto no art. 47 §

1º. da Lei nº. 9394/96 e art. 15 do Decreto nº. 3680/2001. O documento que se

apresentou aos candidatos ao processo seletivo em sucessivos anos não

mencionou a relação nominal dos docentes, nem sua qualificação, tampouco

descrevia os recursos materiais que estavam à disposição dos alunos, tais

como laboratórios, computadores, acessos às redes de informação e acervo da

biblioteca. Sequer os encargos financeiros firmados nos contratos de prestação

de serviços educacionais eram conhecidos com clareza pelos alunos, o que

levou à intervenção do Ministério Público estadual no sentido de exigir

transparência na definição das formas de reajuste das mensalidades cobradas

dos discentes. A prática desta conduta, por sinal, tem sido mantida pela maior

parte das IPES no Brasil, cujos sítios no portal da internet apresentam

condições de ensino e ambiente acadêmicos ideais, adequados à reflexão e ao

108

desenvolvimento intelectual dos alunos, o que tem merecido sistemática

denúncia por parte das entidades de classe que representam os docentes do

Ensino Superior46. Ainda que motivo de espanto para parte da comunidade

acadêmica da cidade, as formas de gestão que os mantenedores do Unitri

começavam a implementar em Uberlândia eram a repercussão no cerrado

brasileiro dos modelos disseminados no início da década anterior, cuja

conferência citada é apenas um dos eventos.

No interior desses prédios, outros sonhos são corroídos. Os docentes, freqüentemente recebendo irrisórios pagamentos pela hora-aula, atuam sem a menor infra-estrutura – bibliotecas, laboratórios, tempo livre para atender aos alunos, gabinete de trabalho – e, diante do menor sinal de organização autônoma, a mantenedora emerge da instituição “marca de fantasia” e desfere toda a sua intolerância contra o sindicato ou associação. Esse foi o caso dos docentes do Centro Universitário do Triângulo Mineiro (UNIT), um braço da Universo (Universidade [sic] Salgado de Oliveira). Toda a diretoria da associação docente, composta por jovens mestres e doutores, profissionais envolvidos com a sua profissão, foi exonerada por reivindicar o respeito à grade curricular e pretender organizar os docentes em uma associação. (LEHER, 2002, p.10).

Os capítulos anteriores procuraram sustentar que aqueles que

prediziam os novos tempos entenderam este movimento sob a lógica das

teorias que se criaram para valorizar o capital humano, exigindo-se a

construção de projetos de educação dirigidos necessariamente à tarefa

inadiável de se preparar para o trabalho, vaticínio que não resistiu às

conseqüências que a crise que o capitalismo monopolista continua a ensejar

desde a metade do século passado. No interior do Unitri, no entanto, essa

construção intelectual não se fez corresponder diante da materialidade das

condições dadas, demonstrando o falseamento que reside na essência desses

argumentos, sendo que o ocaso da associação construída por centenas de

46 Quando da realização de seu 24º Congresso Nacional, o ANDES/SN denunciou a insistência em

práticas desta natureza: “As medidas são muitas e sempre com os seguintes objetivos: diminuir ‘gastos’, maximizar lucros, fazer obras de fachada e grandes investimentos em marketing, recobrindo as IPES com um verniz de ‘sofisticação e modernidade’, de forma que a podridão descrita não chegue ao conhecimento de seus alunos e do público externo. Tal quadro faz-nos recordar o velho ditado popular: ‘Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorentol’ (ANDES, 2005).”

109

professores estava apenas indicando que as relações de trabalho que existiam

naquela instituição enfrentariam um longo outono pela frente.

110

4 A RESISTÊNCIA DOS DOCENTES À PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO

Como já tratado no curso deste trabalho, foi especialmente no

campo do Ensino Superior particular, sobretudo após a grande expansão

verificada nos anos 1990 que se assistiu a uma nova reconfiguração das

relações estabelecidas entre as instituições de ensino desta natureza com o

mercado e com a própria sociedade, de modo que se consolidou a

mercantilização da educação superior brasileira, principalmente das instituições

de natureza privada, já que estas passaram a organizar a gestão dos seus

estabelecimentos de forma semelhante a empresas capitalistas inseridas no

processo produtivo.

Como tendência geral, pode-se afirmar que houve acentuação da natureza privada das instituições e a busca de identidade singular diante da concorrência. Esta busca estaria conduzindo as IES privadas para caminhos comuns. O ensino continua sendo a atividade principal, secundada apenas circunstancialmente pela pesquisa. Esta, por dispendiosa, estaria sendo substituída, no setor privado, pela extensão, aqui entendida como pesquisa aplicada associada ao ensino e, em geral, desenvolvida na comunidade local em que a instituição se insere. Há, por assim dizer, o desenvolvimento de uma pretendida vocação regional e de uma cultura institucional vazada nos valores da localidade, no cenário supostamente universal da educação superior. (SILVA Jr.; SGUISSARDI, 2001, p.236).

É por conta dessa vinculação às regras do mercado, em especial

devido à acirrada concorrência que se estabeleceu no setor, que ocorreu uma

profissionalização dos gestores, definindo uma nova identidade para os

estabelecimentos de ensino dessa natureza que, ao empresariar as suas

gestões, tornaram-se em regra empresas lucrativas do setor de serviços. Vivia-

se nesse período histórico novos rumos da política nacional, agora sob a

presidência de Fernando Henrique Cardoso que, desde logo, caracterizou-se

como importante teórico das novas formulações a serem implementadas na

111

reforma do Estado brasileiro anunciada como necessária pelos novos arautos

da Administração Pública. Estes quase sempre oriundos do meio acadêmico,

merecendo destaque Luiz Carlos Bresser Pereira, Paulo Renato de Souza e

Pedro Sampaio Malan, empenharam-se na adaptação do Estado às recentes

exigências do capitalismo mundial, agora sob os novos paradigmas anunciados

pelo discurso neoliberal. Parte-se do princípio que a reforma do Estado

brasileiro insere-se no contexto do atual estágio do capitalismo mundial que,

em síntese, representou uma descaracterização do Estado intervencionista,

mitigando sua atuação nos setores sociais. Verifica-se tratar de um processo

complexo, originário das transformações por que passou o capitalismo nas

últimas décadas e por sua atuação por meio de megablocos econômicos, o que

passou a necessitar uma nova postura dos Estados mundo afora que, inseridos

agora na própria racionalidade mercantil, fragilizaram a sua esfera pública de

atuação.

Desta forma, na transição do fordismo para o presente momento histórico do capitalismo mundial, o Estado de bem-estar social dá lugar a um Estado gestor, que carrega em si a racionalidade empresarial das empresas capitalistas transnacionais, tornando-se as teorias organizacionais, antes restritas aos muros das fábricas, as verdadeiras teorias políticas do Estado moderno. A inserção do Brasil nesse processo provoca também uma transformação no aparelho de Estado, que de interventor e estruturador da economia em favor do capital nacional e internacional desde a década de 1930, passa, na década de 1990, a um Estado modernizado, a um Estado gestor. (SILVA Jr., 2002, p.62)

Em meio às transformações estruturais do capitalismo, processo

que mereceu análise no capítulo que inaugura este trabalho, surgem novos

atores a impulsionar este movimento de reformas gerais que, atingindo o

campo da educação em particular, procuram organizar toda a sociedade de

acordo com novas orientações a serem seguidas. Como referido, trata-se das

agências multilaterais de investimento que, mantendo a predominância dos

Estados Unidos da América na organização de sua gestão, atuam como

apologistas do capital na esfera internacional. Desse modo, nas últimas

décadas, o Bird/Banco Mundial, a Unesco e a Cepal (Comissão Econômica

para América Latina), por exemplo, propagam a mensagem unívoca da busca

da produtividade e do desenvolvimento, objetivos que só serão alcançados,

112

assim afirmam, caso se realizem ajustes político-econômicos de acordo com

diretrizes de cunho neoliberal. Todo esse movimento histórico consolida um

discurso ideológico defensor do maior nível de escolaridade formal como

pressuposto à obtenção de uma maior “empregabilidade” dos trabalhadores,

condição fundamental para o aumento da produtividade e do desenvolvimento

acima citados.

Este processo, no entanto, não ocorre de maneira pacífica, como

se fosse um mero realinhamento dos interesses dos agentes envolvidos que se

desenvolve sem apresentar qualquer oposição daqueles que divergem da sorte

dos acontecimentos, de modo que há toda uma série de conseqüências que

desafia o coro dos contentes, repercutindo na organização de discursos e

condutas contrárias àquelas pretendidas pelo establishment. Dentre estas, no

campo da educação superior, os docentes construíram, ao par e passo da

realização das atividades acadêmicas, um histórico de resistência à

implantação das medidas de precarização do trabalho, destacando-se, neste

estudo, a atuação do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de

Ensino Superior (ANDES/SN) por meio de suas seções sindicais espalhadas

por todo o território nacional e do Sindicato dos Professores do Estado de

Minas Gerais (SINPRO/MG), através do escritório local da entidade existente

na cidade. Estas duas entidades possuem diferentes concepções de

organização sindical, seguindo trajetórias distintas na promoção da defesa do

trabalho realizado no setor que se demonstram pelas diversas escolhas de

oposição à ordem vigente assumidas por seus próprios associados, merecendo

análise mais próxima no item a seguir. Por fim, atenta-se para as reações ao

processo de precarização do trabalho docente no âmbito local.

4.1 As associações sindicais dos docentes do Ensino Superior privado

O ANDES-SN47 foi constituído por decisão de um congresso de

professores realizado na cidade de Campinas em 1981, elegendo-se uma

47 Conforme ANDES (2006).

113

diretoria provisória para conduzir os trabalhos de formalização da entidade até

a realização do segundo congresso, na cidade de Florianópolis/SC, ocasião em

que seu estatuto foi homologado, passando a divulgar, desde o seu início, a

intenção de representar os docentes de todas as instituições de Ensino

Superior no Brasil mediante a construção de uma entidade sindical autônoma,

classista e combativa. Sediada na capital federal e contando com

aproximadamente 71.500 docentes filiados, o sindicato desenvolve atividades

em favor das condições de trabalho que permitiriam aos docentes o exercício

pleno de sua profissão, o que, segundo seu plano de lutas, exige estreitar laços

com a sociedade em geral e com a totalidade dos trabalhadores do país48,

divulgando em suas publicações que não poderia ter outra razão de se

constituir senão valer-se da produção do conhecimento e utilizá-lo para minorar

as dificuldades do conjunto da população brasileira.

O histórico de sua constituição dá conta de que no ano de 1979

foi realizado um encontro na cidade de Fortaleza/CE, concomitante à reunião

da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), resultando na

criação de uma Coordenação Nacional de Associações Docentes. Neste

mesmo ano, no mês de setembro, estas associações se reuniram em um

encontro extraordinário na cidade de Salvador/BA, com a presença de

entidades do país inteiro para pleitear melhorias salariais de forma conjunta,

envolvendo, pela primeira vez, as demandas apresentadas pelo setor das

instituições privadas de Ensino Superior. Como resultado deste encontro, de

forma pioneira, elaborou-se uma única pauta de reivindicações para todas as

instituições de Ensino Superior, englobando requerimentos de ordem não só

salarial, mas com a elaboração de propostas de mudanças nas regras de

organização trabalhista e no plano de carreira dos professores. Antes da

convocação do congresso nacional de fundação, houve ainda encontros

realizados na cidade de João Pessoa/PB em 1980 e em conjunto novamente

48 Segundo os dados do ano de 2005, o sindicato reúne 107 seções sindicais pelo Brasil, divididas em 62

vinculadas às instituições federais de ensino, 62 às instituições estaduais, 31 às instituições municipais, 08 instituições particulares e duas multiinstitucionais, composta por docentes de diferentes unidades de ensino (ANDES, 2006).

114

com a reunião da SBPC na cidade do Rio de Janeiro/RJ. O relato de um dos

seus membros informa dos primeiros passos da entidade.

Naquele momento, nós tínhamos professores das instituições públicas, mais da federais, poucos de estaduais, porque também não era muito disseminada a organização da universidade pública estadual. Havia professores da USP, da universidade de Campinas, das universidades do Paraná, (Londrina e Maringá), mas não era como hoje, que a maioria dos estados da federação tem suas universidades estaduais. Havia um também um bom número de professores de particulares. Nestas, organizávamos-nos da seguinte forma: as associações docentes propriamente ditas, entre as quais constavam-se as PUCS que tinham suas representações no Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul; havia ainda diversas associações em instituições particulares como era o caso do pessoal de Caxias, São Leopoldo, Vale dos Sinos (RS), Piracicaba(SP) e Santa Úrsula (RJ). (OLIVEIRA, 2006, p.11)

No ano seguinte à sua criação, nos termos previstos em suas

disposições internas, os representantes sindicais se reuniram em um Conselho

Nacional de Associações Docentes, conhecido como CONAD, na cidade de

Belo Horizonte/MG, iniciando os trabalhos que seriam concluídos no conselho

realizado em 1985 na cidade de Olinda/PE e que resultaram na definição da

proposta de universidade brasileira divulgada pelo sindicato a partir de então.

Em apertada síntese, o ANDES/SN defende que a existência do sindicato se

justifica apenas se os seus integrantes lutarem pelo chamado “padrão unitário”

a ser construído a partir de uma idéia de universidade pública, gratuita,

democrática e de qualidade. Ainda que a elaboração deste conceito implique

em considerar as diferenças regionais e culturais e, portanto, atender às suas

respectivas necessidades, a entidade publica ser necessário que a construção

da universidade se realize seguindo a orientação de um único projeto de

ensino, pesquisa e extensão, o que requer a defesa de uma concepção de

educação que, em tese, seria favorável aos interesses do Brasil como um todo.

Organizado em setores e grupos de trabalho49, o sindicato realizou o 1º

Encontro Nacional dos Docentes das IPES em Brasília-DF nos dias 2 e 3 de

49 O ANDES/SN organiza suas atividades pelos setores das instituições federais (IFES), instituições

estaduais (IEES) e instituições particulares (IPES), além dos seguintes grupos de trabalho (GT): GT Carreira, GT Comunicação e Artes, GT Política Educacional, GT Ciência e Tecnologia, GT Etnia, Gênero e Classe, GT História do Movimento Docente, GT Política Agrária, GT Política de Formação Sindical, GT Seguridade Social/Assuntos de Aposentadoria e GT Verbas (ANDES, 2006).

115

novembro de 2005, pretendendo expandir sua atuação no setor privado e se

aproximar do vasto universo dos docentes não sindicalizados. Na ocasião, o

ANDES-SN transmitiu aos presentes que o sindicato construiu um histórico de

defesa dos docentes que atuam nestas instituições, oferecendo assessoria

jurídica e criando um Fundo de Solidariedade capaz de atender os dirigentes

demitidos no desempenho da atividade sindical, compromissos que pretende

manter assumidos em razão das condições difíceis de organização sindical

enfrentadas especificamente pelos docentes que atuam nas instituições

particulares de Ensino Superior privado no país.

O SINPRO/MG é um sindicato filiado à Confederação Nacional

dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), vinculando-se

a esta entidade criada a partir do mês de novembro de 1990 e formalizada em

julho do ano seguinte, reunindo hoje 66 entidades filiadas (06 federações e 60

sindicatos) e divulgando a representação de 400 mil trabalhadores em

educação do país todo50. Esta confederação é vinculada à Central Única dos

Trabalhadores (CUT) e, diferentemente do ANDES/SN, não pleiteia a

representação dos docentes que atuam no sistema federal de ensino,

restringindo a filiação àqueles que desenvolvem “[...] lutas em defesa dos

trabalhadores em estabelecimentos de ensino privado em particular.” O

SINPRO-MG51 divulga um vasto campo de atuação em seu estatuto,

pretendendo a representação dos professores que trabalham desde a

educação infantil até a educação superior e “posterior”, o que compreenderia

aqueles que atuam na educação profissional, técnica, tecnológica, de jovens e

adultos, especial, dos supletivos, dos preparatórios, dos pré-vestibulares, de

idiomas e dos chamados cursos livres. A capital mineira é a sede da entidade,

dividindo-se em subsedes nas principais regiões do estado52. Este sindicato,

possui, no entanto, uma especificidade na medida em que excepciona,

50 Veja CONTEE (2006). 51 Veja SIMPRO/MG (2006). 52 As subsedes estão localizadas nas cidades de Além Paraíba, Barbacena, Divinópolis, Poços de Caldas,

Muriaé, Coronel Fabriciano, Ponte Nova, Pouso Alegre, Governador Valadares, Montes Claros, Uberaba e Uberlândia (SINPRO/MG, 2006).

116

inclusive com previsão lançada no estatuto da entidade, a representação dos

professores da cidade de Juiz de Fora, já que a organização independente

empreendida pelos trabalhadores desta cidade determinou a sua não

vinculação ao SINPRO/MG, ainda que defendam, em tese, os mesmos

interesses.

O sindicato credita sua fundação ao ano de 1933, quando havia

apenas 06 colégios na cidade de Belo Horizonte, tendo sofrido no curso de sua

história intervenções por parte do Estado, com destaque para a ocorrida em

1943 sob o pretexto de vínculo de filiados da entidade com o movimento

integralista daquela década. O sindicato noticia tanto registros de

arbitrariedades do governo havidas em 1945, 1960 e 1979, quando toda a

diretoria renunciou em razão do autoritarismo do regime, como o envolvimento

com o processo de redemocratização em curso no Brasil durante os anos

1990, com destaque para sua atuação na Assembléia Nacional Constituinte.

Diferentemente do ANDES/SN, que só aceita contribuição espontânea de seus

filiados, promovendo a devolução dos recursos advindos por força de lei federal

que prevê uma contribuição sindical obrigatória e correspondente a um dia por

ano de salário do trabalhador, o SINPRO/MG se capitaliza por meio desta

contribuição e das taxas pagas por seus membros, denominadas taxa

assistencial e taxa social, cujas formas de arrecadação e respectivos índices

são definidos nas assembléias convocadas para tal fim. Por imposição legal,

dos recursos recebidos por meio da contribuição sindical, a entidade transfere

20% ao Ministério do Trabalho, 15% à Federação à qual se filia e 5% à

Confederação a que se vincula, gerindo com autonomia o crédito restante, à

ordem de 60%.

As diferenças referidas entre os sindicatos não se limitam apenas

ao modo de organização da defesa dos interesses de seus filiados. Há, antes,

uma divergência quanto à concepção de representação sindical, existente,

sobretudo, a partir de conflitos que nasceram em razão de disputas pela

conquista de mesmas bases sindicais, até porque ambos pretendem agasalhar

a resistência à precarização do trabalho docente que se desenvolve no campo

da educação superior privada brasileira. As acusações ocorrem de uma parte à

117

outra e o embate opõe diferentes estruturas de representação, sendo que o

ANDES/SN combate a idéia de unicidade sindical e o SINPRO/MG a ela se

vincula. Por ocasião do primeiro congresso do setor privado organizado pelo

ANDES/SN, um dos seus sindicalizados apresentou a tensão existente entre as

entidades.

Há um momento de reaproximação, isso funciona principalmente em São Paulo e no Rio até 1987, mas, com o advento da nova Constituição e a manutenção da unicidade, foi um corre-corre dos sindicatos tradicionais para montar a estrutura sindical oficial em todas as instituições de ensino superior. Daí ao conflito sindical foi um passo. Quando, no congresso extraordinário do Rio, em 1988, depois da Carta Constitucional, foi aprovada a transformação da ANDES em Sindicato, pretendeu-se uma divisão de áreas: nós (o ANDES-SN) ficaríamos com as instituições públicas e os SINPROs com as particulares. E é dessa corrente de reafirmação e imposição da linha sindical pela unicidade que vai surgir a Confederação Nacional de Estabelecimentos de Ensino Privados – CONTEE. É evidente que essa pretendida divisão não foi aceita pelo ANDES-SN, fiel ao princípio da organização sindical autônoma e democrática. (OLIVEIRA, 2006, p. 11-2).

De modo diverso, demonstrando a compreensão da possibilidade

de se realizar outra estratégia de atuação sindical, o SINPRO/MG articula-se

por meio de uma confederação sindical que desenvolve formas diferentes de

resolução dos conflitos trazidos pelo mundo do trabalho. Desse modo, quando

da legalização da confederação junto ao Ministério do Trabalho, na ocasião da

homologação do registro sindical em 01 de julho de 2005, a coordenadora-

geral da CONTEE manifestou que o recebimento do documento seria

importante para minimizar a perseguição constante aos dirigentes sindicais.

[...] a ação política coordenada pela executiva da Confederação que colocou essa batalha como principal e uniu-se em torno desse objetivo. Esta ação coordenada impulsionou vários contatos políticos no âmbito do governo, do movimento sindical nacional e das lideranças partidárias que contribuíram para a conquista do registro sindical. A obtenção do registro prova que através da unidade de ação política é possível conquistar objetivos nobres e coletivos em favor do fortalecimento e reconhecimento nacional da organização dos trabalhadores em estabelecimentos de ensino que necessitam de sua Confederação Nacional para fortalecimento de sua luta. (CONFEDERAÇÃO, 2004, p. 3)

A divergência entre as duas concepções sindicais restou evidente

na ocasião da demissão dos professores do Unitri em julho de 2001, quando

118

cada entidade pugnou para si a representação do setor das instituições

particulares de Ensino Superior na cidade de Uberlândia, desejando capitalizar

o apoio aos professores daquela unidade de ensino a despeito da filiação

sindical dos docentes. Em panfleto53 distribuído pela sede em Belo

Horizonte/MG em 21 de agosto de 2001, o SINPRO/MG reagia diante da

situação dirigindo-se à comunidade acadêmica demonstrando o franco embate

com o ANDES/SN.

Desrespeito – Causa estranheza ao SINPRO-MG que a ANDES tenha criado uma Seção Sindical na UNIT em um momento especialmente tenso, com possibilidades reais de demissão em massa e durante uma campanha salarial difícil inclusive, com dissídio coletivo ajuizado. E mais, a ANDES- Sindicato Nacional desrespeita os professores e desconsidera todas as decisões tomadas nos fóruns de debates da categoria. Ao longo dos últimos 20 anos, o SINPRO-MG já realizou vários encontros, congressos, assembléias e seminários específicos para os professores de ensino superior e, em todos esses fóruns os professores reafirmaram sua representação pelo SINPRO-MG.

No entanto, quando se propõem a diagnosticar o estado em que o

trabalho docente se realiza nas instituições particulares de Ensino Superior

privado no Brasil, sobretudo nos grandes centros urbanos do país onde a

atividade sindical desenvolve-se, em regra, de maneira mais atuante, as duas

entidades relatam a incidência de práticas de precarização do trabalho que são

comuns e que estão a demonstrar que os mantenedores destas instituições

valem-se do apoio governamental que recebem para se dedicar,

essencialmente, à conquista do lucro no envolvimento desta atividade, não

investindo na valorização dos agentes envolvidos neste processo e se

dedicando às condutas impostas pelo mercado, priorizando o resgate dos

“gastos” havidos. Sob esta diretriz, as práticas que desqualificam este

trabalhador irrompem com freqüência nos lugares e nos modos de realização

do trabalho docente.

Com efeito, no diagnóstico realizado pelos dois sindicatos, é

comum a diminuição unilateral da carga horária do professor, de modo que, no

53 Ver SINPRO/MG (2001).

119

começo do semestre letivo, o profissional mal sabe das atividades que lhe

restará desempenhar, assim como tem sido rotineiro incluir atividades

acadêmicas em contratos administrativos, ainda que o docente esteja atuando

em alguma coordenação de curso ou na orientação de estágios, monografias,

trabalhos de conclusão de curso ou de projetos de pesquisa e extensão, o que

repercute em menor remuneração diante da diminuição de alguns benefícios

contidos nas convenções e acordos coletivos. Do mesmo modo, os auxílios

destinados à moradia, transporte ou à qualificação docente sofrem cortes

contínuos, as turmas têm sido reunidas em mega-salas para que os

professores ministrem suas aulas para mais de uma centena de alunos com a

manutenção do mesmo valor de hora/aula.

As entidades apontam ainda que as estruturas curriculares e

ementas de disciplinas têm sido modificadas de modo a diminuir os custos de

manutenção, com predominância de docentes "horistas” para ministrar as

aulas, já que a remuneração é menor àquela devida aos professores cujos

contratos são de tempo contínuo. De modo mais grave, os mantenedores têm

restringido a união do corpo docente, acuando-o com a ameaça constante das

demissões ao final de cada semestre letivo, o que tem acontecido em grande

escala em algumas unidades de ensino se computados os dados em

retrospecto, quase sempre tendo por alvo os profissionais qualificados como

mestres e doutores, substituídos como peças usadas nas linhas de montagem

por professores especialistas e graduados em bom estado de conservação.

Para além destas práticas mais evidentes, a disseminação da precariedade das

condições de trabalho incide de forma incisiva sob outros aspectos, ainda que

menos perceptíveis.

120

Temos assumido mais tarefas, que antes eram de técnicos e que hoje executamos por meio de computadores e celulares. O trabalho também transformou-se com a implementação de pós-graduação, com seus prazos apertados e seus calendários paralelos, imunes à greves. Há também mudanças devido ao produtivismo e à disputa de curriculum on line, ao ranking dos periódicos, em um ritmo de vida que tira de cada docente o tempo de ler o trabalho do colega. Em terceiro lugar, há o plano já em andamento de inserir alunos de pós na docência, de modo que diminuem e se descaracterizam os postos de trabalho docente. Também perdemos espaço para as máquinas, com o ensino à distancia. Por fim, menos visíveis, na falta de estatísticas e devido a complexidade de outras variáveis intervenientes, são o estresse da cidade grande, as doenças ocupacionais, a invalidez e até o suicídio. E tudo acontece em um ambiente de crescente desigualdade entre áreas do saber, pois nem todas as áreas conseguem arrecadar verbas fora do sistema público de financiamento. E isso significa, até para o cotidiano, diferenças elementares nas condições de trabalho: um prédio novo tem banheiros limpos, limpeza terceirizada, equipamentos de última geração, etc. (BORGES, 2006)

Os dados apontados e os argumentos lançados pelos sujeitos

envolvidos no trabalho docente até aqui demonstram que as condições de

desempenho das atividades acadêmicas enfrentadas por estes professores

estão inseridas no processo de precarização do trabalho debatido no primeiro

capítulo deste estudo. O entendimento desta realidade, no entanto, deve ser

problematizado a partir das categorias marxianas de análise, impondo-se à

complementaridade deste estudo a verificação das formas de negação a estas

práticas de precarização que os docentes manifestam. Estas formas

constituem-se, de modo mais ou menos incisivo, de forma espontânea ou

institucional, em medidas de enfrentamento e manifestação de desejo de

superação do projeto pautado pelos mantenedores das instituições privadas

para o Ensino Superior brasileiro.

4.2 As reações locais às práticas de precarização do trabalho docente

As entidades locais apontam que condições semelhantes a estas

podem ser diagnosticadas nas instituições de Ensino Superior privadas

presentes na cidade, o que tem ensejado as reações possíveis por parte dos

professores que atuam no setor. Quase sempre acuados pelas ameaças de

retaliação, os docentes resistem às práticas dos mantenedores que resultam

na precarização contínua de seu trabalho, encaminhando as denúncias às

121

associações sindicais que os representam e aos órgãos oficiais responsáveis

por medidas de prevenção e punição a condutas desta natureza,

representadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pelo Ministério Público

do Trabalho e pelo Poder Judiciário.

Desse modo, o escritório local do SINPRO/MG tem atuado

negociando diretamente com os mantenedores das IPES da cidade a

contenção de determinadas práticas, ainda que, em regra, esta tarefa ocorra

sem o êxito necessário, o que leva a entidade a pressionar os referidos órgãos

oficiais a executar as medidas cabíveis previstas na legislação brasileira. Neste

sentido, encontra-se em curso por parte desta entidade a preparação de uma

ação judicial a ser protocolizada na sede da Justiça do Trabalho local para

exigir o cumprimento de leis e convenções trabalhistas referentes ao setor, a

ser proposta em desfavor de 05 (cinco) instituições de Ensino Superior privado

em atuação na cidade. Em documento recente, de lavra da subsede do

SINPRO/MG na cidade, a entidade comunica que está fiscalizando as

instituições locais de Ensino Superior privado e relacionando as respectivas

práticas de desrespeito à legislação em que habitualmente incidem, com vistas

ao ajuizamento de uma ação judicial para pressionar os mantenedores pelo

cumprimento dos direitos trabalhistas dos docentes.

Unipac – Falta de controle da jornada. Atraso pagamento de salário. Caixa dois. Mora salarial, Atraso, 13º Salário e Férias + 1/3. Horas Extras. Adicional Noturno. As rescisões não são efetuadas no sindicato. Redução de Carga Horária. Contratam professores como Preceptores e Supervisores de Estágio. FPU – Não pagamento de data base 20/02/2006. Retirou os 20% de Titularidade dos professores, demitiu todos em Dezembro/03 e recontratou em Fevereiro/04 com salário a menor. Não tem plano de cargos e salários. Redução de carga horária não homologada no sindicato. Redução de piso salarial. CATÓLICA – Data base 20/03/2006, horas extras, redução de carga horária, adicional noturno, férias em atraso. Plano de cargos e salários. UNIMINAS – Data base 2001 (0%), 02/2002 (6%), 08/2003 (10%), 2004 (0%). Não tem plano de cargos e salários, horas extras, adicional noturno, caixa dois, férias em atraso. Unitri – Não paga horas extras, adicional noturno, férias com atraso, redução de carga horária em agosto/2005 não homologado no sindicato, ponto viciado, obriga os professores a solicitar redução de carga horária, não deposita FGTS, as aulas modulares são secas sem extra classe e sem DSR ou qualquer outro adicional falta de pagamento de adicional de titulação (isonomia salarial) (SINPRO/MG, 2006).

122

Particularmente em relação ao Unitri, a atuação desta entidade na

tentativa de resistir à implantação de práticas precarizantes do trabalho

docente tem ocorrido em freqüentes ocasiões neste período, o que se

evidencia pelas atividades desenvolvidas pelo delegado sindical eleito

diretamente por seus colegas professores para representá-los no interior da

instituição. Como garantido pelo art. 543 e seus parágrafos da Consolidação

das Leis Trabalhistas para aqueles estabelecimentos de ensino que possuem

mais de duzentos funcionários e, ainda, assegurado pela cláusula 43 do

Acordo Coletivo de Trabalho firmado em 17 de fevereiro de 2004 diretamente

entre a Associação Salgado de Oliveira e Cultura, empresa jurídica

mantenedora do Unitri, e o SINPRO/MG, caberia a este delegado sindical, já

que eleito nos termos definidos pela legislação, a ampla liberdade de atuação

em favor de seus pares. Ocorre, porém, que este delegado sindical assinala

que sequer lhe era permitido divulgar aos colegas as informações básicas

referentes aos interesses dos professores, o que apenas ocorria em razão

deste dirigente sindical trabalhar na própria empresa na condição de docente,

utilizando-se dos intervalos em que ministrava suas aulas para divulgar as

comunicações necessárias.

A organização sindical no local de trabalho no Unitri, resume-se à presença de um dirigente sindical eleito pelos professores. Os professores têm um bom nível de informação sobre suas atividades e os processos eleitorais para a escolha de seus representantes. Entretanto, a Unitri não permite o acesso dos dirigentes sindicais no local de trabalho, bem como não permite divulgar informações do sindicato referente ao interesse dos professores. A liberdade de difusão e comunicação também é restringida pela impossibilidade do acesso dos dirigentes sindicais aos locais de trabalho. Para fazer chegar aos trabalhadores o seu material informativo, os sindicatos só dispõem de autorização de empresa para deixa-los à disposição na pasta dos professores. Nunca ocorreram reuniões no interior da empresa. Uma assembléia foi realizada com a presença de 7 (sete) professores na sala 218 B para discussão do Acordo Coletivo de Trabalho no ano de 2005. A Unitri utiliza de meios de repressão aos professores que participam das reuniões. Além disso, alguns correram riscos de demissão por ter participado da assembléia no ano de 2005. (BERNARDINO, 2005a, p.1).

Este mesmo dirigente sindical informou que os professores da

instituição não possuem tempo nem tampouco incentivo para atualização

123

profissional, bastante diferente, portanto, do anunciado pelo Plano de Carreira

protocolizado junto ao MEC. Aquela minoria de professores que alcança um

avanço em sua capacitação profissional o realiza por meio de esforços e

sacrifícios individuais, já que de maneira alguma são dispensados

temporariamente de suas atividades para participar de eventos, cursos e

seminários acadêmicos. Por outras razões, a maioria restante dos professores

não se empenha sequer em cursos de atualização e quanto menos em cursos

de pós-graduação, manifestando que, no interior do Unitri, o empenho não é

reconhecido e tampouco a eventual titulação alcançada seria remunerada.

Contraditoriamente às condições informadas no referido Plano de Carreira, a

situação enfrentada pelos professores no que se refere à dedicação de tempo

de trabalho e de titulação são especialmente graves na instituição. O dirigente

aponta ainda a completa descaracterização do objetivo original em manter o

professor contratado com regime de 40 horas semanais, vez que, em muitos

dos casos, a quase totalidade deste período é utilizada para ministrar aulas,

fazendo com que o docente trabalhe apenas no interior da sala de aula,

distante absolutamente de qualquer núcleo de pesquisa. No que tange à

titulação dos professores, esta se tornou verdadeira ameaça à manutenção de

seu emprego na instituição. Bernardino (2005b) divulgou os planos de curto

prazo da instituição para com o seu corpo docente. Além da redução drástica

de carga horária que já ocorria de modo crescente, alardeava-se que os

docentes titulados constituíam-se em verdadeiro problema a ser resolvido, já

que “eles custam caro”. Ao considerar que o Unitri passou a divulgar a

necessidade de cortar gastos em sua gestão, o próximo alvo a ser atingido

seria os professores com alta titulação.

Um fator determinante na aplicação desta nova prática dos

mantenedores da instituição é a interpretação peculiar que o Centro

Universitário do Triângulo faz do art. 52 da Lei de Diretrizes Básicas da

Educação que, em vigor justamente para garantir a qualidade do desempenho

dos professores, ao dispor que ao menos um terço do corpo docente deve

possuir titulação em nível de pós-graduação, passou a ser entendido como a

percentagem máxima a ser alcançada. Desse modo, segundo a denúncia, a

instituição teria criado como fator de discriminação o próprio currículo do

124

professor, pois a sua competência tornou-se verdadeira ameaça à manutenção

de desemprego, tanto que recentemente ocorreram demissões de professores

titulados e, ato contínuo, imediata contratação de outros profissionais recém

graduados.

Os dados organizados pelo subsede do SINPRO/MG instalada na

cidade informam do crescente número de rescisões de contrato de trabalho e

de redução de carga horária realizadas nos últimos anos. Os dados

apresentados pelo sindicato são significativos em demonstrar que, no ano de

2003, ocorreram 35 (trinta e cinco) rescisões contratuais e 104 (cento e quatro)

reduções de carga horária de seu corpo docente. No ano seguinte, a

quantidade quase que dobrou, tendo ocorrido 61 (sessenta e uma) rescisões

contratuais e 160 (cento e sessenta) reduções de carga horária. No ano

corrente, com dados contabilizados apenas até o mês de julho, verifica-se uma

crise na manutenção do quadro docente ainda mais incisiva, porquanto já se

realizaram 80 (oitenta) rescisões contratuais e 92 (noventa e duas) reduções

de carga horária.

Documentos que compõem uma ação ajuizada pelo Ministério

Publico do Trabalho nesta cidade apontam que professores qualificados do

Unitri, mediante ameaças diretas, teriam desistido do seu título ou mesmo

mantiveram sigilo quanto à titulação recém alcançada54. Nesta ocasião, o

dirigente sindical relata que, ao inquirir a diretoria administrativa e a pró-reitoria

de ensino e graduação desta situação, informaram-lhe que os professores

demitidos estariam “onerando a folha de pagamento”.

A falta de interesse na melhoria de qualidade de ensino é sentida por quem já é titulado. O que a instituição faz é mostrar ao MEC o plano de cargos e carreiras, conforme as exigências legais. A instituição, além de não respeitar a legislação trabalhista, contrata professores titulados que não recebem conforme a sua qualificação. É preciso refletir o que isso significa, sobre o descalabro que se instalou. (BERNARDINO, 2005b, p. 2)

54 Documentos juntados na Ação Civil Pública protocolizada na Justiça do Trabalho local evidenciam a

ocorrência desta prática (Ação Civil Pública nº 005415-2006-134-03-00-6).

125

Por conta de situações dessa natureza, a Subsede do Sindicato

dos Professores de Minas Gerais - SINPRO comunicou ao órgão do Ministério

do Trabalho da cidade de Uberlândia a ocorrência de diversas denúncias de

professores acerca de eventuais irregularidades de violação da legislação

trabalhista55, requerendo a averiguação das alegações e a efetiva fiscalização

quanto ao cumprimento do Acordo Coletivo de Trabalho firmado entre o

Sindicato e a Associação Salgado de Oliveira de Educação e Cultura. Dentre

as irregularidades alegadas, destacavam-se as notícias de que as férias dos

docentes a serem pagas no final de dezembro do ano anterior haviam sido

depositadas apenas no início do mês de fevereiro. Os docentes afirmavam que

o plano de cargos e salários apresentado junto ao MEC era de total

desconhecimento dos professores e que não houve êxito nas oportunidades

em que tal documento foi requerido junto às diversas coordenadorias da

instituição. O corpo docente da instituição alegava a utilização por parte da

empresa de cartão de ponto eletrônico viciado, já que não registrava as horas

excedentes eventualmente trabalhadas pelos docentes. Apontava-se que

diversos professores titulados, mormente aqueles doutores e mestres, não

recebiam por suas qualificações e muito menos havia o pagamento devido à

titulação quando alguns docentes se qualificavam durante a vigência do

contrato de trabalho, de tal modo que, se fora contratado como professor

especialista, de nada adiantava posteriormente protocolizar o pedido de

acréscimo salarial em razão do grau de titulação recém adquirido. Os

professores que atuavam nos cursos chamados modulares também apontavam

irregularidades quando do recebimento dos seus respectivos salários, vez que,

em regra, recebiam pelas horas trabalhadas sem os adicionais que lhe eram

devidos. Neste mesmo documento de denúncias, o SINPRO/MG informava que

os depósitos referentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS

referentes aos meses de outubro de 2003 a outubro de 2004 não haviam sido

apurados.

55 Veja SINPRO/MG (2004).

126

Pelo mesmo ofício encaminhado, o SINPRO/MG denunciava

ainda que a CLT não estaria sendo respeitada no tocante à quantidade máxima

diária de aulas do professor (art. 318), tampouco quanto ao período mínimo de

descanso entre um turno e outro (de onze horas, conforme o art. 66), já que os

docentes muitas vezes ministravam aula até às 22h45min e, já no outro dia, a

partir de 7h15min ou 8h5min. Também não é pago adicional noturno para o

trabalho posterior às 22h (art. 73), além de não serem pagas as horas

extraordinárias (CF, art. 7º, XVI). Quando o sistema de verificação da

freqüência era feito pela assinatura do docente em folha de ponto, não lhe era

permitido assinar as horas trabalhadas a mais. Se, porventura, a folha continha

mais do que a carga horária contratual, o docente era “convidado” a preenchê-

la novamente. Com a mudança do sistema para cartão de ponto eletrônico,

professores acusaram o não recebimento das horas excedentes trabalhadas, o

que ensejou fiscalização por parte do Ministério do Trabalho em face das

evidências de que o programa de computador teria sido alterado para não

incluir as horas extraordinárias ou mesmo programado para não mais registrar

o excedente do trabalho realizado, conduta que exigiu verificação pelo órgão

fiscalizador competente e se tornou um dos objetos da Ação Civil Pública

proposta pelo Ministério Público do Trabalho em 16 de março de 2006 e

debatida no curso deste capítulo.

A intervenção deste órgão, no entanto, teve origem a partir da

realização de uma denúncia junto à Procuradoria Regional do Trabalho de

Minas Gerais56, apontando ainda irregularidades quanto à redução de carga

horária ocorrida nos meses de outubro de 2003 e fevereiro de 2004

supostamente requeridas pelos professores, quando, alegava-se na denúncia,

a instituição teria obrigado os professores a “solicitarem” tal redução mediante

a protocolização de requerimento realizado de próprio punho. Segundo esta

mesma denúncia, aqueles que se recusavam a assim proceder, eram

56 Denúncia anônima protocolizada no Ofício de Uberlândia do Ministério Público do Trabalho da 3ª

Região/MG em 25 de maio de 2004 (UBERLÂNDIA, 2004), acarretando na instauração de um Procedimento Próprio de Investigação (PPI) n. 1006/2003 (UBERLANDIA, 2005a).

127

inevitavelmente dispensados, o que veio a ocorrer com vinte e dois docentes

no começo daquele semestre.

Foram atitudes desta natureza que redundaram na Ação Fiscal

realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego por meio de sua Subdelegacia

lotada em Uberlândia57, autuando a Associação Salgado de Oliveira de

Educação e Cultura por ter recolhido mediante a presença do auditor-fiscal

daquele órgão a importância devida de R$668.040,57 (Seiscentos e sessenta e

oito mil, quarenta reais e cinqüenta e sete centavos) para regularizar os

créditos referentes ao FGTS de seus empregados devidos nos meses de

setembro, outubro e dezembro de 2004 e ainda janeiro de 2005. Relatou-se

pelo mesmo documento que a empresa deixou de efetuar o pagamento da

remuneração ou do abono de férias devido até dois dias antes do período de

gozo, o que efetivamente prejudicou os trezentos e noventa e dois professores

que estavam contratados naquela ocasião58, além da não consignação por

parte da empresa dos horários de trabalho efetivamente praticados por seus

empregados, restando evidente a manipulação fraudulenta das jornadas de

trabalho realizadas pelos profissionais docentes59.

No decorrer da fiscalização realizada, do mesmo modo surgiram

denúncias quanto ao não recebimento conforme a titulação dos professores,

ainda que, para fins de reconhecimento e classificação do curso ao qual estava

vinculado junto ao Ministério da Educação, este mesmo professor se

encontrava devidamente qualificado. Na ocasião, por se tratar de denúncia de

outra seara que não a trabalhista, o auditor responsável pela fiscalização

encaminhou a informação ao Ministério da Educação e do Desporto. O que

mereceu amplo destaque neste mesmo relatório foi a recorrência das

alegações dos professores quanto à redução da jornada de trabalho a que se

obrigavam que, dentre outras conseqüências, determinava a imediata e

57 Relatório de fiscalização concluído em 22 de abril de 2005 (UBERLÂNDIA, 2005d). 58 A ocorrência da prática resultou na lavratura do Auto de Infração nº 010396462 (UBERLÂNDIA, 2005c). 59 Conduta que resultou na lavratura de outro Auto de Infração, este de nº 010397841 (UBERLÂNDIA,

2005c)

128

substancial diminuição dos salários percebidos pelos docentes da instituição. O

relatório informou que a alteração dos contratos de trabalho constando a

diminuição da carga horária desempenhada, ainda que subscrito pelos próprios

professores, foram conseguidos mediante efetiva coação realizada pela

instituição de ensino empregadora, ocasionando inclusive um prejuízo para

estes docentes quando de suas rescisões contratuais realizadas, fato que não

passou despercebido ao sindicato profissional da categoria que, na ocasião,

fez constar esta ressalva nos diversos Termos de Rescisão do Contrato de

Trabalho. Quanto a esta irregularidade, o relatório apresenta uma relação

exemplificativa de sete professores que foram desligados à época que

poderiam servir à eventual investigação. Ao final, diante do que se apurou,

cópia do referido relatório foi encaminhada ao Ofício do Ministério Público do

Trabalho (MPT) de Uberlândia.

No exercício de seu mister, o Procurador do Trabalho responsável

pelas investigações colheu depoimentos de professores que referendavam a

existência das irregularidades apontadas. Desse modo, em várias audiências

realizadas, despontaram evidências da propalada coação de modo a

caracterizar que o requerimento de redução de jornada de trabalho tivesse sido

iniciativa pessoal do próprio docente.

[...] a empresa solicitou a vários trabalhadores que fizessem a solicitação de próprio punho de redução de jornada de trabalho; que esta solicitação foi feita ao depoente por volta de 2003; que fez esta solicitação; que conhece trabalhador que se recusou a fazer a solicitação de redução de jornada; que este trabalhador foi mandado embora, não sabendo dizer o depoente se esta dispensa foi pela recusa; que este trabalhador foi dispensado no final do semestre; que este trabalhador se chama Cláudio Ferreira Pazini; que esta solicitação foi feita a um grande número de professores; que a empresa somente pagava o salário dos professores como “graduado”, mesmo que tivesse curso de especialização, doutorado e mestrado60. (UBERLÂNDIA, 2005a, p. 150)

60 Depoimento realizado no PPI 1006/2003 em 18 de maio de 2005 pelo Prof. Flávio Del Nero, que

exercera suas atividades no curso de contabilidade do Unitri durante dois anos e, como os demais citados neste capítulo, foram produzidos para o mesmo procedimento de investigação instaurado pelo Ministério Público do Trabalho na cidade de Uberlândia, sendo reduzidos a termo para sua

129

Apurando os mesmo fatos, o MPT colheu depoimento da

professora Maria Helena Raimundo que, atuando no Curso de Direito de

janeiro de 2003 a fevereiro de 2005, também afirmou que:

a empresa solicitou que a depoente preenchesse de próprio punho uma declaração de redução de carga horária; que cada um dos professores foi separadamente chamado a uma sala pelo coordenador do curso que haveria uma redução de jornada; que a redução de carga horária provocou uma redução de 25 a 30% do salário; [...] que se chegasse antes na empresa e se registrasse o ponto vinte minutos antes ou depois do expediente o relógio de ponto não registrava; que mesmo que continuasse a trabalhar e passasse o cartão após os 20 minutos o ponto ficava em aberto (UBERLÂNDIA, 2005a, p. 156).

Ainda no campo das investigações, o Procurador do Trabalho

ouviu o professor da área de Administração Alexandre Rodrigues de Carvalho

que, tendo exercido a docência na instituição por seis anos, apresentou

significativo relato de sua experiência.

[...] que, em meados do ano passado, a empresa solicitou que o depoente preenchesse de próprio punho uma declaração de redução de carga horária; que isto ocorreu numa reunião coordenada pelo Professor Rafael Silva Guerreiro; que a empresa dizia claramente que ‘que se você não colaborar com a instituição, você não garante seu emprego’; que a reunião começou com o Professor Rafael dizendo que ‘olha, vocês devem ter notado que alguns colegas não estão mais presentes’ como forma clara de obrigar os professores a aceitarem os termos da proposta; que, após a reunião, o professor Rafael conversou com cada um separadamente em que solicitava a redação do pedido de redução de carga horária de próprio punho; que o depoente, por não ter opção, fez o pedido de próprio punho; que o salário foi reduzido em 25%, pois baixou de 40 horas para 30 horas; que, apesar disso, continuou a trabalhar o mesmo período de tempo, já que tinha que fazer atividades extra-curriculares, nas quais não havia controle de ponto; [...] que é mestre, mas recebia apenas como graduado; que o ponto não correspondia à realidade, já que por várias vezes prestou serviços antes e depois do expediente normal e a empresa somente pagava os valores normais, sem qualquer acréscimo de horas extras (UBERLÂNDIA, 2005a, p. 154-5).

Nesta mesma situação, merece registro o depoimento do Prof.

Edivaldo Teixeira Gomes que, atuando por aproximadamente três anos no

caracterização como prova testemunhal a amparar a Ação Civil Pública posteriormente ajuizada em desfavor da empresa mantenedora do Unitri.

130

Curso de Fisioterapia, teve sua carga horária modificada várias vezes durante

este período.

Que quando começou a trabalhar tinha uma carga horária de oito horas-aula semanais; QUE na primeira redução de carga horária, mediante assinatura do mencionado pedido, passou para 6 horas-aula semanais; QUE no semestre seguinte sua carga horária elevou-se para 15 horas-aula semanais; Posteriormente, voltou para 10 horas-aula semanais, mediante, novamente, a assinatura do pedido de redução de carga horária; QUE foi dispensado imotivadamente, segundo informações que lhe foram repassadas pela Profª Valéria Sacchi, coordenadora do Curso de Fisioterapia, porque se recusou a se submeter à carga horária de 36 horas-aula semanais que lhe foi exigida pela investigada. (UBERLÂNDIA, 2005a, p. 292).

Na condição de instituição investigada, o Unitri foi convocada a

apresentar seus esclarecimentos em razão dos fatos alegados por seus ex-

professores. Na ocasião, no depoimento prestado em 14 de setembro de 2005

ao representante do MPT situado na cidade de Uberlândia, a instituição

elaborou justificativas de ordem empresarial para certas condutas praticadas,

reconhecendo práticas que, para além do descumprimento da legislação

trabalhista, demonstram o tratamento exclusivamente comercial dispensado

pela mantenedora ao seu “empreendimento”.

[...] que a Unitri tem cerca de 780 empregados, dos quais cerca de 350 não são professores; que a empresa tem outras faculdades, conhecidas por Universidade Universo (Juiz de Fora, Goiânia, São Gonçalo, Niterói, Campos dos Goitacazes, Recife, Belo Horizonte, entre outros); que a iniciativa de redução de carga horária é da própria UNITRI, vez que houve redução do números de alunos, porquanto existem 11 outras instituições de ensino superior em Uberlândia; que a redução não só ocorreu na área de direito, mas também em outros cursos, sobretudo na área de saúde; que ouviu dizer que outras faculdades ficaram inadimplentes com os professores porque não tomaram as cautelas necessárias; que a redução foi para manter a qualidade dos cursos; que a Universidade fez uma reunião com os coordenadores dos cursos, que repassaram a necessidade de redução para os professores; que houve dispensa de 68 professores no início de 2º semestre de 2005; que anteriormente houve a dispensa de cerca de 50 professores no ano de 2001, quando o sindicato ainda era o ANDES; que além da dispensa dos 68 professores, houve a redução de carga horária de cerca de 270 professores; que a redução de carga horária dos professores foi em razão da necessidade de redução do custo e do número dos professores, haja vista a redução do número de alunos; que a UNITRI possui mestres e doutores, os quais recebem nestas condições; que não sabe informar o valor dos salários dos mestres, doutores, especialistas e graduados; que não sabe informar se a UNITRI tem plano de cargos e salários registrados nos órgãos próprios; que o último pedido de redução de carga horária ocorreu no

131

início do segundo semestre deste ano; que não sabe informar quais são os períodos de FGTS que estão em atraso atualmente, mas que está em processo de negociação com a CEF; que não sabe informar se a empresa regularizou o pagamento das férias antes do início do gozo; que não sabe informar se o horário que os professores passam o cartão de ponto é o que efetivamente é registrado (UBERLÂNDIA, 2005a, p 578-9).

Essas informações, por repercutirem em infrações à legislação

trabalhista, ensejaram a protocolização de uma Ação Civil Pública promovida

pela Procuradoria Regional do Trabalho em desfavor da mantenedora da Unitri,

já que não houve êxito a formalização de um Termo de Ajustamento de

Conduta por meio do qual a instituição se comprometeria a se abster das

práticas ilegais confessadas. A ACP tramitou na 5ª Vara do Trabalho de

Uberlândia, tendo sido colhidos novos depoimentos que ratificaram as práticas

denunciadas, resultando na prolação de sentença judicial determinando à

instituição que não realizasse atos contrários à legislação que ampara o

professor que atua naquela instituição de Ensino Superior privado da cidade,

impondo ao Unitri multas em caso de reincidência e reconhecendo, sobretudo,

a habitualidade de práticas que precarizam o trabalho do docente desta

instituição. Esta sentença judicial encontra-se em sede de duplo grau de

jurisdição em face de recurso interposto pela parte vencida, no caso a empresa

mantenedora do Unitri, razão pela qual ainda não produziu efeitos imperativos.

Porém, o seu teor é bastante revelador da condição precarizante a que se

submetem os docentes que atuam na instituição. 61

Como demonstrado neste capítulo, as condições de desempenho

da atividade docente no Unitri tornaram-se extremamente fragilizadas e

reveladoras de uma condição estrutural a que se submetem os trabalhadores

da educação superior no Brasil. Com efeito, o quadro verificado na instituição

não é de modo algum isolado, o que poderia rotulá-lo como uma exceção a ser

registrada no universo da atual gestão do Ensino Superior, sobretudo se

considerarmos as instituições de ensino gerenciadas pela iniciativa privada no

país. A pesquisa aponta, antes, uma realidade particular ao centro universitário

61 Ver principais excertos da Sentença no Anexo 1.

132

observado, com características que estão presentes com maior ou menor

incidência nas demais IPES da cidade. No entanto, ainda que sobre realidades

particulares, estes apontamentos só puderam ser revelados a partir da reflexão

teórica elaborada nos capítulos anteriores, em especial o primeiro e segundo

capítulos, já que demonstraram a generalidade de todo um processo cuja

inserção abrange o mundo do trabalho em todos os países. Esta reflexão

permite verificar que as condições de trabalho docente observadas nas

instituições referidas são evidências da manifestação de uma realidade mais

ampla que, por sua vez, materializa-se na precarização das relações de

trabalho vigentes nas instituições de Ensino Superior de todo o país, sejam

elas de caráter público ou privado.

Examino pela ordem seguinte o sistema da economia burguesa: capital, propriedade privada; trabalho assalariado, Estado, comércio externo, mercado mundial. [...] Suprimo uma introdução geral que esbocei em tempos porque, pensando bem, parece-me que antecipar conclusões que é preciso demonstrar em primeiro lugar é pouco correto, e o leitor que quiser seguir-me deverá decidir-se a passar do particular para o geral. (MARX, 1980, p. 64-65)

Portanto, a análise das condições do trabalho docente nesta

instituição demonstra a manifestação de um processo de precarização que se

explica a partir de profundas transformações estruturais que se manifestam no

capitalismo monopolista nas últimas décadas. Ao fazermos esta afirmação não

podemos prescindir das concepções metodológicas propostas por Marx no

“Prefácio à contribuição para a crítica da economia política”, pois amparam a

necessidade da caminhada do particular para o geral na problematização dos

processos em investigação e apontam que o movimento teórico projetado

nestas páginas pode revelar a materialidade dos sujeitos envolvidos na

docência nas instituições citadas, contribuindo para que a própria trajetória

desse coletivo humano fale por si e não, na feliz expressão de Pierre Bourdier,

“seja falado” por meio das práticas de gestão adotadas pelos mantenedores

das instituições privadas de Ensino Superior desta cidade.

133

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conferência proferida em seminário internacional realizado há

pouco mais de dois anos62, o professor José Luís Sanfelice alertava que, ao

final da realização de uma pesquisa, o pesquisador necessita saber mais sobre

o objeto de estudo do que quando iniciou seus trabalhos e o seu término não

pode ter outra sina senão ampliar o campo de reflexão de quem o realiza. Esta

nova reflexão, enriquecida por dúvidas recentes e questionamentos inéditos,

deve ser o germe do conhecimento a ser construído a partir daquele que

imediatamente o antecedeu. Neste sentido, o trabalho realizado tanto

aumentou o alcance da reflexão que iniciamos sobre o tema como modificou a

percepção que possuíamos sobre a própria condição de docente em uma

instituição de Ensino Superior privado da região, fazendo jus à referência a

Thompson lançada na introdução deste estudo, em especial quando o

historiador trata das maneiras pelas quais o homem passa a entender sua real

condição de existência, partindo de sua vida concreta para elaborar uma nova

consciência de si, modificando inclusive a sua idéia de pertencimento a uma

situação comum experimentada pelas pessoas que vivenciam o mesmo

processo. Elaboramos as considerações finais deste estudo sob esta

perspectiva, pois o entendimento primeiro acerca das dimensões do objeto de

estudo necessariamente se ampliou e permitiu refletir sobre a precarização do

trabalho docente que se realiza nas instituições privadas de Ensino Superior

62 Para maiores aprofundamentos a respeito da Conferência do Professor Livre-Docente da Faculdade de Educação da Unicamp intitulada “Dialética e pesquisa: seus embasamentos científico-filosóficos” proferida em 26 de março de 2004 no II Seminário Internacional de Pesquisa e Estudos Qualitativos na cidade paulista de Bauru, veja Lombardi e Saviani (2005).

134

como um processo bem mais complexo e dinâmico do que os primeiros

apontamentos denunciavam.

Pelo entendimento anterior, especialmente pelas razões que

apresentamos na introdução desta pesquisa que indicavam a proximidade com

o objeto analisado, havia uma limitação na abordagem do assunto,

desvinculando-o, de um certo modo, ao tema da precarização do trabalho

docente verificado nas instituições federais de Ensino Superior, como se fosse

possível um tratamento particularizado de cada cenário. O curso do trabalho,

no entanto, impôs a superação da limitação anunciada, pois as mediações que

surgiram a partir da discussão teórica presente no primeiro capítulo já fizeram

ruir por terra este tratamento inicial, tornando imperativo o conhecimento de

que as reflexões sobre as transformações que atingem o mundo do trabalho só

poderiam ser realizadas a partir de uma mesma origem, isto é, estas

transformações possuem como elemento fundante a própria reestruturação

produtiva por que passa o capitalismo mundial nas últimas décadas, trazendo

consigo a vasta esteira de suas conseqüências. A partir deste referencial, não

restaram dúvidas de que “o vento que sopra aqui, sopra lá”, ou seja, firmamos

a convicção de que as determinações do capital, apresentando-se hoje sob as

vestes do monetarismo e da financeirização, operam sobre os trabalhadores

em larga escala e com características que se apresentam comuns nos quatro

cantos do mundo, ainda que guardem especificidades em cada localidade e

tempo históricos. Assim, após assumir esta perspectiva e pensando o Ensino

Superior brasileiro de forma global, pudemos analisar as características de um

processo que se caracteriza como totalizante e maior.

A base teórica deste entendimento foi debatida na primeira parte

do segundo capítulo, quando se demonstrou a limitação da atuação do Estado

como promotor do desenvolvimento humano e, mais particularmente, como

defensor de uma educação capaz de alcançar os interesses de todas as

classes sociais. Por este caminho de análise, mesmo a educação que se

materializa nas instituições federais de ensino não tem condições de

protagonizar a emergência de tempos menos áridos à população em geral,

135

vaticínio que o velho Marx já anunciara há mais de dois séculos ao tratar da

pretensão de se designar o “Estado como educador do povo”.

A pesquisa demonstrou, portanto, que tanto as práticas

educacionais das instituições superiores que se realizam sobre a organização

do poder público como aquelas que ocorrem no campo do ensino privado se

submetem às determinações incisivas do capital, transformando o cotidiano

escolar em sua área de domínio e agravando os custos humanos daqueles que

se envolvem diretamente neste processo, seja ele um docente titular de uma

instituição federal de ensino ou um professor em tempo contínuo de uma

instituição privada, seja ele ainda um docente contratado sob o regime de

professor substituto nas universidades federais ou um professor na condição

de “horista” das instituições particulares de ensino que se expandem no cenário

educacional brasileiro. Tanto um como outro atendem pelo conceito de classe-

que-vive-do-trabalho debatido no primeiro capítulo deste estudo.

Com efeito, no curso da pesquisa, ao conhecer uma prática

precarizante vivenciada pelo docente que atua em uma instituição de ensino

federal surgia, ato contínuo, o seu símil em uma instituição de natureza

particular, presente sob outras vestes e sob outros discursos. Do mesmo modo

o contrário aconteceu, revelando o curso e a dimensão das transformações

determinadas pela sociedade capitalista. Assim, ao demonstrar a trajetória de

um Centro Universitário da cidade, que se equilibra sob a idéia de autonomia

despojada da exigência de produção científica, refletimos sobre sua inserção

nas regras vigentes da lógica do mercado, já que oferece de modo rápido,

eficiente e rentável a festejada “educação superior”. Na seqüência do

raciocínio, não houve como escaparmos da comparação com práticas que

possuem conseqüências semelhantes e que podem ser representadas pelo

hábito corrente de oferecer “cursos pagos” no interior das universidades

federais, em regra no âmbito da pós-graduação lato sensu, promovidos pelas

fundações de ensino de cada departamento da instituição.

É importante considerarmos também que as manifestações de

práticas precarizantes se realizam de forma diversa em cada uma das

instituições, já que, pelo histórico apresentado, verificamos que possuem

136

formas distintas de constituição, algumas com apenas dois ou quatro anos de

atividade, nas quais trabalham de 20 a 40 docentes, oferecendo menos de uma

dezena de cursos e outras, mais estabilizadas, com mais de uma centena de

professores, que oferecem na cidade mais de 20 cursos de graduação em

Ensino Superior. Esta diversidade nos permitiu observar que, no âmbito de

Uberlândia, a partir dos diferentes modos de gestão implantados pelos

mantenedores, estão em curso maneiras diversificadas de precarização do

trabalho docente que, por sua vez, determinam formas desiguais de

resistências às práticas que são implantadas. No caso do centro universitário

observado, alçado a esta condição há quase uma década, possuindo perto de

quinhentos professores em atividade nos 36 cursos de graduação oferecidos,

este processo se revela particularmente incisivo, pois a instituição possui

trânsito há mais tempo na área do Ensino Superior privado de caráter

essencialmente lucrativo e, por extensão, encontra-se mais inserida na lógica

de mercado que estrutura o setor.

Quanto às formas de reação iniciadas pelos professores e pelas

entidades que os representam que apresentamos no curso do trabalho,

concluímos que elas são incipientes, pouco articuladas e incapazes ainda de

resistir à avalanche da precarização do trabalho docente que incide sobre o

setor na cidade, o que, no entanto, não depõe em desfavor das atividades

concretas já realizadas, até porque foram os meios de oposição possíveis de

serem conduzidos por aqueles que atuam em condições de trabalho tão

adversas. Ressaltamos que as formas de resistência já demonstradas não se

limitam àquelas encaminhadas pelas entidades sindicais citadas e que

tampouco se materializam apenas nas instâncias oficiais inseridas no próprio

Estado, como o Ministério, a Procuradoria e a Justiça do Trabalho. As

atividades realizadas por estes três órgãos foram objeto de observação nesta

pesquisa porque se constituíram nas formas reais de resistência iniciadas pelos

professores e que repercutiram em medidas tomadas nas suas sedes, porém,

temos certeza, não se encerram em seus limites e tampouco esvaziam as

possibilidades de análise da realidade suscitadas pela categoria trabalho.

137

Acreditamos que os movimentos em defesa do trabalho docente

no setor precisam ser desenvolvidos com coordenação, ainda que a construção

desta possibilidade não pareça estar no horizonte próximo, integrando os

professores de forma conjunta para que possam construir os mecanismos

necessários de oposição aos projetos de precarização que se encontram em

curso. Para tanto, conhecer outras experiências de reação conduzidas por

docentes de outras instituições e refletir sobre suas possibilidades de

implantação no cenário local são medidas necessárias e que permitiriam, em

tese, definir estratégias de atuação para os professores que atuam nas

instituições privadas de Ensino Superior da cidade.

Concluímos, portanto, que as condições do cotidiano acadêmico

verificadas precarizam as relações de trabalho docente materializadas no

interior das instituições privadas de Ensino Superior na cidade de Uberlândia e

que estas, por extensão, têm sua explicação nas estruturas complexas que

sustentam o capitalismo atual, cujas práticas contribuem para afirmar a

condição subordinada em que se encontra o país em termos de produção de

ciência e tecnologia, independente se realizado pelas instituições públicas ou

privadas de Ensino Superior. Tanto num como noutro espaço o que está em

jogo são os processos de formação humana pautados pelo capital no mundo

contemporâneo, de modo que, nos limites da pesquisa realizada, restou

demonstrado que dentre as conseqüências deste processo há a desvalorização

do ensino superior como campo de construção de projetos coletivos, já que,

antes, restou mitigada a idéia outrora aventada de universidade como lugar em

que se elabora o saber, capaz de se educar para a tolerância e de construir a

superação das diversidades criadas pela contraposição de forças dos

diferentes projetos humanos. Esta conclusão nos permitiu entender que as

formas precarizantes de trabalho a que são submetidos estes docentes não

são uma evidência isolada, mas se inserem nos processos de formação

humana pautados pelo capital que passaram a se manifestar nestas terras do

cerrado brasileiro.

138

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABMES. Cadastro de IES associadas à ABMES. Disponível em: <http://www.abmes.org.br/asp/filiados/mantenedora.asp?id=217>. Acesso em: 05 jul. 2006.

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APÊNDICE 1: ENTREVISTA

Entrevistado: Pérsio Henrique Barroso

Condição: Ex-Coordenador do Curso de Direito da Unitri (1998/2000).

Entrevistador: O Sr. poderia historiar sua participação na fundação da

Sindunit?

Prof. Pérsio: Eu fui convidado a trabalhar na Unit no início de 1998 pela prof.

Djanira Radamés de Sá assim que eu tinha terminado o Mestrado na

Universidade Federal de Santa Catarina e iniciei como professor da disciplina

de introdução ao Direito e Direito constitucional e outras atribuições

administrativas e com contrato já de 40 horas e como havia ocorrido a venda

da instituição de um grupo local de Uberlândia para um grupo Salgado de

Oliveira do RJ e isso implicou numa série de mudanças no próprio curso de

direito com a transformação do nº de vagas de 80 anuais para 820 durante

1998, 560 apenas no primeiro semestre a prof. Djanira Radamés frente a

insatisfação com essa situação acabou pedindo afastamento da direção logo

após se demitindo da instituição com isso fui convidado para assumir a

coordenação e aceitei sabendo dos desafios e permaneci na coordenação até

julho de 2000, por não ter mais condições emocionais de permanecer no cargo

a partir daí continuei até julho de 2001 quando fui demitido pela instituição

então entre jul/00 a jul/01 assumi outras funções administrativas como

coordenador de monografia e outras questões continuei minhas aulas a partir

de mais ou menos março desse ano 2001 eu comecei uma aproximação um

pouco maior com a questão sindical tendo fundado com outros companheiros,

outros colegas a Adunit (Associação dos Docentes da Unit) então vinculada

ainda ao Simpro mas desde então nós começamos uma conversação com o

148

Andes (sindicato nacional) para a transformação dessa associação numa

seção sindical do sindicato nacional dos docentes do Ensino Superior que se

deu por volta de junho ou julho com essa instituição da Sindunit aconteceu num

momento em que a instituição estava passando por mudanças grandes nos

projetos pedagógico do cursos e mudanças grandes no seu quadro de

professores havia boatos de cortes gigantescos de carga horária, a sindunit

procurou a se informar e fazer um trabalho de esclarecimento dos professores

de reunião os professores em torno de interesses comuns, tentando durante

todo esse tempo fazer um contato com a então reitora, Ana Maria de Souza, o

que nos foi sistematicamente negado, na véspera de uma reunião que nós

faríamos, inclusive com a presença da vice-presidente do Andes professora Lia

de Salvador, fui chamado a sala da reitora que teria me feito ou que me fez

efetivamente uma ameaça velada que se nós fizéssemos aquela reunião

marcada nós poderíamos ter algum tipo de problema já que ali não era uma

escola pública, uma universidade pública em que o patrão era o governo e que

portanto o governo não tem cara e não conhece diretamente os seus

professores, os seus trabalhadores sendo uma instituição privada em que

haveria essa relação mais direta entre os seus empregados nós estaríamos

correndo sérios riscos, realizamos essa reunião e na outra semana se não me

engano dia 25 de agosto fui chamado junto com os outros diretores da Sindunit

para uma conversa com a reitora e com a pró-reitora de graduação do Ensino

Superior, professora Alzira Bizinoto, que nos comunicaram então pessoalmente

a demissão, então o fato é que eu à época eu era presidente desta seção

sindical, a Sindunit, e juntamente com todos os outros diretores, em nº de 10,

fui mandado embora, a partir daí nós começamos um processo judicial

buscando a reintegração o que foi deferido julgado liminarmente mas depois

cassado por mandado de segurança julgado pelo TRT em Belo Horizonte.

Entrevistador: Prof. Pérsio, com a experiência em que o Sr. demonstrou em

relação ao Ensino Superior nestes últimos anos, poderia dizer a respeito da

condição do Centro Universitário do Triângulo em relação aos demais, é uma

universidade que se habilita mais nesse viés mercantilista? Poderia se dizer

isso?

149

Prof. Pérsio: Poderia dizer que embora sempre tenha havido pó parte da

direção acadêmica da instituição uma preocupação muito grande com o ensino,

com a qualidade de ensino e eu diria principalmente num nível de

administração superior e inferior se poderíamos chamar assim num nível das

coordenações dos cursos, das pró-reitorias até na época diretorias dos

institutos não parecia haver na administração que podemos chamar de não

acadêmica esse mesmo compromisso, então o fato é que a relação entre

mantenedora e mantida era extremamente complexa e complicada chegando

até a ser delicada, então é óbvio que se tratando de uma instituição privada há

ingerências muito grandes da mantenedora nas mantidas, mais eu diria que em

vários casos e em vários momentos ao longo desse tempo que em lá eu passei

essas ingerências foram prejudiciais ao andamento dos trabalhos acadêmicos

e a continuidade dos próprios cursos e a sua qualidade nesse sentido poder-

se-ia dizer que o só fato do aumento constante de vagas em razão da

autonomia para isso conquistada ou concedida via RDB com a criação dos

chamados centros universitários e da transformação da Unit em Centro

Universitário diria que realmente houve um abuso já que o nº de vagas era

criado ao sabor do mercado por assim dizer e não visando uma formação mais

específica então nesse sentido particular posso dizer que as coordenações de

curso mesmo a pró-reitorias ou mesmo reitoria ficavam a mercê dos interesses

de mercado da mantenedora.

Entrevistador: Quando da visita das comissões de avaliação do MEC no

Centro Universitário do Triângulo, quando da visita de várias comissões de

avaliação de curso, o Sr. tem algum apontamento específico em relação a esse

período? Há suspeitas, informações, de que à época, a exemplo de outras

instituições, à época da visita das comissões há todo um trabalho voltado para

aprovação dos cursos nesse primeiro momento, mas que estas condições,

essas mudanças que ocorrem não se mantém durante o período seguinte?

Prof. Pérsio: A minha experiência mais específica é do curso de direito passei

por um processo de reconhecimento que foi o primeiro processo de

150

reconhecimento do curso já que ele havia sido autorizado em 1994. No final de

1998 nós passamos por esse processo num primeiro momento ainda sob a

direção da professora Djanira no início do ano de 1998 o curso recebeu uma

comissão do MEC que o avaliou de forma muito favorável até porque ele

avaliou a situação então existente antes dessa mudança completa do curso e

do currículo. No final de 1998 nós recebemos uma comissão da OAB dentro do

mesmo processo e essa comissão indicou a reprovação ou o não

reconhecimento do curso em razão de sérios problemas levantados que nós

tínhamos conhecimento mas em razão justamente das mudanças ocorridas de

forma abrupta então no curso de direito não houve nenhuma maquiagem, ou

nenhum aumento do nº professores efetivamente ou especificamente voltado

para essa avaliação tanto é que nós acabamos tendo alguma dificuldade

depois com um parecer desfavorável da OAB, entretanto, ao final o curso foi

reconhecido de acordo com o parecer emitido pelos representantes do MEC

que na verdade refletia uma outra situação não mais existente, entretanto como

coordenador de curso eu acompanhei de perto os processos de

reconhecimento dos outros cursos e sabia sim que laboratórios eram

comprados em cima da hora, que livros eram comprados em cima da hora que

havia uma pressão sobre os professores para responderem as questões das

comissões do MEC de forma a maquiar ou a criar uma situação que não existia

e muitas vezes após as visitas a situação voltava a que estava a anterior, no

curso de direito especificamente eu não tive essa experiência, mas certamente

isso aconteceu em outros cursos próximos, que maquiavam situações e

condições que não eram as efetivamente realizadas.

Entrevistador: Há exigência de se protocolar junto ao MEC um plano de

cargos e salários dos docentes. Isto é feito? O Sr. tem conhecimento desses

planos, dessas informações, se eram efetivamente cumpridos?

Prof. Pérsio: Não havia um plano de cargos e salários o que havia era o

disposto nas convenções ou na convenção vigente à época – CCT - em que

havia uma especificação disso da hora aula e dos aumentos em virtude da

titulação para efeito de avaliação era apresentado um plano de cargos e

151

salários fictício ou um projeto que nunca chegou a ser efetivamente aprovado e

muito menos implantado esse plano de cargos e salários era apresentado

porque era uma exigência mas não era realizado na prática a partir de um certo

momento nem aquilo que estava previsto nas CCTs continuou sendo realizado

ou seja, professores que passavam a se titular títulos de mestres ou aqueles

mestres que ganhavam título de doutor não tinham aumento no seu salário em

virtude disso fora se estivesse nas convenções ou acordado em algum outro

momento.

Entrevistador: Nesse plano de cargos fictício aventado havia a instituição de

um Conselho de Administração Superior que possuía diversas atribuições,

dentre elas parece que algumas atividades de eleição de coordenadores de

curso, atividades de uma gestão menos verticalizada. O Sr. possui alguma

informação a respeito desse órgão em particular?

Prof. Pérsio: Não me recordo especificamente da existência desse órgão,

nesse plano fictício, mas de qualquer maneira o fato é que isso nunca

aconteceu, lá os diretores de curso e pró-reitores e diretores substitutos e

mesmo o reitor, o reitor nós sempre nomeamos diretamente pela mantenedora

de uma forma mais direta e eu diria até que nesse ponto a administração

chegava a ser até um pouco informal ou familiar, pouco profissional no

tratamento dessas questões de preenchimento desses cargos não havia

nenhum tipo de participação da comunidade acadêmica na decisão dessas

escolhas.

Entrevistador: No período em que esteve à frente da coordenação, quanto ao

regime de trabalho dos docentes, o Sr. teve conhecimento de alguma

ingerência efetiva para tornar professores até então em tempo contínuo em

professores horistas?

Prof. Pérsio: Enquanto eu estava à frente da coordenação não, mas uma das

questões que nos levou a montar a associação foi à defesa dos interesses dos

professores frente a casos como esses que a partir daí começaram a se tornar

152

mais freqüentes eu tive notícias que principalmente após a minha saída da

Unit, houve esse tipo de situação em que os professores eram convidados para

não dizer obrigados a pedirem redução da sua carga horária sob a ameaça de

serem demitidos se não o fizessem, e o que parece que um ou dois colegas do

curso de direito tiveram essa ameaça cumprida se negaram a assinar essa

redução de carga horária e por isso foram demitidos no outro semestre.

Entrevistador: Para finalizar, considerando a experiência que o Sr. tem na

docência no Ensino Superior e nos cargos de administração, como avalia o

atual cenário que se delineia em razão da expansão do Ensino Superior

privado no país?

Prof. Pérsio: Eu vejo essa situação com uma perspectiva que tem dois viés,

dois pontos de vista que eu espero possam se coordenar, embora a princípio

eles sejam divergentes, pareçam trilhar caminhos opostos é fato que há uma

defasagem muito grande no nº de pessoas jovens de 24 anos matriculadas no

Ensino Superior então existe uma grande lacuna a ser preenchida é fato

também que o ensino federal especialmente o ensino púbico superior

especialmente o federal tem praticamente ficado estagnado nos últimos anos

parece que intenção ainda é pouco efetiva do governo atual de fazer com que

ele se torne uma realidade esse aumento mais claramente nos anos 90 houve

uma política de expansão do Ensino Superior pelo ensino privado até então

havia um prevalência do ensino público sobre o ensino privado e a partir de 90

especialmente no governo do FHC com o ministro Paulo Renato de Souza

houve um incentivo muito grande para o incremento do Ensino Superior privado

tanto que houve uma inversão completa nessa relação público-privado é uma

perspectiva ainda de crescimento entretanto me parece que nos próximos 5

anos no máximo vai haver uma tendência de queda que já começa a se

reverter por que? Porque se há esse investimento apenas no Ensino Superior

privado, o Ensino Superior privado ele necessita de alunos que paguem e o

público pagante está rareando quer dizer com isso que há uma imensa maioria

de pessoas fora do Ensino Superior e a princípio seria um público alvo, só que

grande parte dessas pessoas não têm condição de pagar uma faculdade

153

privada e nós temos visto nos últimos anos que, que talvez isso se reflita na

própria condição de trabalho dos professores é que para manter esse aluno na

instituição em média as cargas horárias dos cursos e até mesmo as

mensalidades elas têm diminuído ou subido menos e com isso há uma

precarização do trabalho do professor então me parece que se não houver uma

medida forte e eficaz do governo federal em investimento na escola pública o

ensino privado tende sim a ser hegemônico nesse processo mas eu diria que

tendo a qualidade não como primeiro ponto ou como princípio já quem em

razão da própria situação do mercado, de uma acomodação do mercado a

qualidade tende a ficar em segundo plano as tentativas do governo de

aumentar o ingresso no Ensino Superior via ensino privado inclusive com

PROUNI e outras medidas me parecem do ponto de vista político, do ponto de

vista estratégico algo errado porque em vez de investir na própria escola

pública acaba mais uma vez o governo ou o Estado se dobrando aos

interesses de mercado.

154

APÊNDICE 2: ENTREVISTA

Entrevistado: Prof. Bento Itamar Borges

Condição: Presidente da Seção Sindical dos Docentes da UFU

Entrevistador: Quais as principais manifestações do processo de precarização

que alcança o docente que atua no Ensino Superior?

Prof. Bento: Primeiro, há fenômenos mais diretamente visíveis, como a

contratação de professores substitutos, a complementação de renda com

pesquisas e cursos pagos. Segundo, há mudanças na natureza do trabalho

docente devido às novas tecnologias. Temos assumido mais tarefas, que antes

eram de técnicos e que hoje executamos por meio de computadores e

celulares. O trabalho também transformou-se com a implementação de pós-

graduação, com seus prazos apertados e seus calendários paralelos, imunes à

greves. Há também mudanças devido ao produtivismo e à disputa de

curriculum on line, ao ranking dos periódicos, em um ritmo de vida que tira de

cada docente o tempo de ler o trabalho do colega. Em terceiro lugar, há o plano

já em andamento de inserir alunos de pós na docência, de modo que diminuem

e se descaracterizam os postos de trabalho docente. Também perdemos

espaço para as máquinas, com o ensino à distancia. Por fim, menos visíveis,

na falta de estatísticas e devido a complexidade de outras variáveis

intervenientes, são o estresse da cidade grande, as doenças ocupacionais, a

invalidez e até o suicídio. E tudo acontece em um ambiente de crescente

desigualdade entre áreas do saber, pois nem todas as áreas conseguem

arrecadar verbas fora do sistema público de financiamento. E isso significa, até

para o cotidiano, diferenças elementares nas condições de trabalho: um prédio

155

novo tem banheiros limpos, limpeza terceirizada, equipamentos de última

geração, etc.

Entrevistador: Qual a análise que a ADUFU faz da precarização do trabalho

docente no Ensino Superior verificada nas últimas décadas?

Prof. Bento: A avaliação política é a única perspectiva capaz de dar conta dos

processos combinados de precarização e privatização do trabalho docente.

Como em outros setores, dos quais o Estado se afasta, é necessário descuidar

e rebaixar a qualidade para justificar a privatização. É o caso dos pedágios em

rodovias privatizadas ou “cedidas” a empresas, que passam a fazer o que

Estado devia fazer, sobre a base de investimento público. Além de ser um

processo planejado de transferência de responsabilidade para a iniciativa

privada, o descaso é geral, mas a retomada é seletiva; só as rodovias com

muito movimento interessam para a implantação de pedágio. E só os centros

tecnológicos e os cursos superiores que dão maior retorno ao capital são

beneficiados com “parcerias”. Por trás dessa estratégia, está um grande

movimento dos investidores para reduzir e, eventualmente, anular a presença

do Estado nos negócios, com redução dos direitos trabalhistas e a

desregulamentação das relações entre o público e privado, ou seja, um quadro

que tem sido caracterizado, com intenções críticas, como “neoliberalismo”. O

termo não agrada a muitos docentes, que o consideram um chavão esvaziado

de poder explicativo; na verdade, esse abandono do velho jargão combativo é

já um aspecto da crise que o sindicalismo vive, em momento de despolitização

e de ataque planejado ao mundo do trabalho, inclusive à luta sindical. As

dificuldades dos sindicatos em geral e do nosso em particular são também

aspectos do processo de precarização, que reverberam nos planos dos jovens,

que retardam seu ingresso na categoria de trabalhadores. E quando o fazem,

têm a mentalidade despolitizada pelo individualismo e pelo empreendedorismo,

ou seja, querem distância do espaço de solidariedade e de luta, que é o

verdadeiro sindicato. Ao mesmo tempo, o sindicato acredita na luta contra

esses processos de precarização e de privatização e de fato investe em

156

grandes frentes, como a construção de um Padrão Unitário de Qualidade do

Ensino Superior, que inclua as instituições particulares. Todavia, isso só faz

sentido dentro de um projeto de reestatização das particulares, ou seja, que

recupere o lugar e o status do público como dever do Estado.

Entrevistador: É possível identificar características específicas desse

processo de precarização na região do triângulo mineiro e, caso seja, quais as

possíveis razões desta condição?

Prof. Bento: Há decerto uma diferença mais de mentalidade na região, com

impacto nos processos referidos, dada a origem da UFU – seu processo de

federalização – e o espírito ufanista da cidade de Uberlândia. Isso significa que,

para muitos, a criação da Universidade Federal foi uma benesse de alguns

políticos locais, diante do que qualquer reivindicação, como a da construção do

RU, parecia um luxo. Ou seja, esse orgulho de termos conseguido a escola

“grátis” compensava o que, erradamente era avaliado como necessidades

pessoais. Com o tempo e com a luta dos alunos por acesso e permanência,

essa mentalidade vai mudando. Por outro lado, a criação recente de inúmeras

faculdades particulares parece a muitos mais um sintoma da riqueza e da

alardeada pujança da região do agrobusiness. E sabe-se que a cidade quase

sempre foi administrada por forças conservadoras e tem uma população

arredia a movimentos de esquerda. Por fim, para fazer justiça, é necessário

lembrarmos de uma característica da região, que nos conduz a uma situação

contraditória, que o movimento social e docente deveria reverter para sua luta

em defesa da escola pública; é que em Uberlândia, sobretudo na década de

80, as escolas públicas é que detinham a qualidade, o compromisso social e os

bons índices de aprovação nos vestibulares. Essa deve ser uma referência

para a luta que continuamos a travar contra os interesses privados.

157

APÊNDICE 3: ENTREVISTA

Entrevistado: Prof. Bernhard Pereira Bernardino.

Condição: Delegado Sindical do SINPRO/MG.

Entrevistador: Qual a avaliação do Sr. das condições de trabalho do docente

que atua no Unitri?

Prof. Bernard : Pergunte-se aos professores de Ensino Superior do Unitri se

estão satisfeitos com seus empregos, suas carreiras e seus rendimentos.

Pergunte-se o que os mesmos podem ou devem fazer para melhorar, avançar,

e ter seu trabalho reconhecido, seja em termos salariais ou hierárquicos.

Pergunte-se sobre as avaliações a que se têm submetido e dos efeitos dessas

no seu dia a dia. Pergunte-se... Política salarial, avaliações, promoções,

penalidades ou incentivos são palavras estranhas e não familiares para a

maioria dos professores. No Unitri, onde tais mecanismos seriam de se supor

mais ativos, pouco há para relatar. Que é preciso mudar, poucos discordam,

mas... por onde e pelo que começar? Quais os interesses que mantêm o atual

estado de coisas? A quem ajuda tal inanição? Quem ganha e quem perde com

isso tudo? O plano de carreira docente prevê uma evolução que vai desde o

professor auxiliar até o titular, passando pelos cargos de assistente e adjunto.

Os professores não têm tempo, incentivo ou mesmo necessidade de melhorar

profissionalmente. A menos de uma minoria dos professores, que

individualmente buscam através de contatos com o mundo externo melhorias

de sua capacitação profissional, a maioria restante não vê necessidade alguma

de manter-se atualizada por não ver reconhecida sua titulação. A síndrome das

quarenta horas e da dedicação exclusiva tornou-se carro-chefe na avaliação

158

acadêmica. Professor bom é professor integral. O critério é inflexível, fazendo

com que a Unitri fique privada de professores que em muito poderiam

contribuir, mas que não gostariam de ter um envolvimento em tempo integral

com o ensino. As razões desta desconfiança em relação aos professores

horistas, tempo parcial, vêm da própria incapacidade da instituição de gerenciar

seus recursos: quando foi permitida a contratação de professores pelos

coordenadores de cursos, o que se viu foi um grande festival de empreguismo

e aproveitamento de colegas, parentes e amigos, novamente sem

compromisso com a qualidade acadêmica. Também devem ser analisados os

efeitos da dedicação exclusiva. Há critérios e critérios na sua interpretação e o

objetivo original, que era o de manter o professor 40 horas por semana na

instituição, e apenas nela, na maior parte dos casos ficou descaracterizado. O

que se espera que um professor universitário, no Unitri, que produza? Bons

alunos, alunos bons, profissionais competentes, professores, futuros

mestrandos e doutorandos, agentes de mudança para nosso país,

empresários, empreendedores? É preciso definir alguns desses produtos para

podermos avaliar a eficácia do trabalho sendo feito. Avaliação docente é um

tabu para ser quebrado. O que é importante? Professores devem ser

avaliados? Como comparar diferentes áreas de ensino, diferentes cursos?

Diferentes disciplinas? Como medir o valor de um docente? Como avaliar

cursos, alunos, ensino? A organização sindical por local de trabalho no Unitri,

resume-se à presença de um Os professores têm um bom nível de informação

sobre suas atividades e os processos eleitorais para a escolha de seus

representantes. Entretanto, a Unitri não permite o acesso dos dirigentes

sindicais no local de trabalho, bem como não permite divulgar informações do

sindicato referente aos interesses dos professores. Os dirigentes sindicais não

possuem livre acesso ao local de trabalho para o exercício de suas atividades.

Esse acesso só existe no caso de dirigente sindical (delegado sindical) que

trabalha na própria empresa, mas com restrições. A liberdade de difusão e

comunicação também é restringida pela impossibilidade do acesso dos

dirigentes sindicais aos locais de trabalho. Para fazer chegar aos trabalhadores

o seu material informativo, os sindicatos só dispõem de autorização da

empresa para deixá-Ios à disposição na pasta dos professores. Nunca

159

ocorreram reuniões no interior da empresa. Uma assembléia foi realizada com

a presença de 7 (sete) professores na sala 218 B para a discussão do Acordo

Coletivo de Trabalho no ano de 2005. A Unitri utiliza de meios de repressão

aos professores que participam das reuniões. Além disso, alguns correram o

risco de demissão por ter participado da assembléia no ano de 2005.

160

ANEXO 1: EXCERTOS DA SENTENÇA JUDICIAL

Folhas 986

[...] fato incontroverso que no ano de 2005 a requerida efetuou

pagamento das férias + 1/3 em desacordo com a disposição legal que

determina sejam tais verbas quitadas no máximo 48 horas antes do início da

fruição. Em diversos processos que tramitam pelas Varas do Trabalho desta

cidade contra a requerida tem sido corrente a denúncia do pagamento das

férias + 1/3 com atraso.

Folhas 988

[...] a requerida efetue o pagamento da remuneração e/ou do

abono de férias, mediante recibo, até 2 (dois) dias antes do início do respectivo

período de gozo, nos termos do art. 145 da CLT, sob pena de multa de

R$1.000,00 (um mil reais) por trabalhador que gozar as férias sem o respectivo

pagamento, a cada constatação, reversível ao FAT e corrigida a partir do

ajuizamento desta ação pelos mesmos índices aplicáveis à Justiça do

Trabalho.

Folhas 988

[...] o ‘ponto’ não traduz em vários casos a jornada efetivamente

praticada pelos empregados. A referida constatação se deu através de

averiguação 'in loco' junto ao relógio de ponto dos professores da instituição.

Na oportunidade foi verificado o horário da marcação de cada empregado,

sendo tal amostragem mais tarde confrontada com os relatórios 'folhas de

pontos’ disponibilizados pelo empregador [...] através da comparação foi

constatado a diferença de horários que somente se explica pela manipulação

dos mesmos antes da produção dos relatórios de ponto. O auditor em questão

161

foi ouvido pelo juízo (fls. 972/3), detalhou o procedimento por ele adotado na

fiscalização [...].

Folhas 990

[...] à requerida que consigne em registro mecânico, manual ou

eletrônico,os horários de entrada, saída e os períodos efetivamente praticados

pelos seus pelos seus empregados, nos termos do art. 74, parág. 2º da CLT,

sob pena de multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) por trabalhador prejudicado, a

cada constatação, reversível ao FAT e corrigida a partir do ajuizamento desta

ação pelos mesmos índices aplicáveis à Justiça do Trabalho.

Folhas 991/2

[...] indícios suficientes apontando no sentido de que a requerida,

de alguma forma, exigiu de seus professores a "solicitação" de redução de

carga horária. Vale atentar que houve dispensa de número significativo de

professores (68) e que o representante legal da requerida afirmou que a

‘Universidade fez uma reunião com os coordenadores dos cursos, que

repassaram a necessidade de redução para os professores’. Imagine-se como

foi feito o repasse ou como os professores entenderam a ‘necessidade’ da

empresa’. A fragilidade dos argumentos empresariais não vinga diante da

prova acima analisada. Nos autos há elementos suficientes a amparar a tese

de que houve exigência indevida pela requerida. Diante disse, acolho

parcialmente o pedido feito na vestibular e determino à requerida que se

abstenha de solicitar ou sugerir, diretamente ou por meio de terceiros, que seus

empregados peçam redução de carga horária, sob pena de multa de

R$10.000,00 (dez mil reais) por ato que caracterizar descumprimento desta

cláusula, a cada empregado, reversível ao FAT e corrigida a partir do

ajuizamento desta ação pelos mesmos índices aplicáveis à Justiça do

Trabalho.