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ESTADO, REFORMAS E DESENVOLVIMENTO O Estado como problema e solução * Peter Evans Professor do Departamento de Sociologia da Universidade da Califórnia, Berkeley A teoria do desenvolvimento no pós-guerra iniciou nos anos 50 e 60 com a premissa de que os aparelhos de Estado podiam ser usados para promover a mudança estrutural 1 . 0 principal encargo do Estado era acelerar a industrialização, mas também se esperava que desempenhasse um papel na modernização da agricultura e no fornecimento da infra- estrutura necessária à urbanização. A experiência das décadas subseqüentes aviltou a imagem do Estado enquanto principal agente transformador, produzindo em seu lugar uma imagem de espelho do Estado como o obstáculo primeiro do desenvolvimento. Na África até observadores complacentes não conseguiam ignorar a paródia cruel das esperanças pós- coloniais implantadas no continente pela maioria dos Estados 2 . Aparelhos de Estado inchados também se convertiam em objetos de estudo evidentes para latino-americanos que tentavam compreender as raízes da estagnação eivada de crises com que se defrontavam 3 . A nova imagem do Estado enquanto problema surgiu em parte devido ao seu fracasso em realizar as tarefas estabelecidas pela agenda anterior, mas não apenas por este motivo. Pelo menos em alguns casos, o Estado havia, de fato, promovido substantiva mudança estrutural, abrindo caminho rumo a um maior apoio à produção industrial local. Também se alterara a definição corrente de mudança estrutural. O decréscimo no

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ESTADO, REFORMAS E DESENVOLVIMENTOO Estado como problema e soluo*Peter EvansProfessor do Departamento de Sociologia da Universidade da Califrnia, BerkeleyA teoria do desenvolvimento no ps-guerra iniciou nos anos 50 e 60 com a premissa de que os aparelhos de Estado podiam ser usados para promover a mudana estrutural1. 0 principal encargo do Estado era acelerar a industrializao, mas tambm se esperava que desempenhasse um papel na modernizao da agricultura e no fornecimento da infra-estrutura necessria urbanizao. A experincia das dcadas subseqentes aviltou a imagem do Estado enquanto principal agente transformador, produzindo em seu lugar uma imagem de espelho do Estado como o obstculo primeiro do desenvolvimento. Na frica at observadores complacentes no conseguiam ignorar a pardia cruel das esperanas ps-coloniais implantadas no continente pela maioria dos Estados2. Aparelhos de Estado inchados tambm se convertiam em objetos de estudo evidentes para latino-americanos que tentavam compreender as razes da estagnao eivada de crises com que se defrontavam3.A nova imagem do Estado enquanto problema surgiu em parte devido ao seu fracasso em realizar as tarefas estabelecidas pela agenda anterior, mas no apenas por este motivo. Pelo menos em alguns casos, o Estado havia, de fato, promovido substantiva mudana estrutural, abrindo caminho rumo a um maior apoio produo industrial local. Tambm se alterara a definio corrente de mudana estrutural. O decrscimo no crescimento do comrcio mundial nos anos 70, associado impressionante elevao das taxas de juros reais de fins desse perodo e o enxugamento dos emprstimos comerciais do incio dos anos oitenta, obrigou os pases em desenvolvimento a se concentrarem de novo nos ajustes s restries impostas pela conjuntura internacional; da a mudana estrutural passar a ser definida basicamente em termos de "ajuste estrutural".Alteraes reais na agenda do desenvolvimento e avaliaes negativas de antigos desempenhos interagiram com mudanas no clima ideolgico e intelectual para trazer ao centro do debate sobre o desenvolvimento a questo de saber se o Estado deveria mesmo tentar ser um agente econmico ativo. Teorias minimalistas do Estado que enfaticamente limitavam o mbito da ao efetiva deste ao estabelecimento e manuteno de relaes de propriedade privada voltavam a entrar em voga, defendidas por um notvel aparelho analtico "neo-utilitarista". Alm do mais, as teorias neo-utilitaristas do Estado eram bem adequadas ao receiturio econmico ortodoxo para o tratamento de problemas de ajuste estrutural. Em meados dos anos oitenta a combinao era quase irresistvel.Como a maioria das correntes polticas e modas intelectuais, o surto de ortodoxia neo-utilitarista era auto-limitante4. Problemas com a implementao de programas de ajuste estrutural e novas dvidas acerca de se o ajuste estrutural era suficiente em si mesmo para assegurar o crescimento futuro levou novamente a se repensar o papel do Estado. Ao fim dos anos oitenta, comeava a se cristalizar uma "terceira onda" de reflexo sobre o papel do Estado.Para comear, analistas como Kahler ressaltavam que as recomendaes da poltica ortodoxa, apesar de seu desprezo pela sabedoria dos polticos, continham a expectativa paradoxal de que o Estado (a raiz do problema) de algum modo seria capaz de se tornar o agente que iniciaria e implementaria programas de ajuste (de se tornar a soluo). No se trata apenas de que essa expectativa fosse empiricamente irrealista.Na medida em que a liberalizao, privatizao e outras polticas associadas ao ajuste estrutural tinham sido de fato empreendidas, os administradores do Estado haviam desempenhado um papel de vanguarda ao inici-las. Contudo, isso no era consistente com o comportamento "orientado para a renda" previsto pela teoria neo-utilitarista do Estado.Goste-se ou no, o Estado permanece central ao processo de mudana estrutural, mesmo quando a mudana definida como ajuste estrutural. O reconhecimento da centralidade do Estado inevitavelmente remete de novo a questes sobre a capacidade de ao do Estado. No se trata apenas de uma questo de ser capaz de identificar polticas corretas. A aplicao consistente de quaisquer polticas, quer visem "corrigir preos" ou implantar indstria local, exige a institucionalizao permanente de um conjunto complexo de mecanismos polticos e, como salientou vigorosamente Samuel Huntington h uma gerao, tal institucionalizao no pode de forma alguma ser tida como certa. Ao final dos anos oitenta, at antigos expoentes da ortodoxia, como o Banco Mundial, esto agora dispostos a considerar a possibilidade de que os problemas de seus clientes possam surgir no apenas de ms polticas, mas de deficincias institucionais corrigveis apenas no longo prazo5. A resposta no est no desmantelamento do Estado, mas sim na sua reconstruo.O reconhecimento da importncia da capacidade de ao do Estado no apenas no sentido da percia e perspiccia dos tecnocratas no interior do aparelho de Estado, mas tambm no sentido de uma estrutura institucional que seja durvel e efetiva caracterstica da "terceira onda" de pensamento sobre o Estado e o desenvolvimento. As expectativas otimistas irrealistas relativas ao Estado enquanto instrumento de desenvolvimento, que caracterizaram a "primeira onda", foram exorcizadas, mas tambm o foram as vises utpicas de que o papel do Estado podia se limitar ao policiamento para impedir violaes de direitos de propriedade. Entre os que trabalham com problemas de ajuste, Callaghy6 um bom exemplo dessa terceira onda. Sua anlise do processo de ajuste admite que a capacidade de lidar com problemas especficos como a estabilizao e o ajuste est enraizada nas caractersticas gerais difusas do aparelho de Estado e sua relao com estruturas sociais circundantes e que estas, por sua vez, so conseqncias de processos de mudana estrutural de longo prazo.A anlise apresentada a seguir uma tentativa de contribuir para a terceira onda. Sua base emprica no a anlise da relao entre a capacidade de ao do Estado e a implementao bem-sucedida de programas de ajuste estrutural. Em vez disso, ela reexamina o papel do Estado na agenda desenvolvimentista anterior a transformao industrial e tenta fornecer um retrato analtico das caractersticas institucionais que distinguem os Estados de maior e menor xito nessa tarefa.A estratgia de dar um passo atrs e examinar padres anteriores de transformao industrial no deve ser tomada como uma afirmao de que a criao de instituies estatais eficazes invariante ao longo das agendas econmicas. Algumas das caractersticas institucionais que facilitaram o crescimento da indstria local podem at ser disfuncionais adoo de uma agenda de estabilizao e ajuste. Contudo, existe uma aparente correlao entre desempenho do Estado em torno de uma agenda de transformao industrial e desempenho em torno de uma agenda de ajuste. Estados africanos que fracassaram em implantar indstrias locais tambm fracassaram em garantir o crescimento por meio de programas de ajuste estrutural. Os casos do Leste asitico que foram mais bem-sucedidos na implementao de programas de transformao industrial tambm foram os mais bem-sucedidos no tratamento de questes de ajuste. Os Estados latino-americanos se situam em algum ponto intermedirio no desempenho com relao a ambas as agendas. Constatar essa correlao genrica est longe de ser uma demonstrao de que existem importantes aspectos institucionais que facilitam ambos os conjuntos de incumbncias. Mas sugere que uma compreenso da transformao industrial pode no ser irrelevante elaborao final de uma anlise do papel do Estado no ajuste bem-sucedido.A correlao genrica entre desempenhos do Estado em relao a diferentes incumbncias sugere tambm o questionamento de conceituaes neo-utilitaristas que concebem as exigncias institucionais de implementao de medidas econmicas ortodoxas como antitticas quelas exigidas para fomentar a industrializao local. Caso sejam necessrios melhores fundamentos tericos, pode fazer sentido revisar as perspectivas institucionalistas clssicas de Weber, Gerschen-kron, Hirschman e outros, em lugar de se confiar apenas no "novo institucionalismo".Tanto a reformulao conceituai como a anlise histrica comparativa sero aqui empreendidas. Em primeiro lugar, examino algumas das inconsistncias da viso neo-utilitarista do Estado. Em seguida, examino alguns dosinsightsda literatura clssica institucionalista comparativa em busca de indcios que possam ajudar a elaborar uma anlise acerca de estruturas de Estado eficazes. A maior parte do ensaio consiste numa anlise indutiva comparativa de Estados com maior ou menor xito. O foco dessa anlise comparativa no se encontra na estabilizao e ajuste dos anos oitenta, e sim nas campanhas de fomento transformao industrial no curso do perodo ps-Segunda Guerra Mundial. Diversos casos so examinados. O Zaire sob o governo de Mobutu tomado como exemplo de um "Estado predatrio" quase puro. Trs casos do Leste asitico Japo, Taiwan e Coria so utilizados para investigar as caractersticas do "Estado desenvolvimentista". Em seguida, esses casos so comparados com dois Estados que alcanaram considervel xito em alguns setores e durante certos perodos de tempo mas que fracassaram em ser consistentemente desenvolvimentistas Brasil e ndia. Por fim, tentarei tirar algumas lies analticas dessa anlise comparativa e especular sobre sua importncia em relao a problemas de estabilizao e ajuste.PERSPECTIVAS SOBRE O ESTADOA antipatia em face do Estado enquanto instituio tem muitas razes, como bem nota qualquer um que j tenha esperado numa fila interminvel em uma agncia de servios ou que tenha se defrontado com um funcionrio pblico intransigente. O ataque da "segunda onda" ao Estado obteve sustentao a partir de tais antipatias, bem como da evidncia bvia de mal desempenho. A evoluo das perspectivas tericas sobre o Estado tambm desempenhou um papel importante na gerao da "segunda onda".Mesmo as teorias de desenvolvimento que privilegiam o mercado enquanto instituio sempre reconheceram que "a existncia do Estado essencial ao crescimento econmico"7, mas o Estado essencial era um Estado mnimo, "que se limitava em grande parte, se no inteiramente, proteo dos direitos individuais, pessoas e propriedades, e execuo de contratos privados voluntariamente negociados"8. Em sua forma neo-clssica minimalista, o Estado era encarado como uma "caixa preta" exgena cujas funes internas no constituam assunto adequado ou digno de anlise econmica. Os economistas polticos neo-utilitaristas, contudo, convenceram-se de que as conseqncias econmicas negativas da ao do Estado eram importantes demais para que se deixasse a caixa preta fechada. Para desemaranhar suas operaes, aplicavam os "instrumentos-padro da otimizao individual" anlise do prprio Estado9.A relao de troca entre ocupantes de cargos e apoiadores a essncia da ao do Estado. Os primeiros necessitam de apoiadores polticos para sobreviver e os ltimos, por sua vez, devem receber incentivos suficientes para evitar que o apoio que tm se desvie para outros. Os ocupantes de cargos podem distribuir recursos diretamente aos apoiadores, ora mediante subsdios, emprstimos, empregos, contratos ou o fornecimento de servios, ora usando sua autoridade regulamentadora para criar rendas para grupos privilegiados pela restrio da capacidade de atuao das foras de mercado. O controle sobre o cmbio, as restries entrada no mercado pelo credenciamento de produtores e por meio de tarifas, ou restries quantitativas sobre importaes so formas de gerar rendas. Os ocupantes de cargos podem tambm cobrar uma parcela da renda para si prprios. De fato, existe a hiptese de que a "competio pelo ingresso no servio governamental , em parte, uma competio por rendas"10. Na economia como um todo, altos retornos originados de atividades "lucrativas diretamente improdutivas" desestimulam o investimento em atividades produtivas. Declinam a eficincia e o dinamismo econmicos.A fim de fugir aos efeitos nocivos da ao do Estado, a esfera deste deveria ser reduzida a um mnimo, e o controle burocrtico, sempre que possvel, substitudo por mecanismos de mercado. O mbito das funes de Estado consideradas conversveis ao mercado varivel, mas alguns autores especulam mesmo sobre a possibilidade de utilizar "prmios" e outros incentivos para induzir"privatista?e outros cidados privados a financiarem pelo menos parte da defesa nacional11.Seria tolice negar que a concepo neo-utilitarista capta um aspecto significativo do funcionamento da maioria dos Estados e talvez o aspecto dominante do funcionamento de alguns deles. A "orientao para a renda", conceituada em termos mais primrios como "corrupo", tem sido sempre uma faceta bem conhecida da operao dos Estados do Terceiro Mundo. Alguns aparelhos de Estado consomem o excedente que extraem, incentivam atores privados a se mudarem de atividades produtivas para a improdutiva "orientao para a renda" e fracassam em fornecer bens coletivos. No possuem mais nenhum respeito por suas sociedades do que um predador por sua presa e so legitimamente chamados "predatrios"12.Devido sua reintroduo na poltica, a concepo neo-utilitarista deveria mesmo ser considerada um aperfeioamento da concepo neo-clssica tradicional do Estado como rbitro neutro. De fato, a suposio de que as polticas de Estado "refletem capital investido na sociedade"13recupera parcialmente alguns dos discernimentos originais de Marx dos vieses que caracterizam a poltica de Estado. Enquanto explicao de um padro do comportamento do ocupante de cargos, que pode ou no ser dominante em um determinado aparelho de Estado, o pensamento neo-utilitarista uma contribuio valiosa. Enquanto teoria monocausal superior aplicvel genericamente aos Estadoso que a concepo neo-utilitarista tende a se tornar nas mos de seus adeptos mais dedicados , o modelo neo-utilitarista problemtico.Em primeiro lugar, se os funcionrios pblicos esto basicamente interessados em rendas individuais, difcil explicar por que no so todosfree-lancers. A lgica neo-utilitarista oferece pouco esclarecimento sobre o que leva os ocupantes de cargos individuais a trabalharem juntos enquanto coletividade. Se postulamos que de algum modo o Estado resolve seu prprio problema de ao coletiva, no existe motivo algum na lgica dos argumentos neo-utilitaristas para aqueles que dispem de um monoplio de violncia se contentarem em ser guardas-noturnos e todos os motivos para que tentem expandir nichos de rendas. Em suma, a adeso estrita e uma lgica neo-utilitarista torna difcil explicar a existncia do Estado e torna o Estado guarda-noturno quase uma impossibilidade terica14.Ao mesmo tempo, a premissa neo-utilitarista de que as relaes de troca so "naturais", ou seja, epistemologicamente anteriores a outros tipos de relaes sociais, no se apia em evidncia emprica. Estudos minuciosos sobre processos reais de troca (quando comparados a resumos analticos de suas conseqncias) descobrem que os mercados apenas funcionam bem quando apoiados por outros tipos de redes sociais15. No basta uma rede "eficiente" de relaes de propriedade. A operao fluente da troca exige o clima denso e profundamente desenvolvido de confiana e entendimentos culturalmente partilhados, sintetizados por Durkheim na expresso enganosamente simples "elementos no-contratuais do contrato".Mal ou bem, os mercados esto sempre inextricavelmente inseridos em uma matriz que abrange ao mesmo tempo entendimentos culturais e sistemas sociais compostos de laos individuais polivalentes. Em certos casos o apoio s relaes de troca pode ser gerado por interao informal. Em outros, organizaes formais hierrquicas podem "internalizar" relaes de troca16. Se os mercados devem estar envolvidos por outros tipos de estruturas sociais a fim de funcionar, ento as tentativas neo-utilitaristas de "liberar" o mercado do Estado podem terminar por destruir os apoios institucionais que possibilitem a troca. claro que esta a posio da tradio clssica dos estudos institucionalistas comparativos que enfatizavam a complementariedade essencial entre estruturas de Estado e troca de mercado, particularmente na promoo da transformao industrial.Essa tradio sempre foi crtica da afirmao de que a troca uma atividade natural que exige apenas os mais reduzidos apoios institucionais. H quarenta anos Polanyi afirmava: "O caminho rumo ao livre mercado estava aberto e se mantinha aberto por um aumento enorme no intervencionismo contnuo, organizado e controlado centralmente"17. Desde o princpio, segundo Polanyi, vida do mercado foi entretecida no apenas com outros tipos de laos sociais, mas com as formas e polticas do Estado.Considerando as sociedades com mercados consolidados, Weber avanou nessa linha de raciocnio ao afirmar que a operao da empresa capitalista de grande escala dependia da disponibilidade do tipo de ordem que apenas o moderno Estado burocrtico poderia oferecer. Como afirmou ele, "O capitalismo e a burocracia se encontraram e se unem intimamente"18. claro que a premissa weberiana da relao ntima baseava-se em uma concepo do aparelho burocrtico do Estado que era a imagem especular da concepo neo-utilitarista. Os burocratas de Weber estavam envolvidos apenas na execuo de suas atribuies e na contribuio ao cumprimento das metas do aparelho como um todo. O uso das prerrogativas oficiais para a maximizao de interesses privados era, para Weber, uma caracterstica de formas pr-burocrticas anteriores.Para Weber, o Estado era til queles que operavam no mercado exatamente porque as aes de seus encarregados obedeciam a uma lgica completamente diferente da lgica da troca utilitarista. A capacidade do Estado de apoiar os mercados e a acumulao capitalista dependia de a burocracia ser uma entidade corporativamente coerente, na qual os indivduos encaram a implementao de metas corporativas como o melhor meio de maximizar seu prprio interesse individual. A coerncia corporativa exige que em alguma medida os encarregados individuais sejam isolados das demandas da sociedade circundante. O isolamento por sua vez ampliado atravs da atribuio de umstatusdistintivo e recompensador aos burocratas. A concentrao de competncia tcnica na burocracia pelo recrutamento meritocrtico e pela oferta de oportunidades de longo prazo de recompensa para carreiras tambm era fundamental eficcia da burocracia. Em suma, Weber concebia a construo de uma estrutura slida e competente como um pr-requisito necessrio ao funcionamento do mercado.Observadores posteriores ampliaram a concepo weberiana do papel do Estado. A capacidade de implementar normas de modo previsvel, embora seja necessrio, no suficiente. O trabalho de Gerschenkron sobre os pases de desenvolvimento tardio complementa Weber ao se concentrar sobre as contribuies especficas do aparelho de Estado na superao de problemas criados por uma disjuno entre a escala de atividade econmica necessria ao desenvolvimento e o alcance efetivo dos sistemas sociais existentes.19Pases de industrializao tardia, que se depararam com tecnologias de produo exigindo mais capital do que os mercados privados eram capazes de acumular, foram obrigados a se valer do poder do Estado para mobilizar os recursos necessrios. Em vez de simplesmente propiciar um ambiente adequado, como ocorria no modelo de Weber, o Estado agora organizava ativamente um aspecto crucial do mercado. O argumento de Gerschenkron levanta tambm uma nova questo o problema de assumir riscos. O xis da questo enfrentada por pases de industrializao tardia que no existem instituies que permitam a distribuio de riscos grandes por uma ampla rede de acionistas, e os capitalistas individuais no so capazes nem se interessam em assumi-los. Em tais circunstncias, o Estado precisa funcionar como um empresrio substituto.Hirschman assume com preciso muito maior essa nfase na capacidade empresarial como o ingrediente que falta ao desenvolvimento. Baseando-se em suas observaes sobre os "ltimos dos ltimos" pases de desenvolvimento tardio do Terceiro Mundo no sculo vinte, Hirschman afirma que o "capital", no sentido de um excedente potencialmente passvel de investimento, no o principal ingrediente que est faltando aos pases em desenvolvimento. O que est faltando iniciativa empresarial no sentido da disposio de arriscar os excedentes disponveis no investimento em atividades produtivas ou, nas suas prprias palavras, "a percepo das oportunidades de investimento e sua transformao em investimentos reais". Se, como afirma Hirschman, induzir a decises de maximizao for a chave, ento o papel do Estado envolve um grau elevado de "responsividade" ao capital privado. O Estado deve propiciar incentivos desequilibradores para induzir os capitalistas privados a investir e ao mesmo tempo estar pronto a aliviar gargalos que estejam criando desincentivos ao investimento.Os Estados que conseguem empreender as tarefas que Gerschenkron e Hirschman delineiam, bem como aquelas estabelecidas por Weber, so legitimamente chamados "desenvolvimentistas"20. Extraem excedente mas tambm fornecem bens coletivos. Fomentam perspectivas empresariais de longo prazo entre elites privadas mediante o aumento de incentivos ao engajamento em investimentos transformadores e a reduo dos riscos envolvidos em tais investimentos. Podem no estar imunes "orientao para a renda" ou utilizao de parte do excedente social para os fins dos ocupantes de cargos e seus amigos, e no para os da cidadania como um todo. No entanto, no fim das contas, as conseqncias de suas aes antes promovem que impedem o ajuste econmico e a transformao estrutural.Em geral se reconhece a existncia de "Estados desenvolvimentistas". De fato, alguns argumentariam que eles foram o ingrediente essencial ao desenvolvimento "tardio" ou "tardio mais tardio". White e Wade afirmam, por exemplo, que "o fenmeno do desenvolvimento tardio bem-sucedido... deveria ser compreendido... como um processo no qual os Estados desempenharam um papel estratgico no controle das foras de mercado internas e internacionais e na sua utilizao em favor de um interesse econmico nacional"21. Identificar as caractersticas estruturais que permitem a esses Estados serem desenvolvimentistas , no entanto, uma tarefa mais controvertida.Na concepo gerschenkroniana/hirschmaniana, o relacionamento entre "capacidade" e "insulamento" (ou "autonomia") do Estado mais ambguo do que numa perspectiva estritamente weberiana ou, a esse respeito, numa perspectiva neo-marxista22. Para que o Estado insulado seja eficaz, a natureza de um projeto de acumulao e os meios para implement-lo devem ser imediatamente visveis. Num cenrio gerschenkroniano ou hirshmaniano de transformao, o molde de um projeto de acumulao deve ser descoberto, quase inventado, e sua implementao exige estreitos vnculos com o capital privado. Uma burocracia de estilo prussiano poderia ser mesmo eficaz na preveno da fora e da fraude, mas o tipo de empreendimento substituto a que Gerschenkron se refere, ou o tipo de esperteza sutil da iniciativa privada enfatizada por Hirshman, exigiriam mais do que um aparelho administrativo insulado corporativamente coerente. Exige inteligncia acurada, inventividade, reparties geis e respostas elaboradas a uma realidade econmica mutvel. Tais argumentos exigem um Estado que muito mais "inserido" na sociedade que insulado23.Quaisquer que sejam as caractersticas estruturais subjacentes capacidade do Estado, os argumentos em favor do papel central do Estado aplicam-se com mais vigor a situaes nas quais a transformao estrutural est na ordem do dia. A industrializao, que o foco dos estudos de caso apresentados a seguir, o exemplo clssico desse tipo de transformao, mas o ajuste estrutural exige tambm mais do que uma mudana gradual. tambm quando a transformao est na agenda que mais nitidamente se revela o contraste entre o Estado predatrio e o desenvolvimentista. Como destaca Callaghy, a existncia potencial de um papel positivo do Estado no cria qualquer necessidade lgica de realizao desse potencial. Sociedades e economias que "necessitam" de Estados desenvolvimentistas no os obtm necessariamente, como amplamente o demonstra o caso do Zaire.ZAIRE: UM CASO EXEMPLAR DE PREDAODesde que Joseph Mobutu Sese Seko assumiu o governo do Zaire em 1965, ele e seu crculo ntimo no interior do aparelho de Estado zairiano tm extrado enormes fortunas pessoais das receitas geradas pela exportao da impressionante riqueza mineral do pas. Durante estes vinte anos, o PNB per capita do Zaire declinou a uma taxa anual de 2,1 % ao ano, levando o pas pouco a pouco para o ltimo lugar na hierarquia mundial das naes e deixando a populao do pas numa misria igual ou pior do que a sofrida durante o regime colonial belga.24O Zaire , em suma, um exemplo de manual de um "Estado predatrio" no qual a preocupao da classe poltica com a busca de renda converteu a sociedade em sua presa.Na linha de Weber, Callaghy enfatiza as qualidades patrimoniais do Estado zairiano, a mistura de tradicionalismo e arbitrariedade que Weber afirmava retardar o desenvolvimento capitalista25. Fiel ao modelo patrimonialista, o controle do aparelho de Estado cabe por direito a um pequeno grupo de indivduos vinculados em termos pessoais. No pinculo do poder est a "panelinha presidencial", que consiste de "cinqenta e tantos parentes da maior confiana do presidente, ocupando as mais importantes e lucrativas posies, tais como as chefias do Conselho Judicirio, polcia secreta, Ministrio do Interior, gabinete do Presidente e assim por diante"26. Seguindo-se a estas h a "Irmandade Presidencial" que no consiste de parentes, mas cujos cargos tambm dependem de seus laos pessoais com o Presidente e sua panelinha e de seus laos mtuos.Um dos aspectos mais chocantes e irnicos do Estado zairiano a extenso em que as relaes de mercado dominam o comportamento administrativo, novamente quase uma caricatura da imagem neo-utilitarista do provvel funcionamento de aparelhos de Estado criadores de renda. Um arcebispo zairiano descreveu isso da seguinte forma:"Por que em nossos tribunais as pessoas apenas obtm seus direitos mediante generoso pagamento ao juiz? Por que os prisioneiros vivem esquecidos nas prises? No dispem de ningum que possa pagar o juiz que est de posse de seus dossis. Por que em nossas reparties administrativas, como os servios pblicos, pede-se s pessoas para que voltem dia aps dia para receber o que lhes devido? Se no pagarem ao funcionrio, no sero atendidas".27O prprio presidente Mobutu caracterizou o sistema quase da mesma forma dizendo:"Tudo para vender, tudo comprado em nosso pas. E nesse trfico, possuir qualquer fatia de poder pblico constitui um verdadeiro instrumento de troca, que pode ser convertido em aquisio ilcita de dinheiro ou outros bens."28A vigncia de uma tal tica perfeita de mercado poderia primeira vista parecer inconsistente com o que Callaghy29caracteriza como um "incipiente estado absolutista moderno", mas na verdade inteiramente consistente. O personalismo e o saque da cpula destroem qualquer possibilidade de comportamento orientado por normas nos nveis inferiores da burocracia. Alm do mais, a mercantilizao do aparelho de Estado torna quase impossvel o desenvolvimento de uma burguesia voltada para o investimento produtivo de longo prazo devido corroso da previsibilidade de ao do Estado.A persistncia do regime em si mesmo pode ser encarada como evidncia de que Mobutu no mnimo conseguiu construir um aparelho repressivo dotado do teor mnimo de coerncia corporativa necessria a rechaar potenciais concorrentes. Nem mesmo isso certo. Como rudemente afirma Gould, "a burguesia burocrtica deve sua existncia a um apoio externo antigo e contnuo"30. Tanto a ajuda do Banco Mundial como de naes ocidentais isoladas desempenham um papel importante, mas a presena de tropas francesas e belgas em momentos crticos (como, por exemplo, em Shaba, em 1978) tem sido condiosine qua nonda manuteno de Mobutu no poder31. Dessa forma, Mobutu oferece apenas uma frgil prova dos limites nos quais pode se manter a orientao para a renda sem minar o aparelho repressivo necessrio sobrevivncia do regime.32O Zaire confirma claramente que no tanto a burocracia que impede o desenvolvimento, mas aausnciade um aparelho burocrtico coerente. O Estado "clepto-patrimonialista" zairiano uma mescla de personalismo e aparelho administrativo completamente mercantilizado33. precisamente o tipo de Estado dominado pela troca que os neo-utilitaristas postulam e temem, mas os resultados no se resumem busca feroz de renda e a incentivos distorcidos. A fragilidade do centro do sistema poltico-econmico solapa a previsibilidade da poltica necessria ao investimento privado. O Estado fracassa at em fornecer os mais bsicos pr-requisitos para o funcionamento de uma economia moderna: cumprimento regular de contratos; fornecimento e manuteno de infra-estrutura, investimento pblico em sade e educao.O Zaire coloca tambm alguns problemas s concepes convencionais sobre a importncia da autonomia do Estado na formulao de estratgias coerentes de ajuste e de crescimento. Por um lado, uma vez que o Estado enquanto entidade corporativa incapaz de formular e implementar metas coerentes e uma vez que as decises polticas so tomadas em favor de elites privadas, o Estado poderia ser considerado como inteiramente desprovido de autonomia. Essa falta de autonomia o que permite o prevalecimento da orientao contagiante para a renda. Ao mesmo tempo, no entanto, impressionante como o Estado zairiano no controlado pela sociedade. Ele "autnomo" no sentido de que suas metas no derivam da agregao de interesses sociais. Essa "autonomia" no amplia a capacidade do Estado de adotar suas prprias metas, e sim afasta reaes sociais crticas a sua dominao arbitrria. O caso zairiano sugere que o relacionamento entre a capacidade de ao e a autonomia do Estado precisa ser repensado; isso se torna ainda mais evidente no exame dos "Estados desenvolvimentistas" do Leste asitico.ESTADOS DESENVOLVIMENTISTASEnquanto Estados como o de Mobutu ofereciam demonstraes prticas das perverses previstas pelas concepes neo-utilitaristas do Estado, um conjunto diferente de naes a meio caminho ao seu redor estava escrevendo registros histricos que confirmavam as expectativas institucionalistas. Ao fim dos anos setenta, o sucesso econmico dos novos pases industriais (NPIs) do Leste asitico, Coria e Taiwan, era cada vez mais interpretado como dependente do ativo envolvimento do Estado34, mesmo por observadores dotados de uma inclinao neo-clssica35. Os casos do Leste asitico no so apenas importantes porque sugiram que os encraves institucionais da agenda anterior de transformao industrial local no podiam ser irrelevantes execuo bem-sucedida de uma agenda de ajuste. Tais Estados constituem, acima de tudo, os casos paradigmticos tanto da rpida industrializao local como de ajuste a mercados internacionais mutveis.OModelo Japons.Ao procurar bases institucionais sobre as quais promover a industrializao rpida, os NPIs do Leste asitico adotaram o modelo regional do Estado ativo o Japo. Anlises do caso japons oferecem um timo ponto de partida para a compreenso do "Estado desenvolvimentista". O relato de Chalmers Johnson sobre os anos dourados do MITI (Ministrio do Comrcio Internacional e da Indstria)36fornece um dos melhores quadros do Estado desenvolvimentista em ao. Sua descrio particularmente fascinante porque corresponde de modo inequvoco ao que poderia ser na prtica uma acurada implementao das idias de Gershenkron e Hirschman.Nos anos de escassez de capital que se seguiram Segunda Guerra Mundial, o Estado japons funcionava como substituto de mercados de capital pouco desenvolvidos, ao mesmo tempo que "induzia" mudanas nas decises de investimento. As instituies de Estado, desde o sistema de captao de poupana via Correios at o Banco de Desenvolvimento do Japo, foram cruciais na obteno do capital necessrio ao investimento industrial. A centralidade do Estado no fornecimento de novos capitais, por sua vez, fez com que o MITI assumisse um papel central na poltica industrial. Dado seu papel na aprovao de emprstimos de investimento do Banco de Desenvolvimento do Japo, sua participao na alocao de divisas para fins industriais e licenas de importao de tecnologia estrangeira, sua capacidade de fornecer isenes fiscais e sua capacidade de articular "cartis de orientao administrativa" que regulamentaria a concorrncia em um setor, o MITI estava em perfeitas condies de "maximizar o processo induzido de deciso".37Alguns podem achar exagerada a caracterizao que Johnson faz do MITI, "indubitavelmente a maior concentrao de capacidade cerebral do Japo", mas poucos negariam o fato de que at recentemente "os rgos pblicos atraem os mais talentosos graduandos das melhores universidades do pas, e os cargos pblicos de maior nvel nesses ministrios foram e ainda so os mais prestigiosos do pas".38Portanto, existe um aspecto nitidamente weberiano no Estado desenvolvimentista japons. Os funcionrios contam com ostatusespecial que Weber considerava essencial a uma verdadeira burocracia. Seguem carreiras de longo prazo no interior da burocracia e atuam geralmente de acordo com regras e normas estabelecidas. Tais caractersticas variam um pouco na burocracia japonesa, mas os rgos menos burocrticos e mais clientelistas, como o Ministrio da Agricultura, em geral so encarados como "bolses de bvia ineficincia"39. Se o Japo confirma as declaraes weberianas relativas necessidade de uma burocracia coerente, meritocrtica, indica tambm a necessidade de ir alm de tais prognsticos. Todas as descries sobre o Estado japons enfatizam o carter indispensvel de sistemas informais, tanto internos como externos, ao funcionamento do Estado. Sistemas internos particularmente o "gakubatsu", que consiste em laos entre colegas de classe nas universidades da elite de onde se recrutam os funcionrios so cruciais coerncia da burocracia.40Tais redes informais conferem burocracia uma coerncia interna e identidade corporativa que por si s a meritocracia no poderia oferecer. O fato de que a competncia formal, e no os laos clientelistas ou lealdades tradicionais, seja o requisito primeiro para o ingresso na rede torna muito mais plausvel que o desempenho eficaz passe a ser um atributo valorizado entre membros leais dos diversos "batsu". O resultado geral uma espcie de "weberianismo reforado", no qual os "elementos no-burocrticos da burocracia" reforam a estrutura organizacional formal, da mesma forma que os "elementos no-contratuais do contrato" de Durkheim reforam o mercado.41Redes externas que vinculam o setor estatal ao privado so ainda mais importantes. Como afirma Chie Nakane, "a teia administrativa tecida de modo mais acabado na sociedade japonesa do que talvez em qualquer outra sociedade do mundo"42. A poltica industrial japonesa depende fundamentalmente dos laos que vinculam o MITI e os maiores grupos industriais.43Laos entre a burocracia e o poder privado so reforados pelo papel contagiante dos ex-alunos do MITI, que, atravs dosamakudar; (a "gerao do cu" de aposentadoria precoce), acabam ocupando posies-chave no apenas em empresas individuais, mas tambm nas associaes industriais e organizaes semi-governamentais que compem "o labirinto de organizaes intermedirias e redes polticas informais, onde ocorre grande parte do demorado trabalho de formao de consenso".44A centralidade dos laos externos levou alguns a afirmar que a eficcia do Estado procede "no de sua prpria capacidade inerente mas da complexidade e estabilidade de sua interao com atores do mercado".45Essa perspectiva um complemento necessrio a descries como as de Johnson, mas implica o perigo de conceber as redes externas e a coerncia corporativa interna como explicaes alternativas opostas. Em vez disso, a coerncia burocrtica interna deveria ser considerada como pr-condio essencial efetiva participao do Estado em redes externas. Se o MITI no fosse uma organizao excepcionalmente competente e coesa, no poderia participar em redes externas da forma como o faz. Se o MITI no fosse "autnomo" no sentido de ser capaz de formular suas prprias metas de modo independente e de confiar que seus funcionrios iro encarar a implementao de suas metas como importante tambm para suas carreiras individuais, pouco teria ento a oferecer ao setor privado. A "autonomia relativa" do MITI o que viabiliza sua dedicao aos problemas de ao coletiva do capital privado, ajudando o capital como um todo a encontrar solues que de outra forma seriam difceis de alcanar, mesmo no interior do organizadssimo sistema industrial japons.A "autonomia inserida" o inverso da dominao absolutista incoerente do Estado predatrio e constitui a chave organizacional para a eficcia do Estado desenvolvimentista. Essa autonomia depende de uma combinao aparentemente contraditria entre isolamento burocrtico weberiano e insero intensa na estrutura social circundante. A forma de se obter tal combinao contraditria depende, claro, tanto do carter historicamente determinado do aparelho de Estado como da estrutura social na qual est inserida, como ilustra uma comparao entre o Japo e os NPIs do Leste asitico.Coria e Taiwan.A Coria e Taiwan possuem distintas estruturas de Estado associadas a diferentes bases sociais de sustentao, padres de organizao industrial e estratgias polticas46. Apesar disso, compartilham caractersticas cruciais. Em ambos os pases, as iniciativas polticas que facilitaram a transformao industrial estavam enraizadas em uma organizao burocrtica coerente e competente. Embora ambos os NPIs do Leste asitico paream mais autnomos que o Estado japons, exibem elementos da "autonomia inserida" que foi crucial ao sucesso do Japo.Ao comparar a burocracia coreana com a mexicana, Kim Byung-Kook ressalta que enquanto o Mxico ainda tem de institucionalizar o recrutamento por concurso para o setor pblico, no Estado coreano as provas meritocrticas para o servio pblico vm sendo realizadas para recrutar encarregados desde 788 D.C., por mais de mil anos47. A despeito da catica histria poltica da Coria no sculo vinte, a burocracia tem sido capaz de escolher seustaffentre os mais talentosos membros das mais conceituadas universidades. Dados sobre a seletividade dos exames para o servio pblico superior so quase idnticos aos oferecidos por Johnson para o Japo. Apesar do nmero anual de recrutados para o servio pblico superior ter aumentado sete vezes entre 1949 e 1980, apenas cerca de 2% daqueles que prestam o concurso so aprovados.48Junto com padres similares de recrutamento vem a inculcaao de uma "cultura corporativa" particular. A discusso de Choi49sobre o Departamento de Planejamento Econmico, por exemplo, observa o mesmo tipo de confiana e esprito corporativo que caracteriza o MITI na descrio de Johnson. Por fim, como no Japo, o recrutamento meritocrtico via universidades de elite e a existncia de um forte ethos organizacional criam o potencial para a construo de redes de solidariedade interpessoal de tipo "batsu" no interior da burocracia. Examinando os aprovados no concurso ao servio pblico de 1972, Kim descobriu que 55% eram graduados pela Universidade Nacional de Seul e, destes, 40% eram graduados por duas conceituadas escolas secundrias de Seul.50Embora a burocracia coreana parea um arqutipo, a experincia da Coria mostra tambm a insuficincia de uma tradio burocrtica. Nos anos cinqenta, no governo de Rhee Syngman, o concurso ao servio pblico foi amplamente dispensado, e apenas cerca de 4% daqueles que ocupavam cargos de nvel superior ingressaram via concurso. Tampouco aqueles que entraram no servio pblico superior podiam contar com ascenso a escales mais elevados atravs de um processo padro de promoo interna. Em vez disso, os escales superiores eram preenchidos principalmente na base de "indicaes especiais" de natureza poltica.51O carter da indicao e promoo burocrticas no governo de Rhee , naturalmente, inteiramente coerente com o carter de seu regime. Embora Rhee governasse mediante uma certa dose de industrializao por substituio de importaes, seu regime era mais predatrio que desenvolvimentista. A ajuda massiva dos EUA, na verdade, financiava substancial corrupo governamental. Dependendo de doaes do setor privado para financiar sua dominao poltica, Rhee ficava merc de laos clientelistas com homens de negcios e, como era de esperar, "as atividades voltadas para a renda eram generalizadas e sistemticas".52Sem uma tradio burocrtica arraigada, plenamente desenvolvida, nem a reformulao de planos de carreiras burocrticas do regime de Park nem sua reorganizao do aparelho de planejamento poltico-econmico teriam sido possveis. Sem uma poderosa base adicional de coeso nos escales superiores do Estado, a tradio burocrtica teria continuado ineficaz. Sem a combinao de ambas teria sido impossvel transformar a relao do Estado com o capital privado.Somente com a ascenso ao poder de um grupo com fortes convices ideolgicas e estreitos laos pessoais e organizacionais o Estado seria capaz de "reconquistar sua autonomia".53Os funcionrios juniores envolvidos no golpe liderado por Park Chung Hee eram unidos tanto por convices reformistas quanto por estreitos laos interpessoais desenvolvidos simultaneamente na experincia de trabalho e em estreitos laos de rede tipo "batsu" originrios da academia militar.54A superposio dessa nova marca de solidariedade organizacional por vezes aviltava a burocracia civil do Estado na medida em que militares eram alados a cargos de cpula, mas em geral os militares se valiam da influncia fornecida por sua prpria solidariedade corporativa para fortalecer e ao mesmo tempo disciplinar a burocracia. No governo de Park a proporo de cargos de nvel superior preenchidos por aprovados em concursos quintuplicou, e a promoo interna se converteu no principal meio de preencher todos os escales acima deles, com exceo das indicaes para os cargos polticos mais elevados.55Uma das caractersticas da revitalizao burocrtica do Estado foi a posio relativamente privilegiada mantida por um "rgo piloto" isolado, o Departamento de Planejamento Econmico (DPE). Dirigido por um deputado e primeiro ministro, o DPE foi escolhido por Park para ser um "super-rgo" da rea econmica.56Seu poder de coordenar a poltica econmica mediante o controle do processo oramentrio ampliado por mecanismos como o Comit Consultivo dos Ministros Econmicos e pelo fato de que seus dirigentes costumam ser promovidos a cargos de liderana em outros ministrios.57Como no caso japons, a existncia de um "rgo piloto" no significa que as polticas no sejam contestadas no interior da burocracia. O DPE e o MTI (Ministrio do Comrcio e da Indstria) freqentemente se encontram em fortes desavenas sobre a poltica industrial.58Apesar de tudo, a existncia de um determinado rgo dotado de liderana geralmente reconhecida na rea econmica possibilita a concentrao de talento e especializao e confere poltica econmica uma coerncia que falta a um aparelho de Estado de organizao menos definida.Quando o regime de Park assumiu o poder, seu objetivo parecia ser no apenas isolar-se do capital privado, mas domin-lo completamente. Processos criminais e confisco de bens foram usados como ameaas, e os lderes da indstria caminhavam pelas ruas, desonrados como parasitas corruptos. Esse quadro logo mudou na medida em que Park percebeu que necessitava aproveitar a iniciativa privada e a percia gerencial para alcanar suas metas econmicas.59Com o tempo, e particularmente nos anos setenta, os laos entre o regime e os maioreschaebol(conglomerados) tornaram-se to estreitos que economistas visitantes concluam que "Coria S.A." era sem dvida uma descrio mais adequada da situao na Coria do que "Japo S.A."60Tal como no caso do Japo, a relao simbitica entre o Estado e oschaebolestava fundada no fato de que o Estado tinha acesso ao capital num ambiente de escassez de capital.61Atravs de sua capacidade de alocar capital o Estado promovia a concentrao do poder econmico .nas mos doschaebol e"orquestrava agressivamente" suas atividades.62Ao mesmo tempo, o regime de Park dependia doschaebolpara implementar a transformao industrial que constitua seu projeto principal e a base para sua legitimao.A insero do Estado coreano durante o governo de Park era um assunto muito mais "da cpula para baixo" do que o prottipo japons, carecendo de associaes intermedirias bem desenvolvidas e concentrando-se numa quantidade bem menor de empresas. O tamanho e a diversificao dos maioreschaebolrealmente lhes conferiam interesses que eram relativamente "abrangentes"63em termos setoriais, de forma que o pequeno nmero de atores no limitava o alcance setorial do projeto comum de acumulao. Ademais, o Estado coreano no podia reivindicar a mesma relao institucional generalizada com o setor privado que o sistema MITI fornecia, e nunca conseguiu evitar inteiramente o perigo de que interesses particularistas de firmas individuais pudessem lev-lo de volta rumo improdutiva orientao para a renda. Pelo menos era essa a percepo dos tecnocratas "dissidentes" do DPE que sentiam, no incio dos anos oitenta, que j estava mais do que na hora de o Estado comear a se distanciar das demandas de recursos dos maioreschaebol64.A Coria est forando os limites nos quais a insero pode se concentrar em uns poucos laos sem se degenerar em predao particularista. O risco oposto, de enfraquecer os laos com o capital privado, ameaando a capacidade do Estado de garantir informaes plenas e de contar com o setor privado para sua efetiva implementao, representado pela segunda discpula regional proeminente do modelo japons, Taiwan.Em Taiwan, como na Coria, o Estado tinha sido central ao processo de acumulao industrial, drenando capital para investimentos de risco, ampliando a capacidade de empresas privadas enfrentarem mercados internacionais e assumindo funes diretamente empresariais atravs de empresas de propriedade estatal. Em Taiwan, como na Coria, a capacidade de o Estado desempenhar esse papel dependia de uma burocracia weberiana clssica, de recrutamento meritocrata, crucialmente consolidada por formas organizacionais extra-burocrticas. Tal como no caso do Estado coreano, o regime do KMT (Kuomintang) baseia-se numa combinao entre tradio perene e transformao radical, mas diferenas na experincia histrica dos dois Estados levaram a padres muito diferentes de relaes com o setor privado e, conseqentemente, a padres muito diferentes de iniciativa estatal. A transformao do Estado do Kuomintang que acompanhou sua chegada a Taiwan to impressionante quanto as mudanas ocorridas entre os governos coreanos de Rhee e Park. No continente, o regime do KMT havia sido amplamente predatrio, crivado pela orientao para a renda e incapaz de evitar que interesses particulares de especuladores privados minassem seus projetos econmicos. Na ilha, o partido se recomps. Liberado de sua velha base latifundiria e amparado pelo fato de que os membros "mais notoriamente corruptos e nocivos" da elite capitalista no acompanharam Chiang Kai Shek para a ilha65, o KMT foi capaz de reestruturar completamente seus laos com o capital privado. Uma organizao partidria corrupta e cheia de faces passou a se aproximar do Estado-partido leninista que havia aspirado ser desde o comeo66, dotando assim a burocracia de Estado de uma fonte reforadora da coeso e coerncia organizacionais mais poderosa e estvel do que a que teria sido propiciada apenas pela organizao militar.Dentro do aparelho governamental consolidado, o KMT reuniu um pequeno conjunto de organizaes da elite poltico-econmica com amplitude e percia similares s do MITI do Japo, ou do DPE da Coria.67O Conselho de Planejamento e Desenvolvimento Econmico (CPDE) a corporificao atual do lado planejador do "staffeconmico geral". No um rgo executivo mas, "em termos japoneses, situa-se em algum ponto entre o MITI e a Secretaria de Planejamento Econmico".68O Departamento de Desenvolvimento Industrial (DDI) do Ministrio de Assuntos Econmicos ocupado basicamente por engenheiros e desempenha um papel mais direto em polticas setoriais. Ambos os rgos, tal como seus correlatos na Coria e no Japo, tm tradicionalmente obtido sucesso na atrao dos "melhores e mais brilhantes". Ostafftende a ser tanto de membros do KMT como de graduados pela Universidade Nacional de Taiwan, da elite do pas.69Sem negar a transformao fundamental no carter do aparelho do Kuomintang, tambm digno de nota que, tal como no caso da Coria, a existncia de uma antiga tradio burocrtica propiciou ao regime um fundamento sobre o qual se consolidar. No se tratava apenas de uma organizao de partido que propiciava coeso poltica na cpula, mas havia tambm uma burocracia econmica com considervel experincia gerencial. A Comisso Nacional de Recursos (CNR), por exemplo, fundada em 1932, dispunha de umstaffde 12 000 funcionrios em 1944 e administrava mais de 100 empresas pblicas cujo capital consorciado representava metade do capital total de todas as empresas chinesas. Era uma ilha de recrutamento relativamente meritocrtico no interior do regime continental, e seus ex-integrantes passaram posteriormente a desempenhar um papel capital na administrao da poltica industrial de Taiwan.70A experincia adversa de ser aviltada pelos interesses particularistas de especuladores privados no continente levou liderana poltica do KMT, bem como aos ex-integrantes da CNR, a depositar uma desconfiana bsica no capital privado e a levar a srio os elementos anticapitalistas dos pronunciamentos ideolgicos de Sun Yat Sen. Tais predilees eram reforadas pelo fato pragmtico de que o fortalecimento de capitalistas privados em Taiwan envolvia o aumento do poder de uma elite privada etnicamente distinta e politicamente hostil. Portanto, dificilmente surpreende que em vez de passar as propriedades japonesas para o setor privado, como recomendavam seus conselheiros americanos, o KMT manteve o controle, gerando um dos maiores setores estatizados no mundo no-comunista.71O que surpreendente que as empresas estatizadas de Taiwan (EEs), ao contrrio do padro de ineficincia e dficit financeiro que em geral se considera intrnseco operao de tais empresas72, eram em sua maior parte no s lucrativas como eficientes.Em Taiwan, as EEs tm sido instrumentos-chave do desenvolvimento industrial. Alm do setor bancrio, que foi estatizado tal como na Coria ps-Rhee, as empresas estatizadas eram responsveis pela maior parte da produo industrial nos anos cinqenta e, aps terem declinado um pouco nos anos sessenta, sua participao expandiu-se novamente nos anos setenta74. As EEs so particularmente importantes nos setores bsicos e intermedirios. A China Steel, por exemplo, tem possibilitado a Taiwan conseguir sobrepujar todos os exportadores de ao da OECD no mercado japons.75O setor empresarial do Estado no apenas oferece uma contribuio empreendedora direta, mas tambm um campo de treinamento para liderana econmica na burocracia central do Estado.76Dessa forma, a formao em poltica econmica em Taiwan cresce a partir de "uma pouco compreendida mas aparentemente vigorosa rede poltica que vincula os gabinetes econmicos centrais s empresas (e) bancos pblicos..."77O que choca na comparao de Taiwan com a Coria e o Japo a medida na qual o setor privado taiwans tem estado ausente das redes de poltica econmica. Ainda que a tendncia atual seja "expandir e institucionalizar elementos de tomada de deciso vindos de industriais, financistas e outros"78, as relaes histricas entre o Estado do KMT e o capital privado (principalmente taiwans) tm sido suficientemente distantes para que se levante a questo de saber se a "insero" realmente um componente necessrio do Estado desenvolvimentista.O Estado taiwans inquestionavelmente opera de forma eficaz com um conjunto menos denso de laos de rede pblica-privada do que as verses coreana e japonesa do Estado desenvolvimentista. Apesar de tudo, sua falta de insero no deve ser exagerada. No fcil isol-lo do setor privado.Gold demonstrou as estreitas relaes que existiam entre o governo e o nascente setor txtil nos anos cinqenta, bem como o papel intermedirio que o governo desempenhou no desenvolvimento da indstria de semicondutores nos anos setenta. Wade observa que funcionrios do DDI gastam uma frao substancial de seu tempo visitando empresas e esto engajados em alguma coisa muito semelhante "orientao administrativa" do MITI79. Esse autor apresenta um exemplo esclarecedor da ntima interao do Estado com o capital privado em sua discusso sobre as negociaes entre produtores de matria-prima e as companhias txteis no setor de fibras sintticas. Enquanto as negociaes formais envolviam a associao industrial (Associao dos Fabricantes de Fibras) jusante e o monoplio interno (umajoint-ventureentre Estado e o MNC) montante, os administradores do Estado sempre estiveram envolvidos80. Ao se engajar neste tipo de negociao, os administradores do Estado garantem que nem os esforos do pas pela retro-integrao em produtos intermedirios nem a competitividade exportadora de seus produtores txteis sejam ameaados por conflitos privados no resolvidos. As redes informais entre o pblico e o privado podem ser menos densas do que nos outros dois casos, mas so nitidamente essenciais poltica industrial de Taiwan.Alm de definir os limites aos quais se pode reduzir a insero, o caso taiwans ressalta a relao simbitica entre autonomia do Estado e a preservao da competio de mercado. O papel da autonomia do Estado na preservao das relaes de mercado tambm crucial na Coria e no Japo, mas mais evidente no caso de Taiwan.81A evoluo da indstria txtil representa o melhor exemplo.82No incio dos anos cinqenta, K.Y. Yin, opondo-se sabedoria dos economistas educados nos EUA que aconselhavam seu governo, decidiu que Taiwan deveria desenvolver uma indstria txtil. O resultado foi o "programa de trustificao" txtil que, ao fornecer um mercado seguro e matrias-primas, minimizava o risco do empreendimento envolvido em ingressar no setor e conseguia induzir com xito o ingresso de capital privado. Nessa fase inicial, o Estado era patrocinador numa perspectiva hirschmaniana clssica, induzindo decises de investimento e estimulando a oferta de empreendimentos.83O programa de "trustificao" em si mesmo incomum apenas at o ponto em que o Estado se dispunha a participar a fim de garantir que a iniciativa fosse promissora; caso contrrio, era muito parecida com as polticas da maioria dos pases latino-americanos nas fases iniciais de industrializao. O que incomum que o programa de trustificao no se tornou um instrumento dos empresrios que o havia gerado. Em vez disso, o regime do KMT progressivamente exps seus "capitalistas de estufa" aos rigores do mercado, tornando as cotas de exportao dependentes da qualidade e preo dos produtos, pouco a pouco desviando incentivos para as exportaes e finalmente diminuindo a proteo com o passar do tempo.84Dessa forma, o Estado foi capaz de propiciar o surgimento de um "livre mercado" em vez de permitir a criao de "abrigos rentveis". Sem a autonomia viabilizada por um poderoso aparelho burocrtico, teria sido impossvel impor o incmodo da livre competio a um tal conjunto acomodado de capitalistas.O exemplo refora o ponto anteriormente levantado em relao insero e autonomia no Japo. O capital privado, principalmente aquele organizado em estreitas redes oligopolistas, no tende a ser uma fora poltica em favor de mercados competitivos. Tampouco pode um Estado que um contador passivo de tais interesses oligopolistas dar a eles aquilo que no esto dispostos a oferecer por si mesmos. Apenas um Estado que capaz de agir de modo autnomo pode fornecer esse bem coletivo essencial. A insero necessria para informaes e implementao, mas sem autonomia a insero ir degenerar-se em um supercartel voltado, como todos os cartis, proteo de seus membros contra mudanas nostatus quo.Uma ltima caracterstica, igualmente importante do Estado desenvolvimentista tambm ilustrada pelo caso taiwans. Embora o governo tenha se envolvido profundamente em uma srie de setores, o Estado taiwans extremamente seletivo em suas intervenes. A burocracia opera, nas palavras de Wade85, como um "mecanismo filtrante", concentrando a ateno dos planejadores polticos e do setor privado em produtos e processos cruciais ao futuro crescimento industrial. Como a maior parte da estratgia taiwanesa do KMT, a seletividade em parte era uma reao experincia prvia no continente, tendo passado pelos desastres de um aparelho de Estado superdilatado, o KMT estava determinado a preservar sua capacidade burocrtica no novo ambiente.86Contudo, a seletividade parece ser uma caracterstica geral do Estado desenvolvimentista. Johnson87descreve como o Estado japons, tendo experimentado interveno direta e minuciosa no perodo pr-Segunda Guerra Mundial, limitou-se a selecionar estrategicamente o envolvimento econmico no ps-guerra, e Okimoto88chega ao ponto de observar que, em termos de seu tamanho global, o Estado japons poderia ser considerado "minimalista".ADinmica do Estados Desenvolvimentistas.As caractersticas estruturais salientes do Estado desenvolvimentista devem agora ser esclarecidas. A coerncia corporativa confere a eles a capacidade de resistir a incurses promovidas pela "mo invisvel" da maximizao individual por burocratas; internamente, predominam caractersticas weberianas. Altamente seletivos, o recrutamento meritocrtico e as recompensas de carreiras de longo prazo criam compromisso e um senso de coerncia corporativa. Os Estados desenvolvimentistas tm se beneficiado de extraordinrias capacidades administrativas, mas tambm restringem suas intervenes s necessidades estratgicas de um projeto transformador, utilizando seu poder para seletivamente impor foras de mercado. O ntido contraste entre o carter pr-burocrtico, patrimonialista do Estado predatrio e o carter mais estreitamente weberiano dos Estados desenvolvimentistas deveria provocar dvidas naqueles que atribuem a ineficcia dos Estados do Terceiro Mundo sua natureza burocrtica. A falta de burocracia pode estar mais prxima do diagnstico correto.Ao mesmo tempo, a anlise dos casos do Leste asitico sublinha o fato de que os "elementos no-burocrticos da burocracia" podem ser to importantes quanto os "elementos no-contratuais do contrato"89. Redes informais de razes histricas, ou organizaes partidrias ou militares de malha apertada, ampliaram a coerncia das burocracias do Leste asitico. Quer sejam esses laos baseados em compromisso com uma instituio corporativa paralela ou em desempenho do sistema educacional, reforam mais o carter aglutinante da participao na estrutura formal de organizao do que o aviltamento produzido no padro predatrio pelas redes informais baseadas em parentesco ou em lealdades geogrficas paroquianas.Tendo conseguido limitar com xito o comportamento dos ocupantes de cargos busca de metas coletivas, o Estado pode atuar com alguma independncia em relao a presses societais particularistas. A "autonomia" do Estado desenvolvimentista , contudo, de um carter completamente diferente da dominao desorientada, absolutista do Estado predatrio. No se trata apenas de "autonomia relativa" no sentido estrutural marxista de ser constrangido pelas exigncias genricas da acumulao de capital. uma autonomia inserida em um conjunto concreto de laos sociais que amarra o Estado sociedade e fornece canais institucionalizados para a contnua negociao e renegociao de metas e polticas.A fim de compreender como surgiu essa feliz combinao de autonomia e insero, necessrio colocar o Estado desenvolvimentista no contexto de uma conjuntura de fatores nacionais e internacionais. Os Estados desenvolvimentistas do Leste asitico iniciaram o perodo ps-Segunda Guerra Mundial com heranas de antigas tradies burocrticas e considervel experincia pr-guerra em interveno econmica direta, na Coria e Taiwan sob colonialismo japons. A Segunda Guerra Mundial e suas conseqncias dotaram todos esses Estados de ambientes sociais incomuns. As elites agrrias tradicionais estavam dizimadas, grupos industriais desorganizados e descapitalizados e os recursos externos se escoavam pelo aparelho de Estado. O resultado da guerra, incluindo, ironicamente, a ocupao americana no Japo e na Coria,90aumentou qualitativamente a autonomia desses Estados em face das elites nacionais privadas. A combinao da capacidade burocrtica historicamente acumulada com a autonomia gerada conjunturalmente colocava-os em uma situao historicamente excepcional.Ao mesmo tempo, a autonomia do Estado era restringida pelo contexto internacional, tanto geopoltico quanto econmico. Esses Estados certamente no estavam livres para fazer a histria como quisessem. O contexto internacional exclua a expanso militar, mas gerava claras ameaas externas. A expanso econmica no era apenas a base de sustentao da legitimidade, mas tambm de manuteno de capacidades defensivas em face de tais ameaas. A hegemonia americana, de um lado, e o expansionismo do comunismo asitico, por outro, no lhes deixava muita escolha a no ser confiar basicamente no capital privado enquanto instrumento de industrializao. O ambiente conspirou para criar a convico de que a industrializao rpida e voltada ao mercado era necessria sobrevivncia do regime. O tamanho reduzido desses Estados e sua falta de recursos tornava bvio o papel da competitividade exportadora na industrializao bem-sucedida.O compromisso com a industrializao motivavaessesEstados a promover o crescimento do capital industrial local. Sua excepcional autonomia lhes permitia dominar (pelo menos inicialmente) a formao dos laos que uniam o capital e o Estado. A partir dessa conjuntura surgiu o tipo de "autonomia inserida" que caracterizou esses Estados durante os perodos mais marcantes de seu crescimento industrial: um projeto partilhado por um aparelho burocrtico altamente desenvolvido e um conjunto relativamente organizado de atores privados que podia fornecer informaes teis e implementao descentralizada.Desenvolvimentos recentes sugerem que a autonomia inserida no uma caracterstica esttica do Estado desenvolvimentista. Em contraste com a dominao absolutista do Estado predatrio, que parece ser auto-consolidante, a autonomia inserida tem sido, numa extenso surpreendente, seu prprio coveiro. O prprio sucesso do Estado desenvolvimentista na estruturao da acumulao de capital industrial alterou a natureza das relaes entre o capital e o Estado. Na medida em que o capital privado se torna menos dependente dos recursos fornecidos pelo Estado, diminui a relativa predominncia deste. A influncia do MITI nos anos oitenta no pode ser comparada com a era de ouro dos anos cinqenta e do incio dos sessenta. Oschaebolcoreanos atualmente podem penetrar diretamente nos mercados internacionais de capital91, e a capacidade do Estado de vetar seus projetos conseqentemente tem se desgastado.92A capacidade dos aparelhos de Estado de comandar as lealdades dos mais talentosos graduados das melhores universidades tambm comeou a se desgastar na medida em que as carreiras privadas passaram a ser mais compensadoras. Wade93observa, por exemplo, que a proporo de mestres e PhDs que ingressam no servio governamental em Taiwan tm decrescido substancialmente enquanto se eleva a cota dos que ingressam no setor privado, o que no de admirar dado o crescimento diferencial dos salrios entre o setor pblico e o privado. Resta saber se o corporativismo tradicional e a coerncia corporativa da burocracia pode ser mantida em face de tais tendncias. De modo ainda mais fundamental, o crescimento econmico tornou mais difcil legitimar um projeto nacional que se concentre estritamente na acumulao de capital. O renascimento de demandas distributivistas, tanto em termos polticos como econmicos, no se adapta de modo harmonioso com as redes da elite e as estruturas burocrticas que fomentaram o projeto original de acumulao industrial.94No existe motivo para supor que o Estado desenvolvimentista permanecer na forma que aqui foi descrita. Tampouco podemos presumir que se tais aparelhos de Estado persistissem na forma atual iriam promover a satisfao de futuras metas sociais. Eles se mostraram terrveis instrumentos de incentivo acumulao de capital industrial mas, com toda a probabilidade, tero de se transformar a fim de dar conta de problemas e oportunidades criadas pelo sucesso de seu projeto inicial.BRASIL E NDIA: CASOS "INTERMEDIRIOS"Depois de caracterizar o contraste entre a "autonomia inserida" do Estado desenvolvimentista do Leste asitico e o absolutismo incoerente do regime predatrio zairiano, hora de examinar como os elementos desses dois tipos ideais podem se combinar de diferentes formas para produzir resultados que nem so puramente predatrios nem consistentemente desenvolvimentistas. O Brasil e a ndia oferecem ampla ilustrao de como os elementos do tipo desenvolvimentista ideal podem se combinar com caractersticas que negam o isolamento weberiano e reduzem a insero.Ambos os Estados fomentaram significativas transformaes. Pas de impossvel segmentao, abrigo de uma enorme populao de agricultores extremamente pobres cuja fonte de recursos est se exaurindo rapidamente, apesar de tudo, a ndia conseguiu uma industrializao substancial e considerveis taxas de crescimento nos anos cinqenta e incio dos sessenta. Depois de cambalear nos anos setenta, o pas cresceu de novo rapidamente nos anos oitenta. O Brasil mantinha altas taxas de crescimento durante o curso do perodo ps-Segunda Guerra Mundial e experimentou um surto "milagroso" de industrializao nos anos setenta. A deteriorao do "milagre brasileiro" nos anos oitenta reduziu sua pretenso de ser um "Estado desenvolvi mentista", mas a Coria at poderia invejar os massivos excedentes comerciais que sua indstria continuava a produzir ao final dos anos oitenta.Brasil.Uma abundncia de pesquisas histricas e contemporneas esclarece as diferenas entre o Brasil e o tipo ideal de "Estado desenvolvimentista".95As diferenas comeam na simples questo de como as pessoas obtm cargos no governo. Barbara Geddes96historia a descomunal extenso dos poderes de indicao poltica e a conseqente dificuldade que o Brasil tem experimentado na institucionalizao de procedimentos de recrutamento meritocrtico. Ben Schneider97destaca que enquanto os primeiros ministros japoneses indicam apenas dzias de funcionrios e os presidentes norte-americanos centenas, os presidentes brasileiros indicam milhares. Causa pouca espcie que o Estado brasileiro seja conhecido como um massivo "cabide de emprego" preenchido mais na base de contatos pessoais que de competncia.As conseqncias negativas do apadrinhamento so exacerbadas pelo carter dos padres de carreira que um tal sistema promove. Em vez de serem afinados com os ganhos de longo prazo via promoes baseadas em desempenho organizacional relevante, os burocratas brasileiros enfrentam carreiras emstaccato, pontuadas pelos ritmos de mudana na liderana poltica e a gestao peridica de novas organizaes. Um levantamento feito por Schneider (1987) entre 281 burocratas brasileiros descobriu que mudavam de rgo a cada quatro ou cinco anos. Considerando que quatro ou cinco escales superiores da maioria das organizaes so indicadas de fora do prprio rgo, o compromisso de longo prazo cm o rgo tem apenas um retorno limitado, sendo difcil a construo de umethose de uma percia organizacional e politicamente relevantes. Dessa forma existe pouca coisa a restringir estratgias voltadas ao ganho individual e poltico.98Incapaz de transformar a burocracia como um todo, os lderes brasileiros tentaram criar "bolses de eficincia" no interior da burocracia99, modernizando o aparelho de Estado antes por acrscimo do que atravs de uma transformao mais ampla.100O BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento), privilegiado principalmente por Kubitschek enquanto instrumento de seu desenvolvimentismo nos anos cinqenta, era, at bem pouco tempo, um bom exemplo de "bolso de eficincia".101Ao contrrio da maior parte da burocracia do Brasil, o BNDE oferecia "um plano de carreira bem definido, encargos desenvolvimentistas e uma tica do servio pblico".102No incio de sua vida institucional (1956), o BNDE implantou um sistema de concursos pblicos para recrutamento. Desenvolveram-se normas contra a reverso arbitrria das avaliaes do pessoal tcnico do Banco ("opinio do tcnico") pelos superiores. Uma maioria consistente dos diretores era recrutada internamente e desenvolvia-se um claro esprito corporativo no interior do Banco.103No de admirar que rgos como o BNDE sejam mais eficazes em temos desenvolvimentistas do que os componentes tradicionais da burocracia brasileira.104Segundo Goddes105, os projetos do Plano de Metas de Kubitschek que estiveram sob a jurisdio seja de grupos executivos ou de grupos de trabalho e sob o abrigo financeiro do BNDE cumpriram 102% de suas metas, ao passo que os projetos que eram de responsabilidade da burocracia tradicional atingiram apenas 32%. Devido ao fato de o BNDE ter sido uma importante fonte de financiamentos de longo prazo, seu profissionalismo era um estmulo melhoria de desempenho de outros setores.106Tendler observa, por exemplo, que a necessidade de concorrer a fundos de crdito foi um estmulo importante ao aperfeioamento de propostas pelas companhias de gerao de energia eltrica do Brasil.107Infelizmente a estratgia de "bolses de eficincia" apresenta uma srie de desvantagens. Na medida em que os "bolses de eficincia" esto cercados por um mar de normas clientelistas tradicionais, dependem de proteo pessoal dos presidentes. Geddes108, por exemplo, historia o declnio da eficcia do Departamento Administrativo do Servio Pblico (DASP) criado por Vargas em 1938 como parte do "Estado Novo" a partir do momento em que no se dispunha mais da proteo daquele presidente. Willis109enfatiza a dependncia do BNDE em relao ao apoio presidencial, tanto em termos da definio de sua misso como em termos de sua capacidade de manter sua integridade institucional.O incrementalismo, ou reforma por acrscimo, provavelmente resulta em expanso descoordenada e dificulta muito mais a execuo da seletividade estratgica. Tendo assumido o poder com a inteno de encolher o Estado em pelo menos 200 000 cargos, os militares brasileiros acabaram criando "centenas de novos rgos e empresas, muitas vezes redundantes" e ampliando a burocracia federal de 700 000 para 1 600 000 cargos.110Tentar modernizar por meio de acrscimo gradativo tambm reduz a coerncia organizacional do aparelho de Estado como um todo. Na medida em que novas unidades so acrescentadas, surge uma estrutura maior e ainda mais barroca. O aparelho resultante tem sido caracterizado como "segmentado"111, "dividido"112ou "fragmentado"113. uma estrutura que no somente dificulta a coordenao poltica, como estimula o recurso a solues personalistas.Tal como a estrutura interna do aparelho de Estado brasileiro limita sua capacidade de igualar o desempenho dos Estados desenvolvimentistas do Leste asitico, o carter de sua "insero" atrapalha a construo de um projeto de transformao industrial em conjunto com as elites industriais. Embora o Estado brasileiro tenha sido uma constante e poderosa presena no desenvolvimento econmico e social do pas desde os tempos coloniais, importante ter em mente que, como tm destacado Fernando Urichochea, Jos Murilo de Carvalho e outros, "a eficincia do governo... era dependente... da cooperao da oligarquia agrria".114Apesar do aumento do peso do capital industrial na economia, a herana persistente do poder rural continua a moldar o carter do Estado. Hogopian115afirma que as elites rurais contemporneas tm cada vez mais se voltado tentativa de utilizar o Estado como um instrumento de reforo de suas redes clientelistas tradicionais. Dessa forma, em lugar de ser capaz de se concentrar em seu relacionamento com o capital industrial, o Estado teve sempre de se confrontar simultaneamente com as elites tradicionais ameaadas pela transformao conflitiva das relaes de classe rurais.Ao mesmo tempo, as relaes com o capital industrial tm sido complicadas pela antiga e massiva presena do capital fabril transnacional no mercado interno.116A ameaa de dominao por corporaes transnacionais (CTNs) gerou um clima de nacionalismo defensivo e tornou mais difcil disciplinar o capital interno. muito mais complicado obrigar o capital industrial a enfrentar o mercado, como fez K. Y. Yin com a indstria txtil taiwanesa, quando o capital transnacional o provvel beneficirio de qualquer "vendaval de destruio criativa".Problemas gerados por divises entre as elites econmicas dominantes foram agravados pela natureza das estruturas do Estado. A falta de uma estrutura burocrtica estvel tambm complica o estabelecimento de laos regulares com o setor privado do tipo "orientao administrativa" e joga a interao pblico-privado para canais individualizados. Mesmo o regime militar, que tinha o maior potencial estrutural para o "isolamento" de presses dientelistas, mostrou-se incapaz de construir uma relao de "orientao administrativa" com a elite industrial local.117O regime era "altamente legtimo aos olhos da burguesia local, ainda que no se vinculasse a ele por nenhum sistema de articulao bem institucionalizado".118Em vez de se institucionalizarem, as relaes se individualizaram, assumindo a forma do que Cardoso119chamou "anis burocrticos": pequenos conjuntos de industriais vinculados a igualmente pequenos conjuntos de burocratas, em geral atravs da articulao de algum detentor de cargo pblico. Como ressalta Schneider120, o carterad hoc, personalizado, de tais vnculos torna-os ao mesmo tempo indignos do ponto de vista dos industriais e arbitrrios em termos de seus resultados. Em suma, constituem o exato oposto do tipo de laos Estado sociedade descritos por Samuels e outros em suas discusses sobre o Estado desenvolvimentista.Em termos gerais, essa leitura da estrutura interna e dos laos externos do Estado brasileiro consistente com a queixa de Schneider de que "a estrutura e operao do Estado brasileiro o impedem at de cumprir funes mnimas de governo"121. Mas importante sublinhar que apesar de seus problemas o Estado brasileiro foi eficaz em termos de empreendimento em uma diversidade de reas industriais e que estas sem dvida contriburam para o crescimento e industrializao de longo prazo. Tais xitos, como se poderia esperar, encontram-se em reas em que as organizaes relevantes do Estado dispunham de excepcional coerncia e capacidade. Tais organizaes coerentes do Estado, por sua vez, tambm se apoiavam em um conjunto de vnculos com o setor privado, mais eficaz em termos institucionais, exatamente o padro visvel nos Estados desenvolvimentistas do Leste asitico.A discusso de Shapiro sobre o papel do Grupo Executivo para a Indstria Automobilstica (GEIA) na implantao da indstria automotiva brasileira, durante o final dos anos cinqenta e incio dos sessenta, um bom exemplo. Ela conclui que em geral "a estratgia brasileira foi um sucesso" e que a capacidade de planejamento e os subsdios fornecidos pelo Estado atravs do GELA foram cruciais induo dos investimentos necessrios122. O GEIA funcionou como um "mini-rgo piloto" setorialmente especfico. Uma vez que articulava as representaes de todos os diferentes rgos que necessitavam aprovar planos, "podia implementar seu programa independentemente do fragmentado organismo de deciso poltica" que contaminava o governo como um todo.123Sua capacidade de tomar decises previsveis e oportunas era "crtica para reduzir riscos" na medida em que envolviam as CTNs que estavam sendo convidadas a investir. Alm disso, e tambm de modo muito parecido com o MITI ou o DDI, desempenhava "um papel crtico de coordenao entre as montadoras e os fabricantes de peas".124O desenvolvimento posterior da indstria petroqumica se mostrou uma variante ainda mais poderosa de autonomia inserida.125Trebat126conclui que o investimento comandado pelo Estado no setor petroqumico poupou divisas e era economicamente justificvel, dados os custos vigentes de oportunidade do capital.127No corao da iniciativa estava a Petrobrs, a mais autnoma e coerente organizao em termos corporativos no interior do sistema de empresas estatais. Tambm crucial, contudo, ao crescimento explosivo da capacidade petroqumica do Brasil nos anos setenta foi a densa rede de laos que se construram para vincular o sistema Petrobrs ao capital privado, tanto interno como transnacional.A partir desses exemplos setoriais emerge uma ntida diferena geral entre os Estados brasileiro e desenvolvimentista arquetpico. A autonomia inserida um atributo mais parcial que global, que se limita a certos "bolses de eficincia". A persistncia de caractersticas clientelistas e patrimoniais tem impedido a construo da coerncia corporativa weberiana. A complexa e contenciosa estrutura da elite brasileira torna ainda mais problemtica a insero. No de admirar que a autonomia inserida permanea parcial.ndia.O Estado indiano est situado de modo ainda mais ambguo que o brasileiro no espao entre o predatrio e o desenvolvimentista. Sua estrutura interna, pelo menos no seu pice, assemelha-se norma weberiana, mas sua relao com a estrutura social convulsiva do pas limita de modo mais global sua capacidade de agir. Seus crticos mais speros consideram-no como nitidamente predatrio e encaram sua expanso como talvez a mais importante causa isolada de estagnao da ndia128. Outros, como Pranab Bardhan, assumem o ponto de vista quase contrrio, afirmando que o investimento estatal foi essencial ao crescimento industrial da ndia nos anos cinqenta e incio dos sessenta e que o afastamento do Estado de uma postura desenvolvimentista mais agressiva foi um fator importante no crescimento relativamente lento da ndia nos anos sessenta e setenta.129Na poca da independncia, o Servio Pblico Indiano (SPI) era o pice de uma burocracia respeitvel. Era a culminao de uma tradio que remontava no mnimo ao imprio Mughal.130Seus 1 100 membros formavam uma elite prestigiosa, fornecendo "a estrutura de ao do imprio" por duzentos anos.131Seu sucessor, o Servio Administrativo Indiano (SAI), continuou a tradio. O ingresso se d basicamente via um concurso de mbito nacional que, pelo menos historicamente, tem sido to competitivo quanto seus correlatos do Leste asitico.132Embora o sistema educacional no se concentre em uma nica universidade nacional da forma como aconteceno Leste asitico, redes solidrias criam-se pelo fato de que cada classe de candidatos convive durante um ano na Academia Nacional de Administrao.133Apesar de uma tradio historicamente enraizada de burocracia estatal slida, as tradies coloniais herdadas pelo SAI de forma alguma constituem uma vantagem sem ambigidade do ponto de vista do desenvolvimento. A assimilao da cultura imperial e de um ensino humanista era um critrio importante de admisso ao SPI. Mesmo depois que os ingleses se foram, as provas ao SAI ainda constam de trs partes: ingls, redao em ingls e conhecimentos gerais.134 claro que um generalista inteligente poderia ter bom desempenho, se os padres de carreira oferecessem a oportunidade para a aquisio gradual de conhecimentos e habilidades tcnicas relevantes. Infelizmente, os padres de carreira geralmente no oferecem esse tipo de oportunidade. As carreiras se caracterizam pelo mesmo tipo de rotao rpida de pessoas em cargos que caracteriza a burocracia brasileira. Rudolf e Rudolf135relatam, por exemplo, que as principais chefias no setor petroqumico apresentam uma durao mdia no cargo de cerca de quinze meses. Alm dos problemas da tradio do SAI em si mesmo, questiona-se at que ponto a "estrutura de ao" permanece ntegra. Os Rudolfs136afirmam que houve um "desgaste das instituies do Estado", pelo menos desde a morte de Nehru, e estudos de campo137contemporneos constataram que a corrupo no apenas endmica mas irresistvel. Pode ser que o desgaste se deva em parte a problemas internos burocracia, mas as dificuldades de estabelecer conexes com a estrutura social envolvente parecem ser a causa mais grave do desgaste. Em um "Estado subcontinental, multinacional" como a ndia, as relaes Estado-sociedade so qualitativamente mais complexas do que nos casos do Leste asitico138. Dadas as deseconomias de escala inerentes s organizaes administrativas, seria necessrio um aparelho burocrtico de capacidade realmente extraordinria para produzir resultados comparveis ao que pode ser obtido em uma ilha de 20 milhes de pessoas ou uma pennsula de 40 milhes. Divises de classes, tnicas, religiosas e regionais constituem obstculos administrativos.A partir da poca da independncia, a sobrevivncia poltica dos regimes indianos exigiu simultaneamente agradar uma classe proprietria rural permanentemente poderosa e um conjunto muito concentrado de capitalistas industriais. Os interesses comuns de grandes proprietrios de terra e os milhes de "novilhos capitalistas" na zona rural conferem a este grupo um peso poltico assustador. Ao mesmo tempo, as grandes casas comerciais como as Tatas e Birlas devem ser mantidas a bordo.140Uma vez que as casas comerciais e os proprietrios de terra no compartilham qualquer projeto desenvolvimentista "abrangente", a elite dividida se confronta com o Estado em busca de vantagens particulares. Nas palavras de Bardhan, constituem "uma frgil e heterognea coalizo dominante dedicada a uma orgia de pilhagem anrquica dos recursos pblicos".141A micropoltica de interaes Estado-setor privado diminui ainda mais a possibilidade de o Estado conduzir um projeto desenvolvimentista coerente. Historicamente, o esteretipo do veterano do SAI era o de um brmane anglfilo com emprstimos ideolgicos do socialismo fabiano. Os capitalistas com quem ele lidava provavelmente eram de casta inferior, possuam diferentes preferncias culturais e ideologia oposta. Entretanto, esses esteretipos tm se alterado gradualmente com o passar do tempo. Muitas vezes ainda falta a comunho de discursos e concesses, sobre cuja base seria possvel elaborar um projeto comum, e a nica alternativa ao impasse hostil continua a ser a troca de favores materiais. No existem redes polticas que permitam aos peritos em indstria no interior do aparelho de Estado captar e disseminar informaes, construir consenso, tutelar e adular. Tampouco encontramos redes setorialmente especficas comparveis quelas que vinculam o Estado e o capital privado na indstria petroqumica brasileira. Ao contrrio dos Estados desenvolvi mentistas, o Estado indiano no pode contar com o setor privado, seja enquanto fonte de informaes sobre o tipo de poltica industrial que ir "decolar", seja enquanto instrumento eficaz para a implementao da poltica industrial.Seria injusto e incorreto dizer que o Estado indiano no tem dado qualquer contribuio desenvolvimentista. O investimento estatal em infra-estrutura bsica e bens intermedirios foi um elemento capital na manuteno de uma taxa respeitvel de crescimento industrial nos anos cinqenta e incio dos anos sessenta. At Deepak LaI admite que investimentos em infra-estrutura e o aumento na taxa de poupana interna, ambas as quais dependeram em grande parte do comportamento do Estado, foram "as duas maiores realizaes da ndia ps-independncia".142O investimento do Estado em insumos agrcolas bsicos, principalmente irrigao e fertilizantes, desempenhou um papel importante no aumento da produo agrcola. Mesmo que de forma nem sempre eficiente,143o Estado tem investido de modo eficaz em indstrias bsicas e intermedirias, como siderurgia e petroqumica, e at em indstrias mais ousadas em termos tecnolgicos, como a fabricao de equipamentos eltricos.144Infelizmente, em grande parte so realizaes do passado, dos anos cinqenta e incio dos sessenta. Cada vez mais, a falta de seletividade na interveno do Estado sobrecarrega a burocracia e ajuda a impulsionar a "eroso das instituies do Estado". A "licena, autorizao,quota raj."procura reforar o controle minucioso sobre a produo fsica de uma ampla gama de bens manufaturados.145Ao mesmo tempo, o Estado est diretamente envolvido na produo de uma variedade de bens maior do que a ensaiada por Estados at relativamente expansionistas como o brasileiro. As empresas estatais indianas no apenas produzem computadores mas tambm televisores, no apenas ao mas tambm automveis.146A participao do Estado em ativos empresariais elevou-se de um sexto metade entre 1962 e 1972147, e o nmero de empresas estatais cresceu de 5, em 1951, para 214, em 1984.148Dadas as demandas insuperveis geradas pela simples tarefa de propiciar at um governo minimalista, o envolvimento estatal no seletivo simplesmente insustentvel.Com relao ao Brasil, poder-se-ia argumentar que a ndia sofre de autonomia excessiva e insero inadequada e, conseqentemente, tem mais dificuldade em executar o tipo de projetos setoriais aqui enfocados. Ao mesmo tempo, o grau em que a "estrutura do ao" ainda retm alguma coerncia residual pode contribuir para a capacidade de a ndia evitar os desastrososexcessosdos quais o Brasil tambm foi vtima.Dadas suas escalas continentais, o Brasil e a ndia podem parecersui generisede limitada importncia comparativa. No entanto, seus Estados partilham muitos problemas iguais, tanto de um para com o outro como de muitos dos pases em desenvolvimento de renda mdia. Suas burocracias, que no so caricaturas patrimoniais de estruturas weberianas como no caso predatrio, ainda carecem da coerncia corporativa do tipo desenvolvimentista ideal. Escalas consistentes de carreira que atam o indivduo s metas corporativas, e ao mesmo tempo permitem que ele adquira a percia necessria ao desempenho eficaz, ainda no esto bem institucionalizadas. A ndia possui uma estrutura organizacional mais acabada em termos weberianos, mas carece dos laos que poderiam habilit-la a elaborar um projeto comum com grupos sociais interessados na transformao.Com uma capacidade burocrtica menos desenvolvida, esses aparelhos intermedirios contudo enfrentam estruturas sociais mais complexas e divididas. Sua capacidade de elaborar um projeto de industrializao especialmente complicada pela manuteno do poder social das elites agrrias. No caso brasileiro o problema complicado ainda mais pela importncia histrica de firmas estrangeiras no ncleo doestablishmentindustrial. No caso indiano exacerbado pela divergncia cultural entre administradores do Estado e capitalistas. Em ambos os pases, o Estado tem tentado fazer coisas demais. Tem sido incapaz de selecionar estrategicamente um conjunto de atividades altura de sua capacidade. A menor capacidade e um conjunto mais exigente de tarefas se combinam para impossibilitar a "autonomia inserida".ESTRUTURAS DE ESTADO E AJUSTEEssa anlise comparativa refora bastante a idia de que tanto os que fazem a poltica como os tericos podem se beneficiar da "terceira onda" de pensamento sobre os Estados e o desenvolvimento. As indicaes comparativas trabalham bastante em favor de se concentrar a ateno sobre a "capacidade do Estado", enquanto fator importante na deciso e nos resultados polticos, e contribuir para esclarecer as estruturas e processos subjacentes "capacidade". Em termos mais especficos, essa anlise questiona a tendncia de se equiparar capacidade a insulao. Sugere antes que a capacidade de transformao exige uma combinao de coerncia interna e conexo externa que pode ser chamada de "autonomia inserida".A primeira e mais bvia lio a ser tirada desses casos que a burocracia est emescassez deoferta e no em excesso. Este no um problema que se limita s sociedades ps-coloniais no sub-Saara. Mesmo em pases como o Brasil, que desfrutam de estoques relativamente abundantes de mo-de-obra treinada e uma longa tradio de envolvimento do Estado na economia, dificilmente se encontram burocracias weberianas previsveis e coerentes. A percepo usual do contrrio disso flui a partir da tendncia comum das organizaes patrimoniais em se disfararem de burocracias weberianas. Existe uma abundncia de organizaes regulamentadoras ou administrativas, mas a maioria no dispe nem da capacidade de adotar metas coletivas de uma forma previsvel e coerente nem de um interesse em fazer isso. Weber desorientou seus sucessores ao insistir que a burocracia varreria naturalmente todas as outras formas anteriores. Tal como os mercados so menos "naturais" do que Smith teria nos levado a crer, assim tambm as burocracias necessitam de mais incentivo do que Weber nos levou a esperar.A segunda lio uma extenso da primeira. A capacidade do Estado de desempenhar funes administrativas e outras deve ser abordada como um bem escasso. As primeiras concepes sobre o Estado desenvolvimentista pareciam supor que os recursos necessrios a empreender novas tarefas seriam gerados automaticamente pelo desempenho das prprias tarefas, da mesma forma que a expanso das vendas de uma empresa geram recursos para mais produo. A analogia falsa. A expanso insensata do menu de incumbncias leva com demasiada freqncia a um crculo vicioso. A capacidade do Estado cresce de modo mais lento que a expanso das tarefas. Deseconomias administrativas e organizacionais de escala e de oportunidade levam ao declnio do desempenho. O desempenho inadequado avilta a legitimidade e dificulta a reivindicao dos recursos necessrios a aumentar a capacidade. O abismo entre capacidades necessria e disponvel se escancara chegando mesmo a ameaar a execuo eficaz das tarefas de "guarda noturno".Quase todos os Estados do Terceiro Mundo tentam fazer mais do que so capazes. o que revela a disparidade do balano entre capacidade e incumbncias que separa a ndia e o Brasil dos Estados desenvolvimentistas do Leste asitico. Os Estados desenvolvimentistas no somente dispunham de graus mais elevados de capacidade como exerciam maior seletividade nas incumbncias que se atribuam. Concentravam-se na transformao industrial e suas estratgias de fomento indstria eram concebidas para poupar recursos administrativos.A exigncia de seletividade est em perfeito acordo com os argumentos levantados na literatura sobre estabilizao e ajuste. Uma das virtudes primeiras de programas de ajuste que so muito seletivos na capacidade que demandam. Uma vez que se concentram na recal