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1º capítulo do novo livro de Chistian Jacq.
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CHRISTIAN JACQ
o faraó negroromance
Tradução
Maria D. Alexandre
CHRISTIAN JACQ
o faraó negroromance
Tradução
Maria D. Alexandre
EGITO, NÚBIA E SUDÃO
200 kmMapa: Edigraphie
N
5ª. CatarataNapata
4ª. Catarata
Kerma3ª. Catarata
Soleb
Semna-Kumna
2ª. CatarataMirgissaBuhem
Abu-Simbel
Trópico de Câncer ElefantinaAssuã1ª. Catarata
Edfu
Tebas
DenderaCoptos
Abidos
Rio Nilo
Assiut
El-AmarnaHermópolis
Heracleópolis
SINAI
MeidumLicht
Illahun
FAYUM
HeliópolisMênfisGiza Atribis
Bubastis
Tânis — AvarisSBauísto
Gaza
Jerusalém
Rio
Jor
dão
Tiro
Mediterrâneo
VERMELHO
Mar
MAR
Ao ver o marido regressar do
templo, a mulher do prefeito
queria acreditar que ele trazia
no ombro um saco de trigo. Na véspera,
o casal de camponeses havia festejado o
1
aniversário da filha pequena, que estava encantada com o presente
que recebera: uma boneca de pano feita pelo pai. Com as amigas da
mesma idade, ela brincava no meio da estrada que atravessava a
Colina dos Passarinhos, uma aldeia da província de Heracleópolis,
no Médio Egito.
O homem jogou o saco vazio no chão.*
— Não há mais nada. Os próprios sacerdotes correm o risco de
morrer de fome, e os deuses não tardarão a regressar ao céu, pois
ninguém pensa em respeitar as leis dos nossos ancestrais. Mentira,
corrupção, egoísmo: eis os nossos novos senhores.
— Fale com o vizir e depois com o faraó, se for preciso!
— Não há mais faraó, apenas chefes de clãs que lutam entre si
e pretendem exercer o poder supremo. O Norte do país está sob o
jugo dos príncipes líbios, que se comprazem na anarquia e nas bri-
gas internas.*
— E o faraó negro?
— Nem me fale dele! Deixou um exército em Tebas para pro-
teger a cidade santa do deus Amon, onde reina a irmã, a Divina
Adoradora, e encerrou-se na sua capital, Napata, nos confins da
Núbia, tão longe do Egito que já o esqueceu há muito tempo!
— Tenho a certeza de que ele nos ajudará!
— Não se engane, ele é incapaz disso. Embora se afirme rei do
Alto e do Baixo Egito, apenas controla a sua província longínqua e o
sul do vale do Nilo. O resto do país está entregue à desordem e à
confusão.
— Era necessário preveni-lo que estamos à beira da miséria,
que...
christian jacq 10
* Esses fatos ocorreram por volta do ano 730 a.C.
— É inútil — afirmou o prefeito. — O faraó negro contenta-
se com o seu falso reino. Para ele, nós não existimos.
— Ainda tenho peixe seco, mas apenas para alguns dias...
— Vão considerar-me responsável pela fome. Se não encontrar
uma solução, morreremos todos. Só me resta suplicar ao príncipe
de Heracleópolis que nos socorra.
— Mas ele é fiel ao faraó negro!
— Se ele também não me atender, irei mais ao norte.
A mulher agarrou-se ao marido.
— Os caminhos não são seguros, as milícias líbias o prenderiam
e o degolariam! Não, você não deve partir. Aqui, na Colina dos
Passarinhos, estamos em segurança. Os nortistas nunca ousariam se
aventurar tão longe.
— Então, vamos morrer de fome...
— Não, suspenda os impostos, vamos fazer um racionamento e
compartilhar o que nos resta com as outras aldeias! Assim aguenta-
remos até a cheia.
— Se ela não for boa, estaremos condenados.
— Não se desespere, vamos implorar dia e noite à deusa das
colheitas.
O prefeito examinou o horizonte.
— Que futuro nos resta? Os tempos felizes desapareceram para
sempre e viver tornou-se um fardo. Como podemos acreditar nas
promessas dos homens de poder? Só têm como objetivo o enrique-
cimento pessoal, e as suas belas palavras só seduzem a eles próprios.
As meninas brincavam com as bonecas, num universo maravi-
lhoso cuja chave só elas possuíam. Ralhavam e tornavam a ralhar,
porque as bonecas, birrentas, as desobedeciam o tempo todo.
A camponesa sorriu.
O Faraó Negro11
Sim, a esperança existia. Existia nos risos das crianças e na sua
instintiva recusa da tristeza.
O vento do norte começou a soprar, arrastando uma nuvem de
pó que cobriu a soleira das casas. Com o olhar triste, o prefeito
sentou-se num banco de pedra colocado em frente ao muro da sua
casa.
Mas no momento em que a mulher pegou uma vassoura, o chão
tremeu.
Um ruído surdo, ainda distante, vinha da estrada de Mênfis, a
cidade mais populosa do país e o seu principal centro econômico.
Mênfis ignorava o medíocre reinado do faraó negro e adaptava-se
cada dia mais à ocupação líbia.
Formando uma roda, as meninas explicavam às bonecas que
tinham de ser muito obedientes para crescerem e usarem lindas
roupas.
Uma nova nuvem de pó subiu até o céu, e o ruído surdo
transformou-se num estrépito semelhante a um ataque de uma
manada de touros enfurecidos.
A camponesa avançou, olhando para o norte, mas a sua visão
ficou ofuscada. Os raios do sol refletiam-se em superfícies metálicas
que os transformavam numa luz branca que cegava.
— Carros — constatou o prefeito, saindo do torpor. —
Carros, soldados com capacetes e couraças, escudos, lanças...
Vindo do Delta, o exército nortista tomava a Colina dos
Passarinhos de assalto.
A camponesa gritou, mas as meninas não a ouviram, porque o
galope dos cavalos e o ranger das rodas dos carros cobriram a voz
dela.
christian jacq 12
Com a curiosidade despertada, as crianças voltaram a cabeça na
direção dos invasores, sem verem o prefeito e a mulher, que corriam
para elas gritando-lhes que se refugiassem no palmeiral.
Fascinadas por aquela onda furiosa, irreal, elas apertaram as
bonecas contra o peito.
E a onda passou, atropelando crianças e adultos, esmagados
pelas rodas dos carros e pelos cascos dos cavalos, primeiras vítimas
de Tefnakt, chefe da coligação líbia do norte, cujos soldados de
infantaria massacraram o resto dos habitantes da Colina dos
Passarinhos e queimaram as pequenas casas brancas.
O que importavam alguns cadáveres, quando se preparava para
se tornar senhor das Duas Terras: o Baixo e o Alto Egito? Para o
general Tefnakt, havia chegado a hora de derrubar o faraó negro.
O Faraó Negro13
40 kmMapa: Edigraphied
direção de TebasHermópolis
Heracleópolis
Illahun
FAYUM Meidum
NIL
O
NIL
O
NIL
O
Lago Qarum Licht
Ndireção do Delta