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O Governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964 O autor (Jorge Ferreira) faz uma crítica às abordagens mais tradicionais da historiografia sobre o golpe de 64. Uma destas abordagens personaliza a história, ou seja, responsabilizam um único indivíduo (no caso, João Goulart, outros também culpam Brizola) pelo golpe que ocorrera. Inserido nesse caráter personalista da história, para a direita civil-militar o presidente era um corrupto, demagogo, e comunista, sendo estas características atribuídas à Goulart motivo suficiente para o golpe na visão desse grupo; já à esquerda o presidente era visto como um líder burguês de massa, um conciliador (termo visto de forma pejorativa pelo grupo da ala mais radical). Assim tanto para a direita como para a esquerda as ações de Goulart teriam traçado o destino de toda uma nação rumo ao golpe. Algumas interpretações, inclusive de alguns historiadores, apontavam o presidente como um “populista”. Outra abordagem a respeito do golpe possui um caráter mais estruturalista, onde as estruturas econômicas do país teriam levado o mesmo a uma crise (alto índice de inflação na época, esta gerada desde o governo JK e que chegara com mais intensidade no governo JG) e consequentemente ao golpe, sendo está uma análise calcada num determinismo econômico. Outra leitura sobre o período analisa o golpe a partir de uma conspiração dos grupos conservadores internos em conjunto com o governo norte-americano (o que não significa negar o apoio do governo estadunidense ao golpe,

O Governo Goulart e o Golpe Civil-militar (Resenha)

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Resenha do texto do historiador Jorge Ferreira, presente no livro O Brasil Republicano Vol.3. A resenha aborda as principais ações dos atores sociais e políticos que influenciaram a crise política do Brasil durante o governo Goulart levando ao golpe de Estado executado em 31 de março de 1964 por um grupo civil-militar.

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O Governo Goulart e o golpe civil-militar de 1964

O autor (Jorge Ferreira) faz uma crtica s abordagens mais tradicionais da historiografia sobre o golpe de 64. Uma destas abordagens personaliza a histria, ou seja, responsabilizam um nico indivduo (no caso, Joo Goulart, outros tambm culpam Brizola) pelo golpe que ocorrera. Inserido nesse carter personalista da histria, para a direita civil-militar o presidente era um corrupto, demagogo, e comunista, sendo estas caractersticas atribudas Goulart motivo suficiente para o golpe na viso desse grupo; j esquerda o presidente era visto como um lder burgus de massa, um conciliador (termo visto de forma pejorativa pelo grupo da ala mais radical). Assim tanto para a direita como para a esquerda as aes de Goulart teriam traado o destino de toda uma nao rumo ao golpe. Algumas interpretaes, inclusive de alguns historiadores, apontavam o presidente como um populista. Outra abordagem a respeito do golpe possui um carter mais estruturalista, onde as estruturas econmicas do pas teriam levado o mesmo a uma crise (alto ndice de inflao na poca, esta gerada desde o governo JK e que chegara com mais intensidade no governo JG) e consequentemente ao golpe, sendo est uma anlise calcada num determinismo econmico. Outra leitura sobre o perodo analisa o golpe a partir de uma conspirao dos grupos conservadores internos em conjunto com o governo norte-americano (o que no significa negar o apoio do governo estadunidense ao golpe, apenas no um fator determinante). Essas anlises para o autor se mostram insuficientes e no do conta de explicar o processo que envolveu o golpe civil-militar de 1964.O autor busca analisar o perodo do governo Goulart at o golpe que o deps, mostrando quem eram os atores coletivos envolvidos no processo, bem como seus interesses, lutas polticas e conflitos sociais que geraram a crise poltica que levou a direita civil-militar (que no momento se encontrava articulada,formando uma aliana civil-militar) a aplicar um golpe de estado, depondo assim o presidente. Em sntese, para o autor a explicao para o golpe tem como base a crise poltica gerada pelas lutas polticas entre atores coletivos do perodo (radicalizao tanto de direita como de esquerda), o que possibilitou uma forte e crescente aliana entre grupos civis e militares conservadores, culminando assim na deposio de Goulart em 1964. Trajetria do governo GoulartCom a renncia de Jnio Quadros em 1961, Goulart deveria tomar posse do cargo de presidente da repblica. Durante a renncia, Goulart se encontrava na China (comunista, o que refora as desconfianas dos conservadores sobre o mesmo), e um pequeno grupo de civis e militares queria impedir a posse de Goulart. (lembrando que o mundo est em um contexto internacional de guerra fria, calcado da bipolarizao entre capitalistas [EUA] e comunistas [URSS], criando um clima de radicalizao da direita e da esquerda na disputa sobre qual sistema venceria. Obviamente para as direitas e conservadores no Brasil, o comunismo era uma grande ameaa que deveria ser combatida, sendo essa ideia difundida antes mesmo da bipolarizao do mundo no ps Segunda Guerra).Diante deste contexto, Leonel Brizola lana a campanha pela legalidade, ou seja, que se cumpra o que est previsto na constituio (no caso na de 1946). Goulart consegue assumir o posto de presidente, porm sob a condio de um sistema parlamentarista (onde os poderes do executivo so restringidos e o 1 ministro passa a ter um maior poder poltico), a fim de evitar um golpe militar dos descontentes, o que acarretou ainda no impedimento da implantao de seus projetos reformistas para o pas, frustrando assim os grupos nacionalistas e as esquerdas que lutavam pelas reformas de base (principalmente pela reforma agrria).Mesmo possuindo restries Goulart consegue implementar algumas medidas com base em uma aliana de centro-esquerda (PSD/PTB), uma delas era a de manter uma poltica externa independente em relao ao governo estadunidense como j fizera seu antecessor, e ainda estabelecer relaes diplomticas com os pases do bloco sovitico. importante ressaltar que Goulart herdou uma pesada crise financeira que foi se alastrando desde o final do governo JK e no governo JQ, e que o desentendimento entre Brasil e EUA (tanto pelas desapropriaes de empresas estadunidenses realizadas por Brizola, como tambm sobre a questo cubana, onde o presidente no se mostrava a favor dos EUA) acabou por impedir a negociao de emprstimos do FMI para o Brasil (o que acabou acentuando mais ainda a situao de crise econmica que o pas vivia, com altos ndices inflacionrios, acarretando crises sociais, provocando muitas greves de trabalhadores).Ainda no incio de seu governo houve tentativas de conspiraes de civis-militares conservadores para golpear o governo Goulart, porm sem uma ampla base de apoio tais conspiraes se tornavam incuas. Mesmo entre grande parte dos militares havia algo claro, uma coisa era no gostar do presidente e sua poltica reformista, outra era tentar derrubar um governo legtimo eleito democraticamente. Assim defendendo a legalidade muitos militares no aderiram ao golpismo de uma minoria (no ainda).Outra questo que o governo Goulart teve de lidar foi com relao s lutas no campo, onde os camponeses lutavam ferrenhamente pela reforma agrria (no s os camponeses, mas sim os grupos de esquerda propriamente), tendo no seu discurso a reforma na lei ou na marra. A questo da reforma agrria foi a grande problemtica do perodo, tendo maiores conflitos no tanto por se fazer tal reforma, mas sim sobre como faz-la. Enquanto as esquerdas queriam que as desapropriaes das terras produtivas e improdutivas fossem feitas sem pagamento prvio em dinheiro, os conservadores queriam que a desapropriao fosse feita conforme como estava previsto na Constituio, com pagamento prvio em dinheiro (o que seria impossvel pelas condies financeiras do pas). Mesmo depois a proposta mais moderada de reforma apresentada pelo PSD (desapropriao somente das terras improdutivas, mas no toda, e com correo em 50% dos ttulos da dvida pblica) no satisfez as esquerdas mais radicais, assim levando esses a negarem tal acordo. Tais conflitos gerados sobre a questo agrria do pas inviabilizaram que Goulart conseguisse implementar um projeto de reforma. Tal dificuldade se dava principalmente pelo descarte das esquerdas mais radicais a uma negociao, a uma concesso (medidas estas inaceitveis para esses grupos, totalmente contra qualquer tipo de conciliao).As esquerdas (lembrando que os vrios grupos de esquerda no eram homogneos [PCB, Ligas Camponesas, Frente Parlamentar Nacionalista, CGT, subalternos das Foras Armadas, UNE, FMP, PTB, etc], tendo como ponto de unio em meio diversidade dos mesmos as reformas de base e uma economia de base nacional, formando aquilo que Argelina Figueiredo chamou de coalizo radical pr-reformas, que tinham como palavra de ordem: reforma agrria na lei ou na marra) tinham como sua figura mais representativa (das esquerdas mais radicais) de suas ideias e crenas, Leonel Brizola (lder da Frente de Mobilizao Popular, uma espcie de frente nica de esquerda totalmente intolervel em relao poltica de conciliao de Goulart, que queria a realizao das reformas mesmo que isso significasse um confronto com os conservadores, incluindo ai tambm o PSD), este que incitava Goulart a fechar o Congresso para que as reformas fossem implementadas (medida esta vista por Carlos Lacerda como uma ameaa de golpe comunista), burlando o que previa a Constituio de 1946, partindo para a radicalizao, devido a desacreditar em uma mudana na estrutura econmica e social pela via parlamentar (que segundo ele eram os parlamentares um bando de reacionrios conservadores).Goulart estava impaciente com as amarras do parlamentarismo que o impediam de executar suas propostas de governo, e ento passou a se preocupar em primeiro lugar com a restaurao de seus poderes, lutando pela campanha do retorno ao presidencialismo no pas, para ento implementar as reformas de base. O presidente apontava que o sistema parlamentarista era fraco, impossibilitando uma proposta econmica que levasse o pas a superar a grave crise e consequentemente impedindo a realizao das reformas. Goulart reformula seu ministrio e pede a convocao de um plebiscito sobre a continuidade do sistema parlamentarista. Esse sistema foi-se aos poucos se mostrando em descrdito, tal a ponto de conservadores, esquerdas e empresariado se unirem pela volta do presidencialismo. Em 6 de janeiro de 1963 foi realizado o plebiscito e Goulart vitorioso, agora tendo a volta do sistema presidencialista, recuperando os seus poderes enquanto chefe do executivo.Tendo de volta seus poderes Goulart formou um novo ministrio, procurando apoio poltico do centro, buscando assim conseguir governabilidade a partir da aliana PSD/PTB, conseguindo a maioria na bancada do Congresso Nacional, visando implementar as mudanas econmicas e sociais via acordos, negociaes e compromissos entre o centro e a esquerda (que no final das contas no funciona).Em vista da grande crise econmica pela qual o pas passava, Goulart buscou implementar o seu projeto de governo: o Plano Trienal. Tal plano tinha como meta o combate inflao sem comprometer o desenvolvimento econmico, e assim poder ento implementar as reformas de base. Porm esse plano exigia medidas ortodoxas (tais como restries salariais, limitaes de crditos e preos, cortes nas despesas governamentais, medidas essas bem vistas aos olhos dos banqueiros internacionais), que afetavam os interesses de trabalhadores e capitalistas, tendo que ser viabilizado e implementado por meio de um pacto entre governo com esses setores, formando assim uma coalizo multiclassista, que envolveria acordos e concesses das partes envolvidas. Porm tal plano como tentativa de acordo se mostrava muito frgil. Tanto os capitalistas (parte deles no incio, mas depois todos eles) quanto os grupos das esquerdas reformistas repudiaram as medidas adotadas por meio do Plano Trienal, estes ltimos liderados por Brizola atacavam o plano e a poltica de conciliao (vista de forma pejorativa) de Goulart. Com as presses destes setores sobre tal plano, Goulart rompe com seu prprio projeto de governo e cede aos interesses dos capitalistas e dos sindicatos dos trabalhadores. Em decorrncia de tal atitude o FMI viu nessa medida um fracasso da parte do governo em conter a inflao, levando a no negociao e ao no refinanciamento da dvida externa, acentuando a crise econmica no pas.As bases sociais e polticas (trabalhadores e sindicalistas) que sustentaram Goulart durante sua trajetria estavam descontentes com o governo ao serem castigados pela inflao, e teciam crticas poltica de conciliao do presidente. Buscando reverter esse quadro, com o insucesso do Plano Trienal, Goulart se volta para as esquerdas e envia ao Congresso um projeto de reformas de base, em especial sobre a reforma agrria, porm a proposta da emenda constitucional formulada pelo governo era inaceitvel para os conservadores. O PSD aceitaria tal projeto de emenda caso fosse feita uma correo monetria dos ttulos da dvida pblica que os proprietrios deveriam receber pelas desapropriaes. Porm o PTB rejeita a proposta de ajuste do PSD, impossibilitando qualquer tipo de acordo. Diante da negao da proposta, comcios, passeatas e ameaas de greve geral foram lanadas nas ruas na busca de pressionar o Congresso, porm tais medidas foram em vo e a proposta de reformas apresentada pelo presidente (com o apoio do PTB) foi negada. Portanto no que se refere questo da reforma agrria, todas as propostas apresentadas no decorrer do governo Goulart no obtinham acordos por parte da direita, da esquerda, e do centro.Assim com o fracasso da conciliao (termo este como j foi dito inadmissvel para as esquerdas) de medidas ortodoxas (Plano Trienal) e estruturalistas (reformas de base, em especial a agrria), as esquerdas, sobretudo o PTB radical, vo negar a possibilidade de realizar as mudanas sociais e econmicas por via parlamentar, mostrando-se visvel a dissoluo da aliana histria PTB/PSD. Enquanto isso os crculos conspiratrios contra o governo cresciam paulatinamente.Outro problema que deixou o governo ainda mais desgastado foi crise poltico-militar. Os movimentos dos subalternos (sargentos) teve grande expresso, estes que protestaram contra a inelegibilidade dos mesmos, chegando at mesmo a tomarem controle da capital do pas, porm posteriormente sufocados. O levante dos sargentos enfraqueceu o governo. A alta oficialidade fortaleceu a desconfiana em relao aos subalternos (lembrando que estes estavam vinculados aos projetos da esquerda) e s esquerdas (que apoiaram a causa dos sargentos), fortalecendo assim o grupo conspiratrio.Em meio a essa situao conturbada, Carlos Lacerda e Ademar de Barros disferiam ataques ao presidente. Tais ataques fizeram com que os ministros militares de Goulart propusessem a ele que se decretasse estado de stio e que ordenassem a priso de Lacerda. O pedido foi encaminhado ao Congresso, porm este foi criticado e negado tanto pelas esquerdas como pelas direitas. Goulart passa a sofrer desconfiana de seus antigos aliados e a oposio frrea dos conservadores.Assim, desarmado contra os governadores mais poderosos do pas, sem o apoio dos grupos de esquerda, atacado pela direita e perdendo o controle sobre os militares, o presidente saiu daquele episdio bastante enfraquecido. Diversos oficiais, at ento legalistas [que eram a favor da constituio], passaram a apoiar, ainda que de maneira passiva, o grupo de conspiradores, enquanto outros integraram-se ativamente no movimento [conspiratrio].O clima do perodo era de radicalizao crescente. Goulart fica cada vez mais isolado quando as esquerdas rompem com ele (devido ao carter conciliador do presidente). Diante disso o presidente tenta reconstituir alianas com o PSD, isolando o PTB radical, buscando retomar seu projeto de reformas pela via da negociao. Porm a tentativa foi em vo. Goulart deixou de ter apoio de todos os partidos, ficando isolado direita, esquerda e ao centro.A poltica de conciliao de Goulart no obteve resultados, mas no por incapacidade de viabilizar negociaes, mas sim pela radicalizao crescente tanto dos conservadores quanto das esquerdas que se confrontavam constantemente.Houve outra alternativa proposta por San Tiago Dantas (PTB moderado) ao governo, a Frente Progressista de Apoio s Reformas de Base. Essa frente pretendia impedir o crescimento do circulo conspiratrio da direita civil-militar (a isolando), reagrupar as foras de centro a favor do governo, ao mesmo tempo retirar o presidente do isolamento poltico, e isolar as esquerdas radicais, buscando garantir a estabilidade democrtica para a realizao das reformas, estas que deveriam ser realizadas, segundo Dantas, com uma base poltica de centro e esquerda moderada. Porm tal proposta no conseguiu unir as esquerdas. Frente proposta de Dantas, Brizola pregava a formao da Frente nica de Esquerda, que combatia o Congresso e a proposta conciliadora do presidente. Porm Goulart se negou a ser refm destas duas frentes, evitando as limitaes por um lado, e a radicalizao por outro.Com temor em relao mobilizao de operrios e camponeses, o PSD passou a se aproximar da UDN. Repudiado pela direita, visto com suspeio pelo centro e isolado pelas esquerdas, ele [Goulart] aproximava-se do final de seu governo com resultados pfios, sem conseguir realizar as reformas de base que tanto pregava.Para as esquerdas radicais as reformas s poderiam a vir ser implementadas pela poltica do confronto. Elas (as esquerdas) acreditavam terem fora suficiente para confrontarem a direita, e que seriam vitoriosos nesse embate, afinal pensavam que o Exrcito estaria ao lado do povo, como no episdio da Companha da Legalidade. Porm as esquerdas no perceberam que no episdio da campanha a legalidade era a bandeira das esquerdas, ou seja, que se garantisse a democracia e se cumprisse as leis previstas na Constituio, diferentemente do que ocorrera com relao ao governo at 64, onde os conservadores argumentavam que a Constituio era intocvel, e que as esquerdas que queriam por meio de uma estratgia ofensiva romper a institucionalidade.Sem obter resultados para conter a crise econmica e modificar as estruturas sociais, j em fins de fevereiro de 1964, Goulart restaram as seguintes opes de governo: no fazer nada at o final de seu governo e deixar o pas no caos financeiro, desmoralizando o projeto reformista e a si mesmo; aliar-se ao centro e direita (PSD/UDN), implementando uma poltica econmica conservadora (aceitando as condies do FMI), reprimindo o movimento operrio e rebaixando o salrio dos trabalhadores; outra alternativa seria aliar-se Frente Progressista de Dantas, aceitando as limitaes das reformas propostas pelo PSD e afastando-se dos grupos mais radicais, inclusive do PTB radical; e a ltima seria aliar-se s esquerdas radicais que adotavam a poltica do confronto, assim acreditando no potencial que o grupo dizia ter para enfrentar os conservadores. A unio com as esquerdas radicais foi a opo de Goulart. Tal medida alimentou as suspeitas dos legalistas de oposio ao governo, fazendo com que esses passassem a aderir aos apelos dos setores da direita golpista, pretendendo mesmo colocar em jogo o rompimento das regras democrticas. Em outras palavras, a aliana com as esquerdas radicais (lideradas por Brizola) o ponto chave para os golpistas de direita implementarem o golpe.O comcio do dia 13 de maro de 1964 na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, foi o evento que marcou a aliana do governo Goulart com as esquerdas radicais, e que partir dali ele governaria exclusivamente e somente com as esquerdas. Esse evento, segundo Argelina Figueiredo, desencadeou foras esquerda e direita que o governo no mais podia controlar. Com o anncio do comcio, os capitalistas se mobilizaram contra as reformas de Goulart, principalmente na Guanabara de Lacerda. Ia-se fortificando cada vez mais o grupo conspiratrio civil-militar, includos alguns governadores de estados e parlamentares conservadores. Porm o chefe da Casa Militar de Goulart, Assis Brasil, garantia ter montado um dispositivo militar caso houvesse tentativas de golpe. Na verdade tal dispositivo era uma falcia, era inexistente, ou nunca entrou em ao.O pblico que assistia ao comcio era composto de 5% de janguistas e comunistas, sendo os 95% restantes apoiadores do pensamento legalista, apoiando as reformas de base dentro dos princpios democrticos, no admitindo o fechamento do Congresso e nem a reeleio de Goulart.Em reao ao comcio do dia 13, foi realizada a Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade, que teve como foco central atacar o presidente (evidenciando que Goulart no tinha muito apoio da sociedade civil). Era evidente o crescimento do circulo conspiratrio dos conservadores, porm as esquerdas desacreditavam que um golpe viesse da direita.Dois acontecimentos iriam marcar o que seria a maior crise do governo. O primeiro deles foi a crise na Marinha, onde a alta oficialidade entra em confronto com os subalternos. Estes ltimos comemorariam o segundo aniversrio de fundao da Associao dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, porm foram proibidos pelo ministro da Marinha, Silvio Mota. Com isso os subalternos programaram um novo ato no Sindicato dos Metalrgicos no Rio de Janeiro. O evento tomou rumos reivindicatrios, exigindo melhorias nas condies de vida e alimentao nos navios, alm de quererem ser reconhecidos como entidade oficial. Em reao aos subalternos, Silvio Mota ordenou a priso de 40 marinheiros e cabos que organizaram o encontro. Porm a tropa que foi enviada para conter o evento acabou por aderir causa dos marinheiros. Goulart ao saber do ocorrido entrou em favor dos subalternos, impedindo que houvesse retaliao com os mesmos (fazendo com que Silvio Mota renunciasse o cargo). As esquerdas tambm se mobilizaram a favor da reivindicao dos marinheiros. Tais medidas levaram a outra rebelio, agora da oficialidade. No final das contas, os marinheiros revoltosos foram anistiados, sem sofrerem retaliaes da Marinha.Mal sabia Goulart que suas aes e a das esquerdas iriam adquirir tamanha gravidade, e que atingiriam profundamente a integridade profissional das Foras Armadas. Todo o conjunto de idias, crenas, valores, cdigos comportamentais e a maneira como eles (Foras Armadas) davam significado s suas instituies encontrava-se subvertido. Goulart que era tido como comunista, se apresentava como uma ameaa s Foras Armadas, ao romper com os fundamentos bsicos da instituio: a disciplina e a hierarquia. Isso levou a maioria dos oficiais das trs Foras, que estavam ainda inseguras em conspirarem contra o governo e o golpear, comearem a ceder aos argumentos dos golpistas, em vista de proteger a prpria corporao militar que estava sendo subvertida segundo os mesmos. Em outras palavras, a cada crise militar, a minoria golpista foi ganhando novos adeptos ao golpe.O segundo acontecimento que acentuaria mais ainda a crise poltico-militar e se tornaria a gota dgua para os golpistas, foi a ida de Goulart a uma festa de comemorao de sargentos (subalternos) das Foras Armadas, justamente a muito pouco tempo do motim de marinheiros, e com a oficialidade em rebelio passiva. A atitude de Goulart, segundo Jorge Ferreira, era, no mnimo, imprudente. Insistiram para Goulart no comparecer ao evento, porm mesmo assim o presidente foi, discursou, e apresentou uma definio de disciplina e hierarquia, que acabou dando mais argumentos aos militares (legalistas, at ento) insatisfeitos com o presidente, em especial maioria dos oficiais das trs Foras, para aderirem ao golpismo, j que as decises de Goulart ameaavam a instituio militar. Segundo o autor, a revolta dos marinheiros e a ida de Goulart ao Automvel Clube ao lado de sargentos, marinheiros, fuzileiros navais (subalternos), foi o momento em que os militares legalistas aderiram aos argumentos dos golpistas, tratava-se, pois de garantir a institucionalidade da corporao militar. Chegado a esse ponto a situao no tinham mais contorno, a direita partiu para efetuar o golpe no dia 31 de maro de 1964.O primeiro movimento foi das tropas do general Olmpio Mouro Filho a mando do governador de Minas Gerais, Magalhes Pinto, este que tinha apoio do Departamento de Estado norte-americano. No estado da Guanabara a Polcia Civil do estado perseguia lderes sindicais, prendendo vrios membros da diretoria do CGT. A greve geral foi deflagrada pelo CGT, porm a mesma no obteve repercusses.Iniciativas de resistncia ocorreram em vrios pontos do pas, porm sem sucesso. No Rio de Janeiro os fuzileiros navais organizaram-se para resistir, porm nenhuma ordem para agirem chegou Associao dos Marinheiros e Fuzileiros Navais.O almirante Arago esperava ordens de Goulart para prender Lacerda, porm a ordem no veio. Isso se deve ao fato de que Goulart queria evitar jogar o pas em uma guerra civil. Outra determinante para a atitude de Goulart era as informaes que ele obteve de San Tiago Dantas, informaes estas que diziam que havia uma frota norte-americana no litoral brasileiro aproximando-se no Rio de Janeiro, e se por acaso prendessem Lacerda, os navios de guerra entrariam na baa de Guanabara. Assim o presidente ao no mandar prender Lacerda, queria evitar tanto o desencadeamento de uma guerra civil como uma invaso de tropas estrangeiras no pas.Para deter a marcha de Mouro foi enviado o Regimento Sampaio e do 1 Grupamento de Obuses, porm esse grupo enviado acabou por aderir aos golpistas. importante se ressaltar que o conjunto das trs Foras estava lutando pela integridade das prprias corporaes, atuando com o apoio de grupos sociais e instituies civis.Goulart ainda recebeu um ultimato de seus generais. No pensamento dos militares das trs Armas, as reformas de base, crists e democrticas em benefcio do povo teriam o apoio dos mesmos, desde que Goulart coloca-se o CGT na ilegalidade, rompesse com os comunistas, reprimisse as greves de trabalhadores e negociasse com as tropas rebeladas, pedido este negado pelo presidente. Seu amigo Kruel ainda tentaria convencer Goulart a abandonar os comunistas, pedido este tambm negado. O presidente sabia que a democracia j estava comprometida, e que se aceitasse aos apelos de Kruel, ele no poderia realizar as reformas que ele tanto priorizava, alm disso, tal medida o faria cmplice da represso aos sindicatos e as esquerdas, papel esse que ele (Goulart) no queria realizar.Ao mesmo tempo Goulart queria evitar a resistncia a fim de impedir a ecloso de uma guerra civil e uma invaso norte-americana que causaria muitas mortes, isso fez com que ele (Goulart, como comandante-chefe das Foras Armadas) no ordenasse uma resistncia ao golpe da direita civil-militar (que como j foi dito, contava com o apoio de foras estrangeiras, EUA).O presidente aconselhado pelos seus generais a deixar o Palcio das Laranjeiras e que fosse para Braslia, postura essa interpretada como a renncia do presidente. Aps saber da ida do presidente para Braslia, Lacerda liberou as foras golpistas no estado, causando o espancamento de estudantes, o incndio do prdio da UNE, tomada de organizaes sindicais e do Ministrio do Trabalho. Como j mencionado, o presidente j desistira de resistir a fim de evitar joga o pas num caos de mortes. Somente ainda Brizola na clandestinidade tentara ainda alguma resistncia, porm mal sucedida devido ao avano dos golpistas.O autor conclui que, do dia 13 de maro 1 de abril, o conflito de foras antagnicas (conservadores e esquerdas radicais) se redimensionou, fugindo ao controle do governo. Tanto direita como esquerda a questo democrtica estava comprometida. A direita sempre esteve disposta a romper com as regras democrticas, j a esquerda, lutando pelas reformas a qualquer preo, tambm estava disposta a sacrificar a democracia do pas. O clima, como j mencionado, era de constante radicalizao de ambos os lados.Concordando com a avaliao de Maria Celina DArajo, o autor entende que o golpe civil-militar foi um golpe contra o PTB, contra as esquerdas, suas prticas e lideranas. No clima de Guerra Fria que pairava sobre o perodo, o anticomunismo era muito corrente no pensamento da direita. Ainda segundo o autor, os protagonistas do conflito (esquerdas diversas, a direita civil e os militares), que levaram o pas a uma crise poltica, possibilitando uma articulao que culminara num golpe civil-militar, no sabiam o que ocorreria depois com o governo do pas. Somente depois que os rumos do pas se apresentariam como um regime ditatorial militar. Ferreira coloca que os civis que apoiaram o golpe e comemoraram a vitria do mesmo em abril de 1964, pensando estarem defendendo a democracia para evitar um golpe de esquerda, mal sabiam que estavam apoiando um golpe que posteriormente elevaria o pas a um regime militar. O autor encerra o texto dizendo que o golpe de 1964 foi um novo tipo de golpe, no qual os militares no entregaram o poder aos civis aps a deposio do presidente, como o faziam at ento.